princípios estruturantes do processo civil

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Princípios Estruturantes do Processo Civil Acesso à justiça Garantias do processo justo Novo modelo processual Acesso à justiça 1. Direito à jurisdição O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”. Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é uma consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no art. 2º CRP. O acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental assegurado ao cidadão na área da protecção dos direitos: adequadamente, o art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as condições para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos. Nesta perspectiva, percebe-se que, nos termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do acesso ao direito envolva o direito à informação e consultas jurídicas e, em caso de necessidade, ao patrocínio judiciário e que o art. 6º DL 387-B/87, de 29/ 12, englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário num mais vasto direito à protecção jurídica. 2. Garantias do acesso à justiça Quando considerada na perspectiva do acesso à justiça, qualquer reforma do processo civil deve orientar-se para a eliminação dos obstáculos que impedem, ou, pelo menos, dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os seguintes obstáculos ao acesso à justiça: o obstáculo económico, se os interessados não estiverem em condições de aceder aos Tribunais por causa da sua pobreza; o obstáculo organizatório, porque a tutela de certos interesses colectivos ou difusos impõe uma profunda transformação nas regras e institutos tradicionais do direito processual; finalmente, o obstáculo propriamente processual, porque os tipos tradicionais de processo são inadequados para

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Princípios Estruturantes do Processo Civil 

 Acesso à justiçaGarantias do processo justoNovo modelo processual 

  

Acesso à justiça 1.     Direito à jurisdição

O  art.  10º  Declaração  Universal  dos  Direitos  do  Homem  estabelece  que “toda  a  pessoa  tem  direito,  em  plena  igualdade,  a  que  a  sua  causa  seja equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”.

Este  direito  à  justiça  sem  qualquer  discriminação  por motivos  económicos é  uma  consequência  do  Estado  social  de  direito  que  se  encontra  consagrado no  art.  2º  CRP.  O  acesso  à  justiça  não  é,  aliás,  o  único  direito  fundamental assegurado  ao  cidadão  na  área  da  protecção  dos  direitos:  adequadamente,  o art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso aos Tribunais poderia  tornar-se vazia e  ilusória, dado que não  importa criar as condições  para  aceder  aos  Tribunais  se,  simultaneamente,  não  se  possibilitar o  conhecimento  dos  direitos  que  se  podem  defender  através  desses  órgãos. Nesta  perspectiva,  percebe-se  que,  nos  termos  do  art.  20º/2  CRP,  a  garantia do acesso ao direito envolva o direito à  informação e consultas  jurídicas e, em caso de necessidade, ao patrocínio judiciário e que o art. 6º DL 387-B/87, de 29/12, englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário num mais vasto direito à protecção jurídica.

 2.     Garantias do acesso à justiça

Quando considerada na perspectiva do acesso à  justiça,  qualquer  reforma do  processo  civil  deve  orientar-se  para  a  eliminação  dos  obstáculos  que impedem,  ou,  pelo  menos,  dificultam,  esse  acesso.  Cappellitti  considera  os seguintes  obstáculos  ao  acesso  à  justiça:  o  obstáculo económico,  se  os interessados não estiverem em condições de aceder aos Tribunais por causa da sua pobreza; o obstáculo organizatório,  porque a  tutela de certos  interesses colectivos ou difusos impõe uma profunda transformação nas regras e institutos tradicionais  do  direito  processual;  finalmente,  o  obstáculo propriamente processual,  porque  os  tipos  tradicionais  de  processo  são  inadequados  para 

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algumas tarefas de tutela.a)     Obstáculo económico:A  garantia  do  acesso  à  justiça,  para  ser  efectiva,  pressupõe  a  não 

discriminação  por  insuficiência  de  meios  económicos  (art.  20º/1  CRP).  O  art. 6º  DL  387-B/87  garante,  no  âmbito  da  protecção  jurídica,  o  chamado  apoio judiciário,  o  qual  compreende  a  dispensa,  total  ou  parcial,  ou  o  diferimento do  pagamento  dos  serviços  do  advogado  ou  solicitador  (art.  15º/1  DL  387-B/87). Este apoio  judiciário destina-se a evitar que os custos relacionados com o processo  seja  utilizados  pela  parte  economicamente mais  poderosa  como  um meio de pressão sobre a parte mais fraca.

b)    Obstáculo organizatório:O  art.  26º-A  regula  a  legitimidade  para  as  acções  e  procedimentos 

cautelares  destinados  à  tutela  de  interesses  difusos,  como  os  que  se  referem à  saúde  pública,  ao  ambiente  e  qualidade  de  vida,  ao  património  cultural,  ao domínio público e ao consumo de bens e serviços.

O  art.  26º-A  contém  apenas  uma  norma  remissiva  para  a  lei regulamentadora da acção popular, mas, ainda assim, apresenta a vantagem de integrar no âmbito do processo civil a legitimidade popular, isto é, a legitimidade para a defesa dos  interesses difusos através da acção popular prevista no art. 52º/3 CRP. Esclareça-se, a propósito, que, nos  termos do art. 12º/2 Lei 83/95, a  acção  popular  civil  pode  revestir  qualquer  das  formas  previstas  no  Código de  Processo  Civil,  pelo  que  essa  legitimidade  abrange  qualquer  acção  ou procedimento admissível na área processual civil.

c)     Obstáculo processual:O  processo  declarativo  segue  uma  tramitação,  comum  ou  especial,  fixada 

pela  lei  (art.  460º/1  CPC).  Abandonada  qualquer  correspondência  entre  o direito  subjectivo  e  a  respectiva  actio,  são  fundamentalmente  motivos  ligados à  necessidade  prática  de  adaptar  a  tramitação  processual  a  certas  situações específicas  que  conduzem à  previsão  de  certos  processos  especiais. Mas,  os processos especiais previstos na lei só abrangem certas situações particulares, o  que  significa  que  a  grande  maioria  das  acções  propostas  em  Tribunal  é regulada para a tramitação comum (art. 460º/2 CPC).

Segundo o art. 265º-A CPC, quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, o juiz deve, mesmo oficiosamente, determinar,  depois  de  ouvidas  as  partes,  a  prática  dos  actos  que  melhor se  ajustem  ao  fim  do  processo  e  definir  as  necessárias  adaptações  no  seu procedimento. Deve entender-se que a  iniciativa da adaptação pode pertencer quer  ao  juiz,  quer  a  qualquer  das  partes.  A  adaptação  pode  consistir  tanto na  realização  de  actos  que  não  sejam  previstos  na  tramitação  legal  e  que  se mostrem  indispensáveis  ao  apuramento  da  verdade  e  ao  acerto  da  decisão, como na dispensa de actos que se revelem manifestamente inidóneos para o fim do processo.

O  art.  265º-A  CPC,  não  o  diz,  mas  é  claro  que  a  tramitação  sucedânea tem  de  respeitar  estritamente  a  igualdade  das  partes  (art.  3º-A  CPC)  e,  em particular,  o  princípio  do  contraditório  (art.  3º/2/3  1ª  parte  CPC).  Mesmo  que, como  o  art.  265º-A CPC,  o  exige,  a  parte  tenha  sido  previamente  ouvida,  ela 

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não  fica  impedida  de  invocar  o  desrespeito  daqueles  princípios  na  tramitação sucedânea. A prática ou a omissão de um acto que  implica a ofensa daqueles princípios  traduz-se numa nulidade processual  (art. 201º/1 CPC), pois que são directamente violados os preceitos que os consagram (arts. 3º/2/3 1ª parte e 3º-A CPC) e essa violação influi certamente no exame ou decisão da causa.

Nas  hipóteses  de  cumulação  de  vários  objectos  processuais  numa mesma acção,  o  problema da  inadequação  formal  surge  numa outra  vertente: sempre  que  uma  certa  situação  da  vida  jurídica  comporte  aspectos  a  que, quando  considerados  parcelarmente,  correspondam  processos  comuns  e especiais  ou  diferentes  processos  especiais,  coloca-se  o  problema  de  saber se  essa  diferença  formal  deve  impedir  o  seu  tratamento  unitário  num mesmo processo.  É  evidente  que  é  desejável  que motivos  formais  não  impliquem  um desmembramento de uma mesma situação jurídica por vários processos.

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Garantias do processo justo 3.     Direito ao processo justo

Não  basta  assegurar  a  qualquer  interessado  o  acesso  à  justiça:  tão importante  como  esse  acesso  é  garantir  que  o  processo  a  que  se  acede apresenta,  quanto à  sua própria estrutura,  garantias de  justiça. Este direito ao processo  justo  encontra-se  expressamente  consagrado  no  art.  10º Declaração Universal  dos  Direitos  do  Homem,  no  art.  14º/1  Pacto  Internacional  sobre  os Direitos  Civis  e  Políticos  e  no  art.  6º/1  Convenção  Europeia  dos  Direitos  do Homem.  Todos  estes  preceitos  atribuem  o  direito  a  um  julgamento  equitativo, que,  aliás,  eles  próprios  concretizam  nas  garantias  de  imparcialidade  e  de independência  do  Tribunal,  de  igualdade  das  partes,  de  publicidade  das audiências,  do  juiz  legal  ou  natural  e  de  proferimento  da  decisão  num  prazo razoável.

Estes  princípios  são,  todos  eles,  susceptíveis,  de  moldar  o  regime processual. Assim, é indispensável garantir àquele que recorre aos Tribunais um julgamento  por  um  órgão  imparcial,  uma  plena  igualdade  das  partes,  o  direito ao contraditório, uma duração razoável da acção, a publicidade do processo e a efectivação do direito à prova. 4.     Imparcialidade do Tribunal

A  administração  da  justiça  não  é  possível  sem  um  Tribunal  independente e  imparcial:  a  imparcialidade  do  Tribunal  constitui  um  requisito  fundamental do  processo  justo.  As  garantias  de  imparcialidade  do  Tribunal  podem  ser vistas, quer como garantias do Tribunal perante  terceiros, quer como garantias das  partes  perante  o  Tribunal.  Naquela  primeira  perspectiva,  as  garantias  de imparcialidade  costumam  classificar-se  em materiais  e  pessoais:  as garantias materiais  respeitam  à  liberdade  do  Tribunal  perante  instruções  ou  quaisquer intromissões de outro órgão do estado (art. 206º CRP, art. 4º/1 EMJ – Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei n.º 21/85, de 30/7, alterada pelo DL n.º 342/88, de 28/9, e pelas Leis n.º 2/90, de 20/1, e 10/94, de 5/5); as garantias pessoais protegem  o  juiz  em  concreto:  são  elas  a  irresponsabilidade  (art.  5º  EMJ)  e  a inamovibilidade (art. 6º EMJ).

Na  perspectiva  das  partes,  as  garantias  de  imparcialidade  referem-se  à independência do juiz e à sua neutralidade perante o objecto em causa.

Constitui  ainda uma garantia  das partes a  chamada  independência  interna do juiz. Refere-se esta às  influências a que o  juiz está sujeito pela sua origem, educação  ou  processo  de  socialização.  É  este  aspecto  da  independência interna  que  justifica  a  proibição  da  prática  de  actividade  político-partidárias  de carácter público e de ocupação de cargos políticos pelos magistrados  judiciais em exercício de funções (art. 11º EMJ), bem como a proibição do desempenho pelos mesmos  de  qualquer  outra  função  pública  ou  privada,  salvo  as  funções docentes ou de  investigação  jurídica, desde que não  remuneradas  (art.  218º/3 CRP, art. 13º EMJ).

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 5.     Igualdade das partes

Ambas  as  partes  devem  possuir  os  mesmos  poderes,  direitos,  ónus  e deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante  a  outra  e  ambas devem ser  iguais  perante  o Tribunal. Esta  igualdade das  partes,  que  deve  ser  assumida  como  uma  concretização  do  princípio  da igualdade  consagrado  no  art.  13º  CRP,  é  agora  um  princípio  processual  com expressão legal no art. 3º-A CPC, este preceito estabelece que o Tribunal deve assegurar, durante  todo o processo, um estatuto de  igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.

Um  primeiro  problema  suscitado  pelo  art.  3º-A  e  pela  referida  igualdade substancial  entre  as  partes  é  o  de  nem  sempre  é  viável  assegurar  essa igualdade.  Em  certos  casos,  não  é  possível  ultrapassar  certas  diferenças substanciais  na  posição  processual  das  partes;  noutras  hipóteses,  não  é possível afastar certas igualdades formais impostas pela lei.

Devem  ser  respeitadas  todas  as  situações  de  igualdade  formal  entre  as partes determinadas pela lei processual. Há que observar alguns preceitos que visam  directamente  a  igualdade  formal  entre  as  partes  (arts.  42º/2  e  512º-A/1  CPC).  Portanto,  também  neste  campo  não  existe  qualquer  possibilidade  de assegurar uma igualdade substancial entre as partes.

O art. 3º-A  tem como destinatário o Tribunal, pois que é a este órgão que o preceito atribui a  função de garantir a  igualdade substancial das partes. Mas esta  função  pode  ser  entendida  de  duas  formas  bastantes  distintas:  se  essa função  for  concebida  com  um  conteúdo  positivo,  aquele  preceito  impõe  ao Tribunal o dever de promover a igualdade entre as partes e de, eventualmente, auxiliar a parte necessitada; se, pelo contrário, essa  função  for entendida com um  conteúdo  negativo,  só  se  proíbe  que  o  Tribunal  promova  a  desigualdade entre as partes.

O  direito  português  concede  ao  Tribunal  certos  poderes  instrutórios  (arts. 535º/1,  612º/1  e  653º/1  CPC)  e  inquisitórios:  quanto  estes  últimos,  resulta do  disposto  nos  arts.  264º/2  e  265º/3  CPC,  que  o  Tribunal  pode  investigar  e considerar  os  factos  instrumentais  relevantes para a decisão da  causa. Mas o uso destes poderes instrutórios e inquisitórios é orientado, não pela necessidade de obter a igualdade entre as partes, mas pela de procurar proferir uma decisão de acordo com a realidade das coisas.

A  expressão  do  princípio  da  igualdade  deve  ser  procurada  fora  daqueles poderes  instrutórios  ou  inquisitórios,  o  que  de  modo  algum  exclui  um  amplo campo de aplicação desse princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no referido conteúdo  positivo,  que  impõe  ao  Tribunal  um  dever  de  constituir  a  igualdade entre as partes, como no conteúdo negativo, que o proíbe de originar, pela sua conduta, uma desigualdade entre as partes.

A  referência  à  igualdade  substancial  que  consta  no  art.  3º-A  não  pode postergar  os  vários  regimes  imperativos  definidos  na  lei,  que  originam desigualdades  substanciais  ou  que  se  bastam  com  igualdades  formais.  Quer supressão  dos  factores  de  igualdade  formal,  mas  através  de  um  auxílio 

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suplementar a favor da parte carenciada do auxílio. Essa igualdade substancial não é obtida através de um minus imposto a uma das partes, mas de um maius concedido à parte necessitada.

O  princípio  da  igualdade  substancial  não  choca  com  o  princípio  da imparcialidade do Tribunal. Esta  imparcialidade  traduz-se numa  independência perante  as  partes, mas,  no  contexto  do  princípio  da  igualdade,  imparcialidade não  é  sinónimo  de  neutralidade:  a  imparcialidade  impõe  que  o  juiz  auxilie do  mesmo  modo  qualquer  das  partes  necessitadas  ou,  dito  de  outra  forma, implica, verificadas as mesmas condições, o mesmo auxílio a qualquer delas; a neutralidade determina a passividade do juiz perante a desigualdade das partes. Portanto,  o  juiz  tem  de  ser  neutro  perante  as  situações  de  desigualdade  que existam ou que se possam criar entre as partes, mas deve ser imparcial perante elas, dado que, quando tal se justifique, deve auxiliar qualquer delas.

O  conteúdo  negativo  do  princípio  da  igualdade  substancial  destina-se  a impedir  que  o  juiz  crie  situações  de  desigualdade  substancial  entre  as  partes. Assim,  por  exemplo,  esse  princípio  obsta  a  que  o  Tribunal  fixe,  para  cada uma das  partes,  prazos  diferentes  para  o  exercício  da mesma  faculdade ou o cumprimento do mesmo ónus.

Quanto às decisões sobre o mérito da causa, elas são determinadas pelos critérios resultantes da lei ou que por ela seja permitidos, como a equidade (art. 4º CC) e a discricionariedade própria dos processos de jurisdição voluntária (art. 1410º CPC). Assim, o Tribunal só pode introduzir na sua decisão as correcções que  a  lei  permita  ou  que  resultem  de  qualquer  daqueles  critérios  formais  de decisão.

 6.     Garantia do contraditório

O direito do contraditório – que é, em si mesmo, uma decorrência do princípio da  igualdade  das  partes  estabelecido  no  art.  3º-A  –  possui  um  conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ele foi proposta uma acção ou requerida uma providência e, portanto, um direito à  audição  antes  de  ser  tomada  qualquer  decisão,  mas  também  um  direito  a conhecer  todas  as  condutas  assumidas  pela  contraparte  e  a  tomar  posição sobre elas, ou seja um direito de resposta.

a)     Direito à audição prévia:O direito  à  audição  prévia  encontra-se  consagrado  no  art.  3º/1  (o Tribunal 

não  pode  resolver  o  conflito  de  interesses  que  a  acção  pressupõe  sem  que a  resolução  lhe  seja  pedida  por  uma  das  partes  e  a  outra  seja  devidamente chamada  para  deduzir  oposição)  CPC  in  fine,  embora  possa  sofrer  as excepções  genericamente  previstas  no  art.  3º/2  (só  nos  casos  excepcionais previstos na  lei  se podem  tomar providências  contra determinada pessoa  sem que  esta  seja  previamente  ouvida)  CPC:  assim,  num  procedimento  cautelar comum, o Tribunal só ouvirá o requerido se a audiência não puser em risco sério o  fim ou a eficácia da providência (art. 385º/1 CPC); a restituição provisória da posse e o arresto são decretados sem a audiência da parte requerida (arts. 394º e 408º/1 CPC). É ainda o direito à audição prévia que justifica todos os cuidados de  que  há  que  revestir  a  citação  do  réu  e  a  tipificação  dos  casos  em  que  se 

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considera que ela  falta  (art. 195º CPC) ou é nula  (art. 198º/1 CPC) e que está subjacente à possibilidade de  interposição do recurso extraordinário de revisão contra  uma  sentença  proferida  num  processo  em  que  tenha  faltado  a  citação ou esta seja nula (art. 771º-f CPC) e de oposição e anulação da execução com base nos mesmos vícios (arts. 813º-d e 921º CPC).

b)    Direito de resposta:O  contraditório  não  pode  ser  exercido  e  o  direito  de  resposta  não  pode 

ser  efectivado  se  a  parte  não  tiver  conhecimento  da  conduta  processual  da contraparte.  Quanto  a  este  aspecto,  vale  a  regra  de  que  cumpre  à  secretaria notificar  oficiosamente  as  partes  quando,  por  virtude  de  disposição  legal,  elas possam  responder  a  requerimentos,  oferecer  provas  ou,  de  um  modo  geral, exercer  algum  direito  processual  que  não  dependa  de  prazo  a  fixar  pelo  juiz, nem de  prévia  citação  (art.  229º/2 CPC). Concretizações  desta  regra  constam dos arts. 146º/5, 174º/1, 234º/1, 542º e 670º/1 CPC.

O  direito de resposta  consiste  na  faculdade,  concedida  a  qualquer  das partes, de  responder a um acto processual  (articulado,  requerimento, alegação ou  acto  probatório)  da  contraparte.  Este  direito  tem  expressão  legal,  por exemplo,  no  princípio  da  audiência  contraditória  das  provas  constante  do  art. 517º CPC.

O  art.  3º/3  1ª  parte  CPC,  impõe  ao  juiz,  de  modo  programático,  o  dever de  observar  e  fazer  cumprir,  ao  longo  de  todo  o  processo,  o  princípio  do contraditório.  Significativa  é  também,  quanto  a  este  aspecto,  a  supressão  dos processos sumários e sumaríssimos como processos cominatórios plenos (arts. 784º e 794º/1 CPC): neste caso, não é o contraditório que se garante, mas as consequências do seu exercício que se atenuam.

A  violação  do  contraditório  inclui-se  na  cláusula  geral  sobre  as  nulidades processuais  constante  do  art.  201º/1  (fora  dos  casos  previstos  nos  artigos anteriores,  a  prática  de  um  acto  que  a  lei  não  admita,  bem  como  a  omissão de um acto ou de uma  formalidade que a  lei prescreva, só produzem nulidade quando  a  lei  o  declare  ou  quando  a  irregularidade  cometida  possa  influir  no exame  ou  na  decisão  da  causa)  CPC:  dada  a  importância  do  contraditório,  é indiscutível  que  a  sua  inobservância  pelo  Tribunal  é  susceptível  de  influir  no exame ou decisão da causa. Uma concretização desta regra encontra-se no art. 277º/3 (são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da  instância, em  relação aos quais  fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu) CPC.

 7.     Duração razoável do processo

A lentidão processual encontra causa endógenas e exógenas. Como causas endógenas podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade – se não legal, pelo menos real – do juiz da acção; a orientação da actividade das partes, não pelos  fins da  tutela processual, mas por  razões  frequentemente dilatórias; alguns  obstáculos  técnicos,  como  os  crónicos  atrasos  na  citação  do  réu  e  a demora no proferimento do despacho saneador devida às dificuldades inerentes à elaboração da especificação e do questionário. Outras causas da morosidade 

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processual  são exteriores ao próprio processo:  falta de  resposta dos Tribunais ao  crescimento  exponencial  da  litigiosidade,  dada  a  exiguidade  dos  meios disponíveis;  maior  complexidade  do  direito  material  e  crescente  uso  nele  de conceitos  indeterminados e de cláusulas gerais, cuja concretização, deficiência na preparação técnica dos profissionais forenses.

Uma  consequência  da  morosidade  da  justiça  é  o  recurso  cada  vez  mais frequente  às  providências  cautelares  como  forma  de  solucionar  os  litígios, especialmente quando elas podem antecipar a  tutela definitiva ou mesmo vir a dispensá-la.

São  várias  as  soluções  habitualmente  seguidas  (ou  tentadas)  para  obviar à  morosidade  processual.  Salientam-se,  entre  ela,  as  seguintes  soluções:  o estabelecimento  entre  as  fases  do  processo,  ou  mesmo  no  seu  interior,  de regras de preclusão, que obstam a que um acto omitido possa vir a ser realizado fora  do  seu momento  legalmente  fixado;  o  reforço  do  controlo  do  juiz  sobre  o processo; a concentração do processo numa audiência na qual a causa possa ser discutida e, eventualmente, decidida.

O  art.  2º/1  CPC,  atribui  à  parte  o  direito  de  obter,  num  prazo  razoável,  a decisão da causa, o que significa que o Estado  tem do dever de disponibilizar os meios necessários para assegurar a celeridade na administração da  justiça. Assim, a concessão deste direito à celeridade processual possui, para além de qualquer  âmbito  programático,  um  sentido  preceptivo  bem  determinado,  pelo que a  parte  prejudicada  com a  falta  de decisão da  causa num prazo  razoável por  motivos  relacionados  com  os  serviços  da  administração  da  justiça  tem direito  a  ser  indemnizada  pelo  Estado  de  todos  os  prejuízos  sofridos.  Esta responsabilidade  do  Estado  é  objectiva,  ou  seja,  é  independente  de  qualquer negligência ou dolo do juiz da causa ou dos funcionários judiciais.

Para  obter  a  indemnização  dos  prejuízos  causados  pelo  atraso  no proferimento  da  decisão  tem  sido  utilizada,  com  alguma  frequência,  a  petição dirigida  à  Convenção  Europeia  dos  Direitos  do  Homem  (art.  25º/1),  para  que esta  solicite  a  apreciação  da  violação  pelo  Estado  português  da  garantia  da decisão do processo num prazo razoável pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (arts. 44º e 48º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e, se for caso, a atribuição ao  lesado de uma  reparação adequada  (art. 50º Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

 8.     Publicidade do processo

O  Processo  Civil  é  –  diz  enfaticamente  o  art.  167º/1  CPC  –  público.  A publicidade  do  processo  tornou-se  possível  com  a  introdução  da  oralidade e  contínua  a  possuir  a  justificação  tradicional:  ela  é  um  meio  para  combater o  arbítrio  e  assegurar  a  verdade  e  a  justiça  das  decisões  judiciais.  A  essa publicidade estão subjacentes os princípios  fundamentais do Estado de direito, nomeadamente  a  possibilidade  de  um  controlo  popular  dos  órgãos  que  – como  sucede  com  os  Tribunais  –  exercem  poderes  de  soberania  (art.  110º/1  CRP).  É  nesta  perspectiva  que  se  deve  entender  a  garantia  da  publicidade das  audiências  dos  Tribunais,  que  se  encontra  consagrada  no  art.  206º  CRP e no art. 656º/1 CPC, bem como a garantia do acesso aos autos por  todos os 

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interessados estabelecida no art. 167º/2 CPC.A  publicidade  das  audiências  dos  Tribunais  constitui  uma  importante 

garantia  numa  dupla  dimensão:  em  relação  às  partes,  ela  assegura  a possibilidade  de  um  controlo  popular  sobre  as  decisões  que  as  afectam directamente;  relativamente  à  opinião  pública,  essa  publicidade  permite combater a desconfiança na administração da justiça.

A publicidade das audiências é, no entanto, excluída quando circunstâncias ponderosas  o  aconselham.  Esses  motivos  encontram-se  constitucionalmente tipificados (art. 206º CRP) e são repetidos no respectivo preceito da lei ordinária (art. 656º/1 CPC): são eles a salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública e a garantia do normal funcionamento da audiência (art. 9º lei 3/99).

A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa capaz  de  exercer  o  mandato  judicial  ou  a  quem  nisso  revele  um  interesse atendível,  de  exame  e  consulta  dos  autos  na  secretaria  do  Tribunal  e  de obtenção  de  cópias  ou  certidões  de  quaisquer  peças  nele  incorporadas  pelas partes (art. 167º/2 CPC). Este acesso aos autos é, porém, limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à  intimidade da vida privada ou  familiar ou à moral pública ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir (art. 168º/1 CPC).

 9.     Direito à prova

A  prova  é  a  actividade  destinada  à  formação  da  convicção  do  Tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (art. 341º CC), isto é, dos factos que constituem a chamada base instrutória (art. 508º-A/1-e, 508º-B/2, e 511º/1 CPC). Essa actividade  incumbe à parte onerada (art. 342º CC), que não obstará uma decisão favorável se não satisfazer esse ónus (art. 516º; art. 346º CC).

Para  cumprir  o  ónus  da  prova,  a  parte  tem  de  utilizar  um  dos  meios  de prova  legal  ou  contratualmente  admitidos  ou  não  excluídos  por  convenção das partes (art. 345º CC). Dada a  importância do cumprimento do ónus para a contraparte e para terceiros, costuma falar-se de um direito à prova. Este direito é  habitualmente  deduzido,  para  a  generalidade  dos  processos  jurisdicionais, do  disposto  no  art.  6º/3-d  Convenção  Europeia  dos  Direitos  do  Homem,  que garante ao acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter  a  convocação e o  interrogatório das  testemunhas de defesa nas mesmas condições daquelas.

O  direito  à  prova  contém  limites  impostos  pela  protecção  de  direitos  de terceiros:  aquele  direito  cede  perante  direitos  de  terceiros  que  mereçam  do ordenamento  jurídico  uma  tutela  mais  forte.  Em  geral,  os  limites  do  direito  à prova consubstanciam-se nas chamadas provas proibidas, que podem ser tanto provas  que  são  materialmente  lícitas  mas  processualmente  proibidas,  como provas que são materialmente e processualmente proibidas.

Algumas  provas  são  materialmente  lícitas,  mas,  apesar  disso,  não  são processualmente  admissíveis.  Estas  provas  podem  conduzir  a  uma  proibição de produção ou de valoração. Noutros casos, a prova pode ser produzida num processo, mas não pode ser valorada numa outra acção.

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Outras provas são materialmente proibidas e, portanto, ilícitas. São exemplo de provas ilícitas todas aquelas que são obtidas através dos métodos previstos no art. 32º/8 CRP ou no art. 519º/3 CPC.

As  provas  ilícitas  são,  em  regra,  insusceptíveis  de  ser  valoradas  pelo Tribunal,  isto  é,  não  podem  servir  de  fundamento  a  qualquer  decisão  judicial. Mas, quanto ao  real âmbito destas provas  insusceptíveis de valoração, parece haver que distinguir entre aqueles meios de prova cuja produção é, ela própria, um acto ilícito (é o caso das provas previstas no art. 32º/8 CRP e no art. 519º/3 CPC) e aquelas provas cuja produção não representa, em si mesma, qualquer ilicitude.

  

Novo modelo processual 

10. Premissas geraisAs  características  do  processo  liberal,  dominado  pela  passividade  judicial, 

são  essencialmente  as  seguintes;  às  partes  é  concedido  o  controlo  sobre  o processo  e  os  factos  relevantes  para  resolução  do  litígio  e  é  minimizado  o contributo do  juiz e de  terceiros para essa resolução; a decisão requer apenas uma  legitimação  dependente  da  observância  das  regras  e  dos  pressupostos processuais.  Em  contrapartida,  são  as  seguintes  as  linhas  essências  do processo submetido ao activismo  judiciário: as partes  repartem com o Tribunal o  domínio  sobre  o  processo  e  ela  próprias  são  consideradas  uma  fonte  de informações  relevantes  para  a  decisão  da  causa;  as  partes  e  terceiros  estão obrigados a um dever de cooperação com o Tribunal; a legitimação da decisão depende da sua adequação substancial e não apenas da sua correcção formal; as  regras  processuais  podem  ser  afastadas  ou  adaptadas  quando  não  se mostrem idóneas para a justa composição do litígio.

O  processo  é  poder.  Nas  sociedades  modernas,  submetidas  ao  poder político do Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juízes é expressão de posição que o sistema  jurídico  lhes concede para a  resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (art. 202º/2 CRP). Isto reconduz a análise para o problema da legitimação do processo jurisdicional, ou seja, para a  adequação  da  instituição  processual  para  realizar  os  fins  que  o  Estado  e  a sociedade lhe atribuem.

Os  processos  jurisdicionais  de  natureza  declarativa  destinam-se  a  obter  o proferimento de uma decisão pelo Tribunal. A correcção desta decisão depende da sua coerência com as premissas de  facto e de direito que foram adquiridas durante o processo e da própria não contradição entre essas premissas: se essa decisão  for  correcta,  será  possível  encontrar  na  sua  fundamentação  naquelas premissas  ou,  pelo  menos,  reconstitui-las  a  partir  dela.  A  esta  coerência  da decisão com as sua premissas pode chamar-se legitimação interna.

Esta  legitimação assegura a coerência da decisão com as suas premissas, mas  nada  garante  quanto  à  verdade  ou  aceitabilidade  dessas  premissas  e, portanto, daquela decisão: do facto de esta ser coerente com as suas premissas não  se  segue que ela  corresponda à  realidade das  coisas,  pois  que,  para  tal, 

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é  necessário  que  estas  premissas  estejam,  elas  próprias,  de  acordo  com  tal realidade. A esta correspondência da decisão com a realidade extra-processual pode chamar-se legitimação externa.

O  Estado  social  de  direito  que  se  encontra  plasmado  no  art.  2º  CRP pressupõe  uma  democracia  económica,  social  e  cultural.  O  processo jurisdicional  não  pode  deixar  de  reflectir  essas  preocupações  sociais  e  de  ser impregnado  por  uma  concepção  social:  a  solução  dos  conflitos  não  é  uma matéria de mero  interesse dos  litigantes e estes não devem ser  tratados como titulares  abstractos  da  situação  litigiosa, mas  antes  como  indivíduos  concretos com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta.

O  Estado  social  de  direito  representa  um  compromisso  entre  a  esfera do  Estado  e  a  da  sociedade,  dos  grupos  e  dos  indivíduos.  Também  este compromisso  se  reflecte  em  vários  aspectos  dos  modernos  processos jurisdicionais.

 11. Cooperação inter-subjectiva

O art. 266º/1 CPC, dispõe que, na condução e intervenção no processo, os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes devem cooperar entre si,  concorrendo  para  se  obter,  com  brevidade  e  eficácia,  a  justa  composição do  litígio.  Este  importante  princípio  da  cooperação  destina-se  a  transformar  o processo  civil  numa  “comunidade  de  trabalho”  e  a  responsabilizar  as  partes  e o  Tribunal  pelos  seus  resultados.  Este  dever  de  cooperação  dirige-se  quer  às partes,  quer  ao  Tribunal,  pelo  que  importa  algumas  consequências  quanto  à posição processual das partes perante o Tribunal, deste órgão perante aquelas e entre todos os sujeitos processuais em comum.

a)     Posição das partes:Dever de  cooperação assenta,  quanto às partes,  no dever de  litigância da 

boa fé (art. 266º-A – As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior – CPC). A infracção do dever do honeste procedere pode resultar de má fé subjectiva, se ela é aferida pelo  conhecimento  ou  não  ignorância  da  parte,  ou  objectiva,  se  resulta  da violação dos padrões de comportamento exigíveis. Segundo o art. 456º/2 CPC proémio, essa má fé pressupõe quer o dolo, quer tão-só a negligência grave.

Qualquer  das  referidas  modalidades  da  má  fé  processual  pode  ser substancial ou  instrumental: é substancial,  se a parte  infringir o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art. 456º/2-a  CPC),  alterar  a  verdade  dos  factos  ou  omitir  factos  relevantes  para a  decisão  da  causa  (art.  456º/2-b  CPC),  isto  é,  violar  o  dever  de  verdade;  é instrumental,  se a parte  tiver omitido,  com gravidade, o dever de cooperação (art.  456º/2-c  CPC)  ou  tiver  feito  do  processo  ou  dos  meios  processuais  um uso  manifestamente  reprovável,  com  o  fim  de  conseguir  um  objectivo  ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento  sério,  o  trânsito  em  julgado  da  decisão  (art.  456º/2-d  e  art.  720º CPC).

A má fé processual obriga a parte ao pagamento de uma multa e, se a parte contrária  o  pedir,  de  uma  indemnização  (art.  456º/1 CPC).  Esta  indemnização 

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pode  consistir,  segundo  a  opção  do  juiz  (art.  457º/1-b  2ª  parte  CPC),  no reembolso  das  despesas  a  que  a  má  fé  do  litigante  tenha  obrigado  a  parte contrária,  incluindo  os  honorários  dos  mandatários  ou  técnicos  (art.  457º/1-a  CPC),  ou  no  reembolso  dessas  despesas  e  na  satisfação  dos  restantes prejuízos  sofridos  pela  parte  contrária  como  consequência  directa  ou  indirecta da má fé (art. 457º/1-b CPC).

O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à importante área da  prova. O  art.  519º/1 CPC,  estabelece,  na  sequência  do  direito  do  Tribunal à  coadjuvação  de  outras  entidades  (art.  206º/3  CRP),  que  todas  as  pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se  às  inspecções  necessárias,  facultando  o  que  for  requisitado  e  praticando os  actos  que  forem  determinados.  Este  dever  de  colaboração  é  independente da repartição do ónus da prova (arts. 342º a 345º CC), isto é, vincula mesmo a parte que não está onerada com a prova.

A  recusa  da  colaboração  devida  pela  parte  implica  uma  de  duas consequências: se a parte recusar a sua própria colaboração, o Tribunal aprecia livremente,  para  efeitos  probatórios,  o  valor  desse  comportamento  (art.  519º/2 1ª parte CPC); se a violação de dever de colaboração resultar da circunstância de a parte ter culposamente tornado impossível a prova à contraparte onerada, o  ónus  da  prova  (art.  519º/2  in  fine  CPC;  art.  344º/2  CC).  Como  o  dever  de colaboração  pode  recair  sobre  a  parte  que  não  está  onerada  com a  prova  do facto, esta inversão do ónus da prova pode implicar, com base na regra do non liquet  (art.  516º CPC; art.  346º CC), o proferimento de uma decisão de mérito contra a parte à qual não cabia inicialmente a demonstração do facto.

O  dever  de  cooperação  da  parte  também  encontra  expressão  na  acção executiva:  se  o  exequente  tiver  dificuldade  em  identificar  ou  localizar  os  bens penhoráveis do executado, o Tribunal pode determinar que este preste todas as informações indispensáveis à realização da penhora, sob a comunicação de ser considerado litigante de má fé (art. 837º-A/2 CPC).

b)    Posição das partesExiste  um  dever  de  cooperação  das  partes  com  o  Tribunal,  mas  também 

há  um  idêntico  dever  de  colaboração  deste  órgão  com  aquelas.  Este  dever desdobra-se, para esse órgão, em quatro deveres essenciais:

1)      Um  é  o  dever de esclarecimento,  isto  é,  o  dever  de  o  Tribunal  se esclarecer  junto  das  partes  quanto  às  dúvidas  que  tenha  sobre  as  suas alegações,  pedidos  ou  posições  em  juízo  (art.  266º/2 CPC),  de molde  a evitar  que  a  sua  decisão  tenha  por  base  a  falta  de  informação  e  não  a verdade apurada;

2)      Um  outro  é  o  dever de prevenção,  ou  seja,  o  dever  de  o  Tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (art. 508º/1-b, 508º-A/1-c, 690º/4 e 701º/1 CPC);

3)     O Tribunal  tem  também o dever de consultar as partes,  sempre que pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não  tenham  tido  a  possibilidade  de  se  pronunciarem  (art.  3º/3  CPC), porque,  por  exemplo,  o  Tribunal  enquadra  juridicamente  a  situação  de 

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forma  diferente  daquela  que  é  a  perspectiva  das  partes  ou  porque  esse órgão  pretende  conhecer  oficiosamente  certo  facto  relevante  para  a decisão da causa;

4)     Finalmente, o Tribunal  tem o dever de auxiliar as partes na  remoção das  dificuldades  ao  exercício  dos  seus  direitos  ou  faculdades  ou  no cumprimento de ónus ou deveres processuais (art. 266º/4 CPC).

O  dever de esclarecimento  implica  um  dever  recíproco  do  Tribunal perante  as  partes  e  destas  perante  aquele  órgão:  o  Tribunal  tem  o  dever  de se esclarecer  junto das partes e estas  têm o dever de o esclarecer  (art.  266º-A  CPC).  Encontra-se  consagrado,  quanto  ao  primeiro  aspecto,  no  art.  266º/2 CPC:  o  juiz  pode,  em qualquer  altura  do  processo,  ouvir  qualquer  das  partes, seus  representantes  ou  mandatários  judiciais,  convidando-os  a  fornecer os  esclarecimentos  sobre  a  matéria  de  facto  ou  de  direito  que  se  afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência. O segundo dos  referidos aspectos  (dever de esclarecimento do Tribunal pelas partes)  está previsto no art.  266º/3 CPC: as pessoas às quais o  juiz  solicita  o esclarecimento  são  obrigadas  a  comparecer  e  a  prestar  os  esclarecimentos que  lhe  forem  pedidos,  salvo  se  tiverem  uma  causa  legítima  para  recusar  a colaboração  requerida.  Deve  considerar-se  legítima  a  recusa  baseada  em qualquer das circunstâncias referidas no art. 519º/3 CPC.

O dever de prevenção, é um dever do Tribunal perante as partes com uma finalidade assistencial, pelo que não implica qualquer dever recíproco das partes perante o Tribunal. O dever de prevenção tem uma consagração no convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos  seus articulados  (arts.  508º/1-b,  e  508º-A/1-c CPC) ou das conclusões das suas alegações de recurso (arts. 690º/4, e 701º/1 CPC). Aquele primeiro convite deve ser promovido pelo Tribunal sempre que o articulado enferme de irregularidades (art. 508º/2 CPC) ou mostre insuficiências ou imprecisões na matéria de facto alegada (art. 508º/3 CPC).

Mas  o  dever  de  prevenção  têm  um  âmbito  mais  amplo:  ele  vale genericamente  para  todas  as  situações  em  que  o  êxito  da  acção  a  favor  de qualquer  das  partes  possa  ser  frustrado  pelo  uso  inadequado  do  processo. São  quatro  as  áreas  fundamentais  em que  a  chamada de  atenção  decorrente do  dever  de  prevenção  se  justifica:  a  explicitação  de  pedidos  pouco  claros,  o carácter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa actuação.

O  dever de consulta,  é  um  dever  de  carácter  assistencial  do  Tribunal perante as partes. Este dever encontra-se estabelecido no art. 3º/3 CPC: salvo no caso de manifesta desnecessidade, o Tribunal não pode decidir uma questão de direito ou de  facto, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que as partes  tenham  tido  a  possibilidade  de  se  pronunciarem  sobre  ela.  O  escopo deste  preceito  é  evitar  as  chamadas  “decisões  surpresa”,  isto  é,  as  decisões proferidas sobre matéria de conhecimento oficioso sem a sua prévia discussão pelas partes.

O  dever de auxílio,  o  Tribunal  tem  o  dever  de  auxiliar  as  partes  na supressão  das  eventuais  dificuldades  que  impeçam  o  exercício  de  direitos  ou faculdades ou o cumprimento de ónus ou deveres processuais.

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O  princípio  da  cooperação  determina,  a  imposição  ao  Tribunal,  além de  um  dever  de  auxílio,  dos  deveres  de  esclarecimento,  de  prevenção  e  de consulta.  Coloca-se  então  a  questão  de  saber  quais  as  consequências  que resultam da omissão pelo Tribunal  de qualquer destes deveres. O problema é particularmente complexo, porque a previsão destes deveres nem sempre é uma situação  completamente  definida  por  lei,  antes  faz  apelo,  em muitos  casos,  a uma ponderação do Tribunal.

Alguns desses deveres de cooperação assentam numa previsão “fechada”, que  não  deixa  ao  Tribunal  qualquer  margem  de  apreciação  quanto  à  sua verificação;  outros,  pelo  contrário,  decorrem  de  uma  previsão  “aberta”,  que necessita  de  ser  preenchida  pelo  Tribunal  de  acordo  com  a  sua  ponderação. Esta distinção é importante quanto aos efeitos do não cumprimento dos referidos deveres.  Se  o  dever  for  estabelecido  por  uma  revisão  “fechada”  –  isto  é,  se a  situação em que ele  tem de  ser  observado não deixar  ao Tribunal  qualquer margem de apreciação –, a sua omissão constitui uma nulidade processual, se, como em regra sucederá, essa irregularidade puder influir ou exame ou decisão da causa (art. 201º/1 CPC).

A violação do dever de cooperação pela parte constitui, quando seja grave, uma das situações que a  lei  tipifica com má  fé processual  (art. 456º/2-c CPC). Aquela gravidade da omissão do dever de cooperação pressupõe o dolo ou a negligência grave da parte (art. 456º/2 proémio CPC).

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12. Objecto do processoO processo civil é  regido, quanto à  relevância da vontade das partes, pelo 

princípio  dispositivo  e  da  disponibilidade  privada:  aquele  primeiro  assegura  a autonomia das partes na definição dos fins que elas procuram obter através da acção pendente; este último determina o domínio das partes sobre os  factos a alegar  e os meios de prova a utilizar  para  conseguir  aqueles objectivos. Pode dizer-se  que  o  princípio  dispositivo  representa  a  autonomia  na  definição  dos fins  prosseguidos  no  processo  e  que  o  princípio  da  disponibilidade  objectiva assegura o domínio das partes sobre os meios de os alcançar.

O âmbito dos poderes do Tribunal e das partes relativamente à matéria de facto relevante para a apreciação da causa constitui um dos aspectos essenciais de qualquer regime processual.

a)     Factos relevantes:Como  resulta  do  estabelecido  no  art.  264º  CPC,  a  solução  legal  baseia-

se  numa  distinção,  talvez  demasiado  esquemática,  entre  factos  essenciais, instrumentais e complementares ou concretizadores:

-         Os factos essenciais: são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção;

-         Os factos instrumentais, probatórios ou acessórios:  são  aqueles que indicam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos;

-         Os factos complementares ou concretizadores:  são  aqueles  cuja falta  não  constitui  motivo  de  inviabilidade  da  acção  ou  da  excepção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção.

A cada um destes factos corresponde uma função distinta:-          Os  factos  essenciais  realizam  uma  função  constitutiva  do  direito 

invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo  réu: sem eles não se encontra individualizado esse direito ou excepção, pelo qual a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão inicial por inexistência de causa a pedir (art. 193º/2-a CPC);

-         Os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais  de  que  são  complemento,  a  procedência  da  acção  ou  da excepção: sem eles a acção era julgada improcedente;

-          Os  factos  instrumentais  destinam-se  a  ser  utilizados  numa  função probatória dos factos essenciais ou complementares.

Importa acentuar que esta classificação não assenta num critério absoluto, mas relativo: um mesmo facto pode ser essencial em relação a um certo objecto e complementar ou instrumental perante outro objecto; por seu turno, um facto é sempre complementar ou instrumental em relação a um certo facto essencial.

·        Factos principais:A procedência da acção ou da execução pressupõe certos factos: os factos 

necessários  a  essa  procedência  podem  ser  designados  por  factos  principais. 

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Estes factos englobam, na terminologia do art. 264º CPC, os factos essenciais e os factos complementares, cuja distinção se traça do seguinte modo: os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na  acção  ou  na  excepção;  os  factos complementares  são  aqueles  que  são indispensáveis  à  procedência  dessa  acção  ou  excepção, mas  não  integram  o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.

Os  factos  essenciais  são  necessários  à  identificação  da  situação  jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da acção ou da excepção.

·        Factos instrumentais:São  utilizados  para  realizar  a  prova  indiciária  dos  factos  principiais,  isto 

é,  esses  factos  são  aqueles  de  cuja  a  prova  se  pode  inferir  a  demonstração dos  correspondentes  factos  principais.  Portanto,  o  âmbito  de  aplicação  dos factos instrumentais coincide com a prova indiciária, pelo que esses factos não possuem qualquer relevância na prova histórica ou representativa.

As presunções judiciais são aquelas em que a inferência do facto presumido assenta em regras de experiência, isto é, são aquelas em que o Tribunal deduz, com  base  nessas  regras,  o  facto  presumido.  Podem  ser  qualificados  como factos  instrumentais  aqueles  que  constituem  a  base  das  presunções  judiciais, ou seja, aqueles que permitem inferir, através de regras de experiência, o facto principal constante da base instrutória (arts. 508º-A/1-e, e 508º-B/2 CPC).

b)    Disponibilidade e oficiosidade:-         Factos principais:Assente  a  distinção  entre  factos  essenciais,  complementares  e 

instrumentais, o regime legal é o seguinte:·        Incumbe às partes alegar os factos essenciais que integram a causa de 

pedir ou que fundamentam a excepção (art. 264º/1 CPC);·        O Tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da 

instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade  de  deles  se  aproveitar  e  à  parte  contrária  tenha  sido  facultado, quanto a eles, o exercício do contraditório (art. 264º/3 CPC);

·         O  Tribunal  pode  considerar,  mesmo  oficiosamente,  os  factos instrumentais que resultem da instrução e julgamento da causa (art. 264º/2 CPC).

Deste  enunciado  resulta  claramente  que  a  disponibilidade  objectiva  vale quanto aos factos essenciais e aos factos complementares, pois que o Tribunal não os pode considerar, quanto àqueles primeiros, se eles não forem alegados pelas  partes  e,  quanto  a  estes  últimos,  se  a  parte  interessada  não manifestar vontade  de  se  aproveitar  deles.  Portanto,  os  factos  principais  estão  sujeitos  à disponibilidade das partes.

-         Factos instrumentais:Há que  reconhecer  que  não  é  totalmente  claro  o  âmbito  dos  poderes  que 

são  conhecidos  ao  Tribunal  pelo  art.  264º/2  CPC.  É  certo  que  este  preceito estipula que o Tribunal  pode considerar oficiosamente os  factos  instrumentais; mas isto pode significar que, se os factos surgirem na instrução e discussão da causa,  o Tribunal  pode  considerá-los  na  sua  decisão  ainda  que  nenhuma das 

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partes o requeira, como querer dizer que o Tribunal pode promover, por iniciativa própria, a investigação desses factos durante a instrução e discussão da causa.

A  favor  do  reconhecimento  de  poderes  inquisitórios  do  Tribunal  sobre  os factos  instrumentais  pode  invocar-se,  antes  de  mais,  a  comparação  entre  os ns.º  2  e  3  do  art.  264º CPC:  neste  último  concede-se  ao Tribunal  o  poder  de considerar os factos complementares, mas sujeita-se esse poder à condição de a parte  interessada desejar o seu aproveitamento na acção pendente; naquele primeiro,  atribui-se  ao  Tribunal  o  poder  de  considerar  os  factos  instrumentais e  não  se  submete  o  uso  desse  poder  a  qualquer  condição. É,  no  entanto,  na conjugação entre os arts. 264º/2 e 265º/3 CPC, que se encontra o apoio mais firme para entender que o Tribunal possui poderes inquisitórios sobre os factos instrumentais.

Os factos sobre os quais o Tribunal pode exercer estes poderes inquisitórios com a finalidade de apurar a verdade ou de obter a  justa composição do litígio são precisamente os factos instrumentais.

-         Factos instrutórios:O art. 265º/3 CPC, dispõe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo 

oficiosamente,  todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do  litígio, quanto aos  factos de que  lhe é  lícito conhecer. Os factos sobre os quais o Tribunal possui poderes instrutórios são não só os factos instrumentais  alegados  pelas  partes  ou  investigados  pelo  Tribunal,  como  os factos principais alegados pelas partes.

Da  conjugação  entre  os  poderes  inquisitórios  atribuídos  pelo  art.  264º/2  CPC,  e  os  poderes  instrutórios  estabelecidos  no  art.  265º/3  CPC,  resulta  o seguinte  regime  legal:  os  poderes  inquisitórios  respeitam  exclusivamente  aos factos instrumentais (art. 264º/2 CPC); os poderes de instrução referem-se tanto aos  factos  principais,  como  aos  factos  instrumentais,  o  Tribunal  pode  não  só investigá-los,  com ordenar quanto a eles as actividades  instrutórias que sejam da  sua  iniciativa;  pelo  contrário,  quanto  aos  factos  principais,  o  Tribunal  não possui poderes inquisitórios, pelo que, relativamente a eles, só pode ordenar as actividades oficiosas de instrução legalmente permitidas.

c)     Ónus de alegação:Segundo o estabelecido no art. 264º/1 CPC, cabe às partes alegar os factos 

que  integram  a  causa  de  pedir  e  aqueles  em  que  se  baseiam  as  excepções: estes  factos  devem  ser  alegados  nos  articulados  das  partes  (arts.  467º/1-c, 489º/1,  502º/1,  503º/1,  785º,  793º  e 794º/1 CPC). Todavia,  o  art.  264º/1 CPC, não  abarca  a  totalidade  do  ónus  de  alegações  que  deve  ser  cumprido  nos articulados.  Este  ónus  não  se  restringe  à  indicação  da  causa  de  pedir  ou  do fundamento da excepção, ou seja, aos  factos essenciais: ele recai sobre  todos os  factos necessários à procedência da acção ou da excepção, ou seja, sobre os factos principais. Portanto, o art. 264º/1 CPC, refere-se apenas a uma fracção do ónus de alegação que as partes devem cumprir nos seus articulados.

Ao  contrário  dos  factos  principais  –  que  são  submetidos  ao  ónus  de alegação nos articulados –, os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória e, por essa razão, não estão sujeitos a esse ónus.

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Os  factos  instrumentais  não  estão  submetidos  a  qualquer  ónus  de alegação  nos  articulados.  Aliás,  como  a  alegação  dos  factos  instrumentais é  uma  actividade  instrutória,  esses  factos,  mesmo  que  sejam  invocados  nos articulados,  podem  sempre  ser  alterados  enquanto  for  possível  requerer  os meios  de  prova  (arts.  508º-A/2-a,  512º/1  e  787º  CPC)  ou  alterar  ou  aditar  o rol de  testemunhas  (arts. 512º-A/1 e 787º CPC). Portanto, mesmo que a parte invoque um facto instrumental no seu articulado, ela não está impedida de usar qualquer outro facto na demonstração do respectivo facto principal.-         Preclusão:

A  distinção  entre  factos  essenciais,  complementares  e  instrumentais  é relevante  quanto  a  vários  aspectos  do  tratamento  da  matéria  de  facto  em processo.  É  o  que  sucede  quanto  ao  regime  da  sua  preclusão:  o  art.  264º/2 CPC, mostra que podem ser considerados factos instrumentais não alegados e, quanto aos  factos  complementares,  é  nítido que não existe em  relação a eles qualquer  preclusão quando não  sejam alegados nos articulados,  precisamente porque  o  art.  264º/3 CPC,  permite  a  sua  consideração  quando  eles  só  sejam adquiridos durante a instrução e discussão da causa.

Os factos essenciais devem ser invocados nos articulados (art. 264º/1 CPC), mas importa referir que a sua omissão não implica necessariamente a preclusão da sua alegação posterior.

Mais  discutível  é  saber  se  a  alegação  de  um  facto  essencial  depois  dos articulados  é  possível  mesmo  que  a  parte  tenha  agido  de  má  fé,  ou  seja, ainda que a omissão da  invocação desse  facto  tenha  resultado de negligência grave  ou  dolo  da  parte  (art.  456º/2-b  CPC).  Parece  impor-se  uma  resposta negativa da questão, dado o disposto no lugar paralelo da alegação dos factos supervenientes. Com efeito, se esses factos podem ser considerados se a sua alegação não atempada não for culposa (art. 506º/4 CPC),  isto é, se, quanto a esses  factos,  só  se  admite  uma  invocação  extemporânea  desde  que  ela  não seja culposa, o mesmo há que concluir, por maioria de razão, quanto aos factos essenciais.  Assim,  a  alegação  destes  factos  fora  dos  articulados  só  deve  ser aceite quando a parte não tenha agido com negligência grave ou dolo.

Portanto,  a  má  fé  da  parte  na  omissão  do  facto  essencial  nos  seus articulados  tem  como  consequência,  além  da  sua  condenação  no  pagamento de  uma  multa  e  de  uma  indemnização  à  contraparte  (art.  456º/1  CPC),  a inadmissibilidade  da  sua  alegação  posterior  do  facto.  Neste  caso,  verifica-se uma preclusão decorrente da má fé processual.

O  art.  264º/3  CPC,  demonstra  que  os  factos  complementares  podem  ser adquiridos  durante  a  instrução  e  discussão  da  causa,  pelo  que  a  omissão  da alegação desses factos nos articulados não implica qualquer preclusão. Importa acentuar,  no  entanto,  que  o  art.  264º/3  CPC,  não  concede  qualquer  opção quanto ao momento da alegação desses factos, mas apenas a oportunidade de sanar uma insuficiência na alegação da matéria de facto que só foi detectada na instrução e discussão da causa.

Relativamente  aos  factos  instrumentais,  o  problema  da  preclusão equaciona-se  de  modo  diverso.  Estes  factos  não  são  nem  constitutivos  da situação  jurídica  alegada  pela  parte,  nem  indispensáveis  à  procedência  da 

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acção ou da excepção. A  sua  função é apenas a de  servir  de prova  indiciária dos  factos  principais,  pelo  que  o  momento  da  sua  relevância  processual  não é o da alegação da matéria de  facto, mas o da apresentação ou  requerimento dos  meios  de  prova:  é  neste  momento  que  devem  ser  invocados  os  factos instrumentais  que  se  pretende  demonstrar  com  esses  meios  de  prova  (arts. 552º/2, 577º/1, 612º, 633º e 789º CPC). Portanto, a preclusão da sua alegação só ocorre quando não for possível indicar ou requerer os meios de prova (quanto ao processo ordinário e sumário, arts. 508º-A/2-a, 512º/1 e 787º CPC) ou alterar os  que  anteriormente  foram apresentados  ou  requeridos  (quanto  aos mesmos processos, arts. 512º-A/1 e 787º CPC).

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13. Prevalência da decisão de méritoO  art.  265º/2  CPC,  estabelece  que  o  juiz  providenciará,  mesmo 

oficiosamente,  pelo  suprimento  da  falta  de  pressupostos  processuais susceptíveis  de  sanação,  determinando  a  realização  dos  actos  necessários  à regularização  da  instância  ou,  quando  estiver  em  causa  alguma  modificação subjectiva  da  instância,  convidando  as  partes  a  praticá-los.  Esta  sanação oficiosa das excepções dilatórias visa diminuir,  tanto quanto possível, os casos de  absolvição  da  instância  e  favorecer,  sempre  que  isso  seja  viável,  a apreciação  do  mérito.  Segundo  a  doutrina  tradicional,  os  pressupostos processuais devem ser apreciados antes do julgamento do mérito da causa. Ou seja, segundo esta orientação nunca é possível o proferimento de uma decisão de  mérito  antes  da  averiguação  do  preenchimento  de  todos  os  pressupostos processuais.  Essa  posição  redunda,  assim,  num  dogma  da  prioridade  da apreciação  dos  pressupostos  processuais.  Na  valoração  crítica  deste  dogma devem ser consideradas duas situações. Uma primeira refere-se aos casos em que  o  Tribunal,  no  momento  em  que  conclui  pelo  não  preenchimento  de  um pressuposto  processual,  ainda  não  pode  proferir  qualquer  decisão  sobre  o mérito  da  causa  por  falta  de  elementos  suficientes.  Uma  segunda  situação engloba  aquelas  hipóteses  em  que  o  Tribunal,  no  próprio  momento  em  que aprecia  a  falta  de  um  pressuposto  processual,  está  em  condições  de  julgar  a acção  procedente  ou  improcedente.  Em  geral,  os  pressupostos  processuais podem  realizar  uma  de  duas  funções:  esses  pressupostos  podem  destinar-se quer  a  assegurar  o  interesse  público  da  boa  administração  da  justiça,  quer  a garantir o interesse público na boa administração de uma tutela adequada e útil. A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os  interesses das partes,  ou  seja,  assegurar  que  a  parte  possa  defender  convenientemente  os seus  interesses  em  juízo  e  não  seja  indevidamente  incomodada  com  a propositura de acções inúteis ou destituídas de objecto. É para estas situações que  o  art.  288º/3,  2ª  parte  CPC,  estipula  que,  ainda  que  a  excepção  dilatória subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça do mérito da causa e a decisão possa ser  integralmente  favorável a essa parte. Segundo o disposto  no  art.  288º/3  (as  excepções  dilatórias  só  subsistem  enquanto  a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º;  ainda  que  subsistam,  não  terá  lugar  a  absolvição  da  instância  quando, destinando-se  a  tutelar  o  interesse  de  uma  das  partes,  nenhum  outro  motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa  e  a  decisão  deva  ser  integralmente  favorável  a  essa  parte)  CPC,  o Tribunal  pode  pronunciar-se  sobre  o  mérito  da  causa,  ainda  que  se  verifique uma excepção dilatória sanável ou não sanável. A aplicação do art. 288º/3, 2ª parte  CPC,  pressupõe  uma  distinção  entre  pressupostos  processuais dispensáveis e não dispensáveis. O art. 288º/3 CPC, refere-se aos pressupostos processuais  e  às  excepções  dilatórias,  pelo  que  se  pode  perguntar  se  um 

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idêntico  regime  deve  valer  quanto  aos  pressupostos  de  actos  processuais.  A resposta deve ser negativa, porque a consequência da falta do pressuposto do acto processual é a ineficácia do acto e o Tribunal nunca pode decidir como se o acto não fosse ineficaz.

 O Regime do Direito Português sobre a Competência Internacional Legal

14. Função

As  facilidades  de  deslocação  de  pessoas,  bens  e  capitais  potenciam  o surgimento  de  litígios  que  apresentam,  através  quer  das  partes  interessadas, quer  do  seu  próprio  objecto,  conexões  com  várias  ordens  jurídicas.  Quando emerge um desses litígios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar qual  o  Tribunal  que,  no  âmbito  das  várias  ordens  jurídicas  envolvidas, tem  competência  para  o  dirimir.  Esta  selecção  incumbe  às  regras  sobre  a competência  internacional  directa,  às  quais  cabe  determinar,  em  cada  uma das  jurisdições com as quais o  litígio  tem contacto, se os Tribunais de alguma delas  são  competentes  para  resolver  o  conflito.  Essas  regras  são,  por  isso, verdadeiras normas de conflitos, semelhantes na função que desempenham às regras próprias do Direito Internacional Privado.

As  regras  relativas  à  competência  internacional  utilizam  certos  elementos de conexão para determinar a jurisdição nacional competente. Esses elementos podem ser, por exemplo, o domicílio de uma das partes, o lugar de cumprimento da obrigação ou o da ocorrência do facto ilícito. Coloca-se então o problema de saber  como  se  procede  à  qualificação  desses  elementos  de  conexão,  sendo duas  as  orientações  possíveis:  de  acordo  com  uma  delas,  esses  elementos são qualificados pela  lex cause, ou seja, por uma  lei que é determinada pelas normas de conflitos de foro.

As  regras  sobre  competência  internacional  não  são,  consideradas  em si  mesmas,  normas  de  competência,  porque  não  se  destinam  a  aferir  qual o  Tribunal  concretamente  para  apreciar  o  litígio,  mas  apenas  a  definir  a jurisdição  na  qual  se  determinará,  então  com  o  recurso  a  verdadeiras  regras de competência,  qual o Tribunal  competente para essa apreciação. Dada esta função,  as  normas  de  competência  internacional  podem  ser  designadas  por normas  de  recepção,  pois  que  visam  somente  facultar  o  julgamento  de  um certo  litígio  plurilocalizado  pelos  Tribunais  de  uma  jurisdição  nacional.  É  esta a  estrutura  da  generalidade  dos  critérios  que  constam  do  art.  65º/1  CPC,  e de muitas das  regras contidas nos arts. 2º a 24º Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano.

 15. Limites

Para  orientar  a  escolha  da  jurisdição  competente  para  resolver  o  conflito plurilocalizado não existem na comunidade  internacional  regras  fixas e, menos ainda, uniformes. Apenas se pode esperar que, cada Estado actue de tal forma que  os  critérios  definidores  da  sua  competência  internacional  possam  valer simultaneamente  como  princípios  de  uma  legislação  universal. Quer  isto  dizer que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que considera 

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relevantes para abrir a sua  jurisdição ao  julgamento de  litígios plurilocalizados. Esses  elementos  podem  ser  escolhidos  pela  lei  do  Estado,  mas  também  é frequente  que  se  reconheça  relevância  à  vontade  das  partes  nesta  matéria: é  esse  o  caso  da  competência  internacional  convencional  (art.  99;  art.  17º Convenção de Bruxelas e da Convenção de Lugano).

 A Competência e as Partes da Acção Declarativa

A) Questões relativas à competênciaB) Questões relativas às partes 

  

A)Questões relativas à competência 

   Competência internacional: direito interno Competência convencional: direito interno Modalidades de incompetência

    

Competência internacional: direito interno 16. Normas de recepção

As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais do  foro  para  o  conhecimento  de  uma  certa  questão.  As  normas  de  conflitos que definem as condições em que os Tribunais do  foro são competentes para a  apreciação  de  um  objecto  que  apresenta  uma  conexão  com  várias  ordens jurídicas  podem  designar-se  por  normas  de  recepção.  É  essa  a  função  dos vários  critérios  enunciados  no  art.  65º/1  CPC  (A  competência  internacional dos  tribunais  portugueses  depende  da  verificação  de  alguma  das  seguintes circunstâncias:

a)      Ter  o  réu  ou  algum  dos  réus  domicílio  em  território  português,  salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;

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b)      Dever  a  acção  ser  proposta  em  Portugal,  segundo  as  regras  de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

c)     Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;

d)      Não  poder  o  direito  invocado  tornar-se  efectivo  senão  por  meio  de acção proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real).

Estas  normas  de  recepção  definem  a  competência  internacional  dos Tribunais  de uma certa  ordem  jurídica. Elas  decorrem  tanto  da  regra  segundo a qual,  quando, o  caso em apreciação apresenta uma conexão  relevante  com uma  ordem  jurídica,  os  seus  Tribunais  devem  ser  competentes  para  a  acção, como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegação de  justiça. Note-se que a conexão com uma certa ordem  jurídica  pode  ser mais  fraca  do  que  aquela  que  determina  a  aplicação do  direito  nacional  ao  caso  sub  iudice,  porque  não  há  qualquer  paralelismo necessário entre a atribuição da competência  internacional e a aplicação da  lei material do foro.

A  diferença  entre  a  competência  interna  e  a  internacional  consiste  no seguinte:  a  competência  interna  respeita  às  situações  que,  na  perspectiva  da ordem  jurídica  portuguesa,  não  possuem  qualquer  conexão  relevante  com outras  ordens  jurídicas;  a  competência  internacional  refere-se  aos  casos  que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.

As  normas  de  recepção  só  determinam,  através  da  referida  conexão,  que os  Tribunais  de  uma  jurisdição  nacional  são  competentes  para  apreciar  uma relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque não a atribuem a um Tribunal, antes se  limitam a determinar as condições em que uma  jurisdição nacional  faculta os seus Tribunais para a  resolução de um certo  litígio com elementos  internacionais. As normas de  recepção preenchem, no âmbito processual, uma  função paralela àquela que as normas de conflitos realizam  no  âmbito  substantivo:  estas  determinam  qual  a  lei  aplicável  a  uma relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.a)     Necessidade:

Nem  sempre  a  circunstância  de  a  questão  em  apreciação  se  situar  no âmbito  da  competência  internacional  (porque  o  objecto  em  apreciação  é  uma relação  jurídica  plurilocalizada)  implica  a  utilização dos  critérios  específicos  da competência  internacional  para  a  atribuição  de  competência  aos  Tribunais  de uma certa  ordem  jurídica. Para que haja  necessidade de aferir  a  competência internacional  dos  Tribunais  de  um  certo  Estado,  é  indispensável  que  se verifique  um  de  dois  factores:  que  a  conexão  com  a  ordem  jurídica  nacional seja  estabelecida  através  de  um  elemento  que  não  é  considerado  relevante por  nenhuma  das  normas  da  competência  territorial  e  que,  portanto,  não 

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possa  ser  atribuída  competência  aos  Tribunais  de  um  certo  Estado  utilizando exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras de competência internacional.b)     Unilateralidade:

As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.c)     Previsão:

Quando  a  acção  apresenta  uma  conexão  objectiva,  relativa  ao  objecto do  processo,  ou  subjectiva,  referida  às  partes  em  causa,  com  uma  ou  várias ordens  jurídicas  estrangeiras,  pode  ser  necessário  determinar  a  competência internacional  dos  Tribunais  portugueses.  Essa  aferição  deve  restringir-se  às situações em que os Tribunais  portugueses não  são  competentes  segundo as regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa averiguar a  competência  internacional  quando  os Tribunais  de  uma  certa  ordem  jurídica não  sejam  competentes  para  apreciar  uma  relação  jurídica  plurilocalizada segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.

A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada, segundo  uma  ordem  decrescente  de  aplicação  pratica,  pelos  critérios  da exclusividade  (art.  65º/1-b  CPC),  do  domicílio  do  réu  (art.  65º/1-a  CPC),  da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

 17. Critério da exclusividade

Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando  os  Tribunais  portugueses  sejam  exclusivamente  competentes  para  a apreciação  da  causa  (arts.  65º/1-b,  65º-A  CPC).  A  competência  internacional resulta,  assim,  da  coincidência  com  as  regras  de  competência  exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.

Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses  através  de  uma  reserva  de  jurisdição  e,  portanto,  de  soberania. Nesse  sentido,  ela  é  semelhante  à  reserva  de  ordem  pública  do  Estado  do reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f CPC).

O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses para as seguintes situações: a)      No  caso  de  acções  relativas  a  direitos  reais  ou  pessoais  de  gozo  sobre 

bens imóveis sitos em território português;b)      Para  os  processos  especiais  de  recuperação  da  empresa  e  de  falência, 

relativamente  a  pessoas  domiciliadas  em Portugal  ou  a  pessoas  colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;

c)       Para  as  acções  referentes  à  apreciação  da  validade  do  acto  constitutivo ou ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que 

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tenham a sua sede em território português, bem como para as destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;

d)      Para  as  acções  que  tenham  como  objecto  principal  a  apreciação  da validade  da  inscrição  em  registos  públicos  de  quaisquer  direitos  sujeitos  a registo em Portugal.A  relevância  prática  da  competência  exclusiva  dos  Tribunais  portugueses 

reside  no  seguinte:  como,  nessa  hipótese,  a  jurisdição  portuguesa  não  aceita a  competência  de  nenhuma  outra  jurisdição  para  apreciar  a  acção,  nenhuma decisão  proferida  numa  jurisdição  para  apreciar  a  acção,  nenhuma  decisão proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.

Uma  sentença  proferida  por  um  Tribunal  estrangeiro  não  é,  em  princípio, imediatamente  eficaz  na  ordem  jurídica  portuguesa;  para  que  se  lhe  conceda essa  eficácia  é  necessária  a  sua  revisão  e  confirmação,  nos  termos  e  nas condições  do  correspondente  processo  de  revisão  de  sentenças  estrangeiras (arts.  1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos  requisitos enunciados pelo art. 1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português  (que é uma das Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

 18. Critério do domicílio do réu

Segundo  o  critério  do  domicílio  do  réu,  a  acção  pode  ser  proposta  nos Tribunais  portugueses  quando  o  réu  ou  algum  dos  réus  tenha  domicílio  em território  português,  salvo  tratando-se  de  acções  relativas  a  direitos  reais  ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).

Como a  competência  internacional  só  deve  ser  apreciada  se  da  aplicação das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes segundo aquelas regras.

Os critérios  territoriais podem ser especiais  (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts. 85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for aplicável  o  critério  territorial  geral  e  se  da  sua  aplicação  resultar  a  atribuição de competência a um Tribunal  português,  está determinado,  sem necessidade de  aplicação  do  critério  do  domicílio  do  réu,  o  Tribunal  que  é  territorial  e internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não tem  domicílio  em  Portugal),  essa  competência  também  nunca  poderá  resultar do critério de competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).

Quando  a  causa  se  inclui  no  âmbito  do  critério  territorial  geral,  a competência  internacional  nunca  pode  ser  determinada  pelo  critério  do domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério  territorial  torna dispensável  a  aferição  da  competência  internacional,  seja  porque,  quando  é 

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impossível  empregar  o  critério  territorial,  também  é  impossível  aplicar  aquele critério de competência internacional.

Se o objecto da acção fizer  funcionar um dos critérios territoriais especiais, também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios resulta  a  atribuição  de  competência  a  um  Tribunal  português,  não  importa averiguar  a  competência  internacional  deste  Tribunal  segundo  nenhum  dos critérios enunciados no art.  65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição de  competência  a  um  Tribunal  português,  justifica-se  aferir  a  competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).

O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do réu e  também não pode ser aplicado quando um critério  territorial  especial  atribua competência  a  um  Tribunal  português.  Em  conclusão:  o  critério  de  domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso concreto for  aplicável  um  critério  territorial  especial  e  da  aplicação  deste  não  resultar  a atribuição de competência a um Tribunal português.

A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como  limite à determinação  da  competência  segundo  o  critério  do  domicílio  do  demandado não pode operar no âmbito de aplicação material  das Convenção de Bruxelas e  de  Convenção  de  Lugano:  nesta  situação,  a  única  competência  exclusiva relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.

O  art.  65º/2  CPC,  estabelece  que,  para  efeitos  da  aplicação  do  critério do  domicílio  do  demandado,  considera-se  domiciliada  em  Portugal  a  pessoa colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se  localize em  território português ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação. 19. Critério da causalidade

Segundo  este  critério,  a  acção  pode  ser  instaurada  nos  Tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos que  a  constituem,  tiver  sido  praticado  em  território  português  (art.  65º/1-c CPC).  Assim,  por  exemplo,  os  Tribunais  portugueses  são  internacionalmente competentes quando, apesar de o facto  ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte dos  danos  se  produziram  em  Portugal  (RC  –  23/10/1990,  CJ  90/4,  83)  ou  o contrato  de  seguro  foi  celebrado  em  território  português  (Assentos/Supremo Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

 20. Critério da necessidade

Segundo  este  critério,  a  acção  pode  ser  instaurada  nos  Tribunais portugueses  quando  uma  situação  jurídica,  que  apresenta  uma  ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério procura-se  obstar  à  denegação  de  justiça  decorrente  da  impossibilidade  de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se então 

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um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.O  critério  da  necessidade  abarca  não  só  a  impossibilidade  jurídica,  por 

inexistência  de  Tribunal  competente  para  dirimir  o  litígio  em  face  das  regras de  competência  internacional  das  diversas  ordens  jurídicas  com  as  quais  ele apresenta  uma  conexão  relevante,  mas  também  a  impossibilidade  prática, derivada  de  factos  anómalos  impeditivos  do  funcionamento  da  jurisdição competente.

 21. Tribunal territorialmente competente

Para  analisar  qual  é  o  Tribunal  territorialmente  competente  quando  os Tribunais  portugueses  são  internacionalmente  competentes  segundo  o  critério da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações previstas  no  art.  65º-A. Exceptua-se  desta  análise  a  hipóteses  prevista  no  art. 65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.

O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de ser usado quando ao caso concreto  for aplicável um critério  territorial  especial (arts.  73º  a  84º  e  89º CPC)  e  da  aplicação  deste  não  resultar  a  atribuição  de competência a um Tribunal português.

Se  os  Tribunais  portugueses  forem  internacionalmente  competentes pelo  critério  da  causalidade  ou  da  necessidade,  também  há  que  averiguar qual  dos  Tribunais  portugueses  é  o  territorialmente  competente.  Para  a determinação  deste  Tribunal  só  podem  ser  utilizados  critérios  aos  quais  não possa  ser  concedida  a  dupla  funcionalidade  característica  das  normas  sobre a  competência  territorial,  porque,  de  outro  modo,  a  competência  internacional dos Tribunais portugueses  já  teria decorrido dessa competência  territorial. Está nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, será demandado no tribunal do  lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.

Assim,  se  o  réu  tiver  domicílio  e  residência  em  país  estrangeiro  mas  se encontrar  em  território  português,  é  territorialmente  competente  o  Tribunal  do local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).

Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).

Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em  território  português  e  se  o  autor  também  tiver  domicílio  em  território estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine CPC).

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Competência convencional: direito interno 22. Pactos de competência

A competência  interna é determinada através de um pacto de competência (pactum  de  foro  prorrogando).  Em  regra,  o  pacto  de  competência  refere-se  a uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas, mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos a relações jurídicas plurilocalizadas.

O pacto de competência só pode  incidir sobre a competência em razão do valor e do território (art. 100º/1 CPC).

O  pacto  de  competência  só  é  válido  se  acompanhar  a  forma  de  contrato substantivo,  se  este  for  normal,  ou  se  tiver  a  forma  escrita,  se  aquele  for consensual  (art.  100º/2  CPC).  Mas  considera-se  reduzido  a  escrito  o  acordo constante  de  documentos  assinados  pelas  partes  ou  o  resultante  de  troca de  cartas,  telex,  telegramas  ou  outros  meios  de  comunicação  de  que  fique prova  escrita,  quer  tais  instrumentos  contenham  directamente  o  acordo,  quer deles  conste  uma  cláusula  de  remissão  para  algum  documento  em  que  ele esteja  contido  (arts.  110º/2,  1ª  parte,  e  99º/4  CPC).  Além  disso,  o  pacto  de competência  deve  designar  as  questões  submetidas  à  apreciação  do  Tribunal e o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art. 100º/2, 2ª parte CPC).

O  pacto  de  competência  contém  implicitamente  uma  renúncia  antecipada –  isto  é,  anterior  à  propositura  da  acção  –  à  arguição  da  excepção  de incompetência  relativa  (art.  108º  CPC),  pois  que  é  atribuída  competência territorial  a  um  Tribunal  que,  sem  esse  contrato  processual,  não  seria competente.  Essa  renúncia  exige,  como  requisito  ad  substantiam,  a  forma escrita  (art.  100º/2,  1ª  parte  CPC),  pois  que  condiciona  as  possibilidades  de defesa  do  réu  na  acção  proposta  naquele  Tribunal  e,  concretamente,  exclui  a invocação da excepção de incompetência relativa.

A competência convencional  interna é vinculada para as partes (art. 100º/3 CPC), pelo que a sua  infracção determina a  incompetência relativa do Tribunal onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

 23. Pactos de jurisdição

A  competência  convencional  internacional  pode  ser  determinada  através de  um  pacto  de  jurisdição  (art.  99º/1  CPC).  Esse  pacto  pode  ser,  quando considerado  pela  perspectiva  da  ordem  jurídica  portuguesa,  atributivo  ou privativo. 

O  pacto  é  atributivo,  quando  concede  competência  a  um  Tribunal  ou  a vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou exclusiva.

O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art. 99º/2 CPC).

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Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em relação  à  ordem  jurídica  portuguesa,  a  validade  de  um  desses  pactos  não  é vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.

O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações patrimoniais.

O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente  grave  para  a  outra  (art.  99º/3-c  CPC).  Este  requisito  destina-se essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.

O  pacto  de  jurisdição  não  pode  ofender  a  competência  exclusiva  dos Tribunais  portugueses  (art.  99º/3-a  CPC);  sobre  esta  competência,  art.  65º-A  CPC,  isto  é,  o  pacto  não  pode  privar  os  Tribunais  portugueses  da  sua competência exclusiva.

Se  as  partes,  através  de  uma  convenção  de  arbitragem  (art.  1º  Lei  da Arbitragem  Voluntária  –  lei  31/86,  de  29/8),  atribuírem  competência  para  o julgamento  de  certo  litígio  ou  questão  emergente  de  uma  relação  jurídica plurilocalizada  a  um  Tribunal  Arbitral  (funcionando  em  território  português  ou no estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à observância  da  competência  exclusiva  dos  Tribunais  portugueses  (art.  99º/3-d CPC).

O pacto  deve mencionar  expressamente  a  jurisdição  competente  (art.  99º/3-e  in  fine CPC).  A  designação  do Tribunal  competente  (pertencente  à  ordem jurídica  de  uma  das  partes,  de  ambas  ou  de  nenhuma  delas)  pode  ser  feita directamente:  nesta  eventualidade,  as  partes  indicam  um  Tribunal  específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência vigentes  na  jurisdição  designada:  nessa  hipótese,  as  partes  designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.

O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por  escrito  (art.  9º/3-c CPC).  Para  este  efeito,  considera-se  reduzido  a  escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova  escrita,  quer  tais  instrumentos  contenham  directamente  o  acordo,  quer deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).

Como  a  incompetência  absoluta  decorrente  da  infracção  das  regras  da competência  internacional  é  uma  excepção  dilatória  que  o  Tribunal  aprecia oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela excepção num processo pendente.

  

Modalidades de incompetência

24. Enunciado

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A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada causa  que  decorre  da  circunstância  de  os  critérios  determinativos  da competência  não  lhe  concederem  a  medida  de  jurisdição  suficiente  para essa  apreciação.  Infere-se  da  lei  a  existência  de  três  tipos  de  incompetência jurisdicional: a  incompetência absoluta, a  incompetência  relativa e a preterição de Tribunal Arbitral. 25. Incompetência absoluta

Segundo  o  disposto  no  art.  101º  (A  infracção  das  regras  de  competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo  quando  haja mera  violação  dum pacto  privativo  de  jurisdição,  determina a  incompetência  absoluta  do  tribunal)  CPC,  a  incompetência  absoluta  provém da  infracção  das  regras  da  competência  internacional  legal  (arts.  65º  e  65º-A CPC)  e  da  competência  interna material  (arts.  66º,  67º  CPC;  art.  46º  LOTJ  – Lei  Orgânica  dos  Tribunais  Judiciais)  e  hierárquica  (arts.  70º,  71º,  72º  CPC). A  incompetência  absoluta  referida  no  art.  101º  CPC,  é,  naturalmente,  apenas aquela que se verifica no âmbito do processo civil.

A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no Tribunal comum de  uma  acção  da  competência  dos  Tribunais  especiais  ou  da  instauração  de uma acção num Tribunal de competência especializada incompetente.

A  incompetência  absoluta  resultante  da  infracção  da  competência material decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial quando  o  deveria  ter  sido  perante  um  outro  Tribunal  judicial  até  ao  despacho saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2 CPC).

A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta num Tribunal  judicial  quando o deveria  ser num Tribunal  não  judicial  pode ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).

Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta deve  ser  conhecida  oficiosamente  no  despacho  limiar  (arts.  105º/1,  234º-A/1  CPC).  O  conhecimento  oficioso  da  incompetência  absoluta  é  realizado,  em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).

O  conhecimento  da  incompetência  absoluta  no momento  do  despacho  de citação determina o  indeferimento  limiar da petição  inicial  (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

 26. Incompetência relativa

O  art.  108º  (A  infracção  das  regras  de  competência  fundadas  no  valor da  causa,  na  forma  do  processo  aplicável,  na  divisão  judicial  do  território  ou decorrentes  do  estipulado  nas  convenções  previstas  nos  artigos  99º  e  100º, 

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determina a  incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que originam a  incompetência  relativa: esta  incompetência  resulta da  infracção das regras  da  competência  fundadas  no  valor  da  causa  (art.  68º  CPC;  arts.  47º e  49  LOTJ),  na  forma  do  processo  aplicável  (art.  68º  CPC;  art.  48  LOTJ),  na divisão judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).

Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-se  não  só  na  competência  interna,  quando  são  infringidas  as  regras  que definem, de entre os  vários Tribunais,  qual  o  territorialmente  competente, mas também na competência internacional.

Perante  os  Tribunais  portugueses  apenas  pode  relevar,  quanto  à competência  internacional  directa,  a  infracção  de  um  pacto  privativo  de jurisdição.  Esta  violação  verifica-se  quando,  apesar  de  as  partes  terem estipulado  a  competência  exclusiva  de  um  Tribunal  estrangeiro  para  apreciar certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.

Confirmando  a  disponibilidade  das  partes  sobre  a  competência  relativa (art.  100º  CPC),  a  correspondente  incompetência  não  é,  em  princípio,  de conhecimento  oficioso  (art.  495º CPC). Neste  caso,  a  incompetência  pode  ser arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1 CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação da  entrega  do  articulado  do  réu  (art.  109º/2  CPC).  Conjuntamente  com  a alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).

São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas a  direitos  reais  sobre  imóveis,  a  responsabilidade  civil  extra-contratual  e naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes, nos processos de  recuperação  da  empresa  e  de  falência,  nos  procedimentos  cautelares  e diligências  antecipadas,  na  determinação  do  Tribunal  ad  quem,  bem  como  na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real.

A  incompetência  relativa  também  é  de  conhecimento  oficioso  quando decorra  da  infracção  das  regras  da  competência  respeitantes  à  forma  do processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts. 48º  e  49º  LOTJ.  Como  a  competência  em  razão  do  valor  da  causa  (art.  49º LOTJ)  se  reflecte  na  competência  do  Tribunal  de  círculo  (art.  81º  LOTJ)  e  do Tribunal  singular  (art.  83º  LOTJ),  o  art.  110º/2  (a  incompetência  em  razão  do valor  da  causa ou da  forma de processo aplicável  é  sempre do  conhecimento oficioso  do  tribunal,  seja  qual  for  a  acção  em  que  se  suscite)  CPC,  engloba igualmente a violação da competência destes Tribunais.

Finalmente, a  incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos processos em que não se verifique a citação do demandado ou  requerido  (art. 110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da  lista do art. 234º/4  CPC,  e  nas  causas  que,  por  lei,  devam  correr  como  dependência  de  outro 

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processo  (art.  110º/1-c CPC),  como  sucede,  por  exemplo,  com o  incidente  de habilitação (art. 372º/2 CPC).

A  decisão  de  procedência  sobre  a  incompetência  relativa  determina,  em regra,  a  remessa  do  processo  para  o  Tribunal  competente  (art.  111º/3  CPC). Exceptua-se  a  hipótese  de  a  incompetência  resultar  da  violação  de  um  pacto privativo  de  jurisdição,  dado  que  o  Tribunal  português  não  pode  enviar  o processo para o Tribunal  estrangeiro  competente:  neste  caso, a  consequência desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

 27. Preterição de Tribunal Arbitral

A  preterição  de  Tribunal  Arbitral  resulta  da  infracção  da  competência de  um  Tribunal  Arbitral  que  tem  competência  exclusiva  para  apreciar  um determinado  objecto.  A  preterição  pode  verificar-se  quando  um  Tribunal Arbitral  necessário,  quando  for  proposta  num Tribunal  comum uma acção que pertence à competência de um Tribunal Arbitral  imposto por  lei  (art. 1525º - se o  julgamento  Arbitral  for  prescrito  por  lei  especial,  atender-se-á  ao  que  nesta estiver  determinado.  Na  falta  de  determinação,  observar-se-á  o  disposto  nos artigos seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando for instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).

  

B)Questões relativas à competência 

   Competência internacional: direito interno Competência convencional: direito interno Modalidades de incompetência

    

Competência internacional: direito interno 16. Normas de recepção

As normas de competência internacional servem-se de alguns elementos de conexão com a ordem jurídica nacional para atribuir competência aos Tribunais do  foro  para  o  conhecimento  de  uma  certa  questão.  As  normas  de  conflitos que definem as condições em que os Tribunais do  foro são competentes para a  apreciação  de  um  objecto  que  apresenta  uma  conexão  com  várias  ordens 

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jurídicas  podem  designar-se  por  normas  de  recepção.  É  essa  a  função  dos vários  critérios  enunciados  no  art.  65º/1  CPC  (A  competência  internacional dos  tribunais  portugueses  depende  da  verificação  de  alguma  das  seguintes circunstâncias:

a)      Ter  o  réu  ou  algum  dos  réus  domicílio  em  território  português,  salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;

b)      Dever  a  acção  ser  proposta  em  Portugal,  segundo  as  regras  de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

c)     Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;

d)      Não  poder  o  direito  invocado  tornar-se  efectivo  senão  por  meio  de acção proposta em território português, ou não ser exigível ao autor a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real).

Estas  normas  de  recepção  definem  a  competência  internacional  dos Tribunais  de uma certa  ordem  jurídica. Elas  decorrem  tanto  da  regra  segundo a qual,  quando, o  caso em apreciação apresenta uma conexão  relevante  com uma  ordem  jurídica,  os  seus  Tribunais  devem  ser  competentes  para  a  acção, como do princípio de que, perante a existência de uma tal conexão, os Tribunais daquela ordem devem recusar a competência internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegação de  justiça. Note-se que a conexão com uma certa ordem  jurídica  pode  ser mais  fraca  do  que  aquela  que  determina  a  aplicação do  direito  nacional  ao  caso  sub  iudice,  porque  não  há  qualquer  paralelismo necessário entre a atribuição da competência  internacional e a aplicação da  lei material do foro.

A  diferença  entre  a  competência  interna  e  a  internacional  consiste  no seguinte:  a  competência  interna  respeita  às  situações  que,  na  perspectiva  da ordem  jurídica  portuguesa,  não  possuem  qualquer  conexão  relevante  com outras  ordens  jurídicas;  a  competência  internacional  refere-se  aos  casos  que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.

As  normas  de  recepção  só  determinam,  através  da  referida  conexão,  que os  Tribunais  de  uma  jurisdição  nacional  são  competentes  para  apreciar  uma relação plurilocalizada. Essas normas não são normas de competência, porque não a atribuem a um Tribunal, antes se  limitam a determinar as condições em que uma  jurisdição nacional  faculta os seus Tribunais para a  resolução de um certo  litígio com elementos  internacionais. As normas de  recepção preenchem, no âmbito processual, uma  função paralela àquela que as normas de conflitos realizam  no  âmbito  substantivo:  estas  determinam  qual  a  lei  aplicável  a  uma relação jurídica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relação pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurídica.a)     Necessidade:

Nem  sempre  a  circunstância  de  a  questão  em  apreciação  se  situar  no âmbito  da  competência  internacional  (porque  o  objecto  em  apreciação  é  uma 

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relação  jurídica  plurilocalizada)  implica  a  utilização dos  critérios  específicos  da competência  internacional  para  a  atribuição  de  competência  aos  Tribunais  de uma certa  ordem  jurídica. Para que haja  necessidade de aferir  a  competência internacional  dos  Tribunais  de  um  certo  Estado,  é  indispensável  que  se verifique  um  de  dois  factores:  que  a  conexão  com  a  ordem  jurídica  nacional seja  estabelecida  através  de  um  elemento  que  não  é  considerado  relevante por  nenhuma  das  normas  da  competência  territorial  e  que,  portanto,  não possa  ser  atribuída  competência  aos  Tribunais  de  um  certo  Estado  utilizando exclusivamente as regras de competência territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado do foro esteja vinculado, por convenção internacional, a certas regras de competência internacional.b)     Unilateralidade:

As normas de recepção funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdição para a resolução de uma certa questão. Ou seja, essas normas atribuem competência aos Tribunais de uma ordem jurídica para a resolução de um certo litígio, mas não excluem a apreciação dessa mesma questão por um Tribunal estrangeiro.c)     Previsão:

Quando  a  acção  apresenta  uma  conexão  objectiva,  relativa  ao  objecto do  processo,  ou  subjectiva,  referida  às  partes  em  causa,  com  uma  ou  várias ordens  jurídicas  estrangeiras,  pode  ser  necessário  determinar  a  competência internacional  dos  Tribunais  portugueses.  Essa  aferição  deve  restringir-se  às situações em que os Tribunais  portugueses não  são  competentes  segundo as regras da competência interna, pois que, como se verificou, só importa averiguar a  competência  internacional  quando  os Tribunais  de  uma  certa  ordem  jurídica não  sejam  competentes  para  apreciar  uma  relação  jurídica  plurilocalizada segundo as suas regras de competência territorial. Essa é a função dos critérios constantes do art. 65º/1 CPC.

A competência legal internacional dos Tribunais portugueses é determinada, segundo  uma  ordem  decrescente  de  aplicação  pratica,  pelos  critérios  da exclusividade  (art.  65º/1-b  CPC),  do  domicílio  do  réu  (art.  65º/1-a  CPC),  da causalidade (art. 65º/1-c CPC) e a necessidade (art. 65º/1-d CPC).

 17. Critério da exclusividade

Segundo o critério da exclusividade, a acção deve ser proposta em Portugal quando  os  Tribunais  portugueses  sejam  exclusivamente  competentes  para  a apreciação  da  causa  (arts.  65º/1-b,  65º-A  CPC).  A  competência  internacional resulta,  assim,  da  coincidência  com  as  regras  de  competência  exclusiva constantes do art. 65º-A CPC.

Esta competência exclusiva é manifestação da protecção de determinados interesses  através  de  uma  reserva  de  jurisdição  e,  portanto,  de  soberania. Nesse  sentido,  ela  é  semelhante  à  reserva  de  ordem  pública  do  Estado  do reconhecimento no processo de revisão de sentenças estrangeiras (art. 1096º-f CPC).

O art. 65º-A estabelece a competência exclusiva dos Tribunais portugueses para as seguintes situações: 

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a)      No  caso  de  acções  relativas  a  direitos  reais  ou  pessoais  de  gozo  sobre bens imóveis sitos em território português;

b)      Para  os  processos  especiais  de  recuperação  da  empresa  e  de  falência, relativamente  a  pessoas  domiciliadas  em Portugal  ou  a  pessoas  colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português;

c)       Para  as  acções  referentes  à  apreciação  da  validade  do  acto  constitutivo ou ao decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua sede em território português, bem como para as destinadas a apreciar a validade das deliberações dos respectivos órgãos;

d)      Para  as  acções  que  tenham  como  objecto  principal  a  apreciação  da validade  da  inscrição  em  registos  públicos  de  quaisquer  direitos  sujeitos  a registo em Portugal.A  relevância  prática  da  competência  exclusiva  dos  Tribunais  portugueses 

reside  no  seguinte:  como,  nessa  hipótese,  a  jurisdição  portuguesa  não  aceita a  competência  de  nenhuma  outra  jurisdição  para  apreciar  a  acção,  nenhuma decisão  proferida  numa  jurisdição  para  apreciar  a  acção,  nenhuma  decisão proferida numa jurisdição estrangeira pode preencher as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa.

Uma  sentença  proferida  por  um  Tribunal  estrangeiro  não  é,  em  princípio, imediatamente  eficaz  na  ordem  jurídica  portuguesa;  para  que  se  lhe  conceda essa  eficácia  é  necessária  a  sua  revisão  e  confirmação,  nos  termos  e  nas condições  do  correspondente  processo  de  revisão  de  sentenças  estrangeiras (arts.  1094º a 1102º CPC). Ora, do elenco dos  requisitos enunciados pelo art. 1096º CPC, para a concessão do exequatur à sentença estrangeira consta que essa decisão só pode ser confirmada pelo Tribunal português  (que é uma das Relações, art. 1095º CPC) se provier de Tribunal seja competência não ofenda a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096º-c CPC in fine).

 18. Critério do domicílio do réu

Segundo  o  critério  do  domicílio  do  réu,  a  acção  pode  ser  proposta  nos Tribunais  portugueses  quando  o  réu  ou  algum  dos  réus  tenha  domicílio  em território  português,  salvo  tratando-se  de  acções  relativas  a  direitos  reais  ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro (art. 65º/1-a CPC).

Como a  competência  internacional  só  deve  ser  apreciada  se  da  aplicação das regras da competência territorial não resultar a atribuição de competência a um Tribunal português, o critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses não forem competentes segundo aquelas regras.

Os critérios  territoriais podem ser especiais  (arts. 73º a 84º e 89º CPC) ou gerais (arts. 85º a 87º CPC): o critério geral é o domicílio do demandado (arts. 85º/1, 86º/2 CPC) ou dos demandados (art. 87º/1 CPC). Assim, se à acção for aplicável  o  critério  territorial  geral  e  se  da  sua  aplicação  resultar  a  atribuição de competência a um Tribunal  português,  está determinado,  sem necessidade de  aplicação  do  critério  do  domicílio  do  réu,  o  Tribunal  que  é  territorial  e internacionalmente competente. Se, pelo contrário, a aplicação desse critério de competência interna não a conceder a um Tribunal português (porque o réu não 

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tem  domicílio  em  Portugal),  essa  competência  também  nunca  poderá  resultar do critério de competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).

Quando  a  causa  se  inclui  no  âmbito  do  critério  territorial  geral,  a competência  internacional  nunca  pode  ser  determinada  pelo  critério  do domicílio do demandado, seja porque aplicação daquele critério  territorial  torna dispensável  a  aferição  da  competência  internacional,  seja  porque,  quando  é impossível  empregar  o  critério  territorial,  também  é  impossível  aplicar  aquele critério de competência internacional.

Se o objecto da acção fizer  funcionar um dos critérios territoriais especiais, também aqui são viáveis duas situações. Se da aplicação de um desses critérios resulta  a  atribuição  de  competência  a  um  Tribunal  português,  não  importa averiguar  a  competência  internacional  deste  Tribunal  segundo  nenhum  dos critérios enunciados no art.  65º/1 CPC. Se, pelo contrário, à situação concreta for aplicável um critério especial, mas da sua aplicação não resultar a atribuição de  competência  a  um  Tribunal  português,  justifica-se  aferir  a  competência internacional dos Tribunais portugueses pelo critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC).

O critério da competência internacional do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) nunca é aplicável quando o seja o critério territorial de domicílio do réu e  também não pode ser aplicado quando um critério  territorial  especial  atribua competência  a  um  Tribunal  português.  Em  conclusão:  o  critério  de  domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só pode ser usado quando ao caso concreto for  aplicável  um  critério  territorial  especial  e  da  aplicação  deste  não  resultar  a atribuição de competência a um Tribunal português.

A competência exclusiva que o art. 65º/1-a CPC, estabelece como  limite à determinação  da  competência  segundo  o  critério  do  domicílio  do  demandado não pode operar no âmbito de aplicação material  das Convenção de Bruxelas e  de  Convenção  de  Lugano:  nesta  situação,  a  única  competência  exclusiva relevante é aquela que se encontra definida no art. 16º Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.

O  art.  65º/2  CPC,  estabelece  que,  para  efeitos  da  aplicação  do  critério do  domicílio  do  demandado,  considera-se  domiciliada  em  Portugal  a  pessoa colectiva cuja a sede estatutária ou efectiva se  localize em  território português ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação. 19. Critério da causalidade

Segundo  este  critério,  a  acção  pode  ser  instaurada  nos  Tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos que  a  constituem,  tiver  sido  praticado  em  território  português  (art.  65º/1-c CPC).  Assim,  por  exemplo,  os  Tribunais  portugueses  são  internacionalmente competentes quando, apesar de o facto  ilícito ter ocorrido no estrangeiro, parte dos  danos  se  produziram  em  Portugal  (RC  –  23/10/1990,  CJ  90/4,  83)  ou  o contrato  de  seguro  foi  celebrado  em  território  português  (Assentos/Supremo Tribunal de Justiça 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).

 

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20. Critério da necessidadeSegundo  este  critério,  a  acção  pode  ser  instaurada  nos  Tribunais 

portugueses  quando  uma  situação  jurídica,  que  apresenta  uma  ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos Tribunais nacionais (art. 65º/1-d CPC). Com esse critério procura-se  obstar  à  denegação  de  justiça  decorrente  da  impossibilidade  de encontrar um Tribunal competente para a apreciação da acção: verifica-se então um reenvio da competência aos Tribunais portugueses.

O  critério  da  necessidade  abarca  não  só  a  impossibilidade  jurídica,  por inexistência  de  Tribunal  competente  para  dirimir  o  litígio  em  face  das  regras de  competência  internacional  das  diversas  ordens  jurídicas  com  as  quais  ele apresenta  uma  conexão  relevante,  mas  também  a  impossibilidade  prática, derivada  de  factos  anómalos  impeditivos  do  funcionamento  da  jurisdição competente.

 21. Tribunal territorialmente competente

Para  analisar  qual  é  o  Tribunal  territorialmente  competente  quando  os Tribunais  portugueses  são  internacionalmente  competentes  segundo  o  critério da exclusividade (art. 65º/1-b CPC), há que considerar cada uma das situações previstas  no  art.  65º-A. Exceptua-se  desta  análise  a  hipóteses  prevista  no  art. 65º-A-a CPC, porque, ela é sempre afastada pelo regime constante do art. 16º/1 Convenção de Bruxelas e de Convenção de Lugano.

O critério do domicílio do demandado (art. 65º/1-a CPC) só é susceptível de ser usado quando ao caso concreto  for aplicável um critério  territorial  especial (arts.  73º  a  84º  e  89º CPC)  e  da  aplicação  deste  não  resultar  a  atribuição  de competência a um Tribunal português.

Se  os  Tribunais  portugueses  forem  internacionalmente  competentes pelo  critério  da  causalidade  ou  da  necessidade,  também  há  que  averiguar qual  dos  Tribunais  portugueses  é  o  territorialmente  competente.  Para  a determinação  deste  Tribunal  só  podem  ser  utilizados  critérios  aos  quais  não possa  ser  concedida  a  dupla  funcionalidade  característica  das  normas  sobre a  competência  territorial,  porque,  de  outro  modo,  a  competência  internacional dos Tribunais portugueses  já  teria decorrido dessa competência  territorial. Está nessas condições o art. 85º/3 (Se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, será demandado no tribunal do  lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, será demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, será competente para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.

Assim,  se  o  réu  tiver  domicílio  e  residência  em  país  estrangeiro  mas  se encontrar  em  território  português,  é  territorialmente  competente  o  Tribunal  do local em que se encontrar em Portugal (art. 85º/3, 1ª parte CPC).

Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em território português, é territorialmente competente o Tribunal do domicílio do autor (art. 85º/3, 2ª parte CPC).

Se o réu tiver domicílio e residência em país estrangeiro e não se encontrar em  território  português  e  se  o  autor  também  tiver  domicílio  em  território 

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estrangeiro, é territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85º/3 in fine CPC).

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Competência convencional: direito interno 22. Pactos de competência

A competência  interna é determinada através de um pacto de competência (pactum  de  foro  prorrogando).  Em  regra,  o  pacto  de  competência  refere-se  a uma questão que não apresenta qualquer conexão com outras ordens jurídicas, mas isto não significa que não haja pactos de competência referidos a relações jurídicas plurilocalizadas.

O pacto de competência só pode  incidir sobre a competência em razão do valor e do território (art. 100º/1 CPC).

O  pacto  de  competência  só  é  válido  se  acompanhar  a  forma  de  contrato substantivo,  se  este  for  normal,  ou  se  tiver  a  forma  escrita,  se  aquele  for consensual  (art.  100º/2  CPC).  Mas  considera-se  reduzido  a  escrito  o  acordo constante  de  documentos  assinados  pelas  partes  ou  o  resultante  de  troca de  cartas,  telex,  telegramas  ou  outros  meios  de  comunicação  de  que  fique prova  escrita,  quer  tais  instrumentos  contenham  directamente  o  acordo,  quer deles  conste  uma  cláusula  de  remissão  para  algum  documento  em  que  ele esteja  contido  (arts.  110º/2,  1ª  parte,  e  99º/4  CPC).  Além  disso,  o  pacto  de competência  deve  designar  as  questões  submetidas  à  apreciação  do  Tribunal e o critério de determinação do Tribunal ao qual é atribuída a competência (art. 100º/2, 2ª parte CPC).

O  pacto  de  competência  contém  implicitamente  uma  renúncia  antecipada –  isto  é,  anterior  à  propositura  da  acção  –  à  arguição  da  excepção  de incompetência  relativa  (art.  108º  CPC),  pois  que  é  atribuída  competência territorial  a  um  Tribunal  que,  sem  esse  contrato  processual,  não  seria competente.  Essa  renúncia  exige,  como  requisito  ad  substantiam,  a  forma escrita  (art.  100º/2,  1ª  parte  CPC),  pois  que  condiciona  as  possibilidades  de defesa  do  réu  na  acção  proposta  naquele  Tribunal  e,  concretamente,  exclui  a invocação da excepção de incompetência relativa.

A competência convencional  interna é vinculada para as partes (art. 100º/3 CPC), pelo que a sua  infracção determina a  incompetência relativa do Tribunal onde a acção foi indevidamente proposta (art. 108º CPC).

 23. Pactos de jurisdição

A  competência  convencional  internacional  pode  ser  determinada  através de  um  pacto  de  jurisdição  (art.  99º/1  CPC).  Esse  pacto  pode  ser,  quando considerado  pela  perspectiva  da  ordem  jurídica  portuguesa,  atributivo  ou privativo. 

O  pacto  é  atributivo,  quando  concede  competência  a  um  Tribunal  ou  a vários Tribunais portugueses; a competência atribuída pode ser concorrente ou exclusiva.

O pacto é privativo, quando retira competência a um ou a vários Tribunais portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vários Tribunais estrangeiros (art. 99º/2 CPC).

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Como o carácter atributivo ou privativo do pacto de jurisdição é definido em relação  à  ordem  jurídica  portuguesa,  a  validade  de  um  desses  pactos  não  é vinculativa para os Tribunais de ordens jurídicas estrangeiras.

O pacto de jurisdição só pode incidir sobre situações subjectivas disponíveis (art. 99º/3-a CPC). Esta condição é suficiente para possibilitar a celebração de um pacto de jurisdição sobre a generalidade das situações patrimoniais.

O pacto de jurisdição só é válido se for justificado por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente  grave  para  a  outra  (art.  99º/3-c  CPC).  Este  requisito  destina-se essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.

O  pacto  de  jurisdição  não  pode  ofender  a  competência  exclusiva  dos Tribunais  portugueses  (art.  99º/3-a  CPC);  sobre  esta  competência,  art.  65º-A  CPC,  isto  é,  o  pacto  não  pode  privar  os  Tribunais  portugueses  da  sua competência exclusiva.

Se  as  partes,  através  de  uma  convenção  de  arbitragem  (art.  1º  Lei  da Arbitragem  Voluntária  –  lei  31/86,  de  29/8),  atribuírem  competência  para  o julgamento  de  certo  litígio  ou  questão  emergente  de  uma  relação  jurídica plurilocalizada  a  um  Tribunal  Arbitral  (funcionando  em  território  português  ou no estrangeiro), é igualmente aplicável a esse negócio o requisito respeitante à observância  da  competência  exclusiva  dos  Tribunais  portugueses  (art.  99º/3-d CPC).

O pacto  deve mencionar  expressamente  a  jurisdição  competente  (art.  99º/3-e  in  fine CPC).  A  designação  do Tribunal  competente  (pertencente  à  ordem jurídica  de  uma  das  partes,  de  ambas  ou  de  nenhuma  delas)  pode  ser  feita directamente:  nesta  eventualidade,  as  partes  indicam  um  Tribunal  específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência vigentes  na  jurisdição  designada:  nessa  hipótese,  as  partes  designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.

O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por  escrito  (art.  9º/3-c CPC).  Para  este  efeito,  considera-se  reduzido  a  escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova  escrita,  quer  tais  instrumentos  contenham  directamente  o  acordo,  quer deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).

Como  a  incompetência  absoluta  decorrente  da  infracção  das  regras  da competência  internacional  é  uma  excepção  dilatória  que  o  Tribunal  aprecia oficiosamente (arts. 102º/1, 494º-a, 495º CPC), não é configurável a celebração tácita de um pacto atributivo de jurisdição pela preclusão da invocação daquela excepção num processo pendente.

  

Modalidades de incompetência

24. Enunciado

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A incompetência é a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada causa  que  decorre  da  circunstância  de  os  critérios  determinativos  da competência  não  lhe  concederem  a  medida  de  jurisdição  suficiente  para essa  apreciação.  Infere-se  da  lei  a  existência  de  três  tipos  de  incompetência jurisdicional: a  incompetência absoluta, a  incompetência  relativa e a preterição de Tribunal Arbitral. 25. Incompetência absoluta

Segundo  o  disposto  no  art.  101º  (A  infracção  das  regras  de  competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo  quando  haja mera  violação  dum pacto  privativo  de  jurisdição,  determina a  incompetência  absoluta  do  tribunal)  CPC,  a  incompetência  absoluta  provém da  infracção  das  regras  da  competência  internacional  legal  (arts.  65º  e  65º-A CPC)  e  da  competência  interna material  (arts.  66º,  67º  CPC;  art.  46º  LOTJ  – Lei  Orgânica  dos  Tribunais  Judiciais)  e  hierárquica  (arts.  70º,  71º,  72º  CPC). A  incompetência  absoluta  referida  no  art.  101º  CPC,  é,  naturalmente,  apenas aquela que se verifica no âmbito do processo civil.

A incompetência internacional resulta da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas de recepção do art. 65º. A incompetência hierárquica verifica-se se a acção é instaurada num Tribunal de 1ª instância quando o devia ter sido na Relação ou no Supremo, ou vice-versa. Finalmente, a incompetência material decorre da propositura no Tribunal comum de  uma  acção  da  competência  dos  Tribunais  especiais  ou  da  instauração  de uma acção num Tribunal de competência especializada incompetente.

A  incompetência  absoluta  resultante  da  infracção  da  competência material decorrente da circunstância de a acção ter sido instaurada num Tribunal judicial quando  o  deveria  ter  sido  perante  um  outro  Tribunal  judicial  até  ao  despacho saneador ou, se este não tiver lugar, até ao início da audiência final (art. 102º/2 CPC).

A incompetência material que resulta do facto de a acção ter sido proposta num Tribunal  judicial  quando o deveria  ser num Tribunal  não  judicial  pode ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal até ao trânsito em julgado da decisão de mérito (art. 102º/1 CPC).

Se houver despacho de citação (art. 234º/4 CPC), a incompetência absoluta deve  ser  conhecida  oficiosamente  no  despacho  limiar  (arts.  105º/1,  234º-A/1  CPC).  O  conhecimento  oficioso  da  incompetência  absoluta  é  realizado,  em regra, no despacho saneador (arts. 510º/1-a, 494º-a CPC).

O  conhecimento  da  incompetência  absoluta  no momento  do  despacho  de citação determina o  indeferimento  limiar da petição  inicial  (arts. 105º/1, 234º-A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetência conduz à absolvição do réu da instância (arts. 105º/1, 288º/1-a, 494º-a, 493º/2 CPC).

 26. Incompetência relativa

O  art.  108º  (A  infracção  das  regras  de  competência  fundadas  no  valor da  causa,  na  forma  do  processo  aplicável,  na  divisão  judicial  do  território  ou decorrentes  do  estipulado  nas  convenções  previstas  nos  artigos  99º  e  100º, 

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determina a  incompetência relativa do tribunal) CPC, enuncia as situações que originam a  incompetência  relativa: esta  incompetência  resulta da  infracção das regras  da  competência  fundadas  no  valor  da  causa  (art.  68º  CPC;  arts.  47º e  49  LOTJ),  na  forma  do  processo  aplicável  (art.  68º  CPC;  art.  48  LOTJ),  na divisão judicial do território (arts. 73º a 95º CPC) ou decorrentes de um pacto de competência ou de jurisdição (arts. 99º e 100º CPC).

Note-se que a violação das regras de competência territorial pode verificar-se  não  só  na  competência  interna,  quando  são  infringidas  as  regras  que definem, de entre os  vários Tribunais,  qual  o  territorialmente  competente, mas também na competência internacional.

Perante  os  Tribunais  portugueses  apenas  pode  relevar,  quanto  à competência  internacional  directa,  a  infracção  de  um  pacto  privativo  de jurisdição.  Esta  violação  verifica-se  quando,  apesar  de  as  partes  terem estipulado  a  competência  exclusiva  de  um  Tribunal  estrangeiro  para  apreciar certa questão, a acção vem a ser proposta num Tribunal português.

Confirmando  a  disponibilidade  das  partes  sobre  a  competência  relativa (art.  100º  CPC),  a  correspondente  incompetência  não  é,  em  princípio,  de conhecimento  oficioso  (art.  495º CPC). Neste  caso,  a  incompetência  pode  ser arguida pelo réu no prazo de contestação (art. 109º/1; arts. 486º/1, 783º, 794º/1 CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, não havendo lugar a este, em articulado próprio, a apresentar nos 10 dias seguintes à notificação da  entrega  do  articulado  do  réu  (art.  109º/2  CPC).  Conjuntamente  com  a alegação da incompetência relativa, as partes devem apresentar as respectivas provas (art. 109º/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual é o Tribunal competente para a acção (art. 111º/1 CPC).

São várias as situações em que a incompetência relativa é de conhecimento oficioso. É o que sucede, nos termos do art. 110º/1-a CPC, nas acções relativas a  direitos  reais  sobre  imóveis,  a  responsabilidade  civil  extra-contratual  e naquelas em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certas partes, nos processos de  recuperação  da  empresa  e  de  falência,  nos  procedimentos  cautelares  e diligências  antecipadas,  na  determinação  do  Tribunal  ad  quem,  bem  como  na acção executiva fundada em sentença proferida por Tribunais portugueses e nas acções executivas para a entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real.

A  incompetência  relativa  também  é  de  conhecimento  oficioso  quando decorra  da  infracção  das  regras  da  competência  respeitantes  à  forma  do processo ou do valor da causa (art. 110º/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts. 48º  e  49º  LOTJ.  Como  a  competência  em  razão  do  valor  da  causa  (art.  49º LOTJ)  se  reflecte  na  competência  do  Tribunal  de  círculo  (art.  81º  LOTJ)  e  do Tribunal  singular  (art.  83º  LOTJ),  o  art.  110º/2  (a  incompetência  em  razão  do valor  da  causa ou da  forma de processo aplicável  é  sempre do  conhecimento oficioso  do  tribunal,  seja  qual  for  a  acção  em  que  se  suscite)  CPC,  engloba igualmente a violação da competência destes Tribunais.

Finalmente, a  incompetência relativa deve ser apreciada oficiosamente nos processos em que não se verifique a citação do demandado ou  requerido  (art. 110º/1-b CPC), ou seja, nos processos que não constam da  lista do art. 234º/4  CPC,  e  nas  causas  que,  por  lei,  devam  correr  como  dependência  de  outro 

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processo  (art.  110º/1-c CPC),  como  sucede,  por  exemplo,  com o  incidente  de habilitação (art. 372º/2 CPC).

A  decisão  de  procedência  sobre  a  incompetência  relativa  determina,  em regra,  a  remessa  do  processo  para  o  Tribunal  competente  (art.  111º/3  CPC). Exceptua-se  a  hipótese  de  a  incompetência  resultar  da  violação  de  um  pacto privativo  de  jurisdição,  dado  que  o  Tribunal  português  não  pode  enviar  o processo para o Tribunal  estrangeiro  competente:  neste  caso, a  consequência desta excepção dilatória, não podendo ser a referida remessa, é a absolvição do réu da instância (art. 111º/3 in fine CPC).

 27. Preterição de Tribunal Arbitral

A  preterição  de  Tribunal  Arbitral  resulta  da  infracção  da  competência de  um  Tribunal  Arbitral  que  tem  competência  exclusiva  para  apreciar  um determinado  objecto.  A  preterição  pode  verificar-se  quando  um  Tribunal Arbitral  necessário,  quando  for  proposta  num Tribunal  comum uma acção que pertence à competência de um Tribunal Arbitral  imposto por  lei  (art. 1525º - se o  julgamento  Arbitral  for  prescrito  por  lei  especial,  atender-se-á  ao  que  nesta estiver  determinado.  Na  falta  de  determinação,  observar-se-á  o  disposto  nos artigos seguintes – CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntário, quando for instaurada num Tribunal comum uma acção que devia ter sido proposta num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1º LAV).

 

 

AS FORMAS DE COMPOSIÇÃO DA ACÇÃO

COMPOSIÇÃO PROVISÓRIA: PROVIDÊNCIAS CAUTELARES

50. Aspectos gerais

Nem  sempre  a  regulação  dos  interesses  conflituantes  pode  aguardar  o proferimento  da  decisão  do  Tribunal  que  resolve,  de  modo  definitivo,  aquele conflito.  Por  vezes,  torna-se  necessário  obter  uma  composição  provisória da  situação  controvertida  antes  do  proferimento  da  decisão  definitiva.  Essa composição  justifica-se  sempre  que  ela  seja  necessária  para  assegurar  a utilidade  e  a  efectividade  da  tutela  jurisdicional  (art.  2º/2,  in  fine  CPC)  e,  na medida em que contribui decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o seu fundamento constitucional na garantia do acesso ao direito e aos Tribunais (art. 20º/1 CRP).

A  composição  provisória  realizada  através  das  providências  cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de  garantir  um  direito,  toma-se  providências  que  garantem  a  utilidade  da 

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composição  definitiva;  de  definir  uma  regulação  provisória,  as  providências definem  uma  situação  provisória  ou  transitória;  ou  de  antecipar  a  tutela pretendida ou requerida, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva.

As  providências  cautelares  fornecem  uma  composição  provisória.  A provisoriedade  destas  providências  resulta  quer  da  circunstância  de  elas corresponderem  a  uma  tutela  que  é  qualitativamente  distinta  daquela  que  é obtida na acção principal de que são dependentes (art. 383º/1 CPC), quer a sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção.

A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do  direito  substantivo,  porque  o  direito  processual  é  o  meio  de  tutela  dessas situações.  A  composição  provisória  realizada  através  das  providências cautelares não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque ela também serve os  fins gerais de garantia que são prosseguidos pela  tutela  jurisdicional. Não,  contudo,  de  uma  forma  imediata,  porque  aquela  composição  provisória destina-se a garantir  a  eficácia e a utilidade da própria  tutela  processual,  pelo que  é  instrumental  perante  esta  tutela  e  só  mediante  as  próprias  situações jurídicas.

O  objecto  da  providência  cautelar  não  é  a  situação  jurídica  acautelada ou  tutelada,  mas,  consoante  a  sua  finalidade,  a  garantia  da  situação,  a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respectivo procedimento.

Para  atingir  a  finalidade  de  evitar  a  lesão  ou  a  sua  continuação,  a composição  provisória  tem  de  ser  concedida  com  celeridade:  as  vantagens dessa composição  serão  tanto maiores quanto mais  cedo ela puder garantir  o direito, regular provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva. Por isso, as providências cautelares implicam necessariamente uma apreciação sumária  (summaria  cognitio)  da  situação  através  de  um  procedimento simplificado e rápido.

A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser decretadas  sem a  prévia  audição  da  contraparte,  isto  é,  sem  ser  concedida  a esta parte o uso do contraditório. Esta possibilidade – que é coberta pelo desvio ao princípio do contraditório admitido pelo art. 3º/2 CPC – encontra-se prevista em dois níveis: num deles, proíbe-se a audição do requerido (arts. 394º e 408º/1 CPC; 1279º CC); no outro, permite-se (mas não se impõe) que a providência seja decretada sem a audição do requerido (art. 385º/1 CPC).

Aos  procedimentos  cautelares  são  subsidiariamente  aplicáveis  as disposições gerais sobre os  incidentes da  instância (art. 384º/3 CPC). Existem, todavia,  algumas  especialidades,  mesmo  nos  procedimentos  onde  são apreciadas  as  providências  comuns.  Os  procedimentos  cautelares  constituem uma  das  situações  em,  que  a  citação  do  réu  depende  de  prévio  despacho judicial  (art.  234º/4-b  CPC).  Por  conseguinte,  o  juiz,  em  vez  de  ordenar  a citação,  pode  indeferir  liminarmente  o  requerimento,  quando  o  pedido  seja manifestamente  improcedente  ou  ocorram,  de  forma  evidente,  excepções dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (art. 234º-A/1 CPC).

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 51. Pressupostos

A necessidade da composição provisória decorre do prejuízo que a demora na  decisão  da  causa  e  na  composição  definitiva  provocaria  na  parte  cuja situação  jurídica  merece  ser  acautelada  ou  tutelada.  A  finalidade  específica das providências cautelares é, por isso, a de evitar a lesão grave e dificilmente reparável (art. 381º/1 CPC) proveniente da demora na tutela da situação jurídica, isto  é,  obviar  ao  chamado  periculum  in  mora.  Esse  dano  é  aquele  que  seria provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em curso, ou seja, de uma lesão não totalmente consumada.

Se  faltar o periculum  in mora, ou seja, se o  requerente da providência não se encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da composição provisória e a providência não pode ser decretada. Quer dizer: esse periculum é um elemento constitutivo da providência requerida, pelo que a sua inexistência obsta ao decretamento daquela.

Nas  providências  cautelares  existem  apenas  a  prova  sumária  do  direito ameaçado,  ou  seja,  a  demonstração  da  probabilidade  séria  da  existência  do direito  alegado  (arts.  403º/2,  407º/1  e  423º/  CPC),  bem  como  do  receio  da lesão  (arts.  381º/1,  384º/1,  387º/1,  406º/1,  407º/1,  421º/1  e  423º/1  CPC).  As providências  só  requerem,  quanto  ao  grau  de  prova,  uma  mera  justificação, embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais (art. 342º/1/2 CC).

Assim,  para  o  decretamento  da  providência  cautelar  exige-se  apenas  a prova  de  que  a  situação  jurídica  alegada  é  provável  ou  verosímil,  pelo  que  é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.

O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer  tradução numa discricionaridade do Tribunal quanto aos  fundamentos da providência; se isso não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que isso se pudesse justificar por outros factores.

As  providências  cautelares  exigem  todos  os  pressupostos  processuais gerais. Especificamente quanto ao  interesse processual,  importa referir que ele falta  sempre  que  o  requerente  possa  atingir  a  garantia  do  direito,  a  regulação provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado que o procedimento cautelar, ou seja, quando, em  função das circunstâncias, aquele procedimento  não  for  meio  mais  célere  e  económico  para  obter  a  tutela  dos interesses do requerente.52. Providências especificadas

A  regulamentação  legal  das  providências  cautelares  assenta  na  seguinte dicotomia:  a  lei  define  várias  providências  nominadas  e  admite,  sempre  que nenhuma delas seja aplicável, uma providência comum de âmbito residual (art. 381º/3 CPC). As providências nominadas são a  restituição provisória da posse (arts.  393º  a  395º  CPC),  a  suspensão  de  deliberações  sociais  (arts.  396º  a 398º CPC), os alimentos provisórios (arts. 399º a 402º CPC), o arbitramento de reparação provisória (arts. 403º a 405º CPC), o arresto (arts. 406º a 411º CPC), o embargo de obra nova (arts. 412º a 420º CPC) e o arrolamento (arts. 421º a 427º CPC).

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No grupo das providências nominadas, algumas visam garantir a realização de  um  direito,  outras  destinam-se  a  regular  provisoriamente  uma  situação  e outras  ainda  procuram  antecipar  a  tutela  jurisdicional  que  se  pretende  obter através da acção principal.

a)     Providências de garantia·        ArrestoO  arresto  e  o  arrolamento  são  providências  cautelares  cuja  finalidade 

específica  é  garantir  a  realização  de  uma  pretensão  e  assegurar  a  sua execução.  O  arresto  pode  ser  requerido  pelo  credor  que  demonstre  a probabilidade da existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial (arts. 406º/1 CPC; 601º e 619º/1 CC). O arresto consiste na apreensão judicial de bens do devedor (arts. 406º/2 CPC; 619º/1 CC) ou de bens transmitidos pelo devedor a um terceiro (arts. 407º/2 CPC; 619º/2 CC)

·        ArrolamentoEnquanto  o  arresto  visa  assegurar  a  garantia  patrimonial  do  credor,  o 

arrolamento  destina-se  a  evitar  o  extravio  ou  a  dissipação  de  bens,  móveis ou  imóveis,  ou  de  documentos  (art.  421º/1  CPC),  que,  para  esse  efeito,  são descritos,  avaliados  e  depositados  (art.  424º/1  CPC).  Essa  providência  visa  a conservação  de  bens  ou  documentos  determinados  (art.  422º/1  CPC),  sendo por  isso  que  os  credores  só  a  podem  requerer  quando  haja  necessidade  de proceder à arrecadação de herança ou dos próprios bens (arts. 422º/2 e 427º/2 CPC; 90º e 2048º/2 CC).

b)    Providências de regulação·        Restituição provisória da posseO possuidor que for esbulhado com violência,  isto é, que for violentamente 

privado  do  exercício,  da  retenção  ou  da  fruição  do  objecto  possuído,  tem  o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove os factos que constituem posse, o esbulho e a violência (arts. 393º CPC; 1279º CC).  A  reconstituição  provisória  da  posse  é  justificada  não  só  pela  violência ou ameaças contra as pessoas, mas  também por aquela que é dirigida contra coisas, como muros e vedações.

·        Embargo de obra novaO  embargo  de  obra  nova  pode  ser  judicial  ou  extrajudicial.  O  embargo 

judicial  pode  ser  requerido  por  quem  se  sentir  ofendido  no  seu  direito  de propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace causar prejuízo (art. 412º/1 CPC).

·        Suspensão de deliberações sociaisSe  alguma  associação  ou  sociedade  tomar,  em  assembleia-geral, 

deliberações  contrárias  à  lei,  aos  estatutos  ou  ao  contrato,  qualquer  sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa,  desde  que,  além  de  provar  a  sua  qualidade  de  sócio,  mostre  que essa execução pode causar dano apreciável (art. 396º/1 CPC).

O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de difícil reparação. Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não pode ser  requerida a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de 

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dividendos.c)     Providências de antecipação·        Alimentos provisóriosA  providência  de  alimentos  provisórios  pode  ser  requerida  como 

dependência  da  acção  em  que,  principal  ou  acessoriamente,  seja  pedida uma  prestação  de  alimentos  (arts.  399º/1  CPC;  2007º/1  CC).  Essa  causa pode  ser,  por  exemplo,  uma  acção  de  reconhecimento  da  maternidade  ou paternidade  (arts.  1821º,  1873º  e  1884º/1  CC).  Os  alimentos  provisórios  são fixados  numa  quantia  mensal  (art.  399º/1  CPC),  tomando  em  consideração  o que  for  estritamente  necessário  para  o  sustento,  a  habitação e  o  vestuário  do requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor não puder beneficiar de apoio judiciário (art. 399º/2 CPC).

·        Arbitramento de reparaçãoComo dependência da acção de  indemnização fundada em morte ou  lesão 

corporal,  pode  o  lesado,  bem  como  aqueles  que  lhe  podiam  exigir  alimentos ou  aqueles  a  quem  o  lesado  os  prestava  no  cumprimento  de  uma  obrigação natural,  requerer  o  arbitramento  de  uma  quantia  certa,  sob  a  forma  de  renda mensal, como reparação provisória do dano (art. 403º/1 CPC). O mesmo pode ser requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se funda em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado (art. 403º/4 CPC).

A  providência  requerida  é  decretada  se  se  verificar  uma  situação  de necessidade  em  consequência  das  lesões  sofridas  e  se  estiver  indiciada  a existência da obrigação de  indemnizar a cargo do  requerido  (art. 403º/2 CPC). O montante da  reparação provisória é  fixado equitativamente e é subtraído ao quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal (art. 403º/3 CPC).

 53. Providências comuns

Não  cabendo  nenhuma  das  providências  nominadas,  a  garantia  da execução  da  decisão  final,  a  regulação  provisória  e  a  antecipação  da  tutela podem  ser  obtidas  através  de  uma  providência  cautelar  não  especificada  (art. 381º/3  CPC).  As  providências  não  especificadas  só  podem  ser  requeridas quando  nenhuma  providência  nominada  possa  ser  utilizada  no  caso  concreto: nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.

Esta  subsidiariedade  pressupõe  que  nenhuma  providência  nominada  seja abstractamente aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe de o ser por motivos respeitantes ao caso concreto.

Para  que  uma  providência  cautelar  não  especificada  possa  ser  decretada são  necessários,  além  do  preenchimento  das  condições  relativas  à  referida subsidiariedade (art. 381º/3 CPC), vários pressupostos específicos:

-         O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência  dela,  cause  lesão  grave  e  dificilmente  reparável  ao  direito  do requerente (arts. 381º/1 e 387º/1 CPC);

-         A adequação da providência concretamente requerida à efectividade do direito ameaçado (art. 381º/1 CPC);

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-          O  excesso  considerável  do  dano  que  se  pretende  evitar  com  a providência  sobre  o  prejuízo  resultante  do  seu  decretamento  (art.  387º/2 CPC).

As  providências  cautelares  comuns  destinar-se-ão  primordialmente  a regular  provisoriamente  uma  situação  e  a  antecipar  a  tutela  definitiva.  O  art. 381º/1  CPC,  refere  explicitamente  providências  com  eficácia  conservatória  e antecipatória do efeito da decisão principal, mas isso não parece revestir-se de qualquer significado limitativo.

As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas para obter a antecipação da tutela de uma situação jurídica.

 54. Características

a)     DependênciaAs providências cautelares têm por função obter uma composição provisória. 

Essas  providências  são  decretadas  em  processos  especiais  próprios  (os procedimentos  cautelares,  arts.  381º  a  427º  CPC)  e,  porque  visam  compor provisoriamente  a  situação  das  partes,  são  dependência  de  uma  acção  cujo objecto é a própria situação acautelada ou tutelada (arts. 383º/1, 399º/1, 403º/1 e 421º/2 CPC). Essa acção pode ser declarativa ou executiva (art. 383º/1 in fine CPC),  embora,  nesta  última,  não  sejam  frequentes  as  hipóteses  em  que  está assegurado  o  interesse  processual  no  decretamento  da  providência.  A  acção principal pode decorrer perante um Tribunal estadual ou Arbitral.

Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier a ser julgada improcedente (art. 389º/1-c CPC) ou se o réu for nela absolvido da instância e o autor  não propuser,  dentro do prazo  legal,  uma nova acção  (art. 389º/1-d;  sobre  esse  prazo  art.  289º/2 CPC).  Se  a  acção  principal  for  julgada procedente,  verifica-se, em  regra a substituição da composição provisória pela definitiva resultante dessa decisão.

As  providências  cautelares  podem  ser  requeridas  antes  da  propositura da  acção  principal  ou  durante  a  pendência  desta  última  (art.  383º/1,  2ª  parte CPC), mas  nunca  após  o  trânsito  em  julgado  da  decisão  dessa  acção. Como dependência  da  mesma  causa  não  pode  ser  requerida  mais  do  que  uma providência  relativa  ao  mesmo  objecto,  ainda  que  uma  delas  seja  julgada injustificada ou tenha caducado (art. 381º/4 CPC).

As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não esteja pendente nenhuma acção (art. 383º/1, 2ª parte CPC). Isso possibilita a situação em  que  a  providência  é  requerida,  mas  a  acção  principal  nunca  chega  a  ser proposta pelo requerente.

b)    CeleridadeAs providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos 

cautelares.  Dada  a  celeridade  indispensável  a  essas  providências,  estes procedimentos  revestem  sempre  carácter  urgente  e  os  respectivos  actos precedem qualquer  outro  serviço  judicial  não  urgente  (art.  382º/1 CPC);  como consequência  desta  urgência,  os  prazos  processuais  neles  previstos  não  se suspendem sequer durante as férias judiciais (art. 144º/1 CPC).

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c)     ModificaçãoO  Tribunal  não  está  adstrito  à  providência  requerida  (art.  392º/3,  1ª  parte 

CPC),  isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que  foi solicitada (art.  661º/3  CPC).  Esta  faculdade  concedida  ao  Tribunal  decorre  da  não vinculação  deste  órgão  à  indagação,  interpretação  e  aplicação  das  regras de  direito  (art.  664º,  1ª  parte  CPC)  e  pressupõe,  naturalmente,  que  os  factos alegados  pelo  requerente  possibilitem  essa  conversão. Desse  regime  também decorre  que  uma  idêntica  modificação  da  providência  pelo  próprio  requerente não é condicionada pelo disposto no art. 273º/1/2 CPC.

d)    CumulaçãoO  requerente  pode  solicitar  o  decretamento  de  várias  providências 

cautelares  num  mesmo  procedimento  cautelar,  desde  que  a  tramitação  para cada  uma  delas  não  seja  absolutamente  incompatível  e  essa  cumulação corresponda  a  um  interesse  relevante  ou  seja  indispensável  para  a  justa composição  do  litígio  (art.  392º/3,  2ª  parte CPC).  Isso  significa  que  se  podem cumular  tanto  diferentes  providências  especificadas,  como  providências nominadas e providências comuns.

Podem  cumular-se  duas  ou  mais  providências  cautelares  se,  na  acção de  que  são  dependentes  (art.  383º/1  CPC),  for  admissível  a  cumulação  dos respectivos pedidos.

e)     ProporcionalidadeA  provisoriedade  cautelares  e  a  sua  finalidade  de  garantia,  de  regulação 

ou de antecipação  justificam que as medidas  tomadas ou  impostas devam ser as  adequadas  às  situações  que  se  pretende  acautelar  ou  tutelar.  As  relações entre  aquelas medidas  e  estas  situações  devem orientar-se  por  uma  regra  de proporcionalidade:  as  medidas  provisórias  não  podem  impor  ao  requerido  um sacrifício  desproporcionado  relativamente  aos  interesses  que  o  requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (arts. 387º/2; 397º/2, 408º/2/3 e 419º CPC).

f)       Eficácia relativaUma  das  consequências  da  summaria  cognitio  e  da  suficiência  da  mera 

justificação  no  julgamento  da  providência  é  a  insusceptibilidade  de  a  decisão proferida na procedimento cautelar produzir qualquer efeito de caso  julgado na respectiva  acção  principal:  o  julgamento  da matéria  de  facto  e  a  decisão  final proferida  no  procedimento  cautelar  não  têm  qualquer  influência  no  julgamento da  acção  principal  (art.  383º/4  CPC).  Como  a  providência  decretada  caduca se a acção vier a ser  julgada improcedente por sentença transitada em julgado (art.  389º/1-c  CPC),  também  isso  demonstra  que  o  seu  decretamento,  não  é vinculativo  na  acção  principal  (que,  apesar  desse  decretamento,  vem  a  ser julgada improcedente).

Pela mesma  razão,  a  desistência  da  providência  e  a  confissão  do  pedido (art. 293º/1 CPC) realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar a apreciação da acção principal.

g)    Substituição por cauçãoAs providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória 

que tutela ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso não 

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impede, contudo, que esse interesse possa ser acautelado de outra forma. Uma delas consiste na prestação de uma caução pelo  requerido em substituição do decretamento da providência: é o que é admissível nas providências cautelares não  especificadas  (art.  387º/3  CPC)  e  no  embargo  de  obra  nova  (art.  419º/1 CPC).

A  substituição  da  providência  cautelar  pela  prestação  de  caução  pelo requerido  pressupõe,  no  entanto,  que  através  desta  se  pode  obter  o  mesmo efeito a que se destina aquela providência. Normalmente, a providência cautelar pode  ser  substituída  por  caução,  sempre  que  ela  vise  evitar  um  prejuízo patrimonial.

h)    Garantia e execuçãoDe molde  a  assegurar  a  efectividade  da  providência  cautelar  decretada,  é 

admissível  a  fixação  de  uma  sanção  pecuniária  compulsória,  se  a  providência impuser  uma  prestação  de  facto  infungível  e  esta  não  exigir  especiais qualidades científicas ou artísticas do requerido (arts. 384º/2 CPC; 829º-A/1 CC).

 55. Caducidade

As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que elas caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não  for compatível com a medida provisória decretada. É o que acontece quando essa acção  for  julgada  improcedente  por  uma  sentença  transitada  em  julgado  (art. 389º/1-c CPC).

  A  caducidade  da  providência  cautelar  decorrente  da  extinção  do  direito acautelado  (art.  389º/1-e  CPC)  é  apenas  uma  das  situações  possíveis  de inutilidade  superveniente  dessa  providência  (art.  287º-e  CPC),  pelo  que  essa inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.

Normalmente  a  caducidade  da  providência  abrange-a  na  totalidade,  mas também são pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por exemplo, a acção for julgada parcialmente improcedente no despacho saneador (art. 510º/1-b CPC), a providência decretada só caduca na parte respectiva (art. 389º/1-c CPC); o mesmo sucede se o direito acautelado se extinguir apenas em parte (art. 289º/1-e CPC).

A  caducidade da  providência  não opera  automaticamente  e  nem sequer  é de  conhecimento oficioso. O  levantamento da providência  com  fundamento na sua  caducidade depende de  solicitação  do  requerido,  que  é  apreciada  após  a audição do requerente (art. 389º/4 CPC).

 56. Responsabilidade do requerente

Pode suceder que a providência  requerida venha a mostrar-se  injustificada pela  falta  quer  do  próprio  direito  acautelado  ou  tutelado,  quer  do  fundamento do  seu  decretamento;  também  pode  acontecer  que  a  providência  decretada, inicialmente justificada, venha a caducar por facto imputável ao requerente (art. 389º/1  CPC).  Em  todos  estes  casos,  o  requerente,  se  não  tiver  agido  com  a prudência normal, é responsável pelos danos causados ao requerido (art. 390º/1;  quanto  ao  arresto,  art.  621º  CC).  Essa  responsabilidade  está  instituída  na lei  como  uma  contrapartida  da  provisoriedade  das  providências  cautelares  e 

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é garantida pela  caução que o Tribunal, mesmo sem solicitação do  requerido, pode exigir ao requerente (art. 390º/2 CPC).

A  responsabilidade  do  requerente  pressupõe  que  a  providência  é injustificada no momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida na acção principal.

 COMPOSIÇÃO POR REVELIA

57. Noção

A composição da acção pode ser decisivamente  influenciada pela omissão de  um acto  processual:  trata-se  da  revelia  do  réu,  que  consiste  na  abstenção definitiva da contestação.

A  contestação  –  na  qual  o  réu  pode  impugnar  as  afirmações  do  autor  ou deduzir  uma  excepção  (art.  487º/1  CPC)  –  constitui  um  ónus  da  parte,  não existindo,  assim,  qualquer  dever  de  contestar.  Daí  decorre  que  a  revelia  não determina a aplicação ao réu de qualquer sanção (pecuniária, nomeadamente), mas antes certas desvantagens quanto à decisão da acção.

 58. Modalidades

a)     Revelia absoluta e relativaA  revelia  é  absoluta  quando  o  réu  não  pratica  qualquer  acto  na  acção 

pendente; é relativa se o réu não contesta, mas pratica em juízo qualquer outro acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial.

b)     Revelia operante e inoperanteA  revelia  –  quer  a  relativa,  quer  a  absoluta  –  pode  ser  operante  ou 

inoperante. É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção; é  inoperante  quando esses efeitos não  se  realizam,  isto é,  quando a  falta de contestação  nada  implica  quanto  à  decisão  da  causa  (arts.  233º/1;  484º/1; 485º-b, 2ª parte; 233º/6 e 248º; 485º-a; 485º-c CPC; art. 354º-b CC; art. 485º-d CPC; art. 364º CC). As situações que conduzem à inoperância da revelia são comuns  ao  processo  ordinário,  sumário  e  sumaríssimo,  pois,  na  falta  de  uma regulamentação específica, vale para estes últimos o que se encontra estipulado para o processo ordinário (arts. 463º/1 e 464º CPC).

 59. Efeitos

A  revelia operante  implica uma  importante consequência quanto à decisão da  acção.  Essa  consequência,  que  se  produz  ex  lege  e  não  ex  voluntate, consiste  no  seguinte:  a  revelia  operante  implica  a  confissão  dos  factos articulados  pelo  autor  (art.  484º/1  CPC;  quanto  à  aplicação  dessa  regra  ao processo sumário e sumaríssimo, arts. 463º/1 e 464º CPC).

O  efeito  cominatório  realizado  pela  revelia  não  prevalece  sobre  a matéria de  conhecimento  oficioso,  nomeadamente  as  excepções  dilatórias  de  que  o Tribunal deva conhecer ex officio (art. 495º CPC) e que obstem à apreciação do mérito da causa (art. 288º/3 CPC).

O efeito cominatório da revelia operante também não pode prevalecer sobre os efeitos ilegais pretendidos pelo autor. Se a confissão ficta ou presumida que 

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resulta da revelia respeitar a factos impossíveis ou notoriamente inexistentes ou se  o  autor  tiver  formulado  um  pedido  ilegal  ou  juridicamente  impossível,  essa confissão não é admissível (art. 354º-c CC) e o Tribunal não os deve considerar admitidos por um acordo e deve abster-se de apreciar esse pedido.

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COMPOSIÇÃO PELO TRIBUNAL

 60. Decisão judicial

A decisão é o acto do Tribunal no qual este órgão julga qualquer matéria que lhe compete apreciar por iniciativa própria, quer mediante solicitação das partes. A decisão é, assim, o acto processual que exprime, por excelência, o exercício da função jurisdicional pelo Tribunal.

Toda  a  decisão  comporta  dois  elementos  essenciais:  os  fundamentos  e  a conclusão  ou  decisão  em  sentido  estrito.  Os  fundamentos  incluem  a  matéria de facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos. Para a  individualizar,  a  decisão  inicia-se  com um  relatório,  em que  se  identificam o processo  a  que  respeita  e  as  questões  a  resolver  (art.  659º/1  CPC),  e,  para assegurar a sua genuinidade, ela deve ser assinada e datada (arts. 157º/1 e 2; 668º/1-a CPC).

O  dever  de  fundamentação  das  decisões  judiciais  constitui  um  imperativo constitucional, embora restringido aos casos e  termos previstos na  lei ordinária (art. 205º/1 CRP).

 61. Modalidades

A principal  diferenciação  nas  decisões  judiciais  distingue-as  em  sentenças e despachos (art. 156º/1 CPC). As sentenças são, em regra, as decisões sobre o mérito  da  causa  ou  sobre  um  incidente  com a  estrutura  de  uma  causa  (art. 156º/2  CPC),  mas  também  podem  conhecer  de  aspectos  processuais  (art. 660º/1 CPC); das sentenças que conhecem do mérito da causa pode  interpor-se  recurso  de  apelação  (art.  691º/1  CPC).  Os  despachos  são,  em  princípio, decisões  sobre  aspectos  processuais  e,  por  isso,  são,  em  regra,  decisões interlocutórias,  embora  também  possam  incidir  sobre  o  mérito  (art.  510º/1-b CPC)  e,  mesmo  fora  destes  casos,  possam  ser  decisões  finais  (art.  510º/1-a CPC); dos despachos que não conhecem do mérito da causa cabe recurso de agravo  (art.  733º  CPC)  e  daqueles  que  apreciam  esse mérito  pode  apelar-se (art. 691º CPC).

Às  decisões  dos  Tribunais  colectivos  atribui-se  a  designação  especial  de acórdãos  (art. 156º/3 CPC). Quando o acórdão da Relação conhece do mérito da  causa,  dele  cabe  revista  (art.  721º/2 CPC);  quando  isso  não  sucede,  cabe agravo (art. 754º/1 CPC).

Alguns  despachos  incidem  somente  sobre  aspectos  burocráticos  do processo  e  da  sua  tramitação  e,  por  isso,  não  possuem  um  conteúdo característico  do  exercício  da  função  jurisdicional,  nem  afectam  a  posição processual  das  partes  ou  de  terceiros.  São  os  chamados  despachos  de mero expediente, que são aqueles que se destinam a prover ao andamento regular do processo e nada decidem quanto ao conflito de  interesses entre as partes (art. 156º/4, 1ª parte CPC)

Os despachos discricionários são aqueles cujo conteúdo é determinado pelo prudente  arbítrio  do  julgador  (art.  156º/4,  2ª  parte CPC),  ou  seja,  por  critérios 

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de  conveniência  e  oportunidade.  Assim,  são  despachos  discricionários  todos aqueles que estabelecem prazos judiciais (art. 144º/1 CPC), com ou sem limites legais (arts. 24º/2; 25º/1; 33º 40º/2; 486º/4 e 5; 508º/2 e 3 CPC).

Os  despachos  de  mero  expediente  e  os  despachos  discricionários  não admitem recurso (art. 679º CPC), nem reclamação (art. 700º/3 CPC)

O Procedimento em 1ª Instância:

A) Dinâmica da instânciaB) Processo ordinárioC) Processo sumário e sumaríssimo

A)    

Dinâmica da instância    

Vicissitudes  Fases do processo

    

Vicissitudes 

62. InícioA  instância  inicia-se  com a  propositura  da  acção,  entendendo-se  que esta 

se considera proposta, intentada ou pendente quando for recebida na secretaria (art. 150º/3 CPC) a respectiva petição inicial ou, se esta tiver sido enviada pelo correio, na data do seu registo postal (arts. 267º/1; 150º/1 CPC). No entanto, em relação ao réu, os efeitos decorrentes da pendência da causa só se produzem, em  regra,  após  a  sua  citação  (art.  267º/2  CPC;  sobre  uma  excepção  a  esta regra, art. 385º/6 CPC).

 63. Suspensão

São várias as circunstâncias que determinam a suspensão da instância:

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·         Quando  falecer  ou  se  extinguir  alguma  das  partes  (arts.  276º/1-a;  277º/1  CPC),  salvo  se  já  tiver  começado  a  audiência  final  ou  se  o  processo  já tiver  inscrito em  tabela para  julgamento, hipótese em que a  instância só se suspende depois de ser proferida a sentença ou o acórdão (art. 277º/1 CPC);

·         Nos  processos  em  que  for  obrigatória  a  constituição  de  advogado  (arts. 32º/1 e 3; 276º/1-b; 278º; 284º/1-b CPC);

·         Sempre  que  o  Tribunal  a  ordene  (arts.  276º/1-c;  279º/1;  97º/1;  284º/1-c CPC);

·        Sempre que a lei o determine (arts. 276º/1-d – 12º/2 e 5; 24º/2; 25º/1; 39º/3; 356º; 549º/3; 550º/3; e 551º-A/4; no art. 1940º/3 CC; no art. 14º/3 DL 329-A/95, de 12/12; no art. 24º/1-b, DL 387-B/87, de 29/12, e ainda no art. 3º/2, CRegP.);

·         A  vontade  das  partes  também  constitui  uma  causa  de  suspensão  da instância:  as  partes  podem  acordar  nessa  suspensão  por  um  prazo  não superior a seis meses (art. 279º/4 CPC).Durante a suspensão da  instância só se podem praticar os actos urgentes 

destinados  a  evitar  o  dano  irreparável  (art.  283º/1,  1ª  parte CPC)  e  os  prazos judiciais não correm enquanto ela se mantiver (art. 283º/2, 1ª parte CPC). Mas a  suspensão  não  impede  a  desistência,  confissão  ou  transacção,  desde  que estas não se  tornem  impossíveis ou não sejam afectadas pelo  fundamento da suspensão (art. 283º/3 CPC).

 64. Interrupção

A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente  do  qual  dependa  o  seu  andamento  (art.  285º  CPC).  A  interrupção da  instância  é,  assim,  consequência  do  incumprimento  do  ónus  de  impulso subsequente  das  partes  (art.  265º/1  CPC).  A  interrupção  cessa  se  o  autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento dele (art. 286º CPC).

A interrupção da instância provoca um importante efeito substantivo – é ele, aliás, que justifica a ressalva feita no art. 286º in fine CPC. Quando a caducidade se  refere  ao  exercício  jurisdicional  de  um  direito  potestativo,  a  interrupção  da instância  implica  que  não  se  conta,  para  efeitos  dessa  caducidade,  o  prazo decorrido  entre  a  propositura  da  acção  e  aquela  interrupção  (art.  332º/2  CC). Isto  é,  o  prazo  de  caducidade  começa  a  correr  de  novo  com  a  interrupção da  instância,  pelo  que  pode  suceder  que  ele  se  esgote  antes  de  cessar  essa interrupção.

 65. Extinção

O meio normal de extinção da instância na acção declarativa é o julgamento (art. 287º-a CPC), que, aliás, pode decorrer de uma sentença de mérito ou de absolvição da instância (arts. 288º e 289º CPC). Mas existem outras causas de extinção da instância. São elas:

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-         A celebração de um compromisso Arbitral (arts. 287º-b; 290º CPC; art. 1º/1 e 2 LAV), ou seja, a atribuição da competência para o julgamento da acção pendente a um Tribunal Arbitral;

-          A  deserção  da  instância  (art.  287º-c  CPC),  isto  é,  a  interrupção  da instância durante dois anos (art. 291º/1 CPC);

-         A desistência, confissão ou transacção (art. 287º-d; 293º a 295º CPC);-         A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art. 287º-e CPC).

Com  a  extinção  da  instância  terminam  todos  os  efeitos  processuais  e substantivos  da  pendência  da  acção  (art.  481º  CPC;  arts.  323º/1  e  2;  805º/1; e 1292º CC). A desistência, absolvição e deserção da  instância, bem como a  caducidade  do  compromisso  Arbitral  (art.  4º  LAV),  implicam  que  o  prazo prescricional  –  cujo  decurso  fora  interrompido  pela  citação  do  réu  (art.  323º/1 CC) ou passados 5 dias depois de esta  ter sido requerida (art. 323º/2 CC) – começa a correr de novo (e desde o início) a partir desse acto interruptivo (arts. 327º/2 e 326º/1 CC).

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Fases do processo

66. NoçãoA  tramitação  da  acção  comporta  uma  sequência  de  actos  que  pode  ser 

decomposta em várias fases. A fase processual pode ser construída através de um critério cronológico ou  lógico: naquela primeira acepção, a  fase engloba os actos  temporalmente  contíguos  na marcha  do  processo, mesmo  que  realizem finalidades distintas; em sentido lógico, a fase abrange todos os actos, qualquer que  seja  o  momento  em  que  sejam  praticados,  que  prossigam  uma  mesma finalidade.

Assim, a fase do processo integra todos os actos que realizam uma mesma função, ainda que eles sejam praticados antes do início ou depois do termo da respectiva fase em sentido cronológico. 

B)    

Processo ordinário

Fases dos articulados Fase da condensação Fase da instrução Fase da audiência final Fase da sentença

      

Fases dos articulados

67. Função da faseA fase dos articulados é aquela em que as partes da acção – o autor e o réu 

– apresentam as razões de facto e de direito que fundamentam as posições que defendem em  juízo  e  solicitam  a  correspondente  tutela  judicial.  É  através  dos articulados que as partes iniciam o seu diálogo na acção.

 

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68. ArticuladosSão  as  peças  em  que  as  partes  expõem  os  fundamentos  da  acção  e  da 

defesa  e  formulam  os  pedidos  correspondentes  (art.  151º/1  CPC).  Essas peças  recebem o  nome de  articulados,  porque,  em princípio,  nas  acções,  nos incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessam à fundamentação do pedido ou da defesa (art. 151º/2 CPC), isto é, cada facto deve ser alegado separadamente num artigo numerado. O  processo  ordinário  comporta,  na  tramitação  normal,  quatro  articulados:  a petição inicial (art. 467º CPC), a contestação (art. 486º CPC), a réplica (art. 502º CPC) e a tréplica (art. 503º CPC); em determinadas situações, podem ainda ser apresentados articulados supervenientes (art. 506º CPC).

 69. Apoio judiciário

O  apoio  judiciário  é,  em  conjunto  com  a  consulta  jurídica,  uma  das modalidades  da  protecção  jurídica  (art.  6º  DL  387-B/87,  de  29/12;  art.  20º/2  CRP).  Têm  direito  à  protecção  jurídica  as  pessoas  singulares  e  colectivas que  demonstrem  não  dispor  de  meios  económicos  bastantes  para  suportar os honorários dos profissionais da causa  (art. 7º/1 e 4, DL 387-B/87), ou seja, as  pessoas  para  as  quais  esses  encargos  possam  constituir  motivo  inibitório do  recurso ao Tribunal  (art. 7º DL 391/88, de 26/10). Gozam da presunção de insuficiência económica aqueles que requeiram alimentos ou que os estejam a receber  por  necessidade  económica,  que  reúnam  as  condições  exigidas  para a atribuição de quaisquer subsídios em razão da sua carência de rendimentos, que tenham rendimentos mensais provenientes do trabalho iguais ou inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional, bem como o filho menor para efeitos de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade (art. 20º/1, DL 387-B/87).

A protecção  jurídica – e, portanto, o apoio  judiciário – é concedido para as causas  em  que  o  requerente  tenha  um  interesse  próprio  e  que  versem  sobre direitos lesados ou ameaçados de lesão (art. 8º DL 387-B/87). O apoio judiciário aplica-se  em  todos  os  Tribunais,  qualquer  que  seja  a  forma  processual  do requerente  e  da  sua  concessão  à  parte  contrária  (art.  17º/1,  DL  387-B/87),  e, se  for  atribuído,  compreende  a  dispensa,  total  ou  parcial,  de  taxas  de  justiça e do pagamento das custas, ou o  seu diferimento, assim como a dispensa do pagamento  dos  serviços  do  advogado  ou  solicitador  (art.  15º/1, DL  387-B/87). Essa dispensa abrange as despesas com os exames requeridos a organismos oficiais e as multas que condicionam o exercício de uma faculdade processual.

 70. Petição inicial

A petição  inicial é o primeiro articulado do processo, no qual o autor alega os  fundamentos de  facto e de direito da situação  jurídica  invocada e  formula o correspondente pedido contra o réu.

A  entrega  da  petição  inicial  é  o  resultado  de  uma  actividade  prévia  do advogado  do  autor  e,  frequentemente,  de  várias  opções  quanto  à  estratégia a  adoptar.  Aquela  actividade  inclui  a  indagação  dos  factos  relevantes  para  a fundamentação  da  posição  do  seu  mandante  e  a  averiguação  dos  meios  de 

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prova susceptíveis de ser utilizados por esta parte (art. 456º/2-a), b) CPC).A  petição  inicial  contém,  em  termos  formais,  quatro  partes:  o  intróito  ou 

cabeçalho, a narração, a conclusão e os elementos complementares. A petição inicial começa por um intróito ou cabeçalho, no qual é designado o Tribunal onde a  acção  é  proposta  (art.  467º/1-a  CPC),  se  identificam  as  partes  através  dos seus  nomes,  residências,  profissões  e  locais  de  trabalho  (art.  467º/1-a  CPC) e  se  indica  a  forma  do  processo  (art.  467º/1-b CPC).  Se  a  petição  inicial  não contiver  estes  elementos,  a  secretaria  deve  recusar  o  seu  recebimento  (art. 474º-a), b), c) CPC).

Na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art. 467º/1-c CPC). Esta parte da petição inicial contém a exposição dos factos necessários à procedência da acção, isto é, a alegação dos  factos  principais,  bem  como  dos  factos  instrumentais  para  os  quais  seja oferecida  prova  documental  que  deva  ser  junta  à  petição  inicial  (art.  523º/1 CPC). Os factos devem ser deduzidos por artigos (art. 151º/2 CPC) e, se faltar qualquer facto essencial, a petição é inepta por falta de causa de pedir (art. 193º/2-a CPC).

À narração dos factos e das razões de direito segue-se a conclusão. É nesta parte da petição inicial que o autor deve formular o pedido (art. 467º/1-d CPC), isto é, definir a forma de tutela jurídica que pretende a situação jurídica alegada. A  falta  de  indicação  do  pedido  ou  a  contradição  deste  com  a  causa  de  pedir apresentada na narração importam a ineptidão da petição inicial (art. 193º/2-a, b CPC).

A  petição  inicial  termina  com  algumas  indicações  complementares  (arts. 467º/1-e/2; 474º-d, e; 523º/1; 255º/1; 32º/1-a, b; 40º CPC).

A  petição  inicial  deve  ser  entregue  ou  enviada  à  secretaria  judicial  do Tribunal  competente  (art.  150º/1  e  3  CPC).  A  acção  considera-se  proposta, intentada  ou  pendente  logo  que  aquele  articulado  seja  recebido  na  secretaria (art. 267º/1 CPC).

O  art.  234º/4  CPC,  enumera  as  hipótese  em  que  a  citação  do  réu  é precedida de despacho judicial e o art. 234º-A/1 CPC, estabelece os casos em que o  juiz é chamado a proferir aquele despacho pode indeferir  liminarmente a petição. O  indeferimento  limiar pode basear-se na  improcedência manifesta da acção ou na existência de uma excepção dilatória insanável e de conhecimento oficioso (art. 234º-A/1 CPC). Esse indeferimento pode ser parcial, tanto quanto a um dos objectos cumulados, como quanto a um dos vários autores ou réus.

O  indeferimento  liminar  extingue  a  instância  (art.  287º-a  CPC),  e  produz caso  julgado  quanto  ao  seu  fundamento.  Por  aplicação  analógica  do  art. 476º  CPC,  o  autor  pode  entregar,  no  prazo  de  10  dias  após  a  notificação  do indeferimento liminar, uma nova petição inicial.

O  art.  234º-A/1  CPC,  coloca  o  problema  de  saber  se  o  único  despacho admissível nesse momento é o de indeferimento liminar. Pode perguntar-se se, perante  uma petição  irregular  ou  deficiente,  o  juiz  está  impedido de  solicitar  a sanação da irregularidade ou de convidar o autor a aperfeiçoar esse articulado.

 71. Citação do réu (art. 480º - art. 233º CPC)

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A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra  ele  determinada  acção  e  se  chama ao  processo  para  se  defender  (art. 228º/1, 1ª parte – 480º CPC). Em regra, a citação é posterior à distribuição, mas, quando aquela não deva realizar-se editalmente (art. 233º/6 CPC), o autor pode requerer, invocando os respectivos motivos, que a citação preceda a distribuição (art. 487º/1 CPC).

A  citação  do  réu  está  submetida  aos  princípios  da  oficiosidade  e  da celeridade (arts. 234º/1 e 479º CPC).

A  citação  pode  ser  pessoal  ou  edital  (art.  233º/1 CPC).  A  citação  pessoal é  aquela  que  é  feita  através  de  contacto  directo  com  o  demandado  ou  que  é efectuada  em  pessoa  diversa  do  citando,  mas  encarregada  de  lhe  transmitir o  conteúdo  do  acto  (art.  233º/4;  sobre  estas  situações:  arts.  233º/5,  236º/2  e 240º/2, 2ª parte CPC). A citação pessoal pode ser realizada através da entrega ao  cintando  de  carta  registada  com  aviso  de  recepção,  nos  casos  de  citação postal (art. 233º/2-a CPC), mas também pode ser efectuada através de contacto pessoal do funcionário  judicial  (art. 233º/2-b CPC) ou do mandatário  judicial do autor com o citando (art. 233º/3 CPC). Em regra, a citação é pessoal (art. 233º/6 CPC) e, em regra  também, é  realizada pela via postal  (arts. 239º/1 e 245º/2 CPC).

Modalidades de citações:*     Citação postal (art. 236º/1 CPC);*     Citação por funcionário judicial (arts. 235º; 239º/1; 240º/2, 4 – art. 348º CP – 

art. 241º CPC);*     Citação por mandatário judicial (art. 245º/2 CPC)*     Citação edital (art. 233º/6 CPC)*     Citação no estrangeiro (art. 247º/1 CPC).

A  citação  pode  ser  impossível  por  três  circunstâncias:  a  incapacidade  de facto  do  citando  (art.  242º  CPC),  a  ausência  do  citando  em  parte  certa  e  por tempo  limitado  (art.  243º  CPC)  e  a  ausência  dele  em  parte  incerta  (art.  244º CPC).  No  primeiro  caso,  se  o  juiz  reconhecer  a  incapacidade  do  réu,  é-lhe nomeado  um  curador  provisório  (art.  242º/3  CPC);  no  segundo,  faculta-se  ao Tribunal  a  opção  entre  proceder  à  citação  postal  ou  aguardar  o  regresso  do citando (art. 243º CPC); por fim, no terceiro, procura-se obter, junto de quaisquer entidades,  serviços ou autoridades policiais,  informações sobre paradeiro ou a ultima residência conhecida do citando (art. 244º/1 CPC), utilizando, em seguida, se essa ausência for confirmada, a citação edital (arts. 233º/6, e 248º CPC).

A citação pode  faltar  (art.  195º CPC) e  ser nula  (art.  198º CPC). Segundo o disposto no art. 195º CPC, verifica-se a  falta de citação quando o acto tenha sido completamente omitido, quando tenha havido erro de identidade do citado, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital (arts. 233º/6 e 251º CPC), quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação deste e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou  a  ter  conhecimento  do  acto,  por  facto  que  não  lhe  seja  imputável,  ou seja,  quando  ele  tenha  ilidido  a  presunção  estabelecida  no  art.  238º CPC,  ou quando  a  citação  tenha  sido  realizada  apesar  da  sua  incapacidade  de  facto 

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(art. 242º CPC). A falta de citação considera-se sanada se o réu ou o Ministério Público intervierem no processo e não arguirem o vício (art. 196º CPC).

A  citação  é  nula  quando,  na  sua  realização,  não  hajam  sido  observadas as  formalidades prescritas na  lei  (art. 198º/1 CPC) – arts. 235º e 246º/1 CPC), desde que essa  inobservância possa prejudicar a defesa do citado  (art. 198º/4 CPC)

 72. Contestação

A  contestação  é  a  resposta  do  réu  à  petição  inicial  do  autor,  ou  seja,  é  a manifestação  da  posição  do  réu  perante  aquele  articulado  do  autor.  Pode  ser entendida num sentido material ou formal. A contestação em sentido material é qualquer acto praticado pelo réu, no qual essa parte mostre a sua oposição ao autor e ao pedido formulado por esta parte (arts. 486º/2 e 487º/1 CPC).

A contestação em sentido formal é o articulado de resposta do réu à petição inicial do autor: à contestação em sentido formal referem-se por exemplo os arts. 488º e 489º/1 CPC.

O  réu  pode  tomar  uma  de  duas  atitudes  fundamentais  perante  a  petição inicial: opor-se ao pedido do autor ou não se opor a ele. A opção por uma destas condutas depende dos  factos  indagados pelo mandatário do  réu e das provas de que esta parte possa dispor,  havendo, naturalmente,  que observar o dever de verdade que recai sobre essa parte (art. 456º/2-a, b CPC) e o dever de não advogar contra a  lei expressa e de não usar meios ou expedientes  ilegais que obriga o mandatário (art. 78º-b EOA).

A  contestação  do  réu  marca  a  sua  oposição  relativamente  ao  pedido  do autor. A contestação pode consistir na  impugnação dos  factos articulados pelo autor ou na  invocação de uma ou várias excepções dilatórias ou peremptórias (art.  487º CPC).  A  escolha  da modalidade  da  defesa  (por  impugnação  ou  por excepção)  é  condicionada  pela  posição  que  o  réu  pretende  assumir  na  acção (arts. 487º/2 e 493º/2 e 3 CPC).

Em conjunto com a contestação ou independente dela, o réu pode formular um pedido reconvencional contra o autor (art. 501º CPC). Sempre que o pedido reconvencional  não  esteja  sujeito  a  qualquer  preclusão  se  não  for  formulado na  acção  pendente,  a  opção  pela  sua  formulação  nessa  acção  só  deve  ser tomada quando for possível coligir, no prazo de contestação, todos os elementos necessários para a sua procedência.

A  reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, na qual devem ser expostos os seus fundamentos, formulado o correspondente pedido e indicado o seu valor (art. 501º/1 e 2 CPC).

O  réu  pode  contestar  no  prazo  de  30  dias  a  contar  da  sua  citação  (art. 486º CPC). A esse prazo acresce uma dilação de 5 dias quando a citação não tenha sido realizada na própria pessoa do réu (arts. 236º/2 e 240º/2 e 3 CPC) e quando o réu tenha sido citado fora da comarca sede do Tribunal onde pende a acção (art. 252º-A/1 CPC).

O articulado de contestação apresenta o mesmo conteúdo formal da petição inicial (art. 488º CPC).

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A  contestação  (em  sentido  material)  está  submetida  a  uma  regra  de concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser deduzida na contestação (art. 489º/1 CPC), ou melhor, no prazo da sua apresentação (art. 486º/1 CPC), pelo  que  fica  precludida  quer  a  invocação  dos  factos  que,  devendo  ter  sido alegados  nesse  momento,  não  o  foram,  quer  a  impugnação,  num  momento posterior,  dos  factos  invocados pelo autor. Se aqueles  factos  forem  invocados fora do prazo determinado para a contestação, o Tribunal não pode considerá-los  na  decisão  da  causa;  se  o  fizer,  incorre  em  excesso  de  pronúncia,  o  que determina a nulidade daquela decisão (art. 668º/1-d, 2ª parte CPC).

Para determinar a incidência desta regra de concentração ou de preclusão, importa ter presente que, na contestação, o réu tanto pode alegar factos novos que  fundamentam  uma  excepção  dilatória  ou  peremptória,  como  limitar-se  a impugnar os factos invocados pelo autor na petição inicial (art. 487º/2 CPC).

 73. Conteúdo material

A  contestação  pode  revestir  as modalidades  de  defesa  por  impugnação  e por excepção (art. 487º/1 CPC). A defesa por  impugnação pode ser directa ou de facto ou indirecta ou de direito:

–        A impugnação directa ou de facto consiste na contradição pelo réu dos factos articulados na petição inicial (art. 487º/2, 1ª parte CPC);

–         A  impugnação  é  indirecta  ou  de  direito  quando  o  réu  afirma  que  os factos alegados pelo autor não podem produzir o efeito jurídico pretendido por essa parte (art. 487º/2, 1ª parte in fine CPC).

A impugnação directa é um meio de defesa do réu; como o Tribunal conhece oficiosamente a matéria de direito (art. 664º, 1ª parte CPC), este órgão, mesmo sem essa  impugnação,  deve  controlar  se  os  efeitos  jurídicos  pretendidos  pelo autor  podem decorrer  dos  factos  alegados  por  esta  parte.  A  delimitação  entre a  impugnação  indirecta  e  a  excepção peremptória  faz-se,  por  isso,  através do seguinte critério:

-         Se o réu se limita a negar o efeito jurídico pretendido pelo autor, isto é, a atribuir uma diferente versão jurídica dos factos invocados pelo autor, há impugnação indirecta;

-          Se,  pelo  contrário,  o  réu  opõe  a  esse  efeito  a  alegação  de  um  facto impeditivo,  modificativo  ou  extintivo,  verifica-se  a  dedução  de  uma excepção peremptória.

a)     Defesa por excepção:Consiste  na  invocação  de  factos  que  obstam  à  apreciação  do  mérito  da 

acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor,  importam a  improcedência  total  ou parcial  do pedido  (art. 487º/2, 2ª parte CPC). No primeiro caso, o réu alega a falta de um pressuposto processual e invoca uma excepção dilatória (art. 493º/2 CPC); no segundo, o réu opõe uma excepção peremptória (art. 493º/3 CPC).

b)    Defesa por impugnação:A  impugnação  directa  deve  abranger  os  factos  principais  articulados  pelo 

autor na petição inicial (art. 490º/1 CPC); se assim não suceder, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (art. 490º/2, 1ª parte 

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CPC).A  contestação  produz  efeitos  processuais,  inclui-se  a  possibilidade, 

admitida  em  certos  casos,  de  réplica  do  autor  (art.  502º/1  e  2  CPC).  E substantivos, importa referir que a contestação torna litigioso o direito afirmado ou a  coisa discutida em  juízo,  o  que  revela,  por  exemplo,  para a proibição da cessação daquele direito (art. 579º CC) e da venda desse direito ou coisa (art. 876º CC).

 74. Réplica

É a  resposta do autor  à  contestação do  réu. A  réplica pode ser  entendida num  sentido  formal  ou  material:  naquela  primeira  acepção,  a  réplica  é  o articulado que o autor apresenta em resposta à contestação do réu; em sentido material, a réplica consiste na contestação de uma excepção oposta pelo réu ou na  dedução  de  uma  excepção  contra  o  pedido  reconvencional  formulado  pelo réu (art. 502º/1 e 2 CPC). Se aquele articulado contiver aquela impugnação ou a dedução daquela excepção, a réplica em sentido formal é-o também em sentido material.

A  réplica  é  admissível  sempre  que  o  réu  deduza  alguma  excepção  ou formule um pedido  reconvencional  (art.  502º/1 CPC): naquele primeiro caso, a réplica destina-se a possibilitar a impugnação pelo autor da excepção invocada pelo réu ou a alegação de uma contra-excepção; no segundo, a réplica permite a  apresentação  pelo  autor  de  qualquer  contestação,  por  impugnação  ou  por excepção  (art.  487º/1  CPC),  do  pedido  reconvencional.  A  réplica  encontra  a sua  justificação  nos  princípios  da  igualdade  das  partes  (art.  3º-A  CPC)  e  do contraditório (art. 3º/1 e 3 CPC).

A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu implica, em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados (art. 505º CPC). Esta admissão não se verifica nas situações previstas do art. 490º/2 CPC, e, além disso, há que conjugar o conteúdo da  réplica com o da petição  inicial, pelo  que  devem  considerar-se  impugnados  os  factos  alegados  pelo  réu  que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses articulados do autor.

Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional, a falta de réplica implica a  revelia  do  reconvindo  quanto  a  esse  pedido  (art.  484º/1 CPC).  Essa  revelia é  inoperante  nas  condições  referidas  no  art.  485º CPC, mas,  se  for  operante, determina a confissão dos factos articulados pelo réu como fundamento do seu pedido reconvencional (art. 484º/1 CPC).

Acessoriamente  a  estas  funções,  a  réplica  pode  ser  utilizada  para  o  autor alterar unilateralmente o pedido ou a causa de pedir (art. 273º/1 e 2 CPC)

 75. Tréplica

É a resposta do réu à réplica do autor. Também a tréplica pode ser referida numa acepção formal ou material: em sentido formal, a tréplica é o articulado de resposta do réu à réplica do autor; a tréplica em sentido material é a contestação pelo  réu  das  excepções  opostas  à  reconvenção  na  réplica,  a  impugnação  da admissibilidade da modificação do pedido ou da causa de pedir  realizada pelo 

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autor na réplica (art. 273º/1 e 2 CPC) ou a contestação da nova causa de pedir ou do novo pedido apresentado pelo autor na réplica (art. 503º/1 CPC).

A tréplica só é admissível em duas situações (art. 503º/1 CPC):-         Quando o autor tiver modificado na réplica o pedido ou a causa de pedir 

(art.  273º/1  e  2  CPC)  e  o  réu  pretender  contestar  quer  a  admissibilidade dessa modificação, quer o novo pedido formulado ou a nova causa de pedir invocada;

-          Quando  o  réu  tiver  deduzido  um  pedido  reconvencional,  o  autor  tiver alegado  contra  esse  pedido  uma excepção  e  o  réu  desejar  contestá-la  por impugnação ou pela  invocação de uma contra-excepção. A tréplica destina-se, por isso, a assegurar o contraditório do réu a essas matérias.O ónus de  impugnação  também vale na  tréplica. Assim, a  falta da  tréplica, 

a  não  impugnação da  nova  causa de  pedir  e  a  não  contestação da  excepção alegada  pelo  autor  na  réplica  determinam,  em  regra,  a  admissibilidade  por acordo desses factos e dessa excepção (art. 505º CPC).

Se o réu tiver formulado um pedido reconvencional (art. 501º/1 CPC), o autor pode contestar na réplica esse pedido através da dedução de uma excepção, à qual o réu pode responder na tréplica com a alegação de uma contra-excepção.

 76. Articulados supervenientes

Os articulados supervenientes são utilizados para a alegação de factos que, dada a sua superveniência, não puderam ser invocados nos articulados normais (art. 506º/1 CPC). Essa superveniência pode ser objectiva ou subjectiva:-          É  objectiva  quando  os  factos  ocorrem  posteriormente  ao  momento  da 

apresentação do articulado da parte (art. 506º/2, 1ª parte CPC);-          É  subjectiva  quando  a  parte  só  tiver  conhecimento  de  factos  ocorridos 

depois de findar o prazo de apresentação do articulado (art. 506º/2, 2ª parte CPC).A  superveniência  objectiva  é  facilmente  determinável:  se  o  facto  ocorreu 

depois  da  apresentação  do  articulado  da  parte,  ele  é  necessariamente superveniente. Mais complexa é a aferição da superveniência subjectiva, porque importa verificar em que condições se pode dar relevância desconhecimento do facto pela parte. O art. 506º/4 CPC, estabelece que o articulado superveniente deve  ser  rejeitado  quando,  por  culpa  da  parte,  ele  for  apresentado  fora  de tempo,  isto é, quando a parte não  tenha  tido conhecimento atempado do  facto por  culpa  própria  (art.  506º/3  CPC).  Portanto,  a  superveniência  subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo do facto.

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Fase da condensação

77. Função da faseRealiza  duas  funções  primordiais:  uma  respeitante  aos  aspectos  jurídico-

processuais  da acção e  uma outra  relativa  ao  seu objectivo. Naquela  primeira função, cabe a verificação da regularidade do processo e, sempre que possível, a sanação das excepções dilatórias e das nulidades processuais: é a função de saneamento. Na segunda, inclui-se o convite à correcção e ao aperfeiçoamento dos articulados e a determinação das questões de  facto a resolver: é a  função de concretização.

A  função  de  saneamento  visa  resolver  os  impedimentos  à  apreciação  do mérito da acção e sanar as nulidades processuais e a função de concretização permite delimitar as questões de facto relevantes para a decisão da causa.

 78. Despacho pré-saneador

É  proferido  pelo  juiz  sempre  que  importe  obter  a  sanação  das  excepções dilatórias (art. 508º/1-a CPC) ou a convidar as partes ao aperfeiçoamento ou à correcção dos articulados das partes (art. 508º/1-b CPC).

Ao  Tribunal  incumbe  providenciar,  mesmo  oficiosamente,  pelo  suprimento da  falta  de  pressupostos  processuais  susceptíveis  de  sanação,  quer determinando a  realização dos actos necessários à  regularização da  instância, quer convidando as partes a praticá-los  (art. 265º/2 CPC). Se o Tribunal ainda não  tiver  promovido  essa  sanação  (tal  como  permite  o  art.  265º/2  CPC),  o momento  adequado  para  o  fazer  é  o  despacho  pré-saneador  (art.  508º/1-a CPC).

O Tribunal pode utilizar o despacho pré-saneador para convidar as partes, dentro  de  prazos  por  ele  fixados  (art.  508º/2  e  3  CPC),  a  corrigirem  ou  a aperfeiçoarem os seus articulados (art. 508º/1-b CPC). Este despacho nunca é recorrível (art. 508º/6 CPC).

São de dois tipos os vícios de que podem padecer os articulados das partes: a irregularidade e a deficiência. O articulado é irregular quando não observe os requisitos legais ou quando não seja acompanhado de documento essencial ou de qual a lei faça depender o prosseguimento da causa (art. 508º/2 CPC).

O  articulado é deficiente quando  contenha  insuficiências  ou  impressões na  exposição  ou  concretização  da  matéria  de  facto  (art.  508º/3  CPC),  isto  é, quando  nele  se  encontrem  todos  os  factos  principais  ou  a  sua  alegação  seja ambígua ou obscura. A deficiência respeita, por isso, ao conteúdo do articulado e à apresentação da matéria de facto; esse vício pode traduzir-se, por exemplo, na insuficiência dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição.

Os  factos  alegados  pela  parte  para  o  suprimento  dessa  deficiência  não podem  implicar  uma  alteração  da  causa  de  pedir  ou  da  defesa  anteriormente apresentadas  (art.  508º/5  CPC)  e,  por  isso,  o  réu  não  pode  deduzir  no  novo articulado uma reconvenção que anteriormente não formulara.

 

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79. Audiência preliminarÉ marcada  pelo  Tribunal  para  os  30  dias  subsequentes  ao  termo  da  fase 

dos  articulados,  ao  suprimento  das  excepções  dilatórias  ou  à  correcção  ou aperfeiçoamento dos articulados (art. 508º-A/1 proémio CPC). O despacho que a convoca deve indicar o seu objecto e finalidade (que é qualquer das previstas no art. 508º-A/1 CPC), mas não exclui a possibilidade de o Tribunal conhecer do mérito da causa no despacho saneador (arts. 508º/3; 510º/1-b CPC).

Se  a  audiência  preliminar  for  convocada,  a  falta  das  partes  ou  dos  seus mandatários  não  constitui  motivo  do  seu  adiamento  (art.  508º-A/4  CPC).  A falta  do  mandatário  pode  reflectir-se,  de  modo  significativo,  na  defesa  dos interesses  do  seu  constituinte,  pelo  que  é  susceptível  de  o  fazer  incorrer  em responsabilidade perante a parte (art. 83º/1-d EOA).

A  audiência  preliminar  é  dispensável  quando,  destinando-se  à  fixação  da base  instrutória, a simplicidade da causa não  justifique a sua convocação  (art. 508º-B/1-a CPC)

A  audiência  preliminar  também  é  dispensável  quando  a  sua  realização tivesse por  finalidade  facultar a discussão de excepções dilatórias  (art. 508º-A/1-b CPC) e estas já tenham sido debatidas nos articulados, a sua apreciação se revista  de manifesta  simplicidade  (art.  508º-B/1-b CPC)  ou,  segundo  um outro critério legal, a sua discussão prévia seja manifestamente desnecessária (art. 3º/3 CPC).

 80. Finalidades essenciais

A  audiência  preliminar  realiza-se  com  as  seguintes  finalidades  essenciais, muitas  das  quais  encontram  a  sua  justificação  no  princípio  da  cooperação recíproca entre o Tribunal e as partes (art. 266º/1 CPC):-         Tentativa de conciliação das partes (art. 508º-A/1-a CPC);-          Discussão  e  produção  de  alegações  pelas  partes,  se  o  juiz  tiver  de 

apreciar excepções dilatórias que as partes não hajam suscitado e discutido nos  articulados  ou  tencionar  conhecer,  no  todo  ou  em  parte,  do mérito  da causa no despacho saneador (art. 508º-A/1-b CPC);

-         Discussão das posições das partes, com vista à delimitação do  litígio, e suprimento  das  insuficiências  ou  imprecisões  na  exposição  da  matéria  de facto  que  ainda  subsistam  ou  se  tornem  patentes  na  sequência  do  debate (art. 508º-A/1-c CPC);

-         Proferimento do despacho saneador (art. 508º-A/1-d CPC);-         Finalmente, se a acção  tiver sido contestada, selecção, após debate, da 

matéria  de  facto  relevante  para  a  apreciação  da  causa  e  decisão  sobre  as reclamações deduzidas pelas partes contra ela (art. 508º-A/1-e CPC).A  audiência  preliminar  prossegue,  assim,  múltiplas  funções:  as  principais 

são as da conciliação das partes, de audição prévia das partes, de saneamento do processo, de concretização do objecto do litígio e de selecção da matéria de facto (art. 508º-A/1-a, b, c, d, e CPC).

 81. Concretização do litígio

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Visa-se atingir com essa função uma dupla finalidade: por um lado, procura-se  circunscrever  as  divergências  entre  as  partes,  distinguindo-se  aquilo  que  é essencial  do que é acessório nas suas posições; por outro, pretende-se evitar que as insuficiências e imprecisões dos articulados na exposição da matéria de facto possam criar uma realidade processual distinta da verdade das coisas.

Para  a  delimitação do objecto  do  litígio  relevam elementos  de  direito  e  de facto.  Quanto  àqueles  primeiros,  é  sempre  admissível  uma  modificação  da qualificação jurídica que seja compatível com os factos alegados pelas partes.

Relativamente  aos  elementos  de  facto,  o  problema  que  se  coloca  é  o  de saber se a discussão realizada para a delimitação do objecto do litígio pode ser acompanhada da modificação da causa de pedir. A resposta é positiva, mas não há  qualquer motivo  para  entender  que  tal  modificação  deva  ser  admitida  fora das condições  legalmente previstas,  isto é, para além dos casos enquadráveis na previsão do art.  272º CPC  (quanto  à modificação  consensual)  e  273º CPC (quanto à alteração unilateral).

 82. Selecção da matéria de facto

Escolher os factos que se devem considerar assentes e aqueles que devem ser  julgados  controvertidos:  também  esta  importante  tarefa  se  cumpre  na audiência preliminar (art. 508º-A/1-e CPC). Quanto a esta selecção, a audiência visa  não  só  prepará-la,  mas  também  realizá-la  efectivamente.  A  conjugação do  disposto  no  art.  508º-A/1-e  CPC,  com  o  estabelecido  no  art.  511º/1  CPC, poderia levar a entender que a selecção da matéria de facto seria realizada pelo juiz  depois  da  audiência  preliminar,  isto  é,  poderia  conduzir  ao  entendimento de  que  essa  audiência  visaria  somente  a  preparação  da  selecção  a  realizar posteriormente pelo juiz.

A  selecção  da  matéria  de  facto  não  pode  conter  qualquer  apreciação  de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.

 83. Finalidades acessórias

Sempre  que  a  audiência  preliminar  se  deva  realizar,  ela  prossegue complementarmente as seguintes funções:-          A  indicação  pelas  partes  dos  meios  de  prova  e  a  decisão  sobre  a 

admissão  e  preparação  das  diligências  probatórias,  salvo  se  alguma  das partes requerer a sua apresentação posterior (art. 508º-A/2-a CPC);

-          Se  o  processo  estiver  em  condições  de  prosseguir  para  julgamento  (se o  processo  não  dever  terminar  no  despacho  saneador,  art.  510º/1 CPC),  a designação da data de realização da audiência final (art. 508º-A/2-b CPC) e, em certas acções não contestadas, a solicitação da  intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);

-          Finalmente,  a  apresentação  do  requerimento  da  gravação  da  audiência final (art. 508º-A/2-c; arts. 522º-B e 522º-C CPC).Conjuntamente  com  a  indicação  dos  meios  de  prova  (art.  508º-A/2-a 

CPC),  as  partes,  quando  não  pretenderem  provar  os  próprio  facto  principal seleccionado na base  instrutória,  têm o ónus de  indicar os factos  instrumentais 

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que  desejam  utilizar  para  a  prova  desse  facto.  Isto  é,  como  todas  as  provas constituendas exigem a preferência do  facto com que se pretende provar  com elas (arts. 552º/2; 577º/1; 612º e 633º CPC), a parte, se não quiser demonstrar com essas provas o próprio  facto principal seleccionado,  tem o ónus de alegar os factos instrumentais que pretende demonstrar com a prova requerida.

Uma  outra  finalidade  acessória  da  audiência  preliminar  é  o  exercício  do contraditório. Se, em virtude da limitação legal do número de articulados, alguma das partes não puder responder a uma excepção deduzida no último articulado admissível, ela pode responder à matéria desta na audiência preliminar (art. 3º/4 CPC).

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84. Despacho saneadorO despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais 

da acção, como o mérito desta (art. 510º/1 CPC). Nestas funções atribuídas ao despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui a sua  finalidade primária e o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma finalidade eventual. O julgamento do mérito realiza-se normalmente na sentença final (art. 658º CPC), pelo que quando o estado da causa o permitir (art. 510º/1-b CPC), ele pode ser antecipado para o despacho saneador.

O  despacho  saneador  destina-se,  antes  de  mais,  a  verificar  a admissibilidade da apreciação do mérito e a regularidade do processo (art. 510º/1-a CPC); havendo  toda a vantagem em que o controlo dessa admissibilidade não seja  relegada para uma fase adiantada da  tramitação da acção, é ela que justifica a atribuição daquela função de saneamento àquele despacho.

O momento do proferimento do despacho saneador depende da tramitação da causa em concreto. Se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar (art. 508º-B/1 CPC), o despacho saneador é proferido no prazo de 20 dias a contar do termo da fase dos articulados (art. 510º/1 proémio CPC).

No despacho saneador, o Tribunal deve conhecer das excepções dilatórias e das nulidades processuais que haja sido suscitadas pelas partes ou que, face aos  elementos  constantes  dos  autos,  deva  apreciar  oficiosamente  (art.  510º/1-a  CPC).  Quanto  àquelas  nulidades,  o  Tribunal  pode  apreciar  oficiosamente a  ineptidão  da  petição  inicial,  a  falta  de  citação,  o  erro  na  forma  do  processo e  a  falta  de  vista  ou  exame  ao  Ministério  Público  como  parte  acessória  (art. 202º  CPC).  mas  estas  nulidades  só  são  apreciadas  no  despacho  saneador se  o Tribunal  ainda não  tiver  conhecido delas  (art.  206º/1  e  2,  1ª  parte CPC). Também  as  nulidades  que  não  são  de  conhecimento  oficioso  deverão  ser julgadas  logo  que  sejam  reclamadas  (art.  206º/3  CPC),  pelo  que  a  sua apreciação não se realizará, em regra, no despacho saneador.

Quando  o  despacho  saneador  conheça  de  uma  excepção  dilatória  ou  de uma nulidade processual, ele só adquire força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas (art. 510º/3 1ª parte CPC). Assim, apenas o julgamento concreto sobre a inexistência de uma excepção ou nulidade impede que essa matéria possa voltar a ser apreciada no processo pendente (art. 660º/1 CPC).

Pelo  contrário,  a  referência  genérica  no  despacho  saneador  à  inexistência de  qualquer  excepção  dilatória  ou  nulidade  processual  não  adquire  força  de caso julgado (art. 510º/3, 1ª parte CPC) e, por isso, não impede que o Tribunal venha a apreciar,  na sentença  final,  uma dessas excepções ou nulidades  (art. 660º/1 CPC).

A apreciação do mérito e o proferimento da decisão sobre a sua pendência ou  improcedência  é  realizada,  em  regra,  na  sentença  final  (art.  658º  CPC). Mas,  em  certas  condições,  essa  apreciação  pode  ser  antecipada  para  o despacho  saneador:  Tribunal  pode  conhecer  do  mérito  da  acção  nesse despacho sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais 

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provas,  a  apreciação  do  pedido,  de  algum dos  pedidos  cumulados,  do  pedido reconvencional ou ainda da procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória  (art. 510º/1-b CPC). Neste caso, o despacho saneador  fica  tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença (art. 510º/3, 2ª parte CPC) e dele cabe recurso de apelação (art. 691º/1 CPC).

Nas  condições  referidas  no  art.  288º/3 CPC,  o Tribunal  pode  conhecer  do mérito ainda que verifique que  falta um pressuposto processual. Esta  situação será  certamente  mais  frequente  no  despacho  saneador  do  que  na  sentença final, dado que são raras as situações em que a falta do pressuposto se detecta apenas na fase da sentença ou em que a sua apreciação é relegada para esse momento (art. 510º/4 CPC).

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Fase da instrução 

85. Função da faseOs  factos  incluídos  na  base  instrutória,  porque  são  controvertidos  ou 

porque  nele  foram  inseridos  por  iniciativa  do  Tribunal  (art.  264º/2  CPC), necessitam  de  ser  provados  (art.  513º CPC).  A  fase  da  instrução  realiza  uma função distinta consoante sejam utilizadas para a demonstração desses  factos provas  constituendas  ou  provas  pré-constituídas.  A  produção  de  uma  prova constituenda  é  realizada,  em  regra,  na  audiência  final  (art.  652º/3-a,  b,  c,  d, CPC), mas essa actividade tem de ser previamente preparada: esta é uma das funções da fase da instrução, na qual são praticados os actos preparatórios da produção das provas constituendas.

 86. Princípios estruturantes

A fase da instrução rege-se pelo princípio da cooperação (art. 266º/1 CPC), tanto nas relações das partes e de terceiros com o Tribunal (art. 266º/1 e 519/1 CPC), como nas do Tribunal com as partes (art. 266º/4 CPC). Naquele primeiro aspecto, o princípio da cooperação impõe a todas as pessoas, mesmo que não sejam partes na causa, o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da  verdade,  respondendo  ao  que  lhes  for  perguntado,  submetendo-se  às inspecções necessárias,  facultando o que  for  requisitado e praticando os actos que  forem determinados  (art.  519º/1 CPC). A  recusa de colaboração  implica a condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem admissíveis (art. 519º/2, 1ª parte CPC; sobre essa multa, art. 102º-b CCJ).

Este dever de colaboração é  independente da repartição do ónus da prova (arts. 342º a 345º CC), pelo que abrange mesmo a parte que não está onerada com a prova do facto.

A  recusa  de  colaboração  é  legítima  se  esta  implicar  a  violação  da integridade física ou moral das pessoas (art. 519º/3-a CPC).

A actividade de instrução também assenta na colaboração do Tribunal com as partes da acção (arts. 266º/4; 519º-A/1 CPC).

Apesar  de  o  objecto  do  processo  se  encontrar,  em  geral,  submetido à  disponibilidade  das  partes  (arts.  264º/1;  e  664º  in  fine  CPC),  a  instrução comporta  importantes  poderes  instrutórios  do  Tribunal.  Esses  poderes  podem recair  sobre  factos  essenciais,  complementares  e  instrumentais  e  justificam-se pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja imposta pelo non  liquet (art. 516º CPC; art. 346º CC) e não pela realidade das coisas averiguada em  juízo. Nenhum  facto  relevante  para a  decisão da  causa deve ficar por esclarecer.

A  actividade  de  instrução  comporta  importantes  poderes  inquisitórios  do Tribunal  sobre  os  factos  instrumentais.  Segundo  o  estipulado  no  art.  264º/2 CPC, o Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais e  utilizá-los  na  sentença  quando  resultem  da  instrução  e  julgamento  da causa.  Uma  das  consequências  destes  poderes  inquisitórios  sobre  os  factos 

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instrumentais  é  a  possibilidade  de  o  Tribunal  investigar  factos  que  permitam provar os  factos principais que constam da base  instrutória  (arts.  508º-A/1-e e 508º-B/2 CPC) e que constituem o objecto da instrução (art. 513º CPC).

O princípio do contraditório (art. 3º/1 a 3 CPC) também releva na  instrução da  acção.  Assim,  as  provas  não  são  admitidas  (nem  produzidas)  sem  a audiência contraditória da parte a quem sejam opostas (art. 517º/1 CPC). Essa contrariedade concretiza-se de modo diferente nas provas pré-constituídas.

Relativamente  às  provas  pré-constituídas,  qualquer  das  partes  tem  a faculdade de impugnar tanto a respectiva admissão, como a sua força probatória (art. 517º/2, 2ª parte CPC).

Quanto  às  provas  constituendas,  a  parte  deve  ser  notificada,  sempre  que não seja relevante, para todos os actos de preparação e produção da prova e é admitida a intervir nesses mesmos actos (art. 517º/2, 1ª parte CPC).

 87. Meios de prova

Os  meios  de  prova  podem  ser  indicados  ou  requeridos  na  petição  inicial (art. 467º/2 CPC) e, por analogia, em qualquer outro articulado. Se isso não tiver acontecido,  esses meios  devem  ser  apresentados  ou  requeridos  na  audiência preliminar,  salvo  se  alguma  das  partes  requerer,  com  motivos  justificados,  a sua  apresentação  ulterior  (art.  508º-A/2-a  CPC);  se  essa  audiência  não  se realizar, os meios de prova devem ser apresentados ou requeridos nos 15 dias subsequentes  à  notificação  do  despacho  saneador  (art.  512º/1  CPC).  Neste mesmo prazo, as partes podem alterar os requerimentos probatórios que hajam feito nos articulados (art. 512º/1, 2ª parte CPC).

Depois  deste  prazo,  o  rol  de  testemunhas  ainda  pode  ser  alterado  ou aditado  até  20  dias  antes  da  data  da  realização  da  audiência  final  (art.  512º-A/1  CPC),  sendo  a  parte  contrária  notificada  para  usar,  se  quiser,  de  igual faculdade no prazo de 5  dias  (art.  512º-A/1  in  fine CPC). A  apresentação das novas testemunhas incumbe às partes (art. 512º-A/2 CPC), isto é, o Tribunal não procede à sua notificação. Meios de prova:a)     Prova por confissão (arts. 552º segs. CPC);b)     Prova documental (arts. 523º segs. CPC)c)      Prova pericial (arts. 568º segs. CPC);d)     Prova testemunhal (arts. 616º segs. CPC);e)     Inspecção judicial (arts. 612º segs. CPC);f)        Apresentação de coisas.

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Fase da audiência final

88. Função da fase

A  fase  da  audiência  final  compreende  as  actividades  de  produção  da prova  (constituenda),  de  julgamento da matéria de  facto e de discussão sobre a  matéria  de  direito.  Como  resulta  deste  enunciado,  esta  fase  realiza  duas funções primordiais – que são a produção da prova e o consequente julgamento da  matéria  de  facto  –  e  uma  função  preparatória  da  sentença  final  –  que  é prosseguida pelas alegações de direito.

 89. Princípios estruturantes

Segundo  o  princípio  da  imediação,  os  meios  de  prova  devem  ser apresentados directamente perante o Tribunal, ou seja, o Tribunal deve  ter um contacto directo com esses meios. É este princípio que orienta o disposto no art. 652º/3 CPC, quanto à realização da prova perante o Tribunal da audiência final. Sempre que a prova seja transmitida por pessoas, a imediação na produção da prova implica a oralidade nessa realização.

a)     PublicidadeAs audiências dos Tribunais são públicas,  salvo quando o próprio Tribunal 

decidir, em despacho fundamentado, excluir essa publicidade para salvaguardar a  dignidade  das  pessoas  e  a  moral  pública  ou  para  garantir  o  seu  normal funcionamento  (art.  206º  CRP;  sobre  essa  publicidade,  também  art.  10º Declaração  Universal  dos  Direitos  do  Homem;  art.  14º/1  Pacto  Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem). A  audiência  final  deve  ser,  com essas mesmas  excepções,  públicas (art. 656º/1 CPC).

Mesmo  quando  a  audiência  seja  pública,  a  publicidade  pode  ser  excluída quando se proceda à exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos (art. 652º/3-b, 2ª parte CPC). Dado que a lei não define os critérios para a exclusão da publicidade neste caso, deve entender-se que valem aqueles que se encontram enunciados no art. 206º CRP (bem como no art. 656º/1 CPC).

b)    ContinuidadeA  audiência  final  é  contínua,  só  podendo  ser  interrompida  por motivos  de 

força maior, por absoluta necessidade ou nos casos regulados na lei (art. 656º/2, 1ª parte CPC), como sucede naqueles que estão previstos nos arts. 650/4; 651º/3; 654º/2 CPC. Se não  for possível conclui-la num dia, o presidente marcará a sua continuação para o dia útil  imediato, ainda que compreendido em férias, e assim, sucessivamente (art. 656º/2, 2ª parte CPC).

c)     PlenitudeSegundo  o  princípio  da  plenitude  da  assistência  dos  juízes,  só  podem 

intervir na decisão da matéria de facto aqueles que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final (art. 654º/1 CPC). A violação desta regra origina uma nulidade processual (art. 201º/1 CPC).

Se  durante  a  audiência,  algum  dos  juízes  falecer  ou  se  impossibilitar permanentemente,  os  actos  já  realizados  são  repetidos  perante  um  Tribunal 

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com  uma  nova  composição  (art.  654º/2,  1ª  parte  CPC).  Se  a  impossibilidade for  temporária,  interrompe-se  a  audiência  ou,  se  parecer  mais  aconselhável, repetem-se  perante  um  novo  Tribunal  os  actos  já  praticados  (art.  654º/2,  2ª parte CPC). Se o  juiz  for  transferido, promovido ou aposentado, conclui-se, em princípio, o julgamento antes da efectivação dessa deslocação ou aposentação, excepto  se  esta  se  fundamentar  na  incapacidade  física,  moral  ou  profissional para o exercício do cargo (art. 654º/3, 1ª parte CPC).

d)    DocumentaçãoA  audiência  final  e  os  depoimentos,  informações  e  esclarecimentos  nela 

prestados são gravados, sempre que alguma das partes o requeira (arts. 508º-A/2-c, e 512º/1 CPC) ou o Tribunal o determine (art. 522º-B CPC). A gravação é efectuada por sistema sonoro, excepto quando possa ser realizada por meios audiovisuais ou semelhantes (art. 522º-C CPC), e abrange a discussão da causa (art. 652º/1 CPC), a  tentativa de conciliação entre as partes  (art. 652º/2 CPC), a produção da prova (art. 652/3-a, b, c, d, CPC), os debates sobre a matéria de facto  (art. 652º/3-e; n.º 5 CPC), a  leitura do acórdão de  julgamento da matéria de facto e as eventuais reclamações deduzidas pelas partes (art. 653º/4 CPC) e ainda a discussão oral do aspecto  jurídico da causa (arts. 653º/5 e 657º CPC). Se algum depoimento houver de ser prestado fora do Tribunal (art. 652º/4 CPC), também ele deverá ser gravado.

e)     EfectivaçãoA  produção  da  prova  orienta-se  por  um  princípio  de  efectividade,  através 

do  qual  se  procura  evitar  que  essa  actividade  se  torne  impossível  por  não  ter sido  realizada  no  momento  oportuno.  Com  vista  a  assegurar  a  efectividade da  produção  da  prova,  permite-se  que,  se  houver  justo  receio  de  vir  a  tronar-se  impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de  certos  factos  por  meio  de  arbitramento  ou  inspecção,  a  produção  destas provas possa ser antecipada ou mesmo realizada antes da propositura da acção (art.  520º  CPC).  É  o  que  se  chama  produção  antecipada  da  prova  (ou  prova ad  perpetuam  rei  memoriam),  que  como  pressuposto  especifico  o  receio  da impossibilidade ou da dificuldade da realização da prova no momento normal.

 90. Tribunal da audiência

A  discussão  e  o  julgamento  da  causa  são  realizados,  em  regra,  com  a intervenção do Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC). Esse Tribunal é um Tribunal de  círculo  (art.  81º/1-b  LOTJ)  ou uma  vara  cível  (art.  72º  LOTJ);  onde não os houver, é competente um Tribunal colectivo strictu sensu (art. 79º-b LOTJ).

Mas,  em  certas  situações,  a  audiência  final  decorre  perante  um  Tribunal singular.  Quanto  às  situações  de  revelia  inoperante,  há  que  distinguir  três hipóteses:-         Se a  revelia  for  inoperante por qualquer das circunstâncias previstas no 

art. 485º-b,  c, d, CPC, a audiência  final decorre perante o Tribunal singular excepto  se  as  partes  requererem  a  intervenção  do  Tribunal  colectivo  na audiência preliminar ou nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho saneador (art. 646º/2-a; art. 512º-1 CPC);

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-          Se  a  inoperância  da  revelia  resultar  da  contestação  de  algum  dos litisconsortes (art. 485º-a CPC), a audiência final realiza-se perante o Tribunal colectivo (art. 646º/2-a CPC);

-         Se a  revelia  for  inoperante porque a citação do  réu não  foi pessoal  (art. 484º/1 CPC), a audiência final decorre perante o Tribunal colectivo (art. 646º/1 CPC).Se o  julgamento  for  realizado por  um Tribunal  singular  quando deveria  ter 

intervindo um Tribunal colectivo, é aplicável – diz o art. 646º/3 CPC – o disposto no  art.  110º/4  CPC,  do  qual  resulta  que  aquela  incompetência  do  Tribunal singular pode ser suscitada pela partes ou ser conhecida oficiosamente até ao termo da audiência final. Note-se que, apesar desta remissão, a incompetência prevista  no  art.  646º/3 CPC,  é,  como  categoria  processual,  totalmente  distinta daquela  que  é  regulada  pelo  art.  110º/4  CPC:  aquela  é  uma  incompetência funcional,  porque  se  refere  à  distribuição  de  poderes  dentro  do  Tribunal competente  para  a  apreciação  da  acção;  esta  última  é  uma  incompetência jurisdicional.  Assim,  aquela  incompetência  do  Tribunal  singular  não  conduz  à consequência  da  incompetência  relativa  (art.  111º/3 CPC), mas  à  nulidade  do acto processual realizado pelo Tribunal singular, isto é, do julgamento da matéria de facto (art. 201º/1 CPC).

 91. Realização da audiência

A  audiência  inicia-se  com  a  discussão  da  causa  (art.  652º/1 CPC),  isto  é, com  a  apresentação  por  cada  um  dos  advogados  das  partes  os  fundamentos das  suas  posições  quer  quanto  à  matéria  de  facto,  quer  quanto  à  matéria de  direito.  Se  o  objecto  da  acção  for  uma  situação  disponível,  o  presidente procurará conciliar as partes (art. 652º/2 CPC).

Sempre  que  alguma  das  partes,  em  consequência  da  limitação  legal  do número  de  articulados,  não  possa  responder  a  uma  excepção  deduzida  pela outra no último articulado admissível, aquela parte pode exercer o contraditório no  início da audiência  final, se não se realizou a audiência preliminar  (art. 3º/4 CPC). Produção de prova:a)     Depoimento de parte,  a  produção  de  prova  começa  pela  prestação  de 

depoimento  de  parte  (art.  652º/3-a  CPC),  quando  ele  tiver  sido  ordenado pelo Tribunal ou requerido pela outra parte, por uma comparte (arts. 552º/1, e 553º/3 CPC) ou pelo assistente (arts. 339º e 332º/1 CPC).

b)      Prova documental,  embora  deva  ser  apresentada,  em  regra,  antes  da audiência  final  (art.  523º/1  CPC),  essa  audiência  é  o  momento  adequado para a exibição de reproduções cinematográficas ou de registos fonográficos (art. 652º/3-b, 1ª parte; 527º CPC; arts. 206º CRP, 656º/1 CPC).

c)         Prova pericial,  o  resultado  da  perícia  consta  de  um  relatório  (art. 596º/1  CPC),  pelo  que,  em  regra,  os  peritos  não  são  chamados  a  depor na  audiência  final.  Mas  a  presença  dos  peritos  nesta  audiência  pode  ser ordenada oficiosamente pelo Tribunal ou requerida por qualquer das partes, para  que  eles  possam  prestar  os  esclarecimentos  verbais  que  lhes  forem solicitados (art. 652º/3-c CPC).

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d)         Prova testemunhal,  as  testemunhas  são  inquiridas  na  audiência final  (arts.  621º  proémio  e  652º/3-d  CPC),  excepto  se  for  requerida  a  sua inquirição  antecipada  (arts.  621º-a  e  520º  CPC)  ou  por  carta  (art.  621º-b CPC).  A  parte  pode  requerer  a  inquirição  da  testemunha  por  carta  quando ela resida fora da área do círculo judicial ou da ilha (art. 623º/1 CPC) ou da área  metropolitana  da  sede  do  Tribunal  (art.  623º/4  CPC).  Contra  a  prova testemunhal pode reagir-se por impugnação, contradita ou acareação:-         A impugnação questiona a admissibilidade do depoimento (arts. 636º; 

637º  CPC),  ou  seja,  tem  por  fundamento  a  incapacidade  natural  ou  a inabilidade legal da testemunha (arts. 616º e 617º CPC);

-         A contradita  baseia-se na alegação de qualquer  circunstância  capaz de  abalar  a  credibilidade  do  depoimento,  quer  por  efectuar  a  razão  da ciência  invocada  pela  testemunha,  quer  por  diminuir  a  fé  que  ela  possa merecer (arts. 640º; 641º CPC);

-          A  acareação  consiste  no  confronto  das  testemunhas,  ou  das testemunhas  e  das  partes,  cujos  depoimentos  mostrem  uma  oposição directa acerca de determinado facto (arts. 642º; 643º CPC).

e)       Debates,  após  a  produção  da  prova,  realizam-se  os  debates  sobre  a matéria de  facto  (art. 652º/3-e CPC). Estes debates definem um  importante momento  na  tramitação  da  acção.  Eles  marcam  o  termo  ou  encerramento da discussão, o qual determina o limite temporal da alteração do pedido (art. 273º/2  CPC),  da  apresentação  dos  articulados  supervenientes  (art.  506º/2 CPC),  da  junção  de  documentos  (art.  523º/2  CPC),  da  ampliação  da  base instrutória  pelo  presidente  do  Tribunal  colectivo  (art.  650º/2-f  CPC)  e  da consideração pelo Tribunal dos factos constitutivos, modificativos e extintivos (art. 663º/1 CPC).

 92. Princípios do julgamento

a)     Aquisição processualSegundo  o  princípio  da  aquisição  processual,  o  Tribunal  deve  tomar  em 

consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido  apresentadas,  requeridas  ou  produzidas  pela  parte  onerada  com a  prova (art. 515º, 1ª parte CPC).

Uma  das  consequências  deste  princípio  é  a  impossibilidade  de  retirar  do processo  uma  prova  apresentada  (art.  542º/3  e  4  CPC).  O  mesmo  processo justifica  a  inadmissibilidade  da  desistência  da  prova  pericial  pela  parte requerente sem a anuência da parte contrária (art. 576º CPC).

Exceptuam-se  a  submissão  a  este  princípio  da  aquisição  processual  as situações  em  que  a  lei  declare  irrelevante  a  alegação  e  a  prova  de  um  facto quando não sejam feitas por uma certa parte (art. 515º, 2ª parte CPC). É o que sucede  com a  confissão,  que  só pode  ser  feita  pela  parte  para a  qual  o  facto reconhecido  é  desfavorável  (art.  352º  CC),  e,  mais  casuisticamente,  com  a prova da maternidade na respectiva acção de investigação, a qual só pode ser realizada pelo filho investigante (art. 1816º/1 CC).

b)     Livre apreciação da prova

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Algumas  das  provas  que  permitem  o  julgamento  da  matéria  de  facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência  final (art. 652º/3-b, c, d, CPC) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (art. 65º/1 CPC): é o caso da prova pericial (art. 389º CC; art. 591º CPC), da inspecção judicial (art. 391º CC) e da prova testemunhal (art. 396º CC).

A prova  livre está excluída sempre que a  lei  conceda um valor  legal a um determinado meio  de  prova  (arts.  358º/1  e  2,  371º/1,  376º  e  377º CC),  assim como quando a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial (art. 655º/2 CPC).

c)     FundamentaçãoNa  decisão  sobre  a  matéria  de  facto  devem  ser  especificados  os 

fundamentos  que  foram decisivos  para  a  convicção  do  julgador  sobre  a  prova (ou  falta  de  prova)  dos  factos  (art.  653º/2  CPC).  Como,  em  geral,  as  provas produzidas  na  audiência  final  estão  sujeitas  à  livre  apreciação  (arts.  655º/1  e  652º/3-b,  c,  d,  CPC),  o  Tribunal  deve  indicar  os  fundamentos  suficientes para que, através das  regras da ciência, da  lógica e da experiência,  se possa controlar a  razoabilidade daquela convicção sobre o  julgamento do  facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a  obter  a  exteriorização  das  razões  psicológicas  da  convicção  do  juiz,  mas  a permitir que o  juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.

A  fundamentação  da  apreciação  da  prova  deve  ser  realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer  o  seu  conteúdo,  determinar  a  sua  relevância  e  proceder  à  sua valoração.

 93. Procedimento do julgamento

Encerrada  a  discussão  (art.  652º/3-e  CPC),  o  Tribunal  recolhe  à  sala  das conferências  para  ponderar  e  decidir  (art.  653º/1,  1ª  parte  CPC).  Se  não  se julgar  suficientemente  esclarecido,  pode  voltar  à  sala  da  audiência,  ouvir  as pessoas que entender e ordenar quaisquer diligências necessárias (art. 653º/1, 2ª parte CPC).

A  matéria  de  facto  é  decidida  por  meio  de  acórdão  ou  despacho,  se  o julgamento incumbir a Tribunal singular (art. 653º/2, 1ª parte CPC). A decisão do Tribunal colectivo é tomada por maioria e o acórdão é  lavrado pelo presidente, podendo  qualquer  dos  juízes  assinar  vencido  quanto  a  qualquer  ponto  da decisão  ou  formular  declaração  divergente  quanto  à  sua  fundamentação  (art. 653º/4 CPC). Aquela decisão deve declarar quais os factos que o Tribunal julga provados e quais os que considera não provados e especificar, quanto a todos eles,  os  fundamentos  que  foram  decisivos  para  a  convicção  do  julgador  (art. 653º/2  CPC).  As  partes  podem  reclamar  contra  a  falta  dessa  motivação  (art. 653º/4, 2ª parte CPC) e ela pode ser exigida pela Relação (art. 712º/5 CPC).

Ao  Tribunal  compete,  no  julgamento  da  matéria  de  facto,  analisar criticamente as provas (art. 653º/2 CPC). Esta análise refere-se às presunções legais e judiciais das quais pode ser inferida a prova do facto controvertido (arts. 349º a 351º CC).

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O  Tribunal  de  audiência  não  pode  pronunciar-se  sobre matéria  de  direito, isto  é,  não  pode  ocupar-se  da  aplicação  do  direito  aos  factos  provados. Considera-se  inexistente qualquer  resposta desse Tribunal  sobre essa matéria (art. 646º/4, 1ª parte CPC).

 94. Discussão da matéria de direito

A  fase  da  audiência  final  termina  com  a  discussão  da  matéria  de  direito, que se destina a discutir a  interpretação e aplicação da  lei aos  factos  julgados provados  (arts.  653º/5  in  fine,  e  657º  in  fine  CPC)  e  que  se  pode  realizar oralmente  ou  por  escrito. Em  regra,  a  discussão do aspecto  jurídico  da  causa realiza-se  oralmente  perante  o  juiz  a  quem  caiba  lavrar  a  sentença  final  (arts. 653º/5,  1ª  parte  e  657º  CPC),  isto  é,  no  caso  do  Tribunal  colectivo,  perante o  seu  presidente  (art.  80º-c  LOTJ).  Mas  se  as  partes  não  prescindirem  da discussão escrita do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o  julgamento da matéria de facto,  faculta o processo para exame do advogado ao autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um, a fim de alegarem por escrito sobre a interpretação e aplicação da lei aos factos que tiverem sido considerados provados e àqueles que deverem ser tidos por assentes (art. 657º CPC).

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Fase da sentença

95. Função da faseA  fase  da  sentença  é  aquela  em  que  é  proferida  a  decisão  final  do 

procedimento  em  1ª  instância.  O  proferimento  da  sentença  final  depende  da forma da discussão do aspecto jurídico da causa:

-         Se essa discussão se realizou por escrito (art. 657º CPC), o processo é concluso ao juiz, para o proferimento da decisão no prazo de 30 dias (art. 658º CPC);

-         Se essa discussão  tiver  sido oral  (art.  653º/5 CPC), a  sentença pode ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta (art. 659º/4 CPC).

A  sentença  é  proferida  pelo  juiz  da  causa  ou  pelo  presidente  do  Tribunal colectivo (art. 80º-c LOTJ) ou do Tribunal de círculo (art. 81º/1-b LOTJ).

 96. Conteúdo da sentença

A  sentença  comporta  os  seguintes  elementos:  relatório,  fundamentos, decisão e aspectos complementares. No relatório, o Tribunal identifica as partes e  o  objecto  do  litígio  e  fixa  as  questões  que  lhe  cumpre  solucionar  (art.  659º/1  CPC).  Ao  relatório  seguem-se  os  fundamentos,  nos  quais  o  Tribunal  deve discriminar os  factos que considera provados e admitidos por acordo e  indicar, interpretar  e  aplicar  as  correspondentes normas  jurídicas  (art.  659º/2,  3 CPC). A  sentença  termina  com  a  parte  decisória  ou  dispositiva  (art.  659º/2  in  fine CPC), na qual se contém a decisão de condenação ou de absolvição, e deve ser assinada e datada (arts. 157º/1, e 668º/1-a CPC).

A sentença deve ser motivada (art. 208º/1 CRP; art. 158º/1 CPC) através da exposição dos  fundamentos de  facto –  respeitam aos  factos  relevantes para a decisão que foram adquiridos durante o processo – e de direito – à interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis a esses factos – (art. 659º/2 CPC).

Como fundamentos de facto devem ser utilizados todos os factos que foram adquiridos  durante  a  tramitação  da  causa.  Nos  termos  do  art.  659º/3  CPC, integram esses fundamentos:

-         Os  factos admitidos por acordo, ou seja, os  factos alegados por uma parte  e  não  impugnados  pela  contraparte  (arts.  490º/2,  e  505º  CPC), mesmo que não tenham sido considerados assentes;

-         Os  factos  provados por  documentos  juntos  ao processo por  iniciativa das  partes  (arts.  523º  e  524º  CPC)  ou  do  Tribunal  (arts.  514º/2,  e  535º CPC);

-          Os  factos  provados  por  confissão  reduzida  a  escrito,  seja  ela  uma confissão judicial ou extrajudicial (arts. 356º e 358º CC; art. 563º/1 CPC);

-         Os factos julgados provados pelo Tribunal singular ou colectivo na fase da audiência final (art. 653º/2 e 3 CPC);

-          Os  factos  que  resultam  do  exame  crítico  das  provas,  isto  é,  aqueles que  podem  ser  inferidos,  por  presunção  judicial  ou  legal,  dos  factos provados (arts. 349º a 351º CC).

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A estes factos acrescem ainda os factos notórios (art. 514º/1 CPC) e os de conhecimento oficioso (art. 660º/2 in fine CPC).

O  sentido  da  decisão  depende  dos  factos  fornecidos  pelo  processo  (com consideração do princípio da aquisição processual, art. 515º CPC) e da análise do cumprimento do ónus da prova (art. 516º CPC; art. 346º, 2ª parte CC).

 97. Conteúdo do julgamento

A sentença começa por conhecer das excepções dilatórias que conduzem à absolvição da instância, segundo a ordem da sua precedência lógica (art. 660º/1  CPC).  Estas  excepções  podem  ser  tanto  aquelas  que  o  Tribunal  deixou  de apreciar no despacho saneador, por entender que, nesse momento, o processo ainda não  fornecia os elementos necessários  (art. 510º/4 CPC), como aquelas que  não  foram  apreciadas  concretamente  nesse  despacho  e  sobre  as  quais não  há,  por  isso,  qualquer  caso  julgado  (art.  510º/3,  1ª  arte  CPC).  Dado  que o  despacho  saneador  genérico  não  produz  caso  julgado  quanto  à  existência ou  inexistência  de  qualquer  excepção  dilatória  (art.  510º/3,  1ª  parte  CPC),  o Tribunal não está impedido de a apreciar na sentença final.

Entre  o  despacho  saneador  e  o  termo  da  discussão  (art.  652º/3-e  CPC) pode verificar-se a sanação ou a cessação de uma excepção dilatória. Aquelas eventualidades  não  podem  deixar  de  ser  consideradas  na  sentença  final, podendo  invocar-se  a  analogia  com  o  disposto  no  art.  663º/1  CPC,  quanto à  consideração  nessa  sentença  dos  factos  constitutivos,  modificativos  ou extintivos  ocorridos  até  ao  encerramento  da  discussão.  Assim,  na  acção pendente  na  1ª  instância,  é  relevante  qualquer  sanação  ou  cessação  de  uma excepção dilatória, desde que ocorra até ao encerramento da discussão.

O art.  660º/1  in  fine CPC,  impõe o conhecimento das excepções dilatórias segundo a ordem da sua precedência lógica. São dois os preceitos que contêm enumerações  de  excepções  dilatórias  –  os  arts.  288º/1  e  494º  CPC  –,  mas elas não se subordinam a nenhuma ordenação lógica, porque, por exemplo, as excepções  de  litispendência  e  de  caso  julgado  (art.  449º-i CPC,  e  que  cabem na  enumeração  residual  do  art.  288º/1-e CPC)  são  referidas  depois  de  outras excepções dilatórias, sendo certo que, se algumas destas excepções merecem uma apreciação prévia perante as demais, as excepções de litispendência e de caso julgado estão claramente entre elas.

A  apreciação  de  qualquer  excepção  dilatória  na  sentença  final  cede perante  a  possibilidade  de  um  julgamento  de  mérito  favorável  à  parte  que seria  beneficiada  com  a  verificação  do  pressuposto  processual  que  não  está preenchido (art. 288º/3 CPC).

Como  consequência  da  disponibilidade  das  partes  sobre  o  objecto  da causa (arts. 264º/1 e 3, e 664º  in  fine CPC), o âmbito do  julgamento comporta dois  limites. Um  limite mínimo decorre do dever de conhecimento na sentença de  todas  as  questões  submetidas  pelas  partes  à  apreciação  do  Tribunal, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.  60º/2,  1ª parte CPC). A  falta de apreciação de qualquer dessas questões conduz à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 668º/1-d, 1ª parte CPC).

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 98. Formalidades complementares

A sentença é registada num livro especial (art. 157º/4 CPC; art. 17º/1 LOSJ). Se a parte vencida pretender interpor recurso da decisão, deve fazê-lo por meio de requerimento dirigido ao Tribunal que a proferiu (art. 687º/1 CPC). Passados três meses após o trânsito em julgado da sentença (art. 677º CPC), o processo é arquivado (art. 24º/1-b LOTJ).

C) Processo sumário e sumaríssimo 

Processo sumário

99. Regime aplicávelAo  processo  são  aplicáveis  as  disposições  que  lhe  são  próprias  (constam 

dos arts. 783º a 792º CPC) e as disposições gerais e comuns (estabelecido nos arts. 137º a 459º; 463º/1, 1ª parte CPC); em  tudo quanto não estiver  regulado numas  e  noutras,  deve  observar-se  o  que  se  encontra  estabelecido  para  o processo ordinário  (ou  seja,  o  disposto nos arts.  467º  a  782º;  463º/1,  2ª  parte CPC).  Dada  esta  aplicação  subsidiária  do  regime  do  processo  ordinário,  só interessa analisar as especialidades do processo sumário.

Depois da apresentação da petição inicial, o réu é citado para contestar no prazo de 20 dias (arts. 183º, 785º, 784º - 158º/2; 786º; 484º/1 CPC).

 Processo sumaríssimo

100.        Regime aplicável

Ao processo sumaríssimo são aplicáveis as disposições próprias (arts. 793º a 796º CPC) e as gerais e comuns  (arts. 137º a 459º; 464º, 1ª parte CPC). O art. 464º, 2ª parte CPC, determina que, quando umas e outras sejam omissas ou insuficientes, observar-se-á primeiramente o que estiver estabelecido para o processo sumário  (arts. 783º a 792º CPC) e depois o que estiver estabelecido para  o  processo  ordinário  (arts.  467º  a  782º  CPC).  Considerando  esta subsidiariedade das regulamentações dos processos sumário e ordinário.

A  petição  inicial  dispensa  a  forma  articulada, mas  conjuntamente  com  ela devem  ser  oferecidas  as  provas  dos  factos  alegado  (art.  793º;  151º/2  CPC). Isto significa que, ao contrário do que sucede no processo ordinário e sumário, o  autor  tem  o  ónus  de  alegar  na  petição  inicial  os  factos  instrumentais  que pretenda demonstrar através dessas provas.

O réu é citado para contestar no prazo de 15 dias, exigindo-se-lhe também a apresentação ou o requerimento dos meios de prova (art. 794º/1 CPC).

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A Impugnação das Decisões Judiciais

ASPECTOS COMUNS

CONSIDERAÇÕES GERAIS

101.        Formas de impugnaçãoAs  decisões  judiciais  podem  ser  impugnadas  mediante  reclamação  ou 

recurso.  A  reclamação  consiste  num  pedido  de  reapreciação  de  uma  decisão dirigido ao Tribunal que a proferiu, com ou sem a invocação de elementos novos pelo  reclamante.  Os  embargos  constituem  uma  modalidade  de  reclamação  e são um meio de reacção contra medidas de carácter executivo.

Os  recursos  podem  ser  ordinários  ou  extraordinários  (art.  676º/2,  1ª  parte CPC). O recurso ordinário é um pedido de reapreciação de uma decisão ainda não  tramitada,  dirigido  a  um  Tribunal  de  hierarquia  superior,  fundamentado na  ilegalidade  da  decisão  e  visando  revogá-la  ou  substitui-la  por  uma  outra mais  favorável  ao  recorrente. No  direito  português,  os  recursos  ordinários  são a apelação, a  revista e o agravo  (art.  676º/2 CPC). O  recurso extraordinário pode incidir sobre uma decisão transitada em julgado e desdobra-se num pedido de anulação dessa decisão (juízo rescindente) e numa solicitação de repetição dos  actos  invalidados  (juízo  rescisório).  No  direito  português,  os  recursos extraordinários são a revisão e a oposição de terceiro (art. 676º/2 in fine CPC).

Assim,  enquanto  os  recursos  ordinários  visam  o  controlo  da  aplicação  do direito  ao  caso  concreto  e  recaem,  por  isso,  sobre  uma  sententia  iniusta  ou iniqua,  os  recursos  extraordinários  destinam-se  a  anular  uma  decisão  com fundamento  em  vícios  próprios  ou  do  respectivo  procedimento,  isto  é,  têm por  objecto  uma  sententia  nulla.  Desta  forma,  os  recursos  ordinários  incidem sobre  o  juízo  ou  julgamento  realizado  pelo  Tribunal  na  decisão;  os  recursos extraordinários recaem sobre a própria decisão enquanto acto processual.

A  reclamação  e  os  recursos  ordinários,  como  meios  de  impugnação  de decisões  não  transitadas,  produzem  um  efeito  suspensivo  do  caso  julgado  da decisão  impugnada,  porque  este  só  se  verificará  quando  a  reclamação  ou  o recurso forem definitivamente julgados. Mas, enquanto a reclamação não produz qualquer  efeito  devolutivo,  isto  é,  não  devolve  a  reapreciação  da  questão  a um Tribunal de hierarquia superior, ao  recurso ordinário é conatural, no direito português,  esse  efeito  devolutivo  (arts.  28º/3-a;  41º/1-a  LOTJ;  arts.  71º/2  e 72º/2  CPC).  É  por  isso  que,  apesar  de  o  art.  688º  CPC,  a  qualificar  como  a reclamação,  a  impugnação  do  indeferimento  ou  da  retenção  do  recurso  pelo Tribunal a quo é  realmente um recurso, porque ela é dirigida ao presidente do Tribunal superior que seria competente para conhecer do recurso não admitido 

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ou retido (art. 688º/1 CPC).Diferentemente  dos  recursos  ordinários,  os  recursos  extraordinários  não 

produzem qualquer efeito devolutivo, pois que a revisão e a oposição de terceiro são dirigidas ao próprio Tribunal que proferiu a decisão  impugnada (arts. 772º/1, 778º/2 e 782º/1 CPC). Assim, no direito português, as decisões judiciais estão sujeitas a um controlo vertical, no caso dos recursos ordinários, e a um controlo horizontal, quanto às reclamações e aos recursos extraordinários.

O recurso ordinário é a forma normal de impugnação das decisões judiciais, como  se  pode  inferir  do  disposto  no  art.  670º/1  CPC.  A  reclamação  só  pode ser  utilizada  quando  a  lei  o  preveja  especialmente  (arts.  123º/2,  511º/2,  650º/5,  653º/4,  668º/3,  700º/3  e  725º/5  CPC),  havendo  que  considerar  que,  em algumas  situações,  essa  reclamação  aparece  sob  a  designação  de  oposição (art. 388º/1-b CPC). Portanto, a reclamação é um meio de impugnação especial relativamente ao meio geral ou comum, que é o recurso ordinário.

A caracterização da reclamação como meio de impugnação especial perante o recurso ordinário implica duas consequências importantes:

-         Quando a reclamação for admissível, não pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes;

-          Se  a  reclamação  for  admissível  e  a  parte  não  impugnar  a  decisão através dela,  em  regra está precludida a possibilidade de  recorrer dessa mesma decisão.

Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a sua rejeição pelo Tribunal, a continuação da  impugnação através de recurso ordinário.

 102.        Finalidades da impugnação

a)     Recursos ordinários e reclamaçõesOs  recursos  ordinários  podem  ser  configurados  como  um  meio  de 

apreciação  e  de  julgamento  da  acção  por  um  Tribunal  superior  ou  como  um meio  de  controlo  da  decisão  recorrida.  Naquele  primeiro  caso,  o  objecto  dos recursos  coincide  com  o  objecto  da  instância  recorrida,  pois  que  o  Tribunal superior é chamado a apreciar e a  julgar de novo a acção: o  recurso pertence então  à  categoria  dos  recursos  de  reexame. No  segundo  caso,  o  objecto  dos recursos é a decisão recorrida, dado que o Tribunal ad quem só pode controlar se,  em  função  dos  elementos  apurados  na  instância  recorrida,  essa  decisão foi  correctamente  proferida,  ou  seja,  é  conforme  com  esses  elementos:  nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo dos recursos de reponderação.

b)    Recursos extraordináriosOs  recursos  extraordinários,  porque  podem  incidir  sobre  decisões 

transitadas  em  julgado,  prosseguem  finalidades  distintas  dos  demais  meios de  impugnação:  do  que  se  trata  é  de  apurar  se  algum  fundamento  justifica  a anulação  da  decisão  e,  em  caso  afirmativo,  de  refazer  a  decisão  impugnada. Assim,  enquanto  visam  determinar  se  se  verifica  algum  dos  fundamentos taxativos  que  justificam  a  anulação  da  decisão,  isto  é,  quanto  ao  chamado juízo  rescindente  (arts.  771º  e  779º/1  CPC),  os  recursos  extraordinários  são equiparáveis  a  qualquer  acção  constitutiva  (art.  4º/2-c  CPC)  e  os  poderes  do 

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Tribunal nessa apreciação coincidem com aqueles que lhe são reconhecidos do caso  julgado  e  da  respectiva  decisão,  abre-se  o  chamado  juízo  rescisório,  no qual esse Tribunal reconstitui a decisão anulada (arts. 776º e 778º/1 CPC).

 

DIREITO À IMPUGNAÇÃO 

103.        Direito ao recursoA  impugnação  das  decisões  judiciais  satisfaz  um  interesse  da  parte 

prejudicada,  que  assim  pode  obter  a  correcção  de  uma  decisão  que  lhe  é desfavorável.  Aquela  impugnação  também  corresponde  aos  interesses  gerais da  comunidade,  porque  a  eliminação  de  decisões  erradas  ou  viciadas  não  só combate os sentimentos de  insegurança e  injustiça,  como  favorece o prestígio dos Tribunais e a uniformização jurisprudencial. Esta faculdade de impugnação é  uma  consequência  da  possibilidade  de  reacção  dos  particulares  contra os  actos  públicos  que  ofendem  os  seus  interesses  e  o  conhecimento  dessa impugnação  pelos  próprios  Tribunais  é  uma  imposição  da  sua  independência (arts. 206º CRP; 4º/1, 1ª parte EMJ).

A  impugnação  da  decisão  perante  um  Tribunal  de  hierarquia  superior assenta  no  pressuposto  de  que  aquele  Tribunal  se  encontra  em  melhores condições de apreciar o caso sub iudice do que o Tribunal recorrido.

 104.        Exclusão legal

Como  a  admissibilidade  da  reclamação  depende  de  uma  previsão  legal específica, não se pode esperar que a lei consagre explicitamente a exclusão da reclamação, pois que esta não seja admissível, basta que não esteja prevista. Por  isso,  há  que  considerar  como  uma  previsão  meramente  enfática  a  sua exclusão expressa nos arts. 606º/6 e 653º/4  in  fine CPC, que parece  justificar-se pela necessidade de marcar a diferença perante lugares paralelos em que tal impugnação é admissível (arts. 511º/2 e 653º/4, 2ª parte CPC). Assim, a análise subsequente recai apenas sobre a exclusão do recurso.

O  art.  679º  CPC,  exclui  o  recurso  dos  despachos  de  mero  expediente  e daqueles  que  forem proferidos  no  uso  de  um poder  discricionário. Encontram-se  alguns  exemplos  destes  últimos  no  exercício  dos  poderes  instrutórios concedidos  ao  Tribunal  (arts.  519º-A/1,  552º/1,  569º/1-a,  589º/2,  612º/1,  622º, 645º/1, 652º/3-c e 653º/1, 2ª parte CPC).

Todavia,  a  circunstância  de  os  despachos  discricionários  não  serem recorríveis  só  impede  o  controlo  pelo  Tribunal  superior  do  conteúdo  do despacho.

A  ilegalidade  imputada  pelo  recorrente  ao  despacho  pode  resultar  de diversos factores:

-         Da não verificação dos pressupostos de que a  lei  faz depender o uso do poder discricionário (por ex. art. 519º-A/1 CPC);

-          Da  inobservância  pelo  Tribunal  das  opções  de  decisão  que  lhe  são abertas pela lei (por ex. art. 552º/1 CPC);

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-          De  desvio  de  poder,  isto  é,  do  uso  do  poder  pelo  Tribunal  para  fins distintos dos legalmente definidos ou pressupostos.

 105.        Renúncia à impugnação

A  renúncia à  impugnação é o acto ou acordo pelo qual uma ou ambas as partes aceitam não  reclamar ou não  recorrer de uma decisão proferida ou das decisões  que  vierem  a  ser  preferidas  num  determinado  processo.  A  lei  trata apenas de uma das modalidades possíveis desta renúncia – que é a renúncia ao recurso (art. 681º CPC) –, mas o seu regime é facilmente extensível às demais formas de impugnação.

A  renúncia  à  impugnação  distingue-se  quer  da  omissão  de  impugnação, quer  da  desistência  desta.  Aquela  renúncia  não  se  confunde  com  a  omissão da  impugnação,  porque  ela  pressupõe  uma  manifestação  de  vontade  de  não impugnar  uma decisão. Essa  renúncia  é  igualmente  distinta  da  desistência  da impugnação, porque aquela é sempre anterior à  impugnação e esta verifica-se sempre na pendência da impugnação.

A renúncia à  impugnação pressupõe a disponibilidade da parte  tanto sobre a  própria  impugnação,  como  sobre  os  seus  fundamentos.  Quanto  àquela disponibilidade,  há  que distinguir  entre  a  reclamação e  os  recursos  ordinários, por um lado, e os recursos extraordinários, por outro:

-          Quanto  à  reclamação  e  aos  recursos  ordinários,  a  regra  é  a admissibilidade da sua renúncia (art. 681º/1 CPC);

-          Quanto  aos  recursos  extraordinários,  pelo  contrário,  a  renúncia  é inadmissível, não só porque a revisão é indisponível (art. 771º CPC), mas também porque nenhum acordo entre as partes pode  impedir a  terceiros prejudicado  de  interpor  um  recurso  de  oposição  de  terceiro  (art.  778º CPC).

A  renúncia  à  impugnação  só  é  admissível  quanto  a  fundamentos disponíveis, ou seja, essa renúncia nunca pode afastar a faculdade de impugnar uma decisão com base num fundamento indisponível.

As  partes  podem  renunciar  aos  recursos  ordinários  e  às  reclamações.  É questão  relativa  à  interpretação  da  vontade  das  partes  determinar  o  âmbito dessa renúncia, isto é, verificar-se se elas renunciaram apenas aos recursos ou também às próprias reclamações.

A  renúncia  à  impugnação  torna-a  inadmissível.  No  caso  da  renúncia  ao recurso, isso constitui fundamento para que o Tribunal a quo o rejeite (art. 687º/3 CPC)  e  para  que o Tribunal  ad  quem se  recuse a  conhecer  do  seu  objecto (art.  701º/1  –  arts.  726º,  749º,  762º/1  CPC).  Esta  inadmissibilidade  é,  assim, de conhecimento oficioso, o que também parece dever valer para a renúncia à reclamação.

A  renúncia  à  impugnação  pode  ser,  atendendo  ao  momento  em  que é  realizada,  anterior  ou  posterior  ao  proferimento  da  decisão.  A  renúncia antecipada  só  é  eficaz  se  provier  de  ambas  as  partes  (art.  681º/1  CPC),  isto é,  se  for  bilateral.  Esta  renúncia  não  exige,  contudo,  um  encontro  simultâneo de  vontades  das  partes;  ela  também  pode  resultar  de  declarações  unilaterais sucessivas.

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A  renúncia posterior pode ser unilateral  ou bilateral  e, em qualquer destas modalidades, tácita ou expressa. Em regra, não pode recorrer a parte que tiver aceitado  a  decisão  de  ela  ter  sido  proferida  (art.  681º/2  CPC),  podendo  essa aceitação  resultar  de  uma  declaração  tácita  ou  expressa  (art.  681º/3,  1ª  parte CPC).  A  aceitação  tácita  é  a  que  deriva  de  qualquer  facto  inequivocamente incompatível com a vontade de  recorrer  (art. 681º/3, 2ª parte CPC; art. 217º,  ª parte CC) ocorrido depois do proferimento da decisão.

A  renúncia  à  impugnação  pode  ser  total  ou  parcial.  É  total  se  abrange toda  a  decisão,  todos  os  possíveis  fundamentos  de  impugnação  e  todos  os eventuais recorrentes e recorridos; é parcial se vale apenas numa certa medida objectiva  ou  subjectiva,  isto  é,  se  atinge  apenas  uma  parcela  da  decisão  ou dos  fundamentos da  impugnação ou somente algumas das partes da acção. A mais  importante  renúncia  parcial  subjectiva  é  a  que  só  atinge uma das  partes da acção (o autor ou o réu), mas, também é possível uma renúncia que respeita somente a alguns dos litisconsortes.

 106.        Caducidade da impugnação

De  modo  a  evitar  uma  permanente  insegurança  sobre  a  eficácia  da decisão  proferida,  todos  os meios  de  impugnação  estão  submetidos  a  prazos peremptórios. As regras são as seguintes:

-         As reclamações devem ser deduzidas no prazo de 10 dias a contar da notificação ou do conhecimento da decisão (art. 153º/1 CPC);

-         Em geral, os recursos ordinários devem ser  interpostos  igualmente no prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão (art. 685º/1, 1ª parte CPC);

-         O recurso de revisão deve ser interposto dentro de 5 anos seguintes ao trânsito em  julgado da decisão e, dentro destes, nos prazos  referidos no art. 772º/2;

-         Os  recursos de oposição de  terceiro devem ser  interposto dentro dos 3 meses  seguintes  ao  trânsito  em  julgado  da  decisão  final  da  acção  de simulação (art. 780º/1 CPC).

Como  todos  estes  prazos  são  peremptórios,  o  seu  decurso  implica  a caducidade da impugnação (art. 145º/3 CPC). A caducidade do recurso ordinário é de conhecimento oficioso (art. 687º/3 CPC); o mesmo vale para a caducidade dos  recursos  extraordinários,  à  qual  se  aplica,  dada  a  indisponibilidade  das partes sobre esses  recursos e a natureza substantiva daquele prazo, o  regime estabelecido no art. 333º/1 CC.

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RECURSOS ORDINÁRIOS

GENERALIDADES

107.        Enunciado dos recursosa)     Sistematização da leiA regulamentação dos recursos consta dos arts. 676º a 782º CPC.A  ordem  da  regulamentação  dos  recursos  ordinários  não  acompanha 

completamente os graus hierárquicos dos Tribunais recorridos, antes obedece a um critério respeitante ao objecto da decisão impugnada. A ordem é a seguinte:

-         Primeiro, são reguladas a apelação (arts. 691º a 720º CPC) e a revista (arts. 721º a 732º-B CPC), que são os recursos que cabem das decisões relativas ao mérito;

-         Surgem depois os regimes do agravo em 1ª instância (arts. 733º a 753º CPC)  e  do  agravo  em 2ª  instância  (arts.  754º  a  762º CPC),  que  são  os recursos admissíveis das demais decisões.

b)    Recursos na 1ª instânciaOs recursos ordinários  interpostos de decisões proferidas pela 1ª  instância 

são a apelação e o agravo. A apelação cabe da sentença  final e do despacho saneador  que  decidam  do  mérito  da  causa  (art.  691º/1  CPC);  também  nos processos  especiais  se  consideram  de  apelação  os  recursos  interpostos  da sentença  ou  de  quaisquer  despachos  que  decidam  desse mérito  (art.  463º/4º CPC). O âmbito do agravo em 1ª  instância delimita-se perante o da apelação: ele cabe das decisões, susceptíveis de recurso, de que não possa apelar-se (art. 733º CPC)

c)     Recursos na 2ª instânciaOs  recursos  ordinários  que  cabem  das  decisões  proferidas  pela  Relação 

são a revista e o agravo em 2ª instância. O âmbito da revista é definido pelo seu objecto e pelo seu  fundamento específico: cabe  recurso de  revista do acórdão da Relação que decide do mérito da causa e do qual se recorre com fundamento na violação da  lei substantiva  (art. 721º/1 e 2 CPC). O agravo em 2ª  instância possui um âmbito residual perante a revista: ele cabe dos acórdãos da Relação dos  quais  não  se  possa  recorrer  de  revista  (art.  754º/1  CPC),  seja  porque  o acórdão não conheceu do mérito da causa, seja porque dele se recorrer com um fundamento processual (art. 755º/1 CPC).

d)    Recurso para o Tribunal ConstitucionalO recurso para o Tribunal Constitucional é igualmente um recurso ordinário, 

porque deve ser  interposto antes do  trânsito em  julgado da decisão  (arts.  70º/2,  75º/1  LTC).  Esse  recurso  pode  ter  por  fundamento  a  inconstitucionalidade de  uma  norma  (art.  280º/1  CRP;  art.  70º/1-a,  b,  g,  h,  LTC).  Para  esse  efeito, entende-se como norma, segundo um conceito funcional e formal, qualquer acto de um poder normativo do Estado (lato sensu), ainda que de conteúdo individual e concreto.

e)     Erro na espécie de recurso

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O erro  na  espécie  do  recurso  verifica-se  sempre  que  o  recurso  interposto não seja o apropriado à decisão recorrida ou ao fundamento invocado. Este erro constitui uma nulidade sanável: o próprio Tribunal no qual é interposto o recurso manda  seguir,  no  despacho  que  o  admite,  os  termos  do  recurso  adequado (art.  687º/3,  2ª  parte  CPC).  O  controlo  da  propriedade  do  recurso  também compete ao Tribunal ad quem: se o relator do recurso de apelação entender que o  recurso  apropriado  é  o  agravo,  ouvirá,  antes  de  decidir,  as  partes  e  julgará depois  qual  o  recurso  adequado  (arts.  701º/1-b,  702º/1  CPC).  Este  regime  é aplicável, com as necessárias adaptações, ao agravo em 1ª instância (art. 749º CPC), à revista (art. 726º CPC) e ao agravo em 2ª instância (art. 762º/1 CPC).

 108.        Finalidades dos recursos

As decisões proferidas pelos Tribunais  de  recurso –  e,  em especial,  pelos Tribunais  supremos  –  podem  realizar  uma  de  duas  finalidades:  eles  podem visar  exclusivamente a  decisão do  caso  concreto  ou destinar-se a  obter,  além da  resolução  deste,  a  uniformização  jurisprudencial  sobre  a  interpretação  e  a aplicação da lei. Na primeira destas situações, a decisão do Tribunal superior só se torna vinculativa no caso apreciado, pelo que o recurso onde é proferida pode ser designado como um recurso casuístico; na segunda, a decisão do Tribunal torna-se um critério de decisão de casos semelhantes, isto é, é aplicável sempre que os Tribunais se devam pronunciar sobre uma questão idêntica à apreciada: o  recurso que conduz ao proferimento dessa decisão pode chamar-se  recurso normativo.

No  direito  português,  os  recursos  ordinários  visam  a  reapreciação  da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o  Tribunal  de  recurso  não  pode  ser  chamado  a  pronunciar-se  sobre  matéria que  não  foi  alegada  pelas  partes  na  instância  recorrida  ou  sobre  pedidos  que nela  foram  formulados.  Os  recursos  são  meios  de  impugnação  de  decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Excluída está, por isso, a  possibilidade  de  alegação  de  factos  novos  na  instância  de  recurso,  embora isso não resulte de qualquer proibição legal, mas antes da ausência de qualquer permissão expressa.

O  julgamento  de  uma  causa  pressupõe  a  aplicação  de  uma  lei  a  certos factos,  isto  é,  esse  julgamento  conjuga  matéria  de  direito  e  de  facto.  A competência  decisória  de  recurso  pode  abranger  ambas  essas  matérias  ou restringir-se à matéria de facto.

A  possibilidade  de  o  Tribunal  de  recurso  conhecer  de  matéria  de  facto pressupõe  que  a  esse  Tribunal  são  garantidas,  pelo  menos,  as  mesmas condições que estão asseguradas ao Tribunal recorrido.

Ao  Tribunal  superior  pode  ser  concedido  apenas  o  poder  de  revogar  a decisão  recorrida  ou  o  poder  de  a  revogar  e  de  a  substituir  por  uma  outra: no  primeiro  caso,  o  recurso  pertence  ao  modelo  de  cassação  e  comporta somente um juízo rescindente; no segundo, o recurso  integra-se no modelo de substituição e contém um juízo rescindente e um juízo rescisório. Estes modelos não  são  verdadeiramente  incompatíveis,  porque  todo  o  recurso  comporta  um 

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juízo  rescindente  e  é,  portanto,  cassatório.  O  que  pode  suceder  é  que,  além do  juízo  rescindente, o  recurso  também contenha um  juízo  rescisório, ou seja, permita que o Tribunal ad quem substitua a decisão revogada: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de substituição.

O  recurso  de  cassação  favorece  a  harmonização  jurisprudencial  sobre  a interpretação da  lei, porque o Tribunal ad quem se  limita a controlar o respeito da lei pelas instâncias, mas, ao pressupor uma separação entre a interpretação e a aplicação da lei, é dificilmente coadunável com as modernas tendências da metodologia  jurídica.  Em  contrapartida,  o  modelo  do  recurso  de  substituição favorece  a  adequação  da  decisão  ao  caso  concreto,  embora  dificulte  a harmonização jurisprudencial sobre a interpretação da lei.

 109.        Instância de recurso

O recurso é interposto no Tribunal que proferiu a decisão recorrida (art. 687º/1  CPC),  pelo  que,  por  analogia  com  o  disposto  no  art.  267º/1  CPC,  ele  deve considerar-se  interposto  logo  que  seja  recebida  na  secretaria  desse  Tribunal o  respectivo  requerimento  do  recorrente.  A  esse  Tribunal  compete  controlar a  admissibilidade  do  recurso  (art.  687º/3  CPC);  se  o  recurso  for  considerado admissível,  ele  sobe  posteriormente  ao  Tribunal  ad  quem  (arts.  699º,  724º/1, 744º/2,  760º  e  761º/1  CPC).  Portanto,  o  procedimento  do  recurso  reparte-se entre o Tribunal a quo e o Tribunal ad quem.

O dever de litigância de boa fé (art. 266º-A CPC) também vale na instância de  recurso. Assim, qualquer das partes pode ser condenada como  litigante de má fé por ter actuado quer com má fé substancial (art. 456º/2-a, b, c, CPC), quer com má fé  instrumental  (art. 456º/2-d CPC). Além disso, em sede de recursos, há que contar com o regime especial que se encontra previsto no art. 720º CPC (aliás  aplicável  a  todos  os  demais  recursos  ex  vi  dos  arts.  726º,  749º,  762º/1 CPC).

 110.        Efeitos de interposição

A  interposição  do  recurso  realiza  efeitos  no  próprio  processo  pendente  e pode ainda produzi-los fora desse processo: na primeira hipótese, pode falar-se de efeitos intraprocessuais; na segunda, de efeitos extraprocessuais.

a)     Efeitos intraprocessuaisComportam  um  efeito  suspensivo,  efeitos  translativos  e  um  efeito 

suspensivo.  O  efeito  suspensivo,  refere-se  à  circunstância  de  a  decisão recorrida não  transitar em  julgado e de, por  isso, não  receber o  valor de caso julgado antes da sua confirmação pelo Tribunal de recurso ou de nem sequer vir a obter esse valor se for revogada por esse Tribunal.

Os  efeitos  translativos,  respeitam  à  transferência  dos  efeitos  decorrentes da  instância  recorrida  para  a  instância  de  recurso  e  são  consequência  da continuação da pendência do processo.

A  interposição do recurso também produz em efeito devolutivo. Esse efeito caracteriza-se  pela  atribuição  do  Tribunal  superior  do  poder  de  confirmar  ou revogar  a  decisão  recorrida,  sendo  ele  que  justifica  a  chamada  expedição  ou subida do recurso (arts. 699º, 724º/1, 74º0/2, 760º e 761º/1 CPC).

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b)    Efeitos extraprocessuaisTraduzem-se  segundo  as  expressões  tradicionais,  num  efeito  devolutivo 

ou  suspensivo,  mas  estes  possuem  um  recorte  completamente  diferente  dos homónimos efeitos intraprocessuais. Existe, além de tudo o mais, uma distinção fundamental  entre  ambos:  o  efeito  devolutivo  e  o  efeito  suspensivo,  enquanto efeitos intraprocessuais, são essenciais aos recursos ordinários regulados no direito português e, por  isso,  coexistem em qualquer  recurso; pelo  contrário, o efeito devolutivo e o efeito suspensivo, enquanto efeitos extraprocessuais, são características secundárias desses recursos, que são escolhidas pelo legislador para cada recurso e que são necessariamente alternativas.

O efeito (extra-processual) devolutivo significa que a interposição do recurso não obsta à produção de efeitos da decisão recorrida fora do processo em que foi proferida.

O  efeito  (extra-processual)  suspensivo  impede  a  produção  de  efeitos  da decisão recorrida fora do processo em que foi proferida e, nomeadamente, a sua exequibilidade, mesmo provisória (art. 47º/1 CPC).

A  instância de recursos pode suspender-se nas circunstâncias referidas no art. 276º/1 CPC, e interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência de qualquer das partes (art. 285º CPC). Mas se essa parte for o recorrente ou o autor de um incidente suscitado em recurso, verifica-se  a  deserção  do  recurso  (art.  291º/2,  3  CPC)  e  a  consequente  extinção  da instância por simples despacho do juiz ou do relator (arts. 287º-c e 291º/4 CPC).

  

ESTUDO ANALÍTICO

111.        Fundamentos dos recursosa)     Tipologia do erro judiciárioA  lei  processual  estabelece,  a  propósito  do  recurso  de  revista,  que 

a  violação  de  lei  (substantiva  ou  processual)  pode  consistir  no  erro  de interpretação ou de aplicação da norma ou no erro de determinação da norma aplicável  (art.  721º/2,  1ª  parte CPC). A distinção entre  estes erros não é  fácil, porque muito frequentemente o erro na determinação da norma aplicável resulta de um erro na sua interpretação.

a)    Erro na previsãoO erro na determinação da norma aplicável consiste num equívoco quanto à 

norma que deve ser aplicada ao caso concreto. Este erro pode ocorrer em duas modalidades distintas: o erro na qualificação e o erro na subsunção. Aquele erro na qualificação verifica-se quando o Tribunal selecciona mal a norma aplicável ao caso concreto, isto é, quando esse órgão, ao procurar a lei reguladora desse caso, escolhe a norma errada.

O erro na subsunção verifica-se quando os factos apurados são subsumidos a  uma  norma  errada,  ou  seja,  quando  o  Tribunal  integra  na  previsão  de  uma norma factos ou situações que ela não comporta.

b)     Erro na estatuição

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Diferente  de  qualquer  dos  erros  sobre  a  previsão  é  o  erro  na  aplicação da  norma,  que  decorre  de  um  entendimento  erróneo  das  consequências determinadas pela norma aplicada.

b)     Tipologia da violação da leiA  violação  da  lei  que  resulta  de  um  erro  sobre  a  previsão  ou  de  um  erro 

sobre a estatuição  respeita à própria norma que define o conteúdo da decisão proferida, situação em que o controlo exercido pelo Tribunal ad quem se traduz em  aplicar  correctamente  a  norma  de  decisão  adequada.  A  esta  violação  da própria norma de decisão pode chamar-se violação primária.

Mas também pode suceder que a violação da lei não incida sobre a norma que define, ou devia definir, o conteúdo de decisão, mas sobre uma norma que tem  por  objecto  a  norma  de  decisão  ou  o  acto  jurídico  que  determina  aquele conteúdo. Estas normas sobre normas de decisão ou sobre actos jurídicos que definem o conteúdo da decisão podem designar-se por normas secundárias e à respectiva violação pode chamar-se, por isso, violação secundária.

A distinção entre violação primária e secundária da lei traça-se, em suma, do seguinte modo:

-          Há  violação  primária  do  critério  de  decisão  se  o  Tribunal  recorrido aplicou um critério distinto daquele que era o adequado ao caso concreto ou errou na aplicação desse critério, ou seja,  se o caso  foi  resolvido por um critério errado ou pela aplicação errada do critério adequado;

-          Há  violação  secundária,  se  o  recorrente  alega,  não  o  erro  sobre  o critério aplicável ou sobre a aplicação do critério adequado, mas a violação pelo Tribunal recorrido de uma norma secundária sobre o critério decisão, nomeadamente a violação de uma norma que determina a inexistência, a invalidade ou a ineficácia daquele critério.

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112.        ApelaçãoCabe apelação da sentença final e do despacho saneador que decidam do 

mérito  da  causa  (art.  691º/1  CPC).  Assim,  a  apelação  é  o  recurso  admissível das decisões sobre o mérito proferidas pela 1ª instância, pelo que são apeláveis todas as decisões que nela absolvam ou condenem o réu no pedido. A decisão que conhece do mérito e que, por  isso, é apelável pode não ser uma decisão final do processo (art. 695º/1 CPC).

O  recurso de apelação delimita-se exclusivamente pelo seu objecto, que é a decisão proferida em 1ª  instância sobre o mérito da causa (art. 691º/1 CPC), sendo irrelevante o fundamento invocado pelo apelante. Isso significa que, ainda que o  recorrente  pretenda alegar  um  fundamento  processual  contra  a  decisão recorrida, o recurso admissível é a apelação. 113.        Agravo em 1ª instância

O âmbito do agravo em 1ª instância delimita-se negativamente perante o do recurso de apelação: cabe agravo das decisões susceptíveis de recurso de que não possa apelar-se  (art. 733º CPC),  isto é, das decisões dos Tribunais de 1ª instância que não conhecem do mérito da causa.

Dada a delimitação negativa do agravo perante a apelação  (art. 73º CPC), pode  dizer-se  que  aquele  recurso  é  aplicável  sempre  que  uma  decisão  for recorrível,  mas  dela  não  couber  apelação  por  não  ser  uma  decisão  sobre  o mérito.  Cabe  igualmente  agravo,  das  decisões  secundárias  sobre  as  custas da  acção  (art.  46º/1  CPC;  art.  62º  CCJ),  sobre  a  condenação  em  multa  e indemnização  como  consequência  da  litigância  de  má  fé  (art.  456º/1  CPC)  e ainda sobre a concessão ou denegação do apoio judiciário (art. 39º/1 DL 387-B/87, de 29/12).

 114.        Revista

O  campo  de  aplicação  do  recurso  de  revista  delimita-se  duplamente  pelo objecto e pelo fundamento:

-          O  objecto  da  revista  é  o  acórdão  da  Relação  que  decide  do  mérito da  causa  (art.  721º/1  CPC),  isto  é,  que  prenuncia  uma  condenação  ou absolvição do pedido;

-          O  fundamento  específico  do  recurso  de  revista  é  a  violação  da  lei substantiva  (art.  721º/2,  1ª  parte  CPC),  embora,  acessoriamente,  o recorrente  também possa alegar a violação da  lei processual  (arts. 721º/2  in  fine, 722º/1 CPC). Note-se que, como a  revista cabe do acórdão da Relação  sobre  o  mérito  da  causa  (art.  721º/1  CPC),  ela  é  igualmente admissível  da  decisão  que  conhece  desse  mérito  no  agravo  em  1ª instância  (art.  753º/1  CPC)  e  que  é  impugnada  com  fundamento  na violação da lei substantiva (art. 721º/2 CPC).

A revista é o recurso ordinário pelo qual se impugna uma decisão de mérito da 2ª  instância com  fundamento na violação de  lei  substantiva. A  revista deve ser admissível, por  isso, sempre que um Tribunal de 2ª  instância se pronuncie sobre  o mérito  da  causa  e  a  decisão  seja  recorrível.  Como,  em  certos  casos, 

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essa  decisão  da Relação  se  pode  verificar  depois  do  julgamento  de  um outro recurso pelo Supremo, existem algumas situações de revista diferida e outras de segunda revista.

Encontram-se também situações em que é admissível a interposição de uma segunda revista. Tal sucede nos casos em que, como resultado da procedência de  uma  revista  pendente,  o  supremo  manda  baixar  o  processo  à  Relação  e esta profere uma decisão sobre o mérito da causa: desta última decisão pode interpor-se uma nova revista.

 115.        Agravo em 2ª instância

O agravo em 2ª  instância  possui  um âmbito  de  aplicação  residual  perante os recursos de revista e de apelação (art. 754º/1 CPC). Dado que a revista cabe do acórdão da Relação que conheça do mérito da causa (art. 721º/1 CPC) e do qual seja interposto recurso com fundamento na violação da lei substantiva (art. 721º/2 CPC), o  recurso de agravo em 2ª  instância é admissível  nas seguintes situações:

-         Quando o acórdão da Relação não aprecie o mérito da causa (ex. art. 493º/2 CPC);

-          Quando  o  acórdão  da  Relação  conheça  do  mérito  da  causa,  mas  o recorrente  pretenda  impugnar  dessa  decisão  exclusivamente  com  um fundamento processual (ex. arts. 493º/2, 494º-a CPC).

Em  certos  casos,  a  Relação  funciona  como  Tribunal  de  1ª  instância:  no âmbito  civil,  tal  sucede  quanto  às  acções  de  indemnização  propostas  contra juízes  de  direito,  procuradores  da  República  e  delegados  do  Procurador  da República  e  baseadas  em  actos  praticados  durante  o  desempenho  das  suas funções  (art.  41º/1-b  LOTJ;  art.  1083º/1  CPC).  Do  acórdão  da  Relação  que conheça do objecto dessas acções cabe recurso de apelação para o Supremo (art.  1090º/1  CPC),  pelo  que,  dada  a  delimitação  negativa  do  agravo  em  2ª instância perante a apelação (art. 754º/1 CPC), aquele agravo cabe apenas das decisões que, naquelas acções, não se pronunciem sobre o mérito da causa.

Como o  agravo  em 2ª  instância  incide  sobre  decisões  que  não  conhecem do mérito  (art. 754º/1 CPC), nem sempre é exigível assegura-lhes um controlo pelo Supremo: é essa a  justificação para a exclusão,  imposta pelo art. 754º/2, 1ª parte e 3º CPC, da admissibilidade de  recurso para o Supremo do acórdão da Relação que confirme, ainda que por diverso  fundamento mas sem voto de vencido,  a  decisão  interlocutória  proferida  na  1ª  instância. O  regime  não  vale, contudo,  quando,  nos  termos  do  art.  678º/2/3 CPC,  o  recurso  seja  admissível independentemente dos valores da causa e da sucumbência da parte.

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OBJECTO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS

116.        Constituição

O  objecto  do  recurso  é  constituído  por  um  pedido  e  um  fundamento. O  pedido  consiste  na  solicitação  de  revogação  da  decisão  impugnada  e  o fundamento na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in iudicando).

O  pedido  de  revogação  fundamenta-se  num  error  in  procedendo  ou  in iudicando,  mas  importa  salientar  um  aspecto  especialmente  importante.  Para que  o  recurso  seja  procedente  não  basta  que  o  Tribunal  ad  quem  verifique qualquer desses erros; é ainda indispensável que a decisão impugnada, apesar de padecer do vício invocado pelo recorrente, não possa ser confirmada por um fundamento diferente do utilizado pelo Tribunal recorrido.

O pedido do recorrente deve ser formulado no requerimento de interposição do  recurso,  no  qual,  em  certos  casos,  também  devem  ser  apresentados  os respectivos  fundamentos  (art.  687º/1  CPC).  Esse  pedido  pode  ser  restringido nas  conclusões  das  alegações  do  recurso  (art.  684º/3  CPC)  através,  por exemplo, da exclusão de um dos recorridos ou da aceitação da decisão quanto a um dos pedidos cumulados, mas não pode ser ampliado em  relação àquele que consta do requerimento de interposição, porque qualquer restrição realizada neste último vale como aceitação da decisão não impugnada e, portanto, como renúncia ao recurso (art. 681º/2 e 3 CPC).

 117.        Âmbito

O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Antes do mais, esse âmbito é determinado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos  julgados  formados na  instância  recorrida.  Dado  que  o  direito  português  consagra  o  modelo  do recurso  de  reponderação,  o  âmbito  do  recurso  encontra-se  objectivamente limitado pelas questões colocadas ao Tribunal recorrido, pelo que, em regra, não é possível  solicitar  ao Tribunal  ad quem que se pronuncie  sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como for apresentada na 1ª instância.

Dentro  do  objecto  do  processo  e  com  observância  dos  casos  julgados formados na acção, o âmbito do  recurso delimita-se objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art. 684º/2, 2ª parte CPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art. 684º-A/1  e  2 CPC). Quer  dizer:  o  objecto  do  recurso  não  é  sequer  a  totalidade  da decisão,  mas  apenas  o  que  nela  for  desfavorável  ao  recorrente  ou  recorrido, o  que,  aliás,  implica  que  o  Tribunal  de  recurso  não  pode  apreciar  a  parte  da decisão que não foi impugnada.

Finalmente, o âmbito do  recurso pode ser  limitado pelo próprio  recorrente. Sempre que a parte dispositiva da sentença contenha decisões distintas sobre vários  objectos,  o  recorrente  pode  distinguir  o  recurso  a  qualquer  delas  (art. 684º/2, 1ª parte CPC).

 118.        Limites

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A  função  do  recurso  ordinário  é  a  reapreciação  da  decisão  recorrida  e não  um  novo  julgamento  da  causa.  Dessa  circunstância  decorre  a  proibição da  reformatio  in  melius  e  in  peius.  A  proibição  da  reformatio  in  melius  tem  o seguinte  enunciado:  como o  objecto  do  recurso  é  delimitado pela  impugnação do  recorrente,  esta  parte  não  pode  alcançar  através  do  recurso  mais  do  que a  revogação  e  eventual  substituição  da  decisão  recorrida.  A  proibição  da reformatio  in peius (que se encontra consagrada no art. 684º/4 CPC) traduz-se no seguinte: a decisão do Tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão impugnada.

A  violação  das  proibições  da  reformatio  in  melius  e  in  peius  pressupõe que o Tribunal de  recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque excede  o  âmbito  da  sua  competência  decisória.  Assim,  é  nulo,  por  excesso de  pronúncia,  o  acórdão  do  Tribunal  de  recurso  que  não  observa  aquelas proibições (arts. 668º/1-d, 2ª parte CPC, 716º/1, 732º, 752º/3, 762º/1 CPC).

A proibição da  reformatio  in melius  é  uma consequência  da  vinculação do Tribunal superior à impugnação do recorrente: por isso, esse Tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto.

Esta proibição da reformatio in melius mantém-se mesmo quando o Tribunal de recurso tem de apreciar matéria de conhecimento oficioso.

Não viola a proibição da  reformatio  in melius a circunstância de o Tribunal de recurso confirmar a procedência da acção no quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas.

A  decisão  do  Tribunal  de  recurso  não  pode  ser  mais  desfavorável  ao recorrente  do  que  a  decisão  recorrida:  é  nisto  que  consiste  a  proibição  da reformatio in peius (art. 684º/4 CPC).

A  possibilidade  de  o  Tribunal  de  recurso  conhecer  oficiosamente  de  certa matéria não o isenta da sujeição à proibição da reformatio in peius.

 119.        Decisão

O âmbito da competência decisória do Tribunal depende do tipo de recurso. Se  esse  recurso  pertence  ao  modelo  de  cassação,  o  Tribunal  ad  quem  só pode  revogar  a  decisão  impugnada;  se  o  recurso  se  integra  no  modelo  de substituição,  o  Tribunal  ad  quem  pode  não  só  revogar  a  decisão  impugnada, mas também substitui-la por outra. Esta substituição nem sempre é limitada pelo objecto  do  recurso:  se  a  Relação  considera  procedente  o  agravo  interposto, esse Tribunal  pode  substituir  a  decisão de  forma  impugnada por  uma decisão sobre o mérito (art. 753º/1 CPC).

Se o Tribunal  superior,  só podendo  julgar  segundo o modelo de  cassação e, portanto, podendo apenas revogar a decisão recorrida, substitui essa decisão por  uma  outra,  verifica-se  um  excesso  de  pronúncia,  porque  esse  Tribunal conhece  de  uma  matéria  que  não  pode  apreciar.  Tal  excesso  determina  a nulidade  da  sua  decisão  (arts.  668º/1-d,  2ª  parte,  716º/1,  732º,  752º/3,  762º/1 CPC).

A  improcedência  do  recurso  e  a  consequente  confirmação  da  decisão recorrida podem resultar da modificação pelo Tribunal ad quem do fundamento dessa mesma decisão. Isto é, o Tribunal superior pode aceitar a procedência do 

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recurso, mas encontrar um outro  fundamento, distinto daquele que  foi utilizado pelo Tribunal recorrido, para confirmar a decisão recorrida.

Tal  hipótese  sempre  que  a  decisão  possa  comportar  vários  fundamentos. Esta pluralidade pode resultar, quanto a uma decisão de mérito, de um concurso de  pretensões  ou  de  excepções  peremptórias  e,  quanto  a  uma  decisão  de forma, de um concurso de excepções dilatórias. No entanto, esta possibilidade depende de duas condições:

-         Uma delas é que o Tribunal de recurso possa conhecer do fundamento que justifica a confirmação da decisão recorrida;

-         Uma outra é que a procedência do recurso não impeça a confirmação da decisão com base noutro fundamento.

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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

120.        Enunciado

Na  instância  de  recurso  relevam  três  tipos  de  pressupostos  processuais: os  gerais,  os  especiais  e  os  específicos. Os  pressupostos  gerais  são  comuns à  acção  no  seu  todo:  é  o  caso,  por  exemplo,  da  competência  do  Tribunal  a quo  e  da  legitimidade  das  partes;  os  pressupostos  especiais  são  adaptações à  instância  de  recurso  dos  pressupostos  gerais:  são  eles  a  competência  do Tribunal ad quem e o patrocínio  judiciário obrigatório do recorrente;  finalmente, os  pressupostos  específicos  são  restritos  à  instância  de  recurso:  esses pressupostos são a recorribilidade da decisão e a legitimidade para recorrer.

 121.        Apreciação

Os  pressupostos  processuais  específicos  condicionam  a  admissibilidade do  conhecimento  do  objecto  do  recurso,  o  que  significa  que,  se  eles  não se  encontrarem  preenchidos,  o  Tribunal  ad  quem  não  se  pronuncia  sobre  a procedência ou improcedência do recurso.

Os  pressupostos  específicos  podem  tornar-se,  eles  próprios,  objecto de  um  recurso.  Esta  solução  é  ditada  pelo  princípio  da  auto-suficiência  do processo, segundo o qual a aparência vale como realidade até se averiguar se efectivamente ela corresponde a qualquer realidade.

Os  pressupostos  específicos  da  instância  de  recurso  beneficiam,  embora não exclusivamente, a parte recorrida, dado que definem as condições em que o recurso é admissível e em que pode ser impugnada uma decisão favorável a essa parte.  Isso significa que  lhes é aplicável  a dispensa, estabelecida no art. 288º/3, 2ª parte CPC, da necessidade da sua apreciação prévia relativamente ao conhecimento do mérito do recurso.

Os  pressupostos  específicos  devem  ser  controlados  oficiosamente  pelo próprio Tribunal a quo (art. 687º/3, 1ª parte CPC). Mas a decisão desse Tribunal não  vincula  o  Tribunal  ad  quem  (art.  687º/4  CPC),  pois  que  lhe  incumbe controlar  aqueles  pressupostos  (arts.  701º/1,  704º/1  CPC,  aplicáveis  à  revista – art.  726º CPC – e aos agravos – arts.  749 e 762º/1 CPC). Esta duplicidade de momentos de apreciação dos pressupostos específicos  implica que há que considerar  eventuais  alterações entre o momento da apreciação no Tribunal  a quo e o julgamento no Tribunal ad quem.

Além  dos  pressupostos  processuais  específicos,  na  instância  de  recuso também  devem  estar  preenchidos  os  pressupostos  gerais.  Quanto  ao seu  controlo  pelo  Tribunal  de  recurso,  há  que  considerar  duas  situações. Esses  pressupostos  podem  constituir  o  próprio  objecto  do  recurso,  isto  é,  a impugnação  pode  incidir  sobre  uma  decisão  relativa  a  esses  pressupostos. Mas,  ainda  que  esses  pressupostos  não  constituam  o  objecto  de  recurso,  o Tribunal  ad  quem  pode  sempre  apreciar  aqueles  que  forem  de  conhecimento oficioso  (art.  495º  CPC)  e  absolver  o  réu  da  instância  com  base  na  falta  de qualquer deles (art. 493º/2 CPC). Pode assim dizer-se que os pressupostos de conhecimento  oficioso  constituem  um  objecto  implícito  do  recurso,  porque  o 

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Tribunal ad quem pode apreciá-los em qualquer recurso.Em qualquer destes casos, ou seja, tanto na hipótese em que o objecto do 

recurso  é  um  pressuposto  processual  geral,  como  na  eventualidade  em  que o  Tribunal  superior  pode  controlar  um  pressuposto  de  conhecimento  oficioso, este  Tribunal  não  deve  ocupar-se  desse  pressuposto  se  a  decisão  sobre  o mérito puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento: é a solução imposta pelo art. 288º/3, 2ª parte CPC. É por  isso que, se estiverem simultaneamente  pendentes  uma  apelação  relativa  à  decisão  de  mérito desfavorável  ao  autor  e  um  agravo  relativo  à  decisão  sobre  os  pressupostos processuais  interposto pelo  réu, o art. 710º/1 CPC (aplicável à  revista ex vi do art. 726º CPC), determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão sobre o mérito não for confirmada.

Os pressupostos especiais dos recursos são a competência do Tribunal ad quem  (arts.  71º  e  72º  CPC;  arts.  27º-a,  28º/1-a,  41º/1-a  LOTJ)  e  o  patrocínio judiciário  obrigatório  do  recorrente  (art.  32º/1-c  CPC).  Quanto  à  possibilidade de  o  Tribunal  superior  conhecer  do mérito  do  recurso  numa  situação  em  que esses  pressupostos  não  se  encontram  preenchidos,  há  que  verificar,  segundo o critério subjacente à desnecessidade da apreciação prévia dos pressupostos processuais estabelecida o art. 288º/3, 2ª parte CPC, se aqueles pressupostos são disponíveis e, em caso afirmativo, se a sua falta não prejudica a parte que seria beneficiada com a sua verificação.

 122.        Recorribilidade da decisão

A  recorribilidade  da  decisão  pressupõe  o  esgotamento  de  outras eventuais  formas  de  impugnação,  como  é  o  caso  da  reclamação  (arts.  123º/2,  511º/2,  650º/5,  653º/4,  668º/3,  700º/3,  725º/5  CPC).  É  nisto  que  consiste a  subsidiariedade  do  recurso  perante  a  reclamação  (art.  700º/3  e  5  CPC). Se  a  parte  recorrer  em  vez  de  reclamar,  há  falta  de  interesse  processual, porque  a  parte  não  utilizou  o  meio  mais  célere  e  menos  dispendioso  para  a impugnação da decisão. Mas o art. 688º/5 CPC, permite a conversão do recuso indevidamente  interposto  na  reclamação  dirigida  ao  presidente  do  Tribunal superior  e,  mediante  aplicação  analógica  do  disposto  no  art.  687º/3,  2ª  parte CPC, quanto ao erro na espécie de  recurso,  pode entender-se que o Tribunal perante o qual  foi  interposto o  recurso  indevido deve mandar seguir os  termos da  reclamação  apropriada:  obtém-se  desta  forma  a  sanação  dessa  falta  de interesse processual.

A  decisão  recorrida  pode  ser  tanto  uma  decisão  final,  como  uma  decisão interlocutória. A recorribilidade das decisões interlocutórias apresenta vantagens e  inconvenientes:  ela  revela-se  útil,  se  o  Tribunal  de  recurso  vier  a  revogar a  decisão  recorrida,  porque,  nesse  caso,  a  impugnação  permite  evitar  as repercussões da decisão impugnada na acção pendente; mas se o Tribunal de recurso confirmar a decisão  recorrida, o  recurso pode contribuir para atrasar o andamento e decisão do processo.

 123.        Legitimidade para recorrer

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A  legitimidade  para  recorrer  pode  ser  aferida  segundo  um  critério  formal ou  material.  Segundo  o  critério  formal,  tem  legitimidade  para  recorrer  a  parte que não obteve o que pediu  ou  requereu;  portanto,  não pode  recorrer  a  parte que consegui na acção aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua conduta na acção. Diferentemente, segundo o critério material, tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão for desfavorável, qualquer que tenha sido  o  seu  comportamento  na  instância  recorrida  e  independentemente  dos pedidos por ela formulados no Tribunal a quo.

A  legitimidade ad recursum é, apesar da sua designação, uma modalidade do  interesse processual e não uma concretização, no âmbito dos  recursos, da legitimidade processual.

Também  na  legitimidade  para  recorrer  se  observa  a  correlatividade  que caracteriza  o  interesse  processual.  Se  a  uma  das  partes  for  reconhecido um  interesse  a  recorrer,  isto  é,  um  interesse  em  obter  a  tutela  decorrente  da procedência do recurso, à contraparte é automaticamente atribuído um interesse em  contradizer,  ou  seja,  um  interesse  em  evitar  o  prejuízo  relevante  daquela procedência.

O art. 68º/3 CPC (aplicável às decisões proferidas na 2ª instância ex vi dos arts. 716º/1, 752º/3 CPC) estabelece que, quando for admissível interpor recurso ordinário  da  decisão,  a  nulidade  desta  pode  constituir  um  dos  fundamentos desse  recurso;  o  recurso  interposto  pode  mesmo  ter  como  único  fundamento aquela nulidade (arts. 722º/3, 1ª parte, 755º/1-a CPC).