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PRÁTICA PEDAGÓGICA NA BAIXADA FLUMINENSE NO CONTEXTO DA LEI 10639/03. Lemos, Joilton Lopes de Brito. Universidade Federal Fluminense (UFF) Faculdade de Educação (FEUFF) Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB) INTRODUÇÃO Passados mais de dez anos da aprovação da Lei 10639/03, percebemos que a implementação desta está caminhando a passos lentos. Muito preconceito dentro e fora da escola e a falta de formação adequada faz com que a história e cultura africana e afro-brasileira ainda não estejam eficazmente contempladas no currículo escolar. A cultura e a história africana e afro-brasileira nunca foram valorizadas pela educação escolar, o que acabou provocando o fortalecimento do preconceito racial no Brasil, solidificando a cultura dos colonizadores. Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica. Quer se tome a palavra “educação” no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário conhecer que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de “conteúdo” da educação (FORQUIN, 1993, p 10). O conteúdo escolar durante séculos se pautou em transmitir a cultura europeia, como se o mundo se resumisse nas conquistas e nas derrotas do continente europeu. Com isso a História da África, dos africanos e de seus descendentes ficou restrita à escravidão, o que provocou a manutenção da visão preconceituosa do branco europeu sobre o continente negro e o seu povo. Assim, como nos revela Forquin (1993), se a educação e a cultura tem uma ligação íntima, a escola brasileira precisa abrir espaço para a reflexão sobre a temática étnico/racial, pois se isso não acontecer, a escola continuará a reproduzir com seu currículo de temática branca a visão preconceituosa impregnada em nossa sociedade desde os primeiros tempos de colonização.

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PRÁTICA PEDAGÓGICA NA BAIXADA FLUMINENSE NO CONTEXTO DA

LEI 10639/03.

Lemos, Joilton Lopes de Brito.

Universidade Federal Fluminense (UFF)

Faculdade de Educação (FEUFF)

Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB)

INTRODUÇÃO

Passados mais de dez anos da aprovação da Lei 10639/03, percebemos

que a implementação desta está caminhando a passos lentos. Muito preconceito dentro e

fora da escola e a falta de formação adequada faz com que a história e cultura africana e

afro-brasileira ainda não estejam eficazmente contempladas no currículo escolar.

A cultura e a história africana e afro-brasileira nunca foram valorizadas pela

educação escolar, o que acabou provocando o fortalecimento do preconceito racial no

Brasil, solidificando a cultura dos colonizadores.

Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica.

Quer se tome a palavra “educação” no sentido amplo, de formação e socialização do

indivíduo, quer se a restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário conhecer

que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre

também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa:

conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se

chama precisamente de “conteúdo” da educação (FORQUIN, 1993, p 10).

O conteúdo escolar durante séculos se pautou em transmitir a cultura

europeia, como se o mundo se resumisse nas conquistas e nas derrotas do continente

europeu. Com isso a História da África, dos africanos e de seus descendentes ficou

restrita à escravidão, o que provocou a manutenção da visão preconceituosa do branco

europeu sobre o continente negro e o seu povo. Assim, como nos revela Forquin (1993),

se a educação e a cultura tem uma ligação íntima, a escola brasileira precisa abrir espaço

para a reflexão sobre a temática étnico/racial, pois se isso não acontecer, a escola

continuará a reproduzir com seu currículo de temática branca a visão preconceituosa

impregnada em nossa sociedade desde os primeiros tempos de colonização.

2

Por isso em 2003, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – passou a vigorar acrescentada dos

seguintes artigos: 26-A e 79-B, da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que tenta

corrigir a dívida que a educação brasileira tem com o continente africano e com todos os

afrodescendentes brasileiros. Fica dessa forma estabelecido que:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino Fundamental e Médio, oficiais e

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura afro-brasileira.

§ 1º O conteúdo pragmático a que se refere o Caput deste artigo incluirá o estudo da

História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra

brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados no

âmbito de todo currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de

Literatura e História brasileira.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da

Consciência Negra.

Muito grande foi a vitória do Movimento Negro com a aprovação desta Lei,

mas toda nossa história de colonização e escravidão legou a sociedade muito

preconceito e discriminação. O currículo escolar brasileiro ainda está alicerçado pela

visão de mundo do homem branco europeu, afinal a história da educação brasileira tem

início com as práticas pedagógicas jesuíticas, que impõem não só o mundo científico

europeu, mas também sua religião Cristã como as verdades absolutas a serem seguidas.

As escolas, em sua totalidade, não estão preocupadas em trabalhar a

diversidade cultural, o que provoca em seus alunos a ilusão de que todas as pessoas são

iguais, tem os mesmos hábitos, as mesmas crenças, o mesmo vestuário etc. Como diz

Candau (1999), a escola dá muita ênfase à questão da igualdade – como se todas as

pessoas pertencessem a um mesmo grupo cultural – com isso, a cultura ocidental

europeia configurou-se na cultura escolar brasileira.

Essa maneira de tratar todos os alunos como sendo iguais culturalmente,

pode provocar sérios problemas de intolerância, pois quando um aluno percebe a

diferença de um colega de classe, seja no âmbito religioso, étnico ou social, tende a

olhá-lo com preconceito.

Como diz Sacristán (2002, p.120), “a percepção do outro como alguém

diferente pode ser motivo de aproximação, de distanciamento ou de rejeição”. O que

significa que a segurança desta pessoa deve ser garantida e protegida com a tolerância e

também com o uso da lei. Sacristán diz ainda que há dois tipos de tolerância: a negativa

3

e a positiva. A primeira refere-se aquela onde um indivíduo tolera o diferente sem tirar

nenhum proveito de sua cultura, não havendo nenhuma proximidade entre os

indivíduos. Já a segunda, refere-se aquela onde as duas pessoas se interessam uma pela

cultura da outra, há interação entre elas, uma trocando conhecimento com a outra.

[...] Educar, ensinar, é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a

fim de que ele deles se nutra, que ele os incorpore à sua substância, que ele construa

sua identidade intelectual e pessoal em função deles [...] (FORQUIN, 1993, p.168).

Desta forma, as escolas devem promover a tolerância positiva, pois não

pode haver educação integral sem trocas culturais. Muito mais que transmissora de

conteúdos, a escola deve ser mediadora dos processos de sociabilização entre os

indivíduos.

A diversidade étnico/racial brasileira deve ser explorada na sala de aula, é

lastimável que as escolas não se apropriem dessas diferenças para educar. As danças, as

músicas, as religiosidades, as lendas, todas as manifestações culturais devem ser

trabalhadas em sala de aula, a modo de conscientizar sobre as diferenças existentes em

nossa formação enquanto povo brasileiro.

A instituição escolar deve ampliar a experiência para fora do raio de ação que limita

as condições e os meios de que o sujeito dispõe estando na família, na comunidade ou

na cultura em que vive para evitar, [...], que esses meios naturais não sejam prisões

para ele [...] (SACRISTÁN, 2002, p. 209).

Uma das maneiras mais eficazes para se trabalhar as diferenças culturais,

étnico-raciais, é elaborando projetos, como eles são mais duradouros, os alunos têm a

chance de conhecer melhor o que, até então, não faz parte do seu conhecimento.

Trabalhar de forma continuada faz com que os alunos se identifiquem com a proposta

pedagógica e alcance de forma satisfatória os objetivos que foram traçados pelo

educador.

JUSTIFICANDO A EXIGÊNCIA DE ESTUDOS ESPECÍFICOS SOBRE A

HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

Partindo do fato que nossa história, ou seja, a História do Brasil e do povo

brasileiro é marcada pelo encontro de três raças (etnias): a indígena que já habitava

essas terras, a branca europeia e a negra africana, podemos entender que a exigência de

estudos específicos sobre a “História da África e dos africanos, a luta dos negros no

Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional”, como

4

está especificado na Lei de nº 10.639foi decretada e sancionada para que o povo

brasileiro tivesse o direito de ter parte de sua história – até então subtraída dos livros

didáticos e do currículo escolar – discutida, refletida e divulgada.

Durante todo o processo educacional brasileiro, o currículo escolar priorizou

o relato histórico e cultural do Brasil voltado para um viés eurocêntrico, não é por

acaso, que segundo os livros didáticos nossa história começa no dia 22 de abril de 1500,

data em que os portugueses chegam às terras “perdidas”, que acabam por denominar

Brasil. Como se a história desse lugar não existisse antes desta data. Assim, ao longo

dos séculos foi sendo ensinado nas escolas: a língua portuguesa, a religião cristã

europeia, as personagens brancas que escreveram a história.

Como podemos notar, em momento algum, a educação brasileira refletiu a

História sobre a ótica indígena e afro-brasileira. Os índios continuam sendo citados nos

livros didáticos apenas no momento do grande encontro com os portugueses, à época do

tal “Descobrimento” e os negros, ficaram trancafiados nos relatos sobre a escravidão e

nada mais.

Então, entendemos que a lei citada, ao exigir que as escolas ensinem tais

conteúdos, torna-se uma importante referência para avançarmos no combate à

discriminação racial e ao preconceito cultural e religioso. Afinal, quando não

conhecemos nossa história de forma integral vivemos com uma visão fragmentada dos

fatos. Assim, somos incapazes de descortinar os jogos de poder que estão envolvidos

em toda sociedade, fazendo com que uma cultura domine a outra; um povo, ou uma

classe, se sobreponha a outros, como nos revela Cuche (2002), ao citar Marx e Weber:

[...] Karl Marx como Max Weber não se enganaram ao afirmar que a cultura da classe

dominante é sempre a cultura dominante. Ao dizer isto, eles não pretendem

evidentemente afirmar que a cultura da classe dominante seria dotada de uma espécie

de superioridade intrínseca ou mesmo de uma força de difusão que viria de sua

própria “essência” e que permitiria que ela dominasse “naturalmente” as outras

culturas. [...] na realidade o que existe são grupos sociais que estão em relação de

dominação ou de subordinação uns com os outros (p. 145).

O preconceito racial no Brasil só será erradicado quando o povo brasileiro

conhecer sistematicamente suas origens e isso se fará nas escolas, através de professores

com formação adequada, material didático reformulado de modo a contemplar a

diversidade étnica brasileira e reflexão diante aos casos do dia a dia que nos faz

repensar a democracia racial que se imaginou existir no Brasil que, infelizmente, não

passa de um grande mito.

5

Trabalhar a História da África e da cultura afro-brasileira na sala de aula é

trazer à tona todo um preconceito construído didaticamente ao longo dos séculos no

Brasil. Ao abordar o assunto, seja qual for a temática – música, dança, religião,

vestimenta, costumes etc. – uma das primeiras colocações que os alunos fazem é que

aquilo que está sendo tratado é “macumba”, “coisa do diabo”, algo negativo. Então,

discutir a temática negra requer um conhecimento profundo por parte do educador, seus

objetivos devem estar muito bem traçados, para que ao deparar com tais comentários, a

intervenção seja feita de maneira a garantir o desenvolvimento da aula, sem ferir o lado

simbólico de nenhum dos educandos.

Mostrar ao aluno como se deu a formação do brasileiro parece ser o

caminho para que estes entendam que surgimos de uma mistura de raças/etnias, onde

cada uma destas traz contribuições importantes para nosso desenvolvimento enquanto

povo. Por mais que os livros didáticos ainda constituem a nossa História a partir da

dominação do branco europeu sobre os indígenas e os negros escravizados, precisamos

repensar essa prática. Nunca escondendo a dominação, visto que não podemos apagar a

história, mas buscando formas de identificarmos as contribuições dos negros africanos

para o mundo e especificamente para o Brasil.

A historiadora Mônica Lima (2013) diz que ainda hoje temos uma história

única do povo africano, não poderia ser diferente, já que fomos educados a pensar o

negro apenas sobre a ótica da escravidão. Mas estudos vêm mostrando a riqueza do

continente africano e é certo, que a história da África é plural. Lima (2013) ressalta que

devemos ter atenção ao singularizar a África, pois esta é um continente, mas os

africanos que lá viveram e ainda vivem não são iguais, então temos que ter o cuidado

em não uniformizar aquilo que é diverso por natureza. Assim, como é impossível

retratar o brasileiro dentro de um só padrão, visto que somos frutos de uma mistura de

povos diferentes entre si, nossos alunos devem ter a compreensão de que o continente

africano é heterogêneo, onde cada parte da África tem cultura própria, sendo impossível

se contar uma história única desse continente. Afinal, nenhum povo se constitui por

apenas uma história.

O negativo e o positivo nem sempre caminham juntos. Até hoje, os

africanos foram retratados pelo lado negativo da escravidão. A parte positiva do

continente vem sendo descoberto diariamente a partir de estudos mais criteriosos e é

essa parte da história que precisa ser incluída no currículo escolar. Não podemos

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esquecer a escravidão, mas precisamos incluir no currículo a parte positiva referente aos

povos africanos.

COMO TRABALHAR A HISTÓRIA E A CULTURA AFRO-

BRASILEIRA NAS ESCOLAS

Lima (2013), ao citar o grande historiador africano Joseph Ki-Zerbo, traz os

quatro princípios estabelecidos por ele para o ensino e a compreensão da História da

África: I-Interdisciplinaridade, ou seja, para aprender a História da África é preciso

recorrer a várias disciplinas, como Geografia, Sociologia, Linguística entre outras; II-

Apresentar a História desde o ponto de vista africano, ou seja, olhar a História da

África de dentro para fora e não o contrário;III- Apresentar a História dos povos

africanos em seu conjunto, ou seja, apresentar as conexões, trocas, semelhanças entre

os diferentes grupos africanos, sem, no entanto, homogeneizar os mesmos;IV- Evitar o

factual,ou seja, evitar apresentar a História da África com passagens (fatos) isoladas,

pois isso dificulta a aprendizagem crítica. É preciso associar os fatos ocorridos, eles não

se dão de modo independente.

A interdisciplinaridade é essencial, pois nos possibilita ampliar nossa visão

sobre determinado tema. No caso de estudar a História da África, é imprescindível que

se faça uma pesquisa sobre as diversas áreas do conhecimento, pois cada uma

contribuirá com perspectivas para entendermos a diversidade do continente africano.

Sendo impossível a compreensão plena deste, partindo apenas do que nos diz a História.

É preciso conhecer o que diz a geografia, a sociologia, a linguística, a antropologia entre

outras áreas. Quanto mais áreas de conhecimento se buscam, maior será a compreensão

sobre o tema estudado. Assim, não cairemos facilmente na simplificação das historias

dos povos africanos, pelo caminha da homogeneização, mas, pelo contrário, teremos

argumentos de sobra para comprovar a diversidade africana. São essas áreas do

conhecimento que reunidas nos darão suporte para repensarmos os conceitos

construídos ao longo dos séculos sobre o continente africano.

Já apresentar a História desde o ponto de vista africano é importante e

desafiador, pois nos instiga a descobrir a outra face da moeda. Tudo o que sabemos, e

sabemos pouco, sobre a História da África está pautado num viés eurocêntrico, ou seja,

nosso conhecimento sobre o continente africano é retrato da visão dos colonizadores e

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exploradores. Ou seja, conhecemos a África de fora para dentro. Impossível nos

atentarmos para a diversidade regional, cultural, linguística desse continente sem o olhar

de dentro. É preciso conhecer a África com o olhar do africano, conhecendo seu ethos

(seu modo de ser, pensar e agir), não impondo visões externas que só servem para

desqualificar o diferente. Por fim, não podemos estudar um continente tão diferente do

qual nos foi dado como modelo, pautados pela visão que construímos ao longo dos

séculos. É preciso estar aberto ao olhar do outro.

PRÁTICA PEDAGÓGICA NA BAIXADA FLUMINENSE – RELATO DE

TRABALHOS DESENVOLVIDOS

Na sala de aula, trabalhando com turmas do 1º ao 5º ano de escolaridade do

Ensino Fundamental, o essencial a ser trabalhado é “... a luta dos negros no Brasil, a

cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional”, como bem está

especificado na lei 10.639. Então,nossa experiência em sala de aula não tem um

aprofundamento na História da África em si, mas na contribuição do povo africano para

a formação do povo e da História brasileira.

É comum, ouvirmos em sala de aula expressões preconceituosas com

relação às crianças negras. Falas do tipo “Seu macaco”, “Cabelo duro”, “Seu

macumbeiro”, servem para exemplificar o quanto o preconceito racial está arraigado em

nossa sociedade. Para reverter esse quadro é precioso um amplo trabalho de valorização

da cultura afro-brasileira. O currículo pautado na cultura branca precisa urgentemente

ser reformulado, cedendo espaço à diversidade do povo brasileiro. Tanto a cultura negra

quanto a cultura indígena carecem ser trabalhadas diariamente em sala de aula.

Não podemos iniciar o assunto dos negros no Brasil a partir da escravidão.

É preciso mostrar o negro na África, suas relações entre si, suas culturas, seu modo de

governar, seus impérios etc. É preciso construir junto aos alunos imagens reais do

contexto africano antes do advento do tráfico negreiro.

Os livros de história dos alunos do primeiro segmento do Ensino

Fundamental inicia a história dos negros no Brasil no tempo histórico da escravidão.

Isso provoca a negação por parte das crianças negras de sua identidade étnico/racial e se

cria uma atmosfera para que alunos brancos se sintam melhores que os alunos negros. É

preciso, então, todo um cuidado ao abordar esse assunto. Não que a escravidão deva ser

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escondida, mas é preciso um trabalho de perspectiva histórica, social e geográfica para

mostrar os jogos de poder que influenciaram e continuam a influenciar o curso da

Histórica ao longo do tempo.

O aluno negro precisa compreender desde os primeiros anos de escolaridade

que seus antepassados não nasceram fadados ao insucesso, à opressão, à miséria, mas

que dentro do seu tempo e espaço contribuíram e muito para o desenvolvimento da

humanidade. E que os tempos de escravidão foram resultados de uma política

orquestrada para denegrir um povo, colocando-o como submisso e inferior. Algo que

até hoje acontece pelo mundo com diferentes grupos humanos. Por a escola ser um

espaço de convivência entre os diferentes transforma-se no “locus” ideal para que essas

questões sejam discutidas, resultando assim, na ampliação do conhecimento e

ressignificação dos conceitos construídos preconceituosamente ao longo dos séculos.

Em sala de aula com alunos entre seis e quatorze anos de idade, temos

trabalhado em nossa prática pedagógica, de forma mais eficaz, duas contribuições do

povo negro para a cultura brasileira: o samba e a mitologia dos orixás (base da

religiosidade afro-brasileira).

Trabalhamos o samba por considerar que morando no Rio de Janeiro e

trabalhando com crianças de comunidade é importantíssimo estar próximo da cultura

musical que se tornou símbolo do país e que tem sua base fincada em solo carioca, onde

o samba ganhou força e se transformou ao longo dos anos. E a mitologia dos orixás é

trabalhada no intuito de ampliar a visão de mundo, buscando o fim do preconceito

quanto às religiões de matrizes africanas, algo que cada vez mais se solidifica na nossa

sociedade. A biblioteca escolar está abarrotada de livros com mitologia europeia, são

contos que trazem reis e rainhas, princesas e príncipes brancos. Acostumamo-nos com

esse padrão de tanto que ouvimos as histórias e visualizamos as belas ilustrações. Deste

modo, trabalhar a mitologia africana, com seus deuses e reis negros é de suma

importância para desconstruir o mito de superioridade da raça branca.

Dentre tantos estilos musicais, é certo que a maior contribuição do povo

negro para a cultura brasileira é o samba e, consequentemente, as escolas de samba.

Buscamos, então, trabalhar esse gênero musical e a cultura das escolas de samba

mostrando a história de resistência dos afro-brasileiros, a discriminação que sofreram ao

longo dos anos, a luta que travaram para a manutenção e sobrevivência de suas

manifestações culturais.

9

Apresentamos os compositores negros e suas obras musicais, incentivando a

dedicação à arte como forma de vencer os preconceitos sociais. Desta forma, em 2011,

alunos do município de Mesquita, do primeiro ano de escolaridade do ensino

Fundamental, tiveram aulas sobre o compositor Cartola. Aprenderam sua obra e sua

biografia e visitaram o Centro Cultural Cartola, no Morro da Mangueira1.

Com base nessa experiência, escrever sobre tal temática é lançar esperanças

presentes de que o espaço escolar, na figura de professores comprometidos com a

educação das classes populares, reconheçam as manifestações culturais desses grupos

como algo que deve ser preservado e estudado nas salas de aula. Entendemos que o ato

de educar, como nos diz Paulo Freire (1996), é político e que, portanto, há muitas

questões ideológicas a serem implantadas e tantas outras a serem derrubadas no âmbito

escolar. É preciso que a escola pública rompa com as ideologias do branqueamento e

reafirme a cultura negra presente nas classes populares – que são formadas em sua

maioria por pessoas negras.

Propomos a utilização do samba-enredo como instrumento pedagógico para

o ensino de História brasileira e cultura afro-brasileira.Trabalhar o samba-enredo dentro

das instituições escolares é levar nossos alunos ao conhecimento desse tipo de música

tão brasileiro, criado por negros, que sofreram e ainda sofrem tanto preconceito.

Trabalhar com a cultura afro-brasileira é o caminho para que possamos

formar uma sociedade cada vez mais atenta às questões sociais e raciais, de modo a

diminuir tais preconceitos, ampliando a valorização das diferenças étnicas existentes em

nosso país.

O samba-enredo é um dos mais bem elaborado instrumento pedagógico,

pois ao mesmo tempo em que o indivíduo se diverte ouvindo e cantando, aprende sobre

o tema narrado. Ele pode ser utilizado para ilustrar os temas trabalhados2, tanto dentro

do currículo mínimo – com os conteúdos já estabelecidos – quanto nos projetos extras

que criamos com as turmas ou aqueles que nos são enviados pelas Secretarias de

Educação.

Deste modo, no ano letivo de 2014, nossa turma do 5º ano de escolaridade

conheceu a vida do Profeta Gentileza, através do samba-enredo dos Acadêmicos do

Grande Rio, de 2001; ganharam um resumo histórico sobre a Inconfidência Mineira,

1 Ver anexo I. 2Ver Anexo II

10

com o samba-enredo do Império Serrano, de 1949. Além de ouvir em versos, A Vinda

da Família Real Portuguesa para o Brasil, com os sambas-enredo da São Clemente e da

Imperatriz Leopoldinense, ambos de 2008. Ao trabalhar “Brasilidade” foi inevitável não

comemorar com a criançada o cinquentenário de “Aquarela Brasileira”, do Império

Serrano, de 1964. E como o ano letivo, começa, vejam só, no período próximo ao

carnaval, as aulas começaram sendo embaladas ao som da Imperatriz Leopoldinense, de

2005, onde procuramos mostrar aos alunos a arte das escolas de samba, usando um

enredo literário sobre Hans Christian Andersen e Monteiro Lobato.

Junto com trabalhos sobre as escolas de samba e o samba propriamente dito,

desempenhamos trabalhos sobre a mitologia dos orixás3, no município de Belford Roxo,

algo que sempre causa muito preconceito não só por parte dos responsáveis dos alunos,

mas também dentro da própria escola, pois conforme já dissemos ao longo desse texto,

a escola brasileira tem bases fincadas na religião cristã, aportada nas salas de aula com a

chegada dos jesuítas ao Brasil.

O trabalho com a mitologia dos orixás é estratégico, cansados de ver alunos,

seguidores de religiões de matrizes africanas, sofrendo preconceito em sala de aula,

partimos para a ação de mostrar aos educandos que a Constituição Brasileira (1988) é

laica e isso significa que o Brasil tem reservado o direito de cada cidadão de exercer a

sua fé na religião de sua preferência.

O trabalho com os deuses do panteão africano de início é árduo, pois o

preconceito com a religiosidade negra é despertado tanto fora quanto dentro das

unidades escolares4, mas com o tempo e o envolvimento dos alunos, estes vão se

conscientizando que devem respeitar a crença de cada pessoa. Entendendo a diversidade

religiosa do país, esperamos que nossos alunos estejam sempre abertos a respeitar o

outro, mesmo que com suas diferenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar a cultura afro-brasielira é colocar o indivíduo negro em evidência,

“não como simples objeto, mas como sujeito de seu discurso e de sua identidade”, como

diz Pessanha (2013). Trabalhar tal cultura na sala de aula é dar voz ao povo afro-

3 Ver anexo III 4 Ver anexo IV

11

brasileiro, algo que precisa ser feito urgentemente, pois o sistema educacional brasileiro

tem uma dívida histórica com o negro no Brasil. A sala de aula clama pela literatura de

Carolina Maria de Jesus, Mãe Beata de Yemonjá e tantas outras vozes negras que lutam

contra o preconceito racial e social por meio de suas escritas e resistência de suas

culturas.

O Mito da Democracia Racial traz a crença de que no Brasil não existe

preconceito, não existem atos de discriminação. A imagem que se passa para quem

visita o país é de que aqui vivemos em comunhão, onde os brancos, os índios e os

negros estão unidos por laços de amizade, irmandade, camaradagem. Se a democracia

racial de fato existisse em nosso país, não precisaríamos de leis para a valorização da

cultura afro-brasileira, de modo a tentar controlar o preconceito racial no Brasil.

Esperamos com este artigo divulgar a Lei 10.639/03, apontando caminhos

para o trabalho com a História e Cultura Afro-brasileira. Não somos ingênuos em

pensar que acabaremos com o preconceito étnico/racial no Brasil, mas lutamos para que

este se enfraqueça cada dia mais em nossas salas de aula.

REFERÊNCIAS

CANDAU, Vera Maria. “Construir Ecossistemas Educativos – Reinventar a

Escola”. Novamérica, Rio de Janeiro: 34, dezembro de 1999, p. 16-21.

CONSTITUIÇÃO da República Federativa do Brasil. Brasília, 1998.

CUCHE, Dennys. A Noção de Cultura nas Ciências Sociais.2 ed. Bauru: EDUSC,

2002.

FORQUIN, Jean Claude. Escola e Cultura – As bases Sociais e epistemológicas do

Conhecimento Escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários a Prática

Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 2ª ed. Brasília: câmara

dos Deputados, coordenação de publicações, 2001.

LIMA, Mônica. História da África. In.: Cadernos PENESB 12. 2ª ed. Rio de

Janeiro/Niteroi: Editora Alternativa / Editora da UFF, 2013.

12

PESSANHA, Márcia Maria de Jesus.O Negro na Literatura. In.: Cadernos PENESB

12. 2ª ed. Rio de Janeiro/Niterói: Editora Alternativa / Editora da UFF, 2013.

SACRISTÁN, J. Gimeno. Educar e Conviver na Cultura Global – As exigências da

Cidadania. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

13

ANEXO I

Fotos do projeto sobre a obra e a biografia de Cartola, trabalho realizado com alunos do

Ensino Fundamental, em 2011, na rede Municipal de Mesquita.

14

ANEXO II

Propomos um quadro com dicas de como utilizar o samba-enredo em sala de aula.

Cultura Afro-Brasileira Através dos Sambas-Enredo

TEMA SAMBA-ENREDO

OBJETIVO

Personagem Negra *Salgueiro, 1960, “Quilombo

dos Palmares”, de Noel Rosa de

Oliveira e parceiros.

*Salgueiro, 1963, “Chica da

Silva”, de Noel Rosa de

Oliveira e Anescar.

*Salgueiro, 1964, “Chico Rei”,

de Geraldo Babão e parceiros.

*Beija-Flor, 1983, “A Grande

Constelação das Estrelas

Negras”, de Neguinho da Beija-

Flor e Nego.

Conhecer

personagens

negras marcantes

da história

brasileira.

Religiosidade Afro-

Brasileira

*Mocidade Independente, 1976,

“Mãe Menininha do Gantois”,

de Toco e Djalma Crill.

*Beija-Flor, 1978, “Criação do

Mundo na Tradição Nagô”, de

Neguinho da Beija-Flor e

parceiros.

*Unidos da Ponte, 1984,

“Oferendas”, deJorginho.

*Grande Rio, 1994, “Os Santos

que a África Não Viu”, de Mais

Velho e parceiros.

*Beija-Flor, 2001, “A Saga de

Agotime – Maria Mineira Naê”,

deDéo e parceiros.

Conhecer as

religiões afro-

brasileiras;

Conhecer os

deuses do

panteão africano

e suas

mitologias.

Cultura Negra

(religiosidade, música,

danças, comidas etc.).

*Mangueira, 1999, “O Século

do Samba”, de Adalberto e

parceiros.

*Salgueiro, 1969, “Bahia de

Todos os Deuses”, de Bala e

Manuel Rosa.

*Unidos de São Carlos, 1976,

“Arte Negra na Legendária

Bahia”, de Caruso e parceiros.

Identificar as

contribuições do

povo negro para

a formação da

cultura brasileira.

15

ANEXO III

Trabalho realizado por alunos do 5º ano de escolaridade, rede Municipal de Belford

Roxo.

16

ANEXO IV

Carta enviada a Secretaria de Educação do Município de Belford Roxo

Venho por meio deste documento, apresentar o trabalho sobre

CONSCIÊNCIA NEGRA, desenvolvido por mim, Professor Joilton Lopes de Brito

Lemos*, matrícula 43647, na Unidade Escolar onde estou lotado, ESCOLA

MUNICIPAL WALTER BORGHI, na turma 411, 4º Ano de Escolaridade do Ensino

Fundamental.

Meu objetivo com o envio deste documento é fazer com que a Secretaria de

Educação deste município esteja ciente de que ao trabalhar a Mitologia dos Orixás, nas

minhas aulas sobre Consciência Negra, não fui compreendido pela direção da escola,

que censurou os 11 (onze) cartazes feitos por meus alunos com desenhos dos deuses

africanos. Esses cartazes foram guardados dentro do armário da diretora e não puderam

ser expostos junto com os demais cartazes sobre cultura e História Africana e Afro

brasileira.

Ao trabalhar a Consciência Negra estamos fazendo valer a Lei 10.639/03,

alterada pela Lei 11.645/08 que diz:

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de

ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo

da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo

incluirá diversos aspectos da história e da cultura que

caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses

dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e

dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,

a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na

formação da sociedade nacional, resgatando as suas

contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes

à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira

e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito

de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação

artística e de literatura e história brasileiras.” (NR) (MEC, LEI

11.645/08)

Sendo assim, estando respaldado pela Lei citada e me apoiando nos livros

paradidáticos enviados pelo Ministério da Educação para bibliotecas escolares

desenvolvi algumas aulas no mês de novembro com a temática Consciência Negra.

Segue, abaixo, o que foi trabalhado nas aulas:

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12/11/2013 – Introdução sobre a Consciência Negra

Resumo sobre a escravidão no Brasil;

Construção da Linha do Tempo (Descobrimento do Brasil, Início da

Escravidão, Libertação dos Escravos, Dias Atuais);

O que são Orixás? / Religião do Negro (Entendendo que nosso país é plural,

laico, onde as pessoas são livres para acreditar na religião que quiser.

Tentativa de levar os alunos à reflexão contra o preconceito).

Construção do Fio de Conta de Oxalá (Começando a pintar os rolinhos de

papel higiênico que servirão como contaspara o colar).

13/11/2013 – Montando o Fio de Conta gigante.

Colocando as “contas” no fio de barbante, formando um colar gigante.

Explicação da importância do colar na cultura negra (O colar serve tanto

para enfeitar quanto para assuntos sagrados da religião).

14/11/2013 – Mitologia Africana

Vídeos recolhidos do You Tube sobre a mitologia dos deuses africanos.

(Os alunos visualizaram vídeos com pequenas histórias de alguns dos

orixás mais famosos: Exu, Oxalá, Yansã, Yemanjá, Ogum, Oxóssi,

Ossaim, Obá, Oxum, Obaluaê e Xangô.

Criação de desenhos sobre os Orixás.

Conversa para tirar dúvidas e curiosidades dos alunos com relação às

histórias vistas nos vídeos.

15/11/2013 – Confecção de Cartazes

Os alunos confeccionaram cartazes com imagens que pesquisaram de

pessoas negras. Os alunos tiveram liberdade para confeccionar os cartazes da

forma que quisessem, escrevendo frases, colando imagens, enfeitando etc.

O professor chamou os alunos que se consideravam negros para tirar uma

foto. Esse trabalho foi feito, também, com os alunos das duas turmas de 3º

ano existente no turno da manhã e com alguns professores.

18/11/2013 – Confecção de Cartazes

Os alunos confeccionaram cartazes, colando os desenhos, sobre os deuses

africanos, que produziram na aula anterior.

19/11/2013 – Confecção de Cartazes

Leitura do livro “FEIJOADA”, de Sonia Rosa, Editora: Pallas.

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Leitura do livro “CAPOEIRA”, de Sonia Rosa, editora: Pallas.

Os alunos confeccionaram cartazes sobre a capoeira e a feijoada.

21/11/2013 – Confecção de Cartazes e Ensaio de Música.

Os alunos ajudaram o professor a construir um grande cartaz com as fotos

dos alunos e professores da escola que se reconhecem negros.

O professor mostrou para os alunos um desenho do instrumento musical

africano denominado macumba. Em seguida, foi construído um cartaz

explicando que macumba é um instrumento musical e que macumbeiro é

quem toca tal instrumento. Religião é outra coisa... Umbanda/Umbandista,

Candomblé/Candomblecista.

Os alunos ensaiaram a música SORRISO NEGRO de Dona Ivone Lara para

se apresentar para as demais turmas da escola.

Uma vez relatado todos os passos das atividades realizadas em sala de aula,

começo a descrever o preconceito que meu trabalho sofreu dentro da instituição escolar.

O primeiro problema enfrentado foi à reclamação de uma responsável de aluna,

que procurou a escola para reclamar sobre as aulas que estavam sendo ministradas sobre

a mitologia dos orixás. Eu fui chamado na sala da diretora para explicar para a

responsável sobre o que se tratava o meu trabalho. Apresentei a Lei 10.639/03 e a lei

11.645/08 para a Diretora da escola (que pelo que me parece desconhecia tais leis), para

a Orientadora Educacional e para a responsável. Expliquei que meu trabalho tinha por

objetivo valorizar a História e a Cultura africana e afro-brasileira de acordo com a Lei.

E que o ensino de mitologia dos orixás estava respaldado pelo próprio Ministério da

Educação, que envia para as escolas livros com essa temática. Argumentei também, que

o negro no nosso país sofre, ainda, muito preconceito, e que este não está longe da sala

de aula, uma vez que alguns alunos utilizam-se de termos como “macumbeiro” para

ofender os colegas que são de religiões afro brasileiras.

A responsável, que segue uma doutrina evangélica, assim, como a diretora da

escola, não conseguiu entender tais explicações. Acontece que a diretora da escola, por

preconceito ou por medo de se indispor com a comunidade, censurou todos os cartazes

com os desenhos dos deuses africanos. Estes não foram expostos junto com os demais

cartazes produzidos pelos alunos. A diretora da escola “guardou-os” – palavra dela –

dentro de seu armário.

No final da culminância do projeto fui até a diretora e pedi todos os cartazes. Ela

foi até seu armário, abriu-o e me entregou-os. Nesse momento expus, na presença de

outra professora e da coordenadora da escola, que não havia gostado da atitude da

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diretora, que no meu ponto de vista, faltou com o respeito ao meu trabalho e, além, não

valorizou o trabalho dos meus alunos, numa atitude totalmente contrária ao que busquei

trabalhar na sala de aula: o respeito ao próximo, o fim do preconceito, o reconhecimento

do negro como agente histórico da construção do Brasil.

Após esse fato, publiquei no Facebook meus sentimentos quanto ao ocorrido,

procurei o SEPE – Núcleo Belford Roxo, onde sou associado, recusei proposta de

entrevista para jornalistas e fui convidado para participar de uma mesa da UERJ/FEBF

sobre os Avanços e desafios nos 10 anos da lei 10.639. E agora, por falta de tempo

antes, escrevo este documento para que a Secretaria de Educação tome ciência do que

aconteceu com o meu trabalho.

Aproveito o espaço para informar que tal atitude da parte da diretora pode ter

caráter preconceituoso, uma vez que a escola se mostra cada dia mais cristã, exemplo

disso, pode ser verificado com a música que a diretora obriga os alunos a cantar todas as

manhãs desde o início do ano e que já foi apresentada para membros da Secretaria de

Educação. A letra da música, em três versos, cita o cristianismo. Murais e enfeites da

escola citam mensagens bíblicas e o nome de Jesus e agora, no final de ano, a escola

tomada pelo espírito natalino, tem em seu pátio, um presépio representando o

nascimento do menino Jesus. Tudo isso, está registrado em fotografias.

Ao relatar a presença do cristianismo na escola, não estou me mostrando

preconceituoso com tais religiões que segue a doutrina Cristã, mas fundamentando

minha visão de que algo está errado, quando a porta da escola parece estar aberta aos

ensinamentos cristãos e fechadas às demais culturas. Fico sem entender por que Jesus,

representado no presépio e em passagens bíblicas, pode ficar exposto no âmbito escolar,

enquanto os desenhos representando os orixás sofreram censura, sendo impedidos de ser

expostos.

Pelo exposto a cima, desejo saber a colocação da Secretaria de Educação,

visando assim, saber como devo trabalhar tais questões nos próximos anos.

Duque de Caxias, 01 de dezembro de 2013.

Joilton Lopes de Brito Lemos

(Professor II)