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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU DIREITO PROCESSUAL CIVIL A PÓS QUE ACOMPANHA VOCÊ | www.posestacio.cers.com.br REVISITANDO A COISA JULGADA À LUZ DO NOVO CPC RENATO PESSOA MANUCCI Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS. Professor Universitário Advogado 1. Introdução. 2. Aspectos conceituais. 2.1 Terminologia. 2.2 Conceito, características e natureza jurídica 2.3 Preclusão e coisa julgada necessárias distinções. 3. Limites da coisa julgada. 3.1 Limites objetivos. 3.2 Limites subjetivos 4. Meios de impugnação da coisa julgada. 4.1 Ação rescisória. 4.2 Querella nulitatis. 5. Casos especiais. 5.1 Coisa julgada inconstitucional. 5.2 Coisa julgada e ação de investigação de paternidade. Conclusão. Referências.

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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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REVISITANDO A COISA JULGADA À LUZ DO NOVO CPC

RENATO PESSOA MANUCCI

Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS.

Professor Universitário

Advogado

1. Introdução. 2. Aspectos conceituais. 2.1 Terminologia. 2.2 Conceito,

características e natureza jurídica 2.3 Preclusão e coisa julgada – necessárias

distinções. 3. Limites da coisa julgada. 3.1 Limites objetivos. 3.2 Limites subjetivos

4. Meios de impugnação da coisa julgada. 4.1 Ação rescisória. 4.2 Querella

nulitatis. 5. Casos especiais. 5.1 Coisa julgada inconstitucional. 5.2 Coisa julgada e

ação de investigação de paternidade. Conclusão. Referências.

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1. Introdução

Um dos escopos da jurisdição é a pacificação social que somente é viabilizada

quando o Estado soluciona o conflito mediante um provimento jurisdicional. Entretanto,

é preciso que o referido ato adquira estabilidade, o que somente ocorre com o fenômeno

da coisa julgada.

Isso porque a sentença está sujeita a reexame pelos órgãos jurisdicionais

superiores, quando provocados por meio de recurso, ressalvadas as hipóteses em que

cabível a remessa necessária.

Somente após esgotadas as instâncias recursais é que a decisão torna-se

indiscutível e a situação jurídica deduzida em juízo consolidada. Nesse contexto,

emergem algumas indagações: o que e quem fica sujeito aos efeitos da coisa julgada?

Qual a extensão da coisa julgada? Por outro lado, não se pode desconsiderar a

possibilidade de a decisão transitada em julgado padecer de vício insanável ou mesmo

violar norma constitucional. Nesses casos, existem mecanismos para a revisão da coisa

julgada?

O presente estudo buscou apresentar respostas aos referidos questionamentos,

comparando as disposições do Código de Processo vigente (doravamente denominado

tão só “CPC vigente” ou “CPC de 1973”) com as do Novo Código de Processo Civil

(doravamente denominado tão só “NCPC” ou “CPC de 2015”), instituído pela Lei

13.105, de 16 de março de 2015.

Para tanto, inicialmente foram abordados alguns aspectos conceituais da coisa

julgada, como terminologia, conceito, características e natureza jurídica, seguindo-se à

análise dos aspectos práticos relacionados às indagações objeto deste trabalho, tais

como limites e meios de impugnação da coisa julgada, além do estudo de casos

específicos, especialmente aqueles referentes à coisa julgada inconstitucional.

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2. Aspectos conceituais

2.1 Terminologia

Coisa julgada ou caso julgado? Tecnicamente caso julgado é expressão mais

adequada para designar o fenômeno objeto deste estudo; no entanto, prevalece a

denominação coisa julgada. A propósito, a Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro, instituída pelo Decreto-Lei 4.657, de 04 de setembro de 1942, com as

alterações promovidas pela Lei 12.376, de 2010, deixa claro que não existe distinção

entre coisa e caso julgado, tratando-se do mesmo instituto (art. 6º, § 3º).

Assim, no presente trabalho, em que pese o entendimento do autor, utilizar-se-á

da denominação “coisa julgada”.

2.2 Conceito, características e natureza jurídica

A parte, ao acionar o Estado-juiz, busca a satisfação de seu interesse (pedido

mediato), incumbindo ao magistrado prestar a tutela jurisdicional pleiteada por meio da

sentença, ato decisório que pode ser impugnado em sede recursal. Assim, a sentença,

por si só, não torna definitiva a situação jurídica deduzida em juízo, porquanto sujeita a

eventuais modificações. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:

Enquanto sujeita a recurso, a sentença não passa de “uma situação

jurídica”. Os efeitos próprios da sentença só ocorrerão, de forma plena e

definitiva, no momento em que não mais seja suscetível de reforma por meio

de recursos. Ocorrerá, então, o trânsito em julgado, tornando o decisório

imutável e indiscutível (art. 467).1.

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do

Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1739.

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No entanto, “a impugnabilidade das decisões não pode ser irrestrita; a partir de

certo momento, é preciso garantir a estabilidade daquilo que foi decidido, sob pena de

perpetuar-se a incerteza sobre a situação jurídica submetida à apreciação do

Judiciário […]”2.

A contrario sensu, quando não impugnada a sentença ou esgotados os meios

recursais, emerge a coisa julgada, que qualifica os efeitos da sentença, tornando-os

imutáveis e indiscutíveis. Trata-se de instituto que, dada sua importância, foi incluído

no rol de direitos fundamentais, constando especificamente do inciso XXXVI do art. 5º

da Constituição Federal (doravamente denominada tão só “CF”).

A delimitação do conceito e das características da coisa julgada constitui tarefa

do legislador infraconstitucional. A propósito, o CPC de 1973, no art. 467, define coisa

julgada como “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a

recurso ordinário ou extraordinário”. O NCPC, praticamente repete a mesma

conceituação, substituindo as expressões “eficácia” e “sentença” por “autoridade” e

“decisão de mérito”, além de suprimir as referências a recurso “ordinário ou

extraordinário”. À luz da nova Codificação, portanto, “denomina-se coisa julgada

material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais

sujeita a recurso” (art. 502).

A par destas notas conceituais, é possível extrair duas características essenciais

da coisa julgada:

Imutabilidade: impede a rediscussão da lide julgada, vedando-se a

propositura de ação idêntica àquela decidida anteriormente.

Definitividade: vincula os magistrados à observância do quanto decidido,

não podendo se afastar das premissas firmadas no julgamento do processo

primitivo que originou a formação da coisa julgada.

Por fim, não há consenso na doutrina acerca da natureza jurídica do instituto da

coisa julgada, havendo três linhas de pensamento:

a) Coisa julgada como um efeito da decisão: a coisa julgada limita-se ao

elemento declaratória da decisão. Deveras, “[…] a carga declaratória da decisão seria

2 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão,

Precedente, Coisa Julgada e Antecipação de Tutela. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 467.

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imutável, indiscutível, defendem, pois nada apaga aquilo que o juiz declarou […]”3. A

referida concepção vigorou durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939,

que em seu art. 288 indicava as decisões que não tinham “efeito” de coisa julgada;

b) Coisa julgada como qualidade dos efeitos da decisão: desenvolvida por Enrico

Tullio Liebman, os efeitos da coisa julgada são considerados uma qualidade da decisão.

“Em critica a essa corrente doutrinária, parcela da doutrina entende que os efeitos da

sentença de mérito transitada em julgado não se tomam imutáveis, bastando para chegar

a tal conclusão a verificação empírica de que tais efeitos poderão ser modificados por

ato ou fato superveniente, mormente pela vontade das partes”4;

c) Coisa julgada como situação jurídica do conteúdo da decisão: segundo esta

concepção, a coisa julgada reside no conteúdo da sentença, especificamente em seu

dispositivo que contém a norma jurídica aplicável ao caso concreto.

O CPC vigente, fortemente influenciado pela doutrina de Liebman, adotou a

teoria da coisa julgada como qualidade dos efeitos da decisão, tese reafirmada pelo CPC

de 2015 (art. 502, alhures transcrito). Cássio Scarpinella Bueno ensina que “o art. 502

conserva a iniciativa do art. 467 do CPC atual de conceituar a coisa julgada. Ao fazê-

lo, contudo, abandona a palavra “eficácia” em prol de “autoridade”, o que aproxima,

na perspectiva teórica, o conceito legal às lições de Liebman sobre o instituto”5.

2.3 Preclusão e coisa julgada – necessárias distinções

A doutrina diferencia coisa julgada formal, que é sinônimo de preclusão, de

coisa julgada material. De fato, a imutabilidade que decorre da coisa julgada pode se

restringir aos limites do processo em que proferida a sentença (efeito endoprocessual)

ou difundir-se para além dele (efeito extraprocessual).

3 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2 … p. 472. 4 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método,

2011, p. 531. 5 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

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A coisa julgada formal, também conhecida por preclusão máxima, é aquela em

que a indiscutibilidade da decisão fica restrita ao âmbito do processo em que proferida,

seja pela não interposição do recurso cabível, seja pelo esgotamento das vias recursais.

Trata-se, em verdade, de uma espécie de preclusão, na visão crítica da doutrina,

“constituindo-se na perda do poder de impugnar a decisão judicial no processo em que

foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro de um processo jurisdicional. Também

chamada de ‘trânsito em julgado’.”6.

A propósito, de acordo com o art. 507 do CPC de 2015 – que reproduz o art. 473

do CPC de 1973 –, “é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já

decididas a cujo respeito se operou a preclusão”. “Decorre a preclusão do fato de ser o

processo uma sucessão de atos que devem ser ordenados por fases lógicas, a fim de que

se obtenha a prestação jurisdicional, com precisão e rapidez”7. Trata-se de instituto

fundamental para o desenvolvimento regular do processo, haja vista que impede o

retrocesso procedimental.

Adverte Fredie Didier Jr. que “[…] a preclusão tem, igualmente, fundamentos

ético-políticos, na medida em que busca preservar a boa fé e a lealdade no itinerário

processual. A preclusão é técnica, pois, a serviço do direito fundamental à segurança

jurídica, do direito à efetividade (como impulsionadora do processo) e da proteção à

boa-fé. É importante essa observação: como técnica que é, a preclusão deve ser

pensada e aplicada em função dos valores a que busca proteger.”8.

O NCPC introduziu significativas modificações no regime recursal, algumas

delas com reflexos no tratamento da preclusão. Com efeito, o § 1º do art. 1009

determina que “as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu

respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e

devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a

decisão final, ou nas contrarrazões”.

6 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2 … p. 469. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do

Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1769. 8 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1: Introdução ao Direito Processual

Civil e Processo de Conhecimento. 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 329/330.

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A coisa julgada material, por sua vez, traduz o fenômeno da indiscutibilidade da

decisão judicial no processo em que produzida e em qualquer outro. Vale dizer, a

decisão projeta seus efeitos para além do processo em que produzida.

Em suma:

A coisa julgada formal atua dentro do processo em que a sentença foi

proferida, sem impedir que o objeto do julgamento volte a ser discutido em

outro processo. Já a coisa julgada material, revelando a lei das partes,

produz seus efeitos no mesmo processo ou em qualquer outro, vedando o

reexame da res in iudicium deducta, por já definitivamente apreciada e

julgada.

A coisa julgada formal pode existir sozinha em determinado caso, como

ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o

processo sem julgar a lide. Mas a coisa julgada material só pode ocorrer de

par com a coisa julgada formal, isto é, toda sentença para transitar

materialmente em julgado deve, também, passar em julgado formalmente.9.

Outrossim, o CPC de 2015 mitigou a rigidez da distinção, prevendo alguns

efeitos extraprocessuais à coisa julgada formal. Nesse sentido, o § 1º do art. 486

consignou expressamente que “no caso de extinção em razão de litispendência e nos

casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 48510, a propositura da nova ação depende da

correção do vício que levou à sentença sem resolução de mérito”.

Assim, no decorrer do presente estudo, utilizar-se-á da expressão coisa julgada

em contraposição à preclusão, que é sinônimo de coisa julgada formal.

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01 … p. 1754/1755. 10 “Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

I – indeferir a petição inicial;

[…]

IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do

processo

[…]

VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer

sua competência […]”.

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3. Limites

O estudo dos limites da coisa julgada visa responder a duas perguntas básicas: o

que faz coisa julgada (limites objetivos)? Quem fica sujeito aos efeitos da sentença

transitada em julgado (limites subjetivos)?

3.1 Limites objetivos

O art. 468 do CPC vigente estabelece que “a sentença que julgar total ou

parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Para a

compreensão do referido dispositivo legal, é necessário relembrar que a sentença é

composta de relatório, fundamentação e dispositivo. Logo, não há dúvidas de que

somente o dispositivo ou conclusão, que é a parte do ato decisório que contém a norma

jurídica individualizada aplicável ao caso julgado, fica acobertada pela coisa julgada.

A referida conclusão decorre de uma interpretação sistemática, haja vista que o

art. 469 do mesmo Codex complementa dispondo que não fazem coisa julgada: I. os

motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da

sentença; II. a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III. a

apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

Nesse contexto, “somente se submete à coisa julgada material a norma jurídica

concreta, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido (a questão principal,

conforme o art. 468, CPC). A solução das questões na fundamentação (incluindo a

análise das provas) não fica indiscutível pela coisa julgada (art. 469, CPC), pois se

trata de decisão sobre questões incidentes”11.

Não obstante, alerta Daniel Assumpção Amorim Neves que “é natural que essa

rediscussão dos fundamentos da decisão seja admitida somente se não colocar em

perigo o previsto no dispositivo da decisão protegida pela coisa julgada material.

11 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2 … p. 477.

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Afirma-se corretamente que a coisa julgada material não se importa com contradições

logicas entre duas decisões de mérito, buscando tão somente evitar as contradições

práticas que seriam geradas no caso de dois dispositivos em sentido contrário”12.

De outro lado, o ordenamento jurídico processual prevê um instrumento que

permite a extensão da coisa julgada às questões apreciadas na fundamentação da

sentença – a denominada ação declaratória incidental –, excepcionando a regra geral

alhures descrita (art. 470, CPC vigente). Prescreve, a propósito, o art. 5º, que “se, no

curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência

depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a

declare por sentença”.

Além disso, a eficácia preclusiva da coisa julgada (ou princípio do dedutível e

do deduzido) impede que sejam rediscutidas em outras demandas todas as alegações e

defesas que as partes poderiam ter levado ao processo a fim de fundamentar o

deferimento ou a rejeição do pedido. Nesse sentido prescreve o art. 474 do CPC vigente

que “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas

todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à

rejeição do pedido” (regra reproduzida, com algumas modificações redacionais, no art.

508 do NCPC).

Humberto Theodoro Júnior assinala:

Assim, o que o sistema do Código deixa bem evidenciado é que, mesmo não

incidindo a coisa julgada sobre os motivos da sentença, não poderão eles ser

invocados para, em novas demandas, ou em decisões supervenientes no

mesmo processo, provocar a modificação ou frustração daquilo que se acha

sob a autoridade da res iudicata. Nem mesmo alegações e defesas que, se

usadas a seu tempo, modificariam o julgamento da causa podem

ulteriormente fundamentar decisões em detrimento daquilo que logrou

alcançar o status de coisa julgada.13.

O CPC de 2015, diferentemente, modificou alguns aspectos desta sistemática,

reduzindo o campo de incidência da ação declaratória incidental.

Isso porque, por força do § 1º do art. 503 daquele diploma legal, a resolução da

questão prejudicial, decidida expressa e incidentalmente no processo, ficará protegida

pela eficácia da coisa julgada se, dependendo o julgamento do mérito da resolução da

12 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 536. 13 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01 … p. 1794.

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referida questão, “a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se

aplicando no caso de revelia” e se “o juízo tiver competência em razão da matéria e da

pessoa para resolvê-la como questão principal [competência absoluta]”. Consoante o

entendimento firmado no Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas

Civis, são cumulativos os pressupostos para a incidência da coisa julgada material sobre

a questão prejudicial, previstos no § 1º do art. 503 do NCPC.

Entretanto, a existência de restrições probatórias, a exemplo dos procedimentos

em que é indispensável prova pré-constituída (cujo maior exemplo é o mandado de

segurança), ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da

questão prejudicial obstam a incidência da coisa julgada sobre questão prejudicial (art.

503, § 2º), constituindo verdadeiro requisito negativo à eficácia da coisa julgada sobre

tais questões Todavia, a novel legislação não esclareceu qual o mecanismo tem a parte

para buscar que a questão prejudicial, nessas hipóteses, seja alcançada pela coisa

julgada.

A propósito da omissão legislativa alhures destacada, Cássio Scarpinella Bueno,

comentando o comando legal em estudo, assevera:

[…] Inexistindo, no novo CPC, a ‘ação declaratória incidental’, caberá ao

interessado demandar a parte contrária em novo processo e formular a

questão prejudicial como pedido. Havendo enfrentamento de mérito e

esgotados ou não interpostos os recursos, a coisa julgada formar-se-á. A

única ressalva que parece correta ser anunciada acerca desta hipótese é a de

o autor ter condições de ampliar o pedido, o que, de acordo com o art. 329,

I, pressupõe que o réu não tenha sido citado ou, após a citação, mas antes do

saneamento do processo, tenha dado a sua concordância (art. 329, II)14.

O Enunciado 111 do Fórum Permanente de Processualistas Civis parece indicar

outra solução para o problema, dispondo que “persiste o interesse no ajuizamento de

ação declaratória quanto à questão prejudicial incidental”.

Dessa forma, o art. 504 do NCPC restringiu as hipóteses em que a decisão não

faz coisa julgada, retirando do referido rol a questão prejudicial que, no CPC vigente,

consta expressamente do dispositivo correspondente. O novo comando legal deve ser

interpretado sistematicamente, de modo que “[…] não faz coisa julgada, além dos

motivos e da verdade dos fatos referidos nos incisos I e II do art. 504, a questão

14 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 335.

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prejudicial quando não estiverem presentes as exigências do § 1º do art. 503 […]

Também a declaração de falsidade documental arguida de forma incidental (arts. 430,

parágrafo único, e 433) não faz coisa julgada material”15.

3.2 Limites subjetivos

O estudo dos limites subjetivos é indispensável para a correta identificação dos

sujeitos que ficam submetidos à coisa julgada, havendo três modelos para tanto:

a) inter partes: aquele em que os efeitos da coisa julgada somente vinculam

as partes intervenientes no processo, não prejudicando nem beneficiando

terceiros estranhos à relação processual;

b) ultra partes: aquele no qual os efeitos não se restringem às partes,

alcançando determinados terceiros alheios ao processo;

c) erga omnes: aquele em que os efeitos da coisa julgada vinculam todos os

jurisdicionados, independentemente de participação no processo.

Feitos estes breves esclarecimentos, é importante verificar qual modelo foi

adotado pela legislação nacional. O CPC de 1973 filia-se ao modelo de coisa julgada

inter partes, mas existem inúmeras exceções, inclusive no bojo do próprio Estatuto

Processual, em que ora se adota a coisa julgada ultra partes, ora o sistema erga omnes.

A propósito, estabelece o art. 472 do CPC vigente que “a sentença faz coisa

julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.

Fredie Didier Jr. et al lembra que o referido comando legal é uma decorrência das

garantias constitucionais processuais, especialmente dos princípios da inafastabilidade

da jurisdição, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. “Isso

porque, segundo o espírito do sistema processual brasileiro, ninguém poderá ser

atingido pelos efeitos de uma decisão jurisdicional transitada em julgado, sem que se

15 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 336.

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lhe tenha sido garantido o acesso à justiça, com um processo devido, onde se

oportunize a participação em contraditório”16.

Daniel Assumpção Amorim Neves observa que “a doutrina acertadamente

ensina que todos os sujeitos – partes, terceiros interessados e terceiros desinteressados

- suportam naturalmente os efeitos da decisão, mas a coisa julgada os atinge de forma

diferente. As partes estão vinculadas a coisa julgada, os terceiros interessados sofrem

os efeitos jurídicos da decisão, enquanto os terceiros desinteressados sofrem os efeitos

naturais da sentença, sendo que em regra nenhuma espécie de terceiro suporta a coisa

julgada material”17.

O NCP reproduziu parcialmente no art. 506 a norma do art. 472 do CPC de

1973, suprimindo a menção à vedação de que a coisa julgada beneficie terceiros

estranhos à lide. Segundo ensina Cássio Scarpinella Bueno, “o novo CPC, acolhendo

iniciativa do Projeto da Câmara, inovou substancialmente ao prever que a coisa

julgada, que se forma entre as partes, não pode prejudicar terceiros. Trata-se de

proposta que consagra, mesmo nos ‘processos individuais’, o transporte in utilibus da

coisa julgada”18.

Excepcionam a sobredita sistemática as normas relativas à substituição

processual, haja vista que o substituído, embora não intervenha no processo, terá sua

esfera de direitos alcançada pelos efeitos da decisão, hipótese em que a coisa julgada

será ultra partes. Aliás, tal fenômeno se manifesta com maior intensidade na situação

prevista no art. 42, § 3º, do CPC vigente (regra reproduzida no art. 109, § 3º, do CPC de

2015), que disciplina os efeitos da alienação do direito ou da coisa litigiosa. De acordo

com o preceptivo legal, a coisa julgada formada na relação originariamente travada

entre as partes atingirá o terceiro adquirente ou cessionário do direito ou coisa litigiosa,

quando este não suceder o alienante ou não intervier na qualidade de assistente.

Nas ações coletivas cujo objeto seja direitos coletivos em sentido estrito, a coisa

julgada igualmente se forma ultra partes, nos termos do art. 103, inciso II, do Código de

Defesa do Consumidor (doravamente denominado tão só “CDC”). Com efeito, nesse

caso, a coisa julgada alcançará, além das partes originárias do processo, todos os

16 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2 … p. 479. 17 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 539. 18 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 337.

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membros da categoria, classe ou grupo que sejam ligados entre si ou com a parte

contrária por uma relação jurídica base.

Outra situação excepcional em que a coisa julgada se opera ultra partes é no

julgamento favorável a um dos credores solidários, nos termos do art. 274 do Código

Civil. Sobre o tema, elucidativo o Enunciado 234 do Fórum Permanente de

Processualistas Civis segundo o qual “a decisão de improcedência na ação proposta

pelo credor beneficia a todos os devedores solidários, mesmo os que não foram partes

no processo, exceto se fundada em defesa pessoal”.

Merece especial atenção a parte final do art. 472 que, aparentemente, atribui

natureza ultra partes à coisa julgada formada nas ações de estado, ao dispor que “nas

causas relativas ao estado da pessoa, se houverem sido citados no processo, em

litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em

relação a terceiros”.

A disposição está topologicamente deslocada, porque cuida, em verdade, de

litisconsórcio e dos efeitos da coisa julgada sobre os litisconsortes, que não deixam de

ser partes. “Parece que o dispositivo legal confundiu os efeitos da decisão com a coisa

julgada material, considerando-se que todos suportam os efeitos dessa decisão – os

divorciados não estão divorciados somente entre eles, mas também perante terceiros –,

mas evidentemente os terceiros – nesse caso todos terceiros desinteressados – não

suportam a coisa julgada material”19.

O legislador do CPC de 2015, atento às críticas doutrinárias, não reproduziu a

referida norma em seu texto. Pertinentes os comentários de Cássio Scarpinella Bueno,

para quem o NCPC acertadamente eliminou a parte final do art. 472 “[…] que, em

rigor, é redundante: se os terceiros nele referidos são citados como litisconsortes

necessários sujeitam-se à coisa julgada porque passam a ser partes”20.

Por outro lado, nas ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou

individuais homogêneos e naquelas inerentes ao controle concentrado de

constitucionalidade, a coisa julgada será erga omnes, porquanto produzirá efeitos sobre

todos os jurisdicionados, inclusive aqueles que não intervieram no processo.

19 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 539. 20 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo …, p. 337.

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Portanto, a coisa julgada no processo civil brasileiro é preponderantemente inter

partes, fazendo-se concessões pontuais aos demais modelos.

4. Meios de impugnação da coisa julgada

A coisa julgada é um consectário do princípio da segurança jurídica que tem por

finalidade garantir a estabilidade das relações jurídicas acertadas em juízo, evitando que

o litígio se eternize. No entanto, dada a falibilidade humana, pode a decisão judicial

transitada em julgada padecer de vícios insanáveis, não constatados no momento

oportuno. Para corrigir eventuais distorções, o ordenamento jurídico prevê alguns

instrumentos, tais como ação rescisória, a querela nullitatis insanabilis e a impugnação

de sentença inconstitucional.

4.1 Ação rescisória

A ação rescisória, que é ação autônoma de impugnação de competência

originária dos Tribunais, constitui instrumento típico para a desconstituição da coisa

julgada material quando a decisão de mérito impugnada estiver eivada dos vícios

rescisórios previstos no rol taxativo do art. 485 do CPC de 1973. Contudo, nem toda

decisão de mérito é rescindível por ação rescisória, sendo sua utilização interditada para

impugnar acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade ou em Ação

Declaratória de Constitucionalidade (art. 26 da Lei 9.868/99) ou decisão de mérito

proferida nos Juizados Especiais (art. 59 da Lei 9.099/95).

A desconstituição da coisa julgada por meio de ação rescisória sofre um limite

temporal, devendo a demanda ser ajuizada dentro do prazo de dois anos, contados do

trânsito em julgado, sob pena de perpetuar-se o vício rescisório e a imutabilidade da

decisão (coisa soberanamente julgada). Não é pacífica a doutrina e tampouco a

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jurisprudência sobre o termo inicial do prazo decadencial, especialmente quando a ação

objetive desconstituir capítulos autônomos de uma sentença.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (doravamente denominado tão

só “STJ) consolidou-se no sentido de que “o prazo decadencial da ação rescisória só se

inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”

(Súmula 401). Todavia, o Supremo Tribunal Federal (doravamente denominado tão só

“STF”), no julgamento do RE 666.589/DF, firmou orientação no sentido de que “os

capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por

meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para

a propositura da rescisória”21.

A jurisprudência do STF, portanto, consagra a possibilidade de coisa julgada

progressiva, que é aquela que se forma à medida que os capítulos da sentença não são

impugnados pelo recurso, transitando em julgado parcialmente. Igual entendimento

consta do item II da Súmula 100 do TST: “havendo recurso parcial, no processo

principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes,

contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada

decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar

insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito

em julgado da decisão que julgar o recurso parcial”.

Todavia, o NCPC positivou o entendimento firmado na jurisprudência do STJ,

prevendo no caput do art. 975 que “o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos

contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”.

Contraditoriamente, a nova Codificação, no art. 356, admite a existência de decisões

parciais de mérito, o que ensejará inúmeras discussões. Talvez o mais adequado fosse

consagrar a coisa julgada progressiva.

21 STF, RE 666.589/DF, 1ª T., rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.03.2014, DJe 03.06.2014.

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4.2 Querella nulitatis

Trata-se de ação de cunho declaratório que visa reconhecer a inexistência de

coisa julgada sobre decisão maculada por vícios transrescisórios, ou seja, vícios que não

se convalidam nem mesmo com o transcurso do prazo de dois anos para a propositura

da ação rescisória. “Diferencia-se da rescisória, principalmente, por encontrar

hipóteses de cabimento mais restritas e por ser imprescritível – não se submetendo a

qualquer prazo decadencial. Trata-se de ação desconstitutiva que pode ser manejada,

até mesmo, depois do decurso do prazo de 02 anos previsto para a ação rescisória”22.

A querela nullitatis, a teor dos arts. 475-L, inciso I e 741, inciso I, do CPC

vigente, é cabível para desconstituir decisão eivada de vício insanável decorrente da

existência de defeito ou ausência de citação, se o processo correu à revelia. Ademais,

“[…] a moderna doutrina e jurisprudência, considerando a possibilidade de

relativização da coisa julgada quando o decisum transitado em julgado estiver eivado

de vício insanável, capaz de torná-lo juridicamente inexistente, tem ampliado o rol de

cabimento da querela nullitatis insanabilis. Assim, em hipóteses excepcionais vem

sendo reconhecida a viabilidade de ajuizamento dessa ação, para além da tradicional

ausência ou defeito de citação, por exemplo: (i) quando é proferida sentença de mérito

a despeito de faltar condições da ação; (ii) a sentença de mérito é proferida em

desconformidade com a coisa julgada anterior; (iii) a decisão está embasada em lei

posteriormente declarada inconstitucional pelo eg. Supremo Tribunal Federal”23.

5. Casos especiais

Embora louvável a previsão de prazo decadencial para a propositura da ação

rescisória, o que, aliás, valoriza a própria coisa julgada, existem situações anormais que

ensejam a revisão do julgado mesmo depois de transcorrido o prazo para tanto. “Trata-

22 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2 … p. 498. 23 STJ, REsp 1.252.902/SP, 4ª T., rel. Min. Raul Araújo, j. 04.10.2011, DJe 24.10.2011.

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se de movimento recente que vem propondo a chamada relativização da coisa julgada

atípica – já que há hipóteses de revisão da coisa julgada típicas que, dessa forma, já é

relativa, como percebeu BARBOSA MORETRA”24.

O tema é polêmico e suscita divergências em relação às hipóteses em que é

cabível a desconstituição atípica da coisa julgada. De um lado, existem autores que

defendem uma interpretação ampliativa de modo que seja possível a relativização da

coisa julgada quando verificada violação aos princípios da moralidade, legalidade,

razoabilidade e proporcionalidade, bem como na hipótese de desajuste com a realidade

(José Augusto Delgado, ex-Ministro do STJ); de outro, há autores que são

absolutamente contrários a qualquer espécie de relativização, dando preponderância à

segurança jurídica.

Sem embargo das opiniões em contrário, a legislação positivou o cabimento da

relativização em relação à coisa julgada inconstitucional e a jurisprudência a admite nas

ações de investigação de paternidade.

5.1 Coisa julgada inconstitucional

Até o advento da Medida Provisória 2.180-35/2001 e da Lei 11.232/2005 a

relativização da coisa julgada inconstitucional era construção doutrinária, baseada na

impossibilidade de subsistência de sentença fundada em lei declarada inconstitucional

pelo STF. Com a superveniência da referida legislação, os arts. 475-L, § 1º e 741,

parágrafo único do CPC de 1973 incluíram entre as matérias que podem ser alegadas em

defesa pelo executado (impugnação e embargos, respectivamente) a inexigibilidade do

título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais

pelo STF.

Daniel Assumpção Amorim Neves, a propósito, assinala:

Existe doutrina que defende a inconstitucionalidade dos dispositivos ora

comentados, com o argumento de que a coisa julgada é uma indispensável

24 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito

Processual Civil. Vol. 2 … p. 502

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garantia fundamental, prestando-se a dotar a sistema da segurança jurídica

indispensável a prestação da tutela jurisdicional. A possibilidade de revisão

da coisa julgada material em razão de posterior inconstitucionalidade

declarada pelo Supremo Tribunal Federal criaria instabilidade insuportável

ao sistema, afastando a promessa constitucional de inafastabilidade da tutela

jurisdicional, considerando-se que tutela jurisdicional não definitiva é o

mesmo que sua ausência.

O tema não é pacífico, considerando parcela da doutrina que os dispositivos

legais são constitucionais, ainda que indesejáveis. Sendo tarefa das normas

infraconstitucionais o estabelecimento de quando e como haverá coisa

julgada, também serão essas espécies de normas que determinarão as

hipóteses excepcionais de seu desaparecimento, indicando as razões e a

forma procedimental para que isso ocorra no caso concreto. Em virtude do

histórico do surgimento dessa regra em nosso direito processual, dificilmente

o Supremo Tribunal Federai a considerara inconstitucional, ainda que exista

ação declaratória de inconstitucionalidade contra o art. 741, paragrafo

único, do CPC, pendente de julgamento [ADI 2.418-3]”25.

Na verdade, os novos comandos legais permitem a rediscussão da sentença

fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional, o que significa que a decisão

do STF, nestes casos, retroage para alcançar situações consolidadas à luz da lei

inquinada de vício insanável. Cuida-se de uma decorrência natural do julgamento de

inconstitucionalidade, cuja decisão tem efeitos ex tunc (retroativos).

O NCPC reproduziu a mesma sistemática nos arts. 525, § § 1º, inciso III, e § 12,

considerando inexigível a obrigação constante do título executivo judicial “fundado em

lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou

fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de

constitucionalidade concentrado ou difuso”. Verifica-se que a nova legislação, em

complemento, esclareceu que serve como paradigma tanto as decisões proferidas em

controle concentrado quanto aquelas prolatadas em sede de controle difuso de

constitucionalidade.

Acrescentou o § 13 do art. 525 que a inexigibilidade poderá ser afastada quando

o STF modular os efeitos da decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo em que baseado o título executivo, a fim de preservar a segurança jurídica.

Nesse sentido, estabelece o Enunciado 176 do Fórum Permanente de Processualistas

Civis que “compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da

decisão prevista no § 11 do art. 539 [art. 525, § 13, na versão final]. Contudo, caso a

25 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual … p. 545.

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modulação seja realizada após o trânsito em julgado da decisão exequenda, esta poderá

ser impugnada por meio de ação rescisória (art. 966, inciso V), cujo termo inicial do

prazo será o trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF (§ 15).

5.2 Coisa julgada e ação de investigação de paternidade

Outra questão delicada diz respeito à relativização da coisa julgada motivada

pela superveniência de exame de DNA, inexistente à época do julgamento do litígio. A

jurisprudência do STJ é vacilante, havendo precedente no sentido de que deve

prevalecer a segurança jurídica decorrente da coisa julgada, não se admitindo a

rediscussão da matéria. O voto vencedor do Ministro Ari Pargendler, proferido por

ocasião do julgamento do referido precedente26, consignou: “impossível, pois, afastar-se

o próprio interesse público na segurança jurídica em detrimento do particular, ainda

que este seja inegavelmente relevante. Relevante, porém não preponderante”.

Não obstante, a tendência, em nosso sentir, é a prevalência da tese da

relativização, especialmente porque o STF já enfrentou a questão, inclusive em sede de

repercussão geral:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL

E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO

DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM

FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE

ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO

DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA

GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA

REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM

RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA

DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU

DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a

matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de

paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi

julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada

não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o

Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a

coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que

não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir

26 STJ, REsp 706987/SP, 2ª Seção, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/ Acórdão Min. Ari

Pargendler, j. 14.05.2008, DJe 10.10.2008.

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as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de

prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal

vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao

exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como

natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-

se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de

qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese

em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com

outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com

relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e

providos.”27.

No mesmo sentido colhe-se da jurisprudência do STJ:

Direito processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de

paternidade com pedido de alimentos. Coisa julgada. Inépcia da inicial.

Ausência de mandato e inexistência de atos. Cerceamento de defesa.

Litigância de má-fé. Inversão do ônus da prova e julgamento contra a prova

dos autos. Negativa de prestação jurisdicional. Multa prevista no art. 538,

parágrafo único, do CPC.

- A propositura de nova ação de investigação de paternidade cumulada com

pedido de alimentos, não viola a coisa julgada se, por ocasião do

ajuizamento da primeira investigatória – cujo pedido foi julgado

improcedente por insuficiência de provas –, o exame pelo método DNA não

era disponível tampouco havia notoriedade a seu respeito.

- A não exclusão expressa da paternidade do investigado na primitiva ação

investigatória, ante a precariedade da prova e a insuficiência de indícios

para a caracterização tanto da paternidade como da sua negativa, além da

indisponibilidade, à época, de exame pericial com índices de probabilidade

altamente confiáveis, impõem a viabilidade de nova incursão das partes

perante o Poder Judiciário para que seja tangível efetivamente o acesso à

Justiça. [...]28.

CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA.

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. DOCUMENTO

NOVO.

1. Como documento novo, deve-se entender aquele que já existia quando da

prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo autor da

rescisória, ou que dele não pode fazer uso. Hipótese dos autos.

2. Deve ser de tal ordem que, sozinho, seja capaz de modificar o resultado da

decisão rescindenda, favorecendo o autor da rescisória.

3. Esta Corte Superior já sedimentou o entendimento de que "O laudo do

exame de DNA, mesmo realizado após a confirmação pelo juízo ad quem da

sentença que julgou procedente a ação de investigação de paternidade, é

considerado documento novo para o fim de ensejar a ação rescisória (art.

485, VII, CPC). Precedente citado: REsp. 189.306-MG, DJ 25/8/2003."

(REsp 300.084-GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 2ª Seção, julgado

em 28/4/2004).

27 STF, RE 363.889/DF, Pleno, rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.06.2011, DJe 16.12.2011, sem grifos no

original. 28 STJ, REsp 826.698/MS, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.05.2008, DJe 23.05.2008, sem grifos no

original.

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4. Recurso Especial provido. 29.

Conclusão

A coisa julgada é instituto essencial para a concretização das garantias

processuais consagradas no texto constitucional, assegurando a estabilização da situação

jurídica acertada em juízo. Logo, trata-se de um consectário do princípio da segurança

jurídica e direito fundamental do jurisdicionado.

A coisa julgada, entretanto, não é um direito absoluto e, por conseguinte, sofre

restrições, podendo inclusive ser relativizada. Nesse contexto, cabe ao Código de

Processo Civil delimitar os contornos do instituto, indicando os limites objetivos e

subjetivos, bem como os instrumentos para a revisão da coisa julgada.

O NCPC promoveu algumas modificações no regime da coisa julgada,

especialmente no que tange aos seus limites objetivos e subjetivos. Assim, o legislador

entendeu prudente incluir a questão prejudicial sob a proteção da coisa julgada,

reduzindo o cabimento da ação declaratória incidental. No entanto, a legislação deixou

alguns vácuos legislativos, os quais serão objeto de intensas discussões quando da

entrada em vigor do novo diploma legal.

Manteve-se a ação rescisória como instrumento típico de revisão da coisa

julgada, ampliando a nova Codificação o seu cabimento, a exemplo da situação em que

o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em que fundado o

título executivo judicial, modula os seus efeitos em momento posterior ao trânsito em

julgado, hipótese em que caberá ação rescisória para desconstituir a decisão exequenda.

Ademais, a relativização da coisa julgada fora das hipóteses de cabimento da ação

rescisória, embora constitua tema polêmico, é hoje prática incorporada ao ordenamento

por força de construção jurisprudencial.

Enfim, a coisa julgada ainda permanece em constante evolução e

aperfeiçoamento, merecendo especial atenção dos operadores do Direito.

29 STJ, REsp 653.942/MG, 4ª T., rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro – desembargador convocado

do TJ/AP, j. 15.09.2009.

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Referências.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.252.902/SP, rel. Min. Raul Araújo,

Diário de Justiça Eletrônico. Brasília 24 out. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 706987/SP, rel. Min. Humberto Gomes

de Barros, rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília,

10 out. 2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 826.942/MS, rel. Min. Nancy Andrighi.

Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 23 maio 2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 653.942/MG, rel. Min. Honildo Amaral

de Mello Castro (desembargador convocado do TJ/AP). Diário de Justiça Eletrônico.

Brasília, 15 set. 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 363.889/DF, rel. Min. Dias Toffoli. Diário de

Justiça Eletrônico. Brasília, 16 dez. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 666.589/DF, rel. Min. Marco Aurélio, Diário

de Justiça Eletrônico. Brasília, 03 jun. 2014.

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:

Saraiva, 2015.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1: Introdução ao

Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 14ª ed. Salvador: Juspodivm,

2014.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso

de Direito Processual Civil. Vol. 02: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações

Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação de Tutela. 9ª ed.

Salvador: Juspodivm, 2014.

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NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São

Paulo: Método, 2011.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01:

Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2014.