promoÇÃo da saÚde e prevenÇÃo de doenÇas

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PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS Marcia Faria Westphal UM CASO MINEIRO Dois mineiros, de cócoras, varas de pescar à mão, pitam e proseiam à beira do rio. De repente, vêem um menino deba tendo-se nas águas. Um entreolhar meteórico, ato contínuo mergulham no rio e retiram o garoto. Retomam à sua prosa, agora entreconada de momentos de cisma. A velha binga acende os cigarros de palha, jogados no canto da boca. Passa meia hora e novo menino aparece no meio do rio. Repetem o gesto, automaticamente, lançando-se na água e salvando o segundo menino. Retomam os postos e a conversa. Proseiam, como gastar o tempo, sobre a torpeza das árvores do cerrado. Rápido, ", um interrompe e observa: Éí cUmpadre, hoje o rionum'i:á pra peixe" e outro completa: "Isquisito tá mais pra minino". Um barulho estranho faz com que levantem a. vista e vejam, no < meio do rio, um terceiro garoto, já quase desfalecido. lmedia- ,_ to, um deles se joga na água. O outro fica de pémas não se atira no rio. O que sejogou convoca: "Cumpadre vamos saivá mais esse". A resposta fulminante: "Esse ocê saiva sozinho qui el,lvô pros lado da cabeceira do rio, pegá quem tá jugando esses minino n'água". . Fonte: caso mineiro adaptado por E. V. Mendes, Núcleo Cida des Saudáveis, Esmig, 1999. Moral da história: a Promoção da Saúde sempre vai até as causas, é sua vocação, seu sentido. A HISTÓRIA DA HUMANIDADE, OS documentos paleontológicos ou es critos existentes e em poder dos homens indicam que sempre{ houve preocupação com a promoção da saúde do ser humano, seu cresci mento, seu desenvolvimento físico e mental e a prevenção das doen ças, significando "impedir que se realize"; "'preparar; chegar antes de; dispor de maneira que evite [ dano]" (Czeresnia, 2003). Dos gregos na Antiguidade, mais ou menos 460 a.C. a 146a.C., herdamos o conceito de indivíduo são, emancipado em meio à concepção de cultura cidadã no âmbito da pólis. Os gregos valorizavam os aspectos físicos da saúde pessoal. Jogos,. ginástica e outros exercícios foram a representação do ideal da força física, destreza e graça. Desenvol - vimento harmonioso de todas as faculdades humanas foi o princípio filosófico orientador. Foram desse tempo também as primeiras referên - cias à importância das condições de vida como determinantes da saúde, encontradas nos escritos de Hipócrates sobre saúde e ambiente foca -

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PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS

Marcia Faria Westphal

UM CASO MINEIRODois mineiros, de cócoras, varas de pescar à mão, pitam e proseiam à beira do rio. De repente, vêem um menino debatendo-se nas águas. Um entreolhar meteórico, ato contínuo mergulham no rio e retiram o garoto. Retomam à sua prosa, agora entreconada de momentos de cisma. A velha binga acende os cigarros de palha, jogados no canto da boca. Passa meia hora e novo menino aparece no meio do rio. Repetem o gesto, automaticamente, lançando-se na água e salvando o segundo menino. Retomam os postos e a conversa. Proseiam, como gastar o tempo, sobre a torpeza das árvores do cerrado. Rápido,", um interrompe e observa: Éí cUmpadre, hoje o rionum'i:á pra peixe" e outro completa: "Isquisito tá mais pra minino". Umbarulho estranho faz com que levantem a. vista e vejam, no <meio do rio, um terceiro garoto, já quase desfalecido. lmedia- ,_to, um deles se joga na água. O outro fica de pémas não se atira no rio. O que sejogou convoca: "Cumpadre vamos saivá mais esse". A resposta fulminante: "Esse ocê saiva sozinho qui el,lvô pros lado da cabeceira do rio, pegá quem tá jugando esses minino n'água"..Fonte: caso mineiro adaptado por E. V. Mendes, Núcleo Cidades Saudáveis, Esmig, 1999.Moral da história: a Promoção da Saúde sempre vai até as causas, é sua vocação, seu sentido.

A HISTÓRIA DA HUMANIDADE, OS documentos paleontológicos ou escritos existentes e em poder dos homens indicam que sempre{ houve preocupação com a promoção da saúde do ser humano, seu crescimento, seu desenvolvimento físico e mental e a prevenção das doenças, significando "impedir que se realize"; "'preparar; chegar antes de; dispor de maneira que evite [ dano]" (Czeresnia, 2003).Dos gregos na Antiguidade, mais ou menos 460 a.C. a 146a.C., herdamos o conceito de indivíduo são, emancipado em meio à concepção de cultura cidadã no âmbito da pólis. Os gregos valorizavam os aspectos físicos da saúde pessoal. Jogos,. ginástica e outros exercícios foram a representação do ideal da força física, destreza e graça. Desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades humanas foi o princípio filosófico orientador. Foram desse tempo também as primeiras referên-cias à importância das condições de vida como determinantes da saúde, encontradas nos escritos de Hipócrates sobre saúde e ambiente focalizados na trilogia Ar, Água e Espaços. À fábula de Esculápio também traduz esta preocupação dos povos gregos com saúde e doença. Diz ela que ele tinha duas filhas que viviam em constante tensão pelo amor do pai, ora uma com, maior espaço ora outra. A Panacéia era conhecida como a deusa da cura, das medicinas e dos procedimentos terapêuticos e Higéia, a deusa da saúde, cujo nome deu origem à palavra Higiene, que significa moderação no viver (Green & Anderson, 1986; Restrepo,2001).Com a destruição de Corinto no ano 146 a.c. os conhecimentos e as práticas dos gregos migraram para Roma onde foram absorvidas com modificações, pois o Estado e não o indivíduo era de importância primária. Da cultura romana, também

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no tempo antigo, resgatamos a importância das políticas públicas integradas e intersetoriais, como produtoras de saúde. O registro dos cidadãos e dos escravos, o censo enfim, colaboravam no planejamento das ações de saúde: O reconhecimento da determinação socioambiental da saúde, resultou em ações governamentais pela saúde por meio de um sistema,sanitário, que previa entre outras coisas dotar a população de água pelo sistema público de abastecimento. Galeno, o mais famoso dos médicos romanos, 'foi o primeiro a relacionar a liberdade proporcionada por uma renda econômica adequada à situação de saúde da população (Restrepo, 2001).Os considerados anos negros da saúde foram os do período medieval. Como o clero era a classe dominante, as ações de governo eram em relação ao espírito com um abandono total do corpo e de todo seu cuidado. O período do Renascimento, séculos XV e XVI, ao contrário do esperado, também não apresentou grandes avanços no conceito e nas práticas de saúde. A expansão do mundo, com o início da era das grandes navegações, que tem como um dos resultados o descobrimento das Américas, produz outro tipo de tensão de caráter mais sociocultural. Os países do Novo Mundo e os europeus, nesse período, não trocaram entre si somente doenças, mas também as experiências em relação às medidas de prevenção e promoção mais relacionadas à conversão dos gentios à estilos de vida saudáveis, portanto utilizando processos comportamentalistas e autoritários.

Nos séculos XVII, XVIII registraram-se muitos avanços na medicina, assim como na Saúde Pública, sendo o microscópio o descobrimento mais importante. Nesse período em função do desenvolvimento do conhecimentp científico se assentaram as bases da bacteriologia e da microbiologia que orientam até hoje as práticas médicas e sanit_rias. O advento do absolutismo autoritário como forma de governar implicou a adoçãQ da "polícia sanitária" como política de saúde, que obrigava pela coerção e pelo poder de polícia aos sadios a adotarem comportamentos adequados à saúde e aos indivíduos doentes a se isolarem.Os profissionais de saúde, do século XIX, deram continuidade aosdesenvolvimentos científicos tanto em medicina clínica e microbiologia, como em patologia e fisiologia. Em função dos problemas sociais da época decorrentes da Revolução Industrial, aumentou a mortalidade geral e infantil, e para seu enfrentamento emergiram os 'conceitos de medicina social e saúde coletiva baseados na relação entre saúde e condições de vida. Reforçando a tensão paradigmática daquele momento, encontramos os trabalhos de Chadwick, que. reviu a Lei dos Pobres, elaborou a publicação Report on the Sanitary Conditions of Labouring Class, inaugurando a estratégia de Promoção da Saúde nos espaços de vida, como importante elemento para a produção sociafda saúde _(Chadwick, 1842, citado por Restrepo, 2005, Andrade & Barreto, 2003).Mas o representante mais significativo desta época, considerado o pai da medicina social e que não é possível desconhecer como precursor da Promoção da Saúde foi Rudolf Virchow, p

Um reforço desta vertente por um esforço acadêmico direcionado à mudança do ensino médico, e do ensino de outros profissionais do setor, foi estabelecido para aperfeiçoar esse ideário e ás novas práticas coerentes com ele. Entre os vários projetos de reformulação, o da Fundação Carnegie para o Progresso do Ensino foi triunfante, sobrepondo-se e obtendo repercussão internacional. Deu origem ao Relatório Flexner, de 1910, que veio a instituir o ideário hegemônico no campo da saúde até alguns poucos anos. Entre as ações implementadas pela reforma no ensino médico de então, destacam-se: (1) o aumento da duração dos cursos para quatro anos, com o ensino de laboratório; (2) a vinculação das escolas

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médicas às universidades e, ,com isso à pesquisa e ao ensino; 3) a ênfase na pesquisa biológica e o reforço à especialização. Com os progressos alcançados no ensino, na pesquisa e na prática médica foi se consolidando paradigma biomédico até hoje vigente e hegemônico. Os hospitais continuam a ser considerados o centro da assistência, e no imaginário coletivo o discurso sobre saúde geralmente se limita a reflexões a respeito de doenças (Mendes, 1985, Santos & Westpha!, 1999).Para Kickbusch (2004), o passado e o presente estão aí desafiando o raciocínio dos profissionais de saúde. Os avanços nas ciências biológicas, a partir do século XIX, alteraram os níveis de saúde de forma sensível e seus efeitos positivos são inegáveis, mas não deram e não estão dando conta dos efeitos das mudanças sociais; culturais, econômicas e políticas que estamos tendo de enfrentar no início deste século. Pessoas continuam morrendo de velhas e novas doenças. Todos, estejam em um "sofisticado resort" nos países asiáticos, em um país desenvolvido do Hemisfério Norte ou em um país em desenvolvimento estão preocupados com a próxima epidemia global que desta vez pode chegar ao continente ou país em que vivem. A violação dos direitos humanos persiste avassaladora nos países em regime democrático. Multiplicam-se hoje no nosso meio as vítimas de violências e acidentes, das doenças crônicas não transmissíveis, das endemias antigas que têm ressurgido, às vezes com novas roupagens. Microorganismos antes desconhecidos, favorecidos pelo processo de globalização que. intensificou a troca entre os países em todos os setores, encontraram formas rápidas de disseminação.A mudança na biologia humana, a mudança cultural decorrente do processo de globalização e a crise da modernidade, que não cumpriu suas promessas de desenvolvimento social, vêm aumentando a pobreza com conseqüências deletérias para a saúde da população. A realidade, especialmente dos países em desenvolvimento, vem mostrando que o modelo biomédico não e suficiente para dar conta da nova problemática, mostrando que evidentemente as promessas de saúde para todos no início do século XXI -vão falhar (Declaração de Alma-Ata, 1978, apud Brasil, 2001; Kickbusch, 2003; Santos, 2001).Vamos analisar agora, no item seguinte deste capítulo, as diferenças e semelhanças entre Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças, baseando-nos na premissa de que as diferenças entre elas estão relacionadas às concepções de saúde e doença que orientam suas práticas e às vertentes político-ideológicas a que elas têm-se filiado. No item "Aprofundando o conceito e estratégias da Promoção da Saúde", vamos apresentar o que modernamente_entendemos por Promoção da Saúde, a partir da contribuição dos elementos obtidos das conferências internacionais da área e na definição de seus principios e estratégias. Finalmente a título de conclusão, discutiremos o significado da Promoção da Saúde no contexto atual. Vamos tentar chegar "à cabeceira do rio", estabelecendo hipóteses sobre o que acontece nessa "ponta do iceberg" e qual a contribuição que a Promoção da Saúde pode dar à deterioração das condições de vida e saúde, especialmente de grandes segmentos da população marginalizados dos efeitos do desenvolvimento econômico global. Esta é a vocação, o sentido da Promoção da Saúde.

A PREVENÇÃO DAS DOENÇAS E A PROMOÇÃO DA SAÚDE

A Promoção da Saúde foi assim, denominada, pela primeira vez, no início do século XX por

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Henry Sigerist, um dos mais brilhantes sanitaristas que concebeu as quatro funções da medicina - Promoção da Saúde, Prevenção das Doenças, Trata,mento dos Doentes e Reabilita-ção. Para ele a Promoção da Saúde significava por um lado ações de Educação em Saúde e por outro ações estruturais do Estado para melhorar as condições de vida, Ações sobre os determinantes da saúde já estavam presentes nas reflexões deste autor. .Outro nome importante do final do século XIX é' o de Thomas McKeown, que, ao estudar os fatores causais da mortalidade da população inglesa, chamou atenção para os fatores que mais contribuíram para melhoria qualidade de vida da população inglesa - "desenvolvimento econômico, nutrição e mudança nos níveis de vida da população e muito menos as intervenções de caráter médico". Os argumentos de McKeown foram considerados importantes na formação do marco referencial da Promoção da Saúde que focaliza suas intervenções nos determinantes da saúde. Ao mesmo tempo, suas idéias influenciaram o movimento de medicina social e epidemiologia social que fizeram questionamentos críticos à teoria e prática da Saúde Pública nas décadas de 1960, 1970 e 1980 na América Latina.Outra visão contra-hegemônica de meados do século XX aparece nos trabalhos de dois. outros sanitaristas da época - Leavell &. Clark (1965). O modelo explicativo criado por eles - "história natural do processo saúde e doença" - contempla a "tríade ecológica" na explicação da causalidade do processo de adoecimento . 'Para os autores, microorganismos interagem com o ambiente, que favorece ou não sua sobrevivência e multiplicação como agente etiológico (agente). Um exemplo é o do mosquito aedes aegypti, que abriga o vírus da dengue, depende de condições ambientais - temperatura, umidade, luz e outros - que favoreçam ou não a sua procriação (ambiente). A predisposição do indivíduo (hospedeiro) à doença é o seu componente genético e a sua resistência, sendo esta relacionada a seus comportamentos ou estilo de vida, como, por exemplo, alimentação, con-dições de trabalho, e outros. Dependendo do tipo de interação que mantém o agente e o ambiente e do grau de resistência do hospedeiro poderá se desenvolver a doença, ser mais ou menos difícil a cura e a recuperação da doença e a prevenção de complicações.

A partir da perspectiva da história natural da doença, recuperada com base neste referencia!, os autores propuseram medidas de intervenção nos diferentes estágios da doença. Vejam no Quadro 1 abaixo os três níveis de Prevenção e a inclusão da Promoção da Saúde como um dos níveis de prevenção primária, juntamente com medidas de proteção específica no momento que os autores denominam período pré-patogênico, ou f!1elhor, o momento em que a doença ainda não iniciou seu processo de instalação.

Quadro 1. Níveis de aplicação _de medidas preventivas na história natural da doençaPROMOÇÃO DA SAUD E

PROTEÇÃO ESPECIFICA

DIACNÓSTICO E TRATAMENTO PRECOCELIMITAÇÃO DA INVALlDEZ

REABILITAÇÃO

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Prevenção prirnária

Prevenção secundária

Prevenção terciária

Fonte: Leavell & Clark (1965).

Diferenciação entre Promoção da Saúde e Prevenção de Doença no modelo de Leavell & Clark pode ser feito, primeiramente, em relação aos objetivos da promoção e de cada nível de prevenção. A Promoção da Saúde é uma ação de prevenção Primária, portanto se confunde com prevenção, segundo estes autores, do mesmo nível da proteção específica (exemplo, vacinação). Corresponde a medidas gerais, educativas, que objetivam melhorar a resistência e o bem-estar geral dos indivíduos (comportamentos alimentares, não-ingestão de drogas, ta-baco, exercício físico e repouso, contenção de estresse), para que resistam às agressões dos agentes. Estes mesmos indivíduos devem receber orientações para cuidar do ambiente para que este não favoreça o desenvolvimento de agentes etiológicos (comportamentos higiênicos relacionados à habitação e entornas). Exemplos mais comuns de medidas de Proteção Específica são as vacinas, ou mesmo o uso da "camisinha" no caso de doenças sexualmente transmissíveis.A Prevenção Secundária e Terciária de acordo com a história natural das doenças de Leavell & Clark (1965) objetivam a redução dos fatores de risco relacionados aos agentes patogênicos e ao ambiente propondo entre outras coisas medidas educativas e fiscalização para a adoção ou reforço de comportamentos adequados à saúde e de enfrentamento da doença.A Prevenção Secundária opera com dois tipos de população: (1) os indivíduos sadios potencialmente em risco, para identificar precocemente doentes sem sintomas e (2) com doentes ou acidentados com diagnóstico firmados, para que se curem e na impossibilidade que se mantenham funcionalmente sadios, evitando assim complicações e morte prematura. Em relação aos primeiros, as estratégias são populacionais - exames para detecção precoce do câncer ginecológico em mulheres, os exames de escarro para detecção da tuberculose e outros. A Prevenção Secundária com indivídu9s doentes se faz por meio de práticas clínicas preventivas e práticas educativas para adoção ou mudança de comportamentos - alimentares, atividades físicas e outras. A Prevenção Terciária focaliza os que têm seqüelas de doenças ou acidentes e objetivam a sua recuperação ou a sua manutenção em equilíbrio emocional. Esta opera também por meio de atividades físicas, fisioterápicas e de saúde mental.

O objetivo da aplicação das medidas Preventivas Primárias (dentre elas a Promoção da Saúde), Secundárias e Terciárias, portanto, na perspectiva da história natural da doença é evitar as doenças ou seu agravamento.Se considerarmos os modelos anteriores, que ancoravam a Prevenção em ações somente sobre a biologia humana, o modelo explicativo e as ações propostas por Leavell & Clark significaram um grande avanço. Esses autores chamaram a atenção dos profissionais às saúde sobre o potencial das ações no ambiente e sobre os estilos de vida na Prevenção de Doenças. Inovaram também na proposição de medidas preventivas incluindo ações educativas, comunicacionais e ambientais às já existentes - laboratoriais, clínicas e terapêuticas - como

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complementação e reforço da estratégia. . .Até hoje, muitos profissionais. de saúde entendem a Prevenção das Doenças e a Promoção. da Saúde da forma proposta por estes autores. A tensão paradigmática relacionada às concepções de saúde e à sua causalidade, que mencionamos anteriormente, continuaram pro-duzindo outras críticas e outros modelos explicativos e de intervenção. Vêm à tona as reflexões e críticas dos pensadores da área de saúde vinculados às vertentes da Medicina Social e da Saúde Coletiva. Estes puseram em pauta questionamentos à tríade ecológica, considerando que esse modelo explicativo não considerava os efeitos positivos e negativos das condições de vida e trabalho e da inserção social dos indivíduos nos níveis de saúde das populações. Com base em estudos que apontavam para determinação social do processo saúde e doença, se voltaram para uma perspectiva humanístico-emancipatória de ação, que pôs em pauta a democratização do processo de decisão em saúde. A tensão o paradigmática foi explicitada e tomou corpo em oposição ao modelo de Leavell & Clark, focalizando suas explicações na história social do processo saúde doença (Green, 1986; Andrade 8.1'Barreto, 2001; Santos, 2001; Kickbush, 2003).O caminho em direção ao moderno conceito de Promoção da Saúde, diferenciado do de Prevenção de Doenças, ainda percorreu outros caminhos, antes de ser discutido, elaborado e desenvolvido em Conferências Internacionais. Uma influência importante na construção do conceito foi a do ministro canadense Lalonde que na década de 1970/ questionou os investimentos realizados pelos governos anteriores a partir dos resultados em melhoria dos indicadores de saúde. Realizou investigações sobre a causalidade do processo saúde doença no seu país e verificou que os estilos de vida e ambiente eram responsáveis por oitenta por cento das causas das doenças e que não estava havendo investimento no controle dessas causas. Com esses argumentos questionou com eloqüência o papel exc1usivo da medicina na resolução dos problemas de saúde/ atribuindo ao governo a responsabilidade por outras medidas tais como o controle de fatores que influenciam o meio ambiente como a poluição do ar/ a eliminação dos dejetos humanos e águas servidas e outros. Elaborou e publicou o Informe Lalonde (1974), documento do seu ministério orientado pela proposta de “Campo da Saúde', sugerindo as seguintes dimensões a serem consideradas individualmente ou em conjunto na elaboração das políticas governamentais de saúde: ambiente, a biologia humana, os estilos de vida das pessoas e o sistema de saúde. X publicação deste' Informe e seu conteú-do político tomou seu autor um dos responsáveis pelo início de uma nova era d_ interesse social e político pela saúde pública. Denominou as intervenções no ambiente de Proteção da Saúde, as dirigidas aos sistemas de saúde de Prevenção e as que focalizam os estilos de vida de Promoção da Saúde o que não corresponde ainda ao novo enfoque. Que vimos anunciando (Ashton, 1993; Organização Pan-Americana da Saúde, 1996; Restrepo, 2001).Outro avanço, do nosso ponto de vista foi a Conferência de Alma Ata que aconteceu em 1978, em Kazak, na antiga União Soviética. A Saúde foi pela primeira vez reconhecida como um direito a ser atendido não só pela melhoria do acesso aos serviços de saúde mas por um trabalho de cooperação com os outros setores da sociedade. A sua estratégia básica, a Atenção Primária à Saúde, com participação dos usuários no processo, gradativamente/ foi demonstrando que a meta estabelecida por seus participantes – “Saúde para todos no ano 2000” depende de mudanças nas relações de poder entre os que oferecem serviços de saúde e os que os utilizam. A expressão "Promoção da Saúde" relacionado com autonomia e emancipação começou a ser

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mais e mais utilizado por aqueles insatisfeitos com as abordagens de cima para baixo, higienistas e normatizadores da Educação em Saúde e da Prevenção de Doenças. No Con-gresso Canadense de Saúde Pública de 1984, denominado "Para Além da Assistência a Saúde", realizado para avaliar os progressos após dez anos da publicação do Informe Lalonde, foram definidos princípios para o que estava sendo entendido por Promoção da Saúde. Os princípios definidos àquele tempo foram: a Promoção da Saúde. (1) envolve a população como um todo, no contexto de vida diário, em vez de focalizar as pessoas em risco de serem acometidas por uma doença específica; (2) é dirigida para a ação sobre os determinantes ou causalidade social, econômica, cultural, política e ambiental da saúde; (3) combina métodos e abordagens diversas, porém complementares; (4) objetiva particularmente efetiva e concreta participação social; (5) é basicamente uma atividade do campo social e da saúde e não somente serviço de saúde. Assim, os profissionais de saúde, particularmente os envolvidos na atenção primária a saúde, têm importante papel de fortalecer e possibilitar a Promoção da Saúde. Ao final desta reunião, Duhl (1986) apresenta o ideário de uma nova estratégia que denominou Cidades Saudáveis como uma utopia a ser alcança da (Hancock, 1990).No ano seguinte, os dirigentes do Escritório Europeu da Organi'zação Mundial de Saúde iniciaram um programa que objetivava a formação de uma rede de "Cidades Saudáveis" na Europa,.pondo em prática os pressupostos da Promoção da Saúde relacionados à determinação social do processo saúde doença. Os elementos principais de todas estas iniciativas, segundo Ashton (1993) foram: (1) a preocupação com a pobreza da população e a dificuldade de reverter a situação; (2) necessidade de reorientação dos serviços de saúde; ( 3) a importância da participação comunitária e desenvolvimento de coalizões entre o setor público, setor privado e o voluntariado. .Segundo Restrepo (2001), outra influência positiva para a construção da Promoção da Saúde, foram os resultados dos estudos epidemiológicos avaliativos realizados sobre a intervenção direcionada a minimizar a influência dos "Fatores de Risco de Doenças Coronarianas". Estes foram realizados na cidade de Carélia do Norte, na Finlândia, na década de 70 e 80 do século XX e mostraram que com uma estratégia mais ampla que envolva a política atuando sobre condições e estilos de vida diminuiu a incidência das doenças coronarianas na população. Este famoso projetor baseou-se em um enfoque populacional para influenciar os comportamentos e na advocacia por políticas públicas saudáveis relacionadas produção de alimentos, educação em saúde nas escolas, controle do tabagismo entre outras condições de vida. Lamen-tavelmente muitos dos que desenvolveram projetos semelhantes deram maior importância às intervenções que focalizavam as mudanças de comportamento e menos às estratégias político-populacionais (Puska, 1995, apud Restrepor 2001). .Naido & Wills (1994) analisaram e claassificaram as diferentes iniciativas de Promoção da Saúde realizadas no passado e atualmente em cinco grupos de acordo com as conceituações subjacentes às iniciativas estudadas: (1) Biomédicas - caracterizadas por uma definição de saú-de como ausência de doença e pelo trabalho centrado na cura, tratamento e prevenção de doenças específicas; (2) Comportamentais dirigidas à transformação dos comportamentos dos indivíduos, voltados aos estilos de vida, limitadas aos fatores sob controle dos indivíduos; (3) educacionais - focalizadas também nos estilos devida, porém na perspectiva do empoderamento individual ou da auto-ajudar sendo os aspectos estruturais e as relações de poder não consideradas centrais para a mudança; (4) de empoderamento coletivo - associadas ao desenvolvimento comunitário baseado na participação de todos os envolvidos no

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problema; (5) para a transformação social - centradas na construção partisipativa de políticas públicas saudáveis, sendo orientadas pelo princípio da eqüidade que orienta para a mudança das relações de poder e para ações 'sobre os determinantes sociais da saúde. São iniciativas que consideram a Promoção da Saúde como um processo participativo de produção social da saúde, que ocorre no contexto do desenvolvimento econômico e social das instituições, das cidades, das regiões, dos países, objetivando a melhoria das condições de saúde e qualidade de vida das populações, mediante políticas públicas eqüitativas e intersetoriais.Nós sintetizamos a classificação do autor e apresentamos, no Quadro 2, três conceitos de Promoção da Saúde e os conceitos de saúde que os orientam bem como os tipos de práticas dominantes em cada vertente: biomédica, comportamental e socioambiental (Stachtchenco &. Jenicek 1990; Seedhouse, 1997; Naido &. Willsr 1994).Os conceitos apresentados no Quadro 2, sugerem que a prevenção das 'doenças é mais vinculada a uma visão biologicista e comportamentalista do processo saúde doença e a Promoção da Saúde, como entendemos hoje, mais vinculada a uma visão holística e socioambiental do mesmo processo, colocando-se como uma prática emancipatória e um imperativo ético (Westphal, 2000; Akerman, Bogus & Mendes, 2004).A prevenção de doenças identifica riscos, atua sobre eles, mas não considera de sua alçada a gênese desses riscos; nem o estudo de suas naturezas, mecanismos de atuação, meios de prevenir sua existência.

Quadro 2. Concepções de saúde e diferentes visões da Promoção da SaúdeABORDAGENSBIOMÉDICACOMPORTAMENTALSOCIOAMBIENTALConceito de saúdeAusência de doenças e incapacidadesCapacidades físico-funcionais; bem-estar físico e mental dos indivíduosEEstado positivo Bem-estar bio-psico-social; e espiritual; Realização de aspirações e atendimento de necessidadesDeterminantes de saúdeCondições biológicas e fisiológicas para categorias específicas de doençasBiológicos, comportamentais; Estilos de vida inadequados à saúdeCCondições de risco biológicas, psicológicas, socioeconômicas, educacionais, culturais, políticas e ambientaisPrincipais estratégiasVacinas, análises clínicas individuais e populacionais, terapias com drogas, cirurgiasMudanças de comportamento para adoção de estilos de vida saudáveis. Coalizões para advocacia e ação política;. Promoção de espaços saudáveis;. Empoderamento da população;. Desenvolvimento de habilidades, conhecimentos, atitudes;. Reorientação dos serviços de SaúdeDesenvolvimento de programasGerenciamento profissional

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Gerenciamento pelos indivíduos, comunidades de com profissionaisGerenciados pela comunidade em diálogo crítico com profissionais e agências.

O moderno conceito, que mencionamos acima, como algo em construção, apresenta agora elementos que permitem diferenciá-lo das práticas de Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde, conforme propostas de Leavell & Clark A prevenção de doenças focaliza os aspectos biológicos e não considera, nas suas estratégias de "dispor de maneira que evite" (Czeresnia, 2003), a dimensão ,histórico-social do processo saúde doença e portanto não inclui, nas suas formas de ação, políticas públicas saudáveis e intersetoriais que dêem conta dos determinantes sociais, econômicos, políticos, educacionais, ambientais e culturais do processo saúde e doença. Por outro lado não estimulam nas coletividades processos de ampliação do poder, a valorização das suas potencialidades, para que 'estas advoguem por melhoria das suas condições de vida e trabalho. Não envolvem as coletividades nos processos de tomada de decisão em relação às políticas de saúde para enfrentamento dos seus problemas. Não se assume, portanto, como prática política emancipatória, um imperativo ético no mundo contemporâneo (Buss, 2001; Czeresnia, 2001; Freitas, 2001; Akerman, Mendes & Bogus, 2004).É possível trabalhar no campo da prevenção em uma perspectiva da "nova Promoção da Saúde"?De acordo com os conceitos desenvolvidos nos últimos vinte anos nas Conferências Internacionais de Promoção da Saúde, tentaremos demonstrar que a Promoção da Saúde, vista na perspectiva socioambiental, é uma nova forma de abordagem, um conceito, positivo, que pode ser aplicada a atividades de prevenção, tratamento, reabilitação e até em atividades de assistência de longo prazo. É necessário que os princípios dessa nova abordagem, que descreveremos mais adiante, sejam seguidos, e as estratégias ampliadas para haver esta compatibilização (Rootman, 2001).

APROFUNDANDOO CONCEITO E ESTRATÉGIAS DA PROMÓÇÃO DA SAÚDE" .

O moderno conceito de Promoção da Saúde, assim como o de desenvolvimento de novas práticas coerentes com suas bases político-ideológicas, vem acontecendo nos últimos dezenove anos, depois da realização da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, em 1986. As discussões iniciais ocorreram nos países desenvolvidos, especialmente no Canadá e nos países da Europa Ocidental, e mais recentemente vem sendo acolhida na América Latina e em outros continentes em desenvolvimento, como um movimento que pode colaborar na recuperação do sentido ético da vida e da saúde.

Contribuição das 'Conferências Internacionais para o desenvolvimento conceitual,da Promoção da Saúde

Foi na I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, em 1986, que os profissionais reunidos em Ottawa, aprovaram a Carta de Ottawa, o documento mais importante como

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marco. conceitual da Promoção da Saúde. Esta carta apresenta um conceito amplo de saúde como "o mais completo bem-estar físico, mental e so.cial determinado por condições biológicas, sociais, econômicas, culturais, educacionais, políticas e ambientais".A definição de Saúde que permeia a Carta de Ottawa descreve que:

“Para atingirmos um estado de completo bem-estar físico, mental e social, um indivíduo ou grupo deve ser capaz de identificar e realizar aspirações, satisfazer necessidades e mudar e se adaptar ao meio. Saúde é, portanto, vista como recursos para a vida diária, não objetivo da vida. Saúde é um conceito positivo que enfatiza recursos sociais e pessoais assim como capacidades físicas (Brasil, 2001).”

O conceito de Promoção de Saúde, que reforça a importância da ação ambiental e da ação política bem como a mudança do estilo de vida, foi muito importante co.mo referência para o movimento. Promoção de Saúde foi conceituada na Conferência de Ottawa como: "processo de capa citação dos indivíduos e coletividades para identificar o.s fatores e condições determinantes da saúde e exercer controle sobre eles, de modo a garantir a melhoria das condições de vida e saúde da população" (Brasil, 2001).Nesta visão positiva do processo, que ressalta o papel das potencialidades individuais e socioculturais para a produção social da saúde, a saúde deixa de ser um objetivo a ser alcançado., tornando-se um recurso para o desenvolvimento da vida (Pilon, 1992; Russel, 1995).Essa capacita das coletividades; de que fala o conceito definido em Ottawa, deveria ser entendida em dois sentidos: um mais voltado para a melhoria das condições objetivas de vida, através da participação na formulação de políticas públicas saudáveis que os permitissem al-cançar funcionalidades elementares, tais como alimentar-se, obter abrigo, saúde e outra mais subjetiva, para alcançar funcionalidades que envolvem o desenvolvimento pessoal dos participantes: auto-respeito, integração social capacidade para participar da vida social e outras semelhantes. Estava implícito que eram necessárias capacitação, ampliação de poder e mobilização para que saúde fosse reconhecida como um direito e critério de governo no processo de tomada de decisões sobre desenvolvimento econômico-sacial.Outras cinco conferências com as correspondentes declarações e cartas que sintetizam as conclusões e recomendações de outras Conferências Internacionais de Promoção de Saúde, se seguiram nos últimos vinte anos. A partir da concepção de saúde, definida na Carta de Ottawa, na qual esta prática está fundamentada, ficaram definidos compromissos para a implementação da Promoção de Saúde, que extrapolam o setor saúde e exigem parcerias com outros setores de governo - políticos, sociais, econômicos, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos. Fazia-se necessário convocar outras forças sociais para partici-par desse movimento de ampliação das estratégias de Promoção da Saúde. Era necessário fortalecer a capacidade de convocação do setor saúde para mobilizar recursos na direção da produção social da saúde, estabelecendo responsabilidades dos diferentes atores sociais em seus efeitos sobre a saúde,A Conferência de Adelaide, realizada na Austrália em 1988, cumpriu seu objetivo de demonstrar como as políticas públicas de todos os setores de governo influenciam os determinantes da saúde e são um importante veículo para reduzir iniqüidades sociais e econômicas, assegurando o acesso eqüitativo a bens e serviços, bem como aos serviços de

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saúde (Brasil, 2001).Em 1991, aconteceu a Conferência de Sundsval, na Suécia. A conferência teve o grande papel de colocar o tema ambiente na agenda da saúde. O tema central foi "a criação de ambientes saudáveis". Um ano depois o mundo aderiu às propostas da Promoção da Saúde em relação ao meio ambiente na Conferência Internacional de Meio Ambiente realizada no Brasil em 1992 - a ECO 92. Estes dois eventos reforçaram a importância da construção de ambientes de apoio à promoção da saúde, das políticas públicas saudáveis na área ambiental e principalmente o respeito à sustentabilidade ambiental nos processos de desenvolvimento local e global (BrasiL 2001).Durante a Conferência de Jacarta, em 1998, na Indonésia, a globalização da economia, juntamente como a modernização tecnológica, especialmente no campo da comunicação já caminhava a passos largos, constituindo-se no ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista. A ideologia hegemônica com valores diferentes de outros períodos da história dá sustentação a esta nova fase do capitalismo e portanto à economia de mercado global interferindo na dinâmica da vida e do trabalho.Os anos que precederam a Conferência foram momentos em que se evidenciaram as diferenças e as reações à globalização ocasionando vários tipos de problemas, O mundo se dividiu entre os povos que assumiram a globalização e universalização da cultura, dos direitos, como uma característica desta nova fase da humanidade, e os que se rebelaram contra a homogeneização da cultura, da religião e das etnias. O fundamentalismo, a supervalorização da diversidade, da cultura, das etnias, do Estado Nação, deu início conflitos entre povos, que até o momento conviviam no mesmo espaço geográfico dando origem à xenofobia, ao terrorismo e aumentando a violência. Ainda, a globalização associada ao neoliberalismo aumentou a riqueza e ao mesmo tempo a diferença entre ricos e pobres. Nos anos que nos aproximavam do século XXI, o mundo moderno vivia a crise que se caracterizava pelo não cumprimento da promessa de igualdade, liberdade, solidariedade e paz. Nessa crise, a humanidade buscava redirecionar o conhecimento e o desenvolvimento para rediscutir valores e princípios que fizessem frente ao predomínio da intolerância na convivência, ao aumento das guerras, ao acirramento das desigualdades econômicas e sociais intra e interpaíses e ao desenvolvimento desvinculado das reais necessidades dos povos.Para que esta Conferência tivesse resultados que permitissem uma aproximação desta problemática, criou uma pauta que procurou discutir estes problemas, envolvendo nela profissionais de marketing e empresários do setor privado, na tentativa de lidar com a diversidade e buscar uma aproximação. A idéia era tentar parcerias e alianças, para a resolução dos problemas, a partir da sua discussão conjunta e de sua causalidade, sem esquecer o conflito de interesses e experimentando a negociação como técnica para a tomada de decisão: Ao final a Declaração de Jacarta inovou, estabelecendo cinco prioridades para a Promoção da Saúde até o século XXI, procurando enfrentar o novo tempo com novos conhecimentos e novas estratégias, tais como: (1) Promover a responsabilidade social pela saúde; (2) aumentar a capacidade da comunidade e o poder dos indivíduos para controlar as ações que pudessem interferir nos determinantes da saúde; (3) expandir e consolidar alianças para a saúde; (4) aumentar as investigações para o desenvolvimento da saúde; (5) assegurar a infra-estrutura para a Promoção da saúde.Quando da realização da V Conferência de Promoção da Saúde que aconteceu no México no ano 2000, a crise havia aumentado e os compromissos assumidos durante as Conferências não

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se haviam concretizado, e então a metodologia de trabalho diferenciou-se. A Conferência teve dois componentes programáticos: cinco dias de programa técnico e dois dias de programa ministerial. Ambos os grupos se reuniram em espaços conjuntos. Os ministros assinaram a Declaração Presidencial, afirmando reconhecer a contribuição das estratégias de Promoção da Saúde para manutenção das atividades de saúde em nível local, nacional e internacional e comprometendo-se a elaborar Planos Nacionais de Ação com a finalidade de monitorar o progresso da incorporação das estratégias de Promoção da Saúde na política de planificação em nível nacional e local. Os técnicos rediscutiram os assuntos relacionados às prioridades estabelecidas na reunião anterior, reafirmando também a importância da Promoção da Saúde; a necessidade de focalizar os determinantes da saúde; a necessidade que a humanidade tem de buscar construir u_ mundo mais eqüitativo (Brasil 2001).Dezenove anos depois da Conferência de Ottawa aconteceu em 2005 a VI Conferência Global de Promoção da Saúde, em Bancoc na Tailândia, cujo tema foi "Políticas e Parcerias para a Saúde: Procurando Interferir nos Determinantes Sociais da Saúde". Em vez de' convocar os ministros de saúde e cobrar os compromissos assumidos e que não foram cumpridos, resolveram mudar a estratégia convocando os Centros Colaboradores da OMS, na tentativa de comprometê-los com as recomendações da Conferência. A questão da globalização e sua influência nas questões de saúde foram amplamente discutidas procurando ressaltar os aspectos negativos, mas também os efeitos positivos da difusão de conhecimentos, pelos meios tecnológicos de informação. Não temos idéia da repercussão que as conclusões desta Conferência terão no mundo que está quase que totalmente envolvido nos valores positivos e negativos da globalização e com pouca capacidade de reação à ação dos determinantes econômicos e tecnológicos da sociedade global na saúde e qualidade de vida da população. Várias reuniões estão sendo programadas em diferentes regiões do mundo para reinterpretar os resultados e adaptá-los às realidades locais.Conforme pode ser visto por estes comentários sobre as seis Conferências Globais de Promoção da Saúde organizadas pela Organização Mundial de Saúde, sabemos que foram sendo reforçados e difundidos conceitos básicos que exigem o fortalecimento da Saúde Pública em torno do compromisso de Saúde para todos, a partir da utilização de novas estratégias para o atendimento de seus objetivos. A configuração da Promoção da Saúde a partir da Carta de Ottawa ocorreu no tempo e no espaço de emergência das sociedades capitalistas neoliberais e representou uma iniciativa dos países do Norte de resolver o problema das doenças não transmissíveis.Nos países da América Latina, as discussões a respeito do tema surgem pela primeira vez em 1992, quando da realização da I Conferência Latino-Americana de Promoção da Saúde realizada em Bogotá, na Colômbia. Com a insercão dos Países em desenvolvimento na discussão - o tema eqüidade adquiriu centralidade nas discussões e firmou-se nas conferências o discurso da Promoção da Saúde como produção social. Em razão disso, identifica-se nesses documentos uma proposta sociopolítica, que se preocupa com as iniqüidades e com a participação da sociedade no processo de tomada de decisão sobre saúde e qualidade de vida. Preocupa-se, por isso, em disseminar estratégias participativas, que ofereçam oportunidades aos indivíduos para ampliar o seu poder tanto do ponto de vista individual como coletivamente e muitas vezes transcender o setor saúde para enfrentar os determinantes, ou as causas do mal-estar identificando e mobilizando recursos para enfrentá-los.

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Alguns autores, críticos da Promoção da Saúde, afirmam que esta é uma prática altamente prescritiva e tem sido bastante utilizada para configurar conhecimentos e práticas na perspectiva neoliberal e conservadora, estimulando a livre escolha a partir de uma lógica de mercado. Nesta linha de pensamento, a responsabilidade individual é reforçada e a do Estado diminuída. Alguns dizem que a Promoção da Saúde, nessa perspectiva, assume um papel "fascista" e imperialista da saúde" ao impor certos estilos de vida considerados saudáveis. Ao ler as cartas e declarações das Conferências Internacionais de Promoção da Saúde não encontramos propostas que privilegiem mudanças de comportamento mediante intervenções individuais e autoritárias e que culpabilizem os detentores de estilos de vida não saudáveis. Há, explicitamente, nos textos um privilegiamento da visão holística da saúde e da" determinação social do processo saúde doença, da eqüidade social como objetivo a ser atingido, da intersetorialidade e da participação social para o fortalecimento da ação comunitária e da sustentabilidade como princípios a serem levados em consideração ao definir estratégias de ação. ."Na tentativa de trazer mais argumentos para o entendimento das diferenças e das aproximações entre Prevenção de Doenças e Promoção da Saúde, vamos aprofundar a discussão dos princípios explicitados nas cartas, questionando se é possível trabalhar com a Prevenção das doenças na perspectiva da Promoção da Saúde.

Princípios da Promoção da Saúde

As conferências e a literatura sobre Promoção da Saúde afirmam os seguintes princípios como definidores das práticas realizadas nesta perspectiva:

(1) Ações de Promoção da Saúde devem pautar-se por uma concepção holística de saúde voltada para a multicausalidade do processo saúde-doença: ' ..Este princípio justifica-se pela própria complexidade da realidade, refletindo a preocupação de desvendar as questões da saúde em meio aos fenômenos complexos da vida. Orienta as iniciativas de promoção para que fomentem a saúde física, mental, social e espiritual em sua ampla determinação, mediante ações que ultrapassem os limites do setor saúde.Substantivamente, a Promoção da Saúde, concepções e significados levam os profissionais envolvidos com este campo teórico e de práticas, a enfatizar a determinação social, econômica e ambiental, mais do que puramente biológica ou mental da saúde. Os determinantes da saúde são as condições biológicas, econômicas, políticas e sociais que influenciam a saúde dos indivíduos e comunidades.A teorização em torno da determinação biológica, social e econômica da saúde, também se refere ao fato de níveis de saúde da população estarem diretamente relacionados à maneira como a sociedade organiza e distribui seus recursos econômicos, sociais e derivados, isto é, à qualidade e"quantidade "de recursos disponibilizados a cada membro da sociedade, para a sua subsistência (Raphael, 2004).Os problemas e suas causas, entretanto, não são isolados, decorrem das interconexões entre, fatores e dos sistemas entre si. Assim sendo, a análise dos determinantes da saúde não podem ser feitas isoladamente, sem verificação das interconexões com outros fatores, de outras áreas ou setores, com o risco de, através de uma análise fragmentada e incompleta, cometer erros de avaliação e dar soluções parciais, desarticuladas e incompletas aos problemas com

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conseqüências imprevisíveis. É esta a conexão dos determinantes com a visão holística de saúde. É útil ter recortes de um problema para equacioná-lo em uma multiplicidade de níveis, ter diferentes profissionais trabalhando para os mesmos objetivos, de diferentes maneiras e de modo complementar. Os problemas relacionados à Prevenção de Doenças, podem também ser vistos nesta perspectiva e suas estratégias combinadas com as de Promoção da Saúde para que as ações se dirijam para as causas primeiras dos problemas e não somente às suas manifestações concretas (Sícoli &. Nascimento, 2003).Segundo as cartas das Conferências Internacionais e a literatura da área técnica, a valorização da saúde como produção social, no enfoque da determinação social da saúde, orienta para a reflexão sobre a eqüidade social, colocando-a como um princípio e objetivo da Promoção da Saúde (Paim, 1994; Raphael, 2004).(2) A eqüidade como princípio e como conceito vem ocupando espaço relevante nas discussões das políticas sociais de maneira geral e no campo da Promoção da Saúde em particular. Todas as canas e declarações das Conferências Internacionais de Promoção da Saúde ressaltam que esta tem como objetivo garantir acesso universal à saúde e está relacionada à justiça social. Seus objetivos são: "[. . .] eliminar as diferenças desnecessárias, evitáveis e injustas que restringem as oportunidades para se atingir o direito ao bem-estar" (Brasil, 2001, p. 40).O conceito de eqüidade tem raízes nos diversos conceitos de justiça social e, em especial, os vinculados às correntes de pensamento liberal e marxista. As correntes de justiça social liberal apesar de trazerem avanços na tentativa de reparar as injustiças sociais, não apontam para intervenções na causalidade dessas injustiças. O conceito de eqüidade, como vem sendo trabalhado no campo da Saúde Coletiva e da Promoção da Saúde se confronta com as correntes de justiça social liberal, trazendo para o centro da discussão a noção de necessidades diferenciadas, pautadas no materialismo histórico, que explicita a existência de desigualdades sociais estruturais, que produzem diferenças nas condições sociais e conseqüentemente nas necessidades sociais.Segundo Whitehead (1990), a eqüidade em saúde refere-se a diferenças que são ao mesmo tempo consideradas desnecessárias, evitáveis e injustas socialmente. Dessa maneira a noção de eqüidade carrega consigo forte conotação moral que deve ser analisada nos diversos contextos socioculturais em que o conceito é utilizado. Para Whitehead (1990), é necessário compreender, em cada contexto, quais são as condições sociais consideradas injustas e quais as desnecessárias e as evitáveis para que todos os indivíduos possam atingir seu potencial integral em saúde. Como bem explicita Whitehead (1990, p. 11), "o objetivo da política para avançar na direção de uma maior igualdade em saúde não é eliminar todas as diferenças em matéria de saúde, de modo que todo mundo tenha o mesmo nível e qualidade de serviços de saúde, mas reduzir ou eliminar as que resultem de fatores que consideram evitáveis e injustos.. Portanto, trabalhar as eqüidades em saúde significa criar oportunidades iguais para que todos tenham saúde, o que está intimamente relacionado com a distribuição dos determinantes de saúde na população (renda, habitação, educação e outros). Para Mendes (2002), "a promoção da saúde visa à construção de espaços de vida mais eqüitativos. Isto implica analisar os territórios onde as pessoas habitam, detectar os grupos humanos em situação de exclusão e dirigir as políticas públicas de modo a discriminá-los positivamente" (Restrepo, iO05; Mendes, 2002).-,.Uma vez que tem suas ações e políticas dirigidas à eqüidade através de uma ação relacionada

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aos determinantes da saúde, como já apontado, operacionalizar a Promoção da Saúde, com este objetivo, também requer a cooperação entre os diferentes setores envolvidos e a articulação de suas ações: legislação, sistema tributário e medidas fiscais, educação, habitação, serviço social, cuidados primários em saúde, trabalho, alimentação, lazer, agricultura, transporte, planejamento urbano e outros.'Nesse sentido a Organização Pan-Americana da Saúde relaciona a Promoção de Saúde à intersetorialidade - "conjunto de ações no ambiente social, político, educacional, físico, econômico, cultural e de serviços de saúde para proporcionar condições saudáveis e prevenir o surgimento de doenças nos indivíduos e na coletividade".(3) A intersetorialidade com princípio da Promoção da Saúde "reconhece e chancela a multiplicidade de olhares sobre a realidade complexa, permite constituir uma rede única a testemunhar que, na origem de tudo, está em um espírito único a olhar um único mundo" (Mendes, 2002).O deslocamento da questão saúde, para o centro do processo de desenvolvimento social, como propõem as cartas das Conferências Internacionais, exige a superação de propostas setorizadas, assistenciais, compensatórias, e se volta para o alívio de problemas decorrentes de múltiplas causas.A intersetorialidade, segundo Junqueira (1997), "articula saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando ao desenvolvimento e à inclusão social" (Junqueira, apud Junqueira, 1998, p. 84).'O grande desafio para a elaboração de políticas públicas saudáveis, intersetoriais, é superar a dificuldade para implementá-las devido à persistência da lógica setorial, da fragmentação e desarticulação do modelo administrativo tradicional. Exige uma mudança radical das práticas e na cultura organizacional das administrações municipais, pressupondo superar a fragmentação na gestão das políticas públicas. (Westphal &. Ziglio, 1999).Para que isso ocorra, será necessário uma mudança de atitude dos políticos, acadêmicos e técnicos para a interação e integração de saberes entre si e com a população. Esta tarefa, entretanto, é difícil de se viabilizada, mas possível dentro de uma perspectiva processual e gradativa. Mais uma vez, é sempre melhor ampliar os horizontes da Prevenção das Doenças não só oferecendo Proteção Específica ou medicalizando os problemas de saúde, mas também reconhecendo e lidando com a multicausalidade do problema, por meio de ações intersetoriais (Westphal, 2000). ..(4) A participação social. Segundo Mendes (2002), "a promoção da Saúde incentiva diversas formas de participação direta dos cidadãos no planejamento, na execução e avaliação dos seus projetos. Além disto cria mecanismos que estimulam co-responsabilidade; antepõem-se às práticas clientelistas, paternalistas; fortalecem a ambiência democrática e incrementam o gradiente de cidadania".Na busca pela qualidade de vida, a proposta de Promoção, de Saúde em seus pressupostos conceituais e operativos, supõe, entre outros aspectos que a população deva participar na definição da política, no controle social e na avaliação das ações e serviços dela decorrentes. Contempla, portanto, a participação social e política da população tendo em vista o atendimento das necessidades, das demandas e dos interesses das organizações da sociedade civil. .A participação é compreendida como o envolvimento dos atores diretamente interessados - o

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governo, os membros da comunidade e organizações afins, formuladores de políticas, profissionais de saúde e de outros setores e agências nacionais e internacionais - no processo de eleição de prioridades, tomadas de decisões, implementação e avaliação de iniciativas (Brasil, 2001). .O compromisso do Estado com este princípio e com os problemas sociais trazidos à tona por meio dele, são fundamentais. Sem o Estado, a cidadania ativa não se 'realiza plenamente. Cabe, portanto, ressaltar a responsabilidade dos representantes do governo de todos os níveis, de garantir para a população condições de vida favoráveis à' saúde. Os outros atores, indivíduos e instituições relacionadas aos diferentes segmentos da sociedade, também devem compartilhar a responsabilidade pelas ações e devem colaborar para que as condições de vida, de modo geral e nos espaços onde as pessoas vivem e trabalham, sejam também favoráveis à saúde (Brasil, 2001).O princípio da participação social está diretamente relacionado ao fortalecimento da ação comunitária e ao conseqüente empoderamento coletivo, pois é necessário que a população se torne capaz de exercer controle sobre os determinantes da saúde. O empoderamento relacio-na-se ao reconhecimento de que os indivíduos e as comunidades têm o direito e são potencialmente capazes de assumir o poder de interferir. para melhorar suas condições de vida.Um critério essencial para verificar se uma ação, mesmo que tradicionalmente do campo da prevenção secundária, como por exemplo, o controle de fatores de risco de diabetes tipo II, também está promovendo saúde, é idel1tificar se contempla também processos de formação e empoderamento individual e coletivo dos indivíduos e grupos envolvidos. A impossibilidade de participação nos processos de tomada de decisão ou a não-inclusão de ações motivadoras do ernpoderamento coletivo nos programas de Prevenção, impedem que essas ações sejam classificadas dentro da rubrica da Promoção da SaúdeNa prática, como outros princípios, as políticas e ações participativas, nem sempre têm sido implementadas nos programas de Promoção da Saúde e nem no cotidiano dos serviços de saúde.O comentário de Cerqueira de 1997 (p. 17), nesse sentido, continua válido até os dias de hoje, o que não quer dizer que os problemas da participação não possam ser superados: "apesar de numerosos esforços por consolidar um enfoque democrático-participativo, a promoção de saúde continua sendo identificada com práticas individualistas e medicalizantes". _(5) Asustentabilidade, como um outro princípio, remete a um duplo significado: criar iniciativas que estejam de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável e garantir um processo duradouro e forte (Westphal & Ziglio, 1999), Coerentemente com os outros princípios aqui enfocados, a sustentabilidade em Promoção da Saúde envolve também os aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais, intergeracionais e ambientais. A continuidade das políticas de Promoção da Saúde, que representariam a sua sustentabilidade, seriam especialmente importantes tendo em vista que as iniciativas dessa área dirigem-se a questões de natureza complexa, envolvendo processos de transformação coletivos, com impactos a médio e longo prazo (Sícoli &1 Nascimento, 2003).A Promoção da Saúde com esse conceito tão amplo supõe a instituição de uma nova ordem governativa, seja do setor saúde, da cidade, ou do país, com uma tecnologia de gestão complexa, integrada e participativa, que permita o desenvolvimento da saúde e do desenvolvi-mento econômico e social sustentável, conjuntamente,

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A Prevenção das Doenças pode caminhar junto, na perspectiva da Promoção da Saúde, com base em uma proposta de reorientação dos serviços de saúde, um dos seus cinco campos de ação, incluindo nas ações, iniciativas ou programas esses princípios que acabamos.. de enu-merar.

Campos de ação da Promoção da Saúde

Os cinco campos de ação da Promoção da Saúde, inscritos na Carta de Ottawa, diferenciam-se das estratégias de saúde tradicionalmente desenvolvidas pelo setor saúde e principalmente das ações de Prevenção de Doenças, exceto as que se referem à reorientação dos serviços de saúde. Isto não impede entretanto, que as inovações e transformações venham a ocorrer. Esses campos de ação são:1. Elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis, que possam minimizar as desigualdades por meio de ações sobre os determinantes dos problemas de saúde, nos múltiplos setores onde eles se localizam. Podem haver políticas elaboradas para intervir nos mecanismos através dos quais a cultura hegemônica gera e mantém comportamentos positivos e negativos à saúde, como, por exemplo, a "Convenção Quadro sobre o Tabaco" elaborada para conter o uso do tabaco, incentivado pelas indústrias produtoras de cigarro. As políticas públicas saudáveis podem ser estabelecidas por qualquer setor da sociedade. Para serem reconhecidas como do campo da Promoção da Saúde precisam demonstrar potencial para produzir saúde socialmente. São exemplos de políticas saudáveis o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Cidade, a Política Nacional de Trânsito, a Política Nacional de Promoção da Saúde do Ministério da Saúde. Todas as mencionadas atendem ao critério isto é, têm potencial para produzir saúde socialmente (BrasiL 2001). .2. O Reforço da ação comunitária envolve a participação social de atores do Estado e da sociedade civil na elaboração e controle das ações, iniciativas e programas de Promoção da Saúde e deve ter como resultado o empoderamento da comunidade. Prioriza o fortalecimento das organizações comunitárias, a redistribuição de recursos, informações e o empoderamento coletivo ou melhor capa citação dos setores marginalizados do processo de tomada de decisões, para se fortalecerem e formarem grupos de pressão para.abertura do aparato estatal ao controle do cidadão (Organização Pan-Americana da Saúde, 1996; Brasil,200l).3. Criação de espaços saudáveis que apóiem a Promoção da Saúde. Como a saúde é produzida socialmente e nós convivemos em diferentes espaços, é desejável que as pessoas que participem da reflexão sobre potencialidades e problemas existentes nos seus. espaços de convivência - escolas, unidades de saúde, hospitais, locais de trabalho, espaços de lazer e muitas vezes do município como um todo. Redes de escolas promotoras de saúde, de municípios saudáveis, de locais de trabalho saudáveis, de habitação saudável estão sendo organizadas no País e na América Latina como um todo, mas ainda não existem em número significativo que faça a diferença nas condições de vida e saúde.4. Desenvolvimento de habilidades pessoais - se viabilizam mediante estratégias educativas, programas de formação e atualização que capacitem os indivíduos a participar, criar ambientes de apoio à Promoção da Saúde e desenvolver habilidades pessoais relacionadas à adoção de estilos de vida saudáveis.5. A reorientação dos serviços de saúde representa o esforço para ampliação do acesso aos serviços e programas, para o incremento de atividades preventivas através da moderna

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abordagem da Promoção da Saúde e outras atividades relacionadas. Este é o ponto de inflexão desta discussão. Será através de uma reflexão, da revisão e ampliação das estratégias de prevenção de doenças, através do empoderamento dos doentes que advogarão por ações sobre as causas das doenças e pela eqüidade na distribuição de recursos, que será possível a transformação das ações essencialmente preventivas, em ações também de Promoção da Saúde (WestphaL 2000).

SIGNIFICADO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NO CONTEXTO ATUAL

A Carta de Ottawa descreve saúde como um estado ideal e também como um conceito positivo que enfatiza as potencialidades dos indivíduos. É ainda considerada condição essencial para a melhoria da qualidade de vida. A Constituição brasileira no seu capítulo de Saúde, insti-tucionalizou saúde como um direito humano básico, "um direito de todos e dever do Estado li.Neste documento adotamos como conceito de saúde orientador da Promoção da Saúde, a concepção positiva de saúde, holística, multideterminada, processual e ligada a direitos básicos do cidadão. Sabemos entretanto que a concepção hegemônica, no momento atual é saúde como ausência de doença, uma mercadoria, um bem comercializável em oposição à concepção de saúde como direito do cidadão. Nesse sentido a Promocão da Saúde sobre a qual discutimos neste capítulo, tem a conotação de - mudança de direcionamento -, uma tentativa de transformação social. .As profundas transformações econômicas, sociais e políticas decorrentes do processo de globalização que ganha força a partir da se-gunda metade do século XX, afetam todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento e se constitui no ápice do processo de internaciona-lização do mundo capitalista.Esta situação é conseqüência do impacto combinado de uma revolução tecnológica, a formação de uma economia global e um processo de mudança social e cultural que estabeleceu uma nova ordem mundial regida pelas grandes empresas capitalistas multinacionais (CasteJJs, 1996).Sua existência foi possibilitada, por um lado, pelos avanços da ciência, que produziu um sistema de técnicas presidido pelas do campo da informação, que asseguraram, pela primeira vez na história da humanidade, o conhecimento imediato das inovações, bem como dos principais acontecimentos do mundo, enfim uma "presença planetária" imediata. Por outro lado, fatores políticos tais como a decadência do império socialista, favoreceram a construção de um espaço unipolar de dominação, orquestrado pela emergência de um mercado dito glo-bal, responsável pelo essencial nos processos políticos atualmente eficazes (Santos, 2001).A globalização é ao mesmo tempo um período da história da humanidade e também um momento de "crise". Como um período, suas características variáveis influenciam todos os setores da vida, direta ou indiretamente. Como crise, as mesmas variáveis construtoras do sistema estão se chocando e exigindo novas definições e novos arranjos. A ideologia hegemônica com valores diferentes de outros períodos da história dá sustentação a esta nova fase do capitalismo e portanto à economia de mercado global, interferindo na dinâmica da vida e do trabalho. A dupla tirania, "do dinheiro e do poder", fornece as bases do sistema ideológico que justifica o processo de globalização, reforça-o como o único caminho histórico, apesar das crises que acarreta e favorece a aceitação de soluções oferecidas por instituições financeiras internacionais para solucionar as crises ocasionadas por elas próprias (Santos,

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2001).Essa é a primeira perversidade da globalização - a ideológica que conforma uma nova ética para as relações sociais e interpessoais, valoriza a competitividade e o individualismo, interferindo na vida das pessoas e criando problemas sociais sustentados pelos poderes, que regulam as atividades econômicas globais, sejam eles legais ou ilegais.Seja qual for o ângulo pelo qual se examinem as situações características do período atual, a dinâmica da realidade e seu ethos orientador pode ser vista como responsável, por um lado, por um desenvolvimento econômic9 nunca visto antes, mas, por outro lado, de grandes males. Os modelos de desenvolvimento assumidos pelos países, especialmente dos países em desenvolvimento, centrados no econômico, se tornam cada vez mais excludentes, voltados para o pagamento da dívida externa produzida pela concentração do capital e do poder pelas empresas multinacionais localizadas fora deles. Os esforços neste sentido, voltados para o econômico, e não para as necessidades humanas, têm resultado em um empobrecimento crescente das massas, acompanhado da incapacidade da esmagadora maioria da população de participar de forma eqüitativa do consumo de bens materiais e culturais.A crise, que corresponde às respostas a esta exclusão das sociedade dependentes tem-se expressado de várias maneiras:

(1) afirmação de sua identidade cultural em termos fundamentalistas, decretando guerras religiosas e étnicas aos infiéis da ordem dominante; (2) estabelecimento de uma conexão perversa à economia global, especializando-se em negócios ilegais; (3) migração em massa para os países centrais e (4) a procura de alternativas para a grande proporção da população marginalizada da produção e do consumo, que gera violência e outros males do nosso tempo (Castells, 1996). .

Já estamos no ano 2006 e neste quadro global classificamos o Brasil como um país em desenvolvimento, dependente, com poucos segmentos incorporados à economia global e grande proporção da população marginalizada do processo. Uma pequena parcela da população tem acesso a uma proporção substancial da crescente produção de bens e serviços, ao passo que uma proporção muito grande é forçada a sobreviver com o restante.Bens e serviços sofisticados ficam à disposição de um pequeno número de consumidores. O consumo se torna o grande produtor e encorajador dos imobilismos e oposição a processos de construção do cidadão.A solidariedade se perde neste novo universo de competitividade. A acumulação de riqueza sem distribuição eqüitativa de benefícios sociais exacerba a competição e o conflito.

Uma conseqüência imediata do modelo de desenvolvimento adotado, economicista e neoliberal na sua essência, é a desigualdade que impacta sobre a qualidade de vida e saúde da população e as condições ambientais. A descentralização e mecanização dos processos produtivos provocam o desemprego e ampliam o emprego informal. Atualmente no Brasil um terço dos empregos são informais. A desigualdade gera uma diversidade de posicionamentos e significados diante das situações de vida que criam contradições e aumentam o conflito por interesses diversos.As práticas de saúde são, reconhecidamente, as formas pelas quais a sociedade estrutura e organiza as respostas aos problemas de saúde. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) se

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institucionalizou com a Constituição de 1988, como reação ao modelo biomédico e hospitalocêntrico, então vigente, que não estava mais dando conta dos problemas decorrentes da transição epidemiológica e demográfica que se iniciava. Os princípios do SUS estabeleceram as bases para a abordagem integral da saúde no Brasil.O SUS, entretanto, tem-se concentrado nos serviços de atenção à doença. Esta dinâmica privilegia a utilização de tecnologias médicas mais sensíveis às injunções do mercado. Coerentemente com os valores da globalização, o sistema vem reforçando a abordagem individual, 'engessando a epidemiologia, que, na origem, constituiu-se como área estruturante da saúde coletiva. A indústria médica e seus produtos continuam se expandindo com a mesma velocidade que a informática, e seu uso não se relaciona às necessidades epidemiológicas e nem sequer a evidências científicas consistentes. Na maioria dos casos, os serviços de saúde tornaram-se meros consumidores do mercado sustentado pela perspectiva de' desenvolvimento da modernidade. A prática sanitária atual, portanto, é configurada, direcionada pelo paradigma hegemônico, que valoriza a doença e o consumo dos meios diagnósticos e de tratamento e pelo contexto já descrito, marcado pelo processo de globalização.A inserção do moderno conceito de Promoção da Saúde no SUS, a partir do enfoque socioambiental, positivo (Quadro 2) poderá favorecer o questionamento da prática atual e recuperar as promessas da Reforma Sanitária, redirecionando seus caminhos bem como os da prevenção, no sentido da emancipação das populações.A Promoção da Saúde também está sendo ameaçada pela "Revolução pelo Bem-Estar", mobilizada pelo setor privado para aumentar o consumo dos produtos considerados saudáveis, dando à população a impressão de estar se protegendo e promovendo a sua qualidade de vida (Westphal, 2000). Se nada fizermos e o SUS, Promoção da Saúde e a Prevenção das Doenças continuarem nesta direção, cada vez mais se . ampliarão as diferenças entre ricos e pobres, as iniqüidades impedindo _ a realização dos ide-?is da modernidade relacionados à emancipação do ser humano. .Como alerta Cerqueira, a ameaça é grande: "La promoción de la salud sigue vincula con un enfoque de prevención de la enfermedad que coritinúa siendo acción dominante" (Cerqueira, 1997, p. 17). .A prevenção das doenças, a cura e a reabilitação podem seguir o mesmo caminho, contribuindo para o desenvolvimento e emancipação do ser humano, na conformidade com este marco teórico que corresponde ao delineado pelo Grupo de Trabalho de Promoção da Saúde da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco, 2003), com o qual compartilhamos. Para o grupo:

“A compreensão da Promoção da Saúde e da qualidade de vida na América Latina pressupõe o reconhecimento do imperativo ético de responder às necessidades sociais no marco dos direi-tos universais fundamentais, posto que entendemos o direito à saúde como expressão direta do direito fundamental à vida. A resposta às necessidades sociais derivadas dos direitos se totaliza no enfrentamento dos determinantes sociais da saúde e qualidade de vida. A identificação destas necessidades sociais reivindica uma ação coletiva participativa dentro de contextos específicos que evidenciam a complexidade de sua determinação e ilumina as potencialidades daquele contexto social em tela” (Abrasco, 2003).

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Finalizamos com uma frase de Akerman, Bogus &. Mendes (2004) que sintetiza uma visão do significado da promoção da saúde no contexto atual:

“Promover a vida, os direitos do cidadão é compartilhar possibilidades para que todos possam viver seus potenciais de forma plena, é perceber a interdependência entre os indivíduos, organizações e os grupos populacionais e os conflitos decorrentes desta interação, é reconhecer que a cooperação, solidariedade, transparência [. . .] entre os sujeitos [. . .] precisam ser resgatadas. Promover saúde é uma imposição das circunstâncias atuais que apontam para a necessidade [. . .] de novos caminhos éticos para a sociedade” [. . .].