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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi, sér. Ciências Humanas, Belém, v. 1, n. 1, p. 7-44, jan-abr. 2005 7 1 Parte da tese apresentada ao Programa Integrado de Pós - Graduação em Educação, do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, para obtenção do título de Doutora em Educação, na Área de Educação e Meio Ambiente. 2 Universidade Federal de Mato Grosso – Instituto de Biociências – Departamento de Botânica e Ecologia. CEP 78060-900. Cuiabá -MT, Brasil. ([email protected]) A Educação e a Sustentabilidade Ambiental em A Educação e a Sustentabilidade Ambiental em A Educação e a Sustentabilidade Ambiental em A Educação e a Sustentabilidade Ambiental em A Educação e a Sustentabilidade Ambiental em Comunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil. omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil. omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil. omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil. omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil. 1 Environmental Education and Sustainability in Environmental Education and Sustainability in Environmental Education and Sustainability in Environmental Education and Sustainability in Environmental Education and Sustainability in Riverine Communities of Mato Grosso, Brazil Riverine Communities of Mato Grosso, Brazil Riverine Communities of Mato Grosso, Brazil Riverine Communities of Mato Grosso, Brazil Riverine Communities of Mato Grosso, Brazil Vera Lucia M. S. Guarim 2 Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo: Esta pesquisa realizou-se junto aos moradores das comunidades ribeirinhas do rio Cuiabá, no município de Santo Antônio de Leverger do estado do Mato Grosso. Seu objetivo foi desvendar como os ribeirinhos representam as suas relações sociais com o mundo natural, na educação e na sustentabilidade ambiental, e como essas representações são atualizadas em suas vidas cotidianas. O procedimento metodológico foi, sem dúvida, o grande desafio em razão da necessidade de se utilizar informações sobre as complexas interrelações entre educação e sustentabilidade ambiental, o que direcionou e remeteu a algumas reflexões sobre o alcance da problemática e das possíveis soluções que, efetivamente, pode se aplicar. Assim, optou- s e pelo estudo de caso, adotando o modo fenomenológico na pesquisa das comunidades de Miguel Velho, Engenho Velho, Varginha, Poço e Barranco Alto. Essas comunidades, com suas demandas, organizações, práticas e estruturas, possuem um caráter educativo assimilável por seus membros, onde a educação apresenta-se como forma de aprendizagem e a importância do conhecimento dos ribeirinhos do rio Cuiabá está na revelação das relações ecológicas, econômicas e culturais. Possuem experiência na conservação e preservação da diversidade biológica e ecológica, que estão atualmente sendo destruídas. Desempenham fundamental papel na conservação da biodiversidade do rio Cuiabá e podem continuar a ensinar-nos a valorizar as relações entre o homem e a natureza. O que se percebe é um modelo de uso de baixa intensidade dos recursos naturais pelos ribeirinhos, o que resulta num mínimo de erosão genética e num máximo de conservação. Palavras-Chave: alavras-Chave: alavras-Chave: alavras-Chave: alavras-Chave: Comunidades ribeirinhas, Rio Cuiabá -MT, Sustentabilidade ambiental. Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract : : : : : This research was done with the inhabitant of the riverside communities of Cuiabá river in the municipality of Santo Antônio de Leverger in Mato Grosso State. The objective was to discover how the ribeirinhos represent their social relations with the natural world in the education and in the environmental sustainability and how that representations are update in their daily life. To achieve the objective was it necessary to understand how the ribeirinhos are situated in the social and environmental universe. The methodology procedure was the great challenge due to the necessity to use informations about the complex relations between education and environmental sustainability which sent of to some reflection about reach the problem and the possible solutions that effectiveness can be applied. So that, for this study case, developed in the communities of Miguel Velho, Engenho Velho, Varginha, Poço and Barranco Alto, phenomenological way was adopted. These communities with its demands, organizations, practical and structures, possess an assimilable educative character for its members, where the education is presented as learning form, and the importance of the knowledge of the messengers of the Cuiabá river is in the revelation of the ecological relations, economics and cultural. They possess experience in the conservation and preservation of the biological and ecological diversity, that are currently being destroyed. They play basic role in the conversation of the biodiversity of the Cuiabá river and can continue to teach to us to value it the relations between the man and the nature. What it is perceived is a model of use of low intensity of the natural resources for the messengers, what results in a minimum of genetic erosion and a maximum of conservation. Key W ey W ey W ey W ey Words: ords: ords: ords: ords: Riverside communities, Rio Cuiabá -MT, Environmental sustainability.

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1 Parte da tese apresentada ao Programa Integrado de Pós - Graduação em Educação, do Instituto de Educação da UniversidadeFederal de Mato Grosso, para obtenção do título de Doutora em Educação, na Área de Educação e Meio Ambiente.

2 Universidade Federal de Mato Grosso – Instituto de Biociências – Departamento de Botânica e Ecologia. CEP 78060-900.Cuiabá -MT, Brasil. ([email protected])

A Educação e a Sustentabilidade Ambiental emA Educação e a Sustentabilidade Ambiental emA Educação e a Sustentabilidade Ambiental emA Educação e a Sustentabilidade Ambiental emA Educação e a Sustentabilidade Ambiental emCCCCComunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil.omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil.omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil.omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil.omunidades Ribeirinhas de Mato Grosso, Brasil.11111

Environmental Education and Sustainability inEnvironmental Education and Sustainability inEnvironmental Education and Sustainability inEnvironmental Education and Sustainability inEnvironmental Education and Sustainability inRiverine Communities of Mato Grosso, BrazilRiverine Communities of Mato Grosso, BrazilRiverine Communities of Mato Grosso, BrazilRiverine Communities of Mato Grosso, BrazilRiverine Communities of Mato Grosso, Brazil

Vera Lucia M. S. Guarim2

ResumoResumoResumoResumoResumo: Esta pesquisa realizou-se junto aos moradores das comunidades ribeirinhas do rio Cuiabá, no município de SantoAntônio de Leverger do estado do Mato Grosso. Seu objetivo foi desvendar como os ribeirinhos representam as suasrelações sociais com o mundo natural, na educação e na sustentabilidade ambiental, e como essas representações sãoatualizadas em suas vidas cotidianas. O procedimento metodológico foi, sem dúvida, o grande desafio em razão danecessidade de se utilizar informações sobre as complexas interrelações entre educação e sustentabilidade ambiental,o que direcionou e remeteu a algumas reflexões sobre o alcance da problemática e das possíveis soluções que,efetivamente, pode se aplicar. Assim, optou- s e pelo estudo de caso, adotando o modo fenomenológico na pesquisadas comunidades de Miguel Velho, Engenho Velho, Varginha, Poço e Barranco Alto. Essas comunidades, com suasdemandas, organizações, práticas e estruturas, possuem um caráter educativo assimilável por seus membros, onde aeducação apresenta-se como forma de aprendizagem e a importância do conhecimento dos ribeirinhos do rio Cuiabáestá na revelação das relações ecológicas, econômicas e culturais. Possuem experiência na conservação e preservaçãoda diversidade biológica e ecológica, que estão atualmente sendo destruídas. Desempenham fundamental papel naconservação da biodiversidade do rio Cuiabá e podem continuar a ensinar-nos a valorizar as relações entre o homeme a natureza. O que se percebe é um modelo de uso de baixa intensidade dos recursos naturais pelos ribeirinhos, oque resulta num mínimo de erosão genética e num máximo de conservação.

PPPPPalavras-Chave: alavras-Chave: alavras-Chave: alavras-Chave: alavras-Chave: Comunidades ribeirinhas, Rio Cuiabá -MT, Sustentabilidade ambiental.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: : : : : This research was done with the inhabitant of the riverside communities of Cuiabá river in the municipality of SantoAntônio de Leverger in Mato Grosso State. The objective was to discover how the ribeirinhos represent their socialrelations with the natural world in the education and in the environmental sustainability and how that representationsare update in their daily life. To achieve the objective was it necessary to understand how the ribeirinhos are situatedin the social and environmental universe. The methodology procedure was the great challenge due to the necessityto use informations about the complex relations between education and environmental sustainability which sent ofto some reflection about reach the problem and the possible solutions that effectiveness can be applied. So that, forthis study case, developed in the communities of Miguel Velho, Engenho Velho, Varginha, Poço and Barranco Alto,phenomenological way was adopted. These communities with its demands, organizations, practical and structures,possess an assimilable educative character for its members, where the education is presented as learning form, andthe importance of the knowledge of the messengers of the Cuiabá river is in the revelation of the ecological relations,economics and cultural. They possess experience in the conservation and preservation of the biological and ecologicaldiversity, that are currently being destroyed. They play basic role in the conversation of the biodiversity of the Cuiabáriver and can continue to teach to us to value it the relations between the man and the nature. What it is perceivedis a model of use of low intensity of the natural resources for the messengers, what results in a minimum of geneticerosion and a maximum of conservation.

KKKKKey Wey Wey Wey Wey Words: ords: ords: ords: ords: Riverside communities, Rio Cuiabá -MT, Environmental sustainability.

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A educação e a sustentabilidade ambiental em comunidades ribeirinhas...

INTRODUÇÃO

O contexto expressa o interesse de alguns enfoquessobre educação e sustentabilidade ambiental,produzidos em comunidades ribeirinhas tradicionaise abordados a partir do resgate do saber local. Asabordagens aqui enfocadas compreendem tópicosque direcionam à educação em comunidadesribeirinhas. Busca um caminho original no campoeducacional para repensar as comunidadestradicionais sobre questões de sustentabilidadeambiental, revelando suas formas educativas formais(na escola), não-formais (fora da escola) e informais(na comunidade).Os ribeirinhos do rio Cuiabá surgiram no períodocolonial, constituindo populações de pequenosprodutores. Diante das circunstâncias ambientais,essas populações, distantes das cidades e dos núcleospopulacionais, desenvolveram modos de vida queexigem dependência dos ciclos naturais, seca e cheia,conhecimento profundo dos ciclos biológicos edos recursos naturais. Conseqüentemente,estabeleceram-se como sociedades sustentáveis,mantendo o estoque de recursos naturais e umaqualidade de vida expressa na saúde, educação,cultura, equilíbrio psicológico e expectativa de vida.Talvez tenha sido o caráter educativo inserido nointerior das comunidades ribeirinhas tradicionais quevem dando forma à disciplina de economia dasustentabilidade ou economia ecológica. Na prática,a concepção de educação direciona para umaconsciência adquirida, progressivamente, através doconhecimento sobre quais são os direitos e osdeveres do indivíduo na comunidade e no ambiente.Fortemente, destaca-se o acúmulo de experiências,onde a importância da vivência no passado ésegurança para a manutenção do ambiente.O potencial dos principais recursos naturais doestado de Mato Grosso, como água, clima, solo ebiodiversidade, determinam as grandes formaçõesbiogeográficas do cerrado, pantanal e floresta, coma pujância das associações vegetais resultantes das

interações edáficas e climáticas. É nesse contextoambiental do estado que se encontra o municípiode Santo Antônio de Leverger, ressaltando,entretanto, a importância do rio Cuiabá com suascomunidades ribeirinhas. Aprender com osribeirinhos do rio Cuiabá significa aceitar sua políticade desenvolvimento e a forma de pensar a educaçãoambiental como componente de todos os temasde desenvolvimento, incluindo os socioambientais.Considerando-se que a educação desempenha umpapel transformador na sociedade, acredita-se quea sustentabilidade seja uma alternativa para a sociedadecontemporânea e, neste sentido, a EducaçãoAmbiental torna-se fundamental. Assim, concebe-se um ambiente não só como meio físico biótico,mas, também, social e cultural, estabelecendo umarelação entre os ambientes e o modelo dedesenvolvimento adotado pela comunidade.O processo educativo que acontece fora do sistemaeducacional formal, o qual util iza técnicas einstrumentos do processo pedagógico-acadêmico,efetivamente, sustenta uma concepção de educaçãobaseada, segundo Gohn (1994), em várias formas,em vários planos e dimensões que se articulam enão determinam nenhum grau de prioridade. Talprocesso identifica uma dimensão da organizaçãopolítica (através da “consciência adquiridaprogressivamente por meio do conhecimento sobrequais são os direitos e os deveres dos indivíduos nasociedade hoje; em determinadas questões, porquese luta, atinge concomitantemente a organização dogrupo”); e uma dimensão da cultura política (“oexercício da prática cotidiana nos movimentos sociaisleva ao acúmulo de experiência, onde temimportância a vivência no passado e no presentepara a construção do futuro”).Vélez de Lopes (1997) afirma que o sistemaeducativo, tradicionalmente, tem conduzido a umdesenvolvimento insustentável, isso porque tem sidobaseado na adoção de conhecimento gerado daanálise de realidades alheias. Também consideraindispensável formular e aplicar os planos educativos

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em todos os níveis de escolarização, para, assim,administrar a grande transformação socioculturalnecessária para apoiar a política ambiental, cuja maiordemanda de recursos será o tempo queempregamos para alcançar os objetivos pré-estabelecidos e adaptar-nos às novas condições.A pesquisa e o fomento de uma formação ambiental,em nível escolar e comunitário, podem ser as únicasmaneiras de administrar, trocando o pensamentosocial por uma formação de líderes multiplicadoresde uma nova concepção, baseada na compreensãode uma problemática ambiental.Penteado (1997), após as considerações sobre oprocesso que o desenvolvimento sustentável gera,assim como todo o avanço que a modernatecnologia permitiu ao mundo conhecer, traduzidaem confortos e recursos da vida cotidiana nos maisdiferentes setores da saúde, do transporte, dacomunicação etc., acredita que, fundamentalmente,a formação da consciência ambiental de nossajuventude passa pela transformação da escolainformadora em escola formadora. No processoeducativo, o aprendizado envolve um trabalho deprática de todas as capacidades que promovem odesenvolvimento do ser humano. Para que,efetivamente, a educação seja estabelecida, sãonecessárias a continuidade e a constantecompreensão, interpretação e expressão darealidade. A localização, o processamento e autilização de informações envolvidas no processoeducativo devem estar vinculados aodesenvolvimento sustentável. Logo, a participaçãoda comunidade é decisiva, por deter o saber local.No entanto, o acesso dos membros das comunidadesribeirinhas ao sistema formal educacional colocarealmente a questão da aprendizagem de novossaberes, novas relações ao saber e novas formasinstitucionais de vida. Entretanto, essa assimilação ébaseada, em parte, no saber local. Obviamente queuma aprendizagem prática, baseada na interpretaçãodo formal, do informal e do não-formal é umtrabalho de empilhar, um constante trabalho de

sedimentação de integração de novos métodos decompreensão da vida social. O fato de participar dacomunidade não se estabelece como uma adesãoàs normas e aos valores próprios da cultura local,mas sim ao processo ativo de construção e realizaçãode uma nova identidade.Cunha (1999) chama atenção para o saber localque produz conhecimentos valiosos que o mercadoestá apenas começando a reconhecer. Entretanto, àerosão social e à erosão genética associa-se aerosão das condições de produção de conhecimentolocal e dos sistemas de circulação de conhecimento.Denota-se uma preocupação geral em torno dasustentabilidade de comunidades locais em termossociais, ambientais e econômicos. As atividadeshumanas parecem ser as causas mais comunsatingindo as comunidades ribeirinhas, isto porque aexcessiva pesca predatória e o turismo desorganizadotêm levado à alteração de hábitat e à perda dabiodiversidade. Algumas das alterações ambientaistêm sido consideradas como sendo induzidas peloshomens, por exemplo, a poluição dos rios, odesbarrancamento de suas margens, as queimadas,a diminuição da pesca etc.As formas cooperativas no trabalho são,historicamente, relembradas nas comunidadesribeirinhas do rio Cuiabá, em Santo Antônio deLeverger. Em relação à eqüidade entre as gerações,é provável que os valores ambientais conduzam aum futuro sustentável.As comunidades ribeirinhas de Santo Antônio sãoreconhecidas pelas características atribuídas porDiegues (1996) para culturas e sociedadestradicionais, apresentando: modo de vida,dependência e até simbiose com a natureza, osciclos naturais e os recursos naturais renováveis;conhecimento aprofundado da natureza e de seusciclos que se reflete na elaboração de estratégias deuso e de manejo dos recursos naturais. Esseconhecimento é transferido de geração em geraçãopor via oral; noção de território ou espaço, onde ogrupo social se reproduz econômica e socialmente;

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moradia e ocupação desse território por váriasgerações, ainda que alguns membros individuaispossam ter-se deslocado para os centros urbanose voltado para a terra de seus antepassados;importância das atividades de subsistência, ainda quea produção de mercadorias possa estar mais oumenos desenvolvida, o que implica numa relaçãocom o mercado; reduzida acumulação de capital;importância dada à unidade familiar, doméstica oucomunal e às relações de parentesco ou compadriopara o exercício das atividades econômicas, sociaise culturais; importância das simbologias, mitos erituais associados à caça, à pesca e às atividadesextrativistas; a tecnologia utilizada é relativamentesimples, de impacto limitado sobre meio ambiente.Há reduzida divisão técnica e social do trabalho,sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e suafamília) domina o processo de trabalho até o produtofinal; fraco poder político, que em geral reside comos grupos de poder dos centros urbanos e auto-identificação ou identificação pelos outros de sepertencer a uma cultura distinta das outras.As condições de vida da comunidade ribeirinhaapontam uma determinada situação socioeconômicae de acesso às políticas públicas, determinando, aomesmo tempo, o surgimento de alguns problemasreferentes à educação, saúde, meio ambiente etc.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Bogdan e Biklen (1982) afirmam que ascaracterísticas básicas necessárias para esse tipo deestudo devem considerar que: “1. A pesquisaqualitativa tem o ambiente natural como sua fontedireta de dados e o pesquisador como seu principalinstrumento; 2. Os dados coletados sãopredominantemente descritivos; 3. A preocupaçãocom o processo é muito maior do que com oproduto; 4. O significado que as pessoas atribuemàs coisas e à sua vida são focos de atenção especialpelo pesquisador e 5. A análise dos dados tende aseguir um processo indutivo.

Ludke e André (1986) destacam a pesquisa do tipoestudo de caso e etnográfico entre as várias formasque uma pesquisa qualitativa pode assumir. A pesquisaetnográfica é reconhecida por Geertz (1989) comouma descrição densa de um sistema de significadosculturais de um determinado grupo, apontando trêscaracterísticas da descrição etnográfica: “ela éinterpretativa; o que ela interpreta é o fluxo dodiscurso social e a interpretação envolvida consisteem tentar salvar o “dito” num discurso da suapossibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formaspesquisáveis”. A interpretação de um conjunto deconceitos que se afinam com alguns fenômenoscaptados da realidade é feita a partir dos relatos devida e diálogos. O problema metodológico que anatureza etnográfica apresenta é tanto real comocrítico (GEERTZ, 1989). Portanto, a pesquisaeducativa não deve se limitar só à compreensão dosfenômenos educativos, mas permitir atransformação das práticas educativas atuais. Aobservação e a compreensão do que acontece nãoesgotam o mesmo propósito da pesquisa educativa.Demo (1995) chama a atenção para a qualidade daeducação, reconhecendo-a como fator primordialde desenvolvimento, no contexto do planejamento.A observação participante é, em conseqüência, oprincipal procedimento metodológico, o qual sugereque o observador dedique longos períodos, porexemplo, observando o que acontece durante umaaula e a escola, quem são seus participantes, osignificado e as intenções das ações dos sujeitos queas realizam, as distintas formas de manifestações doscomportamentos humanos, tudo isso sem nenhumamodificação da realidade por parte dos pesquisadoresdurante o processo de observação.A Pesquisa-ação na pesquisa educativa, segundoThiollent (1994), apresenta quatro etapas inter -relacionadas: planejamento, ação, observação ereflexão, que são de natureza construtiva -reconstrutiva e prática -discursiva. Serve deferramenta para a reflexão e a avaliação construtiva.Aprender a atuar de maneira inteligente e reflexivano meio ambiente não é tratar um processo de

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acumular informações sobre esse, a atuação implica,sobretudo, em aprender a delimitar e resolverproblemas práticos. Demo (1998), quando trata daeducação e pesquisa, delineia um trajeto entre elasde forma coincidente. Codifica que “ambas sepostam contra a ignorância, fator determinante damassa de manobra. Enquanto a pesquisa busca oconhecimento, para poder agir na base do saberpensar, a educação busca a consciência crítica, marcaessencial de quem se sabe e sabe da realidade”.Portanto, educa-se todo dia, em todos osmomentos, com a família, em contato com osamigos, nas reuniões sociais, no ambiente de trabalho.Entretanto, compreender e interpretar essa redecomplexa dos processos educacionais requerprocedimentos e formas independentes de pesquisa.Entende-se que para a educação escolar é necessáriaa pesquisa para subsidiar a aula, o ambiente desocialização e a relação professor-aluno.

Opção MetodológicaOpção MetodológicaOpção MetodológicaOpção MetodológicaOpção MetodológicaEmbora já tenha afirmado que o método utilizadofoi o estudo do caso, isso não o coloca como melhore mais efetivo, nem que outras abordagens tenhamsido ignoradas. Mesmo porque a presente investigaçãonecessitou de algumas etapas de exploração, decisãoe de resultados, de acordo com o que afirma Stake(1983a, 1983b) em relação ao estudo de caso.Autores como Ericson et al. (1980) assinalam quetoda pesquisa de campo deve responder, no mínimo,a cinco questões: 1. O que está ocorrendo nestasituação de campo. 2. Que implicações tem e o queestá transmitindo para as pessoas que estão envolvidas.3. O que as pessoas devem saber fazer em umadeterminada situação. 4. Como se relaciona com oque ocorre no contexto geral. 5. Que diferençasexistem entre o que ocorre aqui e o que foiencontrado em outras situações similares.As comunidades ribeirinhas têm a sua convivência noambiente natural, onde foi possível realizar a pesquisaatravés de extensivo trabalho de campo. Assim, seuscomponentes foram observados naturalmente no

ambiente, sem qualquer manipulação intencional, deuma forma naturalística, o que se pode considerar comométodo qualitativo naturalístico. O contato direto eestreito com os moradores das comunidadesribeirinhas permitiu observar os fenômenos queacontecem, como os ribeirinhos estão sendo atingidose de que forma refletem nas pessoas. Essas observaçõesforam sempre canalizadas para o contexto educacionalem relação à sustentatibilidade ambiental.Desse modo, procurou-se fundamentar o estudona abrangência da fenomenologia, por estaabordagem ser, seguramente, uma das maneiras dese conduzir pesquisa em educação. Assim foi que,ao adotar o modo fenomenológico na pesquisa,estive atenta descrevendo fenômenos e não osexplicando, despreocupada em buscar relaçõescausais. Procurou-se, sim, um rigor para que sechegasse à essência do fenômeno.

Universo PUniverso PUniverso PUniverso PUniverso Pesquisado e Resquisado e Resquisado e Resquisado e Resquisado e Recursos Técnicosecursos Técnicosecursos Técnicosecursos Técnicosecursos TécnicosO estudo nas comunidades ribeirinhas foi realizadotendo por base visitas freqüentes a cada uma dascomunidades ribeirinhas tradicionais do rio Cuiabá(Miguel Velho, Engenho Velho, Varginha, Poço eBarranco Alto), nos anos de 1998 e 1999, com asquais foi possível enriquecer as entrevistas e asobservações da vida cotidiana dos moradores e davida escolar, da sua história e características.Os resultados são predominantemente descritivos,com descrições de pessoas, situações, acontecimentos.Todo e qualquer dado foi valorizado para melhorcompreensão do objeto estudado. Houve uma maiorpreocupação com o processo do que com o produto,por exemplo, nas diversas formas de pescariamostraram-se as alternativas determinadas pelascircunstâncias ambientais, sem se preocupar com umalistagem exaustiva sobre a composição da faunaictiológica.Considerou-se, também, relatos significativos defatos, como o uso de plantas medicinais pelascomunidades, já referido por vários autores, entre eles,Ferreira (1995) e Amorozo (1999). Os resultados

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seguem uma análise através de um processo indutivo.O desenvolvimento do estudo inicia-se com apreocupação da conservação dos recursos naturais.Entretanto, isso é um foco de interesse muito amplo,que pode ser efetivado pela educação, visualizado nascomunidades ribeirinhas através da sustentabilidadeambiental, garantida pelos processos educativos,formais, não- formais e informais, que são diretos eespecíficos. Considerou-se formal a escola comoagente fundamental da educação; o informal, quandoa educação é desenvolvida nas atividades de organizaçãodo trabalho nas comunidades; e não- formal,trabalhando a realidade e inserindo o aluno no contextosocial em que ele vive, buscando no cotidiano osexemplos práticos do processo educativo.Buscando a interpretação em contexto, levou-seem consideração a situação real das comunidadesribeirinhas em relação ao ambiente. Para tanto,focalizam-se as escolas públicas, onde a análise éfeita em função das características da região em quea escola está localizada, os recursos materiais ehumanos, estrutura física e administrativa etc., quesão fatores que ajudam a explicar a ação pedagógicadesenvolvida naquela escola.O estudo de caso buscou retratar a realidade de formacompleta e profunda, revelando a multiplicidade dedimensões da sustentabilidade ambiental, que é dadapela complexidade natural, evidenciando ainterrelação dos seus componentes: estrutura social(a comunidade e as gerações), instrumentos sociais(as escolas e as associações), biodiversidade (uso,patrimônio, conservação e importância).Em diferentes momentos e situações contou-secom uma variedade de fontes informativas, entre asquais, moradores das comunidades na faixa etáriade 30 a 70 anos. Especificamente na escolaforam ouvidos diretores, professores, alunos,observando-os em situações de aula, reuniões,merenda, entrada e saída das crianças na escola.Para a obtenção das informações, utilizaram-setécnicas básicas constituídas de: 1. Entrevistasgravadas com Presidentes das Associações de

Moradores das Comunidades para as descriçõesrelacionadas aos aspectos físicos, sociais, econômicose biológicos das comunidades. 2. Contatos informaiscom moradores das comunidades. 3. Entrevistascom os Diretores e Professores das escolas paraconhecer e analisar a trajetória das mesmas.Procura-se, ainda, preservar do desaparecimento amemória dos pescadores profissionais dessascomunidades, utilizando-se a “história oral”, colhendoum conjunto de depoimentos, onde os narradoresrelatam sua existência, através dos tempos, tentandoreconstituir os acontecimentos cotidianos quevivenciaram e transmitir a experiência adquirida poreles. Também, para resgatar o universo dessespescadores, foram colhidos depoimentos, a partir dosquais se busca entender o imaginário social explicitadoatravés de dependências, medos, sentimentos deabandono pelo poder, atraso tecnológico, exploraçãoeconômica, influência do turismo e, principalmente,“histórias de vida” de, pelo menos, cem anos.

CARACTERIZAÇÃO GERAL DE MATOGROSSO E DO MUNICÍPIO DE SANTOANTÔNIO DE LEVERGER

Geopoliticamente, Mato Grosso está localizado emuma região estratégica do centro-oeste brasileiro,no centro geodésico da América do Sul, possuindouma diversidade de ecossistemas, o que proporcionauma variabilidade espacial, quantidade, qualidade edinamismo dos recursos naturais. Esses recursos,principalmente relacionados ao clima, aos recursoshídricos e à biodiversidade, determinam a FlorestaAmazônica Mato-grossense, o Cerrado e oPantanal.Mato Grosso é caracterizado pela imensidão de suaárea, cobrindo uma superfície de mais de 901 milkm2, possibilitando uma elevada biodiversidade, commúltiplas inter-relações entre os seus componentesbióticos e abióticos, formando um conjunto deecossistemas complexos, de equilíbrio ecológicoextremamente diversificado.

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A grande diversidade ecológica de Mato Grosso vemsendo explorada progressiva e sistematicamentedesde o início do processo de ocupação do seuterritório, quer através do simples extrativismo, comoem todas as formas de uso da biodiversidade, nacaptura de pescado e na coleta de produtos florestais,ou então, mais recentemente, no emprego detécnicas mais avançadas, como ocorre na agriculturae nos setores de produção de energia- esses últimosresponsáveis por profundas alterações ambientais.Em relação ao clima, o elemento temperatura éum ponto de partida para a análise da organizaçãonatural. A temperatura apresenta-se como fatorbásico de crescimento às associações bióticas,mobilizada na exploração econômica dos espaçosagrários e como fator básico nos aglomeradospopulacionais, que se projeta na qualidade ambiental.Isso explica a opção dos ribeirinhos em localizar-se nas comunidades às margens dos rios.A amplitude térmica anual, diferença entre o mêsmais frio (julho) e o mais quente (outubro) atingevalores extremos que vão de 10oC a 50oC. Astemperaturas médias anuais no estado estão emtorno de 23o a 28oC.A umidade do ar é fundamental para determinar ascaracterísticas do clima, atingindo valores muitobaixos, chegando até 16% no período de julho asetembro, e a partir de novembro começa aaumentar, definindo valores médios elevados acimade 75%, ao longo do período chuvoso (novembro-março).As precipitações são determinadas por umadistribuição sazonal de pluviosidade em todo seuterritório. São tropicais, com uma freqüência muitobaixa no período seco (abril a outubro) e umaconcentração alta no período chuvoso.Em relação ao clima, Tarifa (1986) explica que aextensa banda de nebulosidade que corta a Amazôniae o Brasil Central de Noroeste para Sudeste (máximaconcentração em novembro-dezembro), queaumenta em intensidade progressivamente a partir

da primavera-verão (setembro-outubro), oriundada Amazônia Central e Ocidental e que se deslocapara Sul-Sudeste, é responsável pela produção damaior parte das chuvas de primavera-verão daregião. Em geral, de maio-julho, o céu em MatoGrosso apresenta-se limpo com nebulosidadeaumentando progressivamente, atingindo máximasde novembro a fevereiro.A radiação solar é, sem dúvida, um dos elementosclimáticos de grande importância na região,determinante para os ecossistemas, assim comopara a adaptação humana. Pelos registrosapresentados por Tarifa (1986), o aquecimento doar (calor sensível) e a evaporação (calor latente deevaporação) é sempre superior a 300 cal/cm2/dia,dando um valor médio de radiação solar global emCuiabá de 401 cal/cm2/dia, com valores máximosno final do período seco, setembro e outubro,diminuindo no período chuvoso. Salati et al. (1991)evidenciam que a radiação solar incidente aoníve l da copa das árvores é controlada,fundamentalmente, pela nebulosidade, que dependedo vapor d’água existente na atmosfera.O estado detém uma rede hidrográfica defundamental importância histórica, ambiental eestratégica. Ela integra três grandes baciashidrográficas: da Amazônia, do Alto Paraguai e a dorio Araguaia -Tocantins.De acordo com o Diagnóstico do Setor Florestaldo Estado de Mato Grosso (BRASIL, 1982), baseadoem Magannini (1959), o estado possuía 50% doseu território coberto por florestas, 30% porcerrado e 20% pelo pantanal . Em razão dessadiversidade de ecossistemas é que temos uma Floraconstituída por uma diversidade de espécies,compondo uma vegetação que assume umadeterminada cobertura vegetal que, além de ser umrecurso natural em si, é fundamental para aconservação dos recursos hídricos, edáficos efaunísticos e, ainda, influencia no climático.Consequentemente, a vegetação é um excelenteindicador do estado de conservação do ambiente.

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A diversidade de espécies na floresta amazônicamato-grossense é típica de florestas tropicais.Apresenta variações em relação a sua freqüência, oque possibilita a diversificação de usos adequados parafins específicos, tanto econômico como social ouambiental. Os cerrados de Mato Grosso apresentamfitofisionomia de savana, segundo Projeto RadamBrasil (1982), ocupando mais de 280.000 km2 daárea disponível. Esses ambientes de cerrado ou savanaforam ocupados de forma rápida e desordenada emtermos espacial e ecológico, com conseqüênciasecológicas gravíssimas. Para Prance e Schaller (1982),o pantanal é um mosaico de diferentes formaçõesvegetais, com freqüentes mudanças abruptas,geralmente relacionadas com a topografia e muitosecótonos. Adámoli (1982) apresenta a ocorrênciade ciclos plurianuais que se caraterizam pelorevezamento de ciclos de anos muito chuvosos (ciclosde “enchentes”) com anos relativamente secos (ciclosde “secas”).O município de Santo Antônio de Leverger situa-se na porção sul do estado de Mato Grosso, àsmargens do rio Cuiabá. A sede do município dista29 km em linha reta da cidade de Cuiabá, capitaldo estado, no rumo SS. O acesso à sede domunicípio é feito através das rodovias MT- 040,MT- 301 e MT- 220. A área total do municípioabrange 11.063 km2, equivalente a 1,3% da áreatotal do estado, com uma altitude de 140 m e comas coordenadas geográficas de 15O 47’ 11’’ delatitude Sul e 56O 04’17’’ de longitude oeste deGreenwich. Possui um clima tropical sub-úmidocom temperatura média de 24oC. Segundo osdados do Censo Demográfico/IBGE (1991), nomunicípio residem 15.314 pessoas, sendo 8.317do sexo masculino e 6.997 do sexo feminino,sendo 33,63% localizados na área urbana.Conseqüentemente, a maioria vive na zona ruraldo município, constituindo, principalmente, ascomunidades ribeirinhas do rio Cuiabá. De acordocom as estimativas populacionais publicadas no DiárioOficial da União de 30.08.99, Santo Antônio de

Leverger possuía em 1o de julho de 1999 umapopulação de 14.977 habitantes.A origem da primeira denominação, Santo Antôniodo Rio Abaixo, deve-se à imagem do Santo que,segundo se tem transmitido oralmente, ali foradeixado por uma das expedições que demarcavamas minas de Cuiabá, na primeira metade do séculoXVII (GUERREIRO, 1999). Com a descoberta deouro no território mato-grossense, em 1734, tem-se o aparecimento da povoação de Santo Antôniodo Rio Abaixo, que após algumas modificações legais,passou a denominar-se Santo Antônio de Leverger,através da Lei no 132, de 30 de setembro de 1948(BRASIL, 1974).A trajetória histórica de desenvolvimento domunicípio está ligada aos rios, principalmente aosistema hidrográfico do rio Cuiabá. Por ser navegáveldurante todo o ano, é a principal via de acesso e decomunicação desde a época colonial, quando osbandeirantes da Capitania de São Vicente, no séculoXVII, penetraram na região em busca de escravos eouro. Após um século, com a extinção da populaçãoindígena, ocorreu um fluxo migratório em funçãoda descoberta de jazidas de ouro no rio Cuiabá.Assim, gradativamente foram sendo fundadas às suasmargens as principais cidades da região, entre elas ade Santo Antônio de Leverger (PÓVOAS, 1985).Uma das estratégias utilizadas pelo então Cônsul deMato Grosso para garantir o rio Cuiabá comoprincipal via de comunicação foi a doação de áreas,ao longo do rio, a militares e famílias nobres, sendoessas áreas ocupadas sob a forma de sesmarias. Noinício, grandes proprietários criavam gado e ospequenos desenvolviam atividades de subsistência.Entretanto, de modo geral, todos plantavam cana-de- açúcar, o que culminou com a instalação degrandes usinas açucareiras e de álcool ao longo dorio Cuiabá, em um período que se estende até cercade 1930. Com a criação do Instituto de Açúcar eÁlcool (IEA), em 1933, as usinas mato-grossensesficaram sem incentivo e a partir daí todos se voltarampara a pecuária extensiva. Então, os ribeirinhos

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dedicaram-se às atividades de subsistência com ocultivo de milho, arroz e mandioca e à pesca.Portanto, as comunidades ribeirinhas instaladas àsmargens do rio Cuiabá são dele dependentes emantêm estreitas relações com o mesmo, umavez que o rio é fonte de riqueza, conhecida evivenciada pelos seus membros, através dasgerações. Aliadas ao rio, as atividades que sedesenvolvem no meio terrestre têm também umasignificância, principalmente na alternância dasépocas de seca e chuva na região, sazonalidadeque remete para afazeres diferenciados. Nessecontexto ambiental, os saberes são produzidos erepassados, o que pode ser evidenciado atravésdo estudo realizado nas comunidades de MiguelVelho, Engenho Velho, Varginha, Poço e BarrancoAlto.

COMUNIDADES RIBEIRINHAS

Os ribeirinhos, seres humanos instalados às margensdos rios, desenvolvem, permanentemente, umaestreita relação com o ambiente, a qual manifesta-se numa intensa interação. Isso pode ser reveladoem diversos aspectos do cotidiano em relação àconservação do solo, da água, da fauna e da floraque caracterizam a condição sociocultural dascomunidades tradicionais. O fato de ocupar amargem do rio Cuiabá possibilitou-lhes adaptaçõesàs condições ecológicas existentes. Nesse sentido,de acordo com Tuan (1980), uma estreita relaçãoinclui os laços afetivos dos seres humanos com omeio ambiente. E é exatamente isso o que ocorrequando se analisa o locus de vivência dascomunidades ribeirinhas instaladas às margens dorio Cuiabá.O rio Cuiabá, importante recurso hídrico com maisde 800 km, sofre transformações marcadas porépocas de enchente/cheia, vazante e seca. Duranteo período de estiagem as águas do rio colocam-sedentro dos limites e, nas chuvas, os campos e asmatas são alagados gerando ambientes riquíssimos.

É nesse contexto que são constituídos os ciclos devida da ictiofauna, formada por mais de 150 espéciesde peixes conhecidas. Atualmente as comunidadesribeirinhas enfrentam o desafio do desenvolvimentoprodutivo e predatório.O “sustentável” ser ia tratar-se de at i tudesconservacionistas para que, provavelmente,tivéssemos um manejo adequado, o que garantiriaos recursos naturais às gerações futuras. Nosdepoimentos colhidos junto aos pescadores dascomunidades, é necessário reconhecer que, namesma abordagem apresentada por pessoasdiferentes, surgem diferenças, pois se referem à visãodo mundo de cada uma, embora pertencentes auma mesma categoria social.O ribeirinho pescador herdou muito dos costumesdos índios que habitavam a região e, como nãopoderia deixar de ser, a arte de pescar, com seusmodos peculiares. Depois, com a imigração,principalmente do nordeste brasileiro, os costumesde pescar foram passando por transformações, queinterferem no modo tradicional de pescar, nosinstrumentos utilizados e nos objetivos da pesca.No início da ocupação os ribeirinhos praticavamuma pescaria literalmente de subsistência. Hoje, apesca representa, além da subsistência, umapossibilidade de produção. O peixe não tem “casa”fixa no rio, vai e volta rio acima, rio abaixo, sendoas baías seu criatório natural. Quando o rio estácheio, a água suja e barrenta, o peixe começa asubir o rio para desovar, saltando sobre a água,fazendo acrobacias no ar, um espetáculo: é apiracema. Na subida, os peixes quase não comem.Quando chega entre os meses de maio e junho,pequenos peixes como lambari, tuvira, traíra ealevinos de outras espécies começam a sair das baíasem direção aos rios; aves, como garça e tuiuiú, eos peixes grandes se concentram nessas áreas àespera das presas, fazendo um enorme barulho,constituindo um fenômeno conhecido no pantanalcomo “lufada”. Outro fenômeno, porém, agoranocivo, é a “diquada” entendida pelos pescadores

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como a morte de grandes quantidades de peixes(toneladas) pelos agrotóxicos das lavouras e pelacinza das queimadas, que ocorrem na região nesseperíodo, carreando para a água, matando os peixespor asfixia. Para os pescadores, a ameaça de extinçãode espécies passa pela pesca criminosa, feita comredes e tarrafas; captura de peixes em quantidadesque não permitem a sua renovação e crescimento;o desmatamento das margens dos rios, que destróiáreas marginais de alimentação da ictiofauna,provocando erosão e assoreamento; poluição daságuas dos rios por esgotos das cidades, defensivosagrícolas carreados pela enxurrada para os rios,corixos e baías; turismo descontrolado cominstalações de cevas utilizando, inclusive, soja, alémdo milho.Com a abundância da madeira de lei nas matas daregião, os pescadores derrubavam grandes árvores,escavavam e construíam canoas de um tronco só,de cambará, ximbuva ou cedro. O Sr. AtaídePereira Leite diz que aprendeu a construirembarcações por necessidade. Como o único meiode transporte era a canoa e ele não tinha comocomprar e muito menos sabia construir, procurouaprender. Para isso, procurou um compadre eajudou-o na construção, até que dominasse atécnica. Em seguida, procurou fazer a sua, o quelhe proporcionou maior liberdade para se deslocarna região e o prazer de poder ter construído elepróprio sua canoa.A maioria de suas casas é de adobe. Existem poucasde madeira, sendo todas de frente para o rio.Muitas propriedades foram e estão sendo vendidaspara proprietários “de fora” da comunidade, queas transformam em chácaras de lazer.As contínuas trocas nas comunidades são evidentesnos diferentes materiais de construção utilizados, nasantenas parabólicas presentes em algumas casas, nainstalação de pequenos restaurantes, principalmentepeixarias, no telefone público que nem semprefunciona, mas que possibilita a comunicação dascomunidades com outras partes do mundo.

A população está formada por uma mistura depescadores e agricultores. Freqüentemente osagricultores se ocupam cultivando uma área decerrado, terreno áspero que, com freqüência, rende.A maioria é de subsistência, principalmente complantações de mandioca, milho e feijão. Empequenas propriedades plantam o quiabo que écomercializado nas feiras mais próximas dacomunidade, em Santo Antônio de Leverger oumesmo em Várzea Grande.Entretanto, a maioria constitui-se de pescadores,com sua ocupação principal: a pesca. Comfreqüência têm as duas aptidões: pesca eagricultura. As mulheres, em geral, são donas decasa, criam animais domésticos, ajudam nostrabalhos do campo, auxiliam na moenda de cana,são responsáveis pela produção caseira de doces(mamão, caju e outras frutas regionais e locais) e,principalmente, são responsáveis pela educaçãodos filhos e por tudo da casa.As comunidades possuem, obrigatoriamente, umaescola, sendo esse o instrumento mais importantedas mesmas, que pode ser estadual ou municipal,oferecendo as séries iniciais, o ensino fundamentale o médio. Algumas comunidades possuemprogramas especiais como creches, supletivo, ouaté mesmo classes de aceleração que sãoalternativas de recuperação. Aparentemente, asescolas funcionam bem. Existe, informalmente,uma associação de pais que se ocupa damanutenção física da escola, atuando, também, naorganização de cursos, festas, quermesses e outroseventos lúdicos, discutidos e aprovados nasreuniões.As possibilidades de emprego na comunidade sãol imitadas e são comuns famíl ias grandes,constituídas por cinco ou mais crianças. Apopulação experimenta certa migração, porém,também chegam famíl ias às comunidades,procedentes de áreas vizinhas ocasionalmente dazona urbana das cidades próximas. Muitas famíliasmigram para a capital principalmente para que seus

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filhos possam estudar. Entretanto, muitos que estãohá mais tempo fora, freqüentemente mantêm seuslaços com seu povo e regressam para assistir àsfestas para as quais exigem-se contribuiçõesmonetárias. Algumas das construções melhores emais recentes dão às comunidades uma aparênciade maior riqueza e oportunidades econômicas. Amigração é produto de escassez de emprego e dasbaixas condições econômicas que caracterizam azona rural ribeirinha.É nesse universo marcado pela pujança daenormidade da área e alta produtividade pesqueiraque órgãos oficiais como a Fundação Estadual doMeio Ambiente (FEMA) e o Instituto Brasileiro deRecursos Naturais e Meio Ambiente (IBAMA) atuamatravés de toda uma normatização paraaproveitamento racional da bacia do rio Cuiabá.O discurso de uma sociedade sustentável baseia-se, constantemente, na conservação da fauna e daflora, descrevendo os instrumentos de pescainadequados, comportamentos predadores efenômenos que provocam desbarrancamento eassoreamento dos rios, poluem as águas, comoesgotos, mercúrio dos garimpos, espéciestransgênicas e agrotóxicos.Sempre fica no discurso ou no desrespeito àsnormas estabelecidas, com prejuízos para aquelesque vivem da pesca e beneficiando aqueles quetêm o capital como objetivo principal: os frigoríficospesqueiros.O pescador turista, que também aparece comexpectativa de trazer benefícios para o estado, atuacomo agente prejudicial. No entanto, não se viabilizaqualquer reação visando a coibir os abusos cometidospelo turista, tais como, desrespeito às comunidadesribeirinhas tradicionais, o lixo deixado no rio, ostranstornos advindos do tráfego dos carros, desleixo,o rejeito de espécies após a captura e a própriaconcorrência com os pescadores ribeirinhos.O ribeirinho pescador enfrenta a legislação pesqueiraque é feita sem ouvir as pessoas da região, resultandoem decretos, portarias e resoluções que não

atendem aos interesses dos pescadores nem doambiente.O senso de liberdade e irreverência de que sãodotados os pescadores parece um fator que estápresente no relacionamento entre os pescadores ea própria fiscalização. A ação da fiscalização é deautoritarismo, superioridade respaldada no poderdo Estado, agindo, na maioria das vezes, de formarígida, criando uma relação de temor no seio dospescadores profissionais, quando de sua ação. Suaatuação é de reprimir e proibir a pesca predatória,com a utilização de redes, tarrafas, o uso do espinhel,entre outros.Antes de reprimir, deveria existir uma tentativadas Inst i tu ições Governamentais de criarprogramas de Educação Ambiental. Mas o que seconhece são estratégias provavelmente a médioe longo prazo e verif ica-se que, na grandemaior ia, a captura de peixes é fe i ta cominstrumentos proibidos, como redes, tarrafas,espécimes fora das medidas estabelecidas,espinhel etc.De toda forma, as comunidades ribeirinhas dorio Cuiabá aí se desenvolveram e permanecemcomo verdadeiras testemunhas das modificaçõesque, gradativamente, foram acontecendo naregião. Apesar de tudo, são fortementeimpregnadas de uma sabedoria que só se adquirena convivência com elementos que são comunsna sua história. Elementos que permeiam ocotidiano dessas comunidades e que remetempara uma preocupação com a continuidade dasmesmas, das suas divers idades cultura is,biológicas, socia is e também do processoeducativo que se instala e proporciona uma visãode mundo centrada nas suas mais diferentesmanifestações, quer sejam em sala de aula comofora dela. O interessante é que reconhecem,mesmo que não explicitamente, a importância doaprender e do continuar a existir. Reconhecem asua própria importância e da identidade al iconstruída.

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LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DASCOMUNIDADES ESTUDADAS

As comunidades de Miguel Velho, Engenho Velho,Varginha, Poço e Barranco Alto encontram-selocalizadas à margem esquerda do rio Cuiabá, nomunicípio de Santo Antônio de Leverger, num trechode, aproximadamente, 40 km. Chega-se até àscomunidades através de estradas vicinais, sem asfalto,das rodovias MT- 301 (rodovia Palmiro Paes deBarros) de Cuiabá a Santo Antônio de Leverger eMT- 040 (rodovia Bernardo de Oliveira) que ligaSanto Antônio a Barão de Melgaço.As coordenadas geográficas foram obtidas peloSistema UTM (Universal Transversa de Mercator),elaborada a partir do levantamento de campo comauxílio de um GPS (Sistema de PosicionamentoGlobal) de navegação, modelo GARMIM e utilizandocomo referência carta na escala 1/100.000 FolhaSD.21 – Z – C – V produzida pela DSG (Diretoriade Serviços Geográficos) do Ministério do Exército,edição de 1975. Sendo, para Miguel Velho: E591.726 m – N 8.256.446 m; Engenho Velho:E 593.537 m – N 8.253.555 m; Varginha: E596.353 m – N 8.251.432 m; Poço: E 605.149 m– N 8.241.66 m e Barranco Alto: E 602.448 m –N 8.236.090 m.

As Comunidades de Miguel VAs Comunidades de Miguel VAs Comunidades de Miguel VAs Comunidades de Miguel VAs Comunidades de Miguel Velhoelhoelhoelhoelhoe Engenho Ve Engenho Ve Engenho Ve Engenho Ve Engenho VelhoelhoelhoelhoelhoAs comunidades de Miguel Velho e Engenho Velhoestão localizadas à margem do rio Cuiabá. Sãopovoados vizinhos, pertencentes a “Sesmaria dasFurnas” e estão intimamente ligados às suasorigens comuns (Figura 1). Constituem um únicoagrupamento humano, cujas casas estão linearmentedistribuídas ao longo das margens do rio, numaextensão de, aproximadamente, 5 km, distante cercade 12 km de um estrada vicinal, divisora dascomunidades, que a liga à Rodovia Palmiro Paes deBarros, esta ligando Cuiabá a Santo Antônio deLeverger, fazendo limites com as localidades deVarginha e Morrinho.

A comunidade de Miguel Velho conta hoje com 19propriedades onde residem cerca de 31 famílias.Sete propriedades pertencem a pessoas de fora; unsinstalaram tanques para criação de peixes, outrosaparecem nos feriados e finais de semana parapescarias. As instalações de uso comum existentes,a escola, o posto telefônico, a Igreja e o salãocomunitário, localizam-se na comunidade deEngenho Velho.A comunidade de Engenho Velho, detentora de umaárea menor, possui cerca de 24 propriedades onderesidem em torno de 34 famílias. Algumaspropriedades também permanecem fechadasdurante o ano.Todas as casas estão alinhadas voltadas para o rio.Além do próprio rio, o espaço em frente às casas é aprincipal área de circulação dos membros dacomunidade. Aí circulam pedestres, ciclistas,automóveis e animais. A água utilizada para todas asfinalidades é proveniente de um poço artesiano, porconsiderar atualmente a água do rio Cuiabá muitosuja e poluída. Todos possuem energia elétrica. Aocupação das comunidades nas margens do rioproporcionou aos ribeirinhos o desenvolvimento deculturas agrícolas no dique marginal, isto porque afertilização do solo se dá em conseqüência dosedimento carreado pelas enchentes. Por outro lado,as conseqüências têm sido desastrosas, uma vez quea cada ano suas margens são erodidas, perdendo solosférteis, aliado ao desmatamento da mata ciliar que acoloca sujeita à erosão. A comunidade, conscientedesse fato, tentou, sem êxito, alternativas para contera erosão. Recentemente, a Prefeitura Municipal deSanto Antônio de Leverger conseguiu, através de umrecurso federal, a construção de um barranco deretenção, no qual a comunidade coloca toda suaconfiança na garantia de segurar as margens do rioque avança sobre suas propriedades. Até hoje apopulação é constituída, basicamente, pelosdescendentes dos seus colonizadores, portanto,detêm o domínio da pesca, herdado dos índios, e daagricultura, herdado dos negros. Atualmente, na pesca

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Figura 1. Perfil esquemático da área das comunidades de Miguel Velho e Engenho Velho, município de Santo Antônio de Leverger,Mato Grosso.

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enfrentam situações de difíceis entendimentos,com forte constrangimento perante a fiscalizaçãoe a legislação vigente. Na época da seca ou dacheia, ainda é a pesca a atividade mais importantepara as comunidades. Na agricultura, orgulham-se por serem considerados produtores de quiabo.Como têm propriedades pequenas e problemasna disponibilidade de mão- de- obra, restringema área da terra a ser cultivada. De modo geral, éum trabalho familiar, em sua maior parte feitomanualmente, usando o aceiro em volta para serqueimado e para que o fogo não fuja ao controle.

A Comunidade de VA Comunidade de VA Comunidade de VA Comunidade de VA Comunidade de VarginhaarginhaarginhaarginhaarginhaO acesso para Varginha dá-se, principalmente, porcerca de 7 km da vicinal da rodovia Palmiro Paes deBarros, que liga Cuiabá a Santo Antônio de Leverger.(Figura 2). A região onde se encontra a comunidadede Varginha está nas áreas das Sesmarias de Itapeva(instituída em 1751, em nome de um fazendeiro)e a de Acurizal. A Lei no. 4200, de 16 de junho de1980, publicada no Diário Oficial do mesmo dia,cria o Distrito de Varginha no município de SantoAntônio de Leverger. Através de uma certidão doCartório do Primeiro Ofício da Comarca de Cuiabá,datada de 13 de setembro de 1983, registra-seque o Sr. Agostinho da Silva Nascimento é o seufundador, então com 83 anos, e seu filho ManoelGregório de Amorim, a primeira pessoa que nasceuem Varginha. Existe uma versão, recolhida de fonteslocais, de que a fundação deu-se pela ação de doisirmãos: Pedro Celestino da Silva e Agostinho deAmorim e o cunhado de ambos, Antônio Firminoda Silva, no final do século XIX. O núcleo centralde Varginha, segundo a classificação do IBGE (1990),pode ser enquadrado em aglomerados rurais“isolados”. Os aglomerados rurais “isolados”correspondem a formas de hábitat concentrado depopulação rural e, geralmente, reúnem um númeromínimo de serviços que servem como elementobásico de interação social. É uma comunidade quese diferencia das outras enfocadas pelas estruturassocioeconômicas, apresentando, entre outros, um

sistema viário mais organizado, escola de ensinofundamental e médio, sistema de água tratada eenergia elétrica. O sistema de ocupação dosposseiros de Varginha revela sua adaptação aoespaço natural, às margens do rio e ao cerrado.Encontra-se em uma situação privilegiada aoacompanhar a alternância das chuvas e das secas,chegando a ponto de possuir casas na beira do rio eno núcleo central. Atualmente, o núcleo centralirradia-se em todas as direções proporcionandoum crescimento basicamente de chácaras, comproprietários oriundos de Cuiabá e adjacências. Acomunidade possui uma forte visão políticapartidária, manifestada em diferentes momentos donosso contato, o que os mantém constantementeem disputa pelo poder.

A Comunidade de PA Comunidade de PA Comunidade de PA Comunidade de PA Comunidade de PoçooçooçooçooçoA comunidade de Poço está localizada a cerca de7 km da área urbana de Santo Antônio de Leverger eo núcleo central da comunidade é cortado pelarodovia não pavimentada que liga Santo Antônio aBarão de Melgaço, numa extensão de 500 m (Figura3). Em 1999, no núcleo central, existiam apenas12 propriedades, residindo em torno de 22 pessoas.É a comunidade mais alterada por fatores externos.Por estar assentada em área predominantementede cerrado, relativamente distante do rio, éribeirinha por depender deste. Os principais produtoscultivados sempre foram o feijão, o arroz e o milho.Seus membros sempre foram pescadores e extraíammadeira para construção de canoas, casas e carvão.Segundo fontes locais, a comunidade de Poço teriasido fundada por Manoel de Queiroz. Iniciou-se,principalmente, pela exploração na área de madeirascomo o cambará e a ximbuva, para construção decanoas, a fim de solucionar o problema do meio detransporte. A terra mantém-se entre seusdescendentes por muitos anos. Pessoas de foraentravam apenas através de casamentos com osmoradores locais. A grande maioria deslocou-separa outra comunidade, a de Praia de Poço, nasproximidades, pela dificuldade na aquisição de água e

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Figura 2. Perfil esquemático da área da comunidade de Varginha, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

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Figura 3. Perfil esquemático da área da comunidade de Poço, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

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facilidades na pesca. Atualmente, as famílias detêm odireito de posse de seus terrenos. A área está ocupadapor aglomerados de pequenos lotes familiares emtorno de 22 ha cada, voltada à produção agrícola,circundados por chácaras legalizadas pelo INCRA,com criação de gado e algumas chácaras de recreio.Pertence à comunidade uma baía localizada nasproximidades que, durante a cheia, comunica-sediretamente com o rio Cuiabá e na seca fica isolada.Por essa razão os moradores não utilizam suas águasque ficam paradas. Apesar de residirem em torno de22 pessoas, suas famílias são relativamente maiorese estudam e trabalham em Santo Antônio ou Cuiabá.Nos finais de semana, nos feriados e nas festividadesda comunidade, sua participação é obrigatória efreqüente. Todos os moradores são parentes. Nacomunidade são comemoradas as Festas de N. S.do Bondespacho, em duas etapas: uma em torno de07 de setembro e a outra em 13 de novembro e ade Santa Catarina, em 30 de abril, além da Festa doSenhor Menino, em 25 de dezembro. O Carnavaltambém é comemorado e é denominado CarnavalMolhado, coincidindo com as chuvas de janeiro efevereiro. Entretanto, o siriri e o cururu são as dançastradicionais.

A Comunidade de Barranco AltoA Comunidade de Barranco AltoA Comunidade de Barranco AltoA Comunidade de Barranco AltoA Comunidade de Barranco AltoA região onde se encontra a comunidade de BarrancoAlto pertencia à Sesmaria São João, da famíliaTapajós. Em meados de 1880, o Cônsul de SãoPaulo (nessa época, Mato Grosso pertencia àCapitania de São Paulo), atendendo à uma solicitaçãode um cuiabano da família Tapajós, fez-lhe umadoação por mérito. No documento da doação écitada uma área de 1800 ha, localizada à margemesquerda do rio Cuiabá e chamada de “SesmariaSão João”. Duas famílias, provavelmente antigosescravos, tomaram posse das terras e dividiram aárea que originou Santa Luzia e Santa Clara. Emconseqüência da forte migração, principalmente daBahia e da própria região e de uma elevada taxa decrescimento natural da população, as terras foramsucessivamente divididas no final do século XIX.

Cada família passou a dispor de um lote à margemdo rio, de 33 m de largura de frente por 700 m defundos. A maneira de ocupação dos moradores deBarranco Alto indica sua adaptação ao espaço naturalà margem do rio, apresentando um perfi lcaracterístico (Figura 4): ao longo de sua margemexiste uma planície que fica inundada na época dechuva e na seca, descoberta. No topo da planícieem uma área mais alta, encontram-se a estrada eas casas. Com o dinamismo do rio, aliado à retiradada mata cil iar, a comunidade vem sofrendoconstantemente com o desbarrancamento, o quetem feito a transferência de suas casas, recuandojuntamente com a estrada de acesso à comunidade.No começo do século XX havia cerca de 20engenhos. Os mais antigos declaram que plantavamprodutos alimentícios para subsistência, em regimede rotação de terra e com queimada, sendo que aprodução era determinada pela alternância dasépocas de chuva e de seca. Em função da inundaçãoda baixada, na época da chuva plantavam-se arroz,cana e milho, em pequenos lotes próximos aoquintal. Na seca, a cultura era de batata-doce efumo, localizada na encosta das margens, nobarranco, chamado de “plantio de praia”. Além dosprodutos alimentícios, a maioria das famílias plantavacana-de-açúcar para a produção de rapadura.Também se criavam galinhas, porcos e gado. Nosquintais, diversas fruteiras são plantadas, servindocomo complemento alimentar. Entretanto, na épocada seca, a pesca recebe importância maior: umaparte da pesca é para consumo e o restante, vendido.Ainda, o peixe é armazenado em grandes cestoschamados de jacás, colocados nas margens do riopara conservar a pesca. As famílias ainda sãocaracterizadas por uma rígida divisão de trabalho.Enquanto o homem pesca e depois vai à roça, amulher cuida das crianças, da casa e dos animais. Aprodução de rapadura começa de madrugada.Dependendo do sexo e da idade, os filhos passam aparticipar das diversas atividades. Atualmente, acomunidade possui cerca de 55 habitações onderesidem cerca de 42 famílias. Muitas permanecem

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Figura 4. Perfil esquemático da área da comunidade de Barranco Alto, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

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fechadas durante um período do ano, por seremde propriedade de pessoas de São Paulo, MinasGerais e Cuiabá, para que, nos períodos de fériasescolares e feriados, possam fazer suas pescarias.Na maioria, as pequenas propriedades de terraparticipam de um sistema de parcela familiar ondemoram vários irmãos com seus filhos e cônjuges.De uso comum, além do rio, existe um centrocomunitário, uma escola e uma Igreja Católica. Emtermos de organização social tem-se um Clubede Mães, uma Associação de Moradores e umClube de Pesca. Também existem alguns “bolichos”ou pequenos comércios onde se vendem,principalmente, bebidas como água, refrigerantes ecervejas. A comunidade é servida de energia elétricae estrada, o que a coloca mais próxima dosacontecimentos da sede do município, da capital edo país. Por outro lado, é o acesso facilitado pelaestrada que possibilita o deslocamento de um grandenúmero de pessoas alheias à comunidade para asmargens do rio, para a prática da pescaria,principalmente nos feriados e finais de semana. E ésomente essa estrada não pavimentada que chega àcomunidade e transforma-se em uma única via deacesso, margeando o rio e as casas dos moradorespor cerca de 5 km, distante 12 km da rodovia queliga Santo Antônio a Barão de Melgaço.

AS ESCOLAS NAS COMUNIDADESRIBEIRINHAS

As escolas das comunidades estudadas estãolocalizadas na zona rural, são mantidas pelo poderpúblico e atendem populações de poucos recursoseconômicos. A visão que os ribeirinhos têm sobre aescola remete para contextualizações acerca doprojeto político-pedagógico de uma escola ruralvoltada para os interesses da comunidade. Tratar deescolas em comunidades ribeirinhas é, antes detudo, um aprendizado que se renova, é tambémbuscar desvendar o significado e a importância queelas têm para os membros dessas comunidades,especialmente quando revelam aspectos interessantes

do cotidiano escolar, vivenciado ao longo do tempoe de nuanças da própria sustentabilidade ambiental.A escola apresenta-se como um forte instrumentoa ser mantido, posto que se encontra implantada emum ambiente onde a valoração atribuída a ela éeminentemente de caráter formal e educativo.

RRRRRealidade e Pealidade e Pealidade e Pealidade e Pealidade e PossibilidadesossibilidadesossibilidadesossibilidadesossibilidadesNas escolas estudadas das comunidades ribeirinhasde Miguel Velho, Engenho Velho, Poço, Varginha eBarranco Alto, às margens do rio Cuiabá, em SantoAntônio de Leverger, ocorre uma situação muitocomum com os alunos: como as áreas rurais estãosendo transformadas em pequenas chácaras, sítiose fazendas de proprietários residentes na zonaurbana, necessita-se de pessoas, caseiros, paraadministrar e zelar pelo patrimônio. Nesse sentido,famílias se deslocam de outras regiões, sempreacompanhadas de filhos em idade escolar. A funçãopode ser transitória, ocorrendo evasão, reprovaçãoe transferências que são prejudiciais ao processo doensino-aprendizagem dos alunos. Os pais dosalunos possuem um baixo nível de formaçãoacadêmica. Muitos são analfabetos. Um dadoimportante é que todos os pais esperam que seusfilhos completem a educação primária. A grandemaioria gostaria que seus filhos continuassem naescola, porém as dificuldades são reconhecidas,devido à sua situação econômica. Atualmente, adistância de suas casas até a escola não tem sidofator de desinteresse pelos estudos. Outros fatoresdevem ser considerados, como, tamanho da família,ordem de nascimento, problemas de saúde enutrição, estrutura familiar e ausência de pais, tempogasto para trabalhar ajudando a família, dificuldadesde aprendizagem e ano escolar interrompido. Amaioria das mães é quem orienta os filhos nas tarefasescolares. Muitas mães são semi-analfabetas e nãoconseguem ajudar nas tarefas escolares. Entretanto,dão importância para o aproveitamento de seusfilhos e destinam um tempo para esta atividade. Pormais que o pai esteja presente, por não ter muitapaciência, sua contribuição é muito reduzida. Isto

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porque é importante soletrar. Concluída a tarefa,os filhos estão disponíveis para brincar, assistirtelevisão e outros entretenimentos. À noite, toda afamília janta reunida. As mães acreditam que seusfilhos têm de estudar para conseguir um bomemprego. Hoje em dia, somente o 1o grau não valenada. Mencionam que o estudo influencia até paranamorar e casar. Para os meninos e as meninas, ovalor da escola para conseguir melhores empregostem a mesma importância. As mães comentam quea situação econômica atual exige que as mulherestambém se preparem para que, posteriormente,possam trabalhar e contribuir para a renda familiar.Algumas ainda afirmam que a educação escolar éimportante para os meninos, por serem os esteiosde suas famílias e para as meninas, com a finalidadede não dependerem de seus maridos. Os paisapontam alguns aspectos problemáticos para queseus filhos possam ser aquilo que idealmenteimaginam, como a situação econômica, as máscompanhias e a falta de habilidades de seus filhos.Para resolver essa preocupação reforçam anecessidade de seus filhos freqüentarem as escolas,aconselham para que se comportem bem e dãoexemplos sobre a vida do pai e da mãe. Como jámencionado, as mães são as que têm maior contatocom os filhos e são responsáveis, em primeirainstância, pela sua educação. Elas passam mais tempocom eles e enaltecem os benefícios da educação edas competências como caminho para a superaçãoeconômica. O aspecto econômico, juntamentecom uma vida menos sacrificada, é enfatizado pelasmães e serve de motivação para os filhos. Entretanto,é patente que os pais querem que tanto os meninosquanto as meninas continuem estudando. Os paisapontam profissões curtas e técnicas como meiomais propício à realidade rápida e segura de ganhara vida. Expressam o desejo de os filhos obteremum título universitário, mesmo enfrentando a faltade recursos econômicos. Em alguns casos estãoconscientes de que o matrimônio podeinterromper ou dificultar a continuidade dosestudos de seus filhos. Um elemento muito forte

que determina o grau de aproveitamento escolaré a expectativa dos pais sobre o futuro de seusfilhos. As aspirações de seus pais são uma boamedida de prognosticar o êxito ou fracasso de seusfilhos, assim como os objetivos são estabelecidos amédio e longo prazo. Os pais consideram que aeducação, hoje em dia, é tão importante para oshomens como para as mulheres, porque énecessário que ambos contribuam na economiafamiliar. Para as mulheres, a educação tem um valoradicional por ser uma opção para enfrentar a vidacaso, futuramente, seus maridos as maltratem,tenham que se separar ou sejam abandonadas. Aeducação aparece como uma real possibilidade deliberação frente ao papel passivo que as mulheres,tradicionalmente, tinham entre a população. Assim,deve-se destacar a importância da participação dospais para a solução de problemas educacionais,como acompanhamento cotidiano de seus filhos àescola, estímulo na aprendizagem, relacionamentodo conhecimento com a vida prática.

Instrumento de SocializaçãoInstrumento de SocializaçãoInstrumento de SocializaçãoInstrumento de SocializaçãoInstrumento de SocializaçãoPor serem de comunidades ribeirinhas, os alunossão filhos de pescadores e de pequenos agricultores.Unânime é o pensamento dos pais, crianças eprofessores de que a vida na cidade é melhor doque no campo. Isto é reforçado pelos pais,professores e membros da comunidade,entendendo que é obrigação e necessidade ir àescola, o que possibilitaria o seu deslocamento paraa cidade. Isso é reforçado, também, pelo programadesenvolvido no cotidiano da escola. Assim é que,nela, professores e alunos relacionam o saber coma importância do valor dele para a vida prática efutura. Por um lado, os alunos enaltecem o trabalhodas professoras, reconhecendo seus valores, esforçose dedicação, e os professores acreditam que oaprender a ler e escrever representa um resultadoconcreto por parte dos alunos. Desse modo, cadacomunidade tem participação na escola, entendendoque, como afirma Therrien (1993), “a luta pelaescola é a luta por saber.”

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Damasceno (1998), na busca das relações entremovimento social e a escola no campo, partindoda prática social e educativa dos camponesesassentados, integrantes do MST do Nordeste, aponta“o saber como um mosaico de contribuiçõesvariadas e discordantes entre si”. Esse saber, jáenfatizado por Damasceno (1995) “mantémrelações, sendo, portanto, parte de sua cultura eum instrumento, ainda que precário, no processode construção de sua identidade social”.A presença da escola nas comunidades abre novoshorizontes e mesmo o desejo de elevar o nível deaspiração de seus componentes, os quais entendemque aprender é o mais importante na escola.Remetem para ela a responsabil idade pelasmudanças de atitudes e comportamentos, mesmosendo de forma elementar e até mesmo agressiva.Os alunos atribuem uma positividade à escola: elamudou suas vidas porque aprenderam.A declaração colhida neste estudo é de que a escolaé um prazer, não uma necessidade, ao mesmotempo que mostra as contradições e ambigüidades,e revela a dialética da autoridade e da liberdade.E vai mais além: porque aprender é a forma que aescola influencia na vida das pessoas. No seu mundo,ela representa, ainda, o único meio de acesso àinstrumentalização da leitura e da escrita.No entanto, para os alunos, quem não a freqüentaé mau, analfabeto. “Na verdade ela configura-sedesse modo porque expressa uma realidade sociale política que define de antemão, implícita erestritivamente, os limites do ensinar e do aprender”(GATTI; DAVIS, 1993). Diante da expressão ouvida“quem freqüenta a escola muda para melhor seujeito de ser”, acenam-se as possibilidades demelhores condições de vida.A escola do meio rural, atendendo às aspirações eao deslumbramento da população com o meiourbano, afasta-se do seu objetivo integrador,estimula a troca de valores e, o que é mais drástico,desvaloriza o seu saber. Isto é ressaltado pelas

palavras dos alunos quando afirmam que “a educaçãoda escola é mais importante que a da família, porqueaprende e estuda”. O fato de alguém ter passadopor ela não implica, necessariamente, que será omais qualificado e viverá melhor na comunidade. Ocontrário também pode ser questionado. Isto porquea escola, até então, não permitiu que o conjuntodos saberes acumulados seja desenvolvido etrabalhado nos seus conteúdos curriculares.“A leitura e a escrita das palavras, contudo, passa pelaleitura do mundo. Ler o mundo é um ato anterior àleitura da palavra. O ensino da leitura e da escrita dapalavra a que falte o exercício crítico da leitura e dareleitura do mundo é, cientificamente, política epedagogicamente, capenga” (FREIRE, 1994).Outro aspecto interessante a ser considerado é queeles acham que tanto a família quanto a escola sãoeducadoras, só não conseguem diferenciá-las. Asreferências à família são reveladas pela função exercidana comunidade, onde ela adquire um entendimentosobre o saber social e a organização da comunidade.Mesmo com esse entendimento, pairam dúvidas navalorização da família e da escola, pois acreditam queambas possuem responsabilidades próprias.Considerando o grau de participação de pais e mãesna educação dos filhos, cabe às mães essa tarefa.Tanto nos Conselhos Deliberativos como noscursos de Aceleração a participação das mães éunânime. Somente alguns pais part icipamaconselhando os filhos a que obedeçam as suasmães ou compartilhando do processo. Dessaforma, as mães preocupam-se com as avaliaçõesrecebidas pelos filhos. Quando essas se apresentambaixas procuram ajudar, apoiar e ver o que estáacontecendo com a criança, reforçando anecessidade de estudar mais. Se, por outro lado,recebem uma nota alta, todos aplaudem ecumprimentam.A repetição é freqüente, poucas inferências podemser feitas através das estimativas verificadas.Entretanto, é possível, através de análise, identificar

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algumas razões pelas quais as taxas de repetiçãopodem ser subestimadas. Por exemplo, osprofessores podem exigir que alguns alunos repitamo ano mesmo que tenham sido aprovados, e istonão aparece nas estatísticas da escola. Outros alunospodem ser considerados evadidos durante o ano,porém, podem voltar a ingressar no sistema escolar.Contudo, os alunos são categóricos em afirmar quea escola é o local onde o processo de aquisição doconhecimento é o fator mais importante. Dessemodo, é atribuída a ela a satisfação de ter aprendido.Aliado a esse desejo, através de um forte sentimentode esperança, eles procuram desenvolver uminteresse em estudar, que lhes garantirá um sucessona vida, podendo com isso alcançar o meio urbanoe todas as vantagens que a tecnologia modernaoferece.Através de uma visão subjetiva, os pais acham queseus filhos têm aprendido na escola, acreditando queo que nela se ensina são conhecimentos quepoderão dar aos alunos condições de vida na cidadee que os próprios pais, por não possuí-los, nuncapoderiam transmitir. Entretanto, julgam que em casaseus filhos recebem educação, demonstrando o seuconceito de educação que envolve as relaçõesfamiliares, crenças, religião e cultura, veiculadas noseio da família. Nesse sentido, na análise feita,escola, família e demais relações manifestadas nascomunidades complementam-se, mesmo que issonão seja percebido e entendido pelos pais, quandoseparam os atributos de cada segmento.Na busca de uma qualidade de vida diferentedaquela de seus pais ou dos outros membros dacomunidade, os filhos (alunos) acreditam que o queaprendem na escola serve para a sua vida. Dessaforma, a escola lhes confere o passaporte para aautonomia, com o significado de que agora estãoaptos para resolver tanto os seus problemas mínimoscomo os dos pais. O que aprendem na escolaoportuniza o direito na participação das relaçõessociais da comunidade. De toda forma, sãolevados pelos pais a valorizar a importância do

conhecimento escolar para que possam ter uma vidadigna. Assim, os pais acham que o que é ensinadona escola é o que acontece na vida. Preti et al.(1988) refutam afirmações dessa natureza,enfatizando que: “A própria escola adota umcurrículo não confessado, composto de hierarquias,regras, expectativas, valores, disciplina que devemaprender etc. e que se choca muitas vezes com aexperiência do dia-a-dia da criança.”Entretanto, também os seus pais acham que a escolaé boa. Por quê? Acreditam que de alguma forma acriança está recebendo conhecimento e é isso queé primordial. Que parâmetros os pais utilizam paraavaliar o que é uma escola boa? Não os têmpropriamente definidos, porque a sua maioria nãofreqüentou a escola. O que os alunos imaginam e oque observam vai de encontro ao que seus paisjulgam que a escola é organizada. Uma escola limpa,arrumada, arejada, onde seus filhos usufruem dessebem e que de alguma forma privilegia-os e elitiza-os. Isso reforça para que os pais os incentivem acontinuar a estudar. Referem-se à localização daescola como boa, assim como a higiene e a limpeza.Enfim, afirmam que as condições no prédio escolarsão boas.Os alunos reforçam novamente que o ensino daescola é bom. No entanto, são apenas representaçõesde crianças que aprendem através de um processoseu, próprio, resultante de interação de novas idéiascom as já existentes na sua estrutura cognitiva.A afirmação de que a escola serve para aprender epara formar já denota o valor que lhe atribuem,reconhecendo na escola um meio de “subir na vida”.Desse modo, não conseguem detectar falha algumana escola e revelam que nela não falta nada,dificultando uma visão crítica da educação escolar einduzindo ao conformismo.

FFFFFuncionamento das Escolasuncionamento das Escolasuncionamento das Escolasuncionamento das Escolasuncionamento das EscolasPara as comunidades de Miguel Velho, EngenhoVelho, Varginha, Poço e Barranco Alto, a localizaçãoda escola, a higiene, a limpeza e as próprias

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condições do prédio são boas. Também considerambom o ensino oferecido pelas escolas aí instaladas.Isso porque atende à função da escola nacomunidade ribeirinha que tem como objetivoprincipal a função de ensinar a ler, escrever e contar.As escolas de Miguel Velho, Engenho Velho eVarginha são de responsabilidade da Secretaria deEducação de Mato Grosso e a do Poço e BarrancoAlto são ligadas à Secretaria de Educação domunicípio, a qual oferece orientação e treinamentoàs professoras, fornece material didático, caderno,lápis, borracha, livro para os alunos e material delimpeza para a escola. A Secretaria destaca umaCoordenadora para todas as rurais do município,com a função de supervisora. Quando necessário,ela a visita. Assim sendo, são as professoras quedirigem a escola. O boletim é preenchido pelaspróprias professoras e no final do período letivo elaso encaminham para a Secretaria, sendo assinadopelo Secretário de Educação e entregue aos pais ouresponsáveis pelos alunos. Normalmente, oconteúdo programático é definido no início do anoletivo, quando os professores da Rede Municipalparticipam de um curso, durante uma semana, noqual recebem orientação, treinamento e atualização.As professoras apontaram muitas dificuldadespedagógicas para trabalhar os conteúdos. Entretanto,são criativas e preparam atividades como montagemde textos, exercícios dirigidos, entre outros. Ainstrumentalização tem sido o desafio dessas“valentes” professoras que, com criatividade eadaptações, conseguem estimular e desenvolver oconteúdo programático. Utilizam caixinhas variadas,tampinha de cerveja e papelão. O trabalho oral éfeito com interpretação de texto. Para a alfabetização,produziram um baralho, com uma seqüênciaalfabética. Trabalham, ainda, com dobradura,montando cachorro, gato, pássaro, flor, entre outros.As crianças/alunos acordam e se levantam por voltadas 6:30 horas durante os dias que têm aulas naescola. Tomam banho, escovam os dentes e sevestem. Não são todos que possuem uniformeescolar. Alimentam-se pela manhã com mate ou

chá, leite ou café e, às vezes, até comem ovo degalinha. As mães procuram sempre oferecer frutas,porque eles gostam. Na escola existe um lanchereforçado.Nenhuma dessas crianças trabalha fora ou realizaqualquer afazer doméstico no período matutino. Vãoà escola caminhando, de bicicleta, de canoa ou atémesmo de transporte escolar. No final da manhã,após o término das aulas, regressam às suas casas.Como as distâncias de suas casas à escola sãorelativamente longas, costumam gastar cerca de 20a 40 minutos para chegarem aos seus lares. Aí, vãoalmoçar. Depois do almoço, descansam umpouquinho e ajudam suas mães nas tarefasdomésticas, como lavar e dar de comer aos animaisde criação.No contexto da realidade escolar, é importanteregistrar o universo de alunos matriculados nosúltimos 10 anos, nas escolas das comunidades deMiguel Velho/Engenho Velho, Varginha, Poço eBarranco Alto (Quadro 1). Uma análise global doQuadro I evidencia mudanças a partir de 1996, oque se deu, provavelmente, em razão da Lei Federalno. 9.394, de 20/12/96, Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional, a qual destaca que “aeducação básica (composta pela educação infantil,ensino fundamental e ensino médio) tem porfinalidade desenvolver o educando, assegurar-lhea formação indispensável para o exercício dacidadania e fornecer-lhe meios para progredir notrabalho e em estudos posteriores”. Contudo, essasituação não ocorreu de forma homogênea nascomunidades estudadas. Verif icam-se algumasdiferenças, como em Varginha, motivadas em funçãoda expansão do atendimento, do expressivoaumento do número de matrículas em todas asséries da educação básica, principalmente de 5ª a8ª séries e do crescimento sistemático deescolaridade da população, com programasespeciais. Por exemplo, além dos turnos diurnos,no período noturno a escola é responsável pelosprogramas do Supletivo e de Aceleração de 5ª a 8ªséries. Um outro fator que pode ter contribuído,

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significativamente, foi a manutenção pela Prefeiturade um transporte coletivo, que possibilita quemembros de outras comunidades possam tambémestudar em Varginha.

O USO DA BIODIVERSIDADE NASCOMUNIDADES

Nas comunidades estudadas, o uso da biodiversidadeé evidenciado em diferentes momentos docotidiano, onde aparecem elementos componentesda flora e da fauna regional, impregnados noconhecimento dos membros dessas comunidades.Esse conhecimento é externado constantemente,aliado a outros, como do solo, do plantio, dasculturas, da pesca etc., que inf luenciam nabiodiversidade da região e no seu conseqüenteuso.

Miguel VMiguel VMiguel VMiguel VMiguel Velho e Engenho Velho e Engenho Velho e Engenho Velho e Engenho Velho e Engenho VelhoelhoelhoelhoelhoOs ribeirinhos de Miguel Velho e Engenho Velhodesenvolvem uma agricultura rotativa e reconhecemtrês tipos de solo, classificando-os como barro,areia e pedregulho. Essa classificação é calcada emcritérios de agregação, textura e plasticidade.

“Para plantar o nosso solo divide em 3 tipos: barro, areiae pedregulho. No barro planta arroz, milho, cana,quiabo e maxixe. Nós plantamos mais cana. Nopedregulho é mais mandioca, mas também dá melancia.Na areia plantamos mandioca, abóbora e maxixe. Amaior proporção é o barro”.

Utilizam essa classificação para selecionar as roças epara determinar as plantas mais propícias ao local. Adiversidade de plantas das roças de Miguel Velho eEngenho Velho contribui para a estabilidade do sistema.As roças não são numerosas e nem extensas e, acada ano, vários fatores atuam para a extinção daatividade: 1. Falta de programas assegurando ummercado. 2. Dificuldade de comercialização dosprodutos. 3. Técnicas agrícolas inadequadas. 4.Transferência e venda das propriedades transformandoem áreas de lazer. 5. Mudança para outras atividades.A adubação orgânica é feita utilizando foliço ecinzas, porém, a prática mais marcante é a dasqueimadas. Com isso, realizam a conservação denutrientes do solo, apresentando, entretanto,dificuldades na utilização de insumos agrícolas.Dizem que usam adubação química e defensivosagrícolas. Alguns até já fizeram cursos sobre essesprodutos, talvez pelo desconhecimento osagricultores não os utilizem.

“O adubo trabalha mais quando planta abóbora e quiabo.O pessoal ainda não sabe trabalhar com adubo. Eu fizcurso, achei interessante, só que o pessoal não usa,não sabe. Usa só adubação química. O pessoal aindausa queimada. O pessoal ainda não sabe que umaplantação de mandioca depende do terreno, dá paraplantar 3-4 anos seguidos no mesmo local. Umaplantação de cana dura de 10 a 15 anos só num local.O arroz planta no máximo 2 vezes, no mesmo terreno,depois planta outra coisa, cana e milho. Milho não temproblema. Batata-doce todo ano, principalmente nabeira-rio, todo ano é por causa que ela fica na beira-

Quadro 1. Número de alunos matriculados nas escolas das comunidades, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso,nos últimos 10 anos (1989 – 1998).

Ano Miguel Velho/ Engenho Velho Varginha Poço Barranco Alto

1998 42 282 22 331997 40 273 16 281996 38 54 21 311995 57 70 12 431994 53 22 09 391993 45 24 8 471992 42 35 8 281991 49 34 8 491990 39 30 13 441989 46 28 9 27

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rio é coberta pela água. Feijão aqui planta, uns plantapouco. O que o pessoal planta o tempo todo é o quiabo,o ano todo. Maxixe, abóbora é o ano todo,principalmente quem planta com irrigação.”

Aliado ao tipo de solo, o regime hídrico torna-seo principal fator para as atividades agrícolas. Aschuvas e as enchentes são parâmetros fundamentaispara a plantação. É sabido que o maxixe não gostade chuva e o quiabo gosta, já o feijão pode-seplantar a qualquer tempo.Como não utilizam insumos agrícolas, o conhecimentosobre o comportamento dos fatores ambientais queatuam na produção garante a possibilidade de seplantar, por exemplo, algumas culturas, observandosuas características. Então, o conhecimento decomo e onde se cultivar as plantas mostra umconservadorismo evidente em torno da introduçãode outras espécies.Em termos de verduras, sua cultura fica restrita àépoca da seca, à beira rio, com o cultivo de fumo,batata-doce, melancia e hortaliças. A comunidadeé bem arborizada com várias árvores frutíferas,incluindo mangueiras, l imoeiros, laranjeiras,cajueiros, um tipo de laranja do Pantanal: laranja -fantasma. No Quadro 2 estão listadas algumas dasfruteiras encontradas na comunidade.

Além de árvores frutíferas, há nos quintais plantasmedicinais e ornamentais. Algumas fruteiras não sãoplantadas pelas dificuldades com o excesso de água,como é o caso do mamão. “Mamão tem poucoaqui, é uma planta que não pode ir água no pé”.Outras são selecionadas e determinadas como maispropícias ao local. “Todas as casas têm bocaiuveiras”A localização da comunidade em ambiente ribeirinho,mas com vínculos econômicos que também aremetem todo o tempo aos ambientes de cerrado,permitiu um conhecimento etnoecológico maisamplo, e indica que esta população ribeirinha temuma grande resistência para as fruteiras característicasda beira do rio.

“As frutas têm bastante, lima, laranja, manga, caju, acerola,laranja fantasma. Tomate não planta, pimentão já tevebastante, hoje não tem mais. As frutas só nas residências.Na beira rio tem frutas bastante que o peixe gosta, maso pessoal não usa”.

Considerando os recursos faunísticos, o peixeassume extrema importância para as comunidadesribeirinhas. No médio rio Cuiabá, os peixes sealimentam, basicamente, do que a mata ciliarfornece: larvas de insetos, frutos, flores, folhas verdes,folhas e material em decomposição, fungos e outrosmicrorganismos. Além desses elementos, a dietainclui caranguejos, gafanhotos, peixes e detritos detoda natureza. Cabe acrescentar que parte da orlafluvial do rio Cuiabá é constituída de mata ciliar, ondesuas margens são periodicamente alagadas, sendono período da seca utilizada para o cultivo de culturasanuais. Em compensação, são esses justamente oslocais mais piscosos, porque neles se concentramos alimentos que a mata naturalmente fornece aospeixes. As práticas conservacionistas da comunidadede Miguel Velho e Engenho Velho restringem-se acapturar o peixe apenas para o próprio consumo enão para a venda. À semelhança do que ocorre naAmazônia, existe maior abundância de peixe porocasião das vazantes. Durante as enchentes, quandoa fauna aquática se espraia pelo igapó e se formamos paranás que o cortam, é mais difícil capturá-lo(RIBEIRO; KENHIRI, 1996). Na região do médio

Quadro 2. Algumas fruteiras relacionadas pelas comunidadesde Miguel Velho e Engenho Velho, município de Santo Antôniode Leverger, Mato Grosso.

Nome vulgar EspécieAbacate Persea americana Mill.Acerola Malpighia glabra L.Banana Musa paradisiaca L.Caju Anacardium occidentale L.Carambola Averrhoa carambola L.Coco Cocos nucifera L.Jabuticaba Myrciaria cauliflora L.Laranja Citrus auratium L.laranja fantasma Citrus sp.Limão Citrus limonum L.Mangaba Hancornia speciosa GomesPoncan Citrus sp.

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rio Cuiabá, durante a enchente, a fauna aquáticaestende-se pelas baías e corixos. Uma classificaçãodos peixes, que estabelece as diferenças, é aquelaque diz respeito à sua dieta alimentar. Existem osictiófagos como pintado, pacu, dourado e jurupoca,que comem os de menor tamanho, como tambémexistem outras preferências, conforme se observano Quadro 3.Outra importante distinção classificatória dos peixesé a baseada na reprodução. Peixes que desovamem migração são classificados no grupo “piracema”,como, pintado, pacu, curimbata e piavuçú. Os quepõem ovos sem migrar, isto é, os peixes moradoresdo rio Cuiabá, são dourado, jurupensen e jurupoca.No período de piracema, existe uma preocupaçãodisseminada na comunidade em relação a predação,julgada por eles mesmos:

“Hoje existe muita depredação, principalmente, naépoca da piracema. Hoje não tem consciência, soltauma rede, os próprios pescadores são os maioresdepredadores. 90% dos pescadores têm carteira depescadores. Abre a barriga do peixe está cheio de ova,não desovou, contra a lei. Pesca mais, não tem coisaruim, é a época que tem mais peixe. Ele não contentade pegar só um peixe, só para subsistência, ele nãocontenta, 90% têm carteira. Na época da piracema umpouco recebeu outros ainda não recebeu ”.

O hábitat dos peixes também é revelado através daobservação dos pescadores: o dourado só se encontrano rio, já o pacu, pintado e caxara, tanto no rio comona baía, ou seja, mais na baía. Reconhecem também

uma distinção entre peixe que pula e o que apenasnada. Os maiores dentre os que pulam são o douradoe a piraputanga. Existem também peixes diferenciados,segundo o nível da água na qual vivem, reconhecendoos que nadam no fundo do rio: o pintado, a jurupocae o piau. No meio do rio é o pacu e mais na superfície,na flor d’água, o dourado e a piraputanga. Os peixesfrugívoros, como, piau, piraputanga, pacu e pacupevacomem frutos e sementes de árvores, principalmenteda mata ciliar. Os frutos mais comuns utilizados comoiscas estão relacionados na Tabela 1.

Tabela 1. Algumas espécies mais comuns utilizadas como iscaspara peixes nas comunidades de Miguel Velho e Engenho Velho,município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

Nome vulgar Nome científico

Ingá Inga sp.Jenipapo Genipa americana L.Pinhão Jatropha gossypiifolia L.Roncador Mouriri guianensis AubletSara Celtis spinosa Spreng.

Quadro 3. Dieta alimentar de alguns peixes relacionados pelascomunidades de Miguel Velho e Engenho Velho, município deSanto Antônio de Leverger, Mato Grosso

Nome vulgar Itens alimentares

Botoado folhas verdesCurimba BarroDourado peixe menorJurupoca peixe menorPacu peixe menor, caranguejoPacupeva caranguejoPintado peixe menorPiraputanga peixe menor, caranguejotodos os peixes frutas

O peixe é a principal fonte de proteína animalconsumida pela comunidade. É também a proteínapreferida e a que exige mais tempo e talento criativopor parte dos ribeirinhos:

“A pessoa almoça se ela acha um peixe. Mais tarde elecome. Mais ou menos duas vezes: almoça e janta. Opeixe é um alimento bem leve. O peixe é mais frito,ensopado. Peixe de escama é assado, na brasa, no forno”.

Além do conhecimento da região em que ascomunidades de Miguel Velho e Engenho Velho estãoinseridas, os ribeirinhos têm consciência da limitaçãodo ambiente em que estão assentados. Sendo assim,eles produzem o suficiente para sua subsistência, masnão produzem excedente para não exaurir o meioambiente. Esse modo de produção está baseadonuma relação de reciprocidade entre o homem e anatureza. Para que o homem sobreviva é necessáriogarantir as outras formas de vida.

VVVVVarginhaarginhaarginhaarginhaarginhaA comunidade de Varginha encontra-se e sempreesteve em situação privilegiada por ter um espaço

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definido, das margens do rio Cuiabá até o cerrado, oque sempre proporcionou uma situação resolvidanos períodos de chuva e seca. Assim, tambémproporcionou um desenvolvimento mais amplo,com outras atividades, como a caça. Para acomunidade, a caça aos animais consistia tambémem um lazer. Sua prática foi uma atividade existente,predominantemente masculina, com uso deespingardas de espoletas. Diversos caçadores, àssegundas- f e i r as, perseguiam antas e porcosselvagens, os quais, depois de abatidos, eramrepartidos entre o grupo. Geralmente, os caçadorespossuíam um conhecimento sobre a mata e osanimais. Na medida em que eles adentravam à mata,observavam a localização das árvores em floraçãoou frutificação e utilizavam essa observação para suacaçada. Foi uma atividade que se extinguiu,provavelmente, devido à oferta de proteínas dadapelos peixes.

“Quando papai ia caçar, caititu, hoje que encontra maisé cotia. Na escola, aparece muito. Tinha costume decaçar anta, o pessoal saía, aquela turma na segunda-feira. Era segunda- feira, pegava e repartia. Saía e pegavaveado enorme, pulando, caititu”.

Essa atividade tornou-se impraticável com o passar dosanos. Primeiro, pela extinção dos hábitats e, em seguida,pelas alternativas viáveis que substituíram essas atividades.Seus praticantes passaram a adotar outro lazer ouesporte, bem como seu modo de vida atual não lhespermite tal atividade. Mesmo porque, atualmente, essaé uma atividade não permitida por uma legislação queprevê multas e punições pesadas, com base na Lei no.9.605, de 12 de fevereiro de 1998, Lei de CrimesAmbientais. Também, porque as atividades desubsistência dividem- s e entre a lavoura e a pesca. Aroça vem sendo desenvolvida pelos descendentes deagricultores antigos da comunidade. Na Tabela 2apresentam-se as principais plantações, assinaladas pelacomunidade, com seus períodos de plantio e colheita.Objetivando descrever a agricultura praticada pelospequenos produtores rurais da localidade deVarginha, no município de Santo Antônio de

Leverger, Amorozo (1996,1998) concluiu que oprocesso produtivo gira, principalmente, em tornoda cultura da mandioca e seu processamento, comoa farinha, atividade caseira tradicional, a qual sofreurecentemente uma “modernização” relativa e hojeresponde pela maior parte da renda dascomunidades.Então, pela localização da comunidade de Varginha,que está sob o domínio da formação predominantede cerrado, já muito alterado pela ação antrópicacontínua, suas atividades agrícolas de subsistênciaalternam-se com as praticadas às margens do rioCuiabá, no período da seca. Desse modo, identificamterra fraca, onde se encontram árvores que dãomadeira boa, as quais ressecam a terra como a aroeirae o angico, entretanto, não adequadas para cultivo.Terra fresca é boa para plantio. Mesmo assim, procuramadequar o cultivo ao tipo de solo, considerando a cordo solo, a umidade e a compactação.

“Os agricultores mostram ter um conhecimento muitodetalhado das técnicas utilizadas em todas as etapas docultivo: este conhecimento depende do grau deenvolvimento nos trabalhos agrícolas, do interesse ecuriosidade pessoais e também, por uma questão dotempo necessário para sua aquisição, da idade doagricultor individual”(AMOROZO, 1996).

Mesmo com os conhecimentos que essaspopulações possuem sobre o ambiente regional, elasestão sendo submetidas ao intenso processo demodificação de estratégias de exploração doambiente local. Ainda assim, é possível recuperarum grande repertório de conhecimentos sobre aflora da região, a qual é lembrada e traduzida pelos

Tabela 2. Principais plantações e seus períodos de plantio ecolheita na comunidade de Varginha, município de Santo Antôniode Leverger, Mato Grosso.

Cultura Plantio Colheita

Arroz outubro-novembro fevereiro-abrilbatata-doce setembro-janeiro dezembro-maioCana outubro-janeiro outubro-marçoFeijão outubro-março novembro-junhomandioca outubro-fevereiro setembro-fevereiroMilho outubro-novembro janeiro-abril

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mais antigos da comunidade com muito sentimento,como expresso nas palavras da Profa. Maria PedrosaSilva, que declara:

“Nesse matão não é encontrado um pé de siputá. Comoeu gostava. Como é difícil um pé de siputá. Ninguémsabe aqui. O que procura demais é a gariroba, aquelaverde. Às vezes até tem. Tem araçá, tem veludo, frutabem gostosinha, amarela, do cerrado; tem croado,maiorzinho que o veludo, amarelo, doce, tipo siputá,ninguém mais gosta. Marmelada de cachorro, marmeladabola. Fruta de veado. Coroa de frade é o croado”.

No Quadro 4 apresenta-se uma relação deespécies da flora citadas pelos moradores dacomunidade de Varginha. Os quintais constituem-se em outros espaços utilizados de muitos modos.É um espaço que tenta adequar a realidade dessacomunidade, interpretada em relação ao seu meioambiente e ao seu contexto social. Frente à utilizaçãomais eficiente dos limitados recursos e à busca desegurança, os moradores da comunidadedesenvolvem estratégias nesse espaço. Toda aorganização dos quintais tende à constituição dereservas. A escolha de plantas cultivadas estáfortemente relacionada com as condições climáticasque lhes são impostas. E aí se instala a associação devárias plantas e animais, como meio de valorizarum manejo baseado nos recursos próprios dapropriedade. Muitos são para o consumo familiar,outros para manutenção de outras atividades, comoa pesca. Não utilizam tecnologia, são simples e nãousam insumos agrícolas. A associação de váriasplantas no mesmo quintal é um meio de valorizar ediminuir os riscos, uma vez que se encontram maispróximas de seus cuidados. Envolve plantio,principalmente, de alimentícias e medicinais. Dentreas espécies encontramos fruteiras, ervas,condimentos e legumes. Percebe-se que aprodução dos quintais possibilita um sistema deintercâmbio e ajuda existente na comunidade e dasua função de regulação e coesão social.Nas comunidades ribeirinhas, percebe-se que aajuda de seus partícipes é uma garantia da

reprodução do grupo, por isso que a descendênciade um mesmo antepassado garante a união familiarmantendo uma coesão territorial, enfatizando acooperação e ajuda existente entre os membrosda comunidade. Os quintais de Varginha sãolembrados pelas plantas que ali existiam, comopode ser observado no trecho do depoimento:“Nos quintais, tinha laranja, manga, caju. Fazia doce.A comunidade tinha tradição de fazer doce. Decaju. Doce de mangaba. Muito trabalho. Todosmuito gostosos demais.” O Quadro 5 apresentaalgumas espécies vegetais encontradas nos quintaisde Varginha.

Quadro 4. Algumas espécies vegetais citadas pela comunidade deVarginha, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

Nome vulgar Espécie

Araçá Psidium araçaAroeira Myracrodruon urundeuvaBarbatimão Stryphnodendron adstringensBocaiúva Acrocomia aculeataCambará Vochysia divergenschico-magro Guazuma ulmifoliacroado, coroa-de-frade Mouriri ellipticaCumbaru Dipteryx alataf ruta -de-veado Pouteria ramifloraGariroba Campomanesia sp.Gonçaleiro Astronium fraxinifoliumJatobá Hymenaea stigonocarpaLixeira Curatella americanamangava-brava Lafoensia pacarimarmelada-bola Alibertia edulismarmelada-de-cachorro Alibertia sessilisParatudo Tabebuia aureap é - d e - a n t a Cybistax antissiphylliticaPequi Caryocar brasiliensePiuva Tabebuia impetiginosaQuina Strychnos peseudoquinaSiputá Salacia ellipticaSumaneira Byrsonima intermediaTarumã Vitex cymosaVeludo Guettarda viburnioidesXimbuva Enterolobium controtisiliquum

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Os animais são criados em cercados ou soltos e, paraisso, os moradores utilizam-se de processos queimpedem a saída da área delimitada, como cortarasas, amarrar os pés ou as patas (pear). Nos períodosda cheia são acomodados em giraus, para fugir daságuas. Varginha, uma comunidade ribeirinharepresentativa dos produtores familiares do rio Cuiabá,sobrevivendo num sistema de produção tradicional,ressalta sua fragilidade frente ao desenvolvimento eao turismo com profunda repercussão social eecológica. Por outro lado, mostra como a reproduçãodesse grupo é fruto de uma estreita combinação, deuma certa adaptação ao meio ambiente e umaorganização social coerente.A pesca sempre foi uma das atividades principais dosribeirinhos tradicionais de Varginha, que vem sendorepassada pelos seus ascendentes, garantindo a essegrupo saberes e conhecimento do ambiente. Dessaforma, a pesca é uma experiência cultural, o que alegitima na comunidade. A pesca turística temprovocado grandes problemas para a atividade de pescana região. No período de abril a novembro, a pescasempre foi uma atividade presente e a comunidadedestacava-se pela forma, que era o uso da rede dearrastão, prática utilizada pelos redeiros que seencontravam nas comunidades às margens do rioCuiabá. A partir do mês de setembro, com o início dapiracema, na subida dos rios, costumava-se colheros peixes do cardume para poder fazer o óleo de peixe.

Pacupeva, curimbatá, piau e piavuçu eram usados parafazer o óleo por não serem considerados peixesnobres. Percebe-se uma preocupação emreconhecer um pescador profissional, o qual seidentifica, inicialmente, por fazer da pesca a suaatividade principal. Atualmente, deve ter finscomerciais, obedecendo a padrões de legislaçãofederal e estadual que disciplina o uso de apetrechosde pesca. Deve ser praticada nas reservas pesqueirase ser filiado à uma colônia de pescadores e obedecerà Resolução no. 009/96 – CONSEMA-MT quedisciplina a captura, o transporte e a comercializaçãodas espécies provenientes de ambientes naturais dopantanal mato-grossense. Entre os pescadoresprofissionais há tipologias também quanto à forma depescar e aos instrumentos usados para pescaria. Essadiferença é comentada entre os profissionais maisidosos, quando enfatizam que os mais antigos, commais tempo de experiência, conservam mais oambiente do que os novos pescadores. Oconhecimento e o manejo do rio não sãoreproduzidos da mesma forma pelos novospescadores profissionais, o que legitima a atividadedos pescadores muito mais do que o seu registro oficialde trabalhador com a carteira de pescador profissional.Tanto que, oficialmente, o tempo de exercício da pescasó é assegurado a partir do momento em que éregistrado no Ministério do Trabalho.Aquele que não se enquadra na categoria depescador profissional compõe o grupo de pescadoresamadores, que pescam por lazer, e os que pescampara vender nas ruas e mercados, em pequenasquantidades. “O pescador profissional conhece opeixe e o rio. Já os pescadores amadores atrapalhammuito a gente. Eles não têm lugar fixo. Pescam dequalquer jeito”.

PPPPPoçooçooçooçooçoDesde o início de sua constituição, nos meados doséculo XIX, essa comunidade se apresenta comfatores determinantes de época. Por causa dadecadência das sesmarias, iniciou-se o período dosengenhos, transformando-se em usinas de açúcar.

Quadro 5. Espécies vegetais ocorrentes nos quintais de Varginha,município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

Nome vulgar Espécie Uso

Alecrim Rosmarinus officinale MedicinalAlgodãozinho Gossypium herbaceum medicinalBanana Musa paradisiaca comestívelCaiapiá Dorstenia asaroides medicinalCaju Anacardium occidentale comestívelGoiaba Psidium guajava comestível

Hortelã-do-campo Hyptis suaveolens medicinalLaranja Citrus aurantium comestívelLimão Citrus limonum comestívelManga Mangifera indica comestívelMangaba Hancornia speciosa comestível

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Além do plantio da cana, outros produtos agrícolaseram cultivados com o objetivo de suprirnecessidades de patrões e trabalhadores. Todostinham direito a plantar nas terras dos patrões, oque assegurava que tivessem sua plantação e, aindade acordo com o Sr. Augustinho “A terra era comum,roçava para cá, plantava para cá, colhia”.A mudança de moradores para a comunidade maispróxima, Praia do Poço, é porque tinhampossibilidade de ter uma roça de praia, beneficiadapela inundação periódica, assim como o cultivo decana para a venda nas usinas.

“Esse povo da Praia do Poço, tudo nasceu e criou aqui,era tudo morador daqui entrava água aqui, lá temparente, irmão de papai, de mamãe. Mudou para lápor causa da lavoura. Beira de rio, come peixe, põelavoura, colhe, tem canavial, tinha boi de carro. Ficourico por lá”.

Pelos relatos, a roça foi uma atividade muito produtivae importante, tomando todo o tempo de seusagricultores. “Plantava roça, não era porcaria, euamanhecia e escurecia na roça”. O saudosismo estápresente na memória do agricultor, que relembra afartura e a comercialização dos produtos e o lucroda venda.

“Augustinho, só plantava arroz, milho e feijão. Enchiaesta casa de milho e arroz, tomava conta de saco dearroz. Trabalhava bastante gente. Enchia para todo povo.Vendia para Alfredo Gatass, de Cuiabá, vendi 50 sacosde arroz, compadre Zelito que me deu o vale erecebeu o dinheiro em Cuiabá”.

Mesmo tendo sido uma época de muito trabalho esacrifícios, ainda recorda-se com muita satisfaçãoda luta na roça de dia e de noite, a sol e chuva.Outra atividade que também provoca lembranças esaudades é a caça aos animais, hoje inexistente poreliminação de todos os elementos indispensáveis:caçador, caça e o hábitat. Somente ficou oconhecimento da caça da região, os animais, osprocedimentos, as formas, as informações, enfim,uma atividade considerada de diversão, descrita deforma valente:

“Eu caçava demais. Matava veado, passarinho, veadocom espingarda, comia a caça, dava um quarto para ovizinho. Capivara também, caititu, cotia, tudo,passarinho. Dia de domingo que caçava. Atirava noolho para não ofender o couro. A carne comia, fritava,assava, fazia churrasco. Não criava. Os homens cuidavacom cachorro na canoa, caçava para se divertir. Anta.Agora é difícil, acho que nem tem caça. Caititu, anda debando, quando passa numa roça, estraga. Quando atiraum, os outros correm. Quando tinha fruteira, tarumã,paratudo pode ficar lá, que o veado chega para comeras folhas. Tarumarana é de dia, de noite é paca, cotia,caititu, tudo aparece; lá era para matar. Só caçava dedia, de noite não, por causa de cobra”.

Por outro lado, a pesca na comunidade de Poço tinhao período noturno garantido, porque de dia era otrabalho na agricultura e a caça e à noite para pescar.Os peixes mais referidos pela comunidade estão listadosno Quadro 6. Em relação aos hábitos alimentares dospeixes, a comunidade aponta as iscas usadas para apesca (Quadro 7). São informações muito específicasque denotam um conhecimento empírico, refletidonas declarações de um morador antigo da comunidade:Quadro 6. Peixes referidos pela comunidade de Poço, municípiode Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

Nome vulgar Espécie

Bagre Pimelodus sp.Barbado Pinirampus pirinampuDourado Salminus maxillosusJurupensen Sorubim sp.Jurupoca Hemisorubim platyrhynchosPacu Piaractus mesopotamicusPacupeva Metynnis sp

Mylossoma sp.Piau Leporinus sp.Pintado Pseudoplastystoma corruscansPiranha Serrasalmus sp.Sauá Tetragonopterus argenteus

Quadro 7. Iscas utilizadas na pesca, referidas pela comunidadede Poço, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

Peixe IscaJurupensen LambariJurupoca LambariPacupeva Fruta, pinhão, milhoPiraputanga PoçaPacu poca, minhocaPintado Minhoca

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“Para cada peixe tem uma isca, para jurupensen ejurupoca é só lambari. Fruta e só para pegar pacupeva,pegar pinhão, quando não tem, pegava com milho.Temaquela poca, uma fruta verde, mata piraputanga, pacu.Dá um cachinho, descasca, tem um frutinho bem verde,enfia no anzol, mata piraputanga e pacu”.

É interessante ressaltar que o uso da minhoca passoua ser uma preocupação também do ribeirinho: “Coma minhoca podia pescar, agora tá difícil. Estraga aterra, cavuca para tirar minhoca. Tapa o buraco, nãoé tudo que gosta com minhoca, pega tudo peixe, épacu, pintado, tudo”.Em relação aos instrumentos de pesca, alerta que opeixe está diminuindo pelo excesso de uso de redese tarrafas: “O peixe está diminuindo tem demais derede, tarrafa. Eu pescava só de anzol”.Atribui o desenvolvimento dos peixes nas pedreirascomo uma das estratégias usadas contra a própriacaptura: “Agora só pega pacuzinho, tem só no lugarde pedreira. Pedreira junta muito peixe. O peixe, jáestá sabido, entra na pedreira para esconder de rede,de tarrafa”.A baía é tida por todos como o ambiente ideal para areprodução dos peixes. Aqui tivemos uma revelaçãosurpreendente, o que reforça a preservação doconhecimento e das baías. Atribuem que os peixesalimentam seus filhotes com as escamas do própriocorpo. “Assim é como o pacu, dourado, piranha epiraputanga alimenta sua cria. É bem assim”.Já os peixes, como o pintado e o caxara, alimentamseus filhotes com o limo do seu próprio corpo:

“Na baía tem, na baía de dentro do rio, baía Laranja, lábota ovos, choca os filhos, piranha, piraputanga, pacu,piavuçu, dourado, tudo entra lá, fica naquele aguapezal.Outro peixe, não só pacuzinho, é de chocar. Se asenhora mata um pacu lá, quinhentos pacuzinhosescapa, ele que dá. Eles que cria os filhos. A escamadela. O pacu, grande mãe, entra lá e os pacuzinhoscome tudo a escama dele. Até ele criar outra escama,ele cria com escama dela.O pintado bota o ovo, fica no aguapé, fica maluco,bravo, quando está com filho. Ele alimenta com o limodele, fica branco, limpa o limo dele, quando cresceacha piquira e lambari.

O dourado é bicho brabo, ele choca também, ondetem dourado piranha, acha que não. É com escamadela. Piranha dá de comer os filhos também comescama. É pacu, dourado, piranha, piraputanga, é comescama”.

No período da frutificação, os peixes alimentam-se no rio Cuiabá de frutos de plantas conhecidas,como roncador, figueira, figueirinha, pimenteira,pau-de-aricá, ingá. Nessa época, os barrancos dorio são ambientes próprios, principalmente, para apesca de pacu e de piraputanga.

“No tempo da fruta, que se está caindo. Roncador, dáum pé, fica carregado. Goiavinha que dá no Pantanal.Figueira, figuerinha na beira do rio, fica cheio de peixeembaixo. Pimenteira da beira do rio. Pau de aricá, ingá,dá demais, pacu, piraputanga, no barranco”.

Do repertório de plantas medicinais, entre as maisutilizadas estão laranja, lima e limão que são,universalmente, utilizadas como vitamínicas ecalmante. Recentemente, iniciou-se a utilização dee r v a - de -b i cho e ho r t e l ã - do - c ampo pa r acombater a dengue.

“Planta que serve para remédio é laranjeira e lima. Domato erva-de-bicho, para tomar banho, para denguehortelã do campo. De raiz cura a gente. Tá com péinchado, falaram para mim caçar 3 frutas de sucupira,põe no álcool, enterra 3 dias no chão e cada dia beberum bocadinho até secar. Agora, não acha sucupira poraqui”.

Barranco AltoBarranco AltoBarranco AltoBarranco AltoBarranco AltoO uso e gerenciamento de recursos naturais pelacomunidade de Barranco Alto incluem a pesca e ocultivo de algumas culturas. Sua população épequena e muito dispersa, resultando numadensidade populacional. Para o padrão de vida aoqual estão adaptados, o rio Cuiabá fornece, emabundância, grande parte do que precisam para sealimentar bem e terem uma vida saudável egratificante. A comunidade vive às margens do rioCuiabá e é parte dela. Se o destruírem, destruirão asi próprio. Portanto, plantam arroz, cana, feijão,mandioca e milho. O êxodo rural inicia-se a partir

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da decadência das usinas de açúcar, com umagrande perda do mercado para os seus produtos.O rendimento dos pequenos agricultores tem sidoobtido sem tecnologias que garantam asustentabilidade econômica, social e ambiental,sem os insumos agrícolas. O que se verifica é umpadrão de sustentabilidade determinando quaisculturas devem ser plantadas, o tempo paraplantação e para colheita, relacionar com a irrigaçãoe com o solo e as estratégias de manejo adequadosa cada cultura.

“Nós plantamos cana, arroz, milho, feijão e mandioca.Mandioca com 6 meses dá para arrancar. A Cana, 1ano na 1a. plantação, na 2a. plantação, 6 meses.Mandioca planta agora, em outubro dá para fazer afarinha. Milho planta em outubro, em fevereiro colhe.Arroz também 4 meses. Planta só na época da chuva,porque o solo é duro não dá plantar. Feijão planta ouem abril, junho colhe, ele nós planta duas vezes porcausa do solo que é duro. Quanto a área, a gente roça,queima ela, carpe a terra e destoca”.

Assim é que por estarem inseridos em uma regiãomarcada por um regime hídrico, desenvolve-se umconjunto de determinações seca e chuva,favorecendo a formação de uma paisagem distinta,marcada por uma cíclica relação homem-natureza,dando aos componentes da comunidade umpatrimônio de conhecimentos ambientaisapropriados e propiciados pelas circunstânciasadvindas do regime das águas. Os ribeirinhosdistinguem ambientes nos quais podem ser cultivadassuas culturas: na praia, onde é comum a plantaçãode fumo, feijão, batata-doce e melancia, entreoutros; nos diques, onde as águas permanecempouco tempo, plantam feijão, mandioca, arroz eoutros.Mas, é nos quintais que encontramos a maiorrevelação do seu patrimônio de conhecimentos, noseu relacionamento com a natureza. Aqui mantêma reserva ambiental de cada membro dacomunidade, através das plantas úteis que compõema diversidade nas suas formas de uso: alimentícias,medicinais e ornamentais. Também é possível a

experimentação de novas culturas e de introduçãode novas espécies.Ferreira (1995), ao estudar a comunidade deBarranco Alto, a fim de entender as estruturascognitivas e as categorias explícitas que surgem doentendimento do mundo físico e social que acomunidade adquiriu ao conhecer os meios pelosquais explora e conserva a região, apresenta umarelação de plantas cultivadas nos quintais, usadascomo remédio pelos ribeirinhos, através dadominação dos recursos naturais.O rio Cuiabá é considerado o recurso mais importantepara a comunidade por ser, basicamente, o meio demanutenção e sobrevivência de seus pescadores.Através de estratégias de manejo tentam se articularpara as atividades de pesca e manutenção do estoquepesqueiro. Em relação ao movimento das águas,identificam três fenômenos: repiquete, lufada e ladainhade maio. O repiquete refere-se à primeira enchente,que acontece em outubro ou novembro.

“O repiquete é a primeira enchente, em outubro ounovembro. Nessa época é ruim para pescar, a água émuito suja. É melhor de pegar peixe em janeiro,fevereiro, novembro é melhor, tem mais peixe, mas éproibido”.

Há um reflexo direto na forma de pescaria verificadapelos pescadores. Isso porque eles percebem queocorreram mudanças no rio, que precisam seralteradas na sua pescaria.

“Repiquete, é do rio. Da pescaria no tempo que eupescava, pescava de rede de arrastão destes tempoagora, em diante, quem coloca essa rede qualquerenchente que tinha, aí que chegava no mês de outubro,passava quando a água subia, chovia, guardava a rede”.

A lufada acontece no início da seca, no mês de abril,quando os peixes saem da baía para o rio, em buscade ambiente mais propício ao seu desenvolvimento.

“Normal é abril, maio, junho, é a época da lufada”.“Lufada, época do peixe, novembro ele desce, chegamaio ele sobe, é lambari, pintado é tudo, desce que épara desovar e depois em abril foi uma lufada, compintado, lambari; aí a gente espera”.

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Levantou-se um certo questionamento no períododa lufada, quando ocorre uma grande quantidadede peixes. Obviamente que há, também, um grandeconsumo de oxigênio, o que, conseqüentemente,leva à morte muitos peixes de várias espécies. Sóque nas margens estão instaladas algumas indústriasque acabam despejando seus dejetos no rio,provocando também uma mortandade de peixes.Fica sempre uma dúvida: quem é o culpado pelamorte dos peixes?

“Lufada é só 3 a 4 dias, fica tudo nas pedras. No últimooutubro e novembro, deu a enchente, lá em S. Luzia, sóno barranco, deu barbado, pacu, jurupensen, umas 300jurupocas, pacu, pegamos tudo com a mão. Foi venenoque jogaram no rio. Não venderam nenhum peixe”.

Por outro lado, a ladainha de maio está relacionadacom a disponibilidade de peixe no rio:

“Na ladainha de maio, não tem peixe nem para comer,acaba. O rio já tem aquele, passa 41 dias e não. Esteano não teve, já na lufada tem relação com a lua cheia,época que mata mais peixe, a lua enfraquece, o peixeacaba, a lufada maior foi na cheia, em junho já fica fraco.Peixes na lufada é piavuçú, dourado, curimbatá, peixeque sobe. Agora em diante já sobe esses peixes piau,curimba, já sobe”.

Alguns moradores da comunidade instalaram, nasmargens do rio, uma atividade que tem sidocontestada pela própria comunidade, que é a Ceva.Entretanto, muito bem aceita pela sociedade pelapossibilidade do desenvolvimento da pesca amadora:

“Pintado, pacupeva já pára na ceva, não consegue subir,fica parado comendo, quando quiser subir já vem aenchente de outubro e novembro, aí já dá rodada”.“Aqui é um movimento, no final de semana, são 250carros. Ave Maria! Venha amanhã à tarde, sábado, tudotá na ceva. Sábado e domingo a gente tem que fechara casa, por causa da poeira dos carros. Quem não temreforço de pagar fica na beira do barranco, acho errado.Para cobrar, são 500, 600 pessoas. Eu acho muito erradoo IBAMA e a FEMA, eles não organizarem isso aí,querem botar cerca na beira do barranco, para cobraro que é o produto nosso, é para todo mundo. Aindatem nego que quer sumir com isso. Eu indo de canoanão pago nada, indo por terra tenho que pagar. Elessão daqui mesmo. No final da tarde eles fazem 300 a

400 reais, eles fazem por dia. É um erro. Tenho carteiraprofissional de pescador. Do barranco é da Marinha”.

Existe uma resistência muito grande dos moradoresda comunidade em relação à Ceva. Conhecemmuito bem seus direitos e deveres e fazem algumasreclamações sobre os proprietários da Ceva:

“O que eles tinham na vida? Tem de 2 anos atrás, já temlá embaixo 2 carros na sombra, casa em Santo Antônio,motor no rio. Cobra R$ 2,00 por pessoa, aluga barco,canoa, faz comida, peixe, piraputanga assada é R$15,00,galinha com arroz”.

Recebe o nome de pescador profissional a pessoaque única e exclusivamente realiza a pesca. Epescador amador aquele que pesca para o consumoe como esporte.No Quadro 8 estão relacionados alguns tipos depesca, citados pelos moradores de Barranco Altoem relação à isca, ao peixe capturado, ao momentoda pesca e a algumas características importantes.Há uma seleção de peixes em função da qualidade,o que faz com que os moradores tenhampreferência por determinados peixes.

“Outros peixes, como peixe cachorro, piranha, nãotem validade, para matar. A piranha é um peixe perigoso,quando pega já cascateia, mata e joga fora. Palmito éoutro peixe, tem muita gente que come. Jaú, ninguémgosta dele, a carne é diferente do pintado, á amareladagrossa e dura. O peixe cachorro mata 100 em umahora. Usa chumbo equilibrado, muito pesado, ele nãopega, muito leve sai rodando”.

As observações propiciaram um conhecimentosobre a alimentação dos peixes, existindo entre ospescadores as seguintes informações:

“Peixes que só comem peixe: pintado, barbado edourado.Peixes que comem aranha: dourado.Peixes que comem gafanhoto: todos, menos pintado ebarbado.Peixes que comem tudo: pacu, piraputanga e pacupeva.Peixes que comem folhas verdes: botoado.Peixes que comem folhas podres: botoado e curimbatá.Peixes que comem fruto e sementes: pacu e piraputanga.O botoado pula fora d’água para catar folha verde”.

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Assim sendo, as iscas de frutos são adequadas a cadasituação:

“Peguei peixe com jenipapo, caju, sarã, manga, pedaçode melancia, piraputanga gosta de ingá”.“Piranha come tudo, minhoca, peixe. Bom, papai tinhaum arrozeiral e elas comeram e acabaram com tudo”.

No período da piracema, a pesca no rioobrigatoriamente diminui, porque nessa época estáocorrendo a subida dos peixes para as baías paradesova. Isso sempre foi controlado pelospescadores, de uma forma adequada. Entretanto, apesca esportiva e amadora prejudicou esse processonatural da subida dos peixes para a desova nas baías.

“Piracema a gente sabe, padece, a água judia da gente,peleja para caí e o peixe roda com tranqüilidade, vai parao pantanal, não tem rede não, tem judiação, assim mesmoainda pegou 30 mil pacus por dia, de malandragem. Masajudou bastante. Peixinho pequeno que ainda vai crescer,certo, é para nossos filhos e netos”.

As baías também são uma preocupação dospescadores, pois acreditam que são os ambientespropícios para a reprodução dos peixes:

“Na época da reprodução sai do rio e vai para baía. Norio, não tem nenhum que reproduz no rio, não desovana água corrente. Tem que ter cuidados com as baías.Esse é o cuidado que o IBAMA e a FEMA têm de ter.Aqueles que estão com a ova na barriga não desova na

Quadro 8. Tipos de pesca realizados na comunidade de Barranco Alto, município de Santo Antônio de Leverger, Mato Grosso.

Tipo de Pesca Instrumento Período da pesca Peixes capturados Isca usada Outrasutilizado informações

batê vara noite Piraputanga, piau, minhoca e a melhor pescariapacu, pacupeva torinha de peixe

armadilha linha na lufada Piraputanga, piava, isca miúda na beira do rio,ximboré, pintado com chumboe barbado equilibrado

barranco linha seca, de dia pacupeva,pacu, pintado milho, minhoca ...tarrafa tarrafa seca, dia inteiro dourado, pacu, pintado, não usa proibida por lei

curimbatá, piavuçuencontro canoa seca dourado, pacu, pintado, além de ser

e tarrafa curimbatá, piavuçu não usa proibida por leiestá prejudicadapela diminuiçãodos peixes no rio

espinhel espinhel seca e pacu, barbado, pintado,na enchente dourado, piraputanga, piau gafanhoto, apesar de ser

minhoca, proibida por lei, oscaranguejo, pescadores nãopeixe concordam

gancho gancho seca qualquer peixe não usa é proibidarede rede noite qualquer peixe não usa é proibidaarpão arpão qualquer hora qualquer peixe não usa é proibidafacho arpão noite jurupoca, curimbatá, lodo no barranco

piau, pintado acende um fogodentro de uma lata

sonda linha qualquer hora qualquer peixe minhoca e milho ...vara linha qualquer hora qualquer peixe minhoca e milho ...boinha bóia seca só pacu e barbado milho e torinha ...

de peixerede de espera rede noite dourado não usa imóvel, fica esperandoarrastão rede noite dourado não usa móvel, vai batendo e

arrastando

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água corrente. Um dia peguei uns 50-100 pacus ecoloquei no tanque, fica tudo na barriga e não desova,guarda tudo na barriga”.

Nesse sentido eles são esperançosos em relaçãoao estoque pesqueiro na região: “Já estava fazendouns 3 a 4 anos que não tinha peixe nesse rio, sótinha na lufada, acabou, não tinha, foi admiração,ainda estão logrando”.Mostram ser parceiros no processo de fiscalização:

“Eu gostei muito da fiscalização, para mim acho que saiubem, porque a gente tem que preservar onde a gentemora, ajudar as autoridades, aumentou muito peixe.Aumentou demais, tem muito bandido que anda comtarrafa, é rede, é gancho, então o nosso normal é 80-120 cm, passou eles tomam. Tá certo, 120 não pegano anzol, mais é só no pintado de 35 a 40 quilos, elenão baixou, não ergueu de 60 até 120, não temproblema nenhum. Não passa de 120 cm”.

Fazem referências às formas de distribuição dealgumas espécies: “Aí peixe de cardume: piau,curimba, dourado, pacu, pintado, lambari e tiquiranão sobe, fica no pantanal”.

Fornecem algumas observações sobre odesenvolvimento e o comportamento de algumasespécies:

“Tem pacu mais escuro, coloração bem amarelo,mais esbranquiçado, o preto fica tudo no rio, elenão perde tempo na baía. Quando chega a épocade saí, violento, vai só no pantanal, na baía grandedesova e volta para o rio, ele é o primeiro peixeque chega no rio”.

Fazem relações de quantidade entre as espécies:

“O cachara é mais pouco que o pintado, 100 pintadosna lufada tinha 2 cacharas, é mais procurado, ele é maispouco, na baía pega muito ele no anzol, do mesmojeito que pega o pintado. Chega bem grande de 12 até15 quilos, o pintado vai de 30 a 48 quilos”.

Atribuem horários de pesca para cada espécie: “Denoite pega pintado, pacu, outros peixes, dourado,piraputanga não pega à noite só de dia. De diapega tudo”.

Reconhecem o hábitat das espécies no rio:

“Pintado e pacu ficam no fundo do rio, piraputanga epacu no centro do rio. Na beirada encontra curimbatáe piau e na superfície os peixes pequenos. O curimbatá,piau, de dia não fica um, desce na beira da praia, está nabeira da praia no lugar raso com água de meio metro,de dia fica no lugar fundo”.

Nos quintais da comunidade de Barranco Alto foipossível observar algumas espécies frutíferas comobanana (Musa paradisiaca), goiaba (Psidium guajava), caju(Anacardium occidentale), manga (Mangifera indica),laranja (Citrus aurantium), limão (Citrus limonum),mamão (Carica papaya) e algumas medicinais, comoboldo (Coleus barbatus) e arruda (Ruta graveolens).Vale considerar que os recursos naturais manejadospelas comunidades são de natureza edáfica, hídrica, daflora e da fauna. Na história de vida das comunidadesem estudo, esses foram os elementos importantespara sua instalação no local. Entretanto, o espaço foisendo moldado, transformado e adequado para aspossibilidades de uma qualidade de vida.As abordagens trazem as características culturais nautilização dos recursos naturais onde o mais forte aser notado nas comunidades refere-se à pesca, nasua forma, e aos peixes que são mais comuns,significando que essa atividade é assegurada pelaforma consistente e diretamente relacionada com asua base de conhecimento, adequando-se àscircunstâncias ecológicas e socioeconômicas na qualencontram-se inseridas.Traduzem, com perfeição, as relações que seestabelecem nas comunidades, voltadas para osrecursos naturais, onde o processo educativo semanifesta nos mais diferenciados momentos dosafazeres do cotidiano, repletos de experiências evivências calcadas na ancestralidade das atividadesque desenvolvem.

CONCLUSÃO

As comunidades ribeirinhas de Santo Antônio deLeverger (Miguel Velho, Engenho Velho, Varginha,

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Poço e Barranco Alto) com suas demandas,organizações, práticas e estruturas, possuem umcaráter educativo assimilável por seus membros, ondea educação apresenta-se como forma deaprendizagem, em um processo mantido desde aancestralidade. A importância do conhecimentotradicional de comunidades ribeirinhas do rio Cuiabáestá na revelação das relações ecológicas, econômicase culturais. Baseia-se em que os ribeirinhos possuemexperiência na conservação e preservação dadiversidade biológica e ecológica, que estãoatualmente sendo destruídas. Os ribeirinhos podemcontinuar a ensinar-nos a valorizar as relações entreo homem e a natureza. Entretanto, somente se essascomunidades sobreviverem poderemos aprender adar-lhes igual status no futuro.As comunidades ribeirinhas desempenhamfundamental papel na conservação da biodiversidadedo rio Cuiabá, principalmente se considerarmos asconstantes alterações que são decorrentes da açãode grupos econômicos, fazendeiros, industriais emesmo do próprio turismo. Para os ribeirinhos, aação dessas atividades acarreta um máximo deerosão genética, mesmo quando acompanhada de“cuidados ambientais”. É o caso de determinadosempresários que “despejam” quantidadesexorbitantes de peixes no rio, desconhecendo adinâmica populacional das principais espécies daictiofauna e do próprio conhecimento dosribeirinhos. O que se percebe é um modelo de usode baixa intensidade dos recursos naturais pelosribeirinhos, o que resulta num mínimo de erosãogenética e num máximo de conservação.No ambiente escolar, a pesquisa deve respaldar oprojeto pedagógico, que incluirá um roteiro depesquisa levantando os problemas e aspectos dacomunidade para que possa colaborar nacompreensão e domínio da questão e garantir aconstrução de material didático com os própriosmateriais disponíveis. Com certeza, dotado dealgumas características como competência eseguridade, tornar-se-á um profissional com

iniciativas de saber argumentar, criticar e se autocriticar e avaliar.Mais do que refletir as desigualdades sociais ruraise urbanas, é possível perceber que a questão dacidadania e os problemas da comunidade estãoausentes do cotidiano escolar. A escola não temconseguido criar laços entre ensino e sociedade.Mesmo assim, os pais e a comunidadesupervalorizam a escola, dando-lhe credibilidade.É um espaço de convivência social, natural; a escolatem adquirido essa postura, constantemente tidacomo um instrumento inerente à comunidade,vista como um patrimônio cultural e social. Mesmoque fisicamente seja delimitada por muros e cercasque definem o seu espaço externa e internamente,as pessoas podem conviver, cooperar e preservarsuas tradições. Também, resgatar nos componentesde uma comunidade, que pertencem a umamesma categoria, o seu modo de vida, que estásofrendo transformações pela destruição de seuambiente e pelo avanço do capital nas suasatividades, que no início do século eram puramentede subsistência. Buscar na consciência histórica dascomunidades suas relações com a natureza, e destacom o social para que as comunidades possammanter o seu equilíbrio dinâmico e, assim, facilitara ampliação de seus anseios.Contudo, a extinção do modo de viver ribeirinhotorna-se remota, mesmo porque os própriosesperam encontrar caminhos desejáveis para quepossam responder aos interesses da comunidade,por exemplo, no zoneamento dos recursosaquáticos em áreas de pesca comercial, pesca desubsistência e preservação. Até mesmo uma políticapública visando, a longo prazo, racionalmente, a umavariedade de padrões de uso de recursos.O ideal seria acreditar que na elaboração de qualquerlegislação que diga respeito às atividades principaisdas comunidades ribeirinhas, seus membrosfossem ouvidos, principalmente no processo dedesenvolvimento sustentável, em que o ecoturismoseja estabelecido, procurando garantir os objetivos

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primordiais de um ecoturismo com os ribeirinhos,e não como vem sendo feito atualmente, em queas partes têm uma certa animosidade entre si,principalmente do lado do turista que se considerasuperior pelo poder financeiro que o acompanha. Évital entender que o ecoturismo deve serdesenvolvido para atender às necessidades básicasda comunidade local e não levar em consideração,somente, o turismo como uma atividade suficientepara proteger uma região.A atividade pesqueira, ao longo das gerações,conseguiu atravessar o século e chegar àcontemporaneidade com um mínimo deintervenção no meio ambiente. Por outro lado, osribeirinhos são, atualmente, acusados de predadores,rudimentares e marginalizados pelos órgãos oficiais,o que os faz serem constantemente multados eincomodados no dia-a-dia. Permanentemente,são “torturados” com ameaças quanto aosinstrumentos de pesca, período de pesca,conhecimento empírico da biologia e ecologia damaioria dos peixes da região.A sustentabilidade é, em última instância, umaquestão de difícil solução. Para mantê-la, precisaser repassada às futuras gerações, na medida emque suas desigualdades sejam reduzidas. Hánecessidade de que se desenvolvam novas técnicasno seio da economia ambiental e ecológica paraque elas se tornem parte da sustentabilidade.As comunidades de Miguel Velho, Engenho Velho,Varginha, Poço e Barranco Alto compartilham, emtermos gerais, da mesma área geográfica, do mesmoambiente de vivência, onde as relações semanifestam, são produzidas e reproduzidas e asustentabilidade ambiental aparece fortemente nasdiferentes utilizações do espaço e dos recursosdisponíveis, mesmo porque estão às margens dorio Cuiabá, inseridas em uma mesma orientaçãocultural, com escolas primárias de tamanhos relativosà comunidade. Apesar disso, nas próprias descriçõesobtidas diretamente nas comunidades, é evidenteque existem diferenças entre esses lugares.

Alcançar a sustentabilidade ambiental requer aintegração de esforços em diversos setores e umatroca radical de condutas e estilos de vida, incluindopadrões de produção e consumo. E acima disso,deve-se reconhecer que educação educação educação educação educação e consciênciaconsciênciaconsciênciaconsciênciaconsciênciaambiental ambiental ambiental ambiental ambiental adequadas constituem os pilares dasustentabilidade ambiental,sustentabilidade ambiental,sustentabilidade ambiental,sustentabilidade ambiental,sustentabilidade ambiental, juntamente com alegislação e a tecnologia.

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Recebido: 01/03/2001Aprovado: 06/10/2002