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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO PRISÃO ESPECIAL: UMA ANÁLISE A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE HUMANA MARIA APARECIDA DE ANDRADE NUNES Itajaí, maio de 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

PRISÃO ESPECIAL: UMA ANÁLISE A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE HUMANA

MARIA APARECIDA DE ANDRADE NUNES

Itajaí, maio de 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

PRISÃO ESPECIAL: UMA ANÁLISE À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE HUMANA

MARIA APARECIDA DE ANDRADE NUNES

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Renato Massoni Domingues

Itajaí, maio de 2006.

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AGRADECIMENTO

Agradeço a todos que, de forma direta ou indireta, prestaram sua colaboração para que este trabalho fosse realizado.

Agradeço ao Professor Renato Massoni Domingues, meu orientador, pelo incentivo e amparo.

Agradeço aos meus amigos de sala, pelo carinho e compreensão, e especialmente a Rosi pela ajuda na correção deste trabalho.

Agradeço a minha amiga Francine, pela ajuda e companheirismo durante a faculdade.

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DEDICATÓRIA

A César, meu amado esposo, pela paciência e incentivo, pelos anos maravilhosos de convivência e pelo futuro que virá.

A Lola, minha querida mãe, que com dedicação e carinho, à custa de sacrifício pessoal, me abriu às portas para esta conquista.

A João, meu pai, pelo dom da vida, certamente, mesmo não estando mais entre nós, estará feliz por esta conquista.

A minhas filhas, Bruna Luiza e Maria Eduarda, razão maior da minha existência.

Ao meu sogro e sogra, pelo carinho e ajuda, e também com sacrifício pessoal me ajudaram por esta conquista.

Aos meus irmãos, todos maravilhosos, que de certa forma direta o indiretamente me ajudaram por esta conquista.

A minha irmã Simone e família, pessoas extremamente especiais, que muito me ajudaram a conquistar este diploma.

Aos meus amigos Sandra, Jairo e meninas, pessoas extremamente especiais, amigos de toda hora.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), maio de 2006.

Maria Aparecida de Andrade Nunes Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduada Maria Aparecida de Andrade

Nunes, sob o título Prisão Especial: Uma análise a Luz dos Princípios

Constitucionais da Igualdade e da Dignidade Humana, foi submetida em nove de

junho de 2.006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

MSc. Osmar Diniz Facchini, MSc. Rogério Ristow, Prof.Renato Massoni

Domingues, e aprovada com a nota 10 (dez).

Itajaí, maio de 2.006.

Renato Massoni Domingues Orientador e Presidente da Banca

Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CPP Código de Processo Penal de 1941

P. Páginas

ED. Edição

ART. Artigo

ATUAL Atualizado

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Competência

Extensão do poder de jurisdição do juiz. 1

Decisão Judicial

Ato pelo qual a autoridade judiciária manifesta seu posicionamento a respeito de

questão jurídica que lhe é submetido à apreciação, contendo força de imposição

ante a coercebilidade que lhe é inerente.

Devido Processo Legal

Tal expressão denomina o princípio constitucional que garante ao indivíduo ser

processado nos termos de normas jurídico anteriores ao fato ensejador do

processo. Pelo princípio do devido processo legal (due processo f law) qualquer

imposição que atinja a liberdade ou os bens de uma pessoa deve estar sujeita ao

crivo do Poder Judiciário, que atuará mediante juiz natural, em processo

contraditório que assegure as parte ampla defesa. 2

Dignidade

Respeito ao ser humano pela sua condição de pessoa, considerando-o

merecedor das condições materiais, sociais, psicológicas e espirituais que

permitam seu pleno desenvolvimento. 3

Dignidade da Pessoa Humana

Conceito que pressupõe respeito pela vida e integridade física do ser humano,

com a presença de condições mínimas para a existência digna, resguardada a

1 BENASSE, Paulo Roberto. Dicionário Jurídico. 2 ed. Campinas: Brookseller, 2001. p.102. 2 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico DE Direito. 3 ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2003. p. 291. 3 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. p. 294.

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intimidade e a identidade do individuo, com a garantia de igualdade para com

outrem, atingindo também sua condição psicofísica. 4

Direito

Sob o enfoque subjetivo, “é a faculdade reconhecida, natural ou legal, de praticar

ou não praticar certos atos”, sendo a nomenclatura também empregada para

designar o conjunto de regras jurídicas que regulam a vida em sociedade, que

configura seu aspecto objetivo. 5

Direitos Fundamentais

Referem-se aos Princípios que definem a ideologia política do ordenamento

jurídico e designam as prerrogativas e instituições concretizadas nas garantias da

Dignidade da Pessoa humana e das liberdades fundamentais de todas as

pessoas; tratam de situações jurídicas nas quais as pessoas humanas se

realizam e sobrevivem; ensejam o reconhecimento formal, concreto e material dos

Direitos e Liberdades Fundamentais. 6

Direitos Individuais

“Patrimônio jurídico do indivíduo, o qual é contemplado por todos os demais

direitos subjetivos que a pessoa adquire dentro da ordem jurídica”. 7

Fumus boni júris

“Fumaça do bom direito”. Pretensão razoável, com probabilidade de êxito em

juízo. Um dos requisitos da ação cautelar e da tutela antecipada. 8

Igualdade

Tratamento jurídico da pessoa pelo qual esta é considerada como sujeito de

direitos e obrigações, independentemente de suas condições particulares. 9 4 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 108-109. 5 BARBOSA, Rui. Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.483. 6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 159. 7 GREGO FILHO, Vicente. Tutela Constitucional das Liberdades. São Paulo: Saraiva 1989. p. 41. 8 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Processo Civil. 28. ed. São Paulo: Malheiros,2004.p.144.

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Indivíduo

Ser humano detentor de direitos e garantias, seja brasileiro ou estrangeiro que se

encontre no território nacional.

Jusnaturalista

Corrente de pensamento que propugna pela existência de um direito justo por

natureza, independente da disciplina social imposta pelo legislador. Haveria na

alma humana uma consciência inata, natural, do que é bom e justo,

independentemente da orientação imposta pela lei ou direito positivo. 10

Medida Cautelar

Também denominada “Medida Preventiva”, é toda a que atende à pretensão de

segurança do direito, da prova, ou da ação. 11

Princípios

“Enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais

asserções que compõe um dado campo do saber. São verdades fundantes de um

sistema de conhecimento”. 12

Princípios Constitucionais Fundamentais

Princípios Constitucionais Fundamentais são aqueles que definem e caracterizam

a coletividade política e o Estado, enumeram as principais opções político-

constitucionais; consagram a síntese de todas as normas constitucionais; definem

a forma e a estrutura do Estado, seu regime político, sua forma de governo e sua

organização, política. 13

Prisão

9 SCARANGE FERNANDES, Antonio. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.47. 10 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 3 ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2003. p.475. 11 BENASSE, Paulo Roberto. Dicionário Jurídico. p. 227. 12 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 305. 13 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 83.

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Lato sensu é a privação, o tolhimento dos movimentos do indivíduo, com seu

recolhimento ao cárcere; stricto sensu “é a pena privativa de liberdade imposta ao

delinqüente, cumprida, mediante clausura, em estabelecimento penal para esse

fim destinado”. 14

Prisão Especial

É a que têm direito certas pessoas enquanto não transitada em julgado a

sentença condenatória. Distingue-se dos presídios, penitenciárias e colônias

agrícolas. São as cadeias e casa de detenção. 15

Processo Penal

Conjunto de regulamentações que dispõem sobre o processo e o procedimento, a

jurisdição e a competência, a ação penal e a investigação criminal, assim como o

Direito de defesa e as medidas cautelares concernentes à apuração de fato tido

como infracional. 16

Sentença Criminal Condenatória

Decisão de caráter definitivo ou terminativo do Processo-Crime, na qual o Estado-

Juiz, analisando as provas havidas nos autos, conclui pela culpabilidade do

agente, dando-o por incurso em infração penal, por reconhecer presente à

materialidade (se assim for exigida), a autoria ou participação e a culpabilidade,

aplicando a sanção ou sanções correspondentes.

Trânsito em Julgado

Decurso de prazo para interposição de recurso contra decisão judicial, dando a

ela condição de definitivamente. 17

14 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998. p. 20. 15 BENASSE, Paulo Roberto. Dicionário Jurídico. p. 261. 16 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. p.618. 17 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. p.710.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XII

INTRODUÇÃO..................................................................................... 1

CAPÍTULO 1........................................................................................ 4

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ............................................. 4 1.1 HISTÓRICO ......................................................................................................4 1.2 CONCEITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .......................................11 1.3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.........................................................12 1.3.1 Funções Dos Princípios Constitucionais.................................................15 1.3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .........................................16

CAPÍTULO 2...................................................................................... 21

DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE, E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................ 21 2.1 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE.....................................21 2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...25 2.2.1 IGUALDADE MATERIAL ....................................................................................27 2.2.2 IGUALDADE FORMAL.......................................................................................28 2.3 A IGUALDADE JURÍDICA .............................................................................31 2.4 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O PODER LEGISLATIVO........................33 2.5.PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...34 2.6 CONCEITO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..............................................................................................37

CAPÍTULO 3...................................................................................... 41 3.1 PRISÃO ..........................................................................................................41 3.2 PRISÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL: NECESSIDADE CAUTELAR............................................................43 3.3 PRISÃO ESPECIAL .......................................................................................47 3.3.1 CATEGORIAS PROFISSIONAIS BENEFICIADAS COM A PRISÃO ESPECIAL .............51 3.4 PRISÃO ESPECIAL: DIREITO OU PRIVILÉGIO?.........................................53

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 59

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 64

ANEXOS.................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

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RESUMO

Esta monografia foi concebida com o objetivo de promover

uma análise crítica sobre a Prisão Especial frente aos Princípios Constitucionais

da igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana e, não há como se falar em

prisão especial sem se fazer um estudo sobre o princípio da igualdade e da

dignidade da pessoa humana. Apesar do artigo 5º da CRFB consagrar o princípio

da igualdade, estabelecendo que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza”, o código de processo penal e a legislação extravagante

conferem a certas pessoas o direito à prisão especial, ou seja, o “privilégio” de

ficar preso em cela ou estabelecimento penal ou não, diverso do cárcere comum,

até o julgamento final da decisão penal condenatória.Procurou a lei, em razão da

qualidade das pessoas envolvidas em processos, na fase que antecede a

decisão, permitirem que aquelas que exercem determinadas atividades sejam

recolhidas a quartéis ou locais aptos a servirem como prisão especial, evitando-se

o seu contato com os demais presos, garantindo-lhes ambiente menos

constrangedor e condições de vida mais condizentes com a atividade profissional

até então desenvolvidas.Todavia, enumerando determinadas categorias de

pessoas que na fase processual têm direito à prisão em condições especiais, o

legislador ordinário não afrontou o texto constitucional, já que a todos os cidadãos

estão abertos os caminhos que conduzem à conquista das posições que dão aos

seus integrantes regalias de um tratamento sem o rigor carcerário. Dessa forma,

não sendo possível, por deficiência de ordem material, estender a todos os

acusados ainda não condenados, um tratamento que diminua os riscos de

injustiça, imanentes ao caráter preventivo da medida privativa de liberdade, não

há mal em que isso seja feito pelo menos a alguns acusados.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto Prisão Especial

uma análise à luz dos Princípios Constitucionais da Igualdade e da Dignidade da

Pessoa Humana.

Seus objetivos são: institucional: produzir uma monografia

para obtenção de grau de bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí

– UNIVALI; b) geral: verificar, com base, principalmente, na doutrina e legislação

brasileira, o instituto da Prisão Especial frente aos Princípios Constitucionais da

Igualdade e Dignidade da Pessoa Humana; c) específicos: obter dados históricos

e atuais do instituto Prisão Especial, a partir da doutrina e legislação pátria:

aprofundar o conhecimento sobre o instituto da Prisão Especial.

A opção pelo tema deu-se ao grande interesse da

acadêmica pelo Direito Penal brasileiro, levando-a a aprofundar seus

conhecimentos no instituto Prisão Especial, para saber se é inconstitucional, ou

não.

Quanto à metodologia18empregada, registra-se que nas

Fases de investigação e do Relatório dos Resultados – expresso nesta

monografia – foi utilizado o Método Indutivo19. Nas diversas fases da pesquisa,

foram acionadas as Técnicas do Referente20, da Categoria21, do Conceito

Operacional22 e da pesquisa bibliográfica.

18 “Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de investigação e técnica”. In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora 2002, p. 87 (destaque no original). 19 Método indutivo é “Base lógica da dinâmica da Pesquisa Cientifica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e coleciona-las de modo a ter uma percepção ou conclusão”. In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 238. 20 “Referente é a explicação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p.62.

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A monografia se encontra dividida em três capítulos. Para

tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando de Princípios Constitucionais. Logo

após a exposição de sua evolução histórica, são apresentados conceitos

operacionais. Aborda-se-a suas funções, como parâmetro de ligar objetivamente

todo o sistema constitucional. Logo após apresentadas as suas funções dentro do

ordenamento jurídico, é apresentado às classificações de princípios.

No Capítulo 2, tratando de Princípios Constitucionais da

Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana, expondo o Princípio da Igualdade

como o centro medular do Estado Social e de toldos os direitos de sua ordem

jurídica. Logo depois, é assinalada a importância do princípio constitucional da

igualdade na CFRB/88, e são analisadas a igualdade material e a igualdade

formal, e também o Princípio da Igualdade e o Poder Legislativo. Em seguida, faz-

se a análise do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, e seus

conceitos operacionais.

No Capítulo 3, por sua vez, trata da Prisão Especial,

expondo primeiramente sobre a prisão e suas definições. Em seguida, dentro da

perspectiva cautelar, a necessidade cautelar da prisão antes do transito em

julgado. E por fim, Prisão Especial, o seu disciplinamento atual, com indicação

dos dispositivos processuais correspondentes. E também, as categorias

beneficiadas com a prisão especial. Ao final, são destacadas e analisadas se a

Prisão Especial é um Direito ou um Privilégio.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1° A primeira hipótese é no sentido de confirmar se há prisão especial como direito para um determinado grupo de pessoas decorrente de uma condição específica.

21 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p.31 22 “Conceito operacional (cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para efeitos das idéias que expomos” In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica – idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p.56

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2° Se a concessão do benefício da prisão especial tão somente para aquele grupo específico de pessoas estará o Judiciário ofendendo princípios constitucionais como o da igualdade das pessoas, bem como o da dignidade da pessoa humana dos presos excluídos do benefício.

3° Ainda, a possibilidade de uma interpretação da norma processual penal via hermenêutica relacionada sobre a extensão da prisão especial para todos os presos em respeito aos princípios constitucionais indicados na segunda hipótese.

Em virtude da existência de elevado número de categorias e

conceitos operacionais, importantes para a melhor compreensão deste trabalho,

optou-se pela elaboração de um rol específico.

O presente relatório de pesquisa se encerra com as

considerações finais, nas quais apresentar-se-á a confirmação ou não das

hipóteses levantadas.

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CAPÍTULO 1

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

1.1 HISTÓRICO

Segundo Paulo Bonavides, “A juridicidade dos princípios

passa por três distintas fases: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista”. 23

A primeira, e mais antiga é a fase jusnaturalista; aqui, os

princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e sua normatividade,

basicamente nula e duvidosa, contrasta com o reconhecimento de sua dimensão

ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça. 24

A fase jusnaturalista dominou a dogmática dos princípios por

um longo período até o advento da Escola Histórica do Direito. 25

E esta deu lugar, em seguida, a um positivismo tão forte, tão

dominante, que ainda este século os cultores solitários e esparsos da doutrina do

Direito Natural nas universidades e no meio forense parecia se envergonhar do

arcaísmo de professarem uma variante da velha metafísica jurídica. 26

Aliás, Berger, citado por De Diego no “Prólogo” à obra

clássica de Del Vecchio sobre os princípios:

Substituía a expressão princípio de Direito Natural por idéia de Direito (Rechts-idea), manifestando que era de bom tom menosprezar a Filosofia do Direito e fazer do Direito Natural uma aberração.27

23 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7 ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. p.232. 24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.232 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.232. 26 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.232. 27 DIEGO,Felipe Clemente de. ”Prólogo”, In: Giorgio Del Vecchio, Los Princípios Generales del Derecho. 2 ed. Barcelona,1948. p.16.

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Segundo Bobbio:

Por volta de 1880, um artigo de Vitório Scialo já marcava o momento culminante da ascensão positivista, mediante certa desconfiança votada à eqüidade, a par de extrema e rígida confiança consagrada às leis, expressão ainda, a nosso ver, de um culto da autoridade e dos códigos.

O mesmo autor italiano escreve que: 28

“O prestígio da concepção positivista do Direito era tal que até alguns juristas austríacos, não obstante o chamamento aos princípios de Direito Natural contido no art. 7º do seu Código Civil, interpretou os princípios gerais como princípios de Direito Positivo”. 29 E, a seguir, fixa a posição básica de Del Vecchio nas primeiras décadas deste século, ao consumar a ruptura do domínio, até então avassalador, absoluto e sem limites, do positivismo tocante à teoria dos princípios, teoria cuja veracidade era posta em dúvida “ao colocar o problema nos termos desta alternativa: estão os princípios gerais do Direito dentro ou fora do sistema?”.

Refere também Bobbio: 30

O artigo estampado em 1921 por Del Vecchio no qual eminente Jurista rompe “a cadeia das opiniões conformes” e sustenta que os princípios gerais de Direito evocados pelo art. 3º do Código Civil italiano de 1865 deveriam ser entendidos como princípios de Direito Natural.

A ressurreição do jusnaturalismo produziu este século,

sobretudo na Alemanha, reflexões curiosas, que talvez expliquem a tenacidade

com que muitos juristas se aferram a essa doutrina do “eterno retorno”.

Por fim, a corrente jusnaturalista concebe os princípios

gerais de Direito, segundo assinala Florez-Valdés: 31

28 BOBBIO, Norberto. Principi Generali di Diritto. p.891. 29 BOBBIO, Norberto. Principi Generali di Diritto. In: Novíssimo Digesto Italiano Turim, 1957, v.13. p.891. 30 BOBBIO, Norberto. Principi Generali di Diritto. p.891.

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Em forma de “axiomas jurídicos” ou normas estabelecidas pela reta razão. São assim, normas universais de bem obrar. São os princípios de justiça, constitutivos de um Direito ideal. São, em definitivo, “um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana”.

O ideal de justiça para os autores jusnaturalista, impregna a

essência dos princípios gerais de Direito. Todavia, a “formulação axiomática” de

tais princípios, conforme observa Enterria, os arrastou ao descrédito. 32

No entanto quem fez de último, com mais clareza e precisão

em contraste entre as duas grandes tendências ou correntes imperantes na

doutrina dos princípios, a jusnaturalista e a positivista, foi, José M. Rodriguez

Paniaguá.

Segundo o autor espanhol: 33

Em conclusão e em resumo, podemos dizer que a diferença mais destacada entre a tendência histórica ou positivista e a jusnaturalista radica em que esta última afirma a insuficiência dos princípios extraídos do próprio ordenamento jurídico positivo, para preencher as lacunas da lei, e a necessidade conseqüente de recorrer aos do Direito Natural (demais, com todas as garantias que temos visto), enquanto que a corrente positivista entende que se pode manter dentro do ordenamento jurídico estatal, com os princípios que deste se podem obter por analogia”. E finaliza deste teor: “Mas esta é, antes de tudo, uma questão lógica: a suficiência ou insuficiência do ordenamento jurídico; e só depois de resolvida, sem agitar o fantasma do Direito Natural, dever-se-ia, começar a determinar, caso a conclusão seja a da insuficiência, os métodos de suprir essas lacunas”.

A segunda fase da teorização dos princípios vem a ser a

juspositivista, com os princípios entrando já nos Códigos como fonte normativa

subsidiária. 34

31 FLÓREZ-VALDÉZ, Joaquim Arces Y. Los Princípios Generales del Derencho y su Formulación Constitucional. Madri: 1990. p.38. 32 ENTERRÍA, Eduardo García de. Reflexiones sobre la Ley y los Princípios Generales del Derecho. Madri, 1984, pp.59 e 60. 33 PANIAGUA, Jose M. Rodriguez. Ley y Derecho Interpretación e Integracion de la Ley. Madri, 1976. p.125/126.

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Com efeito, assinala Gordillo Cañas: 35

Os princípios entram nos Códigos unicamente como “válvulas de segurança”, e não como algo que se sobrepusesse à lei, ou lhe fosse anterior, senão que, extraídos da mesma, foram ali introduzidos “para estender sua eficácia de modo impedir o vazio normativo”.

No entanto com o advento da Escola Histórica do Direito e a

elaboração dos Códigos adiantaram a decadência do Direito Natural clássico,

fomentando, ao mesmo passo, desde o século XIX até a primeira metade deste

século, a expansão doutrinaria do positivismo jurídico. 36

A concepção positivista ou histórica escreve Florez-Valdés,

sustenta basicamente que os princípios gerais de Direito equivalem aos princípios

que informam o Direito Positivo e lhe servem de fundamento. 37

Estes princípios segundo o autor: 38

Se induzem por via de abstração ou de sucessivas generalizações, do próprio Direito Positivo, de suas regras particulares. Os princípios, com efeito, prossegue já então dentro do Direito Positivo e, por ser este um sistema coerente, podem ser inferidos do mesmo. “Seu valor lhes vem conclui não de serem ditados pela razão ou por constituírem um Direito Natural ou ideal, senão por derivarem das próprias leis”.

Mas o juspositivismo, ao fazer dos princípios na ordem

constitucionais meras pautas programáticas supra legais, 39 tem assinalado, via

de regra, a sua carência de normatividade, estabelecendo, portanto, a sua

irrelevância jurídica.

34 CAÑAS, Antonio Gordilho. Ley, principios generales y Constitucion; apuntes para uma relectura, desde la Constitucion, de la teoria de las fuentes del Derecho. In: Anuário de Derecho Civil, t. LXI, fasc.2,abril-junho/88. p.484/485. 35 CAÑAS, Antonio Gordilho. Ley, princípios generales y Constitucion. p.485. 36 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 233. 37 FLÓREZ-VALDÉZ, Joaquim Arces Y. Los Princípios Generales Del Derecho. p.39. 38 FLÓREZ-VALDÉZ, Joaquim Arces Y. Los Princípios Generales del Derencho y su Formulación Constitucional, p.39. 39 BOBBIO, Norberto. Principi Generali di Diritto. p. 890- 891.

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Segundo Bobbio: 40

“Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípio induz em engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios são ou não normas. Para mim não há duvidas: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídas, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais obtêm sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro; mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas. E por que estão não deveriam ser normas?”.

No entanto para Bobbio, 41 os critérios aparecem associados

em cinco categorias principais.

Primeiro, diz ele:

“Os princípios gerais são pura e simplesmente normas mais gerais”; segundo, “são normas fundamentais ou normas de base do sistema ou traves mestras, como se tem dito metaforicamente, na acepção de que sem eles o sistema não poderia subsistir como ordenamento efetivo das relações de vida de uma determinada sociedade”; terceiro, são normas diretivas ou princípios gerais; quarto são normas indefinidas, e quinto são normas indiretas.

A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que

corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas deste

século.

40 BOBBIO, Norberto. Teoria dell’Ordinamento Giuridico. Turim: Giappichelli Editore, p.181 e 182. 41BOBBIO, Norberto. Principi Generali di Diritto. p.891.

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No entanto as novas Constituições promulgadas acentuam a

hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o

qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.

Assinala Bobbio que: 42

Uma nova fase que se nos afigura neopositivista e precede pós - positivismo contemporâneo sobre a natureza, a validade e o conteúdo desses princípios se instauram a partir da ocasião em que o art. 38 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional declarou, e, 1920, “os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas”, como aptos ou idôneos as solverem controvérsias, ao lado dos tratados e dos costumes internacionais; formula essa, consagrada e incorporada literalmente em 1945 pelo art. 38, 1, ”C”, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e, a seguir, com ligeiras variações, pelo art. 215,2 do tratado que instituiu em 1957 a Comunidade Econômica Européia.

É na idade do pós-positivismo que tanto a doutrina do Direito

Natural como o do velho positivismo ortodoxo vem abaixo, sofrendo golpes

profundos e crítica lacerante, provenientes de uma reação intelectual implacável,

capitaneada, sobretudo por Dworkin, jurista de Harvard.43

No entanto numa análise crítica ao positivismo, Dworkin

ressalta que, se tratarmos princípios como direito, faz-se mister rejeitar três

dogmas dessa doutrina.

O primeiro, diz ele: 44

É o da distinção entre o Direito de uma comunidade e os demais padrões sociais aferidos por algum teste na forma de regra suprema (máster rule). O segundo prossegue referente à doutrina da discrição judicial a “discricionariedade do juiz”. E, finalmente, o terceiro, compendiado na teoria positivista da obrigação legal, segundo a qual uma regra estabelecida de Direito, uma lei, impõe tal obrigação, podendo ocorrer, todavia, a hipótese de que num

42 BOBBIO, Norberto. Principi Generali di Diritto. p.888. 43 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.237. 44 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Harvard University Press, 1978. p.44.

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caso complicado (hard case), em que tal lei não se possa achar inexisteria a obrigação legal, até que o juiz formulasse nova regra para o futuro. E, se a aplicasse isto configuraria legislação ex post facto, nunca o cumprimento de obrigação já existente.

Dali parte Dworkin para a necessidade de tratarem-se os

princípios como direito, abandonando, assim, a doutrina positivista e

reconhecendo a possibilidade de que tanto uma constelação de princípios quanto

uma regra positivamente estabelecida podem impor obrigação legal. 45

A par da reviravolta antipositivista de Dworkin, num

momento culminante para o advento do pós-positivismo, urge tocante aos

princípios, acompanhar a escalada e o desdobramento da doutrina, desde a

tibieza inicial de Betti e Esser em reconhecer-lhes a normatividade, até as

posições mais recentes e definidas do constitucionalismo contemporâneo e seus

precursores, que erigiram os princípios a categorias de normas, numa reflexão

profunda e aperfeiçoadora. 46

Doutrinas diversas, segundo Florez-Valdés, 47 caminhavam

tão longe em matéria de princípios que chegavam a negar “a existência” deles por

motivos de “incompatibilidade com a segurança jurídica, ou em função da

impossibilidade real de determinação ou por causa de sua necessária carência de

força jurídica”, posições, essas, nomeadamente de índole e inspiração positivista.

Portanto, neste sentido fica claro que o Jusnaturalismo, bem

como o Positivismo, apesar de antagônicos entre si, apesar de serem escolas

diferentes, ambos cada um ao seu modo contribuíram para a consolidação do que

hoje seja um Princípio Constitucional, que, aliás, ficará mais claro na indicação

desta pesquisa. A seguir com a conceituação direta do que são então só Princípio

Constitucional.

45 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. p. 44. 46BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.238. 47FLÓREZ-VALDÉZ, Joaquim Arces Y. Los Princípios Generales del Derencho y su Formulación Constitucional. p.37.

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1.2 CONCEITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os Princípios Constitucionais são aqueles que guardam os

valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que

estes não objetivam regular situação específica, mas sim desejam lançar a sua

força sobre todo o mundo jurídico. 48

Segundo Paulo Bonavides:

Pela concepção moderna, princípios são normas, compreendendo estas os princípios e a regras. Admitidos por normas, “são normas-valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isso mesmo provido, nos sistemas jurídicos, do mais alto peso, por constituírem a norma de eficácia suprema. Esta norma não pode deixar de ser o princípio” 49.

Preleciona Espíndola:

Na mesma linha de argumentação, que “Diante dos postulados da teoria dos princípios, não há que se negar ao princípio constitucional a sua natureza de norma, de lei, de preceito jurídico, ainda que com características estruturais e funcionais bem diferentes de outras normas jurídicas, como as regras de Direito”.50

Bandeira de Mello apresenta a mais difundida noção de

princípio:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção aos princípios implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de

48 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 241 49 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.276. 50 ESPINDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. p.81.

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comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais. 51

Miguel Reale prefere definir os Princípios como “verdades

fundantes de um sistema de conhecimento” que condicionam “a validade das

demais asserções que compõem dado campo do saber”. 52

Para Atienza e Manero. Princípios “são enunciados que

fazem possível uma descrição econômica de uma determinada realidade (nesse

caso, o Direito), e cumprem, portanto uma função didática, lato sensu, de grande

importância”. 53

Em resumo, são os princípios constitucionais aqueles

valores albergados pelo texto maior a fim de dar sistematização ao documento

constitucional, de servir como critério de interpretação e finalmente, o que é mais

importante, espraiar os seus valores pulverizá-los sobre todo o mundo jurídico. 54

1.3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Numa primeira análise, os princípios foram recebidos como

simples diretrizes abstratas, sem poder vinculativo, contrastando sua

normatividade, praticamente inexistente, “com o reconhecimento de sua dimensão

ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça”. 55

Em fases seguintes, já codificadas nos códigos, passaram a

exercer função unicamente corretiva das regras jurídicas, de modo que atuariam

de forma supletiva, integradora ou subsidiária, sendo invocáveis quando as regras

não pudessem cumprir de forma eficaz sua função, servindo assim para garantir o

51 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. p.450-451. 52 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. p.305. 53 ATIENZA, Manuel; MANERO,Juan Ruiz. Las Piezas del Derecho. Teoria de los enunciados jurídicos. Barcelona: Editorial Ariel Derecho, 1996. p.20. 54 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p.242. 55 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.258.

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império da lei e segurança do ordenamento, numa concepção do direito como um

sistema fechado de leis, com toda exclusão de valores. 56

No entanto foi com o pós-positivismo que os princípios foram

tratados com autonomia, “convertidos em pedestal normativo sobre o qual

assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.” 57

Segundo Bonavides: 58

”Os princípios são o oxigênio das constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”.

Entendemos que esta assertiva permite a idéia de

hegemonia e superioridade dos princípios na pirâmide normativa, tanto formal

como, principalmente, materialmente.

Segundo Buechele: 59

A seu turno, Alexy pontifica que tantos as regras como os princípios também são normas, porquanto ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição. “Ambos, igualmente, constituem fundamentos para juízos concretos de dever, malgrado fundamentos de espécies muito distintas”.

Buechele chama a atenção para o fato de Alexy não fazer

somente uma diferenciação, entre princípio e regra quanto ao grau, mas também

quanto à qualidade, já que trata os princípios como “normas de utilização”, que

podem ser cumpridas em diversos graus conforme as possibilidades fáticas e

jurídicas. 60

56 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.255-294. 57 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.164. 58 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.p.259. 59 BUECHELE, Paulo Arminio Tavares. O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição. p.17. 60 BUECHELE, Paulo Arminio Tavares. O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição. p.18.

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Segundo Ruy Espíndola61:

Colocados na Constituição, cúspide normativa dos estados democráticos de direito, os princípios transmudaram de juridicidade e propuseram novas, instigantes e complexas questões à jusconstitucionalistica contemporâneos colocados aos juristas. Ou melhor: teoriza-los para estabelecer uma compreensão constitucionalmente adequada, inerente ao modelo democrático-social de constituição, preponderante em nosso tempo, e, ainda, para estatuir um conceito em bases constitucionalmente aptas para dizer da normatividade dos princípios “na” Constituição e dos problemas teóricos e dogmáticos ligados à existência jurídica dos princípios constitucionais, é dever - tarefa dos constitucionalistas da utualidade.

Segundo Cademartori, 62 sobre Princípios Constitucionais,

afirma que:

Os princípios constitucionais, explícitos e implícitos, desempenham um papel fundamental como reflexos normativos dos valores constitucionais conforme já se observou. Em outro termo, pode-se dizer que estes se traduzem juridicamente, desde a base do ordenamento jurídico, em princípios, nele explicitados ou não, tidos como verdadeiros instrumentos de implementação e proteção de tais valores historicamente consagrados na maioria dos sistemas normativos ocidentais.

Paulo Bonavides é que tem a melhor compreensão e

dimensão dos princípios constitucionais. Segundo ele: 63.

Em resumo, a teoria dos princípios chega a presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos códigos) para a órbita juspublicistico (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica

61 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. p.81. 62CADEMARTORI, Luiz Henrique. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional de Direito. Curitiba: Juruá, 2003.p.80. 63 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.265.

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entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jus filosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normativa; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios

No entanto, deve-se repetir que princípios constitucionais

são normas inscritas na Constituição, reconheça-se ou não sua proeminência e

hegemonia.

1.3.1 Funções Dos Princípios Constitucionais

Segundo Manero e Atienza os princípios: 64

Exercem uma função didática e outra ordenadora. “Aquela porque, como enunciados sintetizadores de uma grande quantidade de informações, torna possível uma descrição econômica de uma determinada realidade (do direito, no caso), cumprindo desse modo uma função didática de grande importância”. Esta porque os princípios autorizam entender o direito não apenas como um conjunto de pautas, mas como um “conjunto ordenado”, compreendido como tal “um conjunto dotado de sentido (é o que se chama Sistematização do Direito)”.

Segundo, ainda os mesmos autores, os princípios exercem

uma outra função65:

Dotar de sentido as Regras Jurídicas. Nessa perspectiva, assevera ser comum a suposição de que a invocação supletiva dos princípios no raciocínio justificador dos órgãos jurisdicionais só é legitima quando estiverem em jogo os denominados “casos difíceis” aludidos por Dworkin (hard cases), já que nos “casos fáceis” os elementos necessários e suficientes para justificar a decisão seriam apenas as Regras Jurídicas. Essa visão das

64 ATIENZA, Manuel; MANERO, Juan Ruiz. Las Piezas del Derecho. Teoria de los enunciados jurídicos. p.20. 65 Nesse trecho é fácil identificar a influencia de Karl Larenz e a idéia da concreção de principio por meio de outros princípios e regras.

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coisas, entretanto, a seu ver, não é aceitável, pois um caso rotulado de “fácil” é dessa forma justamente quando a “subsunção” não gera maiores celeumas sob a óptica do complexo de princípios que dotam de sentido a norma aplicando ao caso concreto. A expressão “dotam de sentido” pode assumir um duplo sentido: pode tratar-se dos valores cuja realização vem assegurada pelo cumprimento da regra, ou bem dos objetivos sociais para cuja consecução o cumprimento da regra aparece como meio. Porem, em um ou em outro dos sentidos de “dotar de sentido”, é à luz dos princípios explícitos ou implícitos do setor normativo de que se trata como cabe determinar se um caso é fácil ou difícil66.

Segundo Canotilho: 67.

Em decorrência de sua “referência a valores ou de sua relevância ou proximidade axiológica, os princípios exercem uma função normogenética e uma função sistemática. Por esses fatores, funcionam como “fundamento de regras jurídicas e tem uma idoneidade irradiante que lhes permite “ligar” ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional “.

1.3.2 Classificação dos Princípios Constitucionais

Barroso em sua obra Interpretação e Aplicação da

Constituição, diz que: 68

Os princípios constitucionais de acordo com o seu grau de abrangência. Ele explica que “aos princípios constitucionais calha à peculiaridade de se irradiarem pelo sistema normativo, repercutindo sobre outras normas constitucionais e daí se difundindo para os escalões normativos infraconstitucionais”, alertando que os princípios não possuem o mesmo raio de atuação, variando segundo sua abrangência ou mesmo sua influência.

66 ATIENZA, Manuel; MANERO, Juan Ruiz. Las Piezas del Derecho. Teoria de los enunciados jurídicos. p.23. 67 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedida, 1998. p.1089. 68 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p.144-146.

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Barroso divide os princípios constitucionais em

fundamentais, gerais e setoriais ou especiais.

No entanto o autor explica que os princípios constitucionais

fundamentais são aqueles que trazem as orientações políticas básicas para o

Estado. Nas palavras de Barroso, ”neles se substancia a opção política entre

Estados unitários e federação, república ou monarquia, presidencialismo ou

parlamentarismo, regime democrático” 69.

Os princípios constitucionais fundamentais, segundo o autor:

Expressam a ideologia política preponderante no ordenamento jurídico e não são modificáveis por este próprio ordenamento, funcionando como limites de às reformas, revisões e mutações constitucionais. Eles têm a capacidade de condicionar os demais princípios constitucionais e integrar o ordenamento infraconstitucional.

Já o chamado princípio constitucional gerais, como ensina

Barroso: 70.

Não fazem parte do núcleo político-ideologico que forma o Estado. Eles funcionam como importantes desdobramentos dos princípios constitucionais fundamentais. Para o autor, “tem eles menor grau de abstração e ensejam, em muitos casos, a tutela imediata das situações jurídicas que contemplam”.

Os princípios constitucionais gerais são aqueles aplicáveis a

todas as situações especificas do ordenamento jurídico e tem o condão de definir

direitos. São exemplos o principio da legalidade, da isonomia, do juiz natural.

Por último, Barroso trabalha os princípios constitucionais

setoriais ou especiais, que estão presentes em determinada parte da

Constituição, vinculados a um tema ou a um ramo especifico do Direito. Com

irradiação limitada, nas áreas em que atuam são intransponíveis. O autor explica

que “por vezes são mero detalhamento dos princípios gerais, como os princípios

69 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p.145. 70 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p.145.

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da legalidade tributaria ou da anteoridade em matéria tributaria ou o do concurso

publico em matéria de administração publica71.

Segundo Eros Grau, os princípios se classificam em três

tipos72:

1º princípios explícitos: são os expressamente contemplados

no texto da Constituição ou da lei;

2ºprincípios implícitos: da analise de um ou mais

preceptivos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da

legislação infraconstitucional, resultam como inferidos. Em que pese sua latência,

são princípios de direito positivo.

3º princípios gerais de direito: também implícitos, são

coletados no direito pressuposto.

Segundo Canotilho, os princípios podem ser: 73

1º) hermenêuticos: são aqueles que “desempenham uma

função argumentativa, permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma

disposição ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado

legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo os juizes, o desenvolvimento,

integração e complementação do direito”.

2º) jurídicos: verdadeiras normas, qualitativamente distintas

das regras Jurídicas. 74

Segundo Miranda em sua Teoria do Estado e da

Constituição ensina que: 75

71 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p.146. 72 GRAU, Eros Roberto. Ensaios e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. p.43. 73 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p.1087. 74 Richterrecht, analogia júris. In: CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p.1087. 75 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. p.434-436.

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Os princípios constitucionais não são homogêneos e podem

ser classificados em três grandes categorias: princípios axiológicos fundamentais,

princípios político-constitucionais e princípios constitucionais instrumentais.

1º) Princípios axiológicos fundamentais são aqueles que

servem de meio de ligação entre o Direito Natural e o Direito Positivo e que, em

essência, coincidem com os valores maiores da Sociedade, Como exemplo,

Miranda traz a“proibição de descriminação, a inviabilidade da vida humana, a

integridade moral e física das pessoas, a não retroatividade da lei penal

incriminadora, o direito de defesa dos acusados, a liberdade de religião e de

convicções, a dignidade social do trabalho”76.

2º) Princípios Político-Constitucionais são aqueles instituídos

pelo Poder Constituinte para estabelecermos limites de reforma, revisão e

mutação da Constituição, normalmente representados pelas clausulas pétreas e

pelas previsões delas derivadas ou conexas e que são as marcas

caracterizadoras de cada Constituição material diante das demais.

Ou seja, as grandes opções e princípios de cada regime.

Exemplos: o principio democrático, o princípio representativo, o principio

republicano, o da constitucionalidade, e da separação dos órgãos do poder, o da

subordinação do poder econômico ao poder político etc. 77.

3º) Princípios Constitucionais Instrumentais são aqueles

princípios que estruturam e dão racionalidade e operacionalidade ao sistema

constitucional. Eles espalham-se por todos os temas tratados na Constituição. O

princípio da publicidade das normas jurídicas, o da competência (ou da fixação da

competência dos órgãos constitucionais pela norma constitucional), o do

paralelismo das formas, o da tipicidade das formas de lei, o do pedido na

fiscalização jurisdicional da constitucionalidade78.

Jorge Miranda leciona ainda que:

76 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. p.435. 77 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. p.435. 78 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. p.436.

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Apesar da classificação ou das classificações possíveis,

não há sentido em se criar uma separação ou hierarquização entre os diversos

tipos de princípios, já que, por vezes, “um elemento construtivo está presente nos

princípios mais valorativos, e um elemento valorativo nos princípios

aparentemente mais técnico” 79

No próximo capítulo abordar-se-á o Princípio da Igualdade e

da Dignidade da Pessoa Humana.

79 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. p.436.

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CAPÍTULO 2

DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE, E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

A expressão “igualdade” designa a idéia de equivalente, de

identidade, analogia e semelhança. É nesse sentido que o termo aparece no

principio jurídico consagrado em vários artigos da Carta Constitucional vigente.

O artigo 5º, caput da CRFB de 1988 declara:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. 80

Todos os outros direitos incluídos nos incisos desse artigo

são desdobramentos desses cinco, que são efetivamente os direitos

fundamentais do homem.

Para Bonavides, o centro medular do Estado social e de

todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da

igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica. Com esta

compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do Estado

democrático contemporâneo. 81

O preceito magno da igualdade é norma voltada quer para o

aplicador da lei quer para o próprio legislador. No entanto, não só perante a

80 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º. 81 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.341

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norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao

dever de dispensar tratamento equânime às pessoas. 82

A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas

sim instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente

todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideologico absorvido pelo princípio

da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo

assimilado pelos sistemas normativos vigentes. 83

Segundo José Afonso da Silva, a burguesia jamais lutou

pela igualdade da mesma forma como lutou pela liberdade, pois a igualdade é

incompatível com os privilégios de classes e, conseqüentemente, com o regime

liberal pregado pela burguesia no século XVIII. A igualdade é inerente ao Estado

Democrático de Direito e, como mesmo diz o autor, “a igualdade constitui o signo

fundamental da democracia”. 84

O autor elenca as regras constitucionais estabelecedoras da

Igualdade, dentre as quais cita: 85

A Igualdade de homens e mulheres. Tal regra implica que onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles configurara infrigência à Constituição. Assim só têm fundamento as discriminações feitas pela própria Constituição.

Cita também o Princípio da Igualdade jurisdicional, ou da

Igualdade perante o juiz, que se apresenta sob dois prismas:

a) o primeiro que veda o juiz fazer distinção na aplicação da lei entre situações iguais, e b) o segundo, que impede o legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais, ou tratamento igual a situações desiguais por parte da justiça.

82 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros. 2000,9p. 83 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 2000. p.10 84 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 214 85 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.216

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O autor ressalta que a Igualdade “sem distinção de qualquer

natureza” demonstra que a constituição é mais veemente e mais abrangente na

condenação das desigualdades entre as pessoas.

Para Paulo Bonavides, a Igualdade civil moderna nasceu

com a Revolução Francesa e com a filosofia política e jurídica que a antecedeu.

Neste ponto, há dois pensadores que se tornaram clássicos no exame da

implantação do princípio da Igualdade, especificamente Jean Jacques Rousseau

e Karl Marx.

Com a Revolução Francesa, foram derrubadas as barreiras

que separavam os homens nitidamente em classes sociais diferentes, algumas

detentoras de muitos privilégios. Nesse momento a igualdade tinha um endereço

certo: voltava-se à extinção das discriminações de nascimento, isto é, alguém era

nobre porque nasceu de pais nobres, sem que ele necessariamente tivesse algum

mérito para conquistar esse título. 86

A questão política que se procurava resolver era dirimir o

conflito e a contradição entre Liberdade e Poder, entre Homem e Estado e entre a

maioria e minoria. A solução, para Rousseau, estava na igualdade jurídica dos

cidadãos. Tal igualdade poderia ser estabelecida no estado de Sociedade.

Na doutrina do Estado social a igualdade está entre os

conceitos básicos da democracia e, em certo sentido, é mais importante para a

democracia do que a Liberdade. Não se concebe um Estado democrático sem

igualdade, mas é possível concebê-lo sem a Liberdade. 87

Segundo Bonavides: 88

“Durante a fase do Estado liberal prevaleceu o entendimento de que o Princípio da igualdade não vinculava o legislador. Com as Constituições alemãs de Weimar e de Bonn houve uma variação

86 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos. 2002. p.320 87 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.144. 88 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.185.

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interpretativa substancial, através da qual, pela nova versão, foi estabelecido que a igualdade vinculasse também o legislador, vedando-lhe elaborar leis em que o igual fosse tratado de modo desigual e o desigual, de maneira igual”.

Entendemos que como delimitador da aplicação jurídica do

Princípio da Igualdade aparece à noção do arbítrio. Assim, é arbitrário um

tratamento igual para situações desiguais, ou um tratamento desigual para

situações iguais.

O princípio da igualdade tem como objetivo tratar os iguais

de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas

desigualdades. E, exatamente porque existem desigualdades, nas sociedades, é

que se busca a igualização das condições desiguais. 89

Aristóteles90 em sua Ética a Nicômaco já afirmava:

Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mas isso é origem de disputas de queixas (como quando iguais têm recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais).

No entanto Aristóteles, nada mais quer dizer que, devemos

tratar os desiguais de forma diferenciada para que possamos, enfim, alcançar a

igualdade.

Também disse Rui Barbosa91 em seu discurso Oração aos

Moços, quando paraninfo da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a

89 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p.218 90 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. De Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2001. p.139 91 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.19

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iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.

No entanto é o princípio da igualdade um dos mais difícil

tratamento jurídico. Isto em razão do entrelaçado existente no seu bojo de

ingredientes de direito e elementos meta jurídicos. 92

A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de

todos os homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o

direito, mas de igualdade real e efetiva perante os bens da vida.

Essa igualdade, contudo, a despeito da carga humanitária e

idealista que traz consigo, até hoje nunca se realizou em qualquer sociedade

humana. 93

No item seguinte, abordar-se-á o Principio da Igualdade na

CRFB de 1988.

2.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A igualdade constitui tema de grande importância em nosso

ordenamento jurídico. Tema este de grande preocupação e discussão desde os

primórdios da civilização.

A CRFB/88 reconheceu a igualdade no sentido jurídico

formal, ou seja, busca-se não somente a igualdade substancial que é aquela

igualdade calçada nos bens materiais e nas posses, mas principalmente, a

igualdade formal, que é a igualdade perante a lei, perante o direito.

Segundo Renato Lopes: 94

Salienta que não se pretende só a igualdade “na lei”, mas também a igualdade “perante a lei”, sendo que a primeira oferece bem

92 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 317 93 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p.317 94 BECHO, Renato Lopes. O princípio da igualdade no direito administrativo. p.55

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menos proteção que a segunda, eis que as leis muitas vezes podem ser arbitrárias e, por este motivo, o regime democrático exige que a igualdade seja “perante a lei”, esta sim, bem mais abrangente e que determina que a lei trate todos de forma igual, sem distinções de grupos.

Segundo José Afonso a distinção entre igualdade perante a

lei e igualdade na lei é desnecessária porque tanto a doutrina quanto a

jurisprudência já firmaram a orientação de que igualdade perante a lei tem o

mesmo sentido, que no exterior se dá, de igualdade na lei, ou seja,” o princípio

tem como destinatário tanto o legislador como os aplicadores da lei”. 95

Segundo José Afonso, a CRFB/88 tornou o conceito de

igualdade mais amplo, do que uma simples igualdade jurídica:

As constituições só têm reconhecido à igualdade no seu sentido jurídico-formal: igualdade perante a lei. A CRFB/88 abre o capitulo dos direitos individuais com o principio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Reforça o princípio com muitas outras normas sobre a igualdade ou buscando a igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais substanciais. 96

Tal preceito constitucional, não obriga o legislador a tratar

igualmente situações de fatos desiguais, proibindo apenas as diferenciações em

qualidades pessoais do individúo, como a raça, sexo, profissão, devendo o

mesmo ser proporcional.

E continua o referido autor: 97

Porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais, portanto, o fim igualitário, a muito já era buscado.

Segundo Ferreira: 98

95 SILVA. Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.218. 96 SILVA. Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 206. 97 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.195.

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O conteúdo princípio da isonomia é a igualdade formal, isto é tratamento dos iguais, de forma igual e dos desiguais, de forma desigual perante a lei. Não se cogita de igualdade material que eventualmente pretendesse nivelar o ser humano nas suas características biológicas do nivelamento social, haja vista que o homem é diferente de seu semelhante física, moral, intelectual e economicamente, por razões de sua própria criação.

Segundo Carlos Maximiliano:

Quando se referindo a interpretação da norma nos adverte de que deve ser o Direito interpretado inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreve inconveniências, vá a ter conclusões inconsistente ou impossível.

E afirma ainda o autor que: 99

Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido eqüitativo, lógico e acorde com o sentido real e o bem presente e futuro da comunidade.

Entendemos que a igualdade de todos, proclamado na

CRFB/88, deve ser entendido, sob dois pontos de vista distintos: o da igualdade

material e o da igualdade formal, o que será abordado a seguir.

2.2.1 Igualdade Material

Na área das democracias ocidentais, o princípio da

igualdade material, não é de todo desconhecido. Ele entra nas Constituições sob

a forma de normas programáticas, tendentes a planificar desequiparações muito

acentuadas na fruição de bens, quer materiais, quer imateriais.

98 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. São Paulo: Julex Livros, 1989. p.114 99 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Forense: Rio de Janeiro. p. 166.

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Assim é que, com freqüência, encontramos hoje regras

jurídicas voltadas a desfazer o desnivelamento radical ocorrido em alguns

momentos históricos entre o capital e o trabalho. 100

O entendimento da igualdade material deve ser o de

tratamento igual e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua

equiparação no que diz respeito à possibilidade de concessão de oportunidades.

Segundo Celso Ribeiro Bastos: 101

A igualdade material teria por finalidade a busca pela equiparação dos cidadãos sob todos os aspectos, inclusive o jurídico, podendo-se afirmar: Todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à sujeição a deveres.

Entendemos que mesmo sendo humanitária, e se buscando

essa igualdade, parece-me que nunca se concretizou em uma sociedade

humana. Além do mais, em nosso país há um grande número de desigualdades

material, basta olharmos para a realidade a nossa volta.

2.2.2 Igualdade Formal

O artigo 5º da CRFB/88 prescreve “igualdade de todos

perante a lei”. Esta é a igualdade formal, que mais imediatamente interessa ao

jurista. 102

A CRFB/88 reconheceu a igualdade no sentido jurídico

formal, ou seja, busca-se não somente a igualdade substancial que é aquela

igualdade existente nos bens materiais e nas posses, mas principalmente, a

igualdade formal, que é a igualdade perante a lei.

Segundo Becho: 103

100 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p.118. 101 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 225 102 CRFB/88 103 BECHO, Renato Lopes. O Princípio da Igualdade no Direito Administrativo. p.55.

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Não se pretende só a igualdade “na lei”, mas também a igualdade “perante a lei”, sendo que a primeira oferece bem menos proteção que a segunda, eis que as leis muitas vezes podem ser arbitrárias e, por este motivo, o regime democrático exige que a igualdade seja “perante a lei”, esta sim, bem mais abrangente e que determina que a lei trate todos de forma igual, sem distinções de grupos.

Segundo Hatscheck, citado por Pinto Ferreira: 104

O preceito da igualdade da lei não se esgota com a aplicação uniforme da norma jurídica, mas que afeta diretamente o legislador, proibindo-lhe a concessão de privilégios de classe.

Segundo Sarlet o princípio da igualdade: 105

Encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não pode ser submetido a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não pode ser tolerada a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toda e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material.

José Afonso da Silva sustenta que a CRFB/88 procurou

aproximar os dois tipos de igualdade, a substancial e a formal, na medida em que

não se limitou a prever a igualdade perante a lei, mas também, a igualdade entre

homens e mulheres e vedou discriminação. 106

104 Para Pinto Ferreira esta igualdade perante a lei “deve ser entendida como igualdade diante da lei vigente e da lei a ser feita, deve ser interpretada como um impedimento à legislação de privilégios de classe, deve ser entendido como igualdade diante dos administradores e dos juizes”. In: FERREIRA, Luís Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Saraiva. 1983. p.770 105 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humanos e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p. 89. 106 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p.214

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Segundo o autor espanhol Martinez: 107

A idéia de igualdade serve para determinar, razoavelmente e não arbitrariamente, que grau de desigualdade jurídica de trato entre dois ou mais sujeitos é tolerável. A igualdade é um critério que mede o grau de desigualdade juridicamente admissível.

Segundo a frase de João Mangabeira, segundo o qual: 108

A igualdade perante a lei não basta para resolver as contradições criadas pela produção capitalista. O essencial é igual oportunidade para a consecução dos objetivos da pessoa humana. E para igual oportunidade é preciso igual condição. Igual oportunidade e igual condição entre homens desiguais pela capacidade pessoal de ação e direção. Porque a igualdade social não importa nem pressupõe um nivelamento entre homens naturalmente desiguais. O que ela estabelece é a supressão das desigualdades artificiais criadas pelos privilégios da riqueza, numa sociedade em que o trabalho é social, e conseqüentemente social a produção, mas o lucro é individual e pertence exclusivamente a alguns.

Entendemos que seria então, a desigualdade uma forma de

se aplicar a igualdade. Depois, diante da desigualdade entre os destinatários da

norma impor-se-ía promover certa igualização.

Segundo Kelsen: 109

A igualdade dos indivíduos sujeitos a ordem pública, garantida pela Constituição, não significa que aqueles devem ser tratados por forma igual nas normas legisladas com fundamento na Constituição, especialmente nas leis. Não pode ser tal igualdade aquela que se tem em vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos a todos os indivíduos sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crianças e adultos, sãos de espírito e doentes mentais, homens e mulheres.

107 MARTINEZ, Fernando Rey. EL Principio de Igualdad y el Derecho Fundamental a no ser Discriminado por Razón de Sexo. In: LA LEY, ano XXI, nº. 4984, febrero, 2000. p. 3. 108 MANGABERIA, João. Apud. FERREIRA, Luis Pinto. Princípios gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 771. 109 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Armênio Amado, 1974. p. 203.

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Bandeira de Mello é o doutrinador que melhor trabalha

acerca de quando é possível a discriminação e, ao contrário quando é vedado

descriminar.

Segundo ele “o reconhecimento das diferenças que não

podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:

1ª) diz com o elemento tomado como fator de desiguação (fator de discrimen);

2ª) reporta-se a correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrimen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

3ª) atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizado”.110

No entanto Bandeira de Mello salienta que tem que

investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de

outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico,

para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o especifico tratamento

jurídico construído em função da desigualdade proclamada.

No item seguinte abordar-se-á a igualdade jurídica..

2.3 A IGUALDADE JURÍDICA

Como a lei contém contradições, os desprovidos de direitos

podem utilizar-se das contradições da lei para avançar na luta para defesa de

seus direitos, exigindo a Igualdade afirmada pela Declaração Universal dos

Direitos Humanos, a qual é acolhida pela maioria das legislações nacionais.

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, artigo VII, em sua versão no idioma português, tem-se que:

Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual

110 MELLO, Celso A. Bandeira de. Conteúdo jurídico do Principio da Igualdade. p. 21.

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proteção contra qualquer discriminação que viole a presente declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. 111

Herkenhoff, referindo-se ao artigo, afirma que: 112

A Igualdade de todos perante a lei significa a recusa a qualquer espécie de privilégio e a absoluta recusa a qualquer tipo de discriminação. Reconhece, entretanto, que é impossível uma Igualdade real perante a lei numa sociedade economicamente desigual. A igual proteção da lei significa que todos devem estar sob o abrigo protetor da lei. Assim, para que todos sejam iguais perante a lei e para que esta proteja a todos com igualdade é necessário que a própria lei deixe de consagrar privilégios e diferenças.

No artigo VIII, da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, consta que “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais

competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais

que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”. 113

Sobre este artigo, afirma o mesmo autor que: 114

As Constituições e as leis consagram direitos fundamentais em favor das pessoas; que às vezes esses direitos são desrespeitados e que para que os mesmos sejam reais indispensáveis o pronunciamento eficaz dos tribunais sempre que houver a violação de algum direito. Entende o referido autor que “... a Justiça deve ser o último reduto garantidor dos Direitos Humanos, com a missão fundamental e inafastável de proteger todo aquele que sofrer violência”.

Segundo Barroso: 115

O Princípio da Igualdade, ou da isonomia, deve ser considerado sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei, e b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei é exigência dirigida ao legislador,

111 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes. Aparecida, São Paulo: Santuário, 1998. p.151. 112 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos. p.151. 113 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos humanos. p.156. 114 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos humanos. p.157. 115 BARROS0, Luis Roberto. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Anotada/notas de doutrina, legislação e jurisprudência por Luis Roberto Barroso. São Paulo: Saraiva, 1998. p.15.

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que na elaboração da norma não poderá incluir fatores de discriminação que rompam com a ordem isonômica. A Igualdade perante a lei, por sua vez, pressupõe a lei já elaborada e dirigem-se aos demais poderes, que na aplicação da lei não poderão subordiná-la a critérios discriminatórios.

O Princípio da Igualdade implica na igualdade formal de

todos perante a lei, sendo que seu objetivo é acabar com os privilégios.

No item seguinte, abordar-se-á o Princípio da Igualdade e

sua aplicabilidade pelo Poder Legislativo.

2.4 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O PODER LEGISLATIVO

A lei não pode ser elaborada em desconformidade com o

princípio da igualdade.

Segundo Seabra Fagundes: 116

No entanto, sobre pena de se ter como nenhum o sitema de direitos subjetivos constitucionais, o legislador se há de considerar sujeito ao princípio da igualdade, quando elabora, tanto as leis materiais, não podendo tratar desigualmente situações idênticas, nem com igualdade situações desiguais (sujeição imediata à Constituição), como quando vota as leis em sentido formal, que não pode servir de instrumento a tratamento preferencial ou opressivo, porque, à sua vez, necessariamente conforme as leis materiais preexistentes (sujeição mediata aos mesmos termos da Constituição).

Entendemos aqui o princípio da igualdade dirige-se ao

legislador e, consequentemente, à legislação, que não pode ser fonte de

privilégios e nem de perseguições, mas sim instrumento regulador da vida social.

116 FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 1957. p. 238.

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No entanto o princípio da igualdade tem tríplice finalidade

limitadora, quais sejam, limitação do legislador, do intérprete e do particular. O

legislador é o foco primário do princípio da igualdade, pois se este criar leis que

proporcionem as igualdades, basta o aplicador de a lei respeitar o princípio da

legalidade, para ter o princípio da igualdade preservado. Quanto ao particular,

este não poderá pautar-se por atitudes discriminatórias, preconceituosas ou

racistas. 117

Segundo Paulo Bonavides: 118

O órgão legislativo, ao derivar da Constituição sua competência, não pode obviamente introduzir no sistema jurídico leis contrárias às disposições constitucionais: essas leis se reputariam nulas, inaplicáveis, sem validade, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida.

O Brasil recebeu forte influência dos Estados Unidos, quanto

à forma de controle da constitucionalidade das leis.

Anacleto Faria explica tal controle: 119

Tais controles são, absolutamente, necessários como remédios às distorções contra o princípio da igualdade, sob o prisma do legislativo. De fato, se não se admitir a possibilidade do exame da atividade legislativa tem-se como estabelecida à ditadura ou, pelo menos, o arbítrio do segundo dos poderes do Estado.

No item seguinte, abordar-se-á o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana.

2.5.PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A noção de dignidade da pessoa humana foi historicamente

elaborada e construída no âmbito do pensamento filosófico ocidental. Partindo da

117 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 63. 118 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.268. 119 FARIA Anacleto de Oliveira. Do Principio da Igualdade Jurídica. p.87.

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filosofia grega, cuja grande contribuição para o pensamento ocidental radica em

um novo modo de pensar, racional e filosófico, chega ao pensamento cristão, no

qual o homem é concebido à imagem e semelhança de Deus, e exatamente por

isso, todos os homens são considerados iguais. 120

No contexto da filosofia cristã destaca-se a contribuição de

Tomás de Aquino. Para o autor a dignidade humana nada é mais é do que uma

qualidade inerente a todo ser humano e que distingue das demais criaturas, a

racionalidade. Através da racionalidade o ser humano passa a ser livre e

responsável por seu destino, significando o que há de mais perfeito em todo o

universo e constituindo um valor absoluto, um fim em si. 121

A concepção de dignidade da pessoa humana elaborada por

Kant prevalece no pensamento filosófico atual. O autor afirma que:

O homem, e todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo, como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem de ser considerado simultaneamente como fim. 122

Percebemos, no pensamento de Kant, que todas as ações

que levam à coisificação do ser humano, como um instrumento de satisfação de

outras vontades, são proibidas por absoluta afronta à dignidade da pessoa

humana. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas

nossas ações é sempre condicional, no sentido de estarem sujeitos à satisfação e

ao respeito à dignidade da pessoa humana. 123

Kant prossegue a sua análise, neste ponto recuperando a

noção de pessoa racional referida por Tomás de Aquino, esclarecendo que:

Os seres cuja existência depende não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais,

120 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana. Curitiba: Juruá, 2003.p. 122. 121 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana. p.122. 122 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução: Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70. 2000. p.68 123 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana. p. 27.

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apenas um valor relativos como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito). 124

Segundo Konder Comparato: 125

A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato do ser humano, ao contrário das coisas, ser considerado como um fim e não como um meio, mas também no fato de que pela sua vontade racional só a pessoa humana é autônoma o suficiente para guiar-se pelas próprias leis que elabora.

Para Sarlet a qualificação da dignidade da pessoa humana

como um princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico nacional significa

não só a declaração do conteúdo ético e moral do dispositivo constitucional, mas,

sobretudo, que constitui norma dotada de eficácia, e em valor-guia de toda ordem

constitucional.

Sarlet afirma que: 126

Conseqüência dessa afirmação é concluir que todos os órgãos públicos e toda atividade estatal estão vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana e quer dizer que o Estado tem o dever de respeito e proteção no sentido de abster-se de praticar ingerências na esfera individual que contrariem a dignidade da pessoa e, ainda, de protegê-la, efetivamente, contra agressões de terceiros.

Segundo Alves o texto constitucional brasileiro teve uma

forte influência da Constituição Portuguesa de 1976 e da Espanhola de 1978, e

isso se explica mais pela redemocratização desses países, na época recém

saídos de regimes ditatoriais, os quais buscaram atender às aspirações de seu

124 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. p. 68. 125 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica de dos direitos humanos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 21/22. 126 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.119/120.

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povo incluindo nos textos constitucionais expressa previsão ao princípio da

dignidade humana como fundamento dos direitos individuais e coletivos, do que

em razão de laços culturais e históricos que envolvem os respectivos países.

O mesmo autor ressalta ainda, que no Brasil tal princípio se

consagrou definitivamente somente na constituição de 1934. Observa que pela

primeira vez um texto constitucional brasileiro mencionou expressamente a

dignidade da pessoa humana. 127

A partir da evolução do conceito de pessoa humana e do

reconhecimento de valores intrínsecos à sua personalidade, o ordenamento

constitucional brasileiro incorporou o princípio da dignidade humana como um dos

princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. É o que se depreende

do artigo 1º, inciso III, da CRFB/88.

No próximo item, tratar-se-á de conceituar o princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana.

2.6 CONCEITO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Dignidade da Pessoa Humana é de difícil conceituação,

várias expressões como direitos humanos, direitos fundamentais, entre outras,

tem sido utilizado para designar dignidade da pessoa humana.

A Dignidade da Pessoa Humana, segundo Maria Helena128:

É o princípio moral de que o ser humano deve ser tratado como fim e nunca como um meio, está inquestionavelmente ligado não só à previsão como a efetiva existência de outros direitos que a instrumentalizem.

Segundo Plácido E. Silva129, 127 ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da pessoa humana. O enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 328. 128 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998.p.133.

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Dignidade vem do latim dignitas, que quer dizer virtude honra consideração. Pode-se entender como qualidade moral que uma pessoa possui e serve de base, ao respeito que ela merece. São valores que extrapolam o próprio querer do individuo, valores estes, intocáveis. É um atributo criado pelo homem e por ele mesmo desenvolvido existindo desde os primórdios da humanidade, mas, só nos últimos séculos que foram percebidos e entendidos pela sociedade.

Pessoa vem de persona, que no latim técnico-juridico,

“exprime ou designa todo ser capaz ou suscetível de direitos e obrigações” 130.

Fernando Ferreira, a partir dos ensinamentos de Kant,

leciona que: “O homem é um fim em si mesmo, não podendo servir de meio ou

instrumento para os outros ou algo, e, justamente por isto tem dignidade.”131

José Afonso, também a partir da filosofia de Kant132, explica

que:

A dignidade, ao contrário das coisas que têm preço e podem ser substituídas por outra coisa equivalente, é um valor interno da pessoa humana, superior a qualquer preço, e que não admite substituto equivalente. Destarte, dignidade “(...) é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade estranha e se confunde com a própria natureza do ser humano”.

No entanto foi nesse sentido, de valor intrínseco à pessoa

humana, que a Constituição Federal utilizou o termo “dignidade”, em seu art. 1º,

inciso III, e nos demais dispositivos.

Segundo Sarlet:

129 SILVA, Plácido. E. Vocabulário Jurídico. p. 458 130 SILVA, Plácido. E. Vocabulário Jurídico. p. 1738 131 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p.27. 132 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como Valor Supremo da Democracia, Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº. 212: 89-94, abri/jul. 1998.

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A Dignidade da Pessoa Humana está na qualidade intrínseca de indissociável de todo ser humano, por este ser titular de direitos e deveres fundamentais, que, sendo respeitados e assegurados pelo Estado, proporciona condições mínimas para uma vida digna em harmonia com os demais seres humanos.

Segundo Alves133, é correto se referir à Dignidade da pessoa

humana como valor ou princípio:

Parece acertado concluir que a designação de “valor” ou de “princípio”, quando referido ao papel reservado à idéia de dignidade da pessoa humana inscrita no ordenamento constitucional, quase sempre é feita em sentido unívoco, na medida em que tais expressões se prestam a indicar, quase que de maneira uniforme em todos os doutrinadores que se debruçam sobre essa temática, um sentido de normatividade e cogência, e não de meras cláusulas retóricas ou de estilo, ou manifestações de bons propósitos. Reveste-se, pois, ao contrário, verdadeira força vinculante, de caráter jurídico, apta a disciplina as relações sociais pertinentes, como “fonte de direito subjetivo, ou seja, como supedâneo e pretensões jurídicas deduzíveis em juízo.

No entanto Nunes134 faz a distinção entre “princípio” e

“valor”, quando diz que:

Enquanto valor é sempre um relativo, na medida em que vale, isto é, aponta para uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta qualquer tipo de relativização. O valor sofre toda a influência de componente histórico, geográfico, pessoal, social, local, etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretação jurídicas ou não. O princípio, não. Uma vez constatado, impõe-se sem alternativa de variação.

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver

respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as

condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não

133 ALVES, Cléber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. p.125. 134 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O principio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 5.

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houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade

(em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e

minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa

humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e

injustiças.135

No capítulo seguinte, tematizar-se-á sobre Prisão Especial.

135 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humanos e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. p. 59.

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CAPÍTULO 3

PRISÃO ESPECIAL 3.1 PRISÃO

Para assegurar o equilíbrio do convívio social, ao Estado é

dado o direito de restringir a liberdade do indivíduo.

A liberdade de ir e vir, um dos direitos civis mais

fundamentais do ser humano e garantido em nossa Constituição, quando perdida

representa uma das penas mais duras a que a pessoa pode ser submetida. 136

Segundo Bobbio: 137

A liberdade é uma qualidade ou propriedade da pessoa,

valor do indivíduo. Perdê-la é sempre ser privado de algo de si, ainda que esta

perda seja temporária.

Segundo Falconi138:

Prisão é a privação da liberdade daquele que responde a um fato considerado infração penal ou a pena a ser imposta em razão de uma sentença condenatória. Pode ser conceituada ainda como “o estabelecimento destinado ao recolhimento de indiciados à disposição da autoridade policial. Ato ou efeito de prender uma pessoa, ou seja, cercear-lhe o exercício de ir, vir, ficar e permanecer.

Segundo Tourinho Filho139:

136 CURY, Carlos Roberto Jamil. Revista Brasileira de Educação. nº16, de Jan./Fev./Mar 2001. p.105. 137 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. 4 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. p. 96. 138 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial. Reinserção Social. São Paulo: Ícone, 1998. p. 51. 139 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 638.

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“É a supressão da liberdade individual, mediante clausura. É

a privação da liberdade individual de ir e vir”.

No entanto, para Plácido Silva o vocábulo prisão. Vem ele

do latim prebensio, de prebendere, que significa “o ato de prender ou o ato de

agarrar uma coisa”. 140

Para o autor prisão também é “o ato pelo qual se priva a

pessoa de sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir,

recolhendo-a a um lugar seguro e fechado, de onde não poderá sair” 141.

Entendemos que a prisão, por ser medida extrema contra a

liberdade do indivíduo, direito garantido, somente se admite quando determinada

por ordem legal e procedente de autoridade competente e respeitado o devido

processo legal.

A CRFB/88 protege o cidadão contra práticas arbitrárias no

que concerne a sua prisão, que, caso ocorra, deverá ser efetivada em obediência

ao artigo 5º, incisos III, XI, XLIX, LIII, LIV, LV, LVII, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV,

LXVI, entre outros dispositivos que visem à proteção contra a prisão ilegal, injusta,

violenta ou arbitrária. 142

Além das hipóteses de flagrante delito e ordem escrita e

fundamentada do juiz, consubstanciada em um documento denominado mandado

(CF, artigo 5º, LXI), a CRFB/88 permite a constrição da liberdade nos seguintes

casos:

crime militar próprio, assim definida em lei, ou infração

disciplinar militar ( CF, artigo 5º, LXI);

em período de exceção, ou seja, durante o estado de sitio

(CF, artigo 139, II).

140 SILVA, Plácido E. Vocabulário Jurídico. p.1221. 141 SILVA, Plácido E. Vocabulário Jurídico. p.1221. 142 CRFB/88

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Além disso, “a recaptura do réu evadido não depende de

prévia ordem judicial e poderá ser efetuada por qualquer pessoa” (CPP, artigo

684).

“A prisão é um produto caro e reconhecidamente não

ressocializa (...) em razão da superlotação de seus métodos e de sua própria

natureza desumana e cruel (...)” 143.

Segundo Falconi144:

Falar em prisão no Brasil é falar em um compartimento onde se guardam presos. “Depósitos” de pessoas que se encontram sobre a guarda do Estado, ”(...) todos ficam amontoados num mesmo espaço físico.

3.2 PRISÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL: NECESSIDADE CAUTELAR

Na análise de cautelaridade de prisão provisória desde logo

se faz necessário esclarecer que não existe processo penal cautelar. O que

temos, na realidade, são medidas ou providências cautelares ínsitas ao processo

de conhecimento ou, inclusive, ao de execução. 145

Segundo Fernandes146:

Nestes casos, se essas providências não forem tomadas, a decisão da causa não mais conseguirá satisfazer o direito da parte. Não se atinge a finalidade instrumental do processo que consiste na prestação jurisdicional justa.

Segundo Barros147:

143 SILVA, Plácido E. Vocabulário Jurídico. p. 1095. 144 FALCONI, Romeu. Sistema Prisional. Reinserção Social. p.47. 145 DELMANTOJUNIOR, Roberto. As Modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2 ed. ampl. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.p. 77. 146 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal constitucional. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 285.

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Essas providências desenvolvem-se em dois sentidos: primeiramente procurando-se exaurir o processo com a máxima solicitude, conforme ocorre com o princípio da concentração; e o outro o da retroatividade, tornando juridicamente irrelevante as modificações da situação material ocorrida durante o processo; com esse efeito de sentença final. Mas estes são dois limites tanto da concentração como da retratação. O limite da concentração processual está em que à lide seja bem julgada; fazer rápido é bom, contando que não se comprometa o fazer o bem. A retroação da decisão somente é possível quando em nada se altere a situação concreta anterior, tendo como limite essa possibilidade. Dessas dificuldades é que surgem as medidas cautelares, objetivando evitar que com o decorrer do tempo seja alterada a matéria do processo, tornando impossível a finalidade neste colimada. Através dela se procura colocar as coisas que interessam ao processo numa situação de letargia, evitando-se que sejam modificados com o decurso do tempo.

Entendemos que no processo penal, da mesma forma que

em outras áreas do nosso direito, as medidas cautelares muitas vezes se fazem

necessárias para a garantia do bom desenvolvimento de um processo.

Toda medida cautelar está subordinada ao atendimento de

dois requisitos básicos, sem os quais se tem como inadmissível qualquer

antecipação do resultado final. Trata-se do fumus boni júris e periculum in mora.

De início há necessidade de perscrutar acerca da viabilidade

jurídica da pretensão punitiva, da sua plausividade, de modo que se apresente

pelo menos razoável. No processo penal, o fumus boni júris se traduz pelo

binômio materialidade e autoria. Sendo o processo uma evolução da dúvida para

a certeza, conforme Barros, “Disso resulta que para assumir o risco da atuação

cautelar, torna-se imprescindível pelo menos uma aparentia juris da situação que

se pretende acautelar”. 148

Como bem ensina Tornaghi149;

147 BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo Penal Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 12. 148 BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo Penal Cautelar. p. 43. 149 TORNACHI, Helio. Curso de Processo Penal. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1980. v. 2. p.85/86

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O juiz deve mencionar de maneira clara e precisa os fatos que o levam a considerar necessária à prisão. Não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade o fato de o juiz dizer apenas’ considerando que a prisão é necessária para garantia da ordem publica... ’. Ou então: ‘ a prova dos autos revela que a prisão é conveniente para a instrução criminal... ’. Formulas como essas é a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão.

Segundo Espínola Filho150:

“Precisamente, através da motivação é que se apurará se a medida se não justificava ou se, realmente, é conveniente aos interesses da justiça”. E acrescenta “A medida é de política judiciária”.

Segundo Aragoneses151:

O grande problema das cautelares consiste em que, se não adotadas corre-se o risco da impunidade; se adotadas, criam o perigo da injustiça. É certo que levado à prisão, ainda não julgado, condenado já estará perante a sociedade, além da relativa presunção de que é culpado. E mais cruel, sobretudo alimentada pela imprensa sensacionalista, motivadas pelos altos lucros e índices elevados de audiência que a sociedade, sempre indignada e carente de justiça, lhe confere, em patente conflito com a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e a imagem das pessoas.

A medida cautelar que mais intensamente implica a restrição

do direito fundamental à liberdade, atingindo a dignidade do suspeito ou acusado,

sem dúvida, é a prisão provisória, cautelar ou processual, cujo objetivo não é a

150 ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. 6 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965. v. 3. p.423/432 151 ARAGONESES ALONSO, Pedro. Curso de Derecho Procesal Penal. Madri: Edersa, 1986. p. 246

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punição, “mas constitui instrumento para a realização do processo ou para

garantia de seus resultados.”152

Segundo a lição de Machado153:

Ao lado da atividade cognitiva e executória, o processo penal também conhece “(...) uma atividade jurisdicional cautelar, com os pressupostos, fins, e peculiaridade da tutela cautelar em geral. Todavia, convém destacar que num sistema político atravessado pela ideologia do liberalismo, tais medidas, que às vezes importam na restrição da liberdade do indivíduo, antes mesmo do provimento jurisdicional definitivo de culpa, hão de ser tomadas sempre em caráter absolutamente excepcional e em situações de concreto risco para a efetividade da jurisdição. Fora desses casos, sobretudo numa atmosfera liberal, a constrição da liberdade do indivíduo deve configurar constrangimento intolerável com evidente abuso de autoridade por parte de quem a ordena ou executa.

No entanto como alerta Gomes Filho, 154 convém não olvidar

que “constitui, na verdade, um poderoso instrumento a serviço do aparato punitivo

estatal, refletindo quase sempre uma opção deliberada do legislador pelo

emprego de instrumentos processuais com finalidades intimidatórias e

repressiva.”

Segundo ainda o autor: 155

É importante evitar que a utilização indiscriminada das medidas de natureza cautelar no processo penal constitua instrumento para a imposição de sanções atípicas que, sob a justificação da urgência e da necessidade, acabam por subverter os princípios fundamentais do Estado de direito, consagrando algo próximo à idéia de justiça sumária.

152 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. 6 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 276. 153 MACHADO, Antonio Alberto. Prisão Preventiva. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 28/29. 154 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 60. 155 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. p.57.

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3.3 PRISÃO ESPECIAL

A legislação processual penal dispõe sobre a chamada

prisão especial.

A prisão especial foi instituída no Brasil pelo Decreto-Lei nº.

3689/41, de 3 de outubro de 1941(Código de Processo Penal), que previu tal

instituto no artigo 295, que estabelece o rol dos cargos e funções beneficiadas

com este privilégio. 156

Algumas pessoas, em decorrência de suas atividades

públicas ou particulares, têm, durante o tempo da prisão provisória, direito a

serem recolhidas a quartéis ou prisão especial, sendo que esta prisão é

concedida, porém, apenas até a condenação transitar em julgado.

Segundo Cogan157:

Procurou a lei, em razão da qualidade das pessoas envolvidas em processos, na fase que antecede a decisão, ou durante o tempo da prisão provisória, permitir que aquelas que exercem determinadas atividades sejam recolhidas a quartéis ou locais aptos a servirem como prisão especial, evitando-se o seu contato com os demais presos, garantindo-lhes ambiente menos constrangedor e condições de vida mais condizentes com a atividade profissional até então desenvolvidas.

No entanto analisando o regime democrático onde “a

igualdade de todos perante a lei é o oxigênio, todos tem direitos ao mesmo

processo, ao amparo dos mesmos tribunais, ao tratamento da mesma lei”,

comenta Sampaio Dória158:

Que apesar do princípio de que todos são iguais perante a lei “justifica-se a criação de órgãos especiais de justiça, para processar e julgar certas causas, em virtudes das pessoas nelas

156 COGAN, Arthur. Prisão Especial. São Paulo: Saraiva, 1996. p.2. 157 COGAN, Arthur. Prisão Especial. p.1. 158 DÓRIA, A. De Sampaio. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. Nacional. p.315.

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envolvidas”, esclarecendo que “esses juízos especiais não quebram o princípio da igualdade de todos, perante a lei. Em todos estes casos, a exceção é determinada por interesses superiores da sociedade e não por privilégio dos indivíduos”.

Segundo Ari Franco159:

Apesar de o preceito constitucional estabelecer que “todos são iguais perante a lei, o legislador processual penal, por considerações de ordens várias, criou certo privilégio para a pessoa que enumera, determinando sejam recolhidas a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitas à prisão antes da condenação definitiva”.

No entanto enumerando, determinadas categorias de

pessoas que na fase processual tem direito à prisão em condições especiais, o

legislador ordinário não afrontou o texto constitucional, já que a todos os cidadãos

estão abertos os caminhos que conduzem à conquista das posições que dão aos

seus integrantes a regalia de um tratamento sem o rigor carcerário. 160

Para Espínola Filho161:

A enumeração não é limitativa, admitindo a equiparação de pessoas outras, por paridade de motivo; respeitando-se, ademais, quaisquer disposições existentes em regulamentos especiais, quanto aos que exerçam atividade profissional neles disciplinados

O entendimento dominante, porém, é de que a enumeração

é taxativa, não admitindo interpretação ampliativa.

Segundo Basileu Garcia162:

Não sendo possível, por deficiência de ordem material, facultar a todos os acusados ainda não condenados, um tratamento que reduza os riscos de injustiça, imanentes ao caráter preventivo da medida privativa de liberdade, não há mal em que isso seja feito pelo menos relativamente a alguns acusados. “Dentre eles, os

159 FRANCO, Ari Azevedo. Código de Processo Penal. 2 ed. Livraria Jacinto. v. 1. p.308. 160 COGAN, Arthur. Prisão Especial. p.1. 161 ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. p. 317. 162 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 1. ed. Max Limonad. v.1,t.1.

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que, pela sua vida, funções e serviços prestados à coletividade, mereceram maior consideração pública, ou que, pela sua educação, maior sensibilidade devem ter para o sofrimento no cárcere”.

No entanto, não é nenhuma novidade, entre os

processualistas penais brasileiros, confrontar o artigo 295 do CPP com o primado

constitucional da igualdade de todos perante a lei.

Aliás, todos os tratadistas clássicos abordaram o tema,

sendo que nenhum deles contestou a prisão especial, muito pelo contrário. 163

Segundo Garcia164, à sua época escrevia:

Todos são iguais perante a lei (...). No moderno direito repressivo não há lugar para as distinções de classes outrora vigontes. A pesar do subjetivismo do direito penal dos nossos dias, que, inspirado na orientação positivista, coloca em alto apreço o exame das condições pessoais do criminoso no estatuir a pena individualizada, seriam contrárias ao sentimento geral e inadmissível as diferenças de regime punitivo que se fundassem na diversidade de categorias sociais.

Segundo o mesmo autor, enquanto, não há condenação

irrecorrível, compreende-se a concessão. O indiciado é presumido inocente até

que venha a ser condenado. A prisão provisória é estabelecida em caráter

excepcionalíssimo, em atenção a diversas conveniências, da sociedade e da

justiça. Sendo medida de exceção, que pode acarretar grave e imerecido dano

àquele que a sofre, deve ser aplicada com a maior benignidade possível.

Todos os privilégios odiosos devem ser repelidos, mas que

nada tem de odioso o de que se ocupa o presente dispositivo. Estabelecido na lei,

aliás, de forma abstrata, nele não se objetivam pessoas, e sim determinada

qualidade que pode ser conseguida por qualquer pessoa, pelos serviços que

163 DELMANTO JUNIOR, Roberto. Revista dos Tribunais. p.466. 164 GARCIA, Basileu. Comentários ao código de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1945. v. 3. p.73/75.

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prestara coletividade, com o seu esforço ser conseguida por qualquer pessoa,

pelos serviços que prestar à coletividade, com o seu esforço. 165

Entendemos que a prisão especial foi criada como medida

de segurança para aquele que for preso, e que necessariamente precisará de

proteção à sua vida. E assim, cabe ao Estado estabelecer condições para

preservar, até por segurança, aquele preso que, em razão de sua atividade,

tornou-se mais vulnerável ou até um verdadeiro alvo dentro do nosso sistema

prisional.

Segundo Toledo166:

Hoje em dia, os indiciados submetidos à prisão cautelar continuam sendo recolhidos, como se fossem facinorosos julgados, e amontoados em cubículos infectos, tão exíguos que, em bom numero de casos, não dispõem de amplitude sequer para dar a cada um espaço físico suficiente para abrigar, com alguma folga, o próprio corpo.Há celas tão acanhadas ou entulhadas de presos que o próprio tempo de repouso deve ser distribuído em rodízio, por falta de leitos suficientes.Tudo isso é, hoje do conhecimento do publico, dos governantes, dos juizes, dos promotores e até daquela parcela importante da mídia que, ao invés de lutar pela mudança dessa situação desumana e intolerável, não cessa de pregoar mais prisões para tudo e para todos, como solução para os males sociais que nos afligem.

Para Filho167:

A prisão especial de pessoas, de qualidade, ainda não condenadas definitivamente. Antes da condenação definitiva, não se pode afirmar responsáveis inescusáveis, por infrações penais, as pessoas sujeitas à prisão, pelo que o artigo 300 faz uma recomendação de alta significação, ordenando que se evite, tanto quanto possível, o contacto entre réus definitivamente condenados e pessoas provisoriamente presas; assim, é natural se conceda o privilégio de ficar em estabelecimento diverso do cárcere comum, livres do contacto com a ralé dos criminosos, a pessoa de qualidade, pelas funções que ocupam, pela sua

165 GARCIA, Basileu. Comentários ao código de processo penal. p.73. 166 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. Brasília: nº. 15, set/dez 2001.p. 64-72. 167 ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. p.316-317.

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educação e instrução, pelos relevantes serviços públicos, que prestem ou tenham prestado.

No mesmo sentido, Tourinho Filho168:

Antes da sentença condenatória definitiva, a prisão, seja na hipótese de flagrante, seja na hipótese de preventiva stricto sensu, traduz, apenas, uma cautela do Estado, em virtude do periculum in mora, isto é, de perigo da insatisfação da pena ou da satisfação tardia, ou, então, como garantia da ordem pública ou por conveniência da instrução criminal. Enquanto não houver uma sentença condenatória irrecorrível, não se pode falar em condenação. Sendo medida de exceção, que pode acarretar grave e imerecido dano àquele que a sofre, deve ser aplicada com a maior benignidade possível, e a concessão do artigo 295 é consentânea com essa “aconselhável benignidade”. Não há qualquer lesão ao princípio da isonomia. Não se trata de concessão a pessoas, não se trata de privilégio para certas pessoas, mas de uma atenção a certas pessoas, levando-se em conta, exclusivamente, a relevância, a majestade e a importância do cargo ou função que essa ou aquela pessoa desempenhe no cenário jurídico-politico da nação.

3.3.1 Categorias Profissionais Beneficiadas Com a Prisão Especial

Desde 1941, pelo menos, com a promulgação do CPP, a

chamada prisão especial encontra-se prevista no o artigo 295.

“Art.295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à

disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes da

condenação definitiva”:

I - Os ministros de Estado

II-Os governantes ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do distrito federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de policia;

III-Os membros do Parlamento Nacional, do Conselho da Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

168 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal.

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IV-Os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;

V-Os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

VI-Os magistrados;

VII-Os diplomados por qualquer das faculdades superiores da Republica;

VIII-Os ministros de confissão religiosa;

IX-Os ministros do Tribunal de Contas;

X-Os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI-Os delegados de policia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

Por outro lado, além das categorias enumeradas no artigo

295 do CPP, outras com o passar dos anos foram conquistando o direito de terem

seus membros, quando presos cautelarmente, recolhidos à prisão especial. Com

efeito, podemos aqui, destacar os seguintes:

Comerciantes matriculados, decreto 2592, de 12.08.1915 (artigo 71);

Vigilantes municipais do Distrito Federal, decreto 8209, de 23.11.1945;

Oficiais da marinha mercante nacional que já tiverem efetivamente exercido posição de comando, lei799, de 1º. 09.1949;

Dirigentes e administradores sindicais, lei 2.869, de 31.08.1956 (artigos 1º e 2º);

Servidores do departamento federal de segurança pública, lei 3.313, de 14.11.1957 (artigos, 1º, I, e § 1º);

Pilotos de aeronaves mercantes nacionais, lei 3988, de 24.11.1962 (artigo 1º);

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Policiais civis do Distrito Federal e da União. Lei 4878, de 03.12.1965;

Funcionários da Polícia Civil dos Estados e territórios, lei 5350, de 06.11.1967 (artigo 1º);

Professores de 1º e 2º graus, lei 7172, de 14.12.1983(artigo 1º).169

No entanto a lei 10.258, de 11.07.2001, dá nova redação ao

artigo 295 do CPP, alterando o inciso V, e acrescentando cinco novos parágrafos:

§1º A prisão especial, prevista neste código ou em outras

leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.

§2º Não havendo estabelecimento específico para o preso

especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.

§3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo,

atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores

de areação, insolação e condicionamento térmico adequados à existência

humana.

§4º O preso especial não será transportado juntamente com

o comum.

§5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os

mesmos do preso comum.

3.4 PRISÃO ESPECIAL: DIREITO OU PRIVILÉGIO?

Em primeiro lugar registra-se que a prisão especial é

prevista em lei, contempla algumas categorias profissionais, preservando-as, vale

somente para a prisão antes da condenação.

Para muitos, a prisão especial é vista como um mero

privilégio ou regalia, que caminha na contramão da igualdade de direitos entre os

169 DELMONTO JUNIOR, Roberto. Revista dos Tribunais. p. 466

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brasileiros, sendo considerada como um retrato de imoralidade jurídica, o que a

torna uma referência elitista, quando deveria ser o padrão para todos. 170

Segundo Toledo171:

Do exposto, conclui-se que a prisão especial, prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal, é um direito, não um privilégio, tendo em vista que se aplica unicamente aos que estão submetidos, excepcionalmente, à prisão provisória, antes da condenação definitiva, e que gozam ainda da presunção de inocência.

Entendemos, no entanto que, nem por ser “especial” a

prisão deixa de ser prisão. O especial só o é temporariamente, pois caso haja

condenação, perde-se o privilégio e a “pessoa de qualidade” vai cumprir a pena

dentro das prisões simples.

De outro lado é importante reproduzir as justificativas

utilizadas para os privilégios da prisão especial, segundo França172:

(...) não parece justo que pessoas que se distinguem por certas qualificações posições ocupadas, funções exercidas, serviços prestados sejam recolhidas, quando tiverem de ser presas provisoriamente, a prisões comuns.

“Segundo o mesmo autor uma hipótese para esta explicação

parece ser a suposição que tais pessoas, pelas suas qualidades”, são menos

suspeitas de haver cometido crimes do que os cidadãos comuns, enquanto estes

últimos são suspeitos até provar em contrário.

Segundo Espínola Filho, diz que tal privilégio decorre de

várias razões, a partir da recomendação do próprio código, no artigo 300, o qual

propõe que se evite o contato entre os provisoriamente presos e os

170 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p.64-72. 171 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p. 64-72. 172 FRANÇA, R.Limongi. Enciclopédia Saraiva de direito. Vol. 61. São Paulo: Saraiva, p.155-156.

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definitivamente condenados. Esta recomendação, se cumprida, deve valer para

todos. 173

No interior de seu comentário, o autor reproduz um parecer

de Lemos Britto, que diz174:

(...) é natural que se conceda o privilégio de ficar em estabelecimento diverso do cárcere comum, livres do contacto com a ralé dos criminosos, as pessoas de qualidade, pelas funções que ocupam, pela educação e instrução, pelos relevantes serviços públicos que prestem ou tenham prestado.

No entanto para Lemos de Brito é natural que, ou seja, faz

parte da “ordem natural” (não necessitando, pois, de explicação ou justificativa

fundamentada) que haja o privilégio dos cidadãos de qualidade se verem livres da

ralé. Neste sentido se confirma o dito irônico pelo qual, no Brasil, todos são iguais,

mais uns são mais iguais do que outros. A prisão especial se volta, pois, para

“pessoas de qualidade” ainda não julgadas, cuja diferenciação “natural” dos

outros deve ser preservada.

Mas será que tal regalia não fere o princípio de igualdade de

todos perante a lei? A igualdade não é uma propriedade da pessoa (como a

liberdade).

Como diz Bobbio175:

(...) enquanto a liberdade é uma qualidade ou propriedade da pessoa (não importa se física ou moral) e, portanto, seus diversos significados dependem do fato de que esta qualidade ou propriedade pode ser referida a diversos aspectos da pessoa, sobretudo à vontade ou, sobretudo à ação, a igualdade é pura e simplesmente um tipo de relação formal, que pode ser preenchida pelos mais diversos conteúdos.

Segundo Nogueira176:

173 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. p.316/317. 174 BRITTO, Lemos. apud Eduardo Espínola Filho. p.316/317. 175 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. p.12.

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O privilégio da prisão especial é perfeitamente justificável, pois não se concebe que as pessoas beneficiadas pela sua própria formação ou mesmo posição social tenham tratamento igual ao do criminoso comum, sendo colocadas em promiscuidade nas prisões, juntamente com condenados da pior espécie. Alias tal privilégio só ocorre antes da condenação definitiva, segundo disposição processual (artigo 295), mas deve estender-se também depois da condenação. Não se compreende, por exemplo, que uma autoridade policial ou mesmo agente da polícia, que venha a ser condenado, seja recolhido em companhia de condenados que foram, antes, por eles presos.

Entendemos que, porque algumas pessoas com direito a

prisão especial teriam sido obsequiadas com diversas regalias (telefone celular,

televisão, refeições levadas por familiares), tal fato levou a mídia (que

desconhece a nossa realidade prisional) a uma campanha contra essa espécie de

prisão.

É de se apontar, outrossim, que a lei 10.258/01 recebeu

duras críticas de Tourinho Filho, para quem “a prisão especial não é privilégio,

mesmo porque para a sua obtenção basta a natureza da atividade que a pessoa

exerça ou sua formação universitária, pouco importando se é branco, negro,

pobre ou rico”.

O mesmo autor continua177:

Poucos sabem que essa prisão provisória, especial ou não, perdura enquanto não houver uma sentença condenatória transita em julgado. Após a condenação definitiva todos se nivelam, e passam a sofrer os horrores dos nossos cárceres, nos quais a vida subumana é uma constante. O sujeito à prisão especial vai passar por essa experiência, queira ou não queira, pois foi sua opção de vida. E de lá sai, ou violentado, ou mestre da arte de imposturar ou velhacar, pois o nosso sistema prisional é assim e continuará assim. Temos dezenas e dezenas de condenados pela Justiça Federal, mas não possuímos uma penitenciária federal. Temos recolhidos aos presídios cerca de 230 mil pessoas e celas

176 NOGUEIRA, Paulo Lucio. Curso Completo de Processo Penal. p. 311. 177 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prisão Especial. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 50, abril 2001. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.

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para 100 mil. E ainda querem aumentar a população carcerária, e quando há rebeliões em face da vida subumana que os presos levam, entra a tropa de choque e tudo volta como dantes ao quartel de Abrantes.

Tourinho Filho178 ainda comenta que, numa época em que o

próprio legislador reconheceu que o nosso sistema penitenciário chegou a um

total estado de falência a ponto de criar medidas alternativas para os condenados

até 4 anos, transações nas infrações de menor potencial ofensivo e suspensão

condicional do processo quando a pena mínima cominada não ultrapassar um

ano, a minimização da prisão especial é um retrocesso sem nome. Em vez de

restringi-lá, dever-se-iam construir estabelecimentos diversos dos prisionais, para

todos aqueles que fossem presos provisoriamente, dês que primários.

Já era um pensamento de Aristóteles, de que méritos iguais

devem ser tratados igualmente, mas situações desiguais devem ser tratadas

desigualmente.

Acreditamos que o melhor caminho, no mundo jurídico, é

ouvir, não o estardalhaço da mídia, não a improvisação dos políticos, mas o

conselho de sábios, como este de Rui Barbosa179, na “Oração aos Moços”:

Não acompanheis os que, no pretório, ou no júri, se convertem de julgadores em verdugos, torturando o réu com severidades inoportunas, descabidas, ou indecentes; como se todos os acusados não tivessem direito à proteção dos seus juizes, e a lei processual, em todo o mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada.

Em suma o que sempre defendemos, a redução das

hipóteses legais de prisão, seja ad custodiam, seja ad poenam, uma substancia

melhoria das condições físicas de nossas prisões, de modo a preservar um

mínimo de dignidade humana para o preso que, a despeito de tudo, quer

178 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prisão Especial? Jus Navigandi,disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1977 Acesso em 24 abril.2006. 179 BARBOSA, Rui. Escritos e Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Aguilar, 1995.p. 676.

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queiramos, quer não, não deixa de pertencer ao controvertido e problemático

gênero humano. 180

A Convenção Americana de Direitos Humanos pode ser aqui

invocada quando afirma:

“Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o

respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” 181.

Nessa linha de pensamento, não vemos regalias no fato de

se deferir prisão especial, em beneficio de certas pessoas ainda não condenadas,

já que, a melhor solução seria submeter todos os presos provisórios, ainda não

condenados, quando necessário à permanência da segregação, a alguma

espécie de prisão especial e não amontoá-los em prisões escuras e infectas, a

lugares de desolação e angústia. 182

Se a realidade brasileira, a triste e condenável realidade dos

presídios brasileiros, não permite que se alcance esse ideal, por descaso dos

governantes e por influência de uma parcela da opinião pública reincidente em

condenarem suspeitos e execrá-los, antes de qualquer apuração ou processo

regular. 183

Então, se as coisas assim sejam que as exceções

atualmente existentes na lei sejam mantidas no tocante aqueles presos

provisórios que, por terem exercidos certas profissões, funções ou cargos, antes

da prisão, possam ser objeto de escárnio, maus-tratos ou vingança, por parte de

presos provisórios, violentos, tais como ladrões, assaltantes, traficantes,

homicidas, ou seja, pela escoria da criminalidade de nossos dias. 184

A não ser assim, estaríamos submetendo presos, ainda não

julgados, presumidamente inocentes, a sofrimento desnecessário, o que não é

função das mediadas cautelares nem o objetivo da lei processual. Menos ainda o

180 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p. 64-72. 181 Artigo 5º, II, Segunda Parte. Convenção Americana dos Direitos Humanos. 182 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p.67. 183 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p.67. 184 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p.67.

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desejo de um povo razoavelmente civilizado e organizado sob um regime que se

diz “democrático”. 185

185 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista CEJ. p.67.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objeto a análise do princípio

constitucional da igualdade frente à prisão especial. Não somente sob a análise

doutrinaria, mas também sob o ângulo prático, ou seja, a sua efetiva aplicação; e

ligado a isso os critérios que devem ser respeitados por todos aqueles que estão

sujeitos ao ordenamento jurídico, inclusive ao aplicador da lei e o legislador, que

não pode elaborar normas que ofendam o princípio da igualdade. Porque, não só

perante a lei posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-

se ao dever de dispensar tratamentos iguais às pessoas.

No que se refere da aplicação desse princípio, convém

ressaltar que a idéia de igualdade sempre existiu, porém a acepção de uma

igualdade universal passou a ser efetivada a partir do cristianismo e transformou-

se em regra de direito positivo, elencadas nas Constituições do mundo todo. O

que, no entanto passou a ser um dos direitos fundamentais do ser humano,

devendo ser objeto de aplicação a todos em geral, também aos poderes:

Legislativo, Executivo, Judiciário.

No entanto a lei não deve ser fonte de privilégios ou

perseguições, mais sim instrumento regulador da vida social que necessita tratar

equitativamente todos os cidadãos. Isto é o conteúdo absorvido pelo princípio da

igualdade e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo

assimilado pelos sistemas normativos vigentes.

A igualdade constitui tema muito importante em nosso

ordenamento jurídico. Tema este de grande preocupação e discussão desde os

primórdios da civilização. A CRFB/88 reconheceu a igualdade no sentido jurídico

formal, ou seja busca-se não somente a igualdade substancial que é aquela

igualdade fundada nos bens materiais e nas posses, mas principalmente, a

igualdade formal, que é a igualdade perante a lei, perante o direito.

O artigo 5º da CRFB/88 prescreve igualdade de todos

perante a lei. Esta é a igualdade formal, que mais interessa ao jurista. No entanto

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a CRFB/88 procurou aproximar os dois tipos de igualdade, a substancial e a

formal, na medida em que não se limitou a prever a igualdade perante a lei, mas

também, a igualdade entre homens e mulheres e vedou discriminação. Sabemos

que na prática, a lei não desempenha o papel de instrumento igualitário. E sim,

aparece como poderoso mantedor de ideologias das desigualdades.

O princípio da igualdade tem tríplice finalidade limitadora, a

limitação do legislador, do intérprete e do particular. O legislador, no entanto é o

foco primário do princípio da igualdade, pois se este criar leis que proporcionem

as igualdades, basta o aplicador da lei respeitar o princípio da legalidade, para ter

o princípio da igualdade preservado. No que se refere ao particular, este não

poderá pautar-se por atitudes discriminatórias, preconceituosas ou racistas.

O princípio da dignidade da pessoa humana no texto

constitucional brasileiro teve uma forte influência das Constituições Portuguesa e

Espanhola, o qual se verificou pela redemocratização desses países, na época

recém saídos dos regimes ditatoriais, os quais buscaram atender às aspirações

de seu povo incluindo nos textos constitucionais expressa previsão ao princípio da

dignidade humana como fundamento de direitos individuais e coletivos. No Brasil

tal princípio se consagrou definitivamente na Constituição de 1934, pela primeira

vez um texto constitucional brasileiro mencionou expressamente a dignidade da

pessoa humana.

No entanto foi a partir da evolução do conceito de pessoa

humana e do reconhecimento de valores intrínsecos à sua personalidade, o

ordenamento constitucional brasileiro incorporou o princípio da dignidade da

pessoa humana como um dos princípios fundamentais da República Federativa

do Brasil. Assegurando assim o respeito pela vida e pela integridade física e

moral do ser humano. No entanto onde essas condições mínimas para uma

existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder,

onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem

reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa

humana e esta, poderá passar de mero objeto de arbítrio e injustiça.

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A liberdade é um dos direitos civis mais fundamentais do ser

humano e garantido em nossa Constituição, quando perdida representa uma das

penas mais duras a que a pessoa pode ser submetida. A liberdade é uma

qualidade ou propriedade da pessoa. No entanto a prisão, por ser medida

extrema contra o estado de liberdade do indivíduo, direito este universalmente

garantido, somente se admite quando determinado por ordem legal e emanada de

autoridade competente e respeitado o devido processo legal.

No entanto a prisão antes do transito em julgado, necessita

de muita cautela. O grande problema das cautelares consiste em que, se não

adotadas corre-se o risco da impunidade; se adotadas, criam o perigo da injustiça.

É importante evitar que a utilização indiscriminada das medidas de natureza

cautelar no processo penal constitua instrumento para a imposição de sanções

atípicas que, sob a justificação da urgência e da necessidade, acabam por

subverter os princípios fundamentais do Estado de direito, efetivando algo

próximo à idéia de justiça sumária.

Algumas pessoas, porém em decorrência de suas

atividades públicas ou particulares, têm, durante o tempo de prisão provisória,

direito a serem recolhidas a quartéis ou prisão especial, sendo que esta prisão é

concedida, apenas até a condenação definitiva. Para muitos a prisão especial é

vista como um privilégio, que caminha na contramão da igualdade de direitos

entre brasileiros. Para outros a prisão especial, prevista no artigo 295 do CPP, é

um direito, e não um privilégio, tendo vista que se aplica unicamente, aos que

estão submetidos, à prisão provisória, antes da condenação definitiva, que gozam

ainda da presunção de inocência.

No entanto a Convenção Americana de Direitos Humanos

afirma que, toda a pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito

devido à dignidade inerente ao ser humano. Seguindo este pensamento, não

vemos regalias no fato de se deferi prisão especial, em beneficio de certas

pessoas ainda não condenadas, já que a melhor solução seria submeter todos os

presos provisórios, ainda não condenados, em alguma espécie de prisão especial

e não amontoa-los em prisões escuras e infectas.

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Se a realidade de nosso país, a triste e condenável realidade

dos presídios brasileiros, não permite que se alcance esse ideal, por descaso dos

governantes e por influência de uma parcela da opinião pública reincidentes em

condenarem os suspeitos antes mesmo de qualquer apuração ou processo

regular. Se as coisas assim são, que a s exceções atualmente na lei sejam

mantidas no tocante aqueles presos provisórios que, por terem exercidos certas

profissões, funções ou cargos, antes da prisão, possam ser objetos de maus-

tratos ou vingança por parte dos presos violentos.

Para a realização da presente monografia, foram levantadas

– conforme consta na introdução desta monografia – algumas hipóteses, as quais

passa-se a comentar.

1ª Hipótese, esta restou totalmente confirmada, haja vista

que a Prisão Especial esta prevista do artigo 295 do CPP, é um direito garantido

para alguns grupos de pessoas decorrente de uma condição específica, esta ,

que, poderá ser obtida, conquistada ou atingida por todos os cidadãos, nos

termos da resposta à segunda pergunta .

2ª Hipótese, esta não restou confirmada, haja vista que o

dispositivo está estabelecido na lei, de forma abstrata, nela não se objetivam

pessoas, sim determinada qualidade, e esta pode ser conseguida por qualquer

pessoa.

3ª Hipótese, esta não restou confirmada, porque a

previsibilidade legal infra constitucional do instituto pesquisado não fere princípios

constitucionais, por exemplo o da isonomia e igualdade, muito menos o da

dignidade da pessoa humana , nos termos da pesquisa.

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