princípios estruturantes do processo civil

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PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL ACESSO À JUSTIÇA 1. Direito à jurisdição O art. 10º Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”. Este direito à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é uma consequência do Estado social de direito que se encontra consagrado no art. 2º CRP. O acesso à justiça não é, aliás, o único direito fundamental assegurado ao cidadão na área da protecção dos direitos: adequadamente, o art. 20º/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia de acesso ao próprio direito. Sem este “direito ao direito”, a garantia do acesso aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as condições para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos. Nesta perspectiva, percebe-se que, nos termos do art. 20º/2 CRP, a garantia do acesso ao direito envolva o direito à informação e consultas jurídicas e, em caso de necessidade, ao patrocínio judiciário e que o art. 6º DL 387-B/87, de 29/12, englobe o direito à consulta jurídica e ao patrocínio judiciário num mais vasto direito à protecção jurídica. 2. Garantias do acesso à justiça Quando considerada na perspectiva do acesso à justiça, qualquer reforma do processo civil deve orientar-se para a eliminação dos obstáculos que impedem, ou, pelo menos, dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os seguintes obstáculos ao acesso à justiça: o obstáculo económico, se os interessados não estiverem em condições de aceder aos Tribunais por causa da sua pobreza; o obstáculo organizatório, porque a tutela de certos interesses colectivos ou

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Princpios Estruturantes do Processo CivilAcesso justia1. Direito jurisdioO art. 10 Declarao Universal dos Direitos do Homem estabelece que toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um Tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigaes ou das razes de qualquer acusao em matria penal que contra ela seja deduzida.Este direito justia sem qualquer discriminao por motivos econmicos uma consequncia do Estado social de direito que se encontra consagrado no art. 2 CRP. O acesso justia no , alis, o nico direito fundamental assegurado ao cidado na rea da proteco dos direitos: adequadamente, o art. 20/1 CRP atribui, a par da garantia de acesso aos Tribunais, uma garantia de acesso ao prprio direito. Sem este direito ao direito, a garantia do acesso aos Tribunais poderia tornar-se vazia e ilusria, dado que no importa criar as condies para aceder aos Tribunais se, simultaneamente, no se possibilitar o conhecimento dos direitos que se podem defender atravs desses rgos. Nesta perspectiva, percebe-se que, nos termos do art. 20/2 CRP, a garantia do acesso ao direito envolva o direito informao e consultas jurdicas e, em caso de necessidade, ao patrocnio judicirio e que o art. 6 DL 387-B/87, de 29/12, englobe o direito consulta jurdica e ao patrocnio judicirio num mais vasto direito proteco jurdica.2. Garantias do acesso justiaQuando considerada na perspectiva do acesso justia, qualquer reforma do processo civil deve orientar-se para a eliminao dos obstculos que impedem, ou, pelo menos, dificultam, esse acesso. Cappellitti considera os seguintes obstculos ao acesso justia: o obstculo econmico, se os interessados no estiverem em condies de aceder aos Tribunais por causa da sua pobreza; o obstculo organizatrio, porque a tutela de certos interesses colectivos ou difusos impe uma profunda transformao nas regras e institutos tradicionais do direito processual; finalmente, o obstculo propriamente processual, porque os tipos tradicionais de processo so inadequados para algumas tarefas de tutela.a) Obstculo econmico:A garantia do acesso justia, para ser efectiva, pressupe a no discriminao por insuficincia de meios econmicos (art. 20/1 CRP). O art. 6 DL 387-B/87 garante, no mbito da proteco jurdica, o chamado apoio judicirio, o qual compreende a dispensa, total ou parcial, ou o diferimento do pagamento dos servios do advogado ou solicitador (art. 15/1 DL 387-B/87). Este apoio judicirio destina-se a evitar que os custos relacionados com o processo seja utilizados pela parte economicamente mais poderosa como um meio de presso sobre a parte mais fraca.b) Obstculo organizatrio:O art. 26-A regula a legitimidade para as aces e procedimentos cautelares destinados tutela de interesses difusos, como os que se referem sade pblica, ao ambiente e qualidade de vida, ao patrimnio cultural, ao domnio pblico e ao consumo de bens e servios.O art. 26-A contm apenas uma norma remissiva para a lei regulamentadora da aco popular, mas, ainda assim, apresenta a vantagem de integrar no mbito do processo civil a legitimidade popular, isto , a legitimidade para a defesa dos interesses difusos atravs da aco popular prevista no art. 52/3 CRP. Esclarea-se, a propsito, que, nos termos do art. 12/2 Lei 83/95, a aco popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Cdigo de Processo Civil, pelo que essa legitimidade abrange qualquer aco ou procedimento admissvel na rea processual civil.c) Obstculo processual:O processo declarativo segue uma tramitao, comum ou especial, fixada pela lei (art. 460/1 CPC). Abandonada qualquer correspondncia entre o direito subjectivo e a respectiva actio, so fundamentalmente motivos ligados necessidade prtica de adaptar a tramitao processual a certas situaes especficas que conduzem previso de certos processos especiais. Mas, os processos especiais previstos na lei s abrangem certas situaes particulares, o que significa que a grande maioria das aces propostas em Tribunal regulada para a tramitao comum (art. 460/2 CPC).Segundo o art. 265-A CPC, quando a tramitao processual prevista na lei no se adequar s especificidades da causa, o juiz deve, mesmo oficiosamente, determinar, depois de ouvidas as partes, a prtica dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo e definir as necessrias adaptaes no seu procedimento. Deve entender-se que a iniciativa da adaptao pode pertencer quer ao juiz, quer a qualquer das partes. A adaptao pode consistir tanto na realizao de actos que no sejam previstos na tramitao legal e que se mostrem indispensveis ao apuramento da verdade e ao acerto da deciso, como na dispensa de actos que se revelem manifestamente inidneos para o fim do processo.O art. 265-A CPC, no o diz, mas claro que a tramitao sucednea tem de respeitar estritamente a igualdade das partes (art. 3-A CPC) e, em particular, o princpio do contraditrio (art. 3/2/3 1 parte CPC). Mesmo que, como o art. 265-A CPC, o exige, a parte tenha sido previamente ouvida, ela no fica impedida de invocar o desrespeito daqueles princpios na tramitao sucednea. A prtica ou a omisso de um acto que implica a ofensa daqueles princpios traduz-se numa nulidade processual (art. 201/1 CPC), pois que so directamente violados os preceitos que os consagram (arts. 3/2/3 1 parte e 3-A CPC) e essa violao influi certamente no exame ou deciso da causa.Nas hipteses de cumulao de vrios objectos processuais numa mesma aco, o problema da inadequao formal surge numa outra vertente: sempre que uma certa situao da vida jurdica comporte aspectos a que, quando considerados parcelarmente, correspondam processos comuns e especiais ou diferentes processos especiais, coloca-se o problema de saber se essa diferena formal deve impedir o seu tratamento unitrio num mesmo processo. evidente que desejvel que motivos formais no impliquem um desmembramento de uma mesma situao jurdica por vrios processos.

Garantias do processo justo3. Direito ao processo justoNo basta assegurar a qualquer interessado o acesso justia: to importante como esse acesso garantir que o processo a que se acede apresenta, quanto sua prpria estrutura, garantias de justia. Este direito ao processo justo encontra-se expressamente consagrado no art. 10 Declarao Universal dos Direitos do Homem, no art. 14/1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos e no art. 6/1 Conveno Europeia dos Direitos do Homem. Todos estes preceitos atribuem o direito a um julgamento equitativo, que, alis, eles prprios concretizam nas garantias de imparcialidade e de independncia do Tribunal, de igualdade das partes, de publicidade das audincias, do juiz legal ou natural e de proferimento da deciso num prazo razovel.Estes princpios so, todos eles, susceptveis, de moldar o regime processual. Assim, indispensvel garantir quele que recorre aos Tribunais um julgamento por um rgo imparcial, uma plena igualdade das partes, o direito ao contraditrio, uma durao razovel da aco, a publicidade do processo e a efectivao do direito prova.4. Imparcialidade do TribunalA administrao da justia no possvel sem um Tribunal independente e imparcial: a imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo. As garantias de imparcialidade do Tribunal podem ser vistas, quer como garantias do Tribunal perante terceiros, quer como garantias das partes perante o Tribunal. Naquela primeira perspectiva, as garantias de imparcialidade costumam classificar-se em materiais e pessoais: as garantias materiais respeitam liberdade do Tribunal perante instrues ou quaisquer intromisses de outro rgo do estado (art. 206 CRP, art. 4/1 EMJ Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei n. 21/85, de 30/7, alterada pelo DL n. 342/88, de 28/9, e pelas Leis n. 2/90, de 20/1, e 10/94, de 5/5); as garantias pessoais protegem o juiz em concreto: so elas a irresponsabilidade (art. 5 EMJ) e a inamovibilidade (art. 6 EMJ).Na perspectiva das partes, as garantias de imparcialidade referem-se independncia do juiz e sua neutralidade perante o objecto em causa.Constitui ainda uma garantia das partes a chamada independncia interna do juiz. Refere-se esta s influncias a que o juiz est sujeito pela sua origem, educao ou processo de socializao. este aspecto da independncia interna que justifica a proibio da prtica de actividade poltico-partidrias de carcter pblico e de ocupao de cargos polticos pelos magistrados judiciais em exerccio de funes (art. 11 EMJ), bem como a proibio do desempenho pelos mesmos de qualquer outra funo pblica ou privada, salvo as funes docentes ou de investigao jurdica, desde que no remuneradas (art. 218/3 CRP, art. 13 EMJ).5. Igualdade das partesAmbas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, nus e deveres, isto , cada uma delas deve situar-se numa posio de plena igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o Tribunal. Esta igualdade das partes, que deve ser assumida como uma concretizao do princpio da igualdade consagrado no art. 13 CRP, agora um princpio processual com expresso legal no art. 3-A CPC, este preceito estabelece que o Tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exerccio de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicao de cominaes ou de sanes processuais.Um primeiro problema suscitado pelo art. 3-A e pela referida igualdade substancial entre as partes o de nem sempre vivel assegurar essa igualdade. Em certos casos, no possvel ultrapassar certas diferenas substanciais na posio processual das partes; noutras hipteses, no possvel afastar certas igualdades formais impostas pela lei.Devem ser respeitadas todas as situaes de igualdade formal entre as partes determinadas pela lei processual. H que observar alguns preceitos que visam directamente a igualdade formal entre as partes (arts. 42/2 e 512-A/1 CPC). Portanto, tambm neste campo no existe qualquer possibilidade de assegurar uma igualdade substancial entre as partes.O art. 3-A tem como destinatrio o Tribunal, pois que a este rgo que o preceito atribui a funo de garantir a igualdade substancial das partes. Mas esta funo pode ser entendida de duas formas bastantes distintas: se essa funo for concebida com um contedo positivo, aquele preceito impe ao Tribunal o dever de promover a igualdade entre as partes e de, eventualmente, auxiliar a parte necessitada; se, pelo contrrio, essa funo for entendida com um contedo negativo, s se probe que o Tribunal promova a desigualdade entre as partes.O direito portugus concede ao Tribunal certos poderes instrutrios (arts. 535/1, 612/1 e 653/1 CPC) e inquisitrios: quanto estes ltimos, resulta do disposto nos arts. 264/2 e 265/3 CPC, que o Tribunal pode investigar e considerar os factos instrumentais relevantes para a deciso da causa. Mas o uso destes poderes instrutrios e inquisitrios orientado, no pela necessidade de obter a igualdade entre as partes, mas pela de procurar proferir uma deciso de acordo com a realidade das coisas.A expresso do princpio da igualdade deve ser procurada fora daqueles poderes instrutrios ou inquisitrios, o que de modo algum exclui um amplo campo de aplicao desse princpio. Esta aplicao verifica-se tanto no referido contedo positivo, que impe ao Tribunal um dever de constituir a igualdade entre as partes, como no contedo negativo, que o probe de originar, pela sua conduta, uma desigualdade entre as partes.A referncia igualdade substancial que consta no art. 3-A no pode postergar os vrios regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais. Quer supresso dos factores de igualdade formal, mas atravs de um auxlio suplementar a favor da parte carenciada do auxlio. Essa igualdade substancial no obtida atravs de um minus imposto a uma das partes, mas de um maius concedido parte necessitada.O princpio da igualdade substancial no choca com o princpio da imparcialidade do Tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independncia perante as partes, mas, no contexto do princpio da igualdade, imparcialidade no sinnimo de neutralidade: a imparcialidade impe que o juiz auxilie do mesmo modo qualquer das partes necessitadas ou, dito de outra forma, implica, verificadas as mesmas condies, o mesmo auxlio a qualquer delas; a neutralidade determina a passividade do juiz perante a desigualdade das partes. Portanto, o juiz tem de ser neutro perante as situaes de desigualdade que existam ou que se possam criar entre as partes, mas deve ser imparcial perante elas, dado que, quando tal se justifique, deve auxiliar qualquer delas.O contedo negativo do princpio da igualdade substancial destina-se a impedir que o juiz crie situaes de desigualdade substancial entre as partes. Assim, por exemplo, esse princpio obsta a que o Tribunal fixe, para cada uma das partes, prazos diferentes para o exerccio da mesma faculdade ou o cumprimento do mesmo nus.Quanto s decises sobre o mrito da causa, elas so determinadas pelos critrios resultantes da lei ou que por ela seja permitidos, como a equidade (art. 4 CC) e a discricionariedade prpria dos processos de jurisdio voluntria (art. 1410 CPC). Assim, o Tribunal s pode introduzir na sua deciso as correces que a lei permita ou que resultem de qualquer daqueles critrios formais de deciso.6. Garantia do contraditrioO direito do contraditrio que , em si mesmo, uma decorrncia do princpio da igualdade das partes estabelecido no art. 3-A possui um contedo multifacetado: ele atribui parte no s o direito ao conhecimento de que contra ele foi proposta uma aco ou requerida uma providncia e, portanto, um direito audio antes de ser tomada qualquer deciso, mas tambm um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posio sobre elas, ou seja um direito de resposta.a) Direito audio prvia:O direito audio prvia encontra-se consagrado no art. 3/1 (o Tribunal no pode resolver o conflito de interesses que a aco pressupe sem que a resoluo lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposio) CPC in fine, embora possa sofrer as excepes genericamente previstas no art. 3/2 (s nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providncias contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida) CPC: assim, num procedimento cautelar comum, o Tribunal s ouvir o requerido se a audincia no puser em risco srio o fim ou a eficcia da providncia (art. 385/1 CPC); a restituio provisria da posse e o arresto so decretados sem a audincia da parte requerida (arts. 394 e 408/1 CPC). ainda o direito audio prvia que justifica todos os cuidados de que h que revestir a citao do ru e a tipificao dos casos em que se considera que ela falta (art. 195 CPC) ou nula (art. 198/1 CPC) e que est subjacente possibilidade de interposio do recurso extraordinrio de reviso contra uma sentena proferida num processo em que tenha faltado a citao ou esta seja nula (art. 771-f CPC) e de oposio e anulao da execuo com base nos mesmos vcios (arts. 813-d e 921 CPC).b) Direito de resposta:O contraditrio no pode ser exercido e o direito de resposta no pode ser efectivado se a parte no tiver conhecimento da conduta processual da contraparte. Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposio legal, elas possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que no dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de prvia citao (art. 229/2 CPC). Concretizaes desta regra constam dos arts. 146/5, 174/1, 234/1, 542 e 670/1 CPC.O direito de resposta consiste na faculdade, concedida a qualquer das partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegao ou acto probatrio) da contraparte. Este direito tem expresso legal, por exemplo, no princpio da audincia contraditria das provas constante do art. 517 CPC.O art. 3/3 1 parte CPC, impe ao juiz, de modo programtico, o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princpio do contraditrio. Significativa tambm, quanto a este aspecto, a supresso dos processos sumrios e sumarssimos como processos cominatrios plenos (arts. 784 e 794/1 CPC): neste caso, no o contraditrio que se garante, mas as consequncias do seu exerccio que se atenuam.A violao do contraditrio inclui-se na clusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 201/1 (fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prtica de um acto que a lei no admita, bem como a omisso de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, s produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na deciso da causa) CPC: dada a importncia do contraditrio, indiscutvel que a sua inobservncia pelo Tribunal susceptvel de influir no exame ou deciso da causa. Uma concretizao desta regra encontra-se no art. 277/3 (so nulos os actos praticados no processo posteriormente data em que ocorreu o falecimento ou extino que, nos termos do n. 1, devia determinar a suspenso da instncia, em relao aos quais fosse admissvel o exerccio do contraditrio pela parte que faleceu ou se extinguiu) CPC.7. Durao razovel do processoA lentido processual encontra causa endgenas e exgenas. Como causas endgenas podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade se no legal, pelo menos real do juiz da aco; a orientao da actividade das partes, no pelos fins da tutela processual, mas por razes frequentemente dilatrias; alguns obstculos tcnicos, como os crnicos atrasos na citao do ru e a demora no proferimento do despacho saneador devida s dificuldades inerentes elaborao da especificao e do questionrio. Outras causas da morosidade processual so exteriores ao prprio processo: falta de resposta dos Tribunais ao crescimento exponencial da litigiosidade, dada a exiguidade dos meios disponveis; maior complexidade do direito material e crescente uso nele de conceitos indeterminados e de clusulas gerais, cuja concretizao, deficincia na preparao tcnica dos profissionais forenses.Uma consequncia da morosidade da justia o recurso cada vez mais frequente s providncias cautelares como forma de solucionar os litgios, especialmente quando elas podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a dispens-la.So vrias as solues habitualmente seguidas (ou tentadas) para obviar morosidade processual. Salientam-se, entre ela, as seguintes solues: o estabelecimento entre as fases do processo, ou mesmo no seu interior, de regras de precluso, que obstam a que um acto omitido possa vir a ser realizado fora do seu momento legalmente fixado; o reforo do controlo do juiz sobre o processo; a concentrao do processo numa audincia na qual a causa possa ser discutida e, eventualmente, decidida.O art. 2/1 CPC, atribui parte o direito de obter, num prazo razovel, a deciso da causa, o que significa que o Estado tem do dever de disponibilizar os meios necessrios para assegurar a celeridade na administrao da justia. Assim, a concesso deste direito celeridade processual possui, para alm de qualquer mbito programtico, um sentido preceptivo bem determinado, pelo que a parte prejudicada com a falta de deciso da causa num prazo razovel por motivos relacionados com os servios da administrao da justia tem direito a ser indemnizada pelo Estado de todos os prejuzos sofridos. Esta responsabilidade do Estado objectiva, ou seja, independente de qualquer negligncia ou dolo do juiz da causa ou dos funcionrios judiciais.Para obter a indemnizao dos prejuzos causados pelo atraso no proferimento da deciso tem sido utilizada, com alguma frequncia, a petio dirigida Conveno Europeia dos Direitos do Homem (art. 25/1), para que esta solicite a apreciao da violao pelo Estado portugus da garantia da deciso do processo num prazo razovel pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (arts. 44 e 48/1 Conveno Europeia dos Direitos do Homem) e, se for caso, a atribuio ao lesado de uma reparao adequada (art. 50 Conveno Europeia dos Direitos do Homem).8. Publicidade do processoO Processo Civil diz enfaticamente o art. 167/1 CPC pblico. A publicidade do processo tornou-se possvel com a introduo da oralidade e contnua a possuir a justificao tradicional: ela um meio para combater o arbtrio e assegurar a verdade e a justia das decises judiciais. A essa publicidade esto subjacentes os princpios fundamentais do Estado de direito, nomeadamente a possibilidade de um controlo popular dos rgos que como sucede com os Tribunais exercem poderes de soberania (art. 110/1 CRP). nesta perspectiva que se deve entender a garantia da publicidade das audincias dos Tribunais, que se encontra consagrada no art. 206 CRP e no art. 656/1 CPC, bem como a garantia do acesso aos autos por todos os interessados estabelecida no art. 167/2 CPC.A publicidade das audincias dos Tribunais constitui uma importante garantia numa dupla dimenso: em relao s partes, ela assegura a possibilidade de um controlo popular sobre as decises que as afectam directamente; relativamente opinio pblica, essa publicidade permite combater a desconfiana na administrao da justia.A publicidade das audincias , no entanto, excluda quando circunstncias ponderosas o aconselham. Esses motivos encontram-se constitucionalmente tipificados (art. 206 CRP) e so repetidos no respectivo preceito da lei ordinria (art. 656/1 CPC): so eles a salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pblica e a garantia do normal funcionamento da audincia (art. 9 lei 3/99).A publicidade do processo implica o direito, reconhecido a qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou a quem nisso revele um interesse atendvel, de exame e consulta dos autos na secretaria do Tribunal e de obteno de cpias ou certides de quaisquer peas nele incorporadas pelas partes (art. 167/2 CPC). Este acesso aos autos , porm, limitado nos casos em que a divulgao do seu contedo possa causar dano dignidade das pessoas, intimidade da vida privada ou familiar ou moral pblica ou pr em causa a eficcia da deciso a proferir (art. 168/1 CPC).9. Direito provaA prova a actividade destinada formao da convico do Tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (art. 341 CC), isto , dos factos que constituem a chamada base instrutria (art. 508-A/1-e, 508-B/2, e 511/1 CPC). Essa actividade incumbe parte onerada (art. 342 CC), que no obstar uma deciso favorvel se no satisfazer esse nus (art. 516; art. 346 CC).Para cumprir o nus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legal ou contratualmente admitidos ou no excludos por conveno das partes (art. 345 CC). Dada a importncia do cumprimento do nus para a contraparte e para terceiros, costuma falar-se de um direito prova. Este direito habitualmente deduzido, para a generalidade dos processos jurisdicionais, do disposto no art. 6/3-d Conveno Europeia dos Direitos do Homem, que garante ao acusado o direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusao e obter a convocao e o interrogatrio das testemunhas de defesa nas mesmas condies daquelas.O direito prova contm limites impostos pela proteco de direitos de terceiros: aquele direito cede perante direitos de terceiros que meream do ordenamento jurdico uma tutela mais forte. Em geral, os limites do direito prova consubstanciam-se nas chamadas provas proibidas, que podem ser tanto provas que so materialmente lcitas mas processualmente proibidas, como provas que so materialmente e processualmente proibidas.Algumas provas so materialmente lcitas, mas, apesar disso, no so processualmente admissveis. Estas provas podem conduzir a uma proibio de produo ou de valorao. Noutros casos, a prova pode ser produzida num processo, mas no pode ser valorada numa outra aco.Outras provas so materialmente proibidas e, portanto, ilcitas. So exemplo de provas ilcitas todas aquelas que so obtidas atravs dos mtodos previstos no art. 32/8 CRP ou no art. 519/3 CPC.As provas ilcitas so, em regra, insusceptveis de ser valoradas pelo Tribunal, isto , no podem servir de fundamento a qualquer deciso judicial. Mas, quanto ao real mbito destas provas insusceptveis de valorao, parece haver que distinguir entre aqueles meios de prova cuja produo , ela prpria, um acto ilcito ( o caso das provas previstas no art. 32/8 CRP e no art. 519/3 CPC) e aquelas provas cuja produo no representa, em si mesma, qualquer ilicitude.

Novo modelo processual10. Premissas geraisAs caractersticas do processo liberal, dominado pela passividade judicial, so essencialmente as seguintes; s partes concedido o controlo sobre o processo e os factos relevantes para resoluo do litgio e minimizado o contributo do juiz e de terceiros para essa resoluo; a deciso requer apenas uma legitimao dependente da observncia das regras e dos pressupostos processuais. Em contrapartida, so as seguintes as linhas essncias do processo submetido ao activismo judicirio: as partes repartem com o Tribunal o domnio sobre o processo e ela prprias so consideradas uma fonte de informaes relevantes para a deciso da causa; as partes e terceiros esto obrigados a um dever de cooperao com o Tribunal; a legitimao da deciso depende da sua adequao substancial e no apenas da sua correco formal; as regras processuais podem ser afastadas ou adaptadas quando no se mostrem idneas para a justa composio do litgio.O processo poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder poltico do Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juzes expresso de posio que o sistema jurdico lhes concede para a resoluo dos conflitos de interesses pblicos e privados (art. 202/2 CRP). Isto reconduz a anlise para o problema da legitimao do processo jurisdicional, ou seja, para a adequao da instituio processual para realizar os fins que o Estado e a sociedade lhe atribuem.Os processos jurisdicionais de natureza declarativa destinam-se a obter o proferimento de uma deciso pelo Tribunal. A correco desta deciso depende da sua coerncia com as premissas de facto e de direito que foram adquiridas durante o processo e da prpria no contradio entre essas premissas: se essa deciso for correcta, ser possvel encontrar na sua fundamentao naquelas premissas ou, pelo menos, reconstitui-las a partir dela. A esta coerncia da deciso com as sua premissas pode chamar-se legitimao interna.Esta legitimao assegura a coerncia da deciso com as suas premissas, mas nada garante quanto verdade ou aceitabilidade dessas premissas e, portanto, daquela deciso: do facto de esta ser coerente com as suas premissas no se segue que ela corresponda realidade das coisas, pois que, para tal, necessrio que estas premissas estejam, elas prprias, de acordo com tal realidade. A esta correspondncia da deciso com a realidade extra-processual pode chamar-se legitimao externa.O Estado social de direito que se encontra plasmado no art. 2 CRP pressupe uma democracia econmica, social e cultural. O processo jurisdicional no pode deixar de reflectir essas preocupaes sociais e de ser impregnado por uma concepo social: a soluo dos conflitos no uma matria de mero interesse dos litigantes e estes no devem ser tratados como titulares abstractos da situao litigiosa, mas antes como indivduos concretos com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta.O Estado social de direito representa um compromisso entre a esfera do Estado e a da sociedade, dos grupos e dos indivduos. Tambm este compromisso se reflecte em vrios aspectos dos modernos processos jurisdicionais.11. Cooperao inter-subjectivaO art. 266/1 CPC, dispe que, na conduo e interveno no processo, os magistrados, os mandatrios judiciais e as prprias partes devem cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficcia, a justa composio do litgio. Este importante princpio da cooperao destina-se a transformar o processo civil numa comunidade de trabalho e a responsabilizar as partes e o Tribunal pelos seus resultados. Este dever de cooperao dirige-se quer s partes, quer ao Tribunal, pelo que importa algumas consequncias quanto posio processual das partes perante o Tribunal, deste rgo perante aquelas e entre todos os sujeitos processuais em comum.a) Posio das partes:Dever de cooperao assenta, quanto s partes, no dever de litigncia da boa f (art. 266-A As partes devem agir de boa f e observar os deveres de cooperao resultantes do preceituado no artigo anterior CPC). A infraco do dever do honeste procedere pode resultar de m f subjectiva, se ela aferida pelo conhecimento ou no ignorncia da parte, ou objectiva, se resulta da violao dos padres de comportamento exigveis. Segundo o art. 456/2 CPC promio, essa m f pressupe quer o dolo, quer to-s a negligncia grave.Qualquer das referidas modalidades da m f processual pode ser substancial ou instrumental: substancial, se a parte infringir o dever de no formular pretenso ou oposio cuja falta de fundamento no devia ignorar (art. 456/2-a CPC), alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a deciso da causa (art. 456/2-b CPC), isto , violar o dever de verdade; instrumental, se a parte tiver omitido, com gravidade, o dever de cooperao (art. 456/2-c CPC) ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovvel, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a aco da justia ou protelar, sem fundamento srio, o trnsito em julgado da deciso (art. 456/2-d e art. 720 CPC).A m f processual obriga a parte ao pagamento de uma multa e, se a parte contrria o pedir, de uma indemnizao (art. 456/1 CPC). Esta indemnizao pode consistir, segundo a opo do juiz (art. 457/1-b 2 parte CPC), no reembolso das despesas a que a m f do litigante tenha obrigado a parte contrria, incluindo os honorrios dos mandatrios ou tcnicos (art. 457/1-a CPC), ou no reembolso dessas despesas e na satisfao dos restantes prejuzos sofridos pela parte contrria como consequncia directa ou indirecta da m f (art. 457/1-b CPC).O dever de cooperao das partes estende-se igualmente importante rea da prova. O art. 519/1 CPC, estabelece, na sequncia do direito do Tribunal coadjuvao de outras entidades (art. 206/3 CRP), que todas as pessoas, sejam ou no partes na causa, tm o dever de prestar a sua colaborao para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se s inspeces necessrias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados. Este dever de colaborao independente da repartio do nus da prova (arts. 342 a 345 CC), isto , vincula mesmo a parte que no est onerada com a prova.A recusa da colaborao devida pela parte implica uma de duas consequncias: se a parte recusar a sua prpria colaborao, o Tribunal aprecia livremente, para efeitos probatrios, o valor desse comportamento (art. 519/2 1 parte CPC); se a violao de dever de colaborao resultar da circunstncia de a parte ter culposamente tornado impossvel a prova contraparte onerada, o nus da prova (art. 519/2 in fine CPC; art. 344/2 CC). Como o dever de colaborao pode recair sobre a parte que no est onerada com a prova do facto, esta inverso do nus da prova pode implicar, com base na regra do non liquet (art. 516 CPC; art. 346 CC), o proferimento de uma deciso de mrito contra a parte qual no cabia inicialmente a demonstrao do facto.O dever de cooperao da parte tambm encontra expresso na aco executiva: se o exequente tiver dificuldade em identificar ou localizar os bens penhorveis do executado, o Tribunal pode determinar que este preste todas as informaes indispensveis realizao da penhora, sob a comunicao de ser considerado litigante de m f (art. 837-A/2 CPC).

b) Posio das partesExiste um dever de cooperao das partes com o Tribunal, mas tambm h um idntico dever de colaborao deste rgo com aquelas. Este dever desdobra-se, para esse rgo, em quatro deveres essenciais:1) Um o dever de esclarecimento, isto , o dever de o Tribunal se esclarecer junto das partes quanto s dvidas que tenha sobre as suas alegaes, pedidos ou posies em juzo (art. 266/2 CPC), de molde a evitar que a sua deciso tenha por base a falta de informao e no a verdade apurada;2) Um outro o dever de preveno, ou seja, o dever de o Tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficincias ou insuficincias das suas alegaes ou pedidos (art. 508/1-b, 508-A/1-c, 690/4 e 701/1 CPC);3) O Tribunal tem tambm o dever de consultar as partes, sempre que pretenda conhecer de matria de facto ou de direito sobre a qual aquelas no tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (art. 3/3 CPC), porque, por exemplo, o Tribunal enquadra juridicamente a situao de forma diferente daquela que a perspectiva das partes ou porque esse rgo pretende conhecer oficiosamente certo facto relevante para a deciso da causa;4) Finalmente, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoo das dificuldades ao exerccio dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de nus ou deveres processuais (art. 266/4 CPC).O dever de esclarecimento implica um dever recproco do Tribunal perante as partes e destas perante aquele rgo: o Tribunal tem o dever de se esclarecer junto das partes e estas tm o dever de o esclarecer (art. 266-A CPC). Encontra-se consagrado, quanto ao primeiro aspecto, no art. 266/2 CPC: o juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir qualquer das partes, seus representantes ou mandatrios judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento outra parte dos resultados da diligncia. O segundo dos referidos aspectos (dever de esclarecimento do Tribunal pelas partes) est previsto no art. 266/3 CPC: as pessoas s quais o juiz solicita o esclarecimento so obrigadas a comparecer e a prestar os esclarecimentos que lhe forem pedidos, salvo se tiverem uma causa legtima para recusar a colaborao requerida. Deve considerar-se legtima a recusa baseada em qualquer das circunstncias referidas no art. 519/3 CPC.O dever de preveno, um dever do Tribunal perante as partes com uma finalidade assistencial, pelo que no implica qualquer dever recproco das partes perante o Tribunal. O dever de preveno tem uma consagrao no convite ao aperfeioamento pelas partes dos seus articulados (arts. 508/1-b, e 508-A/1-c CPC) ou das concluses das suas alegaes de recurso (arts. 690/4, e 701/1 CPC). Aquele primeiro convite deve ser promovido pelo Tribunal sempre que o articulado enferme de irregularidades (art. 508/2 CPC) ou mostre insuficincias ou imprecises na matria de facto alegada (art. 508/3 CPC).Mas o dever de preveno tm um mbito mais amplo: ele vale genericamente para todas as situaes em que o xito da aco a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. So quatro as reas fundamentais em que a chamada de ateno decorrente do dever de preveno se justifica: a explicitao de pedidos pouco claros, o carcter lacunar da exposio dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado situao concreta e a sugesto de uma certa actuao.O dever de consulta, um dever de carcter assistencial do Tribunal perante as partes. Este dever encontra-se estabelecido no art. 3/3 CPC: salvo no caso de manifesta desnecessidade, o Tribunal no pode decidir uma questo de direito ou de facto, mesmo que seja de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre ela. O escopo deste preceito evitar as chamadas decises surpresa, isto , as decises proferidas sobre matria de conhecimento oficioso sem a sua prvia discusso pelas partes.O dever de auxlio, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na supresso das eventuais dificuldades que impeam o exerccio de direitos ou faculdades ou o cumprimento de nus ou deveres processuais.O princpio da cooperao determina, a imposio ao Tribunal, alm de um dever de auxlio, dos deveres de esclarecimento, de preveno e de consulta. Coloca-se ento a questo de saber quais as consequncias que resultam da omisso pelo Tribunal de qualquer destes deveres. O problema particularmente complexo, porque a previso destes deveres nem sempre uma situao completamente definida por lei, antes faz apelo, em muitos casos, a uma ponderao do Tribunal.Alguns desses deveres de cooperao assentam numa previso fechada, que no deixa ao Tribunal qualquer margem de apreciao quanto sua verificao; outros, pelo contrrio, decorrem de uma previso aberta, que necessita de ser preenchida pelo Tribunal de acordo com a sua ponderao. Esta distino importante quanto aos efeitos do no cumprimento dos referidos deveres. Se o dever for estabelecido por uma reviso fechada isto , se a situao em que ele tem de ser observado no deixar ao Tribunal qualquer margem de apreciao , a sua omisso constitui uma nulidade processual, se, como em regra suceder, essa irregularidade puder influir ou exame ou deciso da causa (art. 201/1 CPC).A violao do dever de cooperao pela parte constitui, quando seja grave, uma das situaes que a lei tipifica com m f processual (art. 456/2-c CPC). Aquela gravidade da omisso do dever de cooperao pressupe o dolo ou a negligncia grave da parte (art. 456/2 promio CPC).12. Objecto do processoO processo civil regido, quanto relevncia da vontade das partes, pelo princpio dispositivo e da disponibilidade privada: aquele primeiro assegura a autonomia das partes na definio dos fins que elas procuram obter atravs da aco pendente; este ltimo determina o domnio das partes sobre os factos a alegar e os meios de prova a utilizar para conseguir aqueles objectivos. Pode dizer-se que o princpio dispositivo representa a autonomia na definio dos fins prosseguidos no processo e que o princpio da disponibilidade objectiva assegura o domnio das partes sobre os meios de os alcanar.O mbito dos poderes do Tribunal e das partes relativamente matria de facto relevante para a apreciao da causa constitui um dos aspectos essenciais de qualquer regime processual.a) Factos relevantes:Como resulta do estabelecido no art. 264 CPC, a soluo legal baseia-se numa distino, talvez demasiado esquemtica, entre factos essenciais, instrumentais e complementares ou concretizadores:- Os factos essenciais: so aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepo e cuja falta determina a inviabilidade da aco ou da excepo;- Os factos instrumentais, probatrios ou acessrios: so aqueles que indicam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciria destes ltimos;- Os factos complementares ou concretizadores: so aqueles cuja falta no constitui motivo de inviabilidade da aco ou da excepo complexa e que, por isso, so indispensveis procedncia dessa aco ou excepo.A cada um destes factos corresponde uma funo distinta:- Os factos essenciais realizam uma funo constitutiva do direito invocado pelo autor ou da excepo deduzida pelo ru: sem eles no se encontra individualizado esse direito ou excepo, pelo qual a falta da sua alegao pelo autor determina a ineptido inicial por inexistncia de causa a pedir (art. 193/2-a CPC);- Os factos complementares possibilitam, em conjugao com os factos essenciais de que so complemento, a procedncia da aco ou da excepo: sem eles a aco era julgada improcedente;- Os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa funo probatria dos factos essenciais ou complementares.Importa acentuar que esta classificao no assenta num critrio absoluto, mas relativo: um mesmo facto pode ser essencial em relao a um certo objecto e complementar ou instrumental perante outro objecto; por seu turno, um facto sempre complementar ou instrumental em relao a um certo facto essencial. Factos principais:A procedncia da aco ou da execuo pressupe certos factos: os factos necessrios a essa procedncia podem ser designados por factos principais. Estes factos englobam, na terminologia do art. 264 CPC, os factos essenciais e os factos complementares, cuja distino se traa do seguinte modo: os factos essenciais so aqueles que permitem individualizar a situao jurdica alegada na aco ou na excepo; os factos complementares so aqueles que so indispensveis procedncia dessa aco ou excepo, mas no integram o ncleo essencial da situao jurdica alegada pela parte.Os factos essenciais so necessrios identificao da situao jurdica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da aco ou da excepo. Factos instrumentais:So utilizados para realizar a prova indiciria dos factos principiais, isto , esses factos so aqueles de cuja a prova se pode inferir a demonstrao dos correspondentes factos principais. Portanto, o mbito de aplicao dos factos instrumentais coincide com a prova indiciria, pelo que esses factos no possuem qualquer relevncia na prova histrica ou representativa.As presunes judiciais so aquelas em que a inferncia do facto presumido assenta em regras de experincia, isto , so aquelas em que o Tribunal deduz, com base nessas regras, o facto presumido. Podem ser qualificados como factos instrumentais aqueles que constituem a base das presunes judiciais, ou seja, aqueles que permitem inferir, atravs de regras de experincia, o facto principal constante da base instrutria (arts. 508-A/1-e, e 508-B/2 CPC).b) Disponibilidade e oficiosidade:- Factos principais:Assente a distino entre factos essenciais, complementares e instrumentais, o regime legal o seguinte: Incumbe s partes alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir ou que fundamentam a excepo (art. 264/1 CPC); O Tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da instruo e discusso da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e parte contrria tenha sido facultado, quanto a eles, o exerccio do contraditrio (art. 264/3 CPC); O Tribunal pode considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais que resultem da instruo e julgamento da causa (art. 264/2 CPC).Deste enunciado resulta claramente que a disponibilidade objectiva vale quanto aos factos essenciais e aos factos complementares, pois que o Tribunal no os pode considerar, quanto queles primeiros, se eles no forem alegados pelas partes e, quanto a estes ltimos, se a parte interessada no manifestar vontade de se aproveitar deles. Portanto, os factos principais esto sujeitos disponibilidade das partes.- Factos instrumentais:H que reconhecer que no totalmente claro o mbito dos poderes que so conhecidos ao Tribunal pelo art. 264/2 CPC. certo que este preceito estipula que o Tribunal pode considerar oficiosamente os factos instrumentais; mas isto pode significar que, se os factos surgirem na instruo e discusso da causa, o Tribunal pode consider-los na sua deciso ainda que nenhuma das partes o requeira, como querer dizer que o Tribunal pode promover, por iniciativa prpria, a investigao desses factos durante a instruo e discusso da causa.A favor do reconhecimento de poderes inquisitrios do Tribunal sobre os factos instrumentais pode invocar-se, antes de mais, a comparao entre os ns. 2 e 3 do art. 264 CPC: neste ltimo concede-se ao Tribunal o poder de considerar os factos complementares, mas sujeita-se esse poder condio de a parte interessada desejar o seu aproveitamento na aco pendente; naquele primeiro, atribui-se ao Tribunal o poder de considerar os factos instrumentais e no se submete o uso desse poder a qualquer condio. , no entanto, na conjugao entre os arts. 264/2 e 265/3 CPC, que se encontra o apoio mais firme para entender que o Tribunal possui poderes inquisitrios sobre os factos instrumentais.Os factos sobre os quais o Tribunal pode exercer estes poderes inquisitrios com a finalidade de apurar a verdade ou de obter a justa composio do litgio so precisamente os factos instrumentais.- Factos instrutrios:O art. 265/3 CPC, dispe que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligncias necessrias ao apuramento da verdade e justa composio do litgio, quanto aos factos de que lhe lcito conhecer. Os factos sobre os quais o Tribunal possui poderes instrutrios so no s os factos instrumentais alegados pelas partes ou investigados pelo Tribunal, como os factos principais alegados pelas partes.Da conjugao entre os poderes inquisitrios atribudos pelo art. 264/2 CPC, e os poderes instrutrios estabelecidos no art. 265/3 CPC, resulta o seguinte regime legal: os poderes inquisitrios respeitam exclusivamente aos factos instrumentais (art. 264/2 CPC); os poderes de instruo referem-se tanto aos factos principais, como aos factos instrumentais, o Tribunal pode no s investig-los, com ordenar quanto a eles as actividades instrutrias que sejam da sua iniciativa; pelo contrrio, quanto aos factos principais, o Tribunal no possui poderes inquisitrios, pelo que, relativamente a eles, s pode ordenar as actividades oficiosas de instruo legalmente permitidas.c) nus de alegao:Segundo o estabelecido no art. 264/1 CPC, cabe s partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepes: estes factos devem ser alegados nos articulados das partes (arts. 467/1-c, 489/1, 502/1, 503/1, 785, 793 e 794/1 CPC). Todavia, o art. 264/1 CPC, no abarca a totalidade do nus de alegaes que deve ser cumprido nos articulados. Este nus no se restringe indicao da causa de pedir ou do fundamento da excepo, ou seja, aos factos essenciais: ele recai sobre todos os factos necessrios procedncia da aco ou da excepo, ou seja, sobre os factos principais. Portanto, o art. 264/1 CPC, refere-se apenas a uma fraco do nus de alegao que as partes devem cumprir nos seus articulados.Ao contrrio dos factos principais que so submetidos ao nus de alegao nos articulados , os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa funo probatria e, por essa razo, no esto sujeitos a esse nus.Os factos instrumentais no esto submetidos a qualquer nus de alegao nos articulados. Alis, como a alegao dos factos instrumentais uma actividade instrutria, esses factos, mesmo que sejam invocados nos articulados, podem sempre ser alterados enquanto for possvel requerer os meios de prova (arts. 508-A/2-a, 512/1 e 787 CPC) ou alterar ou aditar o rol de testemunhas (arts. 512-A/1 e 787 CPC). Portanto, mesmo que a parte invoque um facto instrumental no seu articulado, ela no est impedida de usar qualquer outro facto na demonstrao do respectivo facto principal.- Precluso:A distino entre factos essenciais, complementares e instrumentais relevante quanto a vrios aspectos do tratamento da matria de facto em processo. o que sucede quanto ao regime da sua precluso: o art. 264/2 CPC, mostra que podem ser considerados factos instrumentais no alegados e, quanto aos factos complementares, ntido que no existe em relao a eles qualquer precluso quando no sejam alegados nos articulados, precisamente porque o art. 264/3 CPC, permite a sua considerao quando eles s sejam adquiridos durante a instruo e discusso da causa.Os factos essenciais devem ser invocados nos articulados (art. 264/1 CPC), mas importa referir que a sua omisso no implica necessariamente a precluso da sua alegao posterior.Mais discutvel saber se a alegao de um facto essencial depois dos articulados possvel mesmo que a parte tenha agido de m f, ou seja, ainda que a omisso da invocao desse facto tenha resultado de negligncia grave ou dolo da parte (art. 456/2-b CPC). Parece impor-se uma resposta negativa da questo, dado o disposto no lugar paralelo da alegao dos factos supervenientes. Com efeito, se esses factos podem ser considerados se a sua alegao no atempada no for culposa (art. 506/4 CPC), isto , se, quanto a esses factos, s se admite uma invocao extempornea desde que ela no seja culposa, o mesmo h que concluir, por maioria de razo, quanto aos factos essenciais. Assim, a alegao destes factos fora dos articulados s deve ser aceite quando a parte no tenha agido com negligncia grave ou dolo.Portanto, a m f da parte na omisso do facto essencial nos seus articulados tem como consequncia, alm da sua condenao no pagamento de uma multa e de uma indemnizao contraparte (art. 456/1 CPC), a inadmissibilidade da sua alegao posterior do facto. Neste caso, verifica-se uma precluso decorrente da m f processual.O art. 264/3 CPC, demonstra que os factos complementares podem ser adquiridos durante a instruo e discusso da causa, pelo que a omisso da alegao desses factos nos articulados no implica qualquer precluso. Importa acentuar, no entanto, que o art. 264/3 CPC, no concede qualquer opo quanto ao momento da alegao desses factos, mas apenas a oportunidade de sanar uma insuficincia na alegao da matria de facto que s foi detectada na instruo e discusso da causa.Relativamente aos factos instrumentais, o problema da precluso equaciona-se de modo diverso. Estes factos no so nem constitutivos da situao jurdica alegada pela parte, nem indispensveis procedncia da aco ou da excepo. A sua funo apenas a de servir de prova indiciria dos factos principais, pelo que o momento da sua relevncia processual no o da alegao da matria de facto, mas o da apresentao ou requerimento dos meios de prova: neste momento que devem ser invocados os factos instrumentais que se pretende demonstrar com esses meios de prova (arts. 552/2, 577/1, 612, 633 e 789 CPC). Portanto, a precluso da sua alegao s ocorre quando no for possvel indicar ou requerer os meios de prova (quanto ao processo ordinrio e sumrio, arts. 508-A/2-a, 512/1 e 787 CPC) ou alterar os que anteriormente foram apresentados ou requeridos (quanto aos mesmos processos, arts. 512-A/1 e 787 CPC).13. Prevalncia da deciso de mritoO art. 265/2 CPC, estabelece que o juiz providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptveis de sanao, determinando a realizao dos actos necessrios regularizao da instncia ou, quando estiver em causa alguma modificao subjectiva da instncia, convidando as partes a pratic-los. Esta sanao oficiosa das excepes dilatrias visa diminuir, tanto quanto possvel, os casos de absolvio da instncia e favorecer, sempre que isso seja vivel, a apreciao do mrito. Segundo a doutrina tradicional, os pressupostos processuais devem ser apreciados antes do julgamento do mrito da causa. Ou seja, segundo esta orientao nunca possvel o proferimento de uma deciso de mrito antes da averiguao do preenchimento de todos os pressupostos processuais. Essa posio redunda, assim, num dogma da prioridade da apreciao dos pressupostos processuais. Na valorao crtica deste dogma devem ser consideradas duas situaes. Uma primeira refere-se aos casos em que o Tribunal, no momento em que conclui pelo no preenchimento de um pressuposto processual, ainda no pode proferir qualquer deciso sobre o mrito da causa por falta de elementos suficientes. Uma segunda situao engloba aquelas hipteses em que o Tribunal, no prprio momento em que aprecia a falta de um pressuposto processual, est em condies de julgar a aco procedente ou improcedente. Em geral, os pressupostos processuais podem realizar uma de duas funes: esses pressupostos podem destinar-se quer a assegurar o interesse pblico da boa administrao da justia, quer a garantir o interesse pblico na boa administrao de uma tutela adequada e til. A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os interesses das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente os seus interesses em juzo e no seja indevidamente incomodada com a propositura de aces inteis ou destitudas de objecto. para estas situaes que o art. 288/3, 2 parte CPC, estipula que, ainda que a excepo dilatria subsista, no dever ser proferida a absolvio da instncia quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciao, a que se conhea do mrito da causa e a deciso possa ser integralmente favorvel a essa parte. Segundo o disposto no art. 288/3 (as excepes dilatrias s subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade no for sanada, nos termos do n. 2 do artigo 265.; ainda que subsistam, no ter lugar a absolvio da instncia quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciao da excepo, a que se conhea do mrito da causa e a deciso deva ser integralmente favorvel a essa parte) CPC, o Tribunal pode pronunciar-se sobre o mrito da causa, ainda que se verifique uma excepo dilatria sanvel ou no sanvel. A aplicao do art. 288/3, 2 parte CPC, pressupe uma distino entre pressupostos processuais dispensveis e no dispensveis. O art. 288/3 CPC, refere-se aos pressupostos processuais e s excepes dilatrias, pelo que se pode perguntar se um idntico regime deve valer quanto aos pressupostos de actos processuais. A resposta deve ser negativa, porque a consequncia da falta do pressuposto do acto processual a ineficcia do acto e o Tribunal nunca pode decidir como se o acto no fosse ineficaz.

O Regime do Direito Portugus sobre a Competncia Internacional Legal14. FunoAs facilidades de deslocao de pessoas, bens e capitais potenciam o surgimento de litgios que apresentam, atravs quer das partes interessadas, quer do seu prprio objecto, conexes com vrias ordens jurdicas. Quando emerge um desses litgios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar qual o Tribunal que, no mbito das vrias ordens jurdicas envolvidas, tem competncia para o dirimir. Esta seleco incumbe s regras sobre a competncia internacional directa, s quais cabe determinar, em cada uma das jurisdies com as quais o litgio tem contacto, se os Tribunais de alguma delas so competentes para resolver o conflito. Essas regras so, por isso, verdadeiras normas de conflitos, semelhantes na funo que desempenham s regras prprias do Direito Internacional Privado.As regras relativas competncia internacional utilizam certos elementos de conexo para determinar a jurisdio nacional competente. Esses elementos podem ser, por exemplo, o domiclio de uma das partes, o lugar de cumprimento da obrigao ou o da ocorrncia do facto ilcito. Coloca-se ento o problema de saber como se procede qualificao desses elementos de conexo, sendo duas as orientaes possveis: de acordo com uma delas, esses elementos so qualificados pela lex cause, ou seja, por uma lei que determinada pelas normas de conflitos de foro.As regras sobre competncia internacional no so, consideradas em si mesmas, normas de competncia, porque no se destinam a aferir qual o Tribunal concretamente para apreciar o litgio, mas apenas a definir a jurisdio na qual se determinar, ento com o recurso a verdadeiras regras de competncia, qual o Tribunal competente para essa apreciao. Dada esta funo, as normas de competncia internacional podem ser designadas por normas de recepo, pois que visam somente facultar o julgamento de um certo litgio plurilocalizado pelos Tribunais de uma jurisdio nacional. esta a estrutura da generalidade dos critrios que constam do art. 65/1 CPC, e de muitas das regras contidas nos arts. 2 a 24 Conveno de Bruxelas e da Conveno de Lugano.15. LimitesPara orientar a escolha da jurisdio competente para resolver o conflito plurilocalizado no existem na comunidade internacional regras fixas e, menos ainda, uniformes. Apenas se pode esperar que, cada Estado actue de tal forma que os critrios definidores da sua competncia internacional possam valer simultaneamente como princpios de uma legislao universal. Quer isto dizer que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexo que considera relevantes para abrir a sua jurisdio ao julgamento de litgios plurilocalizados. Esses elementos podem ser escolhidos pela lei do Estado, mas tambm frequente que se reconhea relevncia vontade das partes nesta matria: esse o caso da competncia internacional convencional (art. 99; art. 17 Conveno de Bruxelas e da Conveno de Lugano).

Competncia internacional: direito interno16. Normas de recepoAs normas de competncia internacional servem-se de alguns elementos de conexo com a ordem jurdica nacional para atribuir competncia aos Tribunais do foro para o conhecimento de uma certa questo. As normas de conflitos que definem as condies em que os Tribunais do foro so competentes para a apreciao de um objecto que apresenta uma conexo com vrias ordens jurdicas podem designar-se por normas de recepo. essa a funo dos vrios critrios enunciados no art. 65/1 CPC (A competncia internacional dos tribunais portugueses depende da verificao de alguma das seguintes circunstncias:a) Ter o ru ou algum dos rus domiclio em territrio portugus, salvo tratando-se de aces relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imveis sitos em pas estrangeiro;b) Dever a aco ser proposta em Portugal, segundo as regras de competncia territorial estabelecidas na lei portuguesa;c) Ter sido praticado em territrio portugus o facto que serve de causa de pedir na aco, ou algum dos factos que a integram;d) No poder o direito invocado tornar-se efectivo seno por meio de aco proposta em territrio portugus, ou no ser exigvel ao autor a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litgio e a ordem jurdica nacional haja algum elemento ponderoso de conexo, pessoal ou real).Estas normas de recepo definem a competncia internacional dos Tribunais de uma certa ordem jurdica. Elas decorrem tanto da regra segundo a qual, quando, o caso em apreciao apresenta uma conexo relevante com uma ordem jurdica, os seus Tribunais devem ser competentes para a aco, como do princpio de que, perante a existncia de uma tal conexo, os Tribunais daquela ordem devem recusar a competncia internacional, pois que isso pode equivaler a uma denegao de justia. Note-se que a conexo com uma certa ordem jurdica pode ser mais fraca do que aquela que determina a aplicao do direito nacional ao caso sub iudice, porque no h qualquer paralelismo necessrio entre a atribuio da competncia internacional e a aplicao da lei material do foro.A diferena entre a competncia interna e a internacional consiste no seguinte: a competncia interna respeita s situaes que, na perspectiva da ordem jurdica portuguesa, no possuem qualquer conexo relevante com outras ordens jurdicas; a competncia internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexo com outras ordens jurdicas.As normas de recepo s determinam, atravs da referida conexo, que os Tribunais de uma jurisdio nacional so competentes para apreciar uma relao plurilocalizada. Essas normas no so normas de competncia, porque no a atribuem a um Tribunal, antes se limitam a determinar as condies em que uma jurisdio nacional faculta os seus Tribunais para a resoluo de um certo litgio com elementos internacionais. As normas de recepo preenchem, no mbito processual, uma funo paralela quela que as normas de conflitos realizam no mbito substantivo: estas determinam qual a lei aplicvel a uma relao jurdica plurilocalizada (se a lei do foro ou uma lei estrangeira); aquelas aferem se essa mesma relao pode ser apreciada pelos Tribunais de uma certa ordem jurdica.a) Necessidade:Nem sempre a circunstncia de a questo em apreciao se situar no mbito da competncia internacional (porque o objecto em apreciao uma relao jurdica plurilocalizada) implica a utilizao dos critrios especficos da competncia internacional para a atribuio de competncia aos Tribunais de uma certa ordem jurdica. Para que haja necessidade de aferir a competncia internacional dos Tribunais de um certo Estado, indispensvel que se verifique um de dois factores: que a conexo com a ordem jurdica nacional seja estabelecida atravs de um elemento que no considerado relevante por nenhuma das normas da competncia territorial e que, portanto, no possa ser atribuda competncia aos Tribunais de um certo Estado utilizando exclusivamente as regras de competncia territorial dos seus Tribunais; ou que o Estado do foro esteja vinculado, por conveno internacional, a certas regras de competncia internacional.b) Unilateralidade:As normas de recepo funcionam unilateralmente. Isto significa que essas normas se limitam a facultar os Tribunais de uma jurisdio para a resoluo de uma certa questo. Ou seja, essas normas atribuem competncia aos Tribunais de uma ordem jurdica para a resoluo de um certo litgio, mas no excluem a apreciao dessa mesma questo por um Tribunal estrangeiro.c) Previso:Quando a aco apresenta uma conexo objectiva, relativa ao objecto do processo, ou subjectiva, referida s partes em causa, com uma ou vrias ordens jurdicas estrangeiras, pode ser necessrio determinar a competncia internacional dos Tribunais portugueses. Essa aferio deve restringir-se s situaes em que os Tribunais portugueses no so competentes segundo as regras da competncia interna, pois que, como se verificou, s importa averiguar a competncia internacional quando os Tribunais de uma certa ordem jurdica no sejam competentes para apreciar uma relao jurdica plurilocalizada segundo as suas regras de competncia territorial. Essa a funo dos critrios constantes do art. 65/1 CPC.A competncia legal internacional dos Tribunais portugueses determinada, segundo uma ordem decrescente de aplicao pratica, pelos critrios da exclusividade (art. 65/1-b CPC), do domiclio do ru (art. 65/1-a CPC), da causalidade (art. 65/1-c CPC) e a necessidade (art. 65/1-d CPC).17. Critrio da exclusividadeSegundo o critrio da exclusividade, a aco deve ser proposta em Portugal quando os Tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciao da causa (arts. 65/1-b, 65-A CPC). A competncia internacional resulta, assim, da coincidncia com as regras de competncia exclusiva constantes do art. 65-A CPC.Esta competncia exclusiva manifestao da proteco de determinados interesses atravs de uma reserva de jurisdio e, portanto, de soberania. Nesse sentido, ela semelhante reserva de ordem pblica do Estado do reconhecimento no processo de reviso de sentenas estrangeiras (art. 1096-f CPC).O art. 65-A estabelece a competncia exclusiva dos Tribunais portugueses para as seguintes situaes: a) No caso de aces relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imveis sitos em territrio portugus;b) Para os processos especiais de recuperao da empresa e de falncia, relativamente a pessoas domiciliadas em Portugal ou a pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em territrio portugus;c) Para as aces referentes apreciao da validade do acto constitutivo ou ao decretamento da dissoluo de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua sede em territrio portugus, bem como para as destinadas a apreciar a validade das deliberaes dos respectivos rgos;d) Para as aces que tenham como objecto principal a apreciao da validade da inscrio em registos pblicos de quaisquer direitos sujeitos a registo em Portugal.A relevncia prtica da competncia exclusiva dos Tribunais portugueses reside no seguinte: como, nessa hiptese, a jurisdio portuguesa no aceita a competncia de nenhuma outra jurisdio para apreciar a aco, nenhuma deciso proferida numa jurisdio para apreciar a aco, nenhuma deciso proferida numa jurisdio estrangeira pode preencher as condies para ser ou se tornar eficaz na ordem jurdica portuguesa.Uma sentena proferida por um Tribunal estrangeiro no , em princpio, imediatamente eficaz na ordem jurdica portuguesa; para que se lhe conceda essa eficcia necessria a sua reviso e confirmao, nos termos e nas condies do correspondente processo de reviso de sentenas estrangeiras (arts. 1094 a 1102 CPC). Ora, do elenco dos requisitos enunciados pelo art. 1096 CPC, para a concesso do exequatur sentena estrangeira consta que essa deciso s pode ser confirmada pelo Tribunal portugus (que uma das Relaes, art. 1095 CPC) se provier de Tribunal seja competncia no ofenda a competncia exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 1096-c CPC in fine).18. Critrio do domiclio do ruSegundo o critrio do domiclio do ru, a aco pode ser proposta nos Tribunais portugueses quando o ru ou algum dos rus tenha domiclio em territrio portugus, salvo tratando-se de aces relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imveis sitos em pas estrangeiro (art. 65/1-a CPC).Como a competncia internacional s deve ser apreciada se da aplicao das regras da competncia territorial no resultar a atribuio de competncia a um Tribunal portugus, o critrio do domiclio do demandado (art. 65/1-a CPC) s pode ser aplicado quando os Tribunais portugueses no forem competentes segundo aquelas regras.Os critrios territoriais podem ser especiais (arts. 73 a 84 e 89 CPC) ou gerais (arts. 85 a 87 CPC): o critrio geral o domiclio do demandado (arts. 85/1, 86/2 CPC) ou dos demandados (art. 87/1 CPC). Assim, se aco for aplicvel o critrio territorial geral e se da sua aplicao resultar a atribuio de competncia a um Tribunal portugus, est determinado, sem necessidade de aplicao do critrio do domiclio do ru, o Tribunal que territorial e internacionalmente competente. Se, pelo contrrio, a aplicao desse critrio de competncia interna no a conceder a um Tribunal portugus (porque o ru no tem domiclio em Portugal), essa competncia tambm nunca poder resultar do critrio de competncia internacional do domiclio do demandado (art. 65/1-a CPC).Quando a causa se inclui no mbito do critrio territorial geral, a competncia internacional nunca pode ser determinada pelo critrio do domiclio do demandado, seja porque aplicao daquele critrio territorial torna dispensvel a aferio da competncia internacional, seja porque, quando impossvel empregar o critrio territorial, tambm impossvel aplicar aquele critrio de competncia internacional.Se o objecto da aco fizer funcionar um dos critrios territoriais especiais, tambm aqui so viveis duas situaes. Se da aplicao de um desses critrios resulta a atribuio de competncia a um Tribunal portugus, no importa averiguar a competncia internacional deste Tribunal segundo nenhum dos critrios enunciados no art. 65/1 CPC. Se, pelo contrrio, situao concreta for aplicvel um critrio especial, mas da sua aplicao no resultar a atribuio de competncia a um Tribunal portugus, justifica-se aferir a competncia internacional dos Tribunais portugueses pelo critrio do domiclio do demandado (art. 65/1-a CPC).O critrio da competncia internacional do domiclio do demandado (art. 65/1-a CPC) nunca aplicvel quando o seja o critrio territorial de domiclio do ru e tambm no pode ser aplicado quando um critrio territorial especial atribua competncia a um Tribunal portugus. Em concluso: o critrio de domiclio do demandado (art. 65/1-a CPC) s pode ser usado quando ao caso concreto for aplicvel um critrio territorial especial e da aplicao deste no resultar a atribuio de competncia a um Tribunal portugus.A competncia exclusiva que o art. 65/1-a CPC, estabelece como limite determinao da competncia segundo o critrio do domiclio do demandado no pode operar no mbito de aplicao material das Conveno de Bruxelas e de Conveno de Lugano: nesta situao, a nica competncia exclusiva relevante aquela que se encontra definida no art. 16 Conveno de Bruxelas e de Conveno de Lugano.O art. 65/2 CPC, estabelece que, para efeitos da aplicao do critrio do domiclio do demandado, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja a sede estatutria ou efectiva se localize em territrio portugus ou que aqui tenha sucursal, agncia, filial ou delegao.19. Critrio da causalidadeSegundo este critrio, a aco pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir, ou algum dos factos que a constituem, tiver sido praticado em territrio portugus (art. 65/1-c CPC). Assim, por exemplo, os Tribunais portugueses so internacionalmente competentes quando, apesar de o facto ilcito ter ocorrido no estrangeiro, parte dos danos se produziram em Portugal (RC 23/10/1990, CJ 90/4, 83) ou o contrato de seguro foi celebrado em territrio portugus (Assentos/Supremo Tribunal de Justia 6/94, 30/3 = BMJ 434, 61).20. Critrio da necessidadeSegundo este critrio, a aco pode ser instaurada nos Tribunais portugueses quando uma situao jurdica, que apresenta uma ponderosa conexo, pessoal ou real, com o territrio portugus, s possa ser reconhecida em aco proposta nos Tribunais nacionais (art. 65/1-d CPC). Com esse critrio procura-se obstar denegao de justia decorrente da impossibilidade de encontrar um Tribunal competente para a apreciao da aco: verifica-se ento um reenvio da competncia aos Tribunais portugueses.O critrio da necessidade abarca no s a impossibilidade jurdica, por inexistncia de Tribunal competente para dirimir o litgio em face das regras de competncia internacional das diversas ordens jurdicas com as quais ele apresenta uma conexo relevante, mas tambm a impossibilidade prtica, derivada de factos anmalos impeditivos do funcionamento da jurisdio competente.21. Tribunal territorialmente competentePara analisar qual o Tribunal territorialmente competente quando os Tribunais portugueses so internacionalmente competentes segundo o critrio da exclusividade (art. 65/1-b CPC), h que considerar cada uma das situaes previstas no art. 65-A. Exceptua-se desta anlise a hipteses prevista no art. 65-A-a CPC, porque, ela sempre afastada pelo regime constante do art. 16/1 Conveno de Bruxelas e de Conveno de Lugano.O critrio do domiclio do demandado (art. 65/1-a CPC) s susceptvel de ser usado quando ao caso concreto for aplicvel um critrio territorial especial (arts. 73 a 84 e 89 CPC) e da aplicao deste no resultar a atribuio de competncia a um Tribunal portugus.Se os Tribunais portugueses forem internacionalmente competentes pelo critrio da causalidade ou da necessidade, tambm h que averiguar qual dos Tribunais portugueses o territorialmente competente. Para a determinao deste Tribunal s podem ser utilizados critrios aos quais no possa ser concedida a dupla funcionalidade caracterstica das normas sobre a competncia territorial, porque, de outro modo, a competncia internacional dos Tribunais portugueses j teria decorrido dessa competncia territorial. Est nessas condies o art. 85/3 (Se o ru tiver o domiclio e a residncia em pas estrangeiro, ser demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; no se encontrando em territrio portugus, ser demandado no do domiclio do autor, e, quando este domiclio for em pas estrangeiro, ser competente para a causa o tribunal de Lisboa) CPC.Assim, se o ru tiver domiclio e residncia em pas estrangeiro mas se encontrar em territrio portugus, territorialmente competente o Tribunal do local em que se encontrar em Portugal (art. 85/3, 1 parte CPC).Se o ru tiver domiclio e residncia em pas estrangeiro e no se encontrar em territrio portugus, territorialmente competente o Tribunal do domiclio do autor (art. 85/3, 2 parte CPC).Se o ru tiver domiclio e residncia em pas estrangeiro e no se encontrar em territrio portugus e se o autor tambm tiver domiclio em territrio estrangeiro, territorialmente competente o Tribunal de Lisboa (art. 85/3 in fine CPC).

Competncia convencional: direito interno22. Pactos de competnciaA competncia interna determinada atravs de um pacto de competncia (pactum de foro prorrogando). Em regra, o pacto de competncia refere-se a uma questo que no apresenta qualquer conexo com outras ordens jurdicas, mas isto no significa que no haja pactos de competncia referidos a relaes jurdicas plurilocalizadas.O pacto de competncia s pode incidir sobre a competncia em razo do valor e do territrio (art. 100/1 CPC).O pacto de competncia s vlido se acompanhar a forma de contrato substantivo, se este for normal, ou se tiver a forma escrita, se aquele for consensual (art. 100/2 CPC). Mas considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documentos assinados pelas partes ou o resultante de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicao de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma clusula de remisso para algum documento em que ele esteja contido (arts. 110/2, 1 parte, e 99/4 CPC). Alm disso, o pacto de competncia deve designar as questes submetidas apreciao do Tribunal e o critrio de determinao do Tribunal ao qual atribuda a competncia (art. 100/2, 2 parte CPC).O pacto de competncia contm implicitamente uma renncia antecipada isto , anterior propositura da aco arguio da excepo de incompetncia relativa (art. 108 CPC), pois que atribuda competncia territorial a um Tribunal que, sem esse contrato processual, no seria competente. Essa renncia exige, como requisito ad substantiam, a forma escrita (art. 100/2, 1 parte CPC), pois que condiciona as possibilidades de defesa do ru na aco proposta naquele Tribunal e, concretamente, exclui a invocao da excepo de incompetncia relativa.A competncia convencional interna vinculada para as partes (art. 100/3 CPC), pelo que a sua infraco determina a incompetncia relativa do Tribunal onde a aco foi indevidamente proposta (art. 108 CPC).23. Pactos de jurisdioA competncia convencional internacional pode ser determinada atravs de um pacto de jurisdio (art. 99/1 CPC). Esse pacto pode ser, quando considerado pela perspectiva da ordem jurdica portuguesa, atributivo ou privativo. O pacto atributivo, quando concede competncia a um Tribunal ou a vrios Tribunais portugueses; a competncia atribuda pode ser concorrente ou exclusiva.O pacto privativo, quando retira competncia a um ou a vrios Tribunais portugueses e a atribui em exclusivo a um ou vrios Tribunais estrangeiros (art. 99/2 CPC).Como o carcter atributivo ou privativo do pacto de jurisdio definido em relao ordem jurdica portuguesa, a validade de um desses pactos no vinculativa para os Tribunais de ordens jurdicas estrangeiras.O pacto de jurisdio s pode incidir sobre situaes subjectivas disponveis (art. 99/3-a CPC). Esta condio suficiente para possibilitar a celebrao de um pacto de jurisdio sobre a generalidade das situaes patrimoniais.O pacto de jurisdio s vlido se for justificado por um interesse srio de ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste ltimo caso, no envolva inconveniente grave para a outra (art. 99/3-c CPC). Este requisito destina-se essencialmente a salvaguardar a posio da parte mais fraca.O pacto de jurisdio no pode ofender a competncia exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99/3-a CPC); sobre esta competncia, art. 65-A CPC, isto , o pacto no pode privar os Tribunais portugueses da sua competncia exclusiva.Se as partes, atravs de uma conveno de arbitragem (art. 1 Lei da Arbitragem Voluntria lei 31/86, de 29/8), atriburem competncia para o julgamento de certo litgio ou questo emergente de uma relao jurdica plurilocalizada a um Tribunal Arbitral (funcionando em territrio portugus ou no estrangeiro), igualmente aplicvel a esse negcio o requisito respeitante observncia da competncia exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99/3-d CPC).O pacto deve mencionar expressamente a jurisdio competente (art. 99/3-e in fine CPC). A designao do Tribunal competente (pertencente ordem jurdica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal especfico. Mas essa indicao tambm pode ser realizada indirectamente atravs de uma remisso para o Tribunal que for competente segundo as regras de competncia vigentes na jurisdio designada: nessa hiptese, as partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdio.O pacto de jurisdio s vlido se constar de acordo escrito ou confirmado por escrito (art. 9/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicao de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma clusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99/4 CPC).Como a incompetncia absoluta decorrente da infraco das regras da competncia internacional uma excepo dilatria que o Tribunal aprecia oficiosamente (arts. 102/1, 494-a, 495 CPC), no configurvel a celebrao tcita de um pacto atributivo de jurisdio pela precluso da invocao daquela excepo num processo pendente.Modalidades de incompetncia24. EnunciadoA incompetncia a insusceptibilidade de um Tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstncia de os critrios determinativos da competncia no lhe concederem a medida de jurisdio suficiente para essa apreciao. Infere-se da lei a existncia de trs tipos de incompetncia jurisdicional: a incompetncia absoluta, a incompetncia relativa e a preterio de Tribunal Arbitral.25. Incompetncia absolutaSegundo o disposto no art. 101 (A infraco das regras de competncia em razo da matria e da hierarquia e das regras de competncia internacional, salvo quando haja mera violao dum pacto privativo de jurisdio, determina a incompetncia absoluta do tribunal) CPC, a incompetncia absoluta provm da infraco das regras da competncia internacional legal (arts. 65 e 65-A CPC) e da competncia interna material (arts. 66, 67 CPC; art. 46 LOTJ Lei Orgnica dos Tribunais Judiciais) e hierrquica (arts. 70, 71, 72 CPC). A incompetncia absoluta referida no art. 101 CPC, , naturalmente, apenas aquela que se verifica no mbito do processo civil.A incompetncia internacional resulta da impossibilidade de incluir a relao jurdica plurilocalizada na previso de uma das normas de recepo do art. 65. A incompetncia hierrquica verifica-se se a aco instaurada num Tribunal de 1 instncia quando o devia ter sido na Relao ou no Supremo, ou vice-versa. Finalmente, a incompetncia material decorre da propositura no Tribunal comum de uma aco da competncia dos Tribunais especiais ou da instaurao de uma aco num Tribunal de competncia especializada incompetente.A incompetncia absoluta resultante da infraco da competncia material decorrente da circunstncia de a aco ter sido instaurada num Tribunal judicial quando o deveria ter sido perante um outro Tribunal judicial at ao despacho saneador ou, se este no tiver lugar, at ao incio da audincia final (art. 102/2 CPC).A incompetncia material que resulta do facto de a aco ter sido proposta num Tribunal judicial quando o deveria ser num Tribunal no judicial pode ser arguida pelas partes e conhecida oficiosamente pelo Tribunal at ao trnsito em julgado da deciso de mrito (art. 102/1 CPC).Se houver despacho de citao (art. 234/4 CPC), a incompetncia absoluta deve ser conhecida oficiosamente no despacho limiar (arts. 105/1, 234-A/1 CPC). O conhecimento oficioso da incompetncia absoluta realizado, em regra, no despacho saneador (arts. 510/1-a, 494-a CPC).O conhecimento da incompetncia absoluta no momento do despacho de citao determina o indeferimento limiar da petio inicial (arts. 105/1, 234-A/1 CPC); se for apreciada em momento posterior, essa incompetncia conduz absolvio do ru da instncia (arts. 105/1, 288/1-a, 494-a, 493/2 CPC).26. Incompetncia relativaO art. 108 (A infraco das regras de competncia fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicvel, na diviso judicial do territrio ou decorrentes do estipulado nas convenes previstas nos artigos 99 e 100, determina a incompetncia relativa do tribunal) CPC, enuncia as situaes que originam a incompetncia relativa: esta incompetncia resulta da infraco das regras da competncia fundadas no valor da causa (art. 68 CPC; arts. 47 e 49 LOTJ), na forma do processo aplicvel (art. 68 CPC; art. 48 LOTJ), na diviso judicial do territrio (arts. 73 a 95 CPC) ou decorrentes de um pacto de competncia ou de jurisdio (arts. 99 e 100 CPC).Note-se que a violao das regras de competncia territorial pode verificar-se no s na competncia interna, quando so infringidas as regras que definem, de entre os vrios Tribunais, qual o territorialmente competente, mas tambm na competncia internacional.Perante os Tribunais portugueses apenas pode relevar, quanto competncia internacional directa, a infraco de um pacto privativo de jurisdio. Esta violao verifica-se quando, apesar de as partes terem estipulado a competncia exclusiva de um Tribunal estrangeiro para apreciar certa questo, a aco vem a ser proposta num Tribunal portugus.Confirmando a disponibilidade das partes sobre a competncia relativa (art. 100 CPC), a correspondente incompetncia no , em princpio, de conhecimento oficioso (art. 495 CPC). Neste caso, a incompetncia pode ser arguida pelo ru no prazo de contestao (art. 109/1; arts. 486/1, 783, 794/1 CPC). O autor pode responder no articulado subsequente ou, no havendo lugar a este, em articulado prprio, a apresentar nos 10 dias seguintes notificao da entrega do articulado do ru (art. 109/2 CPC). Conjuntamente com a alegao da incompetncia relativa, as partes devem apresentar as respectivas provas (art. 109/3 CPC). Produzidas estas, o Tribunal decide qual o Tribunal competente para a aco (art. 111/1 CPC).So vrias as situaes em que a incompetncia relativa de conhecimento oficioso. o que sucede, nos termos do art. 110/1-a CPC, nas aces relativas a direitos reais sobre imveis, a responsabilidade civil extra-contratual e naquelas em que seja parte o juiz, seu cnjuge ou certas partes, nos processos de recuperao da empresa e de falncia, nos procedimentos cautelares e diligncias antecipadas, na determinao do Tribunal ad quem, bem como na aco executiva fundada em sentena proferida por Tribunais portugueses e nas aces executivas para a entrega de coisa certa ou por dvida com garantia real.A incompetncia relativa tambm de conhecimento oficioso quando decorra da infraco das regras da competncia respeitantes forma do processo ou do valor da causa (art. 110/2 CPC), ou seja, do disposto nos arts. 48 e 49 LOTJ. Como a competncia em razo do valor da causa (art. 49 LOTJ) se reflecte na competncia do Tribunal de crculo (art. 81 LOTJ) e do Tribunal singular (art. 83 LOTJ), o art. 110/2 (a incompetncia em razo do valor da causa ou da forma de processo aplicvel sempre do conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a aco em que se suscite) CPC, engloba igualmente a violao da competncia destes Tribunais.Finalmente, a incompetncia relativa deve ser apreciada oficiosamente nos processos em que no se verifique a citao do demandado ou requerido (art. 110/1-b CPC), ou seja, nos processos que no constam da lista do art. 234/4 CPC, e nas causas que, por lei, devam correr como dependncia de outro processo (art. 110/1-c CPC), como sucede, por exemplo, com o incidente de habilitao (art. 372/2 CPC).A deciso de procedncia sobre a incompetncia relativa determina, em regra, a remessa do processo para o Tribunal competente (art. 111/3 CPC). Exceptua-se a hiptese de a incompetncia resultar da violao de um pacto privativo de jurisdio, dado que o Tribunal portugus no pode enviar o processo para o Tribunal estrangeiro competente: neste caso, a consequncia desta excepo dilatria, no podendo ser a referida remessa, a absolvio do ru da instncia (art. 111/3 in fine CPC).27. Preterio de Tribunal ArbitralA preterio de Tribunal Arbitral resulta da infraco da competncia de um Tribunal Arbitral que tem competncia exclusiva para apreciar um determinado objecto. A preterio pode verificar-se quando um Tribunal Arbitral necessrio, quando for proposta num Tribunal comum uma aco que pertence competncia de um Tribunal Arbitral imposto por lei (art. 1525 - se o julgamento Arbitral for prescrito por lei especial, atender-se- ao que nesta estiver determinado. Na falta de determinao, observar-se- o disposto nos artigos seguintes CPC), ou quando a um Tribunal Arbitral voluntrio, quando for instaurada num Tribunal comum uma aco que devia ter sido proposta num Tribunal Arbitral convencionado pelas partes (art. 1 LAV).Questes relativas s partesPersonalidade judiciria28. NooA personalidade judiciria a susceptibilidade de ser parte processual (art. 5/1 CPC). S pode ser parte processual quem tiver personalidade jurdica.29. Critrios atributivosA personalidade judiciria atribuda em funo do critrio da coincidncia, da diferenciao patrimonial, da afectao do acto e da proteco de terceiros.a) Critrio da coincidncia:A personalidade judiciria concedida a todas as pessoas jurdicas, singulares ou colectivas (art. 5/2 CPC). Assim, todo o ente juridicamente personalizado tem igualmente personalidade judiciria, activa ou passiva.Relativamente a estrangeiros, h que considerar o art. 26/1 CC, segundo o qual o incio e o termo da personalidade judiciria so fixados pela lei pessoal de cada indivduo, que a lei da sua nacionalidade (art. 31/1 CC) ou, se o indivduo for aptrida, a lei do lugar onde ele tiver a sua residncia habitual ou, se for menor ou interdito, o seu domiclio legal (art. 32/1 CC). Quanto s pessoas colectivas (excepto sociedade comerciais), a sua lei pessoal a do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administrao (art. 33/1 CC) ou, se for uma pessoa colectiva internacional, a designada na conveno que a criou ou nos respectivos estatutos ou, na sua falta, a do pas onde estiver a sede principal (art. 34 CC). As sociedades comerciais tm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal e efectiva da sua administrao (art. 3/1, 1 parte. CSC).b) Critrio da diferenciao patrimonial:A personalidade judiciria atribuda a determinados patrimnios autnomos (art. 6 CPC):a) A herana jacente e os patrimnios autnomos semelhantes cujo titular no estiver determinado;b) As associaes sem personalidade jurdica e as comisses especiais;c) As sociedades civis;d) As sociedades comerciais, at data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, nos termos do artigo 5 do Cdigo das Sociedades Comerciais;e) O condomnio resultante da propriedade horizontal, relativamente s aces que se inserem no mbito dos poderes do administrador.f) Os navios, nos casos previstos em legislao especial.Em certos casos, alm do patrimnio autnomo, podem ser demandadas outras partes. A enumerao constante no art. 6 CPC, no deve ser considerada taxativa. No se deve excluir que outros patrimnios autnomos tambm possam ter personalidade judiciria: o caso, por exemplo, do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, regulado pelo DL 248/86, de 25/8.c) Critrio da afectao do acto:Tm personalidade judiciria as sucursais, agncias, filiais, delegaes ou representaes de uma pessoa colectiva relativamente a actos que por elas tenham sido praticados (art. 7/1 CPC). Quer dizer: quem praticou o acto pode igualmente estar em juzo quanto aco que o tenha por objecto ou fundamento.30. Falta de personalidade judiciriaQuando a aco foi indevidamente instaurada pela ou contra a sucursal, agencia, filial, delegao ou representao, a falta da sua personalidade judiciria sanvel mediante a ratificao ou repetio pela administrao principal dos actos praticados por aquelas entidades (art. 8 - a falta de personalidade judiciria das sucursais, agncias, filiais, delegaes ou representaes pode ser sanada mediante a interveno da administrao principal e a ratificao ou repetio do processado CPC).Quando a aco foi proposta pelo representante de uma parte falecida ou contra uma parte falecida, esta falta de personalidade judiciria cessa com a habilitao dos sucessores (art. 371 CPC) ou da herana jacente (art. 6-a CPC).A falta no sanada de personalidade judiciria uma excepo dilatria nominada (art. 494-c CPC) que de conhecimento oficioso (art. 495 CPC). Os seus efeitos so os seguintes:- Se houver despacho de citao (art. 234/4 CPC) e se essa excepo for sanvel (art. 8 CPC), ela justifica o indeferimento liminar da petio inicial (art. 234-A/1 CPC);- Se a falta de personalidade judiciria for conhecida no despacho saneador, ela conduz absolvio do ru da instncia (arts. 494-c, 493/2, 288/1-c CPC), mas, quando ela for sanvel (art. 8 CPC), o Tribunal deve procurar, antes de proferir qualquer absolvio da instncia, que a administrao principal realize essa sanao (art. 265/2 CPC).

Capacidade judiciria31. NooA capacidade judiciria a susceptibilidade de a parte estar pessoal e livremente em juzo ou de se fazer representar por representante voluntrio (art. 9/1 a capacidade judiciria consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juzo CPC). Assim, no possuem capacidade judiciria quer os que podem intervir pessoal mas no livremente (os inabilitados), quer os que no podem actuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os inabilitados).32. AferioA capacidade judiciria aferida pela capacidade de exerccio para a produo dos efeitos decorrentes da aco pendente (art. 9/2 a capacidade judiciria tem por base e por medida a capacidade do exerccio de direitos CPC). O que revela para essa aferio a capacidade de exerccio quanto a esses efeitos e no quanto prtica do acto que constitui ou integra o objecto do processo.Exceptuam-se do mbito da incapacidade judiciria os actos que o incapaz pode excepcionalmente praticar pessoal e livremente (art. 10/1 in fine os incapazes s podem estar em juzo por intermdio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente CPC).A capacidade judiciria dos estrangeiros e aptridas (que depende, da sua capacidade de exerccio, art. 9/2 CPC) determina-se pela sua lei pessoal (art. 25 CC). Essa lei a da sua nacionalidade (art. 31/1 CC) ou, no caso dos aptridas, a do lugar onde tiverem a residncia habitual ou, na hiptese da sua menoridade ou interdio, a do domiclio legal (art. 32/1 CC).33. Meios de suprimentoA incapacidade judiciria suprida mediante assistncia e representao (art. 10/1 os incapazes s podem estar em juzo por intermdio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente CPC). A assistncia por curador supre a incapacidade dos inabilitados (art. 153/1 CC): a autorizao do curador necessria para os actos praticados pelo inabilitado quando seja parte activa ou passiva, embora, como o inabilitado pode estar pessoalmente em juzo, ele possa intervir em qualquer aco e deva ser citado quando seja ru (art. 13/1 os inabilitados podem intervir em todas as aces em que sejam partes e devem ser citados quando tiverem a posio de rus, sob pena de se verificar a nulidade correspondente falta de citao, ainda que tenha sido citado o curador CPC).A representao legal do menor cabe aos progenitores (arts. 124 e 1877 CC), ao tutor (arts. 124 e 1921/1 CC) ou ao administrador de bens (art. 192