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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – CAMPUS DE CACOAL Departamento do Curso de Direito PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL Bertoldo Kil Cacoal – RO 2007

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – CAMPUS DE CACOAL

Departamento do Curso de Direito

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

Bertoldo Kil

Cacoal – RO 2007

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BERTOLDO KIL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Marcus Vinicius Xavier de Oliveira.

Cacoal – RO 2007

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PARECER DE ADMISSIBILIDADE DO ORIENTADOR

O acadêmico BERTOLDO KIL desenvolveu o presente Trabalho de Conclusão de

Curso sobre o tema “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, observando os critérios do

Projeto Monográfico, apresentado ao Departamento de Direito da Universidade Federal de

Rondônia – UNIR, Campus Cacoal.

O acompanhamento foi efetivo, tendo o desenvolvimento do trabalho observado prazos

fixados pelo Departamento do Curso de Direito.

Destarte, o acadêmico está apto para a apresentação expositiva de sua monografia junto

à banca examinadora.

Cacoal-RO, 13 de agosto de 2007.

Marcus Vinicius Xavier de Oliveira

Professor Orientador

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BERTOLDO KIL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL

AVALIADORES

_________________________ ___________

1º Avaliador Nota

_________________________ ___________

2º Avaliador Nota

_________________________ ___________

3º Avaliador Nota

_______________

Média

Cacoal – RO 2007

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Dedico o presente trabalho ao meu pai Emilio (in

memoriam), à minha mãe Guilhermina, aos meus lindos

filhos Felipe, Lucas e Luiza, de quem furtei momentos

preciosos de convívio. E em especial, e muito especial, à

minha esposa, colega e companheira Izaura, de quem sou

fã e admiro muito, pela paciência, pela prestatividade e

pelo amor incondicional nos dezessete anos de

convivência, por quem sou muito apaixonado.

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Agradeço acima de tudo a Deus, meu pai eterno, por ter

me condicionado a iniciar e terminar essa faculdade,

estando comigo todos os dias. A todos os colegas e

professores que estiveram presentes nesta conquista. Em

especial à minha adorável família, esposa e filhos, pela

paciência e motivação para seguir com segurança e

empenho até a conclusão do curso.

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"[...] uma ordem jurídica sem justiça social

não é um Estado de direito material, e

tampouco pode utilizar-se da denominação de

Estado Social um Estado planejador e

providencialista que não acolha as garantias de

liberdade do Estado de Direito"

Claus Roxin

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RESUMO

A presente monografia objetivou analisar o princípio da insignificância como excludente da tipicidade penal material. Objetivou, ainda: analisar a localização espacial do Direito Penal; analisar a estrutura do crime; conceituar bem jurídico tutelado; demonstrar a objetividade jurídica da norma; demonstrar a posição da doutrina e da jurisprudência a respeito do princípio da insignificância. O estudo se justifica e se faz relevante porque se sabe que o crime é um problema social, há que se perceber, portanto, que sua solução não repousa, exclusivamente, na reprimenda penal, mas, sim, em políticas sociais voltadas à erradicação da pobreza, do desemprego e da educação da população. A sanção penal deve ser deixada apenas para aquelas condutas que nada têm que ver com o chamado problema social, caso em que o jus puniendi do Estado deve ser colocado em prática. A respeito do crime - considerado como fato socialmente relevante - urge sua análise à luz dos atuais movimentos de Política Criminal, donde emerge o princípio da insignificância. Palavras-chave: Princípio. Insignificância. Tipicidade penal.

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ABSTRACT

The objective of this monograph is to analyze the insignificance principle as exculpatory of the typical material criminal. The study intents, still: to analyze the space localization of the Criminal law; to analyze the structure of the crime; to demonstrate the legal objective of the norm; to demonstrate the position of the doctrine and the jurisprudence regarding the insignificance principle. The study is justified and shows his relevance, therefore, currently, because it is known that the crime is a social problem that requires perceiving that his solution is not, exclusively, the criminal reproach, but social politics destined to the eradication of the poverty, the unemployment and the education of the population. The penalties must be left only for those behaviors that are not involved with the social problem; in this case the State jus puniendi must be placed in practical. Regarding the crime - considered as a fact with social relevance – it’s necessary his analysis to the light of the current movements of Criminal Politics, where appears the insignificance principle. Key words: Principle. Insignificance. Criminal type.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 DO CRIME 13

1.1 CONCEITO DE CRIME 13

1.1.1 Conceito Material 15

1.1.2 Conceito Formal 17

1.1.3 Conceito Analítico 18

1.1.4 Tipicidade 20

1.1.4.1 Conceito de tipo 20

1.1.4.2 Espécie de tipo 21

1.1.4.3 Conceito de tipicidade 21

1.1.5 Diferença entre Tipicidade e Adequação Típica 22

1.1.6 Bem Jurídico Penal 23

1.1.6.1 Concepção sociológica de bem jurídico-penal 26

1.1.7 Da Objetividade Jurídica da Norma Penal 28

2 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 31

2.1 ORIGEM HISTÓRICA E DOUTRINÁRIA 38

2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL CONSAGRADOS

PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 42

2.2.1 Princípio da Legalidade 42

2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima 43

2.2.3 Princípios da Fragmentariedade e da Subsidiariedade 47

2.2.4 Princípio da Adequação Social 49

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2.2.5 Princípio da Proporcionalidade 51

2.2.6 Princípio da Lesividade 52

2.3 DELITO INSIGNIFICANTE VERSUS CRIMES DE MENOR POTENCIAL

OFENSIVO 53

2.4 DA NATUREZA JURÍDICO-PENAL 54

2.5 CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 56

2.5.1 Objeções 56

2.5.2 Aceitação 58

3 PRINCÍPIO DA INSGNIFICÂNCIA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA 62 CONCLUSÃO 69 REFERÊNCIAS 71

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INTRODUÇÃO

O objetivo da realização do estudo contido na monografia ora apresentada foi o de

verificar de que maneira o princípio da insignificância pode atuar como excludente da

tipicidade penal material; para consecução de tal objetivo central inúmeros outros aspectos da

questão em tela foram abordados, tais quais: a localização espacial do direito penal; a

estrutura do crime e o bem jurídico tutelado por meio das normas penais, ao que se intentou

demonstrar a objetividade jurídica da norma para, por fim, evidenciar o posicionamento da

doutrina e da jurisprudência com relação ao tema ora tratado, qual seja, o princípio da

insignificância no sistema penal pátrio.

Para melhor exposição dos temas discutidos, o trabalho ora apresentado foi estruturado

em três etapas: na primeira buscou-se classificar o crime e tratar do bem jurídico tutelado por

meio de tal classificação e ainda abordou-se a objetividade jurídica da norma; em fase

posterior foi analisado o princípio da insignificância de acordo com a doutrina e à luz dos

princípios fundamentais do direito penal; ao final, analisou-se o principio da insignificância

na jurisprudência brasileira.

A relevância do estudo resta evidenciada quando se concebe o crime enquanto

problema social, observando, em conseqüência, que sua solução não está contida

exclusivamente na reprimenda penal, pois, se entendido como problema social, requer

políticas sociais que objetivem a erradicaçao da pobreza e do desemprego cuidando, de outra

parte, da educação da população.

Sabe-se que o Direito Positivo subdivide-se em vários ramos, cada qual com

princípios que lhe são próprios. Neste aspecto, dentro do Direito Público, surge o Direito

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Penal, cuja função precípua é preservar a harmonia social, estabelecendo, para tanto, sanção

jurídica extrema para aqueles que transbordem os limites do risco permitido - tudo, em última

análise, em nome da preservação de valores tidos como fundamentais.

Assim, a doutrina, adequando a aplicação do Direito Penal às necessidades da

sociedade, elaborou instrumentos de interpretação restritiva do tipo penal. No contexto do

Direito Penal mínimo e fragmentário, surgem os Princípios da Adequação Social e da

Insignificância.

De acordo com a posição dualista, é ressabido que o crime, sob o aspecto formal, tem

por elementos: o fato típico e a antijuridicidade.

Para o desenvolvimento deste estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa, utilizando-se

de revisão bibliográfica em doutrinas, legislações e posicionamentos jurisprudenciais.

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1 DO CRIME

1.1 CONCEITO DE CRIME

Desde o surgimento do homem sobre a face da terra que o crime o segue como uma

sombra, assim assinala Magalhães Noronha: “A história do direito penal é a história da

humanidade. Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o

crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou”.1

As infrações penais dividem-se em crimes, delitos e contravenções (classificação

tripartida) ou somente crimes ou delitos e contravenções (classificação bipartida). A primeira

classificação é adotada em países como França, Alemanha, Bélgica e outros. O Direito Penal

brasileiro adotou a classificação bipartida, classificação também adotada na Itália, Portugal

etc.

Segundo Magalhães Noronha: “[...] a contravenção é um crime menor, menos grave

que o delito”.2 A decisão de qual infração é crime ou contravenção cabe ao legislador,

analisando o grau de significância dos interesses jurídicos violados na prática de tal infração.

A classificação dos crimes é feita, ora porque se atenta à gravidade do fato, ora à

forma de execução, ora ao resultado etc. A gravidade do fato é classificada por dois sistemas:

o tricotômico, que classifica as infrações penais em crimes, delitos e contravenções, e o

1 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 107 2 NORONHA, E. Magalhães. op. cit., p. 108.

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dicotômico, o qual classifica as infrações em crimes e contravenções, encarando crime e

delito como sinônimos.3

A distinção entre crime e contravenção reside na espécie de sanção cominada à

infração penal: o artigo 1º da LICP reza que ao crime é cominada pena de reclusão ou de

detenção e de multa; à contravenção é cominada pena de prisão simples, e/ou multa ou apenas

esta.4

Infração penal é gênero enquanto crime e contravenção são espécies, essas espécies

por sua vez, não possuem diferenças significativas entre si, são apenas diferenças

quantitativas (gravidade da conduta/pena), cabendo ao legislador a qualificação de

determinado fato como crime ou como contravenção.5

Assim sendo, costuma-se chamar a contravenção de um crime anão, um fato de menor

potencial lesivo para a sociedade. Porém, o que se considera uma contravenção pode vir a

transformar-se em um crime, Damásio E. de Jesus assim define:

Não há diferença ontológica, de essência, entre crime (ou delito) e contravenção. O mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador, de acordo com a necessidade da prevenção social. Assim, um fato que hoje é contravenção pode no futuro vir a ser definido como crime.6

No Brasil, os legisladores preferiram adotar uma classificação bipartida ou dicotômica,

ou seja, na legislação pátria a divisão é feita entre crimes e contravenções, sendo o delito

sinônimo de crime. A expressão infração penal é utilizada, segundo a classificação da lei, para

abranger o crime e a contravenção.

Carrara apud Noronha define o crime como sendo: “[...] a infração da lei do Estado,

promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem,

positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”.7

3 NORONHA, E. Magalhães. op. cit., p. 108. 4 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 239. 5 PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 239. 6 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 152. 7 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Vol. 2. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 31

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O Código Penal vigente não relata um conceito de crime, pois deixou para a doutrina a

função de elaborá-lo. Desta forma, Mirabete destaca que: “Crime é uma conduta (ação ou

omissão) contrária ao direito, a que a lei atribui uma pena”.8

Observa-se no dizer de Mirabete que crime é a conduta humana que lesa ou expõe a

perigo um bem jurídico protegido, é contrário à lei e aos costumes, acarretando ao Estado o

poder-dever de lhe aplicar uma sanção prevista antecipadamente na norma sancionadora.

O artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal define crime desta forma:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.9

Como se vê, um conceito puramente formal, que nada explica a não ser quais as penas

que correspondem ao crime e quais à contravenção penal.

1.1.1 Conceito Material

O conceito material do crime pode ser estabelecido por meio do que a lei determina,

ou seja, no pensar de Carrara apud Noronha: “Visa o bem protegido pela lei”.10

Observa-se no exposto por Noronha, que o crime material nada mais é do que a

violação de um bem permanente.

Fragoso esclarece: “[...] em vista que o Estado tem o dever de proteger a coletividade,

mantendo a ordem, a harmonia e o equilíbrio social, sempre em busca da paz, segurança e da

8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002, p. 95. 9 BRASIL. Presidência da República. Decreto Lei 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Dispõe sobre código

penal. São Paulo: Saraiva, 2007. 10 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Vol. 2. 8 ed., São Paulo: Saraiva, 1973, p. 32.

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estabilidade coletiva, para que isso ocorra é necessário valorar os bens coletivos, protegendo-

os através de lei penal.”11

Neste sentido o Estado tem que proteger o individual tanto quanto a coletividade, para

isto, deve-se manter a ordem social, valorando os bens individuais e coletivos, protegendo-os

mediante a lei penal, que será exercida por meio das sanções penais estabelecidas pela lei.

Mirabete descreve sobre o conceito de crime material: “Crime é a ação ou omissão

que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social,

de modo a exigir seja protegida sob ameaça de pena, ou que se considere afastável somente

através da sanção penal.”12

No mesmo sentido Fernando Capez:

É aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não, sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.13

Como se pode notar, crime é qualquer ato do ser humano lesivo a outrem e a um bem

jurídico tutelado, afetando, assim, a normalidade da conservação e desenvolvimento da

sociedade.

Portanto, o ato do ser humano contra um bem jurídico tutelado só pode ser penalizado

quando atingir um bem jurídico da pessoa alheia ou da sociedade, não se levando em

consideração os atos praticados contra o próprio bem jurídico:

[...] não há razão para a criminalização de comportamentos que não afetem terceiros. Se a conduta somente atinge bem jurídico do próprio autor, sem que haja ofensa de interesses alheios, não se encontra razão para a sua punição. Em consonância com este entendimento encontra-se o princípio da alteridade pelo qual se proíbe a incriminação de comportamentos imorais ou puramente internos que não ofendam interesses de terceiros. Assim, é vedada a tipificação de atitudes sem exteriorização meramente subjetivas que não lesionem interesses alheios. Seguindo esta orientação

11 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de direito penal. 3 ed. São Paulo: Forense, 1976, p. 96. 12 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002, p. 96. 13 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. 1. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 112

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o próprio código penal não pune a autolesão, nem o suicídio, e considera atípica a coação exercida para impedir suicídio.14

O Estado tem por finalidade manter a normalidade, devendo promover a aplicação das

normas necessárias à harmonia e ao equilíbrio social, assim, por meio do Direito, valoriza-se

seus bens-interesses e, com as sanções penais, aplica-se a pena.

Costa Júnior apud Jesus menciona a respeito do crime material que: “Lançando olhar

as profundezas das quais o legislador extrai elementos que dão conteúdo e razão de ser ao

esquema legal”.15

1.1.2 Conceito Formal

O crime, no seu aspecto material, visa ao bem penalmente protegido pela lei; partindo

para uma visão formal, nada mais é do que a simples violação da norma penal, ou seja, a

violação do bem penalmente protegido.

Mirabete assim descreve o conceito de crime formal: “É a contradição do fato, de uma

norma de direito, ou seja, sua ilegalidade como fato contrário à norma penal, contudo, não

penetram a fundo em sua essência em seu conteúdo, em sua matéria”.16

Para José Geraldo Silva o conceito formal define-se: ”Crime é toda ação ou omissão

proibida pela lei, sob ameaça de pena”.17

Assim, percebe-se que o conceito formal para o crime é toda a ação ou omissão

proibida por lei, ou seja, tudo aquilo que é proibido por lei, ou punível pela lei. Capez define

crime formal como sendo: “O conceito de crime resulta de mera subsunção da conduta ao tipo

14 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da

tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 59. 15 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 151. 16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002, p. 95. 17 SILVA, José Geraldo. Teoria do crime. 2 ed. São Paulo: Millennium, 2002, p. 137.

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legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal,

pouco importando o seu conteúdo”.18

Já em seu dicionário De Plácido e Silva esclarece o conceito de crime formal: “Em

oposição ao crime material, o crime formal é o que considera constituído sem que levem em

consideração os resultados pretendidos pelo agente, mas simplesmente pela intenção, em

virtude do próprio ato material ou do meio que a lei incrimina”.19

Nos dizeres de José Geraldo Silva, crime formal:

É aquele em que não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenvolve a conduta, havendo separação lógica e não cronológica entre a conduta e o resultado. A lei antecipa o resultado no tipo; por isso não chamamos de consumação antecipada.20

Assim, nota-se que para que haja o crime formal basta que o agente haja contrário à

lei, que faça algo proibido por lei, ou seja, crime é o fato típico e antijurídico, como prevê

Damásio.

1.1.3 Conceito Analítico

A questão do conceito analítico e seus requisitos reside na aceitação ou não da

culpabilidade como requisito do crime. Há unanimidade entre os doutrinadores em aceitar a

tipicidade e a antijuridicidade como requisitos do crime, porém, a discussão está na aceitação

ou não da culpabilidade.

Assim, os que aderem à corrente da teoria tripartida ou tricotômica definem o crime

como sendo o fato típico, antijurídico e culpável. Os que aderem à teoria bipartida ou

dicotômica, excluem a culpabilidade do conceito.

18 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 112. 19 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 137. 20 SILVA, José Geraldo. Teoria do crime. 2 ed. São Paulo: Millennium, 2002, p. 147.

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Entre os doutrinadores da teoria tricotômica estão: E. Magalhães Noronha, Heleno

Cláudio Fragoso, Paulo José da Costa, Francisco de Assis Toledo entre outros.

Entre os adeptos da teoria dicotômica podem ser citados: Damásio E. de Jesus, Julio

Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Rogério Grego e outros.

O doutrinador Fernando Capez define o conceito analítico como sendo:

[...] aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícito ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu, para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.

No mesmo sentido Delmanto apud Mirabete expõe sobre o conceito analítico: “Que,

quando presente um fato típico e antijurídico, teremos um crime, mas a aplicação de pena

ainda ficará condicionada à culpabilidade, que é a reprovação ao agente pela contradição entre

sua vontade e a vontade da lei”.21

Desta forma, observa-se que o delito é uma conduta típica e antijurídica (concepção

dicotômica), podendo acarretar tanto a pena como a medida de segurança, assim sendo, a

culpabilidade - o pressuposto de pena; e a periculosidade - o pressuposto de medida de

segurança. Damásio assim observa: [...] para que seja considerado delituoso um

comportamento e aplicada a sanção ao seu sujeito, é preciso que constitua um fato típico e

antijurídico. São pois, requisitos do crime: 1º) o fato típico e 2º) a antijuridicidade.22

Para a teoria tricotômica, pode ser citado o conceito de Francisco de Assis Toledo:

[...] o princípio da culpabilidade, fruto de lenta e penosa elaboração dos povos civilizados, entendido como censurabilidade da formação e manifestação da vontade, constitui, ainda hoje, a base irredutível de nosso sistema penal. E nada indica que venha a ser substituído em futuro próximo.23

21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002, p. 138. 22 JESUS, Damásio de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 156. 23 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 87.

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20

No mesmo sentido, ou seja, em defesa à teoria tricotômica, Noronha assim menciona

sobre a culpabilidade: “Além de típica e antijurídica, deve a ação ser culpável. Trata-se do

elemento subjetivo do delito. O resultado lesivo ao direito, oriundo da ação do sujeito ativo,

há de ser-lhe atribuído a título de culpa, em sentido amplo, isto é, dolo ou culpa”.24

1.1.4 Tipicidade

1.1.4.1 Conceito de tipo

O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal. Na medida

em que a Constituição brasileira consagra expressamente o princípio de que “não há crime

sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5o, XXXIX), fica

outorgada à lei a relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes. De fato, não cabe à

lei proibir genericamente os delitos, senão descrevê-los de forma detalhada, delimitando, em

termos precisos, o que o ordenamento entende por fato criminoso.

Segundo Cernicchiaro:

Impõe-se descrição específica, individualizadora do comportamento delituoso. Em outras palavras, a garantia há de ser real, efetiva. Uma lei genérica, amplamente genérica, seria suficiente para, respeitando o princípio da legalidade, definir-se como delito qualquer prejuízo ao patrimônio ou a outro bem jurídico. Não estaria, porém, resguardado, efetivamente, o direito de liberdade. Qualquer conduta que conduzisse àquele resultado estaria incluída no rol das infrações penais. Inviável, por exemplo, o tipo que descrevesse: “ofender a honra de alguém” – Pena de “tanto a tanto”. O tipo exerce função de garantia. A tipicidade (relação entre o tipo e a conduta) resulta do princípio da reserva legal. Logicamente, o tipo há de ser preciso para que a ação seja bem identificada.25

A palavra tipo tem o significado de modelo ideal, algo que serve de medida ou padrão

para outras. No direito penal os tipos se referem sempre a condutas humanas, pois são estas

que constituem o seu objeto. Trata-se de modelos abstratos de comportamentos, os quais, em

virtude de sua desvalorização ou valoração social, recebem o tratamento legislativo adequado

24 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 103. 25 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na Constituição. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991, p. 14.

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e necessário. O tipo e a tipicidade penal não se confundem, o tipo é abstrato, a tipicidade é

concreta; o tipo é previsão, a tipicidade realização.

1.1.4.2 Espécies de tipo

a) Permissivos ou justificadores: são tipos penais que não descrevem fatos

criminosos, mas hipóteses em que estes podem ser praticados. Por essa razão, denominam-se

permissivos. São tipos que permitem a prática de condutas descritas como criminosas. São os

que descrevem as causas de exclusão da ilicitude (CP, art. 23), também conhecidas como

causas de justificação, como é o caso da legítima defesa, que se encontra no art. 25 do Código

Penal. De acordo com esse tipo, a legítima defesa é composta dos seguintes elementos:

agressão injusta + atual ou iminente + a direito próprio ou alheio + moderação + necessidade

dos meios empregados. Assim, a lei permite que alguém realize um fato descrito como

delituoso na hipótese de estarem presentes todos os requisitos exigidos pelo tipo da legítima

defesa. Exemplo: matar alguém, em princípio, é uma conduta criminosa, pois está prevista em

um tipo incriminador (art. 121), porém, em legítima defesa, a lei permite a realização da

conduta homicida.26

b) lncriminadores: são os tipos que descrevem as condutas proibidas. Todo fato

enquadrável em tipo incriminador, em princípio, será ilícito, salvo se também se enquadrar em

algum tipo permissivo (causas de justificação).27

1.1.4.3 Conceito de tipicidade

A tipicidade segundo Capez “[...] é a subsunção, justaposição, enquadramento,

amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo

descritivo constante da lei (tipo legal)”. 28

26 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v.1. p. 168. 27 CAPEZ. Fernando. op. cit., p. 168. 28 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 168.

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Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um

tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de

crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência entre ambos.

1.1.5 Diferença entre Tipicidade e Adequação Típica

Para alguns doutrinadores “[...] a tipicidade é a mera correspondência formal entre o

fato humano e o que está descrito no tipo, enquanto a adequação típica implica um exame

mais aprofundado do que a simples correspondência objetiva”.29

A tipicidade consiste em um conceito formal, resultante da comparação entre o

tipo e o aspecto exterior da conduta, sem análise da vontade ou finalidade do agente. A

adequação típica vai além, investigando se houve vontade, para só então efetuar o

enquadramento. Assim, para essa adequação, a teoria finalista exige o comportamento doloso

ou culposo, e a teoria social, além disso, a vontade de produzir um dano socialmente

relevante. Exemplo: o sujeito mata a vítima por caso fortuito ou força maior; tipicidade existe,

porque ele matou alguém, e é exatamente isso o que está escrito no art. 121, caput, do Código

Penal; não haverá, contudo, adequação típica, ante a ausência de dolo ou culpa.

Considera-se, portanto, tipicidade e adequação típica conceitos idênticos. Com

isso, em nada se alteram os efeitos jurídicos: “[...] se não há dolo ou culpa, não existe conduta,

e sem conduta não se fala em tipicidade (ou adequação típica), porque esta pressupõe

aquela”.30 Essa tipicidade meramente formal não existe mais desde a superação da teoria

naturalista ou causal da ação.

29 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 01. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 168. 30 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 168.

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1.1.6 Bem Jurídico Penal

Os doutrinadores teceram vários conceitos sobre bens jurídicos, a divergência de

opiniões no que tange à definição de bem jurídico é grande, percebe-se que a noção de bem

jurídico não pôde, até hoje, ser determinada com segurança capaz de convertê-la em conceito

fechado, e talvez, jamais o venha a ser. 31

Welzel apud Toledo define bem jurídico da seguinte forma:

O bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido. Pode ele apresentar-se, de acordo com o substrato, de diferentes formas a saber: objeto psicofísico ou objeto espiritual-ideal (exemplo daqueles, a vida; deste, a honra), ou uma situação real (respeito pela inviolabilidade de domicílio), ou uma ligação vital (casamento ou parentesco), ou relação jurídica (propriedade, direito de caça), ou ainda um comportamento de terceiro (lealdade dos funcionários públicos, protegida contra a corrupção). Bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões.32

Continua Toledo em comentário à definição de Welzel, substituindo a “situação social

desejada” por “situação social valiosa”: “[...] bens jurídicos são valores ético-sociais que o

direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que

não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.33

Evandro Pelarin define bem jurídico como alicerce ou ponto de referência à norma

jurídica: “O bem jurídico é o elemento central do preceito contido na norma jurídico-penal e

da descrição do fato punível que aí se encontra e na qual está implícito”.34

Merece destaque a conceituação de Smanio: “O bem jurídico como objeto da

realidade, que constitui um interesse da sociedade para a manutenção do seu sistema social,

31 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999, p.

62. 32 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16 33 TOLEDO, Francisco de Assis. op. cit., p. 16. 34 PELARIN, Evandro. Bem jurídico-penal: um debate sobre a descriminalização. São Paulo: IBCcrim, 2002,

p. 98.

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protegido pelo Direito, que estabelece uma relação de disponibilidade, por meio da tipificação

das condutas”.35

Criado pelo homem e caracterizado pelo conteúdo valorativo, o Direito é objeto

cultural. Partindo da noção tridimensionalista criada por Miguel Reale, verifica-se o

fenômeno jurídico formado por um tríplice aspecto, qual seja, fato, valor e norma, interligados

em um processo de unidade funcional. A Ciência do Direito é uma ciência histórico-cultural

que tem por objeto a experiência social, enquanto esta normativamente se desenvolve em

função de fatos e valores para a realização da convivência humana.36

O Direito é dinâmico e não estático, resultando em um sistema aberto e não fechado,

daí a dificuldade da conceituação do bem jurídico que também não é estático, acompanha a

mutabilidade e evolução do homem e da sociedade.

Da mesma forma, há modificação constante na valoração dos bens jurídicos, de modo a incrementar o movimento de descriminalização e criminalização de condutas e a fixação de penas mais brandas ou mais rigorosas e, ainda, a determinar a utilização de regras processuais diferenciadas conforme a gravidade do delito praticado. São exemplos recentes na nossa legislação a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei dos Juizados Especiais Criminais e o Código de Trânsito, mostrando a modificação da valoração dos bens jurídicos de acordo com as mudanças sociais.37

Por sermos uma sociedade de Estado Moderno de Direitos, carecedores de tutela

estatal, o Direito Penal protege os bens jurídicos atuando com importância nesse papel, a esse

respeito Smanio diz que:

Não poderemos, no entanto, jamais abandonar a necessidade de o Direito Penal proteger as lesões aos bens jurídicos, posto ser uma verdadeira conquista da cidadania. Os iluministas, quando formularam a Teoria do Estado Moderno, impuseram uma série de limitações ao poder estatal, inclusive ao poder de punir, que ficava circunscrito nas mãos dos soberanos, dando causa aos mais diversos desvirtuamentos, servindo para a manutenção dos privilégios e do status quo.38

35 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.

432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06-2007 às 12h02min.

36 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 514. 37 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.

432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06-2007 às 12h02min

38 SMANIO, Gianpolo Poggio. op. cit.

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25

Smanio assim conceitua bem jurídico:

disputados e estão expostos a algum perigo. Entre eles o direito seleciona aqueles que são dignos de proteção e os erige a bens jurídicos.39

dem ser divididos em bens individuais

u pessoais e coletivos, veja-se a definição de Smanio:

iluminismo – do direito penal tradicional – e de delitos contra os nidade (delitos contra a saúde pública, meio ambiente, segurança do

tráfego, etc.).40

manio propõe a seguinte classificação de bens jurídico-penais:

ivíduos. São, portanto, bens jurídicos

exemplos o meio ambiente, as relações de consumo, a saúde pública e a economia popular.41

tulares, enquanto

quele é divisível e os indivíduos têm disponibilidade sem afetar os demais.

Em sentido amplo, bens são coisas materiais ou objetos imateriais que possuem um valor. Portanto, compreendem tudo aquilo que nos é valioso, razão pela qual são

Entretanto, bens jurídicos na atual concepção po

o

Daí que hoje se observa que as legislações penais introduziram novos interesses (bens) merecedores de proteção, geralmente voltados ao interesse coletivo ou suprapessoal. Aliás, dividem-se os bens jurídicos em individuais ou pessoais e bens jurídicos coletivos ou da comunidade. A partir dessa divisão, sustenta-se a existência de delitos contra os bens individuais (vida, liberdade, patrimônio), cuja origem vem dobens da comu

S

a) de natureza individual, "[...] são os referentes aos indivíduos, dos quais estes têm disponibilidade, sem afetar os demais inddivisíveis em relação ao titular". Como exemplos, podem ser citados: a vida, a integridade física, a propriedade e a honra. b) de natureza coletiva, "[...] que se referem à coletividade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais titulares do bem jurídico. São, dessa forma, indivisíveis em relação aos titulares". Estão compreendidos dentro do interesse público. Podem ser citados como exemplos a incolumidade pública e a paz pública. c) de natureza difusa, "[...] que também se referem à sociedade em sua totalidade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a coletividade. São, igualmente, indivisíveis em relação aos titulares". Contudo, trazem uma conflituosidade social que contrapõe diversos grupos dentro da sociedade. São

Verifica-se, portanto, que a diferença entre os bens jurídico-penais de natureza

individual e os de natureza coletiva e difusa é que estes são indivisíveis em relação aos

titulares, e os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais ti

a

39 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 84. 40 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit. p. 86. 41 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit. p. 123.

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1.1.6.1 Concepção sociológica de bem jurídico-penal

r apenas a

coexistência dos indivíd

interações, competindo ao direito conferir-lhes estabilidade e, assim, garantir a funcionalidade do sistema.42

melung apud Pelarin define:

a sociedade... A função do direito penal é a de agir em sentido contrário como mo de controle social.43

uncionalidade, agindo então o direito penal com a sanção para que o sistema

ossa funcionar.

o princípio da inviolabilidade

a dignidade humana, como se fosse um custo para o sistema.

A doutrina reconhece a existência de bem jurídico social desde a formulação do

conceito de bem jurídico. Reconhece que a lei penal não deveria assegura

uos, mas também servir de forma imediata a fins sociais. A tentativa de concretização do sentido de danosidade social assenta-se nas teorias social-sistêmicas, as quais vêem a sociedade como um complexo sistema de

A

Danoso para a sociedade é um facto disfuncional, um fenômeno social que impede ou pelo menos dificulta ao sistema social a superação dos problemas da sua própria sobrevivência... O crime é apenas um caso especial de fenômeno disfuncional e, por via de regra, o de maior perigo. Ele é disfuncional na medida em que contraria uma norma institucionalizada que é necessária para resolver o problema da sobrevivência dmecanis

Nesse entendimento, ao direito penal está reservada a área de criminalização das

condutas socialmente danosas, para fatos que dificultem ou impedem a resolução dos

problemas de sobrevivência e manutenção do sistema social, sendo o crime um caso

específico de disf

p

Nota-se que na concepção sociológica de danosidade social, o homem, pessoa humana

individualmente considerada, é colocado num plano inferior de consideração, preocupando-se

primeiramente com a sobrevivência do sistema social que é o lugar determinante dos efeitos

socialmente danosos do crime, subalternando a pessoa como uma necessidade da manutenção

da sociedade, entendimento esse que varia de Constituição com

d

42 PELARIN, Evandro. Bem jurídico-penal: um debate sobre a descriminalização. São Paulo: IBCcrim, 2002,

p. 110. 43 PELARIN, Evandro. op. cit., p. 111.

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O individualismo, considerado pelo direito penal, é cada vez mais deixado de lado, a

doutrina vem acompanhando a mudança do conceito de Bem Jurídico, bem como a

perspectiva social do crime, não se trata de ignorar o interesse personalista na concepção de

bem jurídico, o qual está garantido pela constituição, mas sim reconhecer a evolução social e

impo

s da atualidade que o capitalismo

mundial impõe, diante das relações sociais em que vivemos, desperta a doutrina penal para a

proteçã

Com relação à importância da proteção dos interesses metaindividuais para a

atualidade e para o futu

nto, de resto, não afetará a natureza em última instância "antropocêntrica" da tutela penal – que reside, no futuro próximo, a tarefa primária da doutrina que continue a fazer radicar a função exclusiva do direito penal na tutela subsidiária de bens jurídicos.44

rmulado por intermédio da visão

social de bem jurídico, e não exclusivamente positivista. A concepção sociológica de bem

jurídico icas.

Veja-se a conce

ndivíduo, poderá s hão de ser abrangidos pela proteção das normas do Direito e valor lhes advém como objeto de regulamentação jurídica.

Concebe o bem jurídico como valor social suscetível de ser lesado.45

Segundo Bindin

[...] com o seu acentuado positivismo legal, defendia que pode converter-se em bem jurídico tudo que aos olhos do legislador tem valor como condição para uma vida

a rtância da manutenção do sistema social, onde o indivíduo encontra sua realização.

A aceleração da mudança dos modelos econômico

o de interesses metaindividuais ou plurindividuais.

ro do direito penal, Dias assevera que:

Uma convicção que só se reforçará recusando – como se deve recusar – uma ilegítima restrição da noção de bens jurídico-penais a interesses puramente individuais e ao seu encabeçamento em pessoas singulares, e aceitando antes a plena legitimidade da existência de bens jurídicos transpessoais, coletivos, comunitários ou sociais. É, em meu juízo, no aprofundamento e esclarecimento do estatuto desta classe de bens jurídicos – cujo reconhecime

O conceito de bem jurídico penal somente pode ser fo

está presente em todas as suas formulações teór

pção de Birbaum apud Smanio:

[...] já concebia que só a totalidade, isto é, a sociedade, e nunca o idecidir quais objetoque significado ou

g apud Smanio:

44 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999, p.

135. 45 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.

432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06-2007 às 12h02min.

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saudável dos cidadãos. O bem jurídico é sempre bem jurídico da coletividade, e somente como bens jurídicos sociais os objetos dos juízos individuais de valor gozam de proteção jurídica.46

apud Smanio:

comunidade, condições da convivência pacífica e ordenada da vida em sociedade.47

como o indivíduo, uma vez que tutela bens jurídicos imprescindíveis para a vida social.

rídica da Norma Penal

ordenação dos contatos sociais, estimulando práticas positivas e

refreando as perniciosas.

Nas palavras de Edihermes Marques Coelho:

tecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais.48

selecionado para ser defendido pelo Direito Penal, mas tão-somente aquele reconhecido e

Para Liszt

[...] com a conceituação predominantemente pré-jurídica, em que os bens jurídicos são interesses protegidos pelo Direito, embora criados pela vida e não pela ordem jurídica, também vê os bens jurídicos como interesses vitais para a

Entende-se, diante do exposto, que prevalece a teoria social-sistêmica como referência

central do conceito de bem jurídico penal, a qual, por meio do tipo, protege tanto a sociedade

1.1.7 Da Objetividade Ju

O Direito Penal é muito mais do que um instrumento opressivo em defesa do aparelho

estatal. Exerce uma função de

As funções do Direito Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social, através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha para ser uma esfera jurídica centrada no enal

Com base nessas premissas, deve-se estabelecer uma limitação à eleição de bens

jurídicos por parte do legislador, ou seja, não é todo e qualquer interesse que pode ser

46 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.

432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06-2007 às 12h02min.

47 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit. 48 COELHO, Edihermes Marques. As funções do direito penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 146.

Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=835>. Acesso em 05-06-2007 às 13h10min.

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valorado pelo Direito, de acordo com seus princípios fundamentais.

O tipo penal está sujeito a um permanente controle prévio no sentido de que o

legislador deve se guiar pelos valores consagrados pela dialética social, cultural e histórica,

conformada ao espírito da Constituição, e a um controle posterior, estando sujeito ao controle

de constitucionalidade concentrado e difuso.

Segundo Capez, “[...] a função da norma é a proteção de bens jurídicos a partir da

solução dos conflitos sociais, razão pela qual a conduta somente será considerada típica se

criar uma situação de real perigo para a coletividade”.49

O professor Damásio de Jesus, com propriedade, anota que são quatro as funções do

exame do bem jurídico tutelado. Afirma o penalista que:

[...] a primeira função é a sistemática, pois serve de amparo para o enquadramento do delito na Parte Especial do Código Penal (crimes contra a vida, contra o patrimônio etc.). A segunda função é servir de guia de interpretação, visto que incumbe ao intérprete determinar a extensão da incriminação da norma. A terceira função é de critério de medida da pena, pois a conduta é perquirida segundo aspectos qualitativos e quantitativos em frente do bem jurídico tutelado. A quarta e última função é servir de critério de configuração de institutos, tais como as figuras de exclusão de antijuridicidade.50

Neste particular, importa frisar que, de acordo com a evolução do Direito Penal, não se

tolera mais a perquirição da caracterização do delito, levando-se em conta a Teoria Pura do

Direito, que teve seu reconhecido valor. Atualmente, é indiscutível que o crime é um

problema social e, em razão disso, só deve ser considerado como tal as condutas mais

relevantes e preocupantes ao Estado, sob o ponto de vista da Política Criminal.

Merece destaque a advertência de Gianpaolo Poggio Smanio, ao observar a evolução

do próprio conceito conservador de delito. Confira:

Partimos do pressuposto de que o crime não é apenas um fato típico e antijurídico ao qual é aplicada uma sanção de natureza penal, mas um problema social, um fenômeno de massa, presente em todos os tempos e em todas as formas sociais

49 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12. 50 JESUS, Damásio E. de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 20.

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realizadas pelo homem, traduzindo-se em problema que atinge e aflige a todos.51

E, ainda, pontua:

Abandonando o positivismo kelsiano, podemos dizer que a criminologia crítica politizou o problema criminal e, assim, conforme Figueiredo Dias e Costa Andrade, “não terá, em síntese, significado criminológico qualquer conduta que não seja suscetível de constituir problema de Política Criminal”. A definição do que é considerado crime numa sociedade passa a ser um problema eminentemente político.52

A este respeito, relevante se faz mencionar as considerações de Capez, quais sejam:

1. O Direito Penal brasileiro só pode ser concebido à luz do perfil constitucional do Estado Democrático de Direito, devendo, portanto, ser um direito penal democrático. 2. Do Estado Democrático de Direito parte um gigantesco tentáculo, a regular todo o sistema penal, que é o princípio da dignidade humana, de modo que toda incriminação contrária ao mesmo é substancialmente inconstitucional. 3. Da dignidade humana derivam princípios constitucionais do Direito Penal, cuja função é estabelecer limites à liberdade de seleção típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material do crime. 4. Esses contornos tornam o tipo legal uma estrutura bem distinta da concepção meramente descritiva do início do século passado, de modo que o processo de adequação de um fato passa a submeter-se à rígida apreciação axiológica. 5. O legislador, no momento de escolher os interesses que merecerão a tutela penal, bem como o operador do direito, no instante em que vai proceder à adequação típica, devem, forçosamente, verificar se o conteúdo material daquela conduta atenta contra a dignidade humana ou os princípios que dela derivam. Em caso positivo, estará manifestada a inconstitucionalidade substancial da norma ou daquele enquadramento, devendo ser exercitado o controle técnico, afirmando a incompatibilidade vertical com o texto constitucional. 6. A criação do tipo e a adequação concreta da conduta ao tipo devem operar-se em consonância com os princípios constitucionais do Direito Penal, os quais derivam da dignidade humana que, por sua vez, encontra fundamento no Estado Democrático de Direito.53

É imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo

incriminador.

Segundo Capez, “[...] crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo

(conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada

criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade”.54

51 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Criminologia e juizado especial criminal. São Paulo: Atlas, 1997, p. 29. 52 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit., p. 23. 53 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12-13. 54 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12-13.

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31

2 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Os princípios, segundo Walter Claudius Rothenburg são:

Verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios, certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes de validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.55

Pode-se conceituar o princípio da insignificância como a interpretação restritiva aos

tipos penais, com a exclusão da conduta do tipo a partir da insignificante importância das

lesões ou danos aos interesses sociais, é a exclusão da tipicidade de condutas não lesivas a

bens jurídicos tutelados:

Para Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral Sêga: “O princípio da

insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos

que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de

modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes”.56

O princípio da insignificância, embora não explicitamente normativado no

ordenamento jurídico legal, consiste em instituto cada vez mais em voga, aplicado pelos

operadores do direito (magistrados), visto como uma nova adequação da aplicação do Direito

Penal enquanto ciência essencialmente social:

55 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,

1999, p. 24.56 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância

diante das disposições da Lei 9099/95 . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=950>. Acesso em 07-02-2007 às 18h09min.

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É premente na atualidade falar-se na teoria elaborada por Claus Roxin (funcionalista), deixando-se o finalismo ‘Kelseano’ de lado, tratando-o como um malefício, ou uma praga, uma doença jurídica. Eis que não se pode esquecer que toda a teoria tem, ao seu tempo, a respectiva finalidade e/ou eficácia, portanto não há que se falar em sepultamento do finalismo, mas no estudo de uma nova adequação do Direito Penal enquanto ciência essencialmente social.57

Este princípio, enunciado pioneiramente por Klaus Roxin na Alemanha, ganhou rápida

aceitação em solo brasileiro sendo aceito de forma majoritária pela doutrina e jurisprudência,

como exemplifica o acórdão abaixo:

TACrim SP - CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais – Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta – Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica, não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder Público que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas. Apelação nº 1.278.997/5 - Birigüi - 10ª Câmara - Relator: Vico Mañas - 21/11/2001 - V.U. (Voto nº 5.198)

Seguindo tal entendimento, da mesma forma coloca o ex-ministro do Superior

Tribunal de Justiça, Francisco de Assis Toledo:

Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art. 334, parágrafo 1º, d, não será certamente a posse de pequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por diante.58

Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do

mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas

57 SILVA, José Carlos Sallet de Almeida e. Aplicação do princípio da insignificância, um processo

hermenêutico? Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/29/37/2937> Acesso 16-06-2007 às 13h45min.

58 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 133.

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incapazes de lesar o bem jurídico.

A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é

inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente

inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.

Como bem coloca Capez:

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos.59

Para entender o princípio da insignificância - visto que sua aplicação se traduz em

atipicidade da conduta -, há de se ter em mente as noções de risco permitido e risco proibido.

Toda ação humana implica certo risco de dano ou lesão a outrem, como, dirigir um

veículo por uma rua movimentada. Sabedor disso, o próprio Estado tolera certos riscos

advindos de determinadas condutas, como, no exemplo dado, a possibilidade de haver um

acidente (dever do cuidado objetivo), o que se denomina risco permitido; e pune, na esfera do

Direito Penal, outros comportamentos, tais como o evento que decorreu de uma

ultrapassagem perigosa, que decorreu da travessia de um cruzamento no sinal vermelho etc., o

que pode ser chamado de risco proibido.

O Princípio da Insignificância tem sido referido pela Doutrina como “Princípio

Bagatelar”. A este respeito, Luiz Flávio Gomes ressalta que:

[...] a diferença fundamental entre os dois princípios seria que, a linha jurisprudencial mais tradicional reconhece o princípio da insignificância levando em conta apenas o desvalor do resultado, ou seja, considera suficiente, para caracterização da infração bagatelar, que o nível da lesão ao bem jurídico, ou do perigo concreto verificado, seja ínfimo. Já a outra corrente, a que aplica o princípio da irrelevância penal do fato, para a identificação do delito como bagatelar, não se contenta só com o desvalor do resultado, exigindo que sejam insignificantes cumulativamente o resultado, a ação e a culpabilidade do agente. Ou seja, para que o fato seja considerado penalmente irrelevante todas as circunstâncias judiciais - culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime,

59 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte geral. Vol 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14.

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conseqüências, etc. - precisam ser irrelevantes, favoráveis ao agente.60

Zaffaroni, ao comentar sobre o Princípio da Insignificância, entende que:

[...] o fundamento do princípio reside na idéia da proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime; nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste qualquer razão para imposição da reprimenda e ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação social do fato.61

De acordo com Carlos Vico Mañas:

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.62

Embora no presente estudo se compartilhe do entendimento do autor acima

mencionado, vale acrescentar a ressalva de que não há concordância com a afirmação que diz

que o princípio da insignificância descriminaliza condutas, haja vista que sua função é,

segundo Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral Sega, “[...] somente desconsiderar a

tipicidade da conduta no caso concreto, enquanto a descriminalização já requer todo um

processo legislativo”.63

Feitas estas considerações, vê-se que, em senda de Direito Penal, somente as condutas

relevantes, sob o prisma de sua estrutura e princípios informadores, devem sofrer a sanção

jurídica emanada da jurisdição punitiva do Estado. Assim, Mirabete comenta:

[...] se a conduta do agente não afronta a objetividade jurídica da norma, o ius puniendi nem sequer exsurge de seu estado dormente para a existência concreta da pretensão punitiva, devendo ser reputado que o comportamento insignificante do

60 GOMES, Luiz Flávio. Direito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância do fato. São Paulo:

Revista dos Tribunais, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 440. 61 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Boletim IBCrim. N. 56 – julho, 1997, p. 9. 62 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância no direito penal. Disponível em

<http://www.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm> Acesso em 07-02-2007 às 00h21min. 63 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância

diante das disposições da Lei 9099/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=950>. Acesso em 09-02-2007 às 18h09min.

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agente está dentro do chamado risco permitido.64

Neste sentido, merece destaque o sempre oportuno magistério do Professor Damásio

de Jesus, ao dizer que: “O tema tem recebido outras denominações, como crime de lesão

mínima ou crime de bagatela”.65

Segundo o mesmo autor:

[...] o Direito Penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, sendo que as perturbações mais leves da ordem jurídica são objeto de outros ramos do Direito. Recomenda, pois, que, pela limitação da tipicidade, a pretensão punitiva somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). O Direito Penal é um recurso punitivo extremo, cumprindo ser exercido somente quando os outros ramos do Direito mostrem-se ineficientes. De modo que o Direito Repressivo não deve intervir quando a lesão jurídica é mínima, reservando-se para as ofensas graves. O princípio da insignificância tem sido adotado na jurisprudência em casos de: 1) furto de bagatela; 2) lesões corporais mínimas; 3) maus-tratos; 4) porte mínimo de maconha; 5) delito tributário; 6) estelionato de bagatela; 7) contrabando e descaminho de pequena monta; 8) dano de pequena monta; 9) crime contra o meio ambiente.66

Fernando Capez também tem se mostrado favorável ao Princípio da Insignificância, se

bem que, com a ressalva de que não pode ser invocado contra legem. Segundo ele:

Tem-se, pois, que cumpre ao membro do Ministério Público, na qualidade de dominus litis, e ao Magistrado, na qualidade de fiscal do cumprimento do princípio da obrigatoriedade da ação penal (cf. Frederico Marques), sopesar, em seu cotidiano profissional, o princípio da ofensividade, de sorte a evitar, em casos tais, o ius persequendi in iudicio. De notar-se que a análise da invocação do princípio da insignificância faz-se no resultado da conduta do agente e conduz, em sendo o caso, à atipicidade do fato, consoante adverte Damásio.67

É importante assinalar que:

[...] o princípio da insignificância não pode ser invocado pela autoridade policial, para deixar de cumprir o seu dever de ofício, pois, mercê da hipotética ocorrência do delito, seja na forma consumada, seja na forma tentada, cumpre tomar todas as

64 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal – parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2001, p. 116. 65 JESUS, Damásio E. de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 75. 66 JESUS, Damásio E. de. op. cit., p 75. 67 CAPEZ, Fernando. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 76.

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providências necessárias à opinio delicti. Sucede que, mercê da notitia criminis, a autoridade policial não tem o amparo legal necessário para invocar o princípio da insignificância e, com base nele, informar à vítima que a conduta do suposto autor não constituiu crime.68

Assim, quem o pode fazer é o Ministério Público, porque - como dito - é o dono da

ação penal e porque é a instituição incumbida, à luz da estrutura constitucional, de invocar a

pretensão punitiva do Estado. Ao depois, o próprio Magistrado, a quem cabe receber (ou não)

a peça acusatória, sob a análise do cumprimento do art. 41 do CPP.

De acordo com Luiz Flávio Gomes:

No que se relaciona com a admissibilidade do princípio da insignificância no Direito penal já não há o que se discutir. Dos fatos mínimos (dos delitos de bagatela) não deve cuidar o juiz (minina non curat praetor). Esse importante princípio, já aplicado no tempo do direito romano e recuperado depois da segunda guerra por Roxin [...], vem sendo reconhecido amplamente pelos juízes e tribunais, especialmente nos delitos de descaminho, furto etc. Conseqüências práticas: ninguém pode ser preso em flagrante por fato absolutamente insignificante (por ser atípico). Ninguém pode ser processado por isso. O correto, portanto, em razão da atipicidade penal do fato, é arquivar o caso logo no princípio. O delegado faz um simples boletim de ocorrência e o promotor pede o arquivamento. E se o promotor denunciar? Cabe ao juiz rejeitar a denúncia, com base no art. 43, I, do CPP ("a denúncia ou queixa será rejeitada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime").69

Nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno

que não subsiste nenhuma razão para o pathos ético da pena. É indispensável que o fato tenha

acarretado uma ofensa de certa magnitude ao bem jurídico protegido para que se possa

concluir por um juízo positivo de tipicidade.

De acordo com Sanguiné:

Com base em um enfoque de modernização da Justiça Criminal, não mais se discute que os responsáveis por lesões aos bens jurídicos só devem ser submetidos à sanção criminal quando esta se torna indispensável à adequação da justiça e à segurança dos valores da sociedade. Ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação do fato.70

68 CAPEZ, Fernando. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2001, p 77. 69 GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id= 3068>. Acesso em 29-01-2007 às 13h49min. 70 SANGUINE, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais.

Porto Alegre, v.3/47, nº1, 1990, p. 47.

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A excludente da tipicidade (do injusto) pelo princípio da insignificância (ou da

bagatela), que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo, não está inserta na lei brasileira.

Mas é aceita por analogia, ou interpretação interativa, desde que não contra legem.

Não há como confundir, por exemplo, pequeno valor da coisa subtraída com valor

insignificante ou ínfimo; no primeiro caso há somente um abrandamento da pena, no segundo

há exclusão da tipicidade (RT 605/368; RSTJ 53/345). Somente uma quantidade de maconha

totalmente inexpressiva, incapaz inclusive de permitir o “prazer de fumar”, poderá ter o

condão de tornar atípica a ação de seu portador (RJTJERGS 133/44).

No Estado do Rio Grande do Sul, já se absolveu réu acusado pelo crime de posse de

entorpecente, por ser mínima (1 grama) a quantidade do tóxico (RJTJERGS 149/220), mas o

Tribunal de Justiça acabou não aceitando tal orientação, mantendo aquela dos tribunais

superiores (RJTJERGS 151/189).

Segundo Mirabete:

Para os adeptos da teoria social da ação também haveria nessas hipóteses uma conduta típica. A ação socialmente adequada não é necessariamente modelar, de um ponto de vista ético, dela se exigindo apenas que se situe dentro da moldura do comportamento socialmente permitido e não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto.71

Para alguns, entretanto, o princípio da insignificância é uma espécie do gênero,

ausência de perigosidade social e, embora o fato seja típico e antijurídico, a conduta pode

deixar de ser considerada criminosa.

Segundo a doutrina, de modo geral, distingue-se a criminalidade de bagatela, dentre

outras, com as seguintes características: (a) escassa reprovabilidade; (b) ofensa a bem jurídico

de menor relevância; (c) habitualidade; (d) maior incidência nos crimes contra o patrimônio e

de trânsito, além de uma característica de natureza político-criminal, qual seja, a da

71 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal – parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002, p. 119.

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dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral, se não mesmo sua

inconveniência do ponto de vista da prevenção especial.72

Com as cautelas necessárias, reconhecendo caber induvidosamente na hipótese

examinada o princípio da insignificância, não deve o delegado instaurar o inquérito policial, o

promotor de justiça oferecer denúncia, o juiz recebê-la ou, após a instrução, condenar o

acusado. Há no caso exclusão da tipicidade do fato e, portanto, não há crime a ser apurado.

2.1 ORIGEM HISTÓRICA E DOUTRINÁRIA

Após a Segunda Guerra Mundial percebe-se, em razão da tragédia socioeconômica e

da devastação ocorrida no continente europeu, um significativo aumento nos delitos

patrimoniais de pequena monta. Portanto, renasce na Europa a criminalidade de bagatela, mas

neste momento histórico ainda com base na patrimonialidade lesada.

Lopes discorre acerca da origem do princípio da insignificância:

O princípio da insignificância surge de forma significativa na Europa, a partir deste século, devido às crises sociais decorrentes das duas grandes guerras mundiais. O excessivo desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocou um surto de pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação "criminalidade de bagatela".73

Como se pode constatar, essa origem fática reveste-se do caráter de patrimonialidade

de seu destino, ou seja, a existência de um dano patrimonial mínimo, que não caracterize

prejuízo considerável a outrem, é considerada uma bagatela, e, como bagatela, não carece dos

rigores do direito penal.

Mas não se pode cunhar o princípio somente no caráter patrimonial. Veja-se, nesse

sentido, apontamentos de Cássio Vinicius:

72 GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância do fato. São Paulo:

Revista dos Tribunais, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 88-109. 73 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal - análise à luz da lei n.

9.099/95 e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 42.

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Com efeito, o princípio da insignificância é um princípio geral e ordenador do Direito Penal incidindo sobre todas as normas de cunho penal, e não somente sobre aquelas com características patrimoniais. Cunhá-lo, com base na patrimonialidade, é amputar uma grande parcela de sua aplicabilidade esvaziando-o quase que por completo.74

A maioria dos autores afirma que o princípio da insignificância tem sua origem

histórica no direito romano, como sustenta Diomar Ackel Filho apud Santos e Sêga: "[...] no

tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava no direito romano, onde o

pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima

contida no brocardo de minimis non curat praetor.75

A posição de Maurício Antônio Ribeiro Lopes se apresenta mais oportuna, pois realiza

uma crítica a essa origem histórica, devido à ausência de especificidade do princípio, que

servia para justificar menos a ausência de providências estatais na esfera penal do que no

direito civil. Afinal, os romanos tinham bem desenvolvido o direito civil, porém, não tinham a

mínima noção do princípio da legalidade penal. Logo, existe naquele brocardo romano apenas

uma máxima e não um estudo mais calculado.

Com esse argumento, pretende o autor concluir que é precipitado creditarmos ao

direito romano a origem histórica do princípio da insignificância, ficando este apenas com a

origem fática do mesmo, que, como recém advertido, ocorreu ainda neste século, na Europa,

mais notadamente na Alemanha.

Contudo, convém registrar que a origem é de natureza um tanto quanto obscura,

gerando divergência na doutrina. Os humanistas elaboraram a máxima mínima non curat

praetor, vigorando, assim, no direito romano, a regra de que o pretor não cuidava das causas

mínimas, bagatelares.

No final do século XIX o princípio em tela foi também referido por Von Liszt76 para

quem a legislação da época utilizava a pena de forma excessiva, devendo-se repensar a

74 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa

excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica. 2003, p. 36. 75 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância

diante das disposições da Lei 9099/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=950>. Acesso em 09-02-2007 às 18h09min.

76 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância do fato. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 42.

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restauração da máxima mínimanon curat praetor, seja como princípio jurídico do processo,

seja como regra de direito material. Propugnava o mestre ser de suma importância separar as

contravenções das infrações.

O princípio da insignificância teve sua origem e evolução através dos tempos e esteve

fortemente ligado ao princípio da legalidade, em matéria penal - nullum crimen nulla poena

sine lege -, passando por transformações que foram delineando o seu conteúdo, de forma a

limitá-lo aos desígnios criminalizadores.77

A partir do movimento Iluminista, com a propagação do individualismo político e

desenvolvimento do princípio da legalidade, vários autores jusnaturalistas e iluministas

propuseram um estudo mais sistematizado do princípio da insignificância.

Jeschek apud Lopes vinculou a origem do princípio da legalidade à teoria do contrato

social, concluindo, então, que a função do Estado seria garantir a proteção efetiva dos direitos

do homem, ou seja, somente é ilícito aquilo vedado por lei. Os que aderiram a tal pensamento

achavam necessária a contenção do arbítrio judicial com a conseqüente submissão do

magistrado à norma, único elemento capaz de estabelecer o que é antijurídico e as sanções

pertinentes.78

Dentro desse contexto, Cesare Beccaria, com sua obra Dei delitti e delle pene, de

1764, argumentava ser o legislador o único agente capaz de estabelecer normas, por

representar toda a sociedade unida por um contrato social, e que, apenas estas leis poderiam

indicar as penas de cada delito. Quanto à medida dos delitos, Beccaria entende que "a exata

medida do crime é o prejuízo causado à sociedade".79

Assim, o princípio da legalidade foi agregado às constituições inglesa e americana, e,

em assim sendo, foi o princípio da insignificância absorvido por elas de forma implícita. Já a

França, com a sua Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada

em 1789, traz notável expressão do princípio da legalidade, bem como do princípio da

77 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 40. 78 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal - análise à luz da lei n.

9.099/95 e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41. 79 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 42.

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insignificância em seu art. 5º, ao dizer que a lei não proíbe senão as ações nocivas à

sociedade.80

Cássio Vinicius concorda:

Também se afirma que teve origem, juntamente com o princípio da legalidade, durante o iluminismo, como forma de limitação do poder absolutista do Estado. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 5º, implicitamente, faz referência ao princípio da insignificância, revelando que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade, o que cria um caráter seletivo para o Direito Penal e o desprezo às ações insignificantes.81

Porém, foram distorcidos tais princípios pelos regimes totalitários, como o da

Alemanha nazista, "[...] se nenhuma lei determinada pode se aplicar diretamente ao fato, este

será castigado conforme a lei cujo conceito básico melhor corresponder". Também o direito

penal soviético baseava-se em conceitos como "[...] consciência socialista do direito", dando

uma ilimitada discricionariedade na avaliação das condutas delituosas, concepções estas, que

foram extintas pela reserva legal nestes países.82

Com o advento da legalidade, lege praevia, reconheceu-se procedentes às idéias

garantidoras dos princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei penal incriminadora e,

adiante, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Para evitar-se a eleição

consuetudinária de comportamentos penais típicos, criou-se a máxima nullum crimen nulla

poena sine lege scripta.83

Após aceita tal máxima, para complementar o princípio da legalidade, houve três

desdobramentos que foram delineando seu conteúdo, a saber: lege stricta, com o intuito de

evitar o uso da analogia na configuração dos delitos; lege certa, para proibir incriminações

vagas e imprecisas e o nullum crimen nulla poena sine iuria, que pressupunha a necessidade

da relevância do mal que justificasse a aplicação de pena. Nessa "máxima" pode-se observar,

80 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op cit., p. 42. 81 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa

excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 36. 82 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal - análise à luz da lei n.

9.099/95 e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 43. 83 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 40.

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sem via de dúvida, a busca de evitar que as lesões insignificantes a bens jurídicos protegidos

ensejem uma sanção penal.84

Logo, o princípio da insignificância teve sua origem e evolução vinculadas ao

princípio da legalidade; todavia, somente obteve uma maior importância dentro do universo

jurídico a partir deste século:

Diante da queda do regime nazista de Hitler, no final da primeira metade do século passado, ressurge o Direito Germânico reagindo às teorias totalitárias até então empregadas. Em 1964, Claus Roxin cunha pela primeira vez o princípio da insignificância e acaba por citá-lo em sua obra Política Criminal Y Sistema Del Derecho Penal. A expressão princípio de bagatela foi elaborada por Klaus Tiedemann.85

2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL CONSAGRADOS PELO

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

2.2.1 Princípio da Legalidade

Segundo o princípio da legalidade, a lei deve ser prévia, escrita, estrita e certa, a fim

de que seja válida e eficaz e assegure que a cominação das normas penais se dê de forma

correta e justa.

A maioria dos autores nacionais considera o princípio da legalidade sinônimo de

reserva legal, afirmando serem equivalentes as expressões.

Franco assevera que: “[...] o princípio da legalidade em matéria penal (CF, art. 5o,

XXXIX), equivale, antes de mais nada, à reserva legal”.86

84 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 41. 85 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa

excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 36. 86 FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1995. p. 26.

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O princípio da legalidade refere-se ao parágrafo 1o do Código Penal: “Não há crime

sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Ou seja, não existe

crime sem que haja dano relevante a um bem jurídico protegido pelo Direito Penal. Este é o

aspecto do princípio da legalidade que mais se identifica com o princípio da insignificância,

pois se a causa não possui relevância social, não deverá sobrecarregar o Poder Judiciário.

2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima

Assenta-se na Declaração de Direitos do homem e do Cidadão de 1789, cujo art. 8o

determinou que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.

Segundo Fernando Capez:

A intervenção mínima tem como ponto de partida a característica da fragmentariedade do Direito Penal. Este se apresenta por meio de pequenos flashs, que são pontos de luz na escuridão do universo. Trata-se de um gigantesco oceano de irrelevância, ponteado por ilhas de tipicidade, enquanto o crime é um náufrago à deriva, procurando uma porção de terra na qual se possa achegar.87

O crime não se distingue das infrações extrapenais de forma qualitativa, mas apenas

quantitativamente. Como a intervenção do Direito Penal é requisitada por uma necessidade

mais elevada de proteção à coletividade, o delito deve consubstanciar em um injusto mais

grave e revelar uma culpabilidade mais elevada; deve ser uma infração que merece a sanção

penal.

Segundo Julio Fabrini Mirabete:

O desvalor do resultado, o desvalor da ação e a reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um “exemplo insuportável”, que seria um mau precedente se o Estado não o reprimisse mediante a sanção penal. Isso significa que a pena deve ser reservada para os casos em que constitua o único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques relevantes. Apenas as condutas deletérias da espinha dorsal axiológica do sistema global histórico-cultural da sociedade devem ser tipificadas e reprimidas. Não se deve

87 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.

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incriminar os fatos em que a conduta não implique risco concreto ou lesão a nenhum dos bens jurídicos reconhecidos pela ordem normativa constitucional.88

O ordenamento positivo, pois, deve ter como excepcional a previsão de sanções penais

e não se apresentar como um instrumento de satisfação de situações contingentes e

particulares, muitas vezes servindo apenas a interesses políticos do momento para aplacar o

clamor público exacerbado pela propaganda.

Além disso, a sanção penal estabelecida para cada delito deve ser aquela “necessária e

suficiente para a reprovação e prevenção do crime” (na expressão acolhida pelo art. 59 do

Código Penal), evitando-se o excesso punitivo com a utilização abusiva da pena privativa de

liberdade.

Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve

um fato como crime; ao contrário, quando ela nada disser, não haverá espaço para a atuação

criminal. Nisso, aliás, consiste a principal proteção política do cidadão em face do poder

punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá ter invadida sua esfera de liberdade, se

realizar uma conduta descrita em um daqueles raros pontos onde a lei definiu a existência de

uma infração penal.

Essas idéias, consubstanciadas no chamado Princípio da Intervenção Mínima, segundo

Mirabete: “[...] servem para inspirar o legislador, que deve buscar na realidade fática o

substancial dever-ser para tornar efetiva a tutela dos bens e interesses considerados relevantes

quando dos movimentos de criminalização, neocriminalização, descriminalização e

despenalização”.89

O sistema é, portanto, descontínuo, fragmentado.

88 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002. p. 119. 89 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas,

2002. p. 119.

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Por outro lado, segundo Capez: “[...] esta seleção, a despeito de excepcional, é feita

sem nenhum método científico, atendendo apenas aos reclamos momentâneos da opinião

pública, da mídia e das necessidades impostas pela classe dominante”.90

Juaez Tavarez apud Fernando Capez assim se manifestou a este respeito:

[...] Analisando atentamente o processo de elaboração das normas incriminadoras, a partir primeiramente do dado histórico e depois do objetivo jurídico por elas perseguido, bem como o próprio enunciado típico das ações proibidas ou mandadas, chega-se à conclusão inicial, embora trágica, de que efetivamente, na maioria das vezes, não há critérios para essa elaboração. Isto pode parecer panfletário, à primeira vista, mas retrata fielmente a atividade de elaboração legislativa. Estudos de Haferkamp na Alemanha e Weinberger na França demonstram que, com a institucionalização do poder político, a elaboração das normas se expressa como evento do jogo de poder efetuado no marco das forças hegemônicas atuantes no Parlamento. A norma, portanto, deixaria de exprimir o tão propalado interesse geral, cuja simbolização aparece como justificativa do princípio representativo para significar, muitas vezes, simples manifestação de interesses partidários, sem qualquer vínculo com a real necessidade da nação.91

Além disso, as descrições são abstratas, objetivas e impessoais, alcançando uma ampla

gama de situações bem diversas entre si. Os tipos nesse sistema fragmentário transportam

desde gravíssimas violações operadas no caso concreto até ínfimas agressões. Quando se

descreve como infração penal “subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel”, incrimina-

se tanto o furto de centenas de milhões de uma instituição bancária, com grandes

conseqüências para milhares de correntistas, quanto a subtração de um souvenir em uma feira

de artesanato.

Segundo Juaez Tavarez apud Capez, “[...] o tipo do furto é uma nuvem incriminadora

na imensidão do céu de atipicidade, mas o método abstrato, que tem a vantagem da

impessoalidade, tem o desconforto de alcançar comportamentos de toda a ordem, mesmo

contando com descrição taxativa”.92

A imperfeição não decorre da construção abstrata do tipo, mas da fragmentariedade do

sistema criminalizador, totalmente dependente de previsões genéricas, abstratas e

90 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. 5 ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 19. 91 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 19. 92 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 19.

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abrangentes, incapazes de, por si só distinguirem entre os fatos relevantes e os irrelevantes

que nela formalmente se subsumem.

Além de defeituoso o sistema de criação normativa e da excessiva abrangência dos

modelos objetivos, os quais não levam em consideração a disparidade das situações concretas,

“[...] concorre ainda a panacéia cultural que faz surgir, dentro do mesmo país, inúmeras

nações, com costumes, tradições e conceitos bem diversos, mas submetidas à mesma ordem

de incriminação abstrata”.93

Em face desta tripla problemática – déficit do sistema tipificador, diversidade cultural

e abrangência demasiada de casos concretamente diversos, mas abstratamente idênticos –

insere-se o caráter fragmentário do Direito Penal, ficando a seguinte questão proposta por

Capez: Como solucionar, por meio de descrições pontuais e abstratas, todos os variados

problemas reais?94

A resposta se impõe com o reconhecimento prévio da existência da fragmentariedade e

da necessidade de empregar critérios reparadores das falhas de todo o sistema, dentre os quais

o da intervenção mínima.

Somente assim será possível compensar o alcance excessivamente incriminador de

hipóteses concretas tão quantitativamente diversas do ponto de vista da danosidade social.

A intervenção mínima tem, segundo Capez, dois destinatários principais:

Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo comprovada experiência anterior, não puderam ser convenientemente contidos pela aplicação de outros ramos do direito deverão ser catalogados como crimes em modelos descritivos legais. Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico. Assim, se a demissão com justa causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, o direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso do penal. Se o furto de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há necessidade de movimentar a

93 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p, 20. 94 CAPEZ, Fernando. op. cit., p, 20.

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máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a organizada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário.95

Da intervenção mínima decorre a característica da subsidiariedade. Com efeito, o ramo

penal só deve atuar quando os demais campos do Direito, os controle formais e sociais

tenham perdido a eficácia e não sejam capazes de exercer essa tutela. Sua intervenção só pode

operar quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por

outros ramos do Direito. Pressupõe, portanto, como coloca Nilo Batista apud Capez:

[...] que a intervenção repressiva no círculo jurídico dos cidadãos só tenha sentido como imperativo de necessidade, isto é, quando a pena se mostrar como único e último recurso para a proteção do bem jurídico, cedendo a ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana a outros campos do Direito, e atuando somente em último caso (ultima ratio).96

Se existe um recurso mais suave em condições de solucionar plenamente o conflito,

torna-se abusivo e desnecessário aplicar outro mais traumático.

A intervenção mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal decorrem da dignidade

humana, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e são uma exigência para a

distribuição mais equilibrada da justiça.

2.2.3 Princípios da Fragmentariedade e da Subsidiariedade

O caráter fragmentário do Direito Penal quer dizer que o Direito Penal só pode intervir

quando houver ofensa a bens fundamentais para a subsistência do corpo social. O caráter

subsidiário significa que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da

proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos

do Direito não mais se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos.

95 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 20. 96 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 21.

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Segundo Capez, isso quer dizer que: “[...] a sua intervenção no círculo jurídico dos

cidadãos só tem sentido como imperativo de necessidade, isto é, quando a pena se mostrar

como único e último recurso para a proteção do bem jurídico”.97

Esse caráter fragmentário conduz à intervenção mínima e subsidiária, cedendo à

ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana a outros

campos do direito, atuando somente em último caso. O Direito Penal age apenas quando os

demais ramos do direito e os controles formais e sociais tiverem perdido a eficácia e não

forem capazes de exercer essa tutela.

Conforme demonstra Santos e Sêga: “O legislador, ao prever o tipo penal, tem em

mente apenas o prejuízo relevante que o comportamento incriminado possa causar à esfera

social e jurídica, sem ter, contudo, como evitar que tal disposição legal atinja, de roldão,

também os casos leves, de maneira desproporcional”.98

No mesmo sentido, leciona Vico Mañas:

O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.99

Encontra-se no ordenamento jurídico pátrio, normas segundo as quais o Estado se

abdica de reprimir certas condutas que, levando em consideração o valor, se tornam

irrelevantes. Procede-se desse modo na Procuradoria da Fazenda Nacional que, de acordo

com a lei, está desobrigada de impetrar ações de cobrança de débitos inferiores a R$ 1.000,00.

Já na Procuradoria do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) esse limite se eleva

para R$ 5.000,00. Portanto, se o Direito Tributário e o Direito Previdenciário, rigorosos em

suas sanções, agem de forma mais branda na perseguição dos seus autores, o que dizer do

Direito Penal que, como já dito, somente deve agir em ultima rattio?

97 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 50 98 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância

diante das disposições da Lei 9099/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=950>. Acesso em 09-02-2007 às 18h09min.

99 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância no direito penal. Disponível em: <http:// www.mt.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm> Acesso 07-02-2007 às 00h21min.

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De forma unânime a questão é respondida pelos tribunais brasileiros como

exemplificado abaixo:

Jur. ementada 3636/2002: Penal. Crime previdenciário (CP, art. 168-A). Valor até R$ 5.000,00. Princípio da insignificância (portaria 4.190/99-MPAS). trf 4ª região - recurso criminal em sentido estrito nº 2000.72.01.003148-6/sc (dju 10.06.02, seção 2, p. 495, j. 25.06.02). EMENTA-penal. processo penal. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. portaria nº 4.910/99. MPAS. Princípio da insignificância penal. Aplicação. Precedentes. Quarta seção deste tribunal. Aplica-se o princípio da insignificância jurídica como causa excludente de tipicidade, quando o crédito previdenciário não ultrapassar o valor equivalente a r$ 5.000,00 (cinco mil reais) conforme explicita a portaria n° 4.910, de 04 de janeiro de 1999, do MPAS, tendo em vista a inexistência de dano ao erário e por não ofender ou colocar em perigo o bem jurídico penalmente tutelado, não podendo por isso, ser considerado como fato penalmente típico.100

Portanto, o princípio da subsidiariedade do Direito Penal é sólida baliza para o

princípio da insignificância, ou seja, todas as vezes que em que um fato se apresentar no caso

concreto e um dos ramos do ordenamento jurídico se furtar a atuar, assim também será, com

muito mais razão, no Direito Penal. Portanto, no exemplo acima, todas as apropriações

indébitas previdenciárias que não ultrapassarem R$ 5.000,00 serão consideradas fatos atípicos

e não o crime descrito no art. 168-A do Código Penal.

Nesse sentido, entende-se que o Direito Penal possui caráter fragmentário, devendo

ocupar-se somente de casos em que fique clara a ameaça grave aos bens jurídicos de tutela do

Estado, não se ocupando de bagatelas sem relevância.

2.2.4 Princípio da Adequação Social

O princípio ora tratado se volta sobre todo comportamento que, a despeito de ser

considerado criminoso pela lei, não afronta o sentimento social de justiça (aquilo que a

sociedade tem por justo).

100 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O princípio da insignificância e os crimes contra o

sistema financeiro nacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 255, 19 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5000>. Acesso em 04-08-2007 às 12h35min.

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Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica condutas que tenham certa relevância

social.

Conforme demonstra Capez:

O tipo penal pressupõe uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles que sejam contrários e nocivos ao interesse público, para serem erigidos à categoria de infrações penais; por conseguinte, as condutas aceitas socialmente e consideradas normais não podem sofrer este tipo de valoração negativa, sob pena de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade.101

Não se pode confundir o princípio em análise com o da insignificância. Na adequação

social, a conduta deixa de ser punida por não mais ser considerada injusta pela sociedade; na

insignificância, a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade.

Critica-se esta teoria porque:

[...] em primeiro lugar, costume não revoga lei, e, em segundo, porque não pode o juiz substituir-se ao legislador e dar por revogada uma lei incriminadora em plena vigência, sob pena de afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes, devendo a atividade fiscalizadora do juiz ser suplementar e, em casos extremos, de clara atuação abusiva do legislador na criação do tipo.102

Além disso, o conceito de adequação social é um tanto quanto vago e impreciso,

criando insegurança e excesso de subjetividade na análise material do tipo, não se ajustando

por isso às exigências da moderna dogmática penal.

Entretanto, é importante reconhecer que, embora o conceito de adequação social não

possa ser aceito com exclusividade, atualmente é impossível deixar de reconhecer sua

importância na interpretação da subsunção de um fato concreto a um tipo penal. Atuando ao

lado de outros princípios, pode levar à exclusão da tipicidade.

101 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. 5 ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17. 102 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 17.

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2.2.5 Princípio da Proporcionalidade

Além de encontrar assento na exigência de respeito à dignidade humana, este princípio

aparece insculpido em diversas passagens da Constituição, quando abole certos tipos de

sanções (art. 5o, XLVII), exige individualização da pena (art. 5o, XLVI), maior rigor para

casos de maior gravidade (art. 5o, XLII, XLIII e XLIV) e moderação para infrações menos

graves (art. 98, I). Baseia-se na relação custo-benefício.

Segundo o doutrinador Fernando Capez:

Toda vez que o legislador cria um novo delito, impõe um ônus à sociedade, decorrente da ameaça de punição que passa a pairar sobre todos os cidadãos. Uma sociedade incriminadora é uma sociedade invasiva, que limita em demasia a liberdade das pessoas. Por outro lado, esse ônus é compensado pela vantagem de proteção do interesse tutelado pelo tipo incriminador. A sociedade vê limitados certos comportamentos, ante a cominação da pena, mas também desfruta de uma tutela a certos bens, os quais ficarão sob a guarda do Direito Penal. Para o princípio da proporcionalidade, quando o custo for maior do que a vantagem, o tipo será inconstitucional, porque contrário ao Estado Democrático de Direito.103

Isto quer dizer que a criação de tipos incriminadores deve ser uma atividade

compensadora para os membros da coletividade.

Com efeito, um Direito Penal democrático não pode conceber uma incriminação que

traga mais temor, mais ônus, mais limitação social do que benefício à coletividade.

Somente se pode falar na tipificação de um comportamento humano, na medida em

que isto se revele vantajoso em uma relação de custos e benefícios sociais. Em outras

palavras, com a transformação de uma conduta em infração penal impõe-se a toda

coletividade uma limitação, a qual precisa ser compensada por uma efetiva vantagem: ter um

relevante interesse tutelado penalmente.

O princípio da insignificância possui estreita relação com o princípio da

proporcionalidade, pois, como preceitua Zaffaroni: “[...] o fundamento do princípio da

103 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol, 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 21.

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insignificância está na idéia de proporcionalidade que a pena deve manter em relação à

significância do crime”.104

2.2.6 Princípio da Lesividade

Este princípio também é conhecido como princípio do fato e da exclusiva proteção do

bem jurídico.

“Não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto,

real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico”.105

A punição de uma agressão em sua fase ainda embrionária, embora aparentemente útil

do ponto de vista da defesa social, representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma

atuação demasiadamente intervencionista do Estado.

Como ensina Luiz Flávio Gomes: “[...] o princípio do fato não permite que o Direito

Penal se ocupe das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar,

das suas atitudes internas (enquanto não exteriorizada a conduta delitiva) [...]”.106

A atuação repressivo-penal pressupõe que haja um efetivo e concreto ataque a um

interesse socialmente relevante, isto é, o surgimento de, pelo menos, um real perigo ao bem

jurídico.

O princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os chamados “delitos de

perigo abstrato”, pois, segundo ele, não há crime sem comprovada ou perigo de lesão a um

bem jurídico.107

104 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Boletim IBCrim. n. 56 – julho,1997, p. 10. 105 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 23. 106 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

p. 41. 107 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 23.

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Não se confunde com o princípio da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o

qual “[...] o direito não pode defender valores meramente morais, éticos e religiosos, mas tão-

somente os bens fundamentais para a sobrevivência e o desenvolvimento social”.108 Na

ofensividade, somente se considera a existência de uma infração penal quando houver efetiva

lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No primeiro, há uma limitação quanto aos

interesses que podem ser tutelados pelo Direito Penal; no segundo, só se considera existente o

delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto.

2.3 DELITO INSIGNIFICANTE VERSUS CRIMES DE MENOR POTENCIAL

OFENSIVO

Não se pode confundir delito insignificante ou de bagatela com crimes de menor

potencial ofensivo. Estes últimos são definidos pelo art. 61 da Lei n. 9.099/95 e são

submetidos aos Juizados Especiais Criminais, sendo que neles a ofensa não pode ser

acoimada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptível socialmente, não

podendo falar-se em aplicação desse princípio.

Como demonstra Capez, “[...] o princípio da insignificância não é aplicado no plano

abstrato”.109

Não se pode, por exemplo, afirmar que todas as contravenções penais são

insignificantes, pois, dependendo do caso concreto, isto não se pode revelar verdadeiro.

Fernando Capez fornece-nos a seguinte exemplificação:

Andar pelas ruas armado com faca é um fato contravencional que não pode ser considerado insignificante. São de menor potencial ofensivo, submetem-se ao procedimento sumaríssimo, beneficiam-se de institutos despenalizadores (transação penal, suspensão condicional do processo etc), mas não são, a priori, insignificantes.110

108 CAPEZ, Fernando. op. cit., p, 24. 109 CAPEZ, Fernando. op. cit., p, 14. 110 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24.

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Tal princípio deverá ser significado em cada caso concreto, de acordo com as suas

especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete

pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 155 do Código Penal é

alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um princípio aplicável no plano

concreto, portanto.

2.4 DA NATUREZA JURÍDICO-PENAL

No que tange à análise da localização na teoria geral do delito e natureza jurídico-

penal do princípio da insignificância são encontradas divergências doutrinárias e

jurisprudenciais, havendo três correntes distintas que o consideram como: a) excludente de

tipicidade; b) excludente de antijuridicidade; e c) excludente de culpabilidade.

Dentre as posturas de aplicação do princípio da insignificância, a primeira teoria é a

que tem mais adeptos, sendo certamente a corrente majoritária no Direito Penal Brasileiro.

Segundo esse entendimento, por força do princípio da insignificância, são atípicas aquelas

condutas que importam numa danosidade irrelevante do bem jurídico tutelado.

No Direito Penal pátrio, é o entendimento dos juristas pioneiros na matéria, a saber,

sucessivamente: Francisco de Assis Toledo, Diomar Ackel e Odone Sanguiné que

prelecionam: “[...] que o princípio da insignificância permite excluir a tipicidade da conduta

penalmente insignificante alcançada pela abrangência abstrata do tipo penal, porquanto

desprovidas de reprovabilidade penal”.111

Nesse sentido, o primeiro livro sobre o tema na doutrina brasileira, escrito por Carlos

Vico Manãs apud Silva, sustenta que: Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade.112

111 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2006, p. 158. 112 SILVA, Ivan Luiz da. op. cit., p, 158.

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Salientamos que essa é a posição adotada no presente estudo, de que o princípio da

insignificância reina na exclusão da tipicidade penal, pois a preponderância do desvalor da

ação mostra-se acentuada entre as condutas penalmente insignificantes, essa prevalência da

tese de exclusão de tipicidade é adotada por Damásio de Jesus apud Silva: “[...] no tema do

crime de bagatela, enquanto uma teoria preconiza a inexistência da antijuridicidade do fato

(RT, 582:386), a doutrina prevalente pende para a exclusão da tipicidade, orientação

perfilhada pela 5ª Turma do STJ”.113

Quanto ao segundo entendimento (excludente de antijuridicidade), essa posição não é

muito debatida, afirmando que a lesão ao bem jurídico tutelado dever ser relevante para

provocar a persecução estatal, Carlos Frederico Pereira apud Silva ensina: “[...] a

insignificância no tipo indiciário se manifesta, como visto de regra na antijuridicidade

material, pois é esta que contém o bem jurídico e exige a sua lesão e acima de tudo, que seja

significante, sem o que não se poderá conceber a existência de crime”.114

A terceira corrente situa o princípio da insignificância no campo da culpabilidade e o

considera como uma eximente de pena, postura que menos adeptos possui, nesse sentido,

Abel Cornejo apud Silva menciona:

A delimitação do âmbito de aplicação da eximente queda, então, em mão do juiz, da mesma maneira que ocorre com qualquer outro instituto de direito penal. Para delimitar o âmbito de aplicação da insignificância, o juiz deverá ponderar o conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação, a fim de estabelecer se a finalidade abarca a produção de perigos ou lesões relevantes para o bem jurídico ou só afetações ínfimas.115

Assim, a falta de proporcionalidade entre o fato penalmente insignificante e o castigo

que deveria aplicar-se ao autor torna conveniente eximir de pena o agente, pois nesse caso

encontra-se ausente a justificação ética da pena.

113 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2006, p. 165. 114 SILVA, I van Luiz da. op. cit., p. 160. 115 SILVA, Ivan Luiz da. op cit., p. 162.

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2.5 CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

2.5.1 Objeções

A aceitação da aplicação do princípio da insignificância pelos doutrinadores é

dominante, apesar de alguns autores ainda estabelecerem objeções à sua aplicação. A

principal delas reside na questão de que o princípio da insignificância feriria a Segurança

Jurídica, por não se sabe exatamente o que é proibido, permitido ou facultativo, o que não

condiz com a realidade, isto porque o sistema penal está inserido em um sistema social, por

isso é um sistema aberto de conteúdo axiológico, inteiramente orientado pelo princípio da

legalidade com relação à normativização, o que impossibilita arbitrariedade dos julgadores,

com efeito, o princípio da insignificância atua no campo do direito penal pela política

criminal.

Dalva Rodrigues Bezerra de Almeida eivdencia a possibilidade de o princípio ferir a

insegurança jurídica: “Ademais, a extensão do princípio a todos os bens jurídicos, mesmo os

de caráter não patrimonial, amoleceria o sistema, que ficaria sujeito aos humores de operdores

jurídicos que se apropriariam de critérios subjetivos íntimos, para avaliar a extensão da

insignificância”.116

Posições mais formalistas sustentam ser inaplicável o princípio por não estar legislado,

tecem críticas pelo fato de o princípio da insignificância não se encontrar edificado no Direito

Penal Brasileiro. Essa controvérsia é facilmente solucionada, pois se trata de princípio e

possui sua edificação não em mera Lei Ordinária, mas no próprio Estado de Direito que preza

por um mínimo de dignidade, está na própria ordem da política criminal.

Prestes assim ensina:

Recaem críticas ao princípio por não estar expressamente previsto no ordenamento jurídico. Todavia, a crítica de caráter positivista não tem fundamento.

116 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especial criminais. Porto

Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007, p. 149.

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Em primeiro lugar a norma escrita não contém todo o Direito. Atualmente vêm sendo aceitas pelos nossos Tribunais, bem como, por grande parte da doutrina as causas supralegais de exclusão da ilicitude (ex. consentimento do ofendido) e da culpabilidade (com base na inexigibilidade de conduta diversa). Essas hipóteses não estão positivadas no ordenamento jurídico penal, não obstante, devam ser aceitas, pois, o legislador não pode prever e positivar todas situações justificantes que podem ocorrer. Isto em razão da infinidade de hipóteses fáticas possíveis e da mutabilidade dos valores sociais. Esta linha de pensamento também justifica a aplicação do princípio em comento.117

Na legislação brasileira é possível a verificação de alguns dispositivos que claramente

orientam a invocação do princípio da insignificância, são figuras privilegiadas, como exemplo

o furto (artigo 155, § 2º do CP), do estelionato (artigo 170 e 171, § 1º do CP) e da receptação

(artigo 180 § 3º do CP), mesmo o artigo 59 permite a verificação da irrelevância penal do

fato. O princípio da insignificância opera juntamente com o princípio da proporcionalidade,

como limite tático da norma legal, opera na contenção dos excessos.

Os critérios para a aplicação do princípio da insignificância ou para se precisar a

insignificância da conduta ou a irrelevância penal do fato variam em torno de: desvalor da

ação, desvalor do resultado, desvalor do grau de lesividade e ofensividade ao bem jurídico

protegido pelo tipo penal, antecipada medição da pena (razoável e proporcional), necessidade

de imposição da pena e benefícios sociais (para a sociedade, autor do delito e vítima).118

O princípio da insignificância não pode ser levado somente em consideração nos

delitos materiais por expressarem um resultado. Nesse sentido, afirma Ribeiro Lopes:

O bagatelledelikte não é uma regra apêndice das normas de cunho patrimonial, mas um princípio de Direito Penal e como tal, sujeito a influir, determinar e direcionar o conteúdo de todas as normas penais. É um juízo de valor social que deve ser projetado sobre todas as condutas, informando o tipo penal comum conteúdo substantivo e apenas autorizando sua incidência diante de uma avaliação positiva do grau de repercussão jurídico-social de que se deve revestir um fato para ingressar no terreno das incidências das normas penais.119

117 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da

tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 68. 118 SANTOS, Cláudia Fernandes dos. O princípio da insignificância e lesões corporais leves sob a ótica

funcionalista. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 187, 9 jan. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4707>. Acesso em 02-08-2007 às 12h10min.

119 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 40

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De acordo com tal posição, somente os delitos materiais comportariam juízo de

insignificância sob a ótica penal, com a conseqüente possibilidade de reconhecimento de sua

atipicidade material. Tal postura leva em conta somente o critério do desvalor do resultado

para a configuração do delito de bagatela, ignorando, portanto, o desvalor da ação.

2.5.2 Aceitação

Em defesa do princípio, pode-se argumentar que se trata de um instrumento de

interpretação restritiva que torna a conduta penalmente indiferente. Não se compartilha no

presente do entendimento de que o princípio carece de previsão legislativa. A previsão existe

e é constitucional. Previsto na constituição, fundamentado pelos princípios inerentes ao

Estado Democrático de Direito proposto pelo texto constitucional, pelo princípio da

igualdade, da liberdade, da fragmentariedade e da proporcionalidade, não significa

impunidade, porquanto as penas privativas poderão ser substituídas por penas alternativas

com bons resultados.120

O Direito Penal é de intervenção mínima, mas não é de nenhuma intervenção e o

princípio não exclui as sanções penais, pois nada mais é que uma construção dogmática,

influenciada por razões político-criminais. Quanto à falta de critérios precisos para a

caracterização do chamado delito de bagatela, certamente esses limites se referem ao tipo,

mas considerando que a insignificância exclui a tipicidade material, ligada ao conceito

material de delito, essa crítica desaparece ou se esfumaça.

Apesar das objeções, o princípio da insignificância vive na realidade jurídica

brasileira, Almeida assim se refere ao mesmo:

Já foi acolhido pelos jurisdicionados, carentes também de prestação jurisdicional. Pretende-se estendê-lo às relações de Direito privado, às concernentes ao Direito de Família (Juizados Especiais de Família). O direito tem compromisso com a ordem social conflituosa que permanece com teimosia. Dados de tolerância, de conciliação, seguramente respondem à solução da crise existente. Esse é o caminho. O conflito

120 SILVA, Ivan Luiz da. Principio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2006, p. 174.

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último reside, pois, no coração das pessoas, onde se combate a grande batalha do mundo. Nenhuma fronteira visível pode separar o bem e o mal nesta existência.121

Estudos recentes revelam o custo do preso no sistema prisional e da trajetória do

processo até o seu trânsito em julgado, veja-se:

[...] é bom lembrar que dados recentes (2007), fornecidos pela Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário, dão conta de que o custo de um processo-crime para o Estado, somando-se os gastos levados a efeito pela Polícia, Ministério Público, tribunais e prisões, atinge a cifra de R$ 1.848,00. Já o preso custa, em média, R$ 1.000,00 por mês, segundo o Ministério da Justiça; em São Paulo, R$ 2.500,00 reais, conforme informou a Secretaria Estadual de Gestão Pública.122

Nesses mesmos dados fornecidos, levantamentos foram feitos e constatou-se por meio

de pesquisa, realizada pela Universidade de São Paulo, a absurda realidade do sistema

prisional do país, em análise aos processos-crime tramitados nas grandes capitais brasileiras,

verificou-se que os pequenos delitos representam 40% da massa carcerária brasileira,

expondo, desse modo, uma distorção do sistema penal e contribuindo para esclarecer o porquê

da superlotação verificada nos presídios, ainda:123

[...] que, após analisar quase três mil processos de pessoas presas por futo em cinco Estados da Federação, a Promotora e pesquisadora Fabiana Costa, autora e coordenadora da citada pesquisa, declarou à Folha de São Paulo (27.03.07) que “jamais esperava encontrar casos de furto de R$ 1,00, que até a prolação da sentença em primeira instância levou dois anos e um mês; e um outro processo que tramitou por quatro anos e sete meses!”.124

Não nos causará estranheza se no futuro próximo os crimes cuja pena máxima de

quatro anos seja absorvida pela Lei dos Juizados Especiais Criminais:

Há um consenso entre os operadores do Direito Criminal de que a pena de prisão para furto insignificante já deveria ter sido extinta e que não é necessário realizar mudanças na legislação penal vigente. Sugestões são feitas no sentido de se incluir o delito de furto de pouco valor econômico na Lei nº 9099, de 26 de setembro de

121 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especial criminais. Porto

Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007. p. 151 122 SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. O Princípio da Insignificância no Sistema Penal Brasileiro. Revista

Consulex. Ano XI – nº 250 de 15-06-2007. p. 60. 123 SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. op. cit., p. 59 124 SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. op. cit., p. 59

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1995, que “dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências”.125

A sociedade brasileira pouco acredita na justiça, exemplos de impunidade saltam aos

olhos quando se fala em corrupção envolvendo políticos, talvez esse seja o reflexo da crise

penal por que passa o país, milhões são desviados dos cofres públicos sem que os culpados

sejam punidos, o brocardo popular diz que “a melhor punição é aquela que mexe com o

bolso”, assim descreve o jurista Luiz Augusto Paranhos Sampaio:

Punição compreensivel, sensata e equilibrada é a pena de multa imposta ao agente do que deixá-lo sofrer as consequências de apenação que o colocará num presídio dias, meses e, talvez, por anos seguidos. Sabemos que são levantadas barreiras à observância do citado preceito (CP, art. 155, § 2º), mas a tipicidade do fato é excluída de acordo com o direito moderno quando se está frente ao princípio da insignificância (ou da bagatela), uma vez que os danos de pouca monta, de pouca importância ou de apoucado valor econômico são irrelevantes para o Direito Penal.126

A realidade criminal brasileira é mais dura na prática quando os problemas são

analisados no caso concreto, a sociedade, em que 95% da população é considerada pobre,

sofre a dura realidade da opressão penal, num país onde se pune o pobre, o feio, o negro etc.

O Direito Penal não pode atuar como um sistema de segurança pública, com a mudança da

realidade social e sua modernidade, não resta outra saída a não ser atuar em prol do serviço

social para assegurar a harmonia da coletividade e a paz social, o Direito Penal não pode ser

rotulado como um “monstro”, aquele que vem para castigar o delinqüente, mas sim para

encontrar saídas para a diminuição do crime. Que realmente a construção de uma escola ou de

uma rede de saneamento hoje, possa representar a economia em construção de penitenciárias

amanhã.127

O Jurista e Capitão da Brigada Militar/RS, José Carlos Sallet de Almeida e Silva assim

menciona em seu artigo:

Por que delinqüente social? Porque face ao meio onde o cidadão vive, cercado de pobreza, tráfico de entorpecentes, famílias desajustadas, desemprego, falta de saneamento básico, energia elétrica, educação, entre outros direitos sociais mínimos; resta-lhe uma escala de valores onde o trabalho e o sacrifício pessoal para aquisição das condições desejadas, ou de um vestuário, de um medicamento, etc., encontra-se muito abaixo do assalto a mão armada, pois os ‘ricos’ como são chamados os

125 SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. op. cit., p. 60. 126 SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. Revista Juridica Consulex. Ano XI – nº 250. 15-06-2007, p. 60. 127 SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. p. 59.

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cidadãos de classe média têm os bens para alcançar-lhe de modo mais imediato e quase que com a certeza da impunidade. Este prólogo inicial é tão somente para situar o leitor na sociedade em que vivemos, pois infelizmente não há aqui, no mundo real, o delinqüente Tício, a vítima Caio ou o mentor intelectual da ação, Mévio; não, aqui no mundo real são Caios, Tícios e Mévios que alternam-se no teatro da vida, ora um sendo vítima do sistema opressor, ora sendo autor de um injusto penal. O propósito deste singelo artigo é discutir em parcas palavras a caminhada que está percorrendo o chamado Princípio da Insignificância (ou delito de bagatela), elaborado por ROXIN, se tais conceitos são princípios já enraizados no Direito Penal ou se o julgador (e por enquanto só ele) tem ainda de fazer uma ilação psicológica ou um exercício hermenêutico para aplicação dos conceitos de bagatela.128

Hoje em dia o julgador não age com bom senso diante de um caso concreto, talvez

devido ao grande número de processos nos tribunais e à obediência aos prazos, o que faz com

que as sentenças sejam elaboradas de forma que uma seja cópia da outra; a informática facilita

muito esse procedimento. [...] o eminente Procurador de Justiça do RS, mestre de todos nós, Prof. Dr. Lenio Streck, em palestra proferida na III Jornada de Estudos, promovida pela Associação Paranaense dos Juízes Federais, a certa altura registrou uma das mais, senão a mais brilhante conclusão de sua fala a de que “o método hermenêutico está muito mais para windows 2005, ‘copiar / colar’ do que propriamente um processo interpretativo”. Portanto vê-se que o eminente mestre não errou ao dizer que o julgador, hoje em dia, não faz um juízo de interpretação (quiçá constitucional) do caso sobre o qual está decidindo, quer por sobrecarga de trabalho, por carreirismo ou por convicção mesmo! O que se vê sim são inúmeros doutrinadores, juristas, tentando aprofundar o princípio hermenêutico constitucional de decisão, aliado ao princípio da insignificância, já irrefutável hoje em dia, todavia não expresso na lei; para que a sociedade pare de ver casos de furto de abóboras irem parar nos Tribunais e, pior, nas Cortes Superiores da justiça brasileira.129

Fatos assim são corriqueiros nos tribunais brasileiros, não existem casos idênticos para

serem julgados, jamais uma decisão pode ser copiada da outra, como se fosse uma fórmula

química, não é raro encontrarmos documentos impressos com dados de outro processo, isso

devido, como foi dito acima, à informática, o conhecido “Ctrl C / Ctrl V”.

128 SILVA, José Carlos Sallet de Almeida e. Aplicação do princípio da insignificância, um processo

hermenêutico? Disponivel em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/29/37/2937>. Acesso em 02-08-2007 às 23h48min.

129 SILVA, José Carlos Sallet de Almeida., op. cit.

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3 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

A jurisprudência tem adotado o princípio da insignificância, principalmente nos casos

de crime contra o patrimônio, lesões corporais, contrabando e descaminho, crimes ambientais,

crimes de tóxicos e crimes de trânsito. Entretanto, o entendimento adotado segue sempre uma

mesma linha, ou seja, a lesão ou o fato praticado, por ser insignificante, torna-se atípico, além

dos argumentos da proporcionalidade, da mínima intervenção, da fragmentariedade e da

subsidiariedade.

Como afirmam Santos e Sêga, o princípio da insignificância teve, pela primeira vez,

seu acolhimento "expresso" pelo Supremo Tribunal Federal em julho de 1988 (RHC nº

66.869-1, 2º turma, votação unânime). No julgamento o STF decidiu arquivar a ação penal

com o fundamento de que uma equimose, de três centímetros de diâmetro, decorrente de um

acidente automobilístico, escapa ao interesse punitivo do Estado em virtude do princípio da

insignificância - não acolhendo a tese do Tribunal inferior e da Procuradoria-Geral da

República que sustentavam que a lesão preenchia os requisitos necessários para a existência

da tipicidade penal, ainda que de nenhuma conseqüência funcional - alegando que o

prosseguimento da ação penal não lograria nenhum resultado, só sobrecarregaria mais os

serviços da Justiça e incomodaria inutilmente a vítima. Configurando-se, portanto, como uma

diretriz jurisprudencial da mais alta valia e, servindo como precedente aos Tribunais

inferiores.130

Acidente de trânsito. Lesão corporal. Inexpressividade da lesão. Princípio da insignificância. Crime não configurado. Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, como resulta dos

130 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância

diante das disposições da Lei 9099/95 . Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=950>. Acesso em 09-02-2007 às 18h09min.

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elementos dos autos e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois, há de impedir-se que se instaure ação penal que a nada chegaria, inutilmente sobrecarregando-se as Varas Criminais, geralmente tão oneradas (STF, RHC 66869-PR, reI. Min. Aldir Passarinho, j. 06.12.1988, DJ 28.04.1989, p. 187).

Mesmo não estando tipificado em nenhum instituto legal, o princípio da

insignificância vem, ultimamente, sendo utilizado e invocado pela jurisprudência brasileira.

Assim, vislumbra-se uma aplicação cada vez maior dos conceitos trazidos pelo princípio

doutrinário da insignificância, como é possível observar em inúmeras decisões dos Tribunais

Estaduais e Federais, como também do Superior Tribunal de Justiça.

Os Tribunais Estaduais têm aplicado o princípio da insignificância mais comumente

aos casos de furto e lesões corporais leves e levíssimas consoante os argumentos de

irrelevância social e econômica da res furtiva, aliados à ausência de perigosidade da conduta

incriminada e aos argumentos da falta de potencialidade ofensiva do fato, a natureza levíssima

das lesões causadas e a falta de ameaça danosa ou concretamente perigosa que justifique a

imposição de uma pena.

Com relação ao crime contra o patrimônio, pode-se exemplificar o crime de furto com

a jurisprudência do TJSP:

CRIME DE BAGATELA – Caracterização – Subtração de um pano de prato – Irrelevância da reincidência do agente – Voto vencido. A subtração de bem de valor insignificante, como um pano de prato, é o bastante para caracterização do “crime de bagatela”, sendo irrelevante para sua consideração seja o agente reincidente ou não. (RvCr 298.430-1 – 5º. Gr. De Câms. – j.09.04.1997 – rel. Juiz Breno Guimarães).131

No mesmo sentido:

TACrim SP - CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais – Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta – Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica, não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder Público que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas. Apelação nº 1.278.997/5 - Birigüi - 10ª Câmara - Relator: Vico Mañas - 21/11/2001 - V.U. (Voto nº 5.198).132

131 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da

tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 91. 132 MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. O princípio da insignificância e os crimes contra o sistema

financeiro nacional. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5000>. Acesso em: 07-08-2007 às 00h35min.

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Na primeira instância, também com relação ao crime contra o patrimônio, consta

interessante decisão prolatada pelo Juiz de Direito da 3º Vara Criminal da Comarca de

Palmas/TO, a decisão foi incluída na Escola Nacional de Magistratura em seu banco de

sentenças, a entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar

dois presos em flagrante delito, sob a acusação de furto de duas melancias:

[...] trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Senhor Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão. DECISÃO: “Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, O Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional). Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia... Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e ai, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás. Intimem-se”.133

Vale a pena destacar o acórdão do TJ/RS, ressaltando a relevância do tema proposto

neste trabalho, ante o princípio da insignificância, mínimas ofensas aos bens jurídicos não

justificam a incidência do Direito Penal:

[...] é possível, para a felicidade deles, que os membros do Ministério Público não tenham serviço suficiente e podem "brincar" de recorrer das decisões desta e de outras Câmaras, o que é bastante inconveniente para nós desembargadores que, como é sabido, estamos com excesso de trabalho. E se não conhecesse o Procurador de Justiça que primeiro assina o requerimento, sei que é uma pessoa séria e excelente profissional, diria os representantes do Parquet estão tão desocupados que, para fazer alguma coisa, "procuram chifre em cabeça de cavalo". Ou gostam de piadas de mau gosto. É o que ocorre no caso em exame: "briga" por condenação de ladrões de abóboras.

133 PAULA, Rafael Gonçalves de. Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO.

Disponível em <http://conjur.estadao.com.br/static/text/22746,1>. Acesso em 03-08-2007 às 00h15min.

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Assim, antes de adentrar na questão principal, permito-me uma sugestão, uma vez que parece faltar trabalho sério aos Procuradores de Justiça: façam uma força-tarefa e vão ajudar os colegas de primeiro grau na persecução criminal daqueles delitos realmente graves. Tenho observado, e não importa aqui os motivos, que esta Câmara, como as demais deste Tribunal, tem absolvido réus de delitos graves, mas que, aparentemente, são culpados. Isto porque a prova criminal não é feita ou muito mal feita ou, ainda, um mau trabalho da acusação em termos de denúncia e (ou) alegações finais. Parem com esta picuinha, ridícula e aborrecedora, de que todas as decisões devem ser iguais àquelas dos pareceres. Parem de entulhar esta Corte e as Superiores com pedidos realmente insignificantes: furtos ou outros delitos insignificantes, aumento de pena de dois ou três meses etc. No caso em exame (e somos obrigados a discutir a subtração de poucas abóboras, meu Deus !), o acórdão, como se verá infra, analisou os fundamentos jurídicos aplicáveis à insignificância e concluiu por sua aplicação. Não houve nenhuma omissão, a não ser que os autores da petição de embargos, "porque não tem nada a fazer e o ócio cansa", querem o impossível: dispositivos legais a respeito. Por outro lado, dizer, como está na petição, que "a fim de chegar-se a constatação acerca da existência ou não de tal ofensa, torna-se necessário observar as condições econômicas da vítima, as quais permitirão chegar a conclusão se o valor do objeto material em questão chegou a ofender o bem jurídico já citado", estão falando uma arrematada besteira. E se o ladrão furtar cem mil reais de um grande banco, teremos um crime insignificante? De acordo com a opinião, sim. Em conclusão, a perda daquele valor mal arranhou o patrimônio da vítima (Apelação-crime nº 70006845879 do TJ/RS).134

O mencionado acórdão traz a tona o choque de visão entre o Ministério Público e o

Poder Judiciário frente ao princípio da insignificância, cabe mencionar com bons olhos, hoje

em dia, que o aludido princípio encontra-se presente no mundo jurídico nacional e que elide a

tipicidade material, isso com fulcro na decisão proferida acima.

Com relação ao crime de lesões corporais leves, cita-se a jurisprudência de dois

julgados do TJSP:

Lesão corporal – Insignificância das lesões sofridas – Atipicidade – Absolvição. A insignificância das lesões sofridas pela vítima afasta a tipicidade do crime previsto no artigo 129 do CP, impondo-se a solução absolutória (TACrimSP – AC – Rel. Ercílio Sampaio – JTACrim, 78:336).

Lesão corporal – Simples tapa de ligeiras proporções – Insignificância jurídico-penal. O simples tapa de ligeiras proporções constitui fato de total insignificância do ponto de vista jurídico-penal, não merecendo a movimentação da máquina policial e judiciária para solucionar o incidente (TACrimSP – AC – Rel. Galvão Coelho – JTACrim, 43:296).135

134 BRUTTI, Roger Spode. O princípio da insignificância e sua aplicabilidade pela Polícia Judiciária. Jus

Navigandi, Teresina, ano 10, n. 899, 19 dez. 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7722>. Acesso em 09-08-2006 às 13h21min.

135 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 87.

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Os Tribunais Regionais Federais são os órgãos que mais se utilizam o princípio da

insignificância para a resolução dos litígios, sendo, em certos casos, como nos delitos de

descaminho, aplicado o princípio de forma pacífica, sob os argumentos de que descaminho de

mercadoria de valor irrisório não chega a causar lesão relevante; também é muito utilizado

nos crimes contra a fauna, sob os argumentos de que nos crimes contra a fauna, o direito penal

não deve preocupar-se com ações insignificantes, que pela sua natureza não causam um dano

ao bem jurídico tutelado:

Com relação aos crimes de descaminho, jurisprudência do TRF 1º Região:

PROCESSO PENAL – Hábeas Corpus – Comerciante “camelô” de mercadoria estrangeira, em pequena monta – Princípio da insignificância, do estado de sobrevivência e do mínimo existencial – Excludente da ilicitude – Trancamento da ação penal. EMENTA: I - Não caracterizam o crime de descaminho atos de mercancia do simples “camelô”, que adquire mercadorias estrangeiras, em pequena monta, no intuito de sobreviver com sua família, neste País, onde o salário mínimo ainda se constitui grave atentado à cidadania. II – Nesse quadro social, ampara-se o paciente pelos princípios da insignificância, do estado de necessidade à sobrevivência e do mínimo existencial, a configurarem excludente da ilicitude de sua conduta, na hipótese dos autos. III – Ordem de Hábeas Corpus concedida, para trancamento da ação penal (TRF 1ª., Reg., HC 950112339-1-MG, Rel. Souza Prudente, 21.06.1995).136

É importante, também, salientar que o próprio Ministério Público Federal (MPF)

aceita e aplica a tese do princípio da insignificância, como se pode observar no 3º ofício

criminal, com relação aos autos nº 940011453/2, nos quais o MPF solicita o arquivamento do

inquérito policial de descaminho, com base no princípio da insignificância, da irrelevância do

valor da mercadoria apreendida. De igual modo com relação aos autos 96.0019814-4 e

94.0000854-6.

Aplicação do princípio da insignificância nos crimes de tóxicos, jurisprudência TJMG:

Agente surpreendido portando 0,26 (vinte e seis centigramas) de maconha – “Apesar de confessada a autoria do delito e não constatada a materialidade, deve-se acolher a teoria da insignificância da droga, quanto a quantidade de maconha encontrada em poder do agente for ínfima, mormente se provado ser o réu pessoa socialmente bem comportada, trabalhadora, de postura exemplar”. (TJMG, AC 14.112-7, Rel. Sebastião Rosenburg, JM 126-127/382).137

136 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da

,tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 90 137 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. op. cit.,,p. 94.

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Com relação aos crimes ambientais, jurisprudência do STJ:

Aplica-se o princípio da insignificância (ou da bagatela) se o agente é pessoa, em estado de miserabilidade, que abateu três animais de pequeno porte para subsistência própria (STJ, Resp. 182847-RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª. T., j. 09.03.1999, DJ 05.04.1999, p.160). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – Crime contra a fauna – Abatimento de animal silvestre – Conduta que não afetou potencialmente o meio ambiente e não colocou em risco a função ecológica da fauna. EMENTA: O abatimento de animal silvestre que não afete potencialmente o meio ambiente e não coloque em risco a função ecológica da fauna impõe a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a conduta dos agentes não alcançou relevância jurídica. RT – 747/778.138

Com relação aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o Estado abdica de

reprimir certas condutas que, em face de seu valor, se tornam irrelevantes. Ocorre, desse

modo, na Procuradoria da Fazenda Nacional que, de acordo com a lei, está desobrigada a

impetrar ações de cobrança de débitos inferiores a R$ 1.000,00. Já na procuradoria do

Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) esse limite se eleva para R$ 5.000,00:

Jur. ementada 3636/2002: Penal. Crime previdenciário (CP, art. 168-A). Valor até R$ 5.000,00. Princípio da insignificância (portaria 4.190/99-MPAS). TRF 4ª REGIÃO - RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 2000.72.01.003148-6/SC (DJU 10.06.02, SEÇÃO 2, P. 495, J. 25.06.02) EMENTA Penal. Processo Penal. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Portaria nº 4.910/99. MPAS. Princípio da insignificância penal. Aplicação. Precedentes. Quarta seção deste tribunal. Aplica-se o princípio da insignificância jurídica como causa excludente de tipicidade, quando o crédito previdenciário não ultrapassar o valor equivalente a r$ 5.000,00 (cinco mil reais) conforme explicita a portaria n° 4.910, de 04 de janeiro de 1999, do MPAS, tendo em vista a inexistência de dano ao erário e por não ofender ou colocar em perigo o bem jurídico penalmente tutelado, não podendo por isso, ser considerado como fato penalmente típico.139

Portanto, no exemplo acima, todas as apropriações indébitas previdenciárias que não

ultrapassarem R$ 5.000,00 serão consideradas fatos atípicos e não o crime descrito no artigo

168-A do Código Penal. Nesse sentido, conclui-se que o princípio da insignificância encontra

balizas sólidas no caráter subsidiário do Direito Penal. Ora, se o Direito Tributário e

Previdenciário, que contam com sanções rigorosas, mas, que de qualquer forma são bem mais

138 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da

tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 88. 139 MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. A subsidiariedade como baliza para a insignificância.

Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/05/1905/>. Acesso em 14-06-2007 às 00h35min.

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suaves que as penas criminais, consideram desnecessária a persecução do autor, o que dirá o

Direito Penal, que, como visto, deve agir somente em ultima ratio?

Cabe ressaltar, também, que o Supremo Tribunal Federal não rejeita o princípio da

insignificância, muito pelo contrário, o aceita, em determinados casos, devendo ser analisado

caso a caso.

Pode-se observar, assim, nos extratos jurisprudenciais, aquilo que se veio defender, ou

seja, que por meio do princípio da insignificância pode-se desconsiderar a tipicidade do fato,

pois evidenciada a falta de potencialidade ofensiva social ou econômica do ato delituoso,

servindo, também, como um método auxiliar de interpretação que versa sobre a atipicidade do

fato.

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CONCLUSÃO

A natureza do Direito Penal de uma sociedade pode ser aferida no momento da

apreciação da conduta. Toda ação humana está sujeita a dois aspectos valorativos diferentes.

Pode ser apreciada em face da lesividade do resultado que provocou (desvalor do resultado) e

de acordo com a reprovabilidade da ação em si mesma (desvalor da ação).

É imperativo do Estado democrático de Direito a investigação ontológica do tipo

incriminador. Crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo, uma vez que nenhuma

conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em

perigo valores fundamentais da sociedade.

Com efeito, a regra do art. 5o, XXXIX, da Constituição Federal, segundo a qual

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”,

incumbiu, com exclusividade, ao legislador a tarefa de selecionar, dentre todas as condutas do

gênero humano, aquelas capazes de colocar em risco a tranqüilidade social e a ordem pública.

Neste sentido, segundo o Princípio da Insignificância, a lei não deve preocupar-se com

infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade.

Insignificância não se confunde com adequação social, pois, enquanto esta última

pressupõe a total aprovação social da conduta, o princípio da insignificância apenas tolera a

sua prática em face da escassa lesividade, continuando, todavia, a considerá-la socialmente

inadequada. Funda-se na conveniência da política criminal. Se a infração tem pequeno

potencial ofensivo, deve incidir a Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Criminais – e

seus institutos despenalizadores, não justificando deixar o juiz de aplicar a lei.

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Sempre que presentes os requisitos do Princípio da Insignificância, não é necessário

dar início a procedimentos penais ou consensuais. Nesta hipótese, o mais sensato é pedir que

se arquive a investigação, haja vista a irrelevância penal do ocorrido.

O posicionamento deste pesquisador a este respeito é de que os crimes de bagatela ou

crimes insignificantes são delitos que, à primeira vista, se encaixam ao fato típico, mas que,

num segundo momento, tem sua tipicidade desconsiderada, por estarem relacionados a

ofensas a bens jurídicos que não têm o caráter de reprovabilidade, de forma que dispensam a

intervenção do direito penal.

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