pontifÍcia universidade catÓlica do paranÁ … · 2013-01-30 · 3.1.2 o mito do desenvolvimento...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO EDUARDO IWAMOTO CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: FUNÇÃO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE CURITIBA/PR JANEIRO/2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

EDUARDO IWAMOTO

CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: FUNÇÃO SOCIAL,

DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

CURITIBA/PR

JANEIRO/2009

2

EDUARDO IWAMOTO

CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: FUNÇÃO SOCIAL,

DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Blanchet.

CURITIBA/PR

JANEIRO/2009

3

EDUARDO IWAMOTO

CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO: FUNÇÃO SOCIAL,

DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito.

Aprovada pela comissão examinadora abaixo assinada.

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Luiz Alberto Blanchet

Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PPGD Orientador

___________________________________________ Prof. Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho

Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PPGD Membro

___________________________________________ Professora Doutora Regina Maria Macedo Nery Ferrari

Universidade Federal do Paraná Convidado

Curitiba, ____ de _________ de 2009.

4

À Cleide, meu amor, meu conforto, meu carinho, meu tudo..., pela luz que me guia, pela alegria que me contamina e pelo amor que aquece minha vida!

5

AGRADECIMENTOS

À Deus por todas as coisas boas da vida. Aos meus pais Osvaldo Chizuo Iwamoto e Tereza Emiko Iwamoto que sempre me acompanharam em todos os momentos, estimulando, se preocupando e torcendo pelo sucesso. Com profundo amor, carinho e gratidão. Ao meu Tio Beto, pela amizade e pela ajuda imprescindível no início do curso de mestrado, muito obrigado! Aos meus irmãos e cunhadas por terem suportado minha ausência nas reuniões de família e me apoiado em todos os momentos. Aos meus sobrinhos, Allan, Gustavo, Isabela e Beatriz, que alegram minha vida. Agora o Tio pode brincar! Agradeço aos professores do PPGD da PUC/PR pelo convívio agradável e pelos inestimáveis ensinamentos. Ao Prof. Dr. Luiz Alberto Blanchet pela orientação do presente trabalho; por me acolher em seu escritório de advocacia; pelas edificantes e agradáveis horas de convívio e ensinamentos pessoal, profissional, moral e cultural; por inúmeras vezes me causar perplexidade com demonstrações de generosidade, caráter, bondade, equilíbrio e sabedoria incomparáveis; pelos gestos de amizade. Muitíssimo obrigado! À Profª Dra. Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa, pela sua dedicação ao magistério e pela simpatia sempre constante. À Cleide de Oliveira, companheira de todos os momentos, que desde a preparação para o concurso de ingresso ao mestrado tem dividido todas as emoções do curso, como noiva e colega de mestrado. Aos amigos que contribuíram direta ou indiretamente à conclusão do presente trabalho.

6

RESUMO

“Concessão do serviço público: função social, desenvolvimento e sustentabilidade”

intitula o projeto de pesquisa que se propõe executar, o qual se insere na linha de

pesquisa Estado, Atividade Econômica e Desenvolvimento Sustentável . O regime

jurídico administrativo da concessão de serviço público vincula diretamente o titular

da outorga, no exercício da atividade, aos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil, notadamente o desenvolvimento nacional. A noção de

desenvolvimento deve considerar três aspectos: social, econômico e ambiental. Os

quais devem se inter relacionar de forma harmônica e sustentável. O

desenvolvimento pode ser promovido por intermédio da função social da concessão

de serviço público, através do desenvolvimento de todos os agentes envolvidos na

atividade. Devido a importância econômico-social do tema a sua discussão no meio

acadêmico, bem como o aprofundamento do seu estudo, são necessários para

buscar alternativas com aplicações práticas a fim de viabilizar um desenvolvimento

sustentável da Sociedade com ênfase no bem-estar social e eficiência

administrativa.

Palavras-chave: Desenvolvimento, Sustentabilidade, Função Social, Serviço Público,

Cooperação, Regime Jurídico Administrativo, Regulação, Teoria do Contrato

Organização.

7

RÉSUMÉ

“Concession de service publique: fonction sociale, développement e soutenabilité”

sert de titre pour le projet de recherche qu’on se propose à exécuter, lequel est

compris dans la ligne de recherche État, Activité Économique et développement

soutenable. Le régime juridique administratif de la concession de service publique

conditionne l’exécution de l’activité par le concessionaire à l’observance directe des

objetivos fondamentaux de la République Fédérative du Brésil, notamment le

développement national. La notion du développement doit considérer trois aspects:

social, économique e environnemental. Ces aspects doivent avoir une action

réciproque harmonique et soutenable. Le développement peut être réalisé par

moyen de la fonction sociale de la concession de service publique, au moyen du

développement de tous les agents attachés à l’activité. À cause de l’importance

économique et sociale du thème, la discussion du sujet chez les académiciens, et

même l’approfondissement de son étude, deviennent nécessaires afin de chercher

des solutions alternatives par des applications pratiques dévouées à rendre possible

le développement soutenable de la société réalisé avec emphase sur le bien-être

social et l’efficience administrative.

Mots-clés: Développement, Soutenabilité, Fonction Sociale, Service Publique,

Coopération, Regime Juridique Administratif, Régulation, Téorie du Contrat

Organization.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10 2 SERVIÇO PÚBLICO....................................................................................... 13 2.1 Noções de serviço público.................................................................................13 2.2 Finalidade da conceituação de serviço público ................................................22 2.2.1 Regime jurídico administrativo .......................................................................23 2.2.2 Regime jurídico privado ..................................................................................29 2.3 Concessão de serviço público ...........................................................................31 2.3.1 Conceito ..........................................................................................................31 2.3.2 Natureza Jurídica ............................................................................................36 2.3.3 O poder de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares ................38 2.3.4 As relações jurídicas entre o Poder Público e o particular............................41 3. DESENVOLVIMENTO................................................................................... 45 3.1 Noções preliminares de desenvolvimento ........................................................45 3.1.1 Desenvolvimento como crescimento econômico...........................................46 3.1.1.2 Adam Smith e a Riqueza das Nações ........................................................48 3.1.1.3 Crescimento econômico ..............................................................................50 3.1.2 O mito do desenvolvimento ...........................................................................51 3.1.3 Desenvolvimento social ..................................................................................53 3.1.4 Desenvolvimento sustentável .........................................................................56 3.1.5 O desenvolvimento e a ordem jurídica brasileira ..........................................60 4 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA................................................................... 66 4.1 Breves considerações sobre a noção de empresa...........................................66 4.1.1 A teoria contratualista clássica.......................................................................67 4.1.2 A teoria contratualista moderna .....................................................................68 4.1.3 A teoria institucionalista publicista .................................................................69 4.1.4 A teoria institucionalista integracionista ou organizativa...............................70 4.1.5 A empresa sob a análise econômica do Direito ............................................71 4.1.6 A teoria do contrato organização ...................................................................72 4.2 O contrato de concessão sob a perspectiva da teoria do contrato organização..................................................................................................................................74 4.3 A função social da empresa ..............................................................................76 5 A FUNÇÃO SOCIAL DAS PRESTADORAS DE SERVIÇO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONÔMICO ............................................... 82 5.1 A função social da concessão de serviço público ............................................83 5.1.1 A análise da função social da concessão do serviço público na promoção do desenvolvimento. .....................................................................................................87 5.2 Instrumentos jurídicos aptos a exigir a realização da função social da concessão do serviço público ..................................................................................90 5.2.1 A alteração das cláusulas regulamentares e a promoção do desenvolvimento.......................................................................................................91 5.2.2 Regulação e desenvolvimento .......................................................................92 5.2.3 O controle pelas entidades civis e Ministério Público ...................................97 5.3 Alguns aspectos limitadores da abrangência da função social da concessão de serviço público.....................................................................................................99 5.3.1 Limites quantitativos da função social da concessão de serviço público .....99

9

5.3.2 Limites qualitativos da função social da concessão de serviço público .....100 5.4 O Teorema de Pareto como uma proposta de equacionamento entre a qualidade do serviço público e o lucro do particular.............................................102 6 CONCLUSÃO .............................................................................................. 108 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 111

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1 INTRODUÇÃO

A análise do Instituto concessão de serviço público a partir da função

social, do desenvolvimento e sustentabilidade, exige uma abordagem

multidisciplinar. Não apenas aquela relativa aos diversos ramos do Direito,

mas também de conceitos utilizados por outras ciências, especialmente a

Economia.

O presente trabalho se propõe a realizar uma análise jurídica sobre a

relação entre concessão de serviço público, função social e desenvolvimento,

apropriando-se, de forma pontual, de alguns elementos de diferentes áreas do

conhecimento, indiretamente relacionadas ao Direito, a fim de traçar algumas

considerações sobre a aplicação destes Institutos.

O interesse pelo assunto inspirou-se no, aparente, vazio conceitual de

determinados bens jurídicos, que, por sua demasiada abrangência teórica, ou

utilização desmesurada, muitas vezes inviabiliza sua aplicação concreta.

Por tal razão pretende-se, também, através do presente trabalho buscar

algumas respostas, de aplicação prática, sobre os Institutos da concessão de

serviço público, função social, desenvolvimento e sustentabilidade.

O enunciado “função social” pode ser analisado sob diversas perspectivas,

sejam elas sociais, políticas, antropológicas, econômicas, enfim, é um tema que

exige conhecimentos de diversas áreas.

Ao tratar da função social da concessão do serviço público, abordou-se o

tema sob a perspectiva jurídica, utilizando-se alguns conceitos de Economia já

empregados pelo Direito.

O termo “desenvolvimento”, objeto do presente estudo, é aquele relativo ao

Desenvolvimento Nacional, institucionalizado no artigo 3º, da Constituição de

1988, como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, cuja perspectiva

jurídica é evidente.

Não obstante sua natureza jurídica, foram utilizados alguns conceitos

multidisciplinares, a fim de apresentar algumas noções sobre a aplicação

concreta do mencionado preceito fundamental.

11

O presente trabalho possui quatro capítulos, quais sejam: o serviço público,

o desenvolvimento, a função social da empresa, e a função social das

prestadoras de serviço na promoção do desenvolvimento social e econômico.

O primeiro capítulo busca desenvolver algumas noções de serviço público,

os regimes jurídicos aplicáveis, o conceito de concessão de serviço público e

algumas relações jurídicas entre o Poder Concedente e o Particular.

O regime jurídico administrativo aplicado na Administração Pública foi

analisado, especificamente no que se refere ao serviço público, bem como foi

objeto de estudo a aplicação subsidiária de regime privado administrativo

proposto por Romeu Felipe BACELLAR FILHO (2007, p. 102).

No item referente à concessão de serviço público foram tratados alguns

dispositivos constitucionais e infraconstitucionais atinentes ao tema, bem como os

limites constitucionais de outorga do serviço público proposto por Celso Antônio

BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 636), a análise do regime jurídico aplicável nas

relações provenientes da concessão, a prerrogativa do Poder Público de alterar

unilateralmente as cláusulas regulamentares do contrato de concessão e as

relações jurídicas existentes entre o Poder Concedente e o concessionário.

No segundo capítulo foram abordadas algumas definições sobre

desenvolvimento, o qual, segundo José Eli da VEIGA (1948, p. 17), possui três

grandes correntes de interpretação. Uma que relaciona desenvolvimento com

crescimento econômico; outra que representa uma corrente crítica ao

desenvolvimento, por entender que é uma pretensão inexeqüível, utilizada pelos

países ricos para desviar o foco dos países subdesenvolvidos ou

semidesenvolvidos, às providências realmente importantes ao seu

desenvolvimento; a terceira via é uma saída mediana aos dois argumentos

anteriores, a qual inclui aspectos sociais no desenvolvimento.

O item desenvolvimento sustentável representa, de certa forma, a

“atualização” do conceito de desenvolvimento, fundamentado primordialmente

nos seguintes aspectos: econômico, social e ambiental.

Após a análise das noções de desenvolvimento, o último item do capítulo

trata de sua institucionalização no ordenamento jurídico e apresenta algumas

reflexões de Calixto SALOMÃO FILHO (2002, p. 41-56) para promoção do

desenvolvimento através da cooperação entre o Poder Público e os cidadãos.

12

O terceiro capítulo refere-se à função social da empresa, cuja construção é

feita através da análise da noção de empresa sob a perspectiva jurídico-

econômica, até o desenvolvimento da teoria do contrato organização.

O penúltimo item tratou de fundamentar uma possível análise do contrato

de concessão de serviço público pela teoria do contrato organização.

Ao final do capítulo analisou-se a possibilidade de existência de função

social da empresa e quais seriam seus limites.

O último capítulo abordou todos os elementos apresentados nos capítulos

anteriores, a fim de realizar a análise da existência ou não da função social da

concessão do serviço público na promoção do desenvolvimento nacional sem

comprometer os Direitos do particular titular da outorga.

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2 SERVIÇO PÚBLICO

2.1 Noções de serviço público

Dentre as tarefas mais árduas do Direito Administrativo sobressai a

definição de serviço público1. Muito já se discutiu e ainda se discutirá, ao que

parece, sobre o conceito dessa figura essencial para o Estado. Desde o seu

surgimento, o fenômeno a que denomina serviço público tem gerado muito mais

indagações do que respostas.

Afirmar-se simplistamente que toda atividade levada a efeito pelo Estado

seria serviço público2 há muito já se mostrou inútil e, pior, prejudicial para a busca

de uma definição juridicamente adequada para tal Instituto. E assim é,

especialmente porque, além da imprecisão e abrangência, o enunciado sofre

direta influência das expansões e contrações da atividade estatal.

A construção de um conceito universal de serviço público começa a ser

possível somente a partir do momento em que a Doutrina passa a buscar traços

comuns nas atividades desempenhadas pelo Estado, a fim de delinear

conceituações a partir de similaridades juridicamente relevantes. Uma plausível

análise relativamente ao serviço público leva à constatação de que sua

conceituação pode ser embasada na descrição de um fato; fato aqui, no sentido

de determinada atividade promovida direta ou indiretamente pelo Estado. A

constatação do fenômeno serviço público está vinculada, assim como a de outros

fenômenos igualmente relevantes para o Direito, a fatos; assim foi, por exemplo,

com um dos grandes momentos na evolução do Direito Administrativo: a

1 Nesse sentido: ODETE MEDAUAR, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, HELY LOPES MEIRELLES, MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO, e outros. 2 Escola do Serviço Público, cujos defensores afirmavam que o serviço público representava praticamente toda a Administração Pública.

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responsabilização do Estado3; a partir desse fato, a Doutrina desenvolveu

profícuos estudos sobre a atuação da Administração Pública.

A noção de serviço público reflete a forma de atuação do Estado, desse

modo, seu estudo representa uma análise política da relação entre o Estado e os

particulares.

Adelaide Musetti GROTTI (2003, p. 87) define bem a relação política da

atuação do Estado com a prestação de serviço público, ao defender que o povo

de cada país determina o que é serviço público em seu ordenamento jurídico, e

que a qualificação de determinada atividade como serviço público pode estar

fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes

em determinado momento histórico (GROTTI, 2003, p. 87).

Essa vinculação político-jurídica entre serviço público e vontade popular

pode variar de acordo com o critério utilizado, pois é possível identificar a noção

de serviço público com base em diversos de seus aspectos característicos.

Diógenes GASPARINI (2004, p. 277), seguindo a doutrina tradicional,

enfoca a noção de serviço público com base em três elementos característicos:

orgânico, material e formal4.

O aspecto orgânico ou subjetivo levaria a conceber o serviço público como

extensão de um organismo público. Dessa forma, a identificação do serviço

público vincular-se-ia à idéia de “um complexo de órgãos, agentes e meios do

Poder Público” (GASPARINI, 2004, p. 277).

Para GROTTI (2003, p. 43), o enfoque subjetivo tem ampla abrangência,

visto que se reporta a todas as atividades realizadas pelo Poder Público. Assim,

para se identificar um serviço como público, bastaria que tivesse como prestador

uma pessoa pública.

Em suma, a característica subjetiva trata da vinculação funcional direta da

atividade à Administração Pública. Problema, todavia, de difícil solução é

discernir das atividades que efetivamente se caracterizam como serviço público,

aquelas que, embora exercidas pelo Poder Público, não sejam serviços públicos,

tais como as funções legislativas e judiciárias.

3 Caso BLANCO, decisão paradigmática que tratou de uma ação de responsabilidade civil do Estado, em relação ao pedido de indenização formulado pelo pai da menina Agnes Blanco, atropelada por um vagão de trem pertencente ao Estado Francês, julgado pelo Tribunal de Conflitos em 08 de Fevereiro de 1873 4 O Autor define estes elementos característicos como sentidos.

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A afirmação no sentido de que todas as atividades desenvolvidas pelo

Estado seriam serviços públicos, além de absorver as atividades efetivamente

relativas a serviço público e abarcar tantas outras que não o são, resulta em outro

problema: torna discutível a caracterização da atividade na hipótese de outorga

da execução de serviço público a particulares. Contudo, a característica orgânica

ou subjetiva predominou durante o apogeu da teoria do serviço público na

França, tanto na jurisprudência quanto na doutrina (GROTTI, 2003, p. 44).

O século XX foi um período de surpreendentes mudanças. Contrapondo-se

ao período Liberal, o Estado passou a intervir diretamente na Economia, sob a

influência de economistas como John Maynard KEYNES, que defendiam a

atuação do Estado na macroEconomia para realizar a manutenção do mercado.

Desse modo, determinadas atividades econômicas que competiam

exclusivamente aos particulares passaram a ser desempenhadas diretamente

pelo Estado. Essa nova forma de atuação estatal aumentou significativamente a

quantidade de órgãos públicos, tornando extremamente onerosa sua

manutenção.

O demasiado inchaço da máquina estatal culminou na “crise fiscal”, que a

partir da década de 1970, propiciou um movimento de privatização e, pois,

retração da esfera pública5.

A partir desse novo panorama, a Doutrina Nacional6 buscou novos

elementos para traduzir uma noção satisfatória de serviço público. O foco da

definição de serviço público deixou de ser vinculação da atividade com o Poder

Público, passando a ser aquelas atividades que tivessem por objeto a satisfação

de necessidades ou interesses gerais, coletivos, públicos, de utilidade coletiva,

etc. (GROTTI, 2003, p. 44-45).

A característica material do serviço público, segundo BANDEIRA DE

MELLO (2004, p. 623-624) trata de prestações consistentes no oferecimento de

utilidades ou comodidades materiais aos usuários em geral, que podem ser

fruíveis singularmente, e que o Estado assume como próprias, por serem

consideradas imprescindíveis, necessárias ou correspondentes a conveniências

5 Os instituto da concessão passou a ser utilizado de forma mais ampla, destaque-se que a concessão não era novidade à época, pois muito antes os serviços públicos eram outorgados pelo Poder Público. 6 Celso Antônio Bandeira de Mello, Marçal Justen Filho, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Hely Lopes Meirelles, etc.

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básicas da sociedade em dado momento histórico, atividade prestada sob regime

de Direito público, diretamente ou por meio de alguém qualificado para tanto.

Assim, o aspecto material do serviço público refere-se àquelas atividades

que tenham por finalidade satisfazer o interesse geral, ou até mesmo realizar as

funções essenciais do Estado, sendo prestadas diretamente ou não.

A crítica ao critério centrado na característica material incide justamente

sobre a indefinição da expressão interesse público. Admitir que determinada

atividade trata de serviço público justamente por atender aos interesses da

sociedade não parece ser o critério mais adequado para atribuir status de serviço

público.

BANDEIRA DE MELLO (GROTTI, 2003, p. 50 apud 1991,p. 167 ) adverte

que admitir status de serviço público exclusivamente a atividades que atendam às

necessidades coletivas, repercutiria na aplicação do regime jurídico de Direito

público sobre atividades que não guardam qualquer relação com a Administração

Pública, pois se forem consideradas determinadas atividades como serviço

público exclusivamente em razão de sua própria natureza, necessariamente

prescindir-se-ia da previsão legal reconhecendo seu status de serviço público.

Conforme BANDEIRA DE MELLO (GROTTI, 2003, p. 50 apud 1991,p. 167),

tal conceituação não serve ao jurista, visto que o intérprete, juiz ou doutrinador,

deve examinar o que a lei determina, e não o que a lei deveria determinar.

Na mesma linha de raciocínio, GROTTI (2003, p. 49) argumenta que definir

se determinada atividade está ou não de acordo com as necessidades e anseios

da coletividade, não compete ao jurista, e sim ao economista, ao sociólogo, etc.,

em auxílio ao legislador, já que deve considerar aspectos que ainda não são

jurídicos. Destarte, tais considerações teriam sua utilidade ao auxiliar o legislador

na criação normativa e não posteriormente ao jurista ao aplicar a norma.

Dessa forma, é possível concluir que a presença por si só do aspecto

material não é suficiente para definir um serviço como público.

Em contraposição ao aspecto material, o aspecto formal notabilizou-se por

tratar de atividades sujeitas ao regime jurídico de Direito público.

O critério formal também sofreu críticas.

Eros Roberto GRAU (1998, p. 139-140) critica a definição de serviço

público pelo substrato formal, por sua impropriedade semântica. Segundo esse

critério, serviço público é conceituado como atividade sujeita a regime de serviço

17

público, ocorre que a atividade está sujeita a regime de serviço público porque é

serviço público, e não ao contrário.

Não se pode conceituar um objeto pelo seu efeito, mas sim pelos traços

que o caracterizam, os quais, em se tratando de Instituto jurídico, devem

necessariamente ter base normativa.

O critério formal ainda considera que nem toda atividade submetida a

regime de Direito público representa serviço público, pois existem atividades que

se submetem a regime jurídico de Direito público, contudo não são abrangidas

por esse regime (Carlos Alberto Martins RODRIGUES, 1981, p. 143).

Por outro lado, existem atividades que se sujeitam a normas que

integrariam o chamado regime de Direito privado, no entanto são considerados

como serviços públicos (GROTTI, 2003, p. 52). Não é, enfim, recomendável que

se busque sempre identificar um determinado regime como de Direito público ou

de Direito privado, e sempre, e só, ou um ou outro. O que há efetivamente são

situações concretas que repercutem sobre interesses jurídicos, daí a necessidade

de se identificar os comandos normativos que sobre tal situação incide; ao se

identificar tais comandos, identifica-se o tratamento jurídico pertinente e, pois, o

regime jurídico próprio daquela situação concreta. Falar-se em regime jurídico-

administrativo é, portanto, muito mais apropriado do que continuar-se a utilizar as

vetustas expressões regime público e regime privado.

O estudo dos três aspectos desenvolveu-se por um processo de

superações, consoante GROTTI (2003, p. 45), em princípio o aspecto orgânico foi

utilizado para definir serviço público, restando superado pelo aspecto material, a

partir do momento em que o Estado passou a transferir a execução de algumas

atividades a particulares. Finalmente, a concepção material foi substituída pela

concepção formal que definiu o conceito de serviço público pela aplicação do

chamado regime jurídico de Direito público. Ocorre que esse critério também foi

superado, porque aplicado isoladamente não é suficiente para fornecer definição

jurídica segura para serviço público.

A saída encontrada pela Doutrina nacional foi mesclar duas das

concepções, ou até mesmo as três, para propor noções de serviço público7.

7 Nesse sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Zanella Di Pietro, Luiz Alberto Blanchet, Odete Medauar e outros.

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Hely Lopes MEIRELLES (1989, p. 289) conceitua serviço público, como

toda atividade prestada diretamente pela Administração Pública ou por seus

delegados, para satisfazer necessidades “essenciais ou secundárias” da

coletividade, ou simples conveniência do Estado, sob normas e controles

estatais. Segundo o Autor, serviços essenciais são aqueles necessários para a

sobrevivência do grupo social e do próprio Estado8; tais atividades somente

poderiam ser prestadas diretamente pelo Estado, pois exigem atos de império e

medidas compulsórias em relação aos administrados (MEIRELLES, 1989, p. 289).

Por outro lado, os serviços secundários seriam aqueles que objetivam “facilitar a

vida do indivíduo na coletividade”, colocando à disposição do usuário utilidades

que lhe proporcionarão mais conforto e bem-estar9, podendo ser prestado por

particulares mediante remuneração (MEIRELLES, 1989, p. 290).

Apesar da caracterização marcantemente material, MEIRELLES (1989, p.

289) ressalta que não é a atividade em si que tipifica o serviço público, mas sim a

vontade soberana do Estado. Assim, o Autor apresentou um conceito híbrido

unindo as características formal e material.

Ocorre que o conceito de serviço público apresentado por MEIRELLES é

demasiadamente amplo, visto que não distingue função legislativa e judiciária do

Estado e poder de polícia entre outras atividades não consideradas como serviço

público.

Luiz Alberto BLANCHET (2004, p. 55) é mais preciso em seu conceito de

serviço público. O Autor leciona que serão considerados serviços públicos

aquelas atividades que sejam assim consideradas por força de normas

constitucionais ou legais, podendo ser prestadas diretamente pelo Estado ou por

aqueles a quem foi outorgada a execução, ainda que nem a Constituição nem a

lei tenham sequer utilizado a expressão serviço público, pois o que interessa é a

essência e não o rótulo. Contudo, a atividade submete-se permanentemente ao

regime jurídico-administrativo, visando à satisfação de necessidades ou criação

de utilidades de interesse coletivo.

Tal definição conjuga os critérios formal e material, remetendo ao

legislador a competência para determinar a materialidade do que será

considerado serviço público.

8 Atividades como defesa nacional, polícia, preservação da saúde pública, etc. 9 Tais como: transporte coletivo, energia elétrica, gás, telefone, etc.

19

O Autor vincula as atividades relativas ao serviço público à determinação

da Constituição e das leis, podendo ser executadas pelo Estado ou por

particulares. O Autor corresponde à parte da Doutrina10 que vincula a atividade

administrativa aos ditames normativos, tendo por base maior as normas

constitucionais, porém, define o objeto do serviço público como aquelas

atividades relativas à satisfação de necessidades ou à criação de utilidades de

interesse coletivo.

Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (2006, p. 114) afirma que a

materialidade da atividade considerada como serviço público decorre de lei, cujo

objetivo é a satisfação das necessidades coletivas, sendo prestado diretamente

pelo Estado ou por seus delegados, podendo ainda ter regime jurídico total ou

parcialmente público. Além de determinar objetivamente o que é interesse

público, a Autora considera necessária a determinação legal, admitindo que o

serviço público não se submete apenas a regime jurídico público, mas também a

regime privado. O enfoque de DI PIETRO corrobora a superação da clássica

dicotomia do Direito, público e privado, e converge para o posicionamento de

Celso Antônio que alude a regime jurídico-administrativo e não a regime de

Direito público.

Do mesmo modo, tal afirmação exerce impacto em relação aos pilares

mais profundos do ordenamento jurídico, pois é possível admitir regime jurídico

híbrido de determinadas atividades consideradas como serviço público; ao se

utilizar o termo, faz-se apenas para facilitar o entendimento, pois seu sentido

pressuporia a existência dos dois domínios – Direito público e Direito privado. O

regime jurídico do serviço público repercute também, naturalmente, no regime

jurídico das prestadoras do serviço, e este é um dos pontos fundamentais para os

fins do presente estudo, pois é um dos elementos que vai determinar a

abrangência11 da função social da empresa.

JUSTEN FILHO (2006, p. 487), por outro lado, salienta que o escopo do

serviço público é a satisfação de necessidades individuais ou transindividuais,

materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um Direito fundamental, sob

regime de Direito público. JUSTEN FILHO (2006, p. 487) fundamenta ainda que

10 Neste sentido Romeu Felipe Bacellar e Marçal Justen Filho. 11 O termo abrangência foi adotado para determinar o tratamento jurídico das prestadoras de serviço público e seu regime jurídico, pois, em se tratando de regime jurídico público, possui tratamento diferenciado.

20

é uma atividade pública e administrativa, pois é de titularidade exclusiva do

Estado podendo sua execução ser outorgada a particulares. O raciocínio

pressupõe naturalmente a competência constitucional, de que é titular o Estado,

para promover a realização dos Direitos fundamentais, e se cinge ao âmbito da

atividade administrativa, excluídas, portanto, as funções legislativa e jurisdicional.

A inovação trazida pelo Autor foi vincular a materialidade do serviço público

à concretização de um Direito fundamental e não a um interesse coletivo. Ao

realizar uma análise perfunctória constata-se que determinados serviços públicos

não guardam vinculação direta com Direitos fundamentais, como ocorre com os

serviços de: loteria federal e esportiva, dragagem, etc. Ademais, ao se vincular

diretamente um interesse a um Direito fundamental pode-se muitas vezes incorrer

em considerações objetivamente vazias, visto que não são raros os Direitos

fundamentais cujo alcance atinge amplitude tal que, não raro costeia a fluidez 12.

BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 620) é mais preciso em sua definição,

pois limita-se àquelas atividades que oferecem utilidades ou comodidades

materiais, cujo objetivo é a satisfação da coletividade em geral, podendo ser

prestado diretamente ou indiretamente, sob regime de Direito administrativo,

tutelando interesses de natureza pública por definição expressa ou implícita do

ordenamento jurídico.

O conceito apresentado é mais preciso quanto à definição de serviço

público. Tal conceito será utilizado como “definição orientadora” de serviço

público, com a utilização maior ou menor dos conceitos trazidos por outros

Autores.

Contudo, há que se ponderar alguns aspectos de alta relevância jurídica

acerca da noção de serviço público.

Em primeiro lugar, o serviço público possui fluidez conceitual inerente à

sua própria natureza. A atividade estatal denominada “serviço público”, nada mais

é do que a manifestação das opções políticas de um determinado Estado em

determinada época. Desse modo, a apresentação de um conceito universal de

serviço público subsiste apenas até o momento que se apresente um novo

conceito, ou seja, a definição de serviço público está sujeita a constantes

12 Direitos fundamentais como: dignidade da pessoa humana, Direito de liberdade, Direito à educação, Direito à saúde, etc.

21

modificações, aprimorando-se de acordo com a evolução do Estado e da

sociedade.

Outra situação relativa à definição de serviço público é a incapacidade do

jurista, ou operador do Direito, em determinar o conteúdo material de interesses

público, coletivo, local, etc. Tal atribuição compete ao sociólogo, ao antropólogo,

ao economista, cuja orientação permitirá ao político definir quais atividades serão

consideradas serviço público (GROTTI, 2003, p. 49). O jurista passa a analisar a

partir da incorporação da atividade no ordenamento jurídico.

Diante da remessa de competência da Constituição ao legislador

infraconstitucional em definir o que é serviço público, a Doutrina13 constatou que

determinadas atividades possuem regime jurídico misto, ora público, ora privado.

Veja-se como exemplo a concessão de serviço público. O regime jurídico da

prestação do serviço público é de Direito público, mas os contratos firmados com

a concessionária relativos à prestação do serviço são de natureza privada14.

Dessa ponderação é possível afirmar que, em tese, cada serviço público possui

regime jurídico diferente, devendo cada delegação ser analisada de acordo com

suas peculiaridades. Nesse sentido, determinado serviço público “A” diante de

suas peculiaridades admite a aplicação de princípios ou normas de Direito

privado, como exemplo o Código de Defesa do Consumidor15, por outro lado,

determinado serviço público “B”, não admite a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor, mas sim a Lei de Transporte Rodoviário de Cargas, que possui

natureza mercantil (comercial)16. Tal situação já reflete a complexidade dos

regimes jurídicos híbridos, denominado por BACELLAR FILHO (2007, p. 102) de

Direito privado administrativo, presentes nos casos demonstrados.

Dessa forma, o regime jurídico do serviço público deve ser analisado de

acordo com as peculiaridades de cada atividade de acordo com a evolução da

função administrativa do Estado, bem como da sociedade.

13 Marçal Justen Filho e Maria Zanella di Pietro. 14 Neste sentido, têm-se as operadoras de telefonia móvel, em que a relação jurídica entre o usuário e o concessionário é natureza de Direito privado, em que pese à regulação por agências. 15 Nesse sentido o serviço de telefonia. 16 Nesse sentido o transporte de derivados de petróleo.

22

2.2 Finalidade da conceituação de serviço público

O estudo sobre o conceito de serviço público é fundamental para identificar

qual o regime jurídico incide sobre a atividade. Principalmente em relação

àqueles serviços públicos outorgados a particulares, cujo regime jurídico definirá

a incidência das normas e princípios orientadores correlatos. Esta avaliação

(aplicação de regime jurídico correspondente) possui influência direta na tomada

de decisão sobre a forma de gestão do particular, do serviço público e do usuário.

Em outras palavras, o regime jurídico definirá os princípios a serem utilizados na

elaboração de regras procedimentais na consecução ao bom funcionamento do

serviço público, orientará a forma de tratamento ao usuário, o regime de

responsabilidade do particular titular da outorga, o regime tarifário, a qualidade do

atendimento ao usuário, etc.

Uma vez definido o regime jurídico aplicável ao serviço público as regras e

princípios oriundos desse regime aplicam-se de forma sistêmica. Assim,

determinadas obrigações decorrentes do regime jurídico adotado, os quais

necessariamente não possuem relação direta com o serviço prestado, devem ser

considerados na gestão da execução do serviço público. Tome-se, por exemplo,

a maior vinculação do particular prestador de serviço público ao desenvolvimento

nacional, um dos objetivos fundamentais da República do Brasil, na hipótese de

regime de Direito público. Do mesmo modo, no caso de regime de Direito privado

a utilização de valores na interpretação dos contratos como a prevalência da

intenção sobre a forma nas declarações de vontade, conforme o artigo 112, do

Código Civil.

Além da verificação do regime jurídico aplicável sobre o serviço público em

questão devem ser consideradas também aquelas outras obrigações, não

diretamente relacionadas com a prestação do serviço, que devem ser

consideradas de acordo com o regime jurídico adotado. Ao se afirmar que

determinada atividade submete-se a regime de Direito público, é interpretar e

aplicar regras e princípios decorrentes desse regime, contudo, ao verificar a

existência de regime de Direito privado, é interpretar e aplicar regras e princípios

decorrentes desse outro regime.

23

Não obstante a aparente contradição da aplicação de dois mundos tão

distintos (público e privado) sobre um único objeto (o serviço público outorgado),

o ordenamento jurídico é um sistema constitucional, portanto, os dois regimes

jurídicos devem coexistir de forma harmônica (BACELLAR FILHO, 2007, p. 81).

O serviço público, consoante demonstrado anteriormente, possui grande

indefinição conceitual, todavia, o que se percebe é que não é apenas o conceito

de serviço público que se encontra em questionamento, a própria noção de

Direito público e Direito privado encontram-se em crise.

A definição do regime jurídico do serviço público outorgado pela

Administração é um instrumento importante para analisar a relação dessas

empresas com o desenvolvimento, sustentabilidade e responsabilidade social.

É importante destacar que as empresas que executam serviços públicos

em nome do Estado possuem função social ainda maior do que as empresas

privadas sem nenhuma relação com a Administração, pois, além da

universalização do serviço público ser considerada como instrumento de

realização de Direitos fundamentais, a aplicação conjunta da natureza jurídica

privada e pública admite uma nova perspectiva do sistema jurídico brasileiro.

Contudo admitir uma natureza jurídica “mista” do serviço público outorgado

não é das tarefas mais simples, prescinde de análise dos aspectos de cada

regime jurídico.

2.2.1 Regime jurídico administrativo

O Direito público é um grande ramo do Direito, abrangendo uma série de

outros ramos de estudo. Basicamente refere-se a determinados bens jurídicos

submetidos à tutela específica em razão da valoração imposta pelo ordenamento

jurídico.

Esses bens jurídicos com especial tutela do Estado possuem normas

próprias tais como: Direito penal, Direito internacional, Direito do trabalho, Direito

tributário, Direito administrativo, Direito constitucional, Direito militar, etc.

24

Evidentemente que apesar desses ramos do Direito pertencerem ao

mesmo grande grupo, Direito Público, possuem regras e princípios específicos e

distintos entre si.

Com base nessa observação, BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 45-50)

corretamente delimitou o sistema jurídico relativo à função administrativa do

Estado ao regime jurídico-administrativo; afirma que justamente esse conjunto de

normas e princípios é que lhe conferem identidade:

Diz-se que há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dão identidade, diferenciando-as das demais ramificações do Direito. Só se pode, portanto, falar em Direito Administrativo, no pressuposto de que existam princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação lógica de coerência e unidade compondo um sistema ou regime: o regime jurídico-administrativo. A farta e excelente bibliografia internacional de Direito Administrativo não tem, infelizmente, dedicado de modo explícito atenção maior ao regime administrativo, considerado em si mesmo, isto é, como ponto nuclear de convergência e articulação de todos os princípios e normas de Direito administrativo. Quer-se com isto dizer que, embora seja questão assente entre todos os doutrinadores a existência de uma unidade sistemática de princípios e normas que formam em seu todo o Direito Administrativo, urge incrementar estudos tendentes a determinar, de modo orgânico, quais são abstratamente os princípios básicos que o conformam, como se relacionam entre si e quais os subprincípios que deles derivam. Pretende-se que é instrumento útil para evolução metodológica do ramo do Direito Administrativo considerar o regime administrativo enquanto categoria jurídica básica, isto é, tomado em si mesmo, ao invés de considerá-lo apenas implicitamente, como de hábito se faz, ao tratá-lo em suas expressões específicas consubstanciadas e traduzidas nos diferentes institutos. Acredita-se que o progresso do Direito Administrativo e a própria análise global de suas futuras tendências dependem, em grande parte, da identificação das idéias centrais que o norteiam na atualidade, assim como da metódica dedução de todos os princípios subordinados e subprincípios que descansam, originariamente, nas noções categorias que presidem sua organicidade. O que importa sobretudo é conhecer o Direito Administrativo como um sistema coerente e lógico, investigando liminarmente as noções que instrumentalizam sua compreensão sob uma perspectiva unitária. É oportuno aqui recordar as palavras de Geraldo Ataliba: “O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior.” “A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema.” A este sistema, reportado ao Direito administrativo, designamos regime jurídico-administrativo.

25

O regime jurídico-administrativo na qualidade de sistema específico,

coerente e harmônico com o ordenamento jurídico, possui como fundamentos

dois princípios primordiais que lhe conferem a identidade proposta por

BANDEIRA DE MELLO, quais sejam: supremacia do interesse público sobre o

privado; indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.

Nesse ponto, é necessário fazer uma ressalva. O “interesse público”

apresentado nesses princípios possui característica instrumental diferente do

“interesse público” utilizado para definir o serviço público anteriormente

analisado.

O “interesse público” relativo ao serviço público refere-se a um interesse

coletivo promovido pelo Poder Público na realização de atividades que geram

facilidades e comodidades à Sociedade. O papel do Instituto jurídico do “interesse

público” nesse caso é instrumental, mas a definição material do que é “interesse

público” cabe ao legislador.

Por outro lado, o “interesse público” relativo aos princípios da supremacia

do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade dos interesses

públicos possui abrangência ainda maior, pois trata da relação do indivíduo

perante a Administração Pública. Segundo BANDEIRA DE MELLO (2004, p.

52/53) é um interesse geral singularmente considerado:

O que fica visível, como fruto destas considerações, é que existe, de um lado, o interesse individual, particular, atinente às conveniências de cada um no que concerne aos assuntos de sua vida particular – interesse, este, que é da pessoa ou grupo de pessoas singularmente consideradas -, e que, de par com isto, existe também o interesse igualmente destas mesmas pessoas ou grupos, mas que comparecem enquanto partícipes de uma coletividade maior na qual estão inseridos, tal como nela estiveram os que os precederam e nela estarão os que virão a sucedê-los nas gerações futuras. Pois bem, é este último interesse o que nomeamos de interesse do todo ou interesse público. Não é, portanto, de forma alguma, um interesse constituído autonomamente, dissociado do interesse das partes e, pois, passível de ser tomado como categoria jurídica que possa ser erigida irrelatadamente aos interesses individuais, pois, em fim de contas, ele nada mais é que uma faceta dos interesses dos indivíduos: aquela que se manifesta enquanto estes – inevitavelmente membros de um corpo social – comparecem em tal qualidade. Então, dito interesse, o público – e esta já é uma primeira conclusão -, só se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no presente e das que o integrarão no futuro. Logo, é destes que, em última instância, promanam os interesses chamadas públicos.

26

Dessa definição, é possível concluir duas situações: o interesse público

prevalece sobre o privado, uma vez que possui como fundamento o interesse

individual, mesmo que contrarie um interesse pessoal, de manutenção do corpo

social ou coletivo; o interesse público representa os interesses do Estado.

BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 58) ressalva que suas considerações

sobre interesse público constituem apenas uma referência sobre sua estrutura, e

que caberia ao Direito Positivo qualificar os diversos interesses como públicos.

No mesmo sentido, entende-se que cumpre ao político a análise do que se

considera interesse público, ao jurista cabe o papel de analisar o Direito.

Com base nessas considerações é possível identificar o conteúdo jurídico

dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da

indisponibilidade dos interesses públicos.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, como o

próprio nome diz, trata da prevalência do interesse coletivo sobre o individual na

hipótese de embate entre os dois interesses (GASPARIN, 2004, p. 19).

A tutela diferenciada segundo Luiz Alberto BLANCHET (2004, p. 12), não

contraria o princípio da isonomia nem suprime o interesse privado, ao contrário, a

supremacia do interesse público decorre do princípio da isonomia, pois a

igualdade se aplica proporcionalmente de acordo com as peculiaridades de cada

um: “o titular do interesse público apresenta peculiaridades juridicamente

diferentes do titular do interesse privado.” Desse modo, não há incompatibilidade

nenhuma desse princípio com o ordenamento jurídico.

BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 60-64) apresenta duas conseqüências ou

princípios subordinados: posição privilegiada de zelar pelo interesse público nas

relações com os particulares; supremacia em relação ao particular.

A primeira refere-se aos instrumentos que a Administração Pública possui

a fim de assegurar o bom desempenho na proteção dos interesses públicos em

relação aos particulares, tais como: fé-pública; prazos processuais maiores em

relação aos particulares; prazos especiais para prescrição em que é parte o

Poder Público; inversão de ônus da prova; etc. (BANDEIRA DE MELLO, 2004, p.

61).

A segunda refere-se à Autoridade que a Administração Pública possui

perante os particulares, relativa aos atos de gestão dos interesses públicos em

conflito com os interesses privados, tais como: constituir obrigações perante os

27

particulares de forma unilateral; modificar relações já estabelecidas de forma

unilateral; etc. (BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 61).

A supremacia do interesse público sobre o privado visa tão-somente tutelar

interesses da coletividade, possuindo tratamento diferenciado e Autoridade

perante os particulares.

A indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos trata a

impossibilidade da Administração Pública, ou quem quer que seja, de dispor dos

interesses ditos públicos, por serem inapropriáveis. Conforme BANDEIRA DE

MELLO (2004, p. 65): “Em suma, o necessário – parece-nos – é encarecer que

na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre

disposição da vontade do administrador”.

A titularidade dos interesses públicos é do Estado e não da Administração.

O Estado exerce a tutela dos interesses públicos por meio de sua função

administrativa, mas dispõe sobre estes interesses pela ordem legal.

Decorrentes da indisponibilidade dos interesses públicos, BANDEIRA DE

MELLO (2004, p. 65-66) aponta alguns princípios necessários para a realização

das finalidades pretendidas:

a) da legalidade, com suas implicações ou decorrências; a saber: princípios da finalidade, da razoabilidade, de proporcionalidade, da motivação e da responsabilidade do Estado; b) da obrigatoriedade do desempenho de atividade pública e seu cognato, o princípio da continuidade do serviço público; c) do controle administrativo ou tutela; d) da isonomia, ou igualdade dos administrado em face da Administração; e) da publicidade; f) da inalienabilidade dos Direitos concernente a interesses públicos; g) do controle jurisdicional dos atos administrativos.

O regime jurídico-administrativo possui como base estrutural a supremacia

do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade dos interesses públicos

e dos princípios decorrentes. Contudo, esses princípios não encerram a

totalidade dos princípios a serem considerados no regime jurídico-administrativo,

especialmente em relação ao serviço público prestado por particulares.

28

A Constituição da República em seu artigo 17517 determina expressamente

que o Poder Público determinará, nos termos da Lei, o regime das empresas

concessionárias. O comando prescrito no artigo supra-citado, além de remeter à

competência de definição do regime jurídico dos concessionários, Autoriza que o

seja feito por normas infra-constitucionais, agências reguladoras e poder de

alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares do contrato de concessão.

O fato de o serviço público ser executado por particular não lhe retira a

natureza nem a titularidade do Poder Público, vinculando-o aos comandos do

artigo 3718da Constituição da República aos princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Dessa forma, há vinculação constitucional expressa das empresas

particulares que possuem a outorga, e não a titularidade, da prestação do serviço

público ao regime jurídico–administrativo.

Além dos princípios próprios do Direito administrativo, a função

administrativa do Estado deve estar de acordo com os comandos constitucionais,

tais como os objetivos fundamentais da República positivados no artigo 3º da

Constituição da República como: construir uma sociedade livre, justa e solidária;

garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação. Estes princípios possuem aplicação imediata e eficácia

vertical em relação à prestação do serviço público (Ingo Wolfgang SARLET, 2001,

p.242).

Apesar da natureza jurídica privada, os concessionários do serviço público

não deixam de possuir maior vinculação no cumprimento da função social

decorrente de comandos constitucionais explícitos e implícitos em relação a

empresas privadas que não possuem vinculação com o Poder Público.

17 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; 18 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

29

É claro que a Administração Pública não pode transferir ao particular titular

da outorga a tarefa de promover justiça social por meio da função social. O poder

de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares do Poder Concedente

deve estar respaldado aos princípios do Estado Democrático de Direito e ao

Direito do outorgado em restabelecer o equilíbrio financeiro do contrato.

2.2.2 Regime jurídico privado

Conforme os ensinamentos de BACELLAR FILHO (2007, p. 80-87), não é

exclusividade do Direito público sofrer inúmeros questionamentos acerca de sua

definição, o Direito privado também padece de crise conceitual.

Segundo o Autor, um dos fatores responsáveis pela crise da dicotomia

Direito privado e público é a adoção do conceito de supremacia da Constituição e

a sua penetração em toda a malha do ordenamento jurídico (BACELLAR FILHO,

2007, p. 81).

Em contraposição ao individualismo e materialismo do Código Civil de

1916, o atual Código Civil e diversas leis esparsas possuem direta relação com

os princípios e valores introduzidos pela Constituição de 1988, fenômeno

denominado “constitucionalização do Direito Civil”.

A introdução de valores no Direito Civil em contraposição ao materialismo

do início do século XX modificou profundamente as relações contratuais civis do

ordenamento jurídico brasileiro, tais como: boa-fé19; prevalência da intenção

sobre a forma nas declarações de vontade20; validade dos atos atrelada à ordem

pública, bons costumes e inocorrência de arbítrio21; inversão do ônus da prova

em relação à parte hipossuficiente22, etc.

Renato ALESSI (1978, p. 18 apud BACELLAR, 2007, p. 97) apresenta duas

diferenças básicas entre os regimes jurídicos público e privado. A primeira refere-

se à natureza distinta dos dois regimes, submetendo-se a sistemas de regras e

19 Código Civil arts. 113, 187, e 422. 20 Código Civil art. 112. 21 Código Civil art. 122. 22 Código de Defesa do Consumidor art. 6º.

30

princípios independentes entre si. No entanto, admite a possibilidade de a

Administração Pública aplicar de forma excepcional normas disciplinadoras de

Direito Privado.

A segunda diferenciação refere-se aos “princípios inspiradores dos dois

ordenamentos, ligados à diversidade de natureza e de posição jurídica dos

sujeitos.” (1978, p. 18-19 apud BACELLAR FILHO, 2007, p. 97).

A diferença entre o status dos sujeitos também decorre do regime jurídico

aplicável à espécie. No Direito Privado, o tratamento dos sujeitos se baseia na

igualdade jurídica, que por meio do sistema normativo admite a prática de

tratamento diferenciado perante uma das partes a fim de sujeitá-los à igualdade

material. Em contrapartida, o Direito Público está calcado na superioridade do

sujeito público em relação ao sujeito privado.

Esse tratamento desproporcional traduz-se na superioridade de valores ou

de interesses (públicos ou coletivos) e nas prerrogativas instrumentais para a sua

consecução.

Contudo, consoante ALESSI, a Administração Pública nem sempre se

encontra em posição de supremacia, e excepcionalmente pode se submeter aos

princípios de Direito privado.

Porém, esse regime de Direito privado não é idêntico ao regime aplicado

entre particulares sustenta Maria João ESTORNINHO (1996, p. 351 apud

BACELLAR FILHO, 2007, p. 102), pois os limites da aplicação dos Direitos

público e privado já não subsistem devendo a Administração Pública aplicá-los de

forma conjugada em cada caso.

Segundo ESTORNINHO (1996, p. 360 apud BACELLAR FILHO, 2007, p.

103), dois movimentos contribuíram para essa situação: a publicização do Direito

privado (causado pela invasão do Direito Público nos mais variados setores da

vida social) e a privatização de setores administrativos (alargamento da

Administração Pública sob formas jurídico-privadas).

Dessa forma é possível admitir o tratamento jurídico privado em relações

jurídicas de cunho eminentemente de Direito público, uma vez que a dicotomia do

Direito entre privado e público já demonstra sinais de superação, se é que já não

se pode afirmar que resta superado.

31

2.3 Concessão de serviço público

2.3.1 Conceito

O artigo 175, da Constituição da República determina que a prestação do

serviço público deve ser feita diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão23, entretanto não apresenta uma definição conceitual do que seja o

regime de concessão de serviço público, atribuição reservada à norma

infraconstitucional.

Somente em 1995, foi suprimida a ausência de norma infraconstitucional,

pela Lei 8.987/95, que regulamentou os Institutos da permissão e concessão de

serviço público. O artigo 2º, da Lei de Concessões, introduziu alguns conceitos

para análise24.

De acordo com o inciso I, do artigo 2º, da Lei de Concessões, a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem outorgar a prestação de

serviços públicos mediante concessão ou permissão, precedidos ou não de obras

23 Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os Direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado. 24 Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão; II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado; IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

32

públicas, desde que o respectivo Ente possua a correspondente titularidade sobre

o serviço.

A Lei de Concessões ao definir os sujeitos titulares da outorga limita a

atuação do legislador infraconstitucional às competências impostas pela

Constituição da República. Desse modo, somente o que a Constituição prescreve

como serviço público é passível de outorga a particulares.

BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 636) sustenta que a Constituição da

República define a prestação do serviço público consoante a competência. Que

podem ser determinadas pelas seguintes categorias: (i) serviços de prestação

obrigatória e exclusiva do Estado; (ii) serviços de prestação obrigatória do Estado

e em que é também obrigatório outorgar em concessão a terceiros; (iii) serviços

de prestação obrigatória pelo Estado, mas sem exclusividade; (iv) serviços de

prestação não obrigatória pelo Estado, mas não os prestando é obrigado a

promover-lhes a prestação, tendo, pois, que outorgá-los em concessão ou

permissão a terceiros.

Os serviços de prestação obrigatória e exclusiva do Estado são aqueles

que não podem ser objeto de outorga (BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 637). São

apenas duas hipóteses: serviço postal e correio aéreo nacional. A exclusividade

ocorre pelo fato das atividades referidas não estarem elencadas no rol do inciso

XII, do artigo 21, da Constituição da República25.

25 Art. 21. Compete à União: ...omissis... X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou mediante Autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:) XII - explorar, diretamente ou mediante Autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:) b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; ...omissis... XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

33

Os serviços em que o Estado tem a obrigação de prestar e de conceder,

mediante concessão, permissão e Autorização, trata da observância do princípio

da complementariedade previsto no artigo 223, da Constituição da República26,

abrangendo os serviços de radiodifusão sonora ou de sons e imagens

(BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 637). Conforme o próprio dispositivo legal

determina, necessariamente, a outorga do serviço deve observar os sistemas

privado, público e estatal, sob pena de não produzir efeitos legais.

Os serviços que o Estado tem obrigação de prestar, mas sem

exclusividade de terceiros mediante concessão, permissão e Autorização

(BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 636-637) são: (i) de educação27; (ii) de saúde28;

(iii) de previdência social29; (iv) de assistência social30; (v) de radiodifusão sonora

e de sons e imagens31. Além da obrigatoriedade do Estado em desempenhar as

atividades relativas a esses Direitos constitucionalmente consagrados, são livres

à atividade privada sem exclusividade na sua prestação.

Os serviços que o Estado não é obrigado a prestar, mas, não os prestando,

terá de promover-lhes a prestação, mediante concessão ou permissão

(BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 637). Os serviços referentes a esta categoria

são os de telecomunicações, conforme o inciso XI, do artigo 21 da Constituição

da República.

Com base no edificante ensinamento de BANDEIRA DE MELLO, é possível

traçar os limites da abrangência do Poder Público em outorgar o serviço público,

bem como analisar as situações em que sua outorga é obrigatória.

O inciso II, do artigo 2º, da Lei 8987/95, apresenta o conceito de serviço

público passível de outorga o que torna possível extrair suas principais

características: a existência de um poder concedente; a obrigatória submissão de

b) sob regime de permissão, são Autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) c) sob regime de permissão, são Autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006) 26 Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e Autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. 27 Artigos 205, 208, 211 e 213, da Constituição da República. 28 Artigos 196 e 197, da Constituição da República. 29 Artigos 201 e 202, da Constituição da República. 30 Artigos 203 e 204, da Constituição da República. 31 Artigo 223, da Constituição da República.

34

licitação na modalidade de concorrência para a outorga do serviço público, o que

indica a formalização por instrumento contratual submetendo-se aos preceitos

legais relativos à espécie (MEDAUAR, 2000, p. 375); o outorgado pode ser

pessoa jurídica ou consórcio que demonstrem capacidade para seu desempenho;

a atividade correrá por conta e risco do outorgado; o contrato de outorga do

serviço público determinará prazo para o seu término.

Objetivamente, o conceito de serviço público, segundo o dispositivo legal,

não traz grande contribuição para a análise desse Instituto, que necessariamente

prescinde de uma leitura sistêmica de acordo com o ordenamento jurídico.

A concessão de serviço público, conforme BANDEIRA DE MELLO (2004, p.

652), pode ser definido da seguinte forma:

Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.

A exploração econômica da atividade é imprescindível para a

caracterização da concessão de serviço público, sem a remuneração pela sua

execução trataria de outro Instituto. Todavia, um dos aspectos da

contraprestação pela remuneração do serviço público é assumir os riscos da

atividade, que possui um complexo sistema de princípios e regras a serem

cumpridos, bem como da submissão ao Poder Concedente o poder de alterar

unilateralmente as cláusulas regulamentares do contrato de concessão de serviço

público. Por outro lado, o titular da outorga possui o contrato de concessão ou

permissão32 que é uma garantia para evitar “abusos” do poder concedente em

relação à prestação da atividade, sendo um de seus principais recursos a

restauração do equilíbrio econômico.

A busca da eficiência da Administração Pública é uma das finalidades do

Instituto de outorga do serviço público. A transferência da prestação do serviço

público, sob a titularidade do Estado, possui vários fundamentos, dentre elas a

crença de que os entes privados possuem maior eficiência na consecução de

32 O contrato de permissão possui diferenças em relação ao contrato de concessão principalmente em relação à sua precariedade.

35

uma atividade. Desse modo, a finalidade última da concessão é a melhor

prestação do serviço público à comunidade.

Ao analisar o Instituto da outorga com maior profundidade, é possível

perceber a existência de um certo grau de incompatibilidade do interesse público

com a assunção do risco da atividade pelo titular da outorga.

É correto afirmar que um dos riscos da outorga do serviço público é a

inviabilidade financeira da atividade e a conseqüente interrupção da prestação do

serviço, que resultaria em diversos prejuízos à coletividade.

Logo, não seria absurdo admitir a possibilidade de haver interferência do

Poder Concedente no sentido de subsidiar parte do custo da atividade, a fim de

que o interesse da coletividade seja resguardado.

JUSTEN FILHO (2003, p. 96) defensor do subsídio estatal nas outorgas de

serviço público, conceitua o Instituto da seguinte forma:

Concessão de serviço público é um contrato plurilateral, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento, ainda que custeada parcialmente por recursos públicos.

Da definição apresentada pelo Autor, é possível abstrair três aspectos

distintos do conceito apresentado por BANDEIRA DE MELLO.

A primeira refere-se aos sujeitos envolvidos no contrato de prestação de

serviço público. Consoante JUSTEN FILHO (2003, p. 61-63) a participação da

Sociedade Civil na discussão dos termos do contrato de outorga trata promoção

da participação democrática de uma das partes interessadas na concessão do

serviço público.

Ressalva que não se trata de atribuir status diferenciado da Sociedade Civil

como uma espécie de “curadora” da Administração Pública, nem submeter a

validade dos atos administrativos do Poder Concedente a uma “chancela

popular”, mas sim propiciar a participação da Sociedade como um dos

componentes interessados na prestação do serviço público afim de trazer ao

Instituto da delegação maior participação da comunidade e o aumento da

sensação de realização do bem-comum.

36

O segundo aspecto trata do controle da Sociedade Civil no desempenho da

prestação do serviço público, que possui diversos instrumentos jurídicos para

desempenhar tal controle.

O terceiro aspecto, já mencionado, relaciona-se ao subsídio Estatal na

atividade delegada, a fim de que não haja maiores prejuízos por parte do Estado

e da coletividade na eventual não realização do serviço público pelo fracasso

financeiro da empresa delegada.

JUSTEN FILHO (2004, p. 96) ressalta que o conceito apresentado indica

um gênero que contempla várias espécies, por exemplo: a concessão de serviço

precedido de obra pública33, concessão de exploração de obra pública a ser

edificada, concessão de exploração de obras já existentes. No presente trabalho

não se pretende apresentar um rol taxativo das espécies de concessão de serviço

público, mas sim analisar as regras gerais sobre a noção do Instituto.

2.3.2 Natureza Jurídica

A concessão do serviço público somente pode delegar a execução de

atividades consideradas como serviço público, sendo que a titularidade

permanece do Estado. Conforme já apresentado, a Constituição da República

apresenta um rol taxativo das atividades assim consideradas.

Desse modo, é possível verificar duas situações relativas à natureza

jurídica da concessão, uma atinente ao regime jurídico-administrativo do serviço

público, outra às especificidades do próprio Instituto.

A natureza jurídica, quanto ao regime jurídico-administrativo, decorre da

natureza do próprio serviço público outorgado, visto que o fato de ser executado

por um particular não afeta a aplicação das normas e princípios dela decorrentes.

Quanto às especificidades do Instituto, cumpre afirmar que a natureza

jurídica do contrato de concessão segundo Hely Lopes MEIRELLES (2008, p.

390) é um contrato, bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae,

33 Celso Antonio Bandeira de Mello entende que a Lei 8789/95 fez grande confusão ao apresentar a definição de dois Institutos diferentes. Define o Autor que a concessão de serviço público precedida de obra pública não trata de espécie de concessão de serviço público, mas sim de concessão de obra pública. (2004, p. 659).

37

tratando-se de um acordo administrativo em que as partes obtêm vantagens e

encargos recíprocos, considerando o interesse coletivo e o interesse individual do

particular.

A teoria do contrato administrativo da delegação do serviço público é um

posicionamento criticado por BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 662) que afirma

tratar-se de “uma relação jurídica complexa, composta de um ato regulamentar do

Estado que fixa unilateralmente condições de funcionamento, organização e

modo de prestação do serviço”. Trata de um “ato-união” ou ato unilateral

estabelecido pelo Poder Público, ao qual o particular voluntariamente se

submete, e de um contrato cuja finalidade é garantir a equação econômico-

financeira, a fim de resguardar o objetivo de lucro do particular.

Não obstante as críticas formuladas por BANDEIRA DE MELLO (2008, p.

662), o Direito brasileiro vem adotando a denominação de contrato administrativo,

teoria adotada no presente trabalho.

O contrato de concessão de serviço público submete-se aos princípios

norteadores do contrato administrativo, o qual possui cláusulas exorbitantes ou

regulamentares, que podem modificar o contrato de forma unilateral e cláusulas

econômicas ou financeiras, que apresentam as condições relativas ao equilíbrio

econômico-financeiro.

Em que pese o poder regulamentar do Poder Público, no sentido de alterar

de forma unilateral o contrato, existem imposições legais e contratuais que vedam

abusos em detrimento ao particular, tais como: as decisões devem submeter-se

ao devido processo legal; devem ser motivados; o exercício regular da

competência deve ser plenamente fundamentado; não pode alterar a equação

econômico-financeira; as próprias garantias previstas no contrato (JUSTEN

FILHO, 2003, p. 169-170).

A Lei 8987/95 determina que o serviço objeto da outorga deve ser

adequado ao pleno atendimento dos usuários34. A própria Lei de Concessões

34 Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. § 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

38

descreveu os elementos que compõem o critério de adequação do serviço, quais

sejam: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,

generalidade, cortesia e modicidade das tarifas.

A adequação, segundo JUSTEN FILHO (2003, p. 305), trata da eficiência

da prestação do serviço público sob o ponto de vista técnico-econômico da

necessidade que motivou sua instituição. O Autor define eficiência como

desempenho concreto das atividades necessárias à prestação das utilidades

materiais, com a finalidade de satisfazer as necessidades dos usuários, da forma

que se aplique o menor encargo possível, inclusive do ponto de vista econômico

(JUSTEN FILHO, 2003, P. 302).

Segundo o Autor, regularidade, continuidade e segurança não vários

aspectos do conceito de eficiência, que podem ser traduzidos da seguinte forma:

regularidade refere-se aos padrões quantitativos e qualitativos do serviço público

que devem ser uniformes; continuidade trata da ausência de interrupção da

atividade desenvolvida; a segurança trata realização da atividade sem colocar em

risco a integridade física e emocional de usuários e não-usuários (JUSTEN

FILHO, 2003, p. 302).

2.3.3 O poder de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares

As alterações unilaterais dos contratos administrativos estão previstas no

artigo 65, da Lei 8.666/9335, podendo ocorrer nas seguintes situações: quando

houver modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação

técnica aos seus objetivos; quando necessário modificação do valor contratual

em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto.

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. 35 Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I - unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

39

É necessário promover a devida distinção entre os contratos

administrativos “comuns” e os contratos administrativos de “outorga de serviço

público”.

Conforme a distinção proposta por JUSTEN FILHO (2003, p. 162), cada

contrato administrativo possui peculiaridades que as distinguem umas das outras,

não podendo receber tratamento idêntico, pois muitas vezes a natureza distinta

dos objetos das diversas espécies de contratos não poderia admitir essa

situação.

De forma diferente não poderia ocorrer com os contratos de concessão de

serviço público, que inclusive devem receber tratamento específico de acordo

com a natureza jurídica do serviço outorgado.

O poder de alteração unilateral das cláusulas regulamentares confere à

Administração Pública a possibilidade de alterar as condições de realização do

serviço. Consoante BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 676), o Poder Concedente

pode impor ao particular modificações relativas à organização, ao funcionamento

e à relação com os usuários, bem como ao valor das tarifas cobradas, não

podendo se opor ou esquivar-se de cumprir as alterações exigidas.

MEIRELLES (2008, p. 398) restringe a alteração unilateral do contrato

apenas às cláusulas regulamentares ou de serviços a fim de melhorar a

qualidade ao atendimento ao público.

JUSTEN FILHO (2003, p. 298-301) caracteriza a natureza regulamentar da

seguinte forma: a permanência da natureza pública do serviço objeto da

concessão; a titularidade estatal privativa para regulamentar o serviço público; a

competência para inovar e alterar a situação anterior; enquadramento da

competência regulamentar no regime democrático; relevância das condições

originais da outorga.

A permanência da natureza pública do serviço objeto da concessão

relaciona-se com o regime jurídico administrativo a que deve se submeter a

atividade independentemente de sua execução por um particular.

A titularidade estatal privativa para regulamentar o serviço público

relaciona-se à fixação de condições técnicas e jurídicas para a prestação do

serviço público realizado pelo particular. Segundo o Autor, essa característica se

dá pelo antagonismo de dois interesses, um da Administração Pública cujo

interesse pela ampliação e extensão da qualidade do serviço público com a

40

menor tarifa possível, outro pelo interesse do particular em obter a maior

lucratividade no desempenho da atividade.

A competência para inovar e alterar a situação anterior refere-se ao poder-

dever do Estado em proporcionar a adequação permanente do serviço à

satisfação do interesse público, regulamentando situações não previstas no

contrato original e situações supervenientes que produzem modificações no

estado de fato.

O enquadramento da competência regulamentar no regime democrático

refere-se às garantias do particular titular da outorga em relação ao poder de

alteração unilateral das cláusulas regulamentares baseado nos princípios

decorrentes do Estado Democrático de Direito. O outorgado necessariamente

deve subordinar-se às alterações sempre que o Poder Concedente o faça.

Contudo, essas alterações devem ser realizadas de forma fundamentada

conforme os requisitos de existência e validade dos atos administrativos e do

regime jurídico administrativo.

A relevância das condições originais da outorga é fundamental para

determinar certas relações existentes entre os particulares, a Administração

Pública e os usuários. De acordo com JUSTEN FILHO (2003, p. 301):

As condições originais fixam uma relação específica e determina entre as vantagens e encargos de ambas as partes, de modo que todas as modificações supervenientes deverão fazer-se de modo integrado e sistêmico.

As condições originais da outorga servem como garantia do

Concessionário no desempenho de sua atividade, a fim de se resguardar em

relação à Administração Pública de atos que inviabilizem economicamente a

prestação do serviço público, podendo exigir do Poder Concedente a restauração

do equilíbrio econômico concomitante ao ato regulamentar que apresente custo

em sua implementação.

MEIRELLES (2008, p. 398-399) sustenta que a remuneração do serviço,

nos moldes pré-definidos no contrato, constitui um Direito fundamental e

adquirido pelo concessionário, imutável perante a Administração Pública.

41

2.3.4 As relações jurídicas entre o Poder Público e o particular

O Instituto da concessão de serviço público considera a existência de um

ordenamento jurídico setorial (JUSTEN FILHO, 2003, p. 289-291), que representa

a reunião de interesses diversos para a consecução de uma finalidade em

conjunto. No caso das concessões, a finalidade a ser atingida é a execução da

atividade exercida pelo Poder Público somado à perseguição de lucro pela

empresa.

Este pequeno ordenamento submete-se a determinados princípios

integradores tais como a composição harmônica de interesse público e privado e

o princípio da associação. A concessão é um instrumento de composição

dialética entre princípios e interesses de ordem diversa, que rompe com a

concepção tradicional de passividade de um dos agentes perante a cobrança de

outro (JUSTEN FILHO, 2003, p. 290). No caso das concessões as partes

possuem uma recíproca divisão de Direitos e deveres; em sua maioria

prepondera os Direitos do Poder Concedente, todavia não retira a característica

de reciprocidade do Instituto.

Nessa relação, há de se considerar a existência de diversos Institutos

decorrentes de regimes jurídicos diferentes, tais como a supremacia do interesse

público sobre o privado e o Direito de propriedade do particular.

Sob essa perspectiva é necessário fazer uma análise cuidadosa, haja

vista que a supremacia do interesse público possui limitações no plano dos

Direitos fundamentais. Outrossim, o Poder Concedente não pode estabelecer

modificações sobre as cláusulas regulamentares de tal modo a tornar a atividade

inviável; nesse caso, deverá ser realizada a adequação correspondente na tarifa

a ser cobrada ao usuário.

A princípio por meio dessa análise é possível concluir que a esfera de

atuação de cada agente se limita a dois interesses: a adequação do serviço

público e o lucro do empreendimento.

O serviço público deve ser orientado pelos princípios relativos à

Administração Pública, tais como: continuidade, universalidade, legalidade,

moralidade, etc.

42

No entanto, os serviços públicos promovidos pela concessão ainda existe

um plus além do regime jurídico administrativo, qual seja: o Direito do usuário, o

qual o particular titular da outorga e ao Poder Concedente concorrem na

efetivação desses Direitos.

O artigo 175 da Constituição da República e a Lei de Concessão dispõem

sobre os Direitos dos usuários sobre informação, da qualidade do serviço,

liberdade de escolha, incentivo à organização de associações. O rol de Direitos

dos usuários pode ainda ser incrementado de acordo com o contrato de

concessão e suas alterações, normas infraconstitucionais que disponham sobre a

matéria e por meio de agências reguladoras.

Além da tutela específica dos Direitos dos usuários deve existir uma

permanente preocupação do Poder Concedente na adequação do serviço

público.

A obrigação de manter o serviço adequado é um comando expresso do

inciso IV, do artigo 175, da Constituição da República, regulamentado pela Lei

8.987/95.

O serviço adequado, segundo o artigo 6º, da referida Lei, é aquele que

satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,

atualidade, generalidade e cortesia na sua prestação, mediante o pagamento de

tarifas módicas.

Parece inconteste que a norma infraconstitucional instituiu princípios, e

não regras, orientadores referentes à qualidade do serviço outorgado a fim de

conceder liberdade de definição ao Poder Concedente a cada licitação para

concessão, respeitando suas peculiaridades. O caput do artigo 6º reforça ainda

mais essa noção.

Para JUSTEN FILHO (2003, p. 302-303) serviço adequado é um conceito

indeterminado. Indeterminado enquanto no texto normativo, porém não

indeterminável diante das peculiaridades de cada situação concreta

particularmente considerada, devendo, portanto, o administrador especificar os

fatores peculiares imprescindíveis para a adequação do serviço em cada

licitação, delimitado-o objetivamente em sua aplicação prática.

O Poder Concedente dispõe de competência jurídica para regulamentar a

prestação do serviço público, esta competência; porém, deve, naturalmente, ser

exercida antes da apresentação da proposta pelo futuro concessionário. Tal

43

competência permite - e obriga - o Poder Público a definir prévia e clara e

detalhadamente todos os aspectos relevantes da execução da atividade objeto da

concessão sem cujo conhecimento o futuro concessionário não prestaria

adequadamente o serviço.

Segundo MEIRELLES (2008, p. 392), o poder regulamentar da

Administração Pública é tão abrangente que absorve desde a organização da

empresa até sua situação econômica e financeira, seus lucros, o modo e a

técnica da execução dos serviços e até sobre o valor das tarifas em limites

razoáveis e equitativos para a empresa e os usuários. Em decorrência dessa

permanente busca pela qualidade do serviço público, o artigo 25 da Lei de

Concessões ainda subordina a execução dos contratos realizados entre o

outorgado e terceiros fornecedores de produtos e serviços às normas

regulamentares da Concessão.

Claro, todavia, é, que o valor da tarifa é objeto de cláusula contratual e

não de cláusula regulamentar; assim, este é proposto pela concessionária então

proponente na licitação para concessão. Os limites razoáveis e eqüitativos para o

concessionário e para os usuários são aqueles definidos no edital da licitação e

jamais poderão ser alterados unilateralmente pelo Poder Concedente

posteriormente à adjudicação. A mutabilidade unilateral que eventualmente pode

refletir-se sobre o valor da tarifa não será imotivada. O motivo fático para

alterações, já então do próprio contrato de concessão, deve configurar um fator

superveniente ao momento em que as propostas apresentadas na licitação não

podem mais ser alteradas pelo proponente, deve ser imprevisível pela parte à

qual interessará o reequilíbrio econômico, inevitável por esta mesma parte

(devem ser inevitáveis também os seus efeitos), e deve ter alcance geral ou

objetivo (BLANCHET, 2005, p. 149), ou seja, repercutiria sobre o contrato

qualquer que fosse o executor do serviço e não apenas o concessionário.

Motivos da mesma ordem e somente eles poderiam legitimar atos da

Administração relacionados à organização da empresa, sua situação econômico-

financeira, lucros, modo e métodos executivos dos serviços.

Jamais poderá, enfim, o concessionário ser surpreendido por normas

pretensamente regulamentares definidas ulteriormente ao momento em que o

particular não pode mais alterar sua proposta. Não somente para concessões,

44

mas para todo e qualquer objeto, uma licitação é um procedimento administrativo,

não uma armadilha.

45

3. DESENVOLVIMENTO

3.1 Noções preliminares de desenvolvimento

O termo “desenvolvimento” é (envolve) um conceito em permanente

evolução. Exige análise complexa de inúmeras variáveis multidisciplinares e

intimamente vinculadas a peculiaridades culturais e históricas, sem a qual não

atinge valores sequer aproximados para uma razoável definição. Outrora

considerado sinônimo de crescimento econômico, o desenvolvimento pode ser

entendido como um processo econômico, social, cultural e político cujo objetivo é

o bem-estar de toda a população e na distribuição justa de seu resultado (Jose

Afonso da SILVA, 2006, p. 47).

Outros afirmam que o desenvolvimento deve também criar condições para

que se manifeste de forma permanente de forma auto-sustentável (Fábio

NUSDEO, 2002, p. 17)

Ocorre que o desenvolvimento possui origem histórica e acompanha a

evolução do homem. Deve-se ressaltar também que o termo desenvolvimento

pode ser analisado sob diversas perspectivas; para o presente trabalho serão

considerados, sobretudo, os de caráter econômico e social, cuja construção se

dará a partir da noção de crescimento econômico.

O desenvolvimento econômico, segundo José Eli da VEIGA (1948, p. 17),

possui três tipos básicos de definição: (i) sinônimo de crescimento econômico; (ii)

ilusão, crença, mito, ou manipulação ideológica; (iii) desenvolvimento social.

É preciso destacar que não há consenso sobre uma definição de

desenvolvimento, mas algumas correntes doutrinárias que utilizam dessas

correntes apresentadas pelo Autor que inclusive possui forte caráter ideológico.

Tais correntes serão analisadas detidamente nos tópicos seguintes.

De qualquer modo, buscar-se-á, no presente trabalho, a identificação de

elementos juridicamente relevantes que possibilitem a identificação do fenômeno

46

desenvolvimento sob o enfoque jurídico. Enfoques meramente ideológicos, e

excludentes dos demais, serão desprezados para fins de conclusão desta

dissertação, ressalvados apenas aqueles cuja avaliação foge ao objeto do

presente estudo, influenciaram a criação ou configuração de normas jurídicas,

porque, uma vez juridicizados, desde que compatíveis com a Constituição, ficam

imunizados de discussão jurídica até que nova norma os altere ou elimine.

3.1.1 Desenvolvimento como crescimento econômico

Durante os últimos três séculos, os economistas se debruçaram sobre o

estudo do crescimento econômico. Desde Adam SMITH até os neoclássicos o

desenvolvimento econômico era e ainda é analisado de forma macroscópica,

utilizando apenas critérios matemáticos para representar a riqueza de um país

(Daniel R. FUSFELD, 2003, p. 262-265).

Cristiane DERANI (1997, p. 98) afirma que “tem sido um dos postulados da

moderna ciência econômica que somente um constante crescimento econômico

garante a base para se obter objetivos prioritários da Economia social de

mercado”. Essa afirmação possui como fundamento a crença de que o

crescimento econômico naturalmente contribuiria com o aumento do bem-estar

da população.

Para o melhor entendimento das relações de crescimento econômico, é

necessário estudar os fatos que contribuíram para a origem do estudo da

Economia. Dois momentos históricos possuem papel relevante na contribuição do

surgimento das Doutrinas Econômicas, que continuam influenciando os

economistas na atualidade. O Mercantilismo e Adam SMITH foram fundamentais

para o surgimento do estudo da Economia como Ciência e da forma de

organização de riqueza no mundo.

Deve-se desde logo antecipar que a visão exclusivamente econômica do

desenvolvimento não foi a eleita pelo legislador constituinte.

47

2.1.1.1 O Mercantilismo

O período denominado Mercantilismo corresponde a uma época de grande

desenvolvimento intelectual, político e geográfico na Europa.

Alguns fatos ocorridos nesta época foram primordiais para fundamentar as

primeiras teorias econômicas, quais sejam: o Renascimento; a laicização do

pensamento; o retorno dos métodos de observação e experiência; a reforma de

João Calvino que exaltou o individualismo e o materialismo fundamentando assim

o capitalismo; a centralização monárquica a partir do século XV, que deu início à

verdadeira política nacional; surgimento da concepção de Estado como unidade

política e econômica; noção de balança comercial; as grandes descobertas; o

aumento da tecnologia das navegações; e diversas outras (Paul HUGON, 1984,

p. 59-64).

Todos esses fatos contribuíram para o desenvolvimento da concepção

metalista do Mercantilismo, cuja noção considerava que a quantidade de ouro

representava a riqueza de um país. O conceito metalista poderia ser

representado pela seguinte afirmação: “a prosperidade dos países parece estar

em razão direta da quantidade de metais preciosos que possuem” (HUGON,

1984, p. 85).

Os mercantilistas não atribuíam ao ouro e à prata o status de única riqueza

existente, mas como o mais perfeito instrumento para sua aquisição. Os

metalistas atribuíram o status de riqueza ao ouro e à prata por algumas

características inerentes a esses materiais, tais como: qualidade de instrumento

de troca, a sua durabilidade, a facilidade de transporte, e a necessidade de

dinheiro para custear guerras.

Iniciou-se,então, uma irracional corrida em busca de metais preciosos com

severas restrições para a saída de metais a fim de garantir a permanência do

ouro e da prata em território nacional. Esse fato deu início à noção de

crescimento econômico cujo objetivo era a manutenção da soberania dos

Estados, tratando-se de interesse nacional.

Importante ressaltar que o objetivo do mercantilismo era o fortalecimento e

riqueza do Estado, desconsiderando qualquer interesse social ou econômico da

população. Fato que gerou indescritíveis arbitrariedades por parte dos monarcas,

48

os quais à custa de muita exploração, tanto do país que utilizava o Mercantilismo,

como política nacional, quanto dos países colonizados, como instrumentos de

enriquecimento cada vez maior. A indústria, o comércio e a agricultura sofreram

grande retrocesso diante das abusivas regulamentações. Especialmente a

agricultura que, diante da tentativa de estimular a produção industrial, sofreu

rígidas restrições de preços dos insumos, que incorreu no abandono do campo

gerando estado de miserabilidade da população rural.

Essa situação culminou em uma tríplice reação: uma de caráter científico

em detrimento daquela noção de “arte” econômica; uma liberal em detrimento ao

intervencionismo do Estado excessivamente abusivo; uma individualista contra a

sujeição do indivíduo ao Estado (HUGON, 1984, p. 88).

Nesse período, como se vê, o homem ainda estava longe do grau de

evolução que levou à noção de desenvolvimento que integra nossa Constituição

da República.

3.1.1.2 Adam Smith e a Riqueza das Nações

Adam SMITH publicou sua obra-prima “A Riqueza das Nações”, em 1776.

Ao lado dos fisiocratas assumiu a paternidade da Economia Política.

SMITH concentra seu trabalho na atividade produtiva, e ao compreender o

trabalho como fonte de riqueza, reage contra a concepção metalista do

mercantilismo e a noção exageradamente agrária dos fisiocratas.

Salienta ainda que a eficácia do trabalho é mais importante que a

quantidade de trabalho. A resposta para a eficácia deste trabalho é a

especialização e a divisão do trabalho. Dessa forma, se na confecção de um

produto o trabalho for dividido, e cada segmento de sua produção se tornar mais

especializada naquela tarefa atribuída, mais eficaz se torna a produção do

produto, que será produzido em maior quantidade por menor número de trabalho

empregado e em menor tempo.

49

Para SMITH (1988, p. 25-26), a divisão do trabalho contribuiria para o

desenvolvimento da Nação, inclusive porque aumentaria o poder de compra da

população e, por conseqüência, o consumo.

Esse interesse pessoal de aumentar o consumo espontaneamente levaria

o homem a exercer uma atividade que, com o fruto de seu trabalho, incorreria no

bem comum. Dessa maneira, o interesse pessoal, ou egoísta, do homem

acabaria coincidindo com o interesse geral contribuindo para o enriquecimento da

Nação.

Assim, SMITH (1988, p. 7), como um liberal, buscava a liberdade de

atuação,pois acreditava que naturalmente os capitais se multiplicariam e afluiriam

para onde mais livremente se pudesse dispor deles.

Essa relação de equilíbrio entre a divisão de riqueza e oferta e procura

ocorre de forma extremamente pacífica e natural, não sendo necessário qualquer

tipo de intervenção do Estado.

Num discurso pronunciado em 1755, SMITH afirmou que “para arrancar um

Estado do mais baixo grau de barbárie e elevá-lo a mais alta opulência bastam

três coisas: a paz, impostos módicos e uma tolerável administração da justiça.

Tendo-se isso, tudo o mais virá com o decurso natural das coisas” (HUGON,

1995, p. 108). Essa manifestação deixou claro seu posicionamento liberal, avesso

às fortes regulamentações impostas à época.

A ruptura proposta por SMITH modificou a concepção econômica existente

na era mercantilista, a qual valorizava o metal como instrumento de riqueza,

passando agora a ser o Homem. É importante ressaltar que a riqueza não se

restringia apenas à valorização do Homem, como fonte de riqueza, mas sim aos

meios eficazes de produção, ou seja, a riqueza de um país poderia ser

representada pelos seus meios de produção. A partir da concepção de SMITH, o

trabalho humano passou a ser considerado como um elemento da Economia.

O conceito de riqueza de um país ser aferido pelos meios de produção

subsiste até hoje, por meio do PIB.

O Mercantilismo e as idéias de Adam Smith influenciaram profundamente a

modernidade, especificamente para a questão do desenvolvimento, um por

introduzir o conceito de acumulação de riqueza outro por apresentar os

instrumentos de acumulação de riqueza ainda vigente.

50

Desse modo, a partir de SMITH, a riqueza de um país passou a ser aferida

pela quantidade de produtos produzidos (VEIGA, 2005, p. 18-19). A noção de

desenvolvimento,nesse caso, possui caráter eminentemente econômico, pois o

que efetivamente é medido é a riqueza material de determinado país.

Genial, sem dúvida absolutamente nenhuma, Adam SMITH, mesmo assim,

não foi perfeito, como aliás, ninguém jamais será, pois devemos estar

constantemente buscando novos e mais adequados entendimento dos

fenômenos que nos rodeiam. De regra, pressupunha, Adam SMITH, em sua

observação do mundo, um mercado, um consumidor, um padeiro, etc.

estereotipados. O mundo, todavia, não é tão uniforme, repetitivo, previsível. A

realidade é extremamente mutável; em especial a realidade que envolve e

interessa ao ser humano. Ainda aqui, portanto, apesar de Adam SMITH fornecer

elementos de riqueza inquestionável para melhor entendimento do fenômeno

desenvolvimento, não se pode considerá-los suficientes para um conceito de

desenvolvimento coerente com nossas normas constitucionais.

3.1.1.3 Crescimento econômico

O crescimento econômico não deve ser analisado como um fim do Estado,

mas como um instrumento de aferição de riqueza de um país. Contudo, desde a

formação dos Estados Modernos, a busca pela riqueza era sinônimo de “poderio

econômico”. O status estratégico que o crescimento econômico atribuiu aos

Estados influenciou muitas doutrinas econômicas e políticas públicas

implementadas em diversos países.

O instrumento de medição de riqueza de um país é mensurado pelo

Produto Interno Bruto que representa a soma de todos os bens e serviços

produzidos em um país, durante determinado período de tempo. É um dos

indicadores mais utilizados na macroEconomia para a medição da atividade

econômica de uma região.

51

O crescimento econômico é um instrumento utilizado desde a época do

Mercantilismo para aferir a riqueza de um país, não considerando aspectos

sociais e ambientais.

O desenvolvimento analisado pura e simplesmente pelo crescimento

econômico vem sendo objeto de muitas críticas, pois não proporcionou o

prometido bem-estar social que era promessa do Estado Intervencionista.

3.1.2 O mito do desenvolvimento

A corrente do mito do desenvolvimento não passa de ilusão basicamente

sofre críticas pela relação entre os países desenvolvidos, subdesenvolvidos e

semidesenvolvidos.

Para Celso Furtado (1996, p. 89) o desenvolvimento econômico é

inexeqüível, uma vez que não haveria possibilidade de países menos

desenvolvidos desfrutarem da qualidade de vida dos países desenvolvidos. Essa

falsa idéia de desenvolvimento tem sido utilizada para desviar as atenções para a

tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais desses países.

Segundo RIVERO (2002, p. 132 apud. VEIGA, 2005, p. 22-23), o

desenvolvimento é um mito, pois:

São os gurus do mito do desenvolvimento que têm uma visão quantitativa do mundo. Ignoram os processos qualitativos histórico-culturais, o progresso não-linear da sociedade e as abordagens éticas, e até prescindem dos impactos ecológicos. Confundem crescimento econômico com o desenvolvimento de uma modernidade capitalista que não existe nos países pobres. Com tal perspectiva, eles só percebem fenômenos econômicos secundários, como o crescimento do PIB, o comportamento das exportações, ou a evolução do mercado acionário, mas não reparam nas profundas disfunções qualitativas estruturais, culturais, sociais e ecológicas que prenunciam a inviabilidade dos ‘quase-Estados-nação subdesenvolvidos’”.

As Nações tidas como industrializadas, possuem vantagens quantitativa e

qualitativa muito superiores aos não industrializados ou semi-industrializados,

pois os seus Estados foram concebidos pelo surgimento da burguesia e seus

52

mercados. Nos países em desenvolvimento o capitalismo surgiu após a

concepção do Estado.

Consoante RIVERO (2002, p. 135 apud. VEIGA, 2005, p. 23-24), as

nações em desenvolvimento padecem de dois vírus que inviabilizam o

crescimento econômico, quais sejam: miséria científico-tecnológica e explosão

demográfica urbana.

A miséria científico-tecnológica trata da grande desvantagem comercial dos

países em desenvolvimento por não disporem dos recursos tecnológicos dos

países desenvolvidos, tornando-se, desse modo, fornecedores de matéria-prima

de baixa rentabilidade.

A miséria científico-tecnológica combinada à explosão demográfica

urbana não permite assegurar recursos suficientes para a criação de empregos e

a satisfação das necessidades da população. Fatores que contribuem para a

pobreza e o subdesenvolvimento dessas nações.

Essas duas situações impedem o desenvolvimento dos países

subdesenvolvidos, tendendo a torná-los Economias Nacionais Inviáveis (VEIGA,

2005, p. 24).

Outro argumento em relação à inexequibilidade do desenvolvimento foi o

surgimento da renda estratégica decorrente da guerra fria (VEIGA, 2005, p. 25).

As superpotências envolvidas na guerra fria necessitavam de apoio e

aliados políticos. Os países classificados como de terceiro mundo optavam pelo

apoio de uma das superpotências, recebendo, desse modo, uma renda

estratégica desses países.

Ao término da guerra fria, muitos países deixaram de receber subsídio

estrangeiro, exceto alguns que possuem localização estratégica comercial.

Outra forma de renda estratégica proposta pelo Autor, é o perigo que

decorre da instabilidade que determinados países pobres representam a países

ricos. Alguns países ricos optam por subsidiar países vizinhos pobres para evitar

sua desestabilização e conter a migração (VEIGA, 2005, p. 26).

Com base nesses fatos, RIVIERO (2002, p. 215 apud. VEIGA, 2005, p. 26-

27) propõe abandonar o mito do desenvolvimento e substituir a agenda da

riqueza das nações pela agenda da sobrevivência das nações. Propõe ainda a

estabilização do crescimento urbano e o aumento da disponibilidade de água,

energia e alimento, a fim de evitar um colapso nas cidades de países pobres.

53

3.1.3 Desenvolvimento social

A terceira via, do desenvolvimento social, é uma alternativa mediana em

relação às duas alternativas propostas. Até o início da década de 1960, não

se sentia a necessidade de realizar a distinção entre desenvolvimento e

crescimento econômico, pois eram poucas as nações que haviam se tornado

ricas com o advento da industrialização (VEIGA, p. 18-19).

Após a 2ª Guerra Mundial, foi possível perceber um fenômeno social

ocorrido em diversos países semi-industrializados. Na década de 1950, esses

países demonstraram intenso crescimento econômico, por meio do aumento da

renda per capita. Ocorre que o crescimento econômico desses países não

repercutiu em acesso da população mais pobre aos bens materiais e culturais,

especialmente saúde e educação (VEIGA, p. 19).

Até 1960, os termos “desenvolvimento” e “crescimento econômico” eram

utilizados como sinônimos, a distinção conceitual entre os dois termos sofreu

grande influência da ONU, que, em 1961, instituiu o 1º Programa das Nações

Unidas (1961-1970) para o desenvolvimento36, a fim de acelerar o progresso no

intuito do crescimento auto-sustentado das nações. A iniciativa da ONU no papel

desenvolvimentista decorreu da constatação de que o problema do

subdesenvolvimento adquiria caráter global, devendo ser solucionado pela

solidariedade internacional (Claudia PERRONE-MOISÉS, 1999, p. 18).

Porém, somente em 1990, o PNU lançou o Índice de Desenvolvimento

Humano37 (IDH) utilizando critérios econômicos e sociais. A partir do IDH foi

possível iniciar a análise da relação crescimento econômico versus

desenvolvimento.

Amartya SEM, ganhador do prêmio Nobel de 1998, muito bem apresentou

a noção de desenvolvimento. O Autor refuta o argumento de que o crescimento

36 Resoluções 1710 e 1715. 37 combina três indicadores: expectativa de vida, grau de escolaridade e alfabetização e nível de renda per capita.

54

econômico trará consigo o bem-estar social. Utiliza como argumento as

contradições existentes entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Defende que o desenvolvimento deve ser trabalhado inclusive nos países

muito ricos. Cita como exemplo os contrastes intergrupais existentes nesses

países, que refletem situações de subdesenvolvimento. É muito comum afirmar

que afro-americanos são relativamente mais pobres que os americanos brancos,

mas se reunissem todos os negros dos Estados Unidos e formassem um país,

eles se tornariam o 11º PIB do mundo; no entanto, eles possuem menor chance

de chegar à idade adulta do que as pessoas que vivem em sociedades como

China, Sri Lanka ou partes da Índia, que possuem diferentes sistemas de saúde,

educação e relações comunitárias (VEIGA, 2005, p 36). Essas distorções também

se estendem ao verificar longevidade, ou expectativa de vida, dos afro-

americanos em relação a China e aos habitantes de Kerala.

SEN demonstra que um país considerado muito rico pode apresentar

resultados inferiores no quesito desenvolvimento a países considerados muito

pobres.

A partir desse fato é possível constar que um PIB altíssimo, ou uma alta

renda per capita, necessariamente, não significa qualidade de vida de seus

nacionais, mas sim o tratamento social a eles atribuído.

Outro exemplo trazido por VEIGA (2005, p. 38), foi a análise da

mortalidade e expectativa de vida nas Economias industriais avançadas durante

um lapso temporal. A Inglaterra, no início do século XX, era a principal Economia

de mercado mundial. Contudo, apresentava números de expectativa de vida

inferiores aos dos países hoje considerados pobres. As duas Grandes Guerras

Mundiais foram necessárias para que a Inglaterra se submetesse a um rápido

processo de expansão.

A situação de guerra produziu maior compartilhamento dos meios de

sobrevivência como os serviços de saúde e o suprimento limitado, por meio de

racionamento e alimentação subsidiada. Mesmo que a disponibilidade de

alimentos tenha diminuído consideravelmente durante a Segunda Grande Guerra,

os casos de subnutrição declinaram abruptamente, e a subnutrição extrema

desapareceu quase por completo. Houve também diminuição acentuada na taxa

55

de mortalidade38, e por ironia, nas duas décadas correspondentes às guerras, o

crescimento da renda per capita foi mais lento. Estudos apontaram que em

tempos de paz o aumento desses índices foi mais lento.

Evidentemente que os estudos apresentados podem não ter abrangido

todas as hipóteses para interpretar esses fenômenos, mas segundo SEN (VEIGA,

2005, p. 39):

A explicação mais plausível, segundo SEN, reside nas mudanças do grau de compartilhamento social durante as décadas de guerra e nos pronunciados aumentos do custeio público de serviços sociais nas áreas de nutrição e saúde que acompanharam essas mudanças. (VEIGA, 2005, P. 39)

De acordo com o Autor, é possível concluir que o melhoramento da

qualidade de vida da população39, necessariamente, não possui relação com o

crescimento econômico, mas com o desenvolvimento.

A partir da análise das três correntes acerca do que é desenvolvimento, é

possível constatar que o crescimento econômico e o desenvolvimento estão

intimamente ligados, todavia são conceitos diferentes, ao passo que este é

qualitativo e aquele é quantitativo (VEIGA, 2005, p. 56).

O desenvolvimento é o projeto social que prioriza a melhoria de condição

de vida da população (FURTADO, 2004, p. 484, apud. VEIGA, 2005, p. 82.)

Do mesmo modo que o crescimento econômico pode ser considerado com

um instrumento de aferição de riqueza de um país, o desenvolvimento social

também pode ser objeto de índices de aferimento de melhorias sociais.

O Índice de Desenvolvimento Humano hoje é utilizado como instrumento

para identificar melhorias na condição de vida social somadas ao crescimento

econômico40, contudo ainda há muito o que melhorar em relação à distribuição de

riqueza e o bem-estar social.

38 Nesse caso não contabilizando a mortalidade decorrente da guerra. 39 Considerando os índices de taxa de mortalidade e diminuição de subnutrição, bem como as políticas públicas na área de saúde e nutrição. 40 PIB per capita, expectativa de vida e grau de escolaridade e alfabetização.

56

3.1.4 Desenvolvimento sustentável

O conceito de desenvolvimento sustentável foi proposto na Comissão

Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida por

BRUNTDLAND, em 1987. Nessa comissão, foi entregue um documento

denominado “Our Common Future”, ou também conhecido como relatório

Bruntdland, apresentando a definição de desenvolvimento sustentável

(BRUNDTDLAND, 1991, p. 46 apud. Ana Luiz de Brasil CAMARGO, 2003, p. 71) :

“desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades

do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem

suas próprias necessidades”.

Considera-se que a noção de desenvolvimento sustentável é a evolução do

conceito de desenvolvimento, pois analisa o aspecto ambiental além dos

aspectos social e econômico.

É difícil um consenso sobre a definição precisa de desenvolvimento

sustentável, seja pela sua própria indefinição conceitual, seja pela complexidade

de elementos multidisciplinares relacionados ao tema (CAMARGO, 2003, p. 76).

Para Dália MAIMON (1996, p. 10), o conceito de desenvolvimento

sustentável é:

O desenvolvimento sustentável busca simultaneamente a eficiência econômica, a justiça social e a harmonia ambiental. Mais do que um novo conceito, é um processo de mudança onde a exploração de recursos, a orientação dos investidores, os rumos do desenvolvimento ecológico e a mudança institucional devem levar em conta as necessidades das gerações futuras.

A exploração do meio ambiente atingiu níveis críticos, e qualquer atividade

que envolva desenvolvimento deve considerar indicadores ambientais, uma vez

que a natureza, na qualidade de bem jurídico, não é renovável.

São inúmeros os problemas ambientais, uma relação enorme poderia ser

elaborada sobre os impactos ambientais causados pelo Homem. Entretanto, é

possível descriminar três gêneros (Guilhermo FOLADORI, 2001, p. 104): (i)

57

depreciação de recursos41; (ii) poluição por causa de detritos; (iii) superpopulação

e pobreza.

Os três gêneros de impacto ambiental podem ter origem no alto

crescimento econômico bem como no crescimento descontrolado da população

mundial. Ao se analisar as causas dos problemas ambientais, é possível concluir

que as questões econômicas e sociais devem ser tratadas de forma conjunta com

as questões ambientais.

FOLADORI (2001, p. 104) vai além, argumenta que os três aspectos

mencionados são efeitos externos ao processo econômico (processo produtivo),

os recursos depreciados não estão no processo de produção, os resíduos

decorrentes do processo de produção também não são considerados dentro

desse sistema, a questão da superpopulação e a pobreza são constituídas por

pessoas que não conseguem ingressar no processo de produção. O Autor

destaca que “as relações no interior do processo produtivo não são discutidas,

mas apenas seus efeitos” (FOLADORI, 2001, p. 104).

Para sustentar sua afirmação, o Autor informa que o sistema produtivo

envolve três elementos: o Homem, a Natureza e o processo produtivo. Essa

relação consiste na essência da produção e da relação sociedade-meio ambiente;

relação esta que pode ser subdividida pela sua forma e conteúdo. O conteúdo

trata da relação do trabalhador com os meios de produção e com a natureza; é

uma relação técnica cuja importância é o conhecimento do processo de trabalho,

desse modo, o Autor considera o conteúdo e a relação técnica como sinônimos. A

forma é a maneira que os diferentes sujeitos se inter-relacionam para produzir.

Relaciona-se com as relações de propriedade e/ou apropriação dos meios de

produção e da natureza, determinando o processo de produção (FOLADORI,

2001, p. 104).

Para ilustrar a forma e o conteúdo, FOLADORI (2001, p. 104-105)

apresenta o seguinte exemplo:

Suponhamos um carpinteiro que elabora uma mesa. O processo de trabalho relaciona uma atividade (oficio de carpinteiro) com meios de produção (serrote etc.) e com a natureza (árvore etc.). Até aqui se trata de uma relação técnica, que implica habilidade e conhecimentos particulares (ofício de carpinteiro); é o conteúdo material do processo produtivo em questão. Mas, visto por esse prisma, tecnicamente, nada nos diz sobre as

41 Por exemplo: o solo, a água, as florestas, etc.

58

relações sociais de produção que esconde. Nosso carpinteiro pode ser um escravo da Antiguidade clássica, um servo feudal, um artesão de um regime tributário estatal, um operário assalariado, um artesão independente que vende seu produto no mercado, uma pessoa que tem por hobby a carpintaria e produz uma mesa para seu uso particular etc. Essas diversas possibilidades dão conta de um mesmo conteúdo técnico, mas que toma diferentes formas sociais. O escravo não é dono nem do produto, nem dos meios de produção, nem de si mesmo. O trabalhador assalariado é dono de sua vida, mas não o é dos meios que trabalha, nem do produto. O artesão é dono de sua vida, de seu instrumento e do produto e assim por diante. Essas diferenças na forma social de produção são decisivas na determinação de que materiais usar, do ritmo com que são usados e do relacionamento com o meio ambiente, assim como da eventual existência e da particularidade da população excedente.

Conforme a ilustração do Autor, a Economia, ou o modo de visão de um

sistema capitalista, percebe os meios de produção apenas pelo seu conteúdo

material (aspecto técnico), perspectiva que não demonstra os inúmeros aspectos

sociais envolvidos.

O método segundo o qual é avaliado o crescimento econômico não

considera aspectos sociais e ambientais por não se enquadrarem nos meios de

produção tradicionais. De fato, a análise de SMITH (1988, p. 17-23) sobre os

meios de produção considera apenas a técnica utilizada para a otimização da

produção, cuja divisão do trabalho e o seu correspondente aprimoramento

melhoram os resultados da produção; se o agente produtivo é escravo,

empregado, artesão ou até mesmo uma máquina, os aspectos sociais não são

considerados.

FOLADORI demonstra que não é somente o conteúdo material, ou técnico,

que contribui para desequilíbrio ambiental, o desenvolvimento de novas

tecnologias para o melhor aproveitamento dos meios de produção também

contribuem para a destruição do meio ambiente.

O aprimoramento de novas tecnologias do sistema produtivo possui

relação direta com a forma social de produção, pois são decisivas na

determinação dos instrumentos a serem utilizados na produção, bem como o seu

ritmo e a sua relação com o meio ambiente.

FOLADORI (2001, p. 105-106) cita como exemplo a relação escravagista

da Antiguidade Clássica. O escravo ao desenvolver uma atividade produtiva, não

possuía interesse pelo aprimoramento dos meios de produção do trabalho,

menos ainda a sociedade antiga, que considerava o trabalho degradante. Novas

tecnologias não eram desenvolvidas a fim de aprimorar o processo produtivo, não

59

causando maiores impactos à natureza, pois toda a matéria-prima dela é

extraída, pela velocidade de regeneração do meio ambiente em relação ao

consumo de insumos dela extraídos.

Por outro lado, a Economia mercantil se caracteriza pelo incentivo à

concorrência, o que acarretou no rápido desenvolvimento de tecnologias no

processo produtivo. Conseqüentemente, tornou a produção mais eficiente

exigindo ainda mais matéria-prima na produção de seus produtos. Assim, a

velocidade da natureza em repor os bens dela retirados foi superada pela

velocidade que a Indústria dela os retirava. A partir desse momento, a

sustentabilidade existente entre o Homem e a Natureza passou a entrar em risco.

O que o Autor ressalta é a forma como o estudo das relações sociais é

negligenciado em relação ao conteúdo material – técnico – dos meios de

produção, pois, conforme demonstrado, é um aspecto fundamental para a análise

dos problemas sociais e ambientais vividos hoje.

Essa miopia dos analistas em não “perceber” as externalidades sociais e

ambientais do processo produtivo se deve ao fato de que elas não pertencem à

lógica de mercado.

Duas situações podem ser apontadas nesse sentido (FOLADORI, 2001, p.

146/147): a complexidade da avaliação dos custos sociais ou ambientais e a

dificuldade de aferição de preço de bens inestimáveis.

A avaliação dos custos sociais ou ambientais sempre foi um aspecto difícil

de ser identificado nos meios de produção, uma vez que a lógica de mercado

sempre esteve estruturada no binômio oferta e procura. Se não é possível aferir

valor pecuniário de um produto ou bem, este é ignorado ou não faz parte do

mercado.

Um exemplo de externalidade negativa ambiental são os resíduos

decorrentes do consumo de materiais de polipropileno, cuja absorção pela

natureza demora centenas de anos. O fabricante de sacos plásticos ou garrafas

descartáveis não possui a preocupação de contabilizar o dano ambiental causado

pelo uso de seu material, seja por indiferença ou por não dispor de instrumentos

necessários para aferir o impacto que aquele produto na natureza pode causar. É

senso comum que a poluição causada por esse material já atingiu proporções

mundiais, atingindo oceanos, rios, matas, etc.

60

Não menos difícil de aferir é o custo social da atividade fim da empresa,

porque o próprio produto produzido pode diretamente resultar em externalidades

negativas, tais como: fábricas de armas de fogo, cervejarias, herbicidas, etc.

A aferição de custo de bens inestimáveis também é um desafio presente na

Economia. A dificuldade de traduzir valor pecuniário a bens que tradicionalmente

não possuem valor seja pela sua abundância, tais como o ar, a água, ou pela sua

singularidade.

A alternativa para corrigir essas distorções do mercado, é inserir essas

externalidades na lógica de mercado atribuindo valor a estes elementos.

Apesar da difícil aferição de valor pecuniário, algumas alternativas têm sido

estudadas tais como a taxação de determinados insumos e a criação de

mecanismos de controle e planejamento do uso de recursos naturais e de

geração de resíduos.

É possível concluir que o desenvolvimento sustentável é um instrumento

que busca a harmonia entre três eixos principais: crescimento econômico, justiça

social e meio ambiente. O desenvolvimento desses três elementos deve ocorrer

de forma permanente e de forma sustentável sem comprometer seu equilíbrio.

3.1.5 O desenvolvimento e a ordem jurídica brasileira

A busca por desenvolvimento ainda influencia profundamente o

comportamento do Estado brasileiro, de tal forma que se encontra na base do

ordenamento jurídico.

O desenvolvimento nacional é um dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil42, que possui eficácia vertical em relação às três esferas do

Poder, especialmente em relação ao legislador, à realização dos preceitos do

desenvolvimento nacional.

42Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

61

Segundo CANOTILHO (2000, p. 1130), os preceitos definidores do Estado

são princípios constitucionais impositivos os quais “subsumem-se todos os

princípios que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo o legislador, a realização

de fins e execução de tarefas”. O desenvolvimento nacional, na qualidade de

princípio constitucional impositivo, impõe ao Estado a realização e execução de

preceitos definidores dos fins do Estado. O legislador possui papel fundamental

na realização do desenvolvimento nacional, que, por meio da legislação vigente,

indicará ao Estado a forma que se promoverá esse desenvolvimento.

Ronald DWORKIN (1987, p. 22 apud. GRAU, 1997, p. 84), por outro lado,

não define esses preceitos do Estado como princípios, mas como diretrizes, que

seriam “pautas” que estabelecem objetivos a serem alcançados, que geralmente

referem-se a aspectos econômicos, políticos ou sociais.

A Constituição da República ao atribuir status de preceito fundamental ao

desenvolvimento nacional, inseriu no ordenamento jurídico brasileiro um

programa social e econômico a ser perseguido por todos os Poderes, de tal

maneira que o Estado obrigatoriamente deve desenvolver mecanismos de

desenvolvimento nacional.

Conforme estudado no tópico anterior, o termo desenvolvimento não é

sinônimo de crescimento econômico, mas de desenvolvimento social, cultural e

ambiental. Destaque-se que trata de um desenvolvimento qualitativo, e não

quantitativo.

Assim, a idéia de desenvolvimento representa a realização de um

processo de mobilidade social, contínua e intermitente. O processo de

desenvolvimento deve promover o avanço das camadas sociais, a fim de que

haja uma concreta elevação de estrutura social, bem como a elevação do nível

econômico e do nível cultural-intelectual (GRAU, 1997, p 238-239).

O Estado deve atuar de forma positiva, no sentido de promover o

desenvolvimento nacional, por meio do Poder Legislativo, regulamentando as

diversas formas de implementação do desenvolvimento, e do Poder Executivo na

realização de políticas públicas para sua concretização.

O artigo 174 da Constituição da República é um desses instrumentos

relativos ao desenvolvimento nacional. Além de atribuir ao Estado o status de

agente normativo e regulador da atividade econômica, determina que a norma

infraconstitucional estabeleça diretrizes e base de planejamento para o

62

desenvolvimento nacional equilibrado, compatibilizando os planos nacionais e

regionais de desenvolvimento43.

SALOMÃO FILHO (2002, p. 41-56), adepto da teoria do

desenvolvimentismo44, fundamenta que o desenvolvimento pode ser alcançado

da seguinte forma:

Confrontada essa constatação com a existência de absoluta concentração de poderes estrutural em tais Economias, o segredo para o desenvolvimento está, exatamente, em descobrir um método para eliminar essas imperfeições estruturais através da, ou fomentando a, difusão do conhecimento econômico. Sendo estas imperfeições estruturais decorrentes, precisamente, da inexistência de processo de formação de conhecimento econômico e de escolha social próprias, o principal objetivo de uma teoria jurídica desenvolvimentista deve ser exatamente este.

A teoria jurídica desenvolvimentista, segundo o Autor (SALOMÃO FILHO,

2002, p. 41-56) possui três princípios regulatórios desenvolvimentistas que regem

o Instituto: redistributivo, difusão do conhecimento econômico e estímulo à

cooperação.

O princípio redistributivo possui como fundamento a gestão de valores e

não de objetivos econômicos, devendo cumprir um papel de redistribuição de

riquezas que o mercado não assumiria. De certa forma, o Estado já cumpre o

papel distributivo mediante a tributação, recolhendo impostos de quem possui

maior capacidade contributiva e distribuindo por meio de serviços públicos e

políticas públicas.

Essa redistribuição não é atividade exclusiva do Direito Tributário, nem

deve ser apenas objeto de estudo do ramo do Direito. Os manuais de

administração, por exemplo, indicam que quanto mais próxima ao problema e

maior especialidade houver na gestão, haverá maior eficiência. A maior eficiência

poderá ser obtida pela redistribuição setorial, e não apenas de forma

macroeconômica.

43 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. 44 Teoria que afirma que os processos de desenvolvimentos dependem de instituições e valores.

63

A redistribuição de riqueza pode ser realizada de várias formas, algumas

mais eficazes conjugam instrumentos tributários setoriais com medidas

regulatórias (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 41-42).

O princípio da difusão do conhecimento econômico parte do pressuposto

de que a centralização ou teorização do conhecimento econômico leva a

resultados econômicos socialmente negativos. Cabe, dessa forma, a promoção

da transmissão do conhecimento econômico à sociedade por meio de regulação.

Conforme esse princípio, o conhecimento econômico não deve ser centralizado

ou teorizado, deve ser universalizado para que seja aplicado individualmente

pelos membros da sociedade a fim de garantir o melhor uso dos instrumentos de

conhecimento da Economia e de proporcionar uma visão mais democrática dos

seus mecanismos de funcionamento para que seus partícipes possam formular

escolhas livremente (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 44-50).

O princípio do estimulo à cooperação é fundamental para a construção de

um desenvolvimento permanente. Pode ser considerado como o último estágio

para a aplicação dos princípios anteriormente mencionados. A democracia

econômica, com a difusão do conhecimento econômico de todos os membros da

sociedade, é um instrumento importante para que os agentes econômicos sejam

capazes de escolher livremente. Porém, para proporcionar a plena democracia

econômica, é necessário que ocorra a inclusão de participantes no processo de

escolha por meio da redistribuição de riqueza, pois a exclusão social e a

concentração de poder econômico não permitem a livre escolha (SALOMÃO

FILHO, 2002, p. 50-56).

Contudo, essas medidas apenas garantem que os participantes do

processo econômico sejam capazes de escolher livremente, é preciso que seja

possível que os agentes possam comparar escolhas individuais com escolhas

sociais.

A questão da cooperação gira em torna da questão “Como, e em que

circunstância, é possível fazer com que o indivíduo, naturalmente e de esponte

própria, coopere com seu semelhante.”(SALOMÃO FILHO, 2002, p. 50).

A resposta, consoante SALOMÃO FILHO (2002, p. 50), indica que a

existência ou não de cooperação decorre da função direta da existência de

condições e instituições que permitam o seu desenvolvimento. O surgimento da

cooperação depende de informação sobre os participantes do processo

64

econômico, para que tenham liberdade de optar entre o individualismo e o

cooperativismo.

Um exemplo trazido pelo Autor relativo à questão do

individualismo/cooperativismo é o do dilema do prisioneiro45, cuja decisão

individual se sobrepõe à decisão cooperada. O dilema do prisioneiro, analisado

sob a perspectiva da teoria dos jogos, possibilita concluir que para se atingir o

sucesso de soluções cooperadas, é necessário ter três condições mínimas:

pequeno número de participantes, existência de informação sobre os demais e a

relação de existência de relação continuada entre os agentes.

A relação continuada entre os agentes, bem como a existência de

informação, são condições que propiciam a maior possibilidade de existência de

cooperação.

Ocorre que as relações de mercado não contribuem para o surgimento

dessas condições. Os fatores são inúmeros, ocorrem desde a falta de informação

à ausência da noção de relações continuadas.

A partir desse ponto, é necessário que o Estado crie regras claras e justas

para que estimule os agentes do mercado a agirem de forma cooperada. Um

instrumento são as agências reguladoras, que podem estabelecer regras para

estimular a opção da cooperação. Entretanto, o Autor critica a forma de

intervenção econômica estabelecida no Brasil, baseada na crença de que

possuem conhecimento de todas as informações necessárias para determinar as

variáveis de mercado, informações baseadas apenas no preço e quantidade

produzida. Para corrigir essa distorção é necessário que o Estado crie

instrumentos para conhecimento, e de forma setorial especializada, para que, em

um segundo momento, possa criar regras compatíveis para estimular a

cooperação entre os agentes (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 59-60).

45 O dilema do prisioneiro é um dos primeiros modelos teóricos sobre o qual se estruturou a moderna teoria dos jogos. Sua estrutura é bastante simples. Imaginem-se dois prisioneiros, a serem interrogados pela prática do mesmo crime, e suponha-se que a cada um deles é dito que, se confessar e delatar o outro, será perdoado e o outro terá pena máxima (por hipótese, 20 anos), no entanto que se ambos confessarem e delatarem, ambos terão a pena básica do crime (por hipótese, 10 anos). Por outro lado, se nenhum dos dois confessar, serão aplicadas penas de 5 anos para cada um, relativa ao crime mais simples (por hipótese, o único que é possível demonstrar sem a confissão). O comportamento estratégico individual leva ambos os jogadores a confessarem. Essa é, seguramente, a melhor estratégia individual, pois qualquer que seja o comportamento do outro jogador (e imaginando-se sempre que o outro jogador adotará uma estratégia individual), o comportamento mais conveniente será sempre confessar (pois se o outro não confessar, o primeiro jogador estará livre e se o outro confessar, o primeiro jogador terá evitado a pena máxima). O que ocorre é que, nesse caso, as estratégias individuais representam para os prisioneiros uma opção pior que o comportamento que visa à maximização da utilidade coletiva (que ocorreria se nenhum dos dois confessasse) (SALOMÃO FILHO, 2005, p. 51).

65

É preciso ressalvar que o Estado possui inúmeros instrumentos para

realizar a normatização46 do mercado tais como: tributos parafiscais, leis, poder

de polícia da Administração Pública, agências reguladoras, etc.

Por meio desses instrumentos normativos, o Estado pode implementar

políticas públicas47, podendo alterar as relações sociais existentes e promovendo

o pleno desenvolvimento nacional.

46 O termo normatização foi aqui utilizado para ressaltar a abrangência do poder de regulamentação do Estado, o qual não se restringe a agências reguladoras. 47 As políticas são chamadas de públicas, quando estas ações são comandadas pelos agentes estatais e destinadas a alterar as relações sociais existentes. São políticas públicas porque são manifestações das relações de forças sociais refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais diversos, para produzir efeitos modificadores na vida social. São políticas públicas porque empreendidas pelos agentes públicos competentes, destinados a alterar as relações sociais estabelecidas. (DERANI, 2002, p. 239)

66

4 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

4.1 Breves considerações sobre a noção de empresa

As empresas privadas são agentes fundamentais nas relações

econômicas, sociais e ambientais; foram instrumento de revoluções,

influenciaram a cultura e as relações sociais, promoveram desenvolvimento,

financiaram guerras, desenvolveram tecnologias nunca antes vistas, geraram

miséria e também bem-estar social. São tantos aspectos contraditórios que

despertam vários sentimentos no Homem.

A função das sociedades empresariais foi objeto de diversas

transformações no decorrer da história, o que indica um vasto número de teorias

sobre o assunto. Não é pretensão do presente estudo esgotar todas as teorias

referentes às sociedades empresariais, apenas promover uma construção teórica

sobre a função das sociedades empresariais e da relação jurídica e econômica

entre a empresa e a sociedade.

Indispensável é a análise das teorias do contratualismo e institucionalismo,

entretanto, essas teorias, não esgotam todo o estudo sobre a matéria, pois foram

elaborados em períodos econômicos muito diferentes ao vivido atualmente,

porém fundamentais para compreender o desenvolvimento de algumas teorias

hoje utilizadas.

A diferença básica entre as duas teorias segundo SALOMÃO FILHO (2002,

p. 26) é: (i) a concepção da sociedade como contrato; (ii) a sociedade concebida

e organizada como instituição.

A concepção contratualista pode ser dividida em clássica e moderna, cujo

objeto em ambas reduz-se ao interesse dos sócios, a concepção institucionalista,

por outro lado, considera a complexidade da organização empresarial, cuja teoria

pode ser dividida em publicista e integracionista. Essas teorias foram

fundamentais para desenvolver as teorias modernas sobre a empresa.

67

A seguir demonstrar-se-ão, de forma sucinta, os fundamentos dessas

teorias.

4.1.1 A teoria contratualista clássica

Basicamente, as teorias contratualistas possuem como fundamento o

interesse social das sociedades empresarias. Ao contrário do que a expressão

sugere, o “interesse social” refere-se ao único e exclusivo interesse dos sócios.

Toda a atividade desenvolvida pela empresa possui como base a satisfação do

interesse dos sócios, o qual, em regra, limita-se à lucratividade da empresa.

Ainda que não se deva considerar única e exclusivamente o interesse dos

sócios, este sobressai soberanamente em muitas oportunidades. Essa é uma

verdade que emerge sempre que uma empresa passa por alterações ou é

dissolvida pelos sócios, que podem fazê-lo se e quando desejarem (desde que,

obviamente, não esbarrem em nenhum comando normativo), sem que para isto

devam indicar os motivos; ninguém senão os sócios podem modificar ou extinguir

sem motivação uma empresa. Esta observação, ressalte-se, é apenas ilustrativa

e, portanto, insuficiente para antecipar conclusões ou, pior, generalizações

juridicamente indevidas. O assunto, enfim, não se esgota aqui, não é simples e

exige a avaliação de outros aspectos que, na seqüência serão objeto de análise.

Um dos principais defensores da teoria contratualista clássica foi P. G.

JAEGER (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 27); para o Autor, o interesse social

representa um conceito concreto, definível apenas quando comparado com o

interesse do sócio para a aplicação de regras sobre conflito de interesses, ou

seja, o interesse dos sócios é soberano não sendo admitida qualquer

interferência na decisão da sociedade.

Assim, a empresa nada mais seria do que um instrumento dos sócios a fim

de otimizar a lucratividade desenvolvida pela atividade. Deve-se observar que

nem sempre o aumento da lucratividade representa resultados benéficos à

sociedade empresarial.

68

Algumas decisões tomadas pelos sócios podem ter repercussões

favoráveis para a majoração do lucro, mas podem ser catastróficos para a

sobrevivência da empresa48.

Diante dessa perspectiva, a noção de interesse social passou a considerar

também o interesse dos sócios futuros, visto que a busca imensurada pelo lucro

representava a falência da sociedade, trazendo perspectivas de longo prazo à

empresa visando a sua preservação.

Na prática, o contratualismo clássico sob a perspectiva dos sócios futuros

pouco se distingue da teoria institucionalista (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 27),

pois pode sofrer controle do Estado.

4.1.2 A teoria contratualista moderna

A teoria contratualista clássica não poderia sobreviver às empresas de

capital aberto, porque não pode, e não deve, ter o seu interesse exclusivamente

definido pelos sócios atuais (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 29).

A teoria contratualista moderna rompe com a absoluta autonomia dos

sócios, uma vez que a sociedade passa a não considerar apenas o interesse do

grupo de sócios atuais, atribuindo a eles (sócios atuais) a responsabilidade de

tutelar os interesses de sócios futuros introduzindo a noção de preservação da

empresa. Tal modificação no conceito de interesse social atribui ao sócio atual

maior responsabilidade em suas decisões, mantendo a maximização do lucro

conjugada ao interesse na preservação da empresa. Esta teoria adota a pré-

definição do interesse social da empresa, não podendo ser alterado pelos sócios

atuais, ou gestores, tutelando o interesse dos futuros sócios acionistas.

As decisões da empresa passaram a ter outra perspectiva, o que Autorizou

a interferência do Estado sobre a conduta dos sócios, seja sob a instituição de

regras ou pela atuação do Poder Judiciário.

48 tais como: demissão não planejada de grande número de funcionários, a aquisição de insumos de baixo preço comprometendo a qualidade do produto, a venda da empresa, etc.

69

4.1.3 A teoria institucionalista publicista

Foi na Alemanha que esta teoria obteve sua maior contribuição. Inspirada

nas repercussões negativas do primeiro pós-guerra, desenvolvida por W.

RATHENAU, economista e homem de negócios, pretendia utilizar as grandes

empresas para promover a reconstrução da Alemanha . RATHENAU entendia

que as grandes sociedades privadas seriam instrumentos de renascimento

econômico da Alemanha arrasada pela primeira Grande Guerra, pois cumpriam

uma função imprescindível para o desenvolvimento da nação, voltada para o

crescimento econômico e a contratação da mão-de-obra do operariado alemão. A

concepção da grande sociedade, segundo RATHENAU, era de uma “instituição

não-redutível ao interesse dos sócios” (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 31).

A teoria de Rathenau traduziu em termos jurídicos a função econômica da

macroempresa voltada para o interesse público e não ao interesse privado dos

sócios, ou seja, não voltado exclusivamente ao lucro. Essa mudança de

perspectiva da grande empresa ocorreria por meio da valorização do “órgão de

administração” da sociedade por ações, por se tratar de um órgão neutro apto à

defesa do interesse empresarial49. A valorização do órgão de administração

ensejou a diminuição da importância da Assembléia e dos sócios minoritários

(SALOMÃO FILHO, 2002, p. 32).

A partir da metade do século XX, a teoria institucionalista publicista entrou

em crise, sofrendo severas críticas em relação à independência e

irresponsabilidade dos administradores em relação aos acionistas, culminando na

atuação do Estado, pela normatização das relações entre administração e

acionistas, restabelecendo o papel da Assembléia de acionistas e garantindo o

Direito dos acionistas minoritários (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 32)

A teoria institucionalista publicista fracassou porque muitas vezes a função

social da empresa não despertava o interesse dos sócios, cujo objetivo principal

era o lucro.

49 Os críticos dessa teoria argumentam que a administração não é um órgão neutro de defesa do interesse social, mas sim dos interesses dos sócios majoritários, em detrimento do interesse dos sócios minoritários. (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 32 apud P. G. JAEGER, p. 29)

70

4.1.4 A teoria institucionalista integracionista ou organizativa

O legado deixado pela teoria institucionalista publicista, não obstante o seu

fracasso, foi a produção de uma rica construção doutrinária e uma oportuna

produção normativa do Estado Alemão sobre as relações internas das

sociedades abertas, especialmente sobre a participação operária nos órgãos de

direção dessas empresas (SALOMÃO FILHO, 2002. p. 32-33).

Até o surgimento da respectiva regulamentação sobre os princípios

institucionalistas, a Doutrina Alemã já alertava sobre o não reconhecimento dos

interesses dos trabalhadores, dos acionistas minoritários e da coletividade, das

normas que regulamentavam as sociedades de capital aberto à época, as quais

conferiam o controle da empresa ao órgão controlador vinculado com os

interesses dos acionistas majoritários.

A teoria integracionista possuía como finalidade a preservação da

empresa, ao contrário da teoria publicista que buscava a satisfação do interesse

público. A grande diferença do integracionismo, é que o sistema normativo

Alemão buscou harmonizar os interesses dos sócios e dos operários, integrando

os trabalhadores nas decisões no processo produtivo o qual participavam

(SALOMÃO FILHO, 2002, p. 34).

Essa nova forma de institucionalismo representou uma grande modificação

do modelo anterior; a preocupação passou a ser relativa à forma de organização

da empresa, deixando o conceito de personalidade jurídica para segundo plano.

Essa mudança de enfoque propiciou o avanço do estudo do modelo

organizacional mais apto a compor a tutela do interesse não redutível ao

interesse do grupo de acionistas majoritários e do interesse na manutenção da

empresa.

A modificação ocorreu de tal modo que a concepção de empresa deixou o

aspecto do contrato social, que representava a empresa, e passou a ser uma

instituição vinculada a um tipo de organização mais apta para garantir a sua

existência (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 35).

71

4.1.5 A empresa sob a análise econômica do Direito

Atualmente, o Direito societário é analisado sob uma perspectiva

interdisciplinar, não apenas comunicando-se com outros ramos do Direito, mas

também alimentando-se dos estudos e noções produzidos no âmbito das outras

ciências, especialmente a Economia. Esse estudo visa analisar os efeitos

econômicos das regras societárias, que passam a ser identificadas com a

chamada “Teoria da Eficiência”, que segundo SALOMÃO FILHO (2002. p. 38-40),

pode ser identificada da seguinte forma:

O que a teoria da eficiência aplicada ao Direito pretende é, na verdade, atribuir valor absoluto às premissas econômicas, capazes de indicar diretamente o sentido das regras jurídicas, sem que isso possa ser contestado com base em considerações valorativas ou distributivas. Isso é feito através da utilização de conceitos econômicos aos quais pretende-se atribuir certeza matemática.

O Autor apresenta críticas quanto à aplicação da análise econômica do

Direito. Fundamenta que, inobstante a existência de interdisciplinariedade entre o

Direito e a Economia naquelas situações em que o operador do Direito

necessariamente deve considerar as relações causais sugeridas pelas teorias

econômicas, as premissas utilizadas para o desenvolvimento dessas teorias não

devem ser utilizadas automaticamente, porque desconsideram a valoração da

aplicação da norma jurídica. Em outras palavras, a teoria aplicada não deve ser

utilizada de forma exclusivamente analítica, deve atribuir-lhe caráter valorativo,

para que o exame da teoria atinja sua verdadeira utilidade (SALOMÃO FILHO,

2002, p. 40).

Essa ressalva apresentada pelo Autor é de fundamental importância para o

desenvolvimento do presente trabalho, pois diversas teorias foram apropriadas do

ramo da Economia. Por conta dessa apropriação, aprioristicamente, algumas

noções trazidas à lume podem ser incompatíveis às noções tradicionalmente

consagradas pelo Direito, se analisadas exclusivamente sob essa perspectiva,

hipótese que se pretende dirimir com o desenvolvimento do trabalho.

72

Conforme os teóricos clássicos da análise econômica do Direito, a empresa

é vista como um feixe de contratos, ou como um “agente subscritor” de um grupo

de contratos, iniciando pelos contratos assinados pelos sócios, fornecedores,

clientes, trabalhadores até os contratos de empréstimo utilizados para capitalizar

a empresa (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 41).

Essa teoria utiliza conceitos de Direito, no caso os contratos, de forma a

adequar a sua correspondente manifestação econômica por meio dos agentes

envolvidos no processo produtivo. O grande problema para esse tipo de estrutura

organizacional é a forma de controle sobre ela exercida. São diversos os fatores

a serem considerados na gestão dessa forma de atividade50.

Consoante SALOMÃO FILHO (2002, p. 42), a conseqüência de todos

esses fatores é a conclusão de que o interesse da empresa não pode mais ser

identificado como o exclusivo interesse dos sócios51, nem tampouco à sua

imensurada autopreservação52. O interesse da empresa deve estar vinculado “à

criação de uma organização capaz de estruturar de forma mais eficiente – no

caso eficiência distributiva, não alocativa – as relações jurídicas que envolvem a

sociedade”.

A empresa seria reconhecida como um feixe de contratos que envolveria

todos os agentes envolvidos no processo produtivo objeto da atividade.

4.1.6 A teoria do contrato organização

Apesar da grande influência da ciência Econômica na concepção do

contrato organização, não é uma teoria econômica, mas sim jurídica (SALOMÃO

FILHO, 2002, p. 43). O não há redução do interesse da sociedade representado

por uma organização direcionada ao objetivo da otimização da lucratividade.

A análise da sociedade como uma organização é garantia da melhor

gestão dos interesses envolvidos e na solução dos conflitos nela existentes.

50 Nesse caso, devem ser consideradas duas formas de controle: a interna e a externa. A interna relaciona-se ao controle acionário dos sócios, que pode possuir equivalência substancial ao controle externo, no caso dos interessados nos contratos vinculados com a empresa. 51 Como ocorria na teoria do contratualismo. 52 Conforme no período mais extremado do institucionalismo.

73

Ao contrário do contratualismo e do institucionalismo, que buscavam

interesses voltados para fora da empresa, o contrato organização possui como

objetivo a formação de uma estrutura organizacional capaz de solucionar os

conflitos entre os feixes de contrato existentes na atividade empresarial.

O fundamento da teoria do contrato organização refere-se à noção de

empresa como uma entidade ou agente econômico que administra um feixe de

contratos relativos à atividade por ela desenvolvida. Os partícipes desse feixe de

contratos são todos os agentes envolvidos no processo produtivo, tais como:

empregados, fornecedores, consumidores, sócios majoritários e minoritários,

concorrentes, meio ambiente, etc.

A valorização da institucionalização do processo organizativo empresarial

busca valores distintos na realização da atividade. A gestão de interesses ou a

capacidade de dirimir conflitos entre os agentes envolvidos no processo produtivo

é a ferramenta principal dessa teoria. Na hipótese da incapacidade da empresa

em gerir determinados conflitos, o Estado pode interferir como agente regulador

destes conflitos.

Segundo SALOMÃO FILHO ( 2002, p. 44), essa nova concepção jurídica

sobre sociedade empresarial, corresponde a novas formas de organização

econômica, como por exemplo os consórcios modulares.

Os consórcios modulares são muito utilizados pelas montadoras de

veículos, cuja empresa passa a ser um centro de integração entre vários

fornecedores. Esse instrumento faz com que a montadora apenas forneça o

espaço físico para que os fornecedores montem as peças diretamente no veículo.

A empresa passa a ser uma forma pura de feixe de contratos, que permite

a diminuição dos custos e melhoria na qualidade, pois a mão-de-obra empregada

teoricamente é mais especializada quanto às características do produto.

De certo modo, a teoria organizacionista já se manifesta de diversas

formas na atividade empresarial. Não é rara a existência de funcionários

terceirizados que executam sua atividade dentro da estrutura física da empresa

tomadora do serviço, veja-se, por exemplo, as atividades de faxina e segurança.

Outras empresas vão além, terceirizam até mesmo a atividade fim de seu

objeto social. É praxe entre as empresas de construção civil organizar sua

estrutura com base em diversos contratos de empreitada, cada um relativo a uma

fase da construção da obra.

74

Conforme essa teoria, o objetivo das empresas está calcado no constante

aperfeiçoamento da organização. CALIXTO SALOMÃO (2002, p. 44-45) sugere o

seu aprimoramento pela cooperação, segundo a teoria dos jogos53.

Sobre a utilização da cooperação como forma de aprimoramento e

manutenção da organização, é interessante exemplificar por meio da gestão

administrativa de supermercados. A administração organiza os contratos com

seus fornecedores, que, por sua vez, tem a obrigação de dispor de seus produtos

da melhor forma possível na prateleira. Basicamente, cada prateleira de produtos

representa uma ou várias empresas que dispõem e organizam seus produtos de

acordo com as determinações da administração do supermercado. A submissão

desses fornecedores decorre do interesse pela manutenção do próprio modelo de

organização, pois este agente econômico da atividade referida possui o

conhecimento de que os demais agentes também submeter-se-ão às regras

estabelecidas, garantindo qualidade compatível ao seu produto.

A empresa analisada sob a perspectiva de “firma contratual” organizadora

de um feixe de contratos, ajudou a fundamentar o “Teorema de Coase”, famoso

por internalizar as externalidades no processo produtivo (SZTAJN, 2002, p. 106).

Conforme será visto adiante, a teoria do contrato organização também

torna possível a promoção da internalização das externalidades decorrentes da

atividade do serviço público.

4.2 O contrato de concessão sob a perspectiva da teoria do contrato organização

A característica plurilateral de natureza organizacional e associativa dos

contratos de concessão, bem como a possibilidade de inferência da

Administração Pública no exercício da atividade, possibilita o estudo do Instituto

sob o enfoque de uma teoria de Direito empresarial. Observe-se, todavia, que o

caráter plurilateral do contrato de concessão não se confunde com o caráter de

mesmo nome que se verifica na hipótese das pessoas jurídicas do tipo res

53 Conforme visto no item 2.1.5, devem estar presente três requisitos: poucos participantes, informação ampla e recíproca e relação continuada.

75

personnarum, onde a pluralidade de pessoas que as integram têm identidade de

Direitos e deveres.

As semelhanças das relações existentes na concessão com a teoria do

contrato organização são inúmeras.

Em linhas gerais é possível destacar ao menos três ordens de interesses

básicos relacionados nas concessões, quais sejam: os do particular outorgado,

do Poder Público e do usuário54. É claro que o usuário não é parte no contrato,

sequer o assina, mas seus Direitos são assegurados genericamente pela norma

jurídica e especificamente pelas normas do serviço, ou regulamentares, inseridas

pelo Poder Concedente no instrumento do contrato de concessão.

Cada agente possui interesse na existência da organização, pois o nexo de

contratos existente da atividade concedida em tese satisfaz as necessidades de

todos, formando um vínculo de interdependência entre os atores da relação. O

papel do particular, titular da outorga, é de organizar esse feixe de contratos e

gerir conflitos de interesses.

Ao contrário da entidade empresarial, que estabelece a organização

institucional de acordo com sua livre vontade, a concessão de serviço público

possui diversos dispositivos normativos que determinam a participação ativa dos

agentes envolvidos na prestação do serviço público. A Lei de Concessões

determina que tanto o Poder Concedente quanto o Concessionário prestem

informações sobre a qualidade do serviço aos usuários, para defenderem seus

Direitos, bem como estimulem a formação de associações para a defesa de

interesses relativos ao serviço. Também determina que os fornecedores do

outorgado submetam-se, na execução das atividades contratadas, às normas

regulamentares do serviço público. A interferência estatal ainda pode manifestar-

se por meio de normas infraconstitucionais, agências reguladoras e do poder de

modificação unilateral das cláusulas exorbitantes do Poder Concedente.

Com base nessa interferência da Administração Pública na gestão da

empresa outorgada, é possível afirmar que existe bastante estímulo para que o

particular organize sua atividade sob a perspectiva da teoria do feixe de

contratos.

54 Não estão sendo considerados concessionárias, fornecedores e prestadores de serviço que podem compor os interesses do particular Concedido.

76

O fato de a concessão de serviço público tratar de uma relação continuada,

visto que os contratos de concessão, em regra, possuem prazo de vigência

relativamente longos, tornam ainda maiores os motivos para o desenvolvimento

de técnicas organizacionais.

A otimização da estrutura organizacional do concedido visa atingir o melhor

custo benefício da atividade, pela otimização do lucro do particular conjugado à

melhor qualidade no serviço prestado.

É evidente que o outorgado não possui a mesma flexibilidade que o

particular em gerir sua estrutura organizacional, face às amarras legislativas de

subconcessão e outros instrumentos, mas ainda existem diversas ferramentas

disponíveis para se atingir a adequação necessária do serviço público.

4.3 A função social da empresa

O Autor do presente trabalho se propõe a analisar a existência ou não de

função social das empresas prestadoras de serviço público, com base na

apropriação de normas e princípios decorrentes do regime jurídico relativo ao

Instituto. Embora exista relação do tema com o assunto no âmbito do Direito Civil,

não serão analisadas as particularidades de natureza contratual ou extra-

contratual relativamente às empresas prestadoras de serviço público. O trabalho

centrar-se-á na análise do regime jurídico das concessões.

No entanto, antes da análise da função social da concessão de serviço

público, é necessário verificar o seu conteúdo jurídico perante particulares que

não possuem vinculação direta com a Administração Pública.

Para Miguel REALE (2003, p. A2), um dos pontos altos do Código Civil de

2002, é o artigo 421, por que:

na elaboração do ordenamento jurídico das relações privadas, o legislador

se encontra perante três opções possíveis: ou dá maior relevância aos

interesses individuais, como ocorria no Código Civil de 1916; ou dá

preferência aos valores coletivos, promovendo a ‘socialização dos

contratos’; ou, então, assume uma posição intermediária, combinando o

77

individual com o social de maneira complementar, segundo regras ou

cláusulas abertas propícias a soluções equitativas concretas.

O Jurista informa que a opção adotada é última, devendo portanto o

dispositivo mencionado ser interpretado de acordo com o caso concreto.

Fundamenta seu posicionamento através da função social da propriedade,

estendendo sua aplicação aos contratos. Afirma que os contratos interessam a

toda a coletividade, devendo sempre prevalecer o interesse coletivo sobre o

individual. Amplamente questionável, sem dúvida, pois inúmeros contratos o

interesse privado deve prevalecer, simplesmente pelo fato de envolver

determinado Direito fundamental da parte, por exemplo. O próprio Autor, porém

nos fornece elementos para um entendimento mais coerente, como se verá linhas

abaixo, onde a função social encontra sua razão de ser na dignidade da pessoa

humana e, conseqüentemente, não pode a ela sobrepor-se.

Segundo Ricardo FIUZA (2004, p. 374), a função social do contrato possui

origem na valoração da dignidade da pessoa humana, preceito fundamental, que

deve permear a ordem econômica e jurídica.

Ao submeter os contratos sob a regência de sua função social, instrumento

para a realização da dignidade humana, não se trata de indistintamente realizar

“filantropia” aos menos afortunados por meio das relações contratuais.

BESSA (2006, p. 141) vai além da função social da empresa, afirma que

existe uma responsabilidade social, distinguindo muito claramente a diferença

entre responsabilidade social e filantropia:

A responsabilidade social diz respeito ao agir em conformidade com o Direito, com a função social da empresa e com princípios de Direito privado, sempre orientados pelo princípio da boa-fé. E isso em toda e qualquer etapa do negócio. As balizas da livre-iniciativa – e, portanto, da responsabilidade social (lembrando que liberdade e responsabilidade são duas faces da mesma moeda) - , encontram-se no ordenamento jurídico e variam conforme a extensão do interesse público envolvido. Mas, quando se diz que a responsabilidade social implica atuar conforme os valores e balizas do ordenamento jurídico, não se pretende uma conotação de que, quando a empresa vai além das exigências legais, trata-se de filantropia e não de responsabilidade social. A diferença está em que, no caso da filantropia, este “ir além da lei” foge à atividade empresarial. Uma fundação cultural não se enquadra no objeto social descrito no contrato de uma indústria de calçados.

78

A responsabilidade social, conforme a Autora, não se refere à filantropia

das empresas, mas sim da obediência dos valores constitucionalmente

consagrados e das normas infraconstitucionais que os manifestam.

Oportuno observar que o termo responsabilidade não é empregado no

sentido de responsabilidade jurídica (patrimonial ou pessoal), mas em sentido

peculiar, o que, afinal, não configura qualquer impropriedade, pois o mesmo

ocorre com a utilização do mesmo termo reponsabilidade pela Lei de

Responsabilidade Fiscal, onde responsabilidade absolutamente nada tem a ver

com aquela capacidade e dever de alguém sempre que uma situação, a ela

atribuída juridicamente, invada o âmbito dos interesses alheios protegidos por

norma jurídica.

A análise possibilita, além de desmistificar o termo “responsabilidade

social”, atribuir limites à sua aplicação. Assim, é possível objetivamente delimitar

o âmbito de análise da responsabilidade social da empresa.

Os “limites” da responsabilidade social da empresa possuem relação direta

com os agentes envolvidos no processo produtivo da atividade. Consoante a

teoria do contrato organização estudada no item 4.1.6, é possível verificar a

relação entre os agentes envolvidos na atividade por meio do feixe de contratos

dela decorrente.

Em relação à cadeia produtiva é possível identificar os agentes envolvidos

na atividade empresarial: a empresa, os fornecedores, os trabalhadores, o

Governo, a população local e o consumidor.

O número de agentes participantes pode variar de acordo com a atividade

desenvolvida, bem como dos impactos social e ambiental decorrentes dessa

atividade.

A responsabilidade social das empresas pode ser um valioso instrumento

para o desenvolvimento nacional. Contudo, sua análise na seara jurídica ainda

precisa avançar muito.

De todo modo, noção de responsabilidade social não possui origem no

Direito e sim no mercado. Segundo o BNDES, o conceito de responsabilidade

social é:

O conceito de responsabilidade social corporativa (RSC) está associado ao reconhecimento de que as decisões e os resultados das atividades das companhias alcançam um universo de agentes sociais muito mais amplo

79

do que o composto por seus sócios e acionistas (shareholders). Desta forma, a responsabilidade social corporativa, ou cidadania empresarial, como também é chamada, enfatiza o impacto das atividades das empresas para os agentes com os quais interagem (stakeholders): empregados, fornecedores, clientes, consumidores, colaboradores, investidores, competidores, governos e comunidades. Este conceito expressa compromissos que vão além daqueles já compulsórios para as empresas, tais como o cumprimento das obrigações trabalhistas, tributárias e sociais, da legislação ambiental, de usos do solo e outros. Expressa, assim, a adoção e a difusão de valores, condutas e procedimentos que induzam e estimulem o contínuo aperfeiçoamento dos processos empresariais, para que também resultem em preservação e melhoria da qualidade de vida das sociedades, do ponto de vista ético, social e ambiental (BNDES – Relato Setorial nº1, 2000, p. 3)

A responsabilidade social não reflete apenas o interesse dos sócios da

empresa, mas se estende a todos os indivíduos, e bens jurídicos, envolvidos na

atividade. Impende ressalvar que a noção até pode ter origem no mercado, mas

será jurídica somente a partir do momento em que uma norma jurídica dela se

ocupe; caso contrário, não terá relevância para o Direito. Clara, afinal, e

inequivocamente, a Constituição da República libera qualquer um do dever de

fazer ou não fazer algo senão em virtude de lei (e na noção juridicamente

aceitável desse “algo” sem dúvida se inclui toda situação considerada pelo

mercado como de, mas de uma função social a cuja observância norma nenhuma

ainda tenha especificamente obrigado).

Em que pese, na prática, haver certa identidade das repercussões jurídicas

entre os termos “função social” e “responsabilidade social”, adotar-se-á aquele,

porque, além da inadequação a que já se fez breve referência, a noção de

responsabilidade social traz a idéia de uma atividade externa à empresa, ao

contrário da função social que traz consigo a idéia de atividade inerente à

empresa.

Consoante já se antecipou no presente trabalho, é evidente que a função

social da empresa deve possuir como ponto de partida a regulamentação por

parte do Poder Público, uma vez que trata da sujeição do particular a certas

obrigações decorrentes do ordenamento jurídico.

Há quem diga que a intervenção do Estado nas relações comerciais entre

particulares pode gerar efeitos negativos indesejados, inclusive o desestímulo à

atividade empresarial. Não obstante a presença de um certo radicalismo na

afirmação, há de reconhecer sua pertinência.

80

Segundo SZTAJN (2005, p. 40-41), a intervenção de uma terceira pessoa

externa à relação contratual pode interferir na confiança existente entre as partes,

gerando repercussões que ultrapassam a esfera contratual. Baseia sua crítica na

função social do contrato do artigo 421, do Código Civil, dispositivo legal que

permite a submissão dos contratos à revisão judicial.

A assimetria de informações das relações contratuais pode gerar decisões

muitas vezes desastrosas sob a perspectiva econômica. De acordo com a Autora,

essa interferência do Poder Público pode comprometer determinadas condutas

dos agentes econômicos, causando externalidades negativas perante todos os

agentes envolvidos na atividade. Cita como exemplo as decisões judiciais

proferidas em ações revisionais cujo objeto versou sobre os contratos de venda

futura de soja por agricultores à indústria.

A relação comercial entre as partes, agricultores e industriais, tratava da

compra futura de soja, que seria adquirida pelo valor à época da sua assinatura

com pagamento adiantado. A supervalorização do preço da soja e derivados

levou os agricultores a buscar tutela jurisdicional com o intuito de trazer

“equilíbrio” na relação contratual relativa à divisão dos lucros, com base na

função social do contrato.

A decisão favorável aos agricultores gerou uma quebra de confiança

perante a indústria que ultrapassou a esfera pessoal do contrato. Os industriais

passaram então a adquirir os insumos pelo preço de mercado vigente ao final da

safra. Essa mudança de comportamento perante o mercado gerou uma série de

efeitos negativos que prejudicaram principalmente os agricultores, pois a

antecipação da compra futura permitia aos agricultores a aquisição de sementes,

adubos, defensivos e outros insumos. O resultado foi o endividamento com

instituições financeiras, cujo risco anteriormente dividido com a indústria, passou

a recair exclusivamente sobre os agricultores.

No caso citado por SZTAJN, é possível constatar que a interferência do

Poder Judiciário e a assimetria de informações geraram um resultado comercial

desastroso.

Porém o fato de existirem externalidades negativas decorrentes da

intervenção do Poder Público cujo objetivo é a realização da função social, não

significa que não deva ser utilizada. Apesar do caso específico, e peculiar, acima

referido, são do conhecimento de todos inúmeras outras situações, não raro

81

muito semelhantes à descrita, nas quais a atuação estatal não produziu

externalidades negativas, ou até resultou em externalidades positivas, e muitas

vezes se fez necessária.

É claro que o Estado ao intervir em relações comerciais de particulares,

pode adotar medidas que desagradem ou inviabilizem a atividade mercantil.

Todavia, não significa que não deva atuar de forma técnica e pontual em

determinados segmentos do mercado a fim de manter o equilíbrio nas relações

comerciais.

82

5 A FUNÇÃO SOCIAL DAS PRESTADORAS DE SERVIÇO NA PRO MOÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONÔMICO

Conforme visto nos itens 2.2.1 e 2.2.2, a natureza jurídica do serviço

público submete-se tanto ao regime jurídico administrativo quanto ao regime

privado administrativo. Essa característica permite que os princípios e regras

presentes nos dois regimes possam ser aplicados de forma conjunta.

Os particulares prestadores de serviço público devem desenvolver

programas para a promoção do desenvolvimento de todos os agentes envolvidos

na atividade com base no preceito constitucional de desenvolvimento nacional;

subordinam-se também a algumas regras de Direito privado, cujo conteúdo

orienta a utilização de princípios como a boa-fé e a função social do contrato.

A grande questão da promoção do desenvolvimento dos agentes

econômicos partícipes da atividade pelo particular titular da outorga do serviço

público é: o particular poderia ser obrigado a promover o desenvolvimento? De

que forma ele pode ser obrigado? Quais os limites para a promoção do

desenvolvimento?

A identificação dos agentes econômicos envolvidos no processo produtivo

da atividade é um aspecto fundamental para responder a estas questões. Essa

análise será realizada segundo a teoria do contrato organização, apresentada no

item 4.1.6.

Consoante visto no item 3.2, a concessão do serviço público pode ser

analisada sob a perspectiva da organização de um feixe de contratos, por meio

de um agente econômico, inter-relacionados a uma atividade produtiva.

De acordo com os dispositivos legais relativos à espécie basicamente os

sujeitos envolvidos no contrato de concessão são: o Poder Público, o particular

titular da outorga e o usuário.

No entanto, para a análise da função social do Instituto, devem ser

incluídos nesse feixe de contratos os fornecedores, terceiros envolvidos, bens

sociais, econômicos e ambientais.

83

Sobre o regime jurídico aplicável a essa espécie de relação contratual

devem ser analisados os preceitos fundamentais contidos na Constituição da

República, as regras e princípios informativos das normas infraconstitucionais

que garantem a realização concreta daqueles, tais como: Código Civil, Lei de

Concessão de Serviço Público, Código de Defesa do Consumidor, Consolidação

das Leis Trabalhistas, agências reguladoras, etc.

Não obstante a adoção da teoria da aplicação de regime jurídico específico

de acordo com cada espécie de contrato de concessão (JUSTEN FILHO, 2003, p.

290), entende-se que as normas de Direito privado são aplicáveis apenas de

forma subsidiária em relação ao Poder Público, como bem demonstrado por

BACELLAR (2007, p. 176).

Esse capítulo trata da convergência dos estudos anteriormente apontados,

realizando uma construção teórica entre os vários Institutos apresentados,

utilizando algumas espécies de concessão de serviço público a fim de demonstrar

a factibilidade da internalização das externalidades presentes na atividade; ao

final apresenta alternativas para a aplicação concreta da função social da

concessão do serviço público.

5.1 A função social55 da concessão de serviço público

A Constituição da República representa a institucionalização de diversos

valores morais no ordenamento jurídico, o fato de esses valores terem sido

positivados pela Constituição a eles é atribuído valor político e status jurídico

diferenciados, seja pela vinculação da produção legislativa na promoção de sua

realização, seja pelas políticas públicas apresentadas pelos governos das

diversas esferas da Administração.

Um dos princípios fundamentais da Constituição da República é a

promoção do desenvolvimento nacional, cuja persecução repercute também na

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na erradicação da pobreza e

da marginalização, na redução das desigualdades sociais e regionais, na

55 função social como instrumento de desenvolvimento nacional.

84

realização da dignidade da pessoa humana entre outros valores

institucionalizados na Constituição e fora dela. A preocupação pela busca do

bem-estar da população brasileira pelo legislador constituinte é aparente, como

não poderia deixar de ser.

A busca pela dignidade da pessoa humana, por meio do desenvolvimento

nacional também é um dos objetivos fundamentais da República vinculando todas

as esferas do Estado na concretização desses objetivos. É importante destacar

que todos - os brasileiros - estão vinculados à Constituição e não apenas o

Estado e suas diversas Instituições.

A diferença que se apresenta entre os particulares56 e os órgãos públicos

na consecução do desenvolvimento nacional parece estar vinculada à

obrigatoriedade de sua promoção.

Ao contrário do Estado, o cidadão não pode ser constrangido a promover o

desenvolvimento nacional, ou qualquer outro dos objetivos fundamentais da

República.

O que aparentemente parece razoável, pois não se imagina, por exemplo,

o Ministério Público propondo ação para que determinado empresário “abra” um

comércio em determinada cidade, com o intuito de promover o desenvolvimento

da região, ou então promovendo ação pelo fato desse empresário estar se

omitindo na promoção de medidas para a erradicação da pobreza. Evidente que o

particular não pode ser constrangido da mesma forma que o Estado na promoção

desses objetivos presentes na Constituição, o que não exclui outras formas de

exigi-lo.

A questão que se coloca é se os particulares, titulares da outorga do

serviço público, podem ou não ser constrangidos a promover os objetivos da

Constituição, ou desempenhar sua função social, da mesma forma que o Poder

Público o é.

Para se responder a esta pergunta, recorrer-se-á à análise dos regimes

jurídicos aplicáveis à espécie.

Conforme visto nos itens 2.2.1 e 2.2.2, o serviço público pode se submeter

aos regimes jurídico-administrativo e privado administrativo. O contrário não

56 O termo “particular” refere-se às demais “pessoas” que não possuam natureza de Direito Público.

85

poderia ocorrer na outorga, pois, independente da sua execução por particular, a

atividade continua sendo serviço público.

O que de fato deve-se abstrair da aplicação dos dois regimes “ao mesmo

tempo”, é que, bem da verdade, não se trata da aplicação de dois regimes

jurídicos sobre um mesmo objeto, mas sim de uma terceira espécie de regime

jurídico.

Consoante as observações de JUSTEN FILHO (2003, p. 159), os

contratos administrativos não representam uma categoria homogênea,

principalmente nos contratos de concessão de serviço público, visto que as

peculiaridades da grande variedade de espécies de concessão tornam

impraticável a utilização de um regime jurídico geral para todas as espécies. O

assunto exige muita reflexão sobre a aplicação dos princípios e regras em cada

caso.

Já estabelecidas as ressalvas sobre a complexidade do regime jurídico

aplicável, com o estudo apresentado, é possível identificar linhas gerais sobre os

regimes jurídicos utilizáveis nos casos de concessão de serviço público.

Indiscutível é a aplicação do regime jurídico administrativo, já que

independentemente da sua execução por uma entidade privada, a atividade

continua sendo de titularidade do Estado, submetendo-se aos princípios

existentes na Constituição, na legislação infraconstitucional, e também no

contrato de concessão.

O estudo apontado no item 2.2.1 demonstra que o particular está vinculado

a esse regime por meio dos princípios da supremacia do interesse público e da

indisponibilidade dos bens públicos pela Administração e dos princípios

correspondentes.

A aplicação do regime jurídico administrativo vincula os atos

administrativos do outorgado aos objetivos da Constituição da República. Assim,

inexoravelmente o particular deve cumprir os preceitos constitucionais enquanto

investido na execução do serviço público.

Contudo, a complexidade da matéria exige análise mais profunda. De

acordo com BACELLAR FILHO (2007, p.97-109), a função administrativa do

Estado admite a aplicação de forma subsidiária de princípios e regras de Direito

Privado. É importante ressalvar que a aplicação desse regime não ocorre de

forma “pura”. Do mesmo modo que os regimes jurídicos público e privado regem

86

as relações administrativas de forma específica, podendo até se falar em regime

privado administrativo.

Há um enorme universo de princípios e normas de regime jurídico privado

aplicáveis no exercício da outorga do serviço público. Dentre eles, destacam-se

vários dispositivos, tais como: limitação da liberdade de contratar em razão da

função social do contrato; a presença de probidade e boa-fé na celebração dos

contratos; Direito dos consumidores; e outros.

Esses dispositivos podem ser considerados como instrumentos de

regulamentação das relações sociais entre os particulares.

Ora, a conduta de lealdade na celebração de contratos nada mais é do que

a manifestação de uma relação social, o que indica a manifestação do

ordenamento jurídico nas relações interpessoais.

O particular titular da outorga possui diferenças fundamentais em relação

ao servidor público na prestação direta do serviço público, pois aquele deve

submeter-se às normas e princípios de ordem privada que regulamentam suas

relações sociais, as quais, em princípio, não vinculam o servidor público57.

Desse modo, o concessionário além de submeter-se às normas e aos

princípios de regime jurídico administrativo, deve também submeter-se às regras

de comportamento existentes no regime jurídico privado58.

Apesar de uma aparente contradição, não se trata da aplicação de dois

regimes jurídicos distintos, mas sim de uma espécie de regime jurídico que

absorve a aplicação de normas e princípios de dois sistemas diferentes.

De acordo com o regime jurídico específico é inegável a presença de

função social na concessão de serviço público, seja pela própria essência do

Instituto, seja pelo regime dela decorrente.

Função social a qual, aprioristicamente, possibilita a conclusão de que o

objeto da concessão não versa exclusivamente sobre a prestação adequada do

serviço público, mas também de promoção do desenvolvimento nacional.

57 Por óbvio, o servidor público deve agir com boa-fé, mas o instrumento normativo é o da moralidade administrativa e outras normas e princípios aplicáveis à espécie, mas não as de Direito privado. 58 Tome-se por exemplo as relações contratuais com fornecedores, que de acordo com o artigo 25, da Lei 8.987/95, submeter-se-ão ao regime de Direito privado.

87

5.1.1 A análise da função social da concessão do serviço público na promoção do desenvolvimento.

Superada a questão da existência de função social na concessão, é

necessário definir o significado da sua expressão.

Alguns Autores como SZTAJN (2005, p. 29-49) entendem que a empresa já

cumpre sua função social no exercício regular de sua atividade ao promover a

contratação de funcionários, pagar em dia suas obrigações tributárias, honrar

seus compromissos, etc.

Segundo a Autora, a interferência do Estado na área privada pode trazer

consigo repercussões indesejáveis, como respaldar a pretensão de oportunistas e

desestimular a iniciativa privada.

É indiscutível que a atividade de prestação de serviço público possui

função social, o que é inerente à sua natureza, porque o objetivo principal da

atividade não é o lucro pela exploração da atividade, mas a satisfação do

interesse público. Por óbvio, o interesse primário do particular na outorga não é a

promoção da função social da atividade, e sim a justa remuneração pela

prestação do serviço.

Wilges BRUSCATO (2005, p. 66) afirma que não se deve transferir ao

empresário a tarefa de promover a justiça social por meio da responsabilidade

social; a realização de justiça social é a tarefa do Estado com a colaboração de

todos.

Por outro lado, alguns Autores como BESSA (2006, p. 141) entendem que

a função social da empresa atinge todos os agentes econômicos envolvidos na

atividade produtiva; considera ainda que a atividade produtiva gera

externalidades negativas que devem ser internalizadas no processo produtivo. A

Autora ainda defende a tese da existência de responsabilidade civil da empresa

baseada na interpretação sistêmica do ordenamento jurídico.

Ao desempenhar sua atividade a empresa pode gerar externalidades,

sejam positivas ou negativas. As externalidades podem ser definidas como os

efeitos causados a terceiros estranhos à relação contratual, que podem

corresponder a algum dano ou benefício.

88

Analisando as duas perspectivas sobre função social é possível constatar a

existência de uma aparente divergência entre as linhas teóricas apresentadas, o

que na prática não ocorre.

Ambas as teorias possuem como fonte comum as noções introduzidas pelo

diagrama de COASE, o qual aprimora a teoria do contrato organização

internalizando as externalidades negativas do feixe de contratos sem repassar os

custos da produção (alocação de recursos),

Os Autores59 concordam que o ordenamento jurídico brasileiro possui

instrumentos suficientes para promover a reparação de danos sofridos, ou

estabelecer obrigações de fazer e não fazer.

De fato, a empresa deve ser responsabilizada pelos danos causados a

terceiros pela sua atividade.

Nesse caso, não há uma responsabilidade exclusiva do empresariado em

realizar o papel do Estado, mas apenas o de cumprir as determinações do

ordenamento jurídico. Assim, a empresa ao internalizar uma externalidade

negativa relacionada à sua cadeia produtiva nada mais faz do que

responsabilizar-se pelos riscos de sua atividade.

Ocorre que esta “não-responsabilidade” das empresas particulares em

promover diretamente a justiça social decorre de seu regime jurídico, ao contrário

da concessão de serviço público, que se submete ao regime jurídico

administrativo estando vinculado diretamente com os objetivos da Constituição da

República.

Diante da vinculação direta das prestadoras de serviço público à promoção

de função social60 relativa aos preceitos fundamentais, deve o outorgado por

obrigação legal promover o desenvolvimento.

Conforme a construção realizada no capítulo 2, o desenvolvimento é um

instrumento de concretização da dignidade da pessoa humana; não trata de uma

finalidade em si mesma pois está em constante evolução.

O que se tem discutido sobre desenvolvimento é sua superação em

relação ao crescimento econômico, cuja interpretação deve ser promovida como

um processo econômico, social, ambiente, cultural e político com o objetivo de

59 Rachel Sztajn, Wilges Bruscato, Fabiane Lopes Bueno Bessa, e outros. 60 Como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional.

89

promover o bem-estar de toda a população e da distribuição justa de seu

resultado (SILVA, 2006, p. 47).

O desenvolvimento deve ser realizado de forma sustentável, a fim de

traduzir eficiência econômica, justiça social e harmonia ambiental, deve

representar não somente um crescimento quantitativo, mas também qualitativo.

Nesse sentido, a concessão de serviço público deve ser um instrumento para a

promoção de todos esses elementos.

Conforme o item 3.2, a concessão de serviço público pode ser analisada

sob a perspectiva da teoria do contrato organização, uma vez que o particular

titular da outorga organiza contratos de várias espécies a fim de desempenhar a

atividade de acordo com os princípios a ele vinculados.

Ao desempenhar seu papel é possível afirmar que já estaria cumprindo sua

função social, visto que como um agente fundamental na cadeia produtiva estaria

gerando emprego, realizando a concretização de valores como a dignidade da

pessoa humana por meio da universalização do serviço público, gerando renda

aos fornecedores de produtos e serviços, etc.

Contudo, é necessário apurar a existência de externalidades a serem

internalizadas no processo produtivo, que podem variar em cada caso.

É importante destacar que a função social da concessão de serviço público

não se refere à filantropia, como a distribuição de cestas básicas ou doações de

qualquer espécie, mas sim da relação contratual e extracontratual do particular

titular da outorga com os demais agentes envolvidos na atividade.

Veja-se, por exemplo, a outorga do serviço de energia elétrica. São

inúmeras as externalidades inerentes à atividade, haja vista que durante todo o

processo de geração, transmissão e distribuição energética existem vários

impactos ambientais e sociais e um sem número de fornecedores vinculados à

atividade.

O serviço de energia elétrica, regulamentado pela Lei 9.074/95, dispõe que

toda a licitação de aproveitamento ou implantação de usinas hidrelétricas não

poderá ser realizado sem a definição de aproveitamento ótimo do potencial

hidrográfico61.

61 Art. 5º São objeto de concessão, mediante licitação: § 1o Nas licitações previstas neste e no artigo seguinte, o poder concedente deverá especificar as finalidades do aproveitamento ou da implantação das usinas.

90

O parágrafo 2º, do artigo 5º, da referida Lei, é um instrumento que vincula

o Poder Concedente a determinar no edital de licitação qual seria o

aproveitamento ótimo da geração de energia proveniente de usinas hidrelétricas.

Tal medida utiliza uma técnica geralmente adotada em contratos administrativos

determinando uma qualidade mínima do serviço ou produto. Instrumentos

importantes, pois o edital de licitação deve ser suficientemente claro nas

especificações de seu objeto para que, com base no princípio da vinculação, os

interessados ofereçam propostas de acordo com as expectativas do objeto a ser

licitado.

Uma eventual mudança nos dispositivos previstos no edital pode ensejar

um pedido de restauração do equilíbrio financeiro, desde que haja depreciação

patrimonial do outorgado. Nesse aproveitamento ótimo deve ser considerada a

melhor utilização do potencial hidrelétrico, aspectos ambientais e sociais

decorrentes da geração de energia, ou seja, o Poder Concedente deve

apresentar no edital o melhor aproveitamento sustentável da geração de energia,

o que demonstra a internalização das externalidades negativas no processo

energético por meio das normas de Direito.

5.2 Instrumentos jurídicos aptos a exigir a realização da função social da

concessão do serviço público

O particular titular da outorga do serviço público submete-se a algumas

formas de controle na execução do serviço público, as quais se corporificam, por

exemplo, por meio de alterações unilaterais das cláusulas regulamentares, pelos

demais atos das agências reguladoras e pelo controle do Judiciário e de

entidades civis.

§ 2o Nenhum aproveitamento hidrelétrico poderá ser licitado sem a definição do "aproveitamento ótimo" pelo poder concedente, podendo ser atribuída ao licitante vencedor a responsabilidade pelo desenvolvimento dos projetos básico e executivo. § 3o Considera-se "aproveitamento ótimo", todo potencial definido em sua concepção global pelo melhor eixo do barramento, arranjo físico geral, níveis d’água operativos, reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para divisão de quedas de uma bacia hidrográfica.

91

Com a permanente busca pela adequação do serviço público, entende-se

que a internalização das externalidades negativas inerentes à atividade possam

ser incorporadas a esses critérios de qualidade.

A seguir, serão apresentados alguns instrumentos jurídicos, utilizados

como forma de aprimoramento do serviço público concedido, que podem realizar

profícuas contribuições na identificação e internalização dessas externalidades

negativas.

5.2.1 A alteração das cláusulas regulamentares e a promoção do desenvolvimento

A alteração unilateral das cláusulas regulamentares é um instrumento

fundamental para a efetivação dos princípios da atualidade e adequação do

serviço público, porque permite ao Poder Público exigir do delegatário as

adaptações necessárias para a melhor execução do serviço.

A inclusão de externalidades negativas decorrentes do exercício da

atividade pode ser também objeto do poder regulamentar da concessão. O

serviço público deve submeter-se ao princípio adequação.

Não seria possível admitir a adequação de um serviço público se na

execução dessa atividade são produzidos danos ambientais e/ou alguma espécie

de degradação social. Do mesmo modo, além de internalizar as externalidades

negativas decorrentes da atividade, a concessão de serviço público pode ser

utilizada como instrumento para implementação de políticas públicas na

promoção do desenvolvimento.

Por meio do poder regulamentar da Administração Pública, o outorgado

pode, por exemplo, ser compelido a promover o desenvolvimento62 de todos os

fornecedores contratados para a realização das atividades.

Conforme o parágrafo 3º, do artigo 25, da Lei 8.987/95, os terceiros

contratados para o desenvolvimento de atividades inerentes devem fazê-lo de

acordo com as normas regulamentares da modalidade do serviço concedido. Em

62 o significado do termo “desenvolvimento” está disposto no capítulo 2 do presente trabalho.

92

outras palavras, com base no dispositivo indicado o Poder Concedente pode

determinar que o outorgado promova, ou exija, o treinamento dos particulares

para que o serviço prestado seja mais eficiente, consoante as exigências da

Administração Publica.

Treinamentos que podem estar relacionados com melhorias no

atendimento ao consumidor, meio ambiente, gestão da informação,

aprimoramento tecnológico do serviço prestado, além de certificados de

qualidade como o ISO 9002, etc.

O outorgado poderá promover o desenvolvimento de parte considerável

dos agentes envolvidos no processo produtivo, pelo feixe de contratos da

empresa, contribuindo para o aprimoramento dos fornecedores da

concessionária.

Essas medidas podem promover um crescimento qualitativo considerável,

principalmente em relação aos usuários na prestação de um serviço adequado.

5.2.2 Regulação e desenvolvimento

Além do poder de alteração unilateral das cláusulas regulamentares da

Administração Pública como instrumento jurídico de realização da função social

da concessão do serviço público, as agências reguladoras também

desempenham um papel fundamental para a sua promoção.

O tema “agências reguladoras” é de profunda complexidade, a modalidade

de agência reguladora a que se refere o presente trabalho, segundo a

classificação de BANDEIRA DE MELLO (2004, p. 157), é a relativa à disciplina e

controle dos serviços públicos propriamente ditos.

A definição de agência reguladora a ser utilizada no presente trabalho é a

proposta por JUSTEN FILHO (2006, p. 475):

Agência reguladora independente é uma autarquia especial, sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de competência para a regulação setorial.

93

O enfoque sobre o objeto das agências reguladoras será o da promoção do

desenvolvimento, pela distribuição de renda, informação e estímulo à

cooperação, conforme visto no item 3.1.5.

A especialização setorial das agências na regulação e controle do serviço

público permite que essas autarquias possuam qualificação técnica específica

para aplicar políticas a fim de promover o desenvolvimento das camadas sociais

e da elevação do nível cultural-econômico (GRAU, 1997, p. 238-239).

Esse desenvolvimento, conforme SALOMÃO FILHO (2002, p. 41-56), pode

ser alcançado pela descoberta de métodos para a eliminação de concentração

absoluta de poderes estruturais, a difusão do conhecimento econômico e o

estímulo da cooperação.

O princípio de redistribuição de riqueza trata da realização de uma função

que o mercado expontaneamente não assumiria, é uma forma de gestão cujos

fundamentos estão calcados em valores e não em resultados econômicos. O

Estado possui outros elementos de redistribuição de renda além da regulação,

tais como a tributação, mas que aplicados de forma singular e macroscópica não

têm apresentado muitos resultados positivos.

A aplicação conjunta de medidas regulatórias, conjugada com instrumentos

tributários setoriais, pode ser uma ferramenta eficaz para combater a

concentração de renda. A regulação como instrumento normativo e sancionatório

especializados de acordo com as particularidades de cada mercado, ou no caso

do serviço público, e a utilização de instrumentos tributários como a contribuição

de intervenção no domínio econômico para a criação de fundos vinculados à

intervenção compensatória do Estado em determinada atividade ou setor

particularmente atingido (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 42-43).

Esses instrumentos são geralmente utilizados para diminuir a concentração

de renda decorrente dos monopólios que surgem em determinados setores da

Economia, bem como para regular os impactos dela decorrentes, tais como:

danos ambientais e ao consumidor, assegurar a livre concorrência, etc., mas

podem ser apropriados na realização da função social da concessão de serviço

público.

Outro instrumento de redistribuição de renda é a universalização do serviço

público, que necessariamente não importa em resultados lucrativos ao outorgado,

pois geralmente se trata da extensão da atividade até usuários que se encontram

94

em regiões longínquas ou de difícil acesso, que muitas vezes não possuem

condições financeiras para custear a correspondente tarifa. O fundo gerado com

a contribuição poderia ser utilizado para subsidiar a tarifa correspondente ao

serviço público a famílias de baixa renda por exemplo.

Segundo Diogo Rosenthal COUTINHO (2002, p. 82), a universalização do

serviço público gera externalidades sociais positivas que podem ser definidas da

seguinte forma:

Externalidades sociais podem ser definidas como todas as formas de interdependência direta entre membros de um sistema econômico que não ocorrem por meios de mecanismos de mercado ou que não são medidas por critério de preço. Como exemplos de externalidades sociais positivas podem ser citados benefícios sócio-econômicos gerados por novos investimentos atraídos pela maior oferta dos serviços de energia elétrica, telecomunicações e transportes em uma determinada região e a melhoria da saúde da população com investimentos em saneamento básico.

É senso comum que a infra-estrutura de uma região desperta o interesse

de investidores. A universalização do serviço público, ao se estender a regiões

distantes, em um primeiro momento pode não corresponder a um imediato

retorno econômico do investimento realizado, mas pode fomentar nessas regiões

o respectivo desenvolvimento.

Os benefícios da universalização do serviço público não são apenas

quantificáveis pelo retorno financeiro, podem ser aferidos pela melhoria da

qualidade de vida da população por meio de índices de desenvolvimento humano.

Para o Autor a melhoria da qualidade de vida dos usuários é difícil de ser

quantificada, porque devem ser considerados elementos subjetivos:

É muito difícil aferir e quantificar as externalidades sociais positivas decorrentes da universalização. Se fosse possível, contudo, contabilizar os ganhos de bem-estar manifestados sob essa forma, ver-se-ia que a melhoria efetiva de condições de acesso a serviços públicos traz efeitos positivos exponenciais. Para usar um exemplo da área de saneamento básico, basta tentar imaginar o efeito concreto de se expandir uma rede de esgoto a um bairro desassistido. A potencialidade de ganhos de bem-estar é infinita e se projeta no tempo por diversas gerações de pessoas que não mais, por exemplo, contrairão doenças em razão da utilização de água não tratada. Da mesma forma, são inesgotáveis as possibilidades, sob a forma de externalidades positivas, que passa a ter, por exemplo, uma família a quem se oferece o consumo de energia elétrica. Guardadas as diferenças, pode-se dizer o mesmo para os demais serviços públicos prestados em redes e infra-estrutura.

95

A regulação é um instrumento importante na busca da universalização do

serviço público, que por sua vez possui relação direta com a promoção do bem-

estar social da população. A utilização da regulação como instrumento de

redistribuição de renda, que não necessariamente deve corresponder à efetiva

distribuição de dinheiro, conjugada a instrumentos parafiscais, tais como a CIDE,

podem se tornar ferramentas efetivas para a promoção do desenvolvimento

social.

A criação de um “fundo” desvinculado ao Poder Público gerido pela

agência reguladora, detentora do conhecimento técnico setorial, pode promover a

inclusão social garantindo o acesso gratuito ao serviço público das camadas mais

pobres da sociedade.

Evidente que a formação de um fundo possui caráter financeiro. A solução

para a instituição de contribuições fiscais deve necessariamente considerar quem

será responsabilizado pelo recolhimento do referido tributo. Sobre esse assunto a

capacidade técnica dos agentes reguladores é fundamental, pois deve considerar

as particularidades da atividade desenvolvida a fim de que haja equilíbrio na

distribuição dos encargos, que ao final não recaia exclusivamente sobre o usuário

do serviço nem somente ao outorgado.

Outro instrumento necessário para a promoção do desenvolvimento é a

difusão do conhecimento econômico. A informação é um instrumento fundamental

para que o usuário tenha maior discernimento no processo de escolha do produto

garantindo a liberdade de escolha. Tal situação pode ser melhor identificada em

regimes de concorrência (SALOMÃO FILHO, p. 49).

No caso do serviço público, que invariavelmente é organizado no regime

de monopólio, a difusão da informação cumpre outro papel, na construção da

participação democrática dos envolvidos na atividade.

A participação de todos os envolvidos na concessão de serviço público na

elaboração de regulação, além de desempenhar um papel democrático

fundamental às Instituições do Estado Democrático de Direito, aproxima os

agentes reguladores da realidade econômica e social do setor econômico

correspondente.

Ao mesmo tempo em que a promoção da difusão do conhecimento

econômico à sociedade pode ser realizada pela regulação, as vivências e

96

informações das camadas sociais e agentes econômicos63 envolvidos servem

para aprimorar os instrumentos regulatórios das agências, criando desse modo

um constante aperfeiçoamento dos instrumentos de informação e regulatórios.

A participação do usuário do serviço público possui relevância por se tratar

do destinatário final da atividade. A difusão da informação aliada à respectiva

participação democrática do usuário no cumprimento dos princípios relativos à

adequação do serviço podem ser instrumentos de melhoria na qualidade dos

serviços e aumento do bem-estar social.

Instrumentos de informação já são utilizados para propiciar inclusive maior

integração da comunidade no melhor resultado do serviço público, por exemplo:

campanhas de racionamento de água e energia, separação de lixo reciclável, etc.

A difusão da informação e a distribuição de renda podem produzir a

construção de um desenvolvimento permanente se conjugados ao princípio do

estímulo à cooperação.

Conforme visto no item 3.1.5, esses dois princípios garantem apenas a

possibilidade de que os participantes, no processo econômico, sejam capazes de

escolher livremente, no caso de concorrência. Todavia, é necessário que o Poder

Público crie mecanismo para que esses participantes possam comparar escolhas

individuais com escolhas sociais ou cooperadas, optando pela última.

Segundo a teoria dos jogos, para os agentes optarem pela cooperação são

necessárias três condições mínimas: pequeno número de participantes,

existência de informação sobre os demais e a relação de existência de relação

continuada entre os agentes.

É claro que as situações analisadas no item 3.1.5 consideraram o mercado

econômico, e não a concessão de serviço público que possui características

muito diferentes.

Não obstante a existência dessas diferenças, é possível apropriar-se da

teoria dos jogos como forma de estimular a cooperação entre os agentes

envolvidos realizando as seguintes ponderações: a concessão de serviço público

trata de uma relação continuada, haja vista que o prazo médio de vigência dos

contratos é de 30 anos; a questão do número de participantes deve ser

63 Nesse caso, considerados foram considerados o concessionário, os fornecedores, o Poder Concedente, a sociedade civil e os usuários.

97

considerada de acordo suas categorias64 e não em grandeza numérica, pois

inviabilizariam a aplicação da teoria; a questão da informação pode ser resolvida

pela regulabção do setor e de políticas públicas.

Uma das formas de colaboração entre os agentes envolvidos na concessão

do serviço público se manifesta através do constante aprimoramento do serviço

público, que pode ser realizado mediante instrumentos de informação,

participação da Sociedade Civil ou de participação diretamente pelo próprio

usuário.

Para isso, o outorgado em conjunto com a agência reguladora deve

disponibilizar os instrumentos necessários para a instrumentalização da

participação do usuário e da Sociedade Civil, bem como a criação de

mecanismos aptos a propiciar a transparência dos resultados dessa cooperação.

O estímulo da cooperação, por meio da regulação, possibilita desenvolver

instrumentos para realizar a identificação de externalidades negativas, que via de

regra, não são percebidos no processo produtivo da atividade, haja vista que os

índices econômicos65 normalmente utilizados não são ferramentas aptas para

verificar as repercussões sociais e ambientais.

A partir da internalização dessas externalidades identificadas com a

cooperação, a concessão do serviço público pode desempenhar sua função

social de forma eficaz sem depender da contratação de caras empresas de

consultoria.

5.2.3 O controle pelas entidades civis e Ministério Público

Outro instrumento existente para exigir a realização da função social da

concessão do serviço público são as entidades civis e o Ministério Público, que

podem “controlar” judicialmente algumas externalidades provocadas pela

realização do serviço.

64 No caso de considerar o Poder Público, o particular titular da outorga e o usuário como categorias distintas. 65 Normalmente os índices econômicos utilizados para aferir os custos da produção possuem como base dados contábeis que não são aptos para aferir externalidades negativas sociais e ambientais.

98

Vale lembrar que a Lei 8.997/95 determinou o estímulo de formação de

associações de usuários pelo Poder Concedente, a fim de promover melhorias na

prestação do serviço público e na defesa dos Direitos dos usuários.

A defesa dos interesses dos usuários pode ser promovida com a tutela

jurisdicional que pelo Poder Judiciário podem compelir os outorgados a fazer ou

deixar de fazer determinada atividade que cause algum tipo de externalidade.

São diversos os instrumentos processuais aptos a atingir os fins

pretendidos, tais como: mandado de segurança, ação popular, ação coletiva,

tutela inibitória, etc.

O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de vasta produção normativa,

jurisprudencial e doutrinária tutelando interesses coletivos e difusos. A Sociedade

Civil e o Ministério Público possuem legitimidade ativa para representar os

usuários de serviço público bem como qualquer pessoa ou comunidade perante o

outorgado ou Poder Concedente.

Contudo, a participação da Sociedade Civil e do Ministério Público

necessariamente não precisam ser litigiosas.

JUSTEN FILHO (2003, p. 295-298) acredita que a Sociedade é parte

integrante da concessão do serviço público. A Sociedade Civil possui papel

fundamental na integração dos interesses da Sociedade à prestação do serviço

público.

Conforme visto no tópico anterior, a Sociedade Civil pode ser um agente

cooperativo no aprimoramento da adequação do serviço público, bem como da

internalização das externalidades da atividade.

A existência de grupos de pressão sobre efeitos indesejáveis na execução

do serviço viabiliza a participação democrática nas relações da concessão,

contribuindo para a identificação de pontos negativos e proporcionando a melhor

organização da gestão dos agentes envolvidos.

99

5.3 Alguns aspectos limitadores da abrangência da função social da concessão de serviço público

Tarefa tão importante quanto comprovar a existência da função social da

concessão de serviço público é a demonstração de seus limites.

Por meio da construção teórica do presente trabalho, busca-se comprovar

a existência de função social da concessão de serviço público apropriando-se dos

diversos ramos do Direito, inclusive tomando emprestados alguns conceitos de

Economia.

Analisando o regime jurídico do Instituto, chega-se à conclusão de que

possui maior função social em relação ao particular, e de certa forma menor do

que a Administração Pública.

Uma possível limitação da função social da concessão basicamente pode

ser definido pelas formas quantitativa e qualitativa.

Quantitativa em relação ao universo de sujeitos e bens jurídicos a serem

considerados, por exemplo: usuários, fornecedores, meio ambiente, comunidade,

funcionários, etc.

A questão qualitativa representa a “quantidade de investimento” a ser

despendida pelo outogado.

5.3.1 Limites quantitativos da função social da concessão de serviço público

As possíveis limitações quantitativas podem ser demonstradas pela noção

de empresas propostas por COASE, cujo conceito pode ser sintetizado pela

expressão “organização de feixe de contratos”, promovendo a restrição do

número de agentes envolvidos no processo produtivo.

Nesse sentido, é necessário que através da existência de cooperação

entre o Poder Concedente, os usuários, a concessionária, as entidades civis,

fornecedores e empregados, contribuam para o constante aperfeiçoamento do

serviço público, trocando informações e internalizando externalidades negativas

para que sejam considerados todos os sujeitos e bens jurídicos nas tomadas de

100

decisão. Por meio da cooperação entre os envolvidos na realização da função

social como instrumento de promoção do desenvolvimento de todos.

Destaque-se que a identificação dos sujeitos, ou objetos66, envolvidos no

feixe de contratos organizado pelo delegatário, serve como instrumento para

restringir a abrangência de atuação da função social, e não de expandi-la.

A utilização da concessão de serviço público para a exclusiva promoção de

políticas públicas é uma conduta reprovável, uma vez que o objetivo primário da

concessão é a realização do serviço público orientado pelos princípios da

adequação.

Desse modo, a função social da concessão não se presta a atribuir funções

ao delegatário que não estejam descritas no edital nem ao contrato de

concessão. Mas simplesmente de responsabilizá-los quanto a qualquer dano

causado pelo exercício da atividade; nesse sentido, são necessários instrumentos

para sua identificação.

A Administração Pública não poderia, por exemplo, obrigar o

concessionário de telefonia a subsidiar o transporte coletivo para idosos com

idade superior a 60 anos, ou distribuir cestas básicas às comunidades carentes,

ou perfurar poços artesianos na região árida do nordeste brasileiro; a princípio,

essas atividades não possuem relação alguma com o serviço desempenhado

pela empresa de telefonia, não podendo desse modo ser compelido pelo Poder

Público sob o pretexto de tornar o serviço mais adequado.

5.3.2 Limites qualitativos da função social da concessão de serviço público

As restrições qualitativas referem-se ao equilíbrio financeiro do contrato de

concessão. Nada mais justo, e legal, do que a garantia do outorgado em manter a

equação econômico-financeira estabelecida no contrato de concessão.

Do mesmo modo que o objetivo do Poder Público Concedente é a

prestação do serviço adequado, o lucro é o do particular titular da outorga. Nesse

66 O termo utilizado refere-se à hipótese de que as externalidades negativas repercutam sobre bens jurídicos, como o meio-ambiente.

101

sentido, não poderia a Administração Pública alterar as cláusulas regulamentares

do contrato sem considerar a estimativa de lucratividade da empresa definida

anteriormente. Caso contrário admitir-se-ia a total transferência da realização de

justiça social ao particular, que no entender do Autor deste trabalho, é

absolutamente arbitrário.

Contudo, a construção teórica da função social da concessão do serviço

público possui fundamentos jurídicos, erigidos por dispositivos constitucionais e

infraconstitucionais expressos e de princípios abstraídos do regime jurídico

correspondente67, que não podem ser ignorados pelo Direito ao lucro do

particular.

Dessa situação, é possível chegar à conclusão de que a função social

representa a responsabilidade civil da concessão de serviço público, pois se o

outorgado pode ser compelido pelo Poder Público, inclusive judicialmente, para

fazer ou deixar de fazer atos que prejudiquem as partes do contrato ou terceiros

prejudicados bem com de indenizá-los.

Se essa “responsabilização” necessariamente decorre de lei,

regulamentação ou regulação, é possível falar-se em responsabilidade civil68.

Entretanto, nem todas as externalidades podem ser mensuráveis

economicamente, pois o bem-estar decorrente da promoção do desenvolvimento

por meio da função social possui considerável característica subjetiva, situação

contrária à responsabilidade civil que corresponde a uma reparação pecuniária.

Desse modo, é possível afirmar que a função social não representa tão só

a responsabilidade civil do outorgado, mas também o bem-estar social das

pessoas envolvidas na prestação do serviço.

É possível subdividir a noção qualitativa da função social da concessão em

relação àquelas situações, nas quais o outorgado deve responsabilizar-se

civilmente pelos danos causados pela atividade, e naquelas situações em que os

reflexos positivos da realização repercutem no bem-estar da população.

Nessas hipóteses de responsabilidade civil, o delegatário não poderá

requerer equilíbrio financeiro, pois estaria assumindo os riscos da atividade. Por 67 Utilizou-se o enunciado “regime jurídico correspondente” por se tratar de um regime jurídico por vezes submetido ao regime jurídico administrativo e outras ao regime privado administrativo, desse modo refere-se a um regime jurídico próprio. 68 O artigo 927, do Código Civil, determina que aqueles que causarem dano a outrem por ato ilícito ficam obrigados a repará-los. Por ato ilícito entende-se: culpa do agente na violação de Direito e na realização de um dano; abuso de Direito.

102

óbvio, o Poder Concedente quanto a agência reguladora podem atribuir valor à

indenização causada perante terceiros, mas podem realizar a regulamentação

específica para minimizar ou afastar os danos causados.

No caso de promoção do desenvolvimento e bem-estar social, o outorgado

faz jus ao Direito de pugnar pelo equilíbrio financeiro de eventuais desembolsos

econômicos em relação às medidas adotadas.

A questão dos limites qualitativos da função social da concessão não

corresponde somente ao restabelecimento do equilíbrio econômico, pode ser

realizado por meio de medidas subsidiadas pelo Poder Público.

O fato é que a Administração Pública não pode utilizar instrumentos

regulamentares para impor ao outorgado o ônus de suportar economicamente as

atribuições do Estado sem a correspondente remuneração.

5.4 O Teorema de Pareto como uma proposta de equacionamento entre a

qualidade do serviço público e o lucro do particular

Os limites da função social da concessão, através da limitação do número

de sujeitos ou situações abrangidas e da limitação financeiro do Poder Público

em estabelecer regras ao outorgado, configuram dificuldades práticas para

aplicação das normas objeto do presente estudo.

É evidente que o particular titular do objeto da outorga não possui o papel

intrínseco de promover justiça social ou o desenvolvimento nacional. Uma vez

que o “estado” de delegatário do serviço público é temporário, e que o objetivo de

lucro da empresa permanecerá enquanto a mesma existir.

Por óbvio que a função social da concessão gira em torno do Instituto

jurídico e não do sujeito que está executando o serviço.

O Poder Concedente, na qualidade de fiscal da adequação do serviço

público, deve utilizar de instrumentos que viabilizem o melhor resultado sem

comprometer o justo Direito ao lucro do particular.

Para se atingir o objetivo almejado, o Poder Concedente pode apropriar-se

de conceitos disponibilizados pelos estudos desenvolvidos pela Economia e pela

103

Gestão de Empresas, a fim de assegurar maior objetividade e,

conseqüentemente, diminuir custos e atingir o melhor grau de eficiência possível,

conjugando os dois interesses necessária e fatalmente envolvidos na concessão

do serviço público: a lucratividade da empresa e a adequação do serviço público.

Claro é que o recurso a esses procedimentos de outras áreas do

conhecimento humano devem ser utilizados supletivamente aos procedimentos

impostos pelos comandos normativos.

Dentre os recursos disponibilizados pelas demais Ciências, merecem

referência a teoria do equilíbrio geral e o Teorema de Pareto.

A teoria do equilíbrio geral é um instrumento muito utilizado na análise de

mercados competitivos dos últimos 50 anos, foi desenvolvida a partir da

Economia neoclássica de Walfras e Vilfredo Pareto (FUSFELD, 2003, p. 278).

O Teorema de Pareto é um instrumento muito utilizado pelas empresas,

inclusive pelo Poder Público, para atingir o melhor grau de eficiência na

contenção de custos e na otimização dos lucros.

Pode ser dividida em duas partes: maximização da utilidade pelo

consumidor; maximização do lucro pela firma.

O Teorema de Pareto usualmente é representada através de um gráfico da

seguinte forma:

Quantidade de limite de orçamento e trabalho (L) capital (C) 3 c J 2 1 t Quantidade de trabalho (T) Figura 1. Maximização do Lucro

104

Segundo E. K HUNT (1981, p. 404), o uso das curvas de indiferença

permitem a análise da utilidade marginal da maximização do lucro pela firma.

Basta que o administrador enumere, segundo um escalonamento de preferências,

os diferentes custos da empresa.

As curvas de indiferença permitem que o administrador ilustre graficamente

o modo como a firma maximiza seus lucros. A ilustração limita-se à análise de

dois itens diferentes. O que pode facilmente ser solucionado pela realização de

várias combinações do diagrama.

O diagrama pode ser melhor vislumbrado através da interpretação da figura

1.

O eixo vertical da figura 1 representa a quantidade de capital (C), o eixo

horizontal representa a quantidade de trabalho (T).

As curvas de indiferença da figura 1, representam a quantidade de trabalho

e capital necessários para a elaboração de cada produto.

Supondo que existam os produtos de qualidade 1, 2 e 3, de acordo com a

figura 1, o produto 1 é mais barato e menos dispendioso, o produto 2 um pouco

mais caro e um pouco mais dispendioso, o produto 3 mais caro e mais

dispendioso. O custo de produção de cada produto segue a seguinte proporção: 1

< 2 < 3. Quanto mais à direita o produto estiver maior qualidade, maior custo e

maior desempenho de mão-de-obra.

A linha diagonal representa o limite de orçamento e trabalho (L) que a

empresa pode despender de acordo com suas possibilidades.

O administrador deve optar por qual produto e quantidade deve maximizar

seus lucros e economizar em mão-de-obra.

O produto 1 poderia ser produzido mas é o produto de pior qualidade.

O produto 3 seria descartado por ser incompatível com a possibilidade

econômica e laboral da empresa.

O produto 2 poderia ser escolhido pelo melhor aproveitamento de

custo/benefício, pois o resultado da divisão c/t = J, maximizando os lucros e

aproveitando toda mão-de-obra disponível , chega-se no melhor resultado (J).

Utilizando o Teorema de Pareto é possível otimizar os resultados da

equação função social e equilíbrio econômico-financeiro.

Pois bem:

105

Uma hipotética concessionária de telefonia móvel possui Autorização para

terceirizar o serviço de tele-atendimento, contudo, o Poder Concedente utilizou de

seu poder de alterar as cláusulas regulamentares do contrato para aumentar a

qualidade da prestação destes serviços, o que acarretará em um provável pedido

de reequilíbrio financeiro.

A Administração Pública pode exigir do concessionário do serviço de

telefonia móvel, a melhoria na qualidade do serviço pode ser realizada através do

treinamento dos funcionários da empresa terceirizada, sem necessariamente

repassar o custo da atividade aos usuários de telefonia celular utilizando o

Teorema de Pareto como um dos instrumentos disponíveis para a análise de

custos corporativos.

Sabe-se que a referida empresa de telefonia no ano de 2008 celebrou

inúmeros acordos judiciais, oriundos de pedidos de indenização pela má

qualidade no atendimento de telemarketing.

O Poder Concedente poderia utilizar do Ótimo de Pareto, para determinar a

concessionária a realização dos referidos treinamentos, sem repassar os custos

aos usuários da seguinte forma:

Treinamento de Terceirizados 2009 (T) a Limite orçamentário (L) O t’ b c i´

Custo total de Indenizações 2008 (I)

Figura 2. melhoria na qualidade do serviço

106

A figura 2 representa o gráfico de orçamento da hipotética empresa de

telefonia celular, a qual o eixo vertical representa os gastos que serão realizados

com treinamentos de funcionários terceirizados de serviço de telemarketing, cujo

valor máximo de orçamento previsto é (T).

O eixo horizontal representa o valor total de acordos realizados em 2008,

decorrentes de pedidos de indenização pela má qualidade no atendimento de

telemarketing, cujo valor total pago foi (I) o mesmo valor será destinado para o

ano de 2009.

Desse modo, quanto maior for o valor representado por (T) maior a

possibilidade do concessionário pugnar pelo restabelecimento do equilíbrio

financeiro repassando as custas aos usuários.

Por outro lado, quanto maior o valor do (I) mais despesas o concessionário

deverá arcar por sua conta e risco.

O gráfico da figura 2, apresenta uma linha diagonal denominada de limite

orçamentário (L), que representa a relação entre o investimento em treinamento e

o pagamento de indenizações, que pode ser representado pela seguinte

equação: T + I = L. Desse modo, quanto mais à Direito do limite orçamentário as

linhas de indiferença se encontrarem maior será o custo, quanto mais à esquerda

menor será o custo.

A curva “a” representa uma empresa de consultoria recursos humanos de

excelente qualidade, porém de alto custo.

A curva “b” representa uma empresa de consultoria recursos humanos de

boa qualidade, acessível para ao orçamento destinado.

A curva “c” representa a troca de prestador de serviço, a forma mais barata

de solução.

O custo das três alternativas pode ser representada da seguinte maneira :

c < b < a.

Aprioristicamente a empresa “b” seria a opção que contempla o melhor

custo benefício. Pois a intersecção “O” representa a maximização da utilidade da

linha de indiferença, demonstrando o melhor resultado.

A maximização da utilidade pode ser verificada pela relação t’ com i’

constantes na figura 2, pode ser representada da seguinte forma: t’ + i’ = O.

Ou seja, o investimento em treinamento t’, somado ao valor de indenização

i’, resultam no ótimo (O).

107

O Teorema de Pareto pode ser um instrumento útil para a otimização da

relação entre a adequação do serviço público e a manutenção do equilíbrio

econômico a atividade.

Imprescindível lembrar, finalmente, e insistir, que estes, como quaisquer

outros meios de solução desenvolvidos pelos demais domínios do conhecimento

humano, jamais terão efeito de obrigatoriedade jurídica senão quando e se forem

um dia objeto de norma jurídica.

Muitos dentre esses procedimentos, porém, embora jamais tenham sido

objeto de disciplina por meio de norma específica, podem ser não apenas úteis,

mas necessários quando inviável meio diverso de solução, por força do princípio

constitucional da eficiência. Dependendo, enfim, das particularidades

juridicamente relevantes de cada situação concretamente considerada, nada

surpreendente será que meios de solução como estes a que ora se dedica este

tópico possam ser de utilização obrigatória pelo administrador público. Essa

prática já é, há décadas, comum na administração pública indireta, em especial

por parte das sociedades de Economia mista mais prósperas, eis que,

sociedades anônimas que são, detêm maior e mais aprofundado conhecimento

de tais técnicas.

108

6 CONCLUSÃO

A partir da análise do regime jurídico aplicável nas concessões de serviço

público, foi possível constatar a existência de “regimes jurídicos específicos”

(JUSTEN FILHO, 2003, p. 290), cuja definição jurídica é determinada de acordo

com as particularidades concretas do serviço jurídico concedido.

Tais regimes, conforme analisado, comportam, além do regime jurídico

administrativo, regras e princípios de natureza civil denominados por BACELLAR

FILHO (2007, p. 102) de regime administrativo privado.

É possível afirmar que o particular titular da outorga do serviço público

pode se submeter, de forma concomitante, a regimes de Direito privado e jurídico

administrativo, tais como: a função social do contrato e o princípio da eficiência

administrativa.

Tal situação determina maior vinculação do concessionário, em relação ao

particular, ao cumprimento dos objetivos fundamentais da República do Brasil

enquanto titular da outorga.

O Desenvolvimento Nacional, um dos preceitos fundamentais da

Constituição, deve ser um dos objetivos perseguidos pelo Estado. Cuja promoção

também reflete na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na

erradicação da pobreza e da marginalização, na redução das desigualdades

sociais e regionais, na realização da dignidade da pessoa humana entre outros

valores institucionalizados na Constituição. Estes objetivos vinculam todas as

esferas do Estado na concretização desses objetivos.

O cumprimento da Constituição é um dever de todos. Contudo, a diferença

que se apresenta entre o cidadão e os órgãos públicos na promoção do

desenvolvimento parece estar relacionado à obrigatoriedade de sua promoção.

O particular não pode ser constrangido do mesmo modo que o Poder

Público na realização de justiça social.

Uma das formas utilizadas pela Administração Pública para realização

desses objetivos é através do serviço público.

Desse modo, o outorgado deve também pautar por estes objetivos na

persecussão da adequação da prestação do serviço, haja vista que, não obstante

deter a titularidade de sua execução, o titular do serviço público é o Estado.

109

Contudo, não basta que haja comando expresso na Constituição é

necessário definir o conteúdo jurídico de desenvolvimento.

Existem três grandes correntes de interpretação para desenvolvimento:

uma que defende desenvolvimento como crescimento econômico; outra que

defende o mito do desenvolvimento, e uma terceira que inclui o aspecto social no

conceito de desenvolvimento.

Há quem diga que o desenvolvimento deve estar sustentado no tripé

econômico, social e ambiental, e que este desenvolvimento deve ser promovido

de forma sustentável.

Uma das formas analisadas para a promoção do desenvolvimento é a

função social da concessão do serviço público.

O expressão função social, não foi utilizada no presente trabalho como

sinônimo de filantropia. Mas sim de cumprimento da função social perante todos

os agentes envolvidos do compromisso com seu desenvolvimento e na

responsabilização pelos danos causados pela atividade.

Nesse sentido, foi apresentada a teoria do contrato organização que pode

ser utilizado pela concessionária quanto pelo Poder Público para melhorar a

difusão da informação, aumentar a participação dos usuários no aperfeiçoamento

da qualidade do serviço público, internalizar externalidades produzidas pelo

exercício da atividade e trabalhar de forma cooperada com todos os agentes

envolvidos na atividade.

Este trabalho cooperado ocorreria de forma regulamentada pelo Poder

Público, todavia, as alterações do modo de proceder do concessionário que

repercutirem em ônus financeiro, Autorizam o outorgado a pleitear o justo

restabelecimento do equilíbrio financeiro do contrato de concessão.

Ao final do trabalho foram propostos limites quantitativos e qualitativos para

aplicação da função social da concessão do serviço público.

Ao definir os limites da promoção do desenvolvimento pela concessionária,

foi apresentado o Teorema de Pareto, instrumento bastante utilizado por

economistas e administradores para otimizar custos e tomadas de decisão.

Ao final do trabalho, conclui-se que a função social da concessão de

serviço público nada mais é do que o cumprimento de comandos normativos e

princípios relativos ao regime jurídico específico, e que a aplicação desta

110

obrigatoriedade se restringe aos agentes econômicos e bens jurídicos envolvidos

na atividade.

De todo modo, a função social da concessão pode ser um valioso

instrumento para a promoção do desenvolvimento nacional, seja pela melhoria da

qualidade a prestação do serviço público, seja pela sua universalização, ou até

mesmo pela melhoria do bem-estar das pessoas envolvidas na atividade.

111

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