princípios palladianos

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE ARQUITETURA

    PROGRAMA DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM ARQUITETURA PROPAR

    ARQ. RINALDO FERREIRA BARBOSA

    Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PROPAR - como

    requisito parcial para obteno do grau de mestre em Arquitetura

    ORIENTADOR: Prof. Cludio Calovi Pereira, Ph.D.

    Junho 2005

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    COM AMOR PARA

    VERA &GUILHERME

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    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador, Prof. Cludio Calovi Pereira, por ser um dospoucos pesquisadores desta faculdade a valorizar a importncia da histria

    da arquitetura como aprendizado para a prtica de projeto; pelo seu apoio

    e suporte com a bibliografia para o desenvolvimento deste trabalho e pelo

    incentivo constante para o desenvolvimento deste tema.

    Aos professores e amigos do PROPAR, pelo enriquecimento

    proveniente dos debates, discusses e divagaes arquitetnicas, em

    especial aos professores: arq. Cludia Piant Costa Cabral, arq. Fernando

    Freitas Fuo e arq. Rogrio de Castro Oliveira.

    Aos amigos e colegas da disciplina de Projeto VI, na qual realizei o

    estgio docente durante o ano de 2004: arq. Cludio Calovi Pereira, arq.

    Glnio Vianna Bohrer, arq. Heitor da Costa Silva e arq. Srgio Moacir

    Marques; pelo aprendizado didtico do atelier e o apoio e liberdade

    disponibilizados durante esta experincia.Aos colegas que enriqueceram as discusses em sala de aula e

    fora dela, em especial amiga de muitos cafezinhos, trabalhos, projetos e

    divagaes: arq. Maribel del Carmen Aliaga Fuentes, pelo seu constante

    incentivo e torcida pela finalizao deste trabalho.

    Aos amigos que me incentivaram e ajudaram durante este

    processo, particularmente ao arq. Miguel Antnio Farina, por compartilhar

    os bons e maus momentos desta trajetria, pela troca de experincias

    profissionais, revises e crticas construtivas deste trabalho, e o apoio

    fundamental para a finalizao do mesmo.

    Por ltimo, mas em primeiro lugar, a minha esposa e filho: Vera e

    Guilherme, por sua compreenso pelas longas horas despendidas no

    mestrado, aos quais dedico este trabalho.

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    SUMRIO

    SUMRIO........................................................................5

    RESUMO..........................................................................9

    ABSTRACT.....................................................................10

    PREFCIO .....................................................................11

    INTRODUO ...............................................................13Palladio Passado e presente atravs das villas palladianas... 14

    As villas palladianas e o processo investigativo na metodologia

    de projeto. .............................................................................. 21

    O PROCESSO DE PROJETO NO RENASCIMENTO ..........29

    Brunelleschi: Uma construo, uma tcnica, uma novaprofisso. ............................................................................. 32

    Vitrvio: a base de pesquisa ............................................... 37Alberti: teoria e intelectualizao da arquitetura ou aformao terica do cliente. ................................................ 42Serlio: o tratado como formao e guia profissional. ......... 51O projeto como investigao e teoria.................................. 57Palladio: referncias e interferncias do mundorenascentista ....................................................................... 63

    PALLADIO E OS QUATRO LIVROS DE ARQUITETURA...76O Livro I .................................................................................. 81

    Agradecimentos e Prlogo ................................................... 81Firmitas, utilitas e venustassegundo Palladio..................... 83

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    Os materiais, servios e as Ordens Arquitetnicas. ............. 85Formas e propores dos espaos ....................................... 87Os elementos finais na construo ...................................... 91

    O Livro II ................................................................................ 93Condies e condicionantes para a moradia........................ 93

    A casa na cidade .................................................................. 96A Casa no Campo ................................................................. 99

    O Livro III ............................................................................. 101Infra-estrutura e cidade .................................................... 101

    O Livro IV.............................................................................. 105O mundo clssico aos olhos de Palladio............................. 105Forma, Proporo e Convenincia nos templos. ................ 107

    O repertrio e contedo normativo ..................................... 111

    EXLORANDO AS VILLAS PALLADIANAS......................114A tipologia da Villa forma e ideologia no projeto.................. 116

    Planilha 1 Villas e Palcios Palladianos .................................. 128As Villas Palladianas no Tratado ........................................... 129

    Planilha 2 As villas Palladianas ............................................. 130Planilha 3 As villas no tratado esc. 1/2000. ........................... 133

    Reconstruindo as Villas......................................................... 137O jogo da implantao.......................................................... 143

    Planilha 4 A composio da implantao............................... 152Planilha 5 Implantao: a casa di villa e as alas de servio ..... 153

    Desconstruindo a casa di villa ........................................... 154

    Composio Planimtrica da casa di villa ....................... 155Configurao das Salas .......................................................... 155

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    Loggias................................................................................. 158Grelhas................................................................................. 160reas.................................................................................... 163Variveis Compositivas da Composio Planimtrica. ................ 164

    Composio Altimtrica da casa di villa......................... 165

    Uma viso de Conjunto...................................................... 168Possveis Matrizes Compositivas .......................................... 172

    A GARRA DO LEO......................................................177A Garra do Leo, um sistema arquitetnico Palladiano ........ 178

    BIBLIOGRAFIA ...........................................................190

    LISTA DE FIGURAS .....................................................195

    LISTA DE GRFICOS...................................................199

    ANEXOS ......................................................................200As villas no tratado Palladiano.............................................. 202

    Villa Godi 1537................................................................ 202Villa Pisani Bagnolo 1542 ............................................... 206Villa Saraceno - 1545 ......................................................... 211Villa Thiene Quinto - 1546 ................................................. 215Villa Angarano - 1548 ........................................................ 219

    Villa Poiana - 1549............................................................. 222Villa Pisani Montagnana - 1552 ......................................... 225Villa Cornaro - 1553 ........................................................... 229Villa Ragona - 1555 ........................................................... 233Villa Badoer - 1556 ............................................................ 237Villa Thiene Cicogna - 1556 ............................................... 241Villa Barbaro - 1557 ........................................................... 245Villa Repeta - 1557 ............................................................ 249

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    Villa Foscari - 1559 ............................................................ 252Villa Mocenigo Marocco - 1559 .......................................... 256Villa Sarego Miega - 1562 .................................................. 260Villa Valmarana Lisiera - 1563 ........................................... 263Villa Emo - 1564................................................................. 267Villa Mocenigo Brenta - 1565............................................. 271Villa Zeno - 1565................................................................ 275Villa Capra - Rotonda - 1566.............................................. 279Villa Trissino - 1567 ........................................................... 283Villa Sarego Santa Sofia - 1569 ......................................... 287

    Outras villas Palladianas....................................................... 291Villa Piovene ...................................................................... 291Villa Valmarana Vigardolo.................................................. 292Villa Forni........................................................................... 293Villa Gazotti ....................................................................... 294Villa Caldogno .................................................................... 295Villa Contarini .................................................................... 296Villa Chiericati .................................................................... 297Villa Porto .......................................................................... 298

    LISTA DE LMINAS.....................................................299

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    RESUMO

    O Renascimento um perodo de mudana no pensamento da

    civilizao ocidental, principalmente no campo das artes e da cincia. Apartir de Brunelleschi a arquitetura se estabelece como profisso tal como

    hoje conhecida, dotada do status de cincia, isto , passvel de registro,

    sistematizao, publicao e crtica. Para isto, o tratado de Vitrvio serve

    de base de pesquisa para a fundamentao intelectual da arquitetura do

    Renascimento e na elaborao dos tratados deste perodo, elaborados por

    Alberti, Serlio e Palladio, entre outros. Palladio, atravs de seu tratado, I

    Quattro Libri di Architettura, nos deixa seu legado terico e profissional,diferenciado dos demais na medida em que exemplificado atravs de

    seus projetos. Neste legado, as villas palladianas constituem um

    referencial tipolgico da arquitetura ocidental, que se difunde atravs dos

    sculos seguintes e que revela princpios e mtodos de projeto que so

    independentes da questo estilstica do Renascimento.

    O presente trabalho aborda as questes de entendimento da

    mudana do pensamento arquitetnico no Renascimento; suas referncias

    na formao de Palladio; e a influncia deste processo na elaborao e

    sistematizao de projeto atravs das villas. Os projetos das villas

    palladianas so explorados atravs de sua reconstruo a partir da

    computao grfica, apresentados no final deste trabalho. Sob esta tica a

    dissertao estuda a presena destes modelos tipolgicos e explora as

    operaes de projeto elaboradas por Palladio no conjunto das villasrepresentadas no tratado O manuseio destes projetos permitiu consolidar

    a anlise do conjunto destas obras, permitindo o seu agrupamento

    segundo operaes de projeto identificadas na anlise e apresentados a

    seguir, interpretando as villas palladianas sob uma tica contempornea

    de representao e anlise, extraindo seus valores como sistematizao

    do conhecimento arquitetnico e referncia de metodologia projetual.

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    ABSTRACT

    The Renaissance represents a turning point in the thought of

    western civilization, mainly in the field of the arts and sciences. Startingfrom Brunelleschi, architecture is established professionally in this

    contemporary sense, endowed with the status of a science, that is,

    susceptible to registration, systematization, publication and criticism.

    Vitruvius treatise serves as a research base and intellectual foundation of

    Renaissance architecture and also in the elaboration of other treatises of

    this period, like the ones by Alberti, Serlio and Palladio. Palladio, through

    his treatise, I Quattro Libri di Architettura, leaves us his theoretical andprofessional legacy. His work is singular because Palladios own projects

    are used as examples. Palladios villas constitute a typological reference of

    western architecture which was disseminated through the following

    centuries and reveals principles and methods of design, that are

    independent of stylistic matters of the Renaissance.

    The present work intends to examine the change of the

    architectural thought in the Renaissance; its references in the education of

    Palladio; and the influence of this process in the systematics of

    architectural design through the villas. The projects of the Palladios villas

    are explored through your computer graphic reconstruction, presented at

    the end of this work. The dissertation studies the presence of these

    typological models and explores the design operations elaborated by

    Palladio in the villas represented in the treatise. The study of theseprojects resulted in arranging the villas according to groups related to

    allow to designs operations identified in the analysis. Such studies are

    presented at the end as a contemporary interpretation of Palladios villas

    extracting its values as systematization of the architectural knowledge and

    references for designs strategies.

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    PREFCIO

    O primeiro projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Ps

    graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(PROPAR) para ingresso no curso de mestrado enfatizava a abordagem

    dos tratados de Vitrvio, Alberti, Serlio e Palladio atravs de suas

    representaes e modelagens a partir da computao grfica.

    A idia apresentada abordava dois campos que sempre me

    fascinaram: a histria da arquitetura como conhecimento e pesquisa; e o

    uso do computador e dos programas especficos de representao grfica

    como ferramentas de trabalho e anlise na profisso do arquiteto. No

    curso de graduao em Arquitetura, realizado nesta Universidade no

    perodo de 1982 a 1987, as disciplinas da rea de histria da arquitetura

    eram direcionadas e vinculadas ao ensino de histria da arte, cursadas

    nos primeiros semestres do curso e distanciadas da prtica profissional da

    arquitetura. No incio do curso, no se tinha o entendimento da

    importncia deste assunto para a formao do arquiteto e a abordagem

    das disciplinas no vinculava a histria prtica de projeto, ou seu estudo

    como entendimento dos princpios de projeto de cada perodo e seus

    reflexos na atualidade. A histria da arquitetura, inserida como parte da

    histria da arte, se resumia ao acmulo de informaes de datas, estilos,

    e autores que com o tempo se perdiam na memria.

    O interesse pela computao grfica aplicada arquitetura surge

    no momento em que j me encontrava fora do mbito acadmico, foiaprendida no dia a dia da profisso como ferramenta de representao e

    agilidade no desenvolvimento dos projetos. Com o tempo, o

    aperfeioamento de programas computacionais especficos para a

    arquitetura e sua agilidade transformou o computador quase que no

    substituto da prancheta dos estudantes e profissionais.

    Aliar os dois campos citados em um projeto de pesquisa parecia

    fascinante, mas ao me dedicar ao estudo dos tratados de arquitetura do

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    Renascimento vi que estudar e representar graficamente os tratados de

    Vitrvio, Alberti, Serlio e Palladio em dois anos seria uma tarefa quase

    impossvel para uma anlise detalhada de cada um; correndo o risco do

    trabalho se tornar uma simples representao grfica dos conceitoscontidos nestes textos. Em diversos momentos pensei em mudar o tema

    do trabalho aqui apresentado, principalmente quando era questionado

    sobre o tema da dissertao e ao responder, via olhares espantados, ou

    at mesmo reprovadores, por estar abordando um tema to antigo. Mas

    quanto mais eu lia e estudava os textos relativos ao assunto, mais

    encontrava pontos de contato com o presente, o que me fez persistir na

    abordagem dos textos renascentistas, centrando sua anlise nos projetosdas villas elaborados por Palladio.

    Desta forma, assim como Palladio visita e estuda as runas da

    antiguidade romana e o texto de Vitrvio a fim de compor seu tratado e

    elaborar seus projetos, me dediquei a estudar suas obras, em especial

    seus projetos de villas e seu tratado, a fim de elaborar o presente

    trabalho.

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    Captulo 1

    INTRODUO

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    Palladio

    Passado e presente atravsdas villas palladianas

    A teoria e o projeto de arquitetura, sua

    metodologia de trabalho e composio em

    ltima instncia o motivo e finalidade da

    formao do arquiteto. O projeto a finalidade

    principal do ensino de arquitetura e a edificao

    sua finalidade prtica. Buscar suas razes e

    princpios atravs de estudos das villas

    palladianas e suas relaes com a prtica

    contempornea revisar (no sentido de olhar

    de novo) o passado no intuito de aprender com

    um dos arquitetos mais importantes da histria

    da arquitetura ocidental.

    Ao falar dos projetos arquitetnicos no

    Renascimento e dos tratados de arquitetura,

    muitas vezes pensamos em algo muito distante

    de nossa realidade. Para muitos soa como um

    assunto de natureza histrica, para outros,

    significa regras rgidas de controle absoluto daforma e do espao, vinculados ao estilo e a

    incessante busca da beleza e harmonia da

    antiguidade clssica. esquecida a importncia

    destes projetos e tratados para o

    desenvolvimento da arquitetura como campo

    disciplinar e a sistematizao de seu

    conhecimento e que, a partir deste momento, a

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    arquitetura deixa de ser uma arte de ofcio

    para tornar-se cincia. A arquitetura como

    profisso reconhecida e o projeto como

    elemento e resultado de uma elaborao eproduo intelectual, processo mental de

    contnuo aperfeioamento e estudo, so

    reconhecidos justamente neste momento da

    histria.

    A necessidade de uma fundamentao

    terica leva vrios autores a buscar nos escritos

    de Vitrvio, nico documento remanescente da

    antiguidade sobre a produo arquitetnica, as

    bases que dessem significado cultural

    arquitetura. No entanto, estas interpretaes se

    distanciam muitas vezes uma das outras, uma

    vez que estes os livros no continham

    ilustraes, ficando ao encargo do leitor

    imaginar e tentar reproduzir graficamente a

    construo clssica. Na falta das ilustraes de

    Vitrvio o estudo das runas adquire

    importncia no entendimento destas

    construes. Os remanescentes de maior

    interesse da antiguidade clssica esto em

    Roma: o Pantheon, o Coliseu, as Termas de

    Diocleciano e Caracala, e as runas do Frum

    Romano. Em sua quase totalidade, as runas

    eram de edifcios pblicos ou templos, quase

    nada havendo a respeito da construo

    domiciliar. No havendo indcios destas

    construes os estudiosos e arquitetos tm de

    se basear nas descries de Vitrvio para tentar

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    entender a moradia antiga, por ser este o

    anseio dos clientes do perodo renascentista.

    Segundo Linda Pellecchia1, de Alberti a

    Palladio, os arquitetos e tericos renascentistasdebatem-se por entender e interpretar a casa

    romana descrita por Vitrvio em seu tratado,

    De Architectura Libri Decem, e centram sua

    discusso a partir da forma e funo do trio, o

    compartimento principal da moradia, resultando

    em uma diversidade de interpretaes e

    configuraes deste espao. A casa e a maneira

    de morar o centro da discusso e do interesse

    neste momento, face o desconhecimento dos

    exemplares descritos por Vitrvio e a

    necessidade dos arquitetos de fornecerem a

    seus clientes um modelo clssico de residncia.

    A arquitetura ganha uma linguagem

    prpria para a representao precisa das idias

    no Renascimento, como cita Martinez: podra

    decirse que hacia 1450 la arquitectura entro em

    la poca de su lenguaje escrito, as como los

    lenguajes naturales llegaron a la escritura

    alfabtica hacia el 2000 antes de Cristo. 2

    Ocorre uma sistematizao do processo deconhecimento e representao da arquitetura e

    sua valorao como profisso e produo

    intelectual. A arquitetura deixa de ser mera

    prtica manual, de tentativa e erro do canteiro

    1 PELLECCHIA, Linda (1992). Architects ReadVitruvius: Renaissance Interpretations of theatrium of the ancient house. Journal of the Society

    of Architectural Historians. Vol. 51. Philadelphia.2MARTINEZ, Alfonso Corona (1998). Ensayo sobre elProyecto. Argentina: Kliczkowski Publisher P: 12.

    Nesta poca, as runas dePompia e Herculano estavamsoterradas, assim como a cidade

    porturia de stia.>

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    de obras medieval e do repasse de

    conhecimento atravs das corporaes de ofcio

    para ser uma produo mental, pensada e

    repensada, atravs do projeto, do desenho e damaquete. A partir deste momento, o projeto

    fundamental para a verificao e

    aperfeioamento constante das idias como

    proclama Alberti no Livro Nove de seu tratado.3

    Dentro deste contexto de

    sistematizao do conhecimento, Palladio

    escreve seu tratado, os Quatro Livros de

    Arquitetura, que praticamente um catlogo

    sistemtico de sua intensa produo

    arquitetnica. Palladio divide seu tratado em

    quatro livros: no Livro Um trata da teorizao

    da arquitetura e seus componentes

    construtivos, as ordens e as propores; no

    Livro Dois trata da residncia, comeando pela

    casa privada grega e romana para chegar a sua

    produo de projetos residenciais privados para

    palcios e villas; o Livro Trs dedicado aos

    edifcios pblicos, ruas, estradas, pontes e

    baslicas, utilizando exemplos antigos e seus

    prprios projetos; no Livro Quatro, Palladio se

    dedica arquitetura sagrada e os templos,

    especialmente os templos romanos.

    Uma das caractersticas singulares do

    tratado palladiano a forma de representao

    utilizada em seus desenhos. Os projetos so

    3

    ALBERTI, Leon Battista (1988). Traduo de RYKWERTJoseph; TAVERNOR, Robert . On The Art of Building inTen Books. Cambridge: MIT Press. P. 317.

    3 But I can say this ofmyself: I have often conceived ofprojects in the mind that seemedquite commendable at the time; butwhen I translate them into drawings,I found several errors in the veryparts that delighted me most, andquite serious ones; again, when I

    return to drawings, and measure thedimensions, I recognize and lamentmy carelessness; finally, when I passfrom the drawings to the model. Isometimes notice further mistakes inthe individual parts, ever one over thenumbers. >

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    representados em escala e com medidas

    referenciais, em forma de vistas ortogonais, de

    planta baixa, cortes e fachadas, que permitem

    sua fcil leitura e possvel reproduo. Esteselementos facilitam o entendimento da

    totalidade do projeto e o controle de suas

    diversas facetas e provavelmente um dos

    maiores fatores da repercusso da obra de

    Palladio e seus seguidores.

    Segundo o levantamento de Lionello

    Puppi4, entre estudos e obras edificadas a

    produo de Palladio chega a cento e quarenta

    e trs projetos. Para a poca, um feito

    excepcional, s possvel atravs de uma base

    terica e compositiva, ou seja, um sistema

    arquitetnico contido em seu tratado. Dentro

    destas obras encontram-se trinta e seis

    projetos residenciais de villas, entre rurais e

    suburbanas. O nmero de projetos de um

    mesmo gnero, elaborado por um arquiteto to

    significativo para a histria e prtica da

    arquitetura suscita a curiosidade e a

    necessidade de um levantamento e anlise

    mais acurada desta produo. Mais que a

    soluo e organizao tripartite das plantas

    palladianas, as villas podem ser agrupadas por

    tipologias de volume isolado, volume com

    arcadas laterais, tipos de soluo de acesso,

    volumetria e outros mais. Estas classificaes

    4 PUPPI, Lionello (1999). Andrea Palladio. Milo:Electa.

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    revelam princpios de projeto que podem ser

    abstrados da questo estilstica que

    normalmente enfatizada nos estudos

    elaborados sobre a arquitetura doRenascimento.

    Vrios estudos j foram elaborados a

    respeito da composio da obra de Palladio e

    suas villas de uma forma menos sistemtica em

    relao aos princpios compositivos, entre eles

    os mais significativos para este trabalho so: os

    textos de Wittkower5 e seus diagramas a

    respeito das villas palladianas; as comparaes

    elaboradas por Colin Rowe6 da obra de Le

    Corbusier e Palladio; os estudos computacionais

    de Hersey7e suas possveis villas palladianas.

    Hoje o processo de representao e

    anlise arquitetnica possui uma ferramenta

    auxiliar importante: a computao grfica. Esta

    ferramenta permite a visualizao e explorao

    das possibilidades compositivas do projeto,

    seus elementos geradores e reguladores, assim

    como a explorao da forma e suas relaes

    estruturais. Sob esta tica a dissertao

    explora a presena destes modelos tipolgicospropostos no tratado palladiano a respeito da

    arquitetura domstica e explora as operaes

    5 WITTKOWER, Rudolf (1958). La arquitectura en laedad del humanismo. Buenos Aires: Nueva Visin.6 ROWE, Collins (1999). Manierismo y arquitecturamoderna y otros ensayos. Barcelona: Gustavo Gilli.7 HERSEY, George (1992). Possible palladian villas

    (Plus a Few Instructively Impossible Ones).Cambridge: The Mit Press.

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    de projeto elaboradas por Palladio no conjunto

    das villas representadas no tratado. O trabalho

    se d em quatro tpicos principais de estudo:

    1. Estudo do processo de projeto noRenascimento italiano e as interferncias e

    referncias de outros autores e arquitetos

    na formao e conhecimento arquitetnico

    de Palladio, principalmente em relao ao

    tratado e ao projeto residencial das villas

    italianas no sc. XVI.

    2. Estudo do tratado Palladiano em relao

    composio arquitetnica, seus elementos-

    chave e a prtica de projeto residencial nas

    villas italianas no sc. XVI, no contexto

    arquitetnico do Renascimento.

    3. Estudo das villas palladianas a partir da sua

    reconstruo atravs da computaogrfica; extraindo seus valores como

    referenciais de metodologia de projeto,

    abstraindo-se a questo estilstica do

    Renascimento;

    4. Identificao dos princpios compositivos e

    geomtricos das villas como referncia de

    especulao projetual atravs dos dados

    geomtricos extrados da reconstruo

    grfica e anlise dos projetos originais de

    Palladio, representados no tratado.

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    As villas palladianas e o

    processo investigativo na

    metodologia de projeto.

    Em tudo na verdade, o mximecertamente em arquitetura, essas duascoisas esto presentes: o que significado e o que significa. O que significado algo proposto do que se

    fala; o que significa a demonstraoexplicada pelas regras da doutrina.(Vitrvio, 1999:50).

    O objetivo deste trabalho interpretar

    as villas Palladianas sob uma tica

    contempornea de representao e anlise,

    extraindo seus valores como sistematizao doconhecimento arquitetnico e referncia de

    metodologia projetual. O projeto das villas de

    palladio permite a aplicabilidade dos conceitos

    preconizados no tratado, uma vez que as

    limitaes encontradas na construo urbana

    no existem nas propriedades rurais. A

    inexistncia do limite fsico do lote e daestrutura de malha urbana possibilita a

    liberdade de projeto dentro dos parmetros

    ideais propostos por Palladio nos Quatro Livros

    de Arquitetura.

    Partindo desta premissa, a dissertao

    identifica os esquemas compositivos utilizados

    nos projetos das villas e os conjuga aos

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    preceitos tericos propostos por Palladio em

    seu tratado, identificando as linhas bsicas de

    composio e organizao dos espaos e

    volumetrias, revelando as operaes projetuaiscompositivas que geram um sistema

    arquitetnico, que, segundo Burns

    revalorizado recentemente atravs de outros

    estudos:

    Palladio provavelmente o maisinfluente e o mais conhecido entre osarquitetos que foram revistos no sculoque est por findar. A sua fama e a suareputao sobreviveram ao Barroco, aogosto neoclssico, ao invectivo queRuskin prega, ao movimento modernoque na sua ltima fase se reconciliaplenamente graas aos escritos deRudolf Wittkower e Collin Rowe com oarquiteto das villas racionais e deharmoniosas propores. A citaoecltica e freqentemente banal dos

    elementos da linguagem de Palladio,como a galeria (peristilo) da VillaPoiana, tem mantido o seu nomefamiliar, e viva a fama de seu livro. Masao mesmo tempo ajudou aosobservadores mais atentos a entendera diferena do sistema arquitetnico dePalladio, no qual estrutura eornamento, forma e funo soperfeitamente integrados, do gesto de

    confeiteiro que acrescenta uma outradecorao a sua torta. 8

    Partindo do ponto de vista que o

    programa do projeto habitacional apresenta

    poucas variaes significativas ao longo dos

    tempos, a anlise dos projetos ser direcionada

    8

    BURNS, Howard. La Creazione di unarchitteturasistematica e trasmissibile. Disponvel emwww.cisapalladio.org.

    8 Palladio probabilmente ilpi influente ed il pi conosciuto tragli architetti che siano vissuti primadel secolo che sta per finire. La suafama e la sua reputazione

    sopravvissero al Barocco, al gustoneo-gotico, alle invettive che Ruskingli rivolse, e al movimento moderno,che nella sua fase ultima si riconcilipienamente, grazie agli scritti diRudolf Wittkower e Colin Rowe, conl'architetto delle ville razionali edarmoniosamente proporzionate. Lacitazione eclettica e spesso pedestredegli elementi del linguaggio diPalladio, come la loggia di villaPoiana, ha mantenuto il suo nome

    familiare e viva la fama del suo libro.Ma allo stesso tempo ha aiutato gliosservatori pi attenti a capire ladifferenza del sistema architettonicodi Palladio, in cui struttura edornamento, forma e funzione sonoperfettamente integrati, dal gesto delpasticcere che aggiunge un'altradecorazione alla sua torta. >

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    nas possibilidades de composio geomtrica,

    mtodos de composio e variaes possveis,

    verificando o uso e relaes existentes nestas

    villas em relao ao escrito no tratado. Asoperaes de projeto reveladas nos estudos das

    villas palladianas nos indicam mais que simples

    articulaes de espaos e propores, mas uma

    srie de repeties e articulaes elaboradas

    constantemente por Palladio, que se traduzem

    numa metodologia projetual indita para o

    Renascimento e que lhe permite desenvolverum grande nmero de obras sobre esta base

    metodolgica, que se torna a marca do sucesso

    palladiano ao longo dos tempos:

    ... tanto os exegetas do Iluminismocomo os atuais procuraram a chave daarquitetura palladiana na novidade dasplantas e dos esquemas distributivos,

    na maneira como eles se articulam numespao interpretado sem preconceitosem sua realidade visual e viabilidadeconstrutiva, e, sobretudo na flunciametodolgica do projeto, que assumeas necessidades funcionais e prticasda construo como dados positivos eno como dificuldades ou obstculos aserem ultrapassados.9

    A computao grfica nos permite

    simular as regras de composio e proporo

    preconizadas no tratado de Palladio e verificar

    sua real aplicabilidade no projeto das villas,

    alm de possibilitar a verificao de suas

    potencialidades e possveis conexes com a

    9

    ARGAN, Giulio Carlo (1999). Clssico anticlssico, oRenascimento de Brunelleschi a Bruegel.So Paulo:Companhia das Letras. P: 413.

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    condio presente da arquitetura e tambm

    proporcionar estudos de variaes compositivas

    tais como no estudo escrito por George

    Hersey.10

    A contribuio do computador

    simplesmente a habilidade paracalcular um nmero enorme depossveis permutaes e combinaesbaseadas nas regras de Palladio. Porcausa da rapidez e perfeio com quepode aplicar estas regras e test-las emuma base mais ampla e segura quepoderia um ser humano sem ajuda.

    Hersey prope em seu estudo um

    esquema compositivo a partir da subdiviso de

    retngulos, de maneira a chegar a solues

    palladianas de organizao de planta e

    esquemas de armao de fachadas a partir

    destas subdivises. As subdivises aleatrias

    propostas pelo programa de computao gera

    solues muitas vezes distantes das solues

    propostas por Palladio, requerendo mecanismos

    de controles para limitar as subdivises em

    esquemas proporcionais prximos aos utilizados

    nas villas. O estudo de Hersey no foi usado

    como referencial terico para a pesquisa, mascomo um referencial de estudos em relao ao

    uso da computao grfica a fim de aproximar

    o estudo das vilas renascentistas a possveis

    situaes contemporneas de projeto medida

    que se abstraia da construo da villa

    10

    HERSEY, George (1992). Possible palladian villas(Plus a Few Instructively Impossible Ones).Cambridge: The Mit Press. P: 10.

    10 What the computercontributes is simply the ability tocalculate a huge number of possiblepermutations and combination basedon Palladios rules. Because of the

    rapidity and completeness with whichit can apply these rules, it can testthem on a far wider and firmer basisthat could an unaided human being.

    .

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    propriamente dita para uma estrutura de

    linhas organizatrias do projeto e do espao.

    A primeira abordagem da obra de

    Palladio ser atravs da anlise e reproduodos projetos das villas apresentados no tratado,

    onde os desenhos so acompanhados de

    dimenses. Primeiramente elaborada uma

    organizao cronolgica seguida de um exame

    dimensional a fim de criar um paralelo em

    escala de todas as villas representadas, uma

    vez que em funo do meio de divulgao

    impresso, as pranchas se encontram em

    escalas diversas e a ordem de apresentao

    das villas no tratado no est em seqncia de

    datas de elaborao dos projetos de acordo

    com as datas publicadas por Puppi.11

    A partir das imagens em escala e de

    suas dimenses foram remontadas as plantas e

    volumetrias propostas pelos desenhos do

    tratado e extrados destes novos desenhos as

    possveis grelhas e elementos reguladores de

    projeto utilizados por Palladio, facilitando a

    anlise planimtrica, altimtrica e volumtrica

    de cada villa. Desta forma, foi possvel extrairmatrizes de composio e classificaes

    tipolgicas dentro da categoria villa e evidenciar

    dentro deste conjunto de projetos quais os

    elementos de projeto que Palladio manipulava

    constantemente e que regravam seu mtodo de

    composio.

    11 PUPPI, Lionello (1999). Andrea Palladio. Milo:Electa.

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    Grelhas, modulaes, propores,

    jogos de eixos e volumes, composies

    geomtricas, estabelecimento de elementos

    estratgicos na composio do projeto,matrizes compositivas so elementos

    encontrados na maneira de projetar de Palladio,

    e que mudam muito pouco, conceitualmente,

    quase quinhentos anos depois.

    Programa, lugar e construo,

    economia, preciso e universalidade so termos

    utilizados por Helio Pion12como caractersticas

    e qualidades no entendimento do projeto da

    arquitetura moderna. Segundo Pion so os

    elementos que asseguram sentido e

    consistncia13 arquitetura modernista. Termos

    semelhantes fazem parte do discurso de

    Palladio em seu tratado, ao descrever os

    princpios de convenincia, durabilidade e

    beleza (commodit, perpetuit e

    bellezza)14 das edificaes, e que so pontos

    chaves do seu sucesso e de seus projetos j no

    sculo XVI.

    Abstraindo-se a questo figurativa e do

    estilo, que fazem parte da questo do carterda arquitetura de cada poca, encontram-se

    aproximaes na maneira de projetar entre

    perodos historicamente to distantes. O uso de

    sries tipolgicas como metodologia de projeto

    12PION, Helio (1998). Curso bsico de proyectos,Barcelona: Ediciones UPC.13PION, Helio (2000 Entrevista a Prof. Ana Rosa

    de Oliveira. Porto Alegre: Polgrafo PROPAR.14 PALLADIO, Andrea (1570). I Quattro libri dellarchitettura. Fax-smile (1990) Milo: U. Hoelpi. P:6.

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    foi empregado por vrios arquitetos em

    diversos perodos histricos aps Palladio ao

    tratar de programas repetitivos ou similares. A

    arquitetura tipolgica das igrejas de CristopherWren na reconstruo da Cityde Londres aps

    o incndio, no sculo XVII; a construo das

    barriresde Paris por Claude-Nicolas Ledoux no

    sculo XVIII, a srie de residncias de Frank

    Loyd Wright, no incio do sculo XX nos EUA,

    conhecidas por praire houses, e Le Corbusier e

    suas casas brancas na Europa modernista dasdcadas de 30 e 40 so somente alguns

    exemplos de aproximaes da metodologia de

    projeto utilizada por Palladio que evidenciam a

    sua validade na prtica arquitetnica. 15

    Outras aproximaes ainda so possveis

    a partir da abstrao do aspecto figurativo e

    programtico destas villas se centrada a

    observao num conjunto abstrato de

    esquemas compositivos e malhas abstratas de

    organizao formal, entendendo-se a forma

    como um sistema de relaes internas e

    universais que geram e identificam o projeto e

    que no tm escala. Desta maneira pode-se

    buscar estas aproximaes tambm em outros

    projetos com programas e funes distantes da

    questo particular do programa domstico e

    rural da villa, como os programas institucionais,

    15

    CASTEX, Jean. (1990). Renacimiento, Barroco yClassicismo Historia de la Arquitectura, 1420-1720.Madrid: Ediciones Akal. P: 154.

    Castex cita comoprocedimento anlogo ao Palladiosomente Wren e Wright. >

    16 Helio Pion em entrevista professora Ana rosa Oliveira emPorto Alegre, coloca que a forma notem escala, so estruturas derelaes, e que as estruturas queresolvem o programa domsticopodem gerenciar e organizar a formade uma cidade.

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    comerciais ou at mesmo numa escala macro

    da organizao da cidade.16

    16PION, Helio (2000 Entrevista a Prof. Ana Rosade Oliveira. Porto Alegre: Polgrafo PROPAR. P: 13 .

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    Captulo 2

    O PROCESSO DE

    PROJETO NO

    RENASCIMENTO

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    Entender a importncia do processo de

    projeto nos dias de hoje nos faz voltar ao

    princpio do Renascimento italiano, quando aprtica do projeto se consolida. Neste perodo,

    a profisso do arquiteto surge como conhecida

    nos tempos atuais, onde o projetista

    responsvel pelo pensamento e organizao da

    edificao como um todo, e o projeto

    resultado de um processo intelectual, um

    exerccio mental de soluo de um problema

    que envolve a disposio das diversas partes.

    As mudanas surgem atravs de

    inovaes nas tcnicas construtivas e nas

    relaes de trabalho na construo da cpula

    de Santa Maria dei Fiore (1420-1436) em

    Florena, e prosseguem rumo a uma

    necessidade de teorizao e fundamentao

    cultural da arquitetura, de maneira a equipar-

    la s artes maiores, como a pintura e a

    escultura e tambm torn-la cincia. Surge a

    necessidade de encontrar bases que

    explicassem esta nova arquitetura e lhe

    atribussem significado cultural e lgico, comoramo de conhecimento e abordagem terica

    prpria. Estas bases vo ser estabelecidas a

    partir da redescoberta do texto de Vitrvio, De

    Architectura libri decem, entre 1414 e 1416 por

    Poggio Bracciolini em St. Gallens, que se torna

    fonte de estudo e teorizao da arquitetura em

    conjunto a anlise dos remanescentes dasconstrues antigas dos romanos.

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    Vrios autores buscaro esta

    fundamentao terica da arquitetura e

    passaro a registrar sua viso e entendimento

    da maneira de projetar e construir a exemplode Vitrvio. Os registros mais importantes so

    os tratados de Alberti e Serlio, o livro de

    Vignola a respeito das cinco ordens e

    posteriormente o tratado palladiano, Os Quatro

    Livros de Arquitetura.

    Os tratados e as interpretaes do

    texto vitruviano geram um novo debate a

    respeito da arquitetura e da valorizao da

    arquitetura clssica como modelo e base de um

    novo sistema construtivo e representativo da

    cultura humanista. Estes tratados so a

    manifestao do desejo de estabelecer a

    arquitetura como disciplina cientfica, algo que

    se possa explicar, e que seja possvel a

    transmisso deste conhecimento.

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    Brunelleschi:

    Uma construo, uma tcnica, uma nova

    profisso.

    Apesar de controvrsias histricas, a

    cpula da Igreja de Santa Maria dei Fiore

    (1420-1436 construo), em Florena,

    projetada por Brunelleschi (1377-1446), objeto

    de concurso, tida como marco do incio do

    Renascimento17

    , e a primeira obra modernaaps a Idade Mdia, sendo uma nova

    concepo construtiva e espacial. Brunelleschi

    ao estudar as construes e runas antigas em

    suas viagens a Roma, busca o entendimento do

    sistema construtivo romano a fim de realizar a

    cobertura do grande vo da catedral de

    Florena. A partir destas anlises, inventa umanova tcnica, possvel de executar a cpula a

    partir de uma maquete, deixando de lado a

    tradio das corporaes de ofcio baseados

    nas experincias prticas dos mestres-de-obras.

    Segundo Argan18, mais que uma

    inovao tcnica e uma nova maneira de

    construir, Brunelleschi inventa a distino ntida

    entre o engenheiro e o mestre de obras, o

    que uma revoluo em relao hierarquia

    unitria da Idade Mdia.

    17MURRAY, Peter (1986). The Architecture of ItalianRenaissance. London: Thames & Hudson. 3 ediorevisada. (1 edio:1963).18

    ARGAN, Giulio Carlo (1999). Clssico anticlssico, oRenascimento de Brunelleschi a Bruegel. So Paulo:Companhia das Letras.

    Figura 1 Brunelleschi - Fonte:www.weltchronik.de

    Figura 2 - Santa Maria dei Fiore -Florena. Fonte: www.yesnet.yk.ca

    O termo moderno naarquitetura do Renascimento utilizado por vrios autores, Murray,Lotz, Heinderich, como a novaarquitetura baseada nos princpioshumanistas e com bases naantiguidade clssica, sem vinculaoao que hoje denominamos arquiteturamoderna relacionada ao MovimentoModernista do incio do sculo XX. >

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    Brunelleschi, com seu projeto e a

    coordenao do canteiro de obras da cpula se

    coloca acima das corporaes de ofcio e os

    reduz a executores de um projeto. SegundoCastex, de maneira simblica pode-se

    considerar a obra da cpula de Florena como o

    lugar de nascimento da profisso de arquiteto e

    da diviso de trabalho nas bases atuais.19

    A histria da cpula amplamente

    discutida e detalhada em quase todos os livros

    que abordam a histria da arquitetura ocidental

    no perodo do Renascimento. Giulio Carlo

    Argan, Peter Murray, Jean Castex e Ludwig

    Heydenreich, entre outros escritores do sculo

    XX, relatam a importncia desta obra e a

    conjuntura em que foi realizada, e todos

    salientam a importncia da mudana de

    pensamento e atitude que Brunelleschi

    representa para a prtica da arquitetura.

    Brunelleschi assume a responsabilidade

    individual sobre a obra, sendo que a concepo

    e as decises so baseadas em um trabalho

    intelectual, o estudo e anlise do projeto

    enquanto idia, no papel, e comprovada porseus clculos. O projeto idia, pensamento,

    trabalho intelectual, separado do trabalho de

    execuo. Nasce neste perodo a idia de

    propriedade intelectual e responsabilidade

    profissional perante a obra a ser executada. A

    19

    CASTEX, Jean (1990). Renacimiento, Barroco eClassicismo Historia de la Arquitectura, 1420-1720. Madrid: Ediciones Akal.

    Figura 3 - Seo e Axonomtrica dacpula de Santa Maria dei Fiore.

    Fonte: Castex, 1990.

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    necessidade de compreender os detalhes

    antecipadamente e verific-los como

    representao de uma idia, em conjunto com

    o interesse de Brunelleschi nas questes queenvolviam o campo visual e a mecnica da

    viso o levam a estudar mais profundamente a

    questo da teoria ptica da Idade Mdia.

    A partir destes estudos e da experincia

    dos retbulos para a visualizao do painel do

    Batistrio, Brunelleschi desenvolve o que

    conhecido como desenho em perspectiva, que

    apesar do carter pictrico do painel do

    batistrio, revela o seu interesse na

    representao e uso da perspectiva para a

    arquitetura, a fim de represent-la

    graficamente tal como o olho humano a

    percebe. A perspectiva se transforma em uma

    ferramenta poderosa para o arquiteto a partir

    deste momento, como instrumento que permite

    testar uma representao tridimensional do que

    ser construdo. Trata-se da visualizao

    realista de uma idia, comparada ao uso da

    computao grfica atualmente como

    ferramenta de suporte ao projeto arquitetnico.

    A perspectiva, segundo Castex, aparece junto

    com o novo conceito de projeto:

    Esta perspectiva se converte em

    um prodigioso instrumento para

    assegurar, ao inverso, como se ver,

    uma vez construdo, o objeto que

    projetado. Porque, como assegurar que

    Figura 4 - O experimento dosretbulos. Fonte: Castex, 1990.

    Brunelleschi pintou em doispequenos retbulos de madeira oBatistrio e a Praa della Signoria. O

    primeiro tinha de ser olhado peloreflexo de um espelho posto na frentee paralelamente superfcie pintada,atravs de um furo aberto nele. Nolugar do cu havia uma superfcie deprata, que refletia o cu verdadeiro. Osegundo retbulo era recortado aolongo dos tetos dos edifciosrepresentados, e devia ser observadode maneira que o cu verdadeiroocupasse o fundo, completando apintura. >

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    a construo corresponder ao projeto?

    No esqueamos que a nova arquitetura

    primeiramente projetada: desenhada,

    e isto que faz sua especificidade.Projeto e perspectiva aparecem juntos

    como as duas faces de uma mesma

    realidade.20

    As experincias de Brunelleschi so

    posteriormente desenvolvidas por Alberti, em

    seu tratado sobre a pintura, onde apresenta ateoria da perspectiva e da cmera escura.21

    A importncia do entendimento deste

    primeiro perodo de mudana do pensamento

    em relao arquitetura se d no s pelo uso

    da representao grfica como ferramenta de

    exposio das idias, mas como mudana de

    uma fase experimental e prtica de ofcio para

    uma fase de processo mental do projeto. As

    decises no so mais baseadas apenas na

    prxis, no conhecimento transmitido atravs

    das corporaes de ofcio, mas tomadas a partir

    de um estudo e processo de projeto resultado

    de uma produo intelectual.

    A obra de Brunelleschi como marco de

    uma nova postura profissional e o

    estabelecimento de um processo de projeto

    geram um olhar diferenciado sobre as

    edificaes do sculo XV. Alm da tcnica

    20 CASTEX, Jean (1990). Renacimiento, Barroco e

    Classicismo Historia de la Arquitectura, 1420-1720. Madrid: Ediciones Akal. P. 36.21ALBERTI, Leon Batista (1435-1436). De Pictura.

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    construtiva resgatada das observaes das

    runas romanas, Brunelleschi busca o

    entendimento de uma organizao e sistema de

    propores adotados nas edificaes daantiguidade, buscando a harmonia e relao

    das partes como um todo proporcional,

    avanando ao sistema modular proveniente da

    arquitetura gtica e que vo estar presentes em

    suas obras posteriores, como o Hospital dos

    Inocentes (1419), Igreja de San Lorenzo

    (1421), Igreja de Santo Spirito (1436) e CapelaPazzi (1429), todos em Florena.

    Este momento um perodo de

    mudana e ruptura com a tradio medieval, e

    como todo perodo de transio, conviver

    ainda com obras e posturas culturais ligadas ao

    passado gtico. Esta mudana na arquitetura

    comea neste perodo na Itlia, e s

    posteriormente atingir a Frana, Inglaterra e

    outros pases da Europa.

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    Vitrvio:

    a base de pesquisa

    No incio do sculo XV, em 1414 ou

    141622, uma cpia manuscrita do tratado de

    Vitrvio, De Architectura, redescoberta na

    biblioteca do monastrio de St. Gallen, na

    Sua, por Poggio Bracciolini. Esta redescoberta,

    no momento em que novos rumos e

    questionamentos a respeito da arquitetura solevantados, fundamental para a definitiva

    mudana do pensamento arquitetnico nos

    anos seguintes. O estudo deste manuscrito

    serve de base terica nova posio a que a

    arquitetura alada. O texto foi escrito

    provavelmente entre os anos 20 e 30 a.C.,

    dedicado ao Imperador Romano Augusto, apsa um longo perodo de guerras, o que

    representa uma poca de renovao cultural e

    arquitetnica.23

    Como o primeiro tratado conhecido

    escrito a respeito da arquitetura, o texto de

    Vitrvio serve de base a toda teorizao sobre

    as ordens e os princpios compositivos da

    arquitetura clssica. Dividido em dez livros, o

    tratado descreve as definies da arquitetura;

    seus componentes; princpios de modulao,

    simetria e proporo das construes, os

    22 Mac Millan (1982). Encyclopedia of Architects.

    Vol.4 New York. P: 341.23 ROWLAND, Ingrid D. (1999). Vitruvius, Ten Bookson Architecture. USA: Cambridge University Press

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    templos, os edifcios pblicos e privados, a

    residncia romana e tambm as ferramentas de

    construo. O tratado mistura a teoria e a

    prtica, o que Vitrvio j salienta no primeirolivro:

    ... O conhecimento nasce da

    prtica e da teoria. Prtica o exerccio

    constante e freqente do emprego das

    mos pelas quais o trabalho realizado,

    com qualquer material necessrio

    consecuo de um projeto. Teoria,

    entretanto, a habilidade para

    demonstrar e explicar os princpios das

    propores dos trabalhos executados,

    hbil e sistematicamente.25

    H uma grande dificuldade em

    entender o tratado vitruviano no sculo XV. Osedifcios descritos por ele, em sua maioria so

    runas, ou no existem mais. O livro no

    contm ilustraes, o que determina que se

    faam dedues a partir da sua descrio das

    propores das construes. A dificuldade de

    entender o texto escrito em latim e que utiliza

    tambm termos gregos para designar partes daconstruo faz com que surjam comentrios

    como o de Alberti, de que o texto pareceria

    24

    Texto em latim disponvel em:http://www.fhaugsburg.de25ROWLAND, Ingrid D. (1999). Op. cit. P: 21.

    24 Architecti est scientia

    pluribus disciplinis et variiseruditionibus ornata, cuius iudicioprobantur omnia quae ab ceterisartibus perficiuntur opera. Ea nasciturex fabrica et ratiocinatione. Fabricaest continuata ac trita usus meditatioad propositum deformationis, quaemanibus perficitur e materia,cuiuscumque generis opus est.Ratiocinatio autem est, quae resfabricatas sollertiae ac rationis proportione demonstrare atque explicare

    potest.24

    (Vitrvio, Livro I, cap.I.). >

    25 The architects expertiseis enhanced by many disciplines andvarious sorts of specializedknowledge, all the works executedusing these other skills are evaluatedby his seasoned judgment. Thisexpertise is born both of practice andof reasoning. Practice is the constant,repeated exercise of the hands bywhich the work is brought to

    completion in whatever medium isrequired for the proposed design.Reasoning, however, is what candemonstrate and explain theproportions of completed worksskillfully and systematically.

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    39

    latim para os gregos e grego para os

    romanos.26

    Um dos principais motivos da relevncia

    do tratado vitruviano est principalmente pelofato de ter sido escrito por um arquiteto de

    ofcio, descrevendo e teorizando sobre a

    arquitetura clssica. Os arquitetos e intelectuais

    do sculo XV buscam o entendimento sobre

    toda a cultura clssica, em especial a

    arquitetura. Desta forma o tratado o nico

    documento conhecido como suporte a esta

    busca em conjunto com o estudo das runas,

    principalmente as localizadas em Roma, e serve

    de base de pesquisa e de intelectualizao da

    arquitetura.

    Apesar de Vitrvio ser criticado por

    Alberti, seu livro ser o suporte dos tratados e

    teorias da arquitetura do Renascimento. Os

    princpios de firmitas, utilitas e venustas

    serviro de base para Palladio ao escrever seu

    tratado, traduzindo os termos como:

    commodit, perpetuit e belleza27. Mais que o

    levantamento e compreenso dos edifcios

    pblicos e os templos atravs do tratado, est acuriosidade e necessidade de tentar entender a

    moradia da antiguidade romana, pois no

    existem exemplares em condies de permitir

    este estudo in loco. A necessidade de projetar

    26ALBERTI, Leon Battista. Ten Books on architectura.Livro VI. Cap. I.27

    PALLADIO, Andrea (1570). I Quattro libridellarchitettura. (fac similie) Milao:U. Hoepli.Editora,1990.

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    residncias nos sculos XV e XVI inspiradas no

    passado da antiguidade clssica romana faz

    com que os arquitetos tentem imaginar as

    construes descritas por Vitrvio. No seconheciam ainda as runas de Pompia e

    Herculano, escavadas dois sculos depois.

    Com a falta de exemplares construdos,

    Vitrvio servir de suporte para os arquitetos

    projetarem as residncias e palcios em Roma

    e Florena de acordo com os novos anseios

    desta sociedade. A restaurao da importncia

    poltica de Roma no sculo XV com a

    reunificao da Igreja e o retorno dos Papas

    leva a uma poltica de obras pblicas e ao

    incentivo da construo privada para recuperar

    e restaurar a imagem da cidade, dilapidada e

    com baixa populao por mais de um sculo. O

    retorno dos papas a Roma, aps o fim da ciso

    de Avignon, traz consigo toda a corte

    eclesistica, cardeais e demais autoridades que

    geram uma demanda de novas construes que

    lhe fossem dignas, palcios pblicos e privados,

    que congregavam um amplo programa e

    definiam um edifcio monumental.28

    O projeto destes palcios monumentais

    e dos palcios menores29 revela a inteno de

    muitos arquitetos de reconstruir a disposio

    planimtrica da casa romana antiga (domus),

    28 Ver PEREIRA, Cludio Calovi (2001). PrticaProfissional e o Projeto de Palcios menores no

    Renascimento Italiano. Arquitextos 1. Porto Alegre:UFRGS PROPAR.29Idem.

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    revelando um esforo intelectual em entender

    as descries de Vitrvio sobre a moradia em

    seu tempo, que da mesma maneira influenciar

    Palladio no sculo XVI, na busca doentendimento da residncia romana da

    antiguidade.30

    30Ver RYKWERT, Joseph (1999). La casa de adn enel paraso. Barcelona: Gustavo Gilli.

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    42

    Alberti:

    teoria e intelectualizao da arquitetura ou a

    formao terica do cliente.

    Por volta de 1450, Leon Batista Alberti

    (1404-1472) escreve seu tratado sobre

    arquitetura, De Re Aedificatoria.

    Alberti um intelectual, formado desde

    cedo nas bases humanistas, tratando-se de

    uma personalidade de cultura ampla e querepresentar neste momento um papel especial

    na consolidao de um novo statuspara com as

    artes visuais. Alberti estuda direito civil e

    cannico em Bolonha, ordenado em 1428 e

    posteriormente dedica-se s disciplinas

    filosficas, que incluam as cincias e as

    matemticas.31 Esta formao salienta adiferena entre ele e seus antecessores na

    formao e influncia na transformao do

    status da arquitetura.

    Em 1428, quando retorna a Florena,

    conhece Brunelleschi e provavelmente a

    Donatello, Ghiberti e Masaccio32. Em 1434,

    retorna novamente a Florena e segundo

    Argan, neste momento as obras destes autores

    o teriam impressionado profundamente:

    31 HEINDENREICH, Ludwig H. (1998). Arquitetura naItlia, 14500 1500. So Paulo: Cosac & NaifyEdies.32

    MURRAY, Peter (1986). The Architecture of theItalian Renaissance. New York: Schocken Books. 3ed.

    Figura 5 Plaqueta com suposto auto-retrato de Alberti.Fonte:www.centrostudiclassicismo.it.

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    43

    No promio do Tratado da

    pintura dito com toda clareza que,

    chegando a Florena em 1434, aps sua

    primeira estada em Roma, Alberti ficouprofundamente impressionado com os

    trs fatos mais notveis da renovao

    que o pensamento humanista

    determinara na arte: a grande estaturia

    de Donatello, de Ghiberti, de Nanno di

    Banco; a arquitetura de Brunelleschi,

    com a cpula de Santa Maria dei Fiore; apintura de Masaccio. Percebeu que estes

    fatos rompiam a articulao tradicional

    entre momento doutrinrio e momento

    operativo, ou manual, da arte; que no

    havia mais continuidade, e sim, distino

    e correlao de dois nveis: o da

    inveno, ou teoria, e o da prxis.33

    Depois de ter escritos os tratados sobre

    a estaturia e a pintura, no qual desenvolve a

    teoria da perspectiva, e ter percebido a

    mudana de rumo na prtica profissional da

    arquitetura deste momento, Alberti volta seu

    interesse a uma nova conceituao a respeito

    da arquitetura, aliado a seus interesses

    pessoais34, quando nomeado consultor do

    Papa Nicolau V a respeito das reformas

    33ARGAN, Giulio Carlo (1999). Clssico anticlssico, oRenascimento de Brunelleschi a Bruegel. So Paulo:Companhia das Letras. P: 145.34 Ver Castex, Jean. (1990). Renacimiento, Barroco eClassicismo Historia de la Arquitectura, 1420-

    1720. Madrid: Ediciones Akal. Captulo 4: Alberti (1404-1472): P. 49-61.

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    urbansticas de Roma. Provavelmente em torno

    de 1440, Alberti comea a escrever seu tratado

    sobre arquitetura, De Re Aedificatoria, o qual

    presenteia ao Papa Nicolau V em 1452 em umaprimeira verso, pois continua a trabalhar nele

    at sua morte em 1472. A primeira publicao

    impressa se dar em 1486, 14 anos aps sua

    morte.

    A importncia do entendimento deste

    contexto que envolve a vida de Alberti, e o que

    o leva a se interessar pela arquitetura,

    essencial para o entendimento do seu tratado,

    e para quem ele direcionado. O texto de

    Alberti escrito em latim, idioma que s os

    eruditos, estudiosos e a nobreza eclesistica do

    sculo XV dominavam. O tratado dividido em

    dez livros como o de Vitrvio, obviamente tem

    por base o primeiro, mas as diferenas entre os

    escritores so fundamentais. Alberti no

    escreve para os construtores e arquitetos, e sim

    para seus clientes, a quem quer convencer e

    formar a opinio a respeito da arquitetura como

    arte, e fruto de um pensamento lgico e

    intelectual35.

    Segundo Rykwert, 36 Vitrvio escrevia

    seguindo uma tradio e confirmando sua

    posio de custdia e guardio da arquitetura

    que descrevia, enquanto Alberti estabelece a

    35 KRAUTHEIMER, Richard (1969). Studies in EarlyChristian, Medieval, and ReaissanceArt. New York:NY University Press. Captulo 19.36

    ALBERTI, Leon Battista (1988). Traduo de RYKWERTJoseph; TAVERNOR, Robert . On The Art of Building inTen Books. Cambridge: MIT Press.

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    45

    nova disciplina da arquitetura do Renascimento,

    e a teoria a qual deveria seguir. O tratado de

    Alberti, mais que uma descrio de obras e

    tipologias da arquitetura clssica, e um manualsobre as tcnicas construtivas, aborda a

    necessidade de entender a arquitetura como

    processo intelectual, e atravs da arquitetura

    clssica encontrar os princpios desta

    arquitetura. A semelhana entre a estrutura dos

    tratados de Alberti e Vitrvio amplamente

    discutida no sculo XX, gerando algumascontrovrsias. Castex37coloca Vitrvio como um

    trampolim para Alberti, Krautheimer38

    argumenta que existem paralelos em relao

    estrutura de seus contedos alm da diviso

    em dez livros, e mais recentemente, Caroline

    Van Eck escreve sobre a necessidade de

    reconsiderar o estudo da estrutura do tratado,que estaria baseada nos textos de oratria e

    salientando as diversas correntes de anlise dos

    ltimos tempos.39

    Alberti, no prlogo do tratado aborda a

    arquitetura como arte maior, que satisfaz ao

    mesmo tempo as exigncias dos trs nveis em

    que opera: a necessidade (firmitas), a

    comodidade (utilitas), e o prazer esttico

    37Ver Castex, Jean. (1990). Renacimiento, Barroco eClassicismo Historia de la Arquitectura, 1420-1720. Madrid: Ediciones Akal. Captulo 4: Alberti (1404-1472): P. 49-61.38 KRAUTHEIMER, Richard (1969). Studies in EarlyChristian, Medieval, and Reaissance Art. New York:NY University Press. Captulo 1939

    ECK, Caroline Van (1998). The Structure of De REAedificatoria Reconsidered. JSHA Journal of theSociety of Architectural Historians. Vol. 57. Nmero 3.

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    (venustas). E define o estatuto do arquiteto

    como aquele que pela fora da razo e do

    mtodo saber corresponder s exigncias e

    necessidades do homem nas construes, ouseja, utilidade, comodidade e prazer esttico.40

    No mesmo prlogo ele ressalta a importncia

    do projeto, na analogia prvia do edifcio como

    um corpo, constitudo de contornos

    (lineaments) e matria. O primeiro produto

    do pensamento, que necessita da mente e

    fora da razo e o segundo produto danatureza e dependente das corretas decises

    de projeto para que o uso da matria seja

    eficaz e consistente.41

    Ao falar sobre os lineamentos, Alberti

    coloca as primeiras definies do projeto

    arquitetnico como hoje concebida. Trata-se da

    possibilidade de projetar ou imaginar, sem

    qualquer recurso material todas as formas na

    mente, em um processo intelectual de soluo

    de um problema, que dever ser testado e

    revisado continuamente.

    bastante possvel projetar

    formas inteiras na mente sem qualquerrecurso material, pela designao e

    determinao de uma orientao fixa e

    conjuno de vrias linhas e ngulos.

    40 Ver Choay Franoise (1980). A Regra e o Modelo.So Paulo: Editora Perspectiva.41ALBERTI, Leon Battista (1988). Traduo de RYKWERT

    Joseph; TAVERNOR, Robert . On The Art of Building inTen Books. Cambridge: MIT Press.

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    Considerando que isso o caso,

    lineamentos devem ser o esboo preciso

    e correto, concebido na mente,

    composto de linhas e ngulos, eaperfeioado pela inteligncia e

    imaginao.42 (Alberti, 1988. Livro I,

    Cap. 1).

    Mas eu posso dizer isto de mim:

    eu concebi freqentemente projetos na

    mente que pareciam bastante razoveis

    na ocasio; mas, quando os traduzi em

    desenhos, eu encontrei vrios erros nas

    mesmas partes que me agradaram

    muito, e erros bastante srios;

    novamente, quando eu voltei aos

    desenhos, e verifiquei as dimenses,

    reconheci e lamentei meu descuido;

    finalmente, quando passei dos desenhos

    para a maquete, s vezes notei enganos

    adicionais nas partes individuais, at

    mesmo em cima dos nmeros.43

    Estes trechos do tratado albertiano

    revelam sua inteno em promover aarquitetura desde uma arte manual at o nvel

    das artes liberais, como resultado do processo

    intelectual em que o projeto comandar as

    aes do canteiro de obra, levando adiante o

    42ALBERTI, Leon Battista (1988). Traduo de RYKWERT

    Joseph; TAVERNOR, Robert . On The Art of Building inTen Books. Cambridge: MIT Press.. Livro I, Cap. 1.43Idem, Livro IX, Cap. 10.

    42 It is quite possible toproject whole forms in the mindwithout any recourse to the material,by designation and determining a

    fixed orientation and conjunction forthe various lines and angles. Sincethat is the case, let lineaments be theprecise and correct outline, conceivedin the mind, made up of lines andangles, and perfect in the learnedintellect and imagination. (Alberti,1988. Livro I, Cap. 1).

    43 But I can say this ofmyself: I have often conceived of

    projects in the mind that seemedquite commendable at the time; butwhen I translate them into drawings,I found several errors in the veryparts that delighted me most, andquite serious ones; again, when Ireturn to drawings, and measure thedimensions, I recognize and lamentmy carelessness; finally, when I pasfrom the drawings to the model. Isometimes notice further mistakes inthe individual parts, even over the

    numbers. (Alberti, 1988. Livro IX,cap. 10).

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    que Brunelleschi, na prtica, j teria comeado

    no incio do sculo XV e que Palladio ir

    avanar no sculo XVI, aliando teoria e prtica

    profissional. Para Alberti, no h arbitrariedadena definio do projeto. As regras do projeto

    esto presentes em sua concepo dos

    lineamentos, onde o todo est para as partes

    assim como as partes para o todo, numa

    relao lgica e proporcional, remetendo

    sempre a analogia da construo e proporo

    ao corpo humano.

    A trade vitruviana (firmitas, utilitas e

    venustas) elaborada ao longo de todo o

    tratado quando discorre sobre os elementos da

    construo, suas relaes e propores, as

    tcnicas construtivas, tipo de edificaes, sem

    necessariamente explicitar estes termos a cada

    parte. A necessidade de estabelecer a

    arquitetura como arte faz com que Alberti

    submeta os aspectos tcnicos e construtivos

    importncia suprema da beleza na arquitetura.

    Segundo Choay, a argumentao lgica de todo

    o tratado, em sua anlise como retrica, est

    no encadeamento de toda a argumentao de

    Alberti em professar a arquitetura como uma

    arte superior e completa, em que a beleza e o

    prazer esttico so a razo maior em direo ao

    qual os fundamentos anteriores devem

    concorrer.

    O registro de comodidade,

    porm, constitui apenas uma etapa no

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    processo de edificao. Os espaos

    construdos encontram seu verdadeiro

    arremate somente no quadro do registro

    superior. Em outras palavras, s regrasque permitem satisfazer a demanda de

    comodidade, devem acrescentar-se as

    regras que respondem ao desejo de

    beleza: o prazer esttico e a beleza que

    o proporciona so a finalidade e o

    coroamento ao mesmo tempo da

    edificao e do De Re Aedificatoria, cujaltima e mais longa parte lhes

    dedicada. 44

    Esta noo de beleza, que pode parecer

    um conceito abstrato, definida de acordo com

    a relao das partes e o conjunto da obra, onde

    nada poderia ser acrescentado ou retirado sem

    prejudicar o todo.

    Beleza a sensata harmonia de

    todas as partes dentro de um corpo, de

    forma que nada pode ser adicionado,

    subtrado, ou alterado, a no ser para

    pior-lo.45

    Desta maneira, ao longo do seu tratadoAlberti cria um sistema terico para definir a

    arquitetura como cincia e arte liberal (ars

    liberalis), conhecimento explicvel e com

    44CHOAY, Franoise (1980). A Regra e o Modelo. SoPaulo: Editora Perspectiva. P:102.45ALBERTI, Leon Battista (1988). Traduo de RYKWERT

    Joseph; TAVERNOR, Robert . On The Art of Building inTen Books. Cambridge: MIT Press. Livro VI, Cap. 2.

    45 Beauty is that reasonedharmony of all the parts within abody, so that nothing may be added,taken away, or altered, but for theworse. (Alberti, 1988. Livro VI, Cap.2).>

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    campo disciplinar prprio, explicitando as

    regras e sistematiza seu processo de anlise e

    entendimento. Os conceitos de lineamentos, as

    formas e propores dos espaos, abordadosno livro I, servem de base para Palladio,

    juntamente com o tratado vitruviano, ao

    escrever o seu tratado, assim como a questo

    urbana e das tipologias das villas e residncias

    privadas abordadas no Livro V, do De Re

    Aedificatoria.

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    Serlio:

    o tratado como formao e guia

    profissional.

    Sebastiano Serlio (1475-1555) nasceu

    em Bolonha, filho do pintor Bartolomeo Serlio,

    e, teve sua formao inicial como pintor, assim

    como outros arquitetos da poca. Suas

    primeiras atividades so em Pesaro, entre os

    anos de 1511 e 1514. Aps este perodo se

    transfere para Roma, onde trabalha nas obras

    do Vaticano sob a superviso de Bramante,

    Raphael e Baldassare Peruzzi, este ltimo seu

    principal professor nos fundamentos da

    arquitetura renascentista. Em 1527, aps o

    saque de Roma, Serlio se transfere para Veneza

    onde comea a trabalhar em seu tratado, TutteLOpere de LArquitettura et Prospetiva,

    publicado integralmente somente aps a sua

    morte.

    A partir de 1538, a cidade de Vicenza

    solicita a consultoria a vrios arquitetos, em

    perodos distintos, para a renovao da baslica

    da cidade, entre eles: Serlio, Giulio Romano,

    Michele Sanmicheli e Palladio, sendo o projeto

    de Palladio o escolhido pra execuo. Somente

    em 1540 encontra finalmente seu tutor, o Rei

    Francis I da Frana, que patrocina a publicao

    de Della Antiquita, o terceiro livro de seu

    tratado, iniciado em Veneza. Em 1545 publica

    De metrie et De perspective, os dois primeiros

    Figura 6 - Geometrias - Fonte: Serlio,1996

    Figura 7 - Geometrias - Fonte: Serlio,1996

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    livros do tratado, seguido do Quinto libro

    drchitettura nel quale se trata de diverse

    forme dei tempii em 1547. O sexto livro,

    dedicado a arquitetura domstica, aparece em1551, mas nunca publicado, sobrevivendo

    seus manuscritos e gravaes46. O stimo livro

    sobre os acidentes arquitetnicos publicado

    em 1575 aps sua morte.

    Seu tratado o primeiro direcionado

    especificamente ao problema da arquitetura

    moderna47, apresentado com ilustraes e

    informaes especficas sobre os mtodos

    construtivos, assim como um guia geometria

    euclidiana e aos princpios da construo

    geomtrica em perspectiva. Escrito em

    linguagem vernacular, em contraste ao tratado

    de Alberti direcionado a nobreza e escrito em

    latim, o texto e as ilustraes refletem sua

    inteno de orientar sua publicao aos

    arquitetos, como um guia prtico da

    arquitetura.

    O tratado organizado de maneira

    seqencial, parte da base representativa da

    expresso grfica e geometria para o desenhoem perspectiva, as antiguidades e as ordens,

    apresentando a seguir exemplos de projetos,

    partindo de solues simples para outras de

    maior complexidade. O uso das ilustraes para

    46 SERLIO, Sebastiano (1996). Sebastiano Serlio ondomestic architecture. New Hawen. Traduzido por

    Vaughan Hart e Peter Hicks. Ver introduo, pgina xxv,The Architettura, a Treatise in Sevens Books.47Ver nota lateral P.32.

    Figura 8 - Perspectivas - Fonte:Serlio, 1996.

    Figura 9 - Perspectivas - Fonte:Serlio, 1996.

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    expor seu pensamento revela o

    desenvolvimento da racionalidade e

    pensamento humanista, refletida no layout de

    impresso de outros tratados cientficos damesma poca como, por exemplo, o trabalho

    de anatomia De Humani corporis fabrica libri

    septem, publicado por Andreas Vesalius em

    1543 (Figura 10).

    A seqncia de exposio apresentada

    por ele no prefcio aos leitores indica a

    inteno didtica de uma seqncia lgica de

    leitura do trabalho como um todo,

    independente da ordem inversa de sua

    publicao. O primeiro livro tratando dos

    princpios da geometria, para o entendimento

    preciso do que o arquiteto produzir, o segundo

    abordando os princpios da representao em

    perspectiva, para revelar o conceito em uma

    leitura tridimensional, o terceiro tratando da

    representao grfica precisa, o desenho

    tcnico, plantas e elevaes (Icnografia,

    Ortografia) e vistas laterais (Sciografia). O

    quarto livro trata das ordens, um dos

    elementos chaves de entendimento e projeto

    da arquitetura neste perodo. O quinto

    discutindo as diferentes tipologias de templos,

    com seus respectivos desenhos. O sexto livro

    abordando a questo habitacional, desde as

    mais simples at os palcios e o stimo e ultimo

    livro do tratado concluindo com exemplos de

    diversas situaes que o arquiteto se depararao longo da vida profissional, como formas

    Figura 10 Desenhos de dissecao

    de Vesalius, De humani corporisfabrica. Fonte: Tavernor, 1998.

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    irregulares de terrenos, restauraes e

    reconstrues de residncias.48 Esta seqncia

    praticamente define o currculo de um curso de

    arquitetura, abordando todas as questes queenvolviam o projeto neste momento, e uma

    seqncia muita prxima da abordagem

    acadmica atual do ensino de arquitetura.

    A apresentao dos desenhos em vistas

    ortogonais um precedente ao que Palladio

    desenvolver posteriormente na publicao de

    seu tratado com mais propriedade atravs do

    uso das propores indicadas em planta em

    suas representaes. Esta apresentao, de

    qualquer maneira, forma uma ferramenta

    didtica importante no contedo geral do

    tratado de Serlio e ajudam a estabelecer um

    padro para a representao arquitetnica no

    Renascimento.

    ... As pranchas de Serlio

    ajudaram a padronizar as projees de

    desenho usadas no Renascimento e em

    particular nos tratados arquitetnicos

    subseqentes. 49

    O Livro VI constitudo basicamente deilustraes com textos explicativos, mas

    configura uma importante abordagem a

    respeito da arquitetura residencial da poca, e

    forma um catlogo consultivo de uma tipologia

    normalmente construda sem a presena do

    48SERLIO, Sebastiano (1996). Op. Cit. Pg. 253.49SERLIO, Sebastiano (1996). Op. Cit. Pg. xx.

    A maior parte dos currculosde arquitetura atualmente, adota aseqncia de ensino atravs do

    aprendizado da representaoarquitetnica e seus elementos. Aabordagem da tridimensionalidade darepresentao seja manual ouauxiliada por computador e oexerccio de projeto. Aliada a umarepertorizao atravs da histria daarquitetura e da pesquisa, e de umcrescente em complexidade nasquestes programticas do exercciode projeto.>

    James Ackerman na

    Introduo escrita por ele para atraduo do Livro VI, comenta oavano do uso das dimenses epropores utilizadas por Palladio emrelao a simplificao do uso demedidas e escalas adotadas porSerlio. Ver maiores detalhes emSERLIO, Sebastiano (1978). Ondomestic architecture. New York:Mit/Press, pgina 14.

    49 Although Serlio tells us

    that to assist the scaling off ofmeasurements from the drawings,perspective, or the foreshortening ofthe side face, is not to be used inBook III, side faces in perspectives incombination with true elevations arein fact a regular feature. Indeed, thereceding side serves to emphasise theprofile of the element underdiscussion. Serlios plates helped tostandardize the drawing projectionsused in the Renaissance and in

    subsequence architectural treatises inparticular. (Serlio, 1996. Pg. xx.).

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    arquiteto. Serlio antev uma nova clientela que

    se forma neste perodo e populariza, pelo

    menos na classe burguesa ascendente do

    Renascimento, a profisso do arquiteto.Ento, como agora, a maioria

    das residncias foi construda sem

    arquitetos, e havia um grande mercado

    em potencial para modelos padronizados

    do novo estilo apresentado no Livro VI e

    disponvel na verso impressa. Aps a

    morte de Serlio, os construtores

    seguramente continuaram a confiar

    neste livro como inspirao, assim como

    fizeram com a publicao de Palladio

    vinte e cinco anos depois.50

    Alm da importncia de prever esta

    disseminao do trabalho do arquiteto noprojeto da arquitetura cotidiana, o manuscrito

    do Livro VI contribui ao entendimento de uma

    mudana social e poltica na histria ocidental,

    o aumento de poder e influncia de uma nova

    classe social, a burguesia. A ascenso e

    mudana do carter desta nova sociedade se

    refletem na mudana de relaes da cidade esuas necessidades. Novos espaos de

    convivncia so necessrios, o carter de ruas

    e praas se modifica, o que significa uma nova

    ordenao do espao pblico das cidades.

    50 SERLIO, Sebastiano (1978). On domestic

    architecture. New York: Mit/Press. Introduo escritapor James Ackerman para a traduo do Livro VI,publicada em 1978. P: 11.

    50 Then, as now, mosthousing was built without architects,

    and there was a potential market forstandardized models in the latest stylesuch as Book VI would have providedhad it been available in print. Builderslong after Serlios death would surelyhave continued to rely on this bookfor inspiration as they did Palladiospublication of twenty-five years later.(Serlio, 1978. p.11).

    Figura 11 - Planta baixa do Pantheon,segundo Serlio. Fonte: Serlio, 1996.

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    Um novo pblico consumidor de

    arquitetura surge nesta poca, mudando as

    necessidades tipolgicas na construo do

    sculo XVI, e criando uma nova relaoarquiteto-cliente, assim como uma nova

    abordagem no processo de projeto, o processo

    investigativo atravs da manipulao dos

    elementos e das tipologias reinterpretadas da

    arquitetura clssica.

    James Ackerman escreve naintroduo da traduo do Livro VI, oartigo intitulado The UrbanRevolution, onde comenta estas novas

    mudanas e a participao do textode Serlio neste contexto. Serlio, 1978.>

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    O projeto como investigao e teoria

    O sculo XVI representa um momento

    de transformao na maneira de pensar e

    projetar. A mudana das relaes de trabalho e

    da sociedade nos sculos anteriores comea

    esta transformao. Nos sculos XIV e XV, os

    arquitetos eram apenas um dos participantes

    do processo de construo e das decises

    arquitetnicas. Sua influncia dependia dequem era o contratante da obra, quem eram as

    comisses construtivas, que definiam muito do

    que deveria ser feito.

    As publicaes citadas anteriormente

    so essenciais na mudana de pensamento,

    uma vez que a arquitetura passa a figurar no

    meio intelectual. Deixa de lado o sistemacorporativo das comisses construtivas sob a

    superviso do mestre de obras (capomaestro)

    para ser resultado da investigao atravs do

    projeto autoral do arquiteto, fundamentado no

    estudo do tratado de Vitrvio, e nos tratados da

    atualidade renascentista.51Estes estudos geram

    uma nova gama de parmetros para o projeto,

    desde as propores at definies tipolgicas

    dos edifcios.

    51 Ver mais em: Pereira, Cludio Calovi. (1998).Architectural Pratice and the Planning of Minor

    Palaces in Renaissance Italy: 1510-1570. Tese deDoutorado (Arquitetura)- Massachusetts Institute ofTechnology-. MIT.

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    Em conjunto a esta mudana de

    pensamento no entendimento da arquitetura

    como cincia e arte liberal, surge a necessidade

    de novos projetos no mbito da arquiteturadomstica. Os projetos destinados a arquitetos,

    at ento vinculados a edifcios monumentais

    ligados ao clero, a nobreza, ou a corte

    eclesistica se expande para edifcios de

    propores menores destinados a uma

    nobreza menor no final do sculo XV, ligadas

    normalmente corte papal em Roma, conformecita o Prof. Calovi:

    Ao fim do sculo XV, a

    restaurao poltica de Roma havia

    criado uma nobreza menor na cidade,

    composta principalmente por classes

    profissionais ligadas administrao da

    burocracia papal e proviso de servios

    para a mesma. Tratava-se de

    diplomatas, juristas, escrives,

    economistas, secretrios, tradutores,

    literatos, mdicos e artistas. Alguns

    deles somavam sua ocupao secular

    algum cargo ou funo eclesistica.52

    O aumento do nmero destes projetos

    residenciais em Roma (conhecidos como

    palcios menores) levou a arquitetura a atuar

    tambm na questo mais ampla da formao

    da cidade e de uma relao arquiteto-cliente

    52PEREIRA, Cludio C. (2001a). Prtica Profissional e

    o projeto de Palcios Menores no RenascimentoItaliano. ARQTEXTO-, Porto Alegre, N 1. p. 38-47 1semestre 2001 PR0PAR/UFRGS.

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    muito prxima atuao profissional atual. O

    arquiteto passou a centrar sua atuao no

    projeto do edifico, fornecendo ao cliente os

    desenhos e maquetes para sua construo.53

    O crescimento desta nova classe mdia

    se expandia nas demais cidades italianas, assim

    como em Roma. A mudana das relaes

    comerciais e sociais dos sculos anteriores,

    passando do sistema feudal medieval de trocas

    para um sistema mercantil traz consigo a

    necessidade de novos espaos para a cidade,

    assim como moradias melhores para a classe

    dominante em ascenso, que aspira por

    residncias baseadas nos edifcios modernos

    construdos para a nobreza e de acordo com a

    nova ideologia humanista. Esta classe

    composta por profissionais liberais, banqueiros

    e mercadores, diferente da nobreza menor de

    Roma, ligada Igreja, e com maiores vnculos

    culturais em relao ao conhecimento da arte e

    cultura humanista.

    No incio do sculo XVI, Antnio da

    Sangallo, o Jovem, projetou uma srie de

    palcios menores em Roma, incluindo duasresidncias para ele. Nos projetos destas

    residncias pode se verificar, atravs dos

    desenhos remanescentes, o processo de

    projeto atravs da investigao planimtrica.

    53 Ver mais em PEREIRA, Cludio C. (2001). Prtica

    Profissional e o projeto de Palcios Menores noRenascimento Italiano. ARQTEXTO-, Porto Alegre, N1. p. 38-47 1 semestre 2001 PR0PAR/UFRGS.

    Figura 12 - Plantas Sangallo, o jovem.Ufizzi 984 Ar - Fonte: Pereira (1998).

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    A partir de uma idia inicial desenhada

    a rgua para a sua primeira residncia (1534),

    localizada na Via Giulia em Roma, so feitas

    investigaes e alteraes a mo livre, atsurgir a necessidade da elaborao de outra

    planta contendo as novas informaes. As

    alternativas variam em torno do ptio interno,

    onde as variaes planimtricas se do na

    localizao das partes. Na planta final os

    principais espaos recebem denominaes com

    base no tratado vitruviano, nomes como:vestibolo, atrio, peristilo e cavo aedio,

    revelando a inteno de aproximar a moradia

    do sculo XVI casa romana antiga.54

    No projeto de sua segunda residncia

    (1542) o conjunto de plantas remanescentes

    revela uma srie de desenhos a mo-livre,

    demonstrando um mtodo de especulao

    projetual atravs de mltiplas alternativas,

    avaliadas e desenvolvidas ao longo do

    processo.55 Este processo de projeto, atravs

    da investigao das alternativas planimtricas

    dos palcios menores, identificado tambm

    na obra de Baldassare Peruzzi e Palladio na

    54 Ver mais em PEREIRA, Cludio C. (1998).Architectural Pratice and the Planning of MinorPalaces in Renaissance Italy: 1510-1570. Tese deDoutorado (Arquitetura)- Massachusetts Institute ofTechnology-. MIT.Tese

    55PEREIRA, Cludio C. (2001a). Prtica Profissional e

    o projeto de Palcios Menores no RenascimentoItaliano. ARQTEXTO-, Porto Alegre, N 1. p. 38-47 1semestre 2001 PR0PAR/UFRGS.

    Figura 13 - Plantas Peruzzi para oPalazzo Ricci.Ufizzi 359 - Fonte: Pereira (1998).

    Figura 14 Plantas de Palladio ,estudo para um palcio.RIBA XV/22v - Fonte: Pereira (1998).

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    tese de doutorado do Prof. Cludio Calovi

    Pereira.56

    Peruzzi e Palladio esboam a planta de