potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/disciplinas/grad/biofisica2fismed/... · elétrica)...

20
5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão 1 Transporte Iônico e o Potencial de Membrana Até o momento, consideramos apenas o transporte de solutos neutros (sem carga elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte de solutos carregados (íons) pela membrana celular. O fluxo iônico através das membranas das células nervosas é fundamental para o controle das propriedades de excitabilidade e de geração de pulsos elétricos por essas células. Esses pulsos elétricos são uma das principais formas de comunicação entre as células nervosas, de maneira que o entendimento das propriedades de transporte de íons pela membrana celular é essencial para uma compreensão do funcionamento do sistema nervoso. Existe uma diferença de potencial elétrico entre os dois lados da membrana de qualquer célula viva, animal ou vegetal. O valor de repouso dessa voltagem é chamado de potencial de repouso (veja a figura abaixo).

Upload: others

Post on 26-Nov-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

1

Transporte Iônico e o Potencial de Membrana

Até o momento, consideramos apenas o transporte de solutos neutros (sem carga

elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o

transporte de solutos carregados (íons) pela membrana celular.

O fluxo iônico através das membranas das células nervosas é fundamental para o

controle das propriedades de excitabilidade e de geração de pulsos elétricos por

essas células. Esses pulsos elétricos são uma das principais formas de

comunicação entre as células nervosas, de maneira que o entendimento das

propriedades de transporte de íons pela membrana celular é essencial para uma

compreensão do funcionamento do sistema nervoso.

Existe uma diferença de potencial elétrico entre os dois lados da membrana de

qualquer célula viva, animal ou vegetal. O valor de repouso dessa voltagem é

chamado de potencial de repouso (veja a figura abaixo).

Page 2: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

2

O potencial de repouso pode ser medido colocando-se um eletrodo dentro da

célula, em contato com o seu citoplasma, e outro eletrodo em contato com a

solução extracelular.

Um esquema de um experimento típico para a medida do potencial de repouso de

uma célula está mostrado na figura abaixo.

Com o uso de técnicas como a ilustrada acima, o potencial de repouso pode ser

medido para diversos tipos de células de plantas e animais. Os resultados indicam

que, quase sempre, o potencial do citoplasma é negativo em relação ao potencial

do meio extracelular.

Page 3: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

3

Tomando-se como referência para o zero de potencial o seu valor no meio

extracelular, o valor da diferença de potencial Vm entre o interior e o exterior da

maioria das células está entre –100 mV e –10 mV. A figura abaixo dá um

exemplo de uma medida de Vm (o índice m indica membrana).

Existem também diferenças nas concentrações iônicas entre os dois lados da

célula e essas diferenças de concentração são mantidas constantes no repouso. Por

exemplo, o citoplasma tem maior concentração de íons de potássio em relação ao

exterior e menor concentração de íons de sódio em relação ao exterior.

A tabela a seguir dá os valores das concentrações de alguns íons, dentro e fora da

célula, para algumas células selecionadas.

Page 4: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

4

Concentração (mmol/L)

Íon Lula Sapo Humano

Citoplasma Sangue Água

Salgada Citoplasma Plasma Citoplasma Plasma

K+ 400 20 10 124 2,25 150 5,35

Na+ 50 440 460 10,4 109 12 – 20 144

Cl− 40 – 150 560 540 1,5 77,5 73,5 111

Ca++ 0,0001 10 10 4,9 2,1 – 6,4

Mg++ 10 54 53 14,0 1,25 5,6 2,14

Concentrações intra- e extracelulares de alguns íons para o axônio gigante de lula, a fibra

muscular do sapo e eritrócitos humanos.

A diferença na composição iônica entre os dois lados da membrana afeta as

propriedades elétricas das células.

As diferenças no potencial e na concentração de íons entre os dois lados da

membrana estão relacionadas, de maneira que mudanças no potencial podem

resultar em mudanças na concentração de íons e vice-versa. A relação entre o

potencial de repouso e a concentração de íons é controlada pela membrana.

Estudaremos a partir de agora esta relação e os mecanismos físico-químicos

responsáveis pela manutenção das diferenças de potencial e de concentração

iônica.

Page 5: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

5

Eletrodifusão

Nas aulas anteriores consideramos o transporte de partículas na presença de um

gradiente de concentração. Entretanto, se as partículas tiverem carga elétrica e

estiverem sob o efeito de um campo elétrico, haverá transporte de partículas

provocado por dois mecanismos físicos diferentes:

• Difusão, devido à existência de um gradiente de concentração de partículas

entre os dois lados da membrana celular; e

• Arrasto, devido à existência de um gradiente de potencial elétrico entre os

dois lados da membrana celular.

Lembrando das aulas de eletricidade e magnetismo, um gradiente de potencial

elétrico está associado a um campo elétrico pela relação: E = −∇V . (1)

Em uma dimensão (por exemplo, a do eixo-x), que será o caso considerado aqui,

esta relação é:

E = −∂V∂x . (2)

E uma partícula de carga q movendo-se em um campo elétrico E

(unidimensional) sofre uma força F dada por:

f = qE . (3)

Esta força elétrica é a força de arrasto (veja a Aula de Difusão Macro, páginas 15

e 16) atuando sobre as partículas.

Page 6: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

6

Como há dois mecanismos de transporte de partículas carregadas através de uma

membrana celular (difusão e arrasto), podemos escrever as expressões

correspondentes aos fluxos de partículas por esses dois mecanismos.

O fluxo por difusão é descrito pela lei de Fick (Aula de Difusão Macro, equação

1):

φD = −D∂c∂x, (4)

onde c é a concentração de partículas (que tem valores diferentes dos dois lados

da membrana) e D é o coeficiente de difusão. Note que o subíndice D foi usado

em φD para indicar explicitamente que este é o fluxo por difusão.

Lembrando da Aula de Difusão Micro (equação 4), o coeficiente de difusão D

pode ser escrito como

D =l2

2τ, (5)

onde l pode ser interpretado como o livre caminho médio entre duas colisões e τ

pode ser interpretado como o tempo médio entre duas colisões.

Já o fluxo devido ao arrasto provocado pelo campo elétrico pode ser escrito como

(Aula de Difusão Macro, equações 13 e 14):

φa = cv = ucf , (6)

onde:

Page 7: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

7

• v = velocidade de arrasto de um mol de partículas;

• f = força elétrica por mol de partículas;

• u = mobilidade mecânica molar (u = v/f).

Note o uso do subíndice a em φa para indicar explicitamente que este é o fluxo

por arrasto.

Vamos considerar que as partículas são íons (portanto, com carga) de valência z e

que a força f é causada por um campo elétrico com intensidade xVE ∂∂−= , onde

V é o potencial elétrico.

Então, a força elétrica sobre um mol de partículas é

f = qE, (7)

onde q é a carga de um mol de partículas.

A carga de um mol de partículas pode ser escrita em termos da constante de

Faraday F. A constante de Faraday é definida como a carga de um mol de

partículas monovalentes (z = 1).

A carga de uma partícula monovalente é a carga elétrica fundamental e:

e = 1,602 × 10−19 C. (8)

O número de partículas em um mol é o número de Avogadro:

NA = 6,022 × 1023 mol−1. (9)

Portanto, o valor de F é:

Page 8: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

8

F ≡ NA×e = 9,648 × 104 C/mol. (10)

A carga de um mol de partículas de valência z qualquer é então,

q = zF, (11)

de maneira que a força elétrica sobre um mol de partículas pode ser escrita como:

f = qE = zFE = −zF ∂V∂x. (12)

Combinando as equações (6) e (12):

φa = −uczF∂V∂x . (13)

Esta equação é chamada de lei de Planck.

A lei de Planck descreve o fluxo de partículas carregadas sob a ação de um campo

elétrico em um meio viscoso (note que as partículas não estão se movimentando

no vácuo, mas sofrem colisões com as partículas do meio). Ela implica que o

movimento de cargas elétricas positivas (z > 0) ocorre no sentido contrário ao do

gradiente do potencial elétrico V(x). Já as partículas com carga elétrica negativa (z

< 0) se movem no sentido do gradiente do potencial elétrico V(x).

Combinando as equações (4) e (13), obtemos a equação que descreve o fluxo de

partículas da espécie iônica n sob ação dos mecanismos de difusão e de arrasto:

Page 9: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

9

φn = −Dn∂cn (x, t)∂x

difusão

−unznFcn (x, t)∂V (x, t)∂x

arrasto . (14)

Note que as unidades do fluxo escrito acima são número de moles por unidade de

área por unidade de tempo. Se multiplicarmos o fluxo φn pela carga de um mol de

partículas da espécie n, teremos uma grandeza cujas unidades serão carga elétrica

por unidade de área por unidade de tempo. No SI, essa grandeza tem unidades de

C/m2.s (coulombs por metro quadrado por segundo).

A corrente elétrica I em um dado ponto do espaço é definida como a carga

elétrica que passa por esse ponto do espaço dividida pela unidade de tempo. No

SI, a unidade de I é o ampère (A): 1 A ≡ 1 C/s. Portanto, as unidades de fluxo

iônico são as de corrente elétrica por unidade de área. No SI, C/m2.s = A/m2.

Estas são as unidades de densidade de corrente.

Lembrando das aulas de eletricidade e magnetismo, dado um elemento de área dA

de orientação definida pelo versor normal n̂ e supondo que por esse elemento de

área passa uma corrente I cuja direção e sentido correspondem ao de um vetor J

(figura abaixo), a corrente I pode ser escrita como:

I =J ⋅ n̂dA.

(15)

Page 10: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

10

O vetor J é chamado de densidade de corrente e suas unidades são as de corrente

por unidade de área (no SI, A/m2). Como estamos considerando aqui apenas casos

de fluxos unidimensionais (as direções de J e n̂ são as mesmas), a densidade de

corrente torna-se um escalar J dado por:

J = IA, (16)

onde A é a área da superfície por onde passa a corrente I.

Voltando à equação (14), multiplicando o fluxo iônico φn pela carga de um mol de

íons da espécie n (znF) teremos a densidade de corrente dos íons da espécie n:

Jn (x, t) = znFφn (x, t) . (17)

De forma explícita:

Jn (x, t) = −znF Dn∂cn (x, t)∂x

+unznFcn (x, t)∂V (x, t)∂x

#

$%

&

'( . (18)

Page 11: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

11

Esta é a chamada equação de Nernst-Planck. Ela é a base teórica para a

descrição do fluxo iônico através de membranas celulares em decorrência do

efeito combinado dos gradientes de concentração e de potencial elétrico.

O sinal negativo indica que (lembre-se que a equação 18 indica a densidade de

corrente elétrica):

a) Íons positivos (z > 0): a corrente elétrica aponta na direção oposta dos

gradientes de concentração e de potencial elétrico. Neste caso a corrente

elétrica coincide com a direção do fluxo dos íons.

b) Íons negativos (z < 0): a corrente elétrica aponta na direção do gradiente de

concentração e na direção oposta do gradiente de potencial elétrico (note que o

segundo termo entre parênteses é multiplicado por zn). Como neste caso a

direção da corrente elétrica é contrária à do fluxo de íons (pois os íons são

negativos), o movimento dos íons vai na direção oposta à do gradiente de

concentração, mas na mesma direção do gradiente de potencial.

Esta equação pode ser reescrita usando-se a relação de Einstein obtida na Aula de

Difusão Micro (equação 20):

Dn = unRT , (19)

onde R é a constante universal dos gases (= 8,314 J/mol.K), e T é a temperatura

absoluta. Substituindo (19) em (18) podemos reescrever a equação de Nernst-

Planck como:

⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂+

∂∂

−=xtxVtxFcz

xtxcRTFzutxJ nn

nnnn

),(),(),(),( . (20)

Page 12: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

12

Se cada espécie iônica for conservada, cada íon terá sua própria equação de

continuidade. Conforme a equação (7) da Aula de Difusão Macro, a equação de

continuidade para os íons da espécie iônica n é:

ttxc

xtx nn

∂−=

∂ ),(),(φ, (21)

onde φn indica o fluxo dos íons da espécie iônica n.

Lembre-se que o fluxo aqui significa o número de moles da espécie iônica n que

passa por unidade de área por unidade de tempo. Portanto, se multiplicarmos o

fluxo φn pela carga de um mol de íons da espécie n (qn = znF) teremos a densidade

de corrente dos íons da espécie n, Jn(x,t) (equação 17 acima).

Em termos da densidade de corrente Jn(x,t), a equação (21) fica

ttxc

FzxtxJ n

nn

∂−=

∂ ),(),(. (22)

Assim como se pode deduzir uma equação de continuidade para o número de

partículas (feita na Aula de Difusão Macro), que expressa a conservação das

partículas, pode-se também deduzir uma equação de continuidade para a massa de

um conjunto de partículas (conservação da massa) e uma equação de continuidade

para a carga de uma população de partículas carregadas (conservação da carga).

Page 13: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

13

Como o que nos interessa aqui é a carga, faremos agora a dedução da equação de

continuidade para a carga de uma população de partículas carregadas (íons de

várias espécies diferentes). A demonstração será análoga à feita na Aula de

Difusão Macro.

Consideremos um elemento de volume com área da seção reta A e comprimento

Δx com densidade de carga ρ e densidade de corrente J, como mostrado na figura

abaixo.

A conservação da carga implica que a carga líquida fluindo para dentro do

elemento de volume em um intervalo de tempo Δt deve ser igual à variação da

carga no interior do elemento de volume no intervalo Δt. Portanto,

xAtxxAttxtAtxxJtAtxJ Δ−ΔΔ+=ΔΔ+−Δ ),(),(),(),( ρρ .

Rearranjando os termos da equação acima e fazendo 0→Δx e 0→Δt , obtemos,

ttx

xtxJ

∂∂

−=∂

∂ ),(),( ρ, (23)

que, em três dimensões, é escrita como

Page 14: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

14

tJ

∂∂

−=⋅∇ρ!

. (24)

Esta é a equação da continuidade para a carga elétrica (em 1-D e 3-D),

expressando a sua conservação.

Note que ele é equivalente à soma de termos iguais aos da equação (22), um para

cada espécie iônica presente:

∂Jn (x, t)∂xn

∑ = −znF∂cn (x, t)∂tn

∑ ⇒

∂ Jnn∑%

&'

(

)*

∂x= −

∂ znFcnn∑%

&'

(

)*

∂t⇒

⇒ ∂J∂x

= −∂ρ∂t

.

Uma das equações fundamentais do Eletromagnetismo é a lei de Gauss (1a lei de

Maxwell), que escrita na forma diferencial em uma dimensão é:

ερ

=∂

xtxE ),(

, (25)

onde ρ é a densidade de carga (C/cm3) e ε é a permissividade elétrica do meio.

Expressando o campo elétrico em termos do potencial elétrico,

E(x, t) = −∂V (x, t)∂x

,

Page 15: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

15

a lei de Gauss pode ser escrita como,

ερ

−=∂

∂2

2 ),(xtxV

, (26)

que é conhecida como equação de Poisson.

Em três dimensões, as equações (25) e (26) são:

ερ

=⋅∇ E!

(27)

e

ερ

−=∇ V2 . (28)

A densidade de carga é formada por dois termos, um devido às cargas móveis e

outro devido às cargas fixas, imóveis no meio.

A densidade de cargas móveis (isto é, que fluem pelo meio) associada aos íons da

espécie n é, como na equação (17):

ρn (x, t) = znFcn (x, t) . (29)

Já a densidade de cargas fixas será escrita como ρf(x,t). Portanto, a densidade total

de carga será escrita como:

),(),(),(1

txtxczFtx f

N

nnn ρρ ∑

=

+= . (30)

Page 16: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

16

Um sistema de eletrodifusão é completamente especificado pelas equações (20),

(22), (26) e (30). Vamos reescrevê-las abaixo para facilitar:

⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂+

∂∂

−=xtxVtxFcz

xtxcRTFzutxJ nn

nnnn

),(),(),(),( (equação 20)

ttxc

FzxtxJ n

nn

∂−=

∂ ),(),( (equação 22)

ερ

−=∂

∂2

2 ),(xtxV

(equação 26)

),(),(),(1

txtxczFtx f

N

nnn ρρ ∑

=

+= (equação 30)

Assim, existem N equações de Nernst-Planck (Equação 20) relacionando 2N + 1

variáveis: VcccJJJJ NN ,,...,,,,...,,, 21321 . Se cada uma das espécies iônicas for

conservada, então teremos mais N equações de continuidade adicionais (equação

22) relacionando essas variáveis. Finalmente, a equação de Poisson (equação 26)

também define outra relação entre essas 2N + 1 variáveis. Se as cargas fixas

forem especificadas como uma propriedade do material e se condições de

contorno apropriadas forem especificadas, estão todas essas equações permitem

uma determinação completa do problema de eletrodifusão, isto é, existem 2N + 1

variáveis e 2N + 1 equações.

Page 17: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

17

Em princípio, essas equações podem ser resolvidas para a concentração e a

densidade de corrente de cada um dos íons móveis bem como para o potencial

elétrico. Porém, essas equações podem ser não lineares por causa do termo

)),()(,( xtxVtxcn ∂∂ na equação (20), o que complica sua solução.

Eletrodifusão no Equilíbrio

Uma situação importante que pode ser estudada com o auxílio das equações

obtidas na seção anterior é aquela em que o fluxo do n-ésimo íon é zero, ou seja, a

situação em que há equilíbrio eletrodifusivo do n-ésimo íon.

Fazendo Jn = 0 na equação (20) obtemos a condição,

0),(),(),(=⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛∂

∂+

∂∂

xtxVtxFcz

xtxcRTFzu nn

nnn . (31)

Existem várias maneiras de satisfazer esta condição. Três delas são triviais: (1) se

un = 0, ou seja, se as partículas da n-ésima espécie iônica estiverem fixas, com

mobilidade zero; (2) se zn = 0, ou seja, se as partículas não tiverem carga, de

maneira que mesmo que haja difusão de partículas não exista eletrodifusão; e (3)

se cn = 0, que é o caso quando não há partículas da n-ésima espécie iônica.

Quando nenhuma dessas condições triviais existe, o equilíbrio só é possível

quando,

Page 18: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

18

0)()()(=+

dxxdVxFcz

dxxdcRT nn

n , (32)

onde as derivadas parciais foram transformadas em derivadas totais porque no

equilíbrio todas as variáveis são independentes do tempo.

Separando as variáveis, obtemos

dxxdV

RTFz

dxxdc

xcnn

n

)()()(

1−= . (33)

Integrando esta equação entre x0 (o ponto de referência para o potencial) e x

(mostre isso como exercício):

ln cn (x)cn (x0 )!

"#

$

%&= −

znFRT

V (x)−V (x0 )( ) . (34)

Resolvendo esta equação para cn(x), obtemos a distribuição espacial de partículas

da n-ésima espécie iônica no equilíbrio,

( ))()(

00)()(xVxV

RTFz

nn

n

excxc−−

= . (35)

Esta equação nos diz que, se não houver diferença de potencial entre os dois

pontos, x e x0, e/ou se zn = 0, a concentração da n-ésima espécie iônica é uniforme

no espaço, o mesmo resultado que foi obtido quando se estudou a condição de

equilíbrio para a difusão de partículas sem carga na aula 1.

Page 19: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

19

Agora, quando há diferença de potencial entre pontos espaciais diferentes (V(x)

varia com x), a equação (35) nos diz que a concentração das partículas da n-ésima

espécie iônica varia no espaço de acordo com exp[−znF(V(x)−V(x0)/RT]. O

expoente desse termo é dado pela razão entre a energia potencial elétrica

armazenada por mol, U = znFV(x), e a energia térmica por mol, RT. Esse resultado

faz sentido intuitivamente, pois a distribuição espacial das moléculas depende de

dois fatores que competem entre si: a tendência ao arrasto, devida à existência do

campo elétrico, e a tendência à difusão, devida à energia térmica.

Se, por exemplo, a distribuição espacial do potencial elétrico tiver uma forma

como a dada na figura a seguir, com um pico na origem e mínimos simétricos em

torno dela, e a energia potencial for grande em comparação com a energia

térmica, a distribuição espacial da concentração de partículas terá uma forma

como a da figura abaixo dela, com picos nas posições correspondentes dos

mínimos do potencial e um mínimo na origem.

À medida que a energia térmica aumenta (pelo aumento na temperatura), os picos

na distribuição de partículas se tornam cada vez menos pronunciados até que, no

limite de temperatura arbitrariamente alta, a distribuição de partículas se torna

uniforme.

Page 20: Potencial de membrana e eletrodifusãosisne.org/Disciplinas/Grad/Biofisica2FisMed/... · elétrica) através da membrana celular. A partir de agora, vamos passar a estudar o transporte

5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Potencial de membrana e eletrodifusão

20

Pode-se fazer uma analogia mecânica para interpretar este resultado. Imaginemos

uma superfície tridimensional rígida cujos picos e vales representam máximos e

mínimos locais na energia potencial gravitacional. Essa distribuição espacial da

energia potencial gravitacional é análoga à de um potencial elétrico. Agora

coloque uma coleção de bolas sobre a superfície e agite-a para transmitir alguma

energia cinética às bolas.

A energia cinética das bolas é análoga à energia cinética térmica. As bolas rolarão

para os fundos dos vales e permanecerão lá. Fazendo vibrações suaves na

superfície, você provocará movimentos das bolas de um vale para outro de

maneira que, a cada instante de tempo, sempre haverá algumas bolas nas regiões

entre os vales. Porém, se a superfície for agitada com muito vigor, você perceberá

que as bolas não ficarão confinadas aos fundos dos vales, mas terão

probabilidades iguais de ser encontradas em qualquer ponto da superfície.