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2018 ANA CRISTINA MENDONÇA CRISTIANE DUPRET PENAL 2ª FASE PRÁTICA revista, ampliada atualizada 4 edição

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2018

ANA CRISTINA MENDONÇACRISTIANE DUPRET

PENAL

2ª FASE

PRÁTICA

revista, ampliada atualizada

4 edição

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 21

Parte Geral

1. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

Ao iniciarmos o estudo do Direito Penal teremos como base principal de análise o Código Penal. No entanto, ao tratar principalmente dos crimes em espécie, serão realizadas comparações com leis penais especiais, de forma que possa o leitor ter um conhecimento conglobado e direcio-nado para a prova da OAB, sendo abordados os temais mais recorrentes e cobrados ao longo dos Exames elaborados pela FGV.

Para iniciarmos o estudo da parte geral do Código Penal, focaremos inicialmente no conceito analítico de crime, um dos pontos mais explorados em diversas questões de Exames anteriores.

O crime é espécie do gênero infração penal. Vejamos:

1.1 Infração Penal

A infração penal é um gênero que se divide em crime e contravenção penal. Vejamos o que dispõe o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.

(Lei de Introdução ao Código Penal – grifo nosso)

De acordo com o artigo acima, a diferença está basicamente na pena. Em se tratando de penas privativas de liberdade, os crimes são punidos com reclusão ou detenção e, a contravenção penal com pena de prisão simples.

Há alguns anos, ao analisar o artigo 28 da Lei 11.343/06, notadamente a tese de eventual descriminalização da conduta do usuário, o STF entendeu que o artigo 1º. Da LICP é meramente exemplificativo. Ou seja, poderíamos ter, por exemplo, um crime punido com outra pena que não fosse reclusão, detenção ou multa. Naquela época, o STF entendeu que não teria ocorrido a des-criminalização, mas tão somente a despenalização em relação à privação de liberdade do agente. Com isso, foi reconhecida à época a natureza de crime do artigo 28 da lei de drogas.

Passemos à análise de uma das modalidades de infração penal: O crime. Nos debruçaremos sobre o seu conceito analítico ou estratificado. Ou seja, analisaremos os chamados requisitos ou elementos do conceito de crime: Tipicidade, ilicitude ou culpabilidade.

1.2 Conceito analítico de crime (ou estratificado de crime):

O conceito analítico de crime compreende a estrutura do delito. Quer se dizer que crime é composto por fato típico, ilícito e culpável. Com isso, podemos afirmar que majoritariamente o conceito de crime é tripartite e envolve a análise destes três elementos.

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Dentro do fato típico é preciso analisar a conduta; nexo causal; resultado e se há previsão le-gal. Na ilicitude será verificado se o agente não atuou em: legitima defesa; estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal; exercício regular do direito ou consentimento do ofendido. Por fim, na culpabilidade, será analisada a imputabilidade; a potencial consciência da ilicitude; a exigibilidade de conduta diversa.

Pergunta-se: E a punibilidade?

A punibilidade não integra o conceito analítico de crime. Trata-se da normal consequência da prática do crime. Praticado o crime, nasce para o Estado o Ius Puniendi, o direito de punir.

Pergunta-se: É possível que exista crime, mas que não haja punibilidade?

A resposta é positiva, embora a regra seja a existência da punibilidade. Existem duas situações possíveis:

a) A punibilidade sequer nasce – Neste caso, haverá uma escusa absolutória.b) A punibilidade nasce e posteriormente morre, seja porque o Estado perdeu, seja porque

ele abriu mão do seu direito de punir – Neste caso, estaremos diante de uma causa extin-tiva da punibilidade.

Vejamos um exemplo de escusa absolutória:

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Já o art. 107 do CP prevê algumas causas extintivas da punibilidade.

Extinção da punibilidade

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

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IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Em ambas as situações, o crime persiste, mas o agente não será punido por ele.

Escusas absolutórias Causas extintivas da punibilidade

Exemplos: art. 181, do CP e art. 348, parágrafo 2º. do CP. Exemplos: art. 107, do CP e art. 312, par. 3º do CP.

A punibilidade não nasce. Há punibilidade a princípio, mas com o decurso do tem-po o Estado perde o direito de punir.

Vejamos a seguir cada um dos elementos ou requisitos do conceito analítico de crime, a co-meçar pela tipicidade.

1.2.1 Tipicidade:

Conforme vimos acima, o fato para ser típico exige a prática de uma conduta que dá causa a um resultado previsto na lei. Presentes tais elementos, o fato será formalmente típico.

Além da tipicidade formal, exige-se também a tipicidade material. Tipicidade material, em poucas palavras, é analisar se a ofensa ao bem jurídico é relevante.

O princípio da insignificância (ou bagatela) é apto para excluir a tipicidade material.

De acordo com os nossos Tribunais Superiores, são requisitos para aplicação do Princípio da insignificância (ou bagatela):

a) Conduta minimamente ofensiva;b) Reduzido grau de reprovabilidade;c) Ausência de risco social;d) Lesão inexpressiva para a vítima.Esses requisitos são cumulativos e devem ser analisados em cada caso concreto. Um exemplo

é o de alguém que subtrai (sem violência ou grave ameaça), R$ 10,00 da carteira da vítima, dei-xando mil reais restantes na carteira. Esse exemplo já foi cobrado no Exame da OAB.

Cabe destacar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem afastando a aplicação do princípio da insignificância em alguns casos. Neste sentido, podemos apontar as súmulas 589 e 599 do STJ:

Súmula 589 - É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contraven-ções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

Súmula 599 - O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a admi-nistração pública.

Aproveitando que abordamos o princípio da insignificância, é importante entender que há outros princípios que podem impactar na tipicidade, inclusive na formal. É esse o caso do princí-pio da legalidade ou reserva legal, já que o fato praticado precisa ter previsão legal.

Para tratarmos desse assunto é preciso entender o princípio da legalidade (ou reserva legal), que está disposto no art. 5º, inciso XXXIX, da CRFB, e no art. 1º do CP.

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Art. 5º, XXXIX, da CRFB - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Art. 1º, do CP - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Com isso, torna-se necessária a existência de uma lei em vigor quando da prática da conduta pelo agente. Não podemos aplicar uma lei que surja após essa prática. Com isso, podemos per-ceber que a irretroatividade da lei maléfica, também consubstanciada no artigo 5º da CF é um corolário do princípio da reserva legal.

Vejamos um exemplo: Art. 180-A do CP x art. 180, caput, do CP. O art. 180-A foi incluído no CP pela Lei 13.330 em 2016. Como fica a situação de quem praticou a conduta nele prevista antes da entrada em vigor da referida lei?

Inicialmente, é preciso prestar atenção no art. 180-A, do CP, pois admite-se dolo eventual (“deve saber”). Já o art. 180, caput, o dolo é direito (“coisa que sabe ser produto de crime”).

Se por um acaso a pessoa praticar um dos verbos núcleo do tipo em relação ao semovente, antes da entrada em vigor da Lei 13.330/2016, e ela fizer devendo saber ser produto do crime não teria tipificação. Isso porque a única modalidade de receptação que admitiria o dolo eventual seria a do parágrafo 1º, que tem que ser praticada pelo comerciante ou industrial.

Se, antes da entrada em vigor da lei, o agente praticar a conduta, envolvendo semovente, que foi produto de crime, e sabia da origem criminosa seria 180, caput.

Se ela praticou a conduta antes da entrada em vigor da Lei nº 13.330 em vigor, é preciso analisar se sabia ou devia saber. Se ela deveria saber a conduta é atípica. Só responde quem praticar após a entrada em vigor da Lei. Se ela sabia, trata-se da conduta do caput, visto que o semovente seria considerado patrimônio.

Ainda considerando e explorando o princípio da reserva legal, a Lei que dispõe sobre Direito Penal, precisa ser:

a) Escrita;b) Estrita;c) Prévia;d) Certa.

A Lei Penal será ordinária e de competência da União. Quanto a ser certa é no que tange à cla-reza da tipificação. O tipo penal precisa ser claro e preciso. Não pode deixar margens para dúvida.

Antes de prosseguirmos com os elementos do conceito analítico de crime, é necessário alertar que muitos princípios acabam sendo direcionados, principalmente ao legislador, como medida de criminalizar ou descriminalizar determinadas condutas. Ou seja, majoritariamente não são direcio-nados ao juiz como critério de absolver ou condenar o réu, sob pena de gerar insegurança jurídica.

Vejamos alguns deles:

Princípio da ofensividade (ou lesividade): Para que uma determinada conduta possa ser criminalizada precisamos que haja ofensa ao bem jurídico tutelado ou cause perigo. O princípio da ofensividade possui determinadas funções que irão fazer com que não se possa criminalizar:

a) Condutas internas: Não se pode punir a cogitação;b) Características pessoais;

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c) Condutas moralmente reprováveis;d) Condutas que não ultrapassam a esfera do autor.

Princípio da culpabilidade: Proíbe a responsabilidade penal objetiva. Significa dizer que a conduta tem que ser praticada com dolo ou culpa.

Princípio da adequação social: Voltado primordialmente ao legislador, como forma de cri-minalizar ou descriminalizar condutas, com base na aceitação ou não pela sociedade. Um exem-plo da aplicação desse princípio se deu com a revogação do crime de sedução, antes previsto no artigo 217 do CP.

Princípio da intervenção mínima: O Direito penal só deve ser aplicado quando estritamente necessários, ficando sua intervenção condicionada ao fracasso das demais esferas de controle. Foi com base nesse princípio que foi revogado o crime de adultério, antes previsto no artigo 240 do CP.

Vamos agora prosseguir na análise da tipicidade, analisando detalhadamente alguns elemen-tos do fato típico.

1.2.1.1 Conduta:

Espécies de conduta: a conduta pode ser fazer ou deixar de fazer alguma coisa (omissiva ou comissiva).

Elementos da conduta: Dolo e Culpa. Via de regra, o crime é doloso. Existem casos em que o legislador trouxe a possibilidade de ser culposo. A culpa precisa ser expressa.

Art. 18 - Diz-se o crime:

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

O art. 18, inciso I, do CP traz a previsão do conceito de dolo direito de primeiro grau e de dolo eventual.

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Já no inciso II traz as formas de agir com culpa.

Dica:Imprudência: Fazer algo que não deveria ser feito.Negligencia: Não fazer o que deveria ser feito.Imperícia: A imperícia ocorre quando alguém que deveria dominar determinada técnica ou ter determinada habilidade não domina ou não tem. Trata-se da inobservância do dever objetivo de cuidado por parte do profissional em sua profissão.

O Código Penal não faz a distinção entre culpa consciente e culpa inconsciente.

O dolo pode ser direto ou indireto. E quando for direto pode ser de 1º grau ou 2º grau.

Entende-se por dolo direito de 1º grau a hipótese em que o agente quer o resultado. Já o dolo di-reito de 2º grau é a consequência necessária (noção de certeza); é o efeito colateral daquilo que se quer.

Dolo eventual abrange noção de risco. No dolo eventual o agente não se preocupa com o que vai causar, ter como resultado.

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Já a culpa se divide em culpa consciente e culpa inconsciente. Quando falamos da culpa consciente quer se dizer que há previsão. O agente prevê o resultado. Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas acredita que tal fato não irá acontecer. Ou seja, neste caso não há assunção de risco pelo agente.

Dolo eventual e culpa consciente possuem um fator de convergência: Trata-se da previsão. Porém, no dolo eventual o agente não liga para o resultado, assume o risco da sua ocorrência. Na culpa consciente, o agente acredita que não vai acontecer.

Culpa inconsciente é aquela em que o agente não possui a previsão. Ou seja, ele não chega a visualizar o resultado como possível. O agente atua com inobservância do dever objetivo de cuidado, mas não prevê o resultado como possível.

Verificada a existência da conduta, passa-se ao passo seguinte: A conduta precisa dar causa a um resultado previsto na lei. É preciso ter o nexo causal.

Base Legal: art. 13, do CPRelação de causalidade (“Teoria da Conditio sine qua non”).

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Obs.: Atenção ao parágrafo 1º.Superveniência de causa independente

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

O parágrafo 1º adotou a teoria da causalidade adequada. Trata-se de uma exceção à regra da teoria da conditio sine qua non, adotada no caput do artigo 13.

Ao identificar uma hipótese em que em tese poderíamos estar diante de análise de nexo de causalidade, é necessário analisar primeiramente se a hipótese se refere à exceção prevista no parágrafo 1º. Ou seja, verificamos se tendo como ponto de referência a conduta do agente, há aparentemente uma outra causa depois dela, que seja relativamente independente que por si só produza o resultado. Neste caso, será excluída a imputação do agente pelo resultado.

Imaginemos o caso clássico de uma vítima que leva um tiro de alguém que deseja matá-la e que é socorrida. Já no hospital, ocorre um desabamento que provoca a morte da vítima. O desa-bamento é a causa superveniente (ocorreu após o tiro), relativamente independente (a vítima só morreu no desabamento porque levou o tiro e por isso, foi levada ao hospital) que por si só pro-duz o resultado (a vítima morreu do desabamento). Neste caso, quem deu o tiro não responderá por homicídio consumado, mas meramente por tentativa de homicídio.

Caso não estejamos diante da exceção, torna-se necessária a utilização de uma eliminação hipotética. Imaginemos que antes de levar um tiro, a vítima tenha ingerido veneno e que a perícia comprove que esta foi a causa da morte. Trata-se de uma causa preexistente. Levando em consi-deração o caput do artigo 13, percebemos que o agente não deu causa. Neste caso, responderá tão somente por tentativa de homicídio.

Concluindo:

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A diferença essencial entre o caput e o parágrafo 1º é a teoria adotada. No caput, a teoria da conditio sine qua non acaba nos determinando a análise de que se foi ou não o agente que deu causa. Por isso, no exemplo do veneno, eliminamos hipoteticamente a conduta do agente que deu o tiro. Aí percebemos que ainda assim, o resultado teria ocorrido. O que isso significa? que não foi ele que deu causa à morte, mas sim o veneno que a própria vítima havia ingerido voluntariamen-te. Mas ele queria matar e iniciou a execução, por isso seu crime foi de tentativa de homicídio.

Já o parágrafo primeiro adota a teoria da causalidade adequada. O que isso significa? Duas coisas:

1 - Só pode ser adotado quando você encontra na questão uma causa superveniente (que ocorreu depois da conduta do agente), relativamente independente (tem alguma ligação com a conduta do agente. No nosso exemplo, ele só estava no hospital, porque levou o tiro), mas que por si só produz o resultado (no nosso exemplo, foi o desabamento que matou).

2 - Sempre que encontramos a causa prevista no parágrafo 1º, a consequência é simples: vamos excluir a imputação do agente pelo resultado, devendo ele responder apenas pelos atos anteriores de acordo com seu dolo. Ele queria matar, como excluímos a imputação pelo resultado morte, ele responderá apenas pela tentativa de homicídio.

Perceba que embora nos dois exemplos, tenhamos sido conduzidas à mesma resposta (tenta-tiva de homicídio), o raciocínio usado é diferente.

Ao analisar um caso concreto, basicamente o que deve ser feito é:

1 - Procure para ver se existe uma causa superveniente relativamente independente que por si só produziu o resultado. Se existir, exclua a imputação do agente pelo resultado.

2 - Caso não exista, aplique o caput e faça o juízo de eliminação hipotética que mencionei.

Se isso for feito, chega-se à resposta correta. Geralmente, o que nos confunde é que temos a tendência de ficar buscando entender as duas teorias juntas e elas são diferentes, sendo que se você só aplica o parágrafo único para uma das concausas (a superveniente relativamente independente que por si só produz o resultado), isso significa que em qualquer outra (preexistente, concomitan-te ou até mesmo superveniente, desde que, nesta última ela não seja a relativamente independente que por si só produz o resultado), será aplicado o caput do artigo 13.

Imaginemos que a vítima tenha morrido em virtude de uma infecção na ferida do tiro. Neste caso, estaremos diante de uma causa superveniente, relativamente independente, mas note que ela não causa o resultado por si só. A infecção foi na ferida do tiro. A ferida infeccionada matou. Logo, a hipótese não se adequaria ao parágrafo único, correto? Está acompanhando o raciocínio? se ela não se adequaria ao parágrafo único, o que você deveria aplicar? A regra do caput, a teoria da conditio sine qua non, que leva a um juízo de eliminação hipotética. Então vamos a ele: tirando o tiro, a vítima teria morrido? Não! Então qual é a conclusão? O tiro deu causa, logo a imputação neste exemplo deveria ser por homicídio consumado.

Agora vejamos o parágrafo 2º do artigo 13. Nele, a causalidade é normativa. Ou seja, decorre pura e simplesmente da norma. O agente responderá pelo resultado, embora não tenha, natura-listicamente, dado causa a ele. Trata-se da imputação ao agente garantidor.

Relevância da omissão

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

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a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

O crime comissivo será praticado por omissão. É o chamado crime omissivo impróprio. O sujeito passivo que o parágrafo 2º aduz é o agente garantidor. Ele tem o dever e o poder de agir. Responderá o agente pelo resultado que não evitou. Alguns exemplos já foram cobrados em prova: mãe que sabe que a filha de 12 anos está sendo estuprada e nada faz. Ela, como agente garantidora, responderá pelo crime de estupro de vulnerável e não por omissão de socorro.

Prosseguindo nos elementos do fato típico, é normal encontrar uma certa dificuldade ao se deparar com a análise do resultado, tendo em consideração que nem sempre o resultado almejado pelo agente é alcançado. Isso acaba por impactar diretamente na responsabilidade penal, no tipo de crime pelo qual o agente responderá.

Para entender isso corretamente antes de passarmos à análise da ilicitude, faz-se neces-sário abordarmos o iter criminis.

Iter Criminis:

É o caminho que se percorre para a prática do crime.

Etapas:

a) Cogitação;b) Preparação;c) Execução;d) Consumação.

A cogitação e a preparação não são puníveis, em regra. A preparação só será punida se os atos constituírem crime autônomo.

Sendo assim, a possibilidade de punição no iter criminis depende de que o agente ingresse nos atos de execução. No entanto, há casos em que ele inicia a execução mas não atinge a consumação.

Pergunta-se: Quando o agente inicia a execução, mas não atinge a consumação, ele deve responde como?

Para responder essa pergunta, é necessário perquirir quais foram os motivos de não ter atin-gido a consumação.

Se o agente não atingiu a consumação por circunstâncias alheias a sua vontade: Neste caso, via de regra, haverá tentativa.

Iniciada a execução e não atingida a consumação tem-se duas possibilidades:

1) por circunstâncias alheias.1.1) Tentativa: Quer prosseguir, porém não pode.1.2) Crime impossível.

2) por vontade própria.2.1) Desistência voluntária: Trata-se de um deixar de fazer. O agente pode ir além nos

atos de execução, mas não prossegue.

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2.2) Arrependimento Eficaz: Pressupõe a prática de nova conduta para que o resultado não se produza.

Desistência voluntária e arrependimento eficazArt. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou im-pede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

É preciso complementar o artigo com a seguinte expressão: abstraindo o dolo inicial. Isso porque nos casos de desistência voluntária ou arrependimento eficaz em hipóteses em que o agente queria matar a vítima, ficando ela lesionada, fará com que o agente responda apenas pelo resultado efetivamente causado. Neste caso, a lesão corporal.

Cuidado! Quando tratamos da tentativa há infrações penais que não a admitem. Vejamos quais são:

Contravenções Penais (art. 4º, LCP- DL nº 3.688/41);Art. 4º Não é punível a tentativa de contravenção.

Crimes:

Culposos;

Habituais;

Omissivos Próprios;

Unissubsistentes;

Preterdolosos.

Voltando ao conceito analítico de crime, quando verificamos, no caso concreto, que o agente praticou uma conduta que deu causa a um resultado com previsão legal, ainda não podemos afirmar que existe crime, mas já podemos afirmar que o fato é formalmente típico. Se a ofensa for relevante ao bem jurídico, vimos que o fato será formalmente e materialmente típico.

O segundo passo no conceito analítico de crime é verificar se a ilicitude está presente. Via de regra, ela estará. O fato típico em regra é ilícito ou antijurídico. Sendo assim, é necessário estu-darmos a ilicitude por suas excludentes, tendo em vista que a tipicidade é indiciária da ilicitude.

1.2.2 Ilicitude

Ao estudarmos ilicitude, podemos pensá-la como algo que em regra, estará presente sempre que o fato for típico. Por isso afirma-se que a tipicidade é a ratio cognoscendi da ilicitude, é indi-ciária da ilicitude

Desta forma, estudamos a ilicitude por suas excludentes e não por seus elementos. Vejamos quais são as excludentes da ilicitude:

a) Legitima defesa;b) Estado de necessidade;c) Estrito cumprimento do dever legal;d) Exercício regular do direito;e) Consentimento do ofendido.

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Vejamos o que dispõe o artigo 23 do Código Penal:Exclusão de ilicitude

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Observe que o consentimento do ofendido não está disposto neste artigo. Essa excludente não tem previsão na lei. É considerada causa supralegal excludente de ilicitude, com base na dou-trina e na jurisprudência.

a) Consentimento do ofendido: Pode ter duplo posicionamento no conceito analítico de crime. Pode ser:a.1) excludente de ilicitude: Causa que não tem previsão legal, mas que exige a presença de

alguns requisitos: Bem disponível; Capacidade para consentir; Consentimento anterior.a.2) excludente da tipicidade: Quando a falta de consentimento integra o tipo penal. Isso

ocorre nos tipos penais que possuem o verbo “constranger”. Nestes casos, se o agente con-sente não está sendo constrangido (obrigado), havendo exclusão da própria tipicidade.

A Legitima Defesa é um direito de reação a uma agressão humana, atual ou iminente e in-justa. É preciso usar meios necessários e moderados. Ou seja, a reação deve ser a suficiente para fazer cessar a agressão.

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

O Estado de necessidade torna-se possível diante de um perigo atual, inevitável e involuntá-rio. A noção de perigo é bem mais ampla que a noção de agressão. O perigo pode ser proveniente de uma conduta humana, mas também pode ser proveniente de uma calamidade, da força da natureza, do ataque de um animal ou de outros fatores. O Código Penal não restringiu ou especi-ficou o que seria o perigo. Embora tenha sido claro ao exigir que ele seja atual (esteja acontecendo no momento em que o agente pratica a conduta), inevitável (não havia outra forma de salvar o bem jurídico) e involuntário (o agente não provocou o perigo por sua vontade).

Cabe ainda destacar que o próprio artigo 24 não admite a alegação de estado de necessidade por parte daquele que tenha o dever legal de enfrentar o perigo.

Estado de necessidade

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

É importante ainda que o bem jurídico salvo por aquele que atuar em estado de necessidade seja um bem jurídico de maior ou de igual valor ao bem a ser sacrificado. Não podemos, por exemplo, admitir que vida seja sacrificada para se salvar patrimônio.

Em qualquer excludente, o excesso doloso ou culposo será punido, de acordo com previsão expressa do artigo 23 do CP.

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 31

Quando em uma questão prática, verificamos que o fato é típico e que também é ilícito (não há qualquer excludente da ilicitude), podemos passar para a análise do terceiro elemento do con-ceito analítico de crime: a culpabilidade.

Repare que mesmo após constatar que o fato é típico e ilícito não se pode afirmar que há crime.

O terceiro substrato (elemento) do crime é a culpabilidade.

1.2.3 Culpabilidade

A culpabilidade é formada por três elementos: Imputabilidade, potencial consciência da ili-citude e exigibilidade de conduta diversa. Para cada um dos elementos, é possível identificar uma respectiva excludente.

São excludentes da culpabilidade, portanto: A inimputabilidade, o erro de proibição inevitá-vel e a inexigibilidade de conduta diversa.

Pergunta-se: Como vamos entender ou definir, por exemplo, quem é imputável, quem tem potencial consciência da ilicitude ou de quem poderia exigir conduta diferente?

A resposta, como regra, é que qualquer pessoa seja imputável, tenha potencial consciência da ilicitude e dela se possa exigir uma conduta diversa. Sendo assim, a melhor forma de se estudar a culpabilidade é através das suas excludentes.

Em qualquer dessas excludentes a consequência será a inexistência do crime. Isso se justifica, pois crime é fato típico, ilícito ou antijurídico e culpável. Portanto, na hipótese de inimputa-bilidade, erro de proibição inevitável, ou inexigibilidade de conduta diversa não haverá crime. Excluída a culpabilidade, não se completa o conceito analítico de crime.

32 Ana Cristina Mendonça • Cristiane Dupret

O Código Penal, nos artigos 26, caput, 27 e 28, parágrafo 1º, trata desses casos. Em duas dessas hipóteses, o legislador valeu-se de um critério biopsicológico: Nos artigos 26, caput e 28, parágrafo 1º. Isso significa que além da doença mental ou da embriaguez completa proveniente de caso for-tuito ou força maior, exige-se que no momento da conduta, o agente esteja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ex.: Em SP, determinada pessoa, teve um surto de esquizofrenia e começou a achar que era perseguido por seus vizinhos, pois estavam incomodados com o latido de seus cachorros. De ma-nhã, após desenvolver uma perseguição imaginária por parte de seus vizinhos, sai de casa armado e no meio do caminho subtrai veículos, trocando de carros o dia inteiro e no final do dia, foi encontrado escondido em uma vala.

Para ele, o fato de subtrair o carro de outras pessoas era necessário, visto que estava fugindo de seus perseguidores. No surto de esquizofrenia, não conseguiu se determinar de acordo com o entendimento que possuía.

Vejamos:

1.2.3.1 InimputáveisArt. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O art. 26, caput, é uma das possibilidades de inimputabilidade previstas no Código Penal. Isso pode ser percebido no parágrafo 1º, do art. 28.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso for-tuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de en-tender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Tanto no art. 26, caput, quanto no parágrafo 1º, do art. 28, o legislador para aferir a situação de inimputabilidade, adotou o critério biopsicológico.

Parte I – Direito Penal • Parte Geral 33

Pergunta-se: Como será tratado o menor de 18 anos? Não importa se há ou não discerni-mento, visto que o fator determinante é a idade. Para o artigo 27 do CP, o critério é puramente biológico.

Menores de dezoito anos

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

O tema inimputabilidade pode ser cobrado em prova na análise de Direito Penal ou Direito da Criança e do adolescente. Menores de dezoito anos não praticam crime, mas sim ato infracio-nal. Logo, não incide pena, mas sim medidas. Em caso de criança, aplica-se medida de proteção. Apenas ao adolescente poderá ser aplicada uma medida socioeducativa.

Vejamos o que dispõe o artigo 28 do Código Penal:Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão;

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos aná-logos.

Atenção!! Quanto à hipótese de embriaguez, é preciso ter atenção ao caso concreto. Qual a modalidade de embriaguez?! Se a embriaguez é voluntária ou culposa o agente praticará crime, visto que o fato é típico, ilícito e culpável.

Somente com a hipótese do parágrafo 1º, do art. 28, do CP, é que o agente será ISENTO de pena.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Vejamos a diferença, de forma esquematizada, entre a embriaguez voluntária e a culposa:

Voluntária Culposa

O agente quer beber e quer se embriagar. O agente quer beber, mas NÃO quer se embriagar.

IMPUTÁVEL IMPUTÁVEL

Ex.: A vai à festa de formatura com B e pergunta que ho-ras ele vai trabalhar no dia seguinte. B então responde dizendo que nos próximos três dias ficará de ressaca, pois vai beber todas, comemorando sua formatura e consequentemente não vai trabalhar. Ele quer se em-briagar.

Ex.: A é apaixonado por B, e consegue levá-la para sair. Ao chegar ao barzinho, mesmo não bebendo, e após sua paixão pedir um drink que ela adora, ele acaba bebendo. Após vários drinks ele começa a beber água para tentar aliviar. Todavia, ele acaba se embriagando, embora não desejasse isso.

Para que tenhamos a chance de excluir o crime é preciso que a embriaguez do agente seja completa e derive de caso fortuito ou força maior.

Proveniente de Caso Fortuito Proveniente de Força Maior

Acidental, o agente bebe por engano ou por acidente. O agente é obrigado a beber.

Pode caracterizar inimputabilidade ou semi-imputa-

bilidade (art. 28, parágrafo 1º ou 2º, do CP).Pode caracterizar inimputabilidade ou semi-imputa-

bilidade (art. 28, parágrafo 1º ou 2º, do CP).

Nessas duas modalidades poderá ser excluída a culpabilidade, ter uma situação de inimputa-bilidade, conforme dispõe o parágrafo 1º, do art. 28.

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Existe, ainda, outra modalidade de embriaguez, sendo aquela em que o agente se embriaga com o fim de cometer um crime. A embriaguez preordenada é aquela, então, em que o agente bebe para cometer um crime. Neste caso, o art. 61, do CP prevê tal modalidade de embriaguez como circunstância agravante. Ou seja, o agente responderá pelo crime e ainda terá sua pena agravada.

Circunstâncias agravantes

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

l) em estado de embriaguez preordenada.

Ainda dentro da análise do art. 26, é preciso ter atenção ao parágrafo único, visto que não trata de isenção de pena, podendo a pena ser reduzida. Se a pena poderá ser reduzida, isso significa que o agente cometeu crime e poderá ser condenado. Isso também se dará no parágrafo 2º do art. 28. Vejamos:

Redução de pena

Parágrafo único, do art. 26 - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento men-tal incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

§ 2º, do art. 28, do CP - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tem-po da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Portanto, essas duas hipóteses acima são de semi-imputabilidade. O sujeito comete crime, o fato é típico, ilícito e culpável. Todavia, a pena será reduzida. Ainda assim, é preciso lembrar que o legislador também escolheu o critério biopsicológico, com a ressalva que tanto em um quanto no outro, o sujeito não possui a plena capacidade de entendimento.

1.2.3.2 Erro de Proibição Inevitável

O erro de proibição inevitável é a segunda excludente de culpabilidade a ser analisada, ex-cluindo a potencial consciência da ilicitude.

Encontra-se previsto no artigo 21 do Código Penal.Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Ao analisarmos o artigo 21 é possível ver que há duas consequências, sendo a isenção da pena ou a redução dela. Apenas em caso de erro inevitável será excluída a culpabilidade.

Aplicação prática: O sujeito vem para o Brasil, passar carnaval, pela primeira vez. Em seu país de origem, em alguns lugares, o uso da maconha é permitido. No Sambódromo visualiza um grupo enorme de pessoas fazendo o uso da maconha e pensa também, em alguns lugares, ser permitido. No ato de se juntar com aquele grupo acreditava ser permitido o uso da substância. Ele sabe o que está fazendo, mas acredita que é permitido.

Esse sujeito não tem real potencial consciência da ilicitude. Logo, na culpabilidade falta o elemento “potencial consciência da ilicitude”. Assim, o erro de proibição exclui um dos elementos da culpabilidade. O erro de proibição não é falsa percepção da realidade (de maneira distinta do

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erro de tipo). Sendo assim, podemos afirmar que no erro de proibição, o agente sabe o que está fazendo, porém acredita que sua conduta é permitida.

É muito importante saber diferenciar erro de tipo de erro de proibição, até porque as conse-quências são muito diferentes. No erro de tipo, cuja previsão se encontra no caput do artigo 20 do Código Penal, o agente tem uma falsa percepção da realidade. Com isso, ele não sabe com clareza o que está fazendo. O agente que guarda uma pasta para um amigo, que informa a ele nela conter documentos, quando na verdade possui cocaína, não sabe que guarda ou que traz consigo droga. Sendo assim, há uma falsa percepção da realidade. Esse é um caso de erro de tipo, tratado no artigo 20 do Código Penal. A consequência do erro de tipo não se dá na culpabilidade, mas sim na análise do fato típico, especificamente na conduta, posto que exclui o dolo caso seja inevitável, escusável, justificável, mas permitirá a punição por culpa se for evitável, inescusável, desde que obviamente, exista previsão legal a título de culpa.

No caso concreto, frente a um erro de proibição, também é preciso analisar se o erro é evitável ou inevitável. O erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade, afastando o crime, enquanto o erro de proibição evitável apenas reduz a pena.

1.2.3.3 Inexigibilidade de conduta diversa

Trata-se da terceira excludente de culpabilidade, afastando o elemento “exigibilidade de con-duta diversa”. Nestas hipóteses, é possível afirmar que não se poderia exigir do agente conduta diferente daquela que ele efetivamente praticou.

No Código Penal, há duas hipóteses de excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.

Vejamos o art. 22, do CP:

Coação irresistível e obediência hierárquicaArt. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Todavia, é preciso ter atenção diante da redação do artigo!! Nem toda coação irresistível ex-cluirá a culpabilidade.

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Coação irresistível Física Coação irresistível Moral

Coação irresistível Física: exclui a conduta Coação irresistível Moral: exclui a culpabilidade

Ex.: Alguém pega uma arma e coloca na mão de outra pessoa. Essa pessoa tem muito mais força. Essa pes-soa pressiona o dedo da outra e acaba fazendo o dis-paro e mata uma terceira pessoa.

Não há conduta por parte de quem estava segurando a arma.

Ex.: O sujeito está dirigindo seu carro até o Banco em que ele trabalha. Nesse momento ele recebe um tele-fonema de um criminoso, bastante conhecido, fazen-do ameaças e manda que o gerente do banco pegue o cofre determinada quantia e leve para o bandido. Se assim não fizer matará sua esposa.

É possível verificar a conduta dolosa do gerente de banco. Porém, é possível ver que está agindo assim devido a coação moral que está sofrendo por tercei-ros.

Nesta hipótese, ultrapassamos o estado de necessida-de porque o perigo não é atual.

1.3 Descriminantes Putativas

Ultrapassada a análise das três excludentes de culpabilidade, passemos a analisar tema bastan-te árido quando cobrado em prova: As descriminantes putativas.

No direito penal, a descriminante putativa, é tratada como modalidade de erro e poderá afastar o conceito de crime.

Primeiramente torna-se necessário entender o conceito de descriminante putativa.

A expressão descriminante significa excludente de ilicitude. A expressão putativa significa imaginária. Logo, uma descriminante (excludente de ilicitude) putativa (imaginária) jamais terá natureza de causa excludente da ilicitude, pelo simples fato de que ela não é real. Sendo tratada como modalidade de erro, a hipótese adequar-se-á ao artigo 20, parágrafo 1º ou ao artigo 21 do Código Penal. Logo, haverá erro de tipo permissivo ou erro de proibição indireto, respectivamente.

Ex.: O sujeito está sozinho em casa, à noite, e escuta um barulho estranho. Ao verificar pela janela vê que alguém estava caindo em seu terreno. Como o local é escuro, ermo, onde já havia tido casos de roubo, arrombamento, lesão corporal. Ele vai à cozinha e pega uma arma e mira no vulto e atira, vindo a causar a morte da pessoa. Posteriormente chama a polícia verifica-se que a vítima era seu filho, que saiu e esqueceu a chave de casa.

Pergunta-se: Como será resolvido esse caso concreto? Caberão as excludentes da ilicitude?

O sujeito, em sua visão, estava defendendo a vida dele e de sua família. Pode parecer que estava agindo em legítima defesa. Todavia, esse fato estava apenas em sua cabeça. Neste caso, o direito penal, trata como causa de descriminante putativa.

Descriminante, como vimos acima, é sinônimo de causa excludente da ilicitude, causa justificante. Putativo significa imaginário. Assim, conclui-se que descriminante putativa é uma causa excludente da ilicitude imaginária. Ela não é real e por isso não é tratada como excludente do segundo elemento do conceito de crime (a ilicitude), mas sim como modali-dade de erro.

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Se for algo que decorre apenas da imaginação do sujeito, resta claro que ele errou. O erro do sujeito não exclui ilicitude.

Atenção!! Descriminante putativa é tratada como modalidade de erro. Analisemos os art. 20 e 21, do CP.

Descriminantes putativas

Art. 20

(...)

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Erro sobre a ilicitude do fato

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Para o tratamento das descriminantes putativas, o Direito Penal, adota a teoria limitada da culpabilidade. Nem todo erro que acontece será tratado como erro de proibição. Nem todo erro nas descriminantes, portanto, será tratado dentro da culpabilidade. Poderá existir, em termos das descriminantes putativas, erro de tipo ou de proibição.

O parágrafo 1º, do art. 20, do CP, trata apenas de uma modalidade de erro, o denominado erro de tipo permissivo. Trata-se de erro sobre a situação fática. O agente tem uma falsa percepção da realidade.

O art. 20, parágrafo 1º, do CP, traz em princípio a isenção de pena.

Agreguemos mais informações ao exemplo anterior: Imaginemos que era de costume o filho entrar pelo quintal da casa. Se o sujeito fosse mais cuidadoso teria descoberto que era seu filho.

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Essa situação está prevista na segunda parte do parágrafo 1º, do art. 20, do CP. Responderá o agente por crime culposo. Trata-se da denominada culpa imprópria.

ART. 20. (...)

§ 1º - (...) Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

No entanto, há casos em que o erro incide sobre a existência ou os limites da descrimi-nante.

Imaginemos que alguém, ao presenciar uma grave traição, acredite que pode matar o cônjuge em legítima defesa da honra. Neste caso, não se trata de falsa percepção da realidade. O erro se dá acerca da existência da excludente. O agente acredita que há legítima defesa em uma hipótese em que ela não existe.

Imaginemos, em um segundo exemplo, que alguém de fato comece a atuar para se defender de uma injusta agressão, mas acredite que por estar em legítima defesa, poderá exceder e matar a outra pessoa. Neste caso, o erro incide sobre os limites de uma descriminante.

Perceba que nestas duas últimas hipóteses, o erro do agente não envolve uma situação de fato, não há uma falsa percepção da realidade. Na verdade, o agente acredita que sua conduta não é proibida.

De acordo com a adoção da teoria limitada da culpabilidade, o erro que incide sobre a exis-tência ou limite da descriminante, será erro de proibição, incidindo o artigo 21 do Código Penal. Trata-se do erro de proibição indireto.

Se for inevitável, isenta de pena; se for evitável, reduz-se a pena.

2. Punibilidade

Para a doutrina amplamente majoritária, a punibilidade não integra o conceito de crime, representando a sua normal consequência. Quando existe a prática de um crime, nasce para o Es-tado o direito de punir. A doutrina assim chama de Ius puniendi. É o direito do Estado de punir. A punibilidade é a regra quando o crime é cometido.

No entanto, existem situações no Direito Penal em que embora o crime seja cometido, a pu-nibilidade não irá nascer; em outras situações, nasce a punibilidade, mas por algum outro motivo, ela deixará de existir.

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A punibilidade, conforme já vimos, embora seja a normal consequência da prática de um crime, não estará presente em algumas situações excepcionais.

Na escusa absolutória, a punibilidade não nasce. Diferente da causa extintiva, que nasce, porém morre, seja porque o Estado perde, seja porque abre mão do seu direito de punir.

Vejamos o art. 107, do CP:

Extinção da punibilidadeArt. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

O art. 107, do CP não esgota todas as causas extintivas da punibilidade, mas iremos voltar a este tema no estudo da parte especial. Logo, o rol do artigo 107 é meramente exemplificativo.

Na análise do art. 107, do CP, temos várias hipóteses de causas extintivas da punibilidade, vejamos:

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2.1 Abolitio Criminis

Conceitua-se o instituto da abolitio criminis como aquele em que o legislador descriminaliza uma conduta.

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

Como exemplo, temos: crime de sedução, adultério. Os artigos 217 e 240 do Código Penal foram revogados.

É preciso saber que em alguns casos o legislador não provoca a abolitio criminis com a revoga-ção, pois direciona aquela determinada conduta para outro tipo penal. Como exemplo, a reforma dos crimes sexuais, onde retirou o crime de corrupção de menores da antiga lei de corrupção (Lei 2252/54) e tipificou a conduta no Estatuto da Criança e do adolescente (art. 244 – B). Nestes casos ocorre a denominada continuidade típico normativa.

A abolitio criminis é algo benéfico para aquele que comete o crime, e vai atingir o sujeito em qualquer momento, mesmo que já tenha uma sentença penal condenatória transitado em julga-do. Ela extingue a punibilidade.

2.2 Perdão Soberano

O artigo 107 prevê trez hipóteses de perdão soberano (Indulgência Soberana por parte do Estado): A anistia, a graça e o indulto.

Vejamos através do mapa mental abaixo as principais características de cada uma das moda-lidades.

Ponto comum entre eles é que todos são formas de indulgência soberana. Isso não quer dizer que o Estado irá perder o direito de punir, e sim perdoar, abrir mão desse direito.

Pergunta-se: Caberá reincidência para o sujeito indultado e que venha cometer um novo crime? A resposta é positiva, pois no indulto o sujeito não volta a ser primário. A consequência da graça e do indulto é a extinção da pena.