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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DENISE DITTRICH VIEIRA SANTOS
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL E O ENSINO-
APRENDIZAGEM DAS VARIAÇÕES DA LÍNGUA:
UM ESTUDO DE CASO
CURITIBA 2008
DENISE DITTRICH VIEIRA SANTOS
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESPANHOL E O ENSINO-APRENDIZAGEM
DAS VARIAÇÕES DA LÍNGUA: UM ESTUDO DE CASO
Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à conclusão do Mestrado em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Junqueira Co-orientadora: Profª.Drª. Joana Paulin Romanowski
CURITIBA 2008
Para Luciana, Diana e Adriana.
E para meu netinho João Pedro.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Ronaldo e a meus irmãos pelo apoio em todos os momentos e a meus pais
educadores e amigos pela formação e exemplo.
Meus especiais agradecimentos aos professores Sérgio Rogério Junqueira e Joana Paulin
Romanowski, pela orientação segura e confiante nos resultados deste trabalho. Agradeço
também a eles, à coordenadora Profª. Marilda Behrens e demais professores do curso de
Mestrado em Educação da PUCPR, por sua mediação e produção científica na área
pedagógica, que instrumentaram esta dissertação.
À professora Marta Moraes Costa, agradeço por seu entusiasmo e competência na orientação
e formação de seus alunos em Literatura e em Leitura e pelo apoio no momento de ingresso
no Curso de Mestrado.
Agradeço à professora Terumi Koto Bonnet Villalba pelo interesse demonstrado pela
pesquisa que está sendo apresentada. Agradeço também pela presteza e alegria com que
aceitou contribuir com os trabalhos acadêmicos relacionados à apresentação e defesa dos
resultados da pesquisa e por sua competente atuação na Banca de Qualificação desta
dissertação.
Agradeço imensamente aos professores/especialistas e alunos/formandos do curso de Letras/
Espanhol da UFPR, que participaram atenciosamente desta pesquisa.
Ao Cel. Carlos Roberto Pinto de Souza, sou grata pela concessão de licença nos períodos de
pesquisa de campo e elaboração da dissertação, assim como por seu interesse e apoio.
Agradeço também a Rodrigo Sansana, por suas contribuições à pesquisa.
Agradeço a Gabriela Barrios, pelo seu trabalho em favor das línguas da fronteira Brasil-
Uruguai e que foi uma das inspirações para esta dissertação.
Agradeço, por fim simbolizando os amigos mais dedicados e presentes a Denise Mohr,
assim como a todos que, de alguma forma, tornaram possível a realização deste trabalho.
RESUMO
O presente estudo tem como objeto a formação de professores para o ensino das variações da Língua Espanhola. Toma como objetivos conhecer e analisar as concepções e procedimentos metodológicos e didáticos dos professores do Curso de Letras da UFPR, sobre o ensino das variações da língua. A pesquisa teve o propósito também, de indagar sobre a adequação de uma teoria de gêneros aplicada a esse estudo. Compreende-se, nesta análise, o ensino de gêneros como elemento integrador para o ensino, capaz de proporcionar o tratamento da heterogeneidade da língua e evidenciando sua natureza social. O estudo tem respaldo teórico em concepções sobre a linguagem, de Vygotsky (1988) e Bakhtin (2002/2003) e em pesquisas sobre o conceito de gêneros do discurso deste autor, desenvolvidas por Rojo (2005), Faraco (2003), Bunzen (2004), entre outros autores. Sobre formação de professores, embasa-se nos conceitos de experiência de Thompson através das interlocuções realizadas por Martins (2006) e Faria Filho (2005) e de saberes docentes, de Tardif (2006), Romanowski (2006) e outros autores da área educacional. Na área de ensino de Línguas estrangeiras foram importantes para essa análise os estudos de Lopes (2002), Serrani (2005), Mascia (2003), Villalba (2007), Celada e González (2005). Sobre pluralismo cultural e formação de identidades sociais, os estudos de Serrani (2005), Lopes (2006) e Rajagopalan (2004). A análise teve como base as entrevistas realizadas com os professores de Língua e de Literatura espanholas e de Literatura Hispano-americana e os questionários aplicados para os alunos. Efetuou-se, também, breve análise documental a respeito da estruturação do curso de Letras, planos de aulas das disciplinas de Língua Espanhola e livros didáticos utilizados. Os resultados indicam a prevalência do gênero literário e das práticas para desenvolvimento da oralidade e de reflexão sobre as culturas, sobre a língua e a sociedade para o ensino das variações lingüístico-culturais no curso estudado. Nas disciplinas de Literatura espanhola e hispano-americana essa reflexão se dá pela comparação entre textos literários representativos de diversas culturas. Identificou-se uma tendência crescente, mas não através de organização curricular ou metodológica específicas, de utilização de textos de gêneros diversos. Essa tendência foi observada nos livros didáticos, nas observações feitas pelos alunos sobre as estratégias de ensino consideradas mais apropriadas ao ensino e nas reflexões dos professores sobre o ensino e metodologia utilizada – que se embasam em concepções estabelecidas no processo de formação acadêmica e na experiência profissional.
Palavras-chave: Formação de professores. Pluralismo Cultural. Gêneros. Língua espanhola.
RESUMEN
Los objetivos de esta investigación, que tiene por objetos la formación de profesores de español y la enseñanza de las variedades de la lengua extranjera, fueron el conocimiento y el análisis de las concepciones y procedimientos metodológicos y didácticos de los profesores de Español de la UFPR, con respecto a la enseñanza y el aprendizaje de las variedades lingüístico-culturales de la lengua española, en este contexto de formación de profesores. Se indaga, además, sobre la adecuación de una teoría de géneros aplicada a ese estudio. Se comprende el estudio de géneros como factor de integración para el aprendizaje y capaz de proporcionar el tratamiento de la heterogeneidad de la lengua y evidenciándose su naturaleza social. El estudio toma como referencias las teorías sobre el lenguaje de Vygotsky (1988) y Bajtín (2002/2003) y los estudios respecto al concepto de géneros del discurso de este autor, desarrollados por Rojo (2005), Faraco (2003), Bunzen (2004) y otros autores. Sobre formación de profesores, se basa en los conceptos de experiencia, de Thompson, a través de las aportaciones teóricas de Martins (2006) y Faria Filho (2005); e de saberes docentes, de Tardif (2006), Romanowski (2006) y otros autores del área educacional. Em el área de Lenguas Extranjeras fueron importantes los estudios de Lopes (2002), Serrani (2005), Mascia (2003), Villalba (2007) , Celada y González (2005). Sobre pluralismo cultural y formación de identidades sociales, los estudios de Serrani (2005), Lopes (2006) y Rajagopalan (2004). Como instrumentos de recogida de datos se aplicaron cuestionarios para los alumnos y fueron realizadas entrevistas con los profesores del curso. La recogida de datos incluye también algunos documentos como planes de curso para las asignaturas de Lengua Española, sobre la estructuración del curso y breve análisis de los libros textos utilizados. Los resultados indican la prevalencia del género literario y de las prácticas de comprensión auditiva y de reflexión sobre las culturas, lengua y sociedad, para la enseñanza de las variedades lingüístico-culturales del Español. En las asignaturas de Literatura española e hispanoamericana, esa reflexión se hace por la comparación entre textos literarios representativos de las varias culturas. Se identifica una tendencia creciente, pero no como una organización curricular o metodológicas específicas, hacia la utilización de textos de géneros diversos. Esta tendencia se refleja en las actividades presentadas en los libros textos utilizados, en las informaciones de los alumnos sobre las estrategias que se consideran más apropiadas a la enseñanza; en los criterios y actividades apuntados por los profesores y en los aportes respecto a la enseñanza y la metodología – que se apoyan en concepciones establecidas en el proceso de formación académica y en la experiencia profesional.
Palabras-clave: Formación de Profesores. Pluralismo cultural. Géneros. Lengua Española.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 - Estratégias de ensino de LE
Gráfico 2 – Gêneros, Diálogos, Gramática e Estruturas da LE
Gráfico 3 – Exemplos de Tipos de Textos e Gêneros utilizados
Quadro 1 - Formação inicial e contínua - concepções e mudanças
Quadro 2 - Perfil dos alunos - objetivos e atividades profissionais
Quadro 3 - Práticas de leitura
Quadro 4 - Aprendizagem das variações do espanhol
Quadro 5 - Procedimentos didáticos para o ensino das variações
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
SIGLA - Descrição
A - Aluno/ formando
CELEM - Centro de Línguas Estrangeiras Modernas
DPU - Dialetos Portugueses do Uruguai
EnPLEE-
PR
- Encuentro de Profesores de Lengua Española del Estado de Paraná
LA - Lingüística Aplicada
LE - Língua(s) Estrangeira(s)
MEC - Ministério de Educação e Cultura
PE - Professor/ especialista entrevistado
PF - Participante formado no ano anterior ao da pesquisa
UFPR - Universidade Federal do Paraná
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................11
1.1 PROBLEMATIZAÇÃO.....................................................................................................11
1.2 JUSTIFICATIVA...............................................................................................................13
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA............................................................................................15
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO.................................................................................15
2 ENSINO DAS VARIAÇÕES LINGÜÍSTICO-CULTURAIS DO ESPANHOL..........18
2.1 PLURALISMO CULTURAL, MULTICULTURALISMO E
INTERCULTURALIDADE.....................................................................................................18
2.2 ESPANHOL COMO LE: ENSINO DAS VARIAÇÕES DA LÍNGUA-...........................22
3 A PERSPECTIVA DOS GÊNEROS DO DISCURSO....................................................29
3.1 O SÓCIO-CONSTRUTIVISMO (INTERACIONISMO)..................................................29
3.2 A TEORIA DOS GÊNEROS ............................................................................................32
4 FORMAÇÃO INICIAL E CONTÍNUA DE PROFESSORES .......................................37
4.1 EXPERIÊNCIA E SABERES EXPERIENCIAIS .............................................................39
5 METODOLOGIA ...............................................................................................................43
5.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ..................................................................43
5.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA ..................................................................................45
5.3 RELATO DA COLETA DE DADOS ...............................................................................46
6 ANÁLISE DO CORPUS.....................................................................................................49
6.1 ESTRUTURAÇÃO DO CURSO .......................................................................................49
6.1.1 Ambientação e análise preliminar ...............................................................................49
6.2 PERFIL DOS PARTICIPANTES ......................................................................................53
6.2.1 Professores: formação inicial e contínua - mudanças e concepções ........................ 53
6.2.2 Alunos-formandos: objetivos e atividade profissional ...............................................59
6.3 ENSINO DAS VARIAÇÕES DA LÍNGUA ....................................................................62
6.3.1 Leitura, textos autênticos e estratégias para o ensino.................................................62
6.3.2 Critérios para o ensino e seleção do material didático...............................................70
6.4 ENSINO DE GÊNEROS ...................................................................................................74
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS, LIMITES E TRABALHOS FUTUROS.........................85
REFERÊNCIAS......................................................................................................................89
LISTA DE APÊNDICES........................................................................................................96
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1 INTRODUÇÃO
Esta investigação inscreve-se na área de formação de professores, especificamente a
área de formação de professores em língua estrangeira (Espanhol). Focaliza o ensino e
aprendizagem da língua espanhola na formação inicial e na formação contínua efetivada
durante a prática pedagógica e especialização profissional.
O interesse pelo tema resultou de leituras e reflexões provenientes da prática em sala
de aula no ensino de Língua Estrangeira/Espanhol. A professora pesquisadora atua nessa área
há onze anos, como professora do Centro de Línguas Estrangeiras Modernas (CELEM),
durante três anos, e no Ensino Médio (oito anos). À experiência profissional na sala de aula de
línguas estrangeiras (LE) soma-se a formação contínua efetivada em curso de especialização
em Línguas estrangeiras Modernas e pesquisas realizadas na área de lingüística aplicada ao
ensino de LE, sobre leitura e análise de livros didáticos de Espanhol.
Nesses trabalhos foram analisados os critérios para a elaboração do material didático
e seleção de textos, para avaliar as vantagens e limites de sua utilização, pelo professor, para o
desenvolvimento da capacitação leitora de alunos de espanhol como língua estrangeira.
A disposição de trabalhar com textos autênticos em sala de aula e a consciência da
necessidade de levar o aluno a conhecer e utilizar os diversos gêneros, que são a
materialização das atividades sociais dos falantes da língua, conduziram as escolhas
posteriores e que resultaram na dissertação atual, que se refere à área educacional e de
formação de professores e tematiza o ensino/aprendizagem das variações lingüístico-culturais
da língua espanhola.
A expectativa, ao focalizar esta análise no curso de licenciatura Letras/espanhol de uma
universidade pública do Estado do Paraná, é por considerar que o meio acadêmico, em que a
pesquisa e a reflexão acontecem de forma sistemática, favorece a busca de informações que
podem gerar significados importantes para a compreensão do objeto deste estudo.
1.1 PROBLEMATIZAÇÃO
Considera-se para esta análise que os métodos tradicionalmente aplicados ao ensino de
línguas estrangeiras não oferecem respostas para muitos dos questionamentos atuais, realizados
a partir de análises e perspectivas diversas e que colocam em pauta o ensino de leitura e
produção textual.
11
Considerando a organização do mundo atual, marcado pela globalização e o
multiculturalismo, discutem-se hoje, na área de Lingüística Aplicada (LA), os conceitos de
identidade lingüística, a dicotomia língua padrão/dialetos regionais (RAJAGOPALAN, 2006;
2004; CORACINI, 2003) e os conceitos de nação, nacionalidade, língua e falante ideais no
contexto do pluralismo cultural.
Especificamente no tocante ao espanhol há grande diversidade a ser considerada. Os
métodos e abordagens tradicionais caracterizaram-se pelo entendimento da língua como um
todo homogeneamente constituído e pela noção de aquisição como progressão em direção à
capacitação, pelo desenvolvimento de habilidades. Não levam em conta, em sua gênese, a
heterogeneidade da língua.
O material didático já se diversifica atualmente no sentido de abarcar as diferenças
regionais. Porém, de acordo com os resultados de pesquisas na área, as variações do espanhol
padrão são, muitas vezes, contempladas nos livros didáticos e nas salas de aula de línguas
apenas no seu sentido de diferença em relação à norma e de forma descontextualizada, como
em listas de “termos da Argentina/ termos da Espanha”, para dar um exemplo/limite, mas
bastante comum.
A hipótese deste trabalho é, portanto, a de que há necessidade de buscar alternativas
para o ensino, que contemplem a língua em seu contexto histórico-cultural e evidenciando a
sua natureza social. Argumenta-se, por essa razão, favoravelmente à aplicação de uma teoria
de gêneros discursivos para o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, enfocando o
ensino das variações do espanhol.
Esta pesquisa abarca os saberes da área de ensino de LE em sua relação com a
formação para a prática profissional. A análise, neste caso, foi orientada por conceitos
advindos de estudos sobre a formação inicial e contínua de professores e sobre saberes
docentes, de acordo com as proposições de Pimenta (2000), Romanowsky (2006), Tardif
(2006 ), Faria Filho (2005) e outros.
A pesquisa se realiza em um curso de licenciatura em Letras do Paraná e tendo em
vista o ensino de línguas estrangeiras e a formação para a prática profissional, busca
averiguar, junto a professores e alunos, que abordagens e que concepções norteiam o ensino
das variações do espanhol como LE. Investiga também sobre a adequação de ação pedagógica
com base em teorias que privilegiem os gêneros discursivos como fio condutor desse processo
de ensino-aprendizagem.
A problemática, assim conduzida, toma como referências, portanto, a formação para a
prática profissional e os parâmetros de uma teoria de gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003)
12
aplicada aos estudos lingüísticos de Língua Espanhola. Ou seja, a partir de uma abordagem
centrada na heterogeneidade da língua, na diversidade de gêneros e nas relações que os textos
mantêm com os contextos em que foram produzidos, com ênfase nos contextos sócio-
culturais.
A abordagem do ensino do espanhol, a partir do tema variações lingüísticas, traz
consigo uma outra questão: a do preconceito lingüístico e as relações de poder responsáveis
pelo estabelecimento da dicotomia línguas de prestígio/ variações regionais. Por essa razão, o
tema do preconceito lingüístico em relação às variantes da língua (ou variedade) estândar, que
não está posto como objetivo central desta investigação permeia a reflexão desenvolvida junto
aos professores e alunos do curso, co-participantes desta pesquisa.
Da mesma forma, aborda-se a questão de escolha, pelos alunos, de uma variedade para
a atuação profissional, do ponto de vista de sua maior ou menor importância em relação a
outros objetivos da formação. Porém, a centralidade da análise está na premissa da adequação
de apresentar ao aluno a diversidade no contexto da produção cultural dos povos.
1.2 JUSTIFICATIVA
A aplicação de uma teoria de gêneros dará ao professor a oportunidade de levar, para
a sala de aula, a linguagem usada pelos diferentes falantes da língua, a partir de seus contextos
histórico-culturais, levando em conta, nesse processo de ensino, a heterogeneidade da língua.
Segundo Moita Lopes (2002, p. 130-311), o ensino de uma língua estrangeira
priorizando a leitura
Centra-se na aprendizagem de uma habilidade que é útil para os aprendizes, que podem continuar a aprender em seu próprio meio, e que fornece a possibilidade de aumentar seus limites conceituais, já que, através da leitura em uma LE, pode-se ser exposto a visões diferentes do mundo, de sua própria cultura e de si mesmo como ser humano. (...) Acrescente-se também que [essa aprendizagem] fornece ao aprendiz uma base discursiva, através de seu engajamento na negociação do significado via discurso escrito. (LOPES 2002; p. 134)
O tema desta pesquisa assume maior importância nos dias atuais em razão da Lei
11.161 de 5 de agosto de 2005, tornando obrigatório o ensino do espanhol em escolas públicas
e privadas, em horário regular, no Ensino Médio.
Nas orientações curriculares para o Ensino Médio, do Ministério de Educação e
Cultura (MEC) para o ensino de espanhol, encontra-se a crítica ao ensino tradicional de LE
(gramatical, “sem a prática que deve precedê-lo”), assim como a crítica à abordagem
13
comunicativa, que se atem à função comunicativa da língua “desconsiderando por completo a
complexidade do seu papel na vida humana, e deixando de lado o lugar da subjetividade na
aprendizagem de segundas línguas” (MEC: 2006; p.132).
A proposta é a de que se observem as práticas sociais, o contexto da língua meta em
sua relação com o da língua materna no processo de aquisição, já que “o papel da língua
materna nesse processo é inegável [e] está na base da estruturação subjetiva” do aprendiz. No
Ensino Médio, o ensino da língua estrangeira deverá conduzir o aluno a “ver-se e constituir-se
como sujeito a partir do contato e da exposição ao outro, à diferença, ao reconhecimento da
diversidade” (Ibid, p. 133).
Estudar uma língua estrangeira, como se lê no documento citado, além de dominar o
código lingüístico, significa também adquirir habilidades lingüísticas na língua meta, usar o
discurso com adequação nas diversas circunstâncias comunicativas e reconhecer a variedade
lingüística e cultural nos países em que se fala a LE. As várias habilidades não são vistas
isoladamente, mas sim como “modos culturais de usar a linguagem” (Ibid; p. 152).
O ensino de gêneros viria, então, como alternativa às práticas pedagógicas que
priorizam ora a sistematização da língua, ora a função comunicativa da linguagem. Esse
procedimento didático se realiza a partir de uma concepção mais ampla de língua e de
linguagem, já que se interessa pelas situações reais (não simuladas) de comunicação e pela
diversidade da manifestação lingüística e cultural.
Faraco (1997; 2000) entende que a comparação entre as duas culturas a da língua
materna e a da língua-meta é procedimento fundamental para o ensino da língua
estrangeira, considerada como fenômeno histórico e social. Ao tratar da formação do
currículo para o ensino de línguas, sugere que o material de apoio, formado de textos reais,
inclua pequenas notícias, histórias curtas, textos mais elementares de divulgação científica,
levando em conta os conteúdos das demais disciplinas.
Com o intuito de clarificar os conceitos de tipos e gêneros textuais, Marcuschi
analisa que, uma vez que os tipos textuais se realizam sempre num determinado gênero, é
importante conhecê-los, tanto para a compreensão como para a produção de textos.
O autor propõe essa alternativa de ensino já que, com ela, “tem-se a oportunidade de
observar tanto a oralidade como a escrita em seus usos culturais mais autênticos sem forçar a
criação de gêneros que circulam apenas no universo escolar” (MARCUSCHI, 2005; p. 36).
14
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA
A partir da contextualização do tema propõe-se, como objetivo geral, a identificação e
análise das concepções presentes nas propostas de ação pedagógica dos professores da
licenciatura de Letras, orientadas para o ensino das variações da língua/cultura dos falantes de
espanhol e a verificação de como são abordados os gêneros nessas proposições.
Desse objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos específicos:
• Analisar procedimentos e mudanças em relação ao ensino de LE, considerando-se o
processo de formação inicial, contínua e experiência profissional dos professores
envolvidos.
• Levantar, entre os professores e alunos/formandos do curso de licenciatura, as
orientações/parâmetros existentes sobre o ensino das variações da Língua Espanhola.
• Averiguar sobre a pertinência e/ou obstáculos existentes para a utilização dos gêneros
do discurso para esse estudo em particular.
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Para propiciar essas respostas, a pesquisa foi desenvolvida como um estudo de caso,
instrumentado por entrevistas com professores/especialistas da licenciatura de Letras, da área
de Espanhol/LE e com os alunos/formandos do curso (questionários). A análise do corpus
está apresentada no sexto e último capítulo da dissertação.
No capítulo subseqüente a esta introdução procura-se situar o tema da pluralidade
lingüística e cultural que caracteriza o mundo atual, esclarecendo conceitos e refletindo sobre
suas implicações para o ensino. Em seguida, analisa-se o tema a partir de perspectivas e
abordagens diversas sobre o ensino de línguas estrangeiras.
No terceiro capítulo da dissertação realiza-se a análise das questões teóricas sobre o
conceito e ensino de gêneros em relação à aquisição da língua estrangeira.
Essa análise inicia-se com o sócio-interacionismo, de Vygotsky e a teoria da
enunciação, de Bakhtin, que estão na origem da formação teórica dos participantes das escolas
15
(australiana, de Genebra e Norte-americana), que desenvolveram pesquisas sobre gêneros e
sobre a aplicação desse conceito às ciências da linguagem e à aquisição de línguas. Essas
reflexões visam definir o conceito e sua adequação para essa abordagem da língua espanhola,
considerada em sua natureza heterogênea e plural.
O quarto capítulo refere-se aos temas formação de professores e saberes docentes, na
visão de autores da área educacional em que se inscreve esta pesquisa. Ao mesmo tempo,
avaliam-se os conceitos de experiência de Thompson e de saberes experienciais de Tardif
para definir o seu alcance para esta análise.
As questões metodológicas apresentadas no quinto capítulo referem-se à
caracterização das etapas do estudo de caso e às justificativas a respeito da escolha dessa
modalidade de pesquisa, assim como à seleção dos informantes, co-participantes desta
reflexão.
Estudos exploratórios anteriores à coleta de dados incluíram participação em simpósio
sobre o tema variações lingüísticas do Espanhol, em que estava envolvida uma das
professoras pesquisadas; encontros anuais realizados na Universidade Federal do Paraná
(UFPR) Semana de Letras 2006 e 2007 sobre estudos de línguas estrangeiras e
estruturação do curso de Letras que é objeto desta análise. Foram realizadas conversas
informais, anteriores às gravações, com professores do Departamento de Línguas Estrangeiras
Modernas da Universidade.
Essa investigação inicial propiciou direcionamento de conceitos e maior
aprofundamento sobre a literatura existente sobre o tema. Também foi realizado pré-teste dos
instrumentos de coleta de dados com um professor, formado na mesma universidade, no ano
anterior ao dos alunos participantes da pesquisa. Os resultados desse pré-teste serão
comentados adiante.
Diante das perspectivas de expansão do ensino da Língua Espanhola nos próximos
anos, este estudo pode trazer contribuições para a área de formação de professores de
Espanhol/ LE e os resultados da análise podem dar ensejo a mais pesquisa nessa área.
Na seqüência desenvolvem-se as questões teóricas e conceituais enfocando o ensino e
as variações da língua espanhola. Essa análise tem início com esclarecimentos sobre os
conceitos de multiculturalismo, pluralismo cultural e interculturalidade aplicados aos
fenômenos que caracterizam a realidade lingüístico-cultural no mundo atual e a
procedimentos relativos a esses fenômenos.
Nesse contexto o do pluralismo cultural situa-se esta pesquisa, que investiga
sobre as formas de tratar em sala de aula as variações do espanhol, compreendida essa
16
diversidade em seu sentido de diferenças lexicais, sintáticas e fonológicas, mas
principalmente sócio-culturais e ideológicas entre os povos que falam a “mesma” língua.
Entende-se, portanto, língua e cultura como elementos indissociáveis neste estudo.
O termo variações da língua é utilizado no sentido genérico, dada a natureza desta
pesquisa, voltada para a prática em sala de aula de línguas. Esse conceito se refere, portanto,
às diferenças lingüístico-culturais presentes em regiões em que o espanhol é a língua oficial,
em regiões em que aparecem, devido à imigração, as chamadas línguas mistas ou em que se
desenvolvem as variedades dialetais. Os termos ou conceitos técnicos são usados, no entanto,
em citações ou em referências específicas sobre determinada variedade ou a determinada
variante, como ao voseo, por exemplo, presente em muitas variedades americanas.
17
2 ENSINO DAS VARIAÇÕES LINGÜÍSTICO-CULTURAIS DO ESPANHOL
2.1 PLURALISMO CULTURAL, MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE
Uma língua se define por seu caráter de heterogeneidade e pelo processo de
transformação contínua que a caracteriza. Esses aspectos são postos em evidencia nos estudos
sobre as línguas atualmente. Nessas interlocuções, os conceitos de pluralismo cultural,
multiculturalismo e interculturalidade são amplamente utilizados. A análise de Romero busca
definir as fronteiras de significação desses conceitos a partir dos contextos em que eles são
utilizados. Segundo ele
Pluralismo cultural connota, en primer lugar, la presencia, coexistencia o simultaneidad de poblaciones con distintas culturas en un determinado ámbito o espacio territorial y social, sea un área civilizatoria, una entidad supranacional, un estado nación, una nación sin estado, una región, un municipio, una comunidad local, una escuela. Pero por pluralismo cultural también se entiende [...] una determinada concepción de la diversidad cultural y una determinada propuesta sobre la forma legislativa, institucional, etc, en que debería abordarse en la práctica. (ROMERO, 2003)
O autor vê o multiculturalismo e o interculturalismo como duas versões, ênfases ou
modalidades dentro da mesma idéia a pluralista cultural. Distingue entre multiculturalidade,
referida à diversidade étnica, cultural, lingüística, religiosa, etc., e multiculturalismo, práxis
que parte do reconhecimento ativo social e institucional da diferença e que se concretiza em
modelos de política pública, de sistema educativo, etc.
A perspectiva intercultural ganha força, segundo Romero, a partir da constatação dos
limites no campo do multiculturalismo. Interculturalidade refere-se, portanto, às relações
interétnicas ou interlingüísticas, enquanto que interculturalismo englobaria a noção de
convivência na diversidade, pela aplicação dos princípios de igualdade, diferença e de
interação positiva.
Rajagopalan (2006) entende que critérios puramente lingüísticos não são suficientes
para distinguir uma língua de outra ou uma língua de um dialeto, o que é verdadeiro
principalmente, segundo o autor, para as línguas faladas em áreas contíguas. Da mesma
forma, a delimitação do conceito de falante de uma determinada língua também acarreta
problemas, uma vez que a maioria das pessoas pertence a comunidades lingüisticamente
pluralistas, o que torna mais significativo o enfoque do pluralismo lingüístico como um
fenômeno social (PANDIT 1975 apud RAJAGOPALAN, id p. 25).
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Analisa o autor que a lingüística tradicional precisa levar em conta as implicações do
multilingüismo e do multiculturalismo (conceito utilizado com a acepção de
multiculturalidade, segundo a proposta de Romero). Nesse processo, as identidades
individuais “entendidas como algo estável, não têm utilidade prática num mundo marcado
pela crescente migração de massas e pela entremesclagem cultural, religiosa e étnica, numa
escala sem precedentes” (Id p. 40).
Nesse contexto, em que as línguas passam, mais rapidamente, por um processo de
hibridização, tendência inerente a sua própria constituição, como atestam o “portunhol”, o
“franglais”, o “spanglish” línguas mistas, em constante processo de evolução é preciso
repensar, também, segundo o autor, as noções de competência comunicativa e de falante
nativo (RAJAGOPALAN, 2004 p. 69-70).
Para Rajagopalan, isso significa pensar, como Davies (1989; apud Id p. 70), em metas
mais exeqüíveis para o ensino de línguas estrangeiras e o principal objetivo, desse ensino, será
a formação de “indivíduos capazes de interagir com pessoas de outras culturas e modos de
pensar e agir, [ou seja], a formação de cidadãos do mundo”.
Essas considerações sobre a língua, sobre o pluralismo cultural e o ensino de línguas
estrangeiras são ilustradas a seguir, com dois artigos científicos, com o objetivo de situar as
questões da sala de aula multilíngüe e do preconceito lingüístico: o primeiro deles, publicado
na Revista de Educación /Espanha, analisa o ensino em cursos de espanhol para alunos
multilíngües de escolas espanholas de primaria, que correspondem ao nível fundamental no
Brasil; o segundo trata de políticas lingüísticas na fronteira Brasil/Uruguai.
Rojo e Mijares (2006) analisam as línguas imigrantes na prática educativa na Espanha:
pelos dados levantados, durante o curso de 2005-2006, mais de meio milhão (50%) dos alunos
utilizariam alguma variedade do espanhol, especialmente as variedades equatoriana,
colombiana, dominicana, peruana, equato-guineana ou cubana. Essas variedades têm cada vez
maior presença nos centros escolares, no contexto analisado, o que faz com que se possa
repensar, segundo as autoras, a orientação de se considerar correta apenas a norma peninsular,
ou até mesmo, local.
As autoras referem-se à necessidade de valorizar a diversidade, “como fonte de
riqueza que mantém vivos diferentes modos de entender o entorno e a experiência humana”
(Id. p. 97-8).
Vêem a necessidade de programas e medidas para gerenciar essa diversidade, que
garantam o acesso à língua veicular e que permitam a manutenção das línguas de origem.
19
Nas escolas, porém, predomina a “submersão lingüística”, isto é, ao contrário dos
programas de imersão, em que a valorização da língua de origem é indispensável, o método
utilizado não leva em conta, segundo essa análise, a língua de origem dos aprendizes. Estes
são orientados a não utilizá-la durante o processo de aprendizagem da nova língua (ou nova
variedade). Essa orientação parte do princípio de que a língua dos aprendizes interfere
negativamente na aprendizagem da língua estrangeira.
Exemplificam com o Programa de Escuelas de Bienvenida, em que se agrupa ou
separa os alunos que não conhecem a língua da escola. Esse procedimento impede que os
alunos se familiarizem com a diversidade e marginaliza aqueles que não conhecem a
variedade local, problema que se resolveria com relativa facilidade no convívio com os
colegas.
O método favorece a competição entre as línguas – separa os âmbitos de uso e busca
substituir (em vez de compatibilizar) uma língua por outra e demonstra “que em muitas dessas
classes, os professores consideram que seus alunos, possivelmente já bilingües, partem do
zero, de uma ‘não-língua’” (Id. p. 101-2).
A valorização da variedade local afeta tanto as línguas como as outras variedades do
espanhol, diferentes da que se fala na região. Os estudantes são corrigidos com a justificativa
de que, uma vez suprimidos os sotaques ou pronúncias diferentes, assim como as diferenças
lexicais, eles se integrarão melhor, o que evidencia a crença de que, para integrar-se, não se
pode falar de maneira diferente.
O objetivo do professor é a substituição de uma forma por outra, segundo se conclui, o
que faz com que os estudantes de origem latina, por exemplo, participem menos em classe e
relatem que “se rechaza su manera de hablar” (Id, p. 105).
No segundo artigo, Barrios (2001) relata que, historicamente, as políticas lingüísticas
se caracterizaram, no Uruguai, pelo caráter homogeneizante, refutando todas as opções para
levar em conta a heterogeneidade lingüística existente em grande parte do país.
Desde 1877, pela Ley de Educación Común, o espanhol se impôs sobre as línguas
portuguesas da fronteira com o Brasil, cujo repertório lingüístico tem as seguintes
características, segundo a sociolingüista: é constituído por duas línguas estândares espanhol
e português; cada uma das línguas se constitui, por sua vez, de uma variedade estândar (rio-
platense e português estândar brasileiro) e diferentes variedades dialetais, com possibilidades
de variações estilísticas e sócio-dialetais; as duas línguas estândares entram em contato
através de suas variedades dialetais, conhecidas popularmente como portunhol e tecnicamente
como DPU (Dialetos Portugueses do Uruguai).
20
Essas variedades do espanhol e do português são os dois pólos em que se localizam as
variedades dialetais, mais ou menos espanholizadas ou aportuguesadas, que os falantes
identificam predominantemente com o português (brasilero). A exposição dos falantes
fronteiriços ao espanhol estândar é muito mais forte que ao português estândar, porque aquela
língua é a língua ensinada nas escolas; os falantes estão expostos à variedade portuguesa
através dos meios de comunicação (imprensa oral e escrita), cartazes publicitários e
sinalização viária nas cidades brasileiras, etc.
A variedade estândar rio-platense é a língua prestigiada socialmente, descreve Barrios,
mas os DPU contam com o prestígio comunitário, orientado para a identidade, o que lhes dá
as características de uma língua étnica. A norma social entra em conflito com a norma da
comunidade, “através da qual os falantes manifestam sua solidariedade com o grupo”.
A autora prevê que o português estândar poderá ser um sucedâneo para os DPU, no
caso de que sua sobrevivência seja impossibilitada e funcionaria assim como língua
identificadora grupal. Isso porque, como parte dos acordos entre os países do Mercosul,
estende-se o ensino do Português para os habitantes da fronteira lingüística Brasil/Uruguai, o
que se constitui em um paradoxo, segundo a autora: a substituição da repressão tradicional ao
português pela instrumentalização oficial do ensino do português na região, como resultado da
política lingüística de integração regional, as duas realidades causando o mesmo efeito em
relação às variedades da fronteira.
A política lingüística atual, para Barrios, realiza-se em termos paternalistas e
corretivos, como atestam as justificativas do projeto e as sugestões de que seria melhor que os
falantes da fronteira aprendessem o português correto, ao invés de falar uma ‘mezcla’, que no
es ni una cosa ni la otra.
O resumo dessas duas comunicações teve o objetivo de caracterizar a situação descrita
sobre a questão lingüística no momento atual, a partir de duas visões diferenciadas: a
realidade do ensino em sala de aula com alunos multilíngües (Espanha) e a visão
sociolingüística em relação a línguas em região de contato.
O estudo de Rojo e Mijares caracteriza, também, a orientação do método
comunicativo de línguas para o ensino de línguas estrangeiras, anteriormente a sua crítica e
revisão: a indicação de que professores e alunos não utilizassem a língua de origem na sala de
aula de línguas estrangeiras. A revisão posterior do método incluiu, por exemplo, o ensino da
gramática da língua.
A comunicação de Barrios, publicada no Brasil, é um texto que, muito provavelmente,
provoca sentimentos diversos, caso a leitura seja feita por leitores falantes de espanhol ou de
21
português. Para os professores de espanhol, os dois textos possibilitam reflexões a respeito da
prática e também o entendimento do porquê de muitas das orientações metodológicas que
encontramos no material didático utilizado ao longo da vida profissional.
A partir da conceituação apresentada e na seqüência desses encaminhamentos
metodológicos, analisam-se alguns aspectos relativos ao ensino do espanhol no Brasil.
2.2 ESPANHOL COMO LE: ENSINO DAS VARIAÇÕES DA LÍNGUA
No Manual de Becker (1955) pode-se ler, a respeito do voseo, que “este censurable
vicio de lenguaje – denominado voseo – adopta también, en general, formas verbales
incorrectas. Los que vosean dicen, por ejemplo: vos sos, vos tenés, vos andás (...) cuando lo
correcto es tú eres, tú tienes, tú andas” [destaques acrescidos]; (Id, p. 57).
O autor estima em dois terços as regiões da América em que se vosea:
La zona en que se vosea abarca, sobre todo, gran parte de la América del Sur. El voseo se encuentra arraigado en ciudades importantes como Buenos Aires, Montevideo, Asunción, Rosario y otras menores (...) Han quedado indemnes, casi en su totalidad, Méjico y las Antillas; y, en menor parte, el Perú, Colombia y Venezuela. En ese tercio de Hispanoamérica se tutea. [destaques acrescidos]; (Id, p.57)
No capítulo sobre divergências léxicas entre Espanha e América, Becker adverte que
não estará referindo-se, em sua análise, a “las voces groseras del habla vulgar”, mas sim aos
regionalismos “de buena ley y que son usados por los escritores y todas las clases sociales”
(Id. p.168).
O autor desautoriza o uso de tais voces groseras, assim como procura estabelecer a
norma correta em relação ao voseo, embora reconheça que é usado em praticamente toda a
América.
Os grifos no texto do autor procuram destacar a noção de língua presente no Manual e
mostrar como se difunde o preconceito lingüístico, que pode ser identificado em acepções e
abordagens de ensino atuais. As análises de livros didáticos ou sobre escolha de variedades
por professores e alunos apontam para a valorização do espanhol peninsular, que é
considerado sempre em relação dicotômica com o padrão hispano-americano, relacionado à
variedade rio-platense (LIMA, 2006; IRALA, 2004).
Esses estudos mostram a difusão da noção de inferioridade em relação às variantes,
associadas à fala vulgar ou coloquial. Os professores escolhem a variedade padrão mais
22
difundida nos livros didáticos, mesmo em regiões em que, pela proximidade com os países em
que o espanhol é língua oficial, seria bastante compreensível a adoção de variantes presentes
na “variedade hispano-americana” (rio-platense), como o voseo, por exemplo (Id, p.102).
Celada e González (2005) desenvolvem uma reflexão histórica e interpretativa a
respeito de como se processa no Brasil o ensino do Espanhol/ LE. Essa crítica toma como
referências os estudos de Pêcheux, Orlandi e de Serrani, sobre lingüística aplicada, com base
nos conceitos da análise do discurso. Recorrendo a categorias de Pêcheux para essa análise a
autora observa que
‘aprender una lengua’ implica que esta será tomada ‘en redes de memoria, dando lugar a filiaciones identificadoras y no meramente a aprendizajes por interacción’. Evitamos así una identificación con la ilusión de cada uno de nosotros que, como sujetos pragmáticos, urgidos por una imperiosa necesidad de homogeneidad lógica, enfrentamos una lengua como un conjunto de cosas-a-saber que expresa un mundo semánticamente estabilizado. (p. 93)
Celada caracteriza, com essa afirmação, a visão veiculada no Manual de Becker
(1942 apud id, p. 81), que considera apenas o nível lexical de análise e entende a língua como
sinônimo de norma e de língua de determinada literatura (p.90).
A concepção de homogeneidade e estabilidade da língua é responsável, também, pelo
estabelecimento de alguns mitos relativos ao estudo do espanhol como língua estrangeira.
Entre eles, destaca-se o da semelhança entre o espanhol e o português, a ponto de se
considerar desnecessário estudar o espanhol, a não ser pelo cuidado que os alunos brasileiros
devem ter com os falsos cognatos.
Essas palavras são identificadas como compondo apenas 10% do léxico da língua (as
90% restantes, segundo essa interpretação, não ofereceriam riscos para a comunicação). A
expectativa de fazer frente a esses “inimigos” da comunicação explicam a grande quantidade
de dicionários de termos com as palavras correspondentes em português e as listas de falsos
amigos nos livros didáticos de espanhol para alunos brasileiros.
Em uma análise, porém, que se produza ao nível dos enunciados da língua e que
considere o tema em oposição à significação isolada e dicionarizada dos termos (BAKHTIN,
2002), qualquer palavra da língua estrangeira ou materna vai-se constituir, certamente, em
um obstáculo no caminho da aquisição ou da comunicação.
Sobre as variações do espanhol, observa-se que elas também são apresentadas, em
grande parte do material didático, como algumas poucas referências sobre diferenças
23
lexicais, sintáticas ou fonológicas, segundo conclusões de Lima (2006), quase sem análise
sobre as ocorrências. Indica-se, dessa forma, a sua condição de desvio em relação à norma ou
são vistas como curiosidades, o que vem reforçar as noções de homogeneidade e de ausência
de conflitos no estudo e na constituição da língua.
Lima propõe que o professor apresente, aos alunos, material lingüístico variado e
autêntico para complementar esse estudo. Sugere que o aluno tenha acesso a textos
registrados em áudio, filmes em que predomine o espanhol coloquial, séries televisivas,
artigos de jornal e de revistas, comics, folhetos de propaganda e publicidade, obras que
realizam una elaboração literária da língua coloquial, etc. Observa que esse ensino deve se dar
num momento determinado da aprendizagem:
una vez que los alumnos han adquirido el saber idiomático (son capaces de expresarse correctamente en una lengua determinada) (...) el profesor debe darles cuenta de la existencia de las distintas variedades lingüísticas y de cómo el mismo contenido ha de expresarse de un modo distinto, según la situación y el tipo de comunicación deseada.
(p. 311)
No entanto, apesar do cuidado que se deve ter a respeito da noção de facilidade de
compreensão do espanhol pelo falante de português entende-se, em contraposição a essa
orientação da autora, que o estudo das variações lingüísticas compreendidas também como
tipos de comunicação ou de registros diferentes deverá ser efetivado já no início da
aprendizagem, uma vez que esse conhecimento é condição para a almejada capacitação na
língua estrangeira. Esse ensino/aprendizagem poderá ser implementado através da leitura de
textos autênticos ou de audições, como sugere a pesquisadora; porém, ao contrário de seu
posicionamento, compreende-se que o ensino das variações referentes aos contextos sócio-
culturais deverá nortear os programas educacionais, desde que se considere a adequação do
material para cada grupo de alunos, em fases diferentes do aprendizado da LE, mas abarcando
todas as etapas de aprendizagem da língua.
A proximidade entre as línguas, portanto, permite ao professor trabalhar com textos,
desde as classes iniciais. E é nesse sentido que se considera que os conceitos de enunciado e
de gêneros discursivos, assim como a argumentação de Bakhtin/Voloshinov (2002; p. 128-36)
sobre tema e significação, em sua análise sobre aquisição da língua materna, podem ser
bastante proveitosos para o ensino do Espanhol/LE.
Em continuidade a essas reflexões é importante acompanhar um pouco o debate atual
sobre os métodos de ensino de línguas estrangeiras e a identificação, em relação a eles, das
24
noções de ausência de conflitos na constituição do sujeito e do caráter de homogeneidade da
língua, segundo análise de Mascia (2003) e Souza (2002).
Seguindo uma perspectiva de análise do discurso, Mascia analisa os discursos
fundadores das metodologias de ensino de línguas estrangeiras e entende que as mudanças de
métodos não se constituem apenas em mudanças de práticas pedagógicas: são práticas políticas
que veiculam não apenas conteúdos, mas “formas pelas quais nós ‘significamos a verdade’ a
respeito de nós mesmos e dos outros, por meio de relações de poder”.1 Relaciona os mais
conhecidos métodos de ensino de línguas, desde o método Tradicional, passando pelo método
Direto, Áudio-oral e Audiovisual, para concentrar maior atenção ao método Comunicativo, que
surge na década de 1970, na Europa, com o objetivo de ensinar línguas aos adultos imigrantes,
que chegam em razão da abertura do Mercado Comum Europeu.
Percebe a autora que os métodos aparecem sempre em condições históricas
determinadas, que precisam ser levadas em conta para a compreensão das concepções e dos
discursos que subjazem ao seu estabelecimento.
A metodologia comunicativa, que surge em oposição aos métodos Áudio-Oral,
Audiovisual e às abordagens estruturalistas, considera o erro como parte do processo da
aprendizagem e se direciona para o desenvolvimento da competência comunicativa, pelo
desenvolvimento das habilidades de compreensão oral e escrita e produção oral e escrita.
O professor é o mediador e facilitador do processo, selecionando o material de acordo
com as necessidades dos alunos, que são os responsáveis pela aprendizagem.
Mascia identifica, com base na literatura, três fases de constituição dessa metodologia:
a nocional-funcional; a fase ligada aos atos de fala, com incorporação de tendências sócio-
lingüísticas; e a terceira vertente, mais crítica e que considera a interação cultural.
A incorporação de aspectos como o da sistematização gramatical confere a essa
metodologia um caráter de ecletismo metodológico. Não questiona a heterogeneidade
constitutiva do sujeito, ou seja, apresenta, segundo essa análise, a tendência de “não-
problematização do sujeito e de seu dizer”, o que a aproxima dos métodos anteriores (p. 219).
_____________________________________________ 1 Para Lopes (2006, p. 310), as identidades sociais são construções históricas; formam-se na interação
com os outros, em determinados contextos histórico-sociais. Esse processo interativo implica a possibilidade de um contra-discurso, ou seja, as identidades não são fixas, estão em construção e podem ser re-posicionadas. A questão metodológica e as práticas educacionais, nesse sentido, consideram-se na experiência dos atores envolvidos no processo educativo e a análise desses fenômenos objetiva a identificação de como eles se expressam em situações históricas particulares (THOMPSON, apud MARTINS, p. 118).
25
Com base na crítica de Bakhtin à visão saussuriana Souza (2002) explicita que
Na sala de aula tradicional (...) tanto os conteúdos quanto a metodologia são vistos como imutáveis, fixos, estáveis. Os conteúdos – a gramática, seja ela tradicional ou comunicativa – são pré-estabelecidos, de forma unilateral, pelo professor ou pela instituição, independente de qualquer grupo específico de aprendizes. A metodologia também é vista como imutável e unilateral, garantindo a naturalidade da autoridade do professor, sendo que o aprendiz é visto como um ser abstrato, desprovido de um caráter social (...) Essa visão aborda a sala de aula como um lugar neutro, objetivo e harmonioso. (p. 23)
Para Souza, a sala de aula, na visão bakhtiniana, pode ser, ao contrário, um lugar de
conflito de vozes e de embates entre valores concorrentes. Essa visão, da sala de aula como
heteroglossia conceito que, na análise do autor, está referido a todos os elementos que a
constituem, ou seja, a métodos, programas , alunos, professores , traz consigo a necessidade
de negociação e a consideração do aluno como sujeito híbrido, na acepção dada por Bakhtin.
Isso significa, segundo o autor, considerar a diferença de discursos sociais e coletivos que
formam cada sujeito, mas levando em conta a possibilidade de pontos em comum entre esses
discursos.
O autor sugere que se busquem maneiras de acomodar os conflitos e não eliminá-los
ou camuflá-los, atitude que acaba sempre por adiar o momento de conflito, que não pode, na
verdade, ser evitado. A negociação, portanto, deve dirigir todos os momentos da atividade
pedagógica, uma vez que, o aprendiz, como ser social e formado por discursos conflitantes,
não se adapta com facilidade a metodologias pré-estabelecidas e homogeneamente
constituídas (p. 24).
Considerando as análises apresentadas e retomando Celada (e Pêcheux), pode-se
formular algumas questões com o intuito de direcionar essas reflexões sobre a língua e o
ensino de LE. São elas: que alternativas tem o professor à concepção da língua estrangeira
como expressão de um mundo semanticamente estabilizado? E, também, como apreender a
heterogeneidade e instabilidade inerentes ao objeto de estudo e com que abordagens?
Esses pontos serão abordados no decorrer desta pesquisa no sentido de delinear
possíveis caminhos, prevendo as contribuições que a aplicação de gêneros em sala de aula
possam trazer para a solução dos problemas descritos.
No III Simpósio de professores de espanhol do Paraná (III EnPLEE –PR), realizado
em Foz do Iguaçú-Pr, Villalba (2007) discorreu sobre as variações lingüísticas no ensino do
espanhol. Referiu-se, nesta oportunidade, aos métodos para o ensino de LE, que destacaram,
26
respectivamente, a gramática da língua e a tradução, a oralidade da língua e a gramática
comunicativa.
Refere-se a que o ensino das variações, assim como o ensino da leitura, não são
contemplados de maneira eficaz por meio dessas abordagens. Analisa a questão através dos
livros didáticos para o ensino da língua estrangeira e observa que os autores têm tratado a
variação, em geral, como curiosidades léxicas, o que revela o preconceito lingüístico: “lo
ajeno tratado como exótico”.
Revê o conceito de identidade, segundo o qual o indivíduo se constitui e se revela pela
língua e sua vinculação à cultura e à ideologia. Entende que há necessidade de mudanças de
concepção de língua e de postura do professor, valendo-se da experiência profissional.
Relata, nessa comunicação, que a tomada de posição frente às metodologias de ensino
e organização do material didático implica reconhecer a situação (localização) do curso, perfil
de professores e alunos e os objetivos do curso.
A análise de Serrani não é menos esclarecedora das indagações postas para a
realização deste estudo. Sua visão, neste caso, é sobre o enfoque intercultural no ensino da
língua.
Como membro do Ministério de Educação para avaliação dos cursos de Letras, no
período de 1998 a 2003, Serrani (2005) constata que o componente sócio-cultural e a
dimensão enunciativa da língua ocupam posição acessória nos currículos de Letras. Os
enfoques interculturais, que contemplem a diversidade cultural de forma efetiva, também são
raros nos programas dos cursos.
Sobre a formação do professor de línguas como interculturalista, observa que é
importante não entender a língua como “mero instrumento a ser dominado pelo aluno,
segundo progressões de complexidade”, trabalhando apenas com o sistema da língua ou com
apresentação de situações comunicativas. Importa que o professor “considere, especialmente,
em sua prática, os processos de produção-compreensão do discurso, relacionados diretamente
à identidade sócio-cultural” (p. 17-18).
Na proposta interculturalista de Serrani, os currículos ou projetos didáticos para o
ensino de línguas não partem de elementos do sistema da língua, mas organizam-se pelo
enfoque de determinados contextos sócio-culturais. Para a composição desses projetos são
considerados os gêneros discursivos produzidos nesses contextos, assim como textos que
possibilitem a identificação de visões externas sobre o tema e o contexto analisados. Propõe a
organização de programas com eixos temáticos, que contemplem os diferentes territórios
entendidos não só como espaços geográficos, mas principalmente como espaços sociais ,
27
legados culturais e grupos sociais, observados sob diversas perspectivas discursivas a respeito
de diferenças raciais, étnicas, de classe ou atividades profissionais (p. 31-32). Esse enfoque
permitirá compreender os fenômenos em sua heterogeneidade social, lingüística e cultural.
Referindo-se a Freire, propõe que o método de ensino favoreça o estabelecimento de
pontes culturais com outras sociedades e culturas, partindo da língua de origem do aprendiz.
Coerente com essa abordagem, a autora admite que ela possa ser eficiente, também, no
ensino das variedades da língua. Apresenta sugestões de atividades para o ensino de espanhol
como língua estrangeira, com apoio em textos escritos e música, propiciando a comparação de
gêneros e de realidades regionais das duas esferas, a da língua materna (português) e a da
língua estrangeira. Essa abordagem da língua, além de garantir um lugar importante para o
componente cultural, “propicia a educação para a diversidade sócio-cultural e o
questionamento de etnocentrismos e exotismos” (p. 21). Na organização dos currículos para o
ensino da língua, propõe que se observe a inter-relação entre os campos teórico, político e o
de atividades concretas de ensino.
Na visão da autora, portanto, seria necessário que a concepção da pluralidade cultural,
assim como a noção de registros diferenciados organizassem o ensino da língua, considerando
a produção social de áreas diversas da atividade humana.
Com o propósito de refletir sobre a aplicação de uma teoria com base em gêneros para
o ensino das variedades do espanhol serão analisados, a seguir, os conceitos de gêneros do
discurso e de enunciado, de Bakhtin, e as formas de apropriação desses conceitos. Essa
análise passa pela consideração da teoria sócio-construtivista de Vygotsky, que constitui,
juntamente com a teoria da enunciação de Bakhtin, a fundamentação teórica dos estudos
tradicionais sobre gêneros e aquisição de línguas. Busca-se também situar a orientação deste
trabalho em relação às noções de gênero textual e de gêneros do discurso, segundo análise de
Rojo e a partir das considerações teóricas de outros autores que examinam essa questão.
28
3 A PERSPECTIVA DOS GÊNEROS DO DISCURSO
3.1 O SÓCIO-CONSTRUTIVISMO (INTERACIONISMO)
Os principais conceitos da teoria sócio-interativista desenvolvida por Vygotsky (1987;
1988) dizem respeito à noção de que o indivíduo adquire conhecimentos através de sua
relação com o meio social, como resultado de um processo sócio-histórico. Nesse processo, a
linguagem e a aprendizagem têm lugar relevante.
Esses conceitos referem-se ao pensamento e à linguagem, à questão cultural no
processo de construção de significados pelos indivíduos, com destaque para o papel que a
escola representa para a sua formação: a transmissão de conhecimentos científicos, segundo
essa vertente, processa-se de forma diferenciada na escola e na vida familiar, cotidiana.
Importante conceito para a compreensão dessa teoria é o da relação mediadora que
exercem sobre o indivíduo a cultura e o meio social, que pode ser composto por outros
indivíduos, objetos que rodeiam a criança ou a forma como se organiza o espaço e o
ambiente. Essa motivação exercida pelo outro é responsável pela internalização do
conhecimento e dos conceitos e é pela linguagem que o indivíduo terá acesso a esse
conhecimento, uma vez que é por meio dela que se formam as funções sociais superiores.
Esse desenvolvimento cognitivo vai do social para o plano individual interno, ou das
relações interpessoais para o nível das relações intrapessoais. Com essa visão, os processos
pedagógicos são vistos como ação intencional, que visam à formação de conceitos; e o papel
do professor é o de intermediar esse processo, sendo a sua interferência maior do que aquela
que é prevista na teoria interacionista de Piaget.
Para Vygotsky
os sistemas simbólicos que se interpõem entre sujeito e objeto de conhecimento têm origem social. Isto é, é a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade e, por meio deles, o universo de significações que permite construir uma ordenação, uma interpretação, dos dados do mundo real. Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo internaliza formas culturalmente dadas de comportamento. (LATAILLE; 1992)
Os estudos de Piaget e Vygotsky sobre o desenvolvimento da aprendizagem na criança
permitiram o tratamento renovador das práticas e teorias educacionais.
29
Para Freitas (2006), a contribuição fundamental de Vygotsky para a Educação está “na
concepção de que as funções psíquicas do indivíduo são constituídas na medida em que são
utilizadas, sempre na dependência do legado cultural da humanidade” (p. 101). A criança se
apropria da cultura através do contato com os adultos e companheiros mais experientes.
Esse aprendizado é anterior à idade escolar e acontece desde o primeiro ano de vida da
criança. Na escola, ela passa por várias experiências, entre as quais se destacam a imitação de
comportamentos, a aquisição da linguagem e de informações e a realização de atividades com
quantidades e operações.
A formação de conceitos refere-se, portanto, sempre seguindo a análise da autora, aos
processos de conceitos espontâneos e de conceitos científicos, intimamente relacionados.
Vygotsky construiu um novo caminho para a Psiciologia, com base no materialismo
dialético que, para ele, não era um dogma, mas uma maneira de pensar. A relação entre
marxismo e Psicologia não supunha “uma vinculação imediata, mas mediata” (p.105),
portanto era preciso buscar um conjunto de categorias intermediárias, a exemplo da categoria
de mais-valia, intermediária na teoria marxista para a explicação dos fenômenos econômicos
e sociais.
Para Vygotsky, “o que se pode buscar nos mestres do marxismo, não é a solução da
questão, nem mesmo uma hipótese de trabalho (...) mas, o método de sua construção”
(VYGOTSKY, 1984, apud FREITAS, id p.108).
Pelo método dialético, ele desenvolve a compreensão dos fenômenos como processos
em movimento e em mudança.
Freitas aproxima Vygotsky e Bakhtin pelo interesse dos dois autores pela Linguagem,
entendida como chave para a compreensão das questões epistemológicas das ciências sociais
e humanas; e pelo embasamento de suas teorias no materialismo dialético:
Bakhtin analisou a estrutura da enunciação na língua corrente pela inter-relação entre significação, sentido e valor apreciativo. Vygotsky, da mesma forma, buscou apreender a estrutura do pensamento a partir do sentido e da intenção afetivo-volitiva presentes na interação verbal. Ambos distinguem sentido e significação da palavra compreendendo sentido em seu aspecto concreto, dinâmico, contextual. (Id, p.160)
O sócio-interativismo, na vertente de Vygotsky, cristaliza-se em várias opções teóricas
para os estudos do texto e da linguagem, como os estudos de Oliveira (2006), sobre
letramento, cultura e modalidades de pensamento e de Lopes, comentado mais adiante.
Também nessa vertente situam-se os trabalhos de Kleiman (2002a; 2006), sobre leitura
e letramento. Os trabalhos produzidos pela autora oferecem subsídios e direcionamentos
30
importantes para a elaboração de currículos, organização de livros-didáticos e para a prática
pedagógica nas escolas, visando à formação do leitor crítico.
Na área de aquisição da linguagem, especificamente da segunda língua, Lima (1998),
a partir das proposições de Vygotsky sobre a participação conjunta de professores e alunos
para a construção do conhecimento comum, estuda o papel do professor na sala de aula de
línguas. Adotando visão diferenciada em relação ao ponto de vista tradicional (professor
transmissor do conhecimento, centro do processo educacional) e àquele que desloca essa
centralidade para o educando exclusivamente, propõe o “conhecimento compartilhado” nas
aulas de LE.
Lopes (2002) analisa os modelos não-interacionistas de leitura, centrados nos aspectos
mecânicos do ensino de línguas e voltados para o texto ou privilegiando a recepção para
estabelecer uma terceira visão de leitura, que abarcaria com mais propriedade o fenômeno da
compreensão escrita.
Nessa interpretação, o ato de ler envolve tanto a informação que está impressa como a
informação que o leitor traz para o texto. Apresenta, assim, uma reflexão que visa
problematizar os processos de ensinar e aprender a língua estrangeira, com ênfase em sua
natureza social e educacional.
A reflexão do autor centraliza a questão do professor de línguas como professor-
pesquisador. Lopes entende que a tomada de consciência do processo em que o professor está
envolvido fará com que ele possa submeter a sua atividade a uma crítica constante e gerar
progresso educacional, com base nas pesquisas conduzidas por ele na sala de aula.
Os estudos sobre leitura, compreensão e letramento, dos quais os exemplos dados
ilustram algumas das orientações existentes, norteiam-se pela noção de interação. Situam-se
na vertente construtivista, como os de Lopes, ou na vertente sócio-interacionista, que também
está na base dos estudos sobre gêneros e sua aplicação ao ensino de línguas, como os estudos
das chamadas Escola de Sidney, Escola de Genebra e Nova Retórica. As apropriações do
conceito de gênero e sua crítica serão analisadas a seguir, buscando sua formulação em
relação aos objetivos deste estudo.
3.2 A TEORIA DOS GÊNEROS
O termo gênero refere-se às atividades realizadas lingüisticamente em determinada
cultura ou meio social. O conceito de Bakhtin engloba as noções de dinamismo e de
31
criatividade e o entendimento da linguagem como processo, em constante mudança, efetuada
pela ação dos falantes.
Para Bakhtin, a linguagem é fenômeno social e histórico; a unidade básica de análise
lingüística é o enunciado, ou seja, “elementos lingüísticos produzidos em contextos sociais
reais e concretos como participantes de uma dinâmica comunicativa [ e ] a mutabilidade da
linguagem consiste na inesgotável possibilidade de atribuir novos significados aos mesmos
elementos lingüísticos em contextos social e temporalmente novos” (2003; apud SOUZA, 2002
p. 21).
A respeito do conceito de enunciado de Bakhtin e sua importância para os estudos de
lingüística aplicada, lemos em Faraco e Castro (2004):
Para o autor, a relação lingüística entre os seres humanos se dá, portanto, por meio do enunciado (oral ou escrito), que é o processo básico de estabelecimento da interlocução e envolve, por isso, obrigatoriamente, um contexto específico e interlocutores correspondentes a esse contexto, com seus valores e interesses. (...) Do ponto de vista metodológico, [esse conceito] pode elucidar algumas de nossas ações que dizem respeito ao modo como conduzimos o trabalho de leitura em sala de aula.
Marcuschi (2005a) define e diferencia tipos e gêneros textuais. Com base nas
teorizações de Bakhtin e Bronckart, observa que os gêneros caracterizam-se, segundo o
primeiro autor, pelo fato de se constituírem em atividades sócio-discursivas, muito mais do
que por sua forma lingüística. Explicita, a esse respeito, que “quando dominamos um gênero
textual, não dominamos uma forma lingüística e sim uma forma de realizar lingüisticamente
objetivos específicos em situações sociais particulares”.
Citando Bronckart, para quem “a apropriação dos gêneros é um mecanismo
fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas”,
entende que os gêneros agem como “formas de legitimação discursiva [porque] se situam
numa relação sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito além da
justificativa individual”. Eles são “o reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada
cultura” (Id p.32).
Em outro estudo sobre o tema, Marcuschi (2005b) observa também que existem
atualmente muitas teorias sobre os gêneros, mas que estão em crise aquelas que privilegiam a
forma e a estrutura. Isso ocorreria devido às características essenciais do gênero a
flexibilidade e a variabilidade e que também caracterizam a linguagem. Hoje, como aponta
o autor, o gênero é visto, na maior parte dos estudos, “pelo seu lado dinâmico, processual,
social, interativo e cognitivo” (Id p.18).
32
Entende que, “quando ensinamos a operar com um gênero” estamos tratando de “um
modo de atuação sócio-discursiva numa cultura e não[de] um modo de produção textual” (id,
p.19). Referindo-se a Bakhtin e à afirmação de que toda a manifestação lingüística se dá
como discurso, avalia a categoria de gênero na visão de Maingueneau, para quem ela “permite
evitar vários tipos de reducionismos, tais como a ‘redução sociológica’ de ver o discurso sem
considerar a fala que o autoriza; ou a ‘redução lingüística’ de ver as palavras sem considerar
seu entorno enunciativo” (p. 21).
Os gêneros, portanto não podem ser classificados, segundo esta análise, como formas
puras, nem podem ser catalogados de forma rígida. Devem ser considerados em sua “relação
com as práticas sociais, os aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as
tecnologias, as atividades discursivas e no interior da cultura. Eles mudam, fundem-se,
misturam-se para manter sua identidade funcional com inovação organizacional.” (p.19).
Bunzen (2004) revê o conceito de gêneros do discurso para entender sua importância e
limites de aplicação para os estudos de língua materna. Analisa três tradições ligadas a esse
conceito: a escola australiana (de Sidney); a escola de Genebra e a Norte-americana ou Nova
Retórica, para reconhecer as concepções de ensino-aprendizagem subjacentes às diversas
propostas de ensino com gêneros.
Os pesquisadores da Escola de Genebra, Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly,
Dolz, Haller, Machado entre outros, da Universidade de Genebra, dedicam-se à constituição
do interacionismo sócio-discursivo e sua aplicação aos estudos do francês como língua
materna. Tomam como modelos teóricos a Teoria da Enunciação de Bakhtin e a Teoria da
Aprendizagem vygotskiana para identificar, no conceito de gênero, a articulação entre práticas
sociais e objetos escolares (SCHNEUWLY; DOLZ, [1997] 2004 apud BUNZEN, id ).
As unidades de análise, nessa escola, assim como na Escola de Sidney são os textos,
entendidos em uma acepção sócio-interacionista da linguagem, como “a ‘realização
semiótica’ de uma ação de linguagem situada, que se efetua tomando um dos modelos de
gêneros disponíveis no intertexto de uma determinada língua natural” (BRONCKART, 2000
apud Id).
No entanto, para os pesquisadores da “Escola de Genebra” os gêneros não se
constituem em objeto real, destinado ao ensino/aprendizagem. São utilizados como “quadros
da atividade social em que as ações de linguagem se realizam” no desenvolvimento de
capacidades de ação, discursivas e lingüístico-textuais, numa perspectiva textual de análise.
Na conclusão de sua análise o autor argumenta que esse conceito, nas tradições
analisadas, tem-se constituído em instrumento desestabilizador de práticas de ensino
33
tradicionais ou que se mostraram pouco eficazes ao aprendizado. Entende que a utilidade do
conceito está em que ele poderá dar lugar ao heterogêneo e ao plurilingüismo, em oposição à
concepção de homogeneidade veiculada pelos métodos tradicionais. Adverte, porém, para os
riscos de se trabalhar com os gêneros priorizando aspectos formais, sem levar em conta os
elementos pragmáticos e discursivos.
A delimitação dos estudos que levam em conta os gêneros sob a perspectiva da
lingüística textual e dos que consideram o gênero em seu contexto de produção são
comentados a seguir, a partir da análise de Rojo (2005). A referência a Faraco (2003) tem o
objetivo de conhecer as formas de apropriação dos conceitos formulados por Bakhtin e a
crítica dessa apropriação, muitas vezes realizada sem a devida compreensão de suas
categorias de análise, segundo o autor.
Rojo analisa a produção científica sobre gêneros a partir da vertente teórica
bakhtiniana e identifica dois blocos de análise que ela denomina de teoria dos gêneros
textuais e de teoria dos gêneros do discurso: o primeiro bloco, composto pelos estudos que
se localizam no nível de análise textual, como os de lingüística textual, são direcionados
pelo conceito de gêneros textuais; o segundo é composto pelos estudos que se inscrevem na
perspectiva dos gêneros do discurso ou gêneros discursivos.
Identifica, na obra de Bakhtin, três dimensões essenciais e indissociáveis dos gêneros
discursivos: os temas, conteúdos ideologicamente conformados e comunicáveis através do
gênero; a forma composicional elementos das estruturas compartilhadas pelos textos
pertencentes ao gênero; e os traços da posição enunciativa do locutor e da forma
composicional do gênero marcas lingüísticas ou estilo do autor. Nessa abordagem a dos
gêneros discursivos não há como dissociar os enunciados de seu contexto de produção e é
essa orientação fundamental que a diferencia das abordagens textuais ou estruturais (p.196).
Faraco (2003) atribui a banalização dos conceitos de diálogo, interação e de gêneros
do discurso, usados sem a compreensão de sua complexidade conceitual, aos problemas de
recepção da obra de Bakhtin no Brasil. Entre esses problemas, relaciona os referentes à
tradução de sua obra e à identificação do pensamento bakhtiniano quase que
exclusivamente com o livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, primeiro livro publicado
em português, em 1979 (p.16-17).
Considera que grande parte dos estudos realizados com os conceitos de diálogo e de
relações dialógicas, formulados por Bakhtin, não está em consonância com as proposições
do autor. Assim, exemplifica com o texto Problemas da poética de Dostoievski, em que
34
Bakhtin afirma que, em abordagens realizadas por um viés estritamente lingüístico, não há
relações dialógicas entre elementos de um texto ou entre textos, nem entre unidades
sintáticas ou entre proposições:
Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material lingüístico (ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. Só assim é possível responder (em sentido amplo e não apenas empírico do termo), isto é, fazer réplicas ao dito (...). Em suma, estabelecer com a palavra de outrem relações de sentido (...) que geram significação responsivamente a partir do encontro de posições avaliativas. (1984; apud id p. 64)
Para Bakhtin, portanto, o enunciado completo, que assegura a possibilidade de
compreensão responsiva apresenta “exauribilidade semântico-objetal do tema do enunciado,
[fator] que é profundamente diverso nos diferentes campos da comunicação discursiva”;
“projeto de discurso ou vontade de discurso do falante” e “formas típicas composicionais e
de gênero do acabamento” (BAKHTIN, 2003 p. 281). A intenção discursiva do falante “se
realiza na escolha de um certo gênero de discurso” e é aplicada e adaptada a sua forma
específica. A escolha dos recursos lingüísticos é realizada em função da resposta antecipada
do destinatário.
Segundo Bakhtin, a língua possui uma grande quantidade de recursos: lexicais,
morfológicos, sintáticos; mas esses recursos só “atingem direcionamento real no todo de um
enunciado concreto” (p. 306). A “influência da resposta antecipável, as ressonâncias
dialógicas sobre os enunciados antecedentes dos outros, os vestígios (...) da alternância dos
sujeitos no discurso”, tudo se perde na consideração de uma oração isoladamente, porque
todos esses elementos só podem ser compreendidos no interior de um enunciado.
A grande diversidade de gêneros existentes explica-se “em função da situação,
posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da
comunicação” e o seu desconhecimento desfavorece a comunicação ou “o modo mais
acabado [do] livre projeto do discurso”.
A maioria dos gêneros permite reformulação livre e criativa, o que não se constitui
em nova criação de gênero, uma vez que, segundo o autor, é preciso dominar bem um gênero
para poder fazer uso dele de forma livre (p. 284). Essa reformulação torna-se possível
porque eles são maleáveis, precisam “ser capazes de responder ao novo e à mudança”,
acompanhando a dinamicidade das atividades humanas (FARACO, id p. 112).
35
Seguindo-se a formulação de Bakhtin de que a produção cultural dos falantes se
realiza sempre em um determinado gênero, entende-se que o aluno, para que obtenha
capacitação na LE, precisa ter conhecimento sobre os gêneros produzidos na língua alvo. O
pressuposto é o de que esse conhecimento favorece a forma de agir com a linguagem e o
entendimento da língua (e de suas variações) de forma mais completa e eficaz.
Como se viu anteriormente, os métodos e abordagens para o ensino, organizados a
partir de uma concepção de homogeneidade, consideram as variações como desvios em
relação à norma, como curiosidades ou como formas incorretas, que devem ser evitadas. Os
gêneros do discurso podem, nesse caso, ser a alternativa para um ensino orientado por uma
concepção de língua como fenômeno heterogêneo e variável.
Jordão (2006) analisa que as formas do pensar no contexto pós-estruturalista se
caracterizam pela reflexividade permanente. Se na concepção estruturalista a língua era
entendida como código, nesse novo contexto ela é vista como discurso, indissociável dos
contextos em que se produzem: “Conceber a língua como discurso é [percebê-la] como
ideológica, perpassada por relações de poder [e] as marcas de determinações culturais nos
textos que produzimos; é perceber os gêneros discursivos como mecanismos de
estabelecimento de sentidos possíveis” (p. 30-31).
Em decorrência da compreensão de língua como discurso e em função dos objetivos
desta análise, este estudo orienta-se pelo conceito de gêneros do discurso, segundo a
classificação proposta por Rojo. Entende-se, também, que a abordagem intercultural, tal como
formulada por Serrani, fornece elementos importantes para o aprendizado porque considera a
língua (e suas variedades) nos contextos histórico-culturais e utiliza os gêneros discursivos
como instrumentos para o ensino. Os gêneros são trabalhados nessa proposta pedagógica em
sua ligação com as atividades sociais que eles expressam e em cujo contexto foram formados.
Na seqüência destes encaminhamentos teóricos serão analisados alguns aspectos
relativos à formação inicial e contínua de professores. Procura-se, também, integrar as noções
expressas pelos conceitos de experiência e de saberes experienciais da docência, conforme
formulação de Thompson e Tardif, para definir sua propriedade como categorias de análise
da situação concreta que se apresenta neste estudo.
36
4 FORMAÇÃO INICIAL E CONTÍNUA DE PROFESSORES
Pimenta (2000) discute as questões da identidade profissional do professor e os
saberes que configuram a docência e reconhece a fragmentação e a desarticulação existente
entre os saberes da experiência, do conhecimento e saberes pedagógicos. Busca problematizar
as reflexões dos alunos e as identidades profissionais para “ressignificar os processos
formativos pela reconsideração dos saberes necessários à docência, colocando a prática
pedagógica e docente escolar como objeto de análise” (p. 17).
Sobre a formação inicial, entende que os cursos devem “formar o professor ou
colaborar para sua formação”, já que o exercício do magistério não se realiza em decorrência
de conhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Entende que esses cursos devem
“mobilizar os conhecimentos da teoria da educação e da didática necessários à compreensão
do ensino como realidade social” (p. 18), desenvolvendo nos futuros professores a habilidade
para investigar e compreender a sua prática, no processo de construção da sua identidade
profissional. A autora observa que esse processo depende de uma revisão constante dos
significados sociais da profissão.
Citando Libâneo, para quem a construção de novos saberes pedagógicos se faz
partindo da prática e para a prática e usando os conceitos de professor reflexivo de Shön e de
formação autoparticipada de A. Nóvoa, Pimenta (p. 27-29) teoriza a respeito da
transformação conseguida pela consideração dos problemas que a prática vai evidenciar.
Propõe, portanto, a investigação sistemática dos educadores sobre a sua prática, contribuindo
dessa forma com a teoria pedagógica.
Entende também a autora que a pesquisa a ser desenvolvida nas escolas precisa, em
primeiro lugar, levar em conta a realidade da escola e dos contextos sociais; precisa estar em
sintonia com os desejos e necessidades reais dos professores e alunos e orientar-se pela
reflexão sobre a prática desenvolvida.
Lopes (2003) trata ensino e aprendizagem como uma totalidade e discute a
necessidade de realizar uma ação transformadora nos atos de ensinar e aprender. Analisa que
a ação de ensinar engloba o contexto sócio-cultural da escola e dos alunos, a ação docente,
recursos didáticos disponíveis, conhecimentos e experiências de vida do professor e dos
alunos.
Destaca a opinião dos autores que entendem o ato de ensinar como atividade de
mediação, “pela qual são providos as condições e os meios para os alunos se tornarem
sujeitos ativos no processo de apropriação do saber sistematizado”. Essa concepção é
37
vinculada ao entendimento do ensino como atividade de interação entre alunos e professores
em sala de aula.
A relação pedagógica é uma situação dialógica “como espaço de discussões,
descobertas e transformações”, cuja base teórico-metodológica é a dialética, na perspectiva
sócio-interacionista, que prevê “um sujeito que constrói seus conhecimentos e sua afetividade
na interação com sujeitos mais experientes de sua cultura” (p. 111).
Ajudar na formação do aluno como sujeito social é, nessa concepção, um processo
não-linear conduzido por conflitos e desafios, em que cabe ao professor promover o diálogo e
ser um mediador entre o conhecimento e os alunos. A socialização, que envolve reflexão
sobre o saber é a base para a elaboração do conhecimento novo.
Análogo ao conceito de formação autoparticipada, de Nóvoa, na área de Lingüística
Aplicada (LA), o conceito de professor-pesquisador de Lopes (2002, p.179-87) prevê um
professor envolvido na reflexão crítica sobre o seu próprio trabalho, o que implica na visão do
conhecimento como processo. A procura do conhecimento em sala de aula permite o
desenvolvimento da pesquisa sobre o que interessa mais de perto ao professor. É um
“programa de auto-formação contínua [que requer] familiarização com as tradições de
investigação em LA, notadamente as práticas voltadas para a investigação em sala de aula”,
em que se destaca a pesquisa-ação (p.185).
Referindo-se à formação continuada de professores, Romanowski (2006) analisa o
modelo de formação reflexão na ação, fundamentada nas propostas de Shön, Pimenta e
Ghedin e Zeichner. Identifica como as principais barreiras para o desenvolvimento dessa
reflexão na e sobre a prática, os saberes, a cultura escolar e a cultura universitária, uma vez
que há o pressuposto que é necessário primeiro fornecer o conhecimento, para depois realizar
a prática. Isto vai caracterizar, diz a autora, uma formação assimétrica, já que o ponto de
partida deve ser a prática e não a teoria, embora teoria e prática devam ser tratadas de forma
articulada (p. 148).
A autora propõe, também, que uma ação efetiva de reflexão sobre a prática deve
superar o individualismo e o praticismo e que sejam considerados no processo a linguagem,
sistema de valores, processos de compreensão e as concepções sobre os saberes (p. 149). O
sucesso de um curso de formação continuada depende da realização do “diagnóstico das
necessidades formativas dos professores”, ou seja, dar respostas aos problemas indicados
pelos professores ou relatados pelas pesquisas realizadas (p. 140-1).
No que diz respeito à formação inicial dos professores, analisa as tendências atuais na
formação e apresenta como um dos aspectos fundamentais para atingir o objetivo de
38
promover uma atividade consciente e eficaz, compreender e saber avaliar os saberes que são
objeto do trabalho do professor e os processos de aprendizagem. Isso implica, segundo a
autora, em estabelecer alternativas de ação, promoção da pesquisa e articulação entre as
instituições.
O professor, segundo analisa, precisa estar atento às novas necessidades de formação
integral do ser humano: “as necessidades sócio-histórico-culturais, interferentes na definição
das prioridades educativas, acrescidas aos saberes pedagógicos, exigem uma permanente
ressignificação da profissionalização docente” (Id. p. 123).
As reflexões de Pimenta, Lopes e Romanowski, sobre o processo de construção das
identidades, formação do aluno como sujeito social e sobre formação inicial e contínua de
professores trazem subsídios importantes para a apreensão dos objetivos postos para este
estudo. Em seguida, serão considerados os conceitos de experiência e de saberes
experienciais, de Thompson e Tardif, respectivamente, para delimitação de sua utilidade para
esta análise.
4.1 EXPERIÊNCIA E SABERES EXPERIENCIAIS
A categoria experiência de Thompson é articulada à cultura, diferentemente da
perspectiva althusseriana. Para Thompson (apud Martins, 2006 p.118) a vivência da
experiência não reproduz obrigatoriamente a ideologia dominante. Os eventos econômicos
são também eventos humanos, entrelaçados por sua vez com os eventos sociais e culturais e
“imersos no mesmo nexo relacional”.
Nesse contexto e fazendo parte do mesmo nexo relacional entendem-se os valores da
sociedade, que resultam das experiências humanas:
Os valores são vividos e surgem dentro do mesmo vínculo com a vida material e as relações materiais em que surgem nossas idéias. São as normas, regras, expectativas (...) necessárias e aprendidas (e ‘aprendidas’ no sentimento) no ‘habitus’ de viver; e (...) em primeiro lugar, na família, no trabalho e na comunidade imediata. Sem esse aprendizado a vida social não poderia ser mantida e toda produção cessaria. (THOMPSON, 1981, p. 194 apud MARTINS, id p. 118-119)
Esses fenômenos só adquirem sentido se relacionados à experiência de homens e
mulheres reais e “analisá-los significa, por meio das evidências, investigar suas
particularidades e, ao mesmo tempo, perceber como se expressam em condições materiais
constituídas historicamente” (MARTINS, id. p. 118).
39
A categoria permite considerar homens e mulheres reais “como pessoas que
experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e
interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e
sua cultura [e] agem sobre sua situação determinada” (THOMPSON, id p. 182 apud
MARTINS id, p.117).
Estudando a obra de Thompson, para afirmar a sua utilidade para as pesquisas da área
educacional, Faria Filho (2006) refere-se à noção de experiência desenvolvida pelo autor e
reflete sobre as culturas escolares, para afirmar que elas “não são passíveis de reforma, de
mudanças e intervenções bruscas, justamente porque precisam ser construídas nas
experiências e nas práticas escolares” (p. 246).
Pensar as culturas escolares, diz Faria Filho, é pensar na maneira como os envolvidos
no processo escolar se apropriaram dessas experiências, culturas e tradições, ou seja, pensar
nas histórias de vida, no conjunto das relações político-sociais e nas ideologias que explicam e
orientam as práticas educacionais.
A esse respeito Romanowski (2006) também observa que os saberes da prática
profissional são construídos (e reconstruídos) no “processo dinâmico, contraditório e
conflituoso” da sala de aula.
Eles são formados no processo de escolarização, nos cursos de formação e na prática
profissional. Formam-se na relação com outros professores e com os alunos são
historicamente situados: “Os sujeitos em interação com o conhecimento, com a cultura, por
meio da linguagem, da ação, da experiência, dos processos internos de elaboração do
pensamento e do enfrentamento das contradições produzem outras respostas, em última
instância, conquistam, produzem conhecimentos” (p.58-9).
Para Tardif (2002), os saberes dos professores não podem ser tomados isoladamente
porque se relacionam com todas as demais instâncias do ensino e do trabalho cotidiano. Os
saberes da docência são sociais, uma vez que são produzidos socialmente, através da
negociação entre os diversos grupos e porque são partilhados por um grupo de agentes.
Os objetos desses saberes são práticas sociais; são manifestados pelas relações
complexas entre professores e alunos. Transformam-se com o tempo, acompanhando as
mudanças sociais. São, portanto, plurais e temporais, adquiridos no contexto da história de
vida e da carreira profissional (p. 20).
Os saberes são temporais, segundo Tardif, porque são provenientes em grande parte da
história de vida dos professores, sobretudo de sua história de vida escolar: é a fase de
40
estruturação da prática profissional, em cujo processo são decisivos os primeiros anos de
prática profissional, que se constitui no momento de edificação dos saberes experienciais.
São temporais, também, porque se desenvolvem “no âmbito de uma carreira, de um
processo de vida profissional de longa duração”, do qual fazem parte “dimensões identitárias
e dimensões de socialização profissional”, além de fases e mudança que ocorrem nesse
período.
A respeito dessa caracterização dos saberes, o autor observa que muitos pesquisadores,
atualmente, interessam-se pela carreira dos professores, considerada nessa temporalidade,
uma vez que a identificação de mudanças e fases da vida profissional permite chegar a
significados importantes para a explicação dos contextos e realidades educacionais.
A pluralidade dos saberes docentes define-se pela justaposição de saberes provenientes
da formação profissional e dos saberes disciplinares que correspondem aos diversos
campos do conhecimento , curriculares e experienciais.
Os saberes experienciais originam-se no trabalho diário e do conhecimento do meio
profissional. São provenientes da experiência e são validados por ela. Relacionam-se às
funções dos professores e são mobilizados na prática.
Esse saber prático precisa ser adequado, portanto, à realização das funções e aos
problemas da prática e das situações específicas do trabalho. Ele é heterogêneo e plural
porque mobiliza “formas de fazer e conhecimentos diferenciados e adquiridos a partir de
fontes diversas” (Id, p. 109).
Ressalta ainda esse autor que os saberes experienciais são pouco formalizados e que se
constituem mais como consciência no trabalho do que consciência sobre o trabalho.
Implicam em socialização e aprendizagem da profissão: são temporais, evolutivos e
dinâmicos. São, por fim, existenciais, porque ligados às histórias de vida, à identidade, ao agir
e às maneiras de ser dos professores e situados, isto é, localizados no contexto de trabalho.
Para delimitar o campo de ação desta investigação em relação a esses conceitos
compreende-se, segundo a proposta de Tardif, que a experiência profissional e os saberes dos
professores devem ser considerados em qualquer análise sobre determinada realidade da área
educacional. Da mesma forma, assume-se que levar em conta as noções de temporalidade e de
pluralidade que caracterizam os saberes, implica que eles sejam vistos na confluência entre as
várias instâncias em que são produzidos: a formação inicial e contínua, a atividade
profissional e as relações que os professores estabelecem com os saberes ao longo do
processo.
41
A análise de Faria Filho sobre a constituição das culturas escolares, utilizando o
conceito expresso por Thompson, chega a conclusões semelhantes, pelo entendimento de que
a investigação sobre os contextos escolares precisa abarcar as formas de apropriação das
experiências profissionais dos envolvidos no processo educativo.
Com essa compreensão é importante destacar que não é objetivo propor substituição
de métodos ou a localização dos problemas identificados em uma instância particular do
ensino, mas sim promover a reflexão, a partir de um ponto de vista sobre o ensino, junto a
professores e alunos do curso de espanhol que é foco desta análise.
A escolha desse curso e dessa universidade em particular se fez em razão da
representatividade da instituição e do curso de Letras/Espanhol para a formação de
professores no Paraná, lugar em que a pesquisa acontece de forma sistemática. Esse ambiente
é propício à reflexão e essa foi a oportunidade de realizá-la.
O estudo de caso teve, por isso, o propósito de chegar a significados importantes
sobre o ensino das variações do espanhol, pela descrição e análise de como dá o processo de
ensino na situação concreta observada.
42
5 METODOLOGIA
5.1 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
O estudo de caso foi desenvolvido, portanto, para identificar como ocorre a prática do
ensino das variações lingüísticas do espanhol no curso de licenciatura Letras/ espanhol da
UFPR.
Trata-se de pesquisa qualitativa e estudo interpretativo, mas que envolve quantificação
de alguns dados obtidos por meio de questionários.
A modalidade estudo de caso, seguindo os princípios das abordagens qualitativas,
mostrou-se adequada para esse estudo e a pesquisa se constituiu como estudo interpretativo de
dados obtidos por meio de entrevistas.
O estudo de caso possibilita maior liberdade de ação do pesquisador, mas também
segue algumas premissas. É necessário, então, compreender a natureza do instrumento de
análise, suas vantagens e limitações.
Importa também que haja uma percepção aprofundada do objeto estudado para a
apreensão de como se dá o ensino das variações lingüísticas no curso que está sendo
investigado, dos critérios e materiais usados para esse ensino em particular e das concepções
de ensino que direcionam essas atividades.
André (2005) aponta a capacidade, associada ao estudo de caso, de retratar o real,
levando em conta a sua complexidade e sua dinâmica natural e a possibilidade de trabalhar
com um esquema aberto, entre outros pontos favoráveis.
Refere-se, também, à crescente valorização do estudo de caso pelo seu potencial de
contribuição aos problemas da prática educacional e identifica como talentos necessários ao
pesquisador envolvido nessa pesquisa, o preparo para lidar com as situações de campo,
sensibilidade e capacidade de estabelecer uma relação de empatia com os envolvidos, assim
como, num primeiro momento, obter seu consentimento para a realização das entrevistas e
gravações, pela negociação e estabelecimento de acordos com eles.
André identifica e descreve três momentos para elaboração de um estudo de caso - a
fase exploratória, em que se delimitam os focos de estudo, a fase de coletas de dados e a
análise sistemática dos dados.
Analisa também as questões da validade, fidedignidade e generalização, referentes ao
estudo de caso etnográfico. A respeito das duas primeiras questões, observa que essa
modalidade de pesquisa oferece uma versão possível. Porém, desde que as interpretações
43
sejam pertinentes e que haja provas ou indícios suficientes e aceitáveis, ela tem os requisitos
para ser considerada fidedigna ou válida, em oposição aos esquemas conservadores de
pesquisa, que exigiam provas “irrefutáveis” ou o estabelecimento de leis universais. Assim
constituído, o estudo de caso dá ao leitor a possibilidade de confirmar, contestar ou continuar
a investigação, a partir dos dados levantados e analisados.
As generalizações do estudo de caso, segundo André, realizam-se no âmbito do leitor,
que fará associações e relações com outros casos e fenômenos e não busca estabelecer leis
universais, mas oferece subsídios para a realização de outros estudos.
Este estudo de caso foi realizado pela análise de entrevistas e documentos, com o
propósito, portanto, de identificar concepções e metodologias que informam as crenças,
opções ou atividades desenvolvidas com respeito ao estudo das variações lingüístico/culturais
do espanhol, tendo em vista a formação dos professores.
Com o objetivo de conhecer a experiência dos docentes e as teorias que subjazem a
suas opções de direcionamento do processo de ensino, foram consideradas sua formação
inicial, contínua e experiência pessoal (profissional).
Para a análise dos dados recolhidos considerou-se, prioritariamente, que as condições
que serão objeto de análise são dadas historicamente e que são informadas por concepções de
ensino e aprendizagem provenientes da experiência profissional dos docentes.
Com relação aos princípios éticos que devem direcionar a pesquisa qualitativa, além
da garantia de anonimato dos alunos e professores que colaboraram na pesquisa e aqueles
que dizem respeito à ética da convivência, procurou-se seguir alguns dos princípios analisados
por Kleiman (2002b) sobre o consentimento no início do processo e de transparência em
relação aos objetivos da pesquisa.
Kleiman sugere também que faz parte da ética da pesquisa a devolução e restituição
dos resultados para o grupo, que se orientam por indagações sobre se a pesquisa está servindo
aos interesses dos grupos participantes.
Como essa restituição não significa devolver o conhecimento adquirido “uma vez que
o grupo já o possui”, a contribuição dos estudos na área de linguagem deve ser a de abrir
espaço de ação e de expressão, no caso de grupos minoritários ou menos poderosos.
Para esta pesquisa observaram-se alguns cuidados gerais referentes às pesquisas que
envolvem grupos de pessoas ou grupos de determinada área profissional. A restituição, neste
caso, pode ser pensada em termos da reflexão que foi possível realizar entre pessoas com
interesses comuns a respeito de problemas comuns, no momento das entrevistas e no diálogo
que esta investigação possa suscitar.
44
Na seqüência, explicam-se os critérios para a escolha dos informantes, etapas e relato
da coleta de dados para este estudo.
5.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA
Em função do objeto de estudo, optou-se por levar em conta as disciplinas de Língua
Espanhola e as de Literatura espanhola e hispano-americana e seus respectivos professores; e
os alunos/formandos de 2007 do curso de Letras/ Espanhol ou Português e Espanhol.
A opção que se fez pelo curso de licenciatura, sem considerar os professores do
bacharelado, explica-se pela centralidade que assume para este estudo a questão da formação
para a prática do ensino de Espanhol. Todos os formandos em Letras/Espanhol da
Universidade que participaram desta pesquisa cursaram a licenciatura, com exceção de um.
No entanto, optou-se por considerar também esse participante, uma vez que as respostas
podem contribuir para esclarecer o contexto de ensino, da mesma forma que as dos demais
participantes.
A escolha recaiu sobre os alunos formandos porque se considerou que eles teriam
maior conhecimento do curso e mais tempo de reflexão sobre os aspectos analisados, além de
mais tempo para desenvolvimento de possíveis práticas profissionais com a língua estudada.
Uma das perguntas do questionário refere-se exatamente à prática no ensino do
espanhol. Essa questão torna-se uma variável do estudo entre os alunos participantes, uma vez
que o momento de desenvolver essas atividades também é a ocasião de refletir mais sobre o
ensino e sobre a língua, necessidade essa que a prática estabelece.
Foram entrevistados todos os professores do curso de licenciatura, das disciplinas de
língua e literaturas espanhola e hispano-americana.
As entrevistas, que buscaram ser informais, de forma a permitir uma reflexão conjunta
sobre o tema da pesquisa, apresentaram, no entanto, uma estruturação anterior, com perguntas
abertas e algumas questões de múltipla escolha a respeito de tipos de textos ou gêneros
utilizados pelo professor-participante. São entrevistas destinadas a professores especialistas,
de acordo com análise e recomendações metodológicas de Lüdke e André para as pesquisas
qualitativas (1997) e de Flick (2005) para entrevistas semi-estruturadas (p. 104).
45
5.3 RELATO DA COLETA DE DADOS
Entrevistas informais com professores do Departamento de Línguas estrangeiras
Modernas foram realizadas anteriormente às gravações, com o intuito de obter informações
sobre o curso e disciplinas ofertadas e favorecer a ambientação no campo de pesquisa.
O pré-teste realizado chegou aos seguintes resultados, quanto à viabilidade do
instrumento de coleta de dados: o questionário mostrou-se adequado para a coleta de dados
em relação ao tema da pesquisa, com algumas perguntas que parecem repetitivas, mas a partir
das quais foi possível obter respostas que auxiliam a análise cruzada dos dados e por isso
foram mantidas. Optou-se por considerar as respostas desse questionário para a análise,
considerando-se que o participante realizou a sua formação inicial no mesmo contexto e que
os dados coletados podem ser comparados aos obtidos junto aos demais participantes da
pesquisa. As respostas desse questionário favorecem, também, o entendimento do curso como
processo (temporal), ainda que de curto prazo.
A pesquisa foi instrumentalizada por entrevistas semi-estruturadas com algumas
questões abertas e análise documental, realizada de forma não exaustiva, no momento em que
foi necessário complementar informações presentes nas gravações de entrevistas ou no
sentido de favorecer a compreensão de alguns pontos relativos a currículo, estruturação do
curso ou abordagens presentes em livros didáticos utilizados.
Para os professores de Língua espanhola e Literatura espanhola e hispano-americana
as perguntas foram pré-determinadas, mas essas entrevistas pretenderam ser informais, com o
objetivo de propiciar as reflexões sobre o tema desta pesquisa (Apêndice A).
Foram estruturadas entrevistas (questionários) diferenciadas daquelas envolvendo os
professores universitários para os alunos/formandos do curso de licenciatura em Letras/
espanhol.
A pesquisa em campo foi realizada durante um ano e meio, de julho de 2006, quando
foram realizados pré-teste e entrevistas informais, não gravadas, com alguns professores, a
dezembro de 2007, período em que foram gravadas as entrevistas e foram entregues
questionários para a população escolhida entre os alunos de Letras, ou seja, os formandos ou
prováveis formandos que cursavam espanhol como língua estrangeira.
A análise documental incluiu programas das disciplinas e breve análise de material
didático utilizado pelos professores de língua espanhola.
A análise dos dados, coletados de diferentes formas e envolvendo população
diferenciada, permitiu a análise cruzada de dados.
46
Foram entregues ao todo onze questionários, para os formandos de 2007 do Curso de
Letras/espanhol, que cursavam licenciatura, bacharelado, licenciatura e bacharelado ou apenas
bacharelado em Letras. Destes, seis alunos devolveram os questionários preenchidos.
As questões do questionário visaram, em primeiro lugar, traçar um perfil dos alunos
participantes, indagando sobre objetivos para aprender espanhol e experiência profissional
como professor de espanhol até o momento da pesquisa.
Com esse diferencial, pergunta-se sobre metodologias, leitura, uso de textos
autênticos e particularmente sobre ensino das variantes do espanhol: como se realizou durante
o curso e opiniões de como esse ensino deveria ser conduzido na atuação profissional.
O questionário tem questões abertas e semi-abertas. Em algumas delas, o aluno precisa
escolher entre as alternativas ou marcar por ordem de importância, critério que visou
comparação dos dados analisados e alguns procedimentos quantitativos (Apêndice B).
As questões das entrevistas realizadas com os professores do curso referiram-se,
primeiramente, a sua formação inicial e contínua, para chegar a conclusões a respeito de
mudanças em relação a concepções e metodologias de ensino, considerando-se tempo de
atuação e experiência profissional.
Em seguida, pergunta-se especificamente sobre o ensino das variações da língua,
critérios na seleção de materiais e sobre a adequação de utilizar uma teoria que privilegie os
gêneros discursivos para esse ensino/aprendizagem.
Para a análise das entrevistas também foi considerada a variável professor de língua
espanhola/ professor de literatura.
Os professores e alunos tiveram perguntas semelhantes; as questões dos alunos,
mesmo quando fechadas, tinham a opção de respostas alternativas e abertas ao final.
Por focalizar o ensino e a formação de professores de espanhol, as perguntas
centralizam sempre a questão de como ensinar; como selecionar materiais ou como
apresentar ao aluno, de forma a conduzir as respostas para a prática profissional.
Os quadros demonstrativos dos questionários são apresentados separadamente em
relação às entrevistas, mas para o procedimento de análise foram comparadas as informações
provenientes de diferentes fontes. Essa comparação não se dá, portanto, sem que se
considerem algumas variáveis já estabelecidas para a análise, como as diferenças de formação
e de atividades, no caso dos professores e de experiência ou não em sala de aula, no caso dos
alunos.
Outro aspecto a ser levado em conta diz respeito à temporalidade do processo em
relação às informações coletadas. Assim, alunos e professores referem-se ao mesmo contexto,
47
mas enquanto que, num dado momento das entrevistas, os professores relatam a sua atividade
atual, com base em livros didáticos adotados no ano em curso, etc., os alunos formandos
falam do curso realizado num período que varia de quatro a sete anos. Nesse período, os
livros adotados eram outros e provavelmente também alguns professores. Os enfoques
metodológicos, em conseqüência disso, poderiam priorizar ou não determinados aspectos da
aprendizagem.
Para a apreensão da realidade estudada foram importantes, portanto, os dados
secundários (documentais) analisados de forma conjunta com as informações prestadas nas
entrevistas e questionários.
Esse estudo de caso, por se tratar de um estudo particular, não teve o objetivo de
estabelecer generalizações a respeito do tema ou sobre o contexto analisado. A intenção foi
contribuir para o conhecimento na área de línguas estrangeiras e para o estudo/ensino das
variações culturais da Língua espanhola, focalizando o curso de Letras/ espanhol da
Universidade Federal do Paraná e a de trazer subsídios para o encaminhamento de novas
pesquisas na área.
48
6 ANÁLISE DO CORPUS
6.1 ESTRUTURAÇÃO DO CURSO
6.1.1 Ambientação e análise preliminar de documentos
Como parte do programa de ambientação no local da pesquisa, a participação no
seminário Semana de Letras da UFPR, em dois anos consecutivos, teve o propósito de obter
dados sobre a estruturação do Curso de Letras, uma vez que os eventos têm o objetivo de
informar os alunos e demais interessados sobre as possibilidades oferecidas nessa graduação,
assim como sobre as perspectivas a respeito de especializações e pós-graduação.
No evento de 2006 os professores e coordenadores palestrantes relatam que o curso se
estrutura como uma multi-habilitação e com possibilidade de grande integração entre as áreas.
Isso pressupõe, segundo os organizadores do evento, garantir aos alunos as informações
necessárias para que eles organizem o seu percurso acadêmico de forma consistente.
As opções, para a área de línguas estrangeiras, são: licenciatura simples, apenas na
língua estrangeira; licenciatura dupla português/espanhol (italiano, inglês, francês, etc.) ou
português e uma língua clássica. (grego, por exemplo).
O bacharelado é uma opção para os alunos que não desejam cursar as licenciaturas ou
como possibilidade, para os estudantes das licenciaturas, de verticalização do curso em
direção a uma das três opções ou ênfases ofertadas: estudos lingüísticos, estudos literários ou
estudos de tradução.
A opção em estudos de tradução, no entanto, só pode ser feita pelos alunos da dupla
licenciatura. A licenciatura simples tem, portanto, as opções Estudos Literários e Estudos
Lingüísticos, para aqueles que pretendam obter também essa titulação.
Porém, como optativas livres, ou seja, desvinculadas das específicas da licenciatura, as
disciplinas do núcleo específico do bacharelado em tradução podem ser computadas entre as
optativas do curso, que devem ser cursadas necessariamente para complementação da carga
horária. Os objetivos do bacharelado em estudos da tradução é a formação de tradutores e o
ensino das técnicas de tradução como instrumento didático e constituindo uma nova
habilidade no processo de aquisição da língua estrangeira. Neste estudo, porém, não se
concretiza a observação de aulas e nem se entrevistou os professores do Bacharelado para
estipulação de como se dá na prática esse curso de formação.
49
Na UFPR o bacharelado tem natureza acadêmica (conduziria ao Mestrado, Doutorado,
etc.) e não tanto profissionalizante, como em outras instituições brasileiras, segundo relata o
professor Mendonça (2006), um dos palestrantes na ocasião.
O currículo para o Curso de Letras em vigor no período desta pesquisa é o de 2001. Já
disponível no site da Universidade, um novo currículo entra em vigor em 2008. Nele
permanecem as disciplinas obrigatórias do Espanhol e incluem-se outras optativas.
Como novas optativas o curso de espanhol oferece para 2008 as disciplinas Prática
Textual I e II e leitura e conversação de nível avançado. Mantém duas opções para o ensino
das variações a referente à variedade espanhola e a referente à variedade americana.
As optativas dos currículos anteriores permanecem, porém, como possibilidades de
escolha pelos docentes na estruturação de cada semestre letivo.
Os planos para as disciplinas, que já estão sendo reelaborados, não acompanham a
realidade atual da sala de aula e as constantes mudanças que se produzem a cada ano, segundo
os dados obtidos nas entrevistas com os professores. São outros os livros didáticos utilizados
em 2007 em relação ao ano de início da coleta de dados e outros os encaminhamentos
pedagógicos. No entanto, para que se possa ter uma noção melhor do processo e das
mudanças efetuadas, esses planos também são apresentados aqui.
No site do Curso de Letras da UFPR e com o objetivo de orientar o percurso dos
alunos na graduação, escolhas de disciplinas e de ênfases no curso relata-se, a respeito do
mercado de trabalho, que a licenciatura em Letras destina-se à atuação na educação básica.
O objetivo é “licenciar professores conscientes de que a formação é processo contínuo” e a
formação de pessoas capacitadas a continuar construindo o seu percurso acadêmico e
profissional.
Os formandos do bacharelado, por sua vez, não têm um campo definido de atuação no
mercado, uma vez que objetivam principalmente a formação acadêmica, mas observa-se que
eles ingressam comumente no mercado para trabalhar com revisão, tradução ou organização
de textos.
Encontra-se também no site da instituição a referência a que o curso não se limita a
ensinar a língua estrangeira, mas abrange os estudos de lingüística e das literaturas nacional e
estrangeira. Os alunos aprendem a língua com a possibilidade de pensá-la em relação ao
cenário político mundial e “questões como a variação lingüística, o cânone literário e as
posições ocupadas pelas diferentes línguas no cenário político mundial são trabalhadas
durante o curso [para] desfazer preconceitos e humanizar os futuros profissionais no exercício
de suas carreiras”.
50
O currículo do Curso de Letras/Espanhol da Universidade Federal do Paraná, em
validade desde 2001, apresenta as seguintes disciplinas de Língua Espanhola: 1) Espanhol
Básico e Língua espanhola I, semestral, obrigatória, com duas aulas teóricas e quatro aulas
práticas semanais total 04 créditos e sem pré-requisito. Ementa: Compreensão e produção
escrita e oral em nível básico e noções de gramática da língua e cultura espanholas.
No terceiro período o curso oferece a Língua Espanhola II, com seis horas semanais. A
disciplina é obrigatória e não tem pré-requisito. O objetivo da disciplina é oportunizar ao
aluno a comunicação escrita e oral em língua espanhola, trabalhando as estruturas gramaticais
e o vocabulário necessário para esse fim. Ementa: Compreensão e produção escrita e oral em
nível intermediário e avançado e noções de gramática de língua espanhola.
Em 2006, momento em que teve inicio a pesquisa em campo, que incluiu análise
documental, participação na Semana de Letras e entrevista informal e não gravada com
alguns dos professores, os livros utilizados eram Sueña e Gente, de enfoque comunicativo,
atendendo ao programa estipulado para as disciplinas de Línguas.
No caso da Língua II o conteúdo comunicativo proposto é: a) transmitir o que foi
dito/escrito por outro; b) expressar proibição, conselho e justificar; c) expressar desejo,
probabilidade e indiferença; d) opinar, garantir; e) expressar preferências, pena, frustração; f)
falar do futuro em contraste com o presente; g) expressar condições possíveis e impossíveis;
h) expressar causa e justificativa. O conteúdo gramatical inclui: a) estilo direto e indireto; b)
revisão dos pretéritos; c) revisão de pronomes pessoais; d) uso de subjuntivo e indicativo; e)
preposições. O terceiro item é leitura, que para essa disciplina refere-se à leitura de contos
hispano-americanos.
Os procedimentos didáticos são: aulas expositivas; atividades práticas de comunicação
oral e escrita (diálogos, discussões) e apresentação de vídeos. As formas de avaliação são
provas escritas, prova oral e trabalhos escritos de leitura de contos hispano-americanos.
Nos demais períodos, as disciplinas obrigatórias são Língua Espanhola III, IV e V e
Literaturas Espanhola e Hispano-americana I e II, além das disciplinas monográficas
referentes às duas literaturas. Língua III oferece leitura de contos espanhóis e hispano-
americanos. O livro didático utilizado será comentado adiante.
Assim estruturado, nesse momento da observação, o curso dá prioridade à
metodologia comunicativa para o ensino da língua.
O método comunicativo para o ensino de línguas substituiu, nas décadas de 70/80, o
ensino centrado no estruturalismo (concepção tecnicista). A partir de então aparecem os livros
didáticos, como os já citados Gente e Sueña e Para Empezar, Esto Funciona, Español sin
51
Fronteras, etc., largamente utilizados nos cursos particulares de espanhol, assim como nas
escolas de ensino médio, públicas e particulares. Esses livros, importados dos países de língua
espanhola quase sempre Espanha foram seguidos de outros que buscavam a inserção na
cultura e estudo das variações lingüísticas dos países hispano-americanos ou de livros que
procuravam atender às particularidades e dificuldades apresentadas por alunos brasileiros.
Desenvolvem-se concomitantemente, com bastante expressão, os estudos sobre leitura
na sala de aula de LE, em defesa da apresentação ao aluno do texto autêntico, visando o
desenvolvimento da habilidade leitora e formação do leitor crítico. Esta postura é em alguns
casos crítica em relação aos métodos comunicativos, que trabalham com diálogos e situações
que simulam diálogos e situações “reais” de fala.
Em outros casos, porém, indicam formas de complementação do método, ou seja, o
desenvolvimento da habilidade leitora ao lado do das outras habilidades, de forma a permitir
aperfeiçoamento do aprendizado e capacitação do estudante da segunda língua.
Exemplo de uma das revisões incorporadas pelo método comunicativo de línguas é o
enfoque por tarefas, que surge com o objetivo de apresentar soluções aos problemas
observados na prática. Propõe, entre outras metas, o ensino do sistema da língua, pela
concretização de tarefas pedagógicas, que os alunos realizam com a mediação do professor de
LE.
No curso analisado, os livros didáticos utilizados em 2007 não são os mesmos
utilizados no ano anterior.
A escolha do material didático, realizada pelos docentes, é um indicativo, entre outros,
do processo de mudança de concepções de ensino da língua, segundo se comenta adiante.
A análise desses livros se dá sem a necessidade, para os fins desta pesquisa, de maior
aprofundamento a respeito de seu conteúdo. Evita-se, também, a referência a títulos e autores,
uma vez que esse material estará sendo tratado a partir do ponto de vista de sua escolha e
utilização pelos professores, que se referem a eles para exemplificação de atividades
relacionadas ao ensino das variações da língua.
Realiza-se, a partir de agora, a descrição e análise das informações prestadas nas
entrevistas e questionários pelos participantes da pesquisa, professores e alunos do curso de
Letras/Espanhol da UFPR.
A análise do corpus deste estudo tem início com a apresentação dos participantes, sua
formação inicial e contínua e mudanças identificadas no processo, no caso dos professores; e
objetivos em relação ao curso e atividades desenvolvidas, no caso dos alunos/formandos ou
do participante formado no ano anterior ao da pesquisa.
52
6.2 PERFIL DOS PARTICIPANTES
6.2.1 Professores: formação inicial e contínua - mudanças e concepções
Os professores entrevistados são professores adjuntos ou assistentes da Universidade
Federal do Paraná, com graduação em Letras/Espanhol ou Letras Português/ Inglês e
Espanhol. Os primeiros professores entrevistados (PE1, PE2 e PE3) realizaram a formação
inicial na mesma universidade em que trabalham hoje. Os professores entrevistados em quarto
e quinto lugares (PE4 e PE5) graduaram-se em outras duas universidades, a primeira no
Estado do Paraná e a outra no exterior.
A primeira professora/especialista entrevistada (PE1) relata que realizou a sua
formação inicial com o método gramaticalista. Não havia, segundo ela, interação em sala de
aula e estudava-se gramática e tradução. Já nos primeiros tempos de sua atuação profissional
com a língua estrangeira trabalhava-se com a língua com uma abordagem que combinava os
métodos áudio-lingual e estruturalista.
De volta à universidade em que se graduou, começava-se a introduzir o método
comunicativo para o ensino de línguas. Porém, conforme sua observação, o material didático
precursor apresentava forte influência dos métodos anteriores, exercícios estruturais e ensino
de gramática aos moldes do método de sua formação inicial.
No decorrer de sua atuação profissional, sucedem-se os livros didáticos a que já se fez
referência, orientados pelo método comunicativo para o ensino de línguas.
A formação acadêmica de PE1 inclui especializações em Tradução Superior, língua e
literatura espanhola e hispano-americana, mestrado e doutorado em Letras, com atuação em
aquisição do léxico e espanhol como LE.
As professoras/especialistas PE2 e PE4 realizaram a graduação com o método
estruturalista e relatam estudo gramatical, com exercícios típicos propostos pela metodologia
e leitura de paradidáticos (PE2) ou leituras em que importava a imanência do texto, também
em relação ao texto literário (PE4).
PE 2 atua na área de metodologia de ensino de línguas estrangeiras e orientação de
produção de material didático e cursa mestrado em Literatura, em que desenvolve pesquisa
sobre as linguagens literária e cinematográfica.
PE4 tem mestrado em Letras, doutorado e pós-doutorado em Lingüística e atua nas
áreas de Linguagem e Cultura, semântica, pragmática e no ensino de línguas estrangeiras
(Espanhol).
53
A respeito de sua formação inicial em Letras sob o método comunicativo, PE3 relata
que havia preocupação cultural na elaboração das aulas de língua estrangeira e que a leitura
era realizada, principalmente, com textos literários. A diretriz, nas aulas de língua espanhola,
era evitar a língua materna e não havia ênfase em atividades gramaticais.
Comparando com a sua graduação em Letras, PE3 observa que o curso oferece hoje
mais oportunidades para os estudantes, como a inserção nas áreas de formação acadêmica do
curso de bacharelado. Utiliza-se, segundo seu relato, o método comunicativo, que está hoje
mais complexo e inclui o ensino da gramática da língua.
Da mesma forma, PE5 também relaciona a sua formação inicial ao método
comunicativo para o ensino de línguas, com habilitação nas quatro destrezas, apontadas por
Mascia (2003) como o desenvolvimento de habilidades de compreensão oral e escrita e
produção oral e escrita (p. 217).
Observa que as aulas de leitura se faziam com utilização de textos autênticos.
Realizava-se, também, encenação de obras literárias, uma vez que a instituição de sua
graduação dispunha de um grupo de teatro.
As formações acadêmicas de PE3 e PE5 relacionam-se mais diretamente aos estudos
literários: PE3 tem mestrado em Letras e doutorado em Literatura e sua atuação, com ênfase
em Literatura Comparada, abrange a literatura espanhola, teoria literária, modernismo e pós-
modernismo. PE5 realizou mestrado e doutorado em Língua e Literaturas espanhola e
hispano-americana, atuando nessa área e na de metodologia de línguas estrangeiras.
Considerando-se a formação acadêmica dos docentes, que revela pesquisa sistemática
e produção intelectual intensa, compreende-se que esta análise se concentre nas mudanças e
reflexões produzidas no decorrer das trajetórias profissionais, mais do que nos significados ou
saberes provenientes da formação inicial.
Não é proposta desta pesquisa, portanto, identificar concepções de cada professor em
particular em relação ao ensino ou detectar o grau de influência de métodos de sua formação
inicial na atuação profissional, até porque não se dispõe de dados para tanto.
Melhor dizendo, os percursos individuais relativos à experiência profissional e às
mudanças no processo de formação importam na medida em que possam permitir a
compreensão sobre os saberes sociais (compartilhados), que de acordo com Tardif
desenvolvem-se na reflexão conjunta do grupo de atores envolvidos no processo educacional.
Isso não significa ignorar subjetividades e particularidades da formação de cada um
dos envolvidos, mas sim buscar pontos de encontro que permitam dar respostas às questões
propostas para este estudo.
54
A respeito da atividade profissional atual PE2 considera importante conhecer os seus
alunos, saber de seus objetivos em relação ao curso e aspirações em relação ao aprendizado da
língua, assim como as dificuldades que ele está apresentando no percurso para a aquisição da
língua.
Sobre as mudanças que observa em sua atuação profissional, refere-se às concepções
anteriores de que bastava apresentar os conteúdos uma única vez para que os alunos
assimilassem o conhecimento. Entende agora, segundo seu relato, que a aprendizagem não se
dá desta forma e que os alunos precisam usar o conhecimento e a língua estrangeira em
contextos diferentes para que esse aprendizado se processe de forma adequada.
Relata também que acreditava que a língua materna não deveria ser utilizada na sala
de aula de línguas estrangeiras. Revê essa posição hoje no seu trabalho, por entender que o
conhecimento lingüístico anterior faz parte do aprendizado da segunda língua: “Eu estava
dizendo para meus alunos, na verdade, que deixassem fora da sala de aula um pedaço deles
mesmos; (...) eu reproduzia concepções e métodos aprendidos”.
Essa concepção está também descrita, por Rojo e Mijares (2007), no contexto
analisado pelas autoras, como caracterizando um processo de submersão lingüística, em
oposição ao processo de imersão que considera a língua de origem no processo de aquisição.
Está, como já se fez referência neste trabalho, na base da constituição da metodologia
comunicativa, ou pelo menos da apropriação que se fez dela em um primeiro momento de sua
aplicação.
Prosseguindo nessas reflexões, apresentam-se os dados relativos à formação inicial
dos professores, sua atividade atual e mudanças de concepções sobre o ensino.
A descrição e análise desses dados objetivam reconhecer as formas de apropriação dos
saberes e das experiências educacionais pelos envolvidos no processo educacional (FARIA
FILHO, id; TARDIF, id).
55
Formação inicial Atividade Profissional Mudanças conceituais e sobre a
prática
PE1 método
gramaticalista
(gramática e tradução)
Letras
Português/
Inglês/
Espanhol
1) Gramática estruturalista
e áudio-lingual;
2) Método Comunicativo
3) Hoje a prática inclui a crítica
ao métodos anteriores que
considera inadequados para a
aprendizagem de leitura e
escrita por alunos
brasileiros que aprendem uma
língua estrangeira
Concepção de língua e linguagem:
de objeto lingüístico, na formação
inicial e primeiros tempos da
prática profissional, para a concepção
da língua como meio de comunicação,
inserida no contexto social em que
as identidades são formadas.
(Bakhtin e prática
com o método de Paulo Freire)
PE2 método
estruturalista
(gramática com exercícios
de preencher lacunas
e leitura de paradidáticos)
Letras - Espanhol
Método comunicativo
(inclui ensino da gramática
da língua)
Em sua prática, hoje,
considera importante
conhecer o aluno, seus objetivos
e aspirações em relação ao
aprendizado da língua
e dificuldades no processo de
aquisição
Compreensão de que o aluno precisa
ver as mesmas coisas de formas
diferentes;
Consideração do conhecimento
lingüístico anterior -uso da língua
materna nas aulas de LE faz parte
do aprendizado
PE3 método
comunicativo
(Diretriz: evitar a língua
materna nas aulas de
línguas;
não havia exercícios
gramaticais;
leitura de textos literários
principalmente;
preocupação cultural na
elaboração dos
planos de aula)
Letras Português/ Espanhol
Método comunicativo
(inclui revisões)
Audições/ situações reais de
fala;
leitura e produção de textos –
procura pensar as situações
de linguagem a partir das
dificuldades encontradas
nos textos dos alunos
Mudanças mais perceptíveis
na área de estudos literários
56
PE4
método
estruturalista
leituras (imanência do texto)
Letras Espanhol- Inglês
Não trabalha com a prática
da língua.
Na instituição: alunos do nível
avançado (reflexão
metalingüística sobre a língua,
e a língua na cultura/
na sociedade).
Metodologia diversificada, que
abrange várias competências –
gramática da língua/
semântica/ estruturas da língua.
Não despreza metodologias
anteriores – o professor
escolhe o que é mais
adequado ao objeto de ensino
e levando em conta as
necessidades dos alunos
Cada vez mais inclinada para a
comunicação, entendida como
fenômeno complexo, que envolve
componentes cognitivos, sociais,
além do lingüístico, “que
não se joga fora jamais”.
PE5 método
comunicativo
(quatro destrezas)
leituras
de textos autênticos e teatro
(encenação de
textos literários)
Como professor de literatura,
o texto é visto no seu entorno
de produção.
Como professor de literatura
espanhola e hispano-
americana é possível trabalhar
o texto na perspectiva
da língua e do conteúdo.
É preciso saber qual é
a perspectiva do enunciador;
as concepções de língua
norteiam as escolhas didáticas
e metodológicas para a
elaboração do curso
Não há uma práxis determinada:
em função do objeto analisado
é possível saber qual a
metodologia mais adequada.
Para o estudo da língua o
enfoque comunicativo
apenas não é suficiente – a
língua tem que ser vista
também em sua dimensão
cultural.
Quadro 1: Formação inicial e contínua - concepções e mudanças
A experiência de PE1, já descrita anteriormente e apresentada no Quadro 1 permitiu a
reflexão sobre os métodos em relação à prática profissional. Da concepção de língua como
objeto lingüístico, na formação inicial, passa à compreensão da língua como meio de
57
comunicação, fenômeno social e a partir do qual se formam as identidades. Essa reflexão se
dá pela experiência profissional com o método de Paulo Freire e com as leituras realizadas
durante o seu percurso acadêmico, em que se destacam as teorias sócio-interacionistas e a
teoria de Bakhtin sobre a linguagem.
Com essa compreensão, entende que o método comunicativo, mesmo considerando-se
as revisões por que passou, não é adequado aos estudos de leitura e escrita para os alunos
brasileiros que estudam a língua estrangeira.
A concepção de língua permite o entendimento de que alunos e professores, como
indivíduos, encontram-se em um “contexto sócio-cultural (e lingüístico naturalmente), cada
um com sua história particular”. Esse entendimento direciona escolha do material didático e
atitudes em sala de aula.
As entrevistas revelam restrições ou mudanças de concepção em relação ao método
adotado. Em alguns casos a proposta é a utilização de uma metodologia diversificada em
que não se despreza a contribuição e utilidade dos métodos anteriores , de acordo com as
necessidades dos alunos e em função do objeto de estudo (PE4; PE5).
Para PE2, a prática profissional voltada à formação de professores exige
encaminhamentos que fogem às orientações propostas pela metodologia, como o ensino da
gramática da língua. Dessa reflexão decorre a identificação do método utilizado como
comunicativo “moderado”.
A reflexão sobre o método está sempre presente, seja na constatação de sua
insuficiência para a compreensão da língua como fenômeno cultural (PE5) ou nas
considerações sobre o conceito de comunicação que, segundo PE4, deve ser entendido em sua
complexidade, que envolve elementos sociais e cognitivos, além do lingüístico.
Assim sendo, a professora refere-se a que está, em sua prática profissional, cada vez
mais voltada para a comunicação. Teórica “por formação”, não trabalha com a prática, mas
realiza, junto aos alunos do nível avançado (Língua Espanhola V), uma reflexão
metalingüística, em que se considera “não apenas a língua [como código lingüístico], mas a
língua na cultura (...), na sociedade”.
Essa reflexão na e sobre a prática acontece de forma constante: especializada em
Estudos Literários PE3 relata que, em relação à graduação, foram mais perceptíveis, para ela,
as mudanças de concepção na área de sua pós-graduação. Porém atua também com a prática
da língua, preferencialmente com audições e produção de textos e ressalta que procura
trabalhar as situações de linguagem pelos problemas identificados nos textos produzidos
pelos alunos.
58
Atuando também na área de estudos literários, na graduação e pós-graduação, PE5
entende que não existe uma práxis determinada, mas que, nas Literaturas, trabalha-se o texto
no seu contexto de produção. Para ele é indispensável considerar “a perspectiva do
enunciador”, ou seja, reconhecer o lugar a partir do qual se analisa o contexto da obra
literária. Como professor de espanhol e de Literatura, é possível tratar o texto, segundo sua
reflexão, nas perspectivas da língua e do conteúdo.
A articulação entre teoria e prática (ROMANOWSKI, 2006) realiza-se nessa reflexão,
em que as pessoas envolvidas no processo “tratam [a] experiência em sua consciência e sua
cultura” para agir em uma situação determinada (THOMPSON, id apud MARTINS, id).
Seguindo as afirmações de Mascia e de Souza sobre os métodos tradicional e
comunicativo, a respeito da não-consideração da heterogeneidade do sujeito (e da língua),
assim como as análises de Villalba (2007) e Lima sobre o tratamento das variações nos livros
didáticos do espanhol, entende-se que a reflexão sobre a prática deva orientar-se no sentido de
oferecer respostas ou alternativas para essas questões.
Rajagopalan (2004; p.77-80) observa que a lingüística aplicada, que tem hoje
autonomia em relação à chamada lingüística “pura”, deve inspirar-se na prática para o
estabelecimento de teorias que atendam aos problemas detectados. O que não pode acontecer,
diz o autor, é o entendimento de que caberia à lingüística pura a formulação de teorias e à
lingüística aplicada a prática com os métodos estabelecidos, nem sempre adequados às
necessidades atuais.
Depois dessas reflexões, descrevem-se o perfil dos alunos participantes, seus objetivos
em relação ao curso e atividades profissionais realizadas. Em seguida, retomam-se as
entrevistas e questionários para o encaminhamento de reflexões sobre leitura, ensino das
variações do espanhol e ensino de gêneros.
6.2.2 Alunos-formandos do curso: objetivos e atividade profissional
Procura por conhecimento sistematizado na língua, ou ter contacto “direto” com a
cultura hispânica, música, livros, etc., aparecem nas respostas dos questionários dos alunos/
formandos, juntamente com objetivos mais gerais como “conhecer outro idioma” ou
“aprender mais sobre o idioma”. Dos sete participantes, apenas dois afirmam o objetivo inicial
de lecionar, embora três tenham realizado alguma prática de ensino da língua estrangeira em
59
períodos de 1 mês (A5), 10 meses (PF) e 3 anos (A6) respectivamente e a maioria (menos
um) cursem a licenciatura em Letras, que se direciona à formação de professores.
No Quadro 2, a seguir, estabelecem-se esses objetivos dos alunos no momento da
escolha da língua estrangeira, tempo de estudo de espanhol em geral e no curso de Letras e
prática profissional com a LE.
Quadro 2 -Perfil dos alunos: objetivos e atividades profissionais
A diferença de tempo observada em relação à formação reflete as possibilidades que o
curso oferece, aos alunos, de saltar etapas de acordo com o seu conhecimento anterior na LE e
as opções que eles têm de permanência para complementação do curso com as disciplinas do
Bacharelado ou disciplinas optativas em geral, até um máximo de sete anos, de acordo com
suas necessidades ou interesses.
Aluno Formação - Objetivos Modalidade Tempo Atividade
profissional-
espanhol
A 1
Ingressei com o intuito de adquirir conhecimento
sistematizado e lecionar – atualmente não
pretendo mais lecionar, mas foi um bom
aprendizado
Licenciatura 4 anos (3 anos
no curso de
Letras).
não
A 2 Conhecer outro idioma Licenciatura 5 anos, no curso
de Letras
não
A 3 Ter acesso direto à cultura hispânica, música,
livros, etc. Dar aulas é a minha última alternativa
Licenciatura 5 anos no curso
de Letras
não
A 4 Ter uma graduação em bacharel e talvez
trabalhar com isso, em um futuro distante
Bacharelado 7 anos (5 anos
no curso de
Letras)
não
A 5 Para ensinar espanhol Licenciatura 7 anos (5 anos
no curso de
Letras)
sim- 1 mês
A 6 Dar aulas de espanhol Licenciatura 4 anos, no curso
de Letras
sim – 3 anos
PF Aprender mais sobre o idioma Licenciatura 7 anos e meio (6
anos no curso de
Letras)
sim – 10 meses
60
Essas observações sobre as possibilidades que o curso oferece, ressaltadas por PE3 em
sua entrevista, também são referidas por PE2. Essa professora lamenta, no entanto, que o
aluno não possa fazer, até o momento, a opção por duas línguas estrangeiras na licenciatura
dupla espanhol e inglês ou espanhol e alemão, por exemplo , para aqueles que
pretendessem trabalhar com tradução entre os dois idiomas.
As noções a respeito de seus objetivos em relação ao curso, assim como a intenção ou
não de lecionar, relatadas pelos alunos, no entanto, devem ser consideradas como impressões
e expectativas iniciais, que muitas vezes não se confirmam na formação contínua, assim
como se aprofundam as reflexões sobre a língua e o ensino da LE, no caso de que se efetive
a prática ou se prolonguem os estudos e a pesquisa na área de Lingüística Aplicada.
A4 é o único aluno, desta amostragem, que cursa apenas o Bacharelado: manifesta o
desejo de “ter um diploma e trabalhar (...) num futuro distante” como justificativa de suas
opções em relação ao curso. Embora, para esse estudo, interesse a formação em licenciatura,
voltada para a prática profissional, os alunos a maioria com pouca ou nenhuma prática ,
respondem em condições de igualdade sobre as questões relativas à sua formação, de forma
que a decisão tomada foi a de manter as informações de todos os participantes.
A1, que aparentemente mudou de planos em relação a seu ideal inicial de lecionar com
a língua estrangeira, observa, no entanto, que foi um bom aprendizado, mostrando-se contente
com o curso em relação ao seu objetivo de adquirir conhecimento sistematizado sobre o
idioma.
A3 observa, por sua vez, que “dar aulas é a minha última alternativa” e o acesso à
cultura hispânica, através de músicas, filmes e literatura é o seu interesse maior em relação ao
curso, objetivo também informado por A2 e PF, que pretendiam conhecer o idioma ou
aprender mais sobre língua e cultura hispânicas.
Esse último participante, formado um ano antes em relação aos demais, foi
entrevistado, como já se fez referência anteriormente, no período de pré-teste dos
instrumentos de pesquisa. Trabalhava, no momento da entrevista, há dez meses com o ensino
da língua espanhola e foi dos entrevistados o que permaneceu mais tempo no curso de Letras
seis anos , embora estabeleça o período de sete anos e meio como o tempo total de estudo
do idioma estrangeiro. Os demais participantes estudaram espanhol um total de quatro, cinco
ou sete anos, apenas ou na maior parte do tempo no curso em questão.
O ensino das variações do espanhol como língua estrangeira será tematizado a seguir
pela análise das entrevistas e questionários que foram realizados. Sobressaem-se aqui, por
indicação nas entrevistas ou por terem sido comentadas de forma quase generalizada pelos
61
docentes e alunos, as questões da leitura em LE e da escolha de uma variedade para ser
utilizada na prática profissional. Em seguida, analisam-se os critérios para esse ensino, tal
como foram estabelecidos pelos informantes e indaga-se sobre a relevância de destacar a
heterogeneidade lingüística pela utilização de textos autênticos de diversos gêneros no ensino-
aprendizagem da língua espanhola.
6.3 ENSINO DAS VARIAÇÕES DA LÍNGUA
6.3.1 Leitura, textos autênticos e estratégias para o ensino
Tradicionalmente o texto literário é tratado nas aulas de língua espanhola na
Universidade, no curso de Letras/espanhol. Referindo-se à sua formação inicial, PE3, uma das
três professoras entrevistadas que trabalham na mesma instituição de sua graduação, afirma
que “nas aulas de línguas, sob o enfoque comunicativo, havia preocupação cultural e tratava-
se principalmente da leitura de textos literários”.
Por sua vez, os alunos/participantes referem-se à leitura de textos literários, seja nas
aulas de literatura ou nas aulas de língua como a prática textual dominante, como se vê no
Quadro 3, apresentado a seguir.
Quadro 3- Práticas de leitura
ALUNOS Acontecem com textos de
literatura na maioria das
vezes
Não são feitas de
forma sistemática
São feitas com a utilização de grande
variedade de tipos e gêneros textuais para
leitura e interpretação
A1
X
A2 X
A3 X X
A4 X
A5
X
A6 X
PF X
X
(Curso de língua)
62
Os alunos referem que as práticas de leitura realizam-se com textos de literatura, na
maioria das vezes e que não acontecem de forma sistemática nas aulas de Língua espanhola.
Dois entre os alunos apontam a alternativa sobre a prática de leitura com gêneros textuais
variados para leitura e interpretação.
Essas afirmações são complementadas pela pergunta do questionário sobre se os textos
lidos nas aulas de língua espanhola permitem reflexão sobre os aspectos culturais e sobre as
diferenças entre as línguas. Os alunos/formandos A3, A4, A5 A6 e PF relatam que não
trabalharam com textos em aulas de Língua espanhola, apenas nas de Literatura e que
geralmente não se trabalha com as diferenças culturais, porque são enfatizados a teoria e os
períodos literários.
A1 e A2 referem-se, por sua vez, a que os aspectos culturais e a diversidade lingüística
são ressaltados na leitura de textos e A1 observa que “nos textos de diversos autores
hispânicos tratados em sala, é possível perceber as diferenças até mesmo no modo distinto de
cada um escrever”, referindo-se provavelmente à leitura de textos literários.
Respondendo às questões específicas sobre o ensino das variações da LE, os
alunos/formandos apontam que aprenderam as variações por atividades de uso da língua,
diálogos e conversação (A1; A2; A3; A4), em que destacam o convívio com os colegas de
intercâmbio, músicas e filmes e audições de falantes do espanhol de vários países ou pela
gramática da língua (A5; PF). Apenas A6 refere-se a textos autênticos de outros gêneros para
essa aprendizagem, mas observa que esse conhecimento se deu, no seu caso, durante a sua
atividade profissional, em que utiliza textos jornalísticos, além dos literários.
PF dá conta do período imediatamente anterior e relata que não houve, no seu curso,
ênfase especial nesse aprendizado, uma vez que se dava maior destaque ao contexto da
Espanha na seleção do material didático.
O quadro seguinte refere-se ao relato dos alunos sobre como aprenderam as variações
da língua. É possível, então, perceber com mais clareza, pelas observações feitas, os
procedimentos geralmente usados pelos docentes para o ensino-aprendizagem das variações
do espanhol no curso estudado, segundo os formandos.
Considera-se, nesse tópico, a temporalidade mencionada antes, em relação aos relatos
dos alunos, no final do curso e a entrevista dos professores, que integram as mudanças
realizadas a cada semestre de aulas.
63
Quadro 4: Aprendizagem das variações do espanhol
ALUNOS Textos de
literatura
principalmente
Atividades de
uso da língua,
conversação e
diálogos
Leitura de
textos
autênticos/
vários
gêneros
Gramática da
língua,
principalmente
Observações- especifique e
comente a alternativa que
você marcou
A1
X
Convívio com alunos de
intercâmbio. Proporciona
excelentes diálogos sobre as
variações.
A2
X
Músicas e filmes que
mostram a língua em uso
A3 X O contato com variantes
lingüísticos se dá
principalmente na interação
com colegas
estrangeiros/nativos e com
os diferentes professores
A4 X
Audições de falantes de
espanhol, de vários países
hispânicos
A5 X
A6 X Sou espanhola e conheci
outras variantes quando
comecei a dar aulas e
trabalhei com textos
jornalísticos e literários.
PF X Não há muita ênfase no
aprendizado das variantes: o
material era extraído de
textos e contexto da
Espanha – um ou outro
mencionava a América
Hispânica
64
Observa-se que a orientação dominante para o ensino das variações, no curso
analisado, é através de audições de falantes de várias origens, música, filmes e reflexões sobre
as diferenças da língua. Essas reflexões acontecem principalmente pela comparação entre as
variedades faladas pelos colegas do intercâmbio, mas também a respeito das variedades dos
professores. Essas afirmações são corroboradas pela fala dos professores, nas entrevistas:
PE 3: O aluno tem que ter conhecimento[das variações]: o curso tem que oferecer esse conhecimento. Preferivelmente com materiais de compreensão auditiva, pronúncia principalmente. (...) Nas audições o aluno pode perceber, por exemplo, diferenças entre um uruguaio e um argentino falando. O método [livro didático utilizado] permite reflexão sobre essas diferenças: uso do vos; diferenças de vocabulário; variações lexicais. O professor precisa mostrar essa variedade para que os alunos tenham a oportunidade de, posteriormente, escolher. (...) Eu não sei como é isso na percepção do aluno: se ajuda ou se atrapalha [uso de variantes diferentes pelos professores do curso]. Acho que a variedade é rica, mas os alunos relatam algumas dificuldades nas aulas de línguas em razão disso. PE2: Sou a única aqui que utiliza vosotros. [Mas] o aluno precisa conhecer as variantes, saber um pouco de cada coisa: temos esse ano no curso alunos de intercâmbio e isso enriquece bastante as aulas. Comentamos e refletimos sobre a língua, as variações e os sotaques diferentes em sala de aula. Trabalho também muito com música, de diversos lugares e acredito que é um bom recurso para falar dos vários “acentos”, dada a nossa tendência à imitação da voz, do sotaque do cantor. PE4: Acredito em uma metodologia mista (...) porque eu parto do conceito de uma metodologia comunicativa que abrange várias competências. Então, não vou deixar de trabalhar com estrutura da língua, com semântica da língua, etc. É o que eu proponho para os alunos do último período do espanhol (...); a turma [é composta] não só de brasileiros, mas[também] brasileiros com alguma passagem por uma variante do espanhol, [além de] hispano-falantes, de variantes diferentes. Então, nessa reflexão sobre a língua, isso sempre está em jogo.
Complementando essa análise, os dados documentais referentes à estruturação do
curso mostram que, no caso das disciplinas de Língua Espanhola II e III, ao conteúdo
comunicativo soma-se a leitura, com avaliação através de trabalhos escritos, de textos
literários no caso de Língua II contos latino-americanos; e de Língua III, contos espanhóis e
hispano-americanos. Entre os autores escolhidos para os cursos semestrais realizados ou
planejados para as disciplinas, PE1 cita o argentino Cortázar e Roa Bastos, escritor paraguaio,
autor de Yo, el Supremo.
Os contos literários são, portanto, tratados nas aulas de Língua, de acordo com os
professores, que relatam atividades envolvendo esses textos, em várias oportunidades, durante
as entrevistas e que serão reportadas mais adiante nesta análise.
Porém, de modo geral, as disciplinas de Literatura acabam assumindo a questão da
leitura, conforme PE5, uma vez que têm uma carga horária maior.
65
Nas disciplinas de Língua Espanhola utilizam-se, segundo relato dos professores, o
método Comunicativo e Enfoque por Tarefas. Porém, sobre a metodologia para o ensino de
línguas estrangeiras e estudos literários PE5 observa que os professores de Língua e Literatura
Espanhola têm à disposição muitos métodos e podem escolher entre eles, no momento de
elaboração de seu curso, de acordo com o objeto de ensino.
No caso do professor de espanhol, é possível trabalhar a perspectiva da língua e do conteúdo: a estrutura da obra analisada na sua parte lingüística e literária. Essas duas coisas vão sempre juntas. Em função do objeto que está sendo analisado, é possível saber qual é a teoria que vai se adequar melhor a esse propósito: essa seria uma possível práxis de abordagem dos objetos literários.
Para os Estudos Literários importa estabelecer qual é a perspectiva do enunciador:
No tratamento da Literatura, o locus de enunciação deve ser considerado. Penso o meu objeto a partir do lugar em que me encontro em relação a ele: se eu estou no Brasil, não faço parte daquela tradição em que a obra se insere, mas estou em um “entre-lugar”. A respeito dessa perspectiva do enunciador, Mário de Andrade diz: “Eu sou um tupi tocando um alaúde”. Essas concepções e essa perspectiva vão nortear as escolhas metodológicas para a análise literária.
O Quadro 5 complementar ao anterior retrata, na opinião dos alunos, as técnicas
consideradas apropriadas para ensinar/aprender as diferenças da língua estrangeira.
A respeito desse quadro realiza-se breve quantificação, que objetiva favorecer a
leitura e análise das informações presentes sobre o tema proposto.
Dos sete alunos envolvidos, cinco deles consideram muito importante que o professor
utilize uma variedade da língua como modelo para seus alunos, uma vez que apontam essa
alternativa como sua primeira ou como sua segunda opção. Esse mesmo número entende que
a apresentação de textos autênticos, em sala de aula, para ensino das variações lingüísticas e
culturais do espanhol é também procedimento didático bastante adequado.
Quatro entre os alunos dão destaque, para esse ensino-aprendizagem, aos diálogos e à
conversação.
Todos os alunos, menos um (que entende que esse procedimento é o mais adequado),
apontam como sua última opção a alternativa em que os termos diferentes sejam apenas
sinalizados pelo professor quando aparecem nos textos e tratados como curiosidades da
língua, ou seja, compreendidos como desvios em relação à norma.
66
Quadro 5- Procedimentos didáticos para o ensino das variações
Destacam-se, nas questões abertas do questionário, as observações dos alunos que já
têm alguma experiência em sala de aula (A5, A6 e PF), pela relação que fazem com a sua
própria prática. Defendem como A2 e A3 a utilização de textos autênticos para o ensino em
questão, ao lado de audições, música, filmes e material audiovisual. A6 refere, por exemplo,
que é espanhola e procura deixar claro, a seus alunos, qual é a sua variedade e o seu próprio
desconhecimento das demais. Utiliza “exemplos reais de uso da língua para na medida do
possível apresentar aos alunos as diferentes variedades”.
ALUNOS Considero
importante que
o professor
escolha uma
variante da
língua, como
modelo para
os alunos
O ensino das
variações deve
ser conduzido
através de
diálogos e
conversação, pelo
método
comunicativo
Acho importante a
apresentação de
textos autênticos
em sala de aula,
para o ensino das
variações da língua
e da cultura dos
falantes do
espanhol
O aluno deve
escolher uma
variante do
espanhol para
utilizar em sua
vida
profissional
O espanhol a ser
ensinado deve ser o
padrão - os termos
diferentes serão
tratados como
curiosidades da
língua, com listas de
palavras e
expressões ou
destacados quando
aparecem nos textos.
A1
2 3 1
A2 3 1 2 4 5
A3 1 1 1
A4 1 2 3 4 5
A5 2 1 4 3 5
A6 2 4 1 3 5
PF 1 1 1 1
67
PF observa que “desde o início do curso é preciso desmistificar (...) a questão da
pronúncia ideal e a partir disso introduzir noções das variantes [da língua espanhola]”. Esse
participante, que soma à sua formação inicial algum tempo de prática com a o ensino de
espanhol, entende que são igualmente importantes todas as alternativas – a referente aos
textos autênticos, conversação e escolha das variantes , excluindo apenas a noção das
variantes como desvios em relação à variedade padrão.
Para A3, as escolhas de variedades pelo professor e pelo aluno, juntamente com a
apresentação de textos autênticos para ensino da língua e cultura dos falantes do espanhol são
estratégias didáticas igualmente úteis para a aprendizagem.
Os discentes consideram, então, que são importantes para o ensino as estratégias que
desenvolvam a oralidade e o conhecimento de diferentes sotaques da língua, ao lado da leitura
de textos autênticos, que expressem a realidade dos contextos lingüístico/ culturais.
Incluem, entre as opções que envolvem o desenvolvimento da habilidade oral, a
escolha de variedades pelos alunos para a futura prática profissional. Os dados demonstram a
relevância atribuída, para a aprendizagem, do modelo expresso pelo professor.
A centralidade manifesta, pelos formandos, em relação ao modelo de variedade dos
professores e colegas do intercâmbio sugere, portanto, a preponderância - na prática efetivada
e na opinião dos alunos - das estratégias ligadas ao desenvolvimento das habilidades orais no
processo de aquisição. Remete, também, numa análise sob a perspectiva sócio-interacionista
da linguagem, à questão de construção do conhecimento, que se realiza na interação com os
sujeitos mais experientes da cultura (VYGOTSKY, 1987 e 1988; LOPES, 2002). No caso do
ensino de línguas estrangeiras, eles são representados pelo professor de LE e pelos falantes
nativos, em interação comunicativa ou através de audições, que oportunizam a reflexão sobre
a heterogeneidade e fluidez do fenômeno lingüístico, com a mediação do professor.
Para PE4, o aluno faz, necessariamente, escolhas entre as culturas, uma vez que elas
formam o indivíduo: “ele pode, inclusive, fazer a opção por um espanhol neutro, ‘fantasma’,
que eu não acredito que exista”, mas importa que o professor “permita a seus alunos essa
liberdade de escolha, mostrando a riqueza, as várias possibilidades. Deve ser, por parte do
professor, estratégia consciente e por parte do aluno escolha consciente”.
PE3 relata, por sua vez, que a consciência de linguagem que procura passar para seus
alunos é o estândar peninsular e o estândar meridional: “O aluno precisa conhecer as
variantes para fazer escolhas e isso depende de cada um. No meu caso sou latino-americana
faço a opção pelo estândar latino-americano”.
68
Esse olhar, direcionado aos países latinos e o papel do professor como mediador no
processo de ensino fazem parte também da reflexão dos professores PE5 e PE1, nas
entrevistas:
PE5: Nós nunca vamos ser falantes nativos - a nossa língua tem a sua influência. Mas o que importa é a adequação - não como simples arremedo, no sentido de apagar a diferença, em função da metrópole ou de um outro modelo prestigiado. O importante é comunicar e é preciso ver quem é o seu interlocutor (argentino, espanhol, etc.), para fazer suas escolhas. O ensino das variantes está atrelado a essa problemática e o aluno tem que ser instruído nessas questões. No caso das variantes do espanhol, pode-se perguntar: existe a possibilidade de uma variante se sobrepor às demais? Existe uma variante estândar e as demais são obnubiladas em relação a ela? A questão é de postura em relação a isso. Existe um discurso hegemônico e é preciso desconstruir esse discurso, a partir do lugar de enunciação. PE1: A variação tem que ser considerada ou pensada a partir da postura assumida em relação à língua, em relação ao ensino da língua e em relação à cultura do povo que se enfoca. O papel do professor, como ele vai caracterizar o seu curso, objetivos da escola, da comunidade - isso vai influir também no tratamento das variações lingüísticas. Eu não preciso, por exemplo, ficar preocupada com a questão da ‘pureza lingüística’ ou da norma peninsular: eu acho que a gente continua sendo sempre professor brasileiro ensinando uma língua estrangeira - e essa língua é o espanhol. E nós temos contato muito próximo com os falantes hispânicos.
As proposições dos professores assim como as referências dos alunos sobre as
estratégias de ensino expressam concepções decorrentes do momento histórico, de
aproximação com os blocos econômicos do Mercosul, que caracteriza a realidade político-
ideológica e educacional brasileira, no que se refere principalmente ao ensino do espanhol;
assim como de fenômenos resultantes da globalização e do multiculturalismo, com influências
relevantes na formação das identidades sociais (RAGAGOPALAN, 2004, 2006; LOPES,
2006; PIMENTA, 2000) e na formação do professor de línguas em particular.
Revelam, também, a pesquisa e reflexão sobre a prática realizada, na formação
contínua, em que se destacam, como se viu anteriormente (QUADRO 1), a reavaliação dos
conceitos de comunicação, língua e cultura e de ensino de LE.
Os saberes resultantes dessa experiência profissional, historicamente situada
(TARDIF, id; ROMANOWSKI, id), manifestam-se também nas formulações sobre critérios
para seleção de material didático para o ensino das diferenças culturais do espanhol.
Analisam-se, em seguida, esses critérios utilizados pelos docentes para ensino das
variações, assim como as principais orientações dos livros didáticos utilizados nos cursos de
Língua Espanhola.
69
6.3.2 Critérios para o ensino e seleção de material didático
Sobre as disciplinas de literatura, PE5 relata que utiliza como critérios para a escolha
de materiais para as aulas e especificamente para o ensino das variações
em primeiro lugar, a acessibilidade. Se você for trabalhar com uma obra de grande carga regionalista, ela não vende, não está acessível. O poder de divulgação desses livros diminui em relação a uma obra escrita no espanhol padrão. O professor pode combinar os textos (p ex Cela/ Cortázar), porque a literatura acaba tocando nessas variantes: talvez o ponto seja o contraste entre as duas literaturas (a espanhola e a hispano-americana). O importante é mesmo saber fazer as escolhas necessárias e que vão resultar em uma boa formação, em um curso bem estruturado. Em relação aos textos que tenham uma carga regionalista muito grande, é preciso saber lidar com essas diferenças. Não se pode tender à harmonia, sem conflitos, e sem tensões porque elas existem.
Para PE4, a reflexão metalingüística, que acontece em suas aulas, se faz a respeito das
“metodologias, sobre a língua e não só sobre a língua em si, mas também sobre a língua na
cultura, na sociedade”. Trabalha com o conceito de comunicação, tomado em sua
complexidade, que abrange componentes cognitivos, sociais e lingüísticos. Entende,
portanto, que as variações da língua “entram organicamente nisso”, já que não é possível
separar os componentes da comunicação:
em relação ao espanhol, falado em grandes extensões geográficas/ regionais/ sociais é preciso fornecer o máximo: o objetivo é fazer com que o aluno tenha idéia da cultura/ das culturas. Porém, nunca servindo [esse conhecimento] como prato exótico, mas refletindo, comparando. Então, eu costumo fazer isso nas aulas, aulas de gramática, de literatura, o que for. A convergência entre língua e literatura acontece nesse nível.
Destacando a importância desse ensino, PE4 vê a necessidade de sua ampliação no
curso universitário:
Como formadora de professores, acho absolutamente necessário, num curso superior, ter essa disciplina de variação lingüística, que não trabalhe o léxico exoticamente, mas que esse ensino considere todos os níveis lingüísticos, inseparavelmente (...) do sócio-psico-cultural; ou seja, da comunidade linguo-cultural. E ao mesmo tempo observando como isso acontece na cabeça dos falantes, porque aí se constroem as várias identidades nacionais, comunitárias, individuais. Portanto, eu acredito que, numa universidade, isso tem que acontecer, necessariamente. A nossa universidade é uma das poucas que oferta essa disciplina, ainda que optativa.
70
Para Serrani (2005), nessa mesma linha de análise, e com o objetivo específico de
pensar a questão cultural na organização dos currículos dos cursos de Letras analisados por
ela, a enunciação em novas línguas ou em variedades diferentes mobiliza questões
identitárias, presentes em toda aula de línguas: “A experiência é mobilizadora também em
direção à língua ou variedade de origem, aquela que teceu o inconsciente, e as bases ou
memórias discursivas que constituem a denominada ‘identidade cultural’ de cada um de nós”
(p.19).
O perfil do professor interculturalista requer, portanto, segundo a autora, que “o
profissional considere, especialmente, em sua prática, os processos de produção-compreensão
do discurso, relacionados diretamente à identidade sócio-cultural” (p.17-18).
Com relação aos textos de vários gêneros primários e secundários, em que se inclui
o gênero literário eles podem ser tratados de forma integrada em sala de aula, uma vez que
as categorias que resultam de conceitos como linguagem e discurso, no entender de Beth
Brait (2002/ 2003 apud SERRANI, id p.58), permitem que os “textos literários e não-
literários, verbais e não-verbais se entrecruzem e se integrem”, na sala de aula de línguas.
Seguindo as conclusões parciais deste trabalho e retomando os conceitos de
experiência e de saberes da docência, de Thompson e de Tardif, respectivamente, verifica-se
que as formulações a respeito dos métodos e critérios para o ensino relacionam-se aos saberes
experienciais, advindos da formação e dos percursos acadêmicos dos docentes.
Nas afirmações de PE1, encontram-se essas reflexões a respeito do ensino e da
formação:
No momento em que se parte do princípio de que a língua é prática social, que é a idéia básica de Bakhtin, é preciso considerar também qual é a identidade sócio-lingüística do professor, a realidade sócio-lingüística dos alunos ou da comunidade em que está inserida a escola ou o curso que se vai ministrar. Assim, não é a mesma coisa ensinar espanhol em Curitiba e em Foz do Iguaçu, por exemplo. Lá existe outro tipo de contato, de acesso com a língua, com a cultura. Então, dessa forma, o papel do professor, como ele vai caracterizar o seu curso, objetivos da escola, da comunidade, isso vai influir também no tratamento das variações lingüísticas.
Para PE3, a responsabilidade social do professor assume papel relevante entre os
critérios citados, além do direcionamento em relação à realidade e à cultura hispano-
americana, como já foi referido anteriormente:
Também entendo que ensino de línguas é formação no sentido completo. O aluno vai ser um professor de espanhol e formador de opinião. Eu penso muito nisso e levo essa
71
reflexão para meus alunos, para chamar à responsabilidade. E acredito que precisamos valorizar o nosso entorno.
Em suas proposições, os professores vinculam o ensino da língua à cultura dos povos
envolvidos, revelam sua compreensão da complexidade do objeto de estudo e da
heterogeneidade da língua e partem do princípio de que é preciso desmistificar as questões
relacionadas à prevalência de uma variedade lingüístico-cultural no ensino do espanhol como
LE.
Assim, como critérios para ensino das variações e escolha de material, PE1 refere-se à
questão da variedade e do preconceito lingüístico: “a partir dessa discussão vou expondo os
alunos a diferentes sotaques e pronúncias”.
Para PE2 é importante mostrar o máximo de diversidade entre as línguas e sotaques,
deixando claro que não existe uma variante melhor que a outra:
Faço essa observação porque alguns professores consideram que não se deve ensinar o espanhol peninsular; dizem que estamos sendo colonizados outra vez pela Europa, etc. Eu considero essas afirmações bastante complicadas (...). Se eu posso falar com pessoas de muitos países diferentes e se nos comunicamos bem, por que uma variante vai ser considerada melhor ou com mais prestígio que a outra? Porém, os alunos podem ter necessidades diferentes em relação ao aprendizado da língua espanhola. Eu, como profissional, tenho que saber disso para poder ensinar.
Como critério para escolha de material para suas aulas, PE3 entende que é preciso que
seja bem escrito e que tenha uma informação adequada ao objeto de ensino:
No caso do livro didático é importante que o livro ofereça conteúdo, mas também ofereça possibilidade de dinâmica em sala de aula. Critério histórico talvez... Alguma coisa que seja relacionada à nossa realidade, assim do dia-a dia, porque assim se perdem a falsidade e o distanciamento de textos e diálogos de alguns livros didáticos.
Os professores expressam a necessidade de levar, ao aluno, o conhecimento da
diversidade e heterogeneidade cultural, a partir da conscientização sobre o preconceito
lingüístico e sobre a responsabilidade social do professor de línguas e propõem que esse
ensino se realize pela avaliação constante sobre os métodos e em consonância com os
objetivos do curso, voltado para a formação de futuros professores. Conforme referência de
PE1, “as variações devem ser contempladas em relação à cultura dos povos e de acordo com
a postura assumida em relação à língua, à cultura e ao ensino de LE”.
Pela análise das entrevistas e questionários, identifica-se o papel do professor de LE
com a visão veiculada pelo conceito de professor-pesquisador (LOPES, 2002), pela reflexão
constante sobre a prática desenvolvida, em que os conhecimentos, resultantes da pesquisa
72
desenvolvida nas diferentes áreas de atuação, são reaplicados em sala de aula. O professor
apresenta-se também como modelo para os alunos, que buscam, na variedade usada pelo
professor e na sua experiência em relação ao conhecimento almejado, o suporte necessário à
aprendizagem da língua.
Formador de opinião, o professor deve observar a responsabilidade político-social
inerente à sua profissão e orientar os seus alunos sobre essa responsabilidade.
O professor é também, na concepção dos docentes, mediador em relação ao
aprendizado e cabe a ele orientar os seus alunos a respeito de onde buscar e como desenvolver
os seus conhecimentos.
O gênero literário é privilegiado entre os textos autênticos utilizados nas aulas de
Língua Espanhola, segundo a análise dos dados obtidos e a leitura, os conteúdos culturais e a
produção textual são considerados instrumentos indispensáveis à capacitação na LE, além do
ensino da gramática da língua. Por isso, os professores se referem à necessidade de ampliação
de alguns desses cursos.
Nesse sentido, PE3 refere, por exemplo, que “os alunos precisam de muita prática de
leitura e escrita e essa convicção tem a ver também com a minha formação. Leitura e
produção textual poderiam ser tratadas separadamente hoje são disciplinas optativas”.
Com relação ao livro didático utilizado atualmente, PE3 diz que ele aumenta as
possibilidades de dinâmica em sala de aula, relacionando-se aos apartados ao final do livro,
com apresentação de audições de falantes da língua e pelas relações que se estabelecem
também com a Internet.
Nessas audições, segundo a professora, o aluno pode perceber, por exemplo,
“diferenças entre um uruguaio e um argentino falando. O método [livro didático] permite
reflexão sobre essas diferenças: uso do vos; diferenças de vocabulário; variações lexicais”.
Os livros apresentam textos de vários gêneros, a cada início de unidade, no caso de
Língua I e práticas de comparações entre gêneros no caso do livro utilizado para a
disciplina de Língua III, para os alunos de nível intermediário ou avançado.
PE1 cita como exemplo de atividade no livro didático a comparação entre contos de
fadas e uma notícia ou comparações entre gêneros em Português e em Espanhol. Porém,
nessas atividades, observou as dificuldades dos alunos para a identificação das características
textuais:
Os alunos têm dificuldades com relação à questão da leitura e de identificação dos tipos textuais e de suas características. No livro didático que utilizo atualmente, em algumas unidades são propostas atividades a partir de textos. Com relação ao texto
73
publicitário, verifiquei que os meus alunos a metade do grupo tiveram dificuldades no momento de produzir um texto publicitário. Eles tinham conhecimento teórico sobre o assunto, mas como não têm essa prática, não realizaram bem a atividade proposta.
Os livros didáticos referidos nas entrevistas não são – principalmente em relação aos
adotados nos níveis iniciais os mesmos utilizados pelos alunos/formandos, que estudaram
pelos livros a que se fez referência no capítulo sobre a estruturação do curso de Letras, pelo
método comunicativo e enfoque por tarefas.
Os livros atuais têm também essa orientação metodológica, mas integrando “diferentes
enfoques metodológicos, sin plantear ningún dilema entre gramática y comunicación”, no
caso do livro utilizado para o nível inicial.
Apresentam diálogos e audições mais variados de falantes nativos e diferem dos
anteriores pela ampliação em relação à apresentação de textos “mostras autênticas da língua
e da cultura” e atividades propostas a partir de gêneros diferenciados.
Retomando aqui mais uma vez as considerações de Celada e González (2005) sobre as
concepções de estabilidade e homogeneidade da língua e a necessidade de pensar em novas
abordagens para o ensino, discute-se agora a questão de aplicação dos gêneros aos estudos da
língua estrangeira, levando-se em conta a análise feita até o momento.
6.4 ENSINO DE GÊNEROS
A pergunta do questionário destinado aos alunos sobre as estratégias consideradas
mais eficazes para o ensino da língua estrangeira conta com dez alternativas três delas sobre
gêneros.
Dessas três alternativas, a primeira refere-se à utilização de gêneros para realização de
atividades textuais – escrita e estruturas do texto.
Duas outras se referem ao estudo de gêneros para adquirir habilidades na língua e ter
o ensejo de refletir sobre a cultura do outro e sobre a própria cultura; e à identificação de
aspectos culturais e ideológicos, para desenvolver capacidades de crítica e de reflexão. Essa
última alternativa sobre gêneros difere da anterior por sua vinculação à análise do discurso.
Duas alternativas ligam-se ao método comunicativo de línguas a primeira delas
referindo-se ao desenvolvimento da oralidade e a outra destacando habilidades na língua e
capacidades práticas, através de diálogos que simulam situações reais de uso.
74
As demais se referem aos exercícios estruturais, compreensão textual e gramática,
leitura em voz alta, tradução com atividades de escrita e exercícios gramaticais (Apêndice B).
Os objetivos em relação a essa questão foram os de conhecer as concepções dos alunos
sobre as estratégias de ensino relacionadas aos métodos gramaticalista, estruturalista,
comunicativo, etc., mas principalmente conhecer o seu posicionamento em relação ao ensino
com gêneros. Trabalha-se, neste caso, com quantificação de dados e algumas generalizações.
Os formandos teriam que numerar essas alternativas de um a dez, por ordem de
importância para o aprendizado da LE.
Cinco entre eles escolheram, em primeiro lugar, os diálogos, que simulam situações
reais de uso da língua, para desenvolvimento de habilidades lingüísticas e capacidades
práticas, com exceção de A5 e de A1, que não marcaram essa opção.
Esse último aluno entende que é prioritário trabalhar com gêneros para produção
textual (sua 2ª opção), ou para desenvolver no aluno capacidades lingüísticas e promover a
reflexão sobre as culturas envolvidas (1ª opção). A5 escolhe como igualmente importantes os
três enunciados referentes aos gêneros, além dos que se reportavam ao ensino da gramática da
língua.
Os gêneros, utilizados para desenvolver capacidades lingüísticas e reflexão sobre as
culturas foi a segunda ou primeira opção de seis dos formandos, sendo que dois deles
observaram que a maioria das alternativas são igualmente importantes para a aquisição.
As alternativas marcadas como menos importantes, pela maioria dos alunos, ou não
escolhidas por eles, referem-se aos exercícios estruturais, leitura em voz alta e tradução para
atividades de escrita, consideradas estratégias de ensino menos eficazes ao aprendizado.
Em um caso, porém, essas alternativas foram apontadas pelo aluno como necessárias,
da mesma forma que as demais, em diferentes momentos da aprendizagem, para o domínio da
LE. Outro participante observou, referindo-se ao método comunicativo, que ele “deve ser
acrescido de textos autênticos e exercícios, mesmo os estruturalistas”.
Os dados analisados estão no gráfico a seguir sobre as estratégias e métodos
apropriados ao ensino, no entender dos alunos participantes e em que se retrata a pontuação
geral obtida. Os diálogos destacam-se, na classificação geral de gêneros, por sua vinculação
aos textos que aparecem nos livros didáticos e que simulam situações reais de uso (Apêndice
B).
75
Gráfico 1 – Estratégias de Ensino de LE
Esses dados confirmam, de maneira geral, aqueles presentes no Quadro 5, apresentado
anteriormente, sobre o ensino das variações da língua: os alunos entendem que os diálogos e
as estratégias ligadas à oralidade são importantes para o aprendizado de línguas e valorizam a
leitura, a utilização de textos autênticos de vários gêneros e os conteúdos culturais
trabalhados em sala de aula. Dão destaque à gramática da língua e relacionam a produção
textual também aos textos e à leitura.
Tradução relacionada à escrita, leitura em voz alta e exercícios estruturais são as
práticas menos escolhidas pelos alunos, porém o enunciado sobre compreensão textual, com
identificação de estruturas textuais ou sistematização gramatical, foi bem pontuado por eles.
Essas escolhas revelam, também, a noção de que as várias estratégias podem
complementar o ensino, o que se depreende de observações sobre a insuficiência do método
comunicativo, tomado isoladamente e que deve, então, ser acrescido de outras atividades –
estruturalistas, textuais, etc.
Considerando-se a alternativa mais escolhida entre as três sobre gêneros a referente
a leitura de textos de gêneros diversos para que o aluno tenha oportunidade de refletir sobre a
sua cultura e a do outro e as referentes aos diálogos, gramática e exercícios estruturais, para
cada aluno em particular, elabora-se o gráfico seguinte.
6052 52 50
42 4131
2215
4
0
10
20
30
40
50
60
70
Gêner
os/C
ultura
Gêner
os/I
deolo
gias
Gêner
os/E
scrit
a
Diálo
gos
Texto
s/Gra
mátic
a
Comunic
ativ
o/Ora
l
Gram
ática
Estru
tura
s
Leitu
ra/V
oz a
lta
Traduçã
o/Es
crita
76
Por essa ilustração, observa-se que apenas A1 e A5 não se referem aos exercícios
estruturalistas e aos diálogos, que simulam situações de uso da língua relacionados, na
questão formulada, à oralidade e aquisição de habilidades práticas na LE como importantes,
em algum grau, para a aprendizagem. No entanto, três outros alunos relacionam as estruturas
da língua entre as suas últimas opções. Para A5 são igualmente importantes as práticas com
gêneros e o ensino gramatical.
Todos os alunos escolheram a alternativa sobre gêneros, considerada, geralmente, em
nível de igualdade com a alternativa sobre os diálogos, com destaque para a primeira na
contagem geral (Gráfico 1).
Nas entrevistas, pergunta-se também aos professores participantes sobre a adequação
de tratar a heterogeneidade da língua com gêneros diversificados apresentados em sala de
aula de línguas. Nessas entrevistas, os professores de Língua Espanhola dizem que não
trabalham com gêneros de forma sistemática ou através de um planejamento curricular
específico. Suas considerações sobre essa questão são contempladas mais adiante.
A breve análise dos livros didáticos utilizados a partir de 2007 nas disciplinas de
Língua Espanhola, referidos nas entrevistas, demonstram que existe um direcionamento no
sentido de ampliação de utilização de textos autênticos, de vários gêneros, como recurso
0123456789
10
A1 A2 A3 A4 A5 A6 PF
Diálogos Gêneros GramáticaEstruturas
Gráfico 2 – Gêneros, Diálogos, Gramática e Estruturas da LE
77
didático. Essa tendência crescente, mas que já se processa há pelo menos uma década, é
também entrevista nos relatos de atividades realizadas ou propostas, pelos professores,
durante o curso e que são comentadas a seguir.
Como sugestão de atividade, PE1 refere-se à possibilidade de comparar, por exemplo,
as posturas de jornais com inclinações políticas e ideológicas diferentes, em relação a um
mesmo tema ou acontecimento, trabalhando com análise do discurso.
PE2 exemplifica com a atividade realizada junto a seus alunos, utilizando contos e
filmes, em que foi possível refletir sobre as diferentes linguagens – a literária e a
cinematográfica.
PE5 propõe a comparação entre as obras literárias espanholas e hispano-americanas, já
que é nessa confluência que se identificam as questões sobre a diversidade.
PE3 dá exemplo de atividade realizada com música e literatura mexicanas, em que se
favorece aos alunos a comparação entre as culturas estrangeira e materna.
Predominam, nesses exemplos, também, os textos literários, com exceção da primeira
atividade descrita e trata-se o gênero de forma criativa, para os propósitos da sala de aula.
Bunzen (2004) destaca que o diálogo entre os autores das várias tendências e
escolas, que estudaram e desenvolveram o conceito de gênero acontece pelos temas
comuns entre eles e que são o ensino explícito dos gêneros, a possibilidade de utilizá-los
como objetos de ensino e a possibilidade de criação de novos gêneros em sala de aula.
Os gêneros permitem a reformulação livre e criativa (BAKHTIN, 2002;
MARCUSCHI, 2005b), sem que isso signifique nova criação de gênero, já que para se possa
trabalhar de forma criativa com eles é indispensável conhecê-los bem. Eles acompanham a
dinâmica das atividades do homem em sociedade como referido antes neste estudo e essa
flexibilidade faz parte de sua constituição (FARACO, 2003, p.112).
Além da música e apresentação aos alunos de falantes nativos, para que tenham
contato com variedades diferentes, PE1 sugere também a utilização dos recursos
tecnológicos:
Outro instrumento é a internet, que pode ser utilizada não apenas para o aluno ter contato com os periódicos, vocabulário diferente e variações sintáticas. Ou o Messenger, que permite conversar diretamente com pessoas de vários países e regiões. Eu não tenho como levar para a sala de aula todas essas possibilidades, mas posso orientar os alunos na realização dessas atividades.
Ao lado da diversidade de opções para o professor, supõe-se também que o
tratamento de alguns gêneros em sala de aula permite que o aluno, diante de um gênero
78
desconhecido por ele, tenha instrumentos para reconhecer suas características estruturais e
discursivas.
No Gráfico 3, apresentam-se os resultados da questão sobre tipos de textos utilizados
pelos professores. Nesses exemplos, não se distingue entre tipos e gêneros textuais e os
professores escolheram, de uma relação apresentada, os textos que costumam utilizar em sala
de aula.
Gráfico 3 – Exemplos de Tipos de textos e Gêneros utilizados
O gráfico ilustra a quantidade de professores que utilizam cada gênero ou tipo
textual. Destacam-se os textos literários e os conteúdos culturais1 e também os textos
informativos. Em seguida a esses textos aparecem as letras de música. Depois, os textos
científicos e diálogos.
_______________________________________________
1 Nessa questão das entrevistas entende-se como de conteúdos culturais os textos trazendo informações sobre a cultura dos povos, que foram diferenciados dos textos literários e dos textos informativos em geral. Da mesma forma, os poemas tiveram destaque em relação aos demais textos de literatura.
5
4 4
3
2 2
1 1
0
1
2
3
4
5
Lite
rário
s
Cultura
is
Info
rmat
ivos
Músi
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Diálo
gos
Científ
icos
Poemas
Anúnci
os
79
Anúncios e poemas foram pouco apontados e o gênero carta, que também constava na
relação, não foi assinalado pelos docentes.
Porém, o ensino com gêneros encontra alguns obstáculos, segundo os professores.
Desconhecimento dos gêneros por parte dos alunos e falta de tempo disponível para
realização das atividades são reportados por eles.
PE2 - Para esse tipo de atividade, como essas que realizamos, é preciso ter tempo disponível e no momento eu que trabalho com os níveis iniciais tenho todas as questões gramaticais para resolver e também preciso revisar o básico, porque isso precisa ser feito também. Meus alunos, que estão aprendendo o pretérito, vão ter dificuldades nesta fase com leitura de textos. Então, entendo que é possível trabalhar, sim, mas a questão é: trabalho com formação de professores, meus alunos precisam adquirir o domínio da língua é diferente de se eles tivessem que apenas se comunicar na língua estrangeira. Talvez, num nível intermediário, isso seja mais fácil.
PE4 refere, também, a sua preocupação com as propostas de substituição de métodos:
A formação tem que ser repensada a cada passo, a cada ano. Por outro lado, fico preocupada com essa coisa (um pouco leviana) de seguir modas. O importante é que o professor (...) se pergunte constantemente sobre o porquê de trabalhar dessa ou daquela maneira, de propor esse ou aquele método ou estratégia de ensino, em substituição aos anteriores. Não acredito em abraçar um único método: o professor “pensante” vai entender as necessidades dos alunos e buscar métodos (estratégias de ensino) de vários tipos.
Entende que o ensino precisa ser realizado com textos autênticos, para evitar que se
considere a cultura do outro a partir de pontos de vista próprios. Ressalva, porém, que
qualquer leitura já é uma tradução que se faz e que isso acontece inevitavelmente – “em grau
menor, talvez”, em se tratando desse material.
PE3 observa que os professores do curso teriam interesse em uma área de estudos
envolvendo gêneros e análise do discurso, a exemplo do que acontece no curso de português e
na pós-graduação na Universidade: “Em relação ao espanhol, em razão de nossa realidade
particular – cinco professores, espaço físico insuficiente, não temos alguém que se dedique
exclusivamente a isso. Seria um campo de pesquisa interessante, importante – como outros
também”.
Vê como fator bastante positivo que os professores possam se dedicar, na
Universidade Pública, à sua área de atuação, no referente à pesquisa desenvolvida e às
escolhas em relação a seus cursos e entende que os alunos precisam de muita prática de leitura
e escrita, para uma boa formação:
80
As pessoas aqui teriam muito interesse nisso. Mas acho que se trabalha pouco [com leitura]. Eu procuro trazer alguma coisa – eu gosto dessa linha, de informação cultural, principalmente. E acho que haveria necessidade mas a gente não tem condições mesmo [no momento].
No processo de sua formação acadêmica, no convívio diário com os alunos e na
elaboração dos cursos de Língua e Literatura os professores realizam reflexão constante sobre
a língua e sobre a metodologia de ensino, considerando os objetivos educacionais. Apontam
problemas e propõem novos caminhos para o ensino, referentes à sua área de atuação, em que
se destaca a priorização e ampliação do ensino das variações, leitura e produção textual
para a capacitação e formação de professores de espanhol.
A análise dos questionários dos alunos, realizada pela comparação com os outros
dados obtidos, revela também a compreensão de que a utilização de gêneros é estratégia de
ensino bastante adequada à aquisição e para o tratamento das diferentes variedades da língua
estrangeira em sala de aula.
Na análise de Bunzen (2004), sobre a língua materna, os gêneros são vistos como
“práticas de linguagem historicamente construídas”, na perspectiva textual da Escola de
Genebra ou como “ações em resposta a contextos sociais recorrentes numa determinada
cultura”, para os pesquisadores da Nova Retórica, que enfatizam a dinamicidade, a
plasticidade, criatividade e o movimento dos gêneros, utilizando as noções de dialogismo,
carnavalização e interação, de Bakhtin.
Para Bunzen, os gêneros são sempre usados nas três tradições enfocadas por ele (de
Sidney, de Genebra e Nova Retórica) como desestabilizadores de práticas problemáticas ou
tradicionais. Em seu entender, a partir deles é possível tratar em sala de aula o plurilingüismo,
ou seja, o heterogêneo. Estudar ou ensinar com os gêneros, nesse sentido, não se constitui,
para o autor, em modismo ou mera substituição metodológica (p.258).
A análise dos pensamentos de Vygotsky e de Bakhtin sobre a linguagem (FREITAS,
2006), que direcionam esta pesquisa, aponta também para esse encaminhamento a respeito
das ações pedagógicas com a LE: a língua (ou a palavra) modifica-se nos vários contextos
enunciativos, nos vários contextos histórico-culturais e está em constante transformação
(VYGOTSKY, 1988; BAKHTIN, 2002/ 2003); e é através de enunciados e de gêneros que os
falantes se expressam, seja oralmente ou através de textos escritos (BAKHTIN, 2003).
Nessa perspectiva da língua, entendida em seu caráter de heterogeneidade, os
componentes culturais e ideológicos, expressos nos textos representativos das atividades
sociais dos falantes, assumem papel relevante para o aprendizado.
81
Para Serrani (2005), a formação do professor de línguas como interculturalista é a
formação do profissional apto a “realizar práticas de mediação sócio-cultural contemplando o
tratamento de conflitos identitários e contradições sociais, na linguagem da sala de aula”. Para
ela, é preciso que a formação do professor de línguas capacite o futuro profissional a agir em
sala de aula de forma a “propiciar nos seus alunos reacomodações subjetivo-emocionais,
cognitivas e sociais inerentes à produção discursiva de sentidos” (p.17).
A sensibilização em relação à discursividade e à heterogeneidade constitutiva da
linguagem é obtida, segundo a autora, pela mobilização da noção de gênero discursivo, já
que, segundo Bakhtin, a língua ou a enunciação se realiza sempre através da escolha, pelo
falante, de um determinado gênero.
Propõe, portanto, com base nos conceitos de Bakhtin e Freire, que os componentes
culturais deveriam direcionar os programas curriculares para o ensino das línguas materna e
estrangeira e que os gêneros discursivos, na língua alvo e na língua de origem, poderiam ser
instrumentos capazes de organizar esse ensino, de forma a proporcionar aos alunos a
capacitação na língua/cultura.
No contexto estudado, a questão metodológica esteve sempre em pauta: os docentes
entrevistados relatam que o método comunicativo, acrescido de ensino da gramática e
reflexão sobre a língua e a cultura são os meios utilizados nas aulas de línguas
estrangeiras/espanhol. Propõem a reflexão constante sobre a metodologia, sobre a relevância
das escolhas para cada curso, objeto de ensino e para a realidade dos alunos envolvidos.
Em algumas entrevistas, aponta-se a inadequação dos métodos tradicionais e do
método comunicativo para os estudos de leitura, escrita e para o tratamento das variações da
língua e avalia-se que, como instrumento à disposição do pesquisador, a metodologia precisa
ser sempre repensada, em função do objeto de estudos no caso da prática em sala de aula,
o objeto de ensino.
Os alunos formandos, por sua vez, revelam em suas respostas e observações, em
alguns casos, a sua compreensão sobre a capacitação na língua, entendida como somatória de
habilidades para atingir a língua alvo; ou sobre as estratégias de ensino, como acréscimos em
relação aos métodos utilizados.
Entende-se que o conhecimento e utilização dos gêneros poderia ser um fator
integrador para essa aprendizagem, uma vez que eles propiciam o ensino da leitura e da
produção textual e permitem o tratamento da língua como fenômeno heterogêneo e em
constante transformação.
82
As audições de falantes da língua, tratadas de forma integrada com os textos
literários, letras de música, comunicações científicas, cartas de leitores, editoriais, etc.,
permitem, por sua vez, a identificação dos sotaques diferentes, mas principalmente, também,
das características próprias dos gêneros utilizados por eles e a reflexão sobre as atividades
sociais e sobre os contextos histórico-culturais a que se referem.
A abordagem dos gêneros que se pode prever para o ensino da língua, trabalhando
com as concepções de pluralidade cultural e de registros diferenciados e considerando-se a
produção de áreas diversas da atividade social (SERRANI, 2005; FARACO, 2003) é a
perspectiva dos gêneros do discurso, na classificação proposta por Rojo (2005),
indissociavelmente dos contextos sócio-culturais.
No momento em que se propõe a revisão de conceitos e em que se discutem as
questões identitárias envolvidas na aprendizagem de línguas estrangeiras (RAJAGOPALAN,
2004; LOPES, 2006; SERRANI, 2005) reconhece-se, em grande número de trabalhos
científicos, que é o momento também de repensar as metodologias e instrumentos de
pesquisa referentes ao ensino-aprendizagem de línguas.
Entende-se também e essa proposição orientou a pesquisa e análise realizadas
que a formação dos professores e o seu trabalho em sala de aula não reproduzem
obrigatoriamente as ideologias dominantes, conforme Thompson em sua crítica que resultou
no estabelecimento dos conceitos sobre experiência, retomados por autores como Martins e
Faria Filho.
Da mesma forma, Lopes (2006) referindo-se a Foucault, analisa que os discursos e
ideologias constituídos implicam na possibilidade de um contra-discurso e que as identidades
sociais formam-se e são compreendidas nos contextos históricos e em relação a esses
discursos antagônicos.
Como construções históricas e ideológicas, os métodos nem sempre serão
complementários em relação a um determinado objetivo educacional. A pesquisa sistemática
sobre a prática, em que se considere os aspectos históricos e sociais envolvidos na
constituição dos saberes docentes permite o encaminhamento das medidas necessárias para a
solução dos problemas identificados, de acordo com as análises de Tardif, Pimenta,
Romanowski e de Lopes e Rajagopalan referentes, no caso dos dois últimos autores, à área
de Lingüística Aplicada.
A análise dos contextos educacionais proporciona, portanto, o conhecimento das
formas de apropriação das experiências e das ideologias que orientam as práticas dos
83
professores (FARIA FILHO, 2005, p. 246), ou seja, a verificação de como essa prática se
expressa em condições dadas historicamente (MARTINS, id. p. 118).
Esse repensar sobre os métodos e sua aplicação nas aulas de Línguas estrangeiras
precisa, então, necessariamente, partir da prática efetivada e nesse sentido a pesquisa
realizada, nas várias instâncias do ensino, assume papel preponderante (PIMENTA, 2000;
ROMANOWSKI, 2006).
Nas considerações finais busca-se relacionar as principais conclusões desta análise.
Este estudo de caso pretendeu contribuir para o conhecimento sobre o ensino das variações
da língua espanhola e propiciar outras pesquisas em contextos e realidades educacionais
diferentes que possam trazer novas reflexões sobre o tema deste trabalho.
Em relação ao curso observado, há a consciência de que as conclusões obtidas são
parciais. A formação do professor de espanhol, nesse contexto, é complementada pelas
disciplinas da área de Lingüística cursadas mesmo por aqueles alunos que fazem a opção
pela licenciatura simples e a importância do estudo da língua materna, pela comparação
constante que proporciona em relação à língua estrangeira, foi apontada, neste estudo, pelas
referências às análises de Serrani, Rojo e Mijares, entre outros autores.
Somam-se a essas disciplinas, as opções em relação ao Bacharelado direcionado
para a pesquisa em três áreas além das optativas oferecidas pelo curso. Trata-se de uma
formação “programada pelo aluno”, como esclarecem os profissionais da área de Letras,
ouvidos em diferentes oportunidades, em eventos e entrevistas.
84
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS, LIMITES E TRABALHOS FUTUROS
Gabriela Barrios, autora de excelentes estudos, como o citado neste trabalho sobre
políticas lingüísticas na região de fronteira Brasil-Uruguai compara a atuação do professor
de línguas e a do sócio-lingüista e refere-se ao primeiro como o profissional da língua padrão,
uma vez que, segundo diz, “nadie va a enviar sus hijos a la escuela para que les digan que
hablen como quieran”. Para a Sociolingüística conclui a autora a variedade padrão é uma
variedade importante, da mesma forma que as demais.
No entanto (e não lhe tirando a razão, uma vez que o ensino da língua padrão nas
escolas relaciona-se à questão do prestígio social dessa variedade), observa-se que, na prática
em sala de aula com a língua estrangeira, a riqueza cultural do mundo hispânico, as questões
do preconceito lingüístico ou das “línguas mistas” estarão sempre em pauta e o conflito no
dizer de Souza pode apenas ser adiado.
Os estudos de Rajagopalan e de Serrani apontam para a necessidade de repensar a
formação do professor de línguas, como cidadão do mundo ou como interculturalista, capaz
de interagir com as diferentes culturas e com os diversos textos relacionados às diferentes
variedades, atividades e contextos sociais dos falantes.
Esta pesquisa teve como objetivo analisar abordagens e concepções norteadoras para o
ensino-aprendizagem das variações da Língua espanhola, no curso de Letras/Espanhol da
Universidade Federal do Paraná. Essas concepções referem-se aos saberes desenvolvidos na
prática em sala de aula e estabelecem-se no processo de formação inicial e contínua dos
professores, conforme conceitos de Tardif, Romanowski, Pimenta, entre outros autores.
Procurou-se também indagar sobre a adequação de um ensino com base em gêneros,
em que se contemplasse a língua em sua heterogeneidade e como fenômeno em constante
transformação. Utilizaram-se, para isso, as noções de gênero do discurso, de Bakhtin, além
das proposições do sócio-interacionismo, na visão de Vygotsky e de autores que seguem essa
abordagem na pesquisa realizada nas áreas em que se inscreve esta análise. Integram-se,
neste estudo, as áreas de Línguas estrangeiras e Educação, em que se centraliza a questão da
formação de professores.
A hipótese deste trabalho foi a de que há necessidade de buscar alternativas para o
ensino, que contemplem a língua em seus contextos histórico-culturais e evidenciando a sua
natureza social. Por essa razão, defendeu-se a aplicação de uma teoria de gêneros discursivos,
85
segundo a classificação de Rojo, para o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras,
enfocando o ensino das variações do espanhol.
Ao se fazer a opção por um estudo de caso para a realização da pesquisa, o objetivo
foi o de analisar e compreender o contexto de um curso de referência para a formação de
professores da Língua estrangeira/Espanhol. Os professores do curso e os alunos formandos
foram os informantes co-participantes da pesquisa e a partir de suas reflexões e dos
conhecimentos advindos de seus percursos acadêmicos e experiência profissional tornou-se
possível a realização desta dissertação.
Os objetivos específicos foram, portanto, o de considerar o processo de formação
inicial e contínua dos docentes e as mudanças ocorridas nesse processo e o de indagar sobre a
propriedade de uma teoria de gêneros aplicada ao ensino das diferenças da língua e da cultura
dos povos estudados.
Com relação ao primeiro objetivo específico, constatou-se que os professores do curso
realizaram a sua formação inicial sob as metodologias gramaticalista, estruturalista ou
comunicativa. Porém, a importância atribuída, nesta análise, à formação inicial dos docentes
foi menor do que a de sua formação contínua e acadêmica, em razão de se tratar de
professores especialistas em sua área de atuação.
As mudanças relatadas por eles, no processo de formação acadêmica, referiram-se às
concepções de língua, linguagem, comunicação e de ensino da língua estrangeira. A sua
atuação profissional inclui, em alguns casos, a crítica ao método comunicativo de línguas,
considerado insuficiente para os estudos relacionados à leitura, escrita e à cultura dos povos.
Essas concepções orientam a sua prática e os critérios para a elaboração de atividades,
escolha de livros didáticos, obras literárias ou material didático para as aulas de Língua e de
Literatura espanhola e hispano-americana.
Em suas proposições sobre os critérios para o estudo das variações da língua, os
professores partem do princípio de que não existe prevalência entre as línguas e as culturas e
que é papel do professor mostrar a riqueza cultural e as diversas variedades. Isso se dá através
de textos autênticos, música e audições e orientação aos alunos sobre as possibilidades de
utilização da internet e em relação a filmes, eventos culturais e científicos. Propõem também,
em disciplina para os alunos do nível avançado, a reflexão sobre a língua, em que se
consideram as culturas envolvidas e a relação com os contextos sociais. Destacam a presença
de alunos do intercâmbio, que favorece essa reflexão em sala de aula, desde os níveis iniciais.
Em relação à Literatura essas reflexões acontecem pela comparação entre as obras de
autores dos diversos países envolvidos.
86
Os alunos valorizam as práticas de audições de nativos e estratégias ligadas à
oralidade, para o ensino da língua e das diversas variantes. Referem-se ao modelo expresso
pelo professor como estratégia importante para a aprendizagem, além da oportunidade de
conversar com falantes nativos, representados pelos colegas de intercâmbio.
Sobre o segundo objetivo específico, a análise documental e a dos questionários e
entrevistas apontam para a priorização do gênero literário para as atividades de leitura no
curso analisado. As atividades de leitura ocorrem, como se vê nas considerações sobre a
estruturação do curso além das Literaturas nas aulas de Língua Espanhola e nas optativas
do curso, principalmente através de contos literários de autores espanhóis e hispano-
americanos.
Os principais problemas referidos em relação ao ensino com gêneros são o despreparo
dos alunos, falta de tempo, espaço e pessoal. Os professores entendem que os alunos precisam
de mais práticas de leitura e escrita, não apenas como disciplinas optativas e que haveria
interesse no estabelecimento de área de pesquisa envolvendo análise do discurso ou estudos
sobre gêneros.
Observou-se a tendência crescente de utilização de gêneros diversos na orientação dos
livros didáticos escolhidos pelos professores e nas sugestões de atividades para as aulas de
línguas.
Da mesma forma, os alunos demonstram essa preferência, em observações sobre as
estratégias consideradas por eles como mais eficazes ao ensino das variações e ao ensino em
geral. Relacionam, em suas escolhas, o ensino gramatical e a produção textual aos gêneros,
diante de outras opções, como tradução e escrita ou exercícios gramaticais e estruturais
isoladamente. Destacam, porém, a opção sobre estudo de gêneros relacionado à cultura dos
falantes da língua.
Para os professores, que escolheram, entre os gêneros ou tipos textuais, aqueles que
utilizam mais freqüentemente, têm destaque os textos literários e os textos de conteúdo
cultural, além dos informativos, que se referem aqui às notícias de jornal de forma geral.
Trabalha-se também com músicas e filmes, às vezes relacionados aos textos ou aos contos
literários, propiciando a reflexão sobre as culturas e sobre as características de cada
linguagem ou gênero.
A apresentação dos textos nos livros didáticos e no curso analisado, porém, não diz
respeito a uma organização curricular ou metodológica específicas sobre gêneros: na
apresentação de um dos livros didáticos utilizados há a referência, por exemplo, a diversos
enfoques metodológicos, que permitem o ensino gramatical e a comunicação.
87
Uma última questão que se aborda aqui e que se relaciona também aos limites do
trabalho ou à sua ligação com outras pesquisas, diz respeito ao método e aos livros didáticos
utilizados e que não chegaram a ser analisados com maior atenção no presente estudo.
Mascia propôs a análise dos contextos de formação das metodologias e entende que
ela traz esclarecimentos importantes sobre os métodos e sobre o ensino das línguas
estrangeiras. Refere-se ao caráter de ecletismo metodológico do método comunicativo, no
sentido de que, às habilidades a serem desenvolvidas foram acrescidas outras, referentes às
revisões por que passou: este é caso do estudo da gramática da língua e da interação cultural.
Nessas revisões não se leva em conta a heterogeneidade constitutiva do sujeito, na
análise de Mascia. Em outros estudos, questionam-se as concepções de comunicação e de
língua presentes nessa abordagem. As noções de discurso e de dialogismo, no sentido dado
por Bakhtin, são instrumentos importantes para essa pesquisa, assim como os saberes
provenientes da investigação sobre a prática em sala de aula.
Relacionam-se ao presente estudo, na área de Lingüística Aplicada, os referentes às
maneiras de explorar os gêneros em sala de aula e também as novas formas de apresentação
dos textos nos meios tecnológicos e as implicações dessas mudanças para a Educação e
para a formação do leitor.
88
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Líber
Livro Editora, 2005. Série Pesquisas. V.13
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APÊNDICE A
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Introdução: agradecer pela colaboração, esclarecer o objetivo da entrevista, pedir que no final
da entrevista faça sugestões/comentários.
Qual sua formação? (graduação, cursos de aperfeiçoamento e pós-graduação, cursos de
proficiência na língua).
Poderia falar sobre sua carreira como professora? (tempo de serviço, instituições em que
trabalhou, em que tipo de metodologia de ensino acredita).
Você aprendeu a Língua Espanhola a partir de que metodologia? (livro didático/ material de
apoio; prática de leitura/ tradução de textos/ tipo de exercícios, etc.).
Considerando experiência profissional e a sua formação contínua ou continuada, que
mudanças principais você identificaria em sua formação como professor(a) de línguas (novas
concepções de ensino, atitudes didáticas, etc.).
Gostaria que você falasse sobre o ensino do espanhol na instituição em que trabalha.
Objetivos
Metodologia (estratégias/freqüência)
Qual a carga horária de sua disciplina no curso de Letras/ UFPR?
_________ horas/aula por semana
Qual o sistema de divisão de períodos no Curso de Licenciatura?
( ) bimestral ( ) trimestral ( ) semestral
Outro: _______________________________________________________________
Número aproximado de alunos por turma: _________
96
Em sua opinião, como devem ser tratadas em sala de aula as variações da língua espanhola?
Qual é, em sua opinião, a adequação de utilizar uma metodologia com base em uma teoria de
gêneros para esse ensino em particular? E que dificuldades o professor encontraria para
utilizar esse recurso?
Entre esses exemplos de gêneros e tipos textuais, quais você geralmente utiliza nas atividades
de leitura?
( ) informativos
( ) científicos
( ) diálogos
( ) poemas
( ) histórias / contos literários
( ) mensagens / cartas
( ) letras de música
( ) anúncios / propaganda
( ) culturais
Que critérios utiliza na escolha e aproveitamento de materiais para o ensino das variações
lingüístico-culturais do espanhol?
97
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO
Data: ________ / ______/ ________
Prezado (a) formando do curso de Letras (espanhol) - (UFPR)
Respondendo este questionário você estará colaborando para o desenvolvimento da minha
pesquisa sobre o ensino de Espanhol – Língua estrangeira, na UFPR.
Instruções:
Responda com sinceridade cada questão (lembre-se que sua identidade será mantida no
anonimato)
Marque um X na(s) alternativa (s) de múltipla escolha ou numere as alternativas por ordem
de maior ou menor importância, se for o caso
Use os espaços para observações que julgar necessárias
Utilize o verso da folha se necessário.
98
Nome (opcional)
______________________________________________________________________
Sexo:
( ) feminino
( ) masculino
Você estuda espanhol no Curso de Letras, UFPR, para:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Você vai se formar em
( ) licenciatura
( ) licenciatura e bacharelado
Você estuda espanhol há _____ anos. (em geral)
Especifique: _________ anos em outro estabelecimento de ensino.
_________ anos no curso de Letras, na UFPR
Você já lecionou ou leciona língua espanhola em alguma escola ou curso?
( ) não
( ) sim. Qual? Quanto tempo de atividade profissional na área de línguas estrangeiras?
Marque as afirmativas com as quais você concorda ou, em ordem de importância, numerando
de forma crescente:
Em relação ao ensino de LE, você considera mais importante
( ) o ensino comunicativo para que a habilidade oral tenha prioridade.
( ) o ensino de gêneros para que o aluno desenvolva habilidades de escrita, principalmente,
e conhecimento da estrutura dos textos.
( ) prática de tradução, visando principalmente a habilidade de escrita.
( ) leitura em voz alta, priorizando habilidade oral
( ) exercícios estruturais, que favorecem a escrita e compreensão das estruturas da língua.
99
( ) exercícios a partir de textos para compreensão, sistematização gramatical ou estrutural da
língua.
( ) exercícios gramaticais de forma conjunta com outras atividades, de leitura ou tradução.
( ) desenvolvimento das habilidades comunicativas da língua a partir de diálogos que
simulam situações reais de uso da língua, porque o aluno aprende as habilidades lingüísticas
e desenvolve capacidades práticas em relação à LE.
( ) o ensino através de gêneros para que, através da diversidade e da leitura de textos
autênticos, o aluno desenvolva capacidades lingüísticas e ensejo de refletir sobre a cultura do
outro e sua própria cultura.
( ) ensino de gêneros que permite o desenvolvimento do espírito crítico e o hábito de
reflexão diante da leitura de qualquer texto pela identificação dos aspectos culturais e
ideológicos envolvidos.
Outros: (observações)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Como você aprendeu, em seu curso, as variações do espanhol?
( ) através de textos de literatura principalmente.
( ) atividades de uso da língua, conversação, diálogos.
( ) através de leitura de textos autênticos/ vários gêneros.
( ) aulas de gramática da língua, principalmente.
Observações: (especifique e comente a alternativa que você marcou).
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
100
Marque as afirmativas com as quais você concorda:
As práticas de leitura através de textos nas aulas do curso de licenciatura (espanhol)
( ) são feitas com textos de literatura, principalmente
( ) não são realizadas de forma sistemática
( ) são realizadas com grande variedade de tipos e gêneros textuais.
Nas aulas de leitura em Língua Espanhola. a maioria dos textos apresentados ao
aluno para leitura permite a reflexão (comparação) entre as diferentes culturas e
diferenças da língua dos falantes de espanhol?
( ) sim ( ) não
Observações:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Como, em sua opinião, deve ser conduzido o ensino das variações lingüísticas do espanhol?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Numere de 1 (mais importante) até 5 (menos importante):
( ) considero que é importante que o professor de espanhol escolha e utilize uma variante da
língua, como modelo para os alunos.
( ) o ensino das variações deve ser conduzido através de diálogos e conversação, pelo
método comunicativo de línguas.
( ) acho importante a apresentação de textos autênticos em sala de aula, para o ensino das
variações da língua e da cultura dos falantes de espanhol.
( ) o aluno deve escolher também uma variante do espanhol para utilizar em sua vida
profissional.
101
( ) o espanhol a ser ensinado deve ser o espanhol padrão e os termos diferentes serão
tratados como curiosidades (através de listas de palavras e expressões, por exemplo; ou
destacados quando aparecem nos textos).
Observações:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Como você pretende lidar, na sua atividade profissional, com o ensino das variações
lingüísticas da língua estrangeira (Espanhol)?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________