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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EZEQUIEL RODRIGO GARCIA Itajaí, junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

EZEQUIEL RODRIGO GARCIA

Itajaí, junho de 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

EZEQUIEL RODRIGO GARCIA

Dissertação submetida ao Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em

Ciência Jurídica. Orientador: Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa

Itajaí, junho de 2007

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Agradecimentos

Agradeço ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na pessoa de seu atual Presidente, o

Desembargador Pedro Manoel Abreu, pelo incentivo e apoio, sem os quais esta pesquisa não

seria possível.

Agradeço ao Professor Orientador, Dr. Alexandre Morais da Rosa, que soube compreender minhas

dificuldades e relevar meus equívocos, abrindo caminhos para o meu progresso científico.

Agradeço aos professores, funcionários e alunos desta Universidade pelas tantas lições aqui

aprendidas e pelo trato amistoso que sempre me foi dedicado.

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DEDICATÓRIA

A Clarice, minha amada esposa, compreensiva e paciente, que comigo compartilhou os momentos

mais difíceis desta longa caminhada.

Ao Heitor, meu primogênito querido, nascido durante este Mestrado, que teve de superar a

constante ausência que o estudo me impôs.

A Letícia, esperada com carinho para o início da próxima primavera, que tenha um nascimento

tranqüilo e seja, como seu nome sugere, fonte de inesgotável alegria.

Que o futuro reserve a todos eles, muita saúde e paz.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Itajaí, junho de 2007

EZEQUIEL RODRIGO GARCIA

Mestrando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

SERÁ ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA DA UNIVALI APÓS A DEFESA EM BANCA.

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Estado Democrático de Direito:

“O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade,

não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada

das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto

material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir

simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático

qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus

elementos constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica. E mais, a idéia de

democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do

problema das condições materiais de existência.”1

Jurisprudência

Jurisprudência é “o conjunto uniforme e constante das decisões judiciais sobre

casos semelhantes.”2

Súmula

“Súmula é a síntese de um entendimento jurisprudencial extraído de

reiteradas decisões no mesmo sentido.”3

Súmula Vinculante

1 STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 3. Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 92. 2 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 83. 3 GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e extensão das súmulas vinculantes. Juristas.com.br, João Pessoa, a. 1, n. 33, 01/08/2005. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/colunas.jsp?idColuna=322>. Acesso em: 22/12/2005.

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É a súmula que, aprovada por 2/3 dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,

terá, a partir de sua publicação na imprensa oficial, efeito vinculante em relação

aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta,

cabendo reclamação diretamente ao Supremo Tribunal Federal em caso de não

observância de seus preceitos.

Princípio Constitucional

“Princípios Constitucionais são normas jurídicas caracterizadas por seu grau de

abstração e de generalidade, inscritas nos textos constitucionais formais, que

estabelecem os valores e indicam a ideologia fundamentais de determinada

Sociedade e de seu ordenamento jurídico. A partir deles todas as outras normas

devem ser criadas, interpretadas e aplicadas.”4

4 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 106.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... XI

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 5

A DECISÃO JUDICIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 5 1.1 A importância da decisão judicial e a necessidade de sua fundamentação ..5 1.2 A criação de Direito nas decisões judiciais..................................................17 1.3 Diferenças entre o sistema romano-germânico (civil law) e o sistema anglo-saxão (common law) .........................................................................................27

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 39

SÚMULA VINCULANTE................................................................... 39 2.1 Tradição das Súmulas no Direito Brasileiro.................................................39 2.2 Aproximação com o sistema anglo-saxão (common law): a Súmula Vinculante e o stare decisis ...............................................................................47 2.3 O artigo 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 30-12-2004 ....................51 2.4 A Lei n.º 11.417, de 19-12-2006..................................................................65 2.5 Panorama atual ...........................................................................................70

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 73

A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DE ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS......................................................................... 73

3.1 Uma noção dos princípios constitucionais...................................................73 3.2 Princípio da legalidade ................................................................................76 3.3 Princípio do devido processo legal ..............................................................85 3.4 Princípio da independência do juiz ..............................................................92

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 102

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................ 106

ANEXO........................................................................................... 115

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RESUMO

O estudo segue a linha de pesquisa de Hermenêutica Constitucional,

detendo-se especificamente no exame da decisão judicial perante os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direito. Tem por objeto central a Súmula

Vinculante, inserida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Emenda

Constitucional n.º 45, de 08-12-2004, que acrescentou o art. 103-A na

Constituição da República Federativa do Brasil. O dispositivo constitucional foi

regulamentado pela Lei n.º 11.417, de 19-12-2006. Neste trabalho, além de serem

examinadas questões dogmáticas referentes à Súmula Vinculante, se procurou

analisá-la perante três princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito,

que são o princípio da legalidade, o princípio do devido processo legal e o

princípio da independência do juiz. Em conjunto, exigem: a) que cada decisão

judicial seja racionalmente fundamentada, levando em consideração os valores

éticos predominantes no seio social, ainda que não previstos estritamente nos

textos legais, b) que as decisões sejam resultado de um procedimento dialético

(contraditório) de argumentação e contraposição de provas e c) que o magistrado

possa decidir conforme seu livre convencimento, embora fundamentadamente,

atento às peculiaridades do caso concreto. As decisões devem acompanhar a

dinâmica de evolução da atual sociedade, preenchendo em cada caso os campos

de textura aberta dos textos normativos. A Súmula Vinculante surge como

instituto de aproximação do modelo jurídico nacional com o anglo-saxão (common

law), embora sua formatação se distinga bastante de qualquer instituto daquele

modelo, inclusive do stare decisis norte-americano, que tem sido colocado como

inspiração para a Súmula Vinculante no Brasil. A inclusão do art. 103-A no texto

da Constituição representa um marco importantíssimo para o Direito brasileiro,

que abandona parte de sua tradição romano-germânica (de fonte

preponderantemente legal). Numa dimensão dogmática, caberá à Jurisprudência

do próprio Supremo Tribunal Federal definir concretamente as hipóteses de

admissão das Súmulas Vinculantes, porquanto, nesse aspecto, tanto o dispositivo

constitucional quanto a lei regulamentadora, deixaram vários pontos em aberto.

Há inúmeros aspectos nebulosos a serem esclarecidos acerca do tema. A Súmula

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xii

Vinculante, ao tornar obrigatória a acolhida de determinados entendimentos

jurídicos e obrigar as instâncias inferiores à aplicação da interpretação nela

descrita, impede o processo plural e democrático de interpretação da lei e a ela

nega eficácia, na sua múltipla possibilidade hermenêutica. Sobrepõe-se aos

próprios ditames legais, pois a estes o sistema reserva a possibilidade de livre

interpretação. Além disso, ceifa a oportunidade das partes de discutirem em

contraditório os fundamentos jurídicos empregados nos julgamentos dos casos

concretos, pois a decisão judicial passa apenas a subsumir os fatos aos ditames

sumulares. O princípio do devido processo legal, e suas tantas decorrências, é

afetado em boa medida, assim como o é o princípio da independência do juiz, na

apreciação das questões submetidas a seu julgamento.

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem como objeto a Súmula

Vinculante e alguns princípios constitucionais a ela pertinentes, desenvolvendo-se

na linha de pesquisa da Hermenêutica Constitucional.

O seu objetivo é compreender esse novo instituto inserido

recentemente na Constituição da República Federativa do Brasil e confrontá-lo

com princípios nela insculpidos.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando-se da

importância das decisões judiciais no Estado Democrático de Direito (em seu

formato atual) e da necessidade de fundamentá-las racionalmente. Desde que o

juiz não está mais vinculado à letra fria da lei, tem comportamento discricionário

na interpretação do ordenamento jurídico, o qual, porém, há de ser controlado por

meio de mecanismos de verificação da adequação da fundamentação utilizada

em cada julgamento. Ainda neste Capítulo inaugural são apresentadas as

principais distinções entre os sistemas jurídicos romano-germânico (civil law) e

anglo-saxão (common law), o primeiro fundado principalmente na lei e o segundo

na Jurisprudência, destacando-se a contínua aproximação que se tem verificado

entre eles.

No Capítulo 2, cuida-se da Súmula Vinculante propriamente

dita. Para se chegar até ela demonstra-se a evolução das Súmulas no direito

brasileiro, do seu caráter meramente persuasivo de antes até o vinculante de

agora, assinalando a aproximação do sistema jurídico pátrio com o anglo-saxão

(common law). Em seguida, examina-se o texto do art. 103-A da Constituição da

República Federativa do Brasil, inserido pela Emenda Constitucional n.º 45, de

08-12-2004, numa apreciação mais dogmática e voltada para aspectos práticos

da aplicação no novo instituto. Ainda nessa linha, são analisadas as principais

inovações trazidas pela lei que regulamentou o dispositivo constitucional (Lei n.º

de 19-12-2006). Ao final deste Capítulo, tem-se a exposição do panorama atual

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das Súmulas Vinculantes, com a proposta de aprovação dos primeiros

enunciados vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal.

No Capítulo 3, os princípios constitucionais que tem relação

com a Súmula Vinculante são analisados e algumas incoerências no sistema

acabam transparecendo. Depois de uma noção geral dos princípios

constitucionais, passa-se ao estudo do princípio da legalidade, do princípio do

devido processo legal e do princípio da independência dos juízes, apontando-se

os pontos de confronto com as Súmulas Vinculantes.

A presente Dissertação se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre as Súmulas

Vinculantes, que têm gerado profundas discussões na comunidade jurídica.

Por fim, com o estudo realizado, será possível deduzir

algumas observações críticas, que se espera, possam contribuir para o

aprimoramento do debate em torno do assunto.

Para a presente Dissertação foram levantadas as seguintes

hipóteses:

a) a Súmula Vinculante representa a aproximação do

sistema jurídico brasileiro (de raiz romano-germânica) com o sistema anglo-

saxão.

b) a Súmula Vinculante não deixa espaço para a atividade

do intérprete, embora a própria lei o deixe.

c) a Súmula Vinculante inibe o debate contraditório que há

de existir nos processos judiciais

d) a Súmula Vinculante impede o juiz de julgar as causas

conforme seu livre convencimento motivado.

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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação5 foi utilizado o Método Indutivo6, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano7, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa

Bibliográfica11.

5 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

6 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

7 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

8 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

9 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

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10 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja

aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

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CAPÍTULO 1

A DECISÃO JUDICIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1 A IMPORTÂNCIA DA DECISÃO JUDICIAL E A NECESSIDADE DE SUA

FUNDAMENTAÇÃO

No Estado Democrático de Direito as decisões judiciais têm

importância fundamental, pois trazem em si o potencial de garantir e realizar os

tantos direitos individuais e coletivos estabelecidos democraticamente no

ordenamento jurídico, em regras ou princípios12, sem o que não se justificaria a

existência do próprio Estado.

Ainda que breve e simplificada, o presente trabalho não

pode prescindir de uma noção do que seja o Estado Democrático de Direito, cujo

conceito, advirta-se, não deve ser concebido de maneira estática, pronta e

acabada. É algo que vem evoluindo ao longo dos anos, conforme a

especialização do pensamento político, o progresso econômico e as

transformações sociais e culturais.

Eros Roberto Grau, referindo-se ao Estado de Direito (que

para o autor só se justifica enquanto democrático), ensina:

12 “A base do argumento de princípio forma a distinção entre regras e princípios. Regras são

normas que ordenam, proíbem ou permitem algo definitivamente ou autorizam a algo definitivamente. Elas contêm um dever definitivo. Quando os seus pressupostos estão cumpridos, produz-se a conseqüência jurídica. Se não se quer aceitar esta, deve ou declarar-se a regra com inválida e, com isso, despedi-la do ordenamento jurídico, ou, então, inserir-se uma exceção na regra e, nesse sentido, criar uma nova regra. A forma de aplicação de regras é a subsunção. Princípios contêm, pelo contrário, um dever ideal. Eles são mandamentos a serem otimizados. Com tais, eles não contêm um dever definitivo, mas somente um dever-prima-facie. Eles exigem que algo seja realizado em medida tão alta quanto possível relativamente às possibilidades fáticas e jurídicas. Pode expressar-se isso abreviadamente, embora um pouco inexatamente, pelo fato de se designar princípios como ‘mandamentos de otimização’. Como mandamentos ideais, princípios exigem mais do que é possível realmente. Eles colidem com outros princípios. A forma de aplicação para eles típica é, por isso, a ponderação. Somente a ponderação leva do dever-prima-facie ideal ao dever real e definitivo.” (ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 37).

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6

“Este não pode ser visto como um sistema fechado e fixo, com valor em si próprio, mas como conceito temporalmente condicionado (Canotilho 1981/14). Há que substituir a noção de Estado de Direito formal pela de Estado de Direito material, sustentada sobre a concreção do princípio democrático e de uma ordem jurídica legítima. Por isso, a noção de Estado de Direito não deve consubstanciar um fim em si mesmo, mas o meio virtual para a realização da democracia e a construção de uma ordem jurídica legítima.”13

Desde sua concepção moderna (do final da Idade Média), é

possível observar notável evolução do Estado, até atingir a sua atual forma:

democrática de direito. Essa evolução foi acompanhada e determinada pela maior

participação do povo no governo e pela afirmação de certos valores fundamentais

da pessoa humana no sistema jurídico.

Com efeito,

“A necessidade de limitar os poderes do monarca absolutista fez nascer a partir das revoluções burguesas o que se convencionou chamar de constitucionalismo moderno. Alicerçado em valores burgueses, o constitucionalismo moderno proclamou a defesa da liberdade e fez a defesa do individualismo na construção do Estado de Direito para, em seguida, firmada a dignidade da pessoa humana como elemento fundante, contaminado por algumas idéias socialistas, consagrar a ampliação da base democrática e reconhecer a necessidade de regulação de direitos econômicos, sociais e culturais.”14

A exigência de se combater o arbítrio dos reis absolutistas e

de submetê-los a regras previamente estabelecidas para estruturação do Estado

e preservação dos direitos individuais fez nascer a idéia de Estado de Direito.

13 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6. ed., São Paulo: Malheiros,

2005, p. 178-179. 14 DE OLIVEIRA, Daniel Natividade Rodrigues e FILETI, Narbal Antônio Mendonça. Estado

democrático de direito, efetivação dos direitos sociais relativos ao trabalho e princípios constitucionais de direito do trabalho. In: Para um direito democrático: diálogos sobre paradoxos. Alexandre Morais da Rosa (organizador). Florianópolis: Conceito Editorial, 2006, p. 62-63.

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Com o passar dos anos, especialmente com o advento da

burguesia, abriu-se ao povo a possibilidade de participação no governo (exercício

do poder político), definindo, ele próprio ou por seus representantes eleitos, os

rumos do Estado, inclusive quanto aos valores que haveriam de ser juridicamente

tutelados. Surgiu, então, a concepção de Estado Democrático.

Eis a lição de Paulo Márcio Cruz sobre o tema:

“Apesar dessas considerações, os termos Estado de Direito e Estado Democrático de Direito não são exatamente permutáveis. Durante muito tempo, os Estados de direito constitucionais não foram Estados democráticos. Por outro lado, não é difícil imaginar situações nas quais a vontade popular possa adotar decisões contrárias aos direitos do homem. Por conta disto é que a qualificação de Estado Democrático de Direito supõe um equilíbrio entre os princípios em constante tensão, tendo, por um lado, o caráter determinante da vontade popular e, por outro, a garantia de direitos ou situações jurídicas fundamentais do indivíduo, intocáveis, inclusive, por esta vontade.”15

E prossegue o autor:

“O equilíbrio entre estes princípios coloca o Estado Democrático

de Direito diante da necessidade de evitar perigos contínuos de desajustes entre ambos. A imposição de procedimentos muito rígidos para a manifestação popular pode sufocar a vontade da comunidade política. Por outro lado, a adoção de procedimentos com excessiva deliberação popular, o que se convencionou chamar de ‘democratismo’, pode implicar a eliminação dos controles entre os poderes e a marginalização dos poderes individuais.

“A Constituição Democrática aparece, então, como instrumento para tornar compatível o império da vontade popular e as garantias do Estado de Direito. A definição dos direitos fundamentais e garantias constitucionais, a organização dos

15 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

214.

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poderes e a previsão dos procedimentos que atuem legitimamente estabelecem os parâmetros para a manifestação da vontade popular.”16

Além da submissão do governo ao ordenamento jurídico, da

afirmação de direitos fundamentais e da democratização do exercício do poder

político, o Estado Democrático de Direito tem de se voltar para as constantes

demandas sociais, porque nele “estão presentes as conquistas democráticas, as

garantias jurídico-legais e a preocupação social.”17

Hoje se verifica a expansão incessante de direitos a serem

preservados e realizados. Já não basta que se imponham limites à atuação

estatal, a fim de preservar os direitos individuais (de liberdade), é preciso que se

realizem os direitos sociais proclamados democraticamente e inscritos na

Constituição; exige-se, com isso, ação positiva do ente público, tendente a

promover a transformação da realidade desigual e socialmente injusta.

É o que ensina Lenio Luiz Streck:

“O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da

democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois,

também sobre a ordem jurídica. E mais, a idéia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência.”18

16 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

215. 17 STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 3.

Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 92. 18 STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 3.

Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 92.

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9

O Estado Democrático de Direito está comprometido com a

participação popular em todas as esferas de manifestação do poder estatal,

mediante procedimentos previamente disciplinados, e há de se guiar pelos

princípios jurídicos consagrados na Constituição, esforçando-se para efetivar de

modo concreto os direitos individuais e coletivos nela estabelecidos, “para

potencializar as virtualidades inerentes aos princípios estruturantes da

Constituição.”19

Fixados, assim, os traços característicos do Estado

Democrático de Direito, em sua feição jurídica atual, percebe-se que a função

judicial passou a exercer papel imprescindível no processo de efetivação dos

direitos fundamentais consagrados no texto constitucional – norte elementar da

atuação estatal.

De fato, todos os atos do poder estatal somente têm

legitimidade se compatíveis com os aspectos formais e materiais da Constituição,

cuja guarda (e interpretação) cabe em última análise ao Poder Judiciário.

Os contornos do Estado Democrático de Direito estão

traçados na Constituição e a atribuição do Poder Judiciário é justamente velar

pela máxima eficácia do texto constitucional. Logo, como bem lembra Lenio Luiz

Streck, o Poder Judiciário ocupa agora a posição de destaque.

“[...] no Estado Liberal o centro de decisão apontava para o Legislativo (o que não é proibido é permitido, direitos negativos); no Estado Social, a primazia ficava com o Executivo, em face da necessidade de realizar políticas públicas e sustentar a intervenção do Estado na economia; já no Estado Democrático de Direito, o foco de tensão se volta para o Judiciário. Dito de outro modo, se com o advento do Estado Social e o papel fortemente intervencionista do estado o foco de poder/tensão passou para o Poder Executivo, no estado Democrático de Direito há uma modificação nesse perfil. Inércias do Executivo e falta de atuação

do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciário,

justamente mediante a utilização de mecanismos jurídicos

19 NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. São Paulo: revista dos

Tribunais, 2000, p. 58.

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previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático

de Direito.”20

Lúcia Valle Figueiredo segue a mesma linha:

“A jurisdição, portanto, é a pedra de toque do Estado Democrático de Direito. [...]

“O acesso amplo à jurisdição é uma conditio sine qua non da própria cidadania. É uma condição sem a qual não é possível a existência do próprio Estado de Direito. Deve-se dar acesso à jurisdição plena. Qualquer limitação aposta à possibilidade do duplo grau de jurisdição, do acesso amplo à jurisdição, a nosso ver, agride o devido processo legal, garantia constitucional insculpida no inciso LV do artigo 5.º.”21

Em resumo, no dizer de Paulo Márcio Cruz, quando avalia a

evolução do Estado Democrático de Direito, “cada vez mais é fundamental a

atuação judiciária.”22

Essa nova visão da decisão judicial se revela sob outro

prisma, que também merece realce e tem especial interesse no presente trabalho.

As promessas do Estado Democrático de Direito são muitas

e não conseguiram (e não conseguem) se concretizar apenas com a aplicação

fria e impassível da lei.

De há muito está superada a concepção estritamente

positivista que tratava a lei como fonte única do Direito, de imperativa observância

pelos juízes.

20 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise - uma exploração hermenêutica da

construção do Direito. 2.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 44. 21 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O controle judicial dos atos administrativos e a súmula vinculante. In:

Revista Brasileira de Direito Público. Ano 1, v. 1, Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 46 e 55. 22 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

214.

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Essa Doutrina – representada originariamente pela Escola

Exegética23 – entendia dispensável (ou ao menos bastante diminuída) a atividade

interpretativa dos textos legais.

Era o tempo em que,

“a tarefa do intérprete estava reduzida a uma função mecânica de lógica dedutiva: a lei, por sua completude, era considerada a única fonte das decisões jurídicas, e estas constituíam meros silogismos, cuja premissa maior era a lei; a premissa menor era o enunciado de um caso concreto; a conclusão era a solução. Assim, a função do aplicador era apenas subsumir os fatos concretos à determinação abstrata da lei.”24

Tal concepção (retratada no pensamento positivista) tornava

o Poder Judiciário subordinado ao Poder Legislativo e impunha aos juízes a

resolução das controvérsias tão-somente segundo as regras emanadas pelo

Parlamento.25

Os magistrados eram meros técnicos burocratas,

conhecedores e repetidores (fiéis e serviçais) das regras editadas pelo

Legislativo, sem acrescentar-lhes qualquer valor.

Referido modelo, do positivismo legalista, que tinha como

principal atrativo a segurança jurídica (pois as decisões judiciais haveriam de

retratar apenas aquilo que abstratamente já estava previsto nas leis), não

vingou,26 porquanto a norma (como qualquer texto; produto da linguagem que é)

necessita de interpretação, e não há possibilidade de realizá-la de forma

23 “A escola da exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus primeiros expoentes no

estudo e exposição do Código de Napoleão, técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código” (BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 83).

24 FERREIRA, Nazaré do Socorro Conte. Da interpretação à hermenêutica jurídica: uma leitura de Gadamer e Dworkin. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2004, p. 47.

25 Cf. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 28 e 171.

26 Cf. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 222.

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absolutamente objetiva, neutra, como se fosse um procedimento meramente

técnico27. “Esse foi o erro do positivismo, que procurou tratar assepticamente o

direito, de certo modo como os cientistas fazem ao dissecar em laboratório um

animal morto.”28

Plauto Faraco Azevedo, citando Hermann Heller, sintetiza:

“‘... ninguém crê, hoje, que todas as disposições do legislativo popular, em virtude

de uma predestinação metafísica, sejam direito justo.”29

Definitivamente, o juiz não é mais a “boca da lei”; tem

atuação inovadora, criativa; complementa os ditames da norma em cada caso

concreto, emitindo, de fato, juízos de valor.30

Isso porque a norma, sendo expressão meramente

lingüística, “permeada de incertezas e obscuridades”,31 necessariamente precisa

ser compreendida pelo sujeito que a lê. E essa compreensão passa pela vontade

do juiz, e por todos os aspectos sociológicos que o envolvem (sua pré-

compreensão e seus pré-conceitos).

Paulo Márcio Cruz explica:

“Em países como o Brasil – a exemplo dos europeus continentais –, no qual o Direito aparece integrado fundamentalmente por códigos e normas legisladas ou regulamentares formais, também é descabido afirmar que o juiz seja a mera ‘boca da lei’, pois a norma jurídica escrita necessita de interpretação e ajustes a casos distintos. Desde esta perspectiva, o Juiz, ao selecionar um dos muitos sentidos possíveis da norma, seguindo algumas regras de interpretação da mesma e levando em conta o princípio da

27 A esse respeito: WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito: Interpretação da lei: temas

para uma reformulação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1994. 28 NORONHA, Fernando. Direito e Sistemas Sociais – A Jurisprudência e a criação de direito para

além da lei. Florianópolis: UFSC, 1988, p. 180. 29 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999, p. 73. 30 A esse respeito: CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Porto Alegre: Sérgio Antonio

Fabris, 1993. 31 LLOYD, Dennis. A idéia de lei. 2. Ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 330.

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eqüidade, atua na criação do Direito, mesmo considerando que esta tarefa de criação tem um limite, que é a própria lei. O juiz poderá interpretar a lei, mas não ignorá-la ou opor-se a ela.”32

O apego despropositado à lei (como um fim em si mesma) já

não serve. O juiz tem de trabalhar com os aspectos exteriores da norma a fim de

dar-lhe justo sentido diante do caso concreto.

Como elucida Mauro Cappelletti,

“Nem poderia ser de outro modo, pois a interpretação sempre implica um certo grau de discricionariedade e escolha e, portanto, e criatividade, um grau que é particularmente elevado em alguns domínios, como a justiça constitucional e a proteção judiciária de direitos sociais e interesses difusos.”33

Não se trata de abandonar o princípio da legalidade, porque

realmente é conquista histórica dos cidadãos e responsável por grande avanço da

Ciência Jurídica, mas de repensá-lo, em favor de uma cultura jurídica mais

criativa, voltada para a concretização dos direitos fundamentais e a efetividade do

modelo de Estado Democrático de Direito definido na Constituição.

Robert Alexy afirma a existência de um campo aberto do

direito além da lei, ao qual se dedica a argumentação jurídica.

“Nenhum dador de leis pode criar um sistema de normas que é tão perfeito que cada caso somente em virtude de uma simples subsunção da descrição do fato ao tipo de uma regra pode ser solucionado. Para isso existem vários fundamentos. De importância fundamental são a vagueza da linguagem do direito, a possibilidade de contradições normativas, a falta de normas, sobre as quais a decisão deixa de apoiar-se, e a possibilidade de, em

32 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

141. 33 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.

Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p.128-129.

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casos especiais, também decidir contra o texto de uma norma. Existe, sob esse aspecto, uma abertura necessária do direito.”34

Essas assertivas acerca da relação do juiz com a lei (hoje já

incontroversas na Doutrina) também servem para definir a relação do juiz com a

Jurisprudência. Afinal, se o juiz não é mais escravo da lei, também não pode ser

mero repetidor mecânico dos entendimentos jurisprudenciais.35

Enfim, a prestação jurisdicional no Estado Democrático de

Direito tem de avaliar a situação concreta e os argumentos despendidos pelas

partes, apontando racionalmente os seus motivos determinantes, o que, aliás,

integra o princípio do devido processo legal.

Para tanto, imprescindível que cada magistrado tenha

independência na formação de sua convicção pessoal.36

Tudo isso torna imprescindível (e valoriza sobremaneira) a

fundamentação da decisão judicial, a fim de reduzir o seu potencial de

arbitrariedade e possibilitar a sua avaliação frente aos critérios materiais e

procedimentais de validade e adequação.

Valendo-se da obra de Helmuth Coing, Plauto Faraco de

Azevedo sintetiza: “decidir ‘não significa subsumir pura e simplesmente nem

importa em decidir livremente, mas resolver segundo as idéias e objetivos morais

do direito.’”37

Evidente que ao mesmo tempo em que se permite ao juiz

maior liberdade na construção das decisões judiciais, dele se exige maior solidez

na fundamentação.

34 ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2007, p. 37. 35 A esse respeito, ver item 3.4 deste trabalho. 36 A independência funcional do magistrado é uma exigência do Estado Democrático de Direito,

conforme se verá no item 3.4. 37 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999, p. 70.

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Não basta ao órgão julgador cumprir formalmente a

obrigação de declinar os motivos de fato e de direito que o levam a fornecer a

tutela jurisdicional em cada caso trazido a seu julgamento.

É preciso que os fundamentos jurídicos invocados pelo

julgador sejam aceitos pelos destinatários da tutela como racionalmente válidos,

pertinentes à situação concreta, conformes os princípios constitucionais e os

valores morais prevalecentes na sociedade (especialmente o sentimento comum

de justiça).38

O Estado Democrático de Direito exige, sob pena de

nulidade, que as decisões judiciais sejam fundamentadas,39 consoante a lição de

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira:

“Segundo Robert Alexy, essa exigência de fundamentação das decisões judiciais, que deve dar-se através de uma argumentação racional, pode estender-se a todos os casos em que os juristas argumentam:

“‘A questão do que seja argumentação racional ou argumentação jurídica racional não é por conseguinte um problema que haja de interessar somente aos teóricos do Direito ou aos filósofos do Direito. Se o coloca com a mesma urgência ao jurista prático, e interessa ao cidadão que participa das coisas públicas. De que seja possível uma argumentação jurídica racional depende não só o caráter científico da Jurisprudência, senão também a legitimidade das decisões judiciais.’

“O Direito, sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, não é indiferente às razões pelas quais ou ao modo através do

38 Sobre a possibilidade de extrair do meio social um sentimento comum de justiça, tem-se: MELO,

Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Fabris Editora, 1994. 39 Constituição da República Federativa do Brasil determina que os julgamentos do Poder

Judiciário sejam públicos e fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade (art. 93, IX).

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qual um juiz ou tribunal toma suas decisões: ele cobra a reflexão acerca dos paradigmas que informam a própria decisão judicial.”40

A decisão judicial representa o exercício do poder estatal e,

por isso, ante o princípio democrático, deve apresentar as suas justificativas, de

modo racional, levando em consideração o que foi alegado pelas partes em

contraditório – decorrência do princípio do devido processo legal.

Há de apresentar uma argumentação “consistente e de

aceitabilidade racional”41 que satisfaça as aspirações de justiça do caso concreto

e a pretensão de certeza (segurança) jurídica.

Em resumo,

“... por um lado, o princípio da certeza requer decisões que podem ser consistentemente tomadas no quadro do Direito vigente; por outro, a pretensão de legitimidade da ordem jurídico-democrática requer decisões consistentes não apenas com o tratamento anterior de casos análogos e com o sistema de normas vigente, mas pressupõe igualmente que sejam racionalmente fundadas nos fatos da questão, de tal modo que os cidadãos possam aceitá-las como decisões racionais.”42

Essa tarefa, contudo, é bastante espinhosa, e tem

proporcionado sérios debates na comunidade jurídica, especialmente no campo

da Hermenêutica e da Argumentação.

As várias teses existentes a esse respeito não podem aqui

ser expostas, sequer em síntese, porque extrapolam os parcos limites deste

estudo e se afastam por demais de sua linha central de pesquisa. Ademais, em

seara de tantas variantes e complexidades, atenta contra a responsabilidade

científica pretender em poucas linhas apresentar um quadro seguro e confiável

40 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2001, p. 141-142. 41 HABERMAS, Between facts and norms, cap. 5, p. 198, apud CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo

Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 141-142. 42 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2001, p. 142.

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das diversas linhas de pensamento sobre a fundamentação das decisões

judiciais.

A esse respeito, basta assinalar o ponto em que há

concordância na Doutrina, conforme Luiz Werneck Vianna:

“... o reconhecimento do Poder Judiciário como instituição estratégica nas democracias contemporâneas, não limitada às funções meramente declarativas do direito, impondo-se, entre os demais Poderes, como uma agência indutora de um efetivo checks and balances e da garantia da autonomia individual e cidadã.”43

O que basta à continuidade lógica e racional do trabalho é

firmar a premissa de que as decisões judiciais (como emanação do poder estatal

constituído democraticamente) devem ser elaboradas conforme o Direito

(compreendido também além da lei) e fundamentadas racionalmente.

Como se verá no Capítulo 3, a aplicação de Súmula

Vinculante ao caso concreto, por mera subsunção formal, sem referência aos

argumentos expostos no processo, compromete essa necessidade de

fundamentação racional das decisões judiciais.

1.2 A CRIAÇÃO DE DIREITO NAS DECISÕES JUDICIAIS

Pelo que se viu, o magistrado dos tempos atuais não é servo

da lei (e tampouco da Jurisprudência); o seu compromisso é dar justa resposta

aos conflitos submetidos à sua apreciação, fundamentando racionalmente suas

decisões, mesmo que para isso lhe seja preciso afastar-se da previsão legal

abstrata.

Plauto Faraco de Azevedo expõe o pensamento que

predomina na Doutrina:

43 VIANNA, Luiz Werneck. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de

Janeiro: Revan, 1999, p. 24.

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“Por isto, não se pode limitar o jurista ao conhecimento técnico-jurídico dos diplomas legais, de seus conceitos e princípios. Este saber, por certo indispensável, tem, no entanto, caráter instrumental, isto é, constitui ferramenta hábil à procura de soluções materialmente justas ao convívio inter-humano.”44

A menor importância dada à dimensão axiológica do Direito

é responsável pela petrificação (engessamento) da ordem jurídica, pela abdicação

da responsabilidade do jurista, pelo fechamento do discurso jurídico sobre si

mesmo, pelo seu desacordo com a realidade social e pela mecanização da

aplicação (estéril) do Direito45.

Luigi Ferrajoli anota:

"... a sujeição do juiz à lei já não é de fato, como no velho paradigma juspositivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas sim sujeição à lei somente enquanto válida, ou seja coerente com a Constituição. E a validade já não é, no modelo constitucionalista-garantista, um dogma ligado à existência formal da lei, mas uma sua qualidade contingente ligada à coerência - mais ou menos opinável e sempre submetida à valoração do juiz - dos seus significados com a Constituição. Daí deriva que a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a própria lei, relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos."46

A vida do direito não se dá sem valorações, isto é,

contraposições de normas a fatos sociais, em busca da regulação mais

apropriada ao contexto histórico-social.

44 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999, p. 24. 45 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999, p. 22. 46 FERRAJOLI, Luigi. O Direito como sistema de garantias. In: OLIVEIRA JÚNIOR, José

Alcebíades (org.). O novo em Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 90-91.

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“O juiz está vinculado à lei, mas ele a manipula de forma

criativa.”47 Deve promover “a criação inteligente, progressiva e corrente do

direito.”48

Por isso, aceita-se hoje a idéia de que os juízes e tribunais

criam Direito a partir de suas decisões, com efeitos limitados à coisa julgada.

Essa visão está presente de forma muito clara na obra de

Mauro Cappelletti:

“Quando se diz – como faz o ‘Chief Justice’ Barwick, para citar apenas exemplo recente – que a expressão do direito legislativo, no estado moderno estendida a muitíssimos domínios antes ignorados pela lei, acarretou e ainda está acarretando consigo a paralela expansão do direito judiciário, subtende-se obviamente a negação da clara antítese entre interpretação judiciária e criatividade dos juízes. Encontra-se implícito, em outras palavras, o reconhecimento de que na interpretação judiciária do direito legislativo está ínsito certo grau de criatividade. O ponto, de resto, tornou-se explícito pelo próprio Barwick quando escreve que ainda ‘a melhor arte de redação das leis’, e mesmo o uso da mais simples e precisa linguagem legislativa, sempre deixam, de qualquer modo, lacunas que devem ser preenchidas pelo juiz e sempre permitem ambigüidades e incertezas que, em última análise, devem ser resolvidas na ia judiciária.

“O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da

criação do direito por obra dos tribunais judiciários.”49

47 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle de decisões judiciais por meio de recursos de estrito

direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 101.

48 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica – Ética e justiça. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 55.

49 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 20-21.

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De fato, a atividade judicial, por si só, exige interpretação, e

esta, não há como negar, permite ao julgador a inovação na ordem jurídica –

criação do Direito além da lei.

Além dessa constatação – decorrente da própria positivação

do direito – para o processo de valorização e alargamento da possibilidade

interpretativa (e, por isso, construtiva) do Direito pelo Poder Judiciário

contribuíram: a) a exigência (e postulação) cada vez maior de efetivação dos

direitos fundamentais, de cunho individual e coletivo, consagrados no texto

constitucional; b) a deficiente atuação do Poder Legislativo; c) a edição de textos

normativos com expressa previsão de campos abertos para interpretação casual.

No Brasil, sobretudo após o advento da Constituição da

República Federativa de 1988, ampliou-se vultosamente a gama de direitos dos

cidadãos e, por conseguinte, a busca da respectiva tutela judicial.

Nesse contexto, ante a evolução do pensamento jurídico e a

inércia do Poder Legislativo, o Judiciário (ainda que a passos lentos50), compelido

por essa avalanche de novas demandas de caráter constitucional, passou a

outorgar direitos e a construir entendimentos próprios, independentes de previsão

legal.

Por outro lado, a dinamização e a complexidade cada vez

maior das relações sociais impede que o Parlamento consiga regulamentar as

tantas situações conflituosas que surgem cotidianamente. Os fatos se desenrolam

50 Exemplo típico de acomodação do Judiciário é a configuração dada pelo Supremo Tribunal

Federal ao Mandado de Injunção. A propósito: “EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA INSCRITA NO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89, QUE REGE O DIREITO DE GREVE NA INICIATIVA PRIVADA, ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. MANDADO DE INJUNÇÃO UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DO MANDADO DE SEGURANÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. Este Tribunal entende que a utilização do mandado de injunção como sucedâneo do mandado de segurança é inviável. Precedentes. 3. O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa 4. Mandado de injunção não conhecido.” (STF, MI 689/PB, Relator Min. Eros Grau, em 07/06/2006).

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em tempo infinitamente menor do que a capacidade de elaboração das normas, e

em grau cada vez mais específico e intricado. Não há tempo nem conhecimento

que satisfaçam essa contínua demanda.

Muitas questões de difícil compreensão e resolução,

polêmicas e altamente controvertidas (que certamente exigiriam estudo

aprofundado) são constantemente levadas às casas legislativas e delas se exige

resposta por demais ágil, quase imediata.

Há em muitos casos forte pressão exercida pelo meio social

sobre os parlamentares, a prejudicar seriamente a edição das normas.

Ainda que o Poder Legislativo estivesse totalmente imbuído

do escopo de exercer a sua função em sua máxima completude, todo o seu

esforço não seria capaz de alcançar o invencível avanço da sociedade

contemporânea.

Enfim, a produção legislativa é reconhecidamente deficitária,

e não há perspectiva de que o quadro seja revertido. Muito pelo contrário, a

tendência é que as crescentes postulações sociais façam agravar ainda mais

essa situação.

É o que escreve Sálvio de Figueiredo Teixeira:

“A complexidade da vida contemporânea implica prolífica edição normativa e induz inusitados desdobramentos nos procedimentos hermenêuticos. A lei moderna, fruto de compromissos e resultado do acordo possível na heterogeneidade de um Parlamento, é não raro vaga e ambígua. Nesse quadro, o juiz precisa ser provido

inclusive de suficiente argúcia para detectar o alcance da lei.”51

Por isso, a criação do próprio Direito tem sido transferida da

esfera legislativa para o processo judicial, em que as partes litigantes podem

deduzir seus argumentos e produzir suas provas, obtendo justificadamente uma

51 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A criação e realização do direito na decisão judicial. Rio de

Janeiro: Forense, 2003, p. 9.

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resposta do Estado para a situação concreta, às vezes sequer estabelecida

abstratamente no ordenamento jurídico.

Essa transferência, em algumas situações, pode ser vista na

própria legislação, mediante a inclusão de termos com textura aberta, em que

cabe ao magistrado definir o real alcance da norma.

O fenômeno já não ocorre apenas no texto constitucional

(onde os princípios devem mesmo ter abrangência ampla), mas também na

legislação ordinária.

Na Lei n.º 8.078, de 11-09-1990 (Código de Defesa do

Consumidor), por exemplo, o art. 51, IV, prescreve que são nulas de pleno direito

as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas,

abusivas ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. A lei não fornece o

conceito de obrigações contratuais dessa natureza; cabe ao juiz, diante das

peculiaridades do caso concreto e dos princípios que regem a proteção do

consumidor, definir o alcance da norma, valendo-se de critérios hermenêuticos.

O Código Civil de 2002 está repleto desses termos com

textura aberta. A título de ilustração, tem-se o art. 157, que considera anulável o

negócio jurídico em que uma pessoa, por inexperiência ou sob premente

necessidade, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da

prestação oposta (instituto da lesão). A inexperiência ou a necessidade do

contratante, bem como a desproporção entre as prestações ajustadas são

questões bastante subjetivas, que exigem do juiz avaliação das circunstâncias

exteriores à letra da lei.

Da mesma forma, o art. 422 do Código Civil determina que

as partes contratantes observem os princípios da probidade e boa-fé. O real

alcance dessa previsão só poderá ser delimitado com o exercício do processo

hermenêutico, nas decisões judiciais, até que se consolide, na Jurisprudência,

entendimentos a esse respeito.

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“O novo Código Civil brasileiro, neste particular, pretende conciliar o sistema oitocentista da codificação, com a chamada ‘estrutura aberta’, outorgando ao juiz enorme campo de atuação, especialmente na área de família. Conferiu-se, desse modo, maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa, possibilitando que ele recorra a critérios ético-jurídicos, que permitam chegar à concretização da norma. O direito civil, em aparente paradoxo, a partir do novo Código se apresenta como um ‘direito em construção’. Para o juiz se transfere a missão de construtor em uma estrutura quem longe de ser estática e rígida, é fluida, fornecendo amplo espaço pata a criatividade judicial.”52

Na esfera penal (cuja proteção ao cidadão sempre foi

essencial ao Estado de Direito), observa-se que a decretação de prisão cautelar

(temporária e preventiva), assim como a quebra do sigilo telefônico e bancário –

medidas sabidamente drásticas e de cunho excepcional – são condicionadas a

presença de requisitos bastante abertos, que permitem ao juiz, mediante

argumentação jurídica (às vezes, mera retórica), decidir como bem quiser e, ainda

assim, sob o amparo da lei.

Essa realidade é verificada em todos os ramos do Direito,

porque inegavelmente há nos diplomas legais (em maior ou menor grau)

aberturas para a atuação hermenêutica (e criativa) do julgador. Aliás, desde o

advento do positivismo, a possibilidade de criação judicial do Direito (bem mais

restrita, é verdade) já existia, a fim de preencher as lacunas e resolver as

antinomias do sistema, autorizando-se o magistrado a valer-se da analogia, dos

costumes e dos princípios gerais.

Fernando Noronha, com a profundidade que lhe é própria,

aduz que o sistema jurídico está em permanente interação com a sociedade e

que somente a atividade judicial pode absorver com a agilidade necessária essa

evolução dinâmica e complexa das relações sociais. A verificação e a

interpretação das transformações sociais (e suas orientações para o Direito) são

muito mais eficientes no campo judicial do que no legislativo.

52 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São

Paulo: Saraiva, 2005, p. 122.

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“No que concerne especificamente ao papel da jurisprudência na criação do Direito, uma visão sistêmica continua revelando-se extremamente profícua. Hoje não se discute mais a afirmativa de que não existe isso da simples subsunção do fato (premissa menor) à norma (premissa maior), no ato de aplicação do Direito. Toda aplicação da lei, demonstrou Esser, é já interpretação e como toda interpretação, é realização de valores, é escolha entre várias valorações possíveis. Assim, cada decisão judicial pode dar uma contribuição, maior ou menor, conforme a posição do órgão judicante na organização judiciária e conforme o peso das razões invocadas, para a incessante adequação do Direito ao circunstancialismo social, as decisões anteriores alimentam as posteriores, os acórdãos dos tribunais superiores influenciam os juízes inferiores, assim se criando uma cadeia sem fim, onde a incessante busca pelas melhores soluções só é sinônimo de vitalidade. O Direito é law in action, não law in the books, como dizia Pound. Nesta cadeia sem fim, desvanecem-se os limites entre a atividade meramente interpretativa do direito existente e a

de criação judicial de novo Direito.”53

Para Fernando Noronha, a Jurisprudência tem o condão de

garantir a força viva (criativa) do Direito, justamente porque não é estática – evolui

conforme os anseios sociais.

A contrario sensu, se a Jurisprudência se consolida em

enunciados estáticos (imutáveis), como as Súmulas Vinculantes, impede o

movimento dinâmico do Direito e acaba se traduzindo numa outra forma de

positivismo, que talvez se possa chamar aqui de “positivismo jurisprudencial”: o

juiz como a “boca dos enunciados jurisprudenciais”, como mero repetidor

mecânico e acrítico desses enunciados.

Destacando o elemento volitivo da decisão judicial, cujo

conteúdo discricionário deve ser minimizado em prol de uma fundamentação

racional e compartilhada com a comunidade, assevera Luís Roberto Barroso:

53 NORONHA, Fernando. Direito e Sistemas Sociais – A Jurisprudência e a criação de direito para

além da lei. Florianópolis: UFSC, 1988, p. 183.

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“A moderna dogmática jurídica, de longa data não endossa a crença de que as normas jurídicas tenham, invariavelmente, sentido unívoco, oferecendo uma única solução possível para os casos concretos aos quais se aplicam. Em muitas hipóteses, a norma – especialmente a norma constitucional, quando tem conteúdo fluido e textura aberta – oferece um conjunto de possibilidades interpretativas, figurando como uma moldura dentro da qual irá atuar a criatividade do intérprete. Como conseqüência, a atividade de interpretação da norma consistirá também em um ato de vontade (volitivo), uma escolha, envolvendo uma valoração específica feita pelo intérprete. Tal escolha é vista por parte da

doutrina como o exercício de uma discrição judicial.”54

Há ainda outro aspecto relevante dessa questão. A

aceleração da produção legislativa, sem o devido comprometimento social e

constitucional, faz com que o processo legislativo se desenvolva apenas em seus

parâmetros formais. Os filtros de constitucionalidade e pertinência social

estabelecidos no processo legislativo acabam não funcionando adequadamente,

razão pela qual o Poder Judiciário é freqüentemente provocado a se pronunciar

sobre a constitucionalidade e a validade das leis, e acaba, em última análise,

definindo a legislação vigente no país.

Isso o faz exercer atividade tipicamente política, conquanto o

faça mediante argumentação jurídica.

“O próprio papel do Judiciário tem sido redimensionado. No Brasil dos últimos anos, deixou de ser um departamento técnico especializado e passo a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Tal circunstância acarretou uma modificação substantiva na relação da sociedade com as instituições judiciais. É certo que os métodos de atuação e de argumentação empregados por juízes e tribunais são jurídicos, mas a natureza de sua função é inegavelmente política. Embora os órgãos judiciais não sejam integrados por agentes públicos eleitos, o poder de que são titulares, como todo poder em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em

54 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição

sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 56.

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nome do poder político e deve contas à sociedade. Essa constatação ganha maior realce quando se trata do Tribunal Constitucional ou do órgão que lhe faça as vezes, pela repercussão e abrangência de suas decisões e pela peculiar

proximidade entre a Constituição e o fenômeno político.”55

Assim, o Poder Judiciário ganha importante espaço na

criação do Direito, não só pelo natural alargamento de seu trabalho hermenêutico,

mas também pelo ingresso no ordenamento jurídico de diplomas legais cada vez

mais abertos e flexíveis.

A compreensão de que os ditames da Constituição devem

se sobrepor às demais regras do ordenamento, a deficiência da legislação infra

constitucional e a inexorável atividade interpretativa atinente à função jurisdicional

têm posto a decisão judicial na categoria de fonte de Direito, mesmo no Brasil,

cujo sistema jurídico segue a linha do civil law.56 De fato, “a atividade dos juízes e,

por via de conseqüência, os precedentes judiciais constituem importante fonte de

direito, mesmo no âmbito dos sistema jurídicos de tradição romanística (civil law),

como incidência muito mais ampla do que normalmente se imagina.”57

Mas à interpretação judicial devem se impor limites materiais

e procedimentais para que não haja arbitrariedades ou, como observa Lenio Luiz

Streck, a ampliação hermenêutica não pode significar que os juízes e tribunais

possam substituir-se ao legislador, a partir de decisionismos e voluntarismos,

numa espécie de retorno ao positivismo fático (realismo jurídico), afinal, “não se

pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa.”58

Na lição de Mauro Cappelletti:

55 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição

sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 60.

56 Cf. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 49.

57 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.18.

58 STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 167.

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“Quando se afirma, como fizemos, que não existe clara oposição entre interpretação e criação do direito, torna-se contudo necessário fazer uma distinção, como dissemos acima, para evitar sérios equívocos. De fato, o reconhecimento de que é intrínseco em todo ato de interpretação certo grau de criatividade – ou, o que vem a dar no mesmo, de um elemento de discricionariedade e assim de escolha –, não deve ser confundido com a afirmação de total liberdade do intérprete. Discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade, e o juiz, embora inevitavelmente criador do direito, não é necessariamente um criador completamente livre de vínculos. Na verdade, todo sistema jurídico civilizado procurou estabelecer e aplicar certos limites à

liberdade judicial , tanto processuais quanto substanciais.”59

A fundamentação é essencial ao exame de pertinência,

legitimidade e validade da decisão judicial, pois “decidir sem possibilidade de

controle é decidir de forma incompatível com o sistema democrático,”60 e esse

controle só pode ser exercido se as partes tiverem acesso aos verdadeiros

motivos que formaram o convencimento do órgão julgador.

A definição desses vínculos de restrição ao poder criativo

dos juízes interessa à Argumentação e à Hermenêutica Jurídica e refoge dos

limites deste trabalho. O importante é saber que a decisão judicial não está presa

às amarras da lei (muito menos aos entendimentos jurisprudenciais já

consolidados) e pode promover a criação concreta do Direito, para satisfazer o

sentimento de justiça e garantir a efetividade dinâmica que a sociedade dele

espera.

1.3 DIFERENÇAS ENTRE O SISTEMA ROMANO-GERMÂNICO (CIVIL LAW) E

O SISTEMA ANGLO-SAXÃO (COMMON LAW)

O precedente judicial é encarado de forma diversa nos

sistemas romano-germânico (civil law) e anglo-saxão (common law), embora em

59 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.

Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 24. 60 CALMON DE PASSOS, J. J. Súmula Vinculante. Genesis: Revista de Direito Processual Civil,

ano 1, n. 1. Curitiba: Genesis, 1996, p. 631.

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ambos a decisão deva ser racionalmente fundamentada e promova, com as

respectivas peculiaridades, a criação de Direito.

Antes de evoluir no estudo das decisões judiciais,

necessário que se exponha uma noção, ainda que sucinta, dos contornos de cada

um desses dois sistemas jurídicos tradicionais do mundo ocidental.

Desde logo, contudo, ressalta-se (a fim de lastrear o

raciocínio subseqüente) a constante aproximação verificada nos últimos tempos

entre eles, a reduzir sensivelmente as suas diferenças originais. Parafraseando

Miguel Reale, Lenio Luiz Streck anota:

“Em virtude dessa crescente afirmação da jurisprudência, continua o professor paulista, acentua-se, cada vez mais, no mundo ocidental, significativa aproximação entre o sistema de Direito continental-europeu e latino-americano (de origem romanística, sob o primado da lei) e o sistema da common law, marcadamente costumeiro e jurisprudencial. É que, enquanto em nosso sistema aumenta, dia a dia, a força dos ‘precedentes judiciais’, o processo legislativo cresce em importância nos Estados Unidos e até

mesmo na Inglaterra, conclui”61.

No mesmo rumo, escreve Rodrigo Jansen:

“Tudo isso é reflexo da tendência universal de aproximação dos sistemas common law e romano-germânico. Tanto de um lado se tem a disseminação de leis (statutes) nos países da common law, como a jurisprudência vem ganhando espaço nos países que adotam o sistema romano-germânico.”62

Não obstante essa aproximação (que no Brasil alcançou seu

ápice com o advento da Súmula Vinculante), convém indicar brevemente as

distinções clássicas havidas entre os dois sistemas.

61 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 85-86.

62 JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. Ano 94, v. 838, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 47.

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Basicamente, pode-se afirmar que “no Civil Law a fonte

normativa é a lei escrita, no Common Law, a prática judicialmente reconhecida.”63

Por outras palavras, neste “predomina o casuísmo, o precedente, o sistema

romano-germânico, fundamenta-se na legislação.”64

Paulo Roberto Lyrio Pimenta fornece um pequeno esboço

histórico dos dois sistemas:

“No mundo ocidental há basicamente dois grandes tipos de sistemas jurídicos: o romano-germânico (continental europeu) e o common law. O primeiro formou-se na Europa Continental a partir do século XIII sobre a base do Direito romano. Foi graças aos esforços das universidades européias que este sistema foi elaborado e desenvolvido, com fundamento em compilações do imperador Justiniano. Influenciado por cinco séculos pela doutrina, passou, posteriormente, ao domínio da legislação. Este sistema foi concebido para regular as relações entre os cidadãos, motivo pelo qual predominava, inicialmente, os princípios do Direito Civil.

“O common law desenvolveu-se de maneira autônoma na Inglaterra, a partir de 1066, com a conquista normanda, que trouxe para este país um poder real forte e centralizado. Quando a paz do reino estava ameaçada, ou quando algum acontecimento importante justificava a intervenção real, os Tribunais Reais atuavam, surgindo daí um direito nitidamente público.

“Ambos os sistemas expandiram-se por força da colonização e recepção nos países dominados pelos europeus.”65

André Ramos Tavares traça as principais características dos

dois modelos:

63 SLAIBI FILHO, Nagib. Notas sobre a súmula vinculante no direito brasileiro. Revista Forense,

ano 94, v. 342. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 559. 64 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Súmula com efeito vinculante. Revista Dialética de Direito

Processual., v. 39, São Paulo: Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., 2006, p. 113. 65 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Súmula com efeito vinculante. Revista Dialética de Direito

Processual., v. 39, São Paulo: Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., 2006, p. 113.

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“Há uma radical oposição e (aparente) incompatibilidade entre os modelos mencionados. Realmente, enquanto o modelo codificado (caso brasileiro) atende ao pensamento abstrato e dedutivo, que estabelece premissas (normativas) e obtém conclusões por processos lógicos, tendendo a estabelecer normas gerais organizadoras, o modelo jurisprudencial (caso norte-americano, em parte utilizado como fonte de inspiração para a criação de institutos no Direito brasileiro desde a I República) obedece, ao contrário, a um raciocínio mais concreto preocupado apenas em resolver o caso particular (pragmatismo exacerbado). Este modelo do common law está formalmente centrado na primazia da decisão judicial (judge made law). É, pois, um sistema nitidamente judicialista. Já o Direito codificado, como se sabe, está baseado, essencialmente, na lei.”66

A intensidade da influência exercida pelo precedente judicial

na construção da decisão de um caso concreto é o traço distintivo dos dois

modelos, conforme alerta José Rogério Cruz e Tucci:

“O ponto de referência normativo no âmbito da common law é exatamente o precedente judicial, enquanto, no tradicional sistema das fontes do direito que vigora nos países regidos pela civil law, o precedente, dotado de força persuasiva, é considerado fonte secundária ou fonte de conhecimento do direito.”67

Segundo o autor, o intérprete em ambos os sistemas

jurídicos desenvolve processo lógico-interpretativo no momento de aplicar a lei

(no civil law) e o precedente (no common law), mas anota que o juiz do common

law tem maior esfera de discricionariedade na construção de sua decisão.

“A peculiaridade da incidência do precedente em cotejo com a aplicação da lei consiste sobretudo na amplitude da área de discricionariedade que o juiz inglês possui. A individualização da ratio decidendi é uma operação heurística de natureza casuístico-indutiva, pela qual a regra jurídica é extraída do confronto entre a

66 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417

de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007, p. 20. 67 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 185.

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anterior decisão e o caso concreto submetido à apreciação judicial.

“A sentença do juiz da civil law, a seu turno, também pressupõe um labor intelectual, porém, de cunho normativo-dedutivo, no qual deve ser apresentada uma justificação das circunstâncias fáticas e jurídicas que determinaram a subsunção destes a determinado texto de lei.”68

No civil law (modelo continental europeu) a lei tem papel

fundamental, constituindo a fonte primaz do Direito. Todo o sistema jurídico se

organiza em torno da produção e da interpretação legislativa; os costumes, a

Jurisprudência, os princípios gerais possuem apenas caráter complementar.

As demandas e os valores sociais69 são apreendidos pelo

processo legislativo e resultam na construção da norma. A partir dela, os juízes

julgam os litígios, por um processo interpretativo de fundamentação lógica.

O sentimento coletivo é levado até as casas legislativas,

onde se opera o processo de formação do ordenamento jurídico, “mas sempre

incompletamente”70. É permanente a tensão entre os clamores populares e a

atuação do Poder Legislativo, a quem compete, nesse modelo, traduzir em

normas jurídicas (de cunho geral, abstrato e obrigatório) os valores morais e

culturais prevalecentes na sociedade.

Evidente que o Poder Legislativo não consegue absorver por

completo a dinâmica das transformações sociais e, então, os juízes, mais

sensíveis a essas transformações, na tarefa de aplicar concretamente as leis,

acabam preenchendo os campos de textura aberta dos textos normativos.

68 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 186. 69 “Todas as normas jurídicas, sejam elas formuladas pela via legislativa, sejam-no pela via

conseutudinária ou pela jurisprudência, surgem em resposta a determinadas necessidades sociais, cuja regulamentação se imponha, do ponto de vista da própria sociedade, ou se duas forças dirigentes” (NORONHA, Fernando. Direito e Sistemas Sociais – A Jurisprudência e a criação de direito para além da lei. Florianópolis: UFSC, 1988, p. 68).

70 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 710.

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A atuação da Jurisprudência não deixa de ser relevante no

civil law, contudo, sua feição é persuasiva e mais flexível71, ocupando grau

secundário, como ensina Lenio Luiz Streck:

“Como nos países filiados ao sistema romano-germânico vigora o Direito escrito, a lei é considerada a fonte primordial, quase exclusiva do Direito. A função dos juristas passa a ser a de, em sua tarefa interpretativa, descobrir os significados da lei. O costume, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito faziam parte do que se chama modernamente de fontes do Direito.

“O que deve ser dito é que a partir do século XIX, quando a maioria dos países filiados ao sistema romano-germânico editou seus códigos e promulgou suas constituições, os juristas passaram a buscar na lei sua principal fonte de inspiração. As leis escritas passam a ser tratadas, então, de forma hierárquica, tendo no topo da pirâmide as Constituições dos países.”72

Com efeito, no sistema romano-germânico (ou continental

europeu) ao juiz cabe decidir primeiro conforme a lei:

“Por outro lado, o nosso sistema, ao que parece, não admite que o juiz decida senão com base, fundamentadamente, na lei. Orienta a atividade decisória do juiz o princípio do livre convencimento motivado: há liberdade para analisar as provas, formar a convicção e decidir, com base na interpretação da lei que se entenda correta. O juiz tem, como regra, portanto, no sistema brasileiro, segundo a opinião que predomina, a possibilidade de optar pela interpretação da lei que se lhe apresenta mais acertada.”73

71 Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 185-187 e 255-256. 72 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 67-68.

73 MEDINA, José Miguel Garcia. WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante: relevantes novidades trazidas pela EC n. 45/2004. In: Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 5/2004. Teresa Arruda Alvim

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Da mesma forma:

“A legislação, em países de Direito escrito e de Constituição rígida, é a mais importante das fontes formais. É o caso do Brasil. Há, no Estado moderno – como no Brasil – uma supremacia da lei diante da crescente tendência de codificar o Direito para atender a uma exigência de maior certeza e segurança para as relações jurídicas, devido à possibilidade de maior rapidez na elaboração em modificação do Direito legislado. Daí que o costume passa ser fonte do Direito somente quando incorporado na lei escrita.”74

O common law, por sua vez, não tem esse compromisso

com a lei, que nele ocupa papel secundário – é invocada tão-somente em

situações excepcionais, ou para solucionar conflito insuperável entre direitos

jurisprudenciais, regionais ou estaduais.

Esse modelo é, de modo geral, mais aberto e permeável aos

elementos exteriores do sistema jurídico, cujas lacunas são preenchidas no

cotidiano da atividade jurisdicional, atenta aos novos costumes e aos

desdobramentos da dinâmica social.

Tal sistema jurídico75 se baseia no precedente judicial (cujo

efeito vinculante advém da teoria do stare decisis), que pode ser definido como “a

decisão jurisdicional que veicula um princípio jurídico, com grau de abstração

suficiente para ser aplicado a casos futuros e análogos.”76

“Nos países que adotam o sistema do common law, impera o princípio da obrigatoriedade do precedente, segundo o qual todos os Tribunais estão vinculados às decisões das Cortes Superiores

Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Otávio Campos Fischer, William Santos Ferreira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 389.

74 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 75.

75 Embora haja traços distintivos entre o common law adotado na Inglaterra e o adotado nos Estados Unidos, tais distinções não afetam a essência do sistema, naquilo que interessa ao presente estudo.

76 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Súmula com efeito vinculante. Revista Dialética de Direito Processual., v. 39, São Paulo: Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., 2006, p. 113.

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e estas também se vinculam às decisões da Corte Suprema, as quais, por sua vez, não podem se divorciar dos seus próprios

precedentes.”77

Mas o que vincula os juízes e tribunais é a ratio decidendi,

que geralmente se identifica com um princípio jurídico assentado na motivação do

precedente. Esse princípio deve ser necessariamente observado nos julgamentos

posteriores que tenham similar situação de fato em conflito.

De fato, o precedente, “para produzir eficácia vinculante,

deve guardar absoluta pertinência substancial com a ratio decidendi do caso

sucessivo, ou seja, deve ser considerado um precedent in point.”78

Por ratio decidendi entende-se o princípio ou tese jurídica

suficiente para decidir o caso concreto (rule of law). “É essa regra de direito (e,

jamais, de fato) que vincula os julgamentos futuros inter alia.”79

A indicação dos fatos relevantes, o raciocínio lógico-jurídico

e o juízo decisório compõem a ratio decidendi, que não vem especificamente

destacada do corpo da decisão; é extraída pelos juízes, abstraindo-a do caso

concreto, para aplicação a situações posteriores, de especial similitude fática.80

Todavia, tanto na definição de que determinado precedente

se amolda ao caso concreto, quanto na extensão dos efeitos do princípio jurídico

contido na ratio decidendi, cabe ao juiz o exercício racional de sua

discricionariedade e motivação, como já referido anteriormente e explicitado por

José Rogério Cruz e Tucci:

77 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Súmula com efeito vinculante. Revista Dialética de Direito

Processual., v. 39, São Paulo: Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., 2006, p. 113. 78 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 174. 79 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 175. 80 Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 175.

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“Infere-se daí a relevância que ostenta, no sistema do case law, a interpretação do precedente judicial no cotejo com o caso concreto. A lógica jurídica, nesse particular, tem como pressuposto o método de ‘reasoning from case to case’.

“Em primeiro lugar, o juiz da common law deve aproximar os elementos objetivos que possam identificar a demanda em julgamento com eventual ou eventuais decisões anteriores, proferidas em casos análogos. Procede-se, em seguida, ao exame da ratio decidendi do precedente. Dependendo da postura do juiz, pode este ser interpretado de modo restritivo (restrictive

distinguishing) ou ampliativo (ampliative distinguishing).

E continua:

“Isso significa que não se exige submissão ‘cega’ a anteriores decisões. Permite-se à corte estender um princípio mais além dos limites de um caso antecedente se entender que assim estará promovendo justiça. Caso a aplicação do princípio, entretanto, possa produzir resultado indesejável, o tribunal estreitará ou restringirá ou princípio, ou ainda aplicará precedente diverso’. Por essa razão, deve ser assinalado que o stare decisis não é apenas uma teoria que historicamente resguardou a estabilidade e a uniformidade, visto que suas restrições e ampliações inerentes, bem como os fatores que determinaram a inaplicabilidade de precedentes judiciais, permitem a inafastável flexibilidade do ordenamento da common law, indispensável à evolução e ao progresso do direito.”81

A aplicação do Direito por parte do juiz do common law é

tarefa de profunda complexidade, que lhe exige apurado raciocínio jurídico. Isso

porque a “norma” (princípio, regra ou tese contida na ratio decidendi), que irá

lastrear seu julgamento, não lhe é dada pronta e acabada. Ele é que precisa

extraí-la do contexto da fundamentação jurídica utilizada no precedente, mediante

processo hermenêutico devidamente motivado. Há de encontrar o(s) motivo(s)

81 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 171-172.

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determinante(s) do precedente, desprezando os argumentos marginais,

prescindíveis para o deslinde da contenda.82

Marcelo Alves Dias de Souza chama atenção para a

controvérsia doutrinária que envolve esse assunto:

“Daí ser o conceito de ratio decidendi fundamental para o estudo da teoria do precedente obrigatório; e a primeira coisa que o operador do direito deve fazer, ao analisar um precedente judicial, é tentar identificar, distinguindo do que é dictum, obter dictum ou é mera questão de fato, qual proposição forma sua ratio decidendi.

“Trata-se de uma das questões mais controvertidas da doutrina do stare decisis, pois, afora alguns pontos onde há certa concordância, a doutrina diverge – e muito – na definição do que seja ratio decidendi e na escolha do método mais eficaz de identificá-la no bojo de um precedente judicial.”83

A complexidade desse método deriva do fato de que o

precedente não tem preocupação primordial com os julgamentos subseqüentes.

Está voltado para a resolução do caso concreto. Por isso, toda a sua

fundamentação refere-se às circunstâncias da situação conflituosa

particularmente apreciada. A sua utilização em demandas posteriores é

conseqüência do sistema, mas não há apontamento de argumentos genéricos e

abstratos com a finalidade de formar entendimentos sobre os assuntos

abordados.

Para complicar ainda mais, é comum haver precedentes

com mais de uma ratio decidendi e alguns em que é extremamente difícil

82 “Para a correta inferência da ratio decidendi, propõe-se uma operação mental, mediante a qual,

invertendo-se o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a mesma, se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a tese originária não pode ser considerada ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 177).

83 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 125.

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encontrá-la, chegando-se ao ponto de se considerá-la insuficiente ou

inexistente.84

Depois de encontrar a ratio decidendi, o juiz tem de

examinar se ela se aplica mesmo ao caso concreto (mediante a técnica

denominada distinguishing),85 e em que grau (pode ampliar ou restringir os seus

efeitos diante das peculiaridades da situação fática apreciada), explicitando as

razões de sua decisão.

Ao final, julgará a causa, rejeitando ou acolhendo o pedido,

ainda que parcialmente, sem vinculação ao que fora decidido no precedente,

porquanto o que vincula não é a sua parte dispositiva, mas a sua fundamentação

– paradigma hermenêutico.

No que tange aos julgamentos dos tribunais que contenham

“pontos de vistas convergentes no dispositivo e discordantes na motivação,

quando compatíveis em relação ao tema debatido, proporcionam ao intérprete a

possibilidade de escolha por uma das duas posições.”86

Por outro lado, se a fundamentação divergente revela-se

incompatível com a decisão tomada, não há efeito vinculante e pode apresentar

meros argumentos persuasivos. Entretanto, em algumas situações, esses votos

divergentes “acabam destacando as fissuras da interpretação do paradigma

consolidado e, de certo modo, sinalizam possível mudança na apreciação

posterior de questão semelhante.”87

Nos julgamentos por unanimidade, em que há coincidência

de votos, forma-se, por óbvio, uma única ratio decidendi.

84 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá,

2006, p. 137-139. 85 Considera aplicável o precedente em que há coincidência entre os seus fatos fundamentais

(material facts) e os do caso concreto. 86 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 178. 87 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 178.

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As cortes superiores podem revogar a ratio decidendi

firmada anteriormente, de forma explícita – com efeitos ex tunc (retrospective

overrling) ou ex nunc (prospective overruling) – ou implícita, atendendo à

dinâmica tensão entre Direito e sociedade.

Existe ainda a anticipatory overruling, que “consiste na

revogação preventiva do precedente, pelas cortes inferiores, ao fundamento de

que não constitui good law, como já teria sido reconhecido pelo próprio tribunal ad

quem,”88, mediante alteração de rumo da jurisprudência do tribunal superior,

mesmo que implícita.

88 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004, p. 180.

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CAPÍTULO 2

SÚMULA VINCULANTE

2.1 TRADIÇÃO DAS SÚMULAS NO DIREITO BRASILEIRO

O Direito brasileiro tem suas bases assentadas no sistema

romano-germânico, em que a fonte primária é a lei. A jurisprudência desempenha

papel meramente acessório, cuja contribuição maior é justamente permitir a

adequada interpretação e compreensão da norma, mediante o emprego de

critérios hermenêuticos que lhe assegurem justa aplicação aos casos concretos.

A submissão de casos similares à apreciação judicial faz

com que os entendimentos se consolidem, amadureçam, formem, então,

jurisprudência. Quando um determinado tribunal passa a decidir questões

semelhantes num mesmo sentido, valendo-se da mesma fundamentação jurídica,

tem-se a consolidação, naquele tribunal, de certas posições: surge a

jurisprudência.

Portanto, aos limites deste estudo, considera-se

jurisprudência “o conjunto uniforme e constante das decisões judiciais sobre

casos semelhantes.”89

Apenas uma ou algumas decisões similares não constituem

jurisprudência; trata-se de meros precedentes, sem a capacidade de influenciar

de maneira determinante os demais julgamentos. Somente a uniformização de

entendimentos, adquirida mediante a reiteração de julgamentos uniformes,

permite a afirmação de que há jurisprudência.

89 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 83.

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E uma vez formada a orientação jurisprudencial, é que

natural os tribunais e juízes a sigam, o que se justifica em razão dos princípios da

economia processual e da segurança jurídica, bem como pela razoável

probabilidade de que aquela seja mesmo a mais adequada.

Mas a adoção do posicionamento dominante não é

obrigatória. Cada juiz decide segundo seu livre convencimento (desde que

fundamentado).

Entretanto, em que pese essa prerrogativa concedida ao

magistrado, havendo jurisprudência já firme sobre certo tema, a tendência é que

eventuais convicções pessoais em sentido contrário a ela se curvem. Os recursos

aos órgãos de instância superior se encarregarão de reformar as decisões

divergentes e de solidificar a orientação jurisprudencial prevalecente.

Com o intuito de agilizar os feitos, garantir segurança jurídica

e facilitar o acesso dos juízes e demais operadores jurídicos aos entendimentos

jurisprudenciais já consolidados (uniformizados), expondo-os de maneira direta,

clara e objetiva, surgiu a súmula.

A súmula é, pois, a expressão resumida e precisa de

determinado entendimento jurisprudencial já consolidado. “Súmula é a síntese de

um entendimento jurisprudencial extraído de reiteradas decisões no mesmo

sentido.”90

Luiz Lenio Streckh explica:

“A palavra súmula vem do latim summula, significando sumário, resumo. No âmbito jurídico, a súmula de jurisprudência se refere a teses jurídicas solidamente assentes em decisões jurisprudenciais, das quais se retira um enunciado, que é o preceito doutrinário que extrapola os casos concretos que lhe deram origem e pode ser utilizado para orientar o julgamento de outros casos. As duas palavras – súmula e enunciado –, embora

90 GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e extensão das súmulas vinculantes. Juristas.com.br, João

Pessoa, a. 1, n. 33, 01/08/2005. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/colunas.jsp?idColuna=322>. Acesso em: 22/12/2005.

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tenham significados diferentes, acabaram por ser usadas indistintamente, de modo que por súmula, atualmente, entende-se comumente o próprio enunciado, ou seja, o preceito genérico tirado do resumo da questão de direito julgada.”91

Está prevista no art. 479 do Código de Processo Civil, como

resultado último do incidente de uniformização de jurisprudência:

“Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.

“Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.”

No Direito brasileiro a edição de súmulas se iniciou a partir

de 1963, quando houve expressa previsão para tanto no Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal, mediante proposta encaminhada pelo então Ministro

Victor Nunes Leal – considerado o grande idealizador das súmulas no Brasil.

Posteriormente, foi publicada a Lei n.º 5.010/66, que em seu

art. 63 criava para o extinto Tribunal Federal de Recursos a possibilidade de

organizar súmulas de sua jurisprudência.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de

1973, todos os demais tribunais do país passaram a editar suas próprias súmulas.

Tal como foram concebidas em 1963 e passaram a fazer

parte do sistema jurídico brasileiro – ao menos até a Emenda Constitucional n.º

45 –, as súmulas sempre se revelaram importante base de consulta para todos os

operadores jurídicos, servindo muitas vezes de fundamento único para decisões

judiciais.

91 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São

Paulo: Saraiva, 2005, p. 238.

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Constituem fórmulas concisas que expressam o pensamento

jurisprudencial dominante do respectivo tribunal acerca de determinado assunto, o

que muito contribui para a análise das mais variadas questões jurídicas.

Entretanto, jamais tiveram caráter vinculativo, obrigatório, impositivo, como bem

lembra Mônica Sifuentes:

“A súmula de jurisprudência, prevista no Código de Processo Civil de 1973, tem, tal como foram concebidas as do Supremo Tribunal Federal, caráter persuasivo. Não existe, portanto, obrigatoriedade de sua adoção pelos juízes, nem mesmo em relação às súmulas editadas pelos próprios tribunais a que estão vinculados.”92

Evidente que no dia-a-dia da produção jurídica as súmulas

(ainda que sem efeitos vinculantes) são, na maior parte das vezes, aplicadas sem

enfrentamentos por parte dos juízes de primeiro grau. No entanto, ao magistrado

que encontre óbice à sua aplicação, é reservada a prerrogativa de contrariá-la,

discuti-la e afastá-la do caso concreto.

Da mesma forma, descreve Rodolfo de Camargo Mancuso:

“Mesmo sem a conotação de ser vinculativa, a jurisprudência – mormente em suas formas superlativas – dominante ou sumulada

– nunca deixou de exercer uma inegável força persuasiva dentre nós, ora atuando como convincente reforço de argumento, assim nas peças processuais oferecidas por advogados e Promotores de Justiça, como também na fundamentação das sentenças e acórdãos.”93

De fato, sempre se reconheceu na jurisprudência importante

base de apoio para a construção do Direito, vinculada, contudo, aos ditames da

lei, e assegurada ao julgador a prerrogativa de dela dissentir. De se destacar,

portanto, seu caráter acessório, persuasivo e não vinculativo. Foi assim que as

92 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São

Paulo: Saraiva, 2005, p. 239. 93 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004. Reforma do Judiciário:

Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 5/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Otávio Campos Fischer, William Santos Ferreira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 688.

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súmulas ingressaram no sistema jurídico nacional e atuaram até os últimos anos.

“Sua força, com as exceções já especificadas, lozalizam-se muito mais no terreno

da persuasão do que no da vinculação.”94

Todavia, por força da influência do Direito norte-americano,

que segue o sistema do common law, o Direito brasileiro passou a atribuir à

jurisprudência papel cada vez mais importante. “No ordenamento jurídico

brasileiro é possível perceber a crescente importância dos tribunais e dos próprios

órgãos administrativos superiores no desenvolvimento da vida jurídica.”95

No Brasil, o efeito vinculante dos enunciados

jurisprudenciais foi pouco a pouco ganhando força na comunidade jurídica, e já

havia sido previsto no ordenamento antes mesmo da Emenda Constitucional n.º

45.96

Assim é que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal em ação declaratória de constitucionalidade tem efeito vinculatório (CF,

art. 102, § 2.º).

O art. 38 da Lei n.º 8.038/90, ao permitir que o Relator negue

seguimento aos recursos interpostos perante o Supremo Tribunal Federal e o

Superior Tribunal de Justiça que contrariem súmulas dos respectivos tribunais,

94 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 221.

95 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 86.

96 Com efeito, “não se pode perder de vista que a idéia-força da impositividade do direito sumular já estava presente, em maior ou menor intensidade, em vários textos, como os Regimentos Internos do STF (art. 102 e parágrafos) e do STJ (arts. 122 a 127); a chamada Lei dos Recursos (Lei 8.038/90, art. 38); o Código de Processo Civil vigente (art. 557 e 557-A); a Consolidação das Leis do Trabalho (§§ 3.º a 5.º do art. 896), nestes dois últimos casos por força da Lei 9.756/1998. outrossim, a própria EC n. 45/2004 veio a dar nova redação ao § 2.º do art. 102, de sorte que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF nas ação direta de inconstitucionalidade e ação direta de constitucionalidade (regulamentadas pela Lei 9.868/1999) ‘produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal’” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004. In: Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 5/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Otávio Campos Fischer, William Santos Ferreira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 704-705).

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também impõe aceitação obrigatória dos entendimentos jurisprudenciais

consolidados em súmulas.

Da mesma forma, o art. 896 da Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT), ao tratar da interposição de Recurso de Revista ao Tribunal

Superior do Trabalho, dá caráter impositivo e obrigatório aos enunciados

sumulares deste tribunal, impedindo que as decisões neles assentadas sejam

objeto de apreciação pelo órgão julgador de instância superior.

O art. 557 do Código de Processo Civil, em sua redação

atual, autoriza o Relator a decidir liminarmente o recurso, por decisão

monocrática, quando o fizer com base em súmula do Supremo Tribunal Federal e

ou do Superior Tribunal de Justiça. Há ainda as previsões dos regimentos

internos dos tribunais, que muitas vezes dão às suas súmulas, embora por vias

transversas, força normativa autônoma.

A Lei n.º 11.232/2005, ao alterar a redação do art. 741 do

Código de Processo Civil e acrescentar-lhe o art. 475-L, flexibilizou a coisa

julgada, sempre que a sentença estiver em confronto com a interpretação

constitucional que o Supremo Tribunal Federal (STF) der a determinada matéria.

Tudo isso faz com que o Direito brasileiro se afaste de suas

raízes tradicionais e incorpore institutos de maior afinidade com o sistema da

common law.

Mas nenhuma dessas providências alcançou tamanho

impacto como a instituição da súmula vinculante. Nela, a força normativa da

jurisprudência (por ora apenas do STF) alcançou seu ápice. A partir da reiterada

uniformidade de julgamentos similares, o STF poderá editar proposição de cunho

genérico e abstrato que, na prática, conterá força superior à da própria lei, eis que

é vedada sua discussão mesmo nos órgãos julgadores de instância inferior.

Uma vez fixado determinado posicionamento em forma de

súmula vinculante, esta passa a ser uma regra (texto normativo) de aceitação

obrigatória, que somente ao próprio STF caberá rever.

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Nas palavras de Eros Grau:

“Ao instituir uma súmula vinculante o Supremo exercerá parcela de função normativa. Estabelecerá, mediante a edição de um texto normativo, como deverá ser decidida determinada questão pelos Tribunais infraconstitucionais. Não se trata de uma invenção deste século. Discorrendo sobre os assentos do antigo direito português, CASTANHEIRA NEVES observa que esse instituto ‘[é] original na possibilidade que confere 1) a um órgão judicial (a um tribunal) de prescrever 2) critérios jurídicos universalmente

vinculantes, mediante o enunciado de 3) normas (no sentido estrito de normas gerais, ou de ‘preceitos gerais e abstractos’), que, como tais, 4) abstraem (na sua intenção) e se destacam (na sua formulação) dos casos ou decisões jurisdicionais que tenham estado na sua origem, com o propósito de 5) estatuírem para o futuro, de se imporem em ordem a uma aplicação futura. Originalidade que consiste, portanto, em serem chamados alguns de nossos tribunais, mediante aquele instituto, à proclamação de critérios jurídicos que tanto formalmente, como intencionalmente e ainda temporalmente (ou na sua dimensão de tempo) se nos oferecem com as características de prescrições legislativas’. Insisto neste ponto: a súmula vinculante não é norma; é ainda texto normativo.”97

Para Eros Grau, a norma só será concebida na decisão

judicial, por meio da atividade do intérprete, no momento de sua aplicação

concreta. A Súmula Vinculante é um texto normativo que ainda está no campo

abstrato e carece de atividade interpretativa para se transformar em norma.

“A interpretação do direito opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular: isto é, opera a sua inserção na vida. A interpretação, pois, é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo. É atividade voltada ao discernimento de enunciados semânticos veiculados por preceitos (enunciados, disposições, textos): o intérprete desvencilha a

97 STF, Voto do Ministro Eros Grau, no julgamento da Questão de Ordem em Reclamação n.º

4.219-7, de São Paulo, ainda em tramitação.

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norma de seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete ‘produz a norma’.”98

Dessa forma, figura o intérprete como verdadeiro produtor

da norma, aquele que a desvencilha do texto normativo que a contém. Para Eros

Grau, as normas decorrem da atividade hermenêutica, sendo o ordenamento, no

seu valor histórico-concreto, apenas um conjunto de interpretações, isto é,

conjunto de normas. Assim, os textos normativos constituem apenas

ordenamento em potência, uma série de possibilidades de interpretação, pois “o

significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa.”99

Como lembra o próprio Eros Grau, o instituto da Súmula

Vinculante se assemelha bastante ao dos assentos, do Direito português.

O art. 2.º do Código Civil daquele país dispunha: “Nos casos

declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com

força obrigatória geral”. Todavia, em 1993, o Tribunal Constitucional de Portugal

considerou inconstitucionais os assentos, retirando-lhes completamente a

eficácia, justamente por ferir o princípio da legalidade.100

No Brasil, os assentos estiveram presentes durante o

período em que aqui vigoraram as Ordenações Manuelinas e Filipinas.101 A partir

do século XX, foram abolidos e todas as outras tentativas de reincorporá-los

fracassaram (o último destes fracassos ocorreu na Revisão Constitucional de

1993).

98 GRAU, Eros. A interpretação constitucional como processo. Revista Consulex, Brasília, ano I, n.

3, p. 41. 99 GRAU, Eros. A interpretação constitucional como processo. Revista Consulex, Brasília, ano I, n.

3, p. 41. 100 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 97; SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 199; DA CUNHA. Sérgio Sérvulo. A arcaica súmula vinculante. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40.

101 DA CUNHA. Sérgio Sérvulo. A arcaica súmula vinculante. Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40.

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Logo, o Direito brasileiro moderno (todo o século XX e início

do XXI) se desenvolveu sob o primado da lei, consoante a tradição do sistema

romano-germânico. Agora os arcaicos assentos ressurgem sob nova formatação:

a de Súmulas Vinculantes, inspirada na doutrina norte-americana dos

precedentes obrigatórios, ou stare decisis, do sistema common law. E isso ocorre

justamente ao tempo em que os países vinculados a este sistema passam a dar

maior força à lei, em oposição à jurisprudência.

2.2 APROXIMAÇÃO COM O SISTEMA ANGLO-SAXÃO (COMMON LAW): A

SÚMULA VINCULANTE E O STARE DECISIS

No sistema common law norte-americano existe a figura do

stare decisis – instituto que inspirou a inclusão da Súmula Vinculante no Direito

Brasileiro102 –, que significa: ficar com o que foi decidido ou estar vinculado ao

que foi decidido; é, na verdade, um precedente judicial obrigatório, vinculante.

Para que um precedente tenha essa força vinculatória, como

já visto, é preciso que a sua ratio decidendi se ajuste perfeitamente ao caso

submetido a julgamento. Nesse particular, convém esclarecer que “todo

precedente judicial é composto por duas partes distintas: a) as circunstâncias de

fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na

motivação (ratio decidendi) do provimento decisório.”103

André Ramos Tavares elucida:

“O chamado precedente (stare decisis) utilizado no modelo judicialista, é o caso já decidido, cuja decisão primeira sobre o

102 “A inspiração da súmula vinculante no precedente do Direito norte-americano e na doutrina do

stare decisis não pode ser ignorada. Com efeito, sempre que se imagina conferir eficácia vinculante a decisões de nossa Corte Constitucional, torna-se inescapável o paradigma dos precedentes nos Estados Unidos e de como se processa a criação do Direito pelos seus juízes” (JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. In: Revista dos Tribunais. Ano 94, v. 838, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 47). No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Carlos Veloso defendeu a Súmula Vinculante comparando-a ao stare decisis norte americano (Cf. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes e a reforma do Judiciário: o leito de procusto da justiça brasileira. In: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 35, 1995, p. 32).

103 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 12.

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tema (leading case) atua como fonte para o estabelecimento (indutivo) de diretrizes para os demais casos a serem julgados. A norma e o princípio jurídico são induzidos a partir da decisão judicial, porque esta não se ocupa senão da solução do caso concreto apresentado. Esse precedente, com o princípio jurídico que lhe servia de pano de fundo, haverá de ser seguido nas posteriores decisões como paradigma (ocorrendo, aqui, portanto, uma aproximação com a idéia de súmula vinculante brasileira).”104

Já se viu no item 1.3 deste trabalho que a extração da ratio

decidendi de um precedente não é tarefa tão simples. A “regra” a ser seguida nos

julgamentos posteriores não fica exposta de forma clara. É da leitura e

interpretação de todo o corpo da decisão, sobretudo de seus fundamentos

determinantes, que se colhe (se induz) o princípio, a tese ou a regra vinculatória.

Não há a formação de um enunciado resumido (de cunho genérico e abstrato) do

entendimento prevalecente, como são as súmulas no Brasil.

Isso configura séria distinção entre os modos de

compreensão dos entendimentos jurisprudenciais nos dois sistemas, e na forma

de aplicá-los concretamente.

Como o campo de análise do intérprete do common law é

bem maior (“o precedente deve ser analisado amiúde”105), valoriza-se a sua

atuação discricionária e criativa (mas sempre fundamentada), assim como se

alcança razoável segurança e uniformidade, pois há, na maioria dos precedentes,

explicação completa dos seus motivos, a impedir distorcidas compreensões.

No Brasil a Súmula Vinculante é uma síntese do

entendimento jurisprudencial pacificado, escrita em formato de um texto normativo

(geral, abstrato e obrigatório), tal como a lei, sem referência aos fundamentos de

fato e de direito que a justificaram. Não pode ser confundida com um precedente,

104 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417

de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007, p. 21. 105 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes e a reforma do Judiciário: o leito de procusto da

justiça brasileira. In: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 35, 1995, p. 33

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que expressa as razões que levaram o órgão julgador, naquele caso concreto, a

empregar a ratio decidendi vinculante.

A Súmula Vinculante aparece como um texto normativo (ou

norma de interpretação), cuja força está desprendida dos casos concretos que lhe

deram origem.

Assim, conquanto a Súmula Vinculante seja um instituto de

natureza jurisprudencial, aplica-se (paradoxalmente) pelo critério de subsunção:

premissa menor (fato) em confronto com a premissa maior (súmula) leva a uma

conclusão lógica, que é a decisão.

Daí a crítica atenta de Lenio Luiz Streck:

“Saliente-se, também, que, no Direito norte-americano, as decisões não são proferidas para que possam servir de precedentes no futuro, mas, antes, para solver as disputas entre os litigantes. A utilização do precedent em casos posteriores é uma decorrência incidental. Daí que – e isso é extremamente relevante para a discussão da problemática brasileira – a autoridade do precedent vai depender e será limitada aos fatos e condições particulares do caso que o processo anterior pretendeu adjudicar. Essa circunstância é importante para uma comparação como que ocorre no Direito brasileiro, em que as decisões judiciais se baseiam em ‘precedentes sumulares’ e verbetes jurisprudenciais utilizados, via de regra, de forma descontextualizada. No Direito norte-americano tal não ocorre, mormente pelo fato de que lá, o juiz necessita fundamentar e justificar detalhadamente a sua decisão. Já no Direito brasileiro, de origem continental, basta que a decisão esteja de acordo com a lei (ou com uma Súmula ou com uma ‘ementa jurisprudencial’ ...).”106

106 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes e a reforma do Judiciário: o leito de procusto da

justiça brasileira. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 35, 1995, p. 33

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André Ramos Tavares segue a mesma linha:

“... a súmula não incorpora os casos concretos que formaram a ‘base’ para sua edição. E, sendo a vinculação apenas ao enunciado desta, os magistrados terão de proceder a uma operação mental de verificação do cabimento da súmula ao caso concreto que tenham perante si, bem como das normas aplicáveis a ele.”107

Examinando o texto da Emenda Constitucional n.º 45,

adverte Lenio Luiz Streck que “a institucionalização das súmulas vinculantes não

encontra precedente em outro sistema jurídico de cariz romano-germânico.”108

O Prof. Keith S. Rosenn, da Faculdade de Direito de Miami,

explica a diferença entre a Súmula Vinculante brasileira e o stare decisis norte-

americano, de forma simples:

“... Mas isso é diferente das súmulas vinculantes em dois aspectos importantes: primeiro a súmula aqui, no Brasil, não é gerada por uma decisão única, há uma norma abstrata apoiada nos fatos. Normalmente as súmulas do STF se baseiam em quatro ou cinco acórdãos onde foram estabelecidos um mesmo procedimento que se transforma em súmula. Nós não temos a Súmula, nós temos somente a jurisprudência, e tem que se ver o caso inteiro e entender a norma jurídica como um resultado dos fatos específicos. E se houve um fato diferente que seja relevante, você pode, sem desobedecer essa força vinculatória, distinguir do precedente dizendo que os fatos de um determinado caso são diferentes. E essa é a maneira de argüir, em nosso sistema. Estamos sempre discutindo se os fatos são parecidos ou não. E, muitas vezes, o Supremo muda uma linha de jurisprudência dizendo que os fatos são um pouco diferentes e essas diferenças são significativas para os motivos jurídicos, que alteram uma decisão de maneira importante. Temos que comparar uma

107 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417

de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007, p. 108. 108 STRECK, Lenio Luiz. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: programa de pós-

graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado. Orgs. Leonel Severo Rocha, Lenio Luis Streck, José Luis Bolzan de Morais ... [et. Al.]. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.174.

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decisão com outra e ler os acórdãos inteiros para entender qual é o feito. Aqui todo mundo lê a Súmula e o acórdão permanece desconhecido. Essas são as diferenças importantes entre a súmula vinculante e o nosso sistema de stare decisis.” 109

As ponderação do Prof. Keith S. Rosenn ratificam a

conclusão de que a Súmula Vinculante no Brasil funcionará como mero texto

normativo, a ser aplicado aos casos concretos mediante processo lógico dedutivo

de subsunção, sem compromisso com os fundamentos de fato e de direito

presentes nos Acórdãos que lhe deram origem.

2.3 O ARTIGO 103-A DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO

BRASIL, ACRESCENTADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45, DE 30-

12-2004

O ingresso da Súmula Vinculante no sistema jurídico

brasileiro se deu com a inserção do art. 103-A no texto da Constituição da

República Federativa do Brasil, redigido nos seguintes termos:

"Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

“§ 1.º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

109 ROSENN, Keith S. Direito Comparado: Brasil X Eua. Revista Consulex, Brasília, ano I, n. 10,

1997, p. 8.

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“§ 2.º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

“§ 3.º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."

Da leitura do mencionado dispositivo, percebe-se já de início

que a implementação efetiva da Súmula vinculante carecia de regulamentação

por lei ordinária, não obstante algumas controvérsias que surgiram a esse

respeito. Com a edição da Lei n.º 11.417, de 19-12-2006, que tratou de

regulamentar o art. 103-A da Constituição, a questão perdeu importância. É

pertinente agora apenas discutir se todos os aspectos controvertidos do texto

constitucional restaram esclarecidos na lei regulamentadora – que será tratada

especificamente no item seguinte (2.4).

No modelo instituído pela Emenda Constitucional n.º 45, a

aprovação, a revisão e o cancelamento de súmulas vinculantes podem ser feitos

de ofício ou por provocação. No primeiro caso, os próprios ministros do STF

propõem a criação da súmula, bem como sua revisão ou extinção; no segundo,

um rol predeterminado de pessoas (legitimadas) tem a faculdade de tomar essas

iniciativas.

Somente o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá, de

ofício ou mediante provocação, editar súmulas com efeito vinculante, o qual se

estenderá a todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração

Pública direta e indireta, nas três esferas da federação (federal, estadual e

municipal).

Os outros Tribunais continuam autorizados a emitir súmulas,

mas apenas as do STF poderão ter efeito vinculante.

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Por efeito vinculante deve-se entender a impossibilidade

desses órgãos (do Poder Judiciário e da Administração Pública), no exercício de

suas competências, contestarem ou deixarem de acatar o conteúdo das súmulas.

A súmula vinculante passa a ter autonomia, eficácia plena e aceitação obrigatória.

Passa a ser verdadeira fonte de Direito (enquanto texto normativo), que se

justifica por si só, e cuja aplicação, salvo quanto ao exame de sua pertinência

(enquadramento) aos fatos do caso concreto, não deixa qualquer margem de

discricionariedade.

A Súmula Vinculante, conquanto expresse um entendimento

jurisprudencial consolidado a partir do exame de casos específicos, tem caráter

normativo geral e abstrato. “Ninguém pode questionar (em casos concretos) nem

o sentido interpretativo e imperativo da súmula nem os fundamentos invocados

para se chegar a ela.”110

Para preservar o caráter vinculante, o § 3.º estabelece que

em caso de ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula

aplicável à situação concreta, caberá reclamação perante o STF, que, julgando-a

procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial, e

determinará a imperiosa aplicação da súmula.

O mesmo § 3.º dispõe que igual providência caberá quando

a súmula for aplicada indevidamente. Se o juiz ou o administrador público

entender equivocadamente que o caso concreto se enquadra no espectro de

abrangência da súmula, o STF, mediante reclamação do interessado, poderá

diretamente corrigir o equívoco e impedir a aplicação do mandamento sumular,

independente de qualquer outro recurso.

A despeito de alguma celeuma e da perfunctória análise que

aqui se faz, pode-se afirmar que a reclamação é uma ação de conhecimento com

a finalidade de assegurar a eficácia da Súmula Vinculante.

110 GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e extensão das súmulas vinculantes. Juristas.com.br, João

Pessoa, a. 1, n. 33, 01/08/2005. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/colunas.jsp?idColuna=322>. Acesso em: 22/12/2005.

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Leonardo Lins Morato elucida:

“A reclamação provoca o exercício da atividade jurisdicional, porque a Corte competente para apreciá-la decide a lide que lhe foi submetida, para pôr fim à controvérsia existente entre as partes, mediante uma decisão que substitui a vontade destas (as partes). E a reclamação possibilita a resolução da situação ilegal do desacato (a uma decisão ou a uma súmula vinculante) ou da usurpação (de uma norma de competência), sendo certo que a Corte competente para apreciar a reclamação pode valer-se de qualquer medida que repute adequada e que venha a ser necessária para esse fim.”111

E mais adiante define:

“É a reclamação uma ação de conhecimento, com o escopo de alcançar uma decisão de mérito, que julgue a lide existente entre o reclamante, o qual alega ter sofrido uma lesão a direito seu, e a autoridade reclamada, à qual se imputa a prática de desacato ou de usurpação. E essa decisão de mérito que vier a ser alcançada revertir-se-á da autoridade da coisa julgada, sendo rescindível, apenas, por ação rescisória.”112

A parte que se sentir lesada em seu direito pela não

aplicação de Súmula Vinculante, ou pela sua aplicação indevida, pode valer-se da

reclamação. Se o ato de desacato113 for judicial, a providência independe da

interposição dos recursos previstos na legislação processual114. Mas se o ato de

desacato for administrativo, a Lei n.º 11.417/06 exigiu, como condição de

111 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 111. 112 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 111-112. 113 A expressão é utilizada por Leonardo Lins Morato, no seguinte sentido: “Desacatar um julgado

é o mesmo que descumprir, que o contrariar, ou que lhe negar vigência, em seu todo ou em parte. Trata-se de uma afronta, de uma transgressão da autoridade da Corte, após ter esta externado a sua decisão.” (MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 137).

114 O art. 9.º, caput, da Lei n.º 11.417/06 é expresso a esse respeito: “Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.”

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procedibilidade da reclamação, o prévio esgotamento da instância administrativa

(art. 9.º § 2.º) e, neste caso, acolhida a reclamação, a autoridade ou órgão

administrativo deverá adequar as decisões futuras aos ditames da súmula, sob

pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal (art.

64-B da Lei n.º 9.784/99, acrescentado pela Lei n.º 11.417/06).

Quer dizer, o STF tanto reprime a não aplicação de Súmula

Vinculante (quando considerada por si devida), como também a sua aplicação

equivocada.

Parece claro, pois, que o STF se tornará não só o guardião

da Constituição, como também o guardião das Súmulas Vinculantes. Sempre que

houver “problemas” na aplicação dessas súmulas em casos concretos, bastará

reclamar ao STF e requerer sua intervenção. “Com isto, o citado dispositivo

constitucional atribuiu ao Supremo a autoridade de verdadeiro ‘comandante’ da

súmula. Quer dizer que conferiu ao STF a competência para decidir, quando

apreciar uma reclamação, se uma determinada súmula tem ou não aplicação num

dado caso concreto.”115

Embora várias fossem as propostas neste sentido, não há

qualquer previsão de especial sanção (penal, civil ou administrativa) ao juiz que

decidir de forma contrária a entendimento preconizado em Súmula Vinculante,

salvo a previsão já existente na legislação processual de responsabilidade civil

inerente à função e aplicável às demais situações116.

O remédio aplicável a essa ousadia é a reclamação ao STF,

a quem caberá fazer valer os mandamentos da ordem sumular.

115 MORATO, Leonardo Lins. A reclamação e a sua finalidade para impor o respeito à súmula

vinculante. In: Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 5/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Otávio Campos Fischer, William Santos Ferreira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 272.

116 Dispõe o Código de Processo Civil: “Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n. II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.”

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Por conta disso, é possível (e isso vai depender do grau de

aceitação do conteúdo das Súmulas Vinculantes nos órgãos judiciais e na

Administração Pública) que haja um número bastante elevado de reclamações

contra decisões e atos que lhes sejam contrários, o que acabaria tornando inócua

a tentativa de agilização dos feitos.

É por essa razão que André Ramos Tavares considera a

Súmula Vinculante um instituto de inegável fraqueza:

“Contudo, o maior problema da súmula vinculante parece ser o que chamo de ‘mecanismo de auto-imposição dependente’, que é também sua maior fraqueza. Sim, porque o descumprimento da súmula vinculante impõe uma atuação sucessiva e desgastante ao STF (...), transformando-o em uma espécie de ‘oficial de execução de suas sentenças’ (STRECK, 2005: 160) de suas próprias decisões, situação não apenas altamente constrangedora para um Tribunal dessa envergadura, mas também inviabilizadora do exercício de suas funções fundamentais. A fraqueza do instituto, portanto, acaba prevalecendo sobre o receio de que pudesse vir a inviabilizar a existência de um Judiciário livre.”117

A aprovação, a revisão ou o cancelamento de Súmula

Vinculante poderão se realizar de ofício, ou mediante provocação das pessoas

legitimadas a proporem ação direta de inconstitucionalidade, vale dizer, o

Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos

Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do

Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-

Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação

sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A Lei n.º 11.417 aumentou o rol de legitimados, como lhe

possibilitava o preceito constitucional, incluindo o Defensor Público-Geral da

União, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito

117 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417

de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007, p. 109.

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Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do

Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Tribunais Militares e os Municípios,

estes apenas de forma incidental, no curso de processos em que sejam partes

(art. 3.º, VI, XI, e seu § 1.º).

Isso restringe em muito a possibilidade de discussão das

Súmulas Vinculantes. Uma vez aprovadas, somente determinadas pessoas (ou

órgãos) poderão se insurgir contra seu conteúdo e postular seu cancelamento ou

revisão. É uma forma de evitar que os cidadãos, por seus advogados, as

questionem a todo tempo. Aliás, no modelo instituído no Brasil, somente perante o

STF se poderá discuti-las, em processo objetivo.118 Não há possibilidade de

discutir a matéria em outro órgão de jurisdição. As pessoas particularmente

afetadas pelos efeitos das Súmulas Vinculantes, nada poderão fazer em nome

próprio.

Qualquer tentativa de desacatar as Súmulas Vinculantes por

parte dos juízes ou tribunais pode ser revertida com o manejo de reclamação ao

STF. O máximo que os juízes ou tribunais podem fazer, se verificarem que o caso

concreto está subsumido ao enunciado vinculante, mas não aponta para a mais

adequada resolução do conflito, é, como adverte Rodolfo de Camargo

Mancuso,119 averbarem no corpo de suas decisões a reserva interpretativa do

órgão julgador, sem que isso produza qualquer efeito jurídico prático.

À Jurisprudência do próprio STF caberá definir como ele irá

enfrentar essas demandas (de revisão e cancelamento de Súmulas Vinculantes) e

quais os critérios serão utilizados no seu julgamento. Obviamente que as

respectivas decisões não poderão fazer coisa julgada, ou seja, não se poderá

vedar a repetição do debate, mas dependendo do número de súmulas aprovadas

e de propostas de sua revisão ou cancelamento, pode ser que o STF (tamanha a

118 Em oposição ao processo subjetivo. No processo objetivo, o objeto da demanda é tão-somente

o ato normativo (no caso, a súmula vinculante); no subjetivo, as partes litigam acerca do seu conflito particular, e a análise do ato normativo é apenas tangencial, voltada para a decisão do caso concreto.

119 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004. In: Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 5/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Octavio Campos Fischer, William Santos Ferreira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 718.

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quantidade de serviço que lhe caberá) acabe se dedicando apenas ao

enfrentamento dessas questões e, então, a promessa de agilização dos

processos não se concretizará.120

Por um lado, o STF não pode ficar eternamente obrigado a

justificar a validade de cada uma de suas Súmulas Vinculantes (de tempo em

tempo seria convocado a confirmar a pertinência e adequação do enunciado), o

que na prática poderia demonstrar a ineficácia do modelo do ponto de vista da

celeridade processual e até mesmo da segurança jurídica; por outro lado, não se

pode impedir que ao menos aquelas pessoas legitimadas pelo texto constitucional

e pela lei regulamentadora suscitem questionamentos a respeito das Súmulas

Vinculantes (sob pena de se vedar o único meio de oxigenação e revitalização

dos entendimentos nelas consagrados e, dessa forma, ceifar de vez qualquer

tentativa de se dar ao instituto uma conotação mais ou menos democrática). Eis o

dilema: permitir o debate, ainda que restrito a determinado grupo, e, assim,

potencializar o comprometimento da promessa de agilização das demandas, ou

vedá-lo por completo e, então, confirmar a ditadura das súmulas.

A Jurisprudência do STF (incumbida desse novo desafio)

haverá de buscar um meio-termo entre esses dois extremos. Mesmo que a

discussão em torno da validade das súmulas só possa ser realizada por iniciativa

de certas pessoas, dever-se-á adotar algum outro mecanismo que restrinja o

modo e o tema dessa discussão.

No que tange ao conteúdo, o art. 103-A estabelece logo no

caput que as Súmulas Vinculantes deverão cuidar de matéria constitucional (note-

se que não há qualquer outra especificação). O § 1.º, porém, preceitua que o

objetivo das súmulas é a validade, a interpretação e a eficácia de normas

determinadas, sem, por sua vez, fazer menção à necessidade de vínculo com

matéria constitucional.

Surge, então, o problema em saber se apenas as questões

de validade, interpretação e eficácia de normas perante a Constituição poderão

120 A advertência é feita por José Carlos Barbosa Moreira, In: “Súmula Vinculante” e duração dos

processos. Informativo INCIJUR, Ano VI, n. 62 – Setembro de 2004.

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ser abordadas pelas Súmulas Vinculantes (interpretação que integra a regra do

caput com a do § 1.º), ou se qualquer matéria de ordem constitucional, e mais as

questões de validade, interpretação e eficácia de normas (independente do

caráter constitucional) poderão ser objeto de súmula (interpretação que dissocia a

regra do caput daquela exposta no § 1.º).

Sem dúvida, a primeira das opções é a mais acertada, e é a

que vem sendo sustentada pela Doutrina.121 Restringe a possibilidade de edição

de Súmulas Vinculantes apenas às discussões sobre validade, interpretação e

eficácia de determinadas normas, sob o enfoque constitucional, tão-somente.

O STF é o órgão do Poder Judiciário encarregado de velar

pela Constituição e não teria o menor sentido atribuir-lhe competência para fixar

orientações definitivas sobre questões não afetas à seara constitucional.

Por outro lado, acaso ao STF se pretendesse conceder a

prerrogativa de sumular questões concernentes a toda e qualquer hipótese de

abordagem constitucional (como a leitura isolada do caput poderia induzir), não

teria razão de ser a especificação do § 1.º.

Por normas determinadas, entende-se a especificação

disposta no art. 59 da Constituição, consideradas nas três esferas da Federação:

emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas;

medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções. Acrescente-se a esta

listagem, os artigos da própria Constituição da República Federativa do Brasil, as

Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas Municipais e os demais atos

normativos exarados por autoridades públicas de qualquer dos poderes da

Federação. Para que possam ser objeto de Súmula Vinculante, lembrando a regra

do caput, é preciso que tenham pertinência constitucional, ou seja, que de algum

modo demonstrem relação com as matérias tratadas na Constituição da

121 Nesse sentido: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo

dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005; MENDES, Gilmar. PFLUG. Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005; GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e extensão das súmulas vinculantes. Juristas.com.br, João Pessoa, a. 1, n. 33, 01/08/2005. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/colunas.jsp?idColuna=322>. Acesso em: 22/12/2005.

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República Federativa do Brasil, o que, certamente, não é tarefa difícil – as bases

de todo o ordenamento jurídico pátrio estão nela presentes.

Portanto, a validade, a interpretação e a eficácia de certas

normas perante a Constituição da República Federativa do Brasil constituem a

matéria que poderá ser objeto de súmula vinculante.

Isso na prática autoriza o STF a editar Súmula Vinculante

sobre quase tudo (ou tudo mesmo). Determinada questão de direito penal, civil,

comercial, processual, administrativo, trabalhista, tributário, previdenciário,

ambiental, sempre terá um fundo constitucional e guardará consonância com

algum princípio ou preceito (explícito ou implícito) da Constituição da República

Federativa do Brasil.122

Mas mesmo respeitado o conteúdo especificado no caput e

no § 1.º, não será sempre autorizada a edição de Súmulas Vinculantes, pois o §

1.º exige que sobre a validade, a interpretação e a eficácia de determinadas

normas (perante a Constituição) haja controvérsia atual entre órgãos judiciários

ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica

e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Trata-se de

requisito adicional, que há de revelar, no caso concreto, a necessidade da edição

de Súmula Vinculante.

Na prática não se mostra fácil definir o que seja essa

modalidade específica de controvérsia. Note-se que é preciso que a controvérsia:

a) seja atual; b) se estabeleça entre órgãos judiciários ou entre estes e a

administração pública; c) acarrete grave insegurança jurídica e relevante

multiplicação de processos sobre questão idêntica. Aqui o legislador constituinte

deixou claro que a Súmula Vinculante tem caráter excepcional e que sua

aprovação exige muito mais do que mera pacificação de determinado

122 “[...] sobre matéria constitucional (isto é, sobre norma constitucional): mas cada norma

constitucional afeta uma área do conhecimento jurídico. Logo, teremos súmulas vinculantes constitucionais penais, processuais, trabalhistas, tributárias, comerciais etc.;” (GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e extensão das súmulas vinculantes. Juristas.com.br, João Pessoa, a. 1, n. 33, 01/08/2005. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/colunas.jsp?idColuna=322>. Acesso em: 22/12/2005).

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entendimento jurisprudencial. Importa que se mostre necessária à prevenção de

repetitivos conflitos sobre questões sérias e de grave repercussão.

Entretanto, o legislador constituinte poderia ter sido mais

preciso na indicação dos requisitos atinentes à verificação da necessidade da

edição de súmula vinculante. Como observar claramente uma grave insegurança

jurídica? O que é relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica?

Como o legislador ordinário também não definiu essas

questões (vide item seguinte), caberá à Jurisprudência do STF estabelecer os

conceitos necessários à exata compreensão do alcance das Súmulas

Vinculantes. Ante o silêncio normativo, o STF terá de determinar, ele mesmo, as

balizas de sua atuação.

Mas suponha-se que uma vez estabelecidos com precisão

os requisitos de sua edição (o que já é bastante dubitável), o STF ultrapasse os

limites que lhe foram concedidos. Se o STF editar uma súmula cujo conteúdo não

poderia ser sumulado, ou cujos requisitos de necessidade não estariam

presentes, o que fazer? Resta apenas às pessoas legitimadas a tanto requererem

ao próprio STF o cancelamento da súmula. E se a decisão for denegatória? Bem,

nesse caso, nada há de ser feito. E pior, aos cidadãos comuns, nessa hipótese

gravemente prejudicados pela aplicação do mandamento sumular, nenhuma

esperança subsiste.

Poder-se-ia pensar no controle difuso de constitucionalidade

da própria Súmula Vinculante.

A questão é bastante controversa. O STF nunca admitiu o

controle de constitucionalidade das súmulas,123 mas é que elas nunca tiveram

efeito vinculante. A partir de agora, terão “força de lei”124 (que pode se traduzir em

123 COSTA, Silvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense,

2002, p. 248. 124 A expressão é utilizada por Gilmar Mendes e Samantha Meyer Pflug in: Passado e futuro da

súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005.

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força superior à da própria lei125). Como possuem caráter geral, abstrato e

obrigatório, são consideradas textos normativos, razão pela qual se justifica,

numa primeira análise, submetê-las ao controle incidental de constitucionalidade.

Como lembra Sílvio Nazareno Costa:

“Tratando-se, contudo, de súmula vinculante, a inconstitucionalidade terá seus efeitos grandemente ampliados, como se lei fosse. Proteger-se esse ato da fiscalização constitucional seria conferir-lhe hierarquia (ou privilégio) superior ao gozado até mesmo pelo ato legislativo próprio.”126

Mas a admissão do controle difuso de constitucionalidade,

abriria uma grande possibilidade de que a eficácia das Súmulas Vinculantes se

perdesse, contrariando a proposta de agilização e uniformização que as justifica.

Ademais, bastante provável que houvesse a cassação da

decisão judicial que declarasse a inconstitucionalidade da Súmula Vinculante,

pela via da reclamação.

Com efeito, é de extrema força o poder concedido ao STF.

Desconsiderando a possibilidade de revisão ou cancelamento por parte do próprio

STF, somente uma lei, devidamente aprovada segundo a disciplina do processo

legislativo, poderá tornar sem efeito uma Súmula Vinculante, ao normatizar de

forma diversa a matéria objeto do enunciado sumular.127 Até que a lei seja

aprovada (se for), a comunidade jurídica fica de mãos atadas frente aos

comandos normativos advindos do STF. De todo modo, mesmo depois de a lei

125 Vide item 3.2. 126 COSTA, Silvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense,

2002, p. 249-250. 127 “Vê-se claramente, que o legislador constituinte excluiu do âmbito normativo do efeito

vinculante o Poder Legislativo enquanto exercente de atividade legislativa” (MENDES, Gilmar. PFLUG. Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 371). ”As súmulas obrigam, naturalmente, ao próprio Supremo, nas decisões eu proferir nas turmas ou no Pleno. Não vinculam, por outro lado, ao Poder Legislativo, que pode legislar contrariamente à disposição da súmula, ficando a nova lei sujeita, entretanto, ao controle jurisdicional de constitucionalidade” (SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 262).

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ingressar no ordenamento jurídico, estará sujeita ao controle de

constitucionalidade exercido pelo STF – o que acaba permitindo a retomada do

entendimento consagrado na súmula.

A aprovação da Súmula Vinculante exige voto favorável de

no mínimo dois terços dos ministros integrantes do STF. Como são onze os

ministros, o número de votos necessários à aprovação é oito (arredondamento

para mais do número fracionário exato: 7,3333...).

É necessário ainda que antes da aprovação tenham sido

proferidas reiteradas decisões sobre o tema. Quantas decisões seriam

suficientes? Bastariam duas? E por quanto tempo? Às vezes num curto espaço

de tempo a produção judicial é numericamente bastante elevada, mas logo se

percebe que as decisões poderiam ser aprimoradas, uma vez que não se permitiu

o suficiente amadurecimento das convicções.

Ademais, a edição de súmula significa (ou pelo menos

deveria significar) que existe uma orientação jurisprudencial já firmada, resultado

de um número razoável de decisões uniformes acerca de determinado tema. No

entanto, as pesquisas feitas pelos que se dedicam ao estudo das súmulas

demonstram que das 621 súmulas aprovadas pelo STF entre os anos de 1963 e

1984, “79 foram editadas com base em apenas um único precedente e 74 com

base em apenas dois precedentes.”128

Por óbvio, as decisões hão de ser no mesmo rumo, pois se

podem ter consecutivas decisões contraditórias e, nesse caso, não há

fundamento para se consolidar a Jurisprudência num ou noutro sentido. Ainda

que dois terços dos ministros acolhessem determinado entendimento, o simples

fato de haver decisões pretéritas recentes em sentido contrário viciaria a

aprovação da súmula.

A declarada e preocupante pressa do STF em definir logo

um entendimento sobre determinadas matérias, a fim de evitar enxurradas de

128 DA CUNHA. Sérgio Sérvulo. A arcaica súmula vinculante. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo

Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 38.

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ações similares129, pode prejudicar o necessário amadurecimento do processo de

consolidação da orientação jurisprudencial.

Cumpre ressaltar que continuarão a existir, mesmo no STF,

súmulas com efeitos não-vinculantes. Aquelas editadas anteriormente à Emenda

Constitucional n.º 45/04, que não forem confirmadas como vinculantes, e as que a

partir de então forem aprovadas na ausência dos requisitos específicos das

vinculantes não terão esse caráter, isto é, as que não respeitem o quorum

especial de dois terços,130 as que não cuidem da validade, interpretação e eficácia

de normas perante a Constituição, as que não se fizerem necessárias (presença

de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração

pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de

processos sobre questão idêntica), serão aprovadas como súmulas comuns e,

portanto, não terão efeito vinculante.131

Atente-se, por fim, que o controle de constitucionalidade

concreto ou difuso sofrerá na prática drástica modificação, pois as declarações de

inconstitucionalidade do STF, ainda que em controle difuso, se objeto de Súmula

Vinculante (texto normativo), impedirão decisões contrárias dos demais tribunais e

juízes do país, independente de Resolução do Senado Federal suspendendo os

efeitos da norma declarada inconstitucional.132

129 “[...] não pode haver um espaço muito largo entre o surgimento da controvérsia com ampla

repercussão e a tomada de decisão com efeito vinculante. Do contrário, a súmula vinculante perderá o seu conteúdo pedagógico-institucional, não cumprindo a função de orientação das instâncias ordinárias e da Administração Pública em geral.” (MENDES, Gilmar. PFLUG. Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 373).

130 Para a edição de súmulas comuns, basta a aprovação da maioria absoluta dos Ministros do STF, conforme estabelece o art. 102, § 1.º, do Regimento Interno do STF.

131 “Embora talvez não tenha mais relevância prática, a possibilidade de edição de súmula vinculante não afasta a admissibilidade das súmulas comuns, disciplinadas no regimento interno do Tribunal (art. 103 do RISTF)” (MENDES, Gilmar. PFLUG. Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 38.

132 “É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação dos sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma

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2.4 A LEI N.º 11.417, DE 19-12-2006

Não apenas na seara político-jurídica o advento da Súmula

Vinculante trouxe perplexidades. No campo dogmático também surgiram sérias

dúvidas e controvérsias quanto à sua aplicação prática, porquanto o preceito

constitucional que a consagrou não foi suficientemente claro e preciso em vários

aspectos pragmáticos desse novo instituto.

A edição de uma lei regulamentadora era, portanto,

imprescindível.

No entanto, a Lei n.º 11.417, de 19-12-2006,133 (que

regulamentou o art. 103-A da Constituição) não disciplinou particularmente os

tantos campos de textura aberta revelados no dispositivo constitucional. Na

verdade, a lei repetiu em sua maioria (sem acréscimos ou esclarecimentos

significativos) os termos do art. 103-A da Constituição da República Federativa do

Brasil.

Diante desse quadro, tratar-se-á aqui brevemente das

poucas inovações promovidas pela lei.

Uma delas, já referida no item anterior, diz respeito ao rol de

legitimados para propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de

Súmula Vinculante. O art. 3.º incluiu o Defensor Público-Geral da União (inciso

VI), os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito

Federal e Território, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do

Trabalho, os Tribunais Eleitorais e os Tribunais Militares (inciso XI), bem como o

Município (§ 1.º), que poderá propor a edição, a revisão ou o cancelamento do

enunciado de forma incidental, em processo em que seja parte.

autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto” (MENDES, Gilmar. PFLUG. Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante: considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 368).

133 Íntegra da lei em anexo.

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Com isso, houve maior democratização no processo de

formação, alteração e extinção das Súmulas Vinculantes.

É possível, contudo, que o STF imponha a certos

legitimados a restrição, já acolhida pela sua Jurisprudência no controle

concentrado de constitucionalidade, da pertinência temática – só quando

houvesse relação entre o tema debatido e as funções (competências) exercidas

pelo órgão legitimado se admitiria a sua iniciativa para o processo em que se

discute a Súmula Vinculante. Nesse particular, a lei é omissa.134

Outrossim, ficou claramente estabelecido na lei que a

edição, a revisão ou o cancelamento de Súmulas Vinculantes se fará por meio de

um processo específico com essa finalidade, ao qual a lei se refere como

procedimento, que obedecerá, subsidiariamente, ao disposto no Regimento

Interno do STF (art. 10).

Ao contrário do que ocorre com o stare decisis (do common

law norte-americano),135 haverá um procedimento objetivo, para a formação, a

alteração ou a extinção das Súmulas Vinculantes – o que corrobora o

entendimento de que se trata de verdadeiro texto normativo, de cunho abstrato,

geral e obrigatório, desapegado formalmente dos casos concretos que lhe

serviram de fundamento.

Nesse procedimento o Procurador-Geral da República,

quando não tiver formulado o pedido, deverá se manifestar antes da decisão do

STF (art. 2.º, § 2.º), que deverá ser tomada por 2/3 de seus Ministros, em sessão

plenária (art. 2.º, § 3.º). No prazo de dez dias após a sessão, o enunciado será

publicado em sessão especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União

(art. 2.º, § 4.º), a partir de quando terá efeito vinculante (art. 2.º, caput).

134 Cf. TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei

11.417 de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007, p. 55. 135 Vide item 2.2.

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A necessidade de publicação na imprensa oficial atesta o

caráter normativo da Súmula Vinculante, conforme observação de Gilmar Mendes

e Samantha Meyer Pflug:

“Como consectário de seu caráter vinculante e de sua ‘força de lei’ para o Poder Judiciário e para a Administração, requer-se que as súmulas vinculantes sejam publicadas no Diário Oficial da União. Procura-se assegurar, assim, a sua adequada cognoscibilidade por parte de todos aqueles que lhe devem obediência.”136

O STF poderá admitir a intervenção de terceiros, por decisão

irrecorrível, nos termos do seu Regimento Interno (art. 3.º, § 2.º). Há aqui alguma

possibilidade de abertura do debate acerca dos enunciados vinculantes, mas

como a lei não estabeleceu os pressupostos desta intervenção, somente a prática

poderá revelar se o STF permitirá essa abertura ou não, e em que grau.

Em regra, a Súmula Vinculante aprovada por 2/3 dos

Ministros do STF terá efeito imediato, mas os Ministros (por esse mesmo quorum)

poderão restringir os efeitos vinculantes ou postergá-los, tendo em vista razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse público (art. 4.º).

Contra a decisão judicial que contrariar Súmula Vinculante,

negar-lhe vigência ou aplicá-la indevidamente caberá reclamação ao STF, sem

prejuízos dos outros recursos ou meios admissíveis de impugnação (art. 7.º).

Acolhendo a reclamação, o STF determinará que outra decisão seja proferida, em

obediência ao enunciado sumular.

O próprio STF não pode decidir a lide com base na Súmula

desacatada, mas tão-somente determinar que outra decisão judicial seja proferida

ou outro ato administrativo seja praticado, em conformidade com o enunciado

vinculante violado.

136 MENDES, Gilmar. PFLUG. Samantha Meyer. Passado e futuro da súmula vinculante:

considerações à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: Reforma do judiciário. Pierpaolo Bottini, Sérgio Rabello Tamm Renault, coordenadores. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 346.

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Em rápidas palavras, o procedimento da reclamação

(disciplinada nos artigos 13 a 18 da Lei n.º 8.038/90 e no Regimento Interno do

STF) é bastante similar ao do Mandado de Segurança. Ao despachar a

reclamação, o relator requisitará informações da autoridade a quem for imputada

a prática do ato impugnado, no prazo de dez dias, podendo ordenar liminarmente,

se necessário, para evitar dano irreparável, a suspensão do processo ou do ato

impugnado. O Ministério Público (se não tiver formulado a reclamação) se

manifestará em cinco dias. Em seguida, a reclamação será julgada. Qualquer

interessado poderá impugnar o pedido do reclamante. Não há fase instrutória; a

prova é documental e pré-constituída.

Importante observar que a despeito de sérias divergências

doutrinárias,137 o STF tem entendido que não cabe reclamação quando a decisão

impugnada estiver coberta pelo manto da coisa julgada.138

Outrossim, pela melhor técnica, não cabe ação rescisória

para desconstituir sentença que violar Súmula Vinculante, porque esta não é lei e,

portanto, a hipótese não está abrangida pelo art. 485, V, do CPC.139 Todavia,

como a Súmula Vinculante terá referência, ainda que tácita ou indireta, a um

preceito legal específico, poderá o autor da rescisória demonstrar a ocorrência de

violação de lei, segundo a interpretação sumulada.140

Os atos ou omissões administrativas que contrariarem as

Súmulas Vinculantes também se sujeitam à reclamação perante o STF, mas

137 Cf. MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula

vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 137-151. 138 “[...] A EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA IMPEDE A UTILIZAÇÃO DA VIA RECLAMATÓRIA.

- Não cabe reclamação, quando a decisão por ela impugnada já transitou em julgado, eis que esse meio de preservação da competência do Supremo Tribunal Federal e de reafirmação da autoridade decisória de seus pronunciamentos - embora revestido de natureza constitucional (CF, art. 102, I, "e") - não se qualifica como sucedâneo processual da ação rescisória. Precedentes” (STF, Rcl-AgR 1901/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, em 03-10-2001).

139 “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] V - violar literal disposição de lei.”

140 Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004. In: Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 5/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Júnior, Otávio Campos Fischer, William Santos Ferreira, coordenadores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 717.

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apenas depois do esgotamento das vias administrativas (art. 7.º, § 1.º). O preceito

legal colide com o art. 5.º, XXXV, da Constituição da República Federativa do

Brasil, que estabelece: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça de direito.”

Cuida-se do princípio do livre acesso ao Poder Judiciário,

consagrado no texto constitucional como direito fundamental e cláusula pétrea,

que, por isso, não pode ser afetado de forma alguma pelo poder constituinte

derivado e, menos ainda, por norma infraconstitucional.

O dispositivo legal mencionado tem o escopo de evitar a

multiplicação de reclamações contra a não-observância de Súmula Vinculante por

parte de entes da Administração Pública, mas impõe ao cidadão um obstáculo à

obtenção da tutela judicial que a Constituição não admite.

Neste rumo, cita-se Alexandre de Moraes:

“Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição Federal de 1988, diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa para obter-se o provimento judicial, uma vez que excluiu a permissão, que a Emenda Constitucional n.º 7 à Constituição anterior estabelecera, de que a lei condicionasse o ingresso em juízo à exaustão das vias administrativas, verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário.”141

A Lei n.º 11.417 promoveu alterações na Lei n.º 9.784, de

29-01-1999, passando a exigir que na seara administrativa a autoridade prolatora

de decisão, sempre que o interessado suscitar Súmula Vinculante, explicitar as

razões de aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula.

Estabeleceu ainda a responsabilização pessoal da

autoridade nas esferas cível, administrativa e penal, sem, contudo, defini-las

precisamente.

141 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 105.

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Por fim, naquilo que o art. 103-A da Constituição tinha de

mais problemático, que são os requisitos para a edição de Súmula Vinculante, a

lei permaneceu com os termos vagos e imprecisos do texto constitucional. Exige-

se controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante

multiplicação de processos sobre idêntica questão (art. 2.º, § 1.º).

2.5 PANORAMA ATUAL

A Lei n.º 11.417 já entrou em vigor, pois estabeleceu uma

vacatio legis de três meses (art. 11) e foi publicada no Diário Oficial da União em

20-12-2006. Por isso, o STF já está autorizado legalmente a editar as primeiras

Súmulas Vinculantes.

Aliás, em 23-04-2007, os Ministros do STF, em sessão

administrativa aprovaram os seis primeiros temas de Súmulas Vinculantes

levados para aprovação do Plenário da Corte.142

Os temas são os seguintes:

1) COFINS - base de cálculo. Conceito de receita bruta;

2) COFINS - majoração da alíquota;

3) FGTS - Correção das contas vinculadas.

Desconsideração do acordo firmado pelo trabalhador;

4) Loterias e bingos - regras de exploração. Sistemas de

consórcios e sorteios. Matérias de competência legislativa exclusiva da união;

5) Competência da Justiça do Trabalho - ação de

indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho;

6) Processo administrativo no âmbito do TCU - observância

do devido processo legal, contraditório e ampla defesa do interessado.

142 Informação disponível no sítio do STF: <www.stf.gov.br>. Acesso em 04-05-2007.

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Posteriormente, na sessão administrativa de 14 de maio de

2007, foram aprovadas por unanimidade os três primeiros enunciados que serão

submetidos, oportunamente, à aprovação do Plenário do Supremo Tribunal

Federal (STF) e, se aprovados por no mínimo oito ministros, se tornarão as

primeiras Súmulas Vinculantes vigentes no país.143

Eis os enunciados:

Enunciado 1: “Ofende a garantia constitucional do ato

jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto,

desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante do termo de adesão

instituído pela Lei Complementar n.º 110/2001.”

Precedentes: RE 418.918, rel. Min. Ellen Gracie, DJ

1º.07.2005; RE 427.801-AgR-ED, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 02.12.2005;

RE 431.363-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 16.12.2005.

Legislação: CF, art. 5º, XXXVI. LC n.º 110/2001

Enunciado 2: “É inconstitucional a lei ou ato normativo

estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios,

inclusive bingos e loterias.”

Precedentes: ADI 2.847/DF, rel. Min. Carlos Velloso, DJ

26.11.2004; DJ 24.02.2006; ADI 3.147/PI, rel. Min. Carlos Britto, DJ 22.09.2006;

ADI 2.996/SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 29.09.2006; ADI 2.690/RN, rel.

Min. Gilmar Mendes, DJ 20.10.2006; ADI 3.183/MS, rel. Min. Joaquim Barbosa,

DJ 20.10.2006.

Legislação: CF, art. 22, XX.

Enunciado 3: “Nos processos perante o Tribunal de Contas

da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão

puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o

143 Informação disponível no sítio do STF: <www.stf.gov.br>. Acesso em 20-05-2007.

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interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de

aposentadoria, reforma e pensão.

Precedentes: MS 24.268, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o

acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 17.09.2004; MS 24.728, rel. Min. Gilmar

Mendes, DJ 09.09.2005; MS 24.754, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.02.2005; MS

24.742, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11.03.2005.

Legislação: CF, art. 5º, LIV e LV; 71, III. Lei n.º 9.784/99, art.

2.º.

Para se tornarem Súmulas Vinculantes, os enunciados têm

que ser aprovados por oito Ministros do STF em sessão plenária e publicados na

imprensa oficial.

Da leitura dos três enunciados transcritos, percebe-se

(especialmente do 1 e 3) que a pretensão de dispensar a atividade hermenêutica

do aplicador da Súmula Vinculante é descabida, pois há nos respectivos textos

normativos questões abertas que deverão ser sopesadas diante das

peculiaridades do caso concreto.

Isso denuncia a possibilidade de haver divergências sérias

quanto à aplicação do próprio enunciado sumular, a inviabilizar a proposta de

economia e segurança que justificou o advento da Súmula Vinculante, sobretudo

pela potencial avalanche de reclamações ao STF com o objetivo de combater

possíveis atos ou decisões contrárias às súmulas.

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CAPÍTULO 3

A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DE ALGUNS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

3.1 UMA NOÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O Estado Democrático de Direito se estrutura e se organiza

com base em determinados princípios jurídicos, que norteiam a produção, a

interpretação e a aplicação de todas as demais normas que compõem o

ordenamento jurídico. Consubstanciam os valores essenciais do sistema, que lhe

garantem coerência e harmonia.

Sobre o tema, leciona Paulo Márcio Cruz:

“Mesmo para o positivista mais arraigado aos dogmas do Estado de Direito, é impossível não concordar com a existência, assim como nos Direitos Fundamentais que serão estudados mais adiante, de um núcleo essencial permanente no ordenamento jurídico, que possibilita a fundamentação da validade e da efetividade do conjunto de normas que o compõem.

“Um ordenamento jurídico, mesmo nos moldes mais herméticos, não é um simples amontoado de regras esparsas, produto da vontade de quem está no poder naquele determinado momento. Quando é assim, o Estado Democrático de Direito não está presente e não se pode dizer que há um pressuposto de civilização contemporânea a orientar a produção das normas jurídicas.

“O Direito, para ter reconhecido seu significado como ordenamento baseado em garantias e previsibilidade, necessita

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de elementos de coerência e consistência; é sistêmico, é a possibilidade de se incorporar valor à regra.”144

Os princípios constitucionais apresentam forte carga

axiológica e alto grau de abstração.

Em razão de sua vagueza, generalidade e indeterminação,

não se aplicam diretamente aos casos concretos pelo método simples da

subsunção, ao contrário do que ocorre com as regras. Não se destinam a regular

rigidamente situações específicas.

São núcleos de valores que podem ser invocados nas mais

diversas situações, mas sua aplicação exige atividade hermenêutica mais

elaborada.

Como normas básicas do sistema, definem o alcance dos

demais preceitos normativos e estabelecem os pilares de todo o ordenamento

jurídico.

Respeitados os limites deste estudo, conquanto se

reconheça a controvérsia que circunscreve o assunto, o conceito formulado por

Paulo Márcio Cruz revela-se aqui plenamente adequado.

“Princípios Constitucionais são normas jurídicas caracterizadas por seu grau de abstração e de generalidade, inscritas nos textos constitucionais formais, que estabelecem os valores e indicam a ideologia fundamentais de determinada Sociedade e de seu ordenamento jurídico. A partir deles todas as outras normas devem ser criadas, interpretadas e aplicadas.”145

Luís Roberto Barroso não destoa dessa conceituação, e

considera a existência de princípios implícitos:

144 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

99. 145 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

106.

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“Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus finas. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete.”146

Aceita-se hoje na Doutrina a idéia de que existem princípios

constitucionais implícitos, ou seja, que não estão inscritos expressamente no texto

constitucional.

“Os grandes princípios de um sistema jurídico são normalmente enunciados em algum texto de direito positivo. Não obstante, (...) tem-se, aqui, fora de dúvida que esses bens sociais supremos existem fora e acima da letra expressa das normas legais, e nelas não esgotam, até porque não têm caráter absoluto e estão em permanente mutação.”147

Luiz Henrique Cadermatori, citado por Paulo Márcio Cruz,

afirma:

“Nessa perspectiva, os princípios constitucionais, explícitos e implícitos, desempenham um papel fundamental como reflexos normativos dos valores constitucionais conforme já se observou. Em outros termos, pode-se dizer que estes se traduzem juridicamente, desde a base do ordenamento jurídico, em princípios, nele explicitados ou não, tidos como verdadeiros instrumentos de implementação e proteção de tais valores

146 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional

brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Ana Paulo Barcellos... [et. At.]; org. Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: renovar, 2003, p. 29-30.

147 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 149.

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historicamente consagrados na maioria dos sistema normativos ocidentais.”148

3.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No decorrer deste trabalho já se expôs a importância da lei

no Estado Democrático de Direito, especialmente no sistema jurídico continental

europeu (civil law).

O respeito à lei é garantia fundamental do cidadão; é o

instrumento que viabiliza o exercício do poder estatal e, dessa forma, protege o

particular contra eventuais abusos.

Na Constituição da República Federativa do Brasil, o

princípio da legalidade está explicitamente previsto no art. 5.º, inciso II, nos

seguintes termos: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei.”

Como ensina Alexandre Moraes,

“Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio de espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.”149

Referindo-se expressamente ao modelo instituído pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assinala Miguel Reale:

“A obediência à lei é o supedâneo primordial da democracia, a qual repousa sobre dois pilares expressamente proclamados pelo nunca assaz louvado Art. 5.° da Constituição de 1988: o de que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

148 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

103. 149 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 71.

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senão em virtude de lei’, e o de que ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’.

“Isto quer dizer que, no regime democrático, só obriga um fim

consagrado por lei, desde que o meio empregado para estabelecê-lo corresponda a processo também previsto em lei. É à luz desses dois princípios conjugados que podemos compreender o que seja Estado Democrático de Direito, cuja legitimidade se confunde com a das normas legais instituídas objetivamente em função dos valores éticos fundamentais, sem os quais a democracia não subsiste.”150

Com efeito, desde que se pense em Estado Democrático de

Direito, é imperioso trazer a lume o princípio da legalidade, com toda a sua força e

vitalidade, sem o qual esse modelo de Estado não subsiste.

Além de disciplinar as relações intersubjetivas e de proteger

o cidadão contra as arbitrariedades cometidas pelo poder público, a lei atua como

instrumento de realização dos princípios (e objetivos) traçados na Constituição.

Nesse contexto, esclarece José Afonso da Silva:

“É precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalta a importância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma

150 REALE, Miguel. Filosofia e Teoria Política [Ensaios]. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 67.

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função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos.”151

No modelo jurídico brasileiro a lei sempre figurou como fonte

primária de Direito, complementada e recriada pela interpretação dos juízes e

tribunais. “A norma legal se realiza na aplicação que se lhe dá, e o entendimento

jurisprudencial é a aplicação sistêmica mais relevante. Antes de ser aplicada, a

norma é apenas texto. Aplicada, transfigura-se em Direito (norma), como libélula

que se livra de seu casulo, na magia da metamorfose.”152

Já se asseverou anteriormente que a lei tem campos de

textura aberta a serem preenchidos pelo julgador diante das peculiaridades do

caso concreto e que, sem dúvida, ela permite ao intérprete o exercício de sua

discricionariedade, considerando os aspectos histórico, cultural, econômico e

social da norma.

A lei tem caráter abstrato, genérico e, por isso, deve ser lida

caso a caso, a fim de que adquira sentido justo diante da situação concreta sob

exame. Eis aí o papel importantíssimo do intérprete, a quem compete dar-lhe

vida; trazer a linguagem fria e distante do legislador para a realidade pulsante do

mundo real, encontrando nela, por meio de uma leitura renovada, a solução mais

justa para o conflito levado a seu julgamento.

No processo de revelação de seu significado, os juristas se

valem das lições doutrinárias, dos precedentes judiciais, dos costumes, das tantas

técnicas interpretativas postas à sua disposição, sempre no intuito de dar à lei o

sentido mais justo e coerente com todo o sistema, sobretudo com os preceitos

constitucionais.

Essa tarefa de trazer a lei do plano abstrato para o plano

concreto nem sempre é fácil. A complexidade das demandas e a rapidez com que

se multiplicam, aliadas à deficiência do processo legislativo, exige do intérprete

151 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed., São Paulo:

Malheiros, p. 125-126. 152 COSTA, Silvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense,

2002, p. 159-160.

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múltiplos conhecimentos jurídicos e sociológicos, a fim de que a leitura de cada

dispositivo legal se faça em harmonia com o modelo de Estado Democrático de

Direito delineado na Constituição.

Segundo Lenio Luiz Streck,

“Interpretar a lei implica atribuir/adjudicar um sentido/significado a um norma. Interpretar a lei implica, pois, necessariamente, a tomada de posição política em face do fato a ser enquadrado na norma. Como muito bem diz Warat (1979, p. 93), interpretar a lei passa, sempre, pelo processo de produção de definições eticamente comprometidas e, por isso, persuasivas, estando, em tais definições, estabelecidos critérios de relevância visando a convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo postulado pelo emissor para o caso. Definições, ainda, assinala, em que não se busca produzir um critério de uso para a expressão definida, mas antes um acordo ético sobre o conteúdo da definição emitida.”153

Por isso, o princípio da legalidade, exposto sinteticamente

no art. 5.º, II, da Constituição, há de ser lido e entendido conforme os múltiplos

critérios hermenêuticos que o integram, partindo-se da premissa de que a lei tem

sua eficácia e força garantidas (afirmadas) a partir do momento em que se lhe

reconhece a possibilidade da mais complexa, democrática, fértil e plural

interpretação possível, condizente com o Estado Democrático de Direito.

A interpretação é, nesse contexto, parte integrante e

indissociável da própria lei, que não diz nada por si mesma. Quem a interpreta é

que lhe dá vida; promove sua efetividade, dá-lhe verdadeiro significado. Afinal, a

norma “é construída pelo intérprete no decorrer no processo de concretização do

direito,”154 antes disso, como lembra Eros Grau, há mero texto normativo.155

153 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 218. 154 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 243. 155 GRAU, Eros. A interpretação constitucional como processo. Revista Consulex, Brasília, ano I,

n. 3, p. 41.

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A Súmula Vinculante, por sua vez, não dá ao intérprete essa

possibilidade. Se a situação concreta se enquadra na previsão normativa disposta

no enunciado sumular, cabe ao julgador tão-somente fazê-la subsumir ao caso

concreto, em procedimento meramente técnico (mecânico).

Eis porque na prática a Súmula Vinculante tem mais força do

que a própria lei.156

No regime democrático, a tarefa de interpretação (e, por

isso, construção) do Direito tem que ser aberta e crítica. Dessa forma, atribuir a

um único órgão o poder de estabelecer a interpretação “correta”, “adequada” da

lei perante a Constituição, é uma afronta ao regime democrático de direito.

Lenio Luiz Streck, depois de lembrar que a lei, por estar

descrita em linguagem natural, apresenta problemas de vagueza e polissemia,

que permitem ao intérprete uma definição explicativa de caráter ideológico do seu

conteúdo, expõe sobre o problema da Súmula Vinculante:

“Nesse universo de possibilidades interpretativas (re)definitórias dos termos da lei, a Súmula é uma espécie de resultado final de uma definição explicativa, que passa a ter força prescritiva no âmbito do sistema jurídico. Desse modo, quando o Supremo

Tribunal Federal edita uma Súmula, pode-se dizer que será norma

constitucional aquilo que a Súmula determinar que seja, isto

porque a Súmula é condição de validade das normas

constitucionais às quais a Súmula se refere. Mutatis mutandis, não é temerário dizer, assim, que, em última ratio, a Súmula que versa

sobre matéria constitucional é condição de sentido das normas

constitucionais.”157

E mais à frente arremata:

156 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 264. 157 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 229.

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“Os juízes podem contrariar leis; se o fizerem, caberá recurso. O

que os juízes não podem fazer é contrariar Súmulas! Nesse caso,

[...], não caberá recurso e sim, reclamação [...]. Ou seja, embora

nosso ordenamento faça parte do sistema jurídico romano-

germânico, onde o corolário é a lei, esta – a lei – não vincula; a

Súmula, sim!”158

Assim, o jurista (que deveria interpretar (e criar) o conteúdo

da norma em cada caso concreto) acaba apenas reproduzindo um sentido já

compreendido, negando vigência às suas demais variantes interpretativas, que,

eventualmente, poderiam resultar numa decisão mais justa.

Nessa linha de raciocínio, o princípio da legalidade é violado

pela Súmula Vinculante, que aborta a possibilidade de múltipla interpretação da

lei, dando-lhe sentido único e obrigatório.

E se hoje a idéia de um juiz vinculado rigorosamente aos

frios dizeres da lei é abominável, o mesmo vale para os enunciados sumulares.

Como já aduzido anteriormente, isso põe a Súmula Vinculante em patamar

superior ao da própria lei.

Por outro lado, parte da comunidade jurídica tem entendido

que a Súmula Vinculante afronta os princípios da legalidade e da separação de

poderes porque o Judiciário não poderia criar textos normativos de cunho

abstrato, geral e obrigatório.

“Como poder constitucional de vincular o efeito das

Súmulas, o Poder Judiciário, por suas cúpulas, passará a legislar, o que, à

evidência, quebrará a harmonia e a independência que deve haver entre os

Poderes da República.”159

Já se viu no item 1.3 que a atividade judicial é na prática

fonte criadora do Direito, pelo fato de ser legitimamente encarregada de

158 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 268. 159 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas vinculantes e a reforma do Judiciário: o leito de procusto da

justiça brasileira. In: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 35, 1995, p. 36.

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interpretar o Direito Positivo (repleto de campos de textura aberta) e de aplicá-lo

concretamente.

Com efeito, na aplicação do Direito “o juiz sempre deixará as

suas marcas, as suas convicções pessoais e ideológicas, o seu senso próprio de

justiça. Isto porque toda interpretação, que é condição sine qua non para que seja

proferida uma decisão, inevitavelmente, traz consigo uma carga de criatividade,

por vezes maior, por outras menor.”160

Nesse sentido específico, a atividade judicial evidentemente

não afronta o princípio da legalidade, embora crie normas jurídicas para o caso

concreto e muitas vezes se afaste dos ditames legais.

Isso porque, como já visto, o próprio ordenamento legal

exige essa postura do juiz, voltada tão-somente para a resolução do caso

específico submetido a seu julgamento, sem preocupação com a regulação de

situações similares futuras.

Com a Súmula Vinculante isso não ocorre, pois os Ministros

do STF, em procedimento próprio (e objetivo), discutem o tema controvertido com

o escopo de regulamentá-lo de forma genérica, abstrata e obrigatória, redigindo

um enunciado normativo capaz de lhe dar adequada aplicação em todos os casos

similares que forem submetidos à apreciação do Poder Judiciário.

Não há compromisso com os casos concretos que foram

apreciados e formaram o entendimento a ser sumulado. A atividade é

essencialmente normativa e, por isso, afeta ao Poder Legislativo, não por ser

criadora de Direito, mas por ter esse caráter geral e abstrato.

Válida a esse respeito a observação de Sílvio Nazareno

Costa, que bem resume a idéia esboçada neste item do presente trabalho:

“O poder normativo do Judiciário é incontestavelmente admitido, quando se trata de integração das lacunas do Direito positivo e da

160 JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais. Ano 94, v.

838, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 56.

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edição de norma concreta (=sentença), elaborada pelo Juiz para a solução da lide que lhe é submetida. Trata-se de norma derivada, resultante do exercício de uma ‘discrição vinculada’. Conquanto a concretização do direito abstratamente previsto na norma geral implique inegáveis aspectos de criação de direito novo e de recriação, pela interpretação da norma legislada, nem por isso a normatização judiciária com efeitos gerais deixa de encontrar oposição. Significativa parcela da doutrina resiste a essa possibilidade, entendendo que, nos sistemas ligados à Família Romano-Germânica, tal atividade é própria do Legislativo e, por isso, constitui um núcleo, em princípio, incompartilhável pelos órgãos dos outros Poderes.”161

Afora a problemática da legitimação democrática do

Judiciário para produzir textos normativos, que aqui não será tratada em respeito

aos limites fixados para a presente pesquisa, frisa-se que embora a Súmula

Vinculante seja, tal qual a lei, um texto normativo, a sua edição, ao contrário do

que ocorre no processo legislativo, parte do exame de situações fáticas

específicas, em que os fatos relevantes, as provas produzidas, os argumentos

jurídicos suscitados e tudo mais que interessa ao deslinde de cada uma das

contendas são reduzidos a um mero enunciado sumular, em cujas palavras está

contida a pretensão de regular todos os casos análogos levados a julgamento

posterior.

As súmulas representam (deveriam representar) a essência

de um pensamento jurisprudencial que se foi uniformizando e consolidando ao

longo do tempo.

A jurisprudência se forma a partir de julgamentos de casos

específicos, restritos às partes litigantes. Para o seu amadurecimento

(uniformização e consolidação) é imprescindível o debate, com a máxima

possibilidade de contraposição de idéias e argumentos. Isso leva tempo, exige

estudo acurado e compreende variados graus de consentimento. Em

determinadas situações, é possível que jamais ocorra.

161 COSTA, Silvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense,

2002, p. 249.

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Circunstâncias políticas, econômicas, sociais e culturais,

dentre outras, influenciam seriamente a formação do convencimento do órgão

julgador, seja ele monocrático ou colegiado. Todos esses aspectos extralegais

são refletidos nos precedentes que promovem o estabelecimento dos

entendimentos jurisprudenciais. E é assim que tem de ser, pois esse esforço para

contemporizar (contextualizar) o direito posto é o que torna eficaz a atividade

jurisdicional, no que tange ao seu escopo de proferir decisões adequadas (justas)

ao litígio, tanto quanto coerentes com os preceitos normativos vigentes.

Mas essas circunstâncias são variáveis, e sua análise parte

sempre do caso concreto. É com base no campo de causas e efeitos restrito

àquela específica relação jurídica que o órgão julgador irá aplicar o Direito e

realizar seu raciocínio de fundamentação jurídica.

A partir do exame de situações fáticas similares, cujos

campos de causas e efeitos se repetem, e nos quais são invocados os mesmos

fundamentos jurídicos, com a prolação de reiteradas decisões em único sentido,

forma-se a jurisprudência. As súmulas a representam, porém, com caráter

abstrato e genérico, tal qual a lei, com a pretensão de regular situações futuras.

Por outras palavras, “se desvinculam na sua formação do caso jurídico que as

engendrou.”162

Observe-se que são de situações específicas que se

constituem os entendimentos jurisprudenciais, atrelados a fatores particulares e

variáveis, razão pela qual se mostra temerável dar-lhes caráter genérico e

obrigatório, sobretudo porque é sabidamente impossível “condensar a essência

das normas em proposições simples,”163 sem referência aos elementos da

realidade temporal e circunstancial que são imanentes a todas as decisões

judiciais.

162 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 279. 163 TAVARES, André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417

de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007, p. 224-225.

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Ora, nem o Poder Legislativo, nem o Poder Judiciário têm a

possibilidade de criar textos normativos tão completos, precisos e claros que

dispensem a atividade do intérprete.

Se ao menos fosse permitida a atividade interpretativa da

súmula (como ocorre com as persuasivas) os efeitos dessa normatização

poderiam ser amenizados no dia-a-dia forense.

A Súmula Vinculante, nesse contexto, parece retomar os

ideais positivistas do final do século XVIII e início do século XIX, com a pretensão

de restabelecer os caracteres de segurança e certeza da decisão judicial, por um

lado, e de neutralidade e objetividade do julgador, por outro.

3.3 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do devido processo legal164 pode ser entendido

sob diversos ângulos, mas aqui interessa principalmente o resguardo da garantia

de contraposição de provas e argumentos nos processos judiciais, a fim de que

se tenha uma decisão judicial racionalmente fundamentada e conforme o debate

(contraditório) havido no desenrolar da demanda.

Assim, elemento indispensável do processo judicial,

constitucionalmente legítimo, é a possibilidade de plena participação das partes

na construção da decisão que lhes afetará.

Nessa esteira, Elio Fazzalari considera o processo como

procedimento realizado em contraditório:

“Como repetido, o ‘processo’ é um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em

164 Consagrado explicitamente na Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5.º, LV, in

verbis: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

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contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades.” 165

O autor caracteriza o contraditório da seguinte forma:

“Tal estrutura consiste na participação dos destinatários dos efeitos do ato final em sua fase preparatória; na simétrica paridade das suas posições; na mútua implicação das suas atividades (destinadas, respectivamente, a promover e impedir a emanação do provimento); na relevância das mesmas para o autor do provimento; de modo que cada contraditor possa exercitar um conjunto – conspícuo ou modesto, não importa – de escolhas, de reações, de controles, e deva sofrer os controles e as reações dos outros, e que o autor do to deva prestar contas dos resultados.”166

E sintetiza:

“Existe, em resumo, o ‘processo’, quando em uma ou mais fases do iter de formação de um ato é contemplada a participação não só – e obviamente – do seu autor, mas também dos destinatários dos seus efeitos, em contraditório, de modo que eles possam desenvolver atividades que o autor deve determinar, e cujos resultados ele pode desatender, mas não ignorar.”167

Sobre o assunto, comentando a posição de Elio Fazzalari,

ensinam Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido

Rangel Dinamarco:

“Na realidade, a presença da relação jurídico-processual no processo é a projeção jurídica e instrumentação técnica da exigência político-constitucional do contraditório. Terem as partes poderes e faculdades no processo, ao lado de deveres, ônus e sujeição, significa que o processo é realizado em contraditório.”168

165 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 118. 166 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 119-120. 167 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 120. 168 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 283.

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Seguindo essa linha, infere-se que é fundamental ao devido

processo legal que se permita aos destinatários dos efeitos do provimento judicial

efetiva participação na sua formação, mediante um “contraditório paritário”.169 E

mais, como adverte Elio Fazzalari, é preciso que o órgão julgador (autor do

provimento judicial) leve em consideração os argumentos despendidos pelos

contraditores, o que, aliás, integra o princípio da fundamentação racional da

decisão judicial.

Além de se oportunizar a participação dos destinatários da

tutela judicial no processo que lhe é prévio, imprescindível que os atos por eles

praticados sejam efetivamente levados em consideração no julgamento. Se seus

argumentos não têm poder de convencimento ou são irrelevantes para o deslinde

da causa, imperioso que haja explicitação dos motivos que justificam essa

conclusão.

Vê-se, pois, que o contraditório (exigência inarredável do

devido processo legal) traz como uma de suas conseqüências a necessidade de

que as decisões judiciais sejam racionalmente fundamentadas e façam referência

às alegações apresentadas pelos litigantes durante o curso do processo

(construído dialeticamente). “É ínsito ao contraditório a dialeticidade, a

participação das partes no impulsionamento do processo e na decisão justa.”170

Mais do que uma forma de controle do raciocínio utilizado

pelo julgador, a fundamentação das decisões judiciais permite saber se as

circunstâncias do caso concreto foram devidamente ponderadas e se a atividade

argumentativa dos contraditores foi sopesada.

Relevantes são a esse respeito as considerações de

Marcelo Cattoni:

169 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 121. 170 MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson. Fundamentos constitucionais do processo (sob a

perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 187.

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“No quadro do exercício do Poder Jurisdicional, o Direito realiza sua pretensão de legitimidade e de certeza da decisão através, de um lado, da reconstrução argumentativa no processo da situação

de aplicação, e, por outro, de determinação argumentativa de qual, dentre as normas jurídicas válidas, é a que deve ser aplicada, em razão de sua adequação, ao caso concreto. Mas não só por isso. A argumentação jurídica através da qual se dá a reconstrução do caso concreto e a determinação da norma jurídica adequada está submetida à garantia processual de participação em contraditório dos destinatários do provimento jurisdicional. O contraditório é uma das garantias centrais dos discursos de aplicação jurídica institucional e é condição de aceitabilidade racional do processo jurisdicional.”171

O exercício legítimo da jurisdição – no modelo definido no

Estado Democrático de Direito – está, assim, condicionado à garantia de

participação dos envolvidos no processo de construção discursiva da decisão que

lhes afeta, cuja fundamentação há de considerar o exercício argumentativo

dialético das partes.

Na verdade, no Estado Democrático de Direito nenhuma

manifestação do poder estatal que interfira na esfera jurídica individual do cidadão

pode ser concebida sem a sua participação, ainda que indireta.

É assim que se justifica a atividade legislativa. Por meio dela

são criadas as normas que regulamentam a vida em sociedade, mediante

participação popular (direta ou por representação parlamentar).

O processo legislativo, mesmo que apenas formalmente,

atende o primado democrático, porque a produção das normas é antecedida de

amplo debate em torno do “discurso de justificação jurídico-normativa,”172 em que

o povo está representado pelos deputados e senadores. Além disso, abre-se

espaço cada vez maior para atuação das entidades que representam os diversos

171 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2001, p. 198. 172 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2001, p. 196.

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setores da sociedade civil. As audiências públicas que antecedem a edição de

algumas leis dão prova dessa abertura.

A Súmula Vinculante, por sua vez, não tem essa conotação

democrática, porque as pessoas afetadas pelos seus efeitos não participam do

seu processo de edição, sequer por representação, e ficam impedidas de discuti-

la perante os juízes de direito.

A Súmula Vinculante, como já visto, é editada em um

procedimento objetivo, cuja participação é restrita a determinados órgãos e

pessoas, ligadas, na sua maioria, ao próprio Estado. A maior parte dos cidadãos

não têm oportunidade de deduzir seus argumentos acerca do tema sumulado,

conquanto possam ser prejudicados individualmente pelos consectários do

enunciado jurisprudencial vinculante.

A partir de processos individuais, em que apenas as partes

envolvidas se manifestam, formam-se os entendimentos jurisprudenciais sobre os

assuntos controvertidos. Esses entendimentos são levados à aprovação dos

Ministros do STF em procedimento objetivo e restrito, para então se tornarem

obrigatórios a todos os juízes e administradores públicos do país.

Com isso, inviabiliza-se ao cidadão – porque o juiz estará

vinculado ao que já foi sumulado – a discussão dos fundamentos empregados

para justificar a edição da súmula.

A Súmula Vinculante constitui, portanto, um texto normativo

(porque geral, abstrato e genérico) editado em procedimento não democrático.

Não se está aqui adentrando na discussão acerca da

legitimidade dos juízes e tribunais para criarem direito além da lei. Essa

discussão, geralmente suscitada sob o argumento de que são agentes políticos

não eleitos pelo povo e, portanto, sem legitimidade democrática, extrapola os

limites deste estudo.

Aqui, pelo que já foi demonstrado inclusive no Capítulo 1, a

análise é feita sob outro prisma: o Poder Judiciário pode decidir além da lei,

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interpretando-a (até mesmo com certo grau de criatividade, se necessário for),

mas desde que o faça em procedimento contraditório, levando em consideração

as circunstâncias específicas do caso concreto e os argumentos despendidos

pelas partes envolvidas, que necessariamente devem ter assegurada a

oportunidade de participação na construção racional (e fundamentada) da decisão

que lhes afeta, com efeitos inter partes, nos limites da coisa julgada.

É pelo fato de que a Súmula Vinculante não permite a

participação dos cidadãos submetidos aos seus ditames – nem no procedimento

de sua edição, nem posteriormente – que se afirma que ela não tem caráter

democrático e afronta o devido processo legal.

E atinge o princípio do devido processo legal em vários

aspectos.

Quando a situação fática submetida a julgamento perante o

juiz de direito enquadrar-se (por subsunção lógica) ao preceito sumular, a decisão

do caso concreto já será conhecida previamente, não podendo afastar-se do que

foi assentado pelo STF com caráter vinculante. Ainda que o juiz ouse discordar e

tenha coragem de decidir contra a orientação da súmula, a interposição de

reclamação perante o STF tratará de restabelecer a orientação sumulada.

Enquanto ela não for cancelada, imperará absoluta.

Isso, em certa dose, fere o princípio do livre acesso à

jurisdição, pois se os argumentos argüidos pelas partes não terão qualquer efeito

sobre o órgão julgador, de nada adianta socorrer-se ao Poder Judiciário.

Com efeito, Ada Pelegrini Grinover, citada por Francisco

Gérson Marques de Lima, lembra que o acesso à Justiça pressupõe a

possibilidade de produzir provas e sustentar razões que possam influir na

convicção do julgar:

“O acesso à Justiça quer dizer acesso a um processo justo, ao devido processo legal; ou, na feliz, observação de Ada Pelegrini Grinover, ‘a uma Justiça imparcial; a uma Justiça igual, contraditória, dialética, cooperativa, que ponha à disposição das

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partes todos os instrumentos e os meios necessários que lhes possibilitem, concretamente, sustentarem suas razões, produzirem suas provas, incluírem sobre a formação do convencimento do juiz’.”173

Há também ofensa ao princípio da necessidade de

fundamentação das decisões judiciais – decorrente do devido processo legal.174

Bastará ao juiz examinar se os fatos se inserem na previsão normativa da Súmula

Vinculante e, em caso positivo, reproduzir mecanicamente os seus dizeres como

razões de decidir. Esse raciocínio lógico-formal exclui por óbvio a consideração

de outros fundamentos eventualmente trazidos pelos litigantes.

Convém destacar que no julgamento de uma ação coletiva,

em que muitas pessoas são afetadas pelo provimento jurisdicional, embora não

tenham integrado a relação processual, a lei brasileira apresenta solução que

bem se coaduna com os anseios democráticos traçados na Constituição.

A Lei n.º 8.078, de 11-09-1990 (Código de Defesa do

Consumidor), que regulamenta as ações coletivas, estabelece no seu art. 94 a

necessidade, após a propositura da ação, de que seja publicado edital em órgão

oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como

litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação

social. Essa previsão legal atende, ainda que formalmente, a exigência

constitucional-democrática de participação dos cidadãos nos atos estatais

decisórios capazes de afetar suas esferas jurídicas individuais.

Não obstante isso, o art. 103 da mesma lei, toma o cuidado

de ressalvar os interesses individuais eventualmente prejudicados com o

julgamento da ação coletiva. É assim que impõe limites à coisa julgada quanto

aos interessados que não tiverem participado no processo como litisconsortes.

173 MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson. Fundamentos constitucionais do processo (sob a

perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 96.

174 Para Gilson Bonato, “A motivação das decisões é uma imposição do princípio do devido processo legal, onde se busca que o julgador exteriorize as razões de sua decisão, qual a interpretação que foi dada ao direito e aos fatos do caso em julgamento” (In: Devido processo legal e garantias processuais penais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 179).

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Essa legislação dá clara noção de que não se pode impor os

efeitos de uma decisão judicial a quem não tenha tido a oportunidade de se

manifestar no processo que lhe antecedeu – ou seja, sem obediência ao devido

processo legal.

Argumenta-se, por fim, ofensa ao duplo grau de jurisdição,

pois os juízes e tribunais ficam impedidos de realizarem os seus próprios

julgamentos acerca da questão controvertida.

3.4 PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DO JUIZ

O princípio da independência do juiz, que também pode ser

chamado de princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional,

é o que mais visivelmente se vê lesado pelo advento da Súmula Vinculante.

De início, conveniente ressaltar que o princípio da

independência do juiz difere do princípio da independência do Poder Judiciário,

embora haja entre eles fortes pontos de aproximação. O primeiro diz respeito à

formação do convencimento do magistrado (individualmente); o segundo trata da

autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (composto por diversos

órgãos julgadores).175

Nesse sentido:

“Alguma confusão podem causar as noções de independência do juiz e de independência do Poder Judiciário. A independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário decorre da divisão funcional do poder estatal, de modo que um Poder não possa, salvo nas hipóteses previstas na Constituição, imiscuir-se nos assuntos dos demais Poderes. A independência do juiz significa a previsão de que este não tenha que submeter a sua decisão a nenhum crivo, não se submetendo a nenhuma outra

175 A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece em seu art. 99, caput: “Ao Poder

Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.”

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vontade, senão o interesse da sociedade encerrado no ideal de justiça.”176

Importa a esta pesquisa acadêmica apenas a análise do princípio da independência do juiz no cumprimento de sua função jurisdicional.

Cuida-se de princípio constitucional implícito, decorrente do exercício democrático da jurisdição.

Teresa Arruda Alvim Wambier bem o explica:

“Orienta a atividade decisória do juiz o princípio do livre convencimento motivado: há liberdade para analisar as provas, formar a convicção e decidir, com base na interpretação da lei que se entenda correta. O juiz tem, portanto, no sistema brasileiro, segundo opinião que predomina, a possibilidade de optar pela interpretação da lei que lhe pareça mais acertada.”177

Lenio Luiz Streck, escrevendo antes do avento da Emenda

Constitucional n. º 45, registrou o sistema então havido no Brasil:

“No Direito brasileiro, o princípio dominante é o da decisão segundo o livre convencimento do juiz, atendendo aos ditames da lei e, na omissão, aos preceitos oriundos das outras formas de expressão do Direito, previstas, expressa ou implicitamente, na Lei de Introdução ao Código Civil. Não há dúvida, entretanto, de que a força persuasiva dos casos julgados pelos tribunais superiores em relação aos inferiores é decorrência lógica do sistema de diversidade de instâncias, [...]. Porém, não há qualquer forma de obrigatoriedade e nem, tampouco, vincularidade das decisões de cortes superiores sobre os juízes os tribunais inferiores.”178

176 CASTRO, Carlos Alberto de. A proposta de adoção de súmulas vinculantes em face do

princípio da independência do órgão julgador. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12.ª Região, v 1, n. 1. Florianópolis, 1993, p. 47.

177 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle de decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 311.

178 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 88.

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Para Fábio Konder Comparato, a independência funcional

da magistratura é uma garantia institucional do regime democrático, destinada a

assegurar o respeito aos direitos subjetivos fundamentais declarados na

Constituição. 179

Gilson Bonato entende a independência dos juízes como

uma garantia de isenção estabelecida em favor dos cidadãos:

“Em verdade, a independência dos juízes não é uma prerrogativa profissional. Os cidadãos, sujeitos passivos da administração da justiça, devem ter a garantia de que a pessoa que vai administrar função de tão graves conseqüências, tal como o poder penal do Estado, vai atuar com total liberdade e não submetido a pressões. É uma garantia em favor dos cidadãos e não dos juízes. Em última análise, todos os mecanismos que existem para preservar a independência nada são frente à própria decisão do juiz. Esse, consciente de sua missão, deve ser o principal guarda e defensor de sua independência.”180

Dada a alta responsabilidade da função que exercem,

precisam ser imparciais e independentes, em “um caráter externo, relativo aos

órgãos ou entidades estranhas ao Poder Judiciário, e um caráter interno, ou seja,

independência dos membros perante os órgãos ou entidades pertencentes à

própria organização judiciária.”181

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece

em favor dos magistrados as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de subsídio182, justamente para preservar-lhes a autonomia

decisória.

179 COMPARATO, Fábio Konder. O poder judiciário no regime democrático. In: Revista da AMB –

Associação dos Magistrados Brasileiros. Ano 7, n. 13, Brasília: José Torres Pereira Júnior ed., 2004, p. 8.

180 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 158-159.

181 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 470. 182 “Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

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Daí que se fala em um princípio constitucional implícito de

independência do magistrado, que facilmente se deduz da previsão expressa

dessas garantias funcionais específicas, consoante a lição de José Afonso da

Silva:

“Aos órgãos jurisdicionais (...) incumbe a solução dos conflitos de interesses, aplicando a lei aos casos concretos, inclusive contra o governo e a administração. Essa elevada missão, que interfere com a liberdade humana e se destina a tutelar os direitos subjetivos, só poderia ser confiada a um poder do Estado, distinto do Legislativo e do Executivo, que fosse cercado de garantias constitucionais de independência.”183

E no mesmo rumo, Francisco Gérson Marques de Lima:

“Para que a tutela jurisdicional possa ser prestada com seriedade e imparcialidade é indispensável cercar o julgador de garantias e prerrogativas, a fim de não ser importunado na liberdade de condução do processo e na formação de seu convencimento. O juiz precisa estar imune às pressões políticas (internas e externas do Judiciário), às intempéries resultantes de histerias e ao sensacionalismo da imprensa.”184

Para chegar à solução da causa submetida a seu

julgamento, o juiz opera um raciocínio lógico, que compreende juízos de fato e de

direito, a serem fundamentados e revelados às partes. Na operação desse

raciocínio tem liberdade para formar seu convencimento, motivadamente; não

está subordinado a nenhuma ordem superior de como deva proceder, embora sua

I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo

a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.”

183 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed., São Paulo: Malheiros, p. 573.

184 MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson. Fundamentos constitucionais do processo (sob a perspectiva de eficácia dos direitos e garantias fundamentais). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 213.

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decisão seja passível de reforma em grau de recurso. Em suma, “o juiz é livre em

sua decisão, tanto ao valorar as provas como ao aplicar e interpretar as normas

jurídicas.”185

Dessa forma, cada juiz é um centro autônomo de poder, que

procede com relativa carga de discricionariedade.

Por conseguinte, existe a possibilidade de serem proferidas

as mais variadas decisões sobre situações fáticas bastante similares. Por um

lado, há, em certa medida, prejuízos à segurança jurídica; por outro, permite-se a

democratização da interpretação e da criação do Direito, tornando-o muito mais

permeável aos valores advindos do meio social.

Essa múltipla possibilidade de decisões é reduzida em boa

dose com o manejo dos tantos recursos previstos na legislação processual.

Aos tribunais compete examinar a adequação jurídica dos

julgamentos realizados pelos juízes singulares, reformando as decisões

consideradas inadequadas e garantindo certa estabilidade ao sistema jurídico, ao

mesmo tempo em que podem rever eventual posição jurisprudencial já

ultrapassada e apontar novos caminhos.

Como “o magistrado não é um soberano, nem um Deus, e

sim um servidor,”186 e a jurisdição representa parcela do poder do Estado (que é

democrático de direito), as decisões judiciais estão submetidas a revisão, por

intermédio dos recursos (forma razoável de controle das interpretações

equivocadas dos juízes).

Esse processo de reexame dos fundamentos jurídicos

empregados em cada julgamento é extremamente salutar para manter a

185 MEDEIROS, Luiz Cézar. O formalismo processual e a instrumentalidade: um estudo à luz dos

princípios constitucionais do processo e dos poderes jurisdicionais. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 116.

186 CALMON DE PASSOS, J. J. Súmula Vinculante. In: Genesis: Revista de Direito Processual Civil, ano 1, n. 1. Curitiba: Genesis, 1996, p. 631.

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vivacidade do sistema, reafirmar os seus princípios prevalecentes e enriquecer o

debate jurídico, plural e democrático.

É o que basta para manter a autoridade da jurisprudência já

consolidada. Como afirma Lúcia Valle Figueiredo, “o próprio ordenamento jurídico

dá remédios de correção”187, que são os recursos.

A partir daí é que se forma (legitimamente) a jurisprudência,

de baixo para cima, e não (autoritariamente) de cima para baixo.188

Luiz Felipe Silveira Defini traz alguns exemplos, dos tantos

que existem, de inovações jurisprudenciais impulsionadas pelas decisões dos

juízes de primeiro grau:

“Foi no primeiro grau e não das cúpulas que se desenvolveu, só para citar três exemplos, a possibilidade de indenização por dano moral, do manejo de embargos de terceiro por titular de promessa de compra e venda não registrada e da extensão da correção monetária, antes da lei geral, a todas as dívidas.”189

Já se escreveu nesse trabalho que a decisão judicial não

retrata mais claramente e sem vacilação a norma codificada, e que o juiz muitas

vezes atua como criador do Direito,190 o que é decorrência natural do exercício da

jurisdição no Estado Democrático de Direito, mesmo no sistema civil law.

Também ficou assentado que o livre convencimento do

magistrado tem de ser motivado, com exposição racional dos fundamentos

187 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O controle judicial dos atos administrativos e a súmula vinculante.

In: Revista Brasileira de Direito Público. Ano 1, v. 1, Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 50. 188 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O controle judicial dos atos administrativos e a súmula vinculante.

In: Revista Brasileira de Direito Público. Ano 1, v. 1, Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 48. 189 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Discurso de posse da presidência da AJURIS, na gestão

2000/2001. In: CASTRO, Carlos Alberto de. A proposta de adoção de súmulas vinculantes em face do princípio da independência do órgão julgador. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12.ª Região, v 1, n. 1. Florianópolis, 1993, p. 47.

190 Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle de decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 99.

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utilizados na formação de sua decisão. Isso permite a discussão e a revisão da

decisão perante as instâncias superiores.191

Mas agora, com a Súmula Vinculante, o juiz perde a

possibilidade de exercer a sua independência; fica tolhido da função interpretativa

e criativa do ordenamento legal.

A fundamentação da decisão que aplica a Súmula

Vinculante se resume à indicação lógica de subsunção do fato ao entendimento

sumulado. Pouco importa as conclusões a que chegou o magistrado depois de

sopesar os argumentos suscitados pelas partes e de examinar a quaestio em toda

a sua extensão.

A rigor, nas situações tratadas em Súmulas Vinculantes, não

há mais como sustentar a existência de julgamentos pelo juiz monocrático. O juiz

torna-se mero técnico subalterno, encarregado de reproduzir mecanicamente em

cada caso o entendimento sumulado.

Por isso, tem-se sustentado que a Súmula Vinculante “é

uma camisa-de-força que atingirá, inexorável e impiedosamente, as instâncias

inferiores do Judiciário brasileiro.”192

Usando expressão de Rui Barbosa, citada por Evandro Lins

e Silva, o juiz se converte “em espelho inerte dos tribunais superiores.”193

Para Luiz Flávio Borges D’Urso,

“A Súmula retira do juiz a sua capacidade de entendimento e a sua livre convicção, ou seja, a sua independência para julgar. Torna-se o juiz um mero cumpridor de normas baixadas pelo grau superior, comprometendo-se, dessa forma, ao inibir a livre

191 Cf. CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.

139-142. 192 STRECK, Lenio. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade

constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 264. 193 LINS E SILVA, Evandro. Crime de hermenêutica e súmula vinculante. In: Revista Consulex.

Brasília, ano I, n. 05, 1997, p. 43-45.

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apreciação dos fatos e do direito, a criação e o desenvolvimento da jurisprudência.”194

Há, portanto, evidente prejuízo à “independência jurídica dos

juízes, a qual retira o magistrado de qualquer subordinação hierárquica no

desempenho de suas atividades funcionais; o juiz subordina-se somente à lei,

sendo inteiramente livre na sua formação de seu convencimento e na observância

dos ditames de sua consciência.”195

Com a Súmula Vinculante essa independência do

magistrado se perde, devendo se curvar ao entendimento sumulado, mesmo que

não esteja convencido de que resultará na melhor solução para o conflito.

Dessa forma, a Súmula Vinculante tem nítidos contornos

autoritários, desconsiderando a pluralidade de pensamento dentro do sistema e a

busca da justiça no caso concreto. Toma o Direito como algo pronto e acabado,

como um sistema jurídico coeso, compacto e seguro,196 com estreitos campos de

atualização.

Segundo Luiz Flávio Gomes,

“Retirada esta autonomia do juiz (que decide em nome do Estado e é expressão de uma parcela desse poder), subordinando-se ao mesmo tempo a um entendimento pré-configurado, único, já não é preciso um juiz para julgar a causa; um funcionário qualquer é o quantum satis para ‘carimbá-la’, dando-lhe a solução estampada na súmula. Melhor, talvez: basta o computador.”197

194 D’URSO, Luiz Flávio Borges. A súmula vinculante é um retrocesso. In: Revista Bonijuris. Ano

XVI, n. 491, p. 21. 195 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 161. 196 GOMES, Luiz Flávio apud CASTRO, Carlos Alberto de. A proposta de adoção de súmulas

vinculantes em face do princípio da independência do órgão julgador. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12.ª Região, v 1, n. 1. Florianópolis, 1993, p. 49.

197 GOMES, Luiz Flávio. Súmulas vinculantes e independência judicial. In: Revista Justitia. v. 59, n. 177, São Paulo: Associação Paulista do Ministério Público, 1997, p. 126.

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100

Ao tempo em que se vinculam os juízes de primeiro grau aos

entendimentos jurisprudenciais, Volnei Ivo Carlin denuncia o declínio do prestígio

da jurisprudência atual e critica o apego acrítico aos entendimentos sumulados:

“A jurisprudência supõe durabilidade. Hoje, porém, o princípio vem diluído, pois o direito muda e muda rápido. Entretanto, alheios a estas transformações certos magistrados apegam-se aos slogan e à estratificação das súmulas, que substituem as convicções e impedem a evolução. O direito parece ir rápido demais para permitir a criação jurisprudencial, que deveria ser mais sutil, inteligente e legítima, deixando, agora, contudo, transparecer os elementos de uma crise.”198

Anotando o aspecto persuasivo da jurisprudência, que,

segundo ele deve ser fonte de princípios convincentes, o autor valoriza o juízo

ponderado e refletido do julgamento:

“Ademais, no estudo de um conflito, há, metodicamente, numerosos elementos a considerar, envoltos em sutilezas e escrúpulos, deixando a mente do julgador impregnada pelo conjunto de dados pressentidos para a percepção da verdade. E a demonstração lógica deve se ordenar com clareza e numa escrita elegante para, só então, o trabalho jurídico (sentença e/ou acórdão) ser publicado e discutido.”199

Também assim Lúcia Valle Figueiredo: “A jurisprudência, e

todos estão cientes disso, também, é fonte de Direito na dialogicidade necessária

entre a norma como posta, a Constituição, os princípios da Constituição e o caso

concreto.”200

Não pode, por isso, ficar engessada (estagnada) em

determinado enunciado sumular vinculante, cuja iniciativa de revisão é bastante

198 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica – Ética e justiça. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC

Editora, 2005, p. 56. 199 CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica – Ética e justiça. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC

Editora, 2005, p. 56. 200 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O controle judicial dos atos administrativos e a súmula vinculante.

In: Revista Brasileira de Direito Público. Ano 1, v. 1, Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 46.

Page 113: PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E ...siaibib01.univali.br/pdf/Ezequiel Rodrigo Garcia.pdf · 1 STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política

101

restrita e, portanto, anti-democrática, sobretudo porque impede o juiz de primeiro

grau de participar do debate. Via de conseqüência, também as partes, que

primeiro têm de levar seus conflitos à apreciação do juiz natural, estão excluídas

de levar seus argumentos ao conhecimento do STF.

Essa nova configuração do juiz que a Súmula Vinculante

exige destoa por completo das movimentos contemporâneos de fortalecimento do

juízo crítico e construtivo das decisões judiciais, bem como afeta seriamente o

movimento dinâmico e aberto que sempre acompanhou a Jurisprudência pátria.

Para encerrar este Capítulo cita-se a lição de Miguel Reale,

que bem resume a idéia aqui desenvolvida:

“A contrário do que pode parecer à primeira vista, as divergências que surgem entre sentenças relativas às mesmas questões de fato e de direito, longe de revelarem a fragilidade da jurisprudência, demonstram que o ato de julgar não se reduz a uma atitude passiva diante dos textos legais, mas implica notável margem de poder criador. Como veremos, as divergências mais graves, que ocorrem no exercício da jurisdição, encontram nela mesma processos capazes de atenuá-las, quando não de eliminá-las, sem ficar comprometida a força criadora que se deve reconhecer aos magistrados na tarefa de interpretar as normas, coordená-las, ou preencher-lhes as lacunas. Se é um mal o juiz que anda à cata de inovações, seduzido pelas ‘últimas verdades’, não é mal menor o julgador que se converte em autômato a serviço de um fichário de arestos de tribunais superiores.”201

201 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 168.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Súmula Vinculante é instituto novo do Direito Brasileiro,

que vem suscitando grande polêmica na comunidade jurídica.

Já se tentou outras vezes, sem sucesso, fazê-la ingressar no

ordenamento jurídico nacional, mas somente com a Emenda Constitucional n.º 45

e a Lei n.º 11.417 estabeleceu-se a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal

editar súmulas com efeitos vinculantes.

O movimento em favor da Súmula Vinculante aproveitou-se

da dita reforma do Poder Judiciário para defendê-la, como uma das medidas de

combate à morosidade da Justiça.

Ela surgiu com a promessa de reduzir o número de recursos

e, com isso, o tempo de duração das demandas e o volume de trabalho dos

órgãos judicias, proporcionando, além disso, maior previsibilidade das decisões

de primeira e segunda instância, em favor da segurança jurídica.

A Súmula Vinculante representa o ápice da tendência

verificada nos últimos anos no Brasil de conferir aos entendimentos

jurisprudenciais força normativa autônoma.

Como se observou, há um movimento de aproximação do

sistema jurídico brasileiro (de raiz romano-germânica – civil law) com o sistema

anglo-saxão (common law), no qual os precedentes têm primazia na construção

do Direito.

Mas se percebeu neste estudo que a Súmula Vinculante não

se identifica perfeitamente com o stare decisis norte-americano, porque lá a ratio

decidendi dos precedentes vinculatórios tem de ser deles extraída pelo intérprete,

enquanto que aqui o princípio ou regra jurídica vinculatória é fornecido pelo

próprio tribunal, em uma fórmula lingüística concisa e genérica – texto normativo.

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103

A Súmula Vinculante será a síntese de um entendimento

jurisprudencial, expresso em um enunciado abstrato, editado e aprovado em

procedimento objetivo e de iniciativa restrita a determinado rol de legitimados.

Funcionará como texto normativo autônomo, de cunho

abstrato, geral e obrigatório.

Ficou claro no decorrer da pesquisa que o dispositivo

constitucional que instituiu a Súmula Vinculante, bem como a lei que o

regulamentou deixaram vários aspectos controvertidos da aplicação deste novo

instituto em aberto, a serem esclarecidos pela própria Jurisprudência do STF.

No campo material, o STF poderá editar Súmulas

Vinculantes sobre os mais variados temas jurídicos, porque a pertinência

constitucional (direta ou indiretamente) sempre poderá ser argumentada a partir

da leitura de qualquer texto normativo do sistema jurídico.

Quanto aos pressupostos atinentes à necessidade de edição

das Súmulas Vinculantes, tanto o preceito constitucional quanto a lei utilizaram

termos lingüísticos vagos e imprecisos, que permitem ao STF a utilização desse

poderosíssimo instrumento de poder como melhor lhe aprouver em cada situação.

Uma das possibilidades de controle da nova função

normativa atribuída ao STF seria o manejo do controle incidental de

constitucionalidade, mas a decisão singular contrária à Súmula Vinculante teria

enormes chances de ser cassada em sede de reclamação.

Viu-se que o STF já está preparando a edição das suas

primeiras Súmulas Vinculantes e que possivelmente elas não dispensarão a

atividade do intérprete para compreendê-las e aplicá-las aos casos concretos, eis

que nelas há também expressões textuais abertas.

Mas, a rigor, pelo que se observa dos ditames

constitucionais e legais que tratam da Súmula Vinculante, o seu objetivo é

restringir ao máximo a possibilidade de divergência do seu conteúdo, fixando

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104

rigidamente um comando normativo a ser aplicado em uma série de situações

futuras e similares.

Diante disso, permitem-se as seguintes conclusões

(principais):

a) a Súmula Vinculante representa a aproximação do

sistema jurídico brasileiro (de raiz romano-germânica) com o sistema anglo-

saxão, diminuindo o apego à lei e atribuindo maior força aos entendimentos

juridprudenciais.

b) ao fixar uma das possíveis interpretações da lei como a

única correta, a Súmula Vinculante inibe a eficácia plural, fértil e aberta da lei, cujo

conteúdo há de ser definido pelo intérprete no momento de aplicá-la ao caso

concreto. Dessa forma, o princípio da legalidade se mostra violado.

c) a Súmula Vinculante atinge em parte o princípio do devido

processo legal, porque impede o debate contraditório que há de existir nos

processos judiciais, com a finalidade de construir o provimento final, causando

prejuízos ao acesso à Justiça, ao dever de fundamentar as decisões judiciais e ao

duplo grau de jurisdição.

d) a Súmula Vinculante impede o juiz de julgar as causas

conforme seu livre convencimento motivado e nisso atenta contra o princípio da

independência judicial. Por conseqüência, representa verdadeiro “engessamento”

do conhecimento jurídico, empobrecendo-o sobremaneira e restringindo em muito

seu processo de dinamização.

O estudo levou em consideração o modelo instituído

formalmente na Constituição da República Federativa do Brasil e na Lei n.º

11.417, mas em verdade caberá à Jurisprudência do STF definir os seus reais

contornos. Por isso, resta saber como será na prática a reação da comunidade

jurídica – se os juízes e tribunais se conformarão em aplicar mecanicamente as

Súmulas Vinculantes, se haverá um número muito elevado de reclamações ao

STF, qual os critérios de admissibilidade para os pedidos de revisão e de

cancelamento das Súmulas Vinculantes, como se dará a motivação das

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105

sentenças e acórdão que as utilizarem como fundamento único para a resolução

dos conflitos, enfim, muito ainda se discutirá acerca desse tormentoso assunto,

que sequer entre os Ministros do STF encontra entendimento pacífico.

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115

ANEXO

Lei n.º 11.417, de 19-12-2006

Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a

Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a

edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula

vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras

providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o

Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1.º Esta Lei disciplina a edição, a revisão e o

cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal

e dá outras providências.

Art. 2.º O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por

provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar

enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá

efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,

bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

§ 1.º O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a

interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre

órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual

que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos

sobre idêntica questão.

§ 2.º O Procurador-Geral da República, nas propostas que

não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou

cancelamento de enunciado de súmula vinculante.

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§ 3.º A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de

súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços)

dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.

§ 4.º No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que

editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo

Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário

Oficial da União, o enunciado respectivo.

Art. 3.º São legitimados a propor a edição, a revisão ou o

cancelamento de enunciado de súmula vinculante:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – o Procurador-Geral da República;

V – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI – o Defensor Público-Geral da União;

VII – partido político com representação no Congresso

Nacional;

VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito

nacional;

IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara

Legislativa do Distrito Federal;

X – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI – os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de

Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os

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Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais

Militares.

§ 1.º O Município poderá propor, incidentalmente ao curso

de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de

enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

§ 2.º No procedimento de edição, revisão ou cancelamento

de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão

irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 4.º A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata,

mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus

membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia

a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse público.

Art. 5.º Revogada ou modificada a lei em que se fundou a

edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício

ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.

Art. 6.º A proposta de edição, revisão ou cancelamento de

enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que

se discuta a mesma questão.

Art. 7.º Da decisão judicial ou do ato administrativo que

contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo

indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo

dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

§ 1.º Contra omissão ou ato da administração pública, o uso

da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

§ 2.º Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal

Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada,

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determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula,

conforme o caso.

Art. 8.º O art. 56 da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999,

passa a vigorar acrescido do seguinte § 3.º:

“Art. 56. ............................

........................................

§ 3.º Se o recorrente alegar que a decisão administrativa

contraria enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da

decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o

recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da

súmula, conforme o caso.” (NR)

Art. 9.º A Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a

vigorar acrescida dos seguintes arts. 64-A e 64-B:

“Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da

súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as

razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.”

“Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a

reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á

ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do

recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos

semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível,

administrativa e penal.”

Art. 10. O procedimento de edição, revisão ou cancelamento

de enunciado de súmula com efeito vinculante obedecerá, subsidiariamente, ao

disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Art. 11. Esta Lei entra em vigor 3 (três) meses após a sua

publicação.

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Brasília, 19 de dezembro de 2006; 185.º da Independência e

118.º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos