por terras moçambicanas

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@ M. Margarida Pereira-Müller [email protected] Duas sema- nas por terras moçam- bicanas não deu e Inhabane. Este ano partimos à des- coberta da faixa cen- tral entre Beira- Chimoio-Quelimane- Nampula e Ilha de Moçambique. Partida para Joanes- burgo, a primeira etapa da viagem, via Zuri- que. Os dois voos correram na perfeição, sem problemas, sem atrasos. À nossa espera em Joanes- burgo o Martin Snoek com o filho e o Armando Bôto , o coordenador do ensino de Portu- guês na África do Sul/Namíbia/ Suazilândia, com uma colega. Enquanto os meus companheiros de viagem tentavam despachar as Número 62 Por terras moçambicanas Março de 2010 Cadernos de Viagem malas para a Beira — diga-se de passa- gem, tentativa vã — eu trocava ideias com os dois profes- sores de português para um futuro acordo de sessões de leitura na África do Sul com alunos de Português. Terminada a con- versa, seguimos com os Snoek que simpaticamente nos puseram a casa à disposição para essa noite. Mais: organiza- ram um belo braai para o qual tam- bém convi- daram um casal luso-sulafricano. As conversas decorre- ram soltas — e pro- varam que há mui- tas tensões étnicas na África do Sul. Os problemas raciais estão longe de estar resolvidos, a poliga- mia do presidente não é bem aceite, a escolha de negros para lugares de che- fia é posta em cau- sa. para ver tudo o que tínhamos em mente. Temos de lá voltar para ir descobrir o norte e o noroeste. Em 2003, fizemos a costa entre Maputo 6ª feira, 5 de Fevereiro

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Beira, Gorongosa Chimoio Mocuma Caia Quelimane Nampula Ilha de Moçambique

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Page 1: Por terras moçambicanas

@ M. Margarida Pereira-Müller [email protected]

Duas sema-nas por terras moçam-bicanas não deu

e Inhabane. Este ano partimos à des-coberta da faixa cen-tral entre Beira-Chimoio-Quelimane-Nampula e Ilha de Moçambique.

Partida para Joanes-burgo, a primeira etapa da viagem, via Zuri-que. Os

dois voos correram na perfeição, sem problemas, sem atrasos. À nossa espera em Joanes-burgo o Martin Snoek com o filho e o Armando Bôto , o coordenador do ensino de Portu-guês na África do Sul/Namíbia/Suazilândia, com uma colega. Enquanto os meus companheiros de viagem tentavam despachar as

Número 62

Por terras moçambicanas

Março de 2010

C a d e r n o s d e V i a g e m

malas para a Beira — diga-se de passa-gem, tentativa vã — eu trocava ideias com os dois profes-sores de português para um futuro acordo de sessões de leitura na África do Sul com alunos de Português.

Terminada a con-versa, seguimos com os Snoek que simpaticamente nos puseram a casa à disposição para essa noite. Mais: organiza-ram um belo braai para o qual tam-bém convi-

daram um casal luso-sulafricano. As conversas decorre-ram soltas — e pro-varam que há mui-tas tensões étnicas na África do Sul. Os problemas raciais estão longe de estar resolvidos, a poliga-mia do presidente não é bem aceite, a escolha de negros para lugares de che-fia é posta em cau-sa.

para ver tudo o que tínhamos em mente. Temos de lá voltar para ir descobrir o norte e o noroeste. Em 2003, fizemos a costa entre Maputo

6ª feira, 5 de Fevereiro

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Depois de um peque-no almoço à base de fruta tropical, os Snoek levaram-nos para o aeroporto. A nossa grande ques-tão era saber se iría-mos conseguir embarcar no voo da SAirLink com os nos-sos 160 kg de baga-gem!

Mas estávamos pro-tegidos pelos deuses e conseguimos não só fazer o check-in dos 120 kg de roupa e material escolar para a Gorongosa, como ainda conse-guimos mandar para o porão duas das nossas malas.

Já aliviados de tanta tralha, fomos ainda à drogaria comprar um anti-inflamatório e um colírio, que nos fizeram bastante jeito durante toda a via-gem.

O voo com a SAirLink foi muito agradável. O avião era pequeno, mas como ia bastan-te vazio, não nos sen-timos apertados. E ainda tivemos direito a serviço de bordo apesar do voo só ter

uma duração de 1h30.

O aeroporto da Beira continua pequeno, tal como era em 1971. A mão cheia de passageiros que desembarcou dirigiu-se ao terminal. O

guichet da Serviço de Fronteiras é espe-lhado do lado de fora, ou seja, nós não con-seguimos ver se esta-mos a falar para alguém ou para o boneco… Bem, lá entregámos os passa-portes, pagámos o visto e… disseram-nos para avançarmos e esperarmos jun-to ao tapete de bagagens. Estas chegaram, uma a uma as pessoas iam retirando as suas malas e sain-do do terminal, Até que ficámos só nós, especados

P á g i n a 2 C a d e r n o s d e V i a g e m

Em África nada foge ao ritmo africano e nós temos de nos adaptar — em

Roma sê romano

com os nossos 10 volumes à espera, à espera, à espera… Os funcionários da alfândega foram-se embora e nós ali especados à espera. O Chico Ivo que tinha ido ao aeropor-to para falar connos-co e combinar o nos-so encontro no final da viagem, entrou para a parte dos pas-sageiros e ficou ali na cavaqueira connosco. Até que, quando já estávamos quase a desesperar, surgiu radiante o funcioná-rio com os nossos quatro passaportes.

O passo seguinte era levantar o carro alu-gado via internet na Europcar de Lisboa. Mas onde estavam os funcionários da Europcar? Andámos para cima e para bai-xo, subimos e desce-mos a escadaria — muito mal cheirosa — aeroporto, vimos a única loja aberta (!), e nada. Até que final-mente lá apareceu uma senhora que nos atendeu. Final-

Joanesburgo-Beira-Gorongosa

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sário. Cruzavam-se connosco ao longo das estradas homens, mulheres, crianças transpor-tando tudo à cabeça ou nas suas bicicle-tas: jerricans amare-los de água, feixes de lenha, sacos de car-vão, galinhas ou cabras vivas, fruta,

cadeiras, etc.

Mesmo ao cair da noite, à hora do encerramento , che-gámos aos portões de entrada da Reserva da Gorongosa. O Sr. Bonde Escova, fun-cionário ainda do tempo dos portugue-ses, recebeu-nos com toda a correcção e cortesia.

Sente-se o esforço que o governo está a fazer com a ajuda da Fundação Greg Carr para tornar a colocar a Gorongosa no cir-cuito das grandes reservas naturais de África. Foram recu-perados antigos fun-

cionários, novos estão a ser recruta-dos e formados, há preocupações ambientais. Mas foi necessário começar

da estaca zero. Do ful-gor e da riqueza dos anos 70 com uma das mais densas populações de vida sel-vagem de toda a Áfri-ca, incluin-

do os big five, e mais de 500 espécies de pássaros resta o local.

Na época colonial, o histórico acampa-mento de Chitengo

tinha piscinas, bar e clube nocturno, uma estação

de correios e um posto de abasteci-mento

de com-bustível, urgências, loja de artesana-to

e um res-taurante.

Durante a

P á g i n a 3

mente, já perto das 15h, deram-nos o carro e nós lá parti-mos, felizes e con-tentes rumo à Gorongosa. Passá-mos pela Lusalite, de que tanto a Milú Santana nos falara —, passámos vilas, aldeias e quintais de palhotas. Do meio dalgumas palhotas saía o fumo das comidas a serem prepa-radas. À beira da estrada, grande activi-dade comer-cial: em ban-cas de matope (adobo) ou simplesmente no chão, vende-se fruta, legumes, madeira, capulanas, jerricans, enfim, tudo o que é neces-

XXXX

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guerra civil, praticamente tudo se per-deu: as casas foram aban-donadas, os animais foram caça-dos para ali-mentar quem tinha fome — mas também

para alimentar a cobiça dos caçadores furtivos. Outros fugi-ram. 95 % dos ani-mais de grande porte desapare-ceram e os ecossistemas foram alvo de grande pressão. Dos 4000 ele-fantes que havia, sobrou um. Dos leões nem um. Dos 14 mil

búfalos, seis mil zebras, seis mil bois-cavalos, quase qua-tro mil hipopótamos, tudo desapareceu. Mantiveram-se os macacos e alguns crocodilos.

Actualmente, nos 4000 km² do Parque

Nacional da Gorongosa (PNG) e graças ao esfor-ço de repopulação da Fundação Carr já existem quase duas dezenas de zebras, três cente-nas de elefantes e alguns hipopóta-mos, além de muitos animais de pequeno porte. Vimos muitos

facoceros, oribis, impalas, cudos, cro-codilos, galinhas de mato, inhacosos (pivas), imbabalas, macacos comuns, macacos de cara pre-ta, pala-palas, elan-des, alguns cabritos cinzentos. Até vimos um gato serval e, para espanto do ran-ger que nos levou no último dia à famosa Casa dos Leões (sem leões, para muita

pena nossa), um gru-po de bois-cavalos (gnus), dos 180 que foram reintroduzidos em Setembro de 2007, vindos da Áfri-ca do Sul.

Também o acampa-mento do Chitengo está a ser recuperado para receber turistas.

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O restaurante, de arquitectura bem africana totalmente aberto nos lados, ser-ve todas as refeições e snacks. Os bunga-lows têm ar condicio-nado (que funcionam enquanto os gerado-res estão ligados. Entre as 22h e as 5h30, a vida faz-se à luz de velas… e sem ar condicionado). Infelizmente, a pisci-na estava fechada.

Comunidade do Vinho

A Fundação Greg Carr apoia também a Comunidade do Vinho, a mais próxima do PNG, do outro lado do

rio Pungué, que faz a fronteira natural do parque. Para lá che-gar, há que atraves-sar o rio de piroga! Sim, um barco esca-vado num tronco de árvore.

No dia seguinte à nossa chegada fomos lá entregar a roupa e o material escolar que trouxemos. A Fundação Carr e o PNG construíram a escola primária com-pleta e o centro de saúde com materni-dade.

Depois de atravessar-mos o rio, já na outra margem, andámos aprox. 2 km até

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As camisolas e as saquetas de pano para as crianças foram distribuídas sala a sala.

Cansados, com fome e sede, regressámos ao

acampamento.

Bué Maria

Ao final do dia, fomos com o guia Adolfo Macadona até Bué

Maria para ver o pôr-do-sol - que não vimos por estar tudo encoberto.

Mas vimos belas ala-medas de palmeiras boraço, as palmeiras africanas (Borassus aethiopiuma ), cuja resina (sura) se pode beber sem problemas até três horas após ter sido recolhida — mas que começa a fermentar passado esse tempo e fica um

delicioso vinho. E vimos alame-das de acácias xanthophloea, tão ricas em tanino que são utilizadas na elaboração de

tintas e produtos farmacêuticos.

E ficámos a conhe-cer a bela e românti-ca história de Bué Maria, a mulher que se apaixonou sem ser correspondida e que desapareceu misteriosamente daquele rochedo (bué, em língua local).

Cascatas de Murombodzi

Estando na reserva aprovei-támos para fazer uma caminhada pela Serra da Gorongosa, indo até às cascatas de Murombodzi.

Grande parte do desenvolvimento

do ecoturismo cen-tra-se na Serra da Gorongosa – uma fonte vital de água para o parque e habitat natural para muitas espécies raras de aves e plan-tas.

O PNG está a traba-lhar com as comuni-dades que aí vivem para proteger a ser-ra, formando guias e cobrando taxas de entrada na serra, cujo valor é deposi-tado numa conta bancária gerida pela comunidade. Os turistas que optem por fazer caminha-das na serra estarão a contribuir directa-

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à escola. Apesar de ainda só serem 9h30 da manhã, o sol já picava na pele. Pas-sámos pela grande árvore acolhedora de pessoas e conversas, e falámos com o secretário da comunidade. Dissemos-lhe que trazíamos roupa para as crianças da escola, mas também para bebés.

A notícia depressa se espa-lhou pela aldeia. Pouco depois de ter-mos chegado à esco-la, já estavam deze-nas de mães com os seus bebés à espera da oferta de roupa.

Começámos por fazer a distribuição às mães na sala dos professores, mas devido à enchente, mudámo-nos para uma sala de aula.

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mente para o negócio do ecoturismo e ofe-recer à comunidade local uma alternativa às queimadas agríco-las destrutivas.

Do acampamento do Chitengo até à Vila da Gorongo-sa são aprox. 40 –50 minutos. No final da vila, sai-se da estrada nacional e metemos por uma picada, muito estrei-ta, somente com a largu-ra do jipe, ladeada de machambas de milho e de mapira! De quando em quando cruzavam-se connos-co homens que iam trabalhar nas machambas, mulhe-res que iam ao rio lavar a roupa ou que iam buscar água e crianças no caminho para a escola com o seu banquinho da escola à cabeça.

Connosco foi o Sr. Castro, um jovem guia, muito solícito e

motivador. Deixámos o carro no quintal do Sr. Esteves, o encar-regado do régulo de Murombodzi que tem por função gerir o livro de visitantes da cascata e recolher os 100 meticais da entrada no regulato.

A caminhada de aprox. 5 km (1h—1h30) do parque de estacionamento até às cascatas é dura — especialmente na época das chuvas, durante as quais os caminhos não são limpos e, por isso,

estão cheios de capim, bem verde, fresco e alto. É selva pura! E nós sem catana para abrirmos o caminho! O terreno é muito acidentado com subidas e desci-das, o que fez a Ana Mª pensar várias vezes em desistir. Mas o Castro dizia sempre: “A Sra. D. Ana Mª vai até às cascatas. Eu levo-a lá”. E não é que levou mesmo?

E valeu a pena. A

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quantidade de água que cai cheia de força e energia pelos diver-sos patamares rocho-sos é tal que o baru-lho mal nos deixa ouvir o que os outros dizem. Com a ajuda do Castro subimos até ao último pata-mar e tomámos banho debaixo das cascatas. A força era tal que quase nos derrubava. A água era límpida, cristali-na, fresca. Saindo debaixo do caudal e dando um passo em frente, tivemos um espectáculo inesque-cível: um arco íris de 360º connosco no meio!!!!! Fantástico!

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raminho de oliveira mas … um pre-servativo….

Chimoio, a capital da província de Manica, tem uma locali-zação privi-

legiada por se encon-trar no corredor da Beira que liga o Zim-babwe à Beira, ou seja, à costa.

O nome original da cidade foi Mandingos, embora haja bases históricas para con-cluir que Chimoio foi criado num local que se chamou original-mente Chimiala. Mandingos foi funda-da em 1895, mas a partir de 1916 recebe o nome de João Pery de Lind, governador do território pela Companhia de Moçambique, tornan-do-se Vila Pery. Foi elevada a cidade a 13 de Julho de 1969.

Ao aproximarmo-nos da cidade, vemos logo a chamada

“Cabeça de Velho”, uma forma-ção rochosa que lembra a cabe-ça dum velho.

Assim que entramos na cidade, temos logo a primeira lição de História no mural alusivo à indepen-dência (25 de Julho de 1975) pintado na Praça dos Heróis.

A cidade é um museu vivo no que respeita a arquitec-tura colonial. Inte-ressante é também a mesquita.

De Chimoio fomos para Quelimane. No caminho passamos por vilas, aldeias e quintais onde ainda muito falta.

A água tem de ser tirada à bomba, a escola é debaixo da árvore, a procura de energia leva a des-bastar as florestas e a transfor-mar as árvores em car-vão vege-tal.

P á g i n a 7

Fomos essencial-mente a Chimoio para a Ana Mª revi-ver a sua terra natal.

Foi em Vila Pery, actualmente Chi-moio, que eu passei parte das férias grandes de 1971. Queria ver o quartel, mas não me deixa-ram entrar…

A Ana Mª teve mais sorte: pudemos entrar no antigo hospital, agora transformado em biblioteca da escola de técnicos de saú-de, e o actual hospi-tal. O que mais nos fascinou foi porém o mural na parede junto à porta de entrada do hospital: uma pomba não da paz, mas da luta anti HIV — é que a pom-ba tinha no bico não o

Chimoio

Em Chimoio

aprendi a fazer matapa, que senhora que

pilava o amen-doim para esse

“caril”.

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Atra-

vessámos a novíssi-ma ponte de Caia, inaugurada em 2009 e que ficou com o nome do actual pre-sidente da repúbli-ca...

A cidade de Quelima-ne, , que nos recebe com lindos coquei-rais e uma grande activi-dade comer-cial, está situada a 20 km da foz do rio dos Bons Sinais, viven-do da pesca, do porto e da agricultura (bananas, ananases, cocos).

Era um importante centro comercial suaile quando os

portugueses ali chegaram em 1498, tendo sido definitivamente ocupada em 1530.

Actualmente, está muito mal tratada, com muitas ruas sem alcatrão e com enormes buracos que parecem cra-

teras.

A belíssima Catedral Velha está em ruí-nas. Terá sido cons-truída no último quartel do século XVIII com as rendas da escravatura para memória futura e salvação das almas dos negreiros.

Nas lajes do chão repousam os restos mortais de ilustres portugueses que governaram a Zam-bézia.

Pernoitámos no hotel Chuabo, mesmo em frente à catedral e ao rio e com uma vista magnífica dos anda-res mais altos. Com os seus oito pisos é o edifício mais impo-nente de Quelimane. Foi cons-truído nos anos 60 do século XX quando a Zambézia prosperava. Nessa altu-ra, Lindolfo Monteiro, o

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maior empresário da região, mandou edifi-car este grandioso hotel com 130 camas, 63 quartos, restaurante e snack-bar. No interior, há fantásticos porme-nores da arquitectu-ra dessa época como a larga escada em caracol que dá aces-so aos andares supe-riores. Depois de 30 anos entregue ao Estado, o Chuabo voltou à exploração privada em Novem-bro de 2005. Precisa no entanto duma grande remodelação.

Quelimane

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da à produ-ção de casta-nha de caju, algodão, tabaco, pedras pre-ciosas, urâ-nio e outros minerais. No centro da

cidade, fica a cate-dral, a primeira do mundo dedicada a Nossa Senhora de Fátima. É um edifício de duas torres e uma cúpula maciça.. Foi sagrada no dia 23 de Agosto de 1956, pelo Cardeal D. Teodósio Clemente de Gou-veia.

O Museu Nacional de Etnologia, inaugura-do pelo Presidente Craveiro Lopes, em Agosto de 1956, teve o projecto original pelo arquitecto Mário Oliveira, entre-tanto várias vezes transformado. Alber-ga diversas obras

ilustra-tivas da vida quoti-diana e da cul-tura moçam-bicana. Nas trasei-ras do museu, arte-sãos macondes e macuas fazem e ven-dem os seus objec-tos tradicionais, como as esculturas de pau-preto e ola-ria, produção de artigos de palha como é o caso das peneiras, cestos, esteiras entre tantos outros.

Entre Nampula e a Ilha, parámos em Carapira para visitar a igreja que os com-bonianos aí cons-truíram há já 45 anos e que agora tem anexada uma escola técnica. Irmãos e leigos ten-tam manter viva a chama de Daniel Comboni que queria que o Instituto que fundou a 1 de Junho de 1867 fosse uma família missio-nária de padres e irmãos.

P á g i n a 9

A estrada de Queli-mane para a ilha tinha pedaços bons e pedaços completa-mente estragados. Até Mocuba a estra-da estava óptima. Mas logo a seguir à ponte de Mocuba, o alcatrão foi-se e durante 50 km tive-mos somente bura-cos, buracos, bura-cos. Felizmente, ao longo do caminho havia muito que ver: mais escolas debaixo de árvores, vendedo-res de galinhas vivas que eram agitadas para cima e para baixo para chamar a atenção dos automo-bilistas, vendedores de fruta, vendedores de amendoins e, depois já para os lados de Nampula, de caju, enfim, toda a vida na estrada.

Nampula, a 3ª cida-de de Moçambique, tem um ar mais arranjado do que Quelimane e até do que Chimoio. A sua economia está essencialmente liga-

Mocuba e Nampula

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Final-mente chegá-mos à Ilha de Moçam-bique, capital da pro-víncia ultra-

marina portuguesa até ao século XIX. Foi decretada Património Mundial da Humani-dade pela UNESCO em 1996. É a Ilha, aonde os Vasco da Gama chegou em 1498; nessa épo-ca era senhor da ilha um sheik árabe, Mussa Ben Mbiki ou Mussal A'l Bik, que acabaria por ver o seu nome atri-buído à ilha coloca-da sob a dependência do vice-rei da Índia. Os portugueses fixa-ram-se na ilha de Moçambique, em

1507.

O cruzamento secu-lar e histórico de vários povos que ali sucedeu faz com que a importância histó-rica-cultural da Ilha ultrapasse as frontei-ras nacionais

A parte mais antiga, a cidade de macuti, é constituída de adobe. Com as suas casas toscas, feitas de canas horizontais e barro, e telhados de

colmo, é bem diferen-te da cidade de pedra de coral e cal. Na cidade de macuti (palmeira cuja seiva misturada com arreia faz uma espécie de cimentos), as ruelas

são de areia e não há sanea-mento básico.

As casas da cidade de pedra têm o telhado (de pedra) incli-nado para a recolha das águas pluviais que são condu-zidas para três cisternas, que depois é distri-

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Quando em 1498, Vasco da Gama chegou à

ilha, esta era dominada pelo

sheik árabe, Mussa Ben

Mbiki ou Mussal A'l Bik,

que deuo nome à ilha

buída pelas cidades desta parte da ilha. Na cidade de macuti, a água é retirada de poços. A ilha tem vários pontos de interesse histórico-cultural como o é o caso do Museu de Arte Acra, capela Manuelina (único exemplar em Moçambique), Palá-cio de São Paulo, templo Hindu, Monu-mento Luis de

Camões, Fortaleza de São Sebastião, entre outros monumentos.

A Fortaleza de São Sebastião foi-nos toda explicada pelo Sr. José Andrade, um jovem guia de 29

anos.

Cheia de mistério é a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, a primeira capela portuguesa construí-da no hemisfério sul na África Austral em 1522. Nesta capela estão diversos túmu-los entre os quais o do bispo Sebastião Morais, o 1º bispo jesuíta do Japão, expulso desse país por ter querido aca-bar com a cultura japonesa. Morreu em 1588.

A construção desta capela está ligada a

Ilha de Moçambique

1971 2010

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era levado à igreja para que o padre lhe abençoasse a alma a Deus. Daí seguia para o campo da morte para ser fuzila-do. Se por acaso, o soldado falhava, o prisioneiro era pou-pado, mas tinha de voltar para o cárcere — e o soldado era fuzilado no lugar do prisioneiro. O Museu da Ilha está instalado na antiga casa de visitaras do governa-dor, toda decorada à

moda indo-europeia.

A saída/entrada da Ilha faz-se por uma longa ponte estreitís-sima de 3.5 km, construída em 1969.

Regressámos à Beira, a 2ª cidade do país. Foi fundada em 1887

numa área conhecia pelo nome de Aruân-gua, tendo recebido inicialmen-te o nome de Chiveve, de um cur-so de água

local. A cidade rece-beu o nome actual em homenagem ao Príncipe da Beira, D. Luís Filipe.

O seu porto é muito importante, sendo a ligação ao mar do Corredor da Beira que liga o Zimbabwe ao Índico.

Já no tempo colo-nial, a Beira tinha daí grande impor-tância. Espelho des-sa importância é a belíssima estação dos caminhos de fer-ro, construída em 1968, tendo sido na altura considerada pela revista america-na "Newsweek" , como a mais bela de toda a África e a sétima colocada numa lista que com-preende nove esta-ções ferroviárias eleitas, median-te moni-toria especia-lizada feita em todos os conti-nentes.

P á g i n a 1 1

uma lenda popular. O monstro manuanti satisfazia todos os desejos. Bastava dizer: “Quero uma casa aqui” e a casa aparecia precisa-mente nesse lugar. Dizia: “Quero um poço aqui”, e o poço aparecia nesse pre-ciso lugar. Um dia, ele disse: “Quero uma igreja aqui” e naquele lugar apare-ceu a capela de Nos-sa Senhora do Baluarte. O baluarte que está mesmo atrás da capela é o único da ilha sem canhões — para protecção da cape-la.

Interessante é a cadeia subterrâ-nea — da qual agora só se vê o local. Só tinha uma entrada/saída. Se o prisioneiro, normal-mente escravos com visão e prisioneiros de guerra, não mor-ria (apodrecia, seria talvez a palavra cer-ta) na masmorra,

Beira

Beira recebeu o

nome em homenagem a D. Luís Filipe,

Príncipe da Bei-ra

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A cidade ainda tem uma grande colecção de edifícios coloniais, alguns dos quais bem recuperados — e outros completamen-te abandonados, como o Grande Hotel, um hotel de luxo inaugurado em 1954,

tendo-se tornado durante a guerra civil num campo de refu-giados. Hoje em dia, ainda 1000 pessoas habitam o complexo, que se tornou num

ver-

dadeiro bairro de lata na vertical. Todo o soalho de madeira foi arrancado e usa-do como lenha para cozinhar.

Muito popular é a praia do Macuti, domina-da pelo barco que aí se afundou mesmo em frente do farol.

Muito bem ins-talados no Jar-

dim das Velas, pas-sámos aí dois dias de descan-so — ali-mentados a camarão gigante acabado de pescar e grelhado

pelo Hans-Jürgen.

Fizemos ainda uma excursão até Nhan-

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São muitas as comunidades

que vivem inteiramente da

pesca

gau, um projecto social de apoio a ido-sos acarinhado nos anos 40 pelo então capital Pinto Soares, e ao Rio Savane, uma praia na foz do rio do mesmo nome, a 34

km da Beira.

O complexo turístico é engraçadinho: os bungalows estão espalhados no meio do coqueiral. Ainda estávamos a arrumar as nossas coisas, quando um macaco de cara preta se veio sentar mesmo à fren-te da nossa janela!

Mesmo ao lado um lugarejo de pescado-

res, no qual toda a comu-nidade se dedica à fai-na, quer pes-cando, quer arranjando as redes, quer secan-do o peixe. O peixe fresco é vendido na

cidade. O peixe seco é vendido para a pro-víncia.

Rio Savane