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DROGAS E MÍDIAS

Eixo Fundamentos e Políticas

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ORIENTAÇÕES SOBRE A VERSÃO EM PDF DOS MÓDULOS

Atualmente as novas tecnologias, sobretudo aquelas ligadasà internet (como computadores e celulares), têm estado cadavez mais presentes em variados aspectos das nossas vidas,entre eles a educação. Contudo, sabemos que o acesso a essastecnologias é bastante desigual em nosso país, dificultando aimplementação da educação a distância e, por consequência,a democratização do conhecimento.

Pensando nisso, disponibilizamos uma versão de apoio, emformato PDF, de todos os módulos publicados no Aberta:portal de formação a distância – sujeitos, contextos e drogas,para que você possa fazer a leitura do conteúdo em modooff-line, possibilitando ainda a impressão em tamanho A4(formato horizontal).

Aberta: portal de formação a distância – sujeitos, contextos e drogas

Nessa versão, aparecem sinalizados os endereços eletrônicos paraos vídeos, as animações e os hiperlinks existentes no texto. Os recursos como o “Glossário” e o “Saiba mais” podem ser lidos logo após o parágrafo ao qual foram vinculados.

Enfatizamos, no entanto, a importância do acesso aos materiaisdidáticos em sua versão on-line, uma vez que eles apresentamuma série de recursos multimídia desenvolvidos especialmentepara este formato e que não podem ser visualizados em suatotalidade na versão em PDF.

Por fim, lembramos a importância de referenciar adequadamenteos módulos sempre que seu conteúdo for citado. Para isso,disponibilizamos a ficha catalográfica na capa dos materiais comos dados referentes a cada módulo.

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APRESENTAÇÃO

O módulo Drogas e Mídias busca promover uma maneira mais crítica de se consumir o material midiático, em especial no que se refere às drogas. Existem muitos fatores que levam a mídia a tratar sobre drogas da forma como faz, como o período histórico e os discursos hegemônicos. Esses fatores influenciam na forma como a mídia retrata as drogas e os usuários, utilizando diferentes categorias para casos iguais, por exemplo. É importante conhecê-los e, assim, ser capaz de compreender a cobertura midiática sobre as drogas em sua complexidade e o modo como isso afeta as percepções sobre as drogas na sociedade.

CONTEUDISTA

Denis Russo Burgierman

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publica-do sob a Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-Comparti-lha Igual 4.0 Internacional. Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença em http://aberta.senad.gov.br/.

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DROGAS E MÍDIAS

OS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO E AS DROGAS

Ao longo de todo o século XX e início do XXI, os veículos de comunicação tiveram um papel fundamental na disseminação dos discursos sobre drogas que influenciaram grande parte das pessoas, no Brasil e no mundo todo. Infelizmente, muitas vezes esses discursos foram nocivos: eles difundiram preconceitos, estigmatizaram populações inteiras, provocaram desinformação, sonegaram informações que poderiam ter ajudado muita gente e atrapalharam a busca por políticas públicas racionais.

Nas últimas décadas, acompanhei esse processo do lado de dentro. Trabalhei como jornalista desde os anos 1990 na Editora Abril, empresa de mídia que foi muito relevante na segunda metade do século XX e nos primeiros anos do século XXI. Vivi de perto as tomadas de decisão e conheci critérios utilizados para decidir o que era digno de publicação e o que não era, e que abordagem cada tema deveria receber.

Trabalhei, também, em um dos principais títulos da editora – a revista Superinteressante, que chegou a ter circulação de mais de 500 mil exemplares ao mês e era lida por milhões de pessoas – e acabei escrevendo muitas reportagens sobre drogas. No processo, pesquisei a fundo a atuação da mídia ao longo dos anos e tive a chance de entender em contexto o trabalho que fazíamos.

Assim, este texto é fruto tanto de minhas pesquisas históricas sobre como a mídia viu as drogas ao longo das décadas quanto de minha experiência pessoal atuando na grande mídia ao longo dos últimos 25 anos. A intenção aqui é compartilhar com o máximo de pessoas informações sobre alguns dos critérios editoriais que são utilizados, para ajudá-las a consumir mídia de maneira mais crítica, avaliando melhor as diferentes versões sobre determinados fatos. Espero poder ajudar você a enxergar algumas das camadas que se escondem por trás de uma reportagem de TV, uma página de jornal ou um texto na internet, de maneira a compreender os fatos de forma mais profunda.

SITUAÇÃO PROBLEMATIZADORA

Você acredita que algo que sai escrito em um jornal é, por definição, a verdade (ou a maior aproximação possível dela) sobre os fatos? Ou você acha que é o contrário: que a mídia é simplesmente uma máquina de manipulação, e que por trás de tudo que ela publica há uma intenção conspiratória oculta?

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Figura 1: Sequência com mídias sobre drogas. Fonte: BRAHMA... (2017); GRYZINSKI (2017); JOVEM... (2017); OLIVEIRA (2017); TROCA... (2017); VICIADOS... (2017).

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A LÓGICA DA MÍDIA

Na realidade, boa parte das informações que circulam nas mídias não são nem inteiramente uma coisa nem outra, ficam em algum ponto no meio do caminho. Ou seja, boa parte do conteúdo dos veículos de comunicação não é nem uma representação fiel da verdade, nem necessariamente fruto de manipulação intencional.

Veículos de mídia são produzidos por pessoas. Dentro de uma grande redação jornalística, há algumas dezenas de repórteres e editores. Uns são imensamente idealistas, outros são bastante cínicos. Alguns acreditam apaixonadamente no poder transformador de seu trabalho, outros são corruptos e estão dispostos a manipular as informações por interesses inconfessáveis. Uns trabalham muito duro em busca de fatos, outros são displicentes ou preguiçosos. Alguns são talentosos, outros não.

Claro que, apesar disso, a diversidade nas redações sempre foi muito pequena. Pude observar, a partir da minha trajetória, que as redações jornalísticas são compostas majoritariamente por profissionais brancos, moradores de bairros de classe média ou alta. Assim, não é de se estranhar que os veículos adotem uma perspectiva na qual se expressa menos preconceito com consumidores de cocaína em pó do que com os de crack, embora as duas drogas possuam precisamente a mesma substância ativa. Quando falam sobre o tráfico nas favelas, esses profissionais quase sempre tratam do tema com certo distanciamento, sem grande empatia por seus personagens. Ainda assim, é um erro enxergar “a mídia” como uma espécie de monolito que todo dia faz tudo sempre igual. Um mesmo jornal, capaz de veicular uma matéria horrível na segunda-feira, pode publicar algo genial na terça. É um erro também supor que as redações apenas obedeçam acriticamente aquilo que os proprietários dos veículos ordenam.

Figura 2: Profissionais brancos de classe média ou alta são a maioria nas redações jornalísticas. Fonte: SEAD-UFSC (2017).

Muito do que sai publicado em jornais, revistas, telejornais e sites é formulado por jovens repórteres, com relativa autonomia, e está em dissonância com aquilo que os proprietários dos veículos pensam. Por isso, não é razoável acreditar que tudo o que está nos jornais seja fruto de uma grande conspiração. Não é.

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É compreensível que haja pessoas que pensem assim, mas a questão é bem mais complexa que isso. A baixa qualidade das reportagens sobre drogas não é apenas causa da desinformação da sociedade sobre o assunto: é também consequência dela. Afinal, repórteres e editores são parte da sociedade – e, em um ambiente de baixo conhecimento sobre o tema, eles também estão desinformados.

Mas o oposto tampouco é verdade. Veículos de imprensa são produzidos por estruturas hierárquicas, e chefes têm, sim, gerência sobre o trabalho de seus subordinados. Repórteres que batem de frente com as crenças de seus superiores duram pouco no emprego e, no geral, têm dificuldade de conquistar espaços nobres em suas publicações. Também é verdade que certas publicações ficam “viciadas” em determinadas fontes, que acabam sendo sempre ouvidas para tudo, o que constrói um viés em sua cobertura. Se olharmos com atenção tudo aquilo que a mídia publicou sobre drogas ao longo do último século, é um pouco chocante perceber o quanto os acertos foram raros. Infelizmente, a enorme maioria desse conteúdo é de baixa qualidade, carregada de preconceitos, carente de checagem cuidadosa, cientificamente incorreta. Muita gente, quando confrontada com essa qualidade baixíssima, vê aí indícios de má intenção. É comum se dizer que a mídia passou 100 anos manipulando a sociedade e que, como consequência, estamos terrivelmente mal informados sobre drogas hoje.

As drogas são colocadas como algo assustador – as pessoas têm medo delas. Para mim está bem claro que, ao longo das décadas, muitos jornalistas se “contaminaram” com esse medo e, por isso, perderam a capacidade de compreender o tema de maneira objetiva e racional. Acredito que, por trás de muitas matérias preconceituosas e manipuladoras, há jornalistas bem intencionados, que se sentiram na obrigação de pintar o problema com cores fortes, no intuito de desestimular o uso de drogas.

Felizmente, vivemos um momento em que o debate sobre drogas parece estar ficando mais maduro na grande mídia – o que não significa que os mesmos erros não sigam sendo cometidos. Mais adiante, quero discorrer sobre esses erros, mas, antes, acho importante fazer uma retrospectiva histórica, para que possamos compreender como o debate sobre drogas foi mudando na imprensa.

PERSPECTIVA HISTÓRICA

Em linhas gerais, é possível distinguir três tendências gerais que dominaram o tratamento da mídia sobre as drogas ao longo das últimas décadas:

Medo e preconceito

Menções às drogas que hoje são ilícitas eram raras na imprensa até o início do século XX no mundo todo. No Brasil, por exemplo, embora se saiba que o consumo de maconha, possivelmente introduzido por escravos vindos da África, era frequente nas classes populares talvez desde o século XVI, quase nunca havia na mídia impressa referência a esse hábito, que gozava de bem pouco prestígio.

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Não é de se estranhar, portanto, que nas primeiras vezes em que se falou da maconha na imprensa brasileira tenha sido num tom carregado de racismo, e quase sempre num contexto policial1. Nas primeiras décadas do século XX, maconha só era pauta no jornal quando algum consumidor, geralmente negro, cometia um crime. Usar drogas era um hábito “do outro” – e esse outro era quase sempre negro.

Diante da ausência quase absoluta de conhecimento científico sobre os efeitos da droga, as reportagens normalmente descreviam-na como um veneno, cujo uso estava normalmente restrito às populações mais pobres. Havia também um clima de apreensão, um medo de que esse hábito ruim se disseminasse. Essas notícias esparsas foram preparando o terreno no país para as primeiras leis proibicionistas, que surgiram a partir de 1930 e só ficaram realmente duras na década de 1960, com punição para usuários e traficantes.

Saiba mais (efeitos da droga)

No módulo Substâncias psicoativas e seus efeitos, você encontrará uma definição para substâncias psicoativas e poderá conhecer melhor os efeitos das principais drogas no organismo humano.

1 FRANÇA, Jean Marcel de Carvalho. História da Maconha no Brasil. São Paulo: Três Estrelas, 2014.

O discurso da ciência

A partir de 1960, as matérias sobre drogas começam a ganhar espaço nos jornais. Ganham também novas fontes jornalísticas – médicos, psicólogos, sociólogos, todos com forte atuação política, preocupadíssimos com o alastramento dos hábitos que viam como terrivelmente nocivos. É a partir daí que a imprensa passa a reproduzir um discurso de tom científico – embora não científico de fato, já que raramente as afirmações dramáticas que as fontes faziam vinham acompanhadas de dados verificados. Se antes as matérias justificavam sua antipatia pelas drogas com argumentos racistas, agora elas passavam a alegar uma preocupação legítima com a saúde das pessoas, especialmente dos jovens.

Por exemplo, em 1966, a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem sobre o I Congresso de Segurança Pública, afirmando que o principal tema tratado naquele evento havia sido o cultivo e o tráfico de maconha, “um mal que se alastra assustadoramente por todo o país, vitimando principalmente milhares de adolescentes” (ENTORPECENTES, 1966, p. 4).

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Figura 3: Reportagem da Folha de S. Paulo sobre o I Congresso de Segurança Pública. Fonte: Entorpecentes (1966, p. 4).

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Se até então o problema das drogas era algo distante, visto como um problema “do outro”, o tom mudava rapidamente: drogas passavam a ser vistas pela mídia como um flagelo social cada vez mais próximo de “nós” – ou, pior, de “nossos filhos”. Junte-se a isso as notícias frequentes de apreensões e prisões por tráfico, muitas vezes envolvendo artistas famosos da contracultura, no Brasil e no exterior, e tem-se os ingredientes para a demonização das drogas que ajudaram a justificar a política global de guerra às drogas.

A partir da década de 1970, a cocaína chega com mais força ao Brasil, e tem início uma nova dinâmica na imprensa, que passa a estar sempre de olho na “nova droga” que está chegando para nos “ameaçar”. O discurso científico, embora sem base em dados concretos, dominou a cobertura da imprensa sobre drogas até o final do século XX, com um espaço excessivo dedicado a fontes “proibicionistas profissionais”: geralmente os mesmos médicos, sem trabalho de pesquisa sobre aquela substância específica, que eram citados em todas as reportagens, sempre advertindo contra os riscos terríveis que surgiam no horizonte.

É importante lembrar também que, até o final do século XX, pesava sobre os jornalistas a ameaça da lei que estabelecia o crime de “apologia às drogas” – quem elogiasse essas substâncias ou incentivasse seu uso estava sujeito a ser condenado como traficante. Essa lei, embora quase nunca fosse aplicada contra a imprensa, gerava um ambiente pouco propício ao debate aberto. Havia muita censura interna na mídia, responsável por vetar qualquer reportagem que não demonizasse as drogas.

A aceitação da complexidade

É só a partir dos últimos anos do século XX e, principalmente, do início do século XXI que a cobertura da imprensa se complexifica e se diversifica. O número de fontes consultadas aumenta enormemente, com economistas, políticos, terapeutas, juristas, antropólogos, artistas e empreendedores sendo chamados ao debate. Além desses novos discursos, começam a surgir reportagens que dão voz ao usuário de drogas, que até então havia sido excluído da conversa – seja porque era visto como um criminoso ou porque era tomado como um doente.

Claro que reportagens como as descritas acima continuam sendo produzidas – ainda mais quando surge uma nova droga, como o crack – mas elas passaram a conviver com narrativas mais complexas e menos “demonizadoras”. Surgem reportagens que relativizam os malefícios das drogas ou que demonstram que elas possuem também benefícios – no uso medicinal, por exemplo. Ganha força também uma nova narrativa, que enxerga o proibicionismo de maneira crítica e que vê oportunidades financeiras na legalização.

Saiba mais (uso medicinal)

É o caso da Cannabis sativa, que há muito tempo vem sendo estudada para fins medicinais. Se você deseja saber mais a respeito disso, confira este artigo científico.

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Em 2011, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Marcha da Maconha não constitui apologia ao crime. O efeito dessa decisão foi finalmente exorcizar o fantasma da apologia às drogas entre os jornalistas brasileiros – ninguém mais, a partir daí, temeu ser preso por fazer uma reportagem sobre políticas de drogas ou sobre os benefícios de determinadas substâncias. Com isso, a informação sobre drogas e a qualidade da cobertura do tema na imprensa melhora sensivelmente.

SITUAÇÃO PROBLEMATIZADORA

Figura 4: Notícia sobre prisão associada ao tráfico de drogas. Fonte: POLÍCIA... (2017).

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Qual a diferença entre as duas notícias jornalísticas? O que você depreende sobre o contexto desses dois acontecimentos? Que diferenças podemos ver no tratamento que é dado aos personagens das duas histórias?

OS PECADOS MAIS FREQUENTES

Por que será que em uma das notícias o termo utilizado é “estudante” e na outra é “traficante”? É muito comum que essas escolhas marquem uma distinção entre aquele que vive em um bairro nobre e aquele que, igualmente jovem, é um negro pobre de uma favela. São bem frequentes na mídia escolhas como essa, que preservam a humanidade de um jovem branco de classe social elevada, frequentemente visto como alguém que deu um “tropeço” na vida e precisa se recuperar, ao mesmo tempo que desumaniza um jovem da periferia, geralmente visto como irrecuperável e merecedor de cadeia.

Figura 5: Notícia sobre prisão associada ao tráfico de drogas. Fonte: ESTUDANTE... (2017).

A palavra “traficante” é tremendamente carregada e quase nunca é usada para designar alguém de condição social privilegiada. Ela é mais do que a tipificação de um crime: é uma categoria social. Assim como quem pensa “terrorista” logo imagina alguém de pele morena, barba por fazer e lenço árabe na cabeça, quem pensa “traficante” costuma ter em mente alguém negro, de bermuda, morador da favela.

Essa diferença de tratamentos permeia todo o trabalho da mídia sobre drogas e é importante ficar atento a ela. Note, por exemplo, como um dependente de crack é tratado de maneira bem distinta de um dependente de cocaína em pó, muito embora estejamos falando

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exatamente da mesma substância (a cocaína). Como as duas drogas são usadas por grupos sociais distintos, uma delas carrega muito mais estigma que a outra.

Também é importante ficar atento à maneira como a mídia distingue um “viciado em drogas” de um “apreciador de uísque”. Embora o álcool seja uma das drogas mais destrutivas que existem, há uma tendência da mídia em normalizar o alcoolismo e tratar de maneira tolerante comportamentos que seriam fortemente estigmatizados se envolvessem uma droga ilícita.

A invasão dos zumbis

Quem pesquisa os arquivos históricos dos jornais percebe facilmente uma forte tendência da mídia de tratar usuários de drogas como seres passivos, quase irracionais, à mercê das substâncias. O caso mais comum é o dos usuários de crack, que há anos vêm sendo descritos como zumbis – os mortos-vivos das histórias de terror, incapazes de fazer suas próprias escolhas.

Mas esse fenômeno é muito mais antigo do que o crack. Entre 1960 e 1970, por exemplo, a imprensa frequentemente retratava os jovens que se encantavam com a maconha como inocentes vítimas de uma moda capaz de destruí-los.

Há, enfim, uma tendência da sociedade – refletida na mídia – de não considerar o consumidor de drogas um agente de seu ato, alguém racional que faz escolhas.

Sempre uma nova ameaça

Jornalistas, pela natureza de seu ofício, são viciados em novidades. Diante do trabalho diário de preencher dezenas de páginas de jornal, ou minutos de TV, com notícias, eles têm uma tendência inata de exagerar a importância daquilo que é novo. Quando o assunto são as drogas, essa tendência soma-se à histeria natural que cerca o assunto. Quem acompanha diariamente o noticiário provavelmente vai ficar com a sensação de que a toda hora entra no Brasil uma droga nova, mais destruidora do que todas as outras. Quem vasculha os arquivos dos jornais percebe a frequência com que uma nova substância é descrita como muito mais terrível do que tudo o que apareceu antes.

Embora seja verdade que haja o surgimento de novas drogas – a guerra às drogas criou um incentivo para que surjam substâncias cada vez mais nocivas –, a mídia tende a exagerar muito em relação a esse fenômeno. Novas drogas costumam ser descritas como epidemias, que se espalham rapidamente – mesmo que o número de usuários não cresça. Isso vai colaborando para eternizar um clima de emergência, um discurso de que é preciso fazer algo rápido “para deter essa ameaça”. Esse clima de eterna emergência é propício aos abusos cometidos contra usuários de drogas.

Alguns anos atrás, os jornais anunciaram enfaticamente a chegada do óxi, um tipo ainda mais nocivo de crack. Essa história só foi enterrada quando um teste químico constatou que essa história de “óxi” não passava de uma estratégia comercial do traficante – a droga era idêntica ao crack que já existia nas ruas.

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O que raramente a imprensa relata é que, apesar da sua sede por novidades, as cenas degradantes que ela descreve nas chamadas “cracolândias” são uma notícia velhíssima: miséria. O crack, que é uma droga bem nociva, certamente agrava a situação, mas o que tem de pior nessas cenas é o fato de que as cidades brasileiras estão cheias de gente sem perspectivas, morando nas ruas, consumindo o que conseguem obter – antes era cola de sapateiro, hoje é crack.

Bons sinais no horizonte

Como vimos, a cobertura jornalística sobre drogas no Brasil não tem uma longa tradição de qualidade. Por décadas, a mídia brasileira reproduziu um discurso simplista, preconceituoso e estigmatizador. Em grande medida, isso refletia os preconceitos e a ignorância presentes na sociedade toda: havia pouco conhecimento científico sobre drogas, pouca pesquisa, pouco interesse em compreender essas substâncias de maneira profunda.

Esse cenário claramente está mudando. A nova geração de jornalistas que está ingressando na profissão está cheia de gente que já começa na carreira com muito mais conhecimento do assunto e um olhar curioso sobre o tema. Se a culpa pela baixa qualidade do jornalismo sobre drogas no passado não era apenas dos jornalistas, os méritos pela melhora tampouco o são. Os repórteres de hoje se beneficiam de um ambiente muito mais aberto, com um debate bem mais aprofundado e maior quantidade de dados científicos – vários deles acessíveis com um clique, aqui dentro deste portal ou em links externos.

Momento cultural

Cortina de fumaça (2010) é um documentário brasileiro que trata sobre a política de drogas. Vários profissionais de diversas áreas, tanto no Brasil quanto no exterior, discutem sobre o assunto. Em seu contexto, são discutidos a relação histórica da humani-dade com as drogas, o uso medicinal de drogas e a política de drogas em grandes cidades. Foi eleito um dos 11 documentários que podem fazer você ter um outro olhar para o mundo.

CONTEÚDO INTERATIVOhttps://youtu.be/2GbqujLL5Ek

Entretanto, o ruído nunca foi tão grande. Saber ler a mídia é fundamental nos dias de hoje, para separar o que é verdade do que não é. Ainda mais com um assunto como esse, tão cercado de informações equivocadas, fragmentadas.

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Síntese reflexiva

Neste módulo, vimos de que forma os meios de comunicação abordam sobre o tema drogas. Compreendemos que diversos fatores influenciam sobre como as substâncias e os usuários são tratados pela mídia. Do mesmo modo, vimos que diferentes veículos e repórteres apresentam as mesmas histórias sob perspectivas variadas.

A partir da compreensão acerca dessas distinções, procure refletir sobre: o que é que determina essas diferenças? Quando acreditar na mídia? Quando não acreditar? O que precisamos ter em mente quando consumimos esse tipo de conteúdo, ou seja, que tipo de precaução precisamos ter?

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REFERÊNCIAS

Textos

BURGIERMAN, D. R. O Fim da Guerra. São Paulo: Leya, 2011.

FRANÇA, J. M. C. História da Maconha no Brasil. São Paulo: Três Estrelas, 2014.

Imagens

BRAHMA e Skol fazem tour grátis para ver fábrica e beber cerveja no tanque. Uol Economia, 02 jul. 2017. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/07/02/brahma-e-skol-fazem-tour-gratis-para-ver-fabrica-e-beber-cerveja-no-tanque.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 14 ago. 2017.

ENTORPECENTES. Folha de S. Paulo, São Paulo, p. 4, 9 maio 1966. Disponível em: <https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=2209&anchor=4461216&origem=busca>. Acesso em: 10 jul. 2017.

ESTUDANTE é preso por comprar e vender drogas pelas redes sociais em Rio Preto. G1 Rio Preto e Araçatuba, 04 jun. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/estudante-e-preso-por-comprar-e-vender-drogas-pelas-redes-sociais-em-rio-preto.ghtml>. Acesso em: 11 jul. 2017.

GRYZINSKI, V. Loucura atinge ápice: manifestação a favor da Cracolândia. Veja.com, 25 maio 2017. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/mundialista/loucura-atinge-apice-manifestacao-a-favor-da-cracolandia/>. Acesso em: 14 ago. 2017.

JOVEM é detido com droga e canivete dentro de sala de aula em Córrego Danta, MG. G1 Centro Oeste de Minas, 04 de jul. de 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/jovem-e-detido-com-droga-e-canivete-dentro-de-sala-de-aula-em-corrego-danta-mg.ghtml>. Acesso em: 14 ago. 2017.

OLIVEIRA, L. Oito horas após ação da PM, viciados voltam para praça. Agora, São Paulo. 12 jun. 2017. Disponível em: <http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/2017/06/1892202-oito-horas-apos-acao-da-pm-viciados-voltam-para-praca.shtml> Acesso em: 14 ago. 2017.

POLÍCIA prende traficante que vendia drogas em casa abandonada de Tupã. G1 Bauru e Marília, 04 jul. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/policia-prende-traficante-que-vendia-drogas-em-casa-abandonada-de-tupa.ghtml>. Acesso em: 11 jul. 2017.

TROCA de tiros termina com morte de traficante em Santos. A Tribuna, 06 jul. 2017. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/policia/troca-de-tiros-termina-com-morte-de-traficante-em-santos/?cHash=94f6249539769d250e25338f4776eb08>. Acesso em: 14 ago. 2017.

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Vídeos

CORTINA de Fumaça. Produção de Rodrigo Mac Niven. Brasil: Coletivo Project, 2010. 1 vídeo (88min.). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2GbqujLL5Ek>.Acesso em: 10 jul. 2017.

VICIADOS em crack ocupam parque linear na zona leste de São Paulo. Folha de S. Paulo, 28 jun. 2017. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1896734-viciados-em-crack-ocupam-parque-linear-na-zona-leste-de-sao-paulo.shtml>. Acesso em: 14 ago. 2017.