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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ HEITOR TOGNOLI PRÁTICAS CURRICULARES EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA UM ESTUDO DE CASO Itajaí - SC 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

HEITOR TOGNOLI

PRÁTICAS CURRICULARES

EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA

UM ESTUDO DE CASO

Itajaí - SC

2006

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HEITOR TOGNOLI

PRÁTICAS CURRICULARES

EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA

UM ESTUDO DE CASO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho - Área de Concentração em Saúde da Família da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Orientador: Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo

Itajaí - SC

2006

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HEITOR TOGNOLI

PRÁTICAS CURRICULARES

EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA

UM ESTUDO DE CASO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho - Área de Concentração em Saúde da Família da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo Universidade do Vale do Itajaí

Prof. Dr. Marco Aurélio Da Ros Universidade Federal de Santa Catarina

Profª. Drª. Rosita Saupe Universidade do Vale do Itajaí

Itajaí, 12 de dezembro de 2006.

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MUDE Mas comece devagar, comece na sua velocidade.

Sente-se diferente, em outra cadeira, no outro lado da mesa.

Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, ande pelo outro lado da rua, depois mude de caminho,

ande por outras ruas, mais devagar, observando os lugares por onde passa. Tome outros ônibus, se for o caso.

Mude por uns tempos o estilo das roupas, dê os seus sapatos velhos, procure andar descalço por uns dias. Tire uma tarde livre para passear no parque ou na praia.

Saia sozinho para ouvir o canto dos pássaros.

Veja o mundo de outras perspectivas. Abra gavetas e portas com a mão esquerda.

Durma no outro lado da cama. Depois, de ponta-cabeça.

Assista a outros programas de tv, compre outros jornais, leia outros livros, viva outros romances. Troque de carro.

Não faça do hábito um estilo de vida. - Ame a novidade.

Corrija a postura, faça ginástica, durma mais tarde, ou acorde mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.

Escolha novas comidas, temperos, cores, diferentes delícias. Experimente a gostosura da pouca quantidade.

- Tente o novo todo dia.

O novo lado, o novo método, o novo jeito, o novo sabor, o novo prazer, o novo amor. - A nova vida.

Faça novos amigos, mantenha novas relações, almoce em outros lugares, vá a outros restaurantes, tome outros tipos de bebida,

compre pão em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde - ou vice-versa.

Escolha outro mercado, outra marca de sabão, novos cremes. Tome banho em horários variáveis.

Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.

(Comece agora uma viagem para bem longe do aqui.) Faça amor de modos diferentes.

Troque de bolsa, de carteira, de malas. Compre novos óculos, escreva outras poesias, jogue fora o despertador.

Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, novos cabeleireiros, outros teatros.

Visite novos museus.

- Mude. Você conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas,

mas não é isso o que importa. O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia.

Dessa forma, apenas dessa forma - você viverá. - Só o que está morto não muda!

(Edson Marques)

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AGRADECIMENTOS

Aproveito o momento para agradecer a algumas pessoas que

fizeram parte de minha vida, e, portanto, direta ou indiretamente contribuíram para

que eu cumprisse mais essa etapa em minha vida.

Primeiramente agradeço aos meus pais, pelos primeiros e mais

importantes valores de vida, por me proporcionarem condições de chegar até aqui, e

pelo eterno amor, carinho e preocupação, os quais são recíprocos!

A minha irmã, por ter sido minha amiga e companheira por todos

esses anos, e por ter me auxiliado na correção gramatical dessa dissertação.

A minha querida esposa, companheira de todas as horas, luz que

ilumina meus caminhos, meu apoio, minha amiga, minha amante, dona do meu

coração.

Aos professores do mestrado, por ajudar a pensar e a construir

novos caminhos e novas jornadas juntos, especialmente a Profª. Rosita Saupe, meu

carinho e admiração.

A todos meus colegas de mestrado, por terem sido tão

companheiros e sinceros durante a nossa jornada, mas especialmente a um, Marcos

Aurélio Maeyama, que além de colega se tornou um companheiro, um amigo, um

irmão.

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Aos meus amigos de todas as horas, Eduardo Goulart Schlup,

Jackson Eduardo Germer, Rodrigo Cristiano Bigolin e João Caetano Carpeggiani,

obrigado pelo apoio e suporte.

Aos meus alunos queridos, André Viriato e Cintia Tamellini, pessoas

brilhantes e que, assim como eu, estamos descobrindo que é possível sim fazer a

Medicina que sonhamos, obrigado pelo acolhimento e pelo carinho.

Ao meu outro grande amigo, Filipe Siqueira Gomes, pessoa

fundamental no início do meu mestrado, obrigado pelo companheirismo.

Ao Professor Márcio Vieira Ângelo, por ter apostado desde o

começo suas fichas em mim.

A Professora Arlete Soprano, minha admiração e respeito.

As assistentes da Coordenação do Mestrado, especialmente Rosélia

e Vânia, e da Coordenação do curso de Medicina, Marilisa e Flávia, pela simpatia

sincera e constante e pela prontidão em auxiliar a qualquer hora.

A Profª. Zulmira Pezzini Paes, minha colega de trabalho, parceira de

todas as horas, pessoa que confio e admiro demais.

A Dra. Leonice Terezinha Tobias, um ser humano raro e

maravilhoso, de fundamental importância na minha vida pessoal e acadêmica.

Ao Prof. Marco Aurélio Da Ros, por ter me ajudado a encontrar o

caminho, minha eterna admiração.

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Ao Dr. Álvaro José de Oliveira, por ter me apoiado durante a

graduação e por sua sincera amizade.

Ao Prof. João Carlos Xikota, um dos responsáveis pela minha nova

visão do mundo, obrigado por fazer parte dessa jornada.

E, finalmente, minha admiração profunda e meu mais sincero

agradecimento ao Prof. Cutolo, pela paciência e maestria de suas orientações e por

ter me permitido alcançar tantas coisas boas em minha vida, meu professor de

teatro, professor de graduação, professor de mestrado, colega de profissão,

orientador, amigo, companheiro, compadre, meu verdadeiro MESTRE!!!

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TOGNOLI, Heitor. Práticas curriculares em Medicina na Atenção Básica: um

estudo de caso. 2006. Dissertação (Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho.

Área de concentração: Saúde da Família) – Universidade do Vale do Itajaí.

RESUMO

A partir do pressuposto de que um dos maiores problemas da consolidação do SUS consiste na formação de profissionais com perfil inadequado para atuar no sistema, e principalmente na Atenção Básica. Foi realizado um estudo de caso – Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) – com intuito de conhecer como o curso de Medicina, por meio da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, está preparando o aluno para atuação na Atenção Básica. A investigação foi baseada na análise das práticas curriculares encontradas na disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, utilizando-se de duas fontes de informação: 1. projeto pedagógico do curso; 2. planos de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária ao longo do curso. Para utilizar como referencial da análise dessas fontes foi realizada uma análise de conteúdo de documentos da literatura internacional e nacional que abordam a questão das características necessárias no perfil profissional de um médico com atuação na Atenção Básica, com o estabelecimento de categorias e subcategorias dessas características. Os resultados permitiram observar a pouca representatividade de conteúdos relacionados à Saúde Coletiva dentro do curso, e dentro da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, a qual tem concentrado seus assuntos apenas nos aspectos clínicos, e, portanto, com uma proposta diferente de formação quando comparada à análise dos documentos da literatura. Sugestões preliminares foram propostas com vistas a suscitar o desencadeamento do processo de discussão das práticas curriculares no curso de Medicina da UNIVALI.

Palavras-chave: Educação Médica; Currículo; Atenção Primária à Saúde.

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TOGNOLI, Heitor. Curricular practices for the professional training of graduate

medical students in Primary Health Care: a case study. 2006. Dissertation (Msc

in Health and Management of Work: Area of specialization: Family and Community

Health) – University of Vale do Itajaí.

ABSTRACT

This study is based on the premise that one of the major challenges facing the SUS (Brazilian national health system) is the training of health professionals with an adequate profile for practice in the health System, and in particular, Primary Health Care. A case study was carried out at the University of Vale do Itajaí (UNIVALI) to determine whether the discipline in Family and Community Medicine of the Medicine Program, is preparing students with the necessary skills to work in the area of Primary Health. The investigation was based on a curricular analysis of the discipline in Family and Community Medicine, using two sources of information: 1. the course syllabus; and 2. the Family and Community Medicine syllabus, over the duration of the course. Content analysis was carried out of the international and natural literature which addresses the necessary characteristics of the professional profile of medical practitioners in the area of Primary Health, establishing categories and subcategories of these characteristics. The results reveal a lack of course content related to the area of Public Health, and in the discipline in Family and Community Medicine, where subjects are focused mainly on clinical aspects, resulting in a course proposal that is different, in terms of professional training, from that found in the analysis of the literature. Some preliminary modifications are suggested, that will promote discussion of curricular practices in the Medicine Program of UNIVALI.

Keywords: Medical Education; Curriculum; Primary Health Care

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11

2 MODELO DE ATENÇÃO E POLÍTICAS DE SAÚDE ......................................... 18

2.1 República Velha ....................................................................................................... 18

2.2 A Reforma “Carlos Chagas” ..................................................................................... 21

2.3 O nascimento da Previdência Social ........................................................................ 23

2.4 A Era Vargas ............................................................................................................ 24

2.5 Autoritarismo ............................................................................................................ 30

2.6 Crise Político Ideológica e o nascimento do Sistema Único de Saúde ..................... 35

2.7 O porquê de um Sistema de Saúde voltado para a Atenção Primária ...................... 39

3 O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO MÉDICA ....................................................... 44

3.1 Aproximação das teorias de currículo ...................................................................... 44

3.2 Inconsistências da Educação Médica ...................................................................... 51

3.3 Resgate histórico da formação médica e a influência do modelo biomédico ............ 55

3.4 Novos tempos da Educação Médica ........................................................................ 62

4 PROPOSTA DE FORMAÇÃO MÉDICA PARA ATUAÇÃO NA ATENÇÃO BÁSICA

.............................................................................................................................. 71

4.1 Análise Inferencial .................................................................................................... 116

5 A DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DA UNIVALI DENTRO

DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVALI - ESTUDO DE CASO ........................... 130

5.1 Projeto Pedagógico do curso de Medicina da UNIVALI ........................................... 131

5.1.1 Contexto Geral do Projeto Pedagógico ................................................................. 131

5.1.2 A disciplina de Medicina Familiar e Comunitária e o Projeto Pedagógico .............. 138

5.1.3 A Saúde Coletiva no curso de Medicina da UNIVALI ............................................ 140

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5.2 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 5º período ...... 141

5.3 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 6º período ...... 145

5.4 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 7º período ...... 147

5.5 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 8º período ...... 148

5.6 Planos de ensinos da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária do

internato médico ............................................................................................................ 149

5.7 Confrontação entre os documentos e os planos de ensino ...................................... 150

5.7.1 Integralidade ......................................................................................................... 151

5.7.2 Participação .......................................................................................................... 151

5.7.3 Processo de trabalho ............................................................................................ 151

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 153

6.1 Estudo de caso ........................................................................................................ 154

6.2 Limitações e intencionalidade da proposta ............................................................... 156

7 Referências ................................................................................................................. 157

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1 INTRODUÇÃO

A busca por um “algo a mais” durante o meu curso de graduação em

Medicina foi uma constante. Sempre sentia que algo estava errado em minha

formação, a Medicina a mim apresentada era muito diferente daquela com a qual eu

sonhava.

O jeito de se compreender o outro ser humano parecia “limitado”,

tanto que o primeiro ser humano apresentado como objeto de estudo nem vida tinha,

era um cadáver.

Logo na primeira matéria, a com maior carga horária, e conhecida

como uma das mais difíceis, anatomia humana, duas coisas incompatíveis com

meus ideais saltaram aos olhos, a competitividade entre meus colegas e uma

“obsessão” em decorar informações para reproduzir dias mais tarde na prova e

depois 80% delas “caírem no esquecimento”.

O primeiro paciente apresentado estava em um leito hospitalar,

rodeado por uns 8 alunos e um professor de semiologia, em uma situação de

fragilidade por sua doença. Começava a obsessão pela busca de uma anamnese

completa, com um novo vocabulário, em que o roteiro a ser seguido parecia ser mais

importante que a pessoa que estava do outro lado.

Algo estava errado e, assim, iniciei uma busca pessoal para

descobrir o que era, passando por vários estágios curriculares e extra-curriculares e

realizando atividades não acadêmicas.

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Essa busca parecia chegar ao fim no décimo período do curso,

quando, pela primeira vez no curso, tive um contato continuado em uma

comunidade, em um Programa Docente Assistencial de uma Unidade Básica de

Saúde.

Pela primeira vez no curso, comecei a entender o papel social que

um médico tinha e que as necessidades das pessoas eram diferentes do que estava

sendo ensinado para mim até então.

As pessoas, além da cura de uma doença, também buscavam afeto,

carinho e atenção e isso fazia parte do cuidado. Estavam inseridas em um meio

social que influenciava o estado de saúde delas, assim como o contexto familiar e

cultural.

Comecei a perceber que a formação que havia recebido até então

não era suficiente para me capacitar a atender às necessidades dessas pessoas,

tanto individual, quanto coletivamente.

Dessa forma, a Saúde Pública, mais especificamente a Atenção

Básica, passou a se tornar meu campo operativo e, no semestre seguinte a esse

estágio na comunidade, assumi a monitoria da disciplina de Saúde Pública,

permanecendo até o final do curso.

Ao final do curso escolhi, como pós-graduação, o Mestrado em

Saúde e Gestão do Trabalho, área de concentração em Saúde da Família, e

comecei a dar sustentação teórica para o “algo a mais” que sempre busquei durante

o curso, a partir do estudo mais profundo de políticas de saúde e o SUS

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(principalmente da integralidade), de epistemologia e de abordagens qualitativas de

pesquisa.

A partir desses estudos, somados à influência de grandes

professores estudiosos do tema e da busca por algo que parecia tão difícil de se

encontrar, a paixão pela Educação Médica começou a florescer.

A escolha desse tema, relacionando à Atenção Básica, para a

dissertação do mestrado, surgiu do meu cotidiano de trabalho da assistência

(médico da Atenção Básica) e, principalmente, do meu cotidiano de docente da

disciplina do internato em Medicina Familiar e Comunitária. Somado ao contexto

atual, de estruturação de um modelo de atenção voltado para Atenção Básica em

nível nacional, em franca expansão.

O Ministério da Saúde apóia essa estruturação por meio de várias

iniciativas, como por exemplo: as portarias 648, 649 e 650 que definem e

regulamentam a Política Nacional de Atenção Básica, o PROESF (Programa de

Expansão e Consolidação Saúde da Família), ou a AMQ (Avaliação para Melhoria

da Qualidade da Estratégia Saúde da Família) (BRASIL, 2006b).

Além disso, os números mostram essa expansão, pois a cobertura

da população brasileira, pela Estratégia Saúde da Família, após os primeiros quatro

anos de implantação, era apenas de 3,51%, para atingir, em agosto de 2006, 45,4%,

ou seja, 84,2 milhões de pessoas assistidas, com 26,3 mil equipes implantadas em

5.093 municípios (BRASIL, 2006a).

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Todos esses avanços estão em contraponto à formação de recursos

humanos na saúde, uma vez que não possuem perfil adequado para atuar nessa

nova lógica.

O profissional egresso pela maioria das universidades atualmente,

segundo Amorretti (2005), possui características como: enfoque essencialmente

positivista e biologicista fortemente centrado em sua especialidade; tende a

medicalizar o processo saúde/doença; posição marcadamente individualista,

altamente coorporativista e crítico do SUS; e defensor de uma visão liberal e

autônoma da profissão.

Esses dados concretos de franca expansão do mercado de trabalho

médico na Atenção Básica, confrontados com o tipo de profissional oferecido pelas

universidades, fazem com que eu parta do seguinte pressuposto para iniciar minha

investigação:

Um dos maiores problemas da consolidação do SUS consiste

na formação de profissionais com perfil inadequado para atuar no sistema, e

principalmente na Atenção Básica.

Sustento esse pressuposto a partir de algumas prerrogativas que

regem um modelo de formação voltado para a atuação na Atenção Básica com foco

generalista:

1) maior adequação às necessidades básicas de saúde da população oferecendo o

embasamento necessário para a continuidade do ensino na pós-graduação;

2) tendência a direcionar menos estudantes a uma especialidade em fases precoces

do curso;

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3) maior sincronia com as propostas das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais e

do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-

SAÚDE) (BRASIL, 2005);

4) contexto atual dos serviços de saúde necessitando de profissionais mais

humanizados;

5) o fato de apenas 3% dos médicos da Atenção Básica ter formação para atuar

adequadamente1;

6) visão mais ampliada do processo saúde/doença e, por conseguinte, melhor

preparo dos profissionais para a promoção de saúde;

7) vivência de outras racionalidades terapêuticas, das quais grande parte da

população faz uso;

8) contextualização das especialidades no contexto geral dos serviços de saúde;

9) vivência de cenários com oportunidade para trabalhar multiprofissionalmente; e

10) um número de médicos formados incompatível com o número de vagas de

residência, e o trabalho na Atenção Básica torna-se uma opção cada vez mais

prevalente entre os recém-formados;

Dessa forma, delimito o meu problema de pesquisa:

Como o curso de Medicina da Universidade do Vale do Itajaí

(UNIVALI), por meio da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, está

preparando o aluno para atuação na Atenção Básica.

1 F e u e r w e r k e r , L . C . M . O d e s c o m p a s s o e n t r e a o f e r t a d e p r o f i s s i o n a i s e a s n e c e s s i d a d e s d o S U S . P a l e s t r a p r o f e r i d a e m C a m p i n a s . O u t . 2 0 0 5 .

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Como militante do processo de Reforma Sanitária, mestrando em

Saúde e Gestão do Trabalho, professor de Medicina Familiar e Comunitária, médico

da Atenção Básica, especialista em Ativação de Processos de Mudança na

Formação Superior da Área da Saúde, responsável socialmente pela construção de

melhores condições de saúde para a população brasileira e, conseqüentemente,

melhor qualidade de vida, publico esse estudo, o qual se materializa como uma

pequena contribuição e sugestão para o processo de readequação do currículo do

curso de Medicina da UNIVALI de acordo com as diretrizes curriculares que recebem

incentivo do PRÓ-SAÚDE.

A Educação Médica para mim, portanto, tornou-se mais que um

objeto de estudo, tornou-se uma maneira de exercício de cidadania com

responsabilidade social para a construção de um país melhor.

No capítulo dois, situo historicamente as políticas de saúde no

Brasil. A importância desse percurso histórico se apóia em dois pontos principais a

serem notados: a nítida diferença da assistência à saúde antes e depois da

implantação do SUS, e a enorme influência da economia no rumo das políticas de

saúde.

No capítulo três, apresento uma visão geral sobre o estudo do

currículo, demonstrando como ele não é um empreendimento neutro, mas

economicamente e ideologicamente marcado; e demonstro a distinção entre os

currículos, dentro do âmbito da Educação Médica, de base flexneriana e de base na

Medicina Integral.

No capítulo quatro, faço uma análise de documentos oficiais que

estão relacionados à descrição das características que um médico de família deve

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possuir e, portanto, que devem constar nas práticas curriculares dos cursos de

graduação em Medicina.

No capítulo cinco, no estudo de caso, analiso o projeto pedagógico

do curso e os planos de ensino das disciplinas de Medicina Familiar e Comunitária

durante o curso de graduação da UNIVALI.

No último capítulo, realizo as considerações iniciais com intuito de

suscitar discussões a respeito do processo de readequação do currículo da UNIVALI

ao contexto atual.

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2 MODELOS DE ATENÇÃO E POLÍTICAS DE SAÚDE

Antes da proposta de uma oferta de serviços de saúde universal,

com eqüidade no acesso e integralidade das ações, nosso país viveu um período

em que a influência econômica sobre as políticas de saúde era mais evidente e

excludente.

Para contextualizar esse momento histórico e entender um pouco

melhor a atual proposta de construção de um perfil profissional adequado a uma

nova conjuntura, ou seja, da Atenção Primária como base do atual modelo de

atenção, o presente capítulo busca retratar o quadro das políticas públicas de saúde

no Brasil desde o início do século XX, coincidindo com o período republicano, que

teve seu início em 1889.

2.1 REPÚBLICA VELHA

No início do século XX, politicamente, o país encontrava-se em um

período conhecido como Primeira República, ou República do “Café-com-Leite”, já

que o eixo econômico brasileiro estava centrado na monocultura cafeeira de

exportação, concentrado no sudeste brasileiro, e os presidentes eleitos

alternadamente eram paulistas e mineiros (GROISMAN; MORAES, 2005).

O foco de atenção do governo brasileiro, na época, estava voltado

para essa região, principalmente nas “rotas de mercadorias”, representadas pelas

zonas de produção do café, São Paulo e Minas Gerais, e pelos locais de

escoamento da produção e de importação de produtos, principalmente os portos de

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Santos e do Rio de Janeiro (CARVALHO; MARTIN, 2001; GROISMAN; MORAES,

2005).

Enquanto a economia brasileira esteve dominada por um modelo agroexportador, assentado na monocultura cafeeira, o que se exigia do sistema de saúde era, sobretudo, uma política de saneamento dos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação (MENDES, 1996, p.66).

Apesar de o Brasil se encontrar em um período de expansão da

economia, o quadro sanitário não acompanhava esse crescimento, pois uma série

de epidemias assolava o país, o que, conseqüentemente, tornava as condições de

saúde da população, na época, precárias (POLIGNANO, 2005). Para o governo, pior

que o problema social, era o grave impasse na economia, o qual demandava

medidas políticas urgentes.

As grandes epidemias como a cólera, a malária, a febre amarela e a

varíola estavam dizimando tanto a população do campo, como a da cidade,

reduzindo a força da mão-de-obra e ameaçando a vida das elites sociais. Além

disso, essas epidemias tornavam os portos insalubres, o que prejudicava a nossa

imagem internacional e forçava os navios estrangeiros a se recusarem a atracar em

nossos portos, inibindo, assim, a vinda de imigrantes para substituir a mão-de-obra

escrava e prejudicando as exportações (POLIGNANO, 2005).

Diante dessa situação caótica, teve início a primeira das três

tendências das políticas de saúde do Brasil do século passado, o chamado

“sanitarismo campanhista”, o qual possuía, como estratégia de atuação o modelo

das campanhas sanitárias. Essa política, com inspiração militar, tinha como meta a

quebra da relação entre agente e hospedeiro por meio da interposição de barreiras,

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utilizando-se da força e da autoridade como os instrumentos de ação (MENDES,

1996; POLIGNANO, 2005).

As campanhas sanitárias da época, assim como as ações militares,

dividiam as cidades em distritos e encarceravam os portadores de doenças

contagiosas, impondo à força as práticas sanitárias.

Essas ações iniciaram no governo do presidente Rodrigues Alves

que, em 1902, lança o “Programa de Saneamento da Cidade do Rio de Janeiro e de

São Paulo” (GROISMAN; MORAES, 2005). E, no mesmo ano, lança também o

“Combate à Febre Amarela Urbana”, contando com um exército de 1500 pessoas,

lideradas pelo Diretor do Departamento Geral de Saúde Pública (órgão vinculado ao

Ministério da Justiça e Negócios Interiores), o médico sanitarista Oswaldo Cruz.

Esse exército de “guardas sanitários” exercia atividades de desinfecção no combate

ao mosquito da febre amarela, de maneira impositiva, cometendo arbitrariedades

que revoltavam a população (POLIGNANO, 2005).

Essa onda de insatisfação da população culminou na “revolta da

vacina”, um grande movimento popular, no Rio de Janeiro, que contrariava a

vacinação obrigatória anti-varíola, imposta pela lei federal n. 1261, de 31 de outubro

de 1904 (POLIGNANO, 2005; SOUZA, 2004).

Iniciados no dia 10 de novembro, os tumultos de rua progrediram em escala geométrica. No dia 15 de novembro, ironicamente a data de aniversário da República, turbas infestavam toda a cidade. Os quebra-quebras tinham se alastrado e já alcançavam os bairros mais distantes – Méier, Engenho de Dentro, Encantado, Catumbi, Vila Isabel, Andaraí, Matadouro e Aldeia Campista. Segundo o conservador Jornal do Commercio, as “multidões amotinadas” nesses subúrbios, armadas com “barras de ferro, paus e paralelepípedos” haviam destruído postes de iluminação e de telefone e incendiado bondes da Cia. Vila Izabel e da Carris Urbanos. Mas era a violência ocorrida nas áreas centrais da cidade que ocupava as manchetes. Nas ruas do Sacramento, Regente e

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imediações foram erguidas as primeiras barricadas, com pedaços de trilhos de bondes arrancados das ruas e muitas tábuas e pedras retiradas de canteiros de obras próximos à Avenida Central. Comentando o saldo do dia 15 no Centro, o mesmo jornal nos fala dos mortos e feridos pelo chão manchando as ruas de sangue (PAMPLONA, 2002, p. 72)

Enquanto as ações sanitárias estavam dirigidas para o combate às

epidemias na região sudeste, as outras regiões, sem importância econômica para o

país, estavam literalmente abandonadas pelo Estado. Outro setor que estava

abandonado era o da saúde individual da população, o qual dependia, ou da

assistência privada, ou da assistência hospitalar pública, que na época tinha um

caráter de assistência social, abrigando os portadores de psicoses, hanseníase e

tuberculose, ou ainda das entidades de caridades para os indigentes sanitários

(CARVALHO; MARTIN, 2001; CUNHA; CUNHA, 1998).

Apesar de todas as arbitrariedades e revoltas causadas na

população, o modelo campanhista obteve importantes conquistas ao controlar

doenças epidêmicas, como a erradicação da febre amarela do Rio de Janeiro, que

acabou por fortalecer esse tipo de política de saúde durante décadas (POLIGNANO,

2005).

2.2 A REFORMA “CARLOS CHAGAS”

Na década de 20, com o crescimento econômico impulsionado pela

exportação do café, iniciciaram-se a industrialização e o desenvolvimento do

comércio nos grandes centros exportadores, que começaram a atrair imigrantes de

outras regiões do país, especialmente do nordeste, que traziam também doenças

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que antes estavam restritas àquela região, como esquistossomose e doença de

Chagas (SOUZA, 2004).

O combate às doenças, mudou seu foco das epidêmicas para as

endêmicas, que diferem na forma de atuação ao exigir, além das medidas de

alcance coletivo, o atendimento individual, a conscientização sanitária e a

colaboração do doente (SOUZA, 2004).

No ano de 1919, em meio a uma crise sanitária gerada pela

epidemia de gripe espanhola, foi indicado o cientista Carlos Chagas, oriundo do

Instituto Oswaldo Cruz, para suceder o seu mentor, o próprio Oswaldo Cruz (falecido

em 1917), para assumir o Departamento Geral de Saúde Pública (SCLIAR, 2002).

Carlos Chagas iniciou, então, uma reforma sanitária, conhecida

como “Reforma Carlos Chagas” (1920-1923), ao reestruturar esse Departamento,

criando no ano seguinte (1920) o Departamento Nacional de Saúde Pública, que

passou a incorporar novas atribuições como a propaganda e a educação sanitária,

as quais substituem a técnica utilizada por Oswaldo Cruz, puramente fiscal e policial

(POLIGNANO, 2005; SCLIAR, 2002).

Com a reforma, três novas diretorias foram implantadas: Serviços

Sanitários Terrestres, Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e Saneamento e Profilaxia

Rural; e foram criados órgãos especializados contra tuberculose, lepra e doenças

venéreas. A assistência hospitalar, infantil e a higiene industrial passaram a ser

vistas de maneira individualizada, as atividades de saneamento foram levadas

também a outros estados, e foram criados cursos de formação de Recursos

Humanos para a saúde, como a Escola de Enfermagem Ana Nery (BRAGA; PAULA,

1981; LIMA; PINTO, 2003; POLIGNANO, 2005).

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2.3 O NASCIMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

As condições de trabalho da época, assim como o salário, tanto no

campo, como na indústria, eram péssimas, o que fazia a rotatividade dos

trabalhadores ser alta. Como estratégia de conter a revolta dos funcionários, as

grandes empresas agro-exportadoras ofereciam aos seus funcionários alguns

atrativos como: creches, moradia, refeições, pensões, enterros. Exigiam, com isso, o

bom comportamento, ou seja, o não envolvimento nas freqüentes agitações

grevistas lideradas pelos politizados imigrantes estrangeiros. Porém, todos esses

“benefícios” tinham um custo, expresso em pequenas porcentagens do salário

(SOUZA, 2004).

Essas péssimas condições de trabalho, associadas à falta de

garantias trabalhistas a todos trabalhadores, como férias, jornada de trabalho

definida, pensão ou aposentadoria, acabaram por culminar em duas grandes greves

gerais que pararam o país, uma em 1917 e outra em 1919 (POLIGNANO, 2005).

Em 24 de janeiro de 1923, em decorrência dessas agitações sociais,

foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Lei Elói Chaves (Lei 4682), surgindo,

assim, a Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP), o embrião da Previdência Social

no país (CUNHA; CUNHA, 1998; POLIGNANO, 2005; SOUZA, 2004).

A CAP era organizada por empresas, de natureza civil e privada, e

tinha financiamento dos empregados e dos empregadores, cabendo à União apenas

a resolução de conflitos (CUNHA; CUNHA, 1998). Os benefícios previstos eram:

assistência médica curativa, fornecimento de medicamentos, aposentadoria por

tempo de serviço, velhice e invalidez, pensões para dependentes e auxílio funeral

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(LIMA; PINTO, 2003). No entanto, essa lei era limitada e excludente ao somente

poder ser aplicada ao operariado urbano e ao ser organizada pelas empresas e não

pelas categorias profissionais; além disso, não era automática, o que dependia da

mobilização dos trabalhadores de determinada empresa para reinvidicar sua criação.

Como conseqüência dessas características, as primeiras CAPs

criadas foram a dos ferroviários (1923) e dos marítimos (1926), pela importância

desses setores para a economia da época (POLIGNANO, 2005). Em 1930, o

sistema passou a contar com 47 Caixas, 142.464 assegurados, pagando benefícios

a 8.006 aposentados e 7.013 pensionistas. No entanto, os trabalhadores rurais e

informais continuavam sem acesso a esses benefícios (SOUZA, 2004).

Entre 1922 e 1930, instalou-se uma crise financeira internacional

que influenciou diretamente a economia nacional, chegando ao extremo em 1929

com a quebra da bolsa de valores de Nova York, a qual imobilizou temporariamente

o setor agro-exportador e, conseqüentemente, toda a economia nacional, baseada

na agro-exportação do café.

2. 4 A ERA VARGAS

A crise econômica estendeu-se a uma crise política e, em 1930,

liderada por Getúlio Vargas, foi instalada uma revolução que toma o poder e rompe

com a política do “Café com Leite”, uma vez que os grandes fazendeiros de café

enfraquecidos perderam a hegemonia que, até então, exerciam na indicação dos

presidentes oriundos somente dos estados de São Paulo e Minas Gerais.

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Getúlio Vargas, apoiado pela crescente massa de trabalhadores,

tomou o poder em 3 de novembro de 1930 e deu início a uma série de reformas

sociais para atender suas reinvidicações (POLIGNANO, 2005; SOUZA, 2004).

Uma de suas primeiras iniciativas foi a criação do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro do mesmo ano. O "Ministério da

Revolução" - como foi chamado por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta -

surgiu para concretizar o projeto do novo regime de interferir sistematicamente no

conflito entre capital e trabalho, e aprofundar na legislação trabalhista. Até então, no

Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da

Agricultura, sendo, na realidade, praticamente ignoradas pelo governo (Fundação

Getúlio Vargas, 2005).

O novo Ministério do Trabalho incorporou essas questões e passou

a tomar providências para que a garantia trabalhista fosse estendida a um número

significativo de trabalhadores. Sendo assim, em 1933, a previdência social ampliou

sua cobertura para todas as categorias do operariado urbano, organizando os

benefícios por meio da substituição da antiga CAP, pelo Instituto de Aposentadoria e

Pensão (IAP), cuja organização passou a ser por categorias profissionais e não mais

por empresas (CARVALHO; MARTIN, 2001).

A administração previdenciária passou, a partir disso, a ser

dependente do governo federal, regulamentada pela constituição de 1934. Os

conselhos administrativos eram compostos por representantes de empregados e

empregadores, com função de assessoria e fiscalização, e dirigidos por um

presidente nomeado diretamente pelo Presidente da República (CARVALHO;

MARTIN, 2001).

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O financiamento, antes bipartite (empregados e empregadores),

passou a ser tripartite com a participação também do Estado, o qual também

centralizava os recursos e que passou a controlar as despesas, se preocupando

mais com o acúmulo de reservas financeiras que com a ampla prestação de serviços

(OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).

O primeiro IAP criado foi o dos Marítimos (IAPM), em 29 de junho de

1933, e abrangia os trabalhadores de todas as empresas que exerciam atividades

de marinha mercante no país. Os seguintes foram o dos Comerciários (IAPC), em

maio de 1934, o dos Bancários (IAPB), em julho de 1934, o dos Industriários (IAPI),

em dezembro de 1936 e, em fevereiro de 1938, o Instituto de Previdência e

Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). Nos anos seguintes, os institutos de

outras categorias profissionais foram sendo criados (Fundação Getúlio Vargas,

2005; POLIGNANO, 2005).

Embora os institutos proporcionassem cobertura a uma grande

parcela dos trabalhadores urbanos, as disparidades entre os planos de benefícios

oferecidos permaneceram motivadas, principalmente pelas diferenças na

capacidade financeira de cada instituição. Como a contribuição era feita, tendo como

base o salário dos empregados, os institutos que representavam categorias de

profissionais mais abonadas obtinham maiores recursos (OLIVEIRA; TEIXEIRA,

1986).

Outro ministério criado na época foi o dos Negócios da Educação e

Saúde Pública, em 14 de novembro de 1930, pelo decreto 19.402, e essas duas

áreas, antes subordinadas ao antigo Ministério da Justiça e Negócios Interiores,

passaram a ter pasta própria. O artigo 4º desse decreto dispunha que “poderão ser

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transferidos para o novo ministério serviços e estabelecimentos de qualquer

natureza...”, permitindo, assim, a agregação do Departamento Nacional de Saúde

Pública (DNSP) ao novo ministério, que passou a chamar Departamento Nacional de

Saúde e Assistência Médico-Social. E, em 1934, depois da reforma administrativa,

transformou-se em Departamento Nacional de Saúde (DNS) (LIMA; PINTO, 2003).

O DNS desenvolveu os chamados Serviços Nacionais de Saúde,

entre eles, o Serviço Nacional de Febre Amarela, em 1937, primeiro serviço de

saúde pública de dimensão nacional; e o Serviço de Malária do Nordeste, em 1939,

ambos em convênio com a Fundação Rockefeller, que estreitava sua cooperação

com o governo brasileiro naquele momento (LIMA; PINTO, 2003).

Em 1942, para atuar nas áreas não cobertas pelos serviços

tradicionais, principalmente na área de extração da borracha na Amazônia, foi criado

o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), também em parceria com a Fundação

Rockfeller, baseado no modelo norte-americano de organização vertical. O SESP

possuía unidades sanitárias extremamente dispendiosas, chamadas Unidades

Integradas de Saúde; foram implantadas na zona rural para prestar atendimento à

saúde dos trabalhadores nos seringais, focando, inicialmente, o combate à malária e

à febre amarela, as quais dizimavam essa população (CUNHA; CUNHA, 1998;

LIMA; PINTO, 2003; SOUZA, 2004).

Nos anos 50, as atividades do SESP foram ampliadas para além da

região norte, atingindo também a região nordeste, e seus serviços foram também

expandidos, passando a prover assistência médica, educação sanitária,

saneamento, controle de doenças transmissíveis e desenvolvimento de pesquisas

de Medicina tropical, em convênio com o Instituo Evandro Chagas. Em 1960, o

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órgão passou à categoria de fundação e vinculou-se ao Ministério da Saúde, através

da lei 3.750 (LIMA; PINTO, 2003; SOUZA, 2004).

O Ministério da Saúde foi criado no ano de 1953, o que na prática

resultou apenas na separação do antigo Ministério da Saúde e Educação, pois não

houve por parte do governo brasileiro uma postura diferenciada com relação aos

problemas de saúde pública enfrentados na ocasião (POLIGNANO, 2005).

Na década de 50, o modelo de sanitarismo campanhista ainda era

claramente visível. Representado, na época, pelo Departamento Nacional de

Endemias Rurais (DNERu), criado em 1956 e vinculado ao Ministério da Saúde, se

responsabilizava tanto pelo combate a enfermidades endêmicas, quanto epidêmicas,

ainda presentes, como a febre amarela, malária e peste (LIMA; PINTO, 2003;

POLIGNANO, 2005).

Após a 2ª Grande Guerra, aconteceu um estopim de

desenvolvimento tecnológico, inclusive na atenção médica, a qual, ao mesmo tempo

em que se tornou mais eficiente, ficou mais onerosa. Os hospitais passaram a ser o

centro do sistema público de saúde ao abrigar as inovações tecnológicas,

impulsionando o início do lucrativo e florescente complexo médico-industrial no

Brasil, que estava dividido entre a indústria dos equipamentos médicos, os

laboratórios e os recursos medicamentosos (SOUZA, 2004).

O desenvolvimento tecnológico no pós-guerra esteve presente

também na aceleração da industrialização na década de 50, que acabou por gerar

um êxodo rural e, conseqüentemente, aumentou a massa de assalariados nas

cidades. Essa crescente parcela da população, representada por seus respectivos

sindicatos, começou a pressionar o governo por uma assistência médica individual,

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que passou a ser moeda de troca por votos junto aos políticos populistas pós Vargas

(CARVALHO; MARTIN, 2001). Esse processo beneficiava diretamente o complexo

médico-industrial, uma vez que essa ampliação de assistência médica implicava na

contratação de serviços de hospitais privados (SOUZA, 2004).

Paralelamente a esse processo, a assistência sanitária passou a ser

garantida constitucionalmente em 1946 ao ser incorporada à Previdência Social e,

em 1953, foi promulgado o “Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadoria e

Pensão”, formalizando a responsabilidade com a assistência médica. Em 1960,

reforçando a mudança do papel pecuniário, foi promulgada a Lei Orgânica da

Previdência Social (LOPS), a qual rompeu com o conceito de contribuição tripartite,

cabendo à União apenas os gastos com administração e pessoal, assim como

uniformizou os direitos dos segurados de diferentes institutos, agravando as

dificuldades financeiras vividas pela Previdência (CUNHA; CUNHA, 1998).

Sendo assim, a privilegiada situação financeira em que se

encontrava o sistema previdenciário antes da década de 50 estava com seus dias

contados. Os institutos iniciaram um intenso processo de descapitalização,

desequilibrando a balança despesa/receita. A inadequada administração dos

recursos arrecadados, com investimento irracional, sem planejamento na intensa

construção e compra de hospitais, ambulatórios e equipamentos médicos e,

também, com o desvio de recursos para outros setores públicos, tornou impossível

atender adequadamente as necessidades de saúde da época. Acontecia também

nesse período a celebração de convênios para prestação de assistência médico-

hospitalar aos segurados (CUNHA; CUNHA, 1998; SOUZA, 2004).

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Jânio Quadros assumiu em 1961, mas ficou apenas sete meses no

governo, renunciando para João Goulart assumir a presidência pelo PTB, quando o

presidencialismo foi substituído pelo parlamentarismo. Em 1963, porém, Goulart

recuperou poderes presidencialistas e as reformas sociais foram intensificadas, a

inflação chegou a quase 100% e as diferenças sociais foram aguçadas (SOUZA,

2004).

Paralelamente, existia uma crescente preocupação internacional

com o aumento da força comunista e socialista no mundo, especialmente na

América Latina, o que afetaria a hegemonia do capitalismo, principalmente da

hegemonia americana nessa região (POLIGNANO, 2005).

2. 5 AUTORITARISMO

A crise, então, explodiu. Em nome da eliminação da “subversão” e

corrupção, e com o aval dos Estados Unidos, em 1964, o golpe militar suprimiu a

democracia. Instalou-se o período da ditadura militar, com caráter ditatorial e

repressivo, utilizando-se de forças policiais e de atos de exceção para se impor. O

poder executivo aumentou, o legislativo foi quase anulado e os atos institucionais,

principalmente o nº. 5 de 1968, limitaram as liberdades individuais e constitucionais

(POLIGNANO, 2005).

O longo programa ideológico do movimento foi acionado com a retirada dos estudantes, especialmente os de nível universitário, de qualquer autonomia representativa e mantendo-os afastados de uma participação ativa nas transformações políticas. Posteriormente, o processo prosseguiria pelo afastamento de professores, a partir de 1969, pela repressão brutal às manifestações estudantis, articuladas ou não a organizações políticas clandestinas. O enquadramento ideológico completou-se pelo esvaziamento dos estudos sociais, negando-se reconhecimento à profissão de sociólogo e pela instauração de novas disciplinas como a Educação Moral e Cívica e

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OSPB, e, no âmbito superior, Estudo de Problemas Brasileiros, todas de filiação historicamente fascista missionária (POLIGNANO, 2005, p. 13).

Seguindo a linha autoritária do governo militar, os seis IAPs, mais o

Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência (SAMDU) e a

Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social foram fundidos

em uma Previdência unificada em 1967, o Instituto Nacional de Previdência Social

(INPS), com a justificativa de racionalidade, eficácia e saneamento financeiro.

Todavia, os trabalhadores e empregadores foram novamente excluídos da gestão,

aumentando, assim, o papel regulador do Estado (POLIGNANO, 2005). Segundo

Malloy (apud OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986, p.70):

[...] desmobilização das forças políticas estimuladas no período populista, para excluir a classe trabalhadora organizada como uma força política, e para diminuir seu papel como mecanismo articulador e de pressão na defesa dos interesses dos trabalhadores.

Além da extinção da gestão tripartite, iniciou uma forte influência de

três grandes grupos na direção da previdência: a indústria farmacêutica, a indústria

de equipamentos médico-hospitalares e os proprietários de hospitais, ou seja, o

complexo médico-industrial assumiu de vez o seu papel de protagonista. Como

exemplo claro dessa influência, em 1973, o Brasil ocupava o 8º lugar no mercado

internacional de consumo de medicamentos e a importação de produtos da indústria

de equipamentos médicos, entre 1961 e 1970, obteve um acréscimo de 599,9%

(OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).

Aos poucos, a tendência de ampliação da cobertura foi se

efetivando. Em 1967 ocorreu a integração ao INPS dos seguros relativos a acidentes

de trabalho, em 1972, os benefícios previdenciários se estenderam às empregadas

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domésticas e, em 1973, aos trabalhadores autônomos. Os trabalhadores informais

foram os únicos que acabaram excluídos dos benefícios (OLIVEIRA; TEIXEIRA,

1986).

A saúde coletiva, entre as décadas de 60 e 70, foi deixada em

segundo plano, tanto que o Ministério da Saúde, órgão responsável na época, sofreu

decréscimos progressivos em seu orçamento, de 8% para 0,8% (LIMA; PINTO,

2003).

Junto a esse processo de mudança política e econômica, o perfil

nosológico da população também estava em transição, já que os processos de

industrialização e urbanização, associados às péssimas condições sanitárias e de

trabalho, tornaram as doenças de massa um problema mais importante que as

doenças pestilenciais. Conseqüentemente, um novo modelo de atenção à saúde se

esboçava, o modelo médico-assistencial privatista (CARVALHO; MARTIN, 2001).

Conforme afirma Mendes (1995a, p. 102, meu grifo):

[...] o sanitarismo campanhista, por não responder às necessidades de uma economia industrializada, deveria ser substituído por um outro, propositadamente concebido e que se foi construindo concomitantemente com o crescimento e a mudança qualitativa da previdência social brasileira.

O novo modelo de atenção que se consolidava e passava a ser

hegemônico na década de 70 e segundo Mendes (1995a, p. 109), estava assentado

no seguinte tripé:

a) o Estado como financiador do sistema, por meio da Previdência Social; b) o setor privado nacional como maior prestador de serviços de assistência médica; c) o setor privado internacional como o mais significativo produtor de insumos, em especial equipamentos médicos e medicamentos.

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O modelo assistencial-privatista tinha como principal característica

ser voltado para o atendimento de doentes (demanda espontânea ou induzida pela

oferta, ou seja, aos indivíduos que procuram os serviços de saúde), com ênfase na

assistência ambulatorial e hospitalar de alto custo, prestada principalmente pela rede

contratada e conveniada com o INPS, a qual não estava comprometida com a

efetividade e a integralidade do atendimento. Ainda que em casos isolados pudesse

prestar uma assistência de qualidade, era claro o seu caráter excludente (PAIM,

1998; TEIXEIRA, 2002). Portanto, era um modelo que privilegiava a prática médica

curativa, individual, assistencialista e especializada.

O modelo de seguridade social adotado nesse período tangia a

quase universalização dos serviços ao expandir o atendimento médico

previdenciário associado à inclusão de novas categorias sociais. E, ao mesmo

tempo em que privilegiava o produto privado de serviços em detrimento dos próprios

recursos da previdência, somado ainda à falta de controle sobre as contas dos

serviços contratados, criava um ambiente propício para a corrupção, o que levou à

crise do sistema previdenciário brasileiro (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986). Além disso,

instaurou-se uma crise política e econômica que levou o Estado ao banco dos réus

(CARVALHO; MARTIN, 2001).

Sendo assim, com o intuito de contornar esses problemas, em 1974,

o Sistema Previdenciário se desvinculou do Ministério do Trabalho e se consolidou

em um Ministério próprio, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e

passou com o tempo a ser vinculado às entidades a seguir: o Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS); o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência

Social (INAMPS); A Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA); a Empresa de

Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV); e o Instituto de

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Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) (OLIVEIRA;

TEIXEIRA, 1986).

Juntamente ao MPAS, criou-se o Fundo de Apoio ao

Desenvolvimento Social (FAS), que proporcionou a remodelação e ampliação dos

hospitais da rede privada, através de empréstimos com juros subsidiados,

favorecendo ainda mais o complexo médico-industrial (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).

A partir de 1974, o governo começou a perceber a sua deficiente

atenção às questões sociais, principalmente pela deterioração da distribuição de

renda, pela elevação dos níveis de mortalidade infantil e a necessidade de reduzir a

miséria da população brasileira para permitir que o país se tornasse uma potência.

Era necessário ampliar o poder político, conquistando as classes baixas via políticas

sociais (BRAGA; PAULA, 1981).

Vários programas criados a partir de 1974 e implantados pelo INPS

e pelo INAMPS, e também pelo Ministério da Saúde, permitiram que uma nova

camada da população, que antes não era assistida pela Previdência Social,

passasse a ter acesso aos serviços. A atitude do governo federal em relação às

políticas sociais foi tomando diferentes formas ao longo do período de governo

militar no país (BRAGA; PAULA, 1981).

Em 1974, foi criado o Plano de Pronta Ação (PPA), que tinha o

objetivo de universalizar os atendimentos em casos de emergência, sendo

importante por iniciar o processo de universalização do atendimento com recursos

previdenciários (CUNHA; CUNHA, 1998).

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Apesar de todas essas iniciativas do governo para tentar conter a

crise do sistema previdenciário, a sucessão de erros demonstrava-se mais forte e a

ferida ficou exposta conforme resume Polignano (2005, p. 17):

Por ter priorizado a Medicina curativa, o modelo proposto foi incapaz de solucionar os principais problemas de saúde coletiva, como as endemias, as epidemias, e os indicadores de saúde (mortalidade infantil, por exemplo); aumentos constantes dos custos da Medicina curativa, centrada na atenção médico-hospitalar de complexidade crescente; diminuição do crescimento econômico com a respectiva repercussão na arrecadação do sistema previdenciário reduzindo as suas receitas; incapacidade do sistema em atender a uma população cada vez maior de marginalizados, que sem carteira assinada e contribuição previdenciária, se viam excluídos do sistema; desvios de verba do sistema previdenciário para cobrir despesas de outros setores e para realização de obras por parte do governo federal; o não repasse pela união de recursos do tesouro nacional para o sistema previdenciário.

2. 6 CRISE POLÍTICO IDEOLÓGICA E O NASCIMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Com a crise do sistema anterior, o movimento contra-hegemônico

começou a ganhar força e, nos anos 80, consolidou-se como o projeto da Reforma

Sanitária, que segundo Da Ros (1991, p. 70):

Contra esta política que privilegiava o setor privado, em detrimento ao setor público, iniciava-se um movimento de intelectuais da saúde nas universidades, defendendo um modelo democrático e socializado e que não privilegiasse o capital; um movimento estudantil que reivindicava o fim da ditadura militar e o fim da ingerência do setor privado no recurso público; um movimento popular de saúde, trabalhando junto com a igreja progressista, reivindicando a utilização de Medicina natural e por último, a partir de 1976, um movimento chamado de saúde comunitária, defendendo um modelo que integrasse a Medicina curativa com a preventiva.

Esse movimento sanitário foi a base político-ideológica da Reforma

Sanitária que, segundo a OPAS (1997 apud MENDES, 2001, p. 22), significa:

Um processo orientado a introduzir mudanças substantivas nas diversas instâncias e funções do setor, com o propósito de aumentar

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a eqüidade na prestação de serviços, a eficiência na gestão e a efetividade de suas ações, para obter a satisfação das necessidades da população. Trata-se de uma fase intensificada de transformação dos sistemas de saúde, realizada durante um determinado período de tempo e a partir de conjunturas que a justificam e a viabilizam.

Contemporaneamente ao movimento da Reforma Sanitária, era

realizada, em 1978, a Conferência de Alma-Ata, que tinha como principal meta

social “’a obtenção por parte de todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde

no ano 2000 que lhes permitirá levar vida social e economicamente produtiva’, hoje

conhecida como ‘Saúde para Todos no Ano 2000’” (UNICEF-Brasil, 1979, art. VI),

em que foi definido o termo “cuidados primários em saúde”:

Os cuidados primários de saúde são cuidados essencialmente de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua pela participação e a um custo que a comunidade e o país pode manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e autodeterminação. Fazem parte integrante do sistema de saúde do país, do qual é função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde pelo qual são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.

Diante desse novo panorama mundial, que tinha como meta a

mudança do modelo de atenção, em 1986 foi convocada a VIII Conferência Nacional

de Saúde para discutir uma nova proposta de estrutura e de política da saúde

nacional. Essa conferência diferiu das demais, até então realizadas, devido às

seguintes características: a) caráter democrático, contando com a presença de

milhares de delegados de todo o país, representado todas as forças sociais ligadas

ao tópico saúde; e b) dinâmica processual, partindo de conferências municipais,

estaduais até ao âmbito nacional (MENDES, 1995b).

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O relatório final dessa conferência passou a constituir o projeto da

Reforma Sanitária Brasileira, que se materializou juridicamente na criação do

Sistema Único de Saúde (SUS), na Seção da Saúde da Constituição Federal de

1988 (BRASIL, 1988), juntamente com as leis orgânicas de Saúde, a lei nº 8080, de

19 de dezembro de 1990 (BRASIL, 1990a) e a lei nº 8142 de 28 de dezembro de

1990 (BRASIL, 1990b).

A partir de então, o SUS pôde ser definido como:

Um conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta das fundações mantidas pelo poder público e complementarmente pela iniciativa privada (BRASIL, 1990a, art. IV).

E pode ser entendido, também, como uma nova formulação política

organizacional para o reordenamento dos serviços e das ações de saúde, ainda em

construção, que tem como princípios doutrinários:

a) universalidade dos serviços: a saúde passa a ser um direito de

cidadania de todas as pessoas, garantindo-se o acesso às ações e aos serviços de

saúde independentemente de sexo, cor, raça, religião, local de moradia, situação de

emprego, ocupação, renda, ou outras características sociais ou pessoais. É um

dever do Estado (governos municipal, estadual e federal) (ALMEIDA; CHIORO,

2001; CUNHA; CUNHA, 1998).

b) eqüidade do acesso: apesar de todos terem direito aos serviços,

as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades diferentes. Sendo assim,

eqüidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a

carência é maior (ALMEIDA; CHIORO, 2001; CUNHA; CUNHA, 1998).

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c) integralidade da assistência: as pessoas devem ser consideradas

em todos os aspectos e, assim, ser atendidas em todas as suas necessidades. Para

isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde (que

envolve também ações em outras áreas como: habitação, ambiente e educação); a

proteção (por ex.: saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas,

vigilância à saúde e sanitária); e a recuperação (atendimento médico, tratamento e

reabilitação para os doentes) (ALMEIDA; CHIORO, 2001; CUNHA; CUNHA, 1998).

E como princípios organizativos:

a) regionalização e hierarquização da rede: os serviços devem ser

organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos à determinada

área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e

conhecimento da clientela a ser atendida, favorecendo, assim, as ações de vigilância

epidemiológica, sanitária, o controle de vetores, a educação em saúde, além das

ações de atenção ambulatorial e hospitalar (ALMEIDA; CHIORO, 2001; CUNHA;

CUNHA, 1998).

b) descentralização dos serviços: descentralizar é redistribuir poder

e responsabilidade entre os três níveis de governo. Na saúde, a descentralização

tem como objetivo prestar serviços com maior qualidade e garantir o controle e a

fiscalização pelos cidadãos. Quanto mais perto estiver a decisão, maior a chance de

acerto (CUNHA; CUNHA, 1998).

c) participação social: é a garantia constitucional de que a

população, por meio de suas entidades representativas, poderá participar do

processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução em

todos os níveis, desde o federal até o local. Essa participação deve dar-se nos

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conselhos de saúde, com representação paritária de usuários, governo, profissionais

de saúde e prestadores de serviços, com poder deliberativo (ALMEIDA; CHIORO,

2001).

d) complementaridade do setor privado: quando houver insuficiência

do setor público, devem-se contratar serviços privados (ALMEIDA; CHIORO, 2001).

A estratégia adotada pelo sistema de saúde, para que esses

princípios pudessem ser executados, consiste na orientação do modelo de atenção

para a Atenção Primária. No Brasil, essa estratégia ficou conhecida como Programa

Saúde da Família, que posteriormente foi denominada Estratégia Saúde da Família

e que, recentemente, foi incluída na Política Nacional de Atenção Básica com

caráter substitutivo em relação à Atenção Básica Tradicional.

2. 7 O PORQUÊ DE UM SISTEMA DE SAÚDE VOLTADO PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA

Antes de iniciar esse tópico, com relação a terminologia, esclarece-

se que será utilizado o termo Atenção Primária, quando se referir ao contexto

internacional, e Atenção Básica ao contexto nacional.

Diferentemente da idéia que se tem, na qual a primeira definição de

Atenção Primária aconteceu somente na I Conferência Internacional sobre os

Cuidados Primários em Saúde em Alma-Ata de 1978; um dos primeiros relatos

históricos sobre a definição de Atenção Primária data de 1920, quando o Ministro de

Saúde da Inglaterra, Lord Dawson of Penn, divulgou um “texto” retratando a

organização do sistema de serviços de saúde (STARFIELD, 2004).

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O texto diferenciava três níveis principais de serviços de saúde: os

centros de saúde primários, centros de saúde secundários e hospitais-escola

(STARFIELD, 2004). Segundo Lago & Cruz (2001, p.7, meu grifo), Dawson definiu

Atenção Primária em Saúde (APS) da seguinte maneira:

O Centro de Saúde Primário é a instituição equipada com serviços de Medicina preventiva e curativa, conduzida por um médico generalista do distrito. O Centro de Saúde Primário deveria modificar-se de acordo com o tamanho e complexidade das necessidades locais, assim como da situação da cidade. Os pacientes se atenderão majoritariamente com médicos generalistas de seu distrito e manterão os serviços de seus próprios médicos.

Nesse trecho existem dois aspectos bastante interessantes para a

época: a importância do médico generalista e o cuidado continuado com atividades

curativas e preventivas, além de citar também a questão da regionalização para

melhor atender as necessidades locais.

Essa proposta de arranjo dos sistemas de serviços de saúde acabou

servindo de base para a reorganização dos serviços de saúde em muitos países

(STARFIELD, 2004).

Quatro décadas depois, em 1966, surgiu outro conceito sobre APS,

pelo informe da Comissão Millis nos Estados Unidos: [...] oferta do primeiro contato,

a adoção da responsabilidade longitudinal pelo paciente independentemente da

presença ou ausência de doença e a integração dos aspectos físicos, psicológicos e

sociais da saúde (ROSEN, 1994, p. 372).

Mas é de 1978, a definição mais conhecida sobre APS, surgida da

Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, em Alma-Ata,

conforme já citado anteriormente.

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Segundo Starfield (2004), todo sistema de serviços de saúde deve

ter duas principais metas: 1) maximizar o nível de saúde da população; e 2)

minimizar as disparidades existentes entre as diferentes classes sociais, oferecendo

acesso uniforme aos serviços de saúde a todas elas.

A Organização Mundial de Saúde, em 1996, a partir da experiência

européia nas reformas dos sistemas de saúde, com o intuito de melhorar a saúde e

a qualidade de vida das pessoas, elaborou uma carta com um conjunto de princípios

para dar suporte à construção solidificada da Atenção Primária. Esses princípios são

conhecidos como “Ljubljana Charter” (Carta de Lubliana) e propõe que os sistemas

de saúde deveriam ser:

a) governados pelos princípios de dignidade humana, eqüidade, solidariedade e

ética profissional;

b) focados na saúde com a proteção e a promoção da saúde como conceito

primordial em toda sociedade;

c) centrados nas pessoas, levando em conta suas expectativas sobre saúde e

sistema de saúde, assegurando a voz ativa dos cidadãos no rumo que os serviços

de saúde são desenhados e operacionalizados e, ao mesmo tempo, compartilhando

da responsabilidade sobre sua própria saúde;

d) focados na qualidade, com melhora inclusive da relação custo-efetividade;

e) baseados no financiamento sustentável, garantindo, assim, acesso universal e

eqüitativo; e

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f) orientados para a Atenção Primária à Saúde (The Ljubljana Charter on reforming

health care, 1996).

Além do exposto acima, existe uma premissa básica que deve ser

reforçada quando se fala em sistema público de saúde, que é a de que nenhuma

sociedade ou país possui recursos financeiros ilimitados para fornecer serviços de

saúde.

Dessa forma, quando uma sociedade, ou seus representantes,

orientam sua atenção pública à saúde, com bases na superespecialização, os

objetivos da eqüidade passam a ser ameaçados, uma vez que a saúde

superespecialzada é muito mais onerosa que a Atenção Primária. E, ainda, a

superespecialização foca o tratamento das enfermidades, restringindo a atuação na

prevenção e na promoção da saúde.

Já a Atenção Primária envolve outros aspectos na oferta de

serviços, pois lida não só com as pessoas com enfermidades explícitas, mas

também com aquelas que apresentam queixas confusas e que às vezes não

possuem um diagnóstico conhecido, se responsabilizando pelo cuidado longitudinal

de todas elas. O olhar de cuidado é ampliado ao conseguir visualizar e manejar os

outros determinantes do processo saúde/doença e, portanto, consegue efetivamente

atuar em outros aspectos que não o tratamento apenas, mas a prevenção e a

promoção da saúde.

Segundo Gribel (2005, p. 25):

A concepção de Atenção Básica pauta-se na integralidade das ações de promoção, diagnóstico, tratamento e reabilitação à saúde, assumindo um importante papel na organização do sistema de saúde do Brasil. Desenvolve-se por meio de processos de trabalho em

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equipe interdisciplinares, democráticos e participativos, com utilização de tecnologias de alta complexidade e baixa densidade. Seu objeto de trabalho é considerado na dimensão coletiva e na singularidade do sujeito, tendo por finalidade a resolubilidade dos problemas de saúde da população mais freqüentes e relevantes.

Como estratégia para implementação do SUS e da reorientação do

modelo assistencial, surgiu o Programa Saúde da Família (PSF), que prioriza as

ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família,

do recém-nascido ao idoso, sadios ou doentes, de forma integral e contínua

(BRASIL, 1997).

O objetivo do PSF é a reorganização da prática assistencial em

novas bases e novos critérios em substituição ao modelo tradicional de assistência,

que era orientado para a cura de doenças e realizado especialmente em hospitais. A

atenção agora está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu

ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes de saúde da família

uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de

intervenções que vão além das práticas curativas (BRASIL, 1997).

Além dessa reorganização da prática, o PSF funciona também como

estratégia de consolidação da Atenção Básica em nosso país, e, portanto, passou a

ser denominado de Estratégia Saúde da Família que, a partir da Política Nacional de

Atenção Básica através da publicação das portarias números 648, 649 e 650 de

28/03/2006 (BRASIL, 2006b), passou a se tornar uma política de Estado.

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3 O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO MÉDICA

3.1 APROXIMAÇÃO DAS TEORIAS DE CURRÍCULO

A intenção de apresentar uma reflexão sobre as teorias de currículo

remonta da proposta desse trabalho em se avaliar práticas curriculares da

graduação, e do meu posicionamento em considerar o currículo como um

empreendimento marcado ideologicamente por influências culturais, econômicas e

políticas.

O termo currículo, com origem da palavra latina scurrere, que

significa correr e refere-se a percurso (caminho, ou carro de corrida), foi utilizado

pela primeira vez na história para relatar os conteúdos ensinados no período

clássico da civilização grega por Platão e Aristóteles (GOODSON, 1995; LAMPERT,

2001).

No entanto, conforme os estudos apontam, a origem do currículo

como campo de estudo surgiu apenas na segunda década do século XX, com a

publicação do livro “The curriculum”, de Bobbitt em 1918 (BRIANI, 2003).

Esse livro foi escrito em uma época conflituosa, em que a imigração

aos Estados Unidos aumentava e os americanos tentavam manter uma identidade

cultural e, ao mesmo tempo, ocorria uma massificação do ensino, tanto em níveis

básicos, quanto em níveis mais avançados (SILVA, 2005b).

Paralelamente, o capitalismo começava a crescer simultaneamente

ao processo de industrialização, e questões sobre os objetivos da educação

começavam a surgir, tentando descobrir se o principal deles era o de formar o

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trabalhador especializado ou o de oferecer uma educação geral e acadêmica

(SILVA, 2005b).

Bobbit respondia a esses questionamentos de forma conservadora,

pois sua proposta era a de que as escolas funcionassem como empresas,

especificando resultados esperados de aprendizado e, através de uma avaliação

precisa, verificassem se cada um desses resultados havia sido alcançado. Ou seja,

o sistema educacional deveria ser capaz de desenvolver habilidades específicas

para ocupações também específicas (SILVA, 2005b).

A proposta de Bobbit se baseava nos princípios científicos da

administração de Taylor, e “eficiência” era a sua palavra-chave, sendo o currículo

apenas uma ferramenta utilizada para esse propósito (SILVA, 2005b).

Em 1949, Ralph Tyler publica “Princípios básicos de currículo e

ensino” (TYLER, 1974), consolidando a perspectiva tecnológica do desenho

curricular proposto por Bobbitt, e propõe que, no desenvolvimento do currículo,

deveriam constar quatro questões básicas:

1. que objetivos educacionais a escola procurar atingir?; 2. que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4. como podemos ter a certeza de que esses objetivos estão a ser alcançados? Tyler apud (SILVA, 2005b, p. 25)

Esses modelos tradicionais não tinham o objetivo de levantar

questionamentos aos contextos educacionais existentes, às formas hegemônicas de

conhecimento ou às formas sociais dominantes, preocupavam-se apenas com os

processos de planejamento, implantação e avaliação dos currículos, e se restringiam

à atividade técnica, especialmente com os elementos ditos substantivos dos

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currículos, ou seja, objetivos, conteúdos, métodos e procedimentos de avaliação.

Portanto, o objetivo dos desenhos curriculares era a eficácia e a eficiência

(KOIFMAN, 2001; SILVA, 2005b).

Conclui-se, assim, que esses modelos de currículo são apenas

teorias de aceitação, ajuste ou adaptação, e permeavam uma perspectiva tecnicista

e fiscalizadora, porém, serviram de base para as ações dos gestores da educação

nos Estados Unidos até a década de 70 (BRIANI, 2003).

A rejeição aos parâmetros tecnocráticos estabelecidos por Bobbit e

Tyler crescia como movimento, tanto na Europa, principalmente França e Inglaterra,

quanto nos Estados Unidos e Canadá, no final dos anos 60 (MOREIRA; SILVA,

2002). Tanto que, em 1973, acontece a I Conferência sobre Currículo, na

Universidade de Rochester, Nova York, organizada pelo grupo/movimento de

reconceituação, liderado por William Pinar (MOREIRA; SILVA, 2002).

Esse grupo, cuja intenção era identificar e erradicar os aspectos que

oprimiam a liberdade dos indivíduos e seus grupos sociais, percebia que o currículo

não era uma atividade meramente técnica e administrativa (MOREIRA; SILVA,

2002).

As teorias críticas, em oposição aos modelos tradicionais, são

guiadas por questões ideológicas, políticas e epistemológicas (MOREIRA; SILVA,

2002) e questionam os pressupostos dos arranjos sociais e educacionais,

desconfiando do status quo, e o culpando pela injustiça e desigualdade social

(SILVA, 2005c).

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Sendo assim, as novas teorias interrogam por onde se inicia o

currículo, ou seja, que ele deve ser elaborado a partir das demandas da sociedade,

como as desigualdades sociais, trazendo, dessa maneira, o papel da escola, que

estaria representado pelo que ela faz por intermédio do currículo. O currículo passa

então a não ser mais visto como um empreendimento neutro, mas socialmente

determinado e ideologicamente marcado (BRIANI, 2003), como podemos notar a

partir da definição de Apple (1982, p. 59):

O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.

Ainda que a preocupação com relação ao “como fazer” o currículo

continue sendo importante, essa questão só possui sentido sob a óptica do

questionamento das formas do conhecimento escolar (MOREIRA; SILVA, 2002).

Após a I Conferência sobre Currículo, surgiram duas grandes

correntes: uma com fundamentação teórica fenomenológica ligada à Universidade

de Ohio; e outra com fundamentação neomarxista, associada à Universidade de

Wisconsin e Columbia (MOREIRA; SILVA, 2002).

A “corrente fenomenológica”, liderada por William Pinnar, contava

com intelectuais como Max Van Mannen, Ted Aoki e Madeleine Grumet. E, segundo

Silva (2005a, p.40):

A perspectiva fenomenológica de currículo é, em termos epistemológicos, a mais radical das perspectivas críticas, na medida em que representa um rompimento fundamental com a epistemologia tradicional. A tradição fenomenológica de análise de currículo é aquela que talvez menos reconhece a estruturação tradicional do

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currículo em disciplinas ou matérias. Para a perspectiva fenomenológica, com sua ênfase na experiência, no mundo vivido, nos significados subjetivos e intersubjetivos, pouco sentido fazem as formas de compreensão técnica e científica implicadas na organização e estruturação do currículo em torno de disciplinas. As disciplinas tradicionais estão concebidas em torno de conceitos científicos, instrumentais, isto é, do mundo de segunda ordem dos conceitos e não do mundo de primeira ordem das experiências diretas. No máximo, as disciplinas e matérias tradicionais aparecem como categorias a serem questionadas, a serem “colocadas entre parênteses”.

Mas é a corrente neomarxista que constrói uma crítica mais

fundamentada, fazendo ligações entre currículo, ideologia, política e cultura. Os

primeiros trabalhos de Altusser e Bourdieu, ambos de 1970, deram início a uma

crítica radical à educação liberal, mas sem tomar como foco do seu questionamento

o currículo e o conhecimento escolar (BRIANI, 2003).

Michael Apple, efetivamente, é o autor que dá início às críticas

neomarxisitas, às teorias tradicionais de currículo e seu papel ideológico. Esse autor

parte da essência da crítica marxista à sociedade, da luta de classes, em que a

classe dominante detém o controle e a propriedade dos recursos materiais e,

portanto, possui influência de poder sobre a classe detentora apenas da força de

trabalho (SILVA, 2005a).

Para Apple (1982), a vida cultural (as escolas, com seu ensino e

seus currículos) é controlada por programas estruturais predominantes e alienantes

(formas de organização e gerência das instituições, das pessoas e dos modos de

produção, distribuição e consumo) e, portanto, a relação entre as estruturas

econômicas e sociais, educação e currículo, uma vez que são mediadas pela ação

humana, não pode ser simples e direta (SILVA, 2005a).

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Para entender essa relação, é preciso abordar as questões de

preservação e de controle de determinadas formas de ideologia, ou seja, o esforço

permanente das classes dominantes de convencimento ideológico, para manter a

dominação econômica, transforma-se em hegemonia cultural e atinge sua máxima

eficácia quando se torna senso comum (APPLE, 1982).

Hegemonia, para Apple (1982, p. 14), é um conceito que se refere a:

[...] um conjunto organizado de significados e práticas, ao sistema central, efetivo e

dominante de significados valores e ações que são vividos. Mas, o autor recorre ao

conceito formulado por Gramsci e desenvolvido por Raymond Williams para melhor

explicar a relação econômica e cultural:

[hegemonia] é todo um corpo de práticas e expectativas; nossas tarefas, nossa compreensão comum do homem e de seu mundo. É um conjunto de significados e valores que, à medida que são experienciados como práticas, apresentam-se como se confirmando reciprocamente. [...] só podemos compreender uma cultura efetiva e dominante se entendermos o processo social real que ela depende: refiro-me ao processo de incorporação. Os modos de incorporação são de grande significado, e incidentalmente em nosso tipo de sociedade apresentam considerável importância econômica. As instituições educacionais são em geral os principais agentes de transmissão de uma cultura dominante efetiva, e esta é agora uma importante atividade econômica bem como cultural; na verdade, são as duas simultaneamente (APPLE, 1982, p. 14).

No entanto, Apple (1982) ressalta a importância de se compreender

que a hegemonia é produzida e reproduzida pelo corpus formal do conhecimento

escolar, assim como pelo ensino oculto, ou currículo oculto, ou seja, nas normas e

nos valores que são implícitos, porém, efetivamente transmitidos pelas escolas e

que habitualmente não são mencionados na apresentação feita pelos professores

dos fins ou objetivos.

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Para compreender o conhecimento realmente transmitido nas

escolas, Apple (1982, p. 17) levanta questões acerca da tradição seletiva de grande

importância para a tomada de consciência de posição cultural, econômica e política

da escola: A quem pertence esse conhecimento? Quem selecionou? Por que é

organizado e transmitido dessa forma? E para esse grupo determinado?

Esses questionamentos apontam para o início de uma investigação

das relações entre o poder econômico e político e o conhecimento que é tornado

acessível, ou não, aos estudantes, e, assim, desmascarar o conteúdo ideológico

latente nas escolas (APPLE, 1982).

Outro autor de grande destaque na elaboração de uma teoria crítica

sobre currículo é Henry Giroux, norte-americano, que lança suas idéias no início da

década de 80, um pouco depois de Michael Apple (SILVA, 2005a).

Giroux também inicia seus trabalhos fazendo uma crítica às

questões técnica, positivista e empírica, nas quais estavam focadas as teorias de

currículo até o momento. Suas idéias estavam vinculadas aos conceitos

desenvolvidos pela Escola de Frankfurt, que segundo Briani (2003, p. 57):

Essa escola de pensamento originou-se de um grupo de intelectuais alemães marxistas não ortodoxos que se propunha, entre outros aspectos, a revitalizar o materialismo dialético, denunciar o caráter de exploração do capitalismo e questionar a instrumentalização da razão. As principais idéias desta teoria foram lançadas na obra “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, de 1937, onde Horkheimer questionou o conceito de objetividade e de neutralidade científica no processo do conhecimento. Para ele, o raciocínio lógico-formal de Descartes não conseguiu captar a dinâmica histórica dos indivíduos e da sociedade, somente possível por meio do método dialético. Em outro texto, “Dialética do Esclarecimento”, partindo da análise de um artigo de Kant, Adorno e Horkheimer questionaram a direção em que a razão conduziu a humanidade. Para eles, a razão kantiana conduziu a um saber técnico e científico que produziu a alienação, a repressão e a dominação.

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Em sua análise crítica, portanto, Giroux ressalta a importância de se

levar em consideração o caráter histórico, ético e político das ações humanas.

Ele acredita que é possível canalizar o potencial demonstrado por estudantes e professores para desenvolver uma pedagogia e um currículo que tenham um conteúdo claramente político e que seja crítico das crenças e dos arranjos sociais dominantes (SILVA, 2000, p. 54)

Em síntese, Giroux analisa a questão do currículo sob a perspectiva

de política cultural, que envolve a construção de significados e valores culturais,

produzindo significados sociais.

3.2 INCONSISTÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MÉDICA

O currículo entendido como uma construção social das escolas, no

âmbito do projeto político-pedagógico, está sujeito, na sua elaboração, a um

contexto de conflitos de interesses e poder (MAIA, 2004).

Por exemplo, no Brasil, como caracterizado anteriormente, em um

dado momento da história, com o favorecimento do complexo médico industrial,

ocorreu o crescimento de determinados serviços hospitalares, os quais buscaram

uma inserção da área nos currículos das instituições. O resultado foi a inclusão de

diversas disciplinas de superespecialidades, ou métodos específicos de diagnóstico,

na graduação dos cursos da saúde (MAIA, 2004).

Esse movimento científico a caminho da especialização, com a

criação de disciplinas, as quais se constituem como elementos isolados dentro da

matriz curricular, reflete-se na fragmentação da formação acadêmica e na

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possibilidade de o estudante privilegiar determinados conteúdos em detrimento de

outros, resultando na especialização precoce (MAIA, 2004).

A fragmentação também se dá na dissociação que os cursos da

saúde têm ao definir dois momentos isolados de formação, o ciclo básico e o ciclo

profissional (MAIA, 2004).

Além disso, o processo de avaliação está baseado, conforme

denomina Paulo Freire, na “pedagogia bancária”, em que os conteúdos são

“depositados” nos estudantes, os quais estudam por livros-textos ou anotações de

aulas, em detrimento ao estímulo do desenvolvimento de habilidades de raciocínio e

aplicabilidade do conhecimento. Parece existir uma “regra positivista”, de que

primeiro precisa-se saber, para só depois poder fazer (MAIA, 2004).

Essa perspectiva tradicional do ensino na educação superior não

opera com estratégias didático-pedagógicas, com modos de ensinar

problematizadores, construtivistas ou com protagonismo ativo dos estudantes

(FEUERWERKER, 2002).

Em suma, nessa abordagem clássica da formação em saúde, o

ensino é tecnicista e preocupado com a sofisticação dos procedimentos e do

conhecimento dos equipamentos auxiliares do diagnóstico, tratamento e cuidado,

planejado segundo o referencial técnico-científico acumulado pelos docentes em

suas respectivas áreas de especialidade ou dedicação profissional.

Contemporaneamente, vários autores têm questionado a qualidade

da educação médica oferecida pelas universidades brasileiras, até então baseadas

nesse modelo fragmentado e mecanicista de se ensinar Medicina, cujas

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características são a abordagem biologicista, médico-centrada e procedimento-

centrada na qualificação para o trabalho, com modelo pedagógico de ensino em

saúde centrado em conteúdos, organizado de maneira compartimentada e isolada.

Como conseqüência disso, os indivíduos se fragmentam em especialidades da

clínica, dissociando conhecimentos das áreas básicas e conhecimentos da área

clínica, centram as oportunidades de aprendizagem da clínica no hospital

universitário, adotam sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação

técnico-científica padronizada, e acabam sendo incentivados, com esse sistema, à

precoce especialização, perpetuando, assim, modelos tradicionais de prática em

saúde (FEUERWERKER, 2002)

Cutolo (2003), ao discutir as principais características das práticas

curriculares hegemônicas dos cursos de graduação em Medicina, analisa o núcleo

da educação médica partindo de uma questão epistemológica centrada na

concepção de saúde doença. E ao definir as características da escola médica,

reforça a crítica à Educação Médica: a formação dos professores/médicos é a

superespecialidade; a abordagem é tecnicista e não humanista; a postura do

docente é a do médico que dá aula, e não a do professor de Medicina; a prática em

sala de aula é empirista; o local de ensino é, fundamentalmente, desenvolvido no

hospital; a estrutura é essencialmente disciplinar; não há articulação entre os ciclos

básico e clínico; e os conteúdos são desconectados da realidade nacional.

Lisboa (1999) também aponta defeitos da educação médica como:

ausência de critérios para criação de escolas e de mecanismos de fiscalização de

seu funcionamento; falta de articulação ensino-serviço; desapreço pelo curso de

graduação; número excessivo de disciplinas curriculares e desarticulação entre elas;

fragmentação do ensino da clínica médica; internato seletivo; falta de incentivo à

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cultura de avaliação educacional; inadequação dos critérios para seleção e

promoção de professores; insuficiente preparo pedagógico dos docentes; e

desatenção aos professores no campo da ética.

Além desses autores, Lampert (2002), em seu livro fruto de sua tese

de doutorado, aponta características semelhantes às apresentadas até aqui:

predominância de aulas teóricas, enfocando a doença e o conhecimento

fragmentado em disciplinas; processo de ensino-aprendizagem centrado no

professor, em aulas expositivas e demonstrativas; prática desenvolvida

predominantemente no hospital; capacitação docente centrada unicamente na

competência técnico-científica; e mercado de trabalho referido apenas pelo

tradicional consultório, onde o médico domina os instrumentos diagnósticos e os

encaminhamentos, e cobra seus honorários sem intervenções de terceiros.

Todas as críticas ao modelo atual de ensino apresentadas por esses

autores de renome nacional na temática de Educação Médica são oriundas do

modelo biomédico de formação. Através de uma caricatura, Da Ros (2004, p. 238-9)

exemplifica um profissional que atua nessa lógica:

Tomemos um médico, que trabalha como professor vinte horas por semana num hospital-escola e outras vinte horas semanais em seu consultório privado, numa policlínica, em sua especialidade. Faz dois plantões em emergências por semana. Fez sua especialidade num hospital em Ohio (E.U.A.), tendo morado lá durante quatro anos. É professor há dois anos, e seu salário como tal beira o ridículo. Um de seus alunos na décima terceira fase do curso pergunta sobre um detalhe anatômico raro num músculo que só uma cirurgia especializada consegue visualizar. O professor sabe a resposta, estudou muito sobre aquilo (aquele pedaço do corpo), já salvou vidas em função disto, ganha dinheiro com este saber, fez um curso recente de atualização e aprendeu novos exames e medicamentos a recomendar. Ele não lembra o nome de seu paciente, também não sabe se tem família ou em que trabalha; refere-se a ele como “o do leito 14”. Lembra que suas aulas (quando ainda era aluno) eram pra cem alunos, e ele tinha que estudar muito em casa para decorar novas inserções musculares (era isso que caía na prova); teve de

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“ralar” muito para conseguir fazer sua residência; teve de copiar o discurso de seus professores (estudando por cadernos), se não “rodava”. Lembra quando o professor disse que, se não usasse as palavras científicas, não seria aceito no coletivo. Lembra também de quando ouviu o “rolar protodiastólico” no leito 37, que o professor de semiologia tanto valorizou; seus colegas não ouviram (Ah! Que satisfação tão grande ganhar uma competição de conhecimentos...). Portanto, aprendeu um jeito de falar, teve reforço psicológico por ouvir determinada forma, tirou notas boas por decorar técnicas, e em função disso foi aceito num coletivo.

Para entender melhor a importância do modelo biomédico na

determinação das práticas médicas e, conseqüentemente, do ensino médico no

Brasil, será apresentado um breve resgate histórico, procurando demonstrar a

incompatibilidade desse modelo de formação com o rumo da reforma sanitária

brasileira e com as discussões internacionais sobre saúde e educação médica.

3.3 RESGATE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO MÉDICA E A INFLUÊNCIA DO MODELO BIOMÉDICO

A partir da transferência da Família Real portuguesa para o Brasil

em 1808, e a necessidade de a colônia se adequar para essa mudança, são criadas

várias instituições que passaram a prover a formação de quadros para a Nova Corte.

Dentro desse contexto, surgiu a primeira escola médica no Brasil, quando o doutor

José Correia Picanço obteve autorização para a criação do “Curso Médico-Cirúrgico

da Bahia” no antigo Hospital Militar da Bahia em Salvador. No ano seguinte, foi

criada, também, a Escola de Anatomia e Cirurgia do Rio de Janeiro (BRIANI, 2003;

HADDAD; PIERANTONI, 2006).

Esses dois cursos tinham a duração de 4 anos, com enfoque no

ensino da Anatomia e Cirurgia, porém, em 1813, a duração desses cursos foi

ampliada para 5 anos (BRIANI, 2003).

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Em 1832, as Escolas passaram a ser denominadas de Faculdades

de Medicina, ampliaram seu tempo de estudo para 6 anos e enfatizaram a formação

em Ciências Acessórias, o equivalente às Ciências Básicas, além das Ciências

Médicas e Cirúrgicas, seguindo as normas e programas da Escola Médica de Paris,

fatos ocorridos por reinvidicações da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. A

inspiração da escola francesa perdurou até o final da Segunda Grande Guerra,

quando passou a prevalecer o modelo norte-americano ou flexneriano (BRIANI,

2003; HADDAD; PIERANTONI, 2006).

Após a criação desses dois cursos, percorreu-se uma fase longa e

lenta de expansão dos cursos de Medicina no país até 1959, sendo criados apenas

27 no total (HADDAD; PIERANTONI, 2006).

A partir da década de 60, com o “milagre econômico” e a

possibilidade de mobilidade social, a demanda pela qualificação profissional

começou a crescer rápido e, para suprir essa necessidade, novas instituições de

ensino foram criadas e o número de cursos oferecidos aumentou. No entanto, esse

crescimento foi baseado nas faculdades privadas, sem controle de abertura e,

logicamente, houve concentração na região sudeste, a mais rica do país (BRIANI,

2003).

Essa nova fase, ao contrário da anterior, caracterizou-se por uma

expansão acelerada e, em 44 anos, foram criados 113 novos cursos. Desta forma,

os 27 cursos iniciais representam 19,3% num período de 196 anos, o que dá um

índice de 0,18 curso/ano. Por outro lado, de 1960 a 2004, os 113 (80,7%) cursos

criados em 44 anos representam um índice de 2,57 cursos/ano (HADDAD;

PIERANTONI, 2006).

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A grande maioria das novas escolas que foram abertas a partir de

1960 não estava mais baseada no modelo francês, mas no modelo americano, ou

flexneriano (devido ao fato de o pesquisador que realizou o relatório se chamar

Abraham Flexner), que surgiu a partir de um relatório originalmente chamado

”Medical Education in the United States and Canada – A Report to the Carnegie

Foundation for the Advancement of Teaching". Esse relatório foi criado para

regularizar a situação das Escolas Médicas nos EUA, a qual era caótica, pois havia

aproximadamente 150 escolas sem critérios de abertura e que não necessariamente

estavam vinculadas a instituições universitárias e, ainda, a admissão dos alunos e o

tempo de duração dos cursos eram totalmente irregulares (MENDES, 1985).

O contexto histórico americano na época desse relatório nos permite

pensar que seu surgimento e sua repercussão em larga escala não são aleatórios,

pois, na primeira década do século XX, o capitalismo monopolista já estava em

franca ascensão nos Estados Unidos (MENDES, 1985).

O capitalismo monopolista, entretanto, confrontava com duas

exigências básicas para continuar sua expansão: aumentar a acumulação de capital

e legitimar a ordem social (MENDES, 1985)

Para esses fins, a Medicina passou a assumir o papel de proteção e

restauração do corpo humano, focando a atenção no indivíduo a fim de maximizar a

produção, e assume também papel no controle social (MENDES, 1985)

Além disso, é imprescindível citar o interesse coorporativo da

Associação Médica Americana no relatório. Criada em 1847, tem o intuito de

fortalecer a Medicina alopática, ameaçada até então pela Medicina homeopática e

que, no início do século XX, se fortaleceu com o capital industrial (MENDES, 1985)

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O Relatório Flexner, dessa forma, determinou rigorosas diretrizes

que hierarquizaram a educação médica, resultando em uma estrutura

discriminatória, privilegiadora de homens, brancos e classe média alta e acabou por

fechar 124 das 155 escolas médicas americanas que não podiam cumprir com sua

proposta de ensino (KOIFMAN, 2001; MENDES, 1985).

Seus elementos estruturantes são (MENDES, 1985):

Mecanicismo: o mecanicismo influencia-se pelo modelo cartesiano

e pela analogia do corpo humano com a máquina, fragmentando seu estudo em

órgãos e sistemas. Desse modo, ocorre um rompimento na imagem da totalidade

corporal, permitindo-se que os “homens-máquina” (os médicos), por meio de

“máquinas” (instrumentos), portanto, atuem sobre as “máquinas-homem” (os

pacientes), reparando seus defeitos.

Biologismo: o biologismo pressupõe o reconhecimento, exclusivo e

crescente, da natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências.

Desta forma, procura-se excluir ou minimizar os fatores determinantes de natureza

econômica e social na geração de enfermidades.

Individualismo: característica duplamente marcada, pois,

primeiramente, elege o indivíduo como seu objeto de estudo e, posteriormente, o

aliena, excluindo de sua vida os aspectos sociais.

Especialização: resulta da troca da globalidade do objeto da prática

médica pela profundidade do conhecimento de suas dimensões específicas, em

detrimento do conhecimento holístico.

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Exclusão de práticas alternativas: As práticas médicas

alternativas começaram a ser vistas como “seitas” médicas devido a sua “suposta”

ineficácia. Procurou-se anular ou restringir as formas populares da Medicina mágica

ou religiosa e mesmo outras formas como a homeopatia.

Tecnificação do ato médico: a engenharia biomédica, calcada na

tecnificação do ato médico, surge como nova forma de mediação entre o homem e

as doenças. A supervalorização da tecnologia no meio médico promoveu a idéia de

que qualquer problema de saúde pode ser resolvido, fator que ajudou a legitimar o

novo modelo. A tecnificação da Medicina estabeleceu como parâmetro de qualidade,

por razões ideológicas e econômicas, o grau de densidade tecnológica da prática

médica em detrimento das práticas de promoção e reestruturação de saúde e

prevenção de doenças.

Ênfase na Medicina curativa: O novo modelo concentrou sua

atuação na Medicina curativa, sendo este o setor da Medicina mais susceptível à

incorporação de tecnologia. Prestigiando o processo fisiopatológico em detrimento

da causa, provoca, em todos os níveis de promoção e proteção da saúde, um

processo de “fisiopatologização”.

Concentração de recursos (hospitalocentrismo): O hospital

torna-se o “locus” privilegiado da prática e formação médica, tendo em vista que é a

única instituição que pode abrigar o número crescente de equipamentos exigidos

pela Medicina científica, também gerando e difundindo a nova tecnologia médica.

No Brasil, essa “Era Flexneriana” iniciada a partir da década de 60

se deu juntamente com o desenvolvimento do Complexo Médico-Industrial

(construção de hospitais em ritmo acelerado, superespecialização médica,

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tecnologia de ponta), o qual tinha influência do interesse comercial americano e

apoio do governo do período militar.

Esse favorecimento ao Complexo era nítido, tanto que, em 1968, foi

realizada uma reforma universitária pela Lei Federal nº 5.540 de 28/11/1968 (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Superior) em que os cursos de Medicina passaram

a adotar oficialmente o modelo americano, modificando a lógica dos currículos ao

separar e desarticular o ensino em dois ciclos, o básico e o das disciplinas ditas

profissionalizantes (corresponde às especialidades, conhecido como internato

médico); foi gerada uma grade de conteúdos seqüenciais, mas desvinculados entre

si; e foi implantado um sistema de avaliação baseado na memorização da

informação complementar (ALMEIDA, 2001; DA ROS, 1991; KOIFMAN, 2001;

LAMPERT, 2002)

É Importante ressaltar nesse momento que, até 1968, predominava

no Brasil a formação de práticos, com locus de ensino em laboratórios ou em

serviços que prestavam aquela assistência alvo da formação (CECCIM;

CARVALHO, 2005). Não havia, até então, um currículo mínimo, nem diretrizes

curriculares nacionais, sendo o currículo e a pedagogia universitária auto-

regulamentados (CECCIM; CARVALHO, 2005).

A autorização para o funcionamento dos cursos de graduação

somente se deu após a instalação do Conselho Federal de Educação e, com a já

citada Lei nº5540, ficou definido o conceito de currículo mínimo.

Nesse mesmo período, a Organização Pan-Americana da Saúde

(OPAS), a Fundação Rockefeller e a Fundação Kellogg se tornaram protagonistas

no cenário das políticas educacionais na formação dos profissionais da saúde na

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América Latina, influenciando os governos e promovendo diversos encontros com os

ministérios da saúde e entidades educacionais no sentido de introduzirem a nova

lógica de expansão do número de médicos (FEUERWERKER, 1998).

Um dos terrenos de atuação dessas organizações foi o apoio à

introdução do modelo flexneriano nas escolas médicas (como na USP de Ribeirão

Preto, no Brasil, e da Universidad del Valle, na Colômbia) baseando-se na sólida

base científica e na prática de investigação (BRIANI, 2003; FEUERWERKER, 1998).

Entretanto, ao mesmo tempo em que o modelo biomédico começava

a se solidificar no Brasil, surgiu uma corrente de movimento conhecida como

“movimento preventivista”, que apontava a formação de recursos humanos como

estratégia para a transformação das práticas de saúde, focando o atendimento das

necessidades de saúde da população (CECCIM; CARVALHO, 2005).

Dentro desse contexto, a Organização Pan-Americana de Saúde,

com relação à educação médica, direcionava seus esforços ao desenvolvimento das

disciplinas básicas, ao estímulo do ensino de aspectos preventivos e sociais e à

criação de departamentos de Medicina Preventiva, o que também ocorreu em várias

escolas brasileiras, além da introdução de disciplinas como Medicina comunitária e

familiar. Porém, modificações substanciais no conteúdo e na reorientação da prática

médica não foram observadas (KOIFMAN, 2001).

A fim de verificar o impacto dos primeiros dez anos de implantação

dos diversos departamentos de Medicina preventiva na América Latina, a OPAS

patrocinou um estudo que foi realizado por um médico, e um dos mais importantes

teóricos da Medicina social latino-americano, Juan César García. O estudo foi

publicado em 1970, e 107 das 135 escolas de Medicina da região foram incluídas, e

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acabou se tornando um dos maiores estudos sobre educação médica realizado na

América Latina até hoje (ALMEIDA, 2001; FEUERWERKER, 1998).

Neste trabalho, foram apontados problemas fundamentais da

educação médica latino-americana dos quais merecem destaque: separação do

saber em áreas estanques, professores em escassez com pouco comprometimento

com a universidade, transmissão de conteúdos eminentemente teóricos de forma

vertical e dissociação entre os planos nacionais de saúde e necessidades da

comunidade com o processo de formação (FEUERWERKER, 1998).

Como conclusão do estudo, García considerou que:

Os problemas de educação médica na América Latina eram de natureza tal que não poderiam ser resolvidos satisfatoriamente sem levar em conta o sistema educacional pré-universitário, o sistema de atenção médica e a formação dos demais profissionais que compõem as equipes médicas. Como conseqüência, o planejamento da formação dos recursos humanos em saúde deveria constituir parte importante dos planos nacionais de saúde e refletir os esforços coordenados de todas as instituições que tenham a ver com formação e utilização do pessoal de saúde (GARCIA, 1970, apud (FEUERWERKER, 1998, p. 59).

Esse estudo de Garcia tem grande importância histórica, uma vez

que foi um dos primeiros a questionar o modelo flexneriano que, até então, parecia

soberano e perfeito (CUTOLO, 2001).

3.4 NOVOS TEMPOS DA EDUCAÇÃO MÉDICA

A partir da década de 70, juntamente com o crescimento do

movimento da reforma sanitária, começaram a surgir algumas propostas que

começavam a caminhar em direção contrária ao favorecimento do modelo

biomédico. Como, por exemplo, a proposta de mudança na formação ao preconizar

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a multiplicação e ativação de unidades de saúde instrumentalizadas para atender às

doenças comuns e contar com médicos generalistas que tentavam compreender os

contextos culturais locais, voltando a atenção para os territórios de vida conhecido

como Medicina Comunitária (CECCIM; CARVALHO, 2005; FARIAS, 2003).

Ainda na década de 70, também tem início a estratégia de

Integração Docente Assistencial (projeto IDA), com projetos incentivadores em toda

a América Latina (ALMEIDA, 2001; CECCIM; CARVALHO, 2005).

Essa integração do ensino com o serviço foi fundamental para se

avançar no sentido de uma formação mais integral, uma vez que: se apresentava

como forma efetiva de racionalizar o uso de recursos, contribuía para a formação de

líderes com senso crítico na saúde e na educação, estimulava e facilitava o trabalho

em equipe e desmistificava a oferta de serviços de saúde exclusivamente no âmbito

hospitalar (ALMEIDA, 2001).

E em 1976, surgem três projetos destinados a formar médicos

generalistas: o Programa de Residência em Saúde Comunitária da Unidade

Sanitária São José do Murialdo da Secretaria de Saúde e Meio

Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, o Subprograma de Internato e

Residência em Hospital Regional Rural do Programa de Saúde Comunitária do

Projeto Vitória da Universidade Federal de Pernambuco e o Programa de Medicina

Integral da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FARIAS, 2003).

Junto a esse movimento, internacionalmente começavam a ser

definidos os Cuidados Primários de Saúde (UNICEF-Brasil, 1979) e o novo conceito

de Promoção da Saúde (Carta de Ottawa, 1986), conforme discutido anteriormente.

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Na década de 90, os Projetos UNI (Uma Nova Iniciativa da educação

dos profissionais da saúde) ampliam a integração do ensino com o serviço para a

integração também com a comunidade, por meio de uma saúde comunitária

participativa, desafiando a mudança dos conteúdos para além da saúde pública

preventivista (CECCIM; CARVALHO, 2005).

Outro projeto de trabalho que merece destaque na década de 90 foi

a criação, em 1991, da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino

Médico (CINAEM), composta por onze entidades, a qual inovou na avaliação por

propor uma reforma da educação nas Ciências da Saúde, aproximando a formação

de recursos humanos na saúde às necessidades das pessoas (CECCIM;

CARVALHO, 2005; CUTOLO, 2001).

Essa comissão tinha os seguintes objetivos:

a) avaliar o Ensino Médico brasileiro, visando à sua qualidade para atender às

necessidades médico-sociais da população;

b) propor medidas a curto, médio e longo prazos que venham a sanar as

deficiências hoje encontradas;

c) criar mecanismos permanentes de avaliação das Escolas Médicas; e

d) criar mecanismos para desenvolver programas de Educação Médica Continuada.

E as seguintes estratégias:

a) A avaliação será universal e utilizará como instrumento básico um protocolo

único, cujo modelo se baseará em outros oficiais existentes e de acordo com os

membros da Comissão.

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b) Utilizará a organização das entidades que compõem a Comissão Interinstitucional

Nacional de Avaliação do Ensino Médico e de entidades que integrem o Sistema de

Saúde2.

Todavia, foi devido à reestruturação do modelo de atenção do nosso

país, com a criação do SUS, que o dever do Estado com a educação tornou-se

saliente.

Sendo assim, passa a ser estabelecida pela Constituição Federal de

1988, a ordenação para formação de recursos humanos na área da saúde à

competência do SUS, conforme o artigo 200 do Título VII, Capítulo II, Seção II da

Saúde (Constituição Federal de 1988).

E, em 1996, o Ministério da Educação promulgou a atual Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Federal nº 9394, de 20/12/1996,

conhecida também como Lei Darci Ribeiro, extinguindo o “currículo mínimo”,

substituído posteriormente pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e propiciando,

assim, a oportunidade para a flexibilização dos currículos e para mudanças

(CECCIM; CARVALHO, 2005; CUTOLO, 2001).

O avanço no sentido de se adequar a formação à realidade nacional

e, portanto, às necessidades de saúde da população e, ainda, com essa

flexibilização proporcionada pela LDB, pode ser notado em alguns de seus artigos

como no art. 1º, §2: A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e

à prática social; no art. 9º I – elaborar Plano Nacional de Educação em colaboração

com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e VII – baixar normas gerais

sobre cursos de graduação e pós-graduação.; e no art. 53: No exercício de sua

2 Ata da 1ª Reunião CINAEM (04/3/1991).

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autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes

atribuições: [...] II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as

diretrizes gerais pertinentes. (meu grifo)

Esse último inciso abriu espaço para o Ministério da Educação e do

Desporto (MEC), por intermédio de sua Secretaria de Educação Superior (SESu),

convocar as Instituições de Ensino Superior a apresentar propostas para as novas

Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, que seriam sistematizadas pelas

Comissões de Especialistas de cada área da SESu/MEC.

No edital nº4/97, constava a seguinte orientação geral para a

organização das Diretrizes Curriculares:

As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES [Instituições de Ensino Superior] na organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar ainda a denominação de diferentes formações e habilitações para cada área do conhecimento, explicitando os objetivos e demandas existentes na sociedade.

A partir desse edital, foram encaminhadas aproximadamente 1200

propostas, provenientes de várias parcelas da comunidade acadêmica e profissional.

Vários encontros e seminários para debate foram promovidos, contando com a

participação tanto do setor público como do privado, e com a presença da

SESu/MEC. Vale destacar o papel importante desempenhado pelo Fórum Nacional

de Pró-Reitores de Graduação (ForGrad) junto às propostas enviadas pelas

universidades.

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Até 2001, antes das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos

de graduação em saúde, a desarticulação entre as definições políticas dos

Ministérios da Saúde e da Educação contribuiu para aumentar o distanciamento

entre a formação dos profissionais da saúde e as necessidades do SUS.

Sendo assim, o Ministério da Saúde passou a assumir papel ativo na

formação de recursos humanos para trabalhar no Sistema Nacional de Saúde, antes

delegado ao Ministério da Educação, ao participar da elaboração das Diretrizes

Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde que, aprovadas entre

2001 e 2004, afirmaram que a formação do profissional de saúde deve contemplar o

sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral à saúde

(CUTOLO, 2003).

Facilmente notou-se a compatibilidade entre as novas Diretrizes

Curriculares do curso de Medicina, com a formação de um profissional médico

habilitado a trabalhar segundo as propostas do SUS, como por exemplo, em seu

artigo terceiro, que indica uma prática curricular que possibilite ao médico uma:

Formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).

A parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação, após o

lançamento das diretrizes curriculares, passou a se estreitar e novas iniciativas com

intuito de mudar e adequar a formação dos recursos humanos em saúde foram

lançadas. Em dezembro de 2001, como resultado da parceria desses dois

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ministérios com a OPAS, surge, então, o Programa de Incentivo às Mudanças

Curriculares das Escolas Médicas (BRASIL, 2005).

Além de diretrizes conceituais, o incentivo se tornou financeiro e, em

um primeiro momento, esse recurso foi direcionado apenas a 19 escolas médicas do

país, para que essas adequassem seus currículos, sua produção de conhecimento e

os programas de educação permanente à realidade social e de saúde da população

brasileira e, desta forma, contribuíssem na consolidação do Sistema Único de Saúde

(SUS) (BRASIL, 2005).

Esse incentivo ministerial começou a ampliar seu escopo, e dois

novos cursos começaram a fazer parte do alvo de mudança na formação: a

odontologia e a enfermagem. Assim, em novembro de 2005, com a assinatura de

outra Portaria Interministerial do Ministério da Saúde e Ministério da Educação,

surgiu o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde -

PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005).

Conforme consta do projeto do PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005, p.5-6):

Esta iniciativa visa a aproximação entre a formação de graduação no país e as necessidades da Atenção Básica, que se traduzem no Brasil pela estratégia de saúde da família. O distanciamento entre os mundos acadêmico e o da prestação real dos serviços de saúde vem sendo apontado em todo mundo como um dos responsáveis pela crise do setor da saúde. No momento em que a comunidade global toma consciência da importância dos trabalhadores de saúde e se prepara para uma década em que os recursos humanos serão valorizados, a formação de profissionais mais capazes de desenvolverem uma assistência humanizada e de alta qualidade e resolutividade será impactante até mesmo para os custos do SUS. A experiência internacional aponta que profissionais gerais são capazes de resolver custos relacionados a quatro quintos dos casos sem recorrer a propedêutica complementar, cada dia mais custosa.

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O Estado passou a assumir definitivamente o compromisso de

reorientar a formação dos profissionais da saúde em direção a um modelo integral e

compatível com as necessidades da população.

O programa terá o papel indutor na formatação do ensino em saúde no Brasil, tanto para os três tipos de cursos [Medicina, enfermagem e odontologia] como para todos os outros da área da Saúde, pois, a partir da criação de modelos de reorientação, poder-se-á construir uma nova etapa na formação profissional em saúde (BRASIL, 2005, p.11)

A reorientação do processo de formação proposto pelo PRÓ-SAÚDE

está baseado em três eixos, e cada eixo é composto por três vetores: eixo A –

ORIENTAÇÃO TEÓRICA (vetor 1: determinantes de saúde e doença; vetor 2:

produção de conhecimentos segundo as necessidades do SUS; vetor 3: pós-

graduação e educação permanente); eixo B – CENÁRIOS DE PRÁTICA (vetor 4:

integração docente-assistencial; vetor 5: diversificação dos cenários do processo de

ensino; vetor 6: articulação dos serviços universitários com o SUS); e eixo C –

ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA (vetor 7: análise crítica da Atenção Básica; vetor 8:

integração do ciclo básico/ciclo profissional; vetor 9: mudança metodológica)

(BRASIL, 2005).

Em suma, a LDB de 1996 iniciou o processo de flexibilização dos

currículos que anteriormente, pela imposição fechada dos “currículos mínimos”, a

mudança na graduação era inviável. Além disso, essa lei abriu espaço para a

criação das Diretrizes Curriculares Nacionais, as quais são amplamente discutidas.

Para a operacionalização dessas diretrizes, os Ministérios da

Educação e da Saúde incentivaram as mudanças com recursos financeiros,

PROMED e PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005; BRASIL, 2005).

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Diante desse contexto, é possível afirmar que a formação médica

precisa sofrer mudanças, assim como o perfil profissional deve estar mais adequado

com a atuação na Atenção Básica.

O curso de Medicina da UNIVALI, como sendo um dos 38 cursos do

país a ser contemplado com o incentivo do PRÓ-SAÚDE, precisa rever suas práticas

curriculares, conforme já expõe no projeto enviado para o recebimento do incentivo.

A proposta deste trabalho, portanto, é discutir o papel e os objetivos

educacionais da disciplina Medicina Familiar e Comunitária, uma das mais ligadas

ao processo de formação do aluno para atuação na Atenção Básica, no contexto

internacional e nacional e dentro do curso, para realizar uma síntese propositiva de

mudança como proposta de implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais.

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4. PROPOSTA DE FORMAÇÃO MÉDICA PARA ATUAÇÃO NA ATENÇÃO

BÁSICA

Atualmente, existe uma demanda social pela formação de recursos

humanos da área da saúde para a organização do Sistema Único de Saúde. O novo

perfil de profissional médico deve, portanto, levar em conta a conjuntura nacional e

internacional de reorientação dos sistemas de saúde para a Atenção Primária.

Esse perfil, segundo Amorretti (2005), inclui: visão crítica e reflexiva

da sua profissão e práticas; ampliação dos conhecimentos humanísticos;

manutenção e renovação permanente dos conhecimentos científico-tecnológicos

para serem aplicados com senso crítico e racionalidade; maior conhecimento de

epidemiologia para a assistência resolutiva; maior envolvimento na gestão do

sistema público de saúde; conhecimento de comunidade, família e técnicas de

grupo; práticas inter e multidisciplinares; maior conhecimento de saúde mental;

maior conhecimento de saúde coletiva; educação para a promoção da saúde;

conhecimentos sobre cuidado e responsabilização; aplicação dos conhecimentos

conforme as necessidades da população; inclusão da bioética em suas práticas.

A não ser pelo complexo médico industrial, que ainda hoje continua

exercendo forte influência sobre as políticas de saúde, não há quem não se

beneficie de um sistema de saúde baseado na Atenção Primária. Ganham os

gestores, que proporcionam maior efetividade e qualidade do serviço a um custo

mais baixo; os usuários, que ganham não só na resolução de problemas de saúde,

mas também têm a oportunidade de melhoria da qualidade de vida; bem como os

médicos, pois precisam ser formados de uma forma mais humana e integral.

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No entanto, como tem acontecido no Brasil, apesar de todas as

mudanças ocorridas, não há profissionais suficientes no mercado de trabalho com o

perfil esperado para atuar nessa nova lógica de se prestar serviços de saúde.

Somada a esse contexto, existe a missão social de se direcionar a

prestação de serviços conforme as necessidades da população, fato que fortalece a

implementação de currículos que apontem para a terminalidade dos cursos de

graduação na formação do médico generalista (LAMPERT, 2001).

Não deve-se minimizar, entretanto, a importância de pós-graduação

na especialidade de Medicina de Família e Comunidade, pois a mesma é de

extrema relevância e qualifica o processo de trabalho na Atenção Básica, haja vista

sua complexidade. Starfield (2004, p. 52-3), ao comparar os médicos da Atenção

Primária aos especialistas, nos dá uma idéia dessa complexidade:

[...] os médicos de Atenção Primária, quando comparados com especialistas, lidam com uma variedade mais ampla de problemas, tanto com pacientes individuais como com a população com a qual trabalham. Como estão mais próximos do ambiente do paciente do que os especialistas estão em uma posição melhor para avaliar o papel dos múltiplos e interativos determinantes da doença e da saúde.

Além disso, vivemos em uma realidade de déficit de vagas de

residência para os médicos formados. Em 2004, o déficit era de 1695 vagas, e a

projeção para 2009 é que esse número chegue a 4413. Um dos motivos dessa

diferença é o investimento, pela iniciativa privada, na abertura de cursos de

graduação mais do que especializações, e também devido à oferta atual de

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oportunidades de especialização não estar orientada nem pelo perfil epidemiológico,

nem pelas políticas de organização da atenção à saúde3.

Quando focamos apenas nas vagas para Medicina Familiar e

Comunitária, o quadro se torna ainda mais assustador: observamos que em 2004,

existiam apenas 248 vagas de residência médica e que somente 122 dessas vagas

foram preenchidas³.

No Brasil, porém, existem hoje cerca de 26,3 mil equipes de Saúde

da Família implantadas e, portanto, cerca de 26,3 mil médicos na Atenção Básica.

Com o aumento progressivo desse número, que hoje cobre quase metade da

população (não se levando em consideração a demanda reprimida existente), abre-

se margem para, no mínimo, dobrar o número de equipes, considerando uma

cobertura de 100% da população (BRASIL, 2006a).

Ou seja, a demanda por profissionais médicos com perfil adequado

é muito maior do que as oportunidades oferecidas, e assim mesmo não usadas,

para uma formação pós-graduada. Sendo assim, a graduação passa a ter um papel

essencial na formação de profissionais preparados para atuação dentro da lógica da

Atenção Básica (BRASIL, 2006a).

Devido a esse contexto, existem várias iniciativas de mudanças

sendo construídas na formação dos profissionais de saúde por parte de órgãos

importantes: tanto os governamentais, como Ministérios da Saúde e da Educação,

quanto os não governamentais como a Rede UNIDA e a Associação Brasileira de

Educação Médica (com relação à área médica).

3 F e u e r w e r k e r , L . C . M . O d e s c o m p a s s o e n t r e a o f e r t a d e p r o f i s s i o n a i s e a s n e c e s s i d a d e s d o S U S . P a l e s t r a p r o f e r i d a e m C a m p i n a s . O u t . 2 0 0 5 .

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Essas propostas e incentivos de mudança, como diretrizes

curriculares, PROMED, PRÓ-SAÚDE, estão se estabelecendo aos poucos. E

algumas das principais barreiras encontradas são: a falta de profissionais

formadores desse novo profissional desejado; a falta de entendimento ou apoio

necessário dos gestores, tanto os da saúde, quanto das universidades; e a falta de

uma sistematização das práticas curriculares dentro da disciplina de Medicina

Familiar e Comunitária ou de Saúde Coletiva, para o trabalho na Atenção Básica.

A literatura – tanto internacional, quanto nacional – descreve várias

características necessárias, nos conteúdos programáticos ou nas práticas, para a

formação desse profissional. No entanto, cada uma delas isoladamente, não dá

conta de sistematizar todas as características relacionadas ao processo de trabalho

da Atenção Básica.

Portanto, será apresentada como proposta de trabalho neste

momento, uma análise de conteúdo documental dessa literatura, apresentando as

categorias encontradas em cada documento para, posteriormente, realizar uma

avaliação inferencial dessas categorias em conjunto.

A opção pela análise individual de cada documento visa aprofundar

sua descrição, demonstrando o contexto e sua importância no meio acadêmico e,

também, destacar as categorias apresentadas separadamente, conotando a ênfase

dada a essas.

Na pesquisa documental, a coleta de dados se dá de uma forma

articulada com a análise e, para realizar a mesma, utilizou-se a técnica proposta por

Olabuénaga e Spiuza (1989).

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Esses autores afirmam que a leitura desses documentos, para ser

científica, deve ser total e completa e, sendo assim, não basta captar apenas o

conteúdo manifesto do texto, deve-se levar em conta seu conteúdo latente

(OLABUÉNAGA; SPIUZA, 1989).

Para tal, a proposta dos autores, modificada por Cutolo, é a análise

do texto a partir de blocos de informação, os quais têm as seguintes características:

1) autor (características do emissor, institucional ou não);

2) a quem se destina, a quem interessa, a quem legisla, a quem se aplica;

3) como se destina, veicula, torna acessível, torna conhecido;

4) conteúdo geral: conteúdo propriamente dito, do que se trata, o que aborda;

5) conteúdo explícito do texto: o que é dito objetivamente, no detalhe, no específico;

6) conteúdo simbólico: significado, valores (ideologia), texto, o oculto;

7) em que se baseia conceitualmente, fundamentação teórica (OLABUÉNAGA;

SPIUZA, 1989).

Foi utilizado o método de análise de conteúdo documental, por meio

de categorias com relação às características profissionais do médico para o trabalho

na Atenção Primária. Análise de conteúdo segundo Bardin (1977 apud TRIVIÑOS,

1987, p. 160) é:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.

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Segundo Minayo (1998) e Triviños (1987), a análise de conteúdo

é composta por três etapas básicas:

1) Pré-análise: na qual ocorre a organização do material ou

documentos a serem analisados: para tal deve-se retomar as hipóteses iniciais da

pesquisa sob a luz do referencial teórico escolhido e elaborar indicadores que

orientem a interpretação final. A partir de uma leitura flutuante, o pesquisador tem

um contato exaustivo com o conjunto das comunicações, a fim de deixar-se

impregnar pelo conteúdo. Desta forma, são geradas hipóteses mais amplas de

pesquisa, a partir dos pressupostos iniciais, constituindo-se o corpus da investigação

(MINAYO, 1998; TRIVIÑOS, 1987).

2) Exploração do material ou descrição analítica: consiste no

estudo aprofundado do material analisado, com a transformação dos dados brutos

visando alcançar o núcleo da compreensão do texto, para tanto, se utiliza como guia

as hipóteses e referenciais teóricos. Nesta fase, determinam-se ainda a unidade de

registro (palavra-chave ou frase), a unidade de contexto (delimitação do contexto de

compreensão da unidade de registro), os recortes, a categorização, a modalidade de

codificação e os conceitos teóricos que irão orientar a análise. A categorização se dá

em três momentos: a) categorização; b) agrupamento de categorias ou classificação;

c) subcategorização que representa matizes ou elementos das categorias (MINAYO,

1998; TRIVIÑOS, 1987).

3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação

referencial: última parte da análise, que alcança a maior intensidade, pois o

pesquisador deve, baseado nos dados obtidos a partir das etapas anteriores, fazer

um reflexão profunda, intuitiva, que permita estabelecer relações e gerar propostas

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transformadoras, transcendendo os objetivos iniciais. Para tanto, o pesquisador

deve-se aprofundar não somente no conteúdo manifesto dos dados, mas tentar

revelar seu conteúdo latente, descobrindo simbolismos, tendências, posições

políticas, etc. Lembrando que essa técnica transcende as bases positivistas da

análise de conteúdo tradicional (MINAYO, 1998; TRIVIÑOS, 1987).

O estabelecimento das categorias, obtidas após a análise de todos

os documentos, foi realizado de maneira indutiva, por meio de similaridade das

informações. Algumas categorias foram divididas em subcategorias, uma vez que

algumas informações similares possuem diferentes significados. E as categorias que

estavam inter-relacionadas foram agrupadas em grupos de categorias.

Antes de apresentar a análise dos documentos, serão apresentados

os grupos de categorias e subcategorias encontradas para melhor situar o leitor na

leitura das análises.

Durante a análise, foram destacadas, em itálico, as citações na

íntegra dos trechos dos documentos, grifando-se algumas passagens com a

intenção de chamar a atenção do leitor para determinadas palavras ou expressões.

Com relação aos títulos dos documentos, estão apresentados em sua versão

original, acrescentando-se uma nota de rodapé com a tradução quando estiver em

outra língua.

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Tabela 1 – Grupo de categorias.

Grupo Categoria Subcategoria

A)

INTEGRALIDADE

A.1) Ações integradas ---

A.2) Conceito ampliado do

processo saúde doença ---

A.3) Integralidade da atenção

A.3.1) Atendimento universal

A.3.2) Cuidado contínuo

A.3.3) Referência e

contra-referência

A.4) Papel social do médico

A.4.1) Responsabilidade legal

A.4.2) Responsabilidade

social

B)

PARTICIPAÇÃO

B.1) Educação em saúde B.1.1) Empoderamento

B.2) Participação B.2.1) Autonomia

B.2.2) Participação popular

C)

PROCESSO DE

TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

C.1.1) Acessibilidade

C.1.2) Conduta inicial

C.1.3) Relação médico-

paciente

C.2) Educação permanente ---

C.3) Educação em saúde C.3.1) Educação Sanitária

C.4) Planejamento das ações

C.4.1) Adstrição da clientela

C.4.2) Gerenciamento local

C.4.3) Planejamento local

C.4.4) Vigilância em saúde

C.5) Trabalho em equipe ---

C.6) Trabalho individual

generalista

C.6.1) Ética Profissional

C.6.2) Prática Clínica

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Na ausência de um grupo de categoria, uma categoria ou

subcategoria a numeração do restante não será alterada e se manterá conforme a

tabela 1 acima.

Por “ações integradas” entende-se ações de promoção, prevenção,

tratamento e reabilitação. E com relação à categoria “educação em saúde”, pelo fato

de as suas subcategorias se adequarem cada uma a um grupo de categoria

(“empoderamento” ao grupo “participação” e “educação sanitária” ao “processo de

trabalho”), essa categoria aparecerá em dois grupos.

Inicia-se a avaliação pelos documentos internacionais – dos mais

antigos para os mais recentes, todos de origem européia – nos quais os sistemas de

saúde voltados para a Atenção Primária estão há mais tempo solidificados, bem

como as discussões das características que um profissional da área deve possuir.

Em seguida, realiza-se a análise de documentos nacionais, uma vez

que a Atenção Básica no Brasil está baseada na estratégia Saúde da Família, a qual

possui características peculiares, diferentes em alguns aspectos com relação à

Atenção Primária estabelecida na Europa.

Abaixo, são realizadas a categorização dos documentos, a

subcategorização e a classificação, para posteriormente efetuar a análise inferencial

de todos os documentos.

Os documentos analisados seguem a seguinte ordem:

1) The General Practitioner in Europe: A Statement by the working party appointed

by the Second European Conference on the teaching of General Practice

(Leuwenhorst, Netherlands 1974);

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2) The European Definiton of General Practice / Family Medicine (WONCA, 2002);

3) MCWHINNEY, I. R. Os princípios da Medicina Familiar. In: MCWHINNEY, I. R.

Manual de Medicina Familiar. Lisboa: Seleprinter, 1994. 11-22 p.

4) A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o ensino de

graduação: recomendações e potencialidades (SBMFC, 2005);

5) Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (MEC,

2001);

6) Cadernos de Atenção Básica: Programa Saúde da Família: caderno 1: a

implantação da unidade de saúde da família (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria

de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica, 2000);

7) Competências para o trabalho em uma Unidade Básica de Saúde sob a

Estratégia de Saúde da Família: Médico e Enfermeiro (Ministério da Saúde.

Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica). Organização

de Milton Menezes da Costa Neto. Brasília, 2001.

THE GENERAL PRACTITIONER IN EUROPE: A STATEMENT BY THE WORKING PARTY

APPOINTED BY THE SECOND EUROPEAN CONFERENCE ON THE TEACHING OF GENERAL

PRACTICE (LEUWENHORST, NETHERLANDS 1974)4

Em 1970, aconteceu em Bruxelas, a primeira conferência européia

no ensino da prática geral, organizada por professores de Medicina da Bélgica.

4 O Clínico Geral na Europa: uma Declaração do grupo de trabalho apontado pela Segunda Conferência Européia sobre o ensino da Prática Geral (Leuwenhorst, Holanda 1974).

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Quatro anos mais tarde, a faculdade holandesa organizou a segunda conferência

em Noordwijkerhout, no centro de Leeuwenhorst.

Na primeira conferência um livro foi publicado e a segunda

conferência não resultou em publicação, mas partes dela foram publicadas em

holandês e em inglês no “Huisarts en Wetenschap”, o jornal da escola holandesa.

Em Leeuwenhorst, dois professores tomaram a iniciativa de criar um

grupo de trabalho europeu, e a conferência apontou 15 membros para trabalhar

naquele grupo, conhecido como “Grupo de Leeuwenhorst”. Os objetivos eram: trocar

informações, pontos de vista e experiências, entre os professores de Medicina da

Europa, que foram confrontados com uma tarefa completamente nova; tentar

desenvolver um pensamento sobre a clínica geral e como ensiná-la; e incentivar os

participantes a perseguir seus objetivos em seus próprios países, e suportá-los com

um difícil esforço dentro de suas faculdades.

No mesmo ano da segunda conferência, o grupo produziu um

documento apontando uma definição do clínico geral/médico de família,

relacionando suas características e descreveu, ainda, os alvos educacionais que a

disciplina de clínica geral/Medicina de família deveria atingir, dividindo-os em

conhecimentos, habilidades e atitudes.

O documento, apesar de sucinto, é muito rico na descrição das

características profissionais e a sua validade se torna ainda maior se considerarmos

que, na época em que foi apresentado, a Medicina Geral e Familiar (Clínica

Geral/Medicina Familiar) estava começando a se estabelecer enquanto disciplina,

principalmente em relação à sua base de ensino e investigação.

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O acesso a esse documento pode ser encontrado principalmente no

endereço eletrônico da EURACT5 (European Academy of Teachers in General

Practice).

A categorização do documento foi realizada a partir da definição do

clínico geral e dos alvos educacionais.

A) INTEGRALIDADE

A.1) Ações integradas

Prevenção, diagnóstico precoce e condutas em Atenção

Primária

Várias formas de intervenção disponíveis

Saberá como e quando intervir no tratamento, na prevenção e

na educação para promover a saúde

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

Como as relações familiares podem causar problemas de

saúde

Como a doença influencia a dinâmica familiar

Compreender as circunstâncias do ambiente social e ambiental

de seus pacientes

Firmar diagnósticos que levem em conta os aspectos físicos e

psicológicos, bem como os fatores sociais

Integrará fatores físicos, psicológicos e sociais em suas

considerações sobre a saúde

5 http://www.euract.org/html/doc015.shtml

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Reconhecimento do paciente como um indivíduo único

A.3) Integralidade da atenção

A.3.1) Atendimento universal

Cuidado pessoal, primário e continuado aos indivíduos, às

famílias e a uma determinada comunidade, independentemente da idade, do sexo e

da doença

A.3.2) Cuidado contínuo

Cuidado pessoal, primário e continuado aos indivíduos, às

famílias e a uma determinada comunidade, independentemente da idade, do sexo e

da doença

A.3.3) Referência e contra-referência

Capacidade de cooperar com a equipe de saúde e outros

subespecialistas

A.4) Papel social do médico

A.4.1) Responsabilidade legal

Conhecer a legislação sanitária

A.4.2) Responsabilidade social

Realizar contribuições profissionais para uma comunidade mais

ampla

Responsabilidade profissional junto à comunidade

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B) PARTICIPAÇÃO

B.2) Participação

B.2.1) Autonomia

Ajudar os pacientes a resolverem seus próprios problemas

C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

C.1.2) Conduta inicial

Tomar decisões relevantes iniciais a respeito de todo e

qualquer problema apresentado

Decisão inicial sobre cada problema que lhe seja apresentado

C.1.3) Relação médico-paciente

Estabelecer empatia, buscando uma relação com os pacientes

efetiva e específica, desenvolvendo alto grau de auto-entendimento

Apesar de a ferramenta do acolhimento como proposta de

organização do processo de trabalho ser recente, nota-se que, naquela época, já se

salientava a preocupação por decisões iniciais na resolução dos problemas e a

palavra “empatia” aparece conotando o sentido de vínculo da relação médico-

paciente.

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C.3) Educação em saúde

C.3.1) Educação sanitária

Educação para promover a saúde

Nesse trecho, notamos que a promoção da saúde citada pelo autor

está ligada ao antigo conceito de promoção, mais relacionado à prevenção de

doenças, pois as discussões sobre o novo conceito de promoção, enfatizadas na I

Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Carta de Ottawa), só viriam a

acontecer em 1986.

C.2) Educação permanente

Disposição e capacidade de avaliar criticamente seu próprio

trabalho

Necessidade de educação continuada e leitura crítica de

informação médica

C.4) Planejamento das ações

C.4.3) Planejamento local

Uso da epidemiologia no dia-a-dia

Identificar pessoas portadoras ou em situação de risco e

desenvolver ações apropriadas

C.5) Trabalho em equipe

Capacidade de cooperar com a equipe de saúde e outros

subespecialistas

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Atuará na cooperação com outros colegas, médicos e não-

médicos

C.6) Trabalho individual generalista

C.6.1) Ética profissional

Compreensão da ética profissional

C.6.2) Prática clínica

Métodos básicos de pesquisa aplicada à área

Uso do fator “tempo” como ferramenta para diagnóstico, terapia

e organização

Utilizar apropriadamente e com toda destreza e perícia as

oportunidades da prática clínica

Conhecer o processo de adoecimento, particularmente das

doenças comuns, crônicas, ou com risco para sérias complicações

Atenderá a seus pacientes em seu consultório e em seus lares

A questão da visita domiciliar médica, ferramenta de trabalho

presente em toda equipe da Estratégia Saúde da Família, já surgia como proposta

de atividade do clínico geral.

A grandiosidade desse documento reside no fato de ser um dos

primeiros a definir as características do clínico geral, em uma época anterior às

discussões internacionais sobre os Cuidados Primários de Saúde (Conferência de

Alma-Ata, 1978) e sobre Promoção da Saúde (Conferência de Ottawa, 1986).

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E, apesar de ser um dos primeiros, já abrange muitas características

desejáveis no novo perfil de profissional médico, detalhando, inclusive, o processo

de trabalho do médico de Atenção Primária no Brasil, como a visita domiciliar e o

acolhimento (mesmo que não definido ainda dessa maneira).

THE EUROPEAN DEFINITON OF GENERAL PRACTICE / FAMILY MEDICINE (WONCA, 2002)6

A WONCA (World Organization of National Colleges, Academies and

Academic Associations of General Practitioners/Family Physicians) ou também

conhecida como World Organization of Family Doctors é composta por faculdades,

instituições acadêmicas, ou organizações preocupadas com aspectos acadêmicos

da prática da Medicina familiar. Representa seus membros, em nível internacional,

defendendo seus interesses e interagindo com membros mundiais como a

Organização Mundial de Saúde.

Inicialmente, em 1972, contava com 18 membros e hoje já possui 97

membros em 79 países, incluindo oito organizações em relações colaborativas. No

total, existem mais de 20.000 médicos gerais ou médicos de família que são

membros.

Em 2002, com apoio e colaboração da Organização Mundial de

Saúde – Europa (Barcelona, Espanha), a WONCA publicou um consenso que define

tanto a disciplina de Medicina Geral e Familiar (Clínica Geral/Medicina Familiar),

como as respectivas funções profissionais, e descreve ainda as competências

nucleares dos médicos de família.

6 A Definição Européia de Medicina Familiar e Comunitária (WONCA, 2002) (tradução do autor)

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O documento surge em meio à reforma dos sistemas de saúde

nacionais, sob o eixo da Atenção Primária, um aspecto comum na Europa e no

mundo, na qual se procura novas formas de garantir e prestar cuidados de saúde,

levando-se em conta as mudanças demográficas, os avanços médicos, a economia

da saúde e as necessidades e expectativas dos pacientes.

Além disso, a instituição também tem o intuito de clarificar o papel

complexo e essencial dos médicos de família no seio dos sistemas de saúde para a

comunidade médica, bem como para as profissões aliadas à Medicina, pelos

planejadores de cuidados de saúde, economistas, políticos e público em geral.

O texto pode ser acessado na versão original, ou já traduzido para o

português, tanto no site da Sociedade Brasileira de Medicina Familiar e Comunitária

(SBMFC)7, como no site da WONCA8. O documento é dividido em três partes: 1)

características da disciplina de clínica geral/Medicina de família; 2) a especialidade

de clínica geral/Medicina de família; 3) as competências nucleares do clínico

geral/médico de família.

A primeira parte constitui-se na de maior interesse para essa

pesquisa, uma vez que está diretamente relacionada ao ensino da graduação; a

segunda parte possui características muito semelhantes, e está dirigida à

especialidade médica; e a terceira parte, apresenta uma sistematização das

características da primeira parte em competências nucleares.

Esses núcleos de competências são, na verdade, grupos de

categorias sistematizados pelo próprio documento, o qual não clarifica o método

7 http://www.sbmfc.org.br 8 http://www.globalfamilydoctors.org

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utilizado para essa categorização, nem aprofunda sua análise, e, portanto, serão

apenas citados: gestão de cuidados primários, cuidados centrados na pessoa,

aptidões específicas de resolução de problemas, abordagem abrangente, orientação

comunitária e modelagem holística.

A partir da análise do documento, encontraram-se os seguintes

grupos de categorias:

A) INTEGRALIDADE

A.1) Ações integradas

Promover saúde e bem estar

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

Lidar com os problemas de saúde em sua dimensão física,

psicológica, social, cultural e existencial

Prestação de cuidados continuados conforme as necessidades

do paciente

A.3) Integralidade da atenção

A.3.2) Cuidado contínuo

Prestação de cuidados continuados conforme as necessidades

do paciente

A.3.3) Referência e contra-referência

Manejar a interface com as outras especialidades

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A.4) Papel social do médico

A.4.2) Responsabilidade social

Promover saúde e bem estar

Responsabilidade pela saúde da comunidade

C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

C.1.1) Acessibilidade

Primeiro contato médico

C.1.3) Relação médico-paciente

Relação ao longo do tempo, através de uma comunicação

efetiva entre médico e paciente

C.4) Planejamento das ações

C.4.3) Planejamento local

Processo de tomada de decisão determinado pela prevalência

e incidência de doença na comunidade

C.5) Trabalho em equipe

Trabalho com outros profissionais no contexto dos cuidados de

saúde primários

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C.6) Trabalho individual generalista

C.6.2) Prática clínica

Lidar com todos os problemas de saúde independentemente da

idade, sexo, ou outra característica da pessoa em questão

Manejar problemas de saúde simultaneamente, tanto agudos

como crônicos

Manejar doenças indiferenciadas em um estágio inicial e que

podem precisar de uma intervenção urgente

O documento é pouco descritivo e bastante objetivo, abordando

apenas as características gerais que a disciplina de Medicina familiar deve possuir.

Não devemos esquecer que o documento versa sobre

características baseadas nos sistemas de saúde europeus. Mas, apesar dessa

conotação internacional, as características apontadas são pertinentes ao perfil de

médico desejado para atuação na Atenção Primária em nível nacional, uma vez que

o mesmo, ainda que de uma maneira muito pontual, aborda questões da

integralidade e do processo de trabalho. No entanto, o documento omite algumas

questões de suma importância, como o grupo de categorias relacionadas com

participação e empoderamento.

A participação social representa tamanha importância no âmbito do

SUS, que consta como um dos princípios organizativos. Portanto, um profissional

não pode deixar de contemplar características que forneçam estratégias para o

estímulo da participação social.

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O documento também não versa sobre ações integradas dentro do

grupo da integralidade e não cita nenhuma categoria relacionada ao processo de

educação permanente.

MCWHINNEY, I. R. OS PRINCÍPIOS DA MEDICINA FAMILIAR. IN: MCWHINNEY, I. R.

MANUAL DE MEDICINA FAMILIAR. LISBOA: SELEPRINTER, 1994. 11-22 P.

O documento analisado a seguir, trata-se de um capítulo de livro. No

entanto, sua importância deve-se, principalmente, à notoriedade no meio acadêmico

que seu autor possui. O britânico Ian R. McWhinney é considerado um dos maiores

estudiosos da Medicina familiar, atualmente professor emérito de Medicina Familiar

do Centro de Estudos em Medicina Familiar da “University of Western Ontário”.

A acessibilidade ao documento é facilitada, pois o mesmo está

disponível em bibliotecas científicas de todo país e do mundo.

O livro inteiro é de autoria de McWhinney, e foi dividido em 4 partes:

1) princípios básicos; 2) problemas clínicos; 3) o exercício da Medicina familiar; 4)

educação e investigação. O foco aqui será dado ao segundo capítulo da primeira

parte, o qual trata dos princípios e das competências da Medicina de familiar.

A) INTEGRALIDADE

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

O médico de família procura compreender o contexto da

doença

Contexto pessoal, familiar e social

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O médico de família atribui importância aos aspectos subjetivos

da Medicina

A.3) Integralidade da atenção

A.3.1) Atendimento universal

O médico de família está disponível para qualquer problema de

saúde numa pessoa de qualquer dos sexos e de qualquer idade

A.3.2) Cuidado contínuo

Não termina com a cura de uma doença, o fim de um

tratamento, ou a incurabilidade de uma doença

A.4) Papel social do médico

A.4.2) Responsabilidade social

O médico de família compromete-se com a pessoa e não com

um conjunto de conhecimentos, grupo de doenças, ou a técnica especial

O médico de família considera-se como parte de uma rede

comunitária de centros de apoio e prestação de cuidados de saúde

Os médicos de família compreendem que os seus próprios

valores, atitudes e sentimentos, são determinantes importantes do modo como

exercem Medicina

C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

C.1.1) Acessibilidade

O médico de família está disponível para qualquer problema de

saúde numa pessoa de qualquer dos sexos e de qualquer idade

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C.1.3) Relação médico-paciente

A primazia dada à pessoa

A natureza duradoura do compromisso também torna a relação

médico-doente especialmente importante na Medicina familiar

Relação continuada com indivíduos e famílias

Utilização da relação médico-doente para potenciar o efeito de

qualquer tipo de terapia

C.3) Educação em saúde

C.3.1) Educação Sanitária

O médico de família encara todo o contato com doentes como

uma oportunidade para prevenção ou educação sanitária

C.4) Planejamento das ações

C.4.2) Gerenciamento local

O médico de família é um gestor de recursos

Utilização dos recursos comunitários e do sistema de cuidados

de saúde para benefício dos doentes

C.4.3) Planejamento local

A identificação de riscos e primeiros desvios da normalidade,

em doentes

C.4.4) Vigilância em saúde

Empenho em manter os seus doentes saudáveis, quer venham

à consulta ou não

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C.6) Trabalho individual generalista

C.6.2) Prática Clínica

O médico de família vê os doentes no consultório, nas suas

casas e no hospital

A MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE, A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E O ENSINO DE

GRADUAÇÃO: RECOMENDAÇÕES E POTENCIALIDADES (SBMFC, 2005)

A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

(SBMFC) fundada em 1981, nos últimos anos vem ganhando destaque no contexto

nacional e até internacional, tanto do meio científico quanto do meio político. Esse

crescimento, em parte é devido ao direcionamento das políticas nacionais de saúde

à Atenção Primária.

Essa sociedade é uma entidade nacional que congrega os médicos

nos serviços de Atenção Primária, incluindo a Estratégia Saúde da Família (ESF) e

também professores, preceptores, pesquisadores e outros profissionais que atuam

ou estão interessados nesta área.

Eventos de importância nacional têm sido promovidos por essa

sociedade, os quais valem destacar: os congressos nacionais de Medicina familiar e

comunitária e mostras nacionais de Medicina de família e comunidade na

graduação.

Esse documento, conforme consta na sua própria apresentação tem

por objetivo (p.3):

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[...] apresentar a importância e as potencialidades da Medicina de Família e Comunidade (MFC) e, conseqüentemente, da Atenção Primária à Saúde, no curso de graduação em Medicina, em especial no momento de reforma do ensino médico brasileiro, à luz das diretrizes curriculares.

E está disponibilizado sob a forma impressa, distribuído pela própria

sociedade em eventos, ou eletronicamente pelo endereço da SBMFC9.

Sob o título “A MFC e a graduação em Medicina – recomendações

internacionais”, o documento traz uma sistematização das recomendações

internacionais10, 11, 12 dos conteúdos programáticos da especialidade na graduação

em Medicina.

A escolha em realizar a análise documental desse documento e não

das fontes originais (também consultados), com exceção do documento da WONCA,

o qual também sofreu análise documental nessa pesquisa, foi devido a três razões:

1) o documento trazido pela SBMFC está mais bem sistematizado que os

documentos originais, o que facilita a categorização; 2) o documento adapta as

recomendações internacionais à realidade nacional; 3) a importância em analisar um

documento de uma entidade nacional de tal importância dentro do contexto nacional

de políticas de saúde e educação médica.

Em seguida, apresento a categorização do documento:

9 http://www.sbmfc.org.br 10 Organização Mundial de Saúde (http://www.who.int) 11 Justin Allen, et al. Definição Européia de Clínica Geral e Medicina Familiar. Wonca. Europa, 2002. 12 John R. Bucholtz et al. The FMCR Project´s FM Clership/Post Clerkship Workgrooup. Future of Family Medicina (FFM) Project. Annals of Family Medicine; Supplement, March, 2004.

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A) INTEGRALIDADE

A.1) Ações integradas

Complementaridade e integralidade das ações médicas e de

saúde

Promoção, proteção e educação em saúde da população

Resolução de problemas de saúde e promoção da saúde

Reflexão e discussão sobre o cuidado integral, contínuo e

integrado para as pessoas

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

Reconhecimento do papel e da influência da família no estado

de saúde de seus componentes

Diagnóstico biopsicossocial

Sensibilidade e responsabilidade para com o paciente, sua

cultura, idade, gênero e desabilidades

Entendimento da complexidade do diagnóstico

A.3) Integralidade da atenção

A.3.2) Cuidado contínuo

Reflexão e discussão sobre o cuidado integral, contínuo e

integrado para as pessoas

Reconhecimento das barreiras físicas, culturais e

administrativas para o cuidado integral e adequado às pessoas

A.3.3) Referência e contra-referência

Coordenar e advogar pelo cuidado adequado à população

dentro do sistema de saúde nacional

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A.4) Papel social do médico

A.4.1) Responsabilidade legal

Conceituação e reconhecimento da importância da Atenção

Primária à Saúde, da Medicina Ambulatorial e da Medicina de Família e Comunidade

nos Sistemas Nacionais de Saúde

Reconhecimento e interpretação das leis públicas mais

relevantes referentes à promoção de saúde das populações

A.4.2) Responsabilidade social

Compromisso ético e profissional com a saúde da população

do próprio país, racionalizando recursos e ações e melhorando os indicadores de

saúde populacionais

Prática voltada ao sistema nacional de saúde

B) PARTICIPAÇÃO

B.2) Participação

B.2.1) Autonomia

Participação do paciente e de sua família, informando-os

apropriadamente e envolvendo-os no processo

C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

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C.1.2) Conduta inicial

Acolhimento e resolutividade aos agravos agudos e crônicos

mais comuns

C.1.3) Relação médico-paciente

Comunicação e relação médico-paciente-família-comunidade

Cuidado humanizado e efetivo aos pacientes e suas famílias

C.3) Educação em saúde

C.3.1) Educação Sanitária

Educação em saúde da população

Educação em saúde dos pacientes, suas famílias e

comunidade

Educação e informação em saúde dos pacientes e familiares

C.4) Planejamento das ações

C.4.1) Adstrição da clientela

Conhecimento do cadastro familiar e comunitário

C.4.3) Planejamento local

Diagnóstico de saúde biopsicossocial da família e da

comunidade

Identificação dos vários níveis de prevenção e aplicação das

ações preventivas em cada nível

Desenvolvimento de ações de saúde orientadas pelas

necessidades e demandas percebidas através do contato com as famílias e

comunidade

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Descrição da prevalência e história natural dos problemas de

saúde mais comuns

Estudo de problemas de saúde que mais afetam às pessoas e

às populações

C.5) Trabalho em equipe

Convivência e colaboração com profissionais de outras

profissões e especialidades

Abordagem multiprofissional e interdisciplinar

Técnicas de comunicação adequadas para trabalho em equipe

multiprofissional

C.6) Trabalho individual generalista

C.6.2) Prática Clínica

Práticas e metodologias próprias da clínica da Medicina

Ambulatorial

Manejo adequado da tecnologia de informação em saúde

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA (MEC,

2001)

A orientação dessas diretrizes está vinculada a Câmara de

Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, com envolvimento e apoio

do Ministério da Saúde.

Essas propostas foram apresentadas em audiência pública, no ano

de 2001, em Brasília, onde estavam presentes representantes do Ministério da

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Saúde, do Conselho Nacional de Educação, da Secretaria de Educação Superior do

Ministério da Educação, do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades

Brasileiras, dos Presidentes dos Conselhos Profissionais, dos Presidentes de

Associações de Ensino e dos Presidentes das Comissões de Especialistas de

Ensino da SESu/MEC e outras entidades organizadas da sociedade civil.

O documento pode ser acessado através de vários endereços

eletrônicos na internet, como no site da ABEM13 (Associação Brasileira de Educação

Médica) ou da Rede Unida14, ou ainda sob forma impressa, através do livro

“Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Universitários da Área da

Saúde”15, com duas edições lançadas pela Rede Unida.

As diretrizes surgem no contexto de mudança na atenção à saúde

do país, com direcionamento para Atenção Básica, o que exige a readequação do

perfil profissional para atuar nessa nova lógica (BRASIL, 2001).

Ao realizar a análise do documento, nota-se que o mesmo denota as

características gerais desejáveis ao novo perfil de um médico, e a seguir são

descritas as categorias relacionadas ao trabalho na Atenção Básica:

A) INTEGRALIDADE

A.1) Ações integradas

Estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção,

proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo de forma

integrada e contínua com as demais instâncias do sistema

13 http://www.abem-educmed.org.br 14 http://www.redeunida.org.br 15 ALMEIDA, M. (Coord.). Diretrizes curriculares nacionais para os cursos universitários da área da saúde. 2ª ed. Londrina: Rede UNIDA, 2005.

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Atuar na proteção e na promoção da saúde e na prevenção de

doenças, bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde

Garantir a integralidade da assistência entendida como

conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos,

individuais e coletivos

Prática realizada de forma integrada e contínua com as demais

instâncias do sistema de saúde

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

Dominar conhecimentos científicos básicos da natureza

biopsicosocio-ambiental subjacentes à prática médica

Levar em contas as reais necessidades da população

Compreensão dos determinantes sociais, culturais,

comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e

coletivo, do processo saúde doença

Abordagem do processo saúde-doença do indivíduo e da

população, em seus múltiplos aspectos de determinação

A.3) Integralidade da atenção

A.3.2) Cuidado contínuo

Utilizar recursos adequadamente para atenção integral à

saúde, no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção

Atuar nos diferentes níveis de atendimento à saúde, com

ênfase nos atendimentos primário e secundário

A.3.3) Referência e contra-referência

Encaminhar adequadamente pacientes portadores de

problemas que fujam ao alcance da sua formação geral

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Obedecer aos princípios técnicos e éticos de referência e

contra-referência

A.4) Papel social do médico

A.4.1) Responsabilidade legal

Reconhecer a saúde como direito e atuar de forma a garantir a

integralidade

Lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho e

com as políticas de saúde

Manter-se atualizado com a legislação pertinente à saúde

A.4.2) Responsabilidade social

Ter visão do papel social do médico

Promover estilos de vida saudáveis, atuando como agente de

transformação social

O grupo de categorias relacionado à integralidade está muito

evidente nesse documento, demonstrando sua importância como eixo de orientação

da mudança tanto da assistência à saúde como da formação de recursos humanos

para a saúde. Percebe-se isto, principalmente, na categoria de ações integradas,

demonstrando a influência do Ministério da Saúde, interessado em um profissional

que saiba articular de maneira adequada e efetiva as ações de saúde.

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C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

C.1.1) Acessibilidade

Ser acessível e manter a confidencialidade das informações a

ele confiadas

C.1.3) Relação médico-paciente

Capacidade reflexiva e compreensão ética, psicológica e

humanística da relação médico-paciente

C.3) Educação em saúde

C.3.1) Educação Sanitária

Informar e educar seus pacientes, familiares e comunidade

C.2) Educação permanente

Os profissionais devem ser capazes de aprender

continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática;

Leitura crítica de artigos técnicos científicos e a participação na

produção de conhecimentos

C.4) Planejamento das ações

C.4.2) Gerenciamento local

Gerenciamento de forma eficaz e efetiva

Fazer gerenciamento e administração tanto da força de

trabalho quanto dos recursos físicos e materiais e de informação

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C.4.3) Planejamento local

Analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções

para os mesmos

C.5) Trabalho em equipe

No trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais da

saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança

Comunicar-se adequadamente com os colegas de trabalho

atuar em equipe multiprofissional

C.6) Trabalho individual generalista

C.6.2) Prática Clínica

Diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças tendo

como critérios a prevalência e o potencial mórbido das doenças

Avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas,

baseadas em evidências científicas

Compreensão e domínio da propedêutica médica

Realizar procedimentos clínico-cirúrgicos indispensáveis para o

atendimento ambulatorial

Nas atividades clínicas do médico, o documento denota o caráter

generalista que a formação deve ter ao apontar diagnóstico de tratamento das

doenças principais e procedimentos indispensáveis, não mencionando, portanto, a

necessidade do ensino de procedimentos especializados.

Pode-se notar na descrição das categorias, que as mesmas estão

relacionadas às competências gerais que o médico deve possuir na Atenção Básica,

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mas não deixa claro quanto às específicas, visto que não era o objetivo do

documento.

No entanto, pode-se inferir que, para a formação do profissional com

o perfil sugerido pelas diretrizes, ou seja, que atenda as necessidades de saúde dos

indivíduos e das populações, um curso de graduação com práticas curriculares

voltadas principalmente para Atenção Básica se torna essencial.

E os conteúdos essenciais devem estar dispostos não como

disciplinas, mas como conhecimentos integrados e que versem, de um lado, sobre

os determinantes biológicos, sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, éticos

e legais do processo saúde-doença; e, por outro lado, desenvolvam a compreensão

e o domínio da propedêutica médica, da conduta terapêutica, e da promoção da

saúde (BRASIL, 2001).

As Diretrizes Curriculares (BRASIL, 2001), em seu art. 12º, ao

orientar a estrutura do curso de graduação em Medicina, propõem, entre outros, que

o curso deve ter: “eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos

indivíduos e das populações; promover integração e interdisciplinaridade; integrar as

dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais; inserir o aluno

precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional;

utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem; e vincular através da integração

ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais da saúde,

com ênfase no SUS”.

Ou seja, o local de prática junto à comunidade se torna mais

favorável para contemplar todas essas características, do que o ensino centrado no

hospital de forma transversal no curso.

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CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA: PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA: CADERNO 1: A

IMPLANTAÇÃO DA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE.

SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA, 2000)

O Departamento de Atenção Básica compõe um dos 05

Departamentos da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.

É composto por 05 Coordenações: Gestão da Atenção Básica, Alimentação e

Nutrição, Saúde Bucal, Hipertensão e Diabetes, Acompanhamento e Avaliação.

Também coordena as ações nacionais do PROESF.

Conforme a definição do próprio departamento da portaria 648, de

28 de março de 2006 (BRASIL, 2006b, meu grifo):

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social.

Na definição acima, nota-se a presença de várias categorias

discutidas nessa pesquisa, reafirmando as características profissionais necessárias

ao médico que atua na Atenção Básica.

O documento em questão, na sua apresentação, salienta a

necessidade, dos profissionais das equipes de Saúde da Família, por programas e

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conteúdos que os possibilitem desempenhar suas atribuições cada vez mais

próximas das necessidades de saúde da população.

No entanto, a acessibilidade a esse documento é prejudicada, por se

tratar de um documento de circulação acadêmica e do serviço, e por não estar

disponível em nenhum endereço eletrônico na internet.

O documento é dividido em duas partes: I) Definições conceituais; e

II) Definições operacionais. Na primeira parte, são definidas as atribuições básicas

de uma equipe e as específicas de cada profissional da equipe básica, servindo as

atribuições da equipe e do médico como objeto da análise.

A) INTEGRALIDADE

A.1) Ações integradas

Executar procedimentos de vigilância à saúde e vigilância

epidemiológica

Promover ações intersetoriais e parcerias com organizações

formais e informais

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

Conhecer as realidades das famílias com ênfase nas suas

características sócio-econômicas, psico-culturais, demográficas e epidemiológicas

Conhecer mais sobre os aspectos de suas vidas particular,

familiar e social

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A.3) Integralidade da atenção

A.3.1) Atendimento universal

Atender todos os membros das famílias, independente do sexo

e idade

Assistir todas as pessoas em todas as fases e especificidades

da vida

A.3.2) Cuidado contínuo

Prestar assistência integral

A.3.3) Referência e contra-referência

Resolver a maior parte dos problemas detectados e garantir a

continuidade do tratamento, através da adequada referência

A.4) Papel social do médico

A.4.2) Responsabilidade social

Comprometer-se com as pessoas

B) PARTICIPAÇÃO

B.2) Participação

B.2.2) Participação popular

Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local

Incentivar a formação e/ou participação ativa nos Conselhos

Locais de Saúde e no Conselho Municipal de Saúde

C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

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C.1.3) Relação médico-paciente

Criação de vínculo de confiança

Vínculo de responsabilidade

C.3) Educação em saúde

C.3.1) Educação Sanitária

Promover a saúde através da educação sanitária

Promover, através da educação continuada, a qualidade de

vida

C.4) Planejamento das ações

C.4.3) Planejamento local

Elaborar plano local para o enfrentamento dos fatores que

colocam em risco a saúde

Programar as atividades

O conhecimento aprofundado da realidade local deve levar à

identificação das doenças mais comuns e seus determinantes

Identificar os problemas de saúde mais comuns

C.4.4) Vigilância em saúde

Executar procedimentos de vigilância à saúde e vigilância

epidemiológica

C.6) Trabalho individual generalista

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C.6.2) Prática Clínica

Atendimentos de primeiros cuidados nas urgências

Realizar pequenas cirurgias ambulatoriais e partos, se as

condições locais o permitem

Realizar visita domiciliar

Controle das doenças transmissíveis

COMPETÊNCIAS PARA O TRABALHO EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE SOB A

ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: MÉDICO E ENFERMEIRO (MINISTÉRIO DA SAÚDE.

SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA).

ORGANIZAÇÃO DE MILTON MENEZES DA COSTA NETO. BRASÍLIA, 2001.

Nesse outro documento técnico, do Departamento de Atenção

Básica do Ministério da Saúde, encontra-se mais definida a imagem de perfil de

profissional desejado para a Atenção Básica, tanto na abordagem coletiva, quanto

na abordagem individual. O documento também versa sobre as competências gerais

e específicas:

O documento faz uma definição inicial do perfil profissional:

[...] profissionais capazes de trabalhar com a maioria das necessidades de saúde do indivíduo, desenvolvendo com ele uma relação sustentada e participativa, sempre contextualizando-o na família e na comunidade. (meu grifo)

Esse trecho já salienta que o alicerce desse profissional deve ser a

integralidade, uma vez que trabalha com o conceito ampliado de saúde e com o

vínculo.

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A acessibilidade ao documento, da mesma maneira que o outro

documento do Ministério da Saúde, é bastante restrita e também não está disponível

na internet.

O documento é bastante detalhado, inclusive descreve, além das

competências gerais, competências específicas de cada profissional em cada grupo

de atenção à saúde. Mas o foco da análise está nas competências de caráter geral e

organizacional.

A) INTEGRALIDADE

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

Sincronizar os conhecimentos populares e científicos

Conhecer a realidade das famílias nos aspectos físicos,

mentais, demográficos e sociais

Detectar situações de vulnerabilidade familiar

Contexto biológico, psicológico, social e ambiental

Não se limitar ao conjunto de conhecimentos especializados ou

com um grupo de doenças

Compreender a família de forma integral e sistêmica

A organização e a dinâmica familiar

Os aspectos biopsicossociais da abordagem familiar sistêmica

Conhecer teoria sistêmica e sua abordagem

Conhecer alternativas de recursos sociais

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A teoria sistêmica e a abordagem familiar são enfatizadas, sendo o

único documento a ressaltar a importância desse conhecimento que, de fato, torna o

trabalho na Atenção Básica mais elaborado.

A.4) Papel social do médico

A.4.1) Responsabilidade legal

Compreender o papel do estado na implementação de políticas

públicas e na promoção da saúde

Compreender as relações existentes entre o setor saúde e os

demais setores e o papel dos diferentes setores na determinação e solução de

problemas de saúde

Conhecer a regulamentação profissional das categorias que

compõem a equipe

Conhecer aspectos legais ligados à violência e aos direitos

humanos

A.4.2) Responsabilidade social

Participar dos interesses, da cultura, das condições de vida e

da forma de atuação da comunidade

Inserção ou reinserção familiar e social de pessoas acometidas

por transtornos físicos, mentais ou sociais

B. PARTICIPAÇÃO

B.1) Educação em saúde

B.1.1) Empoderamento

Capacitar pessoas da comunidade

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Estímulo de desenvolvimento de habilidades e atitudes

pessoais favoráveis à saúde

B.2) Participação

B.2.1) Autonomia

Compreender o indivíduo como agente co-responsável no

equilíbrio entre relação saúde-doença

B.2.2) Participação popular

Participação da comunidade no planejamento, execução e

avaliação das ações

Discutir com a população informações relativas ao seu perfil de

morbi-mortalidade

Organizar grupos para discussão das necessidades da

população

Atuar em conjunto com os movimentos populares e as

lideranças comunitárias

C) PROCESSO DE TRABALHO

C.1) Acolhimento e vínculo

C.1.3) Relação médico-paciente

Valorizar as relações profissional-indivíduo e profissional-

família

Processo dinâmico terapêutico e de confiança

Comprometer-se com a pessoa de forma integral

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C.3) Educação em saúde

C.3.1) Educação Sanitária

Coordenar, participar e/ou nuclear grupos de educação para a

saúde

Elaboração de materiais informativos e educativos

Ações educativas com abordagem crítica, interativa e

construtiva

C.2) Educação permanente

Participar da formação e do treinamento de pessoal auxiliar,

voluntários e estagiários

C.4) Planejamento das ações

C.4.2) Gerenciamento local

Organização de arquivos, prontuários e agendamento

Encaminhar mapas e relatórios do SIAB

Conhecer a característica organizacional da UBS

C.4.3) Planejamento local

Conhecer a realidade local

Conhecer metodologias de planejamento e avaliação,

planejamento estratégico e SIAB

Leitura e análise do cotidiano

Perfil cultural e epidemiológico da comunidade

Identificar grupos de risco

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Programar ações segundo perfil epidemiológico

Planejamento estratégico

Avaliação permanente

Programação das atividades

C.5) Trabalho em equipe

Conhecer as crises na família, e a prática interdisciplinar e

multisetorial para abordar esse tipo de problema

C.6) Trabalho individual generalista

C.6.1) Ética Profissional

Conhecer os princípios éticos da relação profissional

4.1 ANÁLISE INFERENCIAL

A) INTEGRALIDADE

A questão da integralidade tem sido exaustivamente discutida em

seus vários sentidos, nos últimos anos, por se tratar, como afirma Mattos (2001), de

uma “bandeira de luta”, ou parte de uma imagem objetivo em busca de uma

sociedade mais justa e solidária.

Ela se tornou o eixo das propostas de mudança tanto da assistência

à saúde, quanto da formação de recursos humanos. E, portanto, o conceito de

integralidade está diretamente e fortemente ligado à discussão do processo de

trabalho e formação de recursos humanos para a Atenção Básica.

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Nos documentos analisados, a integralidade foi agrupada em quatro

categorias que serão discutidas a seguir.

A.1) Ações integradas

O sentido da integralidade das ações integradas em saúde

corresponde à proposta contrária ao que ocorria no sistema de saúde brasileiro

antes do SUS, no qual havia uma dissociação entre as práticas de saúde pública e

as práticas assistenciais (MATTOS, 2001).

As necessidades de saúde da população não são dissociadas e,

além das demandas explícitas relacionadas ao sofrimento humano provocado por

doenças (tratamento e reabilitação), existem ações ligadas ao diagnóstico precoce e

à redução dos fatores de risco (prevenção), e à melhoria da qualidade de vida

(promoção) (MATTOS, 2001).

Essas demandas fazem parte de um processo dinâmico e, em uma

comunidade, o médico e o restante da equipe de saúde devem estar aptos a integrar

essas ações para dar conta do cuidado em saúde.

Em vários documentos analisados, essa categoria aparece, o que

demonstra sua importância no contexto das ações do médico na Atenção Básica.

Mas, o que chama a atenção é o fato de que, no documento das Diretrizes

Curriculares, essa categoria está enfatizada, o que salienta ainda mais a importância

de se trabalhar com ações integradas em saúde no contexto nacional. E, portanto, é

essencial que se oportunize ao aluno da graduação, momentos em que ele vivencie

essas ações em conjunto.

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Dessa forma, a Atenção Básica se torna espaço privilegiado para

oportunizar esse aprendizado já que, em outros âmbitos, como hospital-escola ou

clínicas, não é possível se trabalhar essas ações em conjunto, no máximo se

trabalham tratamento e reabilitação.

Como as ações em saúde dependem da concepção saúde/doença

dos profissionais, torna-se fundamental, portanto, uma formação adequada para se

ampliar essa concepção, o que está favorecido no espaço junto à comunidade,

conhecendo-se as reais necessidades de determinada população, e com a

possibilidade de integrá-las.

Outro ponto que chama atenção reside no fato de se trabalhar o

conceito de promoção à saúde. Esse enfoque deve ser dado, pois no meio

acadêmico e também na assistência, ainda prevalece o conceito de promoção ligado

à prevenção, enfocando-se grupos de risco apenas. E o novo conceito de promoção

à saúde está relacionado a outros conteúdos como a intersetorialidade, a

participação popular e o conceito ampliado do processo saúde-doença.

Inclusive, o documento “Cadernos de Atenção Básica: Programa

Saúde da Família: caderno 1: a implantação da unidade de saúde da família” traz

nessa categoria o conceito de promoção de ações intersetoriais e de parcerias com

organizações formais e informais, ampliando, assim, o entendimento sobre ações

integradas.

A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença

O modo de pensar conforme o modelo biomédico, ainda predomina

na maioria dos profissionais da área da saúde, que se recusa em reconhecer o ser

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humano como algo além de um conjunto de órgãos que apresenta lesões ou

disfunções, as quais podem ser resolvidas com auxílio de outros recursos diferentes

dos tecnológicos.

Porém, este modelo é incompatível com as necessidades de saúde

da população, pois cada ser humano faz parte de uma família, que mora em uma

comunidade com certo ambiente, com determinados hábitos e costumes, que possui

um credo, uma raça, uma profissão ou não, um jeito de ser, angústias, medos,

paixões etc. E cada uma dessas características faz parte da pessoa, e, portanto, da

necessidade de saúde das pessoas e de suas comunidades, e o profissional que

não reconhecer isso em seu processo de trabalho, estará fadado ao insucesso.

Todos os documentos analisados apresentam essa categoria, que é

o ponto de partida de qualquer trabalho em saúde, não só na Atenção Básica, mas

em todos os níveis de atenção. E, se o profissional não possuir um conceito

ampliado do processo saúde-doença, todas as outras ações se tornam inviáveis.

A.3) Integralidade da atenção

Duas subcategorias encontradas nessa categoria ― cuidado

contínuo e referência e contra-referência ― estão interligadas ao processo de

manejo do cuidado que o médico assume ao se vincular com as pessoas de uma

comunidade, e deve, portanto, ser o mediador de possíveis encaminhamentos que o

usuário terá dentro do sistema.

Quando se fala de cuidado, o vínculo consiste no ponto de partida, o

qual necessariamente transpassa pela capacidade de ouvir o usuário, e tratá-lo

como um sujeito com desejos, crenças e temores, para, então, se acolher a sua

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demanda (SILVA JR.; MERHY, 2003). E são o interesse e a responsabilização pelo

usuário e sua demanda, que irão determinar a linha de cuidado e as possíveis

ações.

A continuidade do cuidado, por meio de possíveis encaminhamentos

do usuário dentro do sistema, precisa estar apoiada no estabelecimento de um

profissional de referência, para não ocorrer a simples transferência de problema de

um profissional para o outro.

Além disso, seria importante também o estabelecimento de núcleos

comuns de discussão de casos entre as especialidades, na tentativa de produzir

visões menos fragmentadas das pessoas (SILVA JR.; MERHY, 2003).

A.4) Papel social do médico

Quando pensamos em uma atitude de atenção à saúde sob a

perspectiva da integralidade, se torna inconcebível um profissional com a

importância social de um médico se eximir de sua responsabilidade.

Devido ao modelo de ensino biomédico centrado em hospitais, longe

da realidade social, e focado eminentemente nos aspectos da doença, o papel social

que o médico deve ocupar na sociedade se torna algo muito distante dos futuros

profissionais.

Como um médico de família deve ser um gerenciador do cuidado,

conhecer a legislação e auxiliar nos direitos dos usuários passa a ser um dever

profissional. Dentro de uma comunidade a qual o médico se vincula, ele passa a ser

um importante ator social, capaz de influenciar o modo de viver e de agir dessa

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comunidade. E, portanto, ser consciente e responsabilizado por cumprir

corretamente esse papel, é fundamental.

Sendo assim, as atividades curriculares que dão conta das questões

legais e de políticas públicas de saúde, precisam aproximar o aluno de graduação

da comunidade, para que possam ser demonstrados os aspectos legais na práxis.

B) PARTICIPAÇÃO

O grupo das categorias relacionadas à questão da participação não

se mostra muito evidente nos documentos, principalmente nos documentos

internacionais e, quando aparece, está relacionado apenas com a autonomia dos

usuários.

Essa constatação com relação aos documentos internacionais pode

estar ligada ao fato de os europeus possuírem o exercício da democracia mais

solidificado e a interferência nas políticas públicas ser um direito de cidadania

mínimo, sem, portanto, necessitarem dessa explicitação nas políticas de saúde, e

nem da intervenção dos profissionais da saúde.

Já no Brasil, a participação é um dos princípios organizativos do

SUS, ou seja, a organização do sistema de saúde conta com a participação popular,

e o médico, na ponta desse sistema, se torna ator fundamental de vinculação e

facilitador dessa participação, podendo utilizar a educação em saúde como

empoderamento dos usuários.

A OMS (WHO, 1998), elaborou um documento definindo os sete

princípios da promoção da saúde, sendo a participação e o empoderamento, dois

desses princípios. Dessa forma, ao trabalharmos sob a perspectiva integral, com um

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conceito ampliado do processo saúde-doença, a questão da participação se torna

fundamental.

B.1) Educação em saúde (Empoderamento)

Ao se caracterizar uma prática educativa em saúde, com relação ao

tipo de ação realizada, devem-se levar em conta dois aspectos, o pedagógico, ou

seja, a metodologia de ensino utilizada, e o da saúde, a partir da concepção do

processo saúde-doença.

A educação em saúde para o empoderamento, para o reforço da

ação comunitária e para o estímulo de desenvolvimento de habilidades emocionais,

deve ser entendida como uma ferramenta na construção de propostas de ações em

promoção da saúde.

Sendo assim, parte-se de um conceito de saúde com ênfase na

determinação social e de uma prática pedagógica baseada na construção de novos

saberes a partir da problematização, em uma relação de troca entre educador é

educando, que gera, portanto, um conhecimento crítico e reflexivo (FREIRE, 2005).

Essa categoria parece ainda não possuir importância nos

documentos oficiais, face à magnitude que possui dentro do contexto do sistema

nacional de saúde.

Os profissionais da saúde são apenas alguns dos atores sociais

responsáveis pela promoção da saúde, no entanto, possuem papel fundamental no

estímulo e no gerenciamento de atividades que promovam saúde. Esse papel se

torna ainda mais relevante quando focamos as comunidades locais, uma vez que os

profissionais da Atenção Básica, por possuírem um vínculo e conhecerem a

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realidade local, além de hábitos e culturas, têm condições de influenciar

positivamente na construção de propostas intersetoriais com a participação popular,

utilizando-se da educação em saúde.

B.2) Participação

Um modelo de atenção à saúde no qual o usuário é meramente um

coadjuvante nos planos terapêuticos, não possui responsabilidade pela sua saúde e

apenas acata sem questionamentos as condutas do médico, que é o detentor de

todo conhecimento, são direcionamentos contrários à proposta do SUS.

Os profissionais da saúde, apesar de não serem os únicos

responsáveis pelo empoderamento da população, nem pela criação de conselhos de

saúde, podem facilitar e contribuir para ambos os processos.

Porém, os documentos analisados levantam a questão da

participação da população muito singelamente, e, portanto, estão pouco associados

à idéia de que o médico possui papel fundamental no estabelecimento dessa

participação.

O estímulo da participação popular, além de importante, não se

constitui em tarefa simples de se alcançar. Para tal, são necessárias estratégias e

ferramentas de trabalho fundamentais de serem trabalhadas na graduação, como

parte do perfil médico para atuar na Atenção Básica.

C) PROCESSO DE TRABALHO

O processo de trabalho na Atenção Básica possui uma lógica

diferente de outros níveis de atenção à saúde, relacionada às características que

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singularizam essa forma de atuação, dentre elas: o vínculo da equipe com a

comunidade; a responsabilização da equipe com as condições de saúde da

população, e, portanto, aplicação de ferramentas de trabalho com o acolhimento

para não haver exclusão social, negligência de situações de risco e estímulo a co-

participação do usuário; envolvimento no gerenciamento e planejamento, os quais

influenciam diretamente na rotina de trabalho; e o trabalho em equipe, constante e

dinâmico.

Portanto, somente o envolvimento prático e teórico do aluno com

essas atividades, ao longo do curso de graduação, possibilitará que o mesmo

adquira conhecimentos e habilidades para manejar uma rotina de trabalho na

Atenção Básica que prime pela qualidade e efetividades das ações em saúde.

C.1) Acolhimento e vínculo

No encontro entre profissionais da saúde e usuário, numa relação

intersubjetiva, deve ocorrer uma negociação, na qual o profissional tenta identificar

as necessidades do usuário e buscar a produção de um vínculo, com o objetivo de

estimular a autonomia quanto à saúde.

O encontro, em si, já se constitui em um valioso potencial

terapêutico, o qual precisa ser apreendido pelos profissionais de saúde, no processo

de trabalho cotidiano da equipe (TOGNOLI; BORGES, 2006).

Todavia, além do relacionamento humano, uma proposta de

acolhimento envolve também outros aspectos essenciais, como: postura ética e

profissional no contato com o usuário, tanto em seu processo de trabalho individual

quanto coletivo; ação gerencial da reorganização do processo de trabalho da

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Unidade de Saúde, para se melhorar o atendimento aos usuários; e ampliação da

capacidade de identificar e resolver as demandas individuais e coletivas

apresentadas pelos usuários (TOGNOLI; BORGES, 2006).

Essas demandas, individuais ou coletivas, explícitas ou não, inicia-

se bem antes do encontro entre o trabalhador da saúde e o usuário, ou da chegada

do usuário à Unidade de Saúde, uma vez que o acesso à Unidade de Saúde pelo

usuário é o primeiro passo para o estabelecimento de um acolhimento de qualidade

(RAMOS; LIMA, 2003).

Portanto, questões como eqüidade, satisfação do usuário e cuidado

longitudinal precisam estar incorporadas à prática cotidiana. E para tanto, os

profissionais devem estar capacitados a reorganizar as práticas dos serviços de

saúde, a partir da reflexão e problematização dos processos de trabalho junto à

equipe, negociação com gestores locais e elaboração de projetos terapêuticos

individuais e coletivos.

Os documentos descrevem o acolhimento de uma maneira geral,

sem serem específicos e, também, apontam direcionamentos sem objetividade com

relação às características que o profissional deve ter incorporadas em sua prática

para efetivar questões que envolvem o acolhimento e facilitam o vínculo.

C.2) Educação Permanente

Conforme discutido anteriormente, existe uma escassez no mercado

de trabalho de profissionais da saúde com perfil apropriado para atuar no Sistema

Único de Saúde, o que justifica a implantação de uma política de educação

permanente.

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Tanto que, em 13/02/2004, o Ministério da Saúde lançou a portaria

nº 198, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como

estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de

trabalhadores para o setor.

O objetivo central da educação permanente é a transformação do

processo de trabalho, buscando-se sempre uma melhoria da qualidade das ações e

serviços de saúde.

A educação permanente desempenha sua função, quando está envolvida numa prática de transformação, que traduz uma teoria dialética do conhecimento, como um processo de criação e recriação, desenvolvendo a reflexão crítica sobre sua prática/trabalho. A produção de conhecimentos em saúde caracteriza-se, então, como um processo gerado no trabalho, fundamentalmente participativo, já que resulta da confrontação de diferentes e complementares experiências entre a equipe de saúde e a comunidade (COSTA NETO, 2000, p.11).

A questão da educação permanente está abordada apenas por

alguns documentos e de forma muito geral, contraditoriamente à importância que o

Ministério tem procurado dar a essa pauta.

Todavia, o aprendizado contínuo e a atualização de conhecimentos

são fundamentais para qualquer profissional da saúde.

C.3) Educação em Saúde (Educação Sanitária)

As ações de promoção de saúde e os conhecimentos e habilidades

para executar essas ações pelos profissionais da saúde foram discutidas

previamente nesse capítulo.

Por outro lado, além das ações de promoção, os profissionais de

saúde possuem a responsabilidade também da educação sanitária, ou seja, a

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responsabilidade da prevenção de doenças específicas e manejo de grupos de

risco.

Uma das ferramentas para se realizar prevenção de doenças é a

educação sanitária que, conforme citada por quase todos os documentos, faz parte

também das ações de um médico na Atenção Básica.

E, portanto, um curso de graduação deve instrumentalizar seus

alunos para realizar práticas educativas sanitárias, estimulando-se o uso de uma

pedagogia problematizadora e participativa que incentive a autonomia dos usuários,

e não a tradicional educação bancária.

C.4) Planejamento das ações

Com a regionalização do sistema de saúde, as ações em saúde

passaram a ser mais específicas e de acordo com a realidade local. Cada equipe da

Estratégia Saúde da Família fica responsável por certo território, que pode ser

entendido como a área de abrangência, determinada por critérios de acessibilidade

geográfica e de fluxo da população.

Como o estado de saúde e doença da população não é estanque ou

isolado e está determinado por vários fatores, como já discutido, as ações de saúde

que serão executadas em uma comunidade precisam ser baseados em dados e

informações coletados através de um diagnóstico comunitário.

Todos os documentos analisados mostram como característico do

médico de família o planejamento das ações, o que torna fundamental a exploração

desse tema na graduação. E alguns, como os documentos do Ministério da Saúde,

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inclusive trazem conhecimentos e habilidades específicas com relação ao

planejamento.

C.5) Trabalho em equipe

Trabalhar na Atenção Básica implica no trabalho em equipe, apesar

de notar-se que, muitas vezes, diferentes profissionais compartilham do mesmo

espaço físico, mas executam suas ações isoladamente, com perda da noção de uma

abordagem integral do usuário.

O conhecimento produzido em qualquer área do saber, por mais

vasto que seja, representa de maneira parcial e limitada a realidade; o trabalho em

equipe, por outro lado, supõe, necessariamente, a superação dos limites colocados

pela visão disciplinar. Sendo assim, os profissionais que conseguem transcender o

trabalho disciplinar para o trabalho em equipe oportunizam, com maior facilidade, a

realização de diagnósticos comunitários, planejamento das ações, atendimento

integral e educação em saúde.

Portanto, o denominador comum para se trabalhar em equipe é a

comunicação entre os profissionais, uma comunicação que seja permanente e

efetiva. Na avaliação periódica desses padrões de comunicação pela equipe, é que

se pode identificar as dificuldades e procurar soluções conjuntas, como um espaço

de pactuação permanente.

A mudança para se criar espaços interdisciplinares, em que a

comunicação entre os diferentes profissionais esteja facilitada, deve iniciar na

graduação e de forma longitudinal durante o curso, para que essa prática fique

impregnada na rotina profissional. Torna-se muito mais difícil modificar a postura de

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um profissional habituado a atuar isoladamente, para atuar em conjunto, pois se

trata de reaprender a prestar seus serviços de uma forma diferente e também mais

integral.

C.6) Trabalho individual generalista

Todas as características discutidas até aqui fariam parte,

justamente, da nova proposta de atuação do profissional médico na Atenção Básica.

Até o momento, as propostas são, de alguma forma, inovadoras.

Já o trabalho individual parece não trazer muitas novidades com

relação ao que já se vem trabalhando na graduação e na atuação dos médicos em

geral. As únicas especificidades que podemos notar é a noção de se trabalhar com

diagnósticos apenas baseados na prevalência da população, dispensando-se

conhecimentos muito aprofundados ou especializados no âmbito da graduação. E

também, a incorporação da visita domiciliar como papel do médico da Atenção

Básica, que pode ser considerada como uma atitude integral e acolhedora.

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5 A DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DA UNIVALI

DENTRO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVALI - ESTUDO DE CASO

Com o intuito de avaliar quais são as práticas curriculares

desenvolvidas pela disciplina de Medicina Familiar e Comunitária do curso de

Medicina da UNIVALI, por meio de seus planos de ensino, e sua inserção na matriz

curricular do curso, realizo uma análise de conteúdo documental, conforme

metodologia demonstrada no capítulo anterior, dos seguintes documentos:

1. Projeto pedagógico do curso de Medicina da UNIVALI/CCS

(2006), no qual foram encontrados os objetivos do curso e o perfil do profissional

egresso, matriz curricular, ementas e bibliografia de todas as disciplinas, e

características pedagógicas.

2. Planos de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária

do 5º ao 11º período do curso, nos quais analiso o objetivo geral, a ementa, os

conteúdos programáticos e a bibliografia básica recomendada.

Primeiramente apresento dados do projeto pedagógico do curso que

auxiliam o entendimento do contexto em que a disciplina de Medicina Familiar e

Comunitária está localizada no curso, e algumas características do modelo

biomédico presentes no currículo do curso.

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131

5.1 PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVALI

5.1.1 Contexto Geral do Projeto Pedagógico

A última edição do projeto pedagógico do curso de Medicina da

UNIVALI, datado de 2006, descreve aspectos gerais e específicos do curso: a

questão ética, a missão do curso, objetivos gerais e específicos, perfil do profissional

egresso, os referenciais educacionais, pedagógicos e metodológicos utilizados, os

programas de integração entre os ciclos básico e clínico, e as atividades

multidisciplinares.

O projeto também contextualiza o curso citando as condições do

mercado de trabalho, informações gerais sobre os discentes e os docentes, a

organização curricular, as atividades complementares e os eventos acadêmicos.

A produção do projeto é realizada por uma comissão, e editado

como documento de uso interno do curso. E, portanto, não tem veiculação externa,

estando disponível na coordenação do curso para consulta.

O curso de Medicina da UNIVALI, criado a partir da Resolução

nº008/CEPE/97, de 11 de março de 1997 e Resolução 007/CUn/97, de 7 de abril de

1997, foi implantado no dia 23 de março de 1999 nas dependências do Campus I

(Itajaí) (UNIVALI, 2006).

O objetivo geral do curso, conforme consta na pág. 22 do projeto

pedagógico (UNIVALI, 2006)16, é:

16 N a s p r ó x i m a s c i t a ç õe s o s g r i f o s s ã o d a d o s t o d o s pe l o a u t o r .

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Formar o médico generalista e policlínico, capaz de atuar na investigação, na prevenção e no tratamento das doenças, promovendo a saúde de pessoas e comunidade, voltado especialmente para as atividades do “médico de família”.

E um dos objetivos específicos é:

Formar médicos generalistas com capacidade para a prevenção, investigação e tratamento das doenças, promovendo a saúde individual e coletiva, voltado especialmente para a Atenção Primária da saúde e integrado nos programas de “saúde da família”.

Portanto, o perfil do profissional egresso:

O profissional médico generalista e policlínico tem sua formação embasada numa concepção integral de saúde, competente, técnica, científica e politicamente para atuar na promoção de saúde integral do cidadão.

Como se pode perceber no delineamento dos objetivos e do perfil do

profissional egresso, a formação do aluno de graduação em Medicina na UNIVALI

está direcionada para uma abordagem generalista e da Medicina Familiar,

envolvendo o conceito de integralidade e promoção da saúde com ênfase de

atuação na Atenção Básica.

A matriz curricular do curso é composta por 12 semestres letivos,

divididos em 8 semestres básicos e pré-clínicos e 4 semestres de Internato Médico,

totalizando 8.250 horas/aula (550 créditos) em regime de tempo integral. A seguir,

apresento a disposição dessas disciplinas e a matriz curricular correspondente a

cada ciclo para facilitar a visualização pelo leitor.

O projeto pedagógico do curso demonstra que as disciplinas do

curso são distribuídas em três grandes ciclos: Estudo do Homem Sadio (ciclo

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básico), Estudo dos Mecanismos de Agressão e Defesa do Organismo Humano

(ciclo pré-clínico) e o Estudo do Homem Doente (ciclo clínico ou pré-clínico).

O ciclo básico com duração de 2 anos (1.740 horas) agrupa,

segundo o projeto pedagógico do curso:

[...] disciplinas com conteúdos básicos específicos, necessários ao conhecimento do homem normal como Anatomia Humana, Citologia, Histologia, Fisiologia, Biologia Molecular e Embriologia, mas já introduz conhecimentos de atenção à saúde (Organização dos Serviços de Saúde) e disciplinas clínicas (Genética Médica, Semiologia Médica), além das disciplinas de Crescimento e Desenvolvimento Humano (que também abordam situações de anormalidade no desenvolvimento e o processo de envelhecimento)

Para o “Estudo dos Mecanismos de Agressão e Defesa do

Organismo Humano” a matriz curricular está disposta pelas disciplinas do ciclo pré-

clínico com duração também de dois anos (1.980 horas) que são: Anatomia

Patológica, Microbiologia Médica, Parasitologia Médica, Epidemiologia e

Bioestatística, Doenças Infecciosas e Parasitárias.

Nesse ciclo pré-clínico, também integram as disciplinas necessárias

para a compreensão da Clínica Geral e da Medicina Familiar e Comunitária:

Medicina Preventiva, Medicina Familiar e Comunitária, Medicina Ocupacional,

Diagnóstico por Imagens, Clínica Médica e Clínica Cirúrgica, Pediatria e Ginecologia

e Obstetrícia.

As disciplinas com os conteúdos necessários à formação

humanística do médico são: Antropologia, Sociologia e História da Medicina, no

primeiro período, Psicologia Médica, no sexto período, e a disciplina de Ética

Médica, ofertada do primeiro ao oitavo período.

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O Internato Médico é composto por cinco estágios obrigatórios,

Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia e Medicina

Familiar e Comunitária, desenvolvido em dois anos e com 4.500 horas se acrescidos

os plantões.

Para situar melhor como as disciplinas estão distribuídas ao longo

do curso, e a carga horária destinada a cada uma, apresento a seguir a matriz

curricular do curso de Medicina na Tabela 2.

Tabela 2 – Matriz curricular do curso de Medicina.

Períodos Disciplinas Créditos C/H

1

Anatomia Humana 12 180 Histologia 06 090 Embriologia Humana 04 060 Antropologia 02 030 Sociologia 02 030 Ética Médica 01 015 Total carga horária 1º período 27 405

2

Anatomia Humana 12 180 Histologia 08 120 Metodologia Científica 02 030 Crescimento e Desenvolvimento Humano 02 030 Ética Médica 01 015 História da Medicina 01 015 Total carga horária 2º período 26 390

3

Imunologia Básica 04 060 Genética Médica 03 045 Fisiologia Humana e Biofísica 08 120 Organização dos Serviços de Saúde 02 030 Anatomia Humana 08 120 Química Fisiológica 04 060 Ética Médica 01 015 Total carga horária 3º período 30 450

4

Biologia Molecular 04 060 Epidemiologia e Bioestatística 03 045 Ética Médica 01 015 Fisiologia Humana e Biofísica 06 090 Imunopatologia 03 045 Microbiologia Médica 04 060 Parasitologia Médica 04 060 Patologia Geral 04 060

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Semiologia Médica 04 060 Total carga horária 4º período 33 495

5

Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 06 090 Clínica Cirúrgica 06 090 Doenças Infecciosas e Parasitárias 02 030 Diagnóstico por Imagens 03 045 Ética Médica 01 015 Farmacologia e Terapêutica 06 090 Medicina Preventiva 03 045 Medicina Familiar e Comunitária 02 030 Patologia Clínica 02 030 Total carga horária 5º período 33 495

6

Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 06 090 Clínica Cirúrgica 06 090 Diagnóstico por Imagens 02 030 Ética Médica 01 015 Medicina Familiar e Comunitária 04 060 Medicina Legal 02 030 Medicina Ocupacional 02 030 Pediatria 06 090 Psicologia Médica 02 030 Total carga horária 6º período 33 495

7

Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 06 090 Clínica Cirúrgica 06 090 Diagnóstico por Imagens 02 030 Ética Médica 01 015 Ginecologia 04 060 Medicina Familiar e Comunitária 04 060 Pediatria 04 060 Psiquiatria 04 060 Total carga horária 7º período 33 495

8

Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 05 075 Clínica Cirúrgica 05 075 Diagnóstico por Imagens 02 030 Ética e Bioética 02 030 Geriatria 02 030 Medicina Familiar e Comunitária 03 045 Obstetrícia e Medicina Fetal 06 090 Pediatria 02 030 Pediatria (Cirúrgica) 02 030 Nutrição 02 030 Total carga horária 8º período 33 495

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9

Medicina Familiar e Comunitária 25 375 Ginecologia e Obstetrícia 25 375 Pediatria 25 375 Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) 02 030 Total carga horária 9º período 77 1155

10 Medicina Familiar e Comunitária 25 375 Clínica Médica 25 375 Clínica Cirúrgica 25 375 Total carga horária 10º período 75 1125

11 Medicina Familiar e Comunitária 25 375 Ginecologia e Obstetrícia 25 375 Pediatria 25 375 Total carga horária 11º período 75 1125

12 Clínica Médica 25 375 Clínica Cirúrgica 25 375 Estágio Optativo Obrigatório 25 375 Total carga horária 10º período 75 1125 Total geral da carga horária 550 8250

Fonte: UNIVALI, 2006.

Essa divisão da estrutura da matriz curricular em três ciclos provém

do Relatório Flexner de 1910, que, por exemplo, ao descrever o ciclo básico,

chamado de laboratorial, sugere a inclusão das seguintes disciplinas: anatomia,

incluindo histologia e embriologia; e fisiologia, incluindo bioquímica para o primeiro

ano; e farmacologia, patologia, bacteriologia e diagnóstico físico para o segundo ano

(CUTOLO, 2001).

Das 22 disciplinas que compõe o ciclo básico, apenas 4 estão

direcionadas à formação ética e social do aluno, representada pela Antropologia,

Sociologia, Ética Médica e História da Medicina. O restante (18) está voltado para a

formação biológica e clínica, conforme demonstra a tabela 3 a seguir:

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Tabela 3 – Distribuição das disciplinas do ciclo básico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo seus objetivos.

Objetivo da disciplina Quantidade de disciplinas Porcentagem Formação biológica/clínica 18 81,82 % Formação ética e social 4 18,18 %

Fonte: UNIVALI, 2006.

Quando analisamos a distribuição da carga horária destinada a cada

uma delas, notamos com maior nitidez a predominância da formação

biológica/clínica, conforme a tabela 4 a seguir:

Tabela 4 – Distribuição das disciplinas do ciclo básico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo a distribuição da carga horária.

Objetivo da disciplina Quantidade de horas Porcentagem Formação biológica/clínica 1605 92,24 % Formação ética e social 135 7,76 %

Fonte: UNIVALI, 2006.

Nas disciplinas do ciclo pré-clínico, do 5º ao 8º período, a tendência

se mantém, conforme demonstrado nas tabelas 5 e 6 a seguir:

Tabela 5 – Distribuição das disciplinas do ciclo pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo seus objetivos.

Objetivo da disciplina Quantidade de disciplinas Porcentagem Formação biológica/clínica 18 90 % Formação ética e social 2 10 %

Fonte: UNIVALI, 2006.

Tabela 6 – Distribuição das disciplinas do ciclo pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo a distribuição da carga horária.

Objetivo da disciplina Quantidade de horas Porcentagem Formação biológica/clínica 1875 93,9 % Formação ética e social 120 6,1 %

Fonte: UNIVALI, 2006.

Outro fato importante de se notar encontra-se na carga horária

destinada a disciplina de Ética Médica, uma das disciplinas destinadas à formação

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humanística e social do aluno, que apesar de a mesma estar presente na matriz

curricular do 1º ao 8º período, com exceção do 8º período, no qual a disciplina

possui dois créditos, no restante dos períodos destina-se apenas um crédito.

Por exemplo, se somarmos a carga horária destinada a essa

disciplina durante todo o curso, que perfazem 135 horas/aula, o resultado é menor

que a carga horária da disciplina de Anatomia Humana só do 1º período (180

horas/aula).

Ou seja, apesar da importância que parece ser dada pelo curso para

as disciplinas voltadas à formação ética e social do aluno, quando demonstrada sua

real representatividade dentro do curso, a característica do biologismo pode ser

inferida, a qual representa um dos elementos estruturantes do modelo biomédico.

5.1.2 A disciplina de Medicina Familiar e Comunitária e o Projeto Pedagógico

Com relação à disciplina de Medicina Familiar e Comunitária,

podemos fazer inferências semelhantes às apresentas com relação às disciplinas

voltadas à formação ética e social.

A primeira vez que a disciplina aparece na matriz curricular é no 5º

período, e desse momento até o 11º está presente em todos os períodos, sendo que

no 12º aparece dentre uma das opções de estágio obrigatório optativo, a qual não

será incluída na análise, por se tratar de um estágio optativo, e portanto não

realizado por todos alunos.

As tabelas 7 e 8 a seguir demonstram comparativamente a carga

horária destinada à disciplina de Medicina Familiar e Comunitária com relação às

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outras quatro disciplinas que representam a grandes áreas da Medicina, no ciclo

pré-clínico, e no internato médico.

Tabela 7 – Apresentação das cinco disciplinas que representam as cinco grandes áreas da Medicina no ciclo pré-clínico, segundo a distribuição da carga horária.

Disciplina Quantidade de horas Porcentagem Ginecologia e Obstetrícia 150 7,57% Medicina Familiar e Comunitária 195 9,84% Pediatria 210 10,61% Clínica Médica 345 17,43% Clínica Cirúrgica 345 17,43% Restante das disciplinas 735 37,12% Total de disciplinas 1980 100%

Fonte: UNIVALI, 2006.

Tabela 8 – Apresentação das cinco disciplinas que representam as cinco grandes áreas da Medicina no internato médico, excluindo a disciplina do TCC e do estágio optativo obrigatório, segundo a distribuição da carga horária.

Disciplina Quantidade de horas Porcentagem Clínica Médica 750 18,18% Clínica Cirúrgica 750 18,18% Pediatria 750 18,18% Ginecologia e Obstetrícia 750 18,18% Medicina Familiar e Comunitária 1125 27,28%

Total de disciplinas 4125 100% Fonte: UNIVALI, 2006.

A partir dessas comparações, podemos notar a diferença na

distribuição de carga horária no ciclo pré-clínico e no internato médico para a

disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, uma vez que no internato a maior

dedicação de carga horária está compatível com a proposta do curso.

Contudo, no ciclo pré-clínico essa observação não acontece, já que

a disciplina de Medicina Familiar e Comunitária somente possui maior carga horária

que a disciplina de Ginecologia e Obstetrícia, e possui quase a metade, se

comparada às disciplinas de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica.

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Dessa forma, a ênfase destinada à formação do “[...] médico

generalista [...] voltado especialmente para as atividades do médico de família”,

quando analisada sob a óptica da representatividade da disciplina de Medicina

Familiar e Comunitária no curso, pode ser constatada no internato médico, mas não

no ciclo pré-clínico.

E, apesar de quase a metade da carga horária (90 das 195 horas)

dentro da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária estar destinada a atividades

práticas, o que está de acordo com as recomendações das Diretrizes Curriculares

Nacionais, sobram apenas 105 horas para se contemplar toda a parte teórica.

5.1.3 A Saúde Coletiva no curso de Medicina da UNIVALI

Com relação aos conteúdos de Saúde Coletiva, na matriz curricular

encontram-se as seguintes disciplinas relacionadas a esse campo de estudo:

Antropologia, Sociologia, Organização dos Serviços de Saúde, Medicina Preventiva

e Medicina Familiar e Comunitária. E, quando analisamos comparativamente a carga

horária destinada a essas disciplinas nos ciclo básico e pré-clínico, podemos

verificar a pouca ênfase dada ao curso para a Saúde Coletiva, conforme a tabela 9 a

seguir.

Tabela 9 – Distribuição da carga horária dos conteúdos relacionados ao campo saúde coletiva em comparação ao restante dos conteúdos nos ciclos básico e pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI.

Disciplinas Carga horária Porcentagem Restante 3390 91,13 % Saúde Coletiva 330 8,87 %

Fonte: UNIVALI, 2006.

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Voltando agora apenas para a disciplina de Medicina Familiar e

Comunitária, a qual deveriam estar destinados assuntos de Saúde Coletiva, uma vez

que essa disciplina não existe formalmente na matriz curricular, podemos notar outra

inconsistência: quando analisamos os conteúdos teóricos, a partir dos planos de

ensino dessa disciplina, que são destinados ao campo da Saúde Coletiva no ciclo

pré-clínico, conforme demonstrado na tabela 10 a seguir, podemos notar a pouca

representatividade desse campo dentro da disciplina.

Tabela 10 – Distribuição da carga horária dos conteúdos clínicos e de saúde coletiva na disciplina de Medicina Familiar e Comunitária do ciclo pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI.

Conteúdo Carga horária Porcentagem Clínico 71 67,62 % Saúde Coletiva 34 32,38 %

Fonte: UNIVALI, 2006.

Em suma, as características do perfil desejado em um médico

generalista, com atuação na Atenção Básica, conforme demonstrado na análise dos

documentos oficiais, e os objetivos propostos pelo projeto pedagógico do curso,

necessitam tanto de conteúdos teóricos quanto práticos relacionados à Saúde

Coletiva, incompatíveis com a carga horária destinada ao estudo dessa área.

E com relação ao internato médico, o curso demonstra dar ênfase à

Saúde Coletiva, todavia, nos ciclos básico e pré-clínico não, o que nos parece

dificultar ao curso alcançar os objetivos de formação ao qual se propõe.

5.2 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 5º PERÍODO

O plano de ensino tem como objetivo geral:

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Conhecer os princípios básicos da Medicina de Família e Comunidade; discutir seu exercício enquanto proposta de Atenção Primária à Saúde e especificidades relativas a seu modelo.

E a seguinte ementa:

Aspectos históricos e princípios da Medicina Familiar e Comunitária (MFC). Doença e a Comunidade. Método e raciocínio clínico em MFC. Medicina ambulatorial.

Tanto o objetivo geral, quanto a ementa da disciplina contemplam o

conhecimento dos princípios básicos da Medicina de Família e Comunidade e sua

relação com a Atenção Primária, essenciais para iniciar a abordagem do assunto.

Entretanto, de acordo com o Projeto Pedagógico do curso, a Medicina Familiar é o

eixo estruturante do curso, e para um curso com 12 semestres, e 8 de parte teórica,

a inserção e apresentação desses conteúdos parece ser um pouco tarde.

Outro aspecto que podemos notar é que devido a pouca carga-

horária destinada a essa disciplina ao longo do curso, há uma sobrecarga de

assuntos importantes para um curto espaço de tempo. Como exemplo, podemos

observar a Unidade 1 de conteúdos da disciplina desse período:

Aspectos históricos e princípios da Medicina Familiar e Comunitária (MFC); apresentação da Medicina de Família e Comunidade e seu contexto histórico, Atenção Primária e SUS; rede de laços sociais na comunidade; determinantes do processo saúde doença; doença, sofrimento e cura; vivência prática na comunidade dos conteúdos teóricos.

Essa unidade está prevista para ser abordada com apenas 8 horas-

aula (h.a.). Ou seja, cada um dos itens apresentado merece discussões profundas e

de maneira transversal ao longo do curso, e não apenas em 8 h.a. e em apenas uma

disciplina.

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Notamos no trecho acima também um pequeno erro de disposição.

A parte “vivência prática na comunidade dos conteúdos teóricos” deveria estar

contemplada nas estratégias. Mas, mesmo assim, o plano não especifica como é

realizada a vivência prática, por exemplo, se é realizada em unidades básicas de

saúde, com interação das equipes, ou se é apenas acompanhada pelos professores.

O número de professores responsáveis pela disciplina é de três, e as

turmas possuem em torno de 30 alunos. Dessa forma, essa interação ficaria

prejudicada sem a colaboração de outros profissionais.

No cronograma aparece a turma dividida em duas, e com 4 h.a. de

atividade na comunidade cada, divididas em dois dias. Essa carga horária é irrisória

quando pensamos na importância desses assuntos dentro do curso. Mas, frente à

disponibilidade que a disciplina possui, de 30 h.a., não há como ser diferente.

Com relação à bibliografia de apoio, o plano de ensino aponta um

livro para essa unidade: “Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em Atenção

Primária baseadas em evidências.”17 Esse livro dedica-se eminentemente à

apresentação de doenças prevalentes e suas condutas no âmbito da Atenção

Primária.

Das treze seções que possui, separa uma aos aspectos teóricos da

Atenção Primária, chamado “Fundamentos e práticas em Atenção Primária à

Saúde”, e nessa seção, dos treze capítulos, dedica quatro para alguns dos assuntos

da unidade 1 do plano de ensino: “Aspectos históricos e princípios da Medicina

Familiar e Comunitária (MFC); apresentação da Medicina de Família e Comunidade

17 DUNCAN, B. e col. Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em Atenção Primária baseadas em evidências. Editora Artmed, 2004.

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e seu contexto histórico, Atenção Primária e SUS”. Sendo que a abordagem é feita

de maneira introdutória e sem aprofundamento, até por que não é a proposta do

livro. Por exemplo, no capítulo “O Sistema de Saúde no Brasil”, após breve

introdução, o autor trabalha apenas com as diretrizes doutrinárias e organizativas do

SUS.

E o livro não aborda os seguintes assuntos: “rede de laços sociais

na comunidade; determinantes do processo saúde doença; doença, sofrimento e

cura”, referidos no plano de ensino.

Com relação à bibliografia, o plano não aponta outros livros além do

citado anteriormente, que está especificamente ligado à unidade 1. As outras

unidades não possuem referência.

Na bibliografia básica, estão apontadas outras quatro referências,

dentre elas, uma aprofunda um dos assuntos da primeira unidade, a “rede de laços

sociais na comunidade”: A rede social na prática sistêmica: alternativas

terapêuticas18. O livro trabalha com conceitos gerais e específicos sobre o tema,

abordando também as relações familiares. Entretanto, esses assuntos não podem

ser abordados de maneira tão profunda diante de uma carga horária de 8 h.a. para a

unidade em que apenas um dos assuntos é esse.

As outras três unidades apresentadas pelo plano de ensino, apesar

de não possuírem a densidade de conteúdos da primeira, são pertinentes com

relação à proposta de ensino da Saúde Coletiva. Os títulos das unidades são:

doença e comunidade, método e raciocínio clínico em MFC e Medicina Ambulatorial.

18 SLUZKI, C. E. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

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5.3 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 6º PERÍODO

O plano de ensino tem como objetivo geral:

Discutir a atenção materno-infantil, dentro da ótica da Medicina Familiar, abordando e enfatizando os aspectos curativos, preventivos e reabilitadores em nível domiciliar, escolar e comunitário, para o bom desenvolvimento da criança e do adolescente.

E a seguinte ementa:

Linhas de cuidado de atenção integral à saúde da criança. Instrumentos de gestão dos serviços de saúde. Crescimento e desenvolvimento. Atenção integral à saúde bucal. Violência infantil. Atenção à criança portadora de necessidades especiais. Prevenção de acidentes. Saúde Mental. Atividades em saúde escolar. Atendimento ambulatorial de Medicina Familiar e Comunitária. Atividades de vigilância à saúde na comunidade.

A partir da observação dessa ementa, podemos inferir que os

conteúdos abordados por essa disciplina mesclam assuntos relacionados à Saúde

da Criança e assuntos de Saúde Coletiva.

Os assuntos de saúde coletiva são: instrumentos de gestão dos

serviços de saúde, e atividades de vigilância à saúde na comunidade.

Com exceção dos assuntos de violência infantil e atenção à criança

portadora de necessidades especiais, os quais, a partir do conteúdo trabalhado

ampliam o conceito do processo saúde-doença, o restante dos assuntos está mais

relacionado ao ensino da pediatria.

Inclusive, ao consultar o cronograma de atividades da Pediatria do

6º período, e observarmos a ementa dessa disciplina, podemos notar uma

sobreposição de alguns assuntos:

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Aspectos gerais da assistência à criança e ao adolescente. Crescimento e desenvolvimento. Alimentação da criança e do adolescente. Semiologia pediátrica. Prevenção de infecções e enfermidades infecto-contagiosas. Carências nutricionais. Infecção das vias aéreas. Adolescência.

A sobreposição se torna mais notável ao observarmos alguns

conteúdos abordados pelas unidades do conteúdo programático

Unidade 1 – Linhas de cuidado de atenção integral à saúde da criança: 1.1 ações de saúde da mulher; 1.2 ações de saúde da gestante/RN; 1.3 primeira semana da saúde integral da criança; 1.4 alimentação saudável; 1.5 atenção às doenças prevalentes; 1.6 outros cuidados gerais da atenção integral à saúde da criança.

Ainda que a abordagem dada aos assuntos seja diferente, seria

relevante a maior interação dos conteúdos e dos professores, e deve-se lembrar que

a premissa de um curso com objetivo geral de formar um médico generalista seja

que todas as disciplinas, incluindo as clínicas, abordem os assuntos baseados na

prevalência e a partir da concepção ampliada do processo saúde-doença.

E ao consultar os títulos das bibliografias básicas sugeridas,

podemos notar novamente a influência da pediatria nessa disciplina: 1.

Fonoaudiologia em pediatria; 2. Pediatria na Atenção Primária; 3. Pediatria básica; 4.

Tratado de Medicina familiar; 5. Manual de Medicina ambulatorial de Baker.

Ao mesmo tempo em que constatamos também a ausência de livros

com conteúdos eminentemente de Saúde Coletiva.

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5.4 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 7º PERÍODO

O plano de ensino tem como objetivo geral:

Analisar a atenção à saúde da mulher e do adulto na visão da Medicina Familiar, abordando e enfatizando os aspectos preventivos nos níveis domiciliar e comunitário.

E a seguinte ementa:

Ambulatório de Medicina Familiar. Hipertensão Arterial Sistêmica. Diabetes Mellitus. Dislipidemias. Osteoartrites, dor lombar e osteoporose. Manejo do câncer a nível ambulatorial e domiciliar e da dor crônica. Depressão e Ansiedade. Problemas ginecológicos comuns no ambulatório de MFC I. Problemas ginecológicos comuns no ambulatório de MFC II. Pré-natal de baixo risco. Climatério, menopausa e andropausa. Violência à mulher. Álcool, tabagismo e outras drogas. Interações medicamentosas.

Existe um conteúdo eminentemente clínico e biologicista abordado

por essa disciplina, além de uma mescla de assuntos sem um denominador comum.

Além disso, os conteúdos das unidades abordam apenas os aspectos do tratamento

e prevenção. Por exemplo:

UNIDADE 2 – Hipertensão Arterial Sistêmica: 2.1 – Prevalência, 2.2 – Conceito; 2.3 – Classificação; 2.4 – Diagnóstico; 2.5 – Tratamento não medicamentoso; 2.6 – Tratamento medicamentoso; 2.7 – Prevenção da HAS e dos fatores de risco; 2.8 Complicações; 2.9 – Abordagem da HAS pela MFC.

E, novamente, observamos uma repetição dos conteúdos, quando

verificado no cronograma das disciplinas uma aula sobre Hipertensão Arterial

Sistêmica na disciplina de Clínica Médica do 5º período.

Os títulos dos livros encontrados na bibliografia básica, também não

aprofundam assuntos de Saúde Coletiva: 1. Projeto Diretrizes; 2. Medicina

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Ambulatorial: condutas de Atenção Primária baseadas em evidências; 3. Tratado de

Medicina de Família.

5.5 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 8º PERÍODO

O plano de ensino tem como objetivo geral:

O aluno deverá adquirir no final do período letivo conhecimento básico sobre a abordagem do paciente idoso, bem como estar apto a entrevistar, examinar e fazer diagnósticos clínicos e psicossociais no contexto familiar e comunitário onde o geronte está inserido.

E a seguinte ementa:

Introdução a Medicina do Idoso. Aspectos da Propedêutica do Idoso. Institucionalização do Idoso.

Levando-se em consideração a bibliografia básica apresentada com

os seguintes títulos: 1. Geriatria prática; 2. Gerontologia: a velhice e o

envelhecimento em visão globalizada.

Somado ao fato de existir uma disciplina de Geriatria no mesmo

período do curso, ministrada pelos mesmos professores, e com a seguinte ementa:

O envelhecimento humano. A avaliação do paciente geriátrico. Aspectos geriátricos das principais morbidades do paciente idoso. Geriatria preventiva. Atividades práticas.

Tem-se a impressão que as duas disciplinas são complementares,

todavia, ambas relacionadas apenas a especialidade médica da Geriatria, e não da

Medicina Familiar e Comunitária.

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Não se discute aqui a importância dessa disciplina (Geriatria) dentro

do curso, mas se a carga horária de 30h não está sendo suficiente para conseguir

se abordar todos os conteúdos necessários, deve-se fazer uma discussão da

ampliação da carga horária da mesma, sem estar utilizando a carga horária da

disciplina de Medicina Familiar e Comunitária para esse fim.

5.6 PLANOS DE ENSINOS DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DO

INTERNATO MÉDICO

A opção pela análise dos planos de ensino, das disciplinas do

internato médico, em conjunto, partiu da verificação de que os três planos de ensino

(9º, 10º e 11º períodos) possuem o mesmo conteúdo.

O objetivo geral dos planos de ensino é:

Prestar assistência, sob supervisão, na prevenção e resolução dos problemas de saúde freqüentes nos indivíduos, famílias ou comunidades, independentemente da idade ou sexo e do órgão ou sistema afetado, realizando visitas domiciliares, hospitalares, história clínico-social e atividades clínico assistenciais.

E possuem a seguinte ementa:

Conteúdos essenciais em MFC. Atividades Práticas: Atendimento ambulatorial em Atenção Primária, visitas domiciliares e hospitalares, oficinas de educação em saúde, atendimento em escolas, creches e orfanatos, procedimentos de enfermagem. Atendimento de emergência/urgência no Hospital. Plantões. Cirurgias Ambulatoriais. Reuniões Clínicas. Atividade Acadêmica Integrada.

Os conteúdos e temas abordados pelo plano de ensino contemplam

uma ampla abrangência de assuntos, assim como também são amplas as atividades

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que constam na ementa. E, muitas vezes se mostram incompatíveis com a proposta

de um estágio na Atenção Básica, conforme demonstrado a seguir:

Por exemplo, na unidade 1, aparecem temas como: [...] Reposição

hidroeletrolítica; [...] 1.3.4 ATLS 1ª parte; 1.3.5 ATLS 2ª parte; [...]; 1.3.7 Trauma

abdominal. E na unidade 2: [...] 2.7.1 Princípios de assepsia médico-cirúrgica; 2.7.2

Histórico de controle de infecção hospitalar; 2.7.3 Termos utilizados na assepsia

médico-cirúrgica; 2.7.4 Lavagem de mãos; 2.7.4 Medidas de prevenção de infecção

hospitalar.

Todavia, em nenhum dos planos consta como acontecem as

atividades no cotidiano, por exemplo, se a inserção do aluno acontece em Unidades

Básica de Saúde, em ambulatórios, ou até em hospitais (já que consta da ementa).

Dessa forma a avaliação dos planos de ensino do internato médico

fica prejudicada.

5.7 CONFRONTAÇÃO ENTRE OS DOCUMENTOS E OS PLANOS DE ENSINO

Quando confrontados os planos de ensino da Medicina Familiar e

Comunitária com os documentos oficiais, podemos notar a disparidade existente

entre a ênfase dada às características do profissional.

Durante a discussão, já foi comentado a importância de cada

característica em separado, mas, em seguida, a fim de melhor demonstrar essas

diferenças, exponho quadros ilustrativos que representam a ênfase de cada item por

meio de cruzes, variando de um traço quando não há menção sobre a característica,

a quatro cruzes, a máxima gradação atribuída.

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5.7.1 Integralidade

DOCUMENTOS UNIVALI

Ações integradas ++++ ---

Integralidade da atenção +++ ---

Conceito ampliado do

processo saúde doença ++++ +

Papel social do médico +++ ---

5.7.2 Participação

DOCUMENTOS UNIVALI

Educação em saúde ++ ---

Participação ++ ---

5.7.3 Processo de trabalho

DOCUMENTOS UNIVALI

Acolhimento e vínculo +++ ---

Educação permanente +++ ---

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Educação em saúde +++ ++

Planejamento das ações +++ +

Trabalho em equipe +++ +

Trabalho individual

generalista +++ ++++

Notamos, a partir dessa comparação, que os conteúdos

programáticos da disciplina estão focados no trabalho individual generalista, fato que

denota ainda a forte influência do modelo tradicional do currículo médico. Esse fato

se torna ressaltado por estar dentro de uma disciplina mais abrangente, e que

deveria contemplar conteúdos focados na formação de um profissional mais

humano, crítico e reflexivo.

Obviamente, não depende somente de uma disciplina essa

formação ampliada, contudo, reforço mais uma vez que, pela ênfase do curso na

formação do médico de família, assim como das próprias necessidades de saúde da

população, esse quadro minimamente faz pensar...

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para elaboração dessas considerações, parto do pressuposto que a

disciplina de Medicina Familiar e Comunitária em seu contexto dentro do curso de

Medicina da UNIVALI deva dar conta, juntamente a outras disciplinas, da formação

humanística e social do aluno e dos assuntos relacionados à Saúde Coletiva.

Existe clareza na idéia de que uma mudança apenas na disciplina de

Medicina Familiar e Comunitária não dará conta isoladamente de resolver o

problema da inconsistência na formação médica em direção a integralidade, mas

pode ser o desencadeante para suscitar mudanças mais profundas.

E mudar, não se trata de abandonar a prática médica clínica

tradicional, mas redimensioná-la numa prática mais humanizada, crítica e reflexiva,

que veja a pessoa como um todo em suas relações e amplie as possibilidades de

resolubilidade.

A principal justificativa para essa mudança na formação dos alunos

de graduação da área da saúde está centrada na incongruência entre o perfil

inadequado do profissional formado pela lógica do modelo flexneriano hegemônico e

as reais necessidades de saúde da população.

Entretanto, o principal mecanismo indutor de mudança não está

centrado nessa incongruência, mas sim na mudança do mercado de trabalho e no

menor custo para a gerência dos serviços públicos com um sistema de saúde eficaz

e baseado na Atenção Primária.

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Ou seja, existe uma demanda crescente por profissionais de saúde

que saiam mais completos de suas graduações. Completo no sentido de não ficar

tão dependente de uma pós-graduação para ter condições mínimas de iniciar seu

trabalho.

Assim, a mudança deve transcender o currículo formal, e os planos

de ensino de apenas uma disciplina, na direção de ampliação da concepção dos

determinantes do processo saúde-doença, da prática clínica mais humanizada e

responsável, da aproximação das relações profissionais no sentido da

interdisciplinaridade, da mudança na concepção de educação e da produção do

conhecimento, da aproximação entre universidade, população e serviços de saúde e

da resignificação do papel do docente e sua relação com o aluno.

Existem, todavia, algumas situações que atravancam essa mudança,

já que mudar depende de vontade política, da relação entre gestão municipal de

saúde e universidade, de interesses pessoais que se sobrepõe ao coletivo, e da

insegurança dos professores em perder espaço e carga horária.

Voltando para o contexto local, entendo que o momento da

contribuição desse trabalho torna-se oportuno pelo fato da UNIVALI ter sido

contemplada no PRÓ-SAÚDE, mais especificamente nos seguintes vetores:

A – ORIENTAÇÃO TEÓRICA: vetor 1 – determinantes de saúde

doença, vetor 2 – produção de conhecimentos segundo as necessidades do

SUS;

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B – CENÁRIOS DE PRÁTICAS: vetor 4 – integração docente-

assistencial; vetor 5 – diversificação dos cenários de prática; vetor 6 –

articulação dos serviços universitários com o SUS;

C – ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA: vetor 7 – análise crítica da

Atenção Básica (BRASIL, 2005).

E, também, como uma etapa no processo de adequação curricular

às Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001), pois atende a quase todos os

itens de seu art. 12 (meu grifo), o qual determina que a estrutura do curso de

graduação em Medicina deve:

I. Ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e identificadas pelo setor saúde;

II. utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência;

III. incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania;

IV. promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência como o eixo de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais;

V. inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua vida profissional;

VI. utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar situações variadas de vida, organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional;

VII. propiciar a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de saúde desde o início de sua formação, proporcionando ao aluno lidar com problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes como prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia, que se consolida na graduação com o internato;

VIII. vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médico acadêmica às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS.

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6.2 LIMITAÇÕES E INTENCIONALIDADE DA PROPOSTA

A principal limitação desse trabalho consiste na não participação dos

professores, nem dos alunos da graduação no processo de análise das práticas

curriculares da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária.

Contudo, essa limitação se justifica pelo fato da proposta desse

trabalho ser apenas um início do processo de discussão de propostas de mudanças

dentro do curso de Medicina da UNIVALI, pois teve um aprofundamento somente às

questões documentais nesse momento.

E a intencionalidade dessa pesquisa em momento algum foi de

crítica ao trabalho que vem sendo desenvolvido pelo curso até o presente momento.

Mas sim de desencadear um processo de rediscussão acadêmica das práticas

curriculares frente ao momento histórico de readequação da formação de recursos

humanos em nosso país.

O entendimento claro de que a discussão das práticas curriculares

constitui-se de uma construção coletiva, e, portanto, essa pesquisa não teve a

intenção de delinear uma proposta fechada. Mas sim, de propor sugestões

preliminares para posterior discussão com os todos os professores da disciplina.

Dessa forma, o escopo é justamente suscitar e desencadear um

profundo processo de discussão das práticas curriculares, que pode começar a partir

da disciplina de Medicina Familiar, mas que deva se estender a toda proposta do

curso. E nesse processo, a participação ativa do aluno, ator principal desse

contexto, deva ser incluída em todas as fases de discussão.

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