praÇa do boidÓdromo palco de um patrimônio esquecido

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PRAÇA DO BOIDÓDROMO Palco de um patrimônio esquecido JESUS, KATHARYNNE. N. D (1) 1.Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura Rua José Marques da Rocha, Memorare, Teresina - Piauí [email protected] RESUMO A região Nordeste do Brasil é palco das mais variadas e ricas manifestações folclóricas do país, criando estruturas efêmeras para comportar eventos de grande dimensão. O objeto de estudo compreende-se da análise da praça localizada no cruzamento da Rua Cedro e da Rua Sapucáia no Bairro Poti Velho, Teresina PI, conhecida popularmente como Praça do Boidódromo, uma estrutura permanente construída pelo Governo do Estado do Piauí com o intuito de abrigar eventos culturais ligados ao folclore local, porém, hoje abandonado pelos órgãos públicos. Um estudo sobre a área é apresentado no presente trabalho. Palavras-chave: Patrimônio; Preservação; Arquitetura. Introdução O bairro Poti Velho, localizado na Zona Norte da cidade de Teresina PI, é o núcleo de povoamento mais antigo da cidade. Além de dar origem a capital do Estado do Piauí, é ligado a muitas tradições folclóricas presentes na Região Nordeste do Brasil, como o bumba meu boi e quadrilhas juninas. Essa manifestação folclórica permite a criação de estruturas efêmeras em outros pontos da cidade como na Nova Potycabana e no Complexo do Estádio Governador Alberto Tavares Silva para receber grandes eventos folclóricos. Em contraponto, o Poti Velho possui uma estrutura voltada especificamente para o folclore piauiense, construída pelo Governo do Estado do Piauí, com capacidade para receber

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PRAÇA DO BOIDÓDROMO Palco de um patrimônio esquecido

JESUS, KATHARYNNE. N. D (1)

1.Universidade Federal do Piauí. Departamento de Construção Civil e Arquitetura

Rua José Marques da Rocha, Memorare, Teresina - Piauí [email protected]

RESUMO

A região Nordeste do Brasil é palco das mais variadas e ricas manifestações folclóricas do país, criando estruturas efêmeras para comportar eventos de grande dimensão. O objeto de estudo compreende-se da análise da praça localizada no cruzamento da Rua Cedro e da Rua Sapucáia no Bairro Poti Velho, Teresina – PI, conhecida popularmente como Praça do Boidódromo, uma estrutura permanente construída pelo Governo do Estado do Piauí com o intuito de abrigar eventos culturais ligados ao folclore local, porém, hoje abandonado pelos órgãos públicos. Um estudo sobre a área é apresentado no presente trabalho.

Palavras-chave: Patrimônio; Preservação; Arquitetura.

Introdução

O bairro Poti Velho, localizado na Zona Norte da cidade de Teresina – PI, é o núcleo de

povoamento mais antigo da cidade. Além de dar origem a capital do Estado do Piauí, é

ligado a muitas tradições folclóricas presentes na Região Nordeste do Brasil, como o bumba

meu boi e quadrilhas juninas. Essa manifestação folclórica permite a criação de estruturas

efêmeras em outros pontos da cidade como na Nova Potycabana e no Complexo do Estádio

Governador Alberto Tavares Silva para receber grandes eventos folclóricos.

Em contraponto, o Poti Velho possui uma estrutura voltada especificamente para o folclore

piauiense, construída pelo Governo do Estado do Piauí, com capacidade para receber

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eventos de pequeno a médio porte que, no entanto, é esquecida e negligenciada. Esta

pesquisa, dedicou-se a analisar esse espaço público conhecido como Praça do Boidódromo

sob o viés histórico e arquitetônico. A fim de coletar dados e criar uma documentação, ainda

inexistente, dessa área dedicada ao patrimônio cultural da cidade de Teresina.

Objetivos

O presente artigo tem como principal objetivo o levantamento histórico e arquitetônico da

praça, levando em consideração sua importância para a valorização do bairro e da cultura

local. Além disso, servir de fonte de informações para pesquisas futuras sobre a mesma.

Bem como exercer o papel de alerta para a preservação de um espaço público que poderia

fazer parte do acervo patrimonial da cidade de Teresina.

A importância do Poti Velho na história e cultura de Teresina

O bairro Poti Velho, localizado na Zona Norte de Teresina, no Piauí, é considerado e datado

como o núcleo de ocupação mais antigo da capital piauiense. Seu povoamento é explicado

pelos movimentos migratórios advindos do interior e de outras províncias, bem como de

movimentos bandeiristas ainda no século XVII. Além disso, está intimamente ligado com a

fundação da nova capital da então Província do Piauí, no século XIX. De acordo com Dias

(2006, p. 9), a transferência da Capital de Oeiras para Teresina foi uma das realizações

mais marcantes na estrutura econômica, social e política do Estado.

O interesse no deslocamento da capital ocorreu, principalmente, devido à dificuldade no

escoamento dos produtos advindos do extrativismo vegetal e da agropecuária. A primeira

capital, Oeiras, localizada no centro do Estado, não tinha acesso a outras formas de saída

que não fossem o transporte a cavalo. Além disso, a carência de terra propícia para o

plantio acarretava no encarecimento dos gêneros necessários para o sustento da

população. Dessa forma, verificam-se várias propostas de mudança da sede no decorrer da

história piauiense, sendo a primeira sugerida pelo ex-governador e capitão-general do

Maranhão, João da Maia da Gama em 1728.

No entanto, essa transferência ocorreu, oficialmente, apenas em 1851. Nesse meio tempo,

discussões a respeito da nova localização se faziam presentes, enquanto a povoação do

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Poti, implantada na confluência dos rios Poty e Parnaíba, destacava-se pela fertilidade do

solo, disponibilidade de barro para olarias e pesca. Elevada à categoria de vila em 1830, a

vila sofria com grandes inundações, o que a tornava insalubre e ressaltava a importância da

mudança da mesma para um novo local.

Essa mudança ocorreu somente 9 anos depois, no dia 20 de outubro de 1851, com o

presidente da Província Dr. José Antônio Saraiva, que depois de observar o engajamento

dos moradores da vila em habitar o novo local escolhido por eles, denominado Chapada do

Corisco, uma antiga fazenda, e satisfeito com os resultados instalou a nova sede da Câmara

Municipal e as demais repartições públicas na vila nova do Poti, ferindo interesses de outras

vilas que disputavam o posto. O evento elevou-a, imediatamente, à categoria de Cidade

com o novo nome de Teresina em homenagem à Imperatriz do Brasil D. Thereza Christina,

esposa de Dom Pedro II.

Figura 1: Miniatura do Plano de Teresina, 1852. Fonte: Cadernos de Teresina, ano XII, nº. 32, out./2000. Fundac, aniversário de 148 anos.

Com a mudança para a nova localização, a vila do Poti tornou-se região periférica. Com a

crescente expansão da cidade de Teresina, o bairro submeteu-se ao esquecimento durante

muitos anos. A área, então, passou a receber a população de baixa renda e hoje, de acordo

com um estudo realizado pela Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação da

cidade de Teresina (2015, p. 7), é o 70° no ranking dos valores de rendimento mensal dos

domicílios entre os mais de 100 bairros da cidade, sobrevivendo do comércio e das

atividades de subsistência.

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Não somente a nascente de Teresina, o bairro Poti Velho representa um elo inestimável

com a cultura da cidade. A produção de peças cerâmicas do Polo Cerâmico de Teresina se

transformou em um cartão postal da cidade, referência em qualidade, uma fonte de renda

através da venda e exportação de suas peças e uma forma de emoldurar histórias locais por

meio de esculturas que retratam a personalidade piauiense. Além disso, no período de 20 a

29 de junho, o Poti Velho recebe o festejo de São Pedro, cortejo de pescadores que

homenageiam o santo padroeiro, e, na mesma, época acontece o Festival de Bumba Meu

Boi. Outro evento, é o Encontro de Bois, este último organizado pela Fundação Municipal de

Cultura Monsenhor Chaves, ambos são amostras culturais de caráter não competitivo, na

qual se apresentam vários bois da cidade, objetivando a valorização do folclore, o incentivo

à cooperação e o amadurecimento cultural.

Constituindo uma das principais danças populares conectadas ao bairro, o bumba meu boi é

uma manifestação folclórica, sendo um dos mais autênticos folguedos dramáticos do Piauí.

De origem ainda indefinida, se no Maranhão ou no Piauí, de acordo com Queiroz (1967), o

pequeno drama que se representa é, provavelmente, originário de Portugal. Porém, o

enredo é de origem brasileira.

Durante as procissões religiosas antigas desse país, desfilavam figuras burlescas entremeadas aos santos e aos anjos. Bois, principalmente, com o corpo formado de diversas espécies de armações, ora de vime, ora de madeira, mas sempre cobertas por um saiote de algodão e com a cabeça de cartolina pintada, sob a armação escondiam-se indivíduos que faziam o animal dançar. (QUEIROZ; Maria, 1967, p.88)

Essa dramatização conta a história de Catirina, esposa de Chico, que, grávida, desejou

comer a língua do boi mais bonito da fazenda. Matando ou ferindo o animal, Chico é

procurado pelo fazendeiro por ser autor do crime. Doutores são trazidos para curar o bicho.

Depois de julgamento, perdão e a cura do animal, ocorre uma grande festa para comemorar

o feito. Essas sucessões de cenas são contadas através da brincadeira e do improviso dos

vários personagens, lúdicos ou não, que aparecem no decorrer da história, dentre eles, o

Doutor, Catirina, Pai Chico, o Vaqueiro, o Capitão e muitos outros.

O bairro Poti Velho foi o local de nascença de vários bois tradicionais da cidade, como o Boi

Mirim Raio de Sol e o Boi Terror do Nordeste. Dessa forma, sendo a casa de um patrimônio

cultural riquíssimo, a região está conectada a Teresina não somente por meios físicos e

históricos, mas também culturais. Partindo desse princípio, uma estrutura foi projetada e

parcialmente executada para receber essas demonstrações folclóricas. No entanto, a

desvalorização por parte do governo e o desconhecimento de muitos teresinenses fizeram

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com que a belíssima estrutura fosse esquecida e hoje encontra-se em estado de abandono.

Esse espaço público será apresentado e analisado a seguir.

Referencial teórico

De acordo com Cunha (2002), a praça é um local de encontro, onde atividades de lazer e

comunitárias são realizadas. Se um espaço público atrai pessoas, pode ser considerada

uma praça. O espaço urbano tido como antecessor da praça foi a ágora, na Grécia, espaço

aberto normalmente delimitado por um mercado, onde se praticavam a democracia e outras

atividades cívicas. Nem sempre foram inseridas no contexto urbano, sendo muitas vezes

restritas à palácios e edificações pertencentes a figuras influentes.

Durante a evolução desses espaços, os jardins foram as primeiras áreas verdes destinadas

e pensadas para uso como local de encontro em contato com a natureza, ainda que

privados. Registros históricos apontam seu surgimento no Egito e na China. De acordo com

o local, duas tendências foram traçadas, que seguiram influenciando a história do

paisagismo: a egípcia, com traçado formal e retilíneo, propondo um domínio da natureza,

amplamente adotado pelos franceses; e, a tendência chinesa e japonesa, informal, com

traçado mais orgânico e sugerindo apenas a organização da natureza já existente, ou seja,

o predomínio do natural sobre o artificial; esse estilo influenciou a Inglaterra no século XIX.

Também a partir desse século, os desenhos das praças passaram a ser independentes da

existência de mercados, igrejas ou catedrais, sendo inseridas no contexto urbano.

A praça contemporânea brasileira possui diversas funções que englobam recreação,

estética, educação, psicologia e ecologia. Não somente para contemplação, passeio ou

convívio social, hoje as praças são dotadas de equipamentos esportivos, comerciais, de

serviço e, principalmente, culturais. Formando pequenos ou grandes espaços públicos aptos

a receberem eventos diversos, assim como importantes valores simbólicos, permitindo

ações e interações sociais, a manifestação cultural e a potencialização da ideia de

identidade urbana. A partir desse elo de identificação entre a praça e seus usuários, de

fundamental importância, ocorre a apropriação daquele espaço e, consequentemente, a

preservação e o zelo passam a ser características inerentes nessa relação.

O estudo de caso apresentado neste artigo reflete a quebra no vínculo existente entre a

sociedade e a Praça do Boidódromo, decorrente da falta de equipamentos que atraiam a

atenção dos moradores que não seja o já existente. O abandono por parte do governo faz

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com que a manutenção do local seja feita por aqueles que são afetados diretamente por ela

uma vez que são moradores do entorno imediato. A praça, porém, possui grande potencial

para uso, além de conter uma estrutura capaz de receber eventos, que necessita apenas de

reparos e da finalização na execução do projeto.

Metodologia

A metodologia utilizada inicialmente baseou-se no levantamento bibliográfico, no entanto,

devido à falta de catalogação e informação nos arquivos públicos que tratassem sobre

objeto de estudo, o histórico apresentado foi coletado a partir de entrevistas com moradores

locais e idealizadores do projeto da Praça do Boidódromo.

Além disso, houve a pesquisa em campo através de medições e catalogação dos materiais

e do mobiliário presente na praça.

Resultados

Contexto urbanístico

O bairro Poti Velho compreende a área contida no perímetro contido entre os bairros

Mafrense, Alto Alegre, o Rio Poti e as olarias, na Zona Norte da cidade de Teresina, no

Piauí. Possui uma área de 0,37 km².

De acordo com o estudo feito pela Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação de

Teresina, em 2010 a população do bairro Poti Velho representava 0,49% da cidade de

Teresina e diminuiu 11,4% na última década. O rendimento mensal dos domicílios

particulares permanentes em 2010 era de R$ 1020,00 abaixo da média da zona urbana do

município.

O bairro está implantado numa área predominantemente residencial, de tipologias pouco

variadas e com poucos pavimentos, com a presença de comércios de pequeno porte. As

áreas de lazer são escassas. Apesar do bairro ser munido de muitas áreas verdes devido à

sua proximidade com o rio, grande parte das mesmas não possuem fins recreativos, evitada

tanto pela legislação quanto pelo fato de muitas delas se tratarem de áreas alagadiças.

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Existem programas governamentais para a revitalização de áreas localizadas nas margens

de lagoas que regam a região.

A Praça do Boidódromo está localizado no bloco delimitado pelas ruas Cedro, Sapucáia,

Desembargador Flávio Furtado e pela Alameda Mestre João Isidoro França. A mesma é

delimitada a oeste pelos muros das residências locadas no perímetro da praça e possui

suas outras delimitações livres de barreiras físicas.

Próxima a uma das principais vias do bairro, a Alameda Mestre João Isidoro França, a Praça

do Boidódromo está conectada ao centro, shoppings e outros bairros da cidade através de

duas linhas de transporte coletivo. Além disso, está próxima a uma rota turística que

abrange a Zona Norte da cidade, que abrange o Polo Cerâmico, o Encontro dos Rios e o

Parque Lagoas do Norte.

Figura 2: Em sequência, mapa de Teresina, Zona Norte, Bairro Poti Velho e Praça do Boidódromo. Fonte: Google Earth, 2015. Edição: Katharynne Norrana.

Contexto histórico

Datada do ano de 2003, a história da Praça do Boidódromo iniciou quando Raimundo

Aurélio Melo, atual maestro da Orquestra Sinfônica de Teresina, trabalhava na organização

de um musical sobre a história e o ritmo do bumba meu boi. Juntamente com o arquiteto

Júlio Medeiros, nasceu a ideia de criar um espaço dedicado ao enredo do boi, no bairro Poti

Velho. Escolhido, principalmente, por sua tradição forte nessa manifestação folclórica, uma

vez que muitos bois tradicionais da cidade nasceram na região.

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Dessa forma, estudou-se uma área que pudesse abrigar esses concertos. O sítio definido

para implantação ocorreu tanto pela dimensão, quanto pela falta de outros espaços

disponíveis. O arquiteto Júlio Medeiros define a praça como “uma área aberta, uma praça de

eventos que tivesse um palco, uma estrutura para recebê-los e um adereço em homenagem

ao boi. ” A ideia era criar um cenário para receber o concerto e criar referências folclóricas.

Dessa maneira, várias esculturas foram criadas no decorrer da Alameda Mestre Isidoro

França a fim de demarcas o bairro.

Não somente para receber o concerto já planejado, a Praça do Boidódromo supria a

necessidade de um espaço para comportar os tradicionais eventos que ocorrem anualmente

na região como, por exemplo, o Encontro dos Bois. Além disso, seria uma área revitalizada

e arborizada para a comunidade, marcada por eventos e concertos relacionados ao folclore

local, com oficinas sobre o bumba meu boi.

No entanto, a obra coincidiu com o fim do governo de Hugo Napoleão do Rego Neto, em

2003. Com o fim do mandato, a praça não foi finalizada pelo governo sucessor, restando

apenas um palco delimitado por 4 torres coroadas com esculturas, definhando com o passar

do tempo e sem receber eventos como planejado, em uma área extensa.

Levantamento arquitetônico

A Praça do Boidódromo está implantada em um terreno que possui, aproximadamente, 3660

m² e perímetro aproximado de 270 m. Um quadrilátero irregular, favorecido com topografia

plana. O mesmo encontra-se próximo ao rio Poty e à principal via de acesso do bairro, a

Alameda Mestre João Isidoro França.

A Praça do Boidódromo tem uma composição simples: é formada por um pátio central,

retangular, de aproximadamente 330 m². Esse pátio é pavimentado com placas de cimento

quadradas de 2 m e elevado em relação ao terreno por dois degraus com 27 cm de largura

e espelho de 20 cm. Separada por uma faixa da pavimentação de concreto, um banco em

semicírculo admira a estrutura como um todo. Com o banco em cimento, é apoiado ao chão

por pequenos ‘pés’ feitos em tijolinho cerâmico, material facilmente encontrado no Poti

Velho, conhecido por sua produção cerâmica e oleira. O semicírculo delimitado pelo banco é

pavimentado com tijolinhos, em contraste com o cinza presente ao redor.

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No lado oposto, um palco, com aproximadamente 12m de comprimento, avança

ligeiramente sob o pátio retangular, arredondando-se ao encontrar o mesmo, criando um

volume em arco que quebra as linhas retas da área central. É acabado com os mesmos

materiais dos bancos, em sua altura com tijolinhos e com cimento no palco. O acesso é

feito através de duas escadas laterais também revestidas de tijolinho cerâmico.

Figura 3: Planta baixa da Praça do Boidódromo. Fonte: Arquivo pessoal.

Emoldurando o palco há uma grande parede, com altura aproximada a 7 m, de tijolinho com

o adereço feito em metal, homenageando ao boi, obra de Hostyano Machado, artista

plástico com grande produção no Piauí. Essa mesma parede separa a área aberta da área

de apoio, recuada 1,50 m do muro que fecha as residências adjacentes (já existentes na

época da construção). É composta por dois trocadores com entradas opostas, cada um com

seu respectivo banheiro. Aberturas seguem de uma ponta a outra dos cômodos. A cobertura

não possuía uma inclinação acentuada e era coberta frontalmente e posteriormente por

paredes de tijolo cerâmico.

O pátio central é demarcado por quatro torres quadradas com largura de 1m. São divididas

em três faixas: a primeira que entra em contato com o chão, a segunda faixa, com a

continuação da torre rotacionada em 45°, quebrando o volume da mesma e a terceira faixa,

formada pelas esculturas. Estas, feitas pelo mesmo artista do boi presente na parede do

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palco, são quatro personagens do bumba meu boi que contemplam o pátio: Catirina, moça

que fica grávida e deseja comer a língua do boi, Chico, marido de Catirina e assassino do

boi, o Vaqueiro ou caboclo de fita, quem avisa o dono da fazendo sobre a morte do animal e

o Índio, personagem importante responsável por achar o Pai Chico.

Figura 4: Adereços em metal e palco. Praça do Boidódromo. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 5: Esculturas em metal: Catirina, Pai Chico, Vaqueiro e o Índio. Fonte: Arquivo pessoal.

O tijolinho cerâmico é utilizado em toda a estrutura, contrastando com o cimento utilizado no

piso do palco e no pátio central. Essa materialidade conecta a estrutura às tradicionais

olarias do Poti Velho.

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O descaso do governo e a situação atual

O descaso do governo iniciou a partir da troca de mandato, quando a obra foi abandonada e

não finalizada com a construção das oficinas, da praça e a devida arborização. O único

evento ocorrido no local aconteceu no dia de sua inauguração. Desde então, o espaço vem

sendo subutilizado, uma vez que ainda funciona como um campo de futebol improvisado e é

vizinho a um bar local, porém sofre com atos de vandalismo, acúmulo de lixo e deterioração.

Figura 6: Acúmulo de lixo no entorno da praça.

Fonte: Arquivo pessoal.

As poucas manutenções que ocorrem partem dos próprios moradores, o Senhor Raimundo

Costa, morador da região e proprietário de um estabelecimento localizado ao lado da

estrutura, é um dos poucos moradores que cuidam da praça. “Eu vejo todas as praças do

Poti Velho bonitinhas e arrumadinhas, com essa é esse descaso. A própria população joga

lixo aqui, a gente diz ‘não faz isso, não’ e eles dizem que eu quero aparecer, perguntam se

eu sou o dono da praça. ” Um dos banheiros área de apoio foi reformado pelo morador e

hoje é utilizado por seus clientes. O outro, no entanto, continua em estado crítico, com

marcas de queimadas e lixo de toda espécie.

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Figura 7: Bar localizado ao lado da estrutura da praça e banheiro mantido pelo proprietário. Fonte: Arquivo pessoal.

Como se não bastasse a falta de limpeza e manutenção, os órgãos públicos da cidade de

Teresina não possuem registros sobre a praça. Em entrevista à rádio, no dia 25 de

novembro de 2015, às 8:15h, foi perguntado ao Superintendente de Desenvolvimento

Urbano Centro/ Norte a respeito da Praça do Boidódromo, o mesmo afirmou que havia

ocorrido uma reunião e que a praça em questão estava inserida no Programa Lagoas do

Norte, projeto da Prefeitura de Teresina com o intuito de melhorar as condições de vida e

promover o desenvolvimento sócio econômico e ambiental da região das lagoas situadas na

zona norte da cidade, e que a mesma seria revitalizada. De fato, o objeto de estudo do

presente artigo encontra-se na área de intervenção do projeto. No entanto, ao entrar em

contato com o órgão responsável pela mesma, não havia registro de inclusão da praça no

planejamento do programa, o que gera dúvidas a respeito da reforma da mesma.

Ao realizar o levantamento histórico da praça, percebe-se que não existem informações

sobre a mesma na Secretaria de Planejamento de Teresina, na Superintendência de

Desenvolvimento Urbano Centro/Norte, na Unidade de Coordenação do Projeto Lagoas do

Norte, nem na Secretaria Municipal de Economia Solidária de Teresina, órgãos

mencionados sequencialmente no momento da pesquisa. Pouco se sabe também nos

acervos públicos da cidade. O questionamento sobre a praça gera estranheza e confusão. A

praça virou um patrimônio esquecido tanto pelo governo quanto pela sociedade teresinense.

Hoje, o equipamento encontra-se deteriorado. A área de apoio não possui mais esquadrias

(exceto a mantida pelo Sr. Raimundo Costa) e cobertura. As escadas de acesso ao palco

estão em estado lamentável. O palco sofre com a perda do piso e rachaduras. E o acúmulo

de sobras de obras nas residências do entorno e outros tipos de lixo é evidente, assim como

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o uso para ações ilícitas no turno da noite, diminuindo consideravelmente o fluxo de pessoas

no local.

Figura 8: Acúmulo de lixo e depredação. Fonte: Arquivo pessoal.

O potencial da Praça do Boidódromo

O Bairro Poti Velho recebe grandes eventos relacionados ao folclore brasileiro, como o

Encontro dos Bois. Em uma escala maior, Teresina comemora todos os anos festivais

juninos como o Cidade Junina. O primeiro ocorre na Praça Maria do Carmo Rodrigues, a

qual não possui uma estrutura livre adequada para grandes eventos, apesar de atender bem

as necessidades de recreação no seu entorno imediato. O segundo evento, por sua vez,

ocorre na Nova Potycabana, uma área verde com boa estrutura para receber

acontecimentos de grande porte, ainda que tendas e barracas tenham que ser implantadas.

Para este último fato citado, talvez a Praça do Boidódromo não tenha porte para abarcar o

fluxo médio de 200 mil pessoas. No entanto, eventos locais de pequeno porte são cabíveis.

Além disso, uma agenda independente poderia ser criada no intuito de valorizar a cultura

local e as manifestações folclóricas tão inerentes ao bairro. Portanto, existe potencial na

estrutura para que ela seja utilizada da forma que foi idealizada.

Percebe-se que a comunidade do bairro não tem o mesmo sentimento de apropriação do

espalho público que existe com outras praças da região. Dessa forma a manutenção e o

zelo com a área diminuem. No entanto, apesar dos descuidos, a população do Poti Velho

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tem interesse na revitalização da área, assim como os grupos culturais do bairro. A Dona

Amparo, responsável pelo Boi Mirim Raio de Sol, declara que a área não possui muitos

atrativos, mas que seria proveitoso caso a praça fosse revitalizada.

Figura 9: Maquete eletrônica da Praça do Boidódromo.

Fonte: Arquivo pessoal. Edição: Matheus Carvalho.

Conclusão

A Praça do Boidódromo foi idealizada no ano de 2003, com o intuito de criar um

equipamento público em homenagem ao Bumba meu Boi e para as manifestações

folclóricas em Teresina. O projeto, pensado pelo arquiteto Júlio Medeiros, utiliza de

materiais regionais que enraízam e enaltecem a identidade do bairro Poti Velho. No entanto,

pouco valor é dado para a mesma, de maneira que hoje encontra-se abandonada tanto

pelos órgãos governamentais quanto pelos olhos da população.

A praça possui potencial para ser palco de grandes acontecimentos, porém hoje, limita-se a

um patrimônio esquecido e subutilizado. Espera-se que este artigo crie não somente uma

fonte de consulta sobre a mesma, ainda inexistente, mas também um alerta para que os

olhares se voltem para a área e promova a reflexão sobre a apropriação da Praça do

Boidódromo como patrimônio histórico da cidade de Teresina e a carência de preservação

desse espaço. Faz-se necessária, a inserção da Praça do Boidódromo como um ponto de

interesse de tombamento como patrimônio histórico, bem como de revitalização - uma vez

que representa o palco de um legado imaterial esquecido em outros períodos que não os

meses juninos.

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Referências

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de Florianópolis. 2002. 353p. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Universidade

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DIAS, Cid de Castro. Piauí – projetos estruturantes. Teresina: Alínea Publicações, 2006. 290

p.

QUEIROZ, Maria I. Pereira de. O bumba meu boi, manifestação do teatro popular no Brasil.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.2, 1967. Ministério da Educação e

Cultura, Departamento de Assuntos Culturais, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.

SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO. Teresina perfil dos

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2015.