prevenÇÃo É saÚde

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fator vida PUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HEMOFILIA • ANO 05 • EDIÇÃO 23 • JULHO-DEZEMBRO 2018 PREVENÇÃO É SAÚDE ISSN 2316 2953 ALÉM DE CONHECER E EXIGIR SEUS DIREITOS À TERAPIA E AO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR, É IMPORTANTE REFLETIR SOBRE OS DEVERES DAS PESSOAS COM HEMOFILIA QUE CONTRIBUEM DIRETAMENTE PARA O ÊXITO DO TRATAMENTO SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS FATORES Valder R. Arruda: terapia gênica e seu uso na hemofilia TRATAMENTO O desafio dos inibidores para o tratamento da coagulopatia EXEMPLO Um grafiteiro espalha arte e conscientização pelas ruas do País

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fator vidaPUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HEMOFILIA • ANO 05 • EDIÇÃO 23 • JULHO-DEZEMBRO 2018

PREVENÇÃO É SAÚDE

ISSN

231

6 29

53

ALÉM DE CONHECER E EXIGIR SEUS DIREITOS À TERAPIA E AO ATENDIMENTO

MULTIDISCIPLINAR, É IMPORTANTE REFLETIR SOBRE OS DEVERES DAS

PESSOAS COM HEMOFILIA QUE CONTRIBUEM DIRETAMENTE PARA

O ÊXITO DO TRATAMENTO

SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS

FATORESValder R. Arruda:

terapia gênica e seu uso na hemofilia

TRATAMENTOO desafio dos inibidores

para o tratamento da coagulopatia

EXEMPLOUm grafiteiro espalha

arte e conscientização pelas ruas do País

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NESTE NÚMERO

JULHO - DEZEMBRO 2018 3

16SAÚDEA história de uma mãe desde as dúvidas, o diagnóstico e os passos seguintes

28COBERTURAParticipação da FBH no Hemo 2018

12TRATAMENTOO desafio dos inibidores para o tratamento da coagulopatia

08FATORESValder R. Arruda: terapia gênicana hemofilia

06 EDITORIALCom a palavra, a Federação Brasileira de Hemofilia (FBH)

31 NA REDENotícias institucionais, eventos e demais assuntos

24EXEMPLOUm grafiteiro espalha arte e conscientização pelas ruas do País

20ESPECIALA responsabilidade das pessoas por seus tratamentos

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EDITORIAL

6 JULHO - DEZEMBRO 2018

Quando Rute deu à luz a Isaque, sua vida mudou completamente. Logo após o nascimento, a analista comercial descobriu que o menino tinha hemofilia A, e um novo capítulo começou em sua história: o desafio de criar e educar uma criança que desde pequena tem suas limitações.

No entanto, amparada por sua irmã Paula – que havia dado à luz o Enzo, que também tem hemofilia A, três anos antes do nascimento de Isaque -, Rute conheceu a Federação Brasileira de Hemofilia (FBH) e a equipe do Hospital Brigadeiro, em São Paulo (SP), para receber toda a orientação necessária para o tratamento de seu filho recém--nascido. A história completa dessa família está na editoria Saúde.

Mas além de lutarmos para casos particulares, a FBH está empenhada em discutir políticas públicas para melhorar o acesso ao tratamento e diagnóstico das pessoas com hemofilias A e B, Von Willebrand e outras coagulopatias hereditárias. Para debater o assunto, estivemos no 8º Fórum de Advocacy, que aconteceu durante o Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (Hemo 2018).

Mas não é somente às atualizações científicas e ações polí-ticas que devemos nos ater; é importante que a pessoa com hemofilia esteja comprometida com seu tratamento. Na editoria Especial, conversamos sobre a responsabilização dos pacientes e seus familiares. Afinal, é imprescindível que o paciente saiba que não adianta lutarmos por bons medicamentos sem que haja seu comprometimento diário.

E é exatamente essa mensagem que eu gostaria de repassar nesta edição: que na FBH há espaço para luta por melhores polí-ticas, para discussão de novas tecnologias que auxiliem no trata-mento, mas sem nunca nos esquecermos dos rostos, histórias e dificuldades dos nossos associados, assim como da importância de sua coparticipação na superação dos obstáculos para poderem ter tratamento adequado e então serem independentes, autônomos e viverem com qualidade de vida, sendo autores de sua história.

Tenha uma ótima leitura!

Tania Maria Onzi PietrobelliPresidente da FBH

MUITO MAIS QUE UM DIAGNÓSTICO

ISSN 2316 2953 FATOR VIDA é uma publicação trimestral da Federação Brasileira de Hemofilia distribuída gratuitamente para pessoas com hemofilia, von Willebrand e outras coagulopatias hereditárias e profissionais da saúde. O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade de seus autores e não representa necessariamente a opinião da FBH.JORNALISTA RESPONSÁVEL Roberto Souza (Mtb 11.408) EDITOR Rodrigo Moraes REPORTAGEM Daniele Amorim, Fernando Inocente, Lucilene Oliveira e Madson de Moraes REVISÃO Paulo Furstenau PROJETO EDITORIAL Rodrigo MoraesPROJETO GRÁFICO Luiz Fernando Almeida DESIGNERS Leonardo Fial, Lucas Bellini e Rodrigo Coelho TIRAGEM 6.000 exemplares IMPRESSÃO NONONO

Rua Cayowaá, 228, Perdizes | São Paulo - SP | CEP: 05018-00011 3875-6296 | [email protected] FSC

Av. Itália, 288, Sala 22,B. São Pelegrino, Caxias do Sul/RS

CEP: 95010-040www.hemofiliabrasil.org.br

[email protected]

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8 JULHO - DEZEMBRO 2018

FATORES

Trocar um gene defeituoso por um mutante, levando a célula a produzir a proteína deficiente. Em resumo, assim é a terapia gênica, que vem sendo estudada desde o fim da década de 1990 com o intuito de elevar a quali-dade de vida de pessoas com hemo-filia. Já em fase avançada, o estudo consiste na reposição de um gene do fator VIII ou IX sadio, possibilitando que o procedimento seja feito apenas uma vez e excluindo a necessidade de realizar a profilaxia semanalmente.

À frente da linha de pesquisa, Valder R. Arruda, MD, PhD, pesqui-sador em hematologia no Hospital Infantil da Filadélfia (EUA) e professor associado de pediatria na Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia (EUA), afirmou em entrevista exclusiva à Fator Vida que o maior objetivo da terapia gênica é que os resultados permitam alcan-çar os benefícios adquiridos com a profilaxia, mas sem a necessidade de reposição frequente de fator. “Apenas com uma injeção na veia, o paciente recebe a terapia e volta para casa, sem a necessidade de ficar inter-nado.” Ele chama a atenção para o

fato de, basicamente, a “terapia gênica ser uma profilaxia simplificada, uma única injeção e de longa duração”.

Confira a seguir todos os detalhes dos estudos que acontecem simulta-neamente nos Estados Unidos, Europa e Austrália, além de como funciona essa tecnologia, que ainda não é a cura da hemofilia, mas é capaz de garantir uma evolução no tratamento nunca antes alcançada.

Fator Vida - O que é terapia gênica e como ela age em pessoas com hemofilia?Valder Arruda - O conceito de tera-pia gênica é colocar um gene normal ou até melhor, um gene que expressa uma proteína mais eficiente, no lugar do gene defeituoso, para que o gene normal substitua o mutante e a célula passe a produzir a proteína deficiente. No caso da hemofilia, ela agiria pro-duzindo tanto o fator VIII quanto o fator IX, mas poderia ser, por exem-plo, em diabetes, para a produção de insulina. A terapia gênica é aplicada da mesma maneira como o fator é reposto. Ela faz com que, em pou-cas semanas, o fator VIII ou IX bom

apareça no plasma, contribuindo para a manutenção do nível estável desses fatores. Basicamente, a terapia gênica seria uma profilaxia simplificada, uma vez que é baseada na experiência com a profilaxia. Você tem duas formas de tratar a hemofilia: quando tem um sangramento ou vai fazer uma cirur-gia e também quando é preciso inje-tar o fator VIII ou IX várias vezes por semana para prevenir sangramentos espontâneos, que é a profilaxia. A tera-pia gênica vem para agir na segunda via do tratamento. Ela objetiva con-seguir os benefícios da profilaxia sem ter a necessidade de reposição fre-quente de fator.

O que vai mudar na rotina de uma pessoa com hemofi-lia e quais os resultados dos estudos que comprovam a eficácia desse tratamento?

Em vez de realizar a profilaxia uma, duas ou mais vezes na semana, ela vai receber a terapia gênica apenas uma vez. Os estudos demonstram que essa pessoa permanece mantendo os níveis de fator estáveis mesmo após sete anos (ou mais, dependendo dos

Por Lucilene Oliveira

Não é um bicho de sete cabeças

Estudos em fase avançada sobre terapia gênica demonstram que, com a aplicação de apenas uma dose da droga, pacientes chegam a manter o fator

estável por até sete anos

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FATORES

estudos fase 1 não tinha nenhuma perspectiva de cura, era basicamente para determinar a segurança, que foi alcançada com o AAV (adeno associado vírus) e outros vetores. O AAV é um dos tipos de vírus utilizados para a transferência do gene saudável que equilibra o nível de fator VIII ou fator IX. Esse estudo foi feito inicialmente no músculo esquelético, porque se houvesse alguma complicação e fosse preciso retirar o músculo, não have-ria complicações, mas felizmente não foi preciso porque o vetor, como já tinha sido previsto em cachorros, é bastante benigno.

Qual o perfil dos pacientes elegíveis para esse tipo de terapia?

Como todo estudo inicial, ele foi feito somente em indivíduos acima de 18 anos. Como em todo campo clínico novo, é restringido a adultos, mas, em um futuro próximo, existe a chance de incluir adolescentes a partir dos 13 anos. Já verificamos que a terapia traz benefícios para o paciente com hemofilia A ou B grave, com menos de 1% do fator VIII ou IX na circulação, e paciente sem his-tórico de inibidor, cujo fígado não tenha nenhuma doença ativa (ele pode até ter hepatite C, desde que controlada). [Nota da FBH: Hoje, no Brasil, o SUS disponibiliza tratamento via oral para eliminar o vírus da hepa-tite C, com 95% de chance de cura.]

Quantos pacientes estão em estudo atualmente?

Pelos meus cálculos, nessa segunda geração de pacientes, há mais de 60 incluídos em estudos clínicos. Todas essas pessoas participaram de estudos fases 1 e 2, e agora temos dois grupos

resultados dos pacientes obtidos a par-tir dos estudos ainda em andamento). Na hemofilia, temos a vantagem de ter o modelo animal bastante infor-mativo, que é a ocorrência natural de hemofilias A e B graves em cachorros, que são mantidos em colônias para a realização dos estudos. Injetamos um vetor – um vírus utilizado para a transferência do gene saudável para o mamífero - que expressa o fator VIII ou IX canino e acompanhamos ao longo da vida do animal. Essas observações nos mostraram que, após seis meses,

o nível desses fatores se manteve estável e permaneceu assim depois de oito a 14 anos, até o período que o cachorro morreu. Eles morreram de outras doenças que afetam os cães, mas não de hemofilia.

Desde quando esse tipo de estudo vem sendo realizado em pacientes com hemofi-lias A e B?

Desde o final dos anos 1990. Foram três estudos para hemofilia A e um estudo para hemofilia B. O grupo de

© Divulgação/FBH

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10 JULHO - DEZEMBRO 2018

FATORES

indo para a fase 3 - um para a hemo-filia B e o outro para a hemofilia A. Do estudo 3 em diante, passamos a expandir o número de pacientes na dose em que todos os pacientes res-pondem. Um estudo, por exemplo, que começou usando uma dose baixa do vetor para o fator IX, foi feito em 10 pacientes e os resultados foram muito satisfatórios e não foi preciso aumen-tar a dose do vetor porque todos os pacientes estavam expressando 30% a 60% do normal. Ao atingir 30% de fatores VIII e IX, você transforma o paciente hemofílico grave em leve ou até normal.

Alcançar de 30% a 60% de fator no sangue era o objetivo dos estudos?

Com esses níveis de fator, os pacientes não precisarão de nenhuma reposição e não vão sangrar espon-taneamente. Claro que, se tiver um acidente grave, como toda pessoa normal, ela vai sangrar. Mas do ponto de vista de hemofilia, esses pacientes não precisam mais de nenhum tra-tamento. Estamos fazendo a análise dos pacientes após a aplicação da terapia gênica e observamos que eles têm uma redução anual em torno de 80% a 90% dos sangramentos espon-tâneos e uso do fator.

Com base no atual cenário, a terapia gênica é uma elevação muito significativa da qualidade de vida do paciente, mas o senhor a taxaria como a cura para a hemofilia?

A definição de cura depende de como se olha. Do ponto de vista rea-lístico e objetivo, o paciente pode se tornar um indivíduo com hemofilia leve e, eventualmente, diante de um

Nos anos 2000, já havia uma previsão de termos a terapia gênica, mas os resultados não foram otimistas. Os cientistas foram aprimorando suas pesquisas e os resultados hoje são promissores.

Para ser elegível a receber a terapia gênica, o fígado do paciente deve ser saudável e adulto, por isso os pacientes em estudo têm mais de 18 anos. Em relação às doses de terapia, os estudos ainda buscam os quantitativos necessários para o nível satisfatório de fator no sangue. Sobre quan-tas vezes o paciente elegível pode ser submetido à terapia gênica, o que se tem até o momento é que a chance é única. Por conta disso, o paciente submetido à terapia deve ter grande comprometi-mento, cuidar da preservação da saúde do fígado e ir ao hemocentro para as avaliações necessá-rias - que são muito frequentes, principalmente no início da terapia -, assim otimizando a chance de sucesso.

Mesmo com o êxito da terapia, é importante salientar que as pessoas continuam transmitindo a hemofilia para seus filhos, já que a hemofilia é uma alteração no cromossomo X.

A meu ver, é uma questão de tempo para que a terapia gênica seja incluída como mais uma forma de tratamento para aqueles que dela puderem se beneficiar. Lembrando que os estudos ainda estão em andamento e que, após a aprovação pelos órgãos reguladores, existe um caminho a ser per-corrido para que seja disponibilizada no Brasil. Certamente, a FBH estará atenta e sempre bus-cando por avanços no tratamento que melhorem a qualidade de vida das pessoas com hemofilia.

PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE HEMOFILIA, TANIA MARIA ONZI PIETROBELLI FALA SOBRE A TERAPIA GÊNICA

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FATORES

femoral para ir até o fígado. Com o desenvolvimento de vetores mais efi-cazes, não há mais a necessidade de injetar na artéria hepática. Hoje, o paciente vem para o hospital, recebe a injeção e, em 30 minutos a uma hora, já está liberado. Nem interna-mos mais o paciente.

Como é feito o monitora-mento dos pacientes?

Na fase inicial, a cada 24 horas, para saber se está tudo bem e medir a enzima hepática. Depois, a cada 48 horas, e passa a ser semanal. Após alguns meses, esses encontros são mensais. A periodicidade pode variar dependendo do grupo de pesquisado-res, mas é basicamente isso.

Há algum estudo sobre terapia gênica sendo realizado no Brasil?

Os estudos que comentei foram todos feitos nos EUA e Europa, alguns na Austrália. Aqui no Brasil, temos que ver como a Anvisa avaliará os dados e de que maneira vai trabalhar com as empresas que querem trazer esses vetores para o País. Os dados clínicos internacionais facilitarão muito para que as pessoas tenham acesso à informação. Os estudos clíni-cos publicados no The New England Journal of Medicine e Blood são as melhores provas de como esse tipo de medicamento funciona. Essas são revistas de referência na medicina, os estudos foram analisados por reviso-res que não têm nenhum conflito com o grupo do estudo e, nos EUA, a Federação Nacional de Hemofilia realiza workshops a cada 18 meses para discutir os resultados, sejam bons ou ruins. A Federação Brasileira de Hemofilia (FBH) também precisa ter uma voz importante nesse processo.

trauma significante ou uma cirurgia, ele precisará repor o fator para cor-rigir a 100%, mas essa é uma rotina comum a qualquer pessoa. Na minha definição, é uma mudança significa-tiva na qualidade de vida do paciente.

Sobre os resultados da tera-pia gênica para hemofilia A, o que já existe e o que é esperado?

Os estudos com o fator VIII ficaram um pouco mais atrás porque levamos mais tempo para entender como clo-nar o gene do fator VIII, por ele ser maior. Mas já conseguimos entender como trabalhar com ele e já estamos seguindo com os estudos. Por ele ter ficado para trás, a maioria dos estu-dos de terapia gênica usando o vetor AAV começou com hemofilia B. Um estudo publicado em dezembro de 2017 no The New England Journal of Medicine demonstrou que a terapia gênica normalizou o nível de fator VIII. Mais do que evoluir para a hemofilia A leve, alguns pacientes expressaram níveis de fator VIII acima do normal, o que foi surpreendente, mas que, na minha opinião, não é necessário, pois expressar acima de 100% não tem nenhuma vantagem. Os resulta-dos alcançados foram em um período pequeno de tempo, de mais ou menos dois anos, por isso ainda é cedo para falar se será estável como o fator IX, que está estável há pelo menos seis a sete anos. Teremos que esperar mais para saber. Considero bom esse estudo, mas poderia ser melhor se usasse uma dose menor do vetor.

Há uma expectativa de pra-zos para que todos eles sejam apresentados e colo-cados em prática com o desenvolvimento do estudo?

A terapia gênica não é diferente de nenhuma outra droga. Há um estudo em andamento para hemofi-lia B e outro para a hemofilia A, que será realizado em um número maior de pacientes - com 10 pacientes, os resultados foram bons, mas como será a resposta para 30 pacientes? Se isso der certo, as pesquisas passam para a fase 4, quando você registra o medica-mento e passa a poder comercializá--lo. Essa última parte não está muito relacionada ao estudo clínico, mas aos critérios das agências reguladoras.

A aplicação é tão simples quanto tomar um fator?

Hoje em dia, sim. No passado, não. No primeiro estudo clínico, era preciso colocar um cateter na artéria

"Com esses níveis de fator, os pacientes não precisarão de

nenhuma reposição e não vão sangrar espontaneamente. Claro que, se tiver um acidente grave, como toda pessoa

normal, ela vai sangrar. Mas do

ponto de vista de hemofilia, esses pacientes não

precisam mais de nenhum tratamento"

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TRATAMENTO

O DESAFIO COM OS INIBIDORESO desenvolvimento dos inibidores em pacientes com hemofilia permanece uma complicação desafiadora

do tratamento da coagulopatia

Por Madson de Moraes

© Getty Images

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TRATAMENTO

Em 2013, Isaac, com apenas um ano e três meses de idade, bateu a boca sem querer. Até aí, tudo bem, pensou sua mãe, Gabriela Moraes: é normal crianças se machucarem. Então ela seguiu o tratamento recomendado: uma passada no médico e muito cari-nho e colo para o bebê. O problema é que o sangramento não parava e já durava uma semana. Sem saber o por-quê daquilo, Gabriela foi a vários médi-cos para avaliar o que estava aconte-cendo, até que finalmente soube que Isaac tinha hemofilia A grave. “A vida da gente fica sem chão. Nunca tinha ouvido falar em hemofilia. Fiquei com o Isaac uma semana internado no hospital e depois fomos encaminha-dos para fazer o tratamento profilá-tico no hemocentro”, conta Gabriela, que reside em Canoas (RS).

Seu susto foi ainda maior quando, três meses após o filho ter começado o tratamento de reposição com o fator VIII, ela descobriu que a criança tinha desenvolvido inibidor. Os inibidores são anticorpos contra os fatores de coagulação, que atuam neutralizando sua atividade - fator VIII na hemofilia A e fator IX na hemofilia B. Esses anti-corpos, explica a hematologista Dra. Marília Renni, do Hemorio, resultam de uma resposta imune do organismo e são a principal complicação do tra-tamento de reposição do fator. Eles ocorrem com maior frequência nas formas graves da coagulopatia e mais na hemofilia A do que na hemofilia B.

“O aparecimento de inibidor é um grande desafio no tratamento da hemofilia. Ele pode ser identificado em exames realizados como rotina ou na falha de resposta ao tratamento de reposição habitual ou quando ainda observamos maior gravidade dos episódios hemorrágicos. Apesar da reposição do fator deficiente, não se observa o controle do sangramento no tempo esperado”, explana Marília. Os inibidores não têm relação com a idade, mas sim com os dias de expo-sição (DE) ao concentrado de fator. A hematologista explica que seu apare-cimento é mais comum nos primei-ros 50 a 100 dias de exposição e, por isso, é necessário realizar exames de identificação de inibidor a cada cinco a 10 dias de exposição até completar 50 DE; depois a cada três meses até completar 100 DE e a partir dos 100 DE a cada seis a 12 meses.

Segundo Gabriela Moraes, a médica que atendeu Isaac disse que o desenvolvimento do inibidor na criança pode ter acontecido princi-palmente devido a essa alta exposi-ção ao fator VIII quando ele ficou no hospital. “Ele nunca tinha recebido o fator e, quando recebeu, foram doses muito altas e por um bom tempo. Ela acredita que tenha sido em decorrên-cia disso que Isaac tenha desenvol-vido o inibidor”, relata. Fatores gené-ticos e ambientais contribuem para o risco de formação de inibidores; entre os fatores de risco ambientais

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TRATAMENTO

mais importantes, estão os tipos de produtos de FVIII e a intensidade do tratamento1.

DESAFIOS ATUAIS NO TRATAMENTOO desenvolvimento dos inibidores em pacientes com hemofilia per-manece uma complicação desafia-dora do tratamento. Vários estudos já investigaram os mecanismos que levam ao desenvolvimento de inibi-dores do fator VIII - quase 30% dos pacientes com hemofilia A grave, 5% dos pacientes com hemofilia A leve e moderada e 3% dos pacientes com hemofilia B2,3 desenvolvem inibido-res. Mas a etiologia de seu início é complexa e ainda não totalmente compreendida.

Já se sabe que fatores genéticos (tipo da mutação associada à hemofi-lia) e ambientais estão relacionados ao aparecimento dos inibidores. O conhe-cimento da mutação pode predizer o risco de desenvolvimento de inibidor em 20% dos casos. Outros determi-nantes do aparecimento de inibidor são a história familiar de inibidor e a raça (é mais comum em negros). “Vários fatores não genéticos, como tipo de concentrado de fator utili-zado, uso de vários produtos em vez de um único, uso intensivo de fator principalmente nos primeiros dias de exposição e em idade precoce, estão associados ao aparecimento de ini-bidor”, explica Marília Renni.

O estudo CANAL aponta que a pro-filaxia regular foi associada a um risco 60% menor do que o tratamento sob demanda, ou seja, a profilaxia protege para que os pacientes com hemofilia não desenvolvam inibidores. Com a profilaxia, o organismo tem a chance de se acostumar com mais facilidade à exposição do fator deficiente do que quando exposto às altas doses para conter algum sangramento4,5.

Logo ao descobrir que Isaac tinha o inibidor, Gabriela começou o tra-tamento padrão para o caso: terapia de indução de imunotolerância (IT), que consiste na infusão - em dias alternados ou diária - do concentrado de fator deficiente, na tentativa de dessensibilizar o paciente. “Quando

descobrimos, passamos a fazer tra-tamento de reposição do fator VIII três vezes na semana. Ele não tinha veia, era bem pequeno na época, foi complicado. Quase entrei em depres-são”, relata. A necessidade de punções venosas frequentes é um dos grandes desafios do tratamento de imunoto-lerância, especialmente nas crianças.

Os inibidores são classificados em inibidores de baixa resposta, quando o título do inibidor fica abaixo de 5 UB/ml (unidades Bethesda por mililitro de plasma) mesmo após a exposição ao concentrado de fator VIII, os ini-bidores de alta resposta são aqueles que atingem níveis superiores a 5 UB/ml de forma persistente ou quando expostos novamente ao concentrado do fator VIII. Segundo Marília, esse tratamento, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), pode durar até 33 meses e é a melhor opção de tra-tamento para esses pacientes. Após a erradicação do inibidor, o paciente pode retomar o tratamento de repo-sição com o fator deficiente, com melhor controle dos episódios de sangramento.

“Para aqueles com inibidores de alta resposta, o tratamento dos episó-dios hemorrágicos é realizado com o uso de agentes de by-pass (complexo protrombínico ativado ou fator VII ativado recombinante), enquanto que naqueles pacientes com inibidores de baixa resposta, o tratamento dos sangramentos pode ser feito com

1 Risk factors for inhibitor development in severe hemophilia A. https://doi.org/10.1016/j.thromres.2018.05.027.

2 Dimichele D. Inhibitors: resolving diagnostic and therapeutic dilemmas. Haemophilia. 2002;8(3):280-287. CrossRef Medline Google Scholar.

3 Eckhardt CL, van Velzen AS, Peters M, et al; INSIGHT Study Group. Factor VIII gene (F8) mutation and risk of inhibitor development in nonsevere hemophilia A.

Blood. 2013;122(11):1954-1962.

4. Treatment-related risk factors of inhibitor development in previously untreated patients with hemophilia A: the CANAL cohort studySamantha C. Gouw,

Johanna G. van der Bom and H. Marijke van den Berg for the CANAL Study group.

5. Blood 2007 109:4648-4654; doi: https://doi.org/10.1182/blood-2006-11-056291.

"Quando descobrimos,

passamos a fazer tratamento de

reposição do fator VIII três vezes na semana. Ele não

tinha veia, era bem pequeno na época,

foi complicado",Gabriela Moraes

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TRATAMENTO

© Arquivo pessoal

Acima, Gabriela Moraes e seu filho Isaac. Abaixo, a hematologista do Hemorio Dra. Marília Renni

altas doses do fator”, reforça a hema-tologista do Hemorio. Em relação a Hemofilia B, ela comenta os riscos da terapia de imunotolerância: “Deve ser considerada com cautela, pois apre-senta riscos como reações alérgicas graves e lesão renal. É necessário uso de esquema específico de dessensi-bilização, orientado e conduzido por profissional experiente”.

Apesar da terapia de imunotolerân-cia ser capaz de erradicar os inibido-res na hemofilia A em 60% a 80% dos casos tratados, Isaac não conseguiu

negativar o inibidor ao final do prazo estipulado, que era de quase três anos. “Ele teria que chegar a menos 5 UB/ml, mas chegou ao final com 16 UB/ml, ou seja, a terapia de imunotole-rância não funcionou." Hoje, Isaac tem cinco anos e ainda está com o inibidor. “Continuamos fazendo profilaxia com a mesma medicação que ele fazia no tratamento de imunotolerância, que é o fator VII. Não é o fator que ele precisa repor, que seria o VIII, mas, por conta do inibidor, ele tem que usar o fator VII”, relata a mãe. Ainda segundo ela, o objetivo é adotar um novo procedimento de tratamento para ver se conseguem negativar o inibidor em Isaac, que, hoje em dia, está em 8 UB/ml. “Vamos fazer isso por seis meses e depois desse período veremos como ele ficará. Ainda estamos nesse prazo.”

Nos casos em que a terapia de imunotolerância não foi satisfató-ria, como o de Isaac, o caminho é o paciente retornar ao uso dos agentes de by-pass para controle dos episó-dios de sangramento. “Aguardamos a disponibilização de novos produ-tos, como o emicizumabe, recente-mente aprovado no Brasil, para uso de forma preventiva naqueles que falha-ram ao tratamento de erradicação do inibidor”, sinaliza Marília Renni, do Hemorio. Novos medicamentos têm sido desenvolvidos nos últimos anos, com o objetivo de proporcionar novos caminhos no tratamento da hemofilia com maior eficácia para os pacientes com hemofilia e inibidor. “A terapia gênica poderá eliminar os desafios associados com a terapia de reposi-ção de fator, uma vez que seu sucesso proporcionará níveis maiores do fator deficiente, reduzindo as manifestações hemorrágicas da coagulopatia”, com-pleta a hematologista.

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16 JULHO - DEZEMBRO 2018

SAÚDE

Vinte e sete de agosto de 2018 sem-pre será uma data inesquecível para a analista comercial Rute Oliveira da Silva. Foi nesse dia que seu terceiro filho - e o primeiro homem - nasceu. Diferentemente do parto de suas duas meninas, Beatriz, hoje com três anos, e Débora, 13, o período de internação do recém-nascido foi diferente. Isaque nasceu com hemofilia A grave.

A coagulopatia foi descoberta em meio a outro diagnóstico: uma das artérias do coração do menino é menor do que as outras, dificul-tando, assim, a circulação de sangue no local. Quando esse diagnóstico foi feito, a equipe médica optou por fazer uma punção de veia periférica devido à condição de risco que Isaque apresentava. O procedimento causou um hematoma extenso no braço do recém-nascido. A partir dessa compli-cação, Rute e a equipe da UTI onde

Isaque estava internado desconfiaram que o menino, assim como o sobrinho de Rute e um primo distante da famí-lia, poderia ter hemofilia. “Desconfiei da doença e contei isso aos médicos”, relembra Rute.

A desconfiança de Rute foi confir-mada por um exame feito pelos médi-cos, que constataram a hemofilia A. O diagnóstico de seu filho abalou Rute por saber que é portadora do gene. Logo quando se descobriu grávida de um menino, a analista comercial fez um exame de sangue para avaliar se era portadora do gene da hemofilia, mas médicos que analisaram o teste não tinham conhecimento sobre a hemofilia e ao notarem um índice normal de FVIII basal, disseram que ela não era portadora. A médica da Unidade de Hemofilia do Hospital Brigadeiro, em São Paulo (SP), Dra. Elizabeth Garcia, que trata do caso de

MEU FILHOCOM HEMOFILIA

Rute Oliveira da Silva é portadora do gene – e, em agosto de 2018, deu à luz Isaque

Por Daniele Amorim

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JULHO - DEZEMBRO 2018 17

SAÚDE

Isaque, explica que, durante a gravidez, o FVIII da gestante portadora (e de qualquer grávida), aumenta como uma forma de proteção para evitar hemor-ragias severas. “Não se deve afastar a hipótese de uma mulher ser portadora do gene da hemofilia quando o teste alega que o nível de fator VIII é nor-mal pois o nível acaba aumentando no final da gestação”, complementa.

O ideal é que, caso uma mulher tenha histórico familiar de hemofilia, faça o exame antes de engravidar. Além disso, somente o exame de dosagem de fator não dá a certeza se a mãe é portadora ou não, já que a dosagem nas portadoras varia muito de uma para outra. O ideal seria a realização de exames genéticos que não estão disponíveis no Brasil.

HEMOFILIA E HEREDITARIEDADEA família de Rute já estava habitu-ada com a coagulopatia. Quando ela engravidou nas duas primeiras vezes, até cogitou fazer o exame para saber se era portadora do gene, mas desis-tiu da ideia após descobrirem que nos dois casos estava gestando meninas. Essa despreocupação acontece porque

© Getty Images

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18 JULHO - DEZEMBRO 2018

SAÚDE

© Arquivo pessoal

os dois tipos de hemofilia (A e B) são quase exclusivamente repassados a indivíduos do sexo masculino por mães portadoras do gene da hemofilia, no entanto, o fato de a menina ser porta-dora é da maior importância, pois ela pode dar à luz a meninos com hemo-filia. “Isso ocorre em cerca de 50% dos casos e segue um padrão genético”, explica a Dra. Elizabeth Garcia.

Mas antes mesmo de engravidar de Isaque, a analista comercial acom-panhou uma situação semelhante: há três anos, sua irmã Paula deu à luz o terceiro filho, e primeiro menino, Enzo, que também nasceu com hemo-filia A. “Minha irmã chegou a falar para o médico na maternidade sobre a possibilidade de ele ter hemofilia, mas, como o médico desconhecia o assunto, não deu muita importân-cia”, relembra. No caso de Enzo, a família começou a cogitar a ideia de que o menino teria hemofilia A após o hospital fazer o teste do pezinho no recém-nascido. A pequena perfu-ração causou hemorragias extensas e Enzo ficou coberto de hematomas pelo corpo. O episódio chegou a ser confundido com um caso de descuido por parte do corpo de enfermeiros do hospital, mas quando a família informou aos médicos que havia um caso de hemofilia na família, um teste sanguíneo foi feito para confirmar o diagnóstico. O histórico familiar é de extrema importância para con-firmar o diagnóstico. O exame solici-tado checa o tempo de coagulação e os níveis do fator VIII de coagulação no caso da hemofilia A e de Fator IX para hemofilia B

A situação anterior ocorrida com Enzo foi primordial para que a família estivesse mais preparada após o nasci-mento de Isaque e, posteriormente, ao descobrimento da doença no menino.

Nos primeiros dias de vida, Isaque foi diagnosticado com hemofilia A. Sua mãe, Rute, não sabia que portava o gene da patologia

“Por conta dos hematomas causados pela punção venosa e consequente confirmação de hemofilia A no filho de Rute, foi solicitado ao Hospital Brigadeiro pela FBH, pela sua presi-dente Tania Maria Onzi Pietrobelli, que fosse dada toda orientação à equipe do hospital onde Isaque iria fazer a correção da cardiopatia, já que só nos hemocentros tratadores de pacientes com coagulopatia existem profissio-nais experientes para orientar esses casos tão graves e acesso à medicação necessária, FVIII ou FIX fornecida pelo Ministério da Saúde para tratamento de pacientes com hemofilia”, explica a Dra. Elizabeth.

PLANEJAMENTO DESDE ANTES DA GRAVIDEZAté mesmo a decisão de engravidar é mais delicada para uma mulher que

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SAÚDE

Dra. Elizabeth Garcia

tenha o gene da hemofilia. Como existe a chance de 50% de que seu filho possua a doença, há também o medo de trazer ao mundo uma criança que poderá ter deficiências na coagulação do sangue.

Existem também casos em que algumas mulheres não são infor-madas sobre serem portadoras e

passam por um choque quando rece-bem o diagnóstico de hemofilia de seus filhos. “Há muito sofrimento quando acontece dessa forma”, revela Elizabeth. “O pior sentimento de todas as mães é a culpa de ter pas-sado uma doença para seu filho, que até pouco tempo tinha graves consequências na qualidade de vida do paciente.” Segundo Elizabeth, na maioria das vezes, não há nenhum evento complicado na gestação de uma criança com hemofilia. Para garantir a segurança da mãe e do bebê, é recomendada a dosagem de fator VIII ou IX antes da gravidez e na época próxima ao parto. É impor-tante que a equipe presente ao parto esteja ciente de que a criança que vai nascer pode ter hemofilia, e caso isso aconteça, é necessário o suporte de médicos experientes no tratamento de coagulopatias para que proce-dimentos corretos sejam adotados

caso ocorra um evento hemorrágico. Também é importante evitar partos com uso de fórceps, que traz risco para a criança.

CRIAÇÃO DE UMA CRIANÇA COM HEMOFILIA“Toda a situação ainda é muito nova para mim”, explica Rute. Mesmo observando de perto a vida do sobri-nho Enzo, agora ela vive a realidade do cuidado de uma criança com hemofi-lia. Rute ressalta que o acompanha-mento médico também tem sido pri-mordial nessa faixa etária.

Isaque ainda não faz uso de fator de coagulação, mas tem direito à profilaxia primária. “Em geral, o tratamento começa após o pri-meiro ano de vida”, explica a Dra. Garcia. “Neste período as hemorra-gias começam a ser mais frequen-tes, mas também, caso as intercor-rências hemorrágicas se iniciem antes, o uso do fator é adiantado.” O menino também faz uso de medi-camentos para a pressão, por conta da artéria obstruída.

A preocupação com o futuro é algo presente na vida de Rute. Ela deve voltar em breve de sua licença--maternidade e não sabe com quem deixará o filho. Em suas primeiras gestações, as meninas foram assis-tidas desde pequenas em uma cre-che, mas a mãe não tem certeza se o local terá condições de cui-dar de uma criança com hemofilia. “Preocupo-me muito como será nossa vida, sua ida à escola e como serão os próximos passos.”

Mesmo com uma nova rotina pela frente e estando ciente do desafio que é criar Isaque, Rute também crê que a medicina e os grupos de pacientes possam ser aliados para melhorar a qualidade de vida do filho.

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ESPECIAL

O direito à profilaxia. O direito ao acompanhamento multidisciplinar. O direito à vida. Muitas são as repor-tagens da Fator Vida que abordam os direitos adquiridos por pessoas com hemofilia ao longo de décadas de lutas mobilizadas pela Federação Brasileira de Hemofilia (FBH). Diferentemente das anteriores, esta tem o objetivo único de demonstrar que, tão impor-tante quanto estar ciente de seus direitos, é cumprir com as obriga-ções desde o diagnóstico à terapia para a coagulopatia. É dever da pes-soa com hemofilia ser protagonista de seu tratamento. É seu dever acon-dicionar adequadamente os medica-mentos. É seu dever seguir à risca as

orientações prescritas pelos profissio-nais de saúde.

Durante anos, a principal luta travada por pessoas com coagulopa-tias hereditárias e seus familiares foi garantir o acesso ao tratamento de qualidade em busca do bem-estar e da elevação da qualidade de vida. O acesso aos medicamentos, no entanto, não é a única parcela da rotina tera-pêutica. A maior contribuição para o êxito do tratamento está na soma de ações que demonstram o comprome-timento do paciente com sua própria saúde. “O ideal é que a pessoa com-preenda que não se trata apenas do atendimento focado no medicamento, mas de sua responsabilidade com

ele”, afirma a farmacêutica bioquí-mica Adriana Andrade Singosemito, do Hemocentro de Caxias do Sul.

A especialista aponta que, por ter acesso gratuito ao acompanhamento profissional e ao tratamento, não são raras as vezes em que a pessoa com hemofilia esquece que também faz parte do sistema e que possui tais importantes direitos adquiridos gra-ças a esforços múltiplos de entida-des e pessoas defensoras da causa. Mas há deveres que, quando não obedecidos, ocasionam falha no tra-tamento e são responsáveis diretos por colocar a própria vida em risco. “É primordial que as equipes multi-disciplinares e os familiares tenham

A RESPONSABILIDADEDO TRATAMENTO É SUA

RESPONSABILIDADEMais do que o direito à terapia e atendimento multidisciplinar,

é importante refletir sobre os deveres das pessoas com hemofilia que contribuem diretamente para o êxito do tratamento

Por Lucilene Oliveira

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ESPECIAL

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um olhar atento à pessoa com hemo-filia, a fim de promover de imediato ações que auxiliem a resolver pro-blemas pontuais. Tais ações impedi-rão ou minimizarão lesões que não são dolorosas somente para o corpo, mas principalmente para o emocio-nal”, diz Adriana.

Há algumas fases da vida bas-tante críticas para a rotina de tra-tamento do paciente com hemofi-lia. A primeira ocorre nos primeiros anos de vida da criança, quando a família se angustia com o diagnós-tico e o considera doloroso demais, optando, muitas vezes, por postergar o tratamento para o futuro, como se o tempo fosse capaz de mitigar o sofrimento, ou ainda negligencia o tratamento devido à não aceitação do laudo médico, uma vez que a criança não apresenta lesões aparentes.

Outra fase ocorre no período de transição da adolescência para a idade adulta. Nesse estágio, os familiares mais próximos deixam de ser os responsáveis pelos cuidados e essa atribuição fica por conta dos próprios pacientes. “Na adolescência, percebo uma somatória de causas. A primeira é inerente à fase da vida pela qual o paciente está passando, como dilemas que não são exclusivos das pessoas com hemofilia, mas da adolescência. É um período em que os pacientes deixam de realizar o tra-tamento por temer discriminação e problemas sociais que são extrema-mente dolorosos”, pontua Adriana. A especialista caracteriza como “infe-liz” o fato de escolas e demais gru-pos em que o adolescente está inse-rido não estarem preparados para entendê-lo e acolhê-lo, levando-o a optar pela autorreclusão.

Para esse período da vida, o apo-sentado Luciano Rech, que atua

ativamente pela FBH em Caxias do Sul, destaca que a falta de compro-misso com o tratamento está relacio-nada ao fato de o adolescente não ter passado pelo pior período da hemo-filia, quando a profilaxia ainda não era acessível. “A gente fica triste por-que nem todos os mais jovens dão o devido valor à profilaxia. Eles não pas-saram pelo que a minha geração pas-sou sem o acesso a esse tratamento. Nós sofremos, por isso sabemos da importância dela”, diz o aposentado. Ciente da importância do tratamento para a qualidade de vida, Rech faz um apelo: “Dê valor à profilaxia e você terá uma vida normal”.

"A gente fica triste porque nem todos os mais jovens dão

o devido valor à profilaxia. Eles não passaram pelo que a minha geração

passou sem o acesso a esse tratamento."Luciano Rech

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ESPECIAL

É com base nessa afirmação que a coordenadora do Centro Clínico da Universidade de Caxias do Sul, Dra. Suzete Grandi, destaca que a respon-sabilidade pelo tratamento das coa-gulopatias não pode ser transferida para a equipe interdisciplinar escalada para o atendimento, para os parcei-ros ou mesmo para familiares mais próximos. “Ninguém pode estar mais preocupado com a qualidade de vida e a evolução de seu quadro clínico do que o próprio paciente”, afirma Suzete. Ela elenca algumas hipóteses que tentam justificar a desmotivação com o tratamento em determinados períodos da vida: “Pode estar ligado à crença, à cultura, aos valores dos pacientes ou até mesmo à desin-formação a respeito da patologia”. Suzete destaca que o real motivo está diretamente relacionado ao perfil do paciente e à forma como ele vê seu papel enquanto sujeito social que convive com a hemofilia.

Ela conta que já teve em mãos casos extremos, que vão desde a falta de compromisso com o tra-tamento clínico até a supressão de parte dos cuidados por conta pró-pria, obrigando-a a tomar medidas delicadas, como liberar o paciente de seu serviço para evitar um agravo considerável no quadro, caso ele per-manecesse em atendimento multi-disciplinar. “Se o paciente não faz a profilaxia e ele tem hemofilia grave, não deve nem fazer a reabilitação porque as atividades de reabilitação podem implicar em riscos de sangra-mentos”, completa.

Outra falha grave que precisa ser combatida é o acondicionamento ina-dequado dos medicamentos e mate-riais recebidos. É de fundamental importância que os produtos sejam acondicionados seguindo orientações

recebidas e balizadas pelo fabricante para garantir a eficácia do medica-mento, uma vez que o acondiciona-mento incorreto pode levar à perda da ação medicamentosa ou à alteração química, com formação de outro com-posto, o que pode causar intoxicação. Também cabe ao paciente comunicar qualquer alteração de rotina para que a equipe médica faça a reavalia-ção de seu tratamento. “As equipes de saúde precisam compreender que seu papel não é apenas ofertar con-sultas, receitas e medicamentos, mas estar inseridas na vida desse paciente, a fim de identificar e promover ações eficazes de resgate da confiança no tratamento”, afirma Adriana.

É vital para o sucesso do trata-mento que o paciente esteja sempre ciente dos riscos que está correndo devido às consequências do não tra-tamento, dos cuidados incompletos ou não recorrentes. Para isso, as espe-cialistas recomendam aos profissio-nais de saúde, encarregados do aten-dimento multidisciplinar de pessoas com hemofilia, que sempre mante-nham uma conversa franca a fim de esclarecer todas as dúvidas do paciente e garantir que ele compreenda a doença e o tratamento, aceite suas limitações e esteja disposto a utilizar os medicamentos que lhe foram fornecidos da maneira mais adequada. “Ele precisa saber que é portador de uma doença e que isso não o faz diferente dos demais indi-víduos, mas o torna um cuidador de si mesmo”, salienta Suzete. A fisiote-rapeuta destaca que o profissional de saúde precisa ter um papel aco-lhedor e preparar o paciente para que ele enfrente medos e frustra-ções, além de capacitá-lo para uma vida normal, desde que execute o tratamento da maneira correta.

À esquerda, Luciano Rech. Acima, a coordenadora do Centro Clínico da Universidade de Caxias do Sul, Dra. Suzete Grandi. Abaixo, a farmacêutica bioquímica Adriana Andrade Singosemito, do Hemocentro de Caxias do Sul

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EXEMPLO

O grafiteiro Pirata nem sabe ao certo quantas paredes já embelezou pelas ruas de Fortaleza, no Ceará, desde que topou com o graffiti em sua vida. Pirata é o codinome usado por Francisco Isleudo Soares Fausto, artista cearense de 29 anos que fez do graffiti, sprays e pincéis um estilo de olhar e viver a vida desde que pintou seu primeiro muro aos 16 anos. Portador de hemofilia A grave, diagnosticada quando ele ainda era recém-nascido, Pirata realizou um desejo antigo no final de 2018: pintar no muro do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce) um painel em alusão à hemofilia, como parte das atividades cultu-rais realizadas pelo hemocentro no Dia Mundial da Hemofilia. O traba-lho foi feito com apoio financeiro do Hemoce e em conjunto com outros artistas.

“Quis incluir esses grafiteiros jus-tamente para que conhecessem a hemofilia e eu tivesse a oportunidade de conversar com eles a respeito”, conta. O Hemoce é o único centro de referência do Ceará para o aten-dimento das pessoas com hemofilia em todas as faixas etárias, atendendo cerca de 540 pacientes. O atendimento acontece de segunda a sexta-feira, das 7h às 18h.

No graffiti, artistas desenham pala-vras e as imagens usam e abusam do espaço urbano. Fã da obra de Os Gêmeos, grafiteiros brasileiros com vários trabalhos em diversas paredes do mundo, o codinome Pirata, com o qual assina seus painéis, surgiu durante o colégio, em função de uma artrose no joelho. “E apelido, você sabe, quanto mais você não gosta, mais pega. E foi pegando na minha vida e eu acabei levando para o graffiti.”

GRAFFITINO SANGUEPirata espalha sua arte pelas ruas de Fortaleza. No Dia Mundial da Hemofilia de 2018, ele e outros grafiteiros pintaram um muro do Hemoce

Por Madson de Moraes

© Arquivo pessoal

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EXEMPLO

Linhas, personagens e letras cos-tumam fazer parte de suas pinturas pelos cenários que encontra nas ruas da capital cearense, que vão de pare-des a carros abandonados. Apesar de fazer graffiti há mais de uma década, Pirata conta que só começou a evoluir nessa arte a partir de 2016. “Comecei a me entender e me encontrar no graffiti: a forma de pintar, estudar, repassar aquele desenho simples do papel para o muro, direcionando, me sentindo à vontade para traba-lhar aquele desenho na parede”, diz.

Nos últimos anos, seu trabalho no graffiti tem sido mais reconhecido e ele já viajou para mostrar sua arte fora do Ceará, indo a cidades como Curitiba, Rio de Janeiro e outros locais das regiões norte, nordeste e sul. “Consegui descentralizar meu tra-balho. Antes, era só aqui na capital; agora já levei para outros municí-pios cearenses e estados. Ainda não dei um giro por completo no Brasil, o que pretendo fazer, mas estou con-seguindo bem mais reconhecimento em colocar meu trabalho não só na rua, mas também levar para estabe-lecimentos privados e ONGs. Minha rotina do graffiti está em constante ascensão. Hoje, também consigo ter um retorno financeiro disso”, celebra.

O processo de pintar um muro é simples: ele escolhe uma parede que gosta e tenta adequá-la a perso-nagens, letras ou cores. “Se for um ambiente muito degradado, utilizo personagens coloridos para trabalhar e trazer um olhar mais diferenciado

Diagnosticado com hemofilia A quando ainda era recém-nascido, o grafiteiro Pirata realizou um antigo desejo no final de 2018: pintar o muro Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará

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EXEMPLO

Guarulhos (SP), 2012. Eu participava, como presidente da Associação dos Hemofílicos do Estado do Ceará (AHECE), de um curso de formação organizado pela FBH, o Hemofilia no Tom da Vida. Já estava em atividade total nas produções de graffiti pelas ruas de Fortaleza. Naquele exato momento que me encontrava naquela cidade imensa, não seria diferente, não iria ali somente para absorver conteúdo. Também queria estar lá para produzir conteúdo e, lógico, tentei fazer uma minipro-dução de graffiti na temática proposta pelo curso que a entidade apresentava.

Escolhi uma praça em frente ao hotel onde aconte-cia o evento, para assim realizar a proposta do painel. Por não ter autorização do local para a intervenção, logo deparei com uma situação desagradável. Uma guarda municipal metropolitana que fazia a ronda passou e fez uma abordagem despreparada. Quando dei por mim, já estava dentro da viatura da PM rumo à delegacia local para assinar um TCO por crime de degradação do patri-mônio público.

Aquela seria a minha primeira vez dentro de uma delegacia, respondendo por um crime que, a meu ver, nem era crime; e ainda mais fora do meu estado, por ironia do destino e desconhecimento de todos que ali se encontravam, que não conheciam a arte do graffiti.

Era mais do que surreal tudo aquilo e, ao mesmo tempo, a desinformação alimentava a situação. Importante ressaltar que, naquele instante, eu tive apoio por parte de alguns associados, representantes de associações e da presidente da FBH, Tania Pietrobelli, que me acom-panhavam na delegacia. Pude ver na prática a existência de uma irmandade, uma parceria além do que eu ima-ginava. Sem aquele fundamental apoio, eu poderia ter sido interpretado de outra forma pelos policiais envolvi-dos na ocorrência e que não demonstravam a gentileza de sequer ver a situação com bons olhos.

Essa parceria e atenção da FBH aos associados em geral e, em especial, à minha pessoa naquele momento, foram como um acesso para estabelecer um bom diá-logo entre a situação proposta e para que eu pudesse sair dali sem mais complicações. Pude esclarecer, para as autoridades de plantão, minha ação naquela praça,

informando que não se tratava de uma ação de vanda-lismo, e sim de uma intervenção artística que se deno-minava graffiti. Pude contextualizar a proposta por trás daquilo e, principalmente, mostrar que eu não estava só. Que estávamos todos ali por motivos justos e eu estava exercendo de fato meu trabalho, que se redigia em cima de uma pesquisa autoral.

Essa história serviu de muita experiência para mim. Vi que, com toda boa intenção e motivos justos, prati-cava uma arte que era então bastante desconhecida e marginalizada na região sudeste do País e o quanto precisava continuar fazendo e seguindo minha intuição de perseverar naquilo que mais sinto prazer em fazer: desconstruir o olhar de discriminação era a ideia-chave do momento. Mas, sem a ajuda de alguns amigos com hemofilia, meu amigo Marcelino, que na época era vice-presidente da Ahece, e a atual presidente da FBH, Tania, eu não teria conseguido sair daquela situação. Tudo serviu de aprendizado e impulso para hoje ter a certeza de que as controvérsias existem e precisamos ver além do que vemos, para assim construirmos pontes que nos trazem o alívio de viver sonhos que constroem realidades antes jamais alcançadas.

Comecei a fazer graffiti em 2006, mas essa expe-riência em 2012 foi um divisor de águas. A partir disso, foquei mais no que eu queria para mim como grafiteiro, como direcionar meus trabalhos na rua e redes sociais, minha formação superior como assistente social, minha atuação dentro da Ahece como idealizador de ideias e propostas para a comunidade de pessoas com hemofi-lia e seus familiares, para assim ser reconhecido como pessoa e artista, solidificando minha trajetória no graffiti em níveis local e nacional, passando a direcionar melhor meus trabalhos, assim expandindo novos horizontes. Hoje, viajo por várias cidades do Brasil, a convite de grandes eventos de graffiti, como Street of Styles, em Curitiba, e Origraffes, no Espírito Santo. Esses foram os últimos eventos importantes em que participei em 2018; eles acontecem anualmente, promovendo o grafiteiro e impulsionando-o a estar na rota do graffiti nacional e ser reconhecido. Assim, são valorizados trabalhos e projetos. Isso me direcionou como empreendedor do meu próprio negócio: não me vejo mais somente como artista, mas sim como parte do agente movedor de meus próprios sonhos e de aonde quero chegar com meus propósitos.

DEPOIMENTO

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EXEMPLO

© Arquivo pessoal

a ele. Se é um local com uma parede mais limpa ou um lugar mais are-jado, mas que tenha outros tipos de problemáticas como a violência, eu trabalho personagens com algo nas mãos ou frases que tragam algum tipo de mensagem”, conta o grafiteiro.

Presidente de 2011 a 2015 da Associação dos Hemofílicos do Estado do Ceará (Ahece), filiada à Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), Pirata explica que seu envolvimento na enti-dade buscou dar mais visibilidade para a hemofilia e trazer outras pes-soas para a luta. “O intuito era não só repassar o conhecimento que eu estava tendo ali, mas também incenti-var as pessoas com hemofilia a toma-rem para si a causa e entrarem junto nessa batalha. Era capacitar pessoas para que elas também pudessem vir à luta”, afirma. O passe livre para pes-soas com hemofilia é uma conquista

da Associação. “Foi um trabalho de formiguinha que íamos fazendo e hoje faz toda a diferença. Agora temos o passe livre intermunicipal e interesta-dual, e estamos na batalha pelo passe livre em Fortaleza, que está prestes a sair”, garante.

Sobre o muro grafitado no Hemoce em 2018, Pirata ressalta que a ideia é expandir para hemocentros do interior do estado. “A proposta é bem legal, mas, para realizar, eu preciso de apoio e parcerias. Ainda tenho essa dificul-dade. O Hemoce conseguiu bancar o material, mas com um pouco de difi-culdade porque é caro. Aos trancos e barrancos, conseguimos realizar. Queremos dar continuidade a esse projeto em 2019. O intuito será pintar os hemocentros nos interiores, fazer esse painel e, em contrapartida, pro-mover uma oficina de pintura com os pacientes da região.”

"O intuito era não só repassar o

conhecimento que eu estava tendo ali, mas também

incentivar as pessoas com hemofilia a

tomarem para si a causa e entrarem

junto nessa batalha. Era capacitar

pessoas para que elas também

pudessem vir à luta",Pirata

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COBERTURA

O acesso ao tratamento de ponta para o combate de doenças hema-tológicas ou onco-hematológicas foi o ponto central da oitava edi-ção do Fórum Educacional das Instituições de Apoio aos Pacientes Portadores de Doenças Hematológicas

ou Onco-Hematológicas. O encon-tro fez parte da programação do Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (Hemo 2018). Além da participação da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), a Associação Brasileira

de Linfoma e Leucemia (Abrale), Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta) e Associação de Pessoas com Doença Falciforme e Talassemia de Belo Horizonte e Região Metropolitana (Dreminas) contaram suas experiên-cias na assistência a esse público.

EM PROL DE PESSOASFBH participa da oitava edição do Fórum Educacional das Instituições

de Apoio aos Pacientes Portadores de Doenças Hematológicas ou Onco-Hematológicas. Evento fez parte da programação do Hemo 2018, um dos maiores congressos de hematologia e hemoterapia do mundo

Por Daniele Amorim

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COBERTURA

O Fórum, tradicional na progra-mação do Congresso, teve a partici-pação da presidente da FBH, Tania Maria Onzi Pietrobelli, dos mem-bros da Diretoria e de profissionais da saúde, pessoas com hemofilia e familiares que prestigiaram o debate.

A falta de capacitação dos profis-sionais de saúde foi o principal pro-blema apresentado pelas entidades, o

que leva a um déficit no atendimento de pessoas com hemofilia, em espe-cial em regiões mais afastadas do País. Com o objetivo de sanar a difi-culdade de atendimento qualificado pela equipe multiprofissional, em especial nas regiões mais afastadas, a FBH apresentou um projeto piloto denominado Rede de Cuidados em Hemofilia e Educação dos Tratadores (Reheduca) O estado escolhido para execução do projeto foi o Pará, devido à extensa dimensão territorial e difi-culdade de acesso nas regiões mais distantes dos grandes centros. O pro-jeto foi executado pela Associação Paraense de Portadores de Hemofilia e Coagulopatias Hereditárias (Aspahc), pelo Hemocentro do Pará (HEMOPA) e teve o patrocínio da Novo Nordisk Haemophilia Foundation (NNHF). Por meio da promoção de eventos sobre a patologia, a iniciativa capa-cita o público que está em municípios mais afastados da capital. “A ação é destinada às pessoas que têm hemo-filia, seus familiares e profissionais de saúde”, contou Christianne Maria Oliveira Costa, presidente da Aspahc.

A capacitação dos diferentes públi-cos envolvidos no processo de tra-tamento tem o objetivo de garantir atendimento pleno para as pessoas com distúrbios sanguíneos em dife-rentes especialidades, e não apenas na hematologia. O levantamento sobre talassemia feito pela Abrasta mos-tra ser maior o número de pessoas que frequentam o consultório de um hematologista mensalmente (49%), mas o percentual é inferior em outras especialidades. “O problema ocorre na consulta com outros especialistas, porque não são todos os profissionais que entendem a doença e sabem como tratá-la”, comentou o vice-presidente da Associação, Eduardo Fróes.

© Taba Benedicto/FBH

O 8º Fórum Educacional das Instituições de Apoio aos Pacientes Portadores de Doenças Hematológicas ou Onco-Hematológicas reuniu representantes de organizações de pacientes em prol da defesa de políticas públicas

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COBERTURA

© Arthur dos Reis/FBH

Outra doença debatida no Fórum foi a anemia falciforme. A presidente da Dreminas, Maria Zeno Soares da Silva, usou o momento de seu dis-curso para abordar o trabalho desen-volvido pela instituição e a impor-tância de iniciativas em prol das pessoas com doença falciforme. “A Dreminas é formada por 7.500 asso-ciados, espalhados por todo o estado de Minas Gerais.”

Além do acesso ao tratamento para doenças hematológicas e onco--hematológicas como tema do pri-meiro painel, o Fórum abordou o aprimoramento dos procedimentos que auxiliam no aumento da sobre-vida das pessoas diagnosticadas com talassemia. A hematologista e hemo-terapeuta do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), Mônica Veríssimo, falou sobre a adaptação das necessi-dades de cada paciente à quelação de

Hematologistas também palestraram no 8º Fórum, falando sobre suas atuações no ramo e atualizações científicas. No foto, estão os médicos Monica Verissimo, Juliano Lara e Giorgio Baldanzi

ferro. Na sequência, o coordenador do Setor de Tomografia e Ressonância Cardiovascular da Radiologia Clínica de Campinas, Juliano Lara, discorreu sobre o papel da ressonância magné-tica para a avaliação da sobrecarga de ferro. Por fim, o médico Giorgio Baldanzi, do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar), discursou sobre o ajuste do trata-mento para o perfil de cada paciente.

O TRABALHO EM UM HEMOCENTROA rotina da Fundação Hemominas também foi destaque no Fórum. A coordenadora do Hemocentro de Belo Horizonte, Priscila Cezarino Rodrigues, palestrou sobre a rotina clínica e laboratorial do maior hemo-centro de Minas Gerais. O estado é o terceiro maior do Brasil em prevalên-cia de hemofilia e talassemia. “Temos

um número muito grande de pessoas com doenças hematológicas que são atendidas na capital”, afirmou. Para atender à demanda, a hematologista aposta na formação de profissionais de diferentes áreas para fazer a orga-nização documental, realizar treina-mentos periódicos, incentivar a pes-quisa, buscar atualizações constantes e dar visibilidade às ações.

FBH NO HEMOAlém do Fórum Educacional, a FBH manteve um estande no setor de exposição para que os congressistas pudessem conhecer o trabalho exer-cido nacionalmente pela instituição. A Diretoria da FBH esteve presente no Hemo e realizou reuniões institu-cionais. O Congresso é uma excelente oportunidade de reunir profissionais e parceiros da FBH, além de atualizar o conhecimento científico na temática.

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NA REDE

Em 3 de novembro, representan-tes da FBH, Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta) e Associa-ção de Pessoas com Doença Falci-forme e Talassemia do Estado de Minas Gerais (Dreminas) se reuni-ram com o responsável pela Gerên-cia de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa, João Batista da Silva Jr., e com a Dra. Margareth Ozelo, da Unicamp.

A FBH participou, em 13 de novem-bro, em Belo Horizonte (MG), da audiência pública sobre o direito ao trabalho das pessoas com hemofilia, doença falciforme e talassemia. A ins-tituição levou ao Ministério Público do Trabalho informações sobre as circunstâncias que permeiam a vida das pessoas que convivem com essas patologias. O intuito do encontro foi evidenciar para o Governo as limi-tações impostas pelas patologias, implicações no contexto familiar,

O encontro teve como objetivo fortalecer a atuação da representa-ção de pacientes em parceria com a Anvisa, ampliar a discussão e a par-ticipação dos pacientes nas políticas públicas de sangue e acompanhar o desenvolvimento de produtos de terapias avançadas. A reunião impul-sionou o processo que corre junto a Anvisa sobre a autorização para o estudo da Terapia Gênica no Brasil.

grau de incidência na população bra-sileira, dificuldades na contratação e empregabilidade. Como encaminha-mento da Audiência, a procuradoria elaborou um relatório com as con-clusões e demandas apresentadas que está disponível para análise. O ponto mais relevante em relação a hemofilia foi a demanda reprimida das cirurgias ortopédicas e a dificul-dade de próteses de maior durabili-dade, uma vez que trata-se de pes-soas jovens e em idade produtiva.

Reunião sobre segurança e incorporação de tecnologias

FBH se reúne com Ministério Público do Trabalho em MG

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o Hem-cibra (emicizumabe) para o trata-mento da hemofilia A. O medica-mento deverá ser utilizado por pes-soas que desenvolveram inibidores contra o fator de coagulação, um distúrbio hereditário que afeta o sis-tema de coagulação e faz com que os pacientes tenham dificuldade de estancar sangramentos espon-tâneos ou causados por traumas.

O diferencial do novo produto é que ele é de aplicação subcutânea, em vez de intravenosa, e aplicado uma vez por semana. Geralmente, a aplicação intravenosa acontece três vezes semanais.

Até o momento, o Hemcibra se mostrou muito eficaz, levando à redução de 87% dos casos hemor-rágicos nos novos pacientes.

Antes de estar disponível para compra pelo Ministério da Saúde, o produto deve passar pela Comis-são Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS para ser ava-liada a incorporação na tabela SUS.

Medicamento para hemofilia A é aprovado pela Anvisa

Portadores de hemofilia não precisarão mais pagar pelo transporte público no Maranhão. O projeto, que inclui meios de transportes terres-tres e aquaviários (trens, ônibus e balsas), foi aprovado pela Assembleia Legislativa em 23 de outubro e seguirá para a sanção governamental.A medida, segundo Neto Evangelista, criador da

Lei, se dá pelo fato de a doença ser crônica e o paciente ter que frequentar inúmeras vezes um consultório médico. Para facilitar a aplicação da Lei, foi proposta ainda a criação de uma car-teira emitida para o paciente. Vale ressaltar que o benefício se estende ao acompanhante previa-mente cadastrado.

Projeto de lei garante gratuidade a passageiros com hemofilia

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NA REDE

© Divulgação/FBH

Encontro com a FBH:associações e hemocentros receberam a Federação para reuniões com pessoas com coagulopatias, familiares e profissionais da saúdeEntre 18 e 22 de novembro, a FBH esteve em quatro estados - Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Per-nambuco -, participando de reuniões com pessoas com coagulopatias, familiares e profissionais da saúde.

As associações e hemocentros desses estados reu-niram o público para receber a presidente da FBH, Tania Maria Onzi Pietrobelli, que contou como sua trajetória de vida contribuiu para a mudança do pano-rama do tratamento da hemofilia no Brasil, além de

falar sobre as perspectivas e desafios enfrentados para a melhoria do tratamento. Os encontros rece-beram cerca de 130 pessoas e foram promovidos com os objetivos de levar aos pacientes e familiares infor-mações sobre tratamento e importância da adesão; fortalecer o vínculo entre associações, hemocentros e pacientes; incentivar a participação dos pacientes e familiares nas associações. Para 2019, a FBH pro-grama a visita em outros estados.

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A Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência (CIASPD) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) promoveu o I Seminá-rio de Saúde da Pessoa com Deficiência, em 4 de dezembro, em Brasília (DF). A presidente da FBH, Tania Maria Onzi Pietrobelli, compareceu repre-sentando os usuários. Esse foi mais um dos even-tos preparatórios para a 16a Conferência Nacional de Saúde, objetivando colher as demandas dos usuários por acessibilidade e inclusão nas políti-cas públicas de saúde.

FBH participa do I Seminário de Saúde da Pessoa com Deficiência, em Brasília

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) renovou o quadro de conselheiros nacionais na eleição realizada em 13 de novembro, em Brasília (DF). A FBH conquistou a cadeira de primeiro-suplente em uma das vagas para entidades nacionais de defesa dos portadores de patologias e defi-ciências. O representante será Elias Marques Ferreira, da Sociedade de Hemofílicos da Paraíba. A FBH continuará fortalecendo a participação no controle social, em defesa do SUS e da garantia da saúde plena dos usuários.

Eleições do CNS:FBH tem vaga na suplência

Cristiane Garcia, enfermeira, presidente da Associação dos Hemofílicos e Pessoas com Doenças Hemorrágicas Hereditárias de Rondônia, membro do Conselho Fiscal da Federação Brasileira de Hemofilia e da Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde das Pessoas com Deficiência do Conselho Nacional de Saúde, falou sobre a impor-tância do profissional de enfermagem na adesão do paciente à profilaxia e da equipe multiprofissional para a qualidade do trata-mento das pessoas com hemofilia. A pales-tra foi durante o 21o Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem (CBCENF), que aconteceu de 26 a 30 de novembro, em Campinas (SP). Maior evento científico anual da área de saúde na América Latina, o CBCENF disponibilizou seis mil vagas, com inscrições gratuitas, e tratou de temas como Enfermagem em evidência: foco na valorização profissional, tendo como eixos temáticos:

1. Valorização, cuidado e tecnologias 2. Ética, legislação e trabalho 3. Políticas públicas, educação e gestão

Com intensa programação científica, construída em parceria com os Conselhos Regionais de Enfermagem, o Congresso contribuiu para o fortalecimento da pro-fissão, promovendo a difusão do conhe-cimento e o intercâmbio entre profissio-nais e entidades.

A importância do enfermeiro na adesão do paciente à profilaxia

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NA REDE

© Divulgação/FBH

FBH realiza três encontros do projeto FBH Convida no segundo semestre de 2018, em Caxias do SulDe 19 a 21 de julho, 16 a 18 de agosto e 18 a 21 de outubro, a FBH promoveu três encontros do FBH Convida, pro-jeto inovador lançado em 2018, vol-tado para capacitação e intercâmbio de experiências entre associações. Nesses encontros, membros das associações de Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Rondônia, Tocantins, Goiás, Maranhão, Per-nambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe estiveram em Caxias do Sul (RS) para integrar uma intensa agenda de atividades. Lá, os convidados participaram de painéis sobre o panorama do tra-tamento da hemofilia no Brasil, que envolveu aspectos relaciona-dos aos avanços e desafios ainda enfrentados para o acesso ao tra-tamento pleno em todo o País. Os participantes do encontro também

fizeram uma visita ao Hemocen-tro de Caxias do Sul e à Faculdade de Fisioterapia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), que realiza atendimento fisioterapêutico às pessoas com coagulopatias.

Mas não foram somente as pales-tras que pautaram os encontros do FBH Convida. Os participantes pude-

A Anvisa aprovou, no início de outubro, um novo pro-duto biológico para o tratamento e profilaxia de san-gramento de pacientes com hemofilia B: o Idelvion (alfa-albutrepenonacogue).

O produto consiste em uma proteína purificada produzida por tecnologia de DNA recombinante, gerada pela fusão genética de albumina recombinante com o fator IX de coagulação recombinante. O medi-camento biológico substitui de forma eficaz o fator ausente, que é necessário para a hemostasia, e for-nece intervalos de administração mais longos. Além disso, o Idelvion controla e previne sangramento em ambientes cirúrgicos. A publicação está no Diário Ofi-

cial da União (DOU) e o registro foi concedido com base na RDC no 55/2010.

Já a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnolo-gias no SUS (Conitec) abriu a consulta pública 74 para incorporação do alfaeftrenonacogue (Elprolix), fator IX recombinante de longa duração para tratamento da hemofilia B. Esse produto foi aprovado pela Anvisa, conforme publicação 34 no DOU em 22 de fevereiro de 2016. A Conitec lançou parecer desfavorável à incor-poração desse medicamento no SUS e a FBH realizou grande mobilização nas redes sociais para incentivar a participação dos usuários discordando do parecer. A consulta ficou aberta até 18 de dezembro de 2018.

ram conhecer o escritório da FBH e visitaram a Vinícola Perini, que elabora o Vinho Solidário, apoiador da FBH e Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama).

Vale lembrar que o FBH Convida é um projeto da Federação Brasi-leira de Hemofilia, com o apoio das empresas Novo Nordisk e Roche.

Novas opções de tratamento para a hemofilia B

FBH Convida capacita membros de associações sobre temas importantes das hemofilias A e B

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