pontifÍcia universidade catÓlica do rio grande do … · aos amigos, fernanda carvalho e lucas...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA PRISLA ÜCKER CALVETTI TESE DE DOUTORADO FATORES BIOPSICOSSOCIAIS PREDITIVOS PARA A ADESÃO E QUALIDADE DE VIDA EM PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS BEM-SUCEDIDAS NO TRATAMENTO DE SAÚDE Profº Dr. Gabriel José Chittó Gauer Porto Alegre 2010

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  • 1

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    DOUTORADO EM PSICOLOGIA

    PRISLA CKER CALVETTI

    TESE DE DOUTORADO

    FATORES BIOPSICOSSOCIAIS PREDITIVOS PARA A ADESO E QUALIDADE

    DE VIDA EM PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS BEM-SUCEDIDAS NO

    TRATAMENTO DE SADE

    Prof Dr. Gabriel Jos Chitt Gauer

    Porto Alegre

    2010

  • 2

    PRISLA CKER CALVETTI

    FATORES BIOPSICOSSOCIAIS PREDITIVOS PARA A ADESO E QUALIDADE

    DE VIDA EM PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS BEM-SUCEDIDAS NO

    TRATAMENTO DE SADE

    Tese de Doutorado apresentada ao

    programa de Ps-graduao em Psicologia

    da Faculdade de Psicologia da PUCRS para

    obteno do grau de Doutor em Psicologia

    Orientador: Prof Dr. Gabriel Jos Chitt Gauer

    Porto Alegre

    2010

  • 3

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    DOUTORADO EM PSICOLOGIA

    FATORES BIOPSICOSSOCIAIS PREDITIVOS PARA A ADESO E QUALIDADE

    DE VIDA EM PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS BEM-SUCEDIDAS NO

    TRATAMENTO DE SADE

    Banca Examinadora

    ______________________________________________

    Prof Dr. Gabriel Jos Chitt Gauer

    Programa de Ps-graduao em Psicologia

    Orientador Presidente

    ______________________________________________

    Profa Dra. Margareth da Silva Oliveira

    Programa de Ps-graduao em Psicologia PUCRS

    ______________________________________________

    Prof Dr. Alfredo Cataldo Neto

    Programa de Ps-graduao em Gerontologia PUCRS

    Programa de Ps-graduao em Direito PUCRS

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Silvia Pereira da Cruz Benetti

    Programa de Ps-graduao em Psicologia - UNISINOS

  • 4

    s minhas fontes de suporte social mais significativas...

    Ao meu amor Gasto pelo amor incondicional e serenidade

    e ao nosso presente provindo deste perodo,

    ao filho Bencio por

    proporcionar ainda mais sentido as nossas vidas.

    Aos meus pais, Diva e Ado e irmo Patrick

    pelo incentivo aos meus sonhos,

    segurana e confiana transmitida para a realizao deles

    e parceria em todos os momentos.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador, pelo incentivo a autonomia do desenvolvimento deste estudo

    e confiana depositada no meu potencial e na realizao do trabalho desde o princpio.

    A minha colega e amiga Grazielly Giovelli que tive a satisfao de conhecer e de

    estabelecer parceria para a realizao desta tese de doutorado. Sou grata a companhia

    dela em todas as etapas deste estudo, tornando-o ainda mais prazeiroso, alm de

    mantermos constantemente a seriedade do trabalho.

    Em especial, aos bolsistas de iniciao cientfica, Clarissa Trevisan da Rosa;

    Jamille Ovadia Moraes e Pedro Augusto Marini pelo apoio constante no

    desenvolvimento desta pesquisa, por mostrarem-se motivados no trabalho e com

    dedicao a cada participante e colega da equipe envolvida.

    Ao professor estatstico Joo Feliz Moraes que contribuiu para a anlise dos

    dados, e por sua motivao nas discusses integradoras entre resultados e o campo da

    pesquisa.

    Ao professor Eduardo Remor pelo incentivo e troca de idias na construo das

    pesquisas na rea deste estudo.

    Ao financiamento do CNPq Edital MCT/CNPq 03/2008 - Cincias Humanas,

    Sociais e Sociais Aplicadas, processo nmero 400325/2008-0 e a obteno de bolsa de

    Iniciao Cientfica pelo PIBIC/CNPq (129884/2009-0).

    Ao financiamento do Centro de Estudos de AIDS/DST do Rio Grande do Sul

    (CEARGS)/Universidade da Califrnia em So Francisco, por meio do projeto

    International Clinical, Outcomes and Health Services Research and Training Award

    from the John E. Fogarty International Center of the United States National Institutes of

    Health (5D43TW005799).

  • 6

    instituio apoiadora ATP - Empresa Associao dos Transportadores de

    Passageiros de Porto Alegre pela ajuda de custo por meio de vale-transporte fornecidos.

    Ao SAPP Servio de Atendimento Psicolgico e Pesquisa da PUCRS pela

    disponibilizao de salas para coleta de dados com os participantes da pesquisa.

    doutora Cndida Neves representando o Ambulatrio de Infectologia do HSL-

    PUCRS pelo apoio constante e o engajamento da sua equipe do servio de sade e ao

    acolhimento que esta proporcionou para a nossa equipe em coleta no campo.

    Ao doutor Breno Riegel pelo apoio a este estudo e a sua equipe pelo

    acolhimento no Ambulatrio de Infectologia do GHC.

    Ao GAPA/RS por proporcionar mais um local para a coleta deste estudo e apoio

    a nossa equipe.

    Aos amigos, Fernanda Carvalho e Lucas Neiva-Silva, Tiane Grazziotin e Camile

    Gross pela amizade incondicional e carinho recebido em todos os momentos. Alm

    disso, por serem incentivadores da minha trajetria profissional.

    querida Jenny Moskovics pela sua presena e carinho em momentos

    significativos de realizaes profissionais e pessoais.

    psicloga Alba Recalde por estar comigo nos percursos mais significativos,

    inclusive neste momento.

    Ao grupo de pesquisa pelo acolhimento e apoio recebido em todas as etapas

    deste estudo. Em especial, a Trcia Davoglio pelo coleguismo e amizade demonstrada

    em momentos de dificuldade e de alegria.

    Ao PPGP-PUCRS pela estrutura oferecida e apoio da secretaria e professores,

    em especial querida Profa. Margareth de Oliveira.

    CAPES que me proporcionou a bolsa do doutorado.

  • 7

    PUCRS pelo acolhimento e a estrutura oferecida para a realizao do

    doutorado. Sou grata pela instituio por fazer parte da minha trajetria de formao

    acadmica desenvolvida com qualidade.

    Muito obrigada!

  • 8

    RESUMO

    Esta tese de doutorado objetivou investigar os fatores biopsicossociais preditivos para a

    adeso ao tratamento bem-sucedida e qualidade de vida de pessoas que vivem com

    HIV/Aids. Para tanto, apresenta-se em trs sees, sendo uma terica, e duas com

    resultados empricos. A seo I discute as repercusses do modelo biopsicossocial da

    Psicologia da Sade e os princpios da sade pblica para a adeso ao tratamento nesta

    populao. A seo II relata o estudo emprico transversal, descritivo e correlacional

    que objetivou identificar a caracterizao da amostra por meio dos dados scio-

    demogrficos e clnicos (carga viral e contagem de linfcitos T CD4+); avaliar os

    aspectos psicossociais: nveis de ansiedade, nveis de depresso e estresse percebido,

    suporte social e qualidade de vida nesta amostra de pessoas que vivem com HIV/Aids.

    Alm disso, foram correlacionados dados sociodemogrficos e clnicos com os aspectos

    biopsicossociais descritos. A amostra foi constituda de 120 portadores do HIV/Aids, do

    sexo masculino e feminino, com idade entre 18 a 65 anos, em tratamento antiretroviral.

    Os instrumentos utilizados foram: Questionrio de dados sociodemogrficos e da

    situao clnica; Inventrio Depresso de Beck, Inventrio de Ansiedade de Beck,

    Escala de Stress Percebido (PSS), Escala de Suporte Social para Pessoas Vivendo com

    HIV/Aids, Instrumento de Avaliao da Qualidade de Vida da Organizao Mundial de

    Sade (WHOQOL-HIV Bref) e CEAT-VIH - Questionrio de avaliao da adeso ao

    tratamento antiretroviral. Os resultados destacam que o suporte social est relacionado

    com a adeso ao tratamento. Pode-se salientar tambm que a rede social se apresenta

    como amortecedora de situaes de estresse na convivncia com a doena. A seo III

    relata o estudo emprico que investigou os fatores preditivos para a proteo da adeso

    nesta populao bem-sucedida no tratamento. A amostra e os instrumentos so os

    mesmos da seo anterior. Neste priorizou-se a apresentao dos fatores preditivos por

    meio de anlises estatsticas de associao qui-quadrado e regresso logstica. Os

    resultados apontam os seguintes aspectos preditivos de proteo para a adeso: classe

    social, estgio HIV percebido, domnio I fsico e domnio V meio ambiente da

    qualidade de vida. A pesquisa desta tese demonstra a importncia do suporte social, de

    ter acesso aos servios de sade, obter informaes sobre a doena, sentir-se bem em

    relao sade fsica e meio ambiente onde vive e segurana. Os aspectos descritos so

    de proteo manuteno da sade para a adeso ao tratamento e qualidade de vida.

    Para tanto, os psiclogos e pesquisadores dos contextos de sade necessitam, a partir

    dos resultados desta pesquisa e outros que corroboram para os fatores preditivos de

    sucesso para a adeso, propor estratgias e aes voltadas para a sade pblica, no

    intuito do fortalecimento do tratamento. Neste sentido, a ateno deve ser sob a

    perspectiva do modelo biopsicossocial para o aumento da qualidade de vida e estilo de

    vida saudvel das pessoas que vivem com HIV/Aids.

    Palavras-chaves: Psicologia da Sade; modelo biopsicossocial; HIV/Aids; adeso ao

    tratamento; qualidade de vida.

    rea do conhecimento: Psicologia (7.07.00.00-1)

  • 9

    ABSTRACT

    This PhD thesis aimed to investigate the predictive biopsychosocial factors for

    treatment bonding and quality of life of HIV-positive people who are successfully

    follow the treatment. For this purpose, three sections have been presented, one of which

    is theoretical and the other two are based in the empirical results. The section I debates

    the repercussion of Health Psychologys biopsychosocial model and public healths

    principles fro treatment bonding in this population. The section II reports the

    descriptive, transversal and co-relational empiric study which has objectified the

    characteristics of the sample through the clinical (viral load and count of CD4+ T

    lymphocytes) and socio-demographical data; evaluate the psychosocial aspects: level of

    anxiety, level of depression and perceived stress, social support and quality of life of

    this sample of HIV-positive people. Moreover, it has correlated clinical and socio-

    demographical with the biopsychosocial aspects mentioned above. The sample had 120

    HIV-positive people, male and female, from 18 to 65 years old, undergoing

    antiretroviral treatment. The assessment instruments used are the following:

    questionnaire on clinical situation and socio-demographical data , Beck depression

    inventory, Beck anxiety inventory, Perceived stress scale (PSS), Social support scale for

    HIC-positive people, World Health Organization questionnaire on quality of life

    (WHOQOL-HIV Bref) and the CEAT-VIH questionnaire on evaluating antiretroviral

    treatment bonding. The results point out that social support relates to treatment bonding.

    Its also possible to highlight that the social network attenuates episodes of stress when

    living with this illness. The section III reports the empirical study which has

    investigated the predictive factors for protecting treatment bonding in this population.

    The sample and the instruments are the same as in section II. In this stage, presenting

    the predictive factors via statistical analysis of chi-square association and logistic

    regression has been prioritized. The results indicate the following predictive aspects of

    bonding protection: social class, perceived HIV stage, dominium I physical and

    dominium V environment and quality of life. The survey of this thesis shows the

    importance of social support, having access to health services, gathering information

    about the illness, feeling well about physical health and environment where he/she lives

    as well as safety. The aspects described above concern quality of life and protection of

    the maintenance of health for treatment bonding. For this purpose, health psychologists

    and researchers need to propose strategies and actions toward public health in order to

    fortify the treatment, according to the results of this research in addition to others which

    corroborate the predictive factors of success for treatment bonding. In this manner, the

    attention should be from the perspective of the biopsychosocial model in order to

    enhance the quality of life and a healthy lifestyle of the HIV-positive people.

    Key words: health psychology; biopsychosocial model; HIV/AIDS; treatment bonding;

    quality of life.

    Area of Knowledge: Psychology (7.07.00.00-1)

  • 10

    SUMRIO

    TABELAS.......................................................................................................................12

    LISTA DE SIGLAS.........................................................................................................14

    INTRODUO...............................................................................................................15

    SEO 1 Contribuies da Psicologia da Sade para a adeso ao tratamento e

    qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids sob a perspectiva do modelo

    biopsicossocial.................................................................................................................22

    Introduo............................................................................................................22

    Contribuies da Psicologia da Sade: o modelo biopsicossocial......................22

    Princpios da sade pblica para o fortalecimento da adeso ao tratamento de

    pessoas que vivem com HIV/Aids...................................................................................25

    Consideraes......................................................................................................30

    SEO 2 Estudo I - Influncia das variveis biopsicossociais na adeso ao tratamento

    e qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento

    antiretroviral....................................................................................................................31

    Introduo............................................................................................................31

    Mtodo.................................................................................................................33

    Participantes..................................................................................................34

    Instrumentos..................................................................................................34

    Procedimentos para coleta e anlise dos dados.............................................36

    Procedimentos ticos....................................................................................36

    Resultados............................................................................................................37

    Discusso.............................................................................................................41

    Concluso............................................................................................................44

  • 11

    SEO 3 - Estudo II - Fatores biopsicossociais preditivos para a adeso e qualidade de

    vida de pessoas que vivem com HIV/Aids bem-sucedidas no tratamento de

    sade................................................................................................................................45

    Introduo............................................................................................................47

    Mtodo.................................................................................................................47

    Participantes..................................................................................................47

    Instrumentos..................................................................................................47

    Procedimentos para coleta dos dados...........................................................48

    Procedimentos para anlise dos dados..........................................................48

    Procedimentos ticos....................................................................................49

    Resultados............................................................................................................49

    Discusso.............................................................................................................53

    Concluso............................................................................................................55

    CONSIDERAES FINAIS..........................................................................................57

    REFERNCIAS..............................................................................................................60

    APNDICES...................................................................................................................69

    Apndice 1 Aprovao do Comit de tica em Pesquisa da Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio Grande do Sul (CEP 08/04228).............................................................70

    Apndice 2 Aprovao do Comit de tica em Pesquisa do Grupo Hospitalar

    Conceio (GHC) (CEP101/08)......................................................................................72

  • 12

    TABELAS

    Seo 2: Estudo I Influncia das variveis biopsicossociais na adeso ao

    tratamento e qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids em

    tratamento antiretroviral

    Tabela 1 - Caracterizao da amostra (N=120) dados sociodemogrficos e clnicos de

    pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento antiretroviral.....................................37

    Tabela 2 - Apresentao das mdias e desvio padro dos sintomas de ansiedade,

    sintomas de depresso, estresse percebido, suporte social, qualidade de vida e adeso ao

    tratamento de pessoas que vivem com HIV/Aids (120)..................................................39

    Tabela 3 - Correlao entre sintomas de ansiedade, sintomas de depresso, estresse

    percebido, suporte social, qualidade de vida e adeso ao tratamento de pessoas que

    vivem com HIV/Aids (N=120).......................................................................................41

    Seo 3: Estudo II Fatores biopsicossociais preditivos para adeso e qualidade de

    vida em pessoas que vivem com HIV/Aids bem-sucedidas no tratamento de sade

    Tabela 1 Associao entre variveis sociodemogrficas e da situao clnica e adeso

    baixa/insuficiente ou regular e adeso estrita em pessoas que vivem com HIV/Aids

    bem-sucedidas no tratamento de sade (N= 120)............................................................50

    Tabela 2 Regresso logstica univariada pelo mtodo enter da varivel adeso

    terapia antiretroviral como funo das variveis categricas da situao

    sociodemogrfica e clnica em pessoas que vivem com HIV/Aids

    (N=120)...........................................................................................................................51

    Tabela 3 Regresso logstica univariada pelo mtodo enter da varivel adeso

    terapia antiretroviral como funo das variveis numricas (nveis de depresso, nveis

    de ansiedade, estresse percebido, suporte social e qualidade de vida) em pessoas que

    vivem com HIV/Aids (N=120)........................................................................................52

  • 13

    Tabela 4 Regresso logstica multivariada pelo mtodo stepwise forward: wald para

    identificao dos fatores preditivos independentes para a adeso ao tratamento

    antiretroviral em pessoas com HIV/Aids (N=120)..........................................................52

  • 14

    LISTA DE SIGLAS

    Aids: Acquired immune deficiency syndrome

    ANPEPP: Associao Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Psicologia

    APA: American Psychology Association

    BAI: Beck Depression Inventory

    BDI: Beck Anxiety Inventory

    CAPES: Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CEAT-VIH: Cuestionario para la Evaluacin de la Adhesin al Tratamiento

    Antiretroviral em personas con infeccin por VIH y SIDA

    CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CV: Carga viral

    DST: Doenas sexualmente transmissveis

    HIV: Human immunodeficiency virus

    ITRN: Inibidores da Transcriptase Reversa Anlogo de Nucleosdeos

    ITRNN: Inibidor Transcriptase Reversa No Anlogo de Nucleosdeos

    OMS: Organizao Mundial da Sade

    ONG: Organizao no-governamental

    OSC: Organizao da sociedade civil

    SPP: Scale Stress Perception

    SPSS: Statistical Package for the Social Sciences

    UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

    WHOQOL-HIV bref: World Health Organization Quality of Life assessment instrument

    in patients with human immunodeficiency virus infection

  • 15

    INTRODUO

    H trs dcadas ocorreu a identificao do Vrus da Imunodeficincia Humana

    (HIV) e da Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (Aids), porm, nesse curto perodo

    de tempo, o nmero de pessoas infectadas e doentes tm aumentado significativamente.

    O HIV um retrovrus que causa no organismo disfuno imunolgica crnica e

    progressiva devido ao declnio dos nveis de linfcitos CD4+, sendo que quanto mais

    baixo for o ndice desses, maior o risco do indivduo desenvolver Aids. O perodo entre

    a aquisio do HIV e a manifestao da doena pode durar alguns anos, porm, apesar

    de o indivduo portador do vrus estar muitas vezes assintomtico, pode apresentar

    importantes transtornos na esfera psicossocial, a partir do momento do diagnstico

    (Canini, Reis; Pereira, Gir & Pel, 2004).

    Estudos mostram as diversas alteraes que podem ocorrer no sistema nervoso

    central dos pacientes com HIV/Aids, associadas com depresso e estresse que podem

    influenciar a evoluo da doena. Tais alteraes nos estados psquicos e sociais podem

    contribuir para aumentar a vulnerabilidade biolgica (Thompson , Nanni & Levine,

    1996; Kiecolt-Glaser, 1986; Bays, 1989).

    As alteraes psicolgicas mais significativas que experimenta a pessoa

    infectada, em diversos momentos - desde que conhece o resultado da soropositividade

    at as ltimas fases da doena so: ansiedade, depresso, ira, culpa, revolta, obsesses e

    auto-observao, alm de excessiva preocupao com a sade (Garcia-Huete, 1993;

    Bays, 1995). A doena costuma estar acompanhada de incertezas, gerando ansiedade,

    insegurana e medo (Almeida & Labronici, 2007).

    Estados depressivos do humor comumente esto associados presena de

    crenas negativas sobre a doena e sentimentos de desesperana, fazendo com que a

    pessoa no se sinta motivada para cuidar de sua prpria sade e no confie em suas

    habilidades para lidar com as exigncias do tratamento. As manifestaes de ansiedade

    (sensao de insegurana fsica, apreenso, temor ou ameaa, inquietao e palpitaes)

    podem ocorrer em algumas situaes especficas, tais como: o medo de ter contaminado

    parceiros e/ou filhos; receio da revelao do diagnstico e de rejeies implcitas e

    explcitas; mudanas do esquema teraputico, por falncia ou intolerncia; variao nas

  • 16

    contagens de linfcitos T CD4+ e na carga viral, alm das dificuldades ligadas prtica

    de sexo seguro (Brasil, 2008).

    A ansiedade uma das reaes mais freqentes comum nas pessoas que vivem

    com HIV/Aids, acompanhadas, em alguns casos, pela perda do sono e memria. O

    temor de adoecer gravemente, de morrer, de sentir-se discriminado socialmente, e a

    raiva com relao aos demais so tambm algumas das reaes psicolgicas que mais

    freqentemente se associam s pessoas soropositivas ou com Aids. Em relao ao

    estresse, Ulla e Remor (2002) destacam que um nvel de ativao mantido no tempo

    com forte intensidade, ou ainda, com alta freqncia, pode levar ao desequilbrio de

    diversos sistemas ou rgos. Este nvel obriga o organismo a manter uma ativao

    acima de suas possibilidades e d lugar a um desgaste excessivo com possveis

    alteraes ou deteriorao no funcionamento dos rgos ou sistemas alvo. Outra reao

    psicolgica infeco HIV, que afeta muitas pessoas, a depresso. Conforme Bays

    (1994), a depresso e o estresse podem diminuir o nmero de linfcitos T CD4+ e

    piorar o estado de sade das pessoas que vivem com a doena.

    Embora o advento dos antiretrovirais, para o tratamento dos indivduos com

    HIV/Aids, vem proporcionando aumento no tempo de sobrevida, o seu alto custo e

    inmeros efeitos colaterais, associados inexistncia de cura para a doena tm

    direcionado investigaes sobre o impacto qualitativo dessa teraputica na qualidade de

    vida como tambm a resistncia viral, a toxicidade das drogas e a necessidade de

    elevada adeso ao tratamento ainda permanecem como importantes barreiras ao sucesso

    prolongado da terapia (Brasil, 2006).

    A adeso ao tratamento antiretroviral, segundo Kern (2004), est associada

    forma como a pessoa portadora conduz ou pretende conduzir sua vida sexual e seus

    hbitos e relaes sociais, assim como maneira como a pessoa v a si e como se sente

    frente situao presente. Aderir ao tratamento medicamentoso uma tentativa de

    inibir ou retardar a degradao sofrida pelo vrus e controlar a carga viral. Muitas vezes

    eficincia do tratamento possibilita com que a pessoa viva muitos anos sem a

    manifestao de doenas oportunistas da Aids, como tuberculose, herpes genital, entre

    outras patologias.

  • 17

    A partir de meados dos anos 1990, os estudos passaram a investigar associaes

    entre variveis psicolgicas (o enfrentamento e suporte social) e a percepo da

    qualidade de vida. Tais estudos identificam fatores que propiciam o ajustamento

    condio de enfermidade crnica e enfrentamento ativo diante da disponibilidade de

    tratamento (Seidl, Zannon & Trccoli, 2005; Dunbar, Mueller, Medina & Wolf, 1998;

    Friedland, Renwick & McColl, 1996).

    O temor de sentir-se discriminado socialmente tambm uma das reaes

    psicolgicas que mais freqentemente se associam s pessoas soropositivas (Garcia-

    Huete, 1993; Bays, 1995). Esta reao, muitas vezes, gera o isolamento social, alm de

    uma restrio dos relacionamentos interpessoais e dificuldades no campo afetivo-sexual,

    com impacto negativo na rede social de apoio de pessoas que vivem com HIV/Aids

    (Green, 1993). Evidencia-se a associao entre disponibilidade e satisfao com o

    suporte social, bem-estar psicolgico e percepo positiva da qualidade de vida,

    corroborando achados que indicam o papel do suporte como moderador do estresse em

    contextos relacionados ao processo sade-doena (Leserman, Petitto; Golden, Gaymes,

    Gu, Perkins, Silva, Folds & Evans, 2000).

    fundamental o suporte disponibilizado por instituies, como servios de

    sade e ONG (Organizao No-governamental) ou OSC (Organizao da Sociedade

    Civil). Nestes servios, os profissionais de sade podem consolidar parceiras

    institucionais e/ou intersetoriais para acolhimento e resolues de demandas dessas

    pessoas para o fortalecimento da adeso ao tratamento (Brasil, 2008b).

    Segundo, Heyland, Guyatt, Cook, Meade, Juniper e Cronin (1998) a qualidade

    de vida relacionada sade considerada um conceito muito mais amplo, uma vez que

    aborda tanto os conceitos de qualidade de vida global quanto aqueles relacionados ao

    prprio estado de sade. Para Minayo, Hartz e Buss (2000) o termo qualidade de vida

    bastante abrangente, estando diretamente relacionado s experincias individuais, em

    um dado momento do contexto sociocultural.

    Todavia, a inexistncia de cura para a maioria das doenas crnicas tem

    mostrado que a mensurao da qualidade de vida imprescindvel para a avaliao de

    estratgias de tratamento e avaliao de custo/benefcio. As medidas de qualidade de

    vida tornam-se ferramenta importante para direcionar a distribuio de recursos e a

  • 18

    implementao de programas de sade. A qualidade de vida, privilegia no s os

    aspectos fsicos, mas tambm s dimenses psquicas e sociais, por isso a necessidade

    do planejamento de cuidado integral sade pela equipe. Constitui fator importante de

    conhecimento dos psiclogos, a adeso ao tratamento (mdico e farmacolgico), alm

    dos aspectos psicossociais tais como estresse, ansiedade, depresso, e suporte social

    para auxiliar no fortalecimento da adeso e no aumento da qualidade de vida.

    Para tanto, esta tese originou-se da experincia da pesquisadora no atendimento

    e pesquisa com as pessoas que vivem com HIV/Aids. Esta teve a oportunidade de

    realizar a Residncia Integrada em Sade Coletiva pela Escola de Sade Pblica do

    Estado do Rio Grande do Sul (ESP/RS), sendo o campo de trabalho o servio de sade,

    Ambulatrio de Dermatologia Sanitria do Estado do RS, o qual atende pessoas com

    problemas dermatolgicos e doenas sexualmente transmissveis (DST) e HIV/Aids.

    Nesta experincia, muitas atividades e estudos vivenciou na rea. Com o interesse

    sempre voltado para o campo de sade, desde a promoo, preveno e tratamento, a

    pesquisa realizada no perodo foi direcionada para o campo da Dermatologia e Doenas

    Sexualmente Transmissveis.

    Em relao a preveno das DST, a atividade sempre foi dinmica, muitas

    instituies de diferentes segmentos: comunitrio, hospitalar, escolar e empresarial

    chamavam a equipe da instituio para palestrar sobre maneiras de prevenir a doena,

    tambm como atender as pessoas que vivem com HIV/Aids. A pesquisadora percebeu

    neste perodo, a existncia do estigma social ainda presente sobre as DST e o quanto

    faz-se necessrio o investimento no acesso a informao por meio de palestras, grupos

    de estudos, uma conversa de aconselhamento, dentre outras formas de educao em

    sade.

    No atendimento s pessoas que vivem com HIV/Aids desde a informao do

    diagnstico at o tratamento antiretroviral, sempre chamou a ateno da pesquisadora o

    modo com que cada portador enfrentava a doena. A profissional voltou-se para a busca

    do conhecimento sobre quais fatores protegem e so de risco para o agravamento do

    HIV. Caractersticas de personalidade, estado de humor, percepo da sade, rede de

    apoio, espiritualidade e religiosidade e da qualidade de vida era o que variava de um

    indivduo ao outro. A percepo destes aspectos, fomentou o interesse desta

    pesquisadora em seguir investigao na rea, posteriormente a Residncia.

  • 19

    No mestrado a pesquisadora investigou com destaque o tema da qualidade de

    vida na populao que vive com HIV/Aids atendida na rede pblica de sade. A

    profissional teve a oportunidade de ingressar em atividade como consultora da

    UNESCO na Seo de DST/Aids Secretaria de Sade do Estado do Rio Grande do

    Sul. Neste trabalho, a consultoria abrangeu atender todos os projetos sociais voltados

    para a preveno ao tratamento das DST/HIV/Aids no Estado. O principal foco foi

    selecionar e monitorar as equipes dos projetos sociais das organizaes no-

    governamentais, as quais so articuladoras da ateno na rea juntamente aos servios

    de sade. Tambm o que sempre chamou a ateno da pesquisadora no mbito do

    HIV/Aids, o fato de tratar de uma epidemia mundial que abrange todos os povos,

    culturas, classe social, idade, gnero e escolaridade. esta magnitude que demonstra o

    quanto faz-se necessrio o investimento em pesquisas que possam auxiliar na preveno

    e adeso e qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/Aids.

    Com o interesse na formao acadmica mais avanada e em seguir na rea de

    preveno e tratamento em sade por meio a realizao de pesquisa de campo, a

    pesquisadora decidiu aps um ano de consultoria ingressar no doutorado. Neste

    momento, surge a idia de realizar um projeto integrado de pesquisa com diferentes

    modalidades de mtodos de investigao, porm com encadeamento entre estudos, uma

    maneira de tambm exercitar a gesto em pesquisa, alm do interesse em aprofundar

    estudos na rea para o fortalecimento de estratgias de interveno preventiva e de

    tratamento psicossocial as pessoas com HIV/Aids.

    Desta forma, surge o projeto Avaliao e interveno psicolgica para pessoas

    que vivem com HIV/Aids em tratamento antiretroviral. Esta pesquisa dividida em

    trs principais estudos descritos a seguir:

    Estudo transversal descritivo e correlacional sobre aspectos biopsicossociais -

    dados scio demogrficos, situao clnica, nveis de depresso, suporte social, adeso

    ao tratamento e qualidade de vida de 63 portadores do HIV/Aids referente a dissertao

    de mestrado de Grazielly Rita Marques Giovelli;

    Estudo transversal descritivo, correlacional e preditivo sobre aspectos

    biopsicossociais - dados sociodemogrficos, situao clnica, nveis de depresso, nveis

    de ansiedade, estresse percebido, suporte social, adeso e qualidade de vida referente a

  • 20

    esta tese de doutorado com 120 pessoas que vivem com HIV/Aids bem-sucedidas no

    tratamento de sade.

    Estudo pr-experimental quantitativo e qualitativo de interveno sob a

    abordagem cognitivo-comportamental voltada a 11 portadores de HIV/Aids em

    tratamento antiretroviral para o fortalecimento da adeso e aumento da qualidade de

    vida. Esta etapa em fase de anlise referente a tese de doutorado de Grazielly Rita

    Marques Giovelli.

    Oriundos do projeto de pesquisa geral obteve-se duas bolsas de iniciao

    cientfica, as seguintes:

    Nveis de ansiedade, estresse percebido e suporte social em pessoas que vivem

    com HIV/Aids (PIBIC/CNPq 129884/2009-0).

    Avaliao qualitativa de programa de interveno psicossocial sob a abordagem

    cognitivo-comportamental em pessoas que vivem com HIV/Aids (BPA/PUCRS)

    Alm disso, se adquiriu os seguintes financiamentos:

    Edital MCT/CNPq 03/2008 - Cincias Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas,

    processo nmero 400325/2008-0

    Centro de Estudos de AIDS/DST do Rio Grande do Sul

    (CEARGS)/Universidade da Califrnia em So Francisco, por meio do projeto

    International Clinical, Outcomes and Health Services Research and Training Award

    from the John E. Fogarty International Center of the United States National Institutes of

    Health (5D43TW005799).

    Tambm esta pesquisa obteve ajuda de custo por meio de vale-transporte

    fornecidos pela Empresa Associao dos Transportadores de Passageiros de Porto

    Alegre, e a disponibilizao de salas para atendimento fornecidas pelo SAPP Servio

    de Atendimento Psicolgico e Pesquisa da PUCRS.

    Diante do exposto o objetivo geral deste estudo :

    Investigar os fatores biopsicossociais preditivos de proteo para a adeso e

    qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids bem-sucedidas no tratamento de

    sade.

  • 21

    Os objetivos especficos so:

    Identificar a caracterizao da amostra em estudo por meio dos dados scio-

    demogrficos e clnicos (carga viral e T CD4+) nesta populao;

    Avaliar os aspectos psicolgicos: nveis de ansiedade, nveis de depresso e

    estresse percebido nas pessoas que vivem com HIV/Aids;

    Investigar a percepo do suporte social dos participantes;

    Avaliar a percepo da adeso ao tratamento antiretroviral na populao em

    estudo;

    Avaliar a qualidade de vida na mesma populao;

    Correlacionar dados scio-demogrficos e clnicos com os aspectos

    psicolgicos, suporte social, adeso ao tratamento e qualidade de vida das pessoas que

    vivem com HIV/Aids;

    Investigar os fatores preditivos para a proteo da adeso ao tratamento bem-

    sucedida nesta populao.

    Para o relato desta pesquisa, foram elaboradas trs sees descritas a seguir:

    Seo 1 Contribuies da Psicologia da Sade para a adeso ao tratamento e qualidade

    de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids sob a perspectiva do modelo

    biopsicossocial

    Seo 2 Influncia das variveis biopsicossociais na adeso ao tratamento e qualidade

    de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento antiretroviral

    Seo 3 - Fatores biopsicossociais preditivos para a adeso e qualidade de vida de

    pessoas que vivem com HIV/Aids bem-sucedidas no tratamento de sade

  • 22

    SEO 1

    Contribuies da Psicologia da Sade para a adeso ao tratamento e

    qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids na perspectiva do modelo

    biopsicossocial

    Introduo

    O presente ensaio temtico apresenta as contribuies da Psicologia da Sade,

    sob a perspectiva do modelo biopsicossocial, para a adeso ao tratamento e qualidade de

    vida de pessoas que vivem com HIV/Aids em atendimento na sade pblica brasileira.

    Primeiramente apresenta a rea da Psicologia da Sade e o modelo biopsicossocial

    posteriormente, os princpios da sade pblica e as diretrizes para o fortalecimento da

    adeso ao tratamento preconizada pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministrio

    da Sade do Brasil.

    Os estudos sobre os aspectos biopsicossociais e a sua relao com a adeso ao

    tratamento de sade tem sido um campo promissor para o planejamento e

    aprimoramento de polticas pblicas, e estratgias de intervenes psicossociais. A

    Psicologia da Sade uma rea da Psicologia Aplicada voltada para a preveno e

    manuteno da sade. A partir de ento, proposta uma transformao no modelo de

    tratamento mente e corpo, do modelo biomdico para o modelo biopsicossocial, o qual

    enfatiza a integrao entre os aspectos biolgicos, psicolgicos e sociais para promoo

    e tratamento. Nesta perspectiva, o presente ensaio discute as repercusses do modelo

    biopsicossocial da Psicologia da Sade e os princpios da sade pblica para a adeso ao

    tratamento de pessoas que vivem com HIV/Aids.

    Contribuies da Psicologia da Sade: modelo biopsicossocial

    No incio do sculo XIX o entendimento do processo sade e doena

    preconizado foi o modelo biomdico que busca as causas das doenas, o seu agente

  • 23

    etiolgico. Os aspectos psicolgicos neste modelo so entendidos somente como

    conseqncia de uma determinada doena. Os pensamentos, as emoes e

    comportamentos no esto implicados no desencadeamento de doenas neste perodo.

    No sculo XX, surge a Medicina Psicossomtica e a Medicina Comportamental

    que buscaram compreender a relao entre mente e corpo, as condutas dos indivduos e

    suas repercusses na sade. Em 1980, consolida-se na Psicologia, a denominada

    Psicologia da Sade. Esta refere-se a interface da Psicologia com a Medicina. No seu

    primrdio surge por meio das contribuies da Psicologia Clnica e Psiquiatria,

    desordens fsicas e mentais. Entretanto, atualmente, ampliou-se o entendimento de

    sade para as repercusses tambm sociais, culturais e geogrficas, e o modelo

    biopsicossocial tem auxiliado na compreenso do processo de sade e doena (Albery &

    Munaf, 2008).

    A Psicologia da Sade foi descrita pela primeira vez por Joseph Matarazzo, em

    1980, presidente da Diviso 38 Psicologia da Sade da Associao Americana de

    Psicologia (APA). Matarazzo (1982) se refere Psicologia da Sade como sendo um

    conjunto de contribuies profissionais, cientficas e educacionais da psicologia para a

    promoo e a manuteno da sade. Esta rea da Psicologia visa identificao dos

    fatores relacionados ao desenvolvimento de enfermidades, bem como contribuir para a

    anlise e a melhora do sistema dos servios de sade e na elaborao de uma poltica

    sanitria.

    A Psicologia da Sade, campo de natureza interdisciplinar, tem por finalidade

    realizar estudos relacionados promoo, preveno e tratamento da sade do indivduo

    e da populao para a melhoria da qualidade de vida. Esse campo centra-se na ateno

    primria, secundria e terciria, aspirando dedicar-se no futuro a promoo e a educao

    para a sade (Remor, 1999; Brannon & Feist, 2001; Lellis, 2001). As pesquisas e as

    intervenes em Psicologia da Sade tem crescentemente integrado seus resultados nos

    cuidados de pacientes em uma variedade de estudos clnicos (Nicassio & Meyerowitz,

    2004).

    Pode-se observar a existncia de uma nova direo para as pesquisas e

    intervenes em Psicologia da Sade, internacionalmente e no Brasil. O grupo de

    trabalho nesta rea da ANPEPP (Associao Nacional de Programa de Pesquisa e Ps-

  • 24

    graduao em Psicologia) tem como desafios da ps-graduao brasileira a realizao

    de um planejamento de educao voltado para os seguintes temas: elaborao de

    intervenes com boa relao custo-benefcio, estudo de fatores de risco e proteo para

    problemas de sade e participao na formao de mdicos e de outros profissionais de

    sade, visando promoo da sade na formao de futuros profissionais (Calvetti,

    Mller, Nunes, 2007).

    Os problemas de sade emergentes so: doenas cardiovasculares, doenas

    cerebrovasculares, cncer de pulmo, e outras doenas crnicas de pulmo, infeco

    pelo HIV/Aids, e problemas de sade mental, os quais possuem variaes geogrficas e

    culturais (Matos, 2004). Os mesmos so atuais o que mostra a importncia dos aspectos

    do macrosistema implicados no processo sade-doena e a necessidade do planejamento

    e implementao de estratgias para a melhoria da qualidade de vida.

    A Psicologia na rea da sade tem como um dos seus objetivos transformar os

    conhecimentos adquiridos para a prtica, no intuito de auxiliar na promoo,

    manuteno e tratamento. Neste mbito, o campo da Psicologia da Sade tem nfase na

    abordagem cognitivo-comportamental, tanto internacionalmente oriundos da Diviso 38

    da APA quanto no grupo temtico da ANPEPP, alm disso, destaca-se a mesma

    abordagem em grupos de pesquisa em programas de ps-graduao consolidados no

    Brasil. Para tanto, quais so as contribuies que a Psicologia da Sade tem realizado

    para o tratamento de doena crnica como o HIV/Aids? E quais contribuies tem

    difundido para a comunidade cientfica para a melhoria da adeso ao tratamento e

    qualidade de vida das pessoas que vivem com o vrus da doena?

    O modelo biopsicossocial explica que os comportamentos se caracterizam por

    processos biolgicos, psicolgicos e sociais. Este modelo enfatiza a influncia mtua

    destes fatores no desenvolvimento humano, fundamentando-se na teoria sistmica do

    comportamento que compreende que o corpo formado por sistemas em interao,

    como o endcrino, o cardiovascular, o nervoso e o imunolgico, e que interagem com

    os aspectos psicossociais (Straub, 2005). Os psiclogos da sade utilizam o modelo

    biopsicossocial em inmeras reas, incluindo HIV/Aids, adeso a regimes de tratamento

    mdico e efeitos de variveis psicolgicas e sociais sobre o funcionamento imunolgico

    no processo sade-doena.

  • 25

    Em relao adeso ao tratamento muitos so os fatores que levam um

    indivduo ao tratamento. Dentre estes esto: as crenas do paciente, aspectos afetivos e

    sociais, comunicao profissional e paciente. Os problemas de adeso ao tratamento em

    sade caracterizam-se pela complexidade de fatores implicados neste aspecto. Vzquez,

    Rodrguez e Alvarez (2003) descrevem diretrizes gerais para a adeso ao tratamento:

    relao cordial, estimular o paciente a conhecer e incorporar como seu o compromisso

    do cuidado, informar sobre a doena e corrigir erros e expectativas e adapt-las as

    demandas e interesses do paciente; estabelecer metas teraputicas; e negociar trocas de

    medicao (se necessrio).

    No contexto do HIV/Aids, o modelo biopsicossocial engloba aspectos

    biolgicos (medicao, efeitos colaterais, marcadores como carga viral e CD4+),

    psicolgicos (estresse percebido, nveis de ansiedade e depresso e qualidade de vida) e

    sociais (dados sociodemogrficos e suporte social). Existe uma complexidade de fatores

    implicados no processo sade-doena, por isso torna-se necessrio a abordagem

    interdisciplinar no tratamento de pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento

    antiretroviral. A Psicologia da Sade considera a importncia dos fatores objetivos na

    adeso ao tratamento, como os resultados desejveis s recomendaes de medicao, a

    preciso da recordao, e a mudana de comportamentos.

    O modelo biopsicossocial tem se mostrado presente em pesquisas relacionadas a

    aspectos biopsicossociais e intervenes no campo da sade (Nicassio, Meyerowitz &

    Kerns, 2004, Keefe & Blumenthal, 2004). Desta forma, torna-se fundamental a

    capacitao de profissionais para as emergncias no campo da sade, tanto para a

    preveno quanto intervenes psicossociais voltadas aos portadores de HIV/Aids

    (Calvetti, Fighera, Mller & Polli, 2006).

    Princpios da sade pblica para o fortalecimento da adeso ao tratamento de

    pessoas que vivem com HIV/Aids

    Os princpios que norteiam o Sistema nico de Sade so aspectos fundamentais

    para as aes de adeso em HIV/Aids. Segundo as diretrizes para o fortalecimento das

    aes de adeso ao tratamento nesta populao (Brasil 2007), esses so:

  • 26

    Universalidade no acesso a insumos (preservativos), servios e aes de sade.

    Integralidade do cuidado.

    Eqidade e superao de vulnerabilidades especficas.

    Valorizao da autonomia e da garantia de participao dos portadores na construo

    de estratgias que promovam a adeso ao tratamento.

    Trabalho em redes articuladas e complementares entre os diferentes nveis de ateno

    sade.

    Articulao intra e intersetorial, buscando superar obstculos, particularmente sociais.

    Em relao ao tratamento do HIV/Aids, faz-se necessrio auxiliar as pessoas a

    conviverem com a doena e a aderirem ao acompanhamento mdico. Constitui fator

    importante de conhecimento da Psicologia no contexto de sade, a aderncia ao

    tratamento mdico e farmacolgico. Os psiclogos podem contribuir para a efetividade

    do tratamento e no entendimento dos fatores biopsicossociais implicados no processo

    sade-doena (Brannon & Feist, 2001).

    A partir de 1996 com o advento dos antiretrovirais, foi possvel alcanar xitos

    significativos no tratamento dos portadores. Atualmente, porm mesmo com os recursos

    teraputicos e o otimismo quanto ao prognstico, constata-se que existem pacientes que

    no aderem ao tratamento. A adeso entendida como o compromisso de colaborao

    ativa e intencionada do paciente, com a finalidade de produzir um resultado preventivo

    ou teraputico desejado, neste caso o fortalecimento do sistema imunolgico (CD4+) e a

    reduo da carga viral no organismo.

    Pelo fato de ser terapeuticamente controlado o HIV/Aids tem sido considerado

    como enfermidade crnica. A terapia antiretroviral tem apresentado resultados

    benficos aos pacientes com o objetivo de bloquear a reao do vrus contra o sistema

    imunolgico e diminuir o seu desenvolvimento. Entretanto, os medicamentos tambm

    geram grandes gastos pblicos, neste sentido para a melhoria das perspectivas

    teraputicas, faz-se necessrio a ateno as estratgias de interveno para a adeso ao

    tratamento.

    Alm dos fatores biolgicos, os aspectos psicossociais influenciam nveis de

    adeso, tais como a satisfao do paciente com o suporte social. Outro aspecto o

    sentimento de menos valia, o que poderia favorecer a negligncia nos cuidados de

  • 27

    sade, assim como a auto-estima elevada que poderia levar a crena de

    invulnerabilidade (Seidl, Melchades, Farias & Brito, 2007).

    Existem evidncias sobre a relao entre sistema imunolgico, nervoso e fatores

    psicossociais. Estudos destacam que aspectos relacionados a hbitos e estilos de vida;

    estresse e estratgias de coping; e apoio social podem influenciar no desenvolvimento

    do HIV/Aids (Remor, 2002c). H uma progresso dos tratamentos antiretrovirais, e

    conseqentemente, tambm das necessidades de intervenes psicolgicas para pessoas

    soropositivas (Scheiderman, Antoni, Saab & Ironson, 2001).

    Muitas estratgias podem ser adotadas para a melhoria da qualidade de vida do

    portador do HIV, dentre elas esto: abandonar hbitos de dependncia qumica, realizar

    exerccios fsicos, assim como manter maior cuidado em geral com a sua vida e controle

    do tratamento. Somente a medida que o sistema imunolgico diminui demasiadamente,

    os pacientes comeam a apresentar sintomas de doenas oportunistas. Os riscos de

    contaminao do HIV esto veiculadas atravs do sexo sem proteo, de me para filho

    durante o perodo de gestao, e em contato direto com o sangue infectado, como por

    exemplo, no compartilhamento de seringas em usurios de drogas (Brannon & Feist,

    2001).

    Entretanto, existem limites da adeso ao tratamento quando o paciente no quer

    mesmo aderir. Tem portadores de HIV que fazem uso de medicao e como efeito

    colateral sofrem transformaes em seu corpo, como a lipodistrofia (diminuio da

    gordura salientada no rosto e outras partes). Quando o paciente no adere por livre

    arbtrio, mesmo sabendo dos riscos que correm frente a esta deciso, ento o

    profissional de sade, em alguns casos necessita mudar a estratgia com o paciente ou

    mesmo encaminh-lo para outro membro da equipe ou servio de sade. Na sade

    pblica, no ainda em todos os servios que se tem uma equipe multidisciplinar e/ou

    interdisciplinar, o que poderia facilitar a integrao de conhecimentos de diferentes

    especialidades para o entendimento mais ampliado do processo sade-doena.

    Conforme o Ministrio da Sade a adeso um processo dinmico e

    multifatorial que inclui aspectos fsicos, psicolgicos, sociais, culturais e

    comportamentais, que requer decises compartilhadas e co-responsabilizadas entre a

    pessoa que vive com HIV, a equipe e a rede social. A relao estabelecida entre

  • 28

    paciente e os profissionais de sade conforme a especialidade. Adeso no se refere

    somente ingesto de medicamentos, mas inclui o fortalecimento da pessoa vivendo

    com HIV/Aids, o estabelecimento de vnculo com a equipe de sade, o acesso

    informao, o acompanhamento clnico-laboratorial, a adequao aos hbitos e

    necessidades individuais e o compartilhamento das decises relacionadas prpria

    sade. A conduta de adeso pode ser considerada similar aquisio de um hbito:

    informaes so apreendidas e habilidades so adquiridas para incorporar o tratamento

    rotina diria Os profissionais, por sua vez, podem se valer da compreenso dos fatores

    que dificultam e facilitam a adeso, mediante a descrio por parte do prprio paciente

    de suas experincias, atitudes e crenas sobre a doena e o tratamento para ajud-lo a

    compreender a importncia do antiretroviral (Brasil, 2008b).

    Estudos buscam identificar os fatores associados a dificuldades de adeso ao

    tratamento (Kelly & Kalichman, 2002; Seidl & cols., 2007). Os resultados apontam o

    seguinte:

    Complexidade do regime teraputico, que inclui o nmero de doses e de comprimidos

    que precisam ser ingeridos diariamente; a forma de armazenamento, como a exigncia

    de que o medicamento seja conservado em baixa temperatura; dificuldade para ingesto,

    como medicamentos de tamanhos grandes; os horrios das doses, que podem conflitar

    com as rotinas e o estilo de vida;

    A precariedade ou ausncia de suporte social afetivo e/ou material/instrumental, bem

    como a percepo por parte da pessoa de que esse apoio insuficiente;

    Baixa escolaridade, habilidades cognitivas insuficientes para lidar com as dificuldades

    e as exigncias do tratamento;

    No aceitao da soropositividade, pois tomar os remdios significa reconhecer que a

    condio de infeco pelo HIV uma realidade;

    Presena de transtornos mentais, como depresso e ansiedade;

    Efeitos colaterais da medicao antiretroviral, que torna o prprio tratamento aversivo;

    Relao insatisfatria do usurio com o mdico e com os demais profissionais da

    equipe de sade, incluindo seu nvel de satisfao com os servios prestados, com os

    procedimentos realizados e acesso a exames, medicamentos e consultas;

    Crenas negativas e informaes inadequadas sobre a enfermidade e o tratamento;

  • 29

    Dificuldades de organizao para adequar as exigncias do tratamento s rotinas

    dirias, como horrios de acordar, das refeies, do trabalho e de ingesto da

    medicao;

    Abuso de lcool e outras drogas.

    Atualmente, os mtodos utilizados para aferio da adeso incluem medidas

    como: o auto-relato, o monitoramento eletrnico de medicamentos, contagem de

    comprimidos, registros sobre a retirada de medicamentos da farmcia, deteco dos

    medicamentos antiretrovirais ou de metablitos das drogas na urina ou sangue e os

    marcadores biolgicos de CD4+ e carga viral. Os mtodos mais freqentes utilizados na

    prtica clnica no Brasil so: auto-relato (mediante entrevista), contagem manual de

    plulas e exame de carga viral (Brasil, 2008b).

    O auto-relato o mtodo mais utilizado no contexto clnico e em pesquisas. Suas

    vantagens so o baixo custo, a escuta prxima e proporcionar ao profissional o

    conhecimento dos motivos e dificuldades relativos adeso e suas possveis solues.

    Quando qualificado, pressupe vnculo, co-responsabilidade entre paciente e

    profissional e a valorizao da autonomia e do autocuidado.

    Em relao aos vnculos da pessoa que vive com HIV/Aids, o fator de proteo,

    suporte social se refere a aes que auxiliam no enfrentamento do estresse, sendo de

    duas modalidades: afetivo-emocional e operacional ou instrumental. O primeiro envolve

    aes como prover ateno, companhia e escuta. O segundo abarca aes concretas e

    operacionais do cotidiano, como auxlio em tarefas domsticas ou em aspectos prticos

    do prprio tratamento (acompanhar em uma consulta, buscar os medicamentos no

    servio de sade, tomar conta dos filhos nos dias de comparecimento ao servio de

    sade, dentre outros). Ambos fazem com que a pessoa se sinta cuidada, pertencente a

    uma rede social (Seidl & cols., 2007).

    O suporte social pode ser disponibilizado por familiares, amigos, pessoas de

    grupo religioso ou integrantes de instituies, profissionais de servios de sade e

    pessoas de organizaes da sociedade civil (OSC). Conforme Giovelli (2008), muitas

    das aes destas instituies viabilizam articulaes intra e intersetoriais, buscando

    superar barreiras e obstculos adeso, especialmente aqueles de ordem social e

    econmica oriundas, por exemplo, da pobreza e da excluso social. O trabalho do

  • 30

    terceiro setor uma marca da resposta brasileira epidemia e deve ser reconhecido

    como uma iniciativa que favorece a adeso ao tratamento.

    A insero de psiclogos em programas de DST/Aids, associa-se a intervenes

    psicossociais e institucionais e exigem uma atitude de pesquisador/a que integre

    assistncia e estudos (Brasil, 2008a). Milner-Moskovics e Calvetti (2008) destacam a

    importncia da busca de novas estratgias em HIV/Aids. Faz-se necessrio a insero

    do/a psiclogo/a como fonte de apoio social tanto no planejamento quanto em

    intervenes psicoeducativas.

    Consideraes

    O presente ensaio apresentou as implicaes do modelo biopsicossocial da

    Psicologia da Sade e dos princpios da sade pblica para o fortalecimento da adeso

    ao tratamento e aumento da qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids.

    Para tanto, necessrio que os profissionais de sade, em destaque os/as psiclogos/as

    que atuam em servios da sade pblica brasileira aprimorem-se no conhecimento sobre

    as especificidades do HIV/Aids.

    A adeso ao tratamento do HIV/Aids apresenta-se como emergente por tratar-se

    por uma epidemia mundial. Neste sentido, tanto os aspectos biolgicos, psicolgicos e

    sociais da doena quanto s questes culturais e geogrficas do paciente e comunidade,

    necessitam ser includas no planejamento de polticas pblicas e nas intervenes para

    preveno e tratamento. O/a psiclogo/a precisa manter-se contextualizado nos servios

    de sade como membro da equipe de sade, marcando a necessidade do ncleo

    (especificidades do atendimento) tanto quanto do campo (aes interdisciplinares).

  • 31

    SEO 2

    ESTUDO I Influncia das variveis biopsicossociais na adeso ao tratamento e

    qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento

    antiretroviral

    Introduo

    A epidemia da infeco por HIV/Aids surgiu na dcada de 1980 como um

    problema de sade pblica e de bem-estar social. O HIV um retrovrus que causa no

    organismo disfuno imunolgica crnica e progressiva devido ao declnio dos nveis

    de linfcitos CD4+, sendo que quanto mais baixo o ndice desses, maior o risco do

    indivduo desenvolver Aids. Mesmo com os avanos no diagnstico e tratamento, a

    realidade apresenta-se como um desafio aos profissionais da rea da sade devido a alta

    incidncia da doena e aos impactos gerados na vida dos portadores. (Carvalho, Morais,

    Koller & Piccinini, 2007).

    Quando surgiu a epidemia a maior incidncia identificada eram os usurios de

    drogas injetveis, homossexuais, profissionais do sexo e pessoas que recebiam

    transfuso de sangue e hemoderivados. J desde o incio dos anos 1990 vem ocorrendo

    importante mudana no perfil epidemiolgico da Aids, tendo a transmisso

    heterossexual como principal via. Assim, percebe-se um aumento expressivo de

    mulheres na dinmica da doena, bem como da populao de baixa renda, jovens,

    moradores de cidades do interior e periferias dos grandes centros.

    O boletim epidemiolgico de 2010 apresenta o nmero e taxa (por 100.000 hab.)

    de casos de Aids notificados. Observa-se reduo da razo por sexo. Em 1984 era igual

    a 15,8, ou seja de 126 homens para 8 mulheres, e passou a ser no ano de 2009 igual a

    1,5 (8157 homens para 5501 mulheres). Tal constatao demonstra a realidade atual da

    epidemia, corroborando com o novo panorama da doena que se estabeleceu a partir dos

    anos 90 (Brasil, 2010).

  • 32

    Sabe-se que as alteraes psicolgicas associadas infeco por HIV/Aids se

    caracterizam fundamentalmente pela sua alta incidncia. Dentre as mais significativas

    experimentadas pela pessoa soropositiva a ansiedade que se apresenta em diversos

    momentos, desde que diagnstico ao tratamento antiretroviral (Garcia-Huete, 1993;

    Bays, 1995).

    Os sintomas de ansiedade em portadores de HIV esto relacionados a incertezas

    sobre a evoluo da doena, o curso clnico, o medo relacionado dor, o sofrimento, a

    deteriorao do corpo, o tratamento e a morte (Junqueira, Belluci, Rossini & Reimo

    2008). Desta forma, os sintomas de ansiedade podem ser caracterizados como respostas

    s situaes estressoras, sendo que estas variam de acordo com a interpretao de cada

    pessoa (Margis, Picon, Cosner & Silveira 2003).

    O estresse constitui-se de uma reao natural de adaptao do corpo humano,

    podendo significar tanto o equilbrio quanto o desequilbrio do organismo. Entretanto

    devido a carga de estresse excessiva, tal estado assume o status de doena (Selye, 1965).

    Ainda Lipp e Malagris (1989) conceitualizam o estresse como uma reao orgnica de

    origem psicofisiolgica decorrente de agentes denominados estressores. Tais agentes

    caracterizam-se em situaes geradoras de desconforto fsico e psicolgico, as quais

    ocasionam uma quebra da homeostase interna e exigem uma adaptao do indivduo.

    Neste sentido, conforme Pia-Lopes, Tapia, Snchez-Sosa, Togawa e Robles (2008) a

    intensidade e a durao dos estmulos estressores geram desequilbrios biolgicos e

    alteraes psicolgicas como a sensao de tenso e a ansiedade.

    Questes como o medo da morte, abandono dos familiares e amigos, perda de

    emprego e reao social frente soropositividade so consideradas fontes que, se

    intensificadas, podem levar ao estresse patolgico. Evidencia-se a relao existente

    entre a satisfao com o suporte social e a presena de estresse (Leserman & cols.,

    2000; Schmitz & Crystal, 2000).

    Segundo Seidl e Trccoli (2006), o conceito de suporte social refere-se ao

    sentimento e a percepo de estima e pertencimento do indivduo a uma rede social com

    direitos e deveres comuns. O suporte social contribui na adaptao de pessoas

    portadoras de enfermidades crnicas como no caso HIV/Aids, podendo amenizar

    situaes de preconceito e discriminao. Alm disso, contribui para o aumento da

  • 33

    adeso ao tratamento e da qualidade de vida. Dentro desta perspectiva do processo

    sade-doena, Canini e cols (2004) destacam que muitos portadores de HIV sofrem um

    impacto em sua qualidade de vida, medida que a presena da doena, suas

    consequncias fsicas e repercusses psicossociais afetam as dimenses psicolgica e

    social

    Entende-se qualidade de vida como a percepo da pessoa a partir da sua

    posio na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ela vive e em

    relao aos seus objetivos, expectativas, padres e preocupaes (Fleck, Leal, Louzada,

    Xavier, Chamovich, Vieira, Santos & Pinzon, 1999). Envolve a subjetividade, visto que

    se refere a avaliao da pessoa sobre as dimenses que a compe e a

    multidimensionalidade, caracterizando-se como um constructo interdisciplinar (Seidl &

    Zannon, 2004). A qualidade de vida relacionada a sade aborda conceitos associados ao

    prprio estado de sade, ao estado funcional, ao bem-estar psicolgico, felicidade com

    a prpria vida e satisfao das necessidades (Canini & cols., 2004).

    Cabe destacar que, com o advento dos antiretrovirais, houve um aumento no

    tempo de sobrevida e uma melhora na qualidade de vida dos portadores de HIV,

    ocasionando assim uma mudana na expectativa de vida. A partir desta modificao no

    panorama existente, tambm os aspectos psicossociais envolvidos sofreram alteraes

    como a diminuio do medo iminente da morte e, a necessidade de reestruturar a vida

    para conviver com esta nova situao. Neste sentido, inclui a possibilidade de

    manuteno dos vnculos estabelecidos no trabalho, na famlia, na comunidade

    (Carvalho & cols., 2007) e o encontro de novos vnculos.

    Portanto, o objetivo geral deste estudo avaliar os aspectos biopsicossociais de

    pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento antiretroviral. Dentre os objetivos

    especficos esto: avaliar as caractersticas sociodemogrficas e da situao clnica,

    investigar os aspectos psicossociais (ansiedade; estresse percebido; suporte social) e

    adeso ao tratamento e qualidade de vida, bem como investigar a relao entre estas

    variveis descritas.

    Mtodo

  • 34

    Este estudo caracteriza-se como sendo de natureza quantitativa e transversal, de

    carter descritivo, correlacional e preditivo.

    Participantes

    A amostra foi constituda por convenincia, tendo um total de 120 indivduos

    portadores do HIV do sexo masculino e feminino, com idades entre 18 a 65 anos, em

    tratamento antiretroviral.

    Instrumentos

    Os instrumentos utilizados foram:

    Questionrio de dados sociodemogrficos e da situao clnica: idade, sexo,

    escolaridade, situao conjugal; situao empregatcia, tempo de diagnstico, estgio do

    HIV, terapia antiretroviral utilizada, contagem de linfcitos T CD4+ (sistema

    imunolgico) e carga viral (CV).

    Inventrio Depresso de Beck: composta por 21 itens, com o escore de cada resposta

    varivel de 0 a 4 (ausente, leve, moderada e grave), viabiliza quantificar a intensidade

    do sintoma (Beck & Steer, 1993; Cunha, 2001). A escala avalia os diversos sintomas ou

    atitudes que, usualmente, esto presentes na depresso, independentemente da sua

    causa. O coeficiente de cronbach obtido foi alfa de 0,91.

    Inventrio de Ansiedade de Beck: avalia a intensidade da ansiedade clnica (auto-

    informada), atravs de 21 itens pontuados, com o valor mnimo de 0 e o valor mximo

    de 63 correspondendo, a maior pontuao a um grau mais elevado de ansiedade (Beck,

    Epstein, Brown & Steer, 1988; Cunha, 2001). O coeficiente de cronbach obtido foi alfa

    de 0,92.

    Escala de Stress Percebido (PSS): A PSS possui 14 questes com opes de resposta

    que variam de zero a quatro (0=nunca; 1=quase nunca; 2=s vezes; 3=quase sempre

    4=sempre). As questes com conotao positiva (4, 5, 6, 7, 9, 10 e 13) tm sua

    pontuao somada invertida, da seguinte maneira, 0=4, 1=3, 2=2, 3=1 e 4=0. As demais

  • 35

    questes so negativas e devem ser somadas diretamente. O total da escala a soma das

    pontuaes destas 14 questes e os escores podem variar de zero a 56 (Luft, Sanches,

    Mazo & Andrade, 2007). O coeficiente de cronbach obtido foi alfa de 0,87.

    Escala de Suporte Social para Pessoas Vivendo com HIV/AIDS: instrumento para

    mensurao do suporte social percebido e da satisfao, construdo e validado no

    Canad, denominado Social Support Inventory for People who are Positive or Have

    Aids pelos autores Renwick, Halpen, Rudman & Friedland (1999); e validado no Brasil

    por Seidl e Trccoli (2006) especfico para pessoas soropositivas. Este instrumento foi

    desenvolvido com base em estudos sobre o suporte social para a populao em geral e

    para pessoas acometidas por condies mdicas especficas, como HIV/AIDS.

    composto de 24 itens, com escala de resposta tipo Likert de cinco pontos, podendo ser

    auto-aplicado ou administrado mediante entrevista. Divido em dois fatores: 1- suporte

    emocional percepo e satisfao quanto disponibilidade de escuta, ateno,

    informao, estima, companhia e apoio emocional em relao soropositividade; 2.

    suporte instrumental - percepo e satisfao quanto disponibilidade de apoio no

    manejo ou resoluo de questes operacionais do tratamento ou do cuidado de sade, de

    atividades prticas do cotidiano, de ajuda material e/ou financeira. O coeficiente de

    cronbach obtido foi alfa de 0,96.

    Instrumento de Avaliao da Qualidade de Vida da Organizao Mundial de Sade

    (WHOQOL-HIV Bref): verso brasileira validada por Zimpel e Fleck (2005). Este

    avalia a qualidade de vida genrica de pessoas vivendo com HIV/Aids, (constitudo) por

    31 itens constitudos de 6 domnios: Fsico (dor e desconforto, energia e fatiga, sono e

    repouso), Psicolgico (sentimentos positivos, pensamento, memria, aprendizado e

    concentrao), Nvel de Independncia (mobilidade, atividades cotidianas, dependncia

    de medicao e tratamento, capacidade para o trabalho), Relaes Sociais

    (relacionamentos, suporte social, atividade sexual), Meio Ambiente (segurana fsica,

    recursos financeiros, cuidados sociais e de sade, oportunidades de acesso a novas

    informaes e de lazer, ambiente fsico e transporte) e

    Espiritualidade/Religiosidade/Crenas Pessoais (crenas pessoais, religiosas e

    espiritual). As questes so individualmente pontuadas em uma escala tipo likert de 5

    pontos, onde 1 indica percepes baixas e negativas e 5 percepes altas e positivas

    (WHOQOL GROUP, 2003; Zimpel, 2003). O coeficiente de cronbach obtido foi alfa de

    0,77.

  • 36

    CEAT-VIH - Questionrio de avaliao da adeso ao tratamento antiretroviral:

    desenvolvido e validado para a verso brasileira por Remor, Milner-Moskovics e

    Preussler (2007) visa identificar o grau de adeso dentre baixa ou insuficiente, regular e

    estrita ao tratamento antiretroviral em pessoas que vivem com HIV/Aids. O instrumento

    constitudo por 20 questes. O coeficiente de cronbach obtido foi alfa de 0,85.

    Procedimentos para coleta e anlise dos dados

    A coleta de dados foi realizada no Ambulatrio de Infectologia do Hospital So

    Lucas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS), no

    Ambulatrio de Infectologia do Grupo Hospitalar Conceio (GHC) e na Organizao

    No-governamental (ONG) GAPA/RS. A aplicao dos instrumentos ocorreu

    individualmente em uma sala reservada durante aproximadamente uma hora. Tambm

    foram acessados os pronturios dos pacientes para a coleta dos marcadores biolgicos,

    carga viral e contagem de linfcitos T CD4+.

    A investigao sobre os dados sociodemogrficos, situao clnica, e aspectos

    psicolgicos do presente estudo foram submetidos anlise de freqncias das

    variveis. A relao entre aspectos psicolgicos e marcadores biolgicos atravs da

    anlise de correlao de Pearson. Foi utilizado o nvel de significncia de 5%, sendo os

    dados do levantamento dos instrumentos utilizados computados e analisados no

    Statistical Package for Social Sciences (SPSS) for Windows verso 17.

    Procedimentos ticos

    A pesquisa seguiu as normas estabelecidas para pesquisa em seres humanos

    (Resoluo CNS196/96). Foi assegurado o anonimato e sigilo no uso das informaes

    obtidas atravs dos pronturios e respostas aos instrumentos da pesquisa. O estudo teve

    aprovao do Comit de tica em Pesquisa da Pontifcia Universidade Catlica do Rio

    Grande do Sul (Parecer CEP-PUCRS 08/04228) e do Comit de tica do Grupo

    Hospitalar Nossa Senhora da Conceio (Parecer CEP-GHC 101/08). O participante

    identificado com necessidade de tratamento especfico foi encaminhado para

    atendimento psicolgico.

  • 37

    Resultados

    Os participantes apresentam-se entre 20 e 65 anos de idade (M=42,08 anos; DP=

    8,74), 50,8% do sexo masculino e 56,7% solteiros. A orientao sexual informada,

    predominantemente heterossexual (77,5%). A amostra foi selecionada em trs locais de

    atendimento pessoas com HIV/Aids de Porto Alegre/RS, sendo dois servios de

    sade, o Ambulatrio de Infectologia do Hospital So Lucas (43,3%) , Grupo Hospitalar

    Conceio (GHC) (34,2%) e uma organizao no-governamental, o Grupo de Apoio a

    Preveno da Aids do Rio Grande do Sul - GAPA/RS (22,5%).

    Quanto situao de trabalho, 57,1% dos participantes no trabalham. Em

    relao ao nvel socioeconmico apresenta-se predominantemente mdio baixo (63,3%).

    Do total da amostra, 79,2 % informa no utilizar medicao psiquitrica. Quanto ao

    modo de transmisso do vrus destaca-se a via sexual (77,5%).

    O tempo de infeco HIV variou de 2 meses at 264 meses, com uma mdia de

    97 meses, equivalente h 8 anos de infeco. A mdia da carga viral (cpias/ml)

    identificada foi de 456,72 cpias/ml, sendo 68,3% carga indetectvel da amostra total.

    Em mdia, os participantes ingerem 4 comprimidos diariamente, variando entre

    1 e 6 comprimidos. As combinaes de frmacos mais comum foi 2 inibidores da

    Transcriptase Reversa Anlogo de Nucleosdeos (ITRN) + 1 Inibidor Transcriptase

    Reversa No Anlogo de Nucleosdeos (ITRNN) (50,8% ).

    Em relao percepo da sua sade 76,6% no se considera doente, e quando

    perguntado se alguma coisa no vai bem consigo 56,7% consideram que est tudo

    bem. Pode-se observar que dos problemas descritos 24,8% referem-se situao

    psicolgica (sinais de ansiedade, tristeza, medo, baixa auto-estima e culpa), seguido de

    14,5% que relatam problemas em relao sade fsica (lipodistrofia, problemas de

    viso, perna operada, mal-estar abdominal, hepatite, baixa da imunidade, HIV), como

    pode ser visto na tabela 1 abaixo.

    Tabela 1 - Caracterizao da amostra (N=120) dados sociodemogrficos e clnicos de

    pessoas que vivem com HIV/Aids em tratamento antiretroviral

    Dado sociodemogrfico e clnicos % F Mdia Desvio-padro

  • 38

    Idade 42,08 8,74

    Escolaridade

    Nenhum 4,2 5

    1 incompleto 6,7 8

    1 completo 35,0 42

    2 completo 40,8 49

    3 incompleto 2.5 3

    3 completo 10,8 13

    Sexo

    Feminino 49,2 59

    Masculino 50,8 61

    Situao de trabalho

    Trabalha 42,9 51

    No trabalha 57,1 69

    Orientao sexual

    Heterossexual 77,5 93

    Homossexual 17,5 21

    Bissexual 5,0 6

    Estado civil

    Solteiro

    Casado ou vivendo com

    companheiro

    Separado ou divorciado

    Vivo

    Forma de transmisso

    56,7

    15,0

    22,5

    5,0

    68

    18

    27

    6

    Sexual 77,5 93

    Usurios de drogas injetveis 8,3 10

    Transfuso de hemoderivados 2,5 3

    Outro (acidente de trabalho) 1,7 2

    No sabe 10,0 12

    Nvel socioeconmico

    Baixo 27,5 33

    Mdio baixo 63,3 76

    Mdio alto 9,2 11

    Dados clnicos

    Tempo infeco HIV (meses)

    Nmero de comprimidos antiretrovirais

    97,07

    4

    64,62

    2

    Uso de medicao psiquitrica

    Sim 20,8 25

    No 79,2 95

    Linfcitos T CD4+ por mm de sangue 456,72 294,97

    Carga viral (cpias/ml)

    30.000

    Considera doente

    Sim

    No

    Alguma coisa no esta bem consigo

    Sinais/sintomas fsicos

    Sinais/sintomas psicolgicos

    Relaes sociais

    Condio scio-econmica

    Considera tudo bem

    3,3

    23,3

    76,7

    14,5

    24,8

    2,4

    1,6

    56,7

    4

    17

    30

    3

    2

    68

    Na tabela 2, em relao aos sintomas de ansiedade 49,2% da amostra apresenta

    nvel mnimo, sendo a mdia 14,17 e equivalente a grau leve. Em relao aos sintomas

  • 39

    de depresso, 54,2% dos participantes apresentam nvel de depresso mnimo e mdia

    14,15 equivalente a grau leve.

    O estresse percebido, fator 1 (percepo negativa) teve maior mdia 13,15 em

    relao ao fator 2 (cotao positiva) 8,99. O escore bruto apresentou mdia de 22,14

    (DP=11,05). A variabilidade do escore de zero a 56, observando-se que os escores

    so medianos baixos em relao percepo de estresse neste estudo. Em relao ao

    suporte social dos participantes foi observado que a maior mdia foi no fator 1

    (M=3,56; DP=1,00) que representa suporte social emocional. O fator 2 que representa o

    suporte instrumental obteve mdia 3,41 (DP=0,99).

    Em relao ao grau de adeso os participantes apresentaram maior porcentagem

    na adeso estrita (48,3%), seguida da regular (47,5%) e posteriormente baixa/

    insuficiente (4,2%). Pode-se observar que a maior concentrao de porcentagem est

    presente em estrita e regular, totalizando 95,8% entre regular e estrita. Salienta-se uma

    amostra aderente neste estudo.

    Na avaliao da qualidade de vida, pode-se observar a mdia maior no domnio

    III nvel de independncia (M=14,53; DP=2,7) relacionado a mobilidade, atividade da

    vida diria, dependncia de medicao ou tratamentos e aptido para o trabalho.

    Posteriormente, o domnio IV relaes sociais (M=14,35 DP=3,5) que se refere a

    relacionamentos pessoais, apoio social, atividade sexual e incluso social. A seguir o

    domnio V meio ambiente (M=14,04 DP=2,66) que inclui a segurana fsica, moradia,

    finanas, cuidados (acesso e qualidade sade e assistncia social), informao

    (adquirir informao nova e aprender nova habilidade), lazer, ambiente fsico

    (poluio/barulho/trnsito/clima) e transporte. A mdia global destacada na amostra

    de 14,65 (DP=3,67).

    Tabela 2 - Apresentao das mdias e desvio padro dos sintomas de ansiedade,

    sintomas de depresso, estresse percebido, suporte social, qualidade de vida e adeso ao

    tratamento de pessoas que vivem com HIV/Aids (N=120).

    Varivel % f Mdia Desvio Padro

    Nveis de Ansiedade (BAI)

  • 40

    Mnimo 49,2 59

    Leve 26,7 32

    Moderado 12,5 15

    Grave 11,7 14

    Escore Total

    Nveis de Depresso (BDI)

    Mnimo 54,2 65

    Leve 15,0 18

    Moderado 23,3 28

    Grave 7,5 9

    Escore Total

    Estresse Percebido (PSS)

    Estresse percebido fator 1

    Conotao positiva fator 2

    Escore bruto

    14,17

    14,15

    13,15

    8,99

    22,14

    12,59

    12,59

    6,01

    6,34

    11,05

    Suporte Social

    Emocional - Fator 1

    Instrumental - Fator 2

    3,56

    3,41

    1,00

    0,99

    Grau de Adeso ao Tratamento (CEAT-VIH)

    Baixa/Insuficiente 4,2 5

    Regular 47,5 57

    Estrita 48,3 58

    Escore total

    Escala de pontuao transformada

    Qualidade de Vida (WHOQOL-HIV bref) Domnio 1 - Fsico

    Domnio 2 - Psicolgico

    Domnio 3 - Nvel de Independncia

    Domnio 4 - Relaes Sociais

    Domnio 5 - Meio Ambiente

    Domnio 6 - Espiritualidade/Religio/Crenas Pessoais

    Qualidade de Vida Global

    75,78

    81,64

    11,61

    13,50

    14,53

    14,35

    14,04

    10,33

    14,65

    10,28

    14,29

    2,00

    2,40

    2,7

    3,5

    2,66

    3,04

    3,67

    Na tabela 3 podese observar uma correlao inversa entre ansiedade e adeso

    (r=-0,407; p

  • 41

    No domnio VI espiritualidade/religio/crenas pessoais (r=-0,250; p

  • 42

    disponibilidade e satisfao com o suporte social, bem-estar psicolgico, adeso ao

    tratamento e percepo positiva da qualidade de vida. (Mello & Malbergier, 2006;

    Leserman & cols., 2000).

    Os sintomas psicolgicos negativos podem contribuir para a no-adeso

    terapia antiretroviral e, conseqentemente, h baixa imunidade e aumento da resposta

    virolgica (Campos, Guimares & Remien, 2008; Mello & Malbergier, 2006), e

    conseqentemente para a progresso da Aids (Paterson, Swindells, Mohr, Brester,

    Vergis & Squier, 2000) e piora da qualidade de vida (Tostes, Chalub & Botega, 2004).

    Em estudo realizado (Tucker Burnam, Sherbourne, Kung & Gifford, 2003) foi

    salientado que as pessoas com depresso, ansiedade ou pnico generalizado foram

    aproximadamente duas vezes mais no-aderentes que aqueles sem um transtorno

    psicolgico. Outra pesquisa (Remien, Exner, Kertzner, Ehrhardt,. Rotheram-Borus &

    Johnson, 2006) destaca que sintomas depressivos foram associados inversamente com o

    suporte social em pessoas que vivem com HIV/Aids.

    No presente estudo, os baixos escores encontrados em relao a ansiedade e

    depresso mostram um dos possveis motivos da caracterstica desta amostra apresentar

    adeso destacada em estrita e regular. Tambm a satisfao com o suporte social em

    especial, no apoio emocional que favorece a adeso ao tratamento. Segundo Carrobles,

    Remor e Rodrguez-Alzamora (2003) o autocuidado e a busca de solues de problemas

    com a busca do suporte social para escutar e dar afeto e informao so protetores

    tambm para a diminuio da percepo de situaes de estresse com conotao

    negativa.

    Um nvel de ativao do estresse mantido no tempo com forte intensidade, ou

    ainda, com alta freqncia, pode levar ao desequilbrio de diversos sistemas ou rgos.

    Este nvel obriga o organismo a manter uma ativao acima de suas possibilidades e d

    lugar a um desgaste excessivo com possveis alteraes ou deteriorao no

    funcionamento dos rgos ou sistemas alvo (Ulla & Remor , 2002). Desta forma, alguns

    pesquisadores afirmam que o estresse poderia diminuir o nmero de clulas CD4+ e

    piorar o estado de sade dos portadores (Bays, 1994; Evans, Leserman, Perkins, Stern,

    Murphy, Zheng & cols, 1997; Lopes & Fraga, 1998).

  • 43

    A preocupao e o medo das conseqncias adversas podem influenciar

    negativamente a adeso. Alm dos desconfortos gastrintestinais, como nuseas,

    vmitos, diarria, gases e azia, que surgem com freqncia no incio ou troca de

    medicao, h ainda o aparecimento das alteraes anatmicas e metablicas

    decorrentes da lipodistrofia (Brasil, 2008b).

    Nos resultados, destacou-se que das pessoas que referiram sobre o que no

    estava bem consigo, os sinais e sintomas psicolgicos como ansiedade e depresso

    foram relatados. Tambm em relao ao aspecto fsico, os sinais de desconforto e mal

    estar abdominal, bem como a lipodistrofia foi destacada. Apresentou significativa

    correlao entre domnio II psicolgico e adeso ao tratamento, porm no em relao

    ao domnio I fsico e adeso. Observa-se que a maioria dos participantes consideram a

    sua sade percebida como boa.

    As percepes de interaes sociais com outros indivduos pode aumentar o

    amor-prprio, a auto-valorizao e a autoconfiana de pessoas que vivem com

    HIV/Aids, reduzindo desse modo a percepo da estigmatizao (Simoni, Montoya,

    Huang & Goodry, 2005). Os sistemas de suporte fazem parte de um mbito mais amplo

    da vida das pessoas, trata-se das relaes estabelecidas com a escola, o trabalho, centros

    religiosos ou instituies de sade. Estudo realizado por Carvalho, Hamann &

    Matsushita (2007) corrobora com os resultados obtidos na presente pesquisa, identifica

    que a situao de moradia e suporte social foram variveis preditoras da adeso ao

    tratamento.

    A satisfao no suporte emocional prediz melhor percepo na qualidade de vida

    (Seidl, Zannon & Trccoli, 2005). Corroborando com os resultados obtidos na presente

    pesquisa, Remor (2002) e Seidl e Trccoli (2006) destacam que o suporte social pode

    ser um fator atenuador do impacto negativo da soropositividade na vida dos pacientes.

    A rede de apoio pode ser uma estratgia til para adeso ao tratamento e aumento da

    qualidade de vida (Weaver, Llabre, Durn, Antoni, Ironson, Penedo & Schneiderman,

    2005). Outros estudos (Holstad, Pace, De & Ura, 2006; Giovelli, 2008) aponta

    correlao significativa entre suporte social e adeso ao tratamento antiretroviral.

    Em estudo realizado por Calvetti, Mller e Nunes (2008), os pacientes

    sintomticos/Aids que apresenta sinais ou sintomas da doena, pontuaram mais

    http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B7MDD-4R2RFDC-D&_user=685977&_coverDate=12%2F31%2F2007&_rdoc=12&_fmt=high&_orig=browse&_srch=doc-info(%23toc%2323228%232007%23999819993%23673218%23FLA%23display%23Volume)&_cdi=23228&_sort=d&_docanchor=&_ct=15&_acct=C000037098&_version=1&_urlVersion=0&_userid=685977&md5=1ea113460f3d3daab728093970c04a8c#bbib53#bbib53

  • 44

    correlaes significativas entre qualidade de vida (domnios fsico; relaes sociais;

    espiritualidade, religiosidade e crenas pessoais) com o bem-estar religioso em

    comparao ao grupo assintomtico. No presente estudo, no houve correlao

    significativa entre o domnio VI - espiritualidade, religiosidade e crenas pessoais e

    adeso ao tratamento, observa-se que a maior porcentagem dos participantes percebem a

    sua sade boa, e no apresentam sinais ou sintomas da doena. Pode ser que o domnio

    VI se apresente em destaque na populao que percebe a sua sade regular ou pssima

    com sinais e sintomas de doena.

    A capacidade de autonomia do paciente, o suporte social, o acesso aos servios

    de sade e a informao tem maior destaque na populao deste estudo em relao a

    percepo da qualidade de vida. O suporte social fortalece a adeso ao tratamento e a

    qualidade de vida, sendo fator de proteo para atenuar o impacto da doena e

    tratamento.

    Concluso

    Os resultados obtidos apontam correlao entre suporte social, qualidade de vida

    e adeso ao tratamento. Os aspectos psicolgicos: ansiedade, depresso e estresse

    percebido esto inversamente correlacionados melhora do tratamento de pessoas que

    vivem com HIV/Aids. Pode-se inferir que a rede social fator de proteo sade nesta

    populao, em relao ao tratamento de sade e a qualidade de vida.

    O suporte social tem papel fundamental na moderao do estresse em contextos

    relacionados ao processo sade-doena, como nas questes de medo da morte,

    abandono dos familiares e amigos, perda de emprego e reao social frente

    soropositividade. Considera-se a necessidade do desenvolvimento de estratgias para o

    fortalecimento do suporte social como fator de proteo para a adeso e qualidade de

    vida. Alm disso, o investimento na capacitao de psiclogos/as e outros membros da

    equipe de sade para o aconselhamento voltado a preveno e ao tratamento de pessoas

    que vivem com HIV/Aids.

  • 45

    SEO 3

    ESTUDO II Fatores biopsicossociais preditivos para adeso e qualidade de vida em

    pessoas que vivem com HIV/Aids bem-sucedidas no tratamento de sade

    Introduo

    No campo da Psicologia da Sade, sob a perspectiva do modelo biopsicossocial,

    torna-se fundamental