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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O painel “Práticas Pedagógicas na Educação Infantil” é composto por trabalhos que
contemplam diferentes perspectivas sobre as práticas pedagógicas, caracterizando,
assim, olhares divergentes que convergem em prol da infância. O trabalho “Práticas
Pedagógicas na Educação Infantil: a perspectiva das professoras e dos pais de alunos”
discute as concepções expressas por professoras e pais de alunos sobre as práticas
pedagógicas desenvolvidas na escola de Educação Infantil com ênfase no processo de
desenvolvimento cultural das crianças a partir de pressupostos da Teoria Histórico-
Cultural. Já o trabalho “Práticas pedagógicas na educação infantil: o olhar das famílias”
apresenta uma discussão sobre as concepções e expectativas maternas em relação às
práticas pedagógicas e educativas que ocorrem no interior da instituição de Educação
Infantil como elementos que norteiam e determinam a forma como as mães se
relacionam com a instituição e com as professoras. Por fim, o trabalho “A atividade
criadora mediada pela „arte lúdica‟: um olhar para as implicações da formação inicial e
permanente do professor da educação infantil” refere-se a um trabalho resultante de
pesquisa de Pós-Doutorado em andamento na Universidade Federal de São Carlos cujo
objetivo foi refletir sobre a atividade criadora na perspectiva da Teoria Histórico-
Cultural e sobre práticas pedagógicas mediadas pela arte integrada ao lúdico que
possam enriquecer os cursos de formação (inicial e permanente) do professor de
educação infantil. Os dados apresentados nesse recorte resultaram da aplicação de um
programa de intervenção, apresentado no formato de um curso de extensão oferecido na
própria Universidade por meio das denominadas ACIEPES: Atividades Curriculares de
Integração Ensino, Pesquisa e Extensão. O presente painel integra, portanto,
perspectivas diferenciadas sobre o trabalho docente do profissional de educação infantil
a partir dos olhares de familiares e dos próprios profissionais responsáveis pelas práticas
pedagógicas desenvolvidas em contexto educacional destinado a crianças menores de
seis anos.
Palavras-Chave: Educação Infantil, Práticas Pedagógicas, Teoria Histórico-Cultural
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3668ISSN 2177-336X
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O OLHAR DAS
FAMÍLIAS
Taciana Mirna Sambrano
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – Cuiabá – MT
Resumo:
O presente trabalho é parte de um estudo mais amplo que buscou descrever e
analisar a natureza das relações que ocorrem entre o contexto da instituição de educação
infantil e família de crianças de três anos, bem como analisar as mudanças e
continuidades no processo de desenvolvimento das atividades e das relações
interpessoais estabelecidas no ambiente escolar. Para este painel, propõe-se um recorte
que tem como objetivo apresentar uma análise acerca das práticas pedagógicas a partir
da perspectiva de mães de crianças de três anos matriculadas em instituição de educação
infantil, localizada no interior do Estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa de
abordagem qualitativa cujos dados foram coletados por meio de entrevistas
semiestruturadas direcionadas às mães de crianças de três anos matriculadas pela
primeira vez em uma instituição de educação infantil pública. Partindo do pressuposto
de que a criança tem direito de viver experiências prazerosas e que o trabalho
pedagógico da educação infantil fundamenta-se no lúdico, as mães tendem a relacionar
o que proporciona prazer e satisfação às crianças como algo superficial, dificultando
uma concepção de educação infantil com fundamentadas intenções pedagógicas para as
crianças de três anos. Os resultados da pesquisa revelam que as concepções e
expectativas maternas em relação às práticas pedagógicas e educativas que ocorrem no
interior da instituição de educação infantil norteiam e determinam a forma como as
mães se relacionam com a instituição e com as professoras. O relacionamento entre as
mães e professoras ocorre por meio de uma partilha mútua, criando elos entre a família
e da escola. A forma como as mães caracterizam as práticas pedagógicas e participam
da vida escolar de seus filhos parece estar intimamente relacionada à concepção que
elas têm sobre as profissionais que atuam no contexto escolar.
Palavras-chave: Educação Infantil; Práticas Pedagógicas; Expectativas maternas
O momento histórico atual tem se constituído de discussões de diferentes setores
da sociedade brasileira – sociais, políticos e econômicos, além do âmbito acadêmico –
sobre a área da educação destinada a crianças menores de cinco anos, sobretudo após a
promulgação da Emenda Constitucional nº59 de 2009 (BRASIL, 2009a) que torna
obrigatória a frequência escolar às crianças com idade a partir de quatro anos, bem
como após a aprovação do mais recente Plano Nacional de Educação.
Especificamente sobre estes aspectos, a despeito dos ganhos e retrocessos
discutíveis no âmbito acadêmico e que não fazem parte do escopo do presente texto,
considera-se que, semelhante ao apresentado por Vieira,
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[...] a universalização da pré-escola, para atingir as crianças dos meios
populares das cidades e do campo, incluindo as afrodescendentes, indígenas e
quilombolas, é meta do novo PNE. Para tanto, a obrigatoriedade escolar
estendida à pré-escola deve significar, mais que uma imposição às famílias,
um meio de propiciar uma universalização que oportunize experiências
enriquecedoras e emancipadoras no percurso escolar de todas as crianças
pequenas brasileiras. (2011, p.257)
Apesar de a obrigatoriedade de matrícula das crianças maiores de quatro anos
dividir as opiniões das famílias, o foco deste trabalho é apresentar as expectativas e
impressões familiares sobre as práticas pedagógicas que ocorrem na educação infantil a
partir das experiências de crianças de três anos vivenciadas em instituições coletivas de
educação e cuidado de crianças menores de seis anos. Portanto, são crianças que ainda
gozam do direito ao acesso à educação infantil, mas como opção da família e não como
direito público subjetivo, como representa a educação infantil a partir do ano de 2016
para crianças acima de quatro anos de idade (BRASIL, 2009).
As práticas pedagógicas na Educação Infantil, primeira etapa da Educação
Básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394
(BRASIL, 1996), devem estar intencionalmente voltada para o cuidado e educação das
crianças em complementação ao trabalho da família, em um contexto em que o
desenvolvimento integral da criança se efetive por meio de práticas planejadas e
ocorram de
modo prazeroso, lúdico, onde as brincadeiras espontâneas, o uso de materiais,
os jogos, as danças e cantos, as comidas e roupas, as múltiplas formas de
comunicação, expressão, criação e movimento, o exercício de tarefas
rotineiras do cotidiano e as experiências que exigem o conhecimento dos
limites e alcances das ações de crianças e adultos sejam contempladas”
(ASSIS, 1998, p.71).
À educação infantil cabe uma concepção de criança como um ser que busca
construir sua identidade dentro de um clima de segurança e autonomia, que se
pergunta continuamente sobre o mundo, na sua forma de “ser, sentir, brincar,
expressar-se, relacionar-se, mover-se, organizar-se, cuidar-se, agir e responsabilizar-
se”, partes do todo de cada criança, “que desde bebê vai gradual e articuladamente
aperfeiçoando esses processos nos contatos consigo próprio, com as pessoas, coisas e
o ambiente em geral” (ASSIS, 1998, p.69).
No que se refere à profissionalidade específica da educação infantil, verifica-
se que a responsabilidade pela educação e cuidado de crianças pequenas, que são
seres completos, totais e indivisíveis, e que trazem consigo suas famílias e a
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necessidade da participação destas no processo inicial de escolarização já
demonstram, sucintamente, em qual terreno se efetiva o trabalho do professor1 deste
nível da educação básica. Além desses aspectos, sua profissionalidade está baseada
numa rede de amplas interações, em que as relações interpessoais ocorrem em vários
níveis e com várias pessoas.
Nesse sentido, Oliveira-Formosinho (2001, p.89) afirma ser a interação uma
característica intrínseca ao profissional da educação infantil, uma vez que a
capacidade de interação com outros parceiros é indispensável a ele; nessa medida,
pode-se dizer que “a profissionalidade da educadora de infância se situa no mundo da
interação e que aí desenvolve papéis, funções, atividades, interfaces.”
A participação dos educadores envolve desde a organização do espaço, acesso
a brinquedos e materiais, divisão do tempo e calendário de atividades, até as relações
e ações conjuntas com as famílias e responsáveis, legitimando seu papel e
compromissos no âmbito da educação infantil.
Em se tratando das famílias, entidade dinâmica que situa e legitima o indivíduo
no seu espaço social, apresenta especificidades que a diferenciam de qualquer outra
instituição, uma vez que adota formas de organização distintas no que diz respeito a
suas finalidades e funções (ZAGO, 1998).
No contexto familiar, atualmente a criança ocupa o centro das relações e
caracteriza-se como um participante ativo na medida em que mantém trocas
significativas nas interações que estabelece com os adultos da família, exercendo
influências bidirecionais e recíprocas na construção do conhecimento intergeracional e
na transmissão da cultura, de acordo com Dessen e Braz (2005).
Em relação à educação das crianças dentro do ambiente familiar, é consenso
entre os pesquisadores que os pais desempenham um papel de primeiros educadores de
seus filhos e são pares indispensáveis no processo de educação infantil (DESSEN e
BRAZ, 2005).
No entanto, mesmo caracterizando os pais como educadores e considerando as
transformações familiares ocorridas nos últimos anos e amplamente discutidas pela
literatura, a mãe permanece como figura que mais desempenha o papel de mantenedora
1 Esta denominação pretende caracterizar todos os profissionais responsáveis e envolvidos no processo de
cuidar e educar crianças no contexto da educação infantil, podendo ser empregada neste texto como
sinônimo de educador, a fim de se respeitar a forma como os autores se reportam a esse profissional,
geralmente do gênero feminino.
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da afetividade familiar, sendo que a ela cabe a responsabilidade pelo cuidado e
educação dos filhos, dentro do lar e fora dele.
Ao analisar as práticas de relacionamento entre as famílias e as instituições de
educação infantil, Sambrano (2006) demonstra que as mães ainda são as figuras mais
frequentes no contexto escolar e principal participante da vida escolar de seu filho,
sobretudo em se tratando de crianças menores de seis anos.
Partindo-se dessa premissa, o presente texto caracteriza-se como um recorte de
uma pesquisa que teve como objetivo final analisar a natureza da relação que se
estabelece entre as famílias e as instituições de educação infantil durante o processo de
transição normativa representada pelo ingresso de crianças de três anos em contexto
escolar.
Neste recorte, o objetivo será descrever e analisar as práticas pedagógicas
desenvolvidas pela professora de turma de crianças de três anos matriculadas em
instituição de educação infantil, a partir da perspectiva das mães.
Participaram desta pesquisa quatro mães de crianças de três anos que
vivenciavam a primeira transição para o contexto escolar, ou seja, nenhuma das crianças
selecionadas apresentava histórico de frequência pregressa em instituições de educação
infantil de qualquer natureza.
As mães foram entrevistadas por meio de roteiro de entrevista semi-estruturada.
Os temas elencados pela entrevista e que serão apresentados no presente texto dizem
respeito às concepções e expectativas maternas em relação às práticas pedagógicas e
educativas que ocorrem no interior da instituição de educação infantil.
Concepções e expectativas familiares frente à instituição de educação infantil: um
olhar materno sobre as práticas pedagógicas
Os dados levantados pela pesquisa demonstram que as expectativas da mãe em
relação à escola e à professora estão relacionadas às concepções maternas a respeito da
instituição de educação infantil para crianças de três anos, ou seja, de uma forma geral,
as mães encaram a escola para crianças dessa faixa etária como não obrigatória, sendo a
frequência condicionada à vontade da criança.
Aliadas a essa concepção, as expectativas maternas em relação à educação
infantil em contexto escolar, para crianças de três anos, giram em torno da possibilidade
de socialização entre crianças da mesma faixa etária e da autonomia infantil.
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A função socializadora da instituição de educação infantil está baseada na
possibilidade de a criança realizar atividades com os coetâneos, experiências
valorizadas pelas mães que encaram o estar junto com outras crianças na escola a
resolução dos problemas de solidão da criança em ambiente familiar, que por ser filha
única ou ter irmãos em idades não compatíveis, convive apenas com adultos, geralmente
em espaços pequenos no interior das casas e quintais, o que também pode ser
solucionado com a escola que apresenta amplo espaço de interações.
É interessante perceber que, partindo-se do pressuposto de que a criança tem
direito de viver experiências prazerosas e que o trabalho pedagógico da educação
infantil fundamenta-se no lúdico, as mães tendem a relacionar o que proporciona prazer
e satisfação às crianças como algo superficial, dificultando uma concepção de educação
infantil com fundamentadas intenções pedagógicas para as crianças de três anos.
De forma geral, depreende-se que as mães esperam que a escola possibilite a
socialização de suas crianças em um amplo espaço físico para o convívio infantil, onde
elas aprendam a respeitar o direito das outras pessoas, a dividir e repartir com outras
crianças, a ter responsabilidades e a conviver com representantes de outros níveis
sociais para que possam valorizar suas próprias condições de vida. As mães também
pontuam, mesmo que de forma temerosa, algumas expectativas que estão relacionadas a
si próprias e às famílias:
As mães se referem à autonomia infantil como algo que a criança conquistou
progressivamente no interior do contexto escolar, sabendo ficar longe da mãe sem
chorar e se apropriando de um conjunto de significados elaborados e aprendidos na
escola e em casa.
As expectativas maternas em relação à escola para seus filhos estão fortemente
relacionadas à concepção de instituição de educação infantil, como abordado
anteriormente, e à concepção de crianças de três anos de idade, relatada pelas mães
nesta pesquisa, e que vem ao encontro das pontuações de Bergonnier-Dupuy (1997), no
estudo sobre as estratégias educativas dos pais em relação a sua criança de três anos; o
autor afirma que os pais consideram temas relevantes para a educação de crianças, nessa
faixa etária, o relacionamento com outras pessoas, a adaptação para a vida social, a
aprendizagem para a autonomia, a estimulação das capacidades infantis e o
desenvolvimento pessoal, temas também pontuados pelas mães participantes desta
pesquisa, mesmo que de forma implícita.
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Pelo que foi dito até o momento, a socialização infantil pode ser compreendida
como tudo aquilo que permite, favorece e ajuda na construção, por parte da criança, da
própria identidade pessoal. Para as mães entrevistadas, socialização tem um amplo
significado, mas pouco definido, um dado que se aproxima das pontuações de Emiliani
e Molinari (1998) ao afirmarem que socializar, para os pais, significa estar com muitas
crianças e adultos, possibilitando a vivência de experiências diversas, mas significa
também aprender a ficar com outras pessoas, obedecendo, reconhecendo e aceitando a
existência de algumas regras, sendo estes significados depreendidos nos relatos das
mães participantes na presente pesquisa, na medida em que relacionam a socialização
com o convívio e a aprendizagem de regras para que esse convívio seja satisfatório.
As contradições existentes entre as expectativas e as observações das
representantes familiares e as afirmações e retornos que a professora dirige às mães
podem estar associadas às diferenças entre os anseios maternos e as expectativas
profissionais em relação ao seu próprio trabalho, aspectos analisados por Arlaque e
Wagner (1999) e Bonomi (1998), na medida em que os autores realizam pesquisas que
demonstram que a família, especialmente a mãe, relaciona-se com sua criança de modo
individual, já que constituem um projeto afetivo e criativo comum aos pais e não
limitado no tempo, valorizam aspectos como disciplina e obediência às regras e limites
no convívio com outras pessoas e incluindo as crianças, enquanto a professora
relaciona-se com o grupo de crianças que correspondem a um projeto com prazo
determinado, com objetivos claros de desenvolvimento de habilidades cognitivas,
motoras, sociais, dentre outras.
Portanto, na educação infantil da criança, pais e professora operam em âmbitos e
contextos diversos e fazem referência à educação individual e à educação coletiva,
respectivamente, o que parece ser uma das causas do conflito entre as expectativas da
mãe e as afirmações da professora a respeito da criança.
Relações entre os contextos familiar e escolar: constatações maternas a partir das
práticas pedagógicas
Assume um caráter relevante nos relatos maternos a existência de uma relação
assimétrica entre a escola e a família, encarada como natural, necessária e desejada. As
mães expressam uma acentuada confiança na figura da professora, que detém, ou deve
deter, uma autonomia sobre as crianças pautada na autoridade.
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Para as mães, a criança deve respeitar e até temer a professora e a diretora para
que haja sempre uma obediência infantil no ambiente escolar, quando as crianças estão
longe da família.
A relação que a mãe estabelece com a instituição de educação infantil assume
um caráter permanente na medida em que ela toma conhecimento do que acontece na
escola diariamente por meio dos relatos de um informante potencial – a criança. As
mães, de forma geral, incentivam os filhos a contarem as atividades que desenvolveram
na escola, do que e com quem brincaram, o que comeram, enfim, como foi o “dia na
escola”, por meio de questionamentos e diálogos. Estas, por sua vez, relatam
principalmente a interação com “os amiguinhos”, demonstram a aprendizagem de
musiquinhas e estorinhas, além de cores, formas geométricas e brincadeiras,
relacionadas à figura da professora que é quem as ensina.
As mães relatam os momentos em que têm a oportunidade de se relacionarem
diretamente com a professora: quando vão levar e/ou buscar seus filhos; nas reuniões de
pais; nas comemorações ou festividades organizadas pela escola.
As conversas informais acontecem geralmente nos momentos de entrada e de
saída das crianças, sendo encarada como oportunidade privilegiada de interação entre as
mães e a professora, pelo seu caráter diário. No entanto, o assunto das conversas difere
de acordo com o momento em que acontecem, ou seja, como as mães não entram na
escola para acompanhar as crianças durante o ano letivo, exceto no período de
adaptação, a conversa com a professora no momento da entrada está condicionada a
recados que devem ser transmitidos, geralmente relacionados a problemas de saúde e/ou
administração de remédios à criança.
No horário de saída das crianças, as conversas entre as mães e a professora
tendem a ser curtas, devido às próprias atribuições da profissional nesse momento; de
um modo geral, elas são iniciadas pela professora quando há problemas de
comportamento infantil que devem ser solucionados conjuntamente com as mães, e
iniciadas na maioria das vezes por estas, quando o assunto refere-se à alimentação na
escola, às atividades realizadas pela criança, ao desenvolvimento e progressos infantis, a
problemas relacionados à integridade física dos filhos e convívio com seus pares.
Uma outra forma de contato direto entre as mães e a professora e/ou diretora é
por meio das reuniões de pais, correspondendo a uma estratégia formal de comunicação
direta entre o CER e famílias, comunicadas aos pais antecipadamente.
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A comunicação estabelecida nas reuniões é geralmente na direção da professora
para os pais, são informativas da ação pedagógica desenvolvida na escola, dos eventos
que serão realizados e das normas da instituição. As mães não relatam a existência de
debates e interferências dos pais, tampouco sugestões para o desenvolvimento das
reuniões.
A partir dos relatos maternos depreende-se que as reuniões são consideradas
momentos consistentes de transmissão de informações, sobretudo da instituição às
mães. Dessa forma, quer seja pelo “convite” por meio dos bilhetes e assinatura na folha
de presença durante a reunião, quer pela necessidade que sentem de mais informações
relacionadas às crianças, as mães parecem gostar das reuniões, comparecendo a todas
elas, mesmo que com certa dificuldade.
As festividades e comemorações realizadas na escola também constituem
momentos de participação familiar e relacionamento com a instituição de educação
infantil, embora sejam menos citadas. Assim, a “festa junina”, “dia das mães” e “dia dos
pais” são eventos tradicionais, em que a família pode apreciar as musiquinhas e/ou
danças apresentadas pelas crianças, bem como questionar a atuação da professora, como
anteriormente citado no relato materno acerca da apresentação da festa junina, que
evidenciou um comportamento profissional de subestimar a capacidade infantil.
Por outro lado, depreende-se dos relatos que a forma mais eficiente de resolver
as eventuais falhas no relacionamento família-escola, refere-se ao conselho de escola
que se formará posteriormente, proporcionando a estes a possibilidade de interferir em
questões com que não concordam, mas que não têm autonomia para opinar.
A relação estabelecida entre as mães participantes na pesquisa e as demais
usuárias da instituição de educação infantil para suas crianças, parece estar
condicionada ao horário de trabalho das mães.
De forma geral, as mães conversam entre elas em espaços externos à escola,
especialmente no portão, nos momentos de entrada e saída das crianças, utilizando esses
contatos como uma rede de conhecimento sobre o que se passa na instituição escolar.
Na presente pesquisa, parte-se do pressuposto de que o relacionamento entre
família e instituição de educação infantil, especialmente entre mães e professoras que
participam ativamente da educação da criança e se mantêm informadas por meio de uma
partilha mútua, cria elos entre o sistema ecológico da família e da escola, de acordo com
Baker et al. (1999), no estudo acerca do envolvimento dos pais na educação infantil
tomando por base o relato de professores de jardins-de-infância.
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Depreende-se dos relatos maternos que a forma como as mães participam da
vida escolar de seus filhos parece estar intimamente relacionada à concepção de
profissionais atuantes no contexto escolar. Nesse sentido, estabelecem com a instituição
uma relação assimétrica, questionando e sugerindo muito pouco, temendo desafiar a
posição de especialista da professora e se limitando a “obedecer” as regras da escola,
definidas pelas profissionais e transmitidas aos pais, mesmo que não haja concordância
em relação a elas.
Como afirma Gomes (1993, p.83), na pesquisa acerca das continuidades e
descontinuidades no processo educativo escolar e familiar, a relação família e escola
está baseada no respeito e no temor dos pais ao que é encarado como superior, pois “uns
são profissionais, outros são simplesmente pais”, caracterizando, portanto, uma relação
assimétrica evidente nesta pesquisa por meio dos depoimentos das mães participantes.
A afirmação de Foni (1998, p.157), no estudo que retrata as considerações
necessárias ao processo de planejamento das atividades desenvolvidas pela instituição
de educação infantil, ilustra com propriedade o sentimento materno, depreendido no
momento, ao considerar que “crianças de carne e osso e pais de carne e osso sentem-se
mais à vontade com uma pessoa concreta do que com o educador”.
De forma geral, as comunicações informais entre mães e professora giram em
torno de “problemas”, sejam eles referentes ao comportamento infantil inadequado para
o contexto escolar, ou referentes às preocupações maternas relacionadas à integridade
física da criança – saúde e alimentação. Com base nos depoimentos, percebe-se que as
mães são as responsáveis pelas iniciativas de comunicação com a professora, dando o
“primeiro passo” para a interação, nas palavras de Bonomi (1998, p.167), que na mesma
pesquisa, evidencia que as ocasiões de festa são prazerosas e divertidas para as crianças
e familiares, assegurando um contato mais prolongado entre estas e a professora,
pontuações que se aproximam dos depoimentos abordados na presente pesquisa.
Por outro lado, as reuniões de pais constituem momentos privilegiados de
relacionamento, embora formais, entre família e escola; são encaradas como de extrema
importância para a transmissão de informações da professora aos pais, que demonstram
uma disposição e vontade de participação, “colocada a dura prova por reuniões em que
as ordens do dia não são muito claras, a condução é incerta, a duração é imprevisível e
as cadeiras, desconfortáveis”, como afirma Foni (1998, p.155).
Vale ressaltar que as mães, na tentativa de se manterem atualizadas sobre o que
acontece na escola, mantêm relações e contatos com outros pais de alunos, dado
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também apontado por Nogueira (1995) ao afirmar que as mães trocam idéias sobre a
escola e as professoras com outros pais, geralmente da turma de seus filhos,
representando uma fonte de informação suplementar a respeito da instituição escolar.
No entanto, a criança como elo entre a família e a escola assume um papel
primordial na medida em que transmite diariamente informações, julgamentos,
expectativas e queixas referentes à escola, como se evidencia nos depoimentos maternos
a respeito dos relatos infantis diários. De acordo com Perrenoud (2000, p.123) ao
analisar o envolvimento dos pais no contexto escolar, a criança é a “intermediária,
mensageira e mensagem entre a família e a escola, dois universos entre os quais ela
transita”, e nessa medida, o que a criança traz e comenta diariamente é o essencial da
relação entre os contextos familiar e escolar, o que se aproxima dos dados da presente
pesquisa, pois é por meio da criança, especialmente, que as mães tomam ciência do que
ocorre na escola, direcionando muitas vezes suas atitudes e concepções com base nesses
relatos infantis.
As práticas escolares presentes no contexto familiar: alterações no comportamento
infantil
Ao serem questionadas acerca de possíveis mudanças no comportamento da
criança, seja em relação à mãe ou à família como um todo, a primeira pontuação
materna é negativa, ou seja, relatam, de forma unânime, que a criança “continua a
mesma”, “não mudou em nada dentro de casa”, especialmente na relação que mantém
com a mãe.
No entanto, mesmo negando inicialmente qualquer mudança no ambiente
familiar, relatam alterações no comportamento da criança no interior da família,
relacionadas, pelas mães, às aprendizagens de hábitos positivos – quando se referem a
atividades de vida diária aprendidas na escola com a professora – e negativos – quando
se referem a modos de se relacionar com os familiares aprendidos no convívio com
outras crianças.
De forma geral, depreende-se que as mães consideram que a autonomia
adquirida pelas crianças na escola em relação aos pais e especialmente à figura materna
caracteriza-se por ser o aspecto mais positivo da escolarização infantil.
A autonomia infantil em relação à figura materna adquire um caráter especial
quando se trata do apego da criança e do comportamento emocional infantil manifesto
no ambiente familiar, alterado em função da escola.
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As mudanças ocasionadas na dinâmica familiar relatadas pelas mães
participantes desta pesquisa e especialmente a forma como encaram tais alterações se
aproximam do que Dessen (1994, p.216-7) chamou de “crise normal” e refere-se ao
processo de mudança familiar que ocorre durante essa transição, ocasionando frequentes
reorganizações da família, encaradas como um processo normal, sendo que às crises são
atribuídos fatores pessoais ou contextuais, “interpretadas a partir de uma perspectiva de
relações mutáveis, em um sistema que se expande”, o que fica evidente nas falas
maternas, atribuindo a causa das alterações, por exemplo, às características da criança,
ao comportamento materno e ao tempo disponível para as relações familiares.
Breves considerações...
A fim de se analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas na instituição de
educação infantil a partir da perspectiva de mães de crianças de três anos, os dados
evidenciam que as expectativas maternas em relação ao trabalho docente norteia a
forma como essas representantes do contexto familiar consideram e avaliam o cotidiano
das crianças no interior da instituição de educação infantil.
Os dados obtidos ressaltam que as mães valorizam o trabalho das professoras,
mas esperam obter das profissionais o atendimento às necessidades integrais das
crianças enquanto estas freqüentam a instituição, sendo informadas quanto ao
desenvolvimento infantil sempre que solicitado.
Os resultados apresentados na pesquisa sugerem que as mães buscam contato
com a instituição para conhecerem mais sobre as práticas pedagógicas que se realizam
no contexto no qual as crianças estão inseridas. No entanto, pelas diferentes
expectativas entre os dois contextos, as práticas das profissionais são conhecidas
especialmente por meio das próprias crianças e/ou em momentos em que a relação
direta da mãe com a professora ocorre.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PERSPECTIVA
DAS PROFESSORAS E DOS PAIS DE ALUNOS
Muriane Sirlene Silva de Assis
Secretaria Municipal de Educação de Araraquara/SP; GPEI-FCL/UNESP/Araraquara
O presente trabalho é parte da tese de doutorado “Desenvolvimento cultural da criança
na educação infantil: contribuições da teoria histórico-cultural” cujo problema central é
o processo de desenvolvimento cultural da criança na Educação Infantil a partir das
concepções das próprias crianças, das professoras, da diretora, das agentes educacionais,
dos funcionários da escola e dos pais de alunos. Com base em pressupostos da Teoria
Histórico-Cultural, compreende-se que o desenvolvimento cultural é condição de
humanização e resulta das apropriações e objetivações realizadas pelos indivíduos ao
longo de sua existência. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa cujos dados
foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e de questionários aplicados
em uma escola pública de Educação Infantil de uma cidade de porte médio do interior
do Estado de São Paulo. Para este painel, propõe-se um recorte nas concepções das
professoras e dos pais de alunos sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola
de Educação Infantil com ênfase no processo de desenvolvimento cultural das crianças.
As concepções expressas pelos participantes da pesquisa sobre práticas pedagógicas na
Educação Infantil foram bastante semelhantes, todos entendiam que essa etapa da
educação deveria proporcionar aprendizagens que preparassem a criança para a
escolarização e vida futura, porém, eles não foram muito enfáticos ao sinalizar o papel
da escola como promotora do desenvolvimento cultural das crianças. A promoção da
socialização, o desenvolvimento da autonomia e de comportamentos socialmente
aceitos, foram temáticas recorrentes nos depoimentos dos diferentes participantes sobre
a função social da Educação Infantil. Também observamos uma grande ênfase no
desenvolvimento moral da criança. Conclui-se, que é necessário refletir sobre as
práticas pedagógicas empreendidas na Educação Infantil visando que as crianças
tenham garantido o seu direito de aprender e se desenvolver integralmente na primeira
etapa da Educação Básica.
Palavras Chave: Prática Pedagógica; Educação Infantil; Desenvolvimento Cultural
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3681ISSN 2177-336X
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O presente trabalho é parte da tese de doutorado “Desenvolvimento cultural da
criança na educação infantil: contribuições da teoria histórico-cultural” cujo problema
central é o processo de desenvolvimento cultural da criança na Educação Infantil a
partir da análise das concepções das próprias crianças, das professoras, da diretora, das
agentes educacionais, dos funcionários da escola e dos pais de alunos.
Com base em pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, compreende-se que o
desenvolvimento cultural é condição de humanização. O desenvolvimento cultural
resulta das apropriações e objetivações realizadas pelos indivíduos ao longo de sua
existência.
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa cujos dados foram coletados
por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com crianças, professoras, diretora
de escola, agentes educacionais e funcionários e de questionários aplicados aos pais de
alunos.
O uso de entrevistas vai ao encontro do referencial teórico adotado. Para
Leontiev (1978, p. 78), no processo de tomada de consciência e elaboração do
pensamento, a linguagem tem um papel fundamental.
No tocante à valorização da linguagem, como forma de comunicação,
apropriação e externalização dos significados Salles (1993, p. 23) afirma que: “falar é
reconstruir, com palavras uma representação da realidade.”
A intenção inicial era trabalhar com entrevistas com todos os sujeitos da
pesquisa, porém, tivemos dificuldades para realizar a entrevista com os pais, devido à
falta de disponibilidade de tempo deles. Diante desta situação procuramos adaptar o
roteiro de entrevistas transformando-o em um questionário.
Os dados analisados na tese foram coletados em uma escola pública de
Educação Infantil de uma cidade de porte médio do interior do Estado de São Paulo.
Trabalhamos com um total de 59 (cinquenta e nove) informantes sendo:
•12 crianças com idade entre 4 a 6 anos que frequentavam a 4ª e 5ª etapa da Educação
Infantil.
•10 professoras que atuavam em turmas de crianças de 2 anos e 2 meses a 6 anos de
idade (Classe Intermediária 1, Classe Intermediária 2, 3ª, 4ª e 5ª etapa).
•05 Agentes Educacionais que atuavam em turmas de crianças de 2 anos e 2 meses a 6
anos de idade (Classe Intermediária 1, Classe Intermediária 2 e Recreação).
•01 Diretora de Escola.
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•05 Funcionários do quadro de apoio (serventes, porteiro, auxiliar administrativo e
merendeiras).
•26 Pais de Alunos de crianças com idade de 2 anos e 2 meses a 6 anos (Classe
Intermediária 1, Classe Intermediária 2, 3ª, 4ª e 5ª etapa).
Para este painel, propõe-se um recorte nas concepções das professoras e dos pais
de alunos sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola de Educação Infantil
com ênfase no processo de desenvolvimento cultural das crianças.
Entrevistamos todas as professoras que trabalhavam na escola pesquisada, todas
elas possuíam como formação mínima para o exercício da docência a Habilitação
Específica para o Magistério em Nível Médio e 08 (oito) delas, também, tinham curso
superior em Pedagogia.
A idade da maioria das professoras variava entre 41 e 45 anos. Entretanto, no
grupo, a mais nova tinha 33 anos e a idade da mais velha era 57 anos.
O tempo de experiência na educação das professoras ia de 10 a 24 anos, assim,
distribuído: a maioria, composta por 04 professoras, possuía de 16 a 20 anos; 01 tinha
10 anos; 01 tinha 15 anos e 03 ficavam entre 21 e 25 anos. Ou seja, o quadro era
formado por profissionais experientes.
Com relação às entrevistas, cabe dizer que todos os sujeitos demonstraram
preocupação em falar de acordo com a norma culta. O desejo de tentar responder o que
imaginavam que queríamos ouvir, também, ficou evidente pelo uso de jargões e de
frases que chamamos de “politicamente corretas” no meio pedagógico, tais como
formação para cidadania; respeito às diferenças; aproveitar as experiências prévias; a
existência de famílias desestruturadas; a importância da brincadeira entre outras.
As entrevistas com as professoras fluíram bem e ocorreram de forma tranquila,
embora, tenhamos percebido que algumas professoras não estavam muito disponíveis e,
apenas, participaram porque havia autorização do secretário de educação e da diretora
para a realização da pesquisa na escola.
A coleta de dados com os pais se deu por meio da aplicação de questionários
como já informado. Distribuímos dez questionários para cada professora e pedimos que
elas fizessem a sugestão dos pais que deveriam recebê-los, em virtude da participação
dos mesmos nas atividades da escola. No total distribuímos 120 (cento e vinte)
questionários e obtivemos o retorno de 81 (oitenta e um).
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Em razão do grande número de questionários respondidos, resolvemos
estabelecer uma amostra para análise, delimitamos a utilização de 25% do total de
questionários recebidos em cada turma.
O critério para a escolha dos questionários a serem analisados levou em
consideração os que estavam completamente preenchidos, os que haviam sido
respondidos por pessoas do sexo masculino, no caso por pais, porque foi muito grande a
participação de mulheres, as mães, e por isso, correríamos o risco de não ter
representação masculina em nossa pesquisa e, ainda, a garantia do mesmo número de
pais de meninas e meninos.
Tivemos 06 (seis) sujeitos do sexo masculino e 20 (vinte) do sexo feminino,
destas 19 (dezenove) eram mães e 01 (uma) avó.
A faixa etária dos pais variava de 21 a 46 anos, estando a maioria na casa dos 36
aos 40 anos de idade.
Da amostra de 26 questionários, cujos dados foram analisados neste trabalho,
tivemos pais com a seguinte escolaridade: 03 (três) com Ensino Fundamental
incompleto e 04 (quatro) com esse nível completo; 02 (dois) possuem Ensino Médio
incompleto e 08 (oito) completo; 05 (cinco) têm curso Superior incompleto e 04
(quatro) completo, ou seja, a maioria possui o nível Médio.
Após termos caracterizado a pesquisa da qual emergiu este trabalho, cabe
enfatizar a relevância dos aspectos histórico-culturais e consequentemente da educação
para o processo de desenvolvimento cultural das crianças, neste sentido é que
ressaltamos a necessidade de uma organização sistemática e intencional das práticas
pedagógicas empreendidas na escola de Educação Infantil.
Como afirmam Mello e Basso (2002, p. 295): “(...) as professoras precisam
assumir o papel de mediadoras entre os alunos e as atividades não-cotidianas
desenvolvidas na sociedade”, pois as aprendizagens mediadas são qualitativamente
superiores as desenvolvidas de forma direta.
Destarte, cabe a nós reconhecer a criança como ser competente e capaz de
aprender a partir das atividades intencionalmente mediadas pelo professor, tal como
destaca Mello (2006, p. 201):
Perceber a criança como um ser capaz e competente abre para ela o
direito à igualdade de oportunidades, permite o acesso ao conhecimento e
à cultura e afirma a escola em sua função precípua de ensinar o que as
pessoas não sabem, de elevar o grau de sua experiência cultural.
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Com base nestes pressupostos, apresentamos a seguir as concepções
verbalizadas por professoras e pais de alunos sobre as práticas pedagógicas
desenvolvidas na Educação Infantil.
Práticas Pedagógicas na Educação Infantil: o que é importante ensinar às crianças
de acordo com as professoras
A escola é uma instituição responsável pela transmissão, assimilação e produção
do conhecimento e por isso contribui para o processo de desenvolvimento cultural das
crianças. O conhecimento transmitido e produzido pela escola resulta de escolhas
ideológicas das professoras, da diretora, das instâncias administrativas e mantenedoras,
como os Ministérios e Secretarias de Educação.
Deste modo, os planejamentos elaborados pelas professoras e as práticas
desenvolvidas nas escolas, explicitam os tipos de conteúdos que elas valorizam e a
partir deles é possível apreender as concepções dessas profissionais sobre a função
social da etapa da educação com a qual elas trabalham. Com base nestes princípios
interrogamos as professoras a respeito de quais são os principais temas que elas
abordam com as crianças e sobre como eles são escolhidos.
Algumas professoras afirmaram escolher temas que contribuam para a formação
moral das crianças e que apresentem posicionamentos contrários à discriminação e ao
preconceito.
Histórias, músicas, numerais, sequência numérica, cor, formas, contato com a
leitura e escrita, temas relacionados ao projeto da escola entre outros conteúdos foram
citados por várias professoras que destacaram que a aprendizagem deveria ocorrer de
forma lúdica por meio de brincadeiras, jogos e manipulação de materiais concretos.
Os dados demonstraram que nas 4ªs e 5ªs etapas (alunos de 4 a 6 anos) a
preocupação com a aquisição da leitura, da escrita e de noções matemáticas se
intensificava e o brincar era menos citado.
As estratégias utilizadas pelas professoras para escolher os temas e os assuntos
que abordavam com os alunos diferiu um pouco entre elas, porém, todas disseram
seguir o calendário de datas comemorativas embora algumas tenham feito críticas a
determinadas datas e comemorações.
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Constatamos que para as professoras pesquisadas o problema não estava em
elaborar um planejamento a partir de datas comemorativas, tal como tem sido
questionado atualmente, mas sim na dificuldade que elas tinham de trabalhar,
especialmente, as datas cívicas com crianças pequenas por elas serem consideradas
imaturas e incapazes de compreenderem determinados assuntos.
Além da fundamentação nas datas comemorativas, algumas professoras disseram
que para planejar suas práticas realizavam pesquisas em livros, trocavam experiências
com outros professores, observavam o trabalho de seus pares e atendiam demandas da
atualidade.
Alguns depoimentos salientaram que a escolha dos temas trabalhados estava
vinculada às orientações curriculares elaborados pela Secretaria Municipal de Educação
a partir das propostas do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil,
mas não deixaram de registrar que o interesse e a necessidade das crianças eram
acolhidos, juntamente, com os objetivos e preferências da professora.
Verificamos que a atividade de planejamento da ação educativa na Educação
Infantil precisava ser revista, principalmente, porque algumas professoras pareciam não
se sentirem suficientemente respaldadas pelas orientações da Secretaria de Educação e
isso poderia resultar em uma organização pouco intencional, pois a escolha dos
conteúdos a serem trabalhados acabava, em certos casos, vinculada às preferências e
convicções pessoais delas. A despeito do esforço das professoras, a falta de um
currículo para essa etapa da educação fazia com que as práticas pedagógicas se
aproximassem de uma ação informal que pouco poderia contribuir para a ampliação do
repertório cultural das crianças.
Práticas Pedagógicas na Educação Infantil: o que é importante ensinar às crianças
de acordo com os pais
Objetiva-se aqui analisar a opinião dos pais sobre quais seriam os ensinamentos
e as aprendizagens que a criança deveria realizar a partir da intervenção da escola.
A alfabetização e o ensino de conteúdos de diferentes áreas de conhecimento
foram os aspectos mais valorizados por pais de crianças das últimas turmas da Educação
Infantil (4ª e 5ª etapa), ou seja, para as turmas que estão mais próximas do Ensino
Fundamental.
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Os pais, também, reconheceram a importância da socialização compreendida
como a interação com outras crianças e com os professores e a participação em
brincadeiras, juntamente, com a iniciação a alfabetização, a interiorização de
comportamentos socialmente aceitos e valorizados e o oferecimento de motivação para
as crianças como aprendizagens apropriadas para a Educação Infantil.
A aprendizagem da religião na escola apareceu apenas em um questionário.
A opinião dos pais sobre a função da Educação Infantil foi bem semelhante à
opinião das professoras.
Os pais mostraram reconhecer a função educativa da escola de Educação Infantil
e enfatizaram que as práticas pedagógicas deveriam promover o contato da criança com
a leitura e escrita, favorecer a socialização e complementar a educação familiar.
Os depoimentos dos pais revelaram, ainda, que eles são conscientes do papel
deles com relação à educação de seus filhos e de forma contrastante a opinião de
algumas professoras não esperavam que a escola ocupasse um papel que era deles. Ao
menos em termo de discurso, os pais mostraram buscar uma ação complementar entre a
escola e a família e não pareciam desejar que a escola os substituísse na tarefa de educar
seus filhos.
Considerações...
As análises dos depoimentos das professoras e dos pais de alunos nos permitem
inferir que nas práticas pedagógicas desenvolvidas na escola de Educação Infantil
estudada prevalecia uma concepção evolutiva e linear de desenvolvimento e
aprendizagem.
Considerando o processo de desenvolvimento cultural da criança como objeto
central de nosso trabalho, identificamos que alguns respondentes adotavam uma postura
passiva na ação pedagógica junto à criança, pois deduziam que ela se desenvolveria
sozinha a partir do contato com conteúdos, materiais e atividades por eles
disponibilizados. Os respondentes se preocupavam com a aprendizagem e
desenvolvimento da criança, mas suas ações se limitavam a interação, não atingindo,
muitas vezes, o grau de consciência necessário a um processo de mediação
intencionalmente comprometido com o desenvolvimento cultural.
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Vale ressaltar que para a Teoria Histórico-Cultural cultura é a própria sociedade
humana, assim, nas relações sociais que os sujeitos estabelecem são elaboradas
objetivações para a satisfação de necessidades que ultrapassam o âmbito biológico,
deste modo, o desenvolvimento cultural está relacionado ao desenvolvimento das
funções psíquicas superiores, por meio das quais, as apropriações e objetivações dos
sujeitos se tornam cada vez mais sofisticadas e podem resultar em produções científicas,
intelectuais e artísticas.
Como sinaliza a Teoria Histórico-Cultural, o ensino e a aprendizagem
impulsionam o desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento é o resultado da atividade
do sujeito e não apenas um pré-requisito desse processo, pois de acordo com Vigotsky
(1993, p. 129-130):
Na idade Infantil, somente é boa a instrução que vá avante do
desenvolvimento e arrasta a este último. (...) O ensino deve orientar-
se não ao ontem, mas sim ao amanhã do desenvolvimento infantil.
Somente então poderá a instrução provocar os processos de
desenvolvimento de que acham agora na zona de desenvolvimento
próximo.
Não podemos deixar de mencionar que o desenvolvimento cultural da criança
não ocorre de forma individualizada e espontânea, uma vez que a presença do outro é
indispensável nesse processo.
O desenvolvimento cultural ocorre de forma coletiva, nas relações sociais, a
partir das mediações que são estabelecidas para satisfazer as necessidades humanas.
As concepções verbalizadas pelas professoras sobre aprendizagem,
desenvolvimento e cultura revelaram a presença de princípios do Construtivismo em
suas formações, pois foram recorrentes, nos depoimentos, expressões tais como: “a
criança constrói o seu próprio conhecimento; a professora não pode cercear o
desenvolvimento natural da criança; a criança aprende livremente, etc”.
Diante desta constatação, cabe a advertência de Arce (2005, p. 59) segundo a
qual:
Nessa perspectiva há que se fazer uma análise crítica detalhada e
aprofundada dos preceitos construtivistas com sua psicologização da
carreira docente. A formação do professor precisa contemplar as
diversas áreas de conhecimento humano para que sua cultura seja
vasta. Fornecendo-lhe assim elementos para que possa ensinar os
alunos, possibilitando-lhes enxergar a humanidade, seus anseios e
necessidade e não somente os seus próprios interesses imediatos. O
conhecimento deve inquietar, ser uma vacina contra a apatia e o
egoísmo.
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A formação do professor necessita primar pela diversidade de referenciais
teóricos e necessita, principalmente, valorizar a intencionalidade do ato educativo
reconhecendo a escola como espaço de transmissão e assimilação de conhecimentos e
consequentemente de transformação da sociedade.
Com princípios do Construtivismo subjacentes, as práticas pedagógicas na
Educação Infantil, de acordo com as professoras, salientam o trabalho com conteúdos
escolares e o ensino de valores numa perspectiva bem próxima das práticas da escola de
Ensino Fundamental. Os pais afirmaram que as práticas pedagógicas deveriam inserir a
criança no processo de alfabetização, proporcionar a socialização e complementar a
educação familiar.
Ou seja, as concepções expressas pelos participantes da pesquisa sobre práticas
pedagógicas na Educação Infantil foram bastante semelhantes, todos entendiam que
essa etapa da etapa da educação deveria proporcionar aprendizagens que preparassem a
criança para a escolarização e vida futura, porém, eles não foram muito enfáticos ao
sinalizar o papel da escola como promotora do desenvolvimento cultural das crianças.
As concepções de aprendizagem, desenvolvimento e cultura dos participantes da
pesquisa evidenciaram uma representação biológica e espontânea desses processos.
Essas concepções refletiam na maneira pouco diretiva com que eram interpretadas as
relações de ensino-aprendizagem na escola pesquisada, pois muitas vezes transparecia
nos depoimentos a ideia de que o desenvolvimento da criança resultava de um processo
natural de maturação.
A promoção da socialização, o desenvolvimento da autonomia e de
comportamentos socialmente aceitos, foram temáticas recorrentes nos depoimentos dos
diferentes participantes sobre a função social da Educação Infantil. Também
observamos uma grande ênfase no desenvolvimento moral da criança.
Embora não tenham deixado de mencionar outros aspectos, em especial
relacionados à dimensão cognitiva, as concepções, verbalizadas pelos sujeitos
valorizaram, de modo singular, a apropriação de valores morais e a aquisição de
comportamentos adequados e socialmente aceitos como meta da aprendizagem e do
desenvolvimento na Educação Infantil, resultado este semelhante às conclusões da
pesquisa sobre qualidade em educação relatada por Campos e Cruz (2006). De acordo
com elas:
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23
(...), surgiram, com mais nitidez menções a diversos conteúdos da
educação infantil que permitem identificar um modelo pedagógico
tradicionalmente desenhado para o jardim-de-infância, incluindo
atividades de pintura, música, dança, jogos pedagógico, formação de
hábitos. No entanto, da mesma forma que na questão anterior, os
entrevistados não mencionaram diretamente atividades ligadas à
aprendizagem de ciências, estudos sociais ou matemática, entre
outros conteúdos. Também não citaram diretamente o
desenvolvimento de projetos com as crianças que levassem a
aprendizagens integradas sobre diferentes temas. A palavra
„currículo‟ não apareceu de forma significativa. Na realidade,
sobressaíram-se os objetivos mais ligados a valores, comportamentos
e atitudes do que objetivos voltados para aprendizagens sobre o
mundo, a natureza, a sociedade e a cultura. (CAMPOS e CRUZ,
2006, p. 64 – Grifo nosso)
Ou seja, a ideia de que a escola é responsável pelo ajustamento social dos
indivíduos ainda prevalece nas concepções de determinados professores e pais de
alunos.
Contrariando essa ideia é que dirigimos o nosso olhar para o processo de
desenvolvimento cultural da criança, pois esperamos que as crianças não se “ajustem”,
mas se apropriem e transformem essa ordem social, pois quanto mais intencional e
organizada for a interação dela com a cultura maiores serão as possibilidades de
humanização que terão, daí a relevância de pensarmos o processo de desenvolvimento
cultural no âmbito das práticas pedagógicas desenvolvidas na escola de Educação
Infantil
Conclui-se, que é necessário refletir sobre as práticas pedagógicas empreendidas
na Educação Infantil, bem como sobre as concepções de escola, de criança, de ensino,
de aprendizagem, de desenvolvimento dos atores deste processo, visando garantir às
crianças o direito de aprender e se desenvolver integralmente na primeira etapa da
Educação Básica.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
3691ISSN 2177-336X
25
A ATIVIDADE CRIADORA MEDIADA PELA ‘ARTE LÚDICA’: UM OLHAR
PARA AS IMPLICAÇÕES DA FORMAÇÃO INICIAL E PERMANENTE DO
PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Profª Drª. Suselaine Ap. Zaniolo Mascioli – UNIP- Universidade Paulista
e UFSCar- Universidade Federal de São Carlos.
Trabalho resultante de pesquisa de Pós-Doutorado em andamento na Universidade
Federal de São Carlos – UFSCar. Tendo como tema a atividade criadora mediada pela
arte lúdica, seu objetivo é refletir sobre a atividade criadora na perspectiva da Teoria
Histórico Cultural e, sobre práticas pedagógicas mediadas pela arte integrada ao lúdico -
„arte lúdica‟, que possam enriquecer os cursos de formação (inicial e permanente) do
professor de educação infantil. A coleta de dados e sua posterior análise qualitativa
derivam de fontes e momentos distintos do processo de pesquisa: a primeira parte
ocorreu nas dependências da Universidade Federal de São Carlos e, os dados resultaram
da aplicação de um programa de intervenção, apresentado no formato de um curso de
extensão oferecido na própria Universidade por meio das denominadas ACIEPES:
Atividades Curriculares de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão. A segunda parte da
coleta de dados ocorreu na cidade de Havana – Cuba e, os dados estão sendo analisados.
O recorte que se apresenta aqui corresponde ao primeiro momento da pesquisa. A
atividade criadora depende prioritariamente da variedade e da riqueza das experiências.
Para lhe proporcionar bases sólidas, é preciso que o espaço universitário ofereça a
vivência e a reflexão sobre práticas pedagógicas intencionais que sejam capazes de
permitir aos educadores em formação e/ou em exercício, ampliar suas experiências e
objetivar a realidade, considerando a natureza essencialmente social e histórica de seu
psiquismo. A arte-lúdica parece ser uma forma interessante e positiva de possibilitar o
estímulo à capacidade criadora e permitir que a imaginação possa ser vista como uma
mola propulsora de novos sentimentos que associados à memória, ao pensamento e às
emoções.
Palavras-chave: Práticas Pedagógicas. Arte-lúdica. Educação Infantil.
Este artigo é fruto de minha pesquisa de Pós- Doutorado
2 que tem como tema a
atividade criadora no espaço escolar e ancora sua análise na Teoria Histórico-Cultural.
O mote da atividade criadora permeou, direta ou indiretamente, toda a minha
atuação profissional e acadêmica.
Venho, ao longo dos anos, defendendo a necessidade de uma ‘Formação
Lúdica do Educador’ e a necessidade de se oferecer nos espaços escolares e cursos de
formação de educadores que propiciem ao educando situações de aprendizado variadas
e desafiadoras, que estimulem seu processo de desenvolvimento intelectual e criador,
2 Em andamento na Universidade Federal de São Carlos UFSCAr- BRASIL, sob orientação da Profª Drª
Maria Aparecida Mello.
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assim como o acesso ao saber elaborado, científico, sem deixar de lado a alegria de
aprender e de estar no ambiente escolar. (Mascioli 2004, 2006, 2009, 2012a, 2012b,
2013, entre outros).
Em minha pesquisa de Doutorado pude evidenciar a relevância da arte na
formação infantil, mas, pude confirmar também que apesar do interesse demonstrado
pelas crianças, as aulas destinadas à arte eram escassas, permeadas por uma fragilidade
metodológica e um empobrecimento criativo do educador, centradas basicamente em
atividades repetitivas de pintura e de desenho, desconectadas e descontextualizadas.
Esse fato me instigou a investigar as contribuições e possibilidades do lúdico
para o trabalho educativo em arte, assim como, a perceber, a necessidade de formação
específica do professor para o que passei a denominar de ‘arte lúdica’, ou seja, a
integração da arte ao lúdico.
A criança, ser social e histórico é dotada de diversas potencialidades e, necessita
de um desenvolvimento integral, que englobe entre coisas o exercício de sua capacidade
criadora e a experiência de suas diferentes expressividades, verbais e não verbais.
Porém, nem sempre as práticas dos educadores são condizentes com tais
necessidades. Nem sempre os cursos de formação (iniciais e/ou contínuos) dão
subsídios suficientes para que o professor tenha acesso a uma instrumentalização teórica
e prática sobre as distintas possibilidades nas ações educativas.
Com base em tais pressupostos, este estudo apresenta as seguintes questões de
pesquisa: como se define a atividade criadora? Como o espaço Universitário pode
enriquecer o processo de formação inicial e permanente do educador propiciando o
estímulo de sua capacidade criadora por meio da arte-lúdica?
A Teoria Histórico-Cultural3 entende que a criação é inerente à vida humana e,
“existe criação não apenas onde têm origem os acontecimentos históricos, mas também
onde o ser humano imagina, combina, modifica e cria algo novo, por mais insignificante
que esta novidade possa parecer se comparada com as realizações dos grandes gênios.
(VIGOTSKY, 1982, p.11).
A criatividade é um processo complexo da subjetividade humana que se
constitui a partir dos espaços sociais da vida e da relação histórica que o indivíduo
estabelece com o seu contexto social. Assim, “[...] a criatividade não pode ser vista
como uma potencialidade psicológica com a qual o individuo nasce, mas sim como uma
característica ou processo especificamente humano que é constituído nas condições
culturais, sociais e históricas de vida de uma sociedade concreta.” (MITJÁNS
MARTÍNEZ, 2004, p.85).
3 A Teoria Histórico-Cultural foi elaborada na antiga União Soviética, entre as décadas de 1920 e 1930
por Liev Semenovich Vigotsky.
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A Teoria Histórico-Cultural compreende que é o impulso criador que permite ao
ser humano projetar-se para o futuro, transformar a realidade e modificar o presente.
“Todos os objetos da vida diária, sem excluir os mais simples e habituais, vêm a ser
algo assim como fantasia cristalizada." (VIGOTSKY, 1982, p.10).
Vigotsky (1982) evidencia o processo criador humano, pelo qual, mediante
intervenções que possibilitem um repertório de experiências ricas, todo ser humano
pode ser criativo.
Por processo criador entende-se “toda realização humana criadora de algo novo,
quer se trate de reflexos de algum objeto do mundo exterior, quer de determinadas
construções do cérebro ou do sentimento, que vivem e se manifestam apenas no próprio
ser humano." (VIGOTSKY, 1982, p. 7).
A imaginação pode ser vista como uma mola propulsora de novos sentimentos
que associados à memória, ao pensamento e às emoções, contribuem para que o homem
deixe sua marca social no mundo.
Segundo o autor, para proporcionar bases suficientemente sólidas para a
atividade criadora da criança, é preciso lhe oferecer processos pedagógicos que sejam
capazes de ampliar a experiência da criança.
Portanto, torna-se fundamental, métodos educacionais que permitam que a
criança crie, expresse, produza, e não somente observe; práticas educacionais que
reconheçam as crianças como seres criativos.
Vigotsky (1982) diferencia no ser humano dois tipos básicos de atividades
cerebrais que impulsionam diferentes condutas humanas. Um deles é o impulso
reprodutor ou reprodutivo, que está estreitamente vinculado ao exercício da memória;
o outro tipo de conduta é guiado pelo impulso criador ou combinador e relaciona-se
intimamente à imaginação, sendo denominado pelo autor de fantasia. Demonstra
também que tanto a memória como a fantasia são funções psicológicas complexas e
dialeticamente interrelacionadas, o que ocorre é que "a fantasia não está contraposta à
memória, mas se apoia nela e dispõe de seus dados em novas e novas combinações."
(VIGOTSKY, 1982, p.18).
Portanto, encontramos na conduta humana, para além de uma atividade que
resgata fatos e impressões vividas, outra atividade que as combina e cria.
A atividade criadora depende prioritariamente da variedade e da riqueza das
experiências. Quanto mais ricas forem as experiências pessoais, mais material a
imaginação terá à sua disposição.
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Vigotsky (2010) constata que o ato de imaginar constitui uma complexa
composição processual e que a atividade da imaginação criadora depende, portanto, de
toda uma cadeia de diversos fatores.
Nesse aspecto, Vigotsky valoriza sobremaneira o ato imitativo para que a
criança esteja representando algo que ela ainda não domina, mas que poderá dominar
num futuro próximo ou mais distante dependendo do que se queira atingir. “Através da
imitação na atividade coletiva, orientada pelos adultos a criança está em condições de
fazer bem mais, e fazer compreendendo com autonomia.” (VIGOTSKY, 2010, p. 480).
O cérebro humano é compreendido não apenas como um órgão que pode
conservar e reproduzir as experiências vividas, mas também como um órgão que pode
combinar e reelaborar tais experiências para então, partindo de tais elementos,
desempenhar a atividade criadora.
Os conceitos imaginação e fantasia, muitas vezes na compreensão advinda do
senso comum, se associam ao irreal, mas contrariamente, entende-se aqui a partir do
ideário de Vigotsky (1999), que a imaginação é a base de toda atividade criadora e, se
manifesta em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística,
científica e técnica.
Segundo o autor, em cada nível do desenvolvimento humano, observa-se uma
forma própria de expressão imaginativa e um processo singular de criação;
características próprias que diferenciam a imaginação infantil da imaginação do jovem e
do adulto.
Evidencia assim, a necessidade de uma ação pedagógica que amplie a
experiência da criança proporcionando-lhe bases suficientemente sólidas para sua
atividade criadora.
Contrariamente ao que algumas correntes teóricas defendem, Vigotsky (1999)
adverte para o fato de que a imaginação infantil não é mais rica do que a imaginação do
adulto, pois, como a imaginação depende da experiência, a experiência da criança
acumula-se e amplia-se paulatinamente com profundas peculiaridades.
O autor em pauta defende, portanto, que com o crescimento da criança se
desenvolve também sua imaginação. Durante todo esse período de amadurecimento, a
conduta do adulto constitui-se como fator determinante da função imaginativa infantil.
Assim, quanto mais essas crianças puderem usar de seus sentidos em experiências que
possam, ver, tocar, experimentar, mais aptas estarão a aprender, assimilar e criar.
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Observa-se um movimento histórico em defesa do desenvolvimento do ser
humano em sua magnitude e integridade, que vai muito além de sua capacidade de ler,
escrever.
De acordo com Vigotsky (1999), os processos criadores infantis se utilizam de
diversas formas de expressão, e podem ser observados e mediados, sobretudo por meio
da arte e do jogo4.
O ambiente escolar, de forma especial o destinado à Educação Infantil, tem por
desafio, para além do que já foi preconizado, permitir que a criança viva plenamente
todas as dimensões da infância, especialmente, as dimensões lúdica e artística.
A arte é entendida por Vigotsky (1982, 1999) como a possibilidade de socializar
a emoção5. O saber artístico, possível de ser estimulado desde a mais tenra idade, está
permeado de concepções e ideários que revelam emoções, valores, sentimentos e
significações. Cabe ao educador mediar sua manisfestação.
Para Vigotsky (1999), o homem apresenta emoções contraditórias e por meio da
arte (que suscita a abstração e a própria criatividade, utilizando-se de recursos da
imaginação), desencadeia um movimento de superação de tais contradições.
A emoção artística é inteligente, não provoca uma resposta motora imediata, mas
resolve-se na articulação com outras funções psicológicas, como a imaginação. Nisto
está à diferença da emoção causada pela arte, além de ser suscitada por uma estrutura
específica, pela oposição entre forma e conteúdo, a sua superação, a sua transformação,
envolve outras funções psíquicas, sobretudo a imaginação. (VIGOTSKY, 1999).
O jogo é entendido pela Teoria Histórico-Cultural, não como uma atividade
natural, instintiva da criança, mas como um instrumento de apropriação do mundo
adulto e de inserção em seu contexto e tempo histórico. (LEONTIEV, 2006).
O brincar infantil é pautado na filosofia marxista que concebe o mundo como
resultado de processos histórico-sociais que alteram não só o modo de vida da
sociedade, mas inclusive as formas de pensamento do ser humano. (VIGOTSKY, 1982).
Portanto, toda conduta do ser humano, incluindo o brincar, é construída como resultado
de processos sociais.
Os estudos de Vigotsky (1982, 1999, 2010) apontam que por meio da
brincadeira a criança é maior e tem maior poder. Quando quer satisfazer certos desejos e
4 Os termos brincadeira e jogo são concebidos neste trabalho como sinônimos. 5 As expressões emoção e sentimento na versão em português de Vigotski (1999) dizem respeito ao termo
original em russo "perejivanie" o qual, significa „vivência‟. (PRESTES, 2010).
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fantasias que não podem ser satisfeitos na realidade imediata, soluciona seus conflitos e
anseios por intermédio da situação lúdica.
O brincar é, portanto, o componente fundamental da infância, possibilitando a interação
da criança com os elementos da cultura da qual faz parte. Brincando, a criança lê, relê e
interpreta comportamentos, gestos, atitudes e valores presentes na organização social; se
apropria e recria o universo cultural em que está inserida.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo teve início no primeiro semestre de 2014, nas dependências da
Universidade Federal de São Carlos, município localizado no interior do Estado de São
Paulo – Brasil.
Tendo como tema a atividade criadora mediada pela arte lúdica, seu objetivo é
refletir sobre a atividade criadora na perspectiva da Teoria Histórico Cultural e, sobre
práticas pedagógicas mediadas pela arte integrada ao lúdico - „arte lúdica‟, que
pudessem enriquecer os cursos de formação (inicial e permanente) do professor de
educação infantil.
Para tanto, apresenta as seguintes questões que nortearam a pesquisa: Como se
define a atividade criadora? Quais conceitos teóricos subsidiam a compreensão sobre a
atividade criadora? Podemos enriquecer o processo de formação inicial e permanente do
educador propiciando o exercício de sua capacidade criadora por meio da „arte lúdica‟?
A metodologia do estudo fundamentou-se na perspectiva Histórico-Cultural,
tendo como pressuposto o Materialismo Histórico dialético, cujo principio é ir à raiz do
problema, estudá-lo em profundidade.
A coleta de dados e sua posterior análise qualitativa derivaram de fontes e
momentos distintos do processo de pesquisa: a primeira parte ocorreu nas dependências
da Universidade Federal de São Carlos e, os dados resultaram da aplicação de um
programa de intervenção, apresentado no formato de um curso de extensão oferecido na
própria Universidade por meio das denominadas ACIEPES: Atividades Curriculares de
Integração Ensino, Pesquisa e Extensão. A segunda parte da coleta de dados ocorreu na
cidade de Havana – Cuba e, os dados estão sendo analisados. O recorte que se apresenta
aqui corresponde ao primeiro momento.
ACIEPE
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As Atividades Curriculares de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão
(ACIEPEs) são uma experiência educativa, cultural e científica que, articulando o
Ensino, a Pesquisa e a Extensão com o envolvimento de professores, servidores técnico-
administrativos e alunos da UFSCar, procura viabilizar e estimular o seu
relacionamento com diferentes segmentos da sociedade.
Como pesquisa e extensão, constitui-se em uma forma de diálogo com os
diferentes segmentos sociais para construir e reconstruir conhecimentos sobre a
realidade, de forma compartilhada, visando a descoberta e experimentação de
alternativas de solução e encaminhamento de problemas.
Como ensino, constitui-se na possibilidade de reconhecimento de outros
espaços, para além das salas de aula e laboratórios, como locais privilegiados de
aprendizagem significativa onde o conhecimento desenvolvido ganha concretude e
objetividade.
As ACIEPEs se constituem como atividades complementares inseridas nos
currículos de graduação, com duração semestral de 60 horas e conferindo 4 créditos
curriculares aos participantes.
Os objetivos instituídos pela Universidade para as ACIEPEs são: intensificar o
contato da universidade com a sociedade, contribuindo para o cumprimento do
compromisso social institucional; fortalecer a indissociabilidade entre as atividades
essenciais da universidade, ensino, pesquisa e extensão; contribuir para a melhoria da
qualidade dos cursos de graduação, pós-graduação e das atividades de pesquisa e de
extensão; promover maior aproximação entre os currículos e a vida concreta da
sociedade; contribuir para a formação ética do profissional; estimular a problematização
como atitude de interação com a realidade; propiciar a descoberta de novos objetos de
investigação em contextos externos ao meio acadêmico; ensejar a experimentação de
alternativas metodológicas de trabalho comunitário e de ensino; favorecer o
desenvolvimento de uma atitude tanto questionadora como proativa diante dos desafios
e limites impostos pela nossa realidade social.
A ACIEPE em questão neste estudo6, foi oferecida no segundo semestre de 2014
(de agosto a dezembro) às terças-feiras no período da tarde na sala 2 do Núcleo de
formação de professores da UFSCar.
6 A ACIEPE oferecida por mim teve como título “O brincar e a arte na educação infantil” e foi Coordenada pela Profª
Drª. Maria Aparecida Mello.
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Teve como objetivo geral propiciar a professores da rede pública e alunos da
UFSCar instrumentalização teórica-prática sobre os fundamentos e as possibilidades do
brincar e da arte nas práticas educativas ocorridas na Educação Infantil.
Os 10 participantes da ACIEPE foram convidados e aceitaram participar do
estudo.
Os mesmos apresentavam idades variando de 20 a 33 anos, sendo: sete
graduandos do curso de Pedagogia - seis mulheres e um homem; uma graduanda do
curso de Música; uma graduanda do curso de Psicologia; e uma Pedagoga formada,
professora de educação infantil integrante da rede municipal de São Carlos.
A ACIEPE se estruturou metodologicamente da seguinte forma:
1- Apresentação, análise e aprofundamento de leituras; exposição oral dialogada:
Resultante de uma pesquisa teórico-bibliográfica, com seleção, leitura, fichamento e
análise de livros, textos e artigos referentes ao tema brincar e arte e ao referencial
teórico. Objetivo: Fundamentar teoricamente as reflexões sobre o brincar o as artes.
2- Atividades desenvolvidas pelos participantes:
Atividade A - Resgate de memória da infância Lúdica:
Constou de um exercício individual de resgate de memória e elaboração de um texto
narrativo. Objetivo: Resgatar lembranças sobre as possibilidades e vivencias pessoais
da infância como: brincadeiras; expressividades; possibilidades corporais; espaços e
materiais utilizados; etc.
Atividade B: Confecção de Caixa de Resgate de Memória
Constou da criação de uma caixa (a partir da utilização de caixas de sapato)
empregando técnicas distintas de artes plásticas e artes visuais e objetos pequenos e
representativos que evidenciassem as memórias resgatadas pelos participantes e, uma
roda de apresentação oral, onde todos puderam partilhar suas lembranças e comentar
o material confeccionado. Objetivo: Apresentar de forma visual e representativa a(s)
questão(ões) central (is) que marcaram ludicamente as infâncias.
Atividade C: Criação e apresentação de sequência didática de arte
Constou da criação (em duplas) de um conjunto de atividades de aprendizagem de arte,
ligadas entre si, contendo a definição de objetivos e propostas avaliativas.
Posteriormente, as sequências criadas foram apresentadas e as atividades vivenciadas
pelo grupo. Objetivo: Exercitar a capacidade criadora dos participantes e evidenciar
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mediações pedagógicas, desenvolvidas por meio da „arte-lúdica‟ para a Educação
infantil.
3- Vivências e oficinas com técnicas e estratégias de arte:
Durante os encontros foram propostas diversas experimentações/ vivências de técnicas e
atividades envolvendo a „arte lúdica‟ e o movimento corporal. Após as vivências
propostas pela pesquisadora, o grupo explorava formas de adaptar as técnicas e/ou criar
novas versões para as mesmas. Objetivo: Ampliar o conhecimento empírico dos
participantes e propiciar situações de reflexão, debate e criação.
A seguir alguns exemplos das técnicas e atividades propostas:
Técnicas envolvendo o „Jogo de
Papéis Sociais‟ (faz de conta)
integrados à pintura, música e
expressão corporal
Exemplo: „A história dos monstros de garras
coloridas‟
Técnicas envolvendo o „Jogo de
Papéis Sociais‟ (faz de conta)
integrados à dança e à expressão
corporal
Exemplo: „Viagem à ilha deserta‟
Técnicas de artes plásticas pinturas
integradas à exploração de materiais
Utilizando diferentes materiais como tintas
industrializadas e confeccionadas com gelatina, pó
de café e corantes; bolas de gude, lá de aço,
algodão, canudos, palitos, elásticos, barbantes,
esponjas, escovas de dente, garfos, cotonetes,
pincéis de papel crepom; diferentes partes do corpo
como mãos, cotovelos, pés e, em diferentes
suportes como telas de pintura, tampas de caixas,
diferentes tipos de papéis, rolo de papel manilha,
cartolinas.
Técnicas de colagem integradas à
exploração de materiais
Utilizando diferentes materiais como sementes,
miçangas, diferentes tipos de papéis e sucatas
pequenas.
Criação de bonecos e personagens
integradas à exploração de materiais
Utilizando diferentes materiais como sucatas,
jornais, revistas e fios de lã.
Para o processo de coleta de dados da pesquisa utilizou-se como instrumento
o texto narrativo desenvolvido pelos participantes na Atividade A - Resgate de
memória da infância Lúdica.
Utilizou-se também de dois questionários que foram aplicados um no momento
inicial do curso - ACIEPE e outro no momento final.
O questionário pode ser definido „como a técnica de investigação composta por
um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas,
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tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses,
expectativas, situações vivenciadas etc.” (GIL,1999, p.128).
Recursos audiovisuais (filmagens e fotografias) serviram como recurso de apoio
à memória e com a intenção de ilustrar parcialmente as situações vividas durante o
processo.
REFLETINDO SOBRE ALGUNS RESULTADOS
Apesar de seus cursos de formações serem distintos, todos os participantes
tinham em comum a intenção de lidar com crianças em suas atuações profissionais,
reconhecendo a arte como um caminho importante para tanto.
Os relatos dos resgates de memória da infância permitiram constatar a presença
de brincadeiras e jogos, assim como a criação de brinquedos envolvendo técnicas de
arte.
No que tange às experiências com arte durante a formação escolar, segundo
dados coletados, constatou-se que os participantes, mesmo com formações distintas, e
sendo em sua grande maioria advindos do curso de Pedagogia foram unanimes ao
esclarecer que em suas vivências escolares (incluindo a Universitária), haviam tido
pouca ou nenhuma experiência.
Observou-se também que as experiências anteriores com arte que foram
evidenciadas pelos participantes, ou se apresentaram para os mesmos de forma
assistemática e sem intencionalidade, ou de forma mecanizada. “As atividades eram
bem soltas, uma não tinha ligação com as outras. Me lembro muito de releituras de
imagens mas não entendia sua finalidade. (Participante 7).”
Apresentavam também função cívica e social “As poucas atividades que tive
com as artes no ensino médio foram relacionadas com as datas comemorativas como dia
das mães ou dos pais. (Participante 5).”
Em um primeiro momento (primeiro questionário), todos afirmaram que „todo
ser humano é criativo‟, sobretudo na infância, evidenciando a lógica de que se trata de
um fator inato, pronto e acabado.
Em momento posterior (segundo questionário) tal concepção se modificou e a
definição do grupo passou a ser todo ser humano tem capacidade criadora, mas pode ou
não ser criativo. “Depende do contexto em que ele for inserido desde pequeno, dos
estímulos que recebeu e das experiências que ele vivenciou. (Participante 8).”
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Vigotsky (1982) evidencia o processo criador humano, pelo qual, mediante
intervenções que possibilitem um repertório de experiências ricas, todo ser humano
pode ser criativo.
Foi possível observar ao final do curso que os resultados alcançaram os
objetivos acadêmicos direcionados a propiciar aos alunos de graduação e pós-graduação
da UFSCar contato com a comunidade externa, representada no grupo pela professora
de Educação Infantil; assim como o de contribuir para a formação e aprofundamento
dos estudantes em relação à fundamentação teórico-metodológica sobre a integração
entre o brincar e a arte na escola.
Acredita-se assim que por meio do curso oferecido e de suas estratégias
metodológicas e avaliativas, tenha sido possível relacionar as metas estabelecidas na
pesquisa e no próprio curso e, atingir os objetivos sociais previstos, contribuindo para a
formação dos participantes.
Para proporcionar bases sólidas para a atividade criadora, é preciso que o espaço
universitário ofereça a vivência e a reflexão sobre práticas pedagógicas intencionais que
sejam capazes de permitir aos educadores em formação e/ou em exercício ampliar suas
experiências e objetivar a realidade, considerando a natureza essencialmente social e
histórica de seu psiquismo. A arte lúdica parece ser uma forma interessante e positiva de
possibilitar o estímulo à capacidade criadora e permitir que a imaginação possa ser vista
como uma mola propulsora de novos sentimentos que associados à memória, ao
pensamento e às emoções.
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