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PORTUGUÊS PROF. LUIS LADEIRA SENADO FEDERAL 1 AULA 1 NOÇÕES DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Interpretar bem um texto depende de vários fatores: fluência de leitura, conhecimento do assunto, domínio de vocabulário; mas, também, depende de estratégias de interpretação. O estudo a seguir servirá de base para ampliação do domínio dessas técnicas. Conceitos fundamentais: - Signo: um elemento codificado que representa um elemento da realidade: palavras, símbolos musicais, imagens. - Código: um conjunto de signos estabelecidos e conhecidos por uma comunidade de fala. Exemplos: a língua portuguesa; a linguagem matemática, o HTML etc. - Texto: é um conjunto de signos que compõem uma mensagem ou transmitem informações. O texto é construído a partir de um código (uma linguagem), que deve ser conhecido dos interlocutores para haver comunicação. Esse código pode ser verbal ou não verbal. Exemplos de texto verbal: - esta apostila; - uma carta; - um romance; - um discurso de político. Exemplos de texto não verbal: - uma partitura musical; - uma placa de trânsito que não contenha palavras; - uma foto; - uma operação matemática. Há textos que misturam mensagens verbais e não verbais, como um gráfico, algumas placas de trânsito, um mapa, diversas propagandas etc. Sentidos da linguagem: A linguagem pode ser direta, objetiva, referencial; ou pode ser figurada, metafórica, subjetiva. Os signos são essencialmente plurissignificativos. Quando predomina o significado universal, concreto, objetivo do signo, temos a denotação, ou linguagem denotativa. Quando predomina um sentido possível, indireto, subjetivo, figurado do signo, temos a conotação, ou linguagem conotativa. Situação de comunicação, variedades linguísticas e níveis de linguagem: As linguagens verbais ou, mais precisamente, os idiomas normalmente apresentam possibilidades diversas de vocabulário e estruturação linguística. Há, no interior de uma língua, diferentes normas de funcionamento. De acordo com a comunidade de fala ou do contexto de comunicação, o falante pode lançar mão de modalidades diferentes da sua língua, ou diferentes variedades linguísticas. A existência dessas variedades está associada ao fenômeno da variação linguística. Esse fenômeno é devido principalmente aos seguintes fatores: - região geográfica (dialetos); - nível de escolaridade dos interlocutores (norma culta e norma popular); - classe social; - situação de fala ou grau de formalidade (nível formal e nível informal); - faixa etária e grupo social (gírias); - sexo; - profissão (jargão); - escolhas individuais (estilo). Por isso, cabe esclarecer alguns conceitos importantes: - Norma-padrão: é a modalidade oficializada de língua; é a seleção de estruturas linguísticas feita pela classe dominante da sociedade, descrita em manuais e gramáticas e utilizada como modelo, referência. É normalmente chamada de norma culta. - Norma coloquial ou não padrão: aqui se abrangem todas as demais possibilidades de uso da língua, como dialetos, gírias, variedades indicadoras de baixo nível de escolarização, uso informal da língua etc. Além dessa classificação, podemos definir três principais níveis de linguagem, de acordo com o grau de formalidade da situação de fala: 1) nível formal / culto; 2) nível coloquial; 3) nível informal. É comum apontar erro de português quando o falante não utiliza a norma-padrão, sobretudo em situações de formalidade. Cabe ressaltar, no entanto, que isso não constitui erro nem é indicador de uma menor inteligência ou capacidade cognitiva. Usar a linguagem coloquial em situações que exigem o uso da norma-padrão corresponde, muitas vezes, a um erro pragmático. Vale lembrar, ainda, que o acesso à norma-padrão no Brasil é bastante restrito para a maioria da população, e dizer a essa imensa parcela de excluídos que eles não sabem falar direito, ou que falam tudo errado constitui evidência de preconceito linguístico, normalmente associado à discriminação social. Em condições ideais de escolarização, o desejável é que o falante domine razoavelmente bem a norma- padrão e outras variedades, a fim de empregar a que for mais adequada ao contexto de comunicação. Vale lembrar que o conhecimento das diferentes modalidades da língua amplia a capacidade interpretativa e expressiva do falante, além de ser forte fator de inclusão social.

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PORTUGUÊS — PROF. LUIS LADEIRA SENADO FEDERAL

1

AULA 1

NOÇÕES DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

Interpretar bem um texto depende de vários fatores: fluência de leitura, conhecimento do assunto, domínio de vocabulário; mas, também, depende de estratégias de interpretação. O estudo a seguir servirá de base para ampliação do domínio dessas técnicas. Conceitos fundamentais: - Signo: um elemento codificado que representa um elemento da realidade: palavras, símbolos musicais, imagens. - Código: um conjunto de signos estabelecidos e conhecidos por uma comunidade de fala. Exemplos: a língua portuguesa; a linguagem matemática, o HTML etc. - Texto: é um conjunto de signos que compõem uma mensagem ou transmitem informações. O texto é construído a partir de um código (uma linguagem), que deve ser conhecido dos interlocutores para haver comunicação. Esse código pode ser verbal ou não verbal. Exemplos de texto verbal:

- esta apostila; - uma carta; - um romance; - um discurso de político.

Exemplos de texto não verbal:

- uma partitura musical; - uma placa de trânsito que não contenha

palavras; - uma foto; - uma operação matemática.

Há textos que misturam mensagens verbais e não verbais, como um gráfico, algumas placas de trânsito, um mapa, diversas propagandas etc. Sentidos da linguagem: A linguagem pode ser direta, objetiva, referencial; ou pode ser figurada, metafórica, subjetiva. Os signos são essencialmente plurissignificativos. Quando predomina o significado universal, concreto, objetivo do signo, temos a denotação, ou linguagem denotativa. Quando predomina um sentido possível, indireto, subjetivo, figurado do signo, temos a conotação, ou linguagem conotativa. Situação de comunicação, variedades linguísticas e níveis de linguagem: As linguagens verbais ou, mais precisamente, os idiomas normalmente apresentam possibilidades diversas de vocabulário e estruturação linguística. Há, no interior de uma língua, diferentes normas de funcionamento. De acordo com a comunidade de fala ou do contexto de comunicação, o falante pode lançar mão de modalidades diferentes da sua

língua, ou diferentes variedades linguísticas. A existência dessas variedades está associada ao fenômeno da variação linguística. Esse fenômeno é devido principalmente aos seguintes fatores:

- região geográfica (dialetos); - nível de escolaridade dos interlocutores

(norma culta e norma popular); - classe social; - situação de fala ou grau de formalidade

(nível formal e nível informal); - faixa etária e grupo social (gírias); - sexo; - profissão (jargão); - escolhas individuais (estilo).

Por isso, cabe esclarecer alguns conceitos importantes: - Norma-padrão: é a modalidade oficializada de língua; é a seleção de estruturas linguísticas feita pela classe dominante da sociedade, descrita em manuais e gramáticas e utilizada como modelo, referência. É normalmente chamada de norma culta. - Norma coloquial ou não padrão: aqui se abrangem todas as demais possibilidades de uso da língua, como dialetos, gírias, variedades indicadoras de baixo nível de escolarização, uso informal da língua etc. Além dessa classificação, podemos definir três principais níveis de linguagem, de acordo com o grau de formalidade da situação de fala:

1) nível formal / culto; 2) nível coloquial;

3) nível informal.

É comum apontar erro de português quando o falante não utiliza a norma-padrão, sobretudo em situações de formalidade. Cabe ressaltar, no entanto, que isso não constitui erro nem é indicador de uma menor inteligência ou capacidade cognitiva. Usar a linguagem coloquial em situações que exigem o uso da norma-padrão corresponde, muitas vezes, a um erro pragmático. Vale lembrar, ainda, que o acesso à norma-padrão no Brasil é bastante restrito para a maioria da população, e dizer a essa imensa parcela de excluídos que eles não sabem falar direito, ou que falam tudo errado constitui evidência de preconceito linguístico, normalmente associado à discriminação social. Em condições ideais de escolarização, o desejável é que o falante domine razoavelmente bem a norma-padrão e outras variedades, a fim de empregar a que for mais adequada ao contexto de comunicação. Vale lembrar que o conhecimento das diferentes modalidades da língua amplia a capacidade interpretativa e expressiva do falante, além de ser forte fator de inclusão social.

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Elementos da comunicação: A comunicação se estabelece a partir de 6 elementos. Você certamente já estudou sobre isso, então mãos à obra: desenhe a seguir um gráfico que represente adequadamente esses 6 elementos: Os diferentes textos, de acordo com a finalidade com que são produzidos, enfatizam um ou outro (ou vários) desses elementos. A partir disso, se estabelecem as chamadas funções da linguagem:

1) Função referencial: - linguagem denotativa; - objetiva informar; - exemplos: notícias de jornal; textos

dissertativos; aula expositiva. 2) Função emotiva ou expressiva:

- linguagem em 1.ª pessoa do singular; - objetiva expor sentimentos pessoais; - exemplos: declarações de amor, muitos

poemas; diários. 3) Função apelativa ou conativa:

- linguagem normalmente incisiva, com verbos no imperativo e referências ao interlocutor;

- objetiva persuadir, convencer, modificar o comportamento do receptor, induzi-lo a agir de determinada forma;

- exemplos: textos publicitários, receitas, manual de instruções.

4) Função poética: - linguagem trabalhada, elaborada

cuidadosamente, normalmente com uso de conotação;

- objetiva impressionar, causar estranhamento, não pelo que se diz, mas pelo modo como se diz;

- exemplos: textos literários em geral, principalmente na poesia, letras de música.

5) Função metalinguística: - linguagem metarreferencial, ou seja,

explica-se a si mesma; - objetiva esclarecer ou interpretar o

sentido do próprio código, ou do texto de que faz parte;

- exemplos: dicionários, glossários, legendas.

6) Função fática: - linguagem normalmente coloquial; - objetiva testar o canal, verificar se a

comunicação está se estabelecendo corretamente, ou encerrar a comunicação;

- exemplos: saudações, despedidas, formalidades de início e fim de cartas.

Vale lembrar que os textos, normalmente, contêm, ou até mesmo enfatizam simultaneamente mais de uma função. Um slogan de um produto, por exemplo, pode destacar as funções apelativa e poética ao mesmo tempo. Interpretação de texto: A interpretação de um texto passa por diferentes níveis de cognição ou entendimento.

- Nível superficial: reconhecimento do significado objetivo das palavras que compõem o texto.

- Nível profundo: compreensão mais densa das diversas relações de sentido que se estabelecem entre as partes de um texto. Apreensão das ideias principais e secundárias, da progressão temática, das estruturas linguísticas que constroem o texto.

A análise de um texto deve pressupor o entendimento profundo das ideias e da linguagem. A habilidade necessária para isso decorre, normalmente, de treinamento, ou seja, de exercício da leitura. Mas há, além disso, algumas estratégias de leitura importantes.

1) Leia o texto mais de uma vez. 2) Sublinhe palavras desconhecidas ou de

sentido obscuro. 3) Caso seja possível, consulte um dicionário.

Se não, verifique as partes que compõem a palavra desconhecida: ela pode derivar ou ser flexão de outra que você conhece. O estudo da origem das palavras se chama etimologia.

4) Se não adiantou, procure apreender o sentido daquela palavra pelo contexto. Cuidado: essa é uma alternativa arriscada.

5) Leia o texto todo antes de se desesperar. Pode ser que um início difícil seja explicado mais à frente. Releia quantas vezes julgar necessário para entender todo o texto.

6) Numa prova, muitas vezes as questões sobre um texto trazem dicas ou apontam possíveis interpretações para ele. É proveitoso dar uma olhada nelas antes de relê-lo.

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Raciocínios interpretativos: O correto entendimento de um texto pressupõe que se dominem raciocínios diferentes. As questões de provas normalmente usam termos que especificam qual raciocínio deve ser usado. É importante conhecê-los.

1) Dedução: a partir de uma regra geral ou afirmação inicial, formulam-se regras específicas ou analisam-se casos particulares. Um tipo especial de raciocínio dedutivo é o silogismo, em que, a partir de duas premissas verdadeiras, chega-se a uma terceira informação, dedutivamente verdadeira.

2) Indução: a partir de exemplos ou casos particulares (exemplos, dados estatísticos, comparações), formula-se uma tese ou uma regra geral.

Figuras de linguagem

A linguagem conotativa se constrói a partir

das chamadas figuras de linguagem. Elas consistem

em recursos para causar determinados efeitos de

sentido ou de construção textual. Não vale a pena

enumerar todas as figuras de linguagem existentes,

nem mesmo as mais comuns. Para efeitos de um

bom entendimento textual em nível de concursos,

cabe compreender algumas principais figuras de

pensamento e de construção.

1) Metáfora: a figura de linguagem por excelência,

seu sentido se confunde com a própria ideia de

conotação. Numa definição simples, a metáfora é a

substituição de um termo por outro, na medida em

que se identificam semelhanças entre eles.

Exemplos:

a) Lula foi acusado de usar a máquina para fazer

campanha eleitoral.

b) Após a reeleição de Lula, provavelmente

recomeçará a dança das cadeiras nos ministérios.

c) O governador prometeu atacar a corrupção em

seu estado.

2) Metonímia: próxima da metáfora, ocorre quando

se troca um termo por outro que mantém relação

de contiguidade com o primeiro.

a) Respeite meus cabelos brancos.

b) Não se lê Machado de Assis sem achar graça de

suas ironias.

c) ―Gastei uma hora pensando um verso / que a

pena não quer escrever.‖

3) Hipérbole: consiste em exagerar a intensidade de

algo.

a) Já se descobriram milhares de falcatruas no

governo desse estado.

b) Escrevi milhões de vezes, mas ela não me

respondeu.

4) Hipérbato: consiste na inversão da ordem direta

das frases.

a) Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um

povo heroico o brado retumbante. (anástrofe)

b) O livro que eu te dei você não me devolveu.

5) Antítese: consiste na aproximação de ideias

contrárias:

a) Viviam entre tapas e beijos.

b) Quanto mais ele explicava, menos eu entendia.

c) Enquanto uns vivem na miséria, outros

desperdiçam seus bens.

Há outras figuras de pensamento e de construção

que merecem ser citadas. São elas a ironia, o

eufemismo, o pleonasmo e a prosopopeia.

TIPOLOGIA TEXTUAL

Há simplificadamente quatro tipos de texto:

1) Descritivo: texto que se caracteriza pela

atemporalidade, ou seja, por não marcar

passagem de tempo. É uma caracterização,

uma enumeração de qualidades de um

objeto, pessoa, cena etc.

2) Narrativo: é um texto que se constrói pela

progressão temporal, pela passagem de

tempo. Trata-se de um relato de fatos, reais

ou fictícios.

3) Dissertativo: é um texto que discute ideias,

que trata de conceitos, que abrange a

discussão de um assunto. Pode ser

expositivo ou argumentativo.

4) Injuntivo: é um texto que, pautado na função

conativa da linguagem, visa orientar o leitor,

estabelecendo normas ou comportamentos

esperados do receptor. Compõe-se

normalmente com verbos no imperativo.

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ARGUMENTAÇÃO

Dissertar é discorrer sobre um determinado

assunto; é apresentar ideias ou argumentos, seja no

intuito de defender um ponto de vista, seja para

informar o leitor sobre o tema. O texto dissertativo

pode ser de dois tipos:

a) Expositivo:

É um texto que não defende um ponto de vista.

Tem a intenção de informar, esclarecer, resumir

etc. O texto expositivo aparece em trechos de quase

todos os textos dissertativos (e de outros tipos).

Toda explanação de ideias, conceitos, explicações,

definições que não manifeste um ponto de vista

pode ser considerada expositiva. Quanto aos

gêneros, poderíamos citar a reportagem como um

texto expositivo, uma vez que numa reportagem o

autor não manifesta opinião pessoal sobre o

assunto.

b) Argumentativo:

É um texto que defende um ponto de vista do

autor. Objetiva convencer, persuadir o leitor.

É o tipo mais comum de texto dissertativo. Nele,

é fundamental saber justificar as opiniões

manifestadas. Para isso, estudam-se diversas

técnicas e recursos de argumentação e construção

textual.

Uma leitura atenta de um texto argumentativo

precisa identificar a ideia central que está sendo

defendida, e os argumentos que a sustentam. É

importante perceber a linha de raciocínio e a

fundamentação das ideias.

Tese

A tese é ideia principal a ser defendida no texto. É

o ponto de vista do autor a respeito do tema. Toda

a argumentação do texto servirá para comprovar a

validade da tese.

Argumentação

A argumentação, num texto dissertativo,

corresponde a todos os recursos linguísticos

utilizados pelo autor para convencer o leitor da

validade de seu ponto de vista. Ela se organiza por

parágrafos e tópicos frasais.

Tópico frasal

O tópico frasal é a ideia principal de cada

parágrafo. Ela será desenvolvida e complementada

por outras, diretamente relacionadas a ela. O tópico

frasal pode estar explícito numa frase do

parágrafo, ou diluído nele.

O parágrafo dissertativo é, portanto, um conjunto

de ideias que se relacionam a um mesmo aspecto

do tema. Nele, aparecem um tópico frasal e as

ideias de apoio, que podem ser exemplos, citações,

dados etc.

Linguagem

É importante ressaltar que a linguagem de um texto

dissertativo é, normalmente, muito formal. É claro

que isso depende do gênero textual de que se trata.

O importante é que a mensagem seja transmitida

com extrema clareza para a maior parte do público

que lerá o texto. Por isso evitam-se palavras de

sentido desconhecido e frases muito rebuscadas,

sem no entanto usar-se uma linguagem simplória,

vulgar ou imprecisa. A exatidão vocabular é uma

competência difícil de alcançar e exige muita

prática e consulta atenta a dicionários.

Estrutura padrão do texto dissertativo-argumentativo

Introdução: apresenta o tema, a tese e,

possivelmente, os argumentos.

Desenvolvimento: aprofunda os argumentos,

distribuídos em parágrafos diferentes; apresenta

exemplos, contra-argumentos, dados, deduções,

inferências etc.

Conclusão: encerra a discussão; não deve, grosso

modo, apresentar ideias novas; pode apresentar

uma proposta, um resumo, uma previsão ou uma

repetição da tese.

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Leitura de aprofundamento

Já que estamos falando de línguas e interpretação,

vale ler este ótimo texto a respeito do modo como

as línguas captam a realidade, e os riscos de se

extinguir uma delas.

Língua, cultura e sobrevivência

―Saudade‖, uma das palavras mais bonitas da língua

portuguesa, é também a sétima mais difícil do mundo

para se traduzir. O que todo mundo já desconfiava foi

comprovado por uma pesquisa feita pela empresa de

tradução britânica Today Translations junto a mil

tradutores de todo o mundo. Aquela considerada a mais

difícil de traduzir é ―ilunga‖, falada no sudoeste do

Congo e que significa "uma pessoa que está disposta a

perdoar qualquer maltrato pela primeira vez, a tolerar o

mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira vez".

(…)

A pesquisa também revelou as 10 palavras mais

difíceis de traduzir do idioma inglês. Por exemplo,

a palavra ―serendipity‖ (terceira da lista) realmente

não é fácil. Significa algo como a faculdade de fazer

boas descobertas por acaso, sem estar procurando

por elas. A palavra vem do conto persa ―As três

princesas de Serendip‖, que tinham justamente a

característica de encontrar coisas maravilhosas

sem se dar conta.

Todas estas palavras pertencem a grupos

linguísticos ainda ativos, falados por populações

identificáveis nos mapas. Transmitem conceitos

facilmente compreensíveis por aqueles que as

utilizam em seu cotidiano. Têm, portanto, uma vida

e uma história.

Quando uma língua desaparece, ainda que

sobreviva o povo que a falava originalmente, é todo

um universo simbólico que vai junto, engolfado em

uma espécie de cataclismo silencioso. A Unesco

desenvolve um interessantíssimo ―Programa de

Línguas Ameaçadas‖, que, à semelhança de seus

congêneres sobre espécies animais, procura

mapear os riscos que correm as diferentes línguas

faladas no mundo.

Algumas das conclusões levantadas pela

investigação mais recente do Programa indicam

que:

- mais de 50% das cerca de seis mil línguas

faladas no mundo estão ameaçadas;

- 96% das seis mil línguas são faladas por

apenas 4% da população mundial;

- 90% das línguas do mundo não estão

representadas na internet;

- uma língua desaparece a cada duas semanas

em média.

No atual ritmo, estima-se que 40% das línguas

faladas hoje vão desaparecer nos próximos 50 a

100 anos. Além dos impactos sociais e econômicos,

seu desaparecimento significa a perda da memória

coletiva de todo um povo. A maneira como se

descrevem os sentimentos comuns, os nomes das

coisas, o modo como se designam as ações

prosaicas do cotidiano, enfim, tudo o que

determina a identidade coletiva desaparece com a

língua quando ela deixa de existir.

Para os especialistas em linguística, uma língua

está sob ameaça quando não é aprendida por mais

de 30% das crianças de uma comunidade. Está

seriamente em perigo à medida que estes poucos

falantes da língua original vão crescendo e

envelhecendo. Fica definitivamente moribunda

quando apenas alguns poucos da comunidade

ainda a lembram. E quando estes morrem, lhes

acompanha até o túmulo. Uma morte absoluta, que

leva além do corpo físico o repositório cultural de

um povo ou comunidade.

Mas, por que se preocupar tanto com a morte

de uma língua, principalmente se ela for falada por

um grupo humano restrito, como por exemplo,

uma tribo amazônica ou africana?

A própria Unesco, em um paper muito

interessante chamado Language Vitality and

Endangerment, procura responder:

“A extinção de uma língua resulta em uma

perda irrecuperável de conhecimento cultural,

histórico e ecológico. Cada língua é uma expressão

única da experiência humana do mundo. Assim, o

conhecimento singular de cada língua pode ser a

chave para responder questões fundamentais sobre

o futuro. Cada vez que uma língua morre, temos

menos evidências para entender as tendências na

estrutura e função da linguagem humana, da pré-

história humana e da manutenção dos diversos

ecossistemas mundiais”.

(…)

Renato Guimarães Leia o texto completo em: (www.verbeat.org/blogs/bombordo/

arquivos/2006/05/lingua_cultura_e_sobrevivencia.html).

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Frente à tradição hindu que há 2.500 anos

divide a sociedade indiana em mais de 2.000 castas,

os 60 anos dos ideais liberais de Gandhi e os 10 anos

da legalização do casamento entre castas revelam-se

impotentes para transformar a organização

hierárquica da sociedade. Em confronto direto com o

costume milenar, o governo da Índia oferece uma

recompensa de R$ 2.400 para homens e mulheres de

diferentes grupos sociais que formalizem sua união.

O dinheiro equivale ao dobro da renda per

capita anual do país. O governo justifica que a

medida é um passo para a reacomodação das

desigualdades. Para grande parte da sociedade, é um

passo no escuro.

O governo — que já enfrenta protesto contra

cotas em universidades — vê-se, agora, diante de um

desafio maior. O esquema está sob ataque de todos

os lados. Os conservadores alegam que a medida é

gatilho para o caos social. Os liberais sustentam que

poucos vão receber a oferta porque o dinheiro vai

desaparecer no bolso de autoridades corruptas.

Indianos de castas mais baixas dizem que

rejeitariam a recompensa, pois perderiam o acesso

preferencial às universidades, garantido pelas já

controversas cotas. Hoje, o governo oferece 22,5%

das vagas aos intocáveis, os últimos na hierarquia

hindu, mas pretende aumentá-las para 50%.

―Sei que esta não é a única maneira de pôr um

fim à discriminação, mas é preciso começar de algum

lugar‖, defende a ministra da Justiça Social. Para a

socióloga Radhika Chopra, a oferta é uma forma de

sinalizar que esses casamentos não devem ser

condenados. ―Com a medida, o governo apoia os

indivíduos que transgrediram barreiras sociais e

mostra que podem funcionar como exemplos‖,

acrescenta a socióloga.

Jornal do Brasil, 17/12/2006 (com adaptações).

QUESTÃO 1

No que se refere a funções da linguagem, predomina,

no texto, a função

A. fática, visto que o autor do texto busca, de forma

sutil, convencer os leitores dos benefícios do

projeto que visa incentivar o casamento entre

pessoas pertencentes a castas diferentes.

B. referencial, dado que a ênfase recai nas

informações a respeito de determinado assunto.

C. emotiva, dado que são as falas das autoridades

entrevistadas que direcionam a forma como as

informações são apresentadas.

D. conativa, visto que as opiniões expressas estão

devidamente referenciadas, não havendo,

portanto, perda de objetividade na transmissão

das informações.

E. metalinguística, haja vista o foco em aspectos

intertextuais, como demonstram as diversas

vozes que acompanham a informação divulgada.

QUESTÃO 2

Com base no texto, assinale a opção correta.

A. Na Índia, a recompensa estabelecida para

casamentos entre pessoas pertencentes a castas

diferentes é abonada pelos intelectuais hindus,

especialmente pelos sociólogos.

B. Algumas pessoas indianas de castas mais baixas

não se casam com as de castas mais altas para

não perderem direito de acesso automático à

universidade.

C. O tema principal que se depreende da notícia

veiculada é a dificuldade de superação de valores

sociais em sociedade marcadamente

tradicionalista e rigorosamente hierarquizada.

D. Apesar de, na Índia, a organização social em

castas ter ruído há mais de uma década, os

comportamentos sociais pouco se alteraram.

E. É correto concluir do texto que a recompensa

estabelecida na Índia para casamentos entre

indivíduos pertencentes a castas diferentes é um

benefício que não contempla casamentos

realizados anteriormente à vigência da lei.

Jeitinho

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O jeitinho não se relaciona com um

sentimento revolucionário, pois aqui não há o

ânimo de se mudar o status quo. O que se busca é

obter um rápido favor para si, às escondidas e sem

chamar a atenção; por isso, o jeitinho pode ser

também definido como ―molejo‖, ―jogo de cintura‖,

habilidade de se ―dar bem‖ em uma situação

―apertada‖.

Em sua obra O Que Faz o Brasil, Brasil?, o

antropólogo Roberto DaMatta compara a postura

dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação

às leis. Explica que a atitude formalista,

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respeitadora e zelosa dos norte-americanos causa

admiração e espanto aos brasileiros, acostumados a

violar e a ver violadas as próprias instituições; no

entanto, afirma que é ingênuo creditar a postura

brasileira apenas à ausência de educação adequada.

O antropólogo prossegue explicando que,

diferente das norte-americanas, as instituições

brasileiras foram desenhadas para coagir e

desarticular o indivíduo. A natureza do Estado é

naturalmente coercitiva; porém, no caso brasileiro,

é inadequada à realidade individual. Um curioso

termo — Belíndia — define precisamente esta

situação: leis e impostos da Bélgica, realidade social

da Índia.

Ora, incapacitado pelas leis,

descaracterizado por uma realidade opressora, o

brasileiro buscará utilizar recursos que vençam a

dureza da formalidade se quiser obter o que muitas

vezes será necessário à sua sobrevivência. Diante de

uma autoridade, utilizará termos emocionais,

tentará descobrir alguma coisa que possuam em

comum — um conhecido, uma cidade da qual

gostam, a ―terrinha‖ natal onde passaram a infância

— e apelará para um discurso emocional, com a

certeza de que a autoridade, sendo exercida por um

brasileiro, poderá muito bem se sentir tocada por

esse discurso. E muitas vezes conseguirá o que

precisa.

Nos Estados Unidos da América, as leis não

admitem permissividade alguma e possuem franca

influência na esfera dos costumes e da vida

privada. Em termos mais populares, diz-se que, lá,

ou ―pode‖ ou ―não pode‖. No Brasil, descobre-se

que é possível um ―pode e não pode‖. É uma

contradição simples: acredita-se que a exceção a ser

aberta em nome da cordialidade não constituiria

pretexto para outras exceções. Portanto, o jeitinho

jamais gera formalidade, e essa jamais sairá ferida

após o uso desse atalho.

Ainda de acordo com DaMatta, a

informalidade é também exercida por esferas de

influência superiores. Quando uma autoridade

―maior‖ vê-se coagida por uma ―menor‖,

imediatamente ameaça fazer uso de sua influência;

dessa forma, buscará dissuadir a autoridade

―menor‖ de aplicar-lhe uma sanção.

A fórmula típica de tal atitude está contida

no golpe conhecido por ―carteirada‖, que se vale da

célebre frase ―você sabe com quem está falando?‖.

Num exemplo clássico, um promotor público que vê

seu carro sendo multado por uma autoridade de

trânsito imediatamente fará uso (no caso, abusivo)

de sua autoridade: ―Você sabe com quem está

falando? Eu sou o promotor público!‖. No

entendimento de Roberto DaMatta, de qualquer

forma, um ―jeitinho‖ foi dado.

(In: www.wikipedia.org - com adaptações.) QUESTÃO 3

De acordo com o texto, é correto afirmar que:

(A) o jeitinho brasileiro é um comportamento

motivado pelo descompasso entre a natureza do

Estado e a realidade observada no plano do

indivíduo.

(B) as instituições norte-americanas, bem como as

brasileiras, funcionam sem permissividade

porque estão em sintonia com os anseios e

atitudes do cidadão.

(C) a falta de educação do brasileiro deve ser

atribuída à incapacidade de o indivíduo adequar-

se à lei, uma vez que ele se sente desprotegido

pelo Estado.

(D) a famosa ―carteirada‖ constitui uma das

manifestações do jeitinho brasileiro e define-se

pelo fato de dois poderes simetricamente

representados entrarem em tensão.

(E) nos Estados Unidos da América, as leis influem

decisivamente apenas na vida pública do cidadão,

ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as leis

logram mudar comportamentos no plano dos

costumes e da vida privada.

QUESTÃO 4

Com relação à estruturação do texto e dos parágrafos,

analise as afirmativas a seguir.

I. O primeiro parágrafo introduz o tema,

discorrendo sobre a origem histórica do jeitinho.

II. A tese, apresentada no segundo parágrafo,

encontra-se na frase iniciada por no entanto.

III. O quarto parágrafo apresenta o argumento

central para a sustentação da tese.

Assinale:

(A) se somente a afirmativa I estiver correta.

(B) se somente a afirmativa II estiver correta.

(C) se somente a afirmativa III estiver correta.

(D) se somente as afirmativas II e III estiverem

corretas.

(E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

IGEPP PORTUGUÊS — LUIS LADEIRA

8

QUESTÃO 5

Assinale a alternativa que identifique a composição

tipológica do texto ―Jeitinho‖.

(A) Descritivo, com sequências narrativas.

(B) Expositivo, com sequências argumentativas.

(C) Injuntivo, com sequências argumentativas.

(D) Narrativo, com sequências descritivas.

(E) Argumentativo, com sequências injuntivas.

QUESTÃO 6

Observando a frase ―buscará dissuadir a autoridade

„menor‟ de aplicar-lhe uma sanção‖ (L.57-58), assinale

a alternativa em que a substituição da palavra

sublinhada mantenha o sentido que se deseja

comunicar no texto.

(A) obrigar.

(B) desaconselhar.

(C) persuadir.

(D) convencer.

(E) coagir.

Corrupção, ética e transformação social

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Em toda História do Brasil, talvez nunca

tenhamos visto um momento em que notícias de

corrupção tenham sido tão banais nos meios de

comunicação, e tão discutidas por grande parte da

população. Em qualquer lugar (mesmo que seja um

ônibus, por exemplo), sempre há alguém falando

sobre a crise na saúde, a crise na educação e,

inclusive, a crise ética na política brasileira.

Contudo, é preciso notar também que, muitas

vezes, enquanto cidadãos, nós mesmos raramente

decidimos fazer alguma coisa pela transformação

da realidade — isso, quando fazemos algo. Certo

comodismo nos toma de assalto e reveste toda a

nossa fala de uma moral vazia, estéril, que se reduz

à crítica que não busca alterar a realidade. Afinal de

contas, em época de eleições, como a que estamos

prestes a vivenciar, nós notamos nas propagandas

políticas dos partidos a presença dos mesmos

políticos e das mesmas propostas políticas, as

mesmas já prometidas nas eleições anteriores, e

que jamais foram executadas. Logicamente há as

exceções de certos governantes que fazem por onde

efetivar suas promessas, mas esses, infelizmente,

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continuam sendo uma minoria em todo o Brasil.

Numa outra perspectiva, é interessante

perceber também quão contraditória consiste ser a

distância entre o que nós criticamos em nossos

políticos e as ações que nós reproduzimos em

nosso cotidiano. De uma forma ou de outra,

reproduzimos a corrupção que nós percebemos na

administração pública nacional quando

empregamos o chamado jeitinho brasileiro, em que

o peso de um sobrenome ou o peso da influência

do status social passa a ser um dos elementos

determinantes para a obtenção de certos fins. É

nesse sentido que podemos apontar aqui um grave

problema social brasileiro, uma das principais

bases para se buscar o fim da corrupção política no

Brasil: a existência de uma ética baseada em uma

falta de ética. Como poderemos superar essa

incongruência?

Com certeza, a Educação pode ser a saída ideal.

Mas tem de ser uma Educação voltada para

desenvolver nas crianças, nos jovens e até mesmo

nos universitários – independentemente de

frequentarem instituições públicas ou privadas –

uma preocupação para com o bem público, isto é,

para com a sociedade. Uma Educação que os leve a

superar uma concepção de mundo utilitarista,

segundo a qual toda sociedade humana não passa

de um somatório de indivíduos e seus interesses

pessoais, que tão bem se acomoda ao jeitinho

brasileiro, será o primeiro passo para se

desenvolver uma sociedade mais justa, uma

sociedade em que a preocupação com o público,

com o coletivo, será a forma ideal para buscar a

felicidade individual, que tanto preocupa certos

conservadores.

Para tanto, sabemos que é preciso não uma

―educação política‖, mas sim uma educação

politizada. Uma educação que reconheça que a

solução para a corrupção centra-se em conceber a

política não apenas como um instrumento para se

alcançar um determinado fim, consolidando-se,

portanto, numa mera razão instrumental. Uma

educação na qual a própria política, a partir do

momento em que buscar ser de fato um meio para

se alcançar o bem de todos — como ao que se

propõe o nosso modelo democrático —, vai

estruturar uma ética que localizará no comodismo e

no jeitinho brasileiro as raízes de nosso

analfabetismo político, substituindo-os por outras

formas de ação social ao longo da construção de

uma cultura cívica diferente.

(adaptado de MOREIRA, Moisés S. In www.mundojovem.com.br:)

IGEPP PORTUGUÊS — LUIS LADEIRA

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QUESTÃO 7

De acordo com o texto, é incorreto afirmar que:

(A) A concepção de democracia no Brasil inclui,

contraditoriamente, a razão instrumental como

filosofia.

(B) O fato de fazermos uso do jeitinho como

instrumento é uma das evidências de nosso

analfabetismo político.

(C) O conceito de Educação politizada implica a

negação do modelo de civismo em voga na

sociedade atual.

(D) A ideia de justiça social deve ter como corolário a

noção de que a felicidade de um é a felicidade de

todos.

(E) A equivalência entre bem público e sociedade é

um dos pontos de partida para o sucesso da

educação pública.

QUESTÃO 8

Com relação à estruturação do texto e dos parágrafos,

analise as afirmativas a seguir:

I. O primeiro parágrafo introduz o tema,

situando historicamente a origem da corrupção

no Brasil.

II. O terceiro parágrafo opõe a capacidade de

criticar o outro à incapacidade de observar a

própria forma de agir.

III. Do quinto parágrafo deduz-se que uma

educação politizada ensina que os fins não

justificam os meios.

Assinale:

(A) se somente a afirmativa I estiver correta.

(B) se somente a afirmativa II estiver correta.

(C) se somente a afirmativa III estiver correta.

(D) se somente as afirmativas II e III estiverem

corretas.

(E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

QUESTÃO 9

“Como poderemos superar essa incongruência?”

Assinale a alternativa que não tem significação

semelhante à do termo sublinhado:

(A) Inconveniência.

(B) Incompatibilidade.

(C) Indolência.

(D) Impropriedade.

(E) Inadequação.

QUESTÃO 10

A conjunção Contudo (L.9) conecta:

(A) a oração subordinada aditiva à oração principal:

sempre há alguém falando.

(B) os parágrafos um e dois, introduzindo valor de

consequência entre os fatos.

(C) os parágrafos um e dois, apresentando uma

conclusão acerca do que se disse.

(D) a oração subordinada subjetiva à principal: é

preciso notar.

(E) os parágrafos um e dois, informando contraste

entre as ideias expostas.

O jeitinho brasileiro e o homem cordial

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O jeitinho caracteriza-se como ferramenta

típica de indivíduos de pouca influência social. Em

nada se relaciona com um sentimento

revolucionário, pois aqui não há o ânimo de se

mudar o status quo. O que se busca é obter um

rápido favor para si, às escondidas e sem chamar a

atenção; por isso, o jeitinho pode ser também

definido como ―molejo‖, ―jogo de cintura‖,

habilidade de se ―dar bem‖ em uma situação

―apertada‖.

Sérgio Buarque de Holanda, em O Homem

Cordial, fala sobre o brasileiro e uma característica

presente no seu modo de ser: a cordialidade.

Porém, cordial, ao contrário do que muitas pessoas

pensam, vem da palavra latina cor, cordis, que

significa coração. Portanto, o homem cordial não é

uma pessoa gentil, mas aquele que age movido pela

emoção no lugar da razão, não vê distinção entre o

privado e o público, detesta formalidades, põe de

lado a ética e a civilidade.

Em termos antropológicos, o jeitinho pode ser

atribuído a um suposto caráter emocional do

brasileiro, descrito como ―o homem cordial‖ pelo

antropólogo. No livro Raízes do Brasil, esse autor

afirma que o indivíduo brasileiro teria desenvolvido

uma histórica propensão à informalidade. Deve-se

isso ao fato de as instituições brasileiras terem sido

concebidas de forma coercitiva e unilateral, não

havendo diálogo entre governantes e governados,

mas apenas a imposição de uma lei e de uma ordem

consideradas artificiais, quando não inconvenientes

aos interesses das elites políticas e econômicas de

então. Daí a grande tendência fratricida observada

na época do Brasil Império, que é bem ilustrada

pelos episódios conhecidos como Guerra dos

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Farrapos e Confederação do Equador.

Na vida cotidiana, tornava-se comum ignorar as

leis em favor das amizades. Desmoralizadas,

incapazes de se impor, as leis não tinham tanto

valor quanto, por exemplo, a palavra de um ―bom‖

amigo. Além disso, o fato de afastar as leis e seus

castigos típicos era uma prova de boa vontade e um

gesto de confiança, o que favorecia boas relações de

comércio e tráfico de influência. De acordo com

testemunhos de comerciantes holandeses, era

impossível fazer negócio com um brasileiro antes

de fazer amizade com ele. Um adágio da época

dizia que ―aos inimigos, as leis; aos amigos, tudo‖.

A informalidade era — e ainda é — uma forma de

se preservar o indivíduo.

Sérgio Buarque avisa, no entanto, que esta

―cordialidade‖ não deve ser entendida como caráter

pacífico. O brasileiro é capaz de guerrear e até

mesmo destruir; no entanto, suas razões animosas

serão sempre cordiais, ou seja, emocionais.

(In: www.wikipedia.org — com adaptações.) QUESTÃO 11

De acordo com o texto, é incorreto afirmar que:

(A) o jeitinho brasileiro é um comportamento típico

de indivíduos de pouca influência social e

avessos a formalidades.

(B) a instituição do jeitinho tem origem, segundo os

antropólogos, no comprovado caráter emocional

do brasileiro.

(C) a imposição de leis e de ordens tidas como

artificiais pode explicar a propensão do brasileiro

para driblar normas.

(D) na sociedade colonial, era comum observar que o

brasileiro tendia a valorizar a amizade em

detrimento da própria lei.

(E) o indivíduo que utiliza a ferramenta do jeitinho

age por emoção, ignorando os limites entre as

esferas pública e privada.

QUESTÃO 12

Com relação à estruturação do texto e dos parágrafos,

analise as afirmativas a seguir:

I. O segundo parágrafo introduz o tema,

discorrendo sobre a origem etimológica de

jeitinho.

II. O quarto parágrafo apresenta um fato que

busca explicar a disposição para a

informalidade nas relações comerciais.

III. O quinto parágrafo esclarece as diferenças

entre as noções de cordialidade e passividade,

que não são sinônimas.

Assinale:

(A) se somente a afirmativa I está correta.

(B) se somente a afirmativa II está correta.

(C) se somente a afirmativa III está correta.

(D) se somente as afirmativas II e III estão corretas.

(E) se todas as afirmativas estão corretas.

QUESTÃO 13

Deve-se isso ao fato de as instituições brasileiras terem

sido concebidas de forma coercitiva e unilateral.

Tem significação oposta à do termo sublinhado o

vocábulo:

(A) licenciosa.

(B) tirana.

(C) normativa.

(D) proibitiva.

(E) repressora.

Lei de Responsabilidade Fiscal, correlação entre

metas e riscos fiscais e o impacto dos déficits

públicos para as gerações futuras

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É certo que o advento da Lei Complementar nº

101, de 4 de maio de 2000, representou um avanço

significativo nas relações entre o Estado fiscal e o

cidadão. Mais que isso, ao enfatizar a necessidade da

accountability, atribuiu caráter de essencialidade à

gestão das finanças públicas na conduta racional do

Estado moderno, reforçando a ideia de uma ética do

interesse público, voltada para o regramento fiscal

como meio para o melhor desempenho das funções

constitucionais do Estado. (…)

Percebe-se que os dois temas [a correlação

entre metas e riscos fiscais e o impacto dos déficits

públicos sobre as futuras gerações] se vinculam à

função prospectiva da noção de responsabilidade

fiscal. Enquanto o primeiro, normalmente, se

adstringe a situações futuras próximas, o segundo

vincula-se a situações futuras a longo prazo.

Portanto, além de a responsabilidade fiscal

cumprir o papel de proporcionar recursos de

imediato a fim de que o Estado realize as funções a

que constitucionalmente está vinculado, busca

controlar a situação orçamentária a fim de não

comprometer nem o futuro imediato, muito menos o

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futuro mais distante.

O estudo das relações entre déficits fiscais e

seus efeitos nas gerações futuras, ao menos na

economia, não é novo. Economistas clássicos e

contemporâneos — dentre eles David Ricardo, Martin

Feldstein, James Buchanan e Keynes — trataram do

assunto sob perspectivas diferentes.

A reflexão jurídica sobre o assunto, contudo,

não se tem mostrado tão farta quanto aquela

encontrada na economia. Isso se deve, talvez, à

associação feita ao tema dos efeitos na utilização de

recursos entre gerações especificamente no campo

ambiental — fortalecida, principalmente, após a

década de 70, quando o movimento ambientalista

passou a formular um discurso jurídico mais sólido,

angariando adeptos das mais variadas formações, em

diversas partes do planeta.

Não pode, no entanto, a noção jurídica de

efeitos entre gerações se restringir à temática

ambientalista. Obviamente, ela possui contornos bem

definidos naquela área, uma vez que a própria ética

ambientalista se funda na distribuição de recursos

entre gerações, alicerce para a sobrevivência da

própria humanidade.

Mas a alocação de recursos públicos através

do equilíbrio orçamentário também se mostra

indispensável para que as gerações futuras não sejam

privadas de políticas públicas propostas para serem

minimamente efetivas, por falta de disponibilização

orçamentária suficiente. Isso leva a crer que um dos

objetivos da ideia de responsabilidade fiscal é

preservar a capacidade de financiamento de políticas

públicas para as futuras gerações.

Do mesmo modo que a ética ambientalista tem

enfatizado que os recursos ambientais não são

inesgotáveis, colocando-se a possibilidade de as

gerações presentes virem a exauri-los, privando as

futuras gerações da própria existência, não é menos

razoável pensar que os recursos públicos, também

exauríveis, podem vir a comprometer o

desenvolvimento humano e a existência de grupos

menos favorecidos, carentes da ação estatal que vise a

minorar as desigualdades.

Percebe-se que os gastos públicos

normalmente beneficiam muito mais as gerações

atuais que as gerações futuras. Entre outros fatores,

isso se deve ao fato de que as decisões políticas

tendem a visualizar um período estreito de tempo a

fim de se concretizarem. Natural — mas não ideal —

que assim seja. Tomadores de decisões políticas

frequentemente ficam adstritos ao período de seus

mandatos, uma vez que percebem que os efeitos de

suas decisões são sentidos mais a curto que a longo

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prazo. Acrescente-se a isso o fato de que muitos

eleitores ignoram completamente a complexidade das

decisões, não percebendo ou relevando o limitado

escopo de tais decisões, não se prolongando no tempo

e beneficiando, primordialmente, as gerações atuais.

Pode-se argumentar, a contrário, com três

situações. A primeira delas é de que não se pode

estabelecer uma relação tão rígida no sentido de que

déficits públicos terão o efeito prolongado a ser

sentido pelas gerações futuras. Um exemplo disso

seria o famoso “erro de Malthus”. Ao afirmar que a

produção de alimentos cresce em progressão

aritmética, enquanto o aumento da população se dá

em progressão geométrica, Malthus não levou em

consideração a evolução tecnológica como

transformadora da capacidade de produção de

alimentos, pressupondo mesmo uma sociedade

estanque.

Nesse sentido, seria possível afirmar que

poderiam surgir novas formas de alocação de

recursos que eliminariam os déficits, não

necessariamente impondo ônus adicionais às

gerações futuras.

Esse raciocínio baseia-se, contudo, numa falsa

comparação. Primeiramente, porque a alocação de

novos recursos nada tem a ver, em princípio, com o

impacto tecnológico. O avanço deste não acarreta

necessariamente impacto positivo daquela.

Um segundo fator diz respeito ao argumento

de que a existência de déficits públicos pode

promover o desenvolvimento nacional, o que a

experiência brasileira não parece confirmar.

O terceiro argumento contra a ideia de que

déficits imporiam ônus às gerações futuras é o de que

não se sabe qual será a postura das futuras gerações

quanto aos bens materiais. Uma vez que uma postura

antimaterialista, já existente na contemporaneidade,

pode se disseminar para uma grande parte da

população dentro de um Estado, pode-se facilmente

defender que futuras gerações se preocuparão pouco

com a alocação de recursos públicos e sua utilização

através de políticas públicas, importando-se mais

com, v.g., valores espirituais, em detrimento dos

valores materiais.

A fraqueza dessa tese está no fato de ser ela,

meramente, uma suposição. Destarte, não há nenhum

dado seguro para afirmar que determinadas gerações

futuras serão antimaterialistas ou que se importarão

pouco com alocação de recursos destinados à

promoção de políticas públicas. Esquecer-se das

gerações futuras, tendo em vista a possibilidade de

estas se tornarem antimaterialistas, é um exercício de

mera futurologia, exercício irresponsável, instituidor

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de compromissos que poderão ou não ser honrados

pelas gerações futuras.

Portanto, a necessidade de as gerações atuais

preservarem recursos para as gerações futuras

também se dá no que tange aos recursos públicos. A

Lei de Responsabilidade Fiscal, ao impor o

regramento das contas públicas, racionalizando-as,

compromete-se com esse objetivo, ao propugnar que

o controle orçamentário repercutirá a curto prazo —

incidindo sobre as gerações atuais — e a longo prazo

— resguardando a viabilidade fiscal do Estado para

as gerações futuras. (...)

A função da responsabilidade fiscal, como já

dito, é de mero meio. É o conceito instrumento

essencial para a atuação do Estado moderno. Não

mais se concebe uma atuação estatal efetiva sem uma

apurada reflexão sobre os gastos públicos, seus

limites e sua aplicação.

As alternativas atuais para a construção de

uma economia sólida e menos suscetível passam

necessariamente pelo controle de gastos públicos.

Alguns países desenvolvidos, tendo em vista essa

perspectiva, buscaram limitar gastos e muitas vezes

editaram leis para esse fim. É impossível, na

atualidade, visualizar qualquer Estado que se

proponha ao desenvolvimento sem um minucioso

projeto de controle de gastos públicos.

Imprescindível é, pois, que toda a reflexão

sobre a necessidade de um conceito de

responsabilidade fiscal não seja perdida da vista dos

administradores públicos, assim como dos cidadãos.

Somente assim, com a atuação de todos os atores

sociais, poder-se-á buscar o controle de gastos

públicos, visando a fomentar um crescimento

econômico sustentado e garantidor, principalmente,

dos direitos e garantias fundamentais dispostos na

Constituição Federal de 1988.

(Gilmar Ferreira Mendes, com adaptações. Disponível em: <http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud7/impacto.htm>)

QUESTÃO 14

Em relação à estrutura do texto, é correto afirmar que:

(A) a introdução vai do primeiro parágrafo até “muito

menos o futuro mais distante” (L.24).

(B) o parágrafo iniciado por “A reflexão jurídica

sobre o assunto” (L.31) pode prescindir da leitura

do parágrafo anterior.

(C) a conclusão do texto começa no parágrafo

iniciado por “Portanto, a necessidade de as

gerações atuais preservarem recursos” (L.132).

(D) o parágrafo iniciado por “Pode-se argumentar, a

contrário, com três situações” (L.82) se

desenvolve pela técnica de divisão.

(E) o parágrafo iniciado por “Do mesmo modo que a

ética ambientalista” (L.57) se desenvolve pela

técnica conjugada de definição e apoio em

argumento de autoridade.

QUESTÃO 15

Com base na leitura do texto, analise os itens a seguir:

I. Em “Portanto, a necessidade de as gerações atuais preservarem recursos para as gerações futuras também se dá no que tange aos recursos públicos” (L.132), o termo grifado colabora com a identificação de um pressuposto.

II. Em “Não mais se concebe uma atuação estatal efetiva sem uma apurada reflexão sobre os gastos públicos, seus limites e sua aplicação” (L.144), na identificação dos implícitos, observa-se um pressuposto.

III. Em “Enquanto o primeiro, normalmente, se adstringe a situações futuras próximas, o segundo vincula-se a situações futuras a longo prazo” (L.15), a leitura só se efetiva se o leitor identificar os subentendidos.

Assinale:

(A) se somente os itens II e III estiverem corretos.

(B) se somente os itens I e II estiverem corretos.

(C) se todos os itens estiverem corretos.

(D) se nenhum item estiver correto.

(E) se somente os itens I e III estiverem corretos.

QUESTÃO 16

As alternativas atuais para a construção de uma economia sólida e menos suscetível passam necessariamente pelo controle de gastos públicos. Alguns países desenvolvidos, tendo em vista essa perspectiva, buscaram limitar gastos e muitas vezes editaram leis para esse fim. É impossível, na atualidade, visualizar qualquer Estado que se proponha ao desenvolvimento sem um minucioso projeto de controle de gastos públicos. (L.148)

O segundo período do trecho acima, em relação ao primeiro, constitui uma:

(A) explicação.

(B) explicitação.

(C) exemplificação.

(D) contraposição.

(E) retificação.

IGEPP PORTUGUÊS — LUIS LADEIRA

13

GABARITO:

1. B

2. C

3. A

4. D

5. B

6. B

7. E

8. D

9. C

10. E

11. B

12. B (D*)

13. A

14. A

15. B

16. C

* gabarito oficial da FGV