primeiro relatorio clinico
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Martha Mariana deMartha Mariana de Almeida SantosAlmeida SantosMatrícula: 99/57.707Matrícula: 99/57.707
PrimeiroPrimeiroRelatórioRelatório ClínicoClínico
Relatório clínicoRelatório clínico apresentado àapresentado à disciplina de Clínicadisciplina de Clínica Médica I da FaculdadeMédica I da Faculdade de Medicina dade Medicina da Universidade deUniversidade de BrasíliaBrasília
Brasília – DFBrasília – DFFevereiro de 2.002Fevereiro de 2.002
IDENTIFICAÇÃO:Manoel Batista da Silva, masculino, 44 anos, pardo, casado,
piscineiro, natural de Santa Luz – PI , residente e procedente
do Varjão, residente no DF há 22 anos.
Internado em 11/01/02 (SPA). Leito: 212-01. Acompanhado
de 15/01/02 a 29/01/02. Registro: 271566.
QUEIXA PRINCIPAL:
“Tontura” há 30 minutos.
HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL:
Refere o paciente que há aproximadamente 30 minutos
apresentou quadro súbito de vertigem objetiva, evoluindo
rapidamente com paralisia e parestesia do hemicorpo direito,
desvio da comissura labial para esquerda e disartria. Procurou
atendimento no SPA do HUB (11/01/02 – 20h05).
Durante a internação, seguiu com melhora completa dos
sintomas após uma hora (20h30), e com mais três
intercorrências transitórias das mesmas manifestações nas sete
horas posteriores. Desde a última intercorrência, (12/01/02 –
04h00) não apresentou mais recuperação do quadro
neurológico, se apresentando finalmente com hemiplegia
direita, paralisia facial central direita, parestesias em dimídio
direito e disartria. Associada, cefaléia frontal bilateral contínua,
intensa, em peso, sem outras associações.
Teve diagnóstico de HAS há um mês, e vem utilizando
medicação ignorada. Refere medida de PA normal há oito
meses.
Nega convulsões, náuseas, vômitos, alterações visuais,
comprometimento do nível de consciência, alterações da
diurese e do ritmo intestinal, febre, calafrios, sudorese, astenia
e alterações do peso corporal.
ANTECEDENTES:
Ex-tabagista parado há 14 anos, consumidor de 5 a 10
cigarros industriais/dia por 20 anos (5 a 10 maços/ano).
Etilista crônico durante 30 anos, consumindo cerca de 1 L
destilados/dia, parado há um mês.
Alimentação regular, nega atividade física regular.
Epidemiologia positiva para Doença de Chagas e negativa
para Esquistossomose.
Nega DM e outras doenças.
Pai hipertenso, falecido por AVC. Irmão com DM tipo 2.
Nega cirurgias, alergias e hemotransfusões.
REVISÃO DOS SISTEMAS
Nada digno de nota.
EXAME FÍSICO DA ADMISSÃO:
Ectoscopia: BEG, corado, hidratado.
Sinais Vitais: Pressão Arterial: 180 x 110 mmHg;
Freqüência Cardíaca de 96 bpm.
ACV: RCT, 2 T, BNF, sem sopros
AR: MVF, sem RA
Abdome: Semigloboso, flácido, indolor. Sem
viceromegalias, RHA presentes.
Neuro: Hemiparesia à direita, diminuição da
sensibilidade à direita, desvio da comissura labial para a
esquerda, apagamento do sulco nasolabial à direita,
hiperrreflexia profunda generalizada à direita. Pupilas
isocóricas e fotorreagentes. Ausência de sinais meníngeos,
bom nível de consciência.
EXAME FÍSICO DA TRANSFERÊNCIA PARA A
ENFERMARIA (15/01)
Ectoscopia: bom estado geral, normocorado, hidratado,
eupnéico, acianótico, anictérico, afebril. Fácies de
paralisia facial central, dificuldade de articulação da fala,
lúcido e orientado no tempo e no espaço.
Sinais Vitais: Temperatura axilar de 36,5ºC; Freqüência
Respiratória de 16 irpm; Pressão Arterial de 150 x 100
mmHg; Freqüência Cardíaca de 85 bpm.
Exame cardiovascular:
Inspeção e palpação: precórdio calmo, tórax atípico.
Ausência de abaulamentos, retrações, pulsações visíveis
ou palpáveis e frêmitos. Ictus cordis invisível e
impalpável.
Ausculta: ritmo cardíaco regular em 2 tempos, bulhas
normofonéticas, sem sopros.
Sistema arterial: pulsos palpáveis e simétricos. Pulso
radial atípico, rítmico, com freqüência de 85 bpm,
ausência déficit de pulso, amplitude, tensão e forma
normais. Ausência de frêmitos ou sopros arteriais.
Ausência de sinais periféricos de insuficiência aórtica.
Sistema venoso: ausência de turgência jugular a 45º.
Pulso venoso não visível. Ausência sinais de hipertensão
venosa central, insuficiência venosa periférica e TVP.
Exame do aparelho respiratório:
Inspeção: tórax atípico, de conformação e simetria
preservados. Ausência de abaulamentos e retrações.
Paciente eupnéico, com freqüência respiratória de 16
irpm, tipo respiratório abdominal, ritmo e expansibilidade
preservados.
Ausculta: murmúrio vesicular fisiológico, sem ruídos
adventícios.
Exame do abdome:
Inspeção estática: abdome semi-globoso, obeso.
Ausência de cicatrizes cirúrgicas, circulação colateral
anormal, pulsações e movimentos peristálticos visíveis na
parede abdominal.
Palpação superficial: abdome normotenso, sem
hiperestesia à palpação. Ausência de edema ou enfisema
subcutâneo, massas palpáveis e diástase de músculo reto
abdominal.
Palpação profunda: ausência de hiperestesia e de
massas palpáveis. Não palpei visceromegalias. Fígado
impalpável na borda costal direita. Baço e rins
impalpáveis.
Percussão: timpanismo difuso. Traube livre. Ausência de
sinais de ascite.
Ausculta: presença de ruídos hidroaéreos normoativos.
Extremidades:
Inspeção: bem perfundidas, sem edema.
Palpação: ausência de sinais de TVP.
Exame neurológico:
Pares cranianos: Paralisia facial central direita.
Ausência de nistagmo. Pupilas simétricas e
fotorreagentes.
Motricidade em Membros: hemiplegia flácida à direita,
hiperreflexia em dimídio direito, coordenação preservada
à esquerda. Sinal de Babinski à direita, cutâneo-plantar
em flexão à esquerda.
Sensibilidade de Membros: hipoestesia em dimídio
direito, que em alguns momentos se apresenta como
disestesia. Sensibilidade normal à esquerda.
Sinais de irritação meníngea: ausentes.
Funções corticais superiores: disartria. Praxia e gnosia
preservadas.
EVOLUÇÃO
12/01/02:
Mantém-se a HMA. Prescrição:
1) Dieta oral hipossódica
2) Heparina (5000 UI/ml), sendo 1,2 ml diluídos em 120 ml
SF 0,9%, IV. Correr em bomba de infusão contínuamente
a 28 ml/h.
3) Captopril 25 mg, 1 cp VO às 10 e às 22h.
4) Dipirona 2 ml IV, diluída e lenta. SOS, 6/6h, em caso de
dor ou febre.
5) Plasil, 01 ampola IV, diluído e lento. SOS, 6/6h, em caso
de vômitos.
6) Medir PA RIGOROSAMENTE 4/4h.
7) Chamar plantonista se: PAS > 180 e/ou PAD < 120 OU se
PAD < 130 e/ou PAD < 90 mmHg.
8) Observar sangramentos.
9) Cabeceira do leito elevada a 30º.
10) Sinais vitais regulares.
13/01/02
Paciente sem alterações. Tomografia de crânio realizada
na admissão (cerca de 12 horas após instalação do déficit
neurológico), não evidenciou achados compatíveis com
isquemia. A PA permaneceu alta (entre 150x90 e 160x110).
Colhido TTPa (= 50s, INR = 1,37) e TAP = 63%. Prescrição:
Mantida
14/01/02
Paciente sem alterações. Manteve-se com a PA controlada
(entre 140x90 e 150x90). Prescrição: Acrescentado preparo
farmacológico para Tomografia
1) Dieta oral zero
2) Polaramine 2 mg, 1 cp VO às 8 e as 14 h
3) Ranitidina 150 mg, 1 cp VO às 8 e as 14 h.
4) Acesso venoso com jelco 18 no MSE
15/02/02
Paciente sem alterações. Manteve-se com a PA controlada
(100x80 a 140x100). Realizada tomografia de crânio: “Aspecto
compatível com AVC isquêmico no território dos ramos
perfurantes da artéria coróidea anterior esquerda, que nutrem
o braço posterior à esquerda da cápsula interna e parte do
tálamo adjacente. Pequena lesão no lobo temporal direito
(Hematoma em absorção? Angioma cavernoso?)”. Prescrição:
Mantida. Suspenso preparo para Tomografia. Transferência do
paciente para a enfermaria (212-01).
16/02/02
Paciente sem alterações. PA mantida em 140x100 mmHg.
Prescrição: Mantida. Solicitada fisioterapia motora.
17/02/02
Diagnosticada pitiríase versicolor. Ao final do dia,
apresentou quadro de febre, variando entre 38 a 39º.
Prescrição: Iniciados:
1) Cetononazol creme – Aplicar nas lesões do tórax 1x/dia,
após higiene.
2) Femprocumona (Marcoumar®) 3 mg, 1 cp VO, pela
manhã
3) Substituída dieta hipossódica, laxativa por hipossódica,
laxativa, hipograxa.
18/01/02
PA controlada. Persiste quadro de febre com medidas
entre 37,3 a 39º C. O paciente passou a referir crises
esternutatórias e obstrução nasal, associados a mialgia e
cefaléia ocasional em peso/pontada, hiporexia e insônia.
Foram levantadas as hipóteses de pneumonia e sinusite.
Para confirmá-las, solicitou-se Rx-SAF (R: Velamento de seios
frontais?), Rx-tórax (R: Normal), colhidas hemocultura e
hemograma, EAS, urocultura. Solicitados angiotomografia de
carótidas e vertebrais, TTPa e TAP. Pela clínica apresentada,
fechou-se o diagnóstico de sinusopatia e prescritos:
1) Paracetamol 750 mg, 1 cp VO, SOS 6/6h, intercalado com
a dipirona já prescrita.
2) Amoxacilina + Ácido clavulâmico 500 mg, 1 cp, VO, 8/8h.
3) Glicemia capilar: 160 mg/dl
À noite, após a chegada do TTPa (= 64 s, P/C = 1,3) e
TAP (INR = 1,22) foi aumentada a dose de heparina de 18 para
22 UI/kg/h.
19/01/02
Paciente apresentando melhora do estado geral após
Clavulin®, sem febre. PA controlada. Apresenta-se desidratado
+ aumento de escoras nitrogenadas (IRA pré-renal?). Suspeita
de hematúria (teste da água oxigenada = negativo, EAS
normal). Prescrição: Suspensão do Paracetamol. Prescritos:
1) SF 0.9%, 500 ml IV aberto
2) SR 0.9%, 1500 ml, IV, a 28 gotas/min.
20/01/02
Paciente sem alterações, PA mantida. Proposta suspensão
da heparinização e do Femprocumona. Prescrição: mantida.
21/01/02
Paciente sem alterações, PA mantida.
Prescrição: Suspenso Femprocumona (Marcoumar®).
Iniciados:
1) Warfarina (Marevan®) 5 mg, 1 cp VO às 18:00.
2) Fisioterapia motora, 2 x/dia
3) Preparo para tomografia:
a. Dieta oral zero
b. Polaramine 2 mg, 1 cp VO às 8 e as 14 h
c. Ranitidina 150 mg, 1 cp VO às 8 e as 14 h.
d. Acesso venoso com Jelco® 18 no MSE
22/01/02
Paciente sem alterações, com a PA controlada. Realizou
angio-CT de carótidas cervicais e vertebrais (R: normal) e CT de
crânio, com imagem semelhante à anterior. Prescrição:
Mantida
23/01/02
Proposta suspensão da warfarina. Por aumento das
transaminases (TGO = 130, TGP = 296, DHL = 416, FAL = 357,
Gama-GT = 274), foi pensado em hepatite medicamentosa. O
captopril foi reduzido para 12,5 mg/dia. Foi solicitado ecografia
de abdome superior, sorologia para hepatites virais e novas
transaminases.
Prescrição: Suspensa heparina, mantida warfarina.
Acrescentado:
1) AAS 100 mg, VO, 1x/dia.
24/01/02
Paciente sem alterações, PA mantida. TGO = 44, TGP =
184, LDH = 324, FAL = 295, gama-GT = 235, Bilirrubinas
normais. Prescrição: Suspensa hidratação venosa,
acrescentada rotina de preparo para TC.
25/01/02
Paciente sem alterações. Discutido o caso com a
Gastroenterologia, que confirmou a suspeita de Hepatite
medicamentosa pela associação Clavulin + Warfarina.
Solicitada a substituição do Clavulin por Cefalexina, já que
aquele é mais hepatotóxico. Resgatados urocultura (R: normal)
e hemocultura, esta com a presença de S. aureus sensível à
Cefalotina e Norfloxacina. Realizada angio-CT de crânio hoje.
Prescrição: Acrescentados:
1) Cefalexina 500 mg, 6/6h, VO
2) Hidrocortisona 500 mg, EV
3) Acesso venoso com Jelco ® 16
26/01/02
Paciente sem alterações, PA mantida. Solicitada nova CT
de crânio. Prescrição: Suspensos Clavulin® e hidrocortisona.
27/01/02 e 28/01/02
Paciente sem queixas. Resultado da angio-CT de crânio:
normal. Prescrição: Mantida
29/01/02:
Alta hospitalar. Solicitados bioquímica e ultrassonografia
abdominal para avaliação da hepatite e retorno ambulatorial
em um mês.
EXAMES COMPLEMENTARES
ELETROCARDIOGRAMA
Ritmo sinusal, FVM 83, SAQRS = + 60º, iPR = 200 ms,
QRS = 60 ms. Onda Q não patológica em D2 e D3. Sobrecarga
atrial esquerda, e sinais sugestivos de sobrecarga ventricular
esquerda. Alterações secundárias da repolarização.
ECODOPPLERCARDIOGRAFIA
Aorta: 35 mm; Átrio E: 30 mm; Diâmetro diastólico VE: 45 mm; Diâmetro sistólico VE: 27 mm;
Espessura do septo: 14 mm; Espessura parede posterior: 14 mm; Fração de Ejeção: 70; Delta %: 40%Câmaras D: normais;
Pericárdio: abertura normal; Válvula pulmonar: abertura normal; Válvula tricúspide: abertura normal;
Válvula mitral: abertura normal; Válvula aórtica: abertura normal.
Observações: O ventrículo esquerdo apresenta
hipertrofia moderada. A contratilidade é normal. Conclusão:
VE com hipertrofia moderada e desempenho sistólico
preservado.
HEMOGRAMA
Exame / Data 11/1 14/1 18/1 19/1 21/1 24/1Hemácias 4.96 5.55 5.18 4.86 5.11 5.38
Hemoglobina 15.5 16.2 15.8 14.7 15.1 15.7HTC 44.2 48.4 45.2 43.5 44.3 46.4VHS 6 29 29
Leucócitos totais 9100 8580 7940 5500 6790 8730Basófilos 0 0 0 0 0 0
Eosinófilos 1 4 0 6 3 3Mielócitos 0 0 0 0 0 0
Metamielócitos 0 0 0 0 0 0Bastões 0 0 4 3 0 0
Segmentados 54 57 86 54 60 60Linfócitos 43 35 8 32 30 32Monócitos 2 4 2 5 7 5Plaquetas 272000 33000
013300
013400
024800
037000
0
BIOQUÍMICA DO SANGUE
Exame / Data 11/1 14/1 16/1 17/1 18/1 19/1 20/1 22/1 24/1Uréia 38 31 27 82 24 18
Creatinina 0.97 0.8 0.84 1.49 0.74 0.6Glicemia 168 141 105 102 89Proteínas
totais8.0
Albuminas 4.4Na+ 140 139 138 135 134K+ 3.4 4.0 4.6 5.4 4.3
Ca++ 10.1Cl- 104 98 108 103
Mg++ 2.2Colesterol
total239 213
HDL col 60 40LDL col 150 135
VLDL col 29 38Triglicerídeos 145 189
TGO 21 32 100 130 44TGP 49 200 296 184LDH 330 319 416 324FAL 204 357 295
Gama-GT 56 274 235Bilirrubinas
totais1.3 0.86 0.79
Bilirrubina direta
0.28 0.25 0.25
Ácido úrico 6.7 4.6
LISTA DE ACHADOS ANORMAIS:
a) Vertigem objetiva
b) Hemiplegia direita
c) Hipoestesia / Disestesia de hemicorpo direito
d) Paralisia facial central à direita
e) Disartria
f) Cefaléia fronto-parietal
g) Ex-tabagista de 5 a 10 maços-ano
h) Etilista crônico
i) História familiar para HAS e AVC
j) Hipertensão arterial sistêmica (HAS)
k) Hiperreflexia à direita
l) Sinal de Babinski à direita
m)Pitiríase versicolor
n) Febre
o) Mialgia
p) Obstrução nasal + crises esternutatórias
q) Hiporexia
r) Insônia
s) Velamento dos seios frontais
t) Desidratação
u) Aumento das escoras nitrogenadas
v) Alteração das provas de lesão hepática
w)Crescimento de S. aureus em hemocultura
x) TC de crânio mostrando AVC isquêmico
LISTA DE PROBLEMAS
1. Acidente Vascular Cerebral (a, b, c, d, e, f, k, l,
x)
2. Hipertensão arterial sistêmica (g, h, i, j)
3. Pitiríase versicolor (m)
4. Sinusopatia (n, o, p, q, r, s, t)
5. Hepatite medicamentosa? (n, o, q, r, t, v)
6. IRA pré-renal? (t, u)
7. Septicemia? (w)
DISCUSSÃO
Paciente de 44, hipertenso, admitido ao PSA apresentando
níveis pressóricos elevados, vertigem objetiva, paralisia e
disestesia do hemicorpo direito, paralisia facial central direita,
cefaléia fronto-parietal e disartria. Segundo Adams1 e Smith2,
um déficit neurológico focal, não convulsivo, de início abrupto
ou agudo define o que se conhece por Acidente Vascular
Cerebral. A partir desses fatos, AVC passa a ser a primeira
hipótese diagnóstica levantada para este paciente
Acidentes vasculares cerebrais ocorrem principalmente
nos pacientes de meia idade e nos idosos, sendo que sua
incidência cresce com a idade. Causam aproximadamente
200.000 mortes nos EUA todos os anos, assim como perda de
função em um número ainda maior de pessoas. As doenças que
estão neste grupo podem ser classificadas em dois tipos
principalmente, a isquemia associada ou não a infarto e
hemorragia2.
Muitas das doenças arteriais e cardíacas que poderiam
ser consideradas causa primária de acidentes vasculares
cerebrais são preveníveis. Nos países desenvolvidos, a
morbidade e a mortalidade dos acidentes vasculares cerebrais
diminuiu muito nos últimos anos, aparentemente devido a
melhor abordagem diagnóstica e terapêutica da hipertensão
arterial sistêmica, um dos maiores – senão o maior – fator de
risco para esta doença2.
O paciente em questão era hipertenso há pelo menos um
mês e não fazia controle pressórico regular. Na admissão, sua
PA era de 180 x 110, um valor muito alto, e de grande valor
diagnóstico. Sem dúvida, esta elevação tem relação com o
estresse metabólico da isquemia cerebral, mas não pode ser
correlacionada apenas com ele.
A isquemia cerebral é causada por uma redução no fluxo
cerebral que pode durar de poucos segundos a alguns minutos.
Os sintomas neurológicos se manifestam em já em 10 segundos,
já que os neurônios não possuem reserva energética. Quando o
fluxo é reestabelecido, os neurônios se recuperam e os achados
neurológicos desaparecem, caracterizando um Ataque
Isquêmico Transitório (AIT). Tipicamente, os AIT duram de 5 a
15 minutos mas, por definição, podem durar até 24 horas. Se a
redução do fluxo durar mais que poucos minutos, tem-se um
infarto, ou morte de tecido cerebral, como resultado. Diz-se que
o paciente sofreu um AVC se os sinais e sintomas durarem mais
de 24 horas2.
No caso discutido, o paciente teve 4 recorrências de AIT,
sendo que desde a última ocorrência, não aconteceu mais
remissão dos sintomas.
Ao exame físico estavam presentes, além dos sinais e
sintomas já mencionados, hiperreflexia à direita e sinal de
Babinski à direita. Estes são sinais condizentes com a síndrome
do 1º neurônio, o que vem ao encontro da hipótese de AVC e, se
considerada a hemi-hipoestesia que também é verificada no
mesmo, não é ilógico dizer que a lesão provavelmente acomete
cápsula interna e parte do ventrolateral tálamo.
Sabe-se que nos hipertensos, um tipo de AVC bastante
comum e que deve sempre ser pensado é o do tipo isquêmico
lacunar. Esta afecção é caracterizada pela oclusão
aterotrombótica de um dos pequenos ramos penetrantes
provenientes da artéria carótida interna, do círculo de Willis, da
artéria cerebral média ou das artérias vertebral e basilar. O
termo “acidente de pequenos vasos” denota oclusão de uma
pequena artéria penetrante, independentemente do mecanismo
pelo qual ela ocorra2.
Os pequenos ramos podem ser ocluídos por doença
arterotrombótica originalmente, ou pelo desenvolvimento de
um estreitamento lipo-hialinótico. A trombose desses vasos
causa pequenos infartos referidos como lacunares, do latim
“lago” – de fluído, notado à autópsia. Hipertensão e idade são
os principais fatores de risco. Os infartos lacunares são
responsáveis por aproximadamente 20% de todos os AVC.
As síndromes lacunares mais comuns são: a) Hemiparesia
motora pura por infarto da perna posterior da cápsula interna
ou da base da ponte (face, braço perna são mais comumente
envolvidos), b) AVC sensitivo puro: infarto do tálamo
ventrolateral, c) Hemiparesia atáxica: infarto da base da ponte;
d) Disartria e descoordenação de mãos e braços, por infarto da
base da ponte ou do joelho da cápsula interna; e) Hemiparesia
motora pura, com afasia de Broca, por oclusão trombótica do
ramo retículoestriado que supre o joelho e a perna anterior da
cápsula interna, e a substância branca adjacente da coroa
radiata. As síndromes a e b podem estar superpostas2.
No caso apresentado, tem-se um paciente relativamente
jovem, hipertenso, tabagista, etilista e com sinais condizentes
de AVC isquêmico. Não se pode descartar a hipótese do tipo
lacunar, inclusive ela é cada vez mais confirmada pela clínica
presente. Pode-se então dizer que, clinicamente, o paciente
sofreu um AVC isquêmico lacunar com acometimento de
cápsula interna e tálamo ventrolateral.
À admissão, o paciente foi avaliado clinicamente e, dada a
hipótese, foi solicitada uma tomografia de crânio de
emergência. O resultado desta foi normal, com ausência de
lesão tomograficamente perceptível. Isto é esperado, dado que
lesões isquêmicas são comumente encontradas à TC a partir de
6 horas da sintomatologia inicial. A solicitação deste exame se
faz necessária para que seja feita a diferenciação do tipo do
AVC, se isquêmico ou hemorrágico, já que ela é de suma
importância para determinação da conduta terapêutica. Por
exemplo, se houvesse a possibilidade de administração de
trombolíticos, este exame faria parte do protocolo de inclusão
do paciente à terapia. Se se tratasse de uma hemorragia
subaracnóide (diagnóstico diferencial importante) a TC
mostraria hemorragia no espaço liquórico e poderia haver
alterações eletrocardiográficas (no caso, um
supradesnivelamento do segmento ST). Foi feito o ECG para
este paciente, com laudo normal.
A bioquímica do sangue revelou hiperglicemia e aumento
da DHL, ambos os resultados perfeitamente compatíveis com o
estresse metabólico resultante da isquemia cerebral. Eram
esperadas ainda alterações eletrolíticas, que não foram
observadas3.
Na investigação etiológica do AVC foram realizadas outra
tomografia simples e 3 tomografias contrastadas de crânio,
sendo as duas primeiras normais e a terceira confirmadora do
diagnóstico. Inclusive, o diagnóstico anatômico clínico foi
confirmado, com a visualização de isquemia no território dos
ramos perfurantes da artéria coroidéa anterior esquerda, que
nutrem o braço posterior à esquerda da cápsula interna e parte
do tálamo adjacente.
Foi realizada uma angio-tomografia de carótidas e
vertebrais, já que placas ateromatosas de carótida são
freqüentemente responsáveis por ataques isquêmicos
transitórios e AVC, mas este exame se revelou normal, bem
como a angio-tomografia de crânio.
Por todos estes resultados, fica estabelecido que a causa
do quadro apresentado é a hipertensão arterial, e
possivelmente placas ateromatosas nos pequenos vasos
perfurantes, que não podem ser visualizados à tomografia ou
ressonância magnética; lembrando ainda que a hipertensão é
causa também da aterosclerose.
O tratamento do AVC pode ser dividido em duas grandes
categorias – de fase aguda e prevenção de recorrência e
diminuição da extensão1,4.
O tratamento de fase aguda é a aplicação de trombolíticos
intra-venosos ou arteriais. Essa terapia se baseia no fato de que
existe no AVC lesão de alguns neurônios enquanto outros
entram numa região de “penumbra” ou seja, são viáveis desde
que se restitua em poucas horas o fluxo cerebral normal. Essa
terapia foi aprovada há poucos anos pelo FDA americano4.
Sua aplicação depende, pelo risco de transformação
hemorrágica do AVC, em inclusão numa série de critérios que
são4:
No caso em questão, apesar do paciente ter indicação
precisa para esta terapêutica, e não apresentar as contra-
indicações acima, isso não foi realizado devido às condições de
atendimento do SPA (falta de radiologista de plantão, pouca
disponibilidade de leitos de UTI e falta do medicamento na
farmácia hospitalar)4.
Já a terapia de limitação de lesão é o uso de heparinização
plena e anti-coagulação oral (cumarínicos). O uso dos
protetores cerebrais ainda é controverso no AVC, havendo
inclusive evidências de piora e aumento do número de óbitos.
Outra possibilidade é a realização de endarterectomia de
carótida que já se provou como uma boa terapêutica (nível de
evidência 1A) na prevenção da ocorrência ou recorrência dos
AVC4. Para o paciente estudado, a endarterectomia não seria
eficaz, já que ele não tinha lesões trombóticas de carótida.
Durante a internação, foi observada uma mancha
esbranquiçada na região de tórax anterior. Foi dado
diagnóstico de pitiríase versicolor, tratada com cetoconazol
tópico, uma vez ao dia, a partir do dia 17.
No 6º dia de internação (17/01), o paciente passou a ter
febre (37,5º a 39,5º C) e referir hiporexia e insônia. No dia
seguinte, somaram-se ao quadro crises esternutatórias,
obstrução nasal, mialgia e cefaléia. Na investigação, foram
realizados hemograma, que mostrava uma linfocitopenia
importante (640), uréia e creatinina aumentadas. Foi
introduzida hidratação venosa e as provas de função renal se
normalizaram.
Já o hemograma, no dia 19 se mostrou com número de
leucócitos limítrofe (5500), e melhora da linfocitopenia (1760).
Este achado é um fator de mal prognóstico e é encontrada em
alguns casos de imunodeficiência, cirrose hepática, estados
caquéticos, processos infecciosos graves, tuberculose
ganglionar, fase final das neoplasias, doença de Hodgkin,
linfomas, administração de drogas citostáticas, fase aguda da
febre tifóide e da gripe3. Não existem outros achados
compatíveis com nenhuma dessas hipóteses. O paciente é
etilista crônico, mas não apresentou alteração das provas de
função hepática que corrobore com a hipótese de cirrose
hepática. Estava bem nutrido, não tinha outros comemorativos
de infecções graves e até o momento não apresentava sinais
compatíveis com neoplasias.
Particularmente, acredito que o laboratório errou, já que o
paciente tinha clínica de infecção, mas não desta monta, e nem
tratada tão rapidamente, já que a antibioticoterapia havia sido
instituída a menos de 24 horas. A radiografia de tórax estava
normal e a de seios da face tinha laudo que interrogava
velamento de seios frontais. Foi prescrito antibioticoterapia,
como já foi dito, pela hipótese de sinusopatia.
No dia 22 (4º dia de antibioticoterapia), as provas de lesão
hepática se apresentaram alteradas: TGO = 130, TGP = 296,
DHL = 416, FAL = 357, Gama-GT = 274. Neste momento, trata-
se de um paciente alcoolista crônico com 30 anos de consumo
pesado (média de uma garrafa) de destilados, em uso de
amoxacilina + ácido clavulâmico, heparina, femprocumona,
captopril e paracetamol. Destes medicamentos, apenas os
anticoagulantes não estão relacionados com esse padrão de
alteração da função hepática. A amoxacilina + clavulanato
(Clavulin) pode estar implicado em colestase, o captopril e o
paracetamol podem ser apontados como causas de hepatite
medicamentosa5, 6.
De fato, esta foi a suspeita levantada na época, reinterada
quando da visita da gastroenterologia. Solicitou-se a
substituição do Clavulin por Cefalexina e ultrassonografia de
abdome superior para confirmação do diagnóstico. Não há
segmento para se confirmar o diagnóstico, já que o paciente foi
liberado 3 dias depois.
Não houve novas alterações no estado do paciente até a
alta. Ficaram solicitados bioquímica, marcadores sorológicos
para hepatites virais e ultrassonografia abdominal para
avaliação da hepatite, com retorno ambulatorial em um mês.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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clínico, 8ª edição. São Paulo, Editora Ateneu; 1995.
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J.L (ed): Harrison`s Principles of Internal Medicine,
15th edição. New York , Ed. McGraw-Hill; 2001.
6. HARDMAN, J.G.; LIMBIRD, L.E. (ed): Goodman`s and
Gilman`s The Pharmacological basis of
Therapeutics, 9th edition. New York , Ed. McGraw-Hill;
1996.