uma visÃo ampla do princÍpio da … · web viewpreliminarmente, insta salientar que o princípio...

27

Click here to load reader

Upload: nguyenphuc

Post on 20-Jan-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

82

UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA*

A BROAD OVERVIEW OF THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE

Abdiel Virgino Mathias de Souza****

Erli Henrique Garcia******

RESUMO:O presente artigo tem por fito analisar o princípio da insignificância na doutrina e jurisprudência. O princípio em tela, proferido primeiramente na Alemanha por ClausRoxin, em 1964, e, inserido, posteriormente, no ordenamento jurídico brasileiro, tem por desígnio descriminalizar os comportamentos que, embora ilícitos, não ocasionam prejuízos relevantes aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.Palavras chave: Princípio. Insignificância.

ABSTRACT:The present article aims to analyze theof the principle of insignificance in the doctrine and jurisprudence. The crime of embezzlement is consistent evade, in whole or in part, payment of duty or tax due for the entry exit or the consumption of merchandise The principle on screen, spoken primarily in Germany and inserted the Brazilian legal system by Claus Roxin in 1964, is by decriminalizing behaviors that although illegal, do not cause significant damage to legally protected by criminal law. Keywords: Insignificance. Principle.

INTRODUÇÃO

Preliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera

que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos insignificantes, irrelevantes, ou

seja, aqueles que não trazem lesão para os bens jurídicos tutelados pelo Direito.

Assim, o presente trabalho também tem por fito conhecer e analisar a aplicação do

princípio da insignificânciapelo Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de

Justiça e pelos Tribunais Federais.

1.1 Da origem histórica

*Artigo extraído da Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso, apresentada no Curso de Graduação em Direito – Bacharelado da Faculdade de Direito de Alta Floresta – FADAF, de autoria do primeiro, sob a orientação do segundo. ****Graduando em Direito – Bacharelado pela Faculdade de Direito de Alta Floresta – FADAF. E-mail: [email protected].******Mestre em Direito Penal pela Universidade, Especialista em Direito Empresarial, Docente do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Alta Floresta – FADAF. E-mail:

Page 2: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

83

Em 1964, o Eminente Mestre ClausRoxin, pela primeira vez na história do direito,

escreveu sobre o princípio da insignificância. Ivan Luiz da Silva (2011, p.93),

discorrendo sobre o tema, preleciona: O recente aspecto histórico do Princípio da Insignificância é, inafastavelmente, devido a ClausRoxin, que, no ano de 1964, o formulou como base de validez geral para a determinação do injusto, a partir de considerações sobre a máxima minima non praetor.

Todavia, pode-se dizer que o princípio em comento já existia no Direito Romano,

muito antes de ser proposto por Roxin (2011, p.93), pois o “pretor, regra geral, não se

ocupava das causas ou delitos de bagatela, aplicando o brocardo:minima nos curat”.

Contudo, não se pode negar que o desenvolvimento do princípio da

insignificância muito se deve ao professor alemão ClausRoxin, que afirmava que o

princípio em comento servia como regra auxiliar de interpretação, com o fito de excluir

danos de ínfima importância.

1.2 Da evolução histórica

Insta salientar que a procedência e o progresso do princípio da insignificância ao

longo dos tempos foi intensamente ligado ao princípio da legalidade, passando por

alterações que modificaram o seu conteúdo, de maneira a contornar aos intuitos

criminalizadores.

Destarte, com o início dos movimentos iluministas, com a divulgação do

egocentrismo político, bem como com o desenvolvimento do princípio da legalidade,

vários doutrinadores sugeriram um estudo mais sistematizado do princípio da

insignificância.

Com efeito, o princípio da insignificância começou a ter maior importância no

cenário jurídico da Europa, haja vista as crises sociais decorrentes das duas guerras

mundiais, que trouxeram como consequência um grande índice de desemprego e fome,

dentre outras.

Consequentemente, nesse momento, surgiram muitos furtos, subtrações de

pequenos valores, de mínima relevância, que receberam a denominação de

criminalidade de bagatela.

Em abono do entendimento acima exposto, mister se faz trazer à colação a lição

do preclaro Maurício Antônio Ribeiro Lopes (1997, p.133), que assevera:

Page 3: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

84

o princípio da insignificância, ou, como preferem os alemães, a ‘a criminalidade de bagatela’ – Bagatelledelikte, surge na Europa como problema de índole geral e progressivamente crescente a partir da primeira guerra mundial. Ao terminar esta, e em maior medida ao final do segundo confronto bélico mundial, produziu-se, em virtude de circunstâncias socioeconômicas sobejamente conhecidas, um notável aumento de delitos de caráter patrimonial e econômico e. facilmente demonstrável pela própria devastação sofrida pelo continente, quase todos eles marcados pela característica singular de consistirem em subtrações de pequena relevância, daí a primeira nomenclatura doutrinária de criminalidade de bagatela.

À luz do expendido, dessume-se que o princípio da insignificância surgiu com o

fito de excluir da incidência penal as condutas típicas que, em razão de sua mínima

lesividade, não chegam a pôr em risco o bem jurídico tutelado.

1.3 Do conceito

Consoante preleciona o Dicionário Aurélio Buarque (2006, p.481), a palavra

“insignificância” significa: “S.f. 1. Qualidade de insignificante. 2.V. ninharia”. Ou seja,

o vocábulo em comento expressa algo que não tem valor e sem importância.

A esse propósito, preleciona Maria Helena Diniz (2008, p.814) que princípio da

insignificância é: “1.Princípio em que, por ser o resultado do delito irrelevante quanto ao dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado, não há crime, por haver excludente de tipicidade, ou seja, o fato não pode ser subsumido ao comando legal. 2.É o que considera necessário, na aferição do relevo material da tipicidade penal,a presença de certos vetores, como: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social do ato; reduzido grau de reprovação da conduta; inexpressividade da lesão jurídica provocada”.

Em consonância com os dizeres de Maria Helena de Diniz, há que notar o

posicionamento de Ivan Luiz da Silva (2011, p.100), em total corroboração ao cima

expendido, que preconiza:

o princípio da insignificância é o princípio penal que norteia a comparação entre o desvalor consagrado no tipo penal e o desvalor social da conduta do agente, aferindo, assim, qualitativa e quantitativamente a lesividade desse fato para constatar-se a presença do grau mínimo necessário à concreção do tipo penal; se nesse cotejo axiológico verificar-se que o desvalor do ato ou do resultado é insignificante em relação ao desvalor exigido pelo tipo penal, então esse fato deverá ser excluído da incidência penal, já que é desprovido de reprovabilidade jurídica.

Por este prisma, também assevera Diomar Ackel (1988, p.73), verbis:

Princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações

Page 4: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

85

de bagatela, desprovida de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois, como irrelevantes.

Com fulcro em tais considerações, pode-se afirmar que o princípio em comento

serve como procedimento de interpretação restritiva do tipo penal, eis que existe um

elemento material, qual seja, a lesividade da conduta, para que haja a tipicidade penal de

uma conduta formalmente típica. Ou seja, para haver fato típico, é necessário ter a soma

de tipicidade formal e tipicidade material.

Nesse diapasão, impende destacar o conceito do ínclito Carlos Vico Manãs (1997,

p.59), que aduz, in verbis: O princípio da insignificância, portanto, pode ser definido com instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.

Escudada nesses sólidos embasamentos doutrinários, a jurisprudência pátria tem

colaborado para a formulação de um conceito objetivo do princípio da insignificância

em matéria penal. Veja-se.

O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite desconsiderar-se a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatelas, afastadas do campo da reprovabilidade, a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma penal, emergindo, pois, a completa falta de juízo de reprovação penal. (TACrim-SP, Apl. 1.044.889/5, Rel. Breno Guimarães, 24.09.1997). (LOPES, 1997, p.284)

Em que pese o conceito do princípio da insignificância ainda não estar elencado

expressamente em um dispositivo legal, a doutrina e jurisprudência estão labutando no

sentido de conceituá-lo, conforme acima exposto.

Com efeito, infere-se que o princípio da insignificância é usado como método

interpretativo das condutas consideradas como “fato típico”. Ou seja, no caso concreto,

se analisa se há a soma da denominada tipicidade formal e material.

1.4 Da natureza jurídica

Em relação à natureza jurídica do princípio da insignificância, a doutrina e

jurisprudência pátria entendem que se trata de um princípio jurídico do direito penal.

Em abono desse entendimento doutrinário e jurisprudencial, o Ilustre Ivan Luiz da

Silva (2011, p.102) aduz, in verbis:

Page 5: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

86

De nossa parte, entendemos consistir o Princípio da Insignificância em matéria penal em um autêntico princípio jurídico decorrente da concepção utilitarista do moderno Direito Penal, que exige a concreta ofensa ao bem jurídico atacado como justificação para fazer incidir a pena criminal sobre o agente da conduta típica.

Prosseguindo com o tema, conclui o autor (DA SILVA, 2011, p.102):

Assim, o Princípio da Insignificância vem a lume e impõe-se em razão da necessidade de se vislumbrar na estrutura do tipo penal um conteúdo material que leve à percepção da utilidade e da justiça de imposição de pena criminal ao agente de fatos típicos. Configura-se, pois, num meio qualificador dos valores da estrutura típica do Direito Penal, já que em face de sua adoção não mais se contenta o preenchimento da figura penal com a mera acomodação formal de seus termos.

À luz do expendido, conclui-se que o princípio da insignificância possui a

natureza de causa que exclui a tipicidade do fato, possuindo assim natureza jurídica de

princípio de direito penal.

1.5 Do conteúdo jurídico

Segundo Ivan Luiz (2011), o conteúdo jurídico do princípio da insignificância

consiste em interpretar a lei penal com base na equidade e em critérios de razoabilidade

para restringir a amplitude abstrata do tipo penal, haja vista sua função interpretativa.

Escudado nesse sólido embasamento doutrinário, prossegue o autor (2011, p.115): Em razão dessa função, entende-se que a incidência do Princípio da Insignificância na solução de um caso concreto não consiste em deixar de aplicar a lei penal, mas em aplicá-la corretamente, mediante interpretação baseada na equidade e razoabilidade, de forma a alcançar-se o sentido material de justiça.

Sobre tal aspecto, necessário se faz trazer à baila o excelente magistério de

Diomar Ackel (1988, p.73), que assim assevera:

O princípio da insignificância se ajusta à equidade e correta interpretação do Direito. Por aquela, acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em uma sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por esta, se exige uma hermenêutica mais condizente do direito, que se não pode ater a critérios inflexíveis de exegese, sob pena de se desvirtuar o sentido da própria norma e conduzir a graves injustiças.

Com efeito, conclui-se que o princípio em comento se utiliza do juízo da

razoabilidade para estabelecer a definição material do tipo penal, com o fito de

desempenhar concretamente o valor da justiça em cada caso concreto.

Nesta toada, a lição de Diomar Ackel (1988, p.73) corrobora o acima exposto.

Veja-se:

Page 6: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

87

No caso da insignificância é justamente o que ocorre. A interpretação, com base em critérios de razoabilidade, desconsidera um determinado fato como obra criminosa, valorando-o como insignificante e, portanto, destituído de reprovabilidade, de modo a obstar que possa se subsumir num standard de tipicidade. [...] Um levíssimo arranhão, ainda que ontologicamente constitua lesão no sentido médico-legal, é irrelevante para o Direito Penal, que se preocupa apenas com a ofensa efetiva e idônea à integridade corporal ou à saúde. Não é razoável e repugna até o bom senso que se louvando numa interpretação inflexível, pretenda-se, em caso de tal bagatela, proclamar-se a existência de um fato típico, diante da insignificância da lesão. Falta a reprovabilidade do fato, que não tem valor penalmente relevante, devendo ser ressalvado que a conduta típica nunca é isenta de valor, mesmo quando ocorre causa de licitude. Afinal, não se pode supor, como mostra Welzel, que a morte dada a alguém em legítima defesa valha o mesmo que a cão de matar um mosquito.

Ademais, a corroborar os posicionamentos doutrinários expendidos nos tópicos

supracitados, impende trazer à colação a judiciosa ementa do venerando acórdão

proferido pela Colenda Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal, cuja transcrição

segue em anexo, in verbis:

O princípio da insignificância é proposto como auxiliar interpretativo do aplicador da lei penal na verificação da tipicidade do material da conduta e independe de expressa permissão legal, visto que diz respeito com a economia do delito. Os romanos já o conheciam. Daí a fórmula deminimis non curatpraetor. É bem verdade, portanto, que sua utilização não está em absoluto vinculada ao movimento do denominado ‘direito alternativo’. Esta Egrégia Câmara Criminal, em mais de uma oportunidade, já se valeu deste princípio para fazer cessar acusações penais infundadas. (TARS. AC 292.183.894, Rel. Vladimir Giacomuzzi). (grifa-se). (LOPES, 1997, p.290).

Ainda nesse contexto, a jurisprudência pátria é assente nesse sentido, da qual se

depreende que:

O princípio da insignificância referida pela doutrina nada mais é, pois, do que instrumento de interpretação restritiva da norma penal incriminadora, através do qual, sem afastar a segurança jurídica necessária, opera a descriminalização de condutas cujo potencial ofensivo não atinja o bem jurídico tutelado pela norma. Aliás, já era aplicado no Direito Romano, seguindo a máxima contida no brocardo deminimis non curatpraetor. (TRF, 3ª Região, Apl. 3.948, Rel. Sylvia Steiner) (Idem, p. 303).

1.6 Do fundamento jurídico

Preliminarmente, insta transcrever comentários sobre a expressão fundamentos

jurídicos na seara jurídica e, para comentar o assunto em pauta, ninguém melhor do que

o ilustre mestre José Cretella Jr. (1999, p.196), que assim, assevera:

No plano jurídico, o vocábulo fundamento jurídico conserva o mesmo sentido que apresenta no plano da filosofia, podendo ser entendido como o valor ou conjunto de valores que legitima a ordem jurídica, o sistema

Page 7: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

88

jurídico, os institutos jurídicos, revelando a razão de ser de sua imperatividade. Dizemos que uma norma jurídica tem fundamento quando visa realizar ou tutelar um valor reconhecido, necessários ao agrupamento humano a que se dirige.

Assim, sobre tal aspecto, pode-se afirmar que o fundamento do princípio da

insignificância está na ideia da proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à

gravidade do crime.

Consequentemente, nos casos de mínima afetação ao bem jurídico penalmente

protegido, o teor do crime é tão insignificante que não subsiste nenhum motivo à

aplicação da pena, pois a pena aplicada seria desproporcional à conduta realizada.

1.7 Da concretização normativa

“Graças ao princípio da insignificância, permite-se ao Judiciário e ao Ministério

Público renunciar ao jus accusationis e ao jus persequendi in judicio”. Ricardo de Brito

Freitas. (1996, p. 161-176).

Sobre o tema em comento, Ivan Luiz da Silva (2011, p.180-181) aduz que: O princípio da Insignificância, a exemplos dos demais princípios implícitos, necessita ser concretizado em forma de norma de decisão, que realizará sua validade e o localizará numa norma positiva com maior grau de concreção. Pode ser concretizado por ato de qualquer um dos três Poderes Públicos.

Com fulcro em tais considerações, pode-se afirmar que, para o princípio da

insignificância sair do plano abstrato e da teoria, ele precisa ser concretizado por meio

de decisões dos tribunais pátrios. Diga-se, ademais, que a concretização do princípio em

explanação pode ser por meio dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário,

conforme se vê abaixo.

Em relação a sua concretização legislativa, pode-se visualizá-la no artigo 59,

caput do Código Penal, que admite a não aplicação da pena na hipótese de o fato não ser

considerado crime. Veja-se: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

A corroborar o exposto acima, insta transcrever o entendimento de Ivan Luiz da

Silva (2011, p.139) que assevera, verbis:

A nosso ver, o primeiro dispositivo legal que concretiza legislativamente o Princípio da Insignificância é o art.59, caput, do Código Penal, quando preconiza que o juiz estabelecerá a pena “conforme seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. A contrario sensu, se a conduta típica não for reprovável, a pena será desnecessária no caso concreto,

Page 8: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

89

devendo o magistrado deixar de aplicá-la por não haver crime a ser reprovado.

Lapidar, nesse sentido, o entendimento pela Egrégia Turma do Egrégio STJ, na

ementa de decisão proferida nos REsp n°. 112.600/DF, conforme se nota a seguir:

O art. 59 do CP indica o sentido, a finalidade da pena: ‘necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime’. Assim, se não reprovável a conduta (v.g. princípio da insignificância para a corrente doutrinária que tem como mera exclusão da culpabilidade, embora melhor, pela estrutura do delito, dizer – exclusão de tipicidade) e não se fizer necessária porque dispensável no caso concreto, o magistrado poderá deixar (deverá fazê-lo) de aplicar a pena. O Direito Penal moderno não se restringe a raciocínio de lógica formal. Cumpre considerar o sentido humanístico da norma jurídica. E mais. Toda li tem significado teleológico. A pena volta-se para a utilidade. (STJ, REsp. 112.600/DF, 6ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Dj 17.088.1998, p. 1996).

Na mesma toada, prossegue a jurisprudência pátria, in verbis:

Em que pese o ordenamento legal sancionar expressamente, independente de valor, a conduta daquele que subtraia algo terceiro, o certo é, que, ‘nada impede, em tese em face do ordenamento jurídico brasileiro, principalmente à luz do princípio da necessidade da pena agasalhada pelo art. 59, do Código Penal, o reconhecimento do perdão judicial extralegal para os denominados crimes de bagatela, desde que, perante o caso concreto, estejam comprovados, o desvalor do dano, o da ação e o da culpabilidade. (TACrim – SP, Apl. 1.005.495/9, Rel. Mathias Coltro, 10.04.1996).

Em consonância com os dizeres dos Ministros supramencionados, há que se notar

o posicionamento de Ivan Luiz da Silva (2011, p.140), em total corroboração ao acima

expendido, que preconiza:

O sentido teleológico do art. 59, caput, do CP, de que a pena só deverá ser aplicada quando necessária à reprovação e prevenção do crime, indica, por outro lado, que o legislador penal também estabeleceu que as condutas formalmente típicas não reprováveis (como, p.e., as ações típicas insignificantes) não ensejam a aplicação de penal criminal, uma vez que não há crime a reprovar e prevenir. Em sendo assim, esse significado teleológico revela que o legislador penal também contemplou o Princípio da Insignificância no dispositivo supramencionado.

Igualmente, o princípio em comento pode ser encontrado em alguns dispositivos

da parte especial do Código Penal, como, por exemplo, no artigo 155, § 2°, que assim

dispõe:

Art. 155.Omissis.§ 2° Se o criminoso é primário, e de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa. (Grifei e destaquei).

Com efeito, é ancilar a ementa do venerando acórdão proferido pela Colenda

Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja transcrição segue em anexo, ipsis

litteris:

Page 9: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

90

HABEAS CORPUS. FURTO. CAIXAS DE CHICLETES TRIDENT. BEM RECUPERADO. VALOR R$ 25,00. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO.O princípio da insignificância é aplicável em hipóteses em que o comportamento, apesar de formalmente típico, não ocasiona - no plano material - perturbação social. Tal exame, nos crimes patrimoniais, passa pela apreciação do reduzido valor da coisa e da capacidade econômica da vítima. No caso, subtraiu-se duas caixas de chicletes tridente do estabelecimento Tanaka Atacadista, tendo sido a res recuperada, não acarretando repercussão alguma no patrimônio da vítima. Reconhece-se, então, o caráter bagatelar do comportamento imputado, não havendo falar em afetação do bem jurídico patrimônio. (STJ. HC 159976; 2010/0009947-0; Des. VASCO DELLA GIUSTINA; DJ. 22/02/2012). (Destaquei).

No que concerne à concretização do princípio da insignificância na seara judicial,

nota-se que sua concretização é desempenhada pelo sistema judiciário, por intermédio

das sentenças proferidas pelos magistrados.

E, nesse mesmo sentido, preconiza Luiz da Silva (2011, p.144) que “através de

suas sentenças densifica um preceito constitucional partindo da norma abstrata até obter

a norma de decisão solucionadora do caso concreto posto à sua apreciação”.

Ou seja, os juízes fazem a subsunção do princípio em abstrato ao caso concreto,

chegando-se, assim, ao princípio da insignificância.

Sob este prisma, vale mencionar que a jurisprudência pátria há tempos reconheceu

e aplica o princípio em comento na seara criminal com o fito de excluir as condutas sem

poder ofensivo ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

Com efeito, a primeira deliberação envolvendo o princípio da insignificância foi

prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1988, sendo que, pela primeira vez,

conheceu expressamente a existência do aludido princípio, bem como o aplicou para

resolver o caso abaixo transcrito: “Acidente de trânsito. Lesão corporal. Inexpressividade da lesão. Princípio da insignificância. Crime não configurado.Se a lesão corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, com resulta dos elementos dos autos – e outra prova não seria possível fazer-se tempos depois – há de impedir-se que se instaure ação penal que a nada chegaria, inutilmente sobrecarregando-se as Varas Criminais, geralmente tão oneradas. (RHC 66.869-1, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Aldir Passarinho, j. em 06.12.1988).

De outro norte, é de todo oportuno transcrever as palavras de Sanguiné (1990,

p.36), que assevera:

Antes desse acórdão, o STF, no julgamento do RHC 59.191/PB realizado em 15.09.1981, entendeu inexistir crime de dano na ação de cortar folhas de uma palmeira, porém sem reconhecer expressamente a incidência do Princípio da Insignificância. O argumento empregado pelo relator, Min. Clóvis Ramalho, foi de que o ressarcimento do dano de pequena monta extinguiria a punibilidade.

Page 10: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

91

Nesse ínterim, observa-se que a concretização do princípio em tela feito pelo

Supremo Tribunal Federal (STF) - o guardião da Constituição Federal da República, foi

de fundamental importância, pois reconheceu e aplicou o princípio em comento no

ordenamento jurídico brasileiro.

Diga-se, ademais, que tal decisão do STF veio apenas corroborar as decisões dos

tribunais inferiores que há muito tempo já o reconheciam e o aplicavam.

Nesse raciocínio, faz-se mister trazer à colação as palavras de Ivan Luiz da Silva

(2011, p.146), que preconiza, id litteram: [...] o STF reconheceu sua validade no sistema penal e o positivou, através de uma norma de decisão de grau mais elevado de densidade normativa, ao aplicá-lo às condutas típicas penalmente insignificantes.

Nesse contexto, urge trazer à baila mais uma concretização judicial do Princípio

da Insignificância, proferido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que decidiu que

sua aplicação não viola a lei federal, consoante segue transcrição, in verbis:

Penal. Princípio da insignificância.- A Lei federal não resulta ofendida pela aplicação do princípio da insignificância.- Divergência jurisprudencial comprovada. (STJ, REsp. 235.152/PR, 6ª T., Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ 26.06.2000, p. 220).

Destarte, tendo em vista o reconhecimento do aludido princípio pelas Cortes

superiores, bem como o entendimento esposado de que ele não fere lei federal, a

doutrina e jurisprudência passaram a determinar as condições e requisitos de

aplicabilidade do princípio da insignificância. Veja-se.

Os tribunais consolidaram o entendimento de que, para a aplicação do princípio

em tela, seria necessário um exame individualizado de cada fato concreto, com o fito de

buscar o grau de ofensa ao bem jurídico ofendido, pois em cada caso se verifica uma

situação diferente.

Nesse rumo, é altamente ilustrativo transcrever o venerando acórdão exarado pela

2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de cuja dicção depreende-se a rigidez dos

argumentos ora apresentados, verbis: Habeas Corpus. Lesão corporal. DELITO DE TRÂNSITO. Princípio da insignificância. Análise do cada caso. Somente a análise individualizada, atenta às circunstâncias que envolveram o fato, pode autorizar a tese da insignificância. A natureza do ocorrido, bem como a vida pregressa do paciente, não permitem acolher a tese da singeleza. (STF, HC 70.747/RS, 2ª T., Rel. Min. Francisco Rezek, DJU 07.06.1966). (Grifei e destaquei).

Nesse mesmo diapasão, é o posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal

de Justiça, conforme se observa nas decisões a seguir transcritas:

Page 11: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

92

PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. “A aplicação do princípio da insignificância deve ser precedida de uma valorização subjetiva do resultado produzido pela conduta típica, onde se verifica, sob o prisma do sujeito passivo do delito, qual o tamanho da lesão do bem jurídico de que é titular.No caso, o resultado produzido lesionou infimamente o bem jurídico protegido pela norma penal, sendo plenamente aplicável o princípio da insignificância, pois o constrangimento causado pela simples instauração da instância criminal seria desproporcional ao dano causado pelo autor através de sua conduta.Recurso não conhecido. (STJ, REsp. 221.292/PR, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 10.04.2000, p. 138). (Grifo nosso).

Insta salientar, ainda, que a aplicação deste princípio no crime de descaminho será

mais afundada no próximo capítulo.

De outro norte, mister se faz trazer à colação a teoria do princípio da

insignificância resumida na judiciosa decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal

de Justiça, in verbis: REsp. Penal. Furto. Talonário de cheques. Objeto material. Possibilidade.O delito, no estágio atual do Estado de Direito Democrático, encerra sempre a conduta. Ação ou omissão, pouco importa. Fundamental, indispensável, porém, o comportamento do homem. Além disso, reclama-se para efeito de tipicidade, configurar o evento. Não é exaustivo o impacto no plano físico. O conceito, insista-se, é normativo: reclama, por isso, dano, ou perigo ao bem juridicamente tutelado, ao lado do objeto material e do sujeito passivo, entendido como titular do objeto jurídico. O dano pode ser material ou moral. O perigo, por sua vez, probabilidade (não se confunde com a possibilidade) de dano. Não obedecido esse esquema, o raciocínio passa a se próprio do mundo da natureza, que não se coaduna, na espécie, com os requisitos jurídicos. O Direito tem seu método. Se não observado, a conclusão, com certeza, será equivocada. O homicídio é crime porque elimina a vida do homem. A calúnia afeta a honra. O furto diminui o patrimônio. A literatura alemã, por influência jurisprudencial, construiu a doutrina da insignificância, cuja divergência é restrita ao seu efeito, ou seja, se elimina a culpabilidade, ou repercute na própria tipicidade. Aliás, a sensibilidade dos romanos consagrou – de minimis non curatpraetor. O prejuízo não é qualquer dano material, de que são exemplos o ligeiro corte na cutícula provocado pela manicure, ou o queimar, sem maior importância, as pontas dos cabelos da cliente. Nessa linha, ‘Bettiol, Anibal Bruno, Montavani, Maurach’. O talonário de cheques, dada a insignificância de valor econômico, não se presta a ser objeto material do crime de furto, ou de receptação. Esta conclusão não se confunde com a conduta que se vale do talonário para praticar crime, de que o estelionatário e o falso são ilustração. (STJ, REsp. 150.908/SP, 6ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 19.10.1998, P. 162).

Nesse passo, fica, portanto, cristalino que o princípio em tela penetrou no

ordenamento jurídico brasileiro, positivando-se numa norma de decisão concreta, sendo

que é invocado para solução de fatos concretos em que se depara com uma conduta

penalmente insignificante.

Page 12: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

93

No que tange à concretização administrativa, salienta-se que ela é feita pelo

Ministério Público, por intermédio do requerimento de arquivamento do inquérito

policial com fundamento no princípio em tela.

Portanto, o Promotor de Justiça, por ser o “senhor” da ação penal pública, quando

entender que não há crime a ser denunciado, pode requerer o arquivamento dos autos ao

juiz, conforme preconiza o art. 28, do Código de Processo Penal, in verbis: VERIFIQUE

O TERMO DESTACADOArt. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. (Grifei e destaquei).

Assim, quando o membro do Ministério Público concluir que a conduta narrada

nos autos do inquérito policial é tipicamente formal, todavia, penalmente insignificante,

ou seja, falta-lhe tipicidade material, requererá o seu arquivamento sob o fundamento do

princípio da insignificância, perpetrando, assim, a concretização administrativa do

princípio em comento.

Os argumentos expostos acima se apresentam agasalhados pelo entendimento de

José Rebêlo (1994, p.44-45), como se pode notar da transcrição abaixo:[...] ao se deparar com uma situação a merecer a incidência do Princípio da Insignificância, deve o Promotor de Justiça requerer o arquivamento do inquérito policial, haja vista não constituir crime o fato narrado nos autos, na medida em que a falta de tipicidade material leva à ausência da própria tipicidade. Se não existe tipicidade, não se pode falar em fato típico. Se não há fato típico, não subsiste a própria infração penal. Insistindo o órgão do Ministério Público em oferecimento de denúncia em casos tais, caberia o Juiz de Direito a sua imediata rejeição, a teor da prescrição do art. 43, I, do CPP.

Em abono dessa disposição doutrinária, mister se faz trazer à colação a judiciosa

decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte:

HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. TRANCAMENTO DO IPE. SOLTURA DO PACIENTE QUE SE IMPÕE. ORDEM CONCEDIDA.A receptação de 15 (quinze) cocos pelo paciente, embora se amolde à tipicidade formal e subjetiva, não atende à tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típico em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. Para a caracterização do fato típico, ou seja, que determinada conduta mereça a intervenção do Direito Penal, é necessária a análise de três aspectos: o formal, o subjetivo e o material ou normativo.A tipicidade formal consiste na perfeita subsunção da conduta do agente ao tipo previsto abstratamente pela lei penal. O aspecto subjetivo consiste no dolo. Já a tipicidade material implica verificar se a conduta possui relevância penal, em face da lesão provocada no bem jurídico tutelado. Deve-se

Page 13: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

94

observar a relevância da conduta, o nexo de imputação e o desvalor do resultado, do qual se exige ser real e significante.A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Não há, outrossim, a tipicidade material, mas, apenas, a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a intervenção da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância, acolhido como causa supralegal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força desse postulado”. (HC 98604 RN 2010.009860-4; Rel. Des. Maria Zeneide Bezerra; DJ. 28/09/2010; Câmara Criminal). (Destaquei e grifei).

Além disso, imperioso se faz trazerem à colação os dizeres do escritor Ivan Luiz

da Silva (2011, p.150), verbis:

Essa aplicação do Princípio da Insignificância realiza sua concretização administrativa, uma vez que o arquivamento do inquérito policial a requerimento do Ministério Público, nos termos do art. 28 do CPP, ocorre em sede de procedimento administrativo anterior à fase judicial, que só se iniciará com o oferecimento da ação penal.

Assim sendo, é o Parquet que concretiza o princípio da insignificância na seara

administrativa, por intermédio da cota de arquivamento que é enviada ao Judiciário.

1.8 Do critério de aplicabilidade do citado princípio

Sobre o tema em questão, alguns doutrinadores ainda contrapõem oposições à sua

aceitação afirmando que ele chocaria com a segurança jurídica. Ademais, alegam que

não há um juízo crítico preciso para deliberação do comportamento penalmente

insignificante.

De outro norte, outras doutrinas apresentam critérios de determinação da conduta

penalmente “medíocre”, ou seja, insignificante.

Dentre esses critérios, valem mencionar dois critérios citados por Carlo Enrico

Paliero (1979, p.943), veja-se:a) o clássico, constituído sobre a avaliação dos índices de desvalor da ação, desvalor do resultado e culpabilidade; b) o critério baseado na “antecipada comensuração da pena.

Seguindo esse posicionamento doutrinário, vale trazer a lume o magistério de

Silva (2011, p.156-157), que aduz:

[...] para reconhecer a conduta típica penalmente insignificante deve ser empregado o modelo clássico de determinação, realizando-se, assim, uma avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado da conduta realizada, para se aferir o grau quantitativo-qualitativo de sua lesividade em relação ao bem jurídico atacado. Com efeito, é a avaliação da concretização dos elementos da conduta realizada que indicará a sua significância – ou insignificância – jurídica para o Direito Penal.

Page 14: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

95

E prossegue o renomado autor (2011, p.157):

Contudo, em razão de a culpabilidade não ser elemento do crime, mas apenas pressuposto da pena, entendemos que não deva integrar o critério de determinação da conduta penalmente insignificante, pois, em nosso parecer, o Princípio da Insignificância incide sobre os elementos que compõem a estrutura interna do delito (tipicidade e antijuricidade)”. De outra sorte, o desvalor da ação e o do resultado integram a estrutura do delito, pois o legislador, objetivando evitar a realização de ações que produzam uma lesão ou uma situação de perigo ao bem jurídico, tutelado, atribui uma valorização negativa à conduta proibida descrita no tipo penal. Essa valorização negativa é representada pelo desvalor da ação e do resultado, que consistem em ser a descrição daspartes que caracterizam a própria conduta delitiva.

Nesse sentido, com muita propriedade, Cezar Roberto Bitencourt (2011, p.51-52)

traça as seguintes explanações sobre o assunto:

Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida [...].

Fechando o raciocínio, o autor acima citado, assim preceitua (2011, p.52),

“Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só

pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica”.

Corroborando os argumentos acima citados, Zaffaroni (2008, p.485) aduz que:A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível de se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada. (Destaquei).

Também por este prisma, Edilson Mougenot e Fernando Capez (2004, p.121-122)

prelecionam que:

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que no tipo somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma.

E continuam os autores (2004, p.122):

A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico. O Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de sua 5ª Turma, tem reconhecido a tese da exclusão da tipicidade nos chamados delitos de bagatela, aos quais se aplica o princípio da insignificância, dado

Page 15: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

96

que à lei não cabe preocupa-se com infrações de pouca monta, insuscetíveis de causar o mais ínfimo dano à coletividade.

Escudado nesse sólido embasamento doutrinário, o Supremo Tribunal Federal usa

critérios objetivos para a aplicação do princípio da insignificância, ou seja, para ele a

conduta é insignificante ou não. Ademais, tal critério é analisado conjuntamente com os

princípios da fragmentaridade e o da intervenção mínima.

Nesse contexto, urge trazer à baila a respeitável ementa da judiciosa decisão

proferida pelo Egrégio Tribunal, cuja transcrição segue abaixo, in verbis: E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQUENTEDESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - "RES FURTIVA" (UM SIMPLES BONÉ) NO VALOR DE R$ 10,00 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO - AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. A MERA EXISTÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES POLICIAIS (OU DE PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO) NÃO BASTA, SÓ POR SI, PARA JUSTIFICAR O RECONHECIMENTO DE QUE O RÉU NÃO POSSUI BONS ANTECEDENTES. - A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível - além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do "status poenalis" do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado

Page 16: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

97

constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República. (STF; HC 84.687/MS; Min. Celso de Mello; 2ª T; DJ 26.10.2006).

Ante o exposto, pode-se afirmar que, se não há ofensa ao bem jurídico, logo não

há pena e muito menos crime, pois, conforme ensina Zaffaroni (2008), para haver fato

típico (crime), é necessária a soma da tipicidade formal mais tipicidade material. Logo,

sem a tipicidade material (ofensa ao bem jurídico tutelado pelo direito penal), não há

que se falar em crime. Consequentemente, aplica-se o princípio da insignificância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz do expendido, verifica-se que o princípio da insignificância é extremamente

útil e importante para o Poder Judiciário na medida em que se concentram esforços e

custos de questões de maior relevância para o mundo jurídico.

De outro norte, deve-se analisar a sua aplicação com rigor e seriedade, evitando a

banalização de crimes graves.

REFERÊNCIAS

ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada de São Paulo. São Paulo: TJSP, v. 94, p. 72-77, abr./jun./ 1988.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, Parte Geral. 16. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando; BONFIM Edilson Mougenot. Direito penal: parte geral. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

DA SILVA, Ivan Luiz. Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2ª. ed. Curitiba/PR: Editora Juruá, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, J-P, 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

FREITAS, Ricardo de Brito A. P. O direito penal militar e a utilização do princípio da insignificância pelo Ministério Público. Revista da esmape. Recife: Esmape, ano 1, n. 2, p. 161-176, nov./1996.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O dicionário da língua portuguesa. 6° Ed. Curitiba: Positivo, 2006.

Page 17: UMA VISÃO AMPLA DO PRINCÍPIO DA … · Web viewPreliminarmente, insta salientar que o princípio da insignificância penal assevera que o Direito Penal não deve se ocupar com assuntos

98

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2008.

GRECO, Rogério. Curso direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 5. ed. Niterói/RJ: Editora Impetus, 2010.

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1997.

PALIERO, Carlo Enrico. Note sulla disciplina dei reatibagatellari. Revista Itlalianadidirritto e procedurapenale. Milão: Dott. A. Giuffré Editore, ano XXII, fasc. 3, p. 920-991, jul./set./1979.

REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, ano 3, v. 3, n.1, p. 36-50, jan./mar./ 1990.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. v. 1: parte geral. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos tribunais.