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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor Mestrado em Direito São Paulo 2015

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Page 1: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo VÍTOR LUÍS … Luis... · processo administrativo veio a ser regulamentado, o que ocorreu por meio da Lei n°9.784/99. Lei genérica,

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT

A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor

Mestrado em Direito

São Paulo

2015

Page 2: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo VÍTOR LUÍS … Luis... · processo administrativo veio a ser regulamentado, o que ocorreu por meio da Lei n°9.784/99. Lei genérica,

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT

A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Direitos Difusos e Coletivos

(Efetividade do Direito), sob a orientação da Profa.

Dra. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

São Paulo

2015

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

VÍTOR LUÍS ARTIOLI KUNDRÁT

A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Direitos Difusos e Coletivos

(Efetividade do Direito), sob a orientação da Profa.

Dra. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

Aprovado em: _____/____/____

Banca Examinadora

Profa. Dra. Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi (Orientadora)

Instituição: PUC-SP Assinatura_______________________

Julgamento: ______________________________________________________

Prof. Dr._________________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Julgamento: ______________________________________________________

Prof. Dr._________________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Julgamento: ______________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi pela

paciência, orientação, oportunidade de aprendizado constante e, especialmente, por

confiar e incentivar o tema, além de auxiliar no ainda embrionário início das atividades

docentes.

À minha esposa, Larissa, que sempre esteve ao meu lado no desenvolvimento

deste trabalho e durante toda a vigência do curso, cujo apoio foi essencial para superar

os momentos difíceis vividos nesse período.

Aos meus pais, Luís e Aparecida, a meus irmãos, Gustavo e Leonardo, e a meu

padrasto, Rovani, que sempre incentivaram o estudo.

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RESUMO

O desenvolvimento da atividade econômica, à vista do tratamento constitucional

atribuído à defesa do consumidor, não ocorre de forma livre e voltada unicamente ao

atendimento dos anseios do fornecedor. A existência de conceitos outros e a necessária

observância a certos deveres impõem a obrigatoriedade de o fornecedor desenvolver

suas atividades conforme os caminhos desenhados pelo ordenamento jurídico,

notadamente pela Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, a conduta, omissiva ou

comissiva, passível de dar ensejo à aplicação de uma penalidade administrativa impõe a

necessidade de o fornecedor ser adequadamente reprimido, respeitado o devido

processo legal. Assim, uma vez que a Constituição Federal de 1988 aproximou o

processo administrativo do judicial, criando um regime jurídico similar decorrente da

cláusula do devido processo legal, sem olvidar sobre o caráter principiológico de

algumas de suas normas e da necessidade de tratamento uniforme do tema em todo o

território nacional, a Lei n°9.784/99, por consistir em verdadeiro Código de Processo

Administrativo, deve ser utilizada para regular o processo administrativo de defesa do

consumidor. Sancionada após onze anos de vigência da Constituição Federal de 1988, a

Lei n°9.784/99 reflete a Reforma Administrativa do Estado, permitindo a

implementação efetiva de um Estado Democrático de Direito na medida em que permite

ao administrado participar da formação do ato administrativo sancionador. Não

obstante, a Lei n°9.784/99, em decorrência da possibilidade da implementação da

reformatio in pejus, que nada mais vem a ser do que a possibilidade de agravamento da

situação do recorrente quando do julgamento de seu recurso, configura um importante

instrumento de efetivação e de preservação das normas de proteção do consumidor na

medida em que permite o atendimento dos anseios constitucionais referentes à defesa do

consumidor e o atingimento dos fundamentos e objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil.

Palavras-chave: Processo administrativo. Consumidor. Reformatio in pejus.

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ABSTRACT

The economic activity, considering the constitutional treatment for consumer protection,

is not developed freely and exclusively towards coping with suppliers’ wishes. The

existence of other concepts and the necessary compliance with certain duties impose an

obligation upon suppliers to perform their activities as designed by the legal system,

notably by the Federal Constitution of 1988. In that context, the omissive or comissive

conduct, subject to give rise to the application of an administrative penalty, imposes the

need for supplier to be properly repressed, in accordance with the proper legal

proceedings. Thus, since the Federal Constitution of 1988 approximated the

administrative to the legal proceedings, creating a similar legal regime resulting from

the clause of the proper legal proceedings, without forgetting the underlying principle of

some of its norms and the need of a uniform treatment of the theme throughout the

national territory, Law # 9,784/99, for being a true Code of Administrative Proceedings,

must be used to regulate the administrative proceedings of consumer protection.

Sanctioned after eleven years of the effectiveness of the Federal Constitution of 1988,

Law # 9,784/99 reflects the Administrative Reform of the State, allowing the effective

implementation of a Democratic Rule of Law since it allows the administered to

participate in the creation of the sanctioning administrative act. Notwithstanding, Law #

9,784/99, as a result of the possibility of implementing the reformatio in pejus, which is

nothing more than the possibility of aggravating the situation of the appellant upon the

judgment of their appeal, means an important instrument of perfecting and preserving

the consumer protection rules while it permits coping with constitutional wishes related

to consumer protection and abiding by the grounds and fundamental objectives of the

Federative Republic of Brazil.

Keywords: Administrative proceedings. Consumer. Reformatio in pejus.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 09

2 RAZÕES E FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO

CONSUMIDOR 12

2.1 Razões e antecedentes históricos 12

2.2 A vulnerabilidade como fundamento da proteção jurídica do

consumidor: crise do Estado Liberal 15

2.3 A defesa do consumidor enquanto direito fundamental 21

2.4 O princípio da precaução no direito do consumidor 24

3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A PROTEÇÃO DO

CONSUMIDOR 30

3.1 A dicotomia público-privado 30

3.2 O direito público e o direito privado 32

3.3 Os direitos público e privado e a formação dos Estados: as dimensões

dos direitos fundamentais 35

3.4 Superação da dicotomia público-privado 39

3.4.1 A constitucionalização do Direito 39

3.4.2 Os direitos difusos 42

3.5 Poderes da Administração Pública 44

3.5.1 Poder de polícia 45

3.5.2 Autotutela 47

4 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR 49

4.1 Questão terminológica 49

4.2 Amplitude e interdisciplinariedade do regramento de defesa

do consumidor 50

4.2.1 O regramento do processo administrativo federal: Lei nº9.784/99 52

4.2.2 O Código de Defesa do Consumidor: Lei nº8.078/90 58

4.2.3 A regulamentação das sanções: Decreto nº2.181/97 61

4.3 Princípios do processo administrativo sancionador 62

4.3.1 Legalidade 66

4.3.2 Finalidade 67

4.3.3 Motivação 68

4.3.4 Razoabilidade 68

4.3.5 Proporcionalidade 68

4.3.6 Moralidade 69

4.3.7 Ampla defesa 70

4.3.8 Contraditório 70

4.3.9 Segurança jurídica 71

4.3.10 Interesse público 72

4.3.11 Eficiência 72

4.3.12 Publicidade 72

4.3.13 Inquisitivo 73

4.3.14 Oficialidade 74

4.3.15 Verdade material 74

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4.3.16 Duplo grau de jurisdição 75

5 A SANÇÃO ADMINISTRATIVA 78

5.1 Conceito de sanção e conceito de sanção administrativa 78

5.2 Sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor 84

5.2.1 Sanções reais 85

5.2.2 Sanções pessoais 86

5.2.3 Sanções pecuniárias 87

5.3 Regramento do Código de Defesa do Consumidor 88

6 A REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR 91

6.1 Origem e campo de atuação da reformatio in pejus 91

6.2 A reformatio in pejus no processo penal 92

6.3 A reformatio in pejus no processo civil 96

6.4 A reformatio in pejus na Lei nº9.784/99 98

6.5 A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa

do consumidor: possibilidade ampla de sua ocorrência 104

6.5.1 Âmbito de validade da Lei n°9.784/99 105

6.5.2 A vedação à inocorrência da reformatio in pejus no âmbito do processo

administrativo de defesa do consumidor elevada à categoria de princípio:

preservação da solidariedade e do caráter intergeracional 108

6.5.3 Instrumento de adequação da sanção imposta à conduta sancionada 110

6.5.4 O privilégio da Administração Pública na revisão de seus atos:

o princípio da autotutela 111

6.5.5 Ampla devolutividade recursal: uma nova leitura do efeito devolutivo 114

6.5.6 Momento de finalização do ato administrativo sancionador 118

6.6 A casuística 121

7 CONCLUSÃO 125

REFERÊNCIAS 127

ANEXOS 138

ANEXO 1 – Resolução da ONU nº39/248

ANEXO 2 – Projeto de Lei nº2464/96

ANEXO 3 – AgRg no Recurso em Mandado de Segurança nº24308-6

– Distrito Federal

ANEXO 4 – Ag Reg no Recurso Extraordinário com Agravo nº641054

– Rio de Janeiro

ANEXO 5 – Recurso em Mandado de Segurança nº29-0-RJ

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1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da atividade produtiva, conquanto possa constituir em

desdobramento da livre iniciativa prevista nos arts.1°, IV e 170, IV, ambos da Constituição

Federal de 1988 e possa refletir um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, não

implica, conforme uma abordagem açodada possa levar à conclusão, na assertiva de que o

fornecedor poderá atuar no mercado unicamente em atendimento a seus próprios anseios e

sem uma preocupação com os eventuais efeitos negativos de sua conduta, sejam eles de

ocorrência em um curto, médio ou longo espaço de tempo.

A existência de conceitos outros e a necessária observância a certos deveres impõem a

obrigatoriedade de o fornecedor desenvolver suas atividades conforme os caminhos

desenhados pelo ordenamento jurídico, notadamente pela Constituição Federal de 1988.

Marco normativo inaugurador de uma nova ordem jurídica, econômica, política e

social, fixou a Constituição Federal de 1988 os delineamentos a serem observados por quem

pretende desenvolver alguma atividade econômica.

Nesse contexto, a observância, por exemplo, da dignidade da pessoa humana e do

princípio da precaução impõe ao agente o dever de bem desenvolver suas atividades, sob pena

de o mesmo ser responsabilizado por sua eventual inobservância. Assim, uma vez

desrespeitada, por exemplo, alguma disposição do Código de Defesa do Consumidor, será o

fornecedor responsável por esta conduta.

Essa responsabilização, por sua vez, pode ocorrer no campo civil, penal e/ou

administrativo.

Comumente relacionada ao campo extrajudicial, a responsabilização administrativa do

fornecedor deverá ocorrer por meio do desenvolvimento do processo administrativo

sancionador, que ganhou relevância com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em

seu inciso LV, art.5°, a Carta Magna estipula que aos litigantes em processo administrativo

são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes.

Conquanto consista em um relevante mecanismo extrajudicial de controle da conduta

do administrado e em instrumento destinado à formação de eventual ato administrativo

sancionador, somente 11 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi que o

processo administrativo veio a ser regulamentado, o que ocorreu por meio da Lei n°9.784/99.

Lei genérica, dotada de normas principiológicas e de preceitos abrangentes, a Lei do

Processo Administrativo, elaborada após décadas de reclamos de especialistas, é produto do

impulso do Poder Executivo no sentido de reunir um grupo de especialistas com o objetivo de

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criar um diploma legal que contivesse importantes garantias constitucionais sobre o tema e

que viesse a refletir a Reforma do Estado felizmente inaugurada pela Presidência da

República à época.

Nesse contexto, em 17 de outubro de 1995, o então Ministro de Estado da Justiça, por

meio da Portaria n°1.404, constituiu a comissão que cuidaria da elaboração de lei sobre

normas gerais de processo administrativo.

Inicialmente composta por diversos professores, entre eles, Caio Tácito, que a

coordenou, Inocêncio Mártires Coelho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, José Carlos

Barbosa Moreira, Almiro do Couto e Silva, Odete Medauar e Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

a comissão, por meio da Portaria n°47, de 31 de janeiro de 1996, editada pelos Ministros de

Estado de Justiça e da Administração Federal e Reforma do Estado, passou a contar com os

trabalhos de Adilson Abreu Dallari, José Joaquim Calmon de Passos, Paulo Eduardo Garrido

Modesto e Carmem Lúcia Antunes Rocha.

Finalizados os trabalhos, o projeto de lei, em 30 de setembro de 1996, foi submetido à

consideração do Presidente da República à época, Fernando Henrique Cardoso, por meio da

Exposição de Motivos n°548/1996, tendo sido por este encaminhado à deliberação dos

membros do Congresso Nacional em 22 de outubro de 1996 por meio da Mensagem n°1.002.

Dirigido à Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei de iniciativa do Poder Executivo

n°2.464, de 1996, que recebeu prioridade em seu regime de tramitação, foi submetido às

Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de

Redação, culminando, após o procedimento legislativo, na Lei n°9.784/99.

Composta por 70 artigos, divididos em 17 capítulos, a Lei n°9.784/99 mais do que

refletir os anseios acerca da edição de uma lei que viesse a regulamentar o processo

administrativo, exterioriza a Reforma Administrativa do Estado implementada e colocada em

prática pela Presidência da República à época.

Conforme se verifica de sua exposição de motivos, cuidou a comissão de garantir a

aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo,

inclusive abrindo o campo de atuação da Lei n°9.784/99 para permitir a defesa dos direitos

difusos e coletivos no campo administrativo. Não bastasse, também cuidou de produzir uma

lei que enunciasse os critérios básicos a que devem se submeter os processos administrativos,

cuidando de definir os direitos e os deveres dos administrados, assim como o dever da

Administração Pública de decidir sobre as pretensões dos interessados, em movimento que

estampa a nova roupagem do Estado.

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Uma vez que o Estado se qualifica como sendo Democrático de Direito, outro não

poderia ter sido o tratamento atribuído ao tema ao permitir que o administrado possa,

diversamente do que ocorria, participar de forma efetiva da produção do ato administrativo.

Desta forma, a Lei n°9.784/99, além de regulamentar o processo administrativo,

permite que o ato administrativo possa ser produzido após um intenso debate entre os

interessados, colaborando para a concretização do Estado Democrático de Direito e

possibilitando a implementação e o desenvolvimento do atual Estado do Bem-Estar Social.

A Lei n°9.784/99, portanto, além de refletir a Reforma Administrativa do Estado e

permitir a efetivação do Estado Democrático de Direito, possibilita que a responsabilização

administrativa do fornecedor seja levada a cabo, permitindo, com isso, uma efetiva tutela

administrativa dos consumidores.

Para tanto, vale-se a Lei n°9.784/99 de determinados mecanismos, dentre os quais a

positivação, em seu art.2°, dos princípios a serem seguidos pela Administração Pública e, no

art.64, parágrafo único, a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, que, conforme

restará abordado no presente estudo, além de não violar direitos e garantias do administrado,

colabora para a efetiva, incisiva e eficaz tutela administrativa do consumidor.

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2 RAZÕES E FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO

CONSUMIDOR

2.1 Razões e antecedentes históricos

Verificam-se na História algumas tentativas de regulamentação das relações de

consumo, ainda que de forma indireta.

O registro mais antigo de que se tem conhecimento é o Código de Hamurabi,

possivelmente escrito pelo rei de mesmo nome em aproximadamente 1.700 a.C.. Vigente na

antiga Mesopotâmia, atualmente designada como República Islâmica do Irã, o Código de

Hamurabi regulava as relações de comércio, estipulando que o controle e a supervisão

ficariam a cargo do palácio.

Nesse contexto, a “lei” 233, por exemplo, dispunha que o arquiteto que viesse a

construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las

ou consolidá-las às suas próprias expensas. Do mesmo modo, no caso de desabamentos com

vítimas fatais, o empreiteiro da obra, além de ser obrigado a reparar os danos causados ao

contratante, sofria punição (morte) caso houvesse o desabamento vitimado o chefe de família.

Por sua vez, a “lei” 235 dispunha que o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em

caso de defeito estrutural, no prazo de até um ano.

No Egito antigo e na Índia do século de XIII a.C. também havia normas de proteção

em sentido parecido, cabendo destaque ao código de Massú, vigente na Índia e que estipulava

sanções para os casos de adulterações de alimentos.

No Império Romano, de outro lado, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa,

a menos que ele não os conhecesse. Já no período Justiniano, era responsável mesmo nessa

hipótese. Ainda em Roma, as práticas de controle de abastecimento de produtos,

principalmente nas regiões conquistadas e a decretação de congelamento de preços no período

de Diocleciano se destacam como regras de consumo.

Na Grécia antiga, Aristóteles já se referia a manobras de especuladores. Estudos

existem também acerca dos depoimentos de Cícero, no século I a.C., que assegurava a

garantia sobre vícios ocultos na compra e venda no caso de o vendedor prometer que a

mercadoria era dotada de qualidades que, posteriormente, revelavam não existir.

Na França de Luiz XI, ano de 1481, havia punição com banho escaldante àquele que

vendesse manteiga com pedra para aumentar o peso ou para aquele que viesse a misturar água

no leite.

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Conquanto a proteção do consumidor, conforme a breve análise histórica em

referência permita concluir, não decorra de um específico acontecimento histórico ou de um

marco normativo – os regramentos em estudo demonstram que a preocupação inicial era com

a tutela das relações comerciais – é possível sustentar que o tema ganhou relevância com a

Revolução Industrial e com o término da Segunda Guerra Mundial.1

A Revolução Industrial modificou substancialmente as relações políticas, sociais e

econômicas, propiciando a formação de uma nova categoria de indivíduos, os consumidores,

que passaram a sentir os efeitos da larga industrialização e da produção em larga escala dos

bens de consumo.

A Revolução Industrial, portanto, influenciou de modo direto a necessidade de

proteção dos consumidores na medida em que alterou as relações econômicas vigentes,2 haja

vista que com o passar do tempo, novos e diversificados fatores foram inseridos nestas

relações que acabaram por alterar substancialmente a cadeia produtiva. Esta, por sua vez,

passou a ser composta por agentes produtores, intermediários e destinatários finais, além de

ter propiciado um aumento geométrico da produtividade e despersonalizado a produção.

Como consequência do crescente aumento da produtividade, surgiu a necessidade do

produtor, que viu sua margem de lucro aumentar exponencialmente, dar rápida vazão à sua

produção, não sendo raras as vezes em que praticava atos fraudulentos e enganosos destinados

a atingir essa finalidade, o que acabava colocando os consumidores em posição de

desigualdade, haja vista a sua sujeição inconsciente aos anseios do produtor.

Com efeito, se considerado que a opção de escolha do consumidor já nasce

condicionada às opções colocadas no mercado pelo próprio fornecedor e que antes da

Revolução Industrial vigorava um mercado no qual imperava a produção artesanal,

caracterizada pela individualidade e unicidade, tem-se que a Revolução Industrial inaugurou

não apenas o aumento geométrico da produtividade, mas principalmente a sujeição dos

consumidores às escolhas prévias dos fornecedores. Além disso, criou uma espécie de

consumidor despersonificado, na medida em que os bens de consumo passaram a ser

colocados no mercado não mais para atender à necessidade de um consumidor específico,

1 Sobre a dificuldade de precisar o momento do surgimento da proteção do consumidor, Norberto Reich leciona que “A

proteção do consumidor tem sido introduzida, agora, em tantas áreas do direito, que é difícil saber-se onde essa preocupação

específica começa e onde padrões tradicionais têm sido meramente estendidos.” (REICH, Norberto. Algumas proposições

para a filosofia da proteção do consumidor. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. In: (Orgs.)

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Coleção

doutrinas essenciais v.1., São Paulo: RT, 2011, p.308). 2 Antes da Revolução Industrial as relações econômicas eram meramente artesanais, envolvendo unicamente o adquirente e o

artesão.

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conforme ocorria com o mercado artesanal, mas para atender às necessidades do consumidor,

pouco importando suas características individuais.

Nesse contexto, portanto, ao consumidor foi suprimida a opção de escolha sobre um

bem de consumo específico, passando a ter que aceitar as opções apresentadas pelos próprios

fornecedores, o que não ocorria no período pré-revolução, no qual o consumidor procurava

determinado fornecedor, que produzia o bem de consumo específico àquele consumidor e

destinado a atender suas necessidades específicas.

No sentido exposto, são os precisos ensinamentos de Miriam de Almeida Souza:

Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas

pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos

(bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as

cidades, formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se

concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo. O advento da

Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada produção em

massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque ‘pessoal’ e o

intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já que

passaram a haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em

conseqüência disto, o produtor precisava dar escoamento à produção, praticando, às

vezes, atos fraudulentos, enganosos, por isso mesmo, abusivos3.

Conquanto a Revolução Industrial tenha modificado substancialmente as relações de

consumo, foi somente após a Segunda Guerra Mundial que o mercado de consumo começou a

ganhar os contornos conhecidos atualmente.

A massificação da produção iniciada com a Revolução Industrial foi intensificada no

período após a Segunda Guerra Mundial. Para dar maior vazão à produção e garantir uma

fluidez linear do consumo, os contratos foram padronizados, suprimindo-se toda e qualquer

forma de deliberação de seu conteúdo, que passou a ser redigido pelo próprio fornecedor;

este, por sua vez, passou a valer-se das mais variadas técnicas de marketing para, desta forma,

atingir um maior número de consumidores.

Após a Segunda Guerra Mundial, os mercados se ampliaram visando atingir a

circulação universal da riqueza e, nesse contexto, grandes blocos econômicos foram criados

resultando no agigantamento dos grupos econômicos e empresariais e numa intensa

concentração da produção em empresas com atuação nos mais variados setores. Esses

fenômenos, conquanto tenham facilitado o acesso ao consumo, acabaram por intensificar a

sujeição dos consumidores às vontades dos fornecedores. A necessidade de proteção dos

consumidores, portanto, passou a revelar-se medida de rigor.

3SOUZA, Miriam de Almeida. A política legislativa do consumidor no direito comparado. Belo Horizonte: Ciência

Jurídica, 1996, p.48.

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2.2 A vulnerabilidade como fundamento da proteção jurídica do consumidor: crise

do Estado Liberal

Os impactos advindos da Revolução Industrial foram intensificados com o término da

Segunda Guerra Mundial. A produção massificada de bens de consumo aliada à formação de

grandes blocos econômicos e empresariais deixaram os consumidores à mercê dos anseios dos

fornecedores. A teoria econômica clássica, conquanto tenha fundamentado todo esse período

e apesar de caracterizar-se pela desnecessária proteção do consumidor, eis que seria ele quem

ditaria as leis do mercado, não foi capaz de harmonizar os interesses dos fornecedores e dos

consumidores. Ao revés, o que se viu foi uma intensa influência daqueles sobre estes. Os

consumidores não mais detinham a opção de escolha, que passou a ser previamente definida

pelos fornecedores, assim como não dispunham de plena liberdade para fixar cláusulas

contratuais, que passaram a ser estipuladas pelos fornecedores. A vulnerabilidade destes, ou

seja, sua fragilidade perante o fornecedor, portanto, é o que fundamenta sua necessária

proteção jurídica. Nesse sentido, Sálvio de Figueiredo Teixeira esclarece:

Os avanços no tema partiram, ultima ratio, de uma constatação manifesta, a

vulnerabilidade do consumidor, que mais e mais se enfraquecia no plano individual,

e visaram, na outra ponta, a um objetivo consensualmente admitido, a

imprescindibilidade da defesa desse consumidor.4

Essa vulnerabilidade, cumpre frisar, é uma constatação genérica, construída

historicamente e que consiste na própria essência da relação entre consumidores e

fornecedores, conforme leciona Marcelo Sodré:

É porque se reconhece que o consumidor é vulnerável que se justifica a existência de

normas para o proteger. A vulnerabilidade é uma constatação genérica. A

desigualdade na relação entre fornecedores e consumidores nas relações de consumo

é um fato construído historicamente e é da própria essência desta relação.5

Oportuno salientar que a vulnerabilidade que fundamenta a necessária tutela do

consumidor não se confunde com sua hipossuficiência. Conquanto ambos estejam previstos

4 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A proteção ao consumidor no sistema jurídico brasileiro. In: (Orgs.) MARQUES,

Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Coleção doutrinas

essenciais v.1, São Paulo: RT, 2011, p.391. No mesmo sentido, reconhecendo a vulnerabilidade como fundamento primordial

da necessária defesa do consumidor, Fabíola Meira de Almeida Santos, Marcelo Gomes Sodré e Patrícia Caldeira afirmam

que “o direito do consumidor é um direito engajado que parte do princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do

consumidor na sociedade consumo e que tem por objetivo equilibrar as relações entre consumidores e fornecedores.”

(SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.

São Paulo: Verbatim, 2009, p.8). 5 SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.

São Paulo: Verbatim, 2009, p.42.

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no Código de Defesa do Consumidor, respectivamente nos arts.4°, I e 6°, VIII, tratam-se de

institutos diversos.

A hipossuficiência é concreta, ou seja, poderá ou não estar presente em determinado

caso específico posto à apreciação do Estado-juiz. Trata-se, portanto, de “critério de avaliação

judicial para a decisão sobre a possibilidade ou não de inversão do ônus da prova em favor do

consumidor”, conforme leciona Bruno Miragem.6 Nesse contexto, consumidores existirão que

não serão considerados hipossuficientes.

Por sua vez, a vulnerabilidade, que está associada à ideia de fraqueza de um dos

sujeitos de determinada relação jurídica – fraqueza esta que pode decorrer de determinadas

condições ou qualidades que lhe são inerentes ou da posição de superioridade de um dos

sujeitos da relação jurídica – não se sujeita unicamente ao critério de avalição judicial. A

vulnerabilidade, princípio básico que fundamenta a existência e a aplicação do direito do

consumidor e que busca realizar a isonomia garantida pela Constituição Federal, pode ser

identificada in abstracto ou em um caso concreto.

Diversamente da hipossuficiência, que ocorre nos autos do processo, poderá haver

vulnerabilidade sem a identificação do consumidor. E, porque genérica, a vulnerabilidade do

consumidor desdobra-se em diversas vertentes.7

A primeira delas, denominada de vulnerabilidade econômica, apoia-se na noção de que

os fornecedores têm supremacia econômica sobre os consumidores, o que, não raras vezes,

dificulta, quando não impossibilita, o consumidor de se proteger dos anseios eminentemente

econômicos do fornecedor.

A segunda vertente da vulnerabilidade, por sua vez, consiste na vulnerabilidade

técnica, que se traduz na ausência de conhecimentos, pelo consumidor, sobre os meios de

produção e de distribuição dos produtos e serviços.

6 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.122. 7 Para Rizzatto Nunes, a vulnerabilidade pode ser técnica e econômica. Aquela diz respeito não apenas aos aspectos técnicos

e administrativos para a fabricação e distribuição do bem de consumo, mas também ao elemento fundamental da decisão, ou

seja, à opção de escolha sobre o que e quando o bem de consumo será produzido, bem como em de que maneira. (NUNES,

Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p.176-177). Por sua vez, para

Bruno Miragem, a vulnerabilidade pode ser técnica, que ocorre na hipótese do consumidor não possuir conhecimentos

especializados sobre o bem de consumo; jurídica, que se traduz na ausência de conhecimentos pelo consumidor dos direitos e

deveres da relação de consumo e das consequências jurídicas dos contratos que celebra; e fática, que, por ser espécie mais

ampla, engloba a vulnerabilidade econômica e algumas situações específicas, tais como as do consumidor-criança, do

consumidor-idoso e do consumidor-analfabeto, que seriam duplamente vulneráveis. (MIRAGEM, Bruno. Curso de direito

do consumidor. 5.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.121-125). Indo além, Cláudia Lima Marques reconhece

quatro tipos de vulnerabilidade: técnica, que decorre da ausência de conhecimentos específicos, pelo consumidor, acerca do

bem de consumo; jurídica, ou científica, que diz respeito à falta de conhecimentos jurídicos específicos; fática, ou

socioeconômica, que decorre da posição de superioridade do fornecedor, que poderá dizer o que, quando, em que medida e

como o bem de consumo será produzido ou prestado; e informacional, que diz respeito ao monopólio da detenção das

informações por parte dos fornecedores. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o

novo regime das relações contratuais. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.320-342).

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A terceira modalidade de vulnerabilidade diz respeito à vulnerabilidade nas

informações, às quais, salvo expressa imposição legal em sentido contrário ou salvo eventual

motivação propagandística, não são repassadas aos consumidores.

Essa modalidade de vulnerabilidade informacional, porque desiguala substancialmente

a relação entre o fornecedor – que desenvolve suas atividades em um nível elevado de

profissionalização e que detêm as informações sobre o que, quando, como e em que medida

produzir ou fornecer – e o consumidor – que não possui os mesmos conhecimentos – é

inclusive objeto de especial atenção do legislador8 e da doutrina, vez que, conforme preconiza

Cláudia Lima Marques, “esta vulnerabilidade é essencial à dignidade do consumidor,

principalmente como pessoa física”.9

Por fim, a última modalidade de vulnerabilidade versa sobre a vulnerabilidade fática.

Reflexo da padronização dos contratos, essa espécie de vulnerabilidade encontra

campo para ocorrência nas práticas abusivas e acabam agravando a desvantagem do

consumidor perante o fornecedor.

Justamente em decorrência dessa sujeição, que, em última medida, desequilibra o

próprio mercado de consumo, surgiu a necessidade de promulgação de normas objetivando,

por meio da proteção do consumidor e mediante o reconhecimento de sua vulnerabilidade,

equilibrar o mercado de consumo.

Nesse sentido, a Resolução 39/248 da Assembleia Geral da Organização das Nações

Unidas, de 16 de abril de 1985, aprovada na 106ª Reunião Plenária de 09 de abril de 1985,

reconheceu, em seu art.1°, o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo:

Tendo em vista os interesses e necessidades de consumidores em âmbito global,

especificamente daqueles nos países em desenvolvimento; assumindo que

consumidores muitas vezes se deparam com situações desfavoráveis em termos

econômicos, de informação e poder de barganha; e considerando que consumidores

devem ter direito ao acesso a produtos inofensivos, bem como de promover o

desenvolvimento econômico e social de forma justa, equitativa e sustentável, tais

diretrizes de proteção ao consumidor tem os seguintes objetivos:

(a) Auxiliar os países a desenvolver ou manter uma proteção adequada à sua

população enquanto consumidores;

(b) Viabilizar os padrões de produção e distribuição para atender às necessidades e

desejos dos consumidores;

(c) Incentivar um rígido padrão de conduta ética para aqueles envolvidos na

produção e distribuição de produtos e serviços aos consumidores;

(d) Auxiliar os países na repressão de condutas comerciais abusivas por corporações

em escala nacional e internacional que afetem adversamente os consumidores;

8 Vide, a propósito, os arts.6°, III, 8° a 10, 12, 14, 31, 43, §2°, do Código de Defesa do Consumidor e o Decreto

n°4.680/2003, que regulamenta o direito à informação acerca dos alimentos geneticamente modificados. 9 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.

7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.334-342).

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(e) Viabilizar o desenvolvimento de grupos independentes de proteção aos

consumidores;

(f) Promover a cooperação internacional no campo de proteção ao consumidor;

(g) Incentivar o desenvolvimento de condições de mercado que ofereça aos

consumidores maior variedade a preços menores. (tradução livre). 10

-11

Da leitura do texto normativo em referência, verifica-se, sem qualquer hesitação, ser,

pelo menos no plano normativo, a vulnerabilidade do consumidor a pedra angular sobre a qual

foi erigido todo o sistema de proteção e defesa do consumidor.

Conquanto a vulnerabilidade do consumidor ocupe um lugar de destaque, tendo

inclusive merecido importante atenção de organismo internacional, a proteção do consumidor

no Brasil somente veio à tona com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Até então,

apenas a doutrina nacional comungava a necessidade de se elaborar um sistema de proteção

do consumidor. Nesse sentido, Fábio Konder Comparato proclamava, já nas décadas de 1970

e 1980, que seria recomendável introduzir medidas visando aperfeiçoar a legislação nacional

na defesa dos consumidores. 12

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a

proteção dos consumidores era indiretamente garantida por legislações, como o Decreto

nº22.626/3313

; a Constituição de 193414

; a Lei nº1.521/5115

; a Lei nº4.137/6216

; a Lei

nº7.244/84 (revogada pela Lei nº9.099/95)17

; a Lei nº7.492/8618

; a Lei nº7.347/8519

e o

Decreto nº91.469/85.20

Assim, em decorrência da inexistência de normatização específica acerca da tutela

jurídica do consumidor e em atenção ao princípio da isonomia contido no art.5°, caput, da

10 Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/21426-21427-1-PB.pdf. Acesso em: 20 mar.2015. 11 “1. Taking into account the interests and needs of consumers in all countries, particularly those in developing countries;

recognizing that consumers often face imbalances in economic terms, educational levels, and bargaining power; and bearing

in mind that consumers should have the right of access to non-hazardous products, as well as the right to promote just,

equitable and sustainable economic and social development, these guidelines for consumer protection have the following

objectives: (a) To assist countries in achieving or maintaining adequate protection for their population as consumers; (b) To

facilitate production and distribution patterns responsive to the needs and desires of consumers; (c) To encourage high levels

of ethical conduct for those engaged in the production and distribution of goods and services to consumers; (d) To assist

countries in curbing abusive business practices by all enterprises at the national and international levels which adversely

affect consumers; (e) To facilitate the development of independent consumer groups; (f) To further international co-operation

in the field of consumer protection; (g) To encourage the development of market conditions which provide consumers with

greater choice at lower prices.” 12 A proteção do consumidor. Importante capítulo do Direito Econômico. In: MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno.

Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Coleção doutrinas essenciais v.1.São Paulo: RT, 2011,

p.167-186. 13 Lei de Usura 14 Os arts.115 e 117 ao estipularem a proteção da economia popular, protegiam, indiretamente, o consumidor. 15 Lei da Economia Popular 16 Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico. 17 Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 18 Lei de Repressão aos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. 19 Regulamenta a Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos ao Consumidor. 20 Estipulou a criação do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que foi substituído pelo Departamento Nacional de

Proteção e Defesa do Consumidor.

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Constituição Federal de 1988, surgiu a necessidade “de elaboração de um complexo de leis

capaz de equilibrar as relações de consumo.”21

Para tanto, fixou o art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o prazo

de 120 dias para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, finalmente publicado em

11 de setembro de 1990.

No Código, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor vem expressamente

previsto no art.4°, I, que, ao dispor sobre os objetivos da Política Nacional das Relações de

Consumo, consigna que os mesmos devem ser alcançados, dentre outros princípios, pela

observância do “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.”

O princípio da vulnerabilidade, portanto, consiste no ponto de partida da estrutura do

sistema de defesa do consumidor, que se irradia no campo material, como, por exemplo, a

interpretação favorável dos contratos de consumo (art.47), e processual, com a inversão do

ônus da prova em seu favor (art.6°, VIII) e a eficácia erga omnes da coisa julgada na ação

coletiva para a defesa dos direitos individuais homogêneos, quando procedente o pedido

(art.103, III).22

Relevante ainda consignar que o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor

decorre do próprio texto constitucional que, em seu art.170, ao estabelecer o livre mercado e a

livre concorrência, apresenta os limites de sua atuação, colocando a defesa do consumidor

como um de seus pilares imprescindíveis. Essa delimitação do desenvolvimento da livre

iniciativa e do livre mercado ocasionado pela necessária observância da vulnerabilidade do

consumidor era inclusive reconhecida por um dos mais relevantes nomes da economia

clássica, e capitalista empresário, conforme apresentado por José Geraldo Brito Filomeno:

Desde Adam Smith, em seu tratado que estabeleceu os princípios da economia de

mercado competitivo: ‘O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o

interesse do produtor deve ser atendido até o ponto, apenas, em que seja necessário

para promover o do consumidor. A máxima é tão perfeitamente evidente por si

mesma, que seria absurdo tentar prová-la [...] No sistema mercantilista, o interesse

do consumidor é quase que constantemente sacrificado pelo do produtor; e ele

parece considerar a produção, e não o consumo, como o fim último e objeto de toda

a indústria e comércio.’ Por outro lado: ‘O consumidor é o elo mais fraco da

economia, e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco.’ O

autor dessa frase, ao contrário do que possa parecer, não é qualquer consumerista

21 PASSARELI, Eliana. Dos crimes contra as relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2002, p.XIII. 22 Aurisvaldo Melo Sampaio entende ser a dignidade da pessoa humana o princípio estruturante do direito do consumidor,

sendo este caracterizado pela introdução do ser humano no centro do sistema jurídico. (SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As

novas tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. In: Revista de direito do consumidor nº49,

jan.-mar.2004, São Paulo: RT, 2004, p.136-144).

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exarcebado. Ao contrário, é o ‘pai da produção em séria’, ninguém menos que o

célebre magnata da indústria automobilística Henry Ford.23

Mais do que um princípio a ser observado nas relações de consumo, a vulnerabilidade

do consumidor, é possível sustentar, vai além, refletindo o próprio anseio da Constituição

Federal acerca do princípio da isonomia introduzido por seu art.5°. E isso porque a igualdade

protegida pela Constituição não parte da premissa de que todos estejam no mesmo nível.

A adequada compreensão da igualdade deve considerar que a Constituição Federal

reconhece uma desigualdade fundamental e desequilibrante existente entre os indivíduos,

consistindo a isonomia, portanto, em tratar os indivíduos desigualmente na medida em que se

diferenciam.

Assim, para que exista isonomia, mister que àqueles que não estejam no mesmo nível

sejam conduzidos ao mesmo patamar em que situado sua contraparte. E na sistemática da

defesa dos direitos dos consumidores, isso ocorre mediante o reconhecimento de sua

vulnerabilidade, que resulta na apresentação de instrumentos jurídicos de natureza material e

processual.

A bem ver, a hierarquização da vulnerabilidade do consumidor é consequência quase

natural do colapso do sistema liberal.

Vigente na Europa até o século XIX e, no Brasil, até a década de 1930, o Estado

Liberal, que ganhou corpo com a Revolução Francesa e que serviu como fundamento da

primeira geração dos direitos, preocupava-se em limitar a atuação do Estado e o próprio poder

político como uma forma de assegurar o amplo espaço de autonomia dos indivíduos. Nesse

contexto, portanto, prevaleciam os interesses individuais, o que acabou por criar uma espécie

de “darwinismo jurídico”, com a hegemonia dos economicamente mais fortes em detrimento

de uma justiça social, o que inclusive deu causa ao surgimento do Estado Social, conforme

leciona Paulo Luiz Netto Lobo:

Como a dura lição da história demonstrou, a codificação liberal e a ausência de

constituição econômica serviram de instrumento de exploração dos mais fracos

pelos mais fortes, gerando reações e conflitos que redundaram no advento do Estado

Social.24

É, portanto, como resultado dessa sobreposição – decorrente da crise do Estado

Liberal, que deixa a atuação estatal à margem das relações – o surgimento da necessária

23 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto

v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.74. 24 Constitucionalização do direito civil. Disponível em: www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=507. Acesso em: 19 out.

2014.

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preservação do consumidor, passando o Estado a ocupar um papel de destaque nesse cenário

até mesmo em função da alocação do direito do consumidor como um direito fundamental.

2.3 A defesa do consumidor enquanto direito fundamental

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, conforme anteriormente

aduzido, é o ponto de partida para a compreensão adequada da sistemática de proteção do

consumidor. De outro lado, a concepção de que os direitos fundamentais não mais ficam

circunscritos à defesa do indivíduo em face da interferência estatal,25

englobando, inclusive, a

proteção de um cidadão diante do outro,26

obriga o Estado a reconhecer seu dever na proteção

dos direitos fundamentais.

O art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988, atento a esse cenário, elevou não

apenas o direito do consumidor, mas sua própria defesa, à condição de direito fundamental ao

afirmar “que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

Além de ter sido erigido à categoria de direito fundamental, a defesa do consumidor

também consiste em princípio geral da atividade econômica, funcionando como vetor da

ordem econômica e financeira, colocando-se ao lado de princípios outros, tais como a

propriedade privada, a função social da propriedade e a livre concorrência.

Conforme a sistemática constitucional, a defesa do consumidor está vinculada à

cláusula geral de tutela da personalidade, cujo ponto de partida remonta ao princípio da

dignidade da pessoa humana, previsto de maneira expressa no art.1°, III da Carta

Constitucional. Adicionalmente, a defesa do consumidor deve ser efetivada de maneira a

concretizar o objetivo da República Federativa do Brasil insculpido no art.3°, III, da

Constituição Federal, qual seja, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as

desigualdades sociais e regionais. No sentido exposto, são os dizeres de Gustavo Tepedino:

A proteção jurídica do consumidor, nesta perspectiva, deve ser estudada como

momento particular e essencial de uma tutela mais ampla: aquela da personalidade

humana; seja do ponto de vista de seus interesses individuais indisponíveis, seja do

ponto de vista dos interesses coletivos e difusos.27

A tutela do consumidor, portanto, emerge de maneira consonante não apenas com a

axiologia, mas também com a principiologia constitucional, ambas direcionadas a concretizar

25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6.ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993, p.541. 26 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota

Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p.53-54. 27 TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil por acidentes de consumo na ótica civil-constitucional. In: Temas de

direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.249-250.

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a igualdade. Não é desarrazoado, portanto, concluir que os direitos básicos dos consumidores

devem ser entendidos como normas materialmente constitucionais, dotadas de eficácia

horizontal e que se irradiam por todo o ordenamento jurídico nacional.28

A opção do legislador constitucional de erigir a defesa do consumidor à categoria de

direito fundamental, conquanto seja estranha à teoria econômica clássica,29

decorre da

inquestionável necessidade de que determinadas situações de desequilíbrio sofram incisiva

ação corretiva do Estado, correção esta que pode ser econômica e/ou jurídica.30

Nesse contexto, a defesa do consumidor, enquanto direito fundamental, não decorre

unicamente de sua expressa previsão constitucional. Trata-se, a bem da verdade, de um

desdobramento dos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil enquanto

Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988, ao instituir em seu art.1° o Estado Democrático de

Direito, inclusive traçando seus fundamentos, abriu perspectivas para uma profunda e

concreta realização social, a ser alcançada, entre outros, por meio do efetivo exercício dos

direitos de quarta dimensão, tudo com vistas a concretizar as exigências de um Estado de

justiça social fundado na dignidade da pessoa humana.

Vale dizer, portanto, que a Constituição Federal de 1988 exerce uma efetiva e

proposital ingerência na realidade social, não apenas apresentando elementos de salvaguarda

do indivíduo perante o Estado ou até mesmo do indivíduo em face de outro indivíduo, mas

principalmente desenhando o caminho a ser seguido pelo Estado na efetivação de seus

fundamentos e objetivos.

Diversamente do que ocorria com o liberalismo, época em que vigorou a primeira

dimensão dos direitos, caracterizada não apenas pela abstenção do Estado em privilégio à

liberdade individual, mas principalmente por uma menos vibrante atividade judicial, o novo

cenário desenhado pela Constituição Federal de 1988 coloca o Estado em uma posição

diferente, passando a servir como o principal provedor do atendimento ao bem comum e à

implementação e aperfeiçoamento de uma existência digna.31

28 FACHIN, Luiz Edson. As relações jurídicas entre o novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor: elementos

para uma teoria crítica do direito do consumidor. In: CAPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO, Marcelo. Repensando o

direito do consumidor: 15 anos de CDC. Curitiba: OAB/PR, 2005, p.46-48. 29 Para a teoria econômica clássica, a necessidade econômica individual deve se manifestar livremente, de modo que não

haveria espaço para se falar em proteção do consumidor. 30 ARRUDA ALVIM et al. Código do Consumidor comentado. 2.ed. São Paulo: RT, 1995, p.13-14. 31 Nesse sentido, leciona Ada Pellegrini Grinover: “A transição entre o Estado liberal e o Estado social promove alteração

substancial na concepção do Estado e de suas finalidades. Nesse quadro, o Estado existe para atender ao bem comum e,

consequentemente, satisfazer direitos fundamentais e, em última análise, garantir a igualdade material entre os componentes

do corpo social. Surge a segunda geração de direitos fundamentais – a dos direitos econômicos-sociais –, complementar à dos

direitos de liberdade. Agora, ao dever de abstenção do Estado substitui-se seu dever de um dare, facere, praestare, por

intermédio de uma atuação positiva, que realmente permita a fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim

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Nesse contexto, ao Estado não mais será possível unicamente abster-se em detrimento

da liberdade individual. Deverá ir além, atuando com vistas a permitir a fruição dos direitos

inerentes à liberdade do indivíduo mediante uma atuação positiva que lhe permita uma

existência digna.

Ciente do seu papel programático, não descuidou a Constituição Federal de 1988 de

apresentar os fundamentos e os objetivos a serem observados para que seja possível

implementar a almejada modificação social, garantidora de uma existência digna. Assim, logo

em seu art.1°, tratou de explicitar não apenas a modalidade de Estado eleita, a saber, o Estado

Democrático de Direito, mas também de fixar como fundamentos da República a soberania, a

cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e

o pluralismo político. Não obstante, trouxe em seu art.3° como objetivos fundamentais da

República a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, com a garantia do

desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das

desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nesse contexto, verifica-se com facilidade ter a Constituição Federal de 1988 fixado

como diretriz a preservação e o desenvolvimento do mínimo necessário para resguardar uma

existência digna. Para tanto, também não descuidou de dividir as esferas do Poder com vistas

a permitir atingir e aperfeiçoar os objetivos fundamentais da República, trazendo em seu

art.2° a tríplice repartição do Poder. Desta maneira, os objetivos fundamentais da República,

bem como seus fundamentos podem ser, respectivamente, alcançados e preservados mediante

o exercício das atividades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A nova ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988 exige do

Estado uma postura ativa sobre a realidade social, com o firme propósito de permitir

mudanças e resguardar um mínimo necessário à preservação e ao desenvolvimento da

dignidade da pessoa humana. É justamente nesse contexto que a defesa do consumidor

exterioriza-se como um direito fundamental. Sem isso, o consumidor vulnerável não disporá

de mecanismos necessários à sua efetiva proteção, em situação que coloca aquele que detém

uma posição de superioridade (fornecedor ou Estado enquanto nessa função) acima do

indivíduo, que ficará à mercê das vontades do fornecedor, inclusive se sujeitando aos riscos

de sua atividade, o que parece não refletir o anseio da Constituição Federal de 1988.

como dos novos direitos”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. 2.ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2013, p.126).

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2.4 O princípio da precaução no direito do consumidor

A modificação do sistema de produção ocasionada pela Revolução Industrial e

difundida após o término da Segunda Guerra Mundial inaugurou uma nova, e preocupante,

realidade social: a sociedade global de risco.32

Caracterizada pela impossibilidade de previsão e de controle dos riscos que nos

circundam decorrentes da acelerada industrialização e que ganham corpo com o avanço

tecnológico incapaz de expurgá-los, a temática teve início com o acidente nuclear de

Chernobyl, no ano de 1986. Em seguida, ganhou corpo com diversos outros acidentes de

consumo, que elevaram a ocorrência de danos aos consumidores em geral e alertaram acerca

da necessidade de uma preocupação com a saúde e a segurança das pessoas.

Conquanto os debates tenham ganhado corpo recentemente, é possível verificar que a

sociedade global de risco tem seu marco inaugural com o advento da Revolução Industrial.

Caracterizada pela produção e pelo consumo massificados, a Revolução Industrial

também inaugurou a produção social de riscos que, por serem contornáveis, não extrapolavam

os limites particulares. Apenas a partir do final da fase industrial é que os riscos deixaram de

ser controláveis e previsíveis.

A busca pelo lucro e a busca por um número maior de consumidores tornam os riscos

incontroláveis e desconhecidos. E isso ocorre na medida em que os riscos acabam por atingir

a todos, pouco importando os limites sociais e territoriais. Cabe destacar que o

desconhecimento dos riscos decorre, não raras vezes, da busca incessante pelo lucro, o que

impõe uma rápida atuação do fornecedor na apresentação de um produto no mercado de

consumo sem que os riscos, assim como a possibilidade de sua ocorrência, tenham sido

previamente estudados.

É, portanto, na sociedade pós-moderna, na qual impera o avanço tecnológico e a

rápida circulação de informações e produtos, que a temática passa a ocupar um lugar de

preocupante destaque.

Na sociedade global de riscos, portanto, não é possível quantificar ou antever os

riscos, eis que o avanço tecnológico, conquanto tenha alargado o lucro e o atingimento de

pessoas com potencial para se tornarem consumidores, não trouxe a segurança almejada.33

Não bastasse, na sociedade global de riscos a responsabilidade é dissipada, o que pode

colaborar para a não responsabilização do agente.

32 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo:

Editora 34, 2010. 33 BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1997.

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Para mitigar esse cenário, o sistema jurídico trabalha com a responsabilidade objetiva

e a ampla solidariedade, além da concepção de precaução.

A sistemática de responsabilização que demanda demonstrar a culpabilidade do agente

não se presta à tutela daqueles que vivem na sociedade global de risco. E isso não apenas

porque a demonstração da culpa do agente, não raras vezes, inclusive na sistemática da

responsabilização clássica, é de difícil, quiçá impossível demonstração, mas notadamente

porque na sociedade de consumo atual, eventuais defeitos nos produtos acabam atingindo um

número elevado de consumidores.

Justamente por conta dessas circunstâncias foi que a responsabilidade civil evoluiu

para não mais repousar seu fundamento na culpa, mas sim sobre o risco, dispensando a vítima

da prova da culpa pelo menos nos casos em que a atividade causadora do dano apresentasse

perigos e fosse motivada pelo lucro.34

A responsabilidade fundada no risco possui, portanto, fundamento no princípio da

precaução, que pode ser traduzido como a atitude a ser observada pelos responsáveis pela

tomada de decisões que decorram de uma atividade que acarrete risco ao meio ambiente, à

saúde ou segurança das gerações atuais e futuras.

Distingue-se da prevenção na medida em que esta é a ação que objetiva evitar um dano

ou coibir um risco que se afigura certo ou determinável, ao passo que a precaução apoia-se na

incerteza do risco ou do dano.35

Não obstante, também verifica-se que estes princípios podem ser estudados em

decorrência de sua ocorrência no tempo.

Enquanto na prevenção os danos são mensuráveis em um curto espaço de tempo, na

precaução esses danos costumam ocorrer após um longo período, o que reforça a ideia de uma

firme atuação estatal na temática relativa à saúde e segurança dos consumidores.

Com origem no direito ambiental, o princípio da precaução revela não apenas a

preocupação diante da incerteza quanto à ocorrência do risco a que ficará exposta a sociedade

e o meio ambiente, mas também quanto à ocorrência do dano.36

34 VINEY, Geneiviéve. As tendências atuais do direito da responsabilidade civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Direito civil

contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2008, p.42-56. 35 FREITAS, Juarez. Princípio da precaução: vedação do excesso e de inoperância. In: Interesse público. v.7, nº35, jan.-

fev.2006. 36 O princípio da precaução ingressa de maneira explícita no ordenamento jurídico nacional por meio da Convenção da

Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 05.06.1992, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto

Legislativo nº2, de 03.02.1994; entrou em vigor no Brasil em 29.05.1994 e foi promulgada pelo Decreto nº2.519/98 e por

meio da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, assinada em Nova York, em 09.05.1992,

ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº1, de 03.02.1994, passando a vigorar no Brasil em 29.05.1994.

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Assim, por meio da adoção do princípio da precaução, está se reconhecendo que o

avanço científico e tecnológico não impede a ocorrência de riscos desconhecidos e que, em

última medida, podem ensejar a ocorrência de danos também não conhecidos.

Nesse sentido, destaca Édis Milaré:

A invocação do princípio da precaução é uma decisão a ser tomada quando a

informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta e haja indicações de que

os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a

proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível

de proteção escolhido.

A bem ver, tal princípio enfrenta a incerteza dos saberes científicos em si mesmos.

Sua aplicação observa argumentos de ordem hipotética, situados no campo das

possibilidades, e não necessariamente de posicionamentos científicos claros e

conclusivos. Procura instituir procedimentos capazes de embasar uma decisão

racional na fase de incertezas e controvérsias, de forma a diminuir os custos da

experimentação.37

Interessante destacar que a adoção deste princípio não inviabiliza as atividades

humanas. Ao revés, o princípio da precaução visa perpetuar a sadia qualidade de vida das

gerações, atuais e futuras, podendo até mesmo colaborar para o avanço científico e

tecnológico na medida em que consiste num instrumento de impulso às novas descobertas

destinadas a, se não expurgar, ao menos mitigar os riscos e os danos.

Ao decompor o princípio da precaução, é possível constatar que compõe-se de quatro

elementos básicos: 1) a incerteza passa a ser considerada na avaliação do risco (certeza

científica); 2) a realocação do ônus da prova, que passa a ser daquele que desenvolve a

atividade; 3) o dever daquele que desenvolve a atividade de, na avaliação do risco, analisar

senão a viabilidade de alternativas ao produto a ser posto no mercado ao menos a mitigação

de seus eventuais efeitos negativos e; 4) existir amplo, efetivo e concreto debate sobre o

produto ou atividade.

Ao estudar a certeza científica, o constitucionalista norte-americano Cass Sunstein

apresenta a seguinte proposta: ou o princípio da precaução deve ser entendido como uma

regra geral de direito, abstrata e sem consequências concretas ou como uma regra de

abstenção, ou seja, um não fazer robustecido pelo medo. Nesse sentido, questiona a ideia de

que a natureza segue seu curso normalmente e brada que a ingerência do homem na natureza

deve ocorrer unicamente na hipótese em que alcançada uma certeza científica sobre a

ausência de riscos.38

Em sentido contrário, Ivan Alberto Martins Hartmann entende “que o

37 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2014, p.266. 38 SUSTEIN, Cass R. Beyond the Precautionary Principle. Disponível em:

http://www.law.uchicago.edu./Lawecon/index.html . Acesso em: 21 jun.2014.

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apelo à uma noção de segurança propiciada pela ciência é infundado e prejudicial ao conceito

de uma efetiva precaução.”39

Para tanto, sustenta que a certeza científica não existe, vez que

vivemos em um tempo de constante evolução do pensamento científico. Desta forma, para o

autor, porque não existe certeza científica, a precaução não fornece qualquer garantia acerca

da ausência de risco. Sua correta compreensão versa sobre o empenho de esforços visando

diminuir os riscos.

Em que pesem as divergências doutrinárias, é possível constatar que pelo princípio da

precaução, qualquer ação humana que cause impacto deve ser acompanhada de uma espécie

de garantia de que referida ação não será nociva. Nesse contexto, a precaução resultaria na

inversão do ônus da prova, que passa a ser daquele que desenvolve a atividade provar que o

produto ou serviço não traz riscos à sociedade e/ou ao meio ambiente.40

A bem da verdade, se considerada que toda e qualquer ação causa impacto, eis que

altera o estado natural das coisas, temos que o princípio da precaução está presente em todos

os momentos, não sendo desarrazoado sustentar pela existência de um dever geral de cautela

nesse particular que deve acompanhar todo o ciclo de vida do bem de consumo e sua fase

posterior, ou seja, sua fase de descarte. Ao fornecedor, portanto, não é dado colocar no

mercado de consumo produto ou serviço cuja periculosidade, atual ou futura, não tenha sido

profundamente estudada ou não seja conhecida.41

O terceiro elemento consiste na busca de alternativas ao produto quando da avaliação

de seus riscos. Esses riscos, por sua vez, podem ser considerados plausíveis ou estabelecidos.

O primeiro deles está relacionado unicamente à pesquisa, enquanto o segundo, o risco

estabelecido, relaciona-se à verificação dos impactos ocasionados por determinada conduta e,

por consequência, à própria tomada de decisão. É, portanto, o risco estabelecido que impõe a

observância do princípio da precaução.

Por fim, o quarto elemento que compõe o princípio da precaução diz respeito ao

debate democrático. Conforme mencionado, vivemos em uma sociedade de riscos. Senão para

evitá-los, ao menos para mitigá-los, incumbe à pesquisa o papel de exteriorizá-los. E essa

pesquisa, é bom consignar, deve ser imparcial, não devendo ser realizada de maneira

39 HARTMANN, Ivan Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor: dever de

informação. In: Direito e Justiça v.38, nº2, jul./dez.2012. Em igual sentido: MACHADO, Paulo Affonso Leme. O princípio

da precaução e a avaliação de riscos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.96, nº856, p.35-50, fev.2007. 40 Exemplificando o quanto exposto, Ivan Alberto Martins Hartmann: “Segundo esse entendimento, uma determinada

empresa, para obter a autorização de comercialização de uma semente transgênica de sua criação, seria obrigada a provar às

autoridades, além de qualquer dúvida, que tal semente não apresentasse qualquer risco para o ambiente ou para a

humanidade.” (HARTMANN, Ivan Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor:

dever de informação. In: Direito e Justiça v.38, nº2, jul.-dez.2012). 41 Talvez o melhor exemplo na atualidade nacional diga respeito aos cigarros, em que se verifica a existência de mensagem

na embalagem do maço expressamente consignando a inexistência de índices seguros para seu consumo.

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direcionada e com vistas a atender determinada pessoa ou conglomerado. E isso porque os

indivíduos têm o direito à informação para que, desta forma, realizem suas escolhas. Não se

trata de, com esse debate, transferir a responsabilidade, mas sim do direito dos indivíduos à

informação sobre os riscos aos quais estão expostos.

No campo do Direito do Consumidor, o tema da precaução é inicialmente codificado

na Resolução nº39/248 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 16 de

abril de 1985, e aprovada na 106ª Reunião Plenária de 9 de abril de 1985, precisamente em

seu art.3°:

3. As necessidades legítimas que as diretrizes são direcionadas a atender são as

seguintes:

(a) A proteção dos consumidores contra riscos a sua saúde e segurança;

(b) A promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores;

(c) Acesso dos consumidores a informações adequadas permitindo que façam

escolhas informadas de acordo com as vontades e necessidades individuais;

(d) Educação do consumidor;

(e) Disponibilidade de compensação efetiva do consumidor;

(f) Liberdade para formar consumidores e outros grupos ou organizações relevantes

e a oportunidade de tais organizações para apresentar seus pontos de vista nos

processos de tomada de decisão que os afetam.42

(tradução livre).

É, portanto, na concepção dos direitos humanos que se busca a ideia da proteção do

consumidor fundada no princípio da precaução.

Tido, pela doutrina, como um direito de terceira dimensão, cuja característica é a sua

titularidade difusa, o Direito do Consumidor parte da premissa de que um dos polos da

relação, qual seja, o consumidor, é a parte mais fraca, ou seja, vulnerável. Daí surge a

necessidade de imposição de uma igualdade material que somente é alcançada por meio de

uma atuação afirmativa do Estado.

Nesse contexto, o Estado Brasileiro erigiu a defesa do consumidor como uma garantia

fundamental no art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988, colocando-a, ainda, como um

princípio da ordem econômica em seu art.170, em movimento que atribui maior efetividade à

defesa do consumidor posto ter criado para o Estado o dever de atuar de forma positiva nesse

cenário, dando efetividade à previsão constitucional.

E essa efetividade, por sua vez e no que tange ao reconhecimento da adoção do

princípio da precaução nas relações de consumo encontra previsão, ainda que de modo

implícito e confuso, nos arts.8° a 10 do Código de Defesa do Consumidor.

42 3. The legitimate needs which the guidelines are intended to meet are the following: (a) The protection of consumers from

hazards to their health and safety; (b) The promotion and protection of the economic interests of consumers; (c) Access of

consumers to adequate information to enable them to make informed choices according to individual wishes and needs;

(d) Consumer education; (e) Availability of effective consumer redress; (f) Freedom to form consumer and other relevant

groups or organizations and the opportunity of such organizations to present their views in decision-making processes

affecting them.

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Estes artigos inauguram a fase dispositiva do Código de Defesa do Consumidor, ao

disporem sobre a preservação da saúde e a segurança dos consumidores que vai até o art.25 do

Código.

Conquanto aparentem dispor sobre o princípio da prevenção, os artigos em referência

disciplinam o princípio da precaução. E isso fica evidente quando, da sua leitura se verifica a

preocupação em assegurar que o fornecedor deve agir de forma consciente, prudente e

ponderada.

Ao dispor sobre a nocividade dos produtos ou serviços, preocupou-se o Código de

Defesa do Consumidor não apenas com a periculosidade inerente (art.8°) ou conhecida

(art.9°) do produto ou serviço. O Código de Defesa de Consumidor, nesse ponto, foi além

para, no art.10 abranger o princípio da precaução. Isso é facilmente demonstrado quando

constatado que o artigo impede expressamente que o fornecedor coloque no mercado de

consumo produto ou serviço que deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou

periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores.

Interessante destacar que outra não poderia ser a interpretação desses artigos, sob pena

de restar violado o direito constitucional a uma vida digna.

Com efeito, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu art.5°, caput,

instituiu a garantia à vida como cláusula pétrea, sem olvidar que seu art.1°, III, estipula a

dignidade da pessoa humana como fundamento da República e em seu art.225 expressamente

estipula que todos têm direito à sadia qualidade de vida, não faria sentido, pelo menos sob a

ótica constitucional, bradar pela ausência de previsão do princípio da precaução por parte do

Código de Defesa do Consumidor, cujas normas ostentam a natureza de normas de ordem

pública e interesse social.

A ideia por trás desses artigos é a de que, uma vez precisa, adequada e corretamente

informado, o consumidor terá conhecimentos para uma correta utilização do produto ou

serviço adquirido, diminuindo os riscos e a possibilidade da ocorrência de danos, porém

jamais, e isso é bom frisar, na transferência de responsabilidade.

Conquanto aparente revelar o princípio da prevenção, caracterizado pelo

conhecimento prévio da previsibilidade dos riscos, os artigos referidos traduzem, mesmo que

de forma confusa e superficial, o princípio da precaução, cuja inobservância habilita o Estado

no exercício de sua função sancionadora.

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3 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

3.1 A dicotomia público-privado

A distinção da concepção de público e privado não possui uma origem precisa. Nem

Platão, tampouco Aristóteles conseguiram explicitá-la.43

No entanto, um ponto de origem

pode ser fixado a partir da análise da alma, conforme propõe Sílvio Luís Ferreira da Rocha.44

Conforme sua proposta, a alma, assim como ocorre com a proposta de Freud, que divide o

subconsciente entre o ego e o superego, é composta por dois elementos, o logos e a paixão. O

primeiro deles, que também pode ser conceituado como nous, é a parte racional da alma, cuja

função é capacitar os homens a viverem de forma pacífica e harmoniosa. Seria, portanto, um

elemento que produz efeitos exteriores e destinados à vida em comum. O segundo elemento, a

paixão, teria efeitos internos, auxiliando os homens à autopreservação e incitando a produção

de bens materiais a ela necessários. Seria, portanto, esse segundo elemento, uma espécie de

elemento irracional da alma; irracional não porque desprovido de alguma atividade racional,

mas sim porque voltado a atender uma vontade exclusiva, interna e egoística do homem.

Assim, enquanto o logos, ou nous, serviria ao propósito de gerir a convivência dos homens

entre si, a paixão estaria voltada ao atendimento de alguma vontade exclusiva do homem, não

sendo capaz de manter uma ordem ou gerar uma comunidade, sendo, portanto, egoísta. Nesse

contexto, exemplifica Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

As atividades econômicas são essencialmente motivadas pelos apetites, paixões,

pelo interesse privado (egoístico). Daí as atividades econômicas serem chamadas de

economia doméstica (oikonomia), relegadas aos interesses privados, enquanto a

comunidade pública – o espaço público – é dirigida pela consciência racional da

justiça (dikaionoesis), pela realização do bem comum.45

De acordo com o critério proposto, é possível concluir que a concepção daquilo que

seria público está relacionada à consecução do bem comum, estando o privado relacionado a

interesses egoísticos, que não se preocupa com qualquer solidariedade.

43 Para Daniel Sarmento, a dicotomia público-privado remota ao período feudal, em que predominava o aspecto privado na

medida em que o sistema econômico vigente decorria da vontade dos senhores feudais. (SARMENTO, Daniel (Org.)

Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.34-35. Para Giovani Sartori a distinção entre público e privado na antiguidade era

desconhecida. E isso porque a concepção da liberdade, que era eminentemente política, inviabilizava a distinção. (SARTORI,

Giovani. Teoria de la democracia v.2. Madrid: Alianza, 1997, p.362 apud LIMBERGER, Têmis. O direito à intimidade na

era da informática: a necessidade de proteção dos dados pessoais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.53). Já

Bobbio faz menção de que no período liberal as relações sociais traziam a dicotomia entre Estado e sociedade, público e

privado, indivíduo e grupo. (BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. 4.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992, p.33-49). 44 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.50-53. 45 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.50.

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Em igual sentido, reconhecendo que a concepção de público e privado antecede o

mundo das normas jurídicas, Carlos Ari Sundfeld, após sustentar que essa dicotomia é ínsita

ao cotidiano, tal como ocorre com outras dicotomias (bom x mau, esquerda x direita, entre

outras), finaliza seus ensinamentos para aduzir que o público seria o coletivo, o plural,

enquanto o privado seria o individual, o isolado.46

Não divergindo dos entendimentos em referência, Hannah Arendt explicita que a

dicotomia público-privado assemelha-se à dicotomia do plano familiar e da polis. O privado,

portanto, remetia à ideia do labor, que se destinava à satisfação de vontades egoísticas,

enquanto o público estaria relacionado à perpetuação de ações no ambiente da polis. Assim,

uma das principais diferenças era que no plano público o indivíduo poderia se desvencilhar

dos interesses egoísticos, que pertencem exclusivamente à esfera privada.47

Essa associação daquilo que seria público ao bem comum também é encontrada nos

ensinamentos de Odete Medauar, que após apresentar algumas dúvidas acerca da terminologia

do quem vem a ser o interesse público, assevera que o mesmo está associado ao bem de toda a

sociedade.48

Dos critérios apresentados é possível evidenciar que o aspecto particular está

relacionado ao atingimento não do bem comum, que é ínsito às relações públicas, mas sim de

interesses eminentemente egoístas. E isso ocorre na medida em que atingir esses interesses

particulares está relacionado ao atendimento de uma necessidade do próprio indivíduo que, na

atual sociedade de consumo, não raras vezes, não é criada por sua própria condição de ser

humano, mas por fatores externos que acabam por sobrepor o interesse do particular à

consecução do bem comum. E isso ocorre vez que, não raras vezes, o atendimento aos

interesses privados, seja na obtenção do lucro ou não, acaba por distanciar-se da solidariedade

e da preocupação com o próximo.

Não se trata, é bom consignar, de elementos antagônicos, que não poderiam integrar a

mesma equação. Tratam-se, isso sim, de elementos de uma mesma equação que, no entanto

acabam, aqueles elementos que mais se aproximam do interesse comum, por ser preteridos

pelos elementos egoístas o que, na sistemática dos Direitos Difusos, não mais deve perdurar.

46 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 3.ed. 3 tir. São Paulo: Malheiros, 1998, p.128-129. 47 ARENDT, Hannah. A condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.39-40. 48 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2003, p.152-153.

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3.2 O direito público e o direito privado

A influência da dicotomia público-privado é tamanha que chegou – a bem da verdade

ainda chega –, a influenciar o Direito. Nesse sentido, René David salienta que a distinção é

uma tendência no pensamento jurídico que se consagrou com o passar dos tempos e que

possui uma forte ingerência nos países de tradição romano-germânica, que reúnem os ramos

do Direito nesses dois grandes grupos.49

Em igual sentido, André Franco Montoro enfatiza que “Desde o direito romano é

reconhecida a divisão do Direito em Público e Privado”50

, sendo que, conforme os romanos,

“O Direito Público diz respeito às coisas do Estado, o Privado, à utilidade dos Particulares.”

Não discrepando do quanto exposto, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que o

Direito, entendido como um conjunto de normas dotadas de coercibilidade e destinadas a

disciplinar a vida em sociedade, divide-se em dois grandes blocos, que se submetem a

técnicas jurídicas próprias, sendo o Direito Privado caracterizado pelo gerenciamento de

interesses privados, caracterizado, portanto, pela autonomia da vontade, ficando o Direito

Público incumbido da tarefa de regular o interesse geral.51

Tamanha é a influência da dicotomia, e até certo ponto a impropriedade de sua

existência, eis que direitos existem que nela não se encaixam, André Franco Montoro, em

Introdução à Ciência do Direito, traça a evolução histórica do tema para, ao final, sugerir um

novo sistema de classificação.

Nesse sentido, o primeiro critério justificador da dicotomia, conforme os ensinamentos

em referência, vigente no Direito Romano, estava relacionado ao interesse. Desta forma, seria

Direito Público aquele cujas normas fizessem referência ao interesse do Estado ou da

sociedade representada pelo Estado, ao passo que o Direito seria Privado quando orientasse o

interesse dos indivíduos.52

Entretanto, porque não seria possível, com segurança, determinar se o interesse

tutelado era pertencente ao Estado ou aos particulares e porque diversas disposições, em que

pesem tutelar o interesse do indivíduo, teriam caráter geral, tal como as normas atinentes ao

Direito de Família, o critério do interesse foi objeto de crítica pelos canonistas e,

modernamente, por Savigny. A problemática, nesse ponto, haveria de ser superada por meio

da agregação do adjetivo “preponderante” ao critério da utilidade. Assim, seria Direito

49 DAVI, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.85. 50 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.457. 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.27. 52 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.458.

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Público aquelas normas que visassem o interesse preponderante do Estado, sendo particular o

Direito quando visasse preponderantemente os interesses do particular. De acordo com o

critério do interesse preponderante, o Direito, ainda que vise o outro ramo, porém não de

forma predominante, não terá sua classificação alterada.

Todavia, porque não superou a possibilidade de normas de um ramo ostentarem

características de outro ramo, o mesmo devendo ser dito no que tange à impossibilidade de

segregação segura dessas normas, o critério do interesse predominante também foi objeto de

críticas pela doutrina, notadamente por Jellinek que, em sua Teoria Geral do Estado, apresenta

como critério diferenciador o poder de império. Conforme esse critério, o Direito Público

seria caracterizado pela existência de certo grau de subordinação de uma parte, enquanto no

Direito Privado as partes estariam em posição de igualdade, em relação não de subordinação,

mas sim de coordenação.

Esse critério, em que vige o poder de império, conforme explicita André Franco

Montoro, conquanto válido, não é indene de imperfeições.53

Para tanto, basta recordar que

existem relações de subordinação no Direito Privado, tais como o poder de direção do

empregador sobre o empregado e o poder familiar, assim como existem relações de não

subordinação no âmbito do Direito Público, tal como ocorre na relação entre Estados regulada

pelo Direito Internacional Público.

Outro critério apresentado por ele que teria sido utilizado nessa evolução histórica

versa sobre o conteúdo patrimonial. Nesse sentido, cuidaria o Direito Privado das relações

patrimoniais, cabendo ao Direito Público regular as relações não patrimoniais. Esse critério,

tal como ocorre com os demais, não é perfeito e, em certa medida, não serve para explicar a

dicotomia. Para tanto, basta frisar que existem normas de Direito Público, tais como aquelas

relativas à tributação e à desapropriação, que ostentam inegável aspecto patrimonial. É certo

também que o Direito Privado regula relações não patrimoniais, tal como ocorre com o direito

da personalidade, os impedimentos para o casamento e os deveres de família.54

Esses critérios, de acordo com os seus ensinamentos, não são inteiramente

satisfatórios, daí porque propõe que o Direito Público será aquele que regula as relações em

que o Estado é parte, cabendo ao Direito Privado regular as situações jurídicas firmadas entre

particulares.55

53 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.459. 54 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014. 55 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 31.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014.

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Para Miguel Reale, a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado deve levar em

consideração não mais o critério da utilidade, mas sim o conteúdo e o elemento formal. Nesse

sentido, propõe Miguel Reale, no que tange ao conteúdo, que quando é visado imediata e

prevalecentemente o interesse geral, o Direito será Público. De outro lado, ainda conforme o

critério do conteúdo, se é visado de forma imediata e prevalecente o interesse particular, o

Direito será Privado. No que tange ao critério formal, será Público o Direito quando a relação

jurídica entabulada for de subordinação, sendo o Direito de natureza privada se a relação for

de coordenação.56

Em virtude da prevalência do interesse comum como caracterizador do Direito

Público, que é titularizado pelo Estado, a doutrina subdividiu esses interesses, de modo que o

interesse público primário estaria relacionado à consecução do bem comum, ficando o

interesse público secundário caracterizado na hipótese em que a Administração Pública venha

a figurar como o sujeito deste direito.57

Ainda de acordo com essa subdivisão, o interesse

público secundário somente poderia ser defendido pela Administração caso não estivesse em

conflito com o interesse público primário. E assim seria pois o interesse público primário,

uma dimensão pública dos interesses individuais, estaria contido no interesse público

secundário.

Ocorre que, na temática dos Direitos Difusos, dentre os quais está inserido o direito do

consumidor, essa concepção, que demanda ausência de conflituosidade entre os interesses

públicos, não se afigura oportuna. Isso porque ela não consegue alocar adequadamente os

Direitos Difusos, que possuem características híbridas, ora mais próximas do direito privado,

ora mais próximas do direito público, ora englobando esses dois ramos em uma mesma

proporção, e específicas.

Na temática dos Direitos Difusos, portanto, o interesse que predomina é o interesse

difuso, que “importa num posicionamento da sociedade civil em função de suas próprias

ambiguidades, em questões que podem até mesmo alienar a função do Estado”, conforme

ensinamento de Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.58

Com efeito, conquanto de relevante função histórico-didática, a dicotomia Direito

Público e Direito Privado, com suas vertentes relativas aos interesses envolvidos, poder de

império e titulares da relação, não mais possui razão de ser, sendo que o advento dos Direitos

56 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.339-

341. 57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.65-69. 58 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 1999, p.57.

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Difusos, cujas características, especialmente o elevado grau de conflitualidade, ora afastam o

regramento do Direito Privado, ora afastam o regramento do Direito Público e ora impõe a

observância de regramento específico, fulmina a dicotomia e demonstra a impropriedade de

sua existência, exceto para fins didáticos.

3.3 Os direitos público e privado, e a formação dos Estados: as dimensões dos

direitos fundamentais

Não bastasse essa forte influência no Direito, a dicotomia Público e Privado ainda

influenciou a formação dos Estados e a classificação dos direitos fundamentais, não sendo

raro encontrar ensinamentos no sentido de que o Estado Liberal está associado à maior

prevalência do privado.

Nesse ponto, cabe destacar, para uma boa compreensão do tema, a teoria dos direitos

fundamentais.

Entendidos em sua concepção lata como aqueles direitos inerentes à liberdade e à

dignidade humana e, em sua concepção estrita, como aqueles direitos que o direito qualifica

como fundamentais, a teoria dos direitos fundamentais auxilia não apenas no entendimento da

dicotomia público-privado, mas especialmente na sua superação, com especial destaque para a

adequada alocação dos Direitos Difusos como um novo ramo do Direito.

De acordo com a referida teoria, os direitos fundamentais podem ser agrupados em

diversas dimensões.59

Nesse contexto, a primeira dimensão do direito está relacionada à liberdade do

indivíduo perante o Estado.

Caracterizada pela forte abstenção do Estado em não fazer algo que atinja

contrariamente a liberdade do indivíduo, os direitos de primeira dimensão dominaram o

século XIX.

Nesse momento, portanto, o indivíduo é o centro de preocupação e tutela do direito,

ocupando o Estado um papel negativo, ou seja, de abstenção.60

59 Preferimos, nesse particular, a expressão dimensão em detrimento da utilização da expressa geração. E fazemos isso pois a

utilização da expressão geração traz uma concepção de ruptura e, em um segundo plano, a ideia de que haveria uma evolução

de ruptura linearmente harmônica. Já a utilização da expressão dimensão permite evidenciar a concepção de que os direitos

estão, em certa medida, contidos uns nos outros e que, em determinados momentos, são conflitantes entre si. Tome-se como

exemplo o direito à liberdade de locomoção, que pode ser classificado como um direito de primeira dimensão, e o direito ao

meio ambiente equilibrado, direito de terceira, ou quarta, a depender do critério utilizado, geração. 60 Para Paulo Bonavides, os direitos civis são direitos de primeira dimensão: “Os direitos da primeira geração são os direitos

da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em

grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. [...] Os

direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como

faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de

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Como consequência dessa prevalência do âmbito privado, os Estados liberais eram

conduzidos por Constituições também liberais, que limitavam a atuação estatal e o poder

político, privilegiando a autonomia privada.61

Com o passar dos tempos, surgem os denominados direitos de segunda dimensão.

Caracterizados pelos direitos políticos, que nada mais vêm a ser do que a participação

popular no processo político, ou seja, o direito ao sufrágio, em última ratio, esses direitos de

segunda dimensão demandam a intervenção do Estado, que deverá garantir os meios

necessários ao exercício desses direitos.

Desta forma, não basta, tal como ocorria com os direitos de primeira dimensão e que

caracterizaram os Estados Liberais, ao Estado proteger, via abstenção, os interesses

particulares. Na temática dos direitos de segunda dimensão o Estado fica obrigado a criar

mecanismos para tanto, caracterizando-se por uma postura positiva que inclusive acaba por

dar início ao Welfare State, ou, na proposição de Celso Lafer, por propiciar um “direito de

participar do bem-estar social.”62

, o que ocorre por meio do asseguramento dos direitos

políticos, ou seja, pelo direito de participar da política, pelo sufrágio, pelo direito de

associação, entre outros.

Tal como ocorre com os direitos de primeira dimensão, os direitos de segunda

dimensão não possuem uma caracterização pacífica.

Para Paulo Bonavides, para quem os direitos de primeira dimensão são aqueles

relativos aos direitos civis e políticos, os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais,

culturais e econômicos, além daqueles relativos aos direitos coletivos ou de coletividades.63

Para Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, os direitos de segunda

dimensão “são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das

resistência ou de oposição perante o Estado. [...] São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem

das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica

mais usual”. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.577-578).

Para Norberto Bobbio, os direitos de primeira dimensão são aqueles inerentes à liberdade do indivíduo em face do Estado,

que deveria abster-se de fazer algo que atingiria contrariamente o indivíduo. (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2004, p.28-29). 61 Nesse sentido, leciona Ingo Wolfgang Sarlet: “Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas

primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo

francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como

direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não

intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como

direitos de cunho ‘negativo’, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes

públicos, sendo, neste sentido, ‘direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.’” (SARLET, Ingo Wolfgang. A

eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11.ed. rev.

atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.46-47). 62 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.127. 63 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.578-579.

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desigualdades sociais.”64

Nesse contexto, para ambos, os direitos de segunda dimensão seriam

aqueles capitulados no art.6° do texto constitucional, e em outras passagens, tal como o Título

VIII da Constituição Federal.

Ainda conforme a proposta dos autores, os direitos de segunda dimensão estariam

divididos em três partes. A primeira delas diria respeito à indicação genérica dos direitos

sociais, sendo a segunda esfera relativa aos direitos individuais dos trabalhadores, urbanos,

rurais e domésticos, e a terceira relacionada aos direitos coletivos desses trabalhadores.65

Conquanto de oportuna relevância a classificação em referência, temos que os direitos

sociais integram a terceira dimensão dos direitos fundamentais. E isso se deve pelo simples

fato de que, uma vez fixada a liberdade do indivíduo em face do Estado, mister que à este

seja, quase que mandatório, fixar as balizas por meio das quais referidos direitos individuais

serão desenvolvidos, o que ocorre por meio do respeito aos direitos políticos, daí surgindo a

segunda dimensão dos direitos fundamentais, cuja evolução resulta nos direitos sociais. Em

outras palavras, à abstenção estatal, que caracteriza a primeira dimensão dos direitos, surge,

como desdobramento quase que natural, a necessidade do Estado em fornecer os meios para

que esses direitos sejam exercidos primeiramente na esfera individual, para, posteriormente,

preservar esses direitos em uma esfera de maior amplitude, iniciando pelo aspecto político e

desaguando em contexto social.

Seguindo na evolução dos direitos fundamentais, surge a quarta dimensão que, para

nós, é caracterizada por ser um campo de direitos-deveres. Importante, nesse ponto, frisar que

não se tratam de direitos e deveres, mas sim de direitos-deveres. O fundamento para tanto, é

bom consignar, repousa na proteção à geração futura ocasionada pela observância da

precaução, de modo que na quarta dimensão existe sobreposição dos deveres da geração atual

em preservar os direitos fundamentais das futuras gerações. Vale dizer, portanto, que à atual

geração não é permitido suprimir das gerações futuras as possibilidades de escolhas, deixando

à margem a observância do princípio da precaução, o que ocorre quando um produto ou

serviço é colocado no mercado de consumidor sem que seus riscos tenham sido

profundamente estudados.

64 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18.ed. rev. atual. até

EC 76 de 28 de novembro de 2013. São Paulo: Verbatim, 2013, p.579-580. 65 Em sentido muito similar, Ingo Wolfgang Sarlet enfatiza: “Ainda na esfera dos direitos de segunda dimensão, há que se

atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas

‘liberdades sociais’, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do

reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a

garantia de um salário mínimo, a limitação da jornada de trabalho, apenas para citar alguns dos mais representativos.”

(SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva

constitucional. 11.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.48.)

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A nota distintiva desses direitos, portanto, não é a titularidade coletiva.66

E isso é

facilmente sustentável quando considerado que os direitos de terceira dimensão não raras

vezes possuem uma titularidade coletiva, tal como ocorre com os direitos previdenciários e os

dissídios coletivos, que não ostentam viés intergeracional. Desta maneira, sendo esse o

critério diferenciador, não estaríamos diante de uma nova dimensão dos direitos

fundamentais, mas sim dentro de uma nova categoria dentro de uma mesma dimensão.

A nota distintiva dos direitos de quarta dimensão, do qual o Direito do Consumidor faz

parte, assim como os Direitos Difusos em sua amplitude, é a solidariedade e a fraternidade ou,

em outros termos, seu aspecto intergeracional, cujo postulado principiológico é a precaução,

que, numa análise finalística, remonta à dignidade da pessoa humana, tal como ocorre com os

direitos das demais dimensões.67

Na temática, por exemplo, do Direito do Consumidor, temos que um produto

defeituoso ou até mesmo um produto de nocividade ainda não totalmente conhecida não gera

efeitos apenas na geração presente. A atividade, seja do fornecedor particular, seja do Estado-

fornecedor, no mercado de consumo impõe o dever de observância à precaução, cujo

desdobramento fático vem a ser a necessária observância à fraternidade e à solidariedade. O

desempenho de uma atividade econômica não pode ocorrer sem a observância desses

balizadores.68

Caso isso ocorra, a atuação sancionatória do Estado deve entrar em cena.

66 Para Celso Lafer, a nota distintiva desses direitos é o deslocamento da figura do indivíduo enquanto seu titular, passando a

titularidade para a proteção de determinados grupos, tais como família, povo e nação. (LAFER, Celso. A reconstrução dos

direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.131). Para Paulo Bonavides, ao seu turno, esses direitos em

que impera a solidariedade e a fraternidade são caracterizados por possuírem como destinatários o gênero humano,

objetivando sua existencialidade concreta. (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo:

Malheiros, 2014, p.583-584). 67 Para os fins do presente estudo, temos que a análise da evolução dos direitos fundamentais encerra-se nesse momento. No

entanto, cabe observar que a doutrina, com as vacilações próprias do sistema de classificações, segue no estudo para

apresentar novos direitos. Vide, nesse particular, os ensinamentos de Paulo Bonavides. (BONAVIDES, Paulo. Curso de

direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.594-609). 68 Dois exemplos, um mais antigo e outro bem recente, traduzem o quanto exposto. O primeiro deles, que remonta à década

de 1960, diz respeito a veículo automotor lançado por uma grande companhia automobilística norte-americana que colocou

no mercado inovador veículo que não ostentava mínimas condições de segurança, tendo causado centenas de acidentes, com

mortes ou lesões corporais. Os problemas relacionados dizem respeito ao sistema de ventilação do veículo, que jogava para

dentro da cabine de condução os gases provenientes do motor e a instabilidade da barra de suspensão traseira, que fazia,

numa instância mais severa, com que o carro viesse a capotar em que pese estar em baixas velocidades. O lançamento desse

veículo foi objeto de intensa campanha publicitária, o que aumentou o desejo em sua aquisição, de modo que fala-se em

aproximadamente um milhão de veículos vendidos. O ponto crucial nessa história é que os altos dirigentes da companhia

eram sabedores dos problemas do veículo e, em que pese o baixo custo para sua correção, nada fizeram (MOKHIBER,

Russell. Crimes corporativos. São Paulo: Página Aberta, 1995, p.125-132). O segundo exemplo também está relacionado à

empresa automobilística, desta vez de origem germânica. Em virtude das Resoluções 311 e 312, ambas do Contran –

Conselho Nacional de Trânsito, os veículos comercializados em território nacional devem obrigatoriamente ostentar alguns

novos elementos de segurança, cabendo destaque ao air bag e ao air break system, ou ABS, sistema de frenagem a ar, muito

mais seguro e eficiente quando comparado ao sistema de frenagem a disco e pastilha. Entretanto, a implementação desses

sistemas eleva os custos de produção dos veículos e, consequentemente, seu preço final de venda. Como consequência, e

talvez em uma análise utilitarista, referida companhia optou por deixar de produzir determinado veículo comercializado por

ininterruptos 56 anos. Tivesse interrompido sua atuação nesse ponto, não vislumbraríamos nenhum questionamento em seu

proceder. O problema surge quando considerado que com a medida, a companhia iniciou forte campanha publicitária

destinada à venda de número determinado deste veículo em uma edição limitada e que não contêm air bag e ABS. A

colocação desses novos veículos no mercado perdurará ao longo do tempo, sujeitando seus compradores e eventuais vítimas a

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3.4 Superação da dicotomia público-privado

A dicotomia público-privado exerceu forte influência nos países de tradição romano-

germânica, tendo inclusive influenciado a formação dos denominados Estados Liberais.

Caracterizados pela influência da idealização liberal-burguesa da Revolução Industrial

em que havia excessiva limitação do poder político e do próprio Estado em favor dos

interesses individuais, nos Estados Liberais a ordem política do cidadão, ou seja, o público,

estava separada da ordem privada. De acordo com Paulo Lôbo, o Estado, nesse período,

estava dissociado da sociedade civil.69

Assim, para a tutela do Estado, foram elaboradas

Constituições políticas. Para a tutela da sociedade foi elaborado o Código Civil, de modo que

havia dois sistemas jurídicos, daí surgindo a dicotomia público-privado.

Ocorre que a dicotomia público-privado não mais possui razão de ser, exceto por sua

pertinência didática.70

Enquanto regulador da vida em sociedade, o Direito não visa criar situações de

desigualdade, tal como ocorria nos Estados Liberais, mas equalizar situações de desigualdade.

A nova ordem constitucional, inauguradora do Estado Social-Democrático, a

teorização dos direitos fundamentais e o surgimento dos Direitos Difusos sedimentam a

impertinência da dicotomia.

3.4.1 A constitucionalização do Direito

Não restam dúvidas no sentido de que o ordenamento jurídico é estruturado de forma

hierarquizada, ocupando a Constituição Federal o lugar mais importante nessa estrutura, ou

seja, seu ápice. A clássica estruturação escalonada apresentada por Hans Kelsen ainda

prevalece.

Nesse sentido, Norberto Bobbio, evocando os ensinamentos de Hans Kelsen nesse

particular, leciona que o ordenamento jurídico é composto por diversas normas provenientes

possíveis acidentes, o que, em certa medida, distancia-se desse direito-dever que rege os direitos fundamentais de quarta

dimensão. Outro exemplo diz respeito aos aparelhos celulares, em que não se verifica a existência de índices seguros de

utilização no que tange à irradiação das ondas eletromagnéticas ou até mesmo no que tange aos componentes de sua bateria.

Por fim, e talvez o mais emblemático de todos, é o exemplo do cigarro, cujos maços são comercializados com a expressão

“Não existem índices seguros para o consumo dessa substância.” 69 LÔBO, Paulo. A constitucionalização do direito civil brasileiro. In: TEPEDINO, Gustavo. Direito civil contemporâneo –

novos problemas de legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p.19. 70 Reconhecendo a importância didática da divisão, é a lição de Miguel Reale: “Toda ciência, para ser bem estudada, precisa

ser dividida, ter as suas partes claramente discriminadas.” (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. ajustada

ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.339).

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de diversas fontes normativas e que, por constituírem um sistema, não podem coexistir de

forma incompatível.71

Desta forma, uma vez ocupando a Constituição o espaço da lei maior, não podem as

demais leis, por mais variadas que possam ser suas fontes ou a matéria nelas versadas, serem

com ela incompatíveis.

Nesse contexto, a concepção de unidade sistêmica pressupõe a noção de unidade

hermenêutica, “e esta somente ocorrerá se os princípios que animam a Constituição Federal,

fundamento de validade de todo o ordenamento, constituírem o matiz ideológico das demais

normas que o integram”.72

Mas não é somente nesse sentido, ou seja, na concepção de que as normas

infraconstitucionais devem observar as previsões constitucionais que está inserida a ideia de

constitucionalização do Direito.

A ideia de constitucionalização do Direito vai além para atribuir efeito expansivo às

normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa,

por todo o sistema jurídico. Vale dizer, portanto, que pela constitucionalização do Direito as

normas constitucionais possuem normatividade ampla e irrestrita, influenciando a atuação dos

três Poderes e, o mais importante, o relacionamento entre os particulares.

Nesse sentido, leciona Luís Roberto Barroso:

A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito

expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se

irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins

públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição

passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito

infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação

dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares.

Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.73

Desta forma, pela constitucionalização do Direito, tem-se não apenas que o

ordenamento jurídico deve ser estruturado de modo harmônico, impondo a necessidade de

observância das normas infraconstitucionais às previsões da Constituição Federal, mas

também e mais importante, que as normas da Constituição irradiam-se pelo ordenamento,

condicionando a validade e o sentido das demais normas, que devem ser lidas e interpretadas

à luz da Constituição.

71 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UnB, 1996. 72 SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As novas tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. In:

Revista de direito do consumidor nº49, jan.-mar., 2004, São Paulo: RT, 2004, p.136. 73 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do

novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.390-391.

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Nesse contexto, uma vez que a Constituição Federal de 1988 privilegiou uma

economia de contornos liberais, porém limitada pela possibilidade de intervenção estatal e da

sociedade civil para regular as relações econômicas visando tornar efetivas as garantias

básicas nela previstas, tem-se que as legislações infraconstitucionais, dentre as quais o Código

de Defesa do Consumidor, mais do que respeitarem a hierarquia constitucional, devem criar

mecanismos para implementação e observância dessas garantias.74

Desta forma, de nada serviria o Código de Defesa do Consumidor se não existisse essa

vinculação hierarquizada e essa leitura ampliativa.

Ao apresentar normas de ordem pública e interesse social destinadas à regulamentação

das relações de consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, além de respeitar a estrutura

escalonada proposta por Hans Kelsen, está em inquestionável harmonia com a Constituição

Federal de 1988, vez que permite a implementação de garantias nela previstas, inclusive no

que tange aos objetivos e fundamentos da República. E uma vez que o Código de Defesa do

Consumidor reflete a constitucionalização do Direito, não faria qualquer sentido, sob pena de

esvaziamento dessa sistemática, obstar a ocorrência da reformatio in pejus no processo

administrativo de defesa do consumidor.

O fundamento para a existência da constitucionalização do Direito, conforme leciona

Daniel Sarmento, encontra respaldo na existência dos direitos fundamentais, que, além de

desconstituir a dicotomia público-privado, também serve para justificar a maior ingerência do

intervencionismo estatal nas relações jurídicas com vistas a impulsionar a promoção dos

valores constitucionais em todos os ramos do direito:

Assentando-se na premissa de que os direitos fundamentais configuram o epicentro

axiológico da ordem jurídica, a eficácia irradiante impõe uma nova leitura de todo o

direito positivo. Por intermédio dela, os direitos fundamentais deixam de ser

concebidos como meros limites para o ordenamento e se convertem no norte do

direito positivo, no seu verdadeiro eixo gravitacional [...] em razão da natureza

axiológica da Constituição de 1988, que conferiu absoluta centralidade e primazia

aos direitos fundamentais e está fortemente impregnada por valores solidarísticos, de

marcada inspiração solidária.75

Assim, pela constitucionalização do Direito, o centro do ordenamento jurídico passa a

ser ocupado pela Constituição Federal, que mais do que guardar um sistema hermético, passa

a irradiar seus efeitos para os demais ramos do Direito, que devem respeitar suas disposições,

74 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 1999, p.55. 75 SARMENTO, Daniel; SAMPAIO, José A. Leite (Org.). Jurisdição constitucional e os direitos fundamentais. Belo

Horizonte: Del Rey, 2003, p.280.

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de modo que a ordem jurídica passa a ser vista sob o prisma da Constituição e com vistas à

realização dos valores nela insculpidos, perdendo sentido a dicotomia público-privado.76

3.4.2 Os direitos difusos

Ao lado da constitucionalização do Direito, o surgimento dos Direitos Difusos fulmina

a dicotomia público-privado.

Conquanto uma análise açodada do tema permita concluir em sentido contrário, os

Direitos Difusos dizem respeito a um novo ramo do Direito, que está mais afinado à realidade

social e umbilicalmente ligado à solidariedade e à fraternidade, base do direito

intergeracional, cujo princípio da precaução ocupa lugar de destaque e que caracteriza os

direitos de quarta dimensão.

Se possível for decompô-los, os Direitos Difusos podem ser assim fracionados: Direito

do Consumidor, Direito Ambiental e o Estatuto da Criança e Adolescente, além dos Direitos

Sociais, do Patrimônio Artístico e Cultural, entre outros.

Haveria nessas espécies de direitos não apenas a característica que ecoa na doutrina

referente à titularidade difusa desses direitos, mas, também, e esse é nosso ponto de vista, de

um dever de fraternidade e solidariedade, que impõe a todos o dever de observância desses

direitos, ainda que as futuras gerações possam deles dispor ou aniquilá-los.

Vale frisar, portanto, que os direitos de quarta dimensão, dentre os quais está inserido

o Direito do Consumidor em ambas as vertentes, material e processual, caracterizam-se pela

imperiosa observância do princípio da precaução.

Alocando esses Direitos, seria possível, para aqueles que não reconhecem a existência

de um novo ramo do Direito, alocar o Direito do Consumidor como um direito inerente ao

Direito Privado, ficando os demais na seara dos Direitos Públicos. Para tanto, prevaleceria o

aspecto eminentemente contratual do Direito do Consumidor, como se outros aspectos não

76 No sentido exposto, em que pese alocar o direito do consumidor no ramo do direito privado, com o que não concordamos,

notadamente após o surgimento dos direitos difusos, didáticos são os ensinamentos de Aurisvaldo Melo Sampaio:

“Hodiernamente, sequer é possível, com o rigor do passado, admitir-se a dicotomia entre o direito público e o direito privado,

muito menos serem eles compartimentos estanques do direito. Perde sentido até mesmo a idéia de que o direito público tutela

os interesses gerais da sociedade, em oposição ao direito individual. Ora os interesses gerais da sociedade e os interesses do

particular frequentemente se confundem, sobretudo quando transita em matérias afetas àqueles indivíduos considerados mais

fracos na relação jurídica, como é a regra nas relações de consumo. Assim é que o texto constitucional passa a cuidar de

interesses eminentemente privados, dando ênfase, aliás, à defesa do consumidor – as relações de consumo são relações

jurídicas privadas –, tema que é inserido no texto da Lei Maior como direito fundamental e princípio norteador da ordem

econômica. [...] Se outrora a dicotomia era admitida, hoje, a unidade hermenêutica se impõe. Os valores sobre os quais se

fundamenta a Constituição devem orientar toda a hermenêutica de quaisquer províncias do direito, o direito do consumidor

particularmente. Evidentemente, esse novo panorama desloca do direito civil para o âmbito constitucional o papel unificador

e sistematizador do direito privado, com visíveis consequências jurídicas.” (SAMPAIO, Aurisvaldo Melo. As novas

tecnologias e o princípio da efetiva prevenção de danos ao consumidor. In: Revista de direito do consumidor nº49, jan.-

mar., 2004, São Paulo: RT, 2004, p.137-138, nº49, jan.-mar.2004).

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existissem, enquanto para os demais prevaleceria a ingerência pública, notadamente o poder

de polícia e outros elementos do Direito Público.

Ocorre que essa classificação não está em sintonia com a existência dos Direitos

Difusos não apenas porque não atende aos aspectos anteriormente mencionados, mas

principalmente porque atribui maior relevância a um determinado aspecto desses direitos que,

no entanto, não permitem fracionamento, vez que é da essência desses direitos a aglutinação

de diversos aspectos. E isso é facilmente perceptível quando considerado que os Direitos

Difusos “são aqueles que trespassam a órbita estreita do interesse público, para alcançar

aqueles transindividuais”77

, que dizem respeito a anseios ou necessidades da coletividade

relativos, no mais das vezes, à qualidade de vida e que, não raras vezes, são dotados de

conflituosidade interna.

Reconhecendo que os direitos difusos constituem outra espécie, que não se insere na

dicotomia público-privado, são os ensinamentos de Hugo Nigro Mazzilli, que se valem da

expressão interesse difuso:

Não são, pois, os interesses difusos mera subespécie de interesse público. Embora

em muitos casos possa até coincidir o interesse de um grupo indeterminável de

pessoas com o interesse do Estado ou o interesse da sociedade como um todo (como

o interesse ao meio ambiente sadio), a verdade é que nem todos interesses difusos

são compartilhados pela coletividade ou comungados pelo Estado, como já ficou

claro no exame dos exemplos dados acima.78

Interessante salientar que no Brasil, até o advento do Código de Defesa do

Consumidor, a conceituação e até mesmo a tutela dos Direitos Difusos (e também dos

Coletivos) decorria de referências apresentadas basicamente pela Lei n°7.347/85.

Com o advento do Código, entretanto, os Direitos Difusos passaram não apenas a ser

objeto de uma tutela mais abrangente, mas a serem conceituados. E isso foi feito no art.81,

que os classificou em Direitos Difusos (inc. I), Direitos Coletivos stricto sensu (inc. II) e

Direitos Individuais Homogêneos (inc. III).

A conceituação legal acerca dos Direitos Difusos adotada pelo Código de Defesa do

Consumidor levou em consideração a indeterminação dos titulares e a ausência, entre eles, de

uma relação jurídica base, além da indivisibilidade do bem jurídico e a transindividualidade.79

77 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 1999, p.55. 78 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,

patrimônio público e outros interesses. 18.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p.51. 79 No que tange aos Direitos Coletivos, verifica-se da conceituação legal que os mesmos também são transindividuais, sendo

de natureza indivisível, porém pertencentes a um grupo determinável de pessoas ligadas por uma relação jurídica base. No

que tange aos Direitos Individuais Homogêneos, verifica-se que os mesmos estão definidos no art.81, III do Código

simplesmente como aqueles “decorrentes de origem comum.”

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Conquanto a conceituação legal somente tenha surgido após o advento do Código de

Defesa do Consumidor, é possível concluir que os Direitos Difusos possuem origem na

Constituição Federal, precisamente em seus arts.5°, XXXII e 225.

Nesse sentido, em seus seguros ensinamentos, Celso Antonio Pacheco Fiorillo leciona

que alguns direitos elencados na Constituição Federal estão perfilados na forma de Direitos

Difusos:

[...] destarte, poderíamos indicar, na atual Constituição Federal, algumas normas que

assumem claramente a característica ou natureza de direitos transindividuais, de

natureza indivisível de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por

circunstâncias de fato. Assim o princípio de que todos são iguais perante a lei; o uso

da propriedade; a higiene e a segurança do trabalho; a educação, incentivo à

pesquisa e ao ensinamento científico e amparo à cultura; a saúde; o meio ambiente;

o consumidor; a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico; a

família, criança, adolescente e idoso e mesmo algumas regras vinculadas à

comunicação social demonstram a existência e a preocupação do legislador na tutela

constitucional destes direitos transindividuais em sua ótica material.80

Pelos argumentos expostos, especialmente pela previsão constitucional ora referida,

verifica-se, portanto, que a dicotomia público-privado não mais se revela oportuna, salvo em

seu aspecto didático. Com o advento dos Direitos Difusos, uma nova ordem foi inaugurada,

qual seja, a necessária observância do princípio da precaução, cuja não observância impõe a

atuação sancionadora do Estado.

3.5 Poderes da Administração Pública

Ainda que não haja mais que se falar na dicotomia público-privado, a efetivação dos

Direitos Difusos está invariavelmente relacionada à atuação da Administração Pública.

Não se olvida que o respeito aos Direitos Difusos deve permear todas as esferas,

devendo o Direito Privado também respeitá-los. Entretanto, a ausência do jus puniendi nas

relações privadas e especialmente a consagração constitucional da proteção do consumidor

como fim do Estado prevista no art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988 impôs à

Administração Pública o dever de efetivação desses direitos.

Para tanto, ou seja, para que a Administração Pública possa exercer o conjunto de

atividades que lhe cabem na temática, o ordenamento lhe confere determinados poderes.

Esses poderes, por sua vez, conforme leciona Lúcia Rêgo, são decorrentes da

existência, na Constituição, de normas-fim e normas-tarefa, que conferem à Administração

80 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Os sindicatos e a defesa dos interesses difusos no direito processual civil brasileiro.

In: Coleção Estudos de Direito de Processo. São Paulo: RT, 1995.

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poderes para que possa exercer os direitos em prol da coletividade.81

No mesmo sentido,

reconhecendo o caráter instrumental e qualificado dos poderes da Administração, são os

precisos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles,

o sujeito investido na função não teria como desincumbir-se do dever posto a seu

cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, deveres-poderes, no interesse

alheio.82

Dentre esses poderes, cabe destacar o poder de polícia e da autotutela, a seguir

abordados, e que conferem uma adequada compreensão do tema vertido na presente

dissertação.

3.5.1 Poder de polícia

O poder de polícia consiste em forte e relevante instrumento de atuação da

Administração Pública, que inclusive condiciona a atuação do administrado.

Conforme explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder de polícia é o instrumento

da Administração Pública que condiciona o exercício dos direitos do indivíduo a um fim

específico, qual seja, o bem-estar social, não existindo qualquer incompatibilidade nisso, vez

que a concepção de limite decorre do próprio conceito de direito subjetivo.83

Para Themístocles Brandão Cavalcanti, o poder de polícia também possui uma

característica instrumental, porém qualificada, vez que sua finalidade é assegurar a liberdade

individual e os direitos essenciais do homem por meio da disciplina normativa desses direitos

exercitada pelo poder de polícia.84

Em igual sentido, são os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

Poder de política é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para

condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em

benefício da coletividade ou do próprio Estado.

Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo

de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito

individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado

detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente

ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.85

81 RÊGO, Lúcia. A tutela administrativa do consumidor: regulamentação estatal. São Paulo: RT, 2007, p.38-39. 82 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.71-72. 83 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.121. 84 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. t.3. São Paulo-Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1956, p.6-7. 85 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.139-140.

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Não é outro o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem “A

atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses

coletivos designa-se poder de polícia.”86

Em igual sentido, José dos Santos Carvalho Filho aduz que “Quando o Poder Público

interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo

direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.”87

Da leitura dos ensinamentos em referência, verifica-se a existência de três pontos de

identidade: a limitação dos interesses dos particulares; a consecução do bem comum e a

supremacia do interesse público, características, no entanto, que não permitem à

Administração Pública atuar sem prévia previsão legal impondo não apenas a conduta a ser

observada, mas também a respectiva sanção.88

Conquanto somente possa exercer seu poder de polícia quando não observada a

conduta legalmente prevista, o fundamento do poder de polícia não decorre da lei, mas da

própria Constituição Federal de 1988.

Com efeito, se considerado que a consagração constitucional prevista no art.5°, XXXII

relativa à proteção ao consumidor como fim do Estado impõe à Administração Pública o

dever de agir com vistas a efetivar essa proteção, sem olvidar que ao Direito Privado falta o

jus puniendi, outro não poderia ser o fundamento do poder de polícia que, na temática do

presente estudo, destina-se a preservar os direitos difusos dos consumidores.

Destarte, conforme apresentado, a superação da dicotomia público-privado ocasionada

pela constitucionalização do Direito e pelo surgimento dos Direitos Difusos robustece o

quanto exposto.

Alie-se ao quanto exposto a circunstância de que à Administração Pública incumbe o

papel de policiar a supremacia geral que o Estado exerce em seu território, supremacia esta

que está assentada nos mandamentos constitucionais e em normas de ordem pública, cuja

inobservância traz como consequência a sanção.

Assim, a atuação da Administração Pública na efetivação dos Direitos Difusos

efetivada pelo poder de polícia não decorre, tal como pode parecer, da supremacia do

86 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.822. 87 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São

Paulo: Atlas, 2014, p.76. 88 Por todos, são os ensinamentos de Sílvio Luís Ferreira da Rocha: “Em outras palavras, não cabe à Administração

estabelecer restrição ou limitação à propriedade e à liberdade que não estejam previstas na lei. Cabe-lhe apenas, diante da

delimitação imprecisa, identificar claramente, no caso concreto, os seus limites.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual

de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.487-488).

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interesse público sobre o privado, mas sim da nova ordem inaugurada pela Constituição

Federal de 1988.

Ciente desse cenário, não descuidou o Código de Defesa do Consumidor de fixar a

competência legal dos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para o

exercício do poder de polícia, seja por meio da prática de atos preventivos, fiscalizadores ou

repressivos, fazendo-o em seus arts.55 e 106.

Desta forma, tem-se que o poder de polícia nada mais vem a ser do que uma

modalidade lícita de intervenção da Administração Pública no domínio econômico e social e

destinada, no que tange ao presente estudo, a efetivar a preservação, pela via administrativa,

das normas jurídicas relativas à tutela dos direitos dos consumidores.89

3.5.2 Autotutela

Conforme anteriormente apresentado, a proteção do consumidor realizada pela

Administração Pública não fica circunscrita à função sancionadora exercida por meio do

poder do polícia. Ao seu lado deve também ser alocado o princípio da autotutela, que permite

à Administração Pública revisar seus atos, anulando os ilegais e revogando os inconvenientes

ou inoportunos.

Trata-se, no que tange à anulação dos atos, como facilmente se pode depreender, de

decorrência do princípio da legalidade eis que, estando a Administração Pública sujeita à lei, a

ela, a Administração, incumbe, por óbvio, o controle da legalidade, tratando-se, no que tange

à revogação dos atos, de conduta destinada à apreciação do mérito do ato. A revogação está

relacionada ao reexame, pela Administração, dos atos anteriores quanto à conveniência e

oportunidade de sua manutenção ou desfazimento.90

Esse controle de seus próprios atos, entretanto, não é, em virtude do princípio da

segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas, permanente.

De acordo com o art.54 da Lei n°9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o

processo administrativo federal, a anulação dos atos administrativos pela própria

89 Exemplos das limitações impostas pelo poder de polícia encontrados nos arts.5°, VI e VIII (liberdades pessoais), 5°, XXIII

e XXIV (direito de propriedade), 5°, XIII (exercício das profissões), 170 e 173 (liberdade de comércio) e 225 (meio

ambiente). 90 Nesse sentido, são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho: “Registre-se, ainda, que a autotutela envolve dois

aspectos quanto à atuação administrativa: 1. aspectos de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício, procede

à revisão de atos ilegais; e 2. aspectos de mérito, em que reexamina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de

sua manutenção ou desfazimento.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev.

ampl. e atual. até 31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.35.

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Administração Pública e que tenham gerado efeitos favoráveis ao destinatário não poderá ser

realizada após o prazo de cinco anos, salvo comprovada má-fé.

Interessante salientar que o exercício da autotutela não demanda a prévia provocação

da Administração Pública, que pode realizá-la de ofício, estando essa capacidade de revisão

dos próprios atos inclusive consagrada em firme orientação do Supremo Tribunal Federal.91

Conveniente ainda explicitar que pelo controle de seus próprios atos poderá a

Administração velar pela correta aplicação da sanção, que deve adequar-se à conduta infratora

(princípio da adequação punitiva), evitando-se o excesso ou a escassez da punição.

Desta forma, também pelo princípio da autotutela, tem-se por possível a ocorrência da

reformatio in pejus no âmbito do processo administrativo do consumidor, sob pena não

apenas de restar obviada à Administração Pública o exercício do controle de seus próprios

atos, mas também sob pena de a sanção previamente imposta mostrar-se desproporcional,

para mais ou para menos, à infração cometida. Não bastasse, cabe asseverar que a

possibilidade de a Administração rever a sanção imposta no âmbito do processo

administrativo do consumidor é possível até a formação final do ato administrativo.

91 Súmula 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.” Súmula 473: “A administração

pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou

revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos,

a apreciação judicial.”

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4 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

4.1 Questão terminológica

Não raras ocasiões, os termos “processo” e “procedimento” são utilizados como

sinônimos. Ocorre que não existe identidade entre os termos.

Usualmente, o termo “processo” possui a concepção de um “ato de proceder”, ou seja,

de uma sequência a ser seguida; de uma caminhada.92

Verifica-se, nesse ponto, que o termo

“processo” possui uma característica instrumental.

O termo “procedimento”, por sua vez, possui o sentido usual de “maneira de agir, de

fazer alguma coisa.”93

, sendo, portanto, um elemento procedimental.

Em virtude da aparente identidade entre as conceituações, os termos são utilizados

como sinônimos. Entretanto, uma vez bem analisados, é possível constatar que o processo é

um caminhar, que se realiza de determinado modo, ou seja, mediante a adoção de um

procedimento, daí porque não são termos sinônimos.

Nesse sentido, são os ensinamentos de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada

Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

Processo é conceito que transcende ao direito processual. Sendo instrumento para o

legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais

(processo administrativo, legislativo) e mesmo não estatais (processos disciplinares

dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para

aumento de capital etc.).

Terminologicamente é muito comum a confusão entre processo, procedimento e

autos. Mas, como se disse, procedimento é o mero aspecto formal do processo, não

se confundindo conceitualmente com este; em um só processo pode haver mais de

um procedimento (p. ex., procedimento em primeiro e segundo graus).94

Em igual sentido, inclusive reconhecendo que o processo não existe sem o

procedimento, mas que o procedimento pode existir sem um processo, são os ensinamentos de

de Hely Lopes Meirelles:

Processo é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma

controvérsia no âmbito judicial ou administrativo; procedimento é o modo de

realização do processo, ou seja, do rito processual.

92MODERNO Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis. Disponível em:

https://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=processo. Acesso em: 06

jan. 2015. 93MODERNO Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis. Disponível em:

https://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=processo. Acesso em: 06

jan. 2015. 94 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do

processo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.310.

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O processo, portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a

natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Observamos, ainda, que não

há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não

constituem processos, como, p.ex., os de licitações e concursos. O que caracteriza o

processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica

o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos.95

Não bastasse, cabe frisar que a Constituição Federal de 1988 consagrou o termo

processo também para significar a processualidade administrativa, tal como se verifica de seu

art.5°, LV, utilizando o termo processo para atuações no âmbito administrativo, conforme o

art.37, XXI, que cuida do processo de licitação e o art.41, §1°, que faz menção ao processo

administrativo (disciplinar).

Desta forma, não restam dúvidas no sentido da utilização da expressão processo

administrativo, seja em virtude de sua característica instrumental, seja em decorrência da

nomenclatura adotada pela Constituição Federal de 1988.

4.2 Amplitude e interdisciplinariedade do regramento de defesa do consumidor

Como sabido, a Constituição Federal de 1988 erigiu a defesa do consumidor à

categoria dos direitos fundamentais (art.5°, XXXII), incluindo-a, ainda, entre os princípios da

ordem econômica (art.170, V). Não obstante, também erigiu a defesa do consumidor como

norma de direito fundamental, conforme assinala Bruno Miragem:

A caracterização da defesa do consumidor como direito fundamental, no direito

brasileiro, surge da sua localização, na Constituição de 1988, no art.5º, XXXII, que

determina expressamente: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do

consumidor. Insere-se a determinação constitucional, pois, no Capítulo I, ‘Dos

direitos e deveres individuais e coletivos’, do Título II, ‘Dos direitos e garantias

fundamentais’. Tem-se assentado na doutrina e na jurisprudência brasileira que a

localização do preceito constitucional nesse setor privilegiado da Constituição, a

rigor, o coloca a salvo da possibilidade de reforma pelo poder constituinte

instituído.96

Como consequência desse movimento, que eleva as normas constitucionais e os

direitos fundamentais como o epicentro do ordenamento jurídico, surge a necessária e

obrigatória adoção de mecanismos destinados a proteger e efetivar esses direitos.

95 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.761-762. 96 MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências jurídicas de um conceito. Revista

de Direito do Consumidor, São Paulo, p.117, nº43, jul.-set.2002.

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Nesse contexto, dentre as diversas normas nesse sentido, cabe especial destaque ao

Código de Defesa do Consumidor, codificação cuja ratio é o reequilíbrio da relação de

consumo pela defesa do consumidor.97

Por consistir em um código (e não em uma lei)98

, o Código de Defesa do Consumidor,

além de homogeneizar o Direito do Consumidor, inclusive possibilitando sua autonomia99

e

sua comunicação com demais leis, simplifica e clarifica o regramento legal da matéria,

mitigando eventuais problemas na aplicação de suas normas.

Nesse contexto, não restam dúvidas no sentido de ser o Código de Defesa do

Consumidor uma lei de ampla abrangência, que regula não apenas as relações de consumo,

mas também a tutela dos Direitos Difusos, daí porque é o mesmo dotado de característica

inter e multidisciplinar, não obstante ainda formar, ao lado da Lei da Ação Civil Pública, o

microssistema do Processo Coletivo brasileiro.100

Acerca do exposto, pelos esclarecimentos, confiram-se os dizeres de José Geraldo

Brito Filomeno:

Pelo que se pode observar, por conseguinte, trata-se de uma lei de cunho inter e

multidisciplinar, além de ter o caráter de um verdadeiro microssistema jurídico.

Ou seja: ao lado de princípios que lhe são próprios, no âmbito da chamada ciência

consumerista, o Código Brasileiro do Consumidor relaciona-se com outros ramos do

Direito, ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem a antigos institutos

jurídicos.

Por outro lado, reveste-se de caráter multidisciplinar, eis que cuida de questões que

se acham inseridas nos Direitos Constitucional, Civil, Penal, Processuais Civil e

Penal, Administrativo, mas sempre tendo por pedra de toque a vulnerabilidade do

consumidor ante o fornecedor, e sua condição de destinatário final de produtos e

serviços, ou desde que não visem a uso profissional.

Sem essa conotação, aliás, não haveria necessidade desse microssistema jurídico, já

que os Códigos Civil e Penal, por exemplo, já disciplinam as relações jurídicas

fundamentais entre as pessoas físicas e jurídicas.

Só que pessoas tais são encaradas como iguais, ao contrário do Código do

Consumidor, que dispensa tratamento desigual aos desiguais.101

97 Explicitando a base constitucional do Código de Defesa do Consumidor, são os dizeres de Ada Pellegrini Grinover e

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin: “A opção por uma ‘codificação’ das normas de consumo, no caso brasileiro,

foi feita pela Assembléia Nacional Constituinte. A elaboração do Código, portanto, ao contrário da experiência francesa,

decorrente de uma simples decisão ministerial, encontra sua fonte inspiradora diretamente no corpo da Constituição Federal.

De fato, a Constituição, ao cuidar dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabelece, no inc.XXXII do art.5°, que ‘o Estado

promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.’ O legislador maior, entretanto, entendeu que tal não bastava. Assim,

mais adiante, no art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determina que o ‘Congresso Nacional, dentro de

cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará o Código de Defesa do Consumidor.” (GRINOVER, Ada

Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto v.1. – direito material

(arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.6). 98 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto

v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.6. 99 Recorde-se que o Direito do Consumidor, assim como os demais Direitos Difusos, constituem um novo ramo do Direito

que não se enquadra na arcaica dicotomia público-privado. 100 Nesse ponto, basta a leitura dos arts.81 a 104 e 105 a 119. 101 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto

v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.11-12.

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E uma vez existindo essa interdisciplinaridade, tem-se por consequência a

possibilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor irradiarem efeitos a outros

Direitos Difusos bem como a possibilidade de normas outras, que possuem ponto de

convergência com o Código de Defesa do Consumidor, aglutinarem-se ao mesmo tempo na

consecução da tutela dos consumidores, tal como ocorre com a Lei n°9.784/99.

4.2.1 O regramento do processo administrativo federal: Lei nº9.784/99

Conforme mencionado no item anterior, a tutela dos Direitos Difusos não está adstrita

às disposições do Código de Defesa do Consumidor. O art.110 do Código de Defesa do

Consumidor, ao atribuir uma nova redação ao art.1° da Lei da Ação Civil Pública, a Lei

n°7.347/85, acabou por ampliar o campo de abrangência dos direitos tutelados via ação civil

pública.102

De outra parte, o art.117 do mesmo Código de Defesa do Consumidor, ao

acrescentar o art.21 à Lei n°7.347/85, explicitou que as normas do Código de Defesa do

Consumidor são aplicáveis, quando cabíveis, à defesa dos Direitos Difusos e Coletivos. 103

Assim, em virtude da existência de expressa previsão normativa nesse sentido,

verifica-se que, no campo das demandas judiciais, a interdisciplinaridade das normas de

proteção dos Direitos Difusos é inquestionável.

No que tange à tutela administrativa do consumidor, é possível afirmar que ocorre o

mesmo.

A Constituição Federal de 1988, sob a cláusula geral do devido processo legal, criou

um regime jurídico processual similar, aproximando o processo administrativo do processo

judicial, de modo que o âmbito de validade da Lei n°9.784/99, por ser uma norma

principiológica, não se restringe à Administração Pública Federal.

Como sabido, o processo administrativo, por encontrar previsão no art.5°, LV da

Constituição Federal de 1988,104

possui o status de garantia fundamental, cuja aplicação é

imediata, conforme o §1° do mesmo artigo.105

Nesse diapasão, depreende-se que o direito ao processo administrativo, com todas as

garantias e características do regime jurídico decorrente do devido processo legal,

102 “Art.110. Acrescente-se o seguinte inciso IV ao art.1º da Lei nº7.347, de 24 de julho de 1985: IV – a qualquer outro

interesse difuso.” 103 “Art.117. Acrescente-se à Lei nº7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:

Art.21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do

Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” 104 “inc. LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” 105 “§1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

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independentemente da edição de lei que o regule, é assegurado desde a promulgação da

Constituição Federal de 1988, o que inclusive invalida o ato administrativo que, apesar de

sujeito ao pressuposto do processo administrativo, é praticado sem a observância deste, eis

que, em tal hipótese, não estaria garantido ao interessado a observância do devido processo

legal.

Nesse ponto, portanto, verifica-se que a necessidade de edição de lei regulando o

processo administrativo mais do que preservar a legalidade do ato administrativo sancionador,

era medida necessária para a efetivação do direito ao devido processo legal administrativo

previsto pela Constituição Federal de 1988 com suas características.

Ainda que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 estivesse assegurada

a garantia do devido processo administrativo, somente com a edição da Lei n°9.784/99 essa

garantia passou a ser normatizada.

Apesar de apresentar em sua ementa como sendo destinada a regular o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, o que poderia permitir

interpretação em sentido contrário, o art.1° da Lei n°9.784/99 enuncia como seu objetivo o de

estabelecer “normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração

Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao

melhor cumprimento dos fins da Administração”, não fazendo, entretanto, qualquer limitação

acerca do âmbito de incidência do processo administrativo, o que demonstra sua ampla

aplicabilidade, ou seja, sua interdisciplinariedade com o Código de Defesa do Consumidor. E

isso ocorre na medida em que esse objetivo não fica adstrito à Administração federal posto

tratar, a bem da verdade, de propósito do Estado no exercício da função administrativa.

Nesse sentido, reconhecendo que a Lei nº9.784/99 possui amplo âmbito de incidência,

são os ensinamentos precisos de Carlos Ari Sundfeld:

A chave da qual resulta a amplíssima aplicabilidade da Lei é a ausência de qualquer

delimitação do conceito de ‘processo administrativo’. Na Lei, não há, de fato,

qualquer definição a respeito. O ‘processo’ a que ela se refere não é o processo

disciplinar, o de lançamento tributário, o de licitação, o de registro de marca, o de

licenciamento ambiental, o de autuação – não é, portanto, apenas o que alguma

norma expressamente rotule como ‘processo administrativo’.106

Não bastasse, cabe destacar que a aparente limitação imposta pelo mesmo art.1°, que

restringe a aplicação da Lei n°9.784/99 à Administração Federal direta e indireta, não se

harmoniza com o texto da Constituição Federal de 1988, que equiparou o processo

106 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução ao processo administrativo. In: As leis do processo administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.28.

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administrativo ao processo judicial, alocando-se dentro da cláusula geral do devido processo

legal e erigindo-o à categoria de direito e garantia fundamental. 107

107 Posição contrária, ou seja, no sentido de que a Lei n°9.784/99 restringe-se aos processos administrativos federais, é

apresentada por Almiro do Couto e Silva, para quem “as disposições constantes na Lei do Processo Administrativo da União

não se aplicam aos Estados e Municípios.” (O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público

brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art.54 da

Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº9.784/99). (COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica

(proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos

administrativos: o prazo decadencial do art.54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº9.784/99). In: Revista da

Procuradoria-Geral do Estado, Porto Alegre: Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, 1971, p.71). Também

aduzindo que a Lei nº9.784/99 fica adstrita à limitação imposta em sua ementa, Diógenes Gasparini menciona que “Processo

administrativo é instituto do Direito Administrativo. É matéria administrativa. Portanto, qualquer das pessoas políticas

(União, Estado-Membro, Distrito Federal, Município) pode legislar sobre essa matéria e estender sua obrigatoriedade às

entidades da Administração autárquica ou fundacional pública. Nessa área, vê-se, não cabe qualquer legislação federal que

submeta o Estado, o Distrito Federal e os Municípios às suas disposições, sob pena de quebra do princípio da autonomia de

seus serviços. Por isso, assegura Hely Lopes Meirelles.(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed.

São Paulo: Malheiros, 2013, p.661) que o ‘processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal, para todas

as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus serviços”. Daí a cautela da União ao explicitar a abrangência da Lei

federal nº9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispondo que essa lei

estabelece as normas básicas sobre o processo no âmbito da Administração Federal direta e indireta (art.1º)”. (GASPARINI,

Diógenes. Direito administrativo. 17.ed. atual. por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1083). Ressalva deve ser

feita, é bom consignar, no que tange à citação de Hely Lopes Meirelles. Isso porque o autor utilizou a 29.ed. da obra Direito

Administrativo Brasileiro, de 2004, de maneira que o trecho destacado expressa a opinião dos atualizadores da obra de Hely

Lopes Meirelles, não do próprio. E isso é facilmente demonstrado quando considerado que na 39ª edição, de 2013, o trecho

destacado por Diógenes Gasparini foi suprimido. Por sua vez, Mônica Martins Toscano Simões expressamente reconhece que

a Lei nº9.784/99 é aplicável somente à Administração Pública federal. (SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo

administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004, p.25-26). O mesmo posicionamento é adotado

por Angélica Petian (PETIAN, Angélica. Regime jurídico dos processos administrativos ampliativos e restritivos de

direito. São Paulo: Malheiros, 2011, p.65-68) e por Fernanda Marinela, que reconhece ser a Lei nº9.784/99 norma geral de

processo administrativo para o âmbito federal. (MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 8.ed. Niterói : Impetus,

2014, p.1128), não sendo outro o entendimento de Reinaldo Moreira Bruno. (BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito

administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.163-165). Maria Sylvia Zanella Di Pietro também entende que a Lei

nº9.784/99 somente se aplica no âmbito federal: “O processo administrativo está hoje disciplinado, no âmbito federal, pela

Lei nº9.784/99, de 29-1-99, alterada pelas Leis nºs 11.917, de 19-12-06, e 12.008, de 29-7-09. Ela estabelece normas básicas

sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal Direta e Indireta, visando à ‘proteção dos direitos dos

administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.’ Estados e Municípios que queiram dispor sobre a

matéria deverão promulgar as suas próprias leis. No estado de São Paulo, a matéria está disciplinada pela Lei nº10.177, de

30-12-1998.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.699). Egon

Bockmann Moreira reconhece que a Lei nº9.784/99, em decorrência de seu art.69, possui aplicação subsidiária ao plano

federal e para processos sem legislação específica.(MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios

constitucionais e a Lei 9.784/1999). 4.ed. atual. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2010, p.307-309). O mesmo entendimento

é apresentado por Márcio Pestana: “No plano federal, deve-se entender que a Lei nº9.784/1999 cuida dos processos

administrativos que não possuam leis específicas regrando o respectivo procedimento, caso, v.g., dos processos

administrativos que têm curso perante o Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Aplica-se, contudo,

subsidiariamente, a rigor do art.69 da própria Lei nº9.784/1999, nos processos administrativos que tenham legislação

específica de regência.”(PESTANA, Márcio. Direito administrativo brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p.312).

Conquanto não expressamente assim afirme, o mesmo entendimento parece ser compartilhado por José dos Santos Carvalho

Filho: “Note-se, primeiramente, que a lei tem caráter federal, e não nacional, vale dizer, é aplicável apenas na tramitação de

expedientes processuais dentro da Administração Pública Federal, inclusive no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Em virtude de nosso regime federativo, em que as entidades integrantes são dotadas de autonomia, não podem tais

mandamentos se estender a Estados, Distrito Federal e Municípios, já que estes são titulares de competência privativa para

estabelecer as próprias regras a respeito de seus processos administrativos. Nada impede, e, ao contrário, tudo aconselha a

que as demais entidades também uniformizem seus procedimentos administrativos, não somente para limitar a atuação dos

administradores públicos, mas também para conferir aos administrados maior garantia no controle da legalidade dos atos

administrativos praticados nos diversos expedientes que tramitam nos órgãos da Administração Pública. Vale a pena

destacar, ainda, que as normas da Lei nº9.784/1999 têm caráter genérico e subsidiário, ou seja, aplicam-se apenas nos casos

em que não haja lei específica regulando o respectivo processo administrativo ou, quando haja, é aplicável para

complementar as regras especiais. A lei específica, por conseguinte, continuará sendo lex specialis e prevalecerá sobre a lei

geral. É o caso, por exemplo, dos processos disciplinares, previstos nas leis estatutárias, e dos processos tributários, regulados

pelo Código Tributário Nacional e outras leis do gênero. Sendo normas especiais, só subsidiariamente recebem a incidência

das normas gerais previstas na Lei nº9.784/1999. Quer dizer: se a lei específica for silente, a Lei nº9.784/1999 será

aplicável.”(CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-

2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.994-995).

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Não bastasse, cabe recordar que a União detêm competência exclusiva para legislar

sobre matéria processual, conforme art.22, I, da Constituição Federal de 1988108

e

competência concorrente para legislar sobre procedimentos em matéria processual, conforme

art.24, XI, da Constituição Federal de 1988,109

de modo que a restrição imposta pelo art.1°, da

Lei n°9.784/99 é que se revela contrária ao princípio federativo.

Não se trata, é bom consignar, de afirmar ou concluir que a inclusão do processo

administrativo nas matérias de competência legislativa exclusiva da União tornaria as normas

dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios sobre a matéria inconstitucionais

por invasão de competência em virtude da ausência de lei complementar autorizando esses

entes a legislarem sobre matéria processual, conforme permissivo do parágrafo único do

art.22 da Constituição Federal de 1988, vez que, conforme advertido por Marçal Justen Filho,

“os demais entes federativos podem, se o desejarem, produzir a edição de lei local, veiculando

normas específicas. Mas deverão, de todo modo, respeitar as normas gerais federais.”110

Reconhecendo expressamente que a Lei n°9.784/99 tem aplicação ampla e irrestrita a

todos os entes federativos, não se limitando à Administração Federal, tampouco à inexistência

de processo administrativo regido por legislação específica, são os ensinamentos de Marçal

Justen Filho, que também reconhece a inconstitucionalidade da restrição do âmbito de

validade de referida lei haja vista a competência constitucional da União prevista no art.22, I e

art.24, XI da Constituição Federal de 1988 para legislar sobre processo e procedimento:

Cristiana Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão também reconhecem a

aplicação subsidiária da Lei nº9.784/99: “Superada a constatação de que a lei incide no âmbito federal, cumpre ir além: ou

seja, verificar se a lei possui aplicabilidade para regulamentar situações ocorridas além da esfera federal, isto é, no âmbito da

Administração Pública Estadual ou Municipal. As normas que consagram princípios têm aplicação imediata para além da

esfera federal, e, em caso de lacuna nas leis estaduais ou municipais que disciplinam processos específicos, aplicar-se-ão as

normas gerais básicas, servindo de critérios gerais a serem seguidos.” (FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires

de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo administrativo: comentários à Lei nº9.784/1999. Belo

Horizonte: Fórum, 2008, p.38-39). Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara, por sua vez, reconhecem a aplicação subsidiária

da Lei nº9.784/99, porém restringindo essa subsidiariedade ao âmbito federal: “Os preceitos da LPA têm, conforme

disposição expressa, aplicação subsidiária aos procedimentos específicos quando eles se omitirem em questões tratadas na lei

geral federal. Note-se que, apesar de não serem incomuns os julgados que aplicam a LPA subsidiariamente aos

procedimentos de outros entes federativos, a aplicação da lei, pela autonomia dos entes federativos, conforme exposto,

deveria restringir-se ao âmbito federal. A LPA e as leis especiais coexistem, sendo, no entanto, perfeitamente utilizáveis os

direitos expressos na lei geral que tenham sido omitidos pela lei específica. A determinação contida no art.69 da lei está em

consonância, portanto, com o disposto no art.2º, §2º, da Lei de Introdução do Código Civil (LICC): ‘lei nova, que estabeleça

disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica lei anterior.’ Assim, qualquer dispositivo que

seja previsto na PLA e eu não tenha tratamento específico em lei federal especial é potencialmente alegável pelo interessado

com base no art.69 da lei, que, além de abranger plenamente todos os procedimentos federais que não tenham tratamento

legal, possui aplicação subsidiária aos múltiplos procedimentos neste âmbito.” (NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA,

Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p.454-455). 108 “Art.22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,

marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.” 109 “Art.24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XI – procedimentos em

matéria processual.” 110 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p.348.

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Por outro lado, há normas gerais sobre processo e procedimento administrativo

veiculadas por lei federal. A União editou uma lei de processo administrativo (Lei

9.784) e já dispunha, há muito, de diversos diplomas regulando procedimentos

administrativos especiais.

Ora, a União detém competência privativa para legislar sobre direito processual

(art.22, I, da CF/1988); no entanto, quando se trata de procedimentos, a competência

é concorrente entre os diversos entes federativos. Tal como já exposto, nesse caso

cabe à União a edição de normas gerais e aos Estados e Distrito Federal a

suplementação ou complementação delas (art.24, XI e §2º, da CF/1988).

Daí segue que as normas gerais e os princípios fundamentais contemplados na Lei

9.784 são de observância obrigatória para todos os entes federativos. Não se

contraponha que essa lei explicitamente determinou que suas regras seriam

aplicáveis apenas aos processos administrativos no âmbito da atividade

administrativa da União. Essa solução seria inconstitucional, pois a competência

para editar normas gerais obriga à formalização de soluções gerais aplicáveis a todas

as órbitas federativas.

Por isso, os demais entes federativos podem, se o desejarem, produzir a edição de lei

local, veiculando normas específicas. Mas deverão, de todo modo, respeitar as

normas gerais federais.111

Em virtude da consideração de que o “princípio federativo tem o propósito de garantir

o máximo atendimento dos direitos fundamentais”112

, e em decorrência da “atribuição de

competências entre diferentes entes federais não é um fim que se baste em si, e visa, pois a

garantir [...] direitos e garantias individuais”113

, bem como em decorrência da alocação do

processo administrativo no rol dos direitos e garantias individuais, Bernardo Strobel

Guimarães114

é enfático ao afirmar que “não há possibilidade de se conceber duas maneiras

distintas de se operar o devido processo legal em nossa Federação.”115

E prossegue para

afirmar que “sequer a alusão ao princípio federativo (como pretendido na Lei) teria o condão

de alterar esta constatação, pois revestida da mais alta índole constitucional.116

E finaliza: “O

devido processo legal, quer seja no processo administrativo, quer seja no judicial, não pode

ser concebido de maneira diversa em duas entidades políticas distintas.” 117

111 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p.347-348. 112 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da

administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito

Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.287. 113 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da

administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito

Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.287. 114 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da

administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito

Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.283-205. 115 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da

administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito

Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004, p.289. 116 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da

administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito

Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004. 117 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. Âmbito de validade da Lei de Processo Administrativo (Lei n°9.784/99) – para além da

administração federal: uma proposta de interpretação conforme a Constituição de seu artigo 1°. Revista de Direito

Administrativo (RDA), v.236, abr.-jun., 2004.

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Carolina Caiado Lima, por sua vez, também reconhecendo o processo administrativo

como um direito fundamental, assevera que, se a competência legislativa dos entes em matéria

de processo administrativo é afeto à interpretação dos dispositivos, forçoso buscarmos uma

interpretação que melhor assegure aos cidadãos, no âmbito do processo administrativo, as

garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, o que é

alcançado com a inserção interpretativa do direito administrativo processual no gênero direito

processual previsto no art.22, I, da Constituição Federal de 1988.118

Não bastassem os argumentos em referência, cabe destacar que a aplicação da Lei

n°9.784/99 como diploma geral do processo administrativo ainda decorre do caráter

principiológico de algumas de suas normas.119

Nesse sentido, entendem Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

Embora a LPA trate de regras básicas no processo administrativo no âmbito federal,

há nela muitas normas principiológicas, de sorte que nesse particular tem aplicação

imediata a todo e qualquer processo administrativo nas esferas municipal, estadual e

federal, aplicando-se aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As normas

principiológicas da LPA incidem, também, nos processos administrativos em geral,

isto é, no âmbito de entidades privadas.120

Ambos salientam que os processos administrativos regrados por leis específicas são

regidos por suas próprias leis naquilo que diz respeito às normas gerais previstas na Lei

n°9.784/99. Na hipótese de conflito de normas gerais, deverá prevalecer a norma da legislação

específica.121

Também reconhecendo que a Lei n°9.784/99 possui uma ampla abrangência em

virtude do caráter principiológico de suas normas, Délcio Balstero Aleixo e José Emmanuel

Burle Filho salientam que “diversas dessas normas representam o que chamamos de

‘princípios do processo administrativo’, pelo quê, na realidade, devem ser aplicadas em

qualquer processo e não apenas em nível federal.”122

Desta forma, seja em decorrência do processo administrativo consistir em uma

garantia fundamental, seja ainda em virtude da equiparação do processo administrativo ao

processo judicial sob o prisma do devido processo legal, tem-se que a Lei n°9.784/99 deve ser

118 LIMA, Carolina Caiado. Por uma lei geral de processo administrativo. In: (Orgs.) MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor

Rhein. Atuais rumos do processo administrativo. São Paulo: RT, 2010, p.53-77. 119 Vide, nesse ponto, o art.2° da Lei n°9.784/99, que apresenta os princípios da legalidade, finalidade, motivação,

razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência

como sendo de observância para a Administração Pública. 120 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1.794. 121 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1815. 122 Na atualização da obra: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39.ed. São Paulo: Malheiros,

2013, p.764.

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aplicada indistintamente pelos entes da federação, inclusive na tutela dos direitos dos

consumidores. Não bastasse, não existe qualquer violação ao princípio federativo não apenas

em virtude do caráter principiológico de suas normas, mas também porque sua observância

decorre do preceito contido no art.22, I, da Constituição Federal de 1988, que não retira dos

entes federados a possibilidade de também editarem lei de processo administrativo que, no

entanto, devem observar o regime geral instituído pela Lei n°9.784/99, verdadeiro “Código de

Processo Administrativo”.

4.2.2 O Código de Defesa do Consumidor: Lei nº8.078/90

Em vigor desde 11 de março de 1991, a Lei n°8.078/90, denominada Código de

Defesa do Consumidor, é, com certeza, um dos maiores marcos legislativos brasileiros.

Produto do trabalho de notáveis123

, o Código de Defesa do Consumidor possui

previsão expressa no art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da

Constituição Federal de 1988,124

tendo o constituinte, no art.5°, XXXII125

, exteriorizado sua

preocupação com a defesa do consumidor, que inclusive consiste em princípio geral da

atividade econômica, conforme dicção do art.170, V, da Constituição Federal de 1988.126

-127

A preocupação com a defesa do consumidor era tamanha que, antes mesmo da

promulgação da Constituição Federal de 1988, foi criado o Conselho Nacional de Defesa do

Consumidor, órgão responsável por assessorar o Presidente da República na formulação e

condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor.128

Nesse espírito de tutela dos consumidores e consequente harmonização das relações de

consumo, cabe destaque para a opção do legislador na definição de conceitos e na

123 A comissão foi composta pelos seguintes juristas: Ada Pellegrini Grinover, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito

Filomeno, Kazuo Watanabe e Zelmo Denari. Durante os trabalhos, a comissão também contou com a colaboração de outros

notáveis juristas, a saber: Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Eliana Cáceres, Marcelo Gomes Sodré, Mariângela

Sarrubo, Nelson Nery Junior e Régis Rodrigues Bonvicino. 124 “Art.48. O Congresso Nacional dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa

do consumidor”. 125 “Art.5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII – o Estado

promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. 126 “Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do

consumidor”. 127 Interessante salientar que não é apenas nesses artigos que se verifica a preocupação do constituinte com o consumidor.

Para tanto, basta observar o art.150 da Constituição Federal de 1988, que trata das limitações do poder de tributar dos entes

federados, estabelece, em seu art.5°, que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos

impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Não obstante, a mesma preocupação pode ser encontrada no art.175, II,

da Constituição Federal de 1988 no momento em que faz menção a “usuários” de serviços públicos, o mesmo ocorrendo em

seu parágrafo único, quando alude que a lei disporá sobre “os direitos dos usuários” dos serviços públicos. 128 O Conselho Nacional de Defesa do Consumidor foi criado pelo Decreto n°91.468/85, alterado pelos Decretos n°92.396/86

e nº94.508/87.

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apresentação do patamar mínimo de direitos dos consumidores, além da impossibilidade do

consumidor renunciar ou dispor de seus direitos.129

Não obstante, também trouxe o Código a responsabilidade dos fornecedores pelos

vícios e defeitos do produto e do serviço, a regulação da oferta e da publicidade e o rol, não

taxativo, de práticas consideradas abusivas, além de dispor acerca da proteção contratual do

consumidor e modo de interpretação de suas cláusulas.

No campo da tutela do consumidor, trouxe o Código de Defesa do Consumidor

disposições acerca da tutela administrativa, penal e cível, inclusive coletiva, dispondo ainda

sobre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e a possibilidade de aplicação de suas

normas, e de outros diplomas, regularem a defesa do consumidor.

Naquele sentido, os arts.105 a 119 do Código, ao modificarem disposições da Lei

n°7.347/85, demonstram o exposto, conforme verifica-se em seu art.7°, que consigna: “Os

direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções

internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos

expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos

princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.”

Ao assim dispor, acabou o Código de Defesa do Consumidor por criar o microssistema

de defesa do consumidor não apenas no âmbito do processo civil, mas também no âmbito

administrativo.

Norma de ordem pública e interesse social, conforme dicção de seu art.1°, o Código de

Defesa do Consumidor permite que normas contidas em outras legislações ordinárias

nacionais, tais como a Lei n°9.784/99, sejam aplicáveis na tutela do consumidor.

Nesse sentido, reconhecendo inclusive a aplicação ex officio de normas de proteção do

consumidor, estejam elas no Código ou em outras leis, são os ensinamentos de Cláudia Lima

Marques, para quem o fundamento constitucional dessas normas habilitam o quanto exposto:

129 Em sentido contrário, esclarecendo que os direitos básicos do consumidor não constituem novidade do Código de Defesa

do Consumidor, mas sim de pretérita resolução da ONU, sendo que a principal novidade versa sobre a inversão do ônus da

prova, são os dizeres de José Geraldo Brito Filomeno: “Outro mito que precisa ser desfeito desde logo é o de que os direitos

básicos do consumidor previstos no art.6° do novo Código são a grande novidade. Em verdade, constam já de resolução da

ONU, de 1985, que fala em direito de proteção à vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no

fornecimento de produtos e serviços, educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, informação

clara e adequada sobre os mesmos, proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, meios coercitivos ou desleais, cláusulas

abusivas em contrato, principalmente de adesão, modificação de suas cláusulas, prevenção e reparação de danos, acesso aos

órgãos judiciários e administrativos com vistas à reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos

Talvez a grande novidade, isto sim, seja o direito previsto no inc. VIII do mencionado art.6° do Código de Defesa do

Consumidor, quando fala da inversão do ônus da prova, a seu favor, mas apenas no processo civil quando, a critério do juiz,

for verossímil a alegação do consumidor, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”

(GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto

v.1. – direito material (arts.1° a 80 e 105 a 108). 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011).

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No Brasil, pois, a proteção do consumidor é um valor constitucionalmente

fundamental (Wertsystem) e é um direito subjetivo fundamental (art.5°, XXXII),

guiando – e impondo – a aplicação ex officio da norma protetiva dos consumidores,

a qual realize o direito humano (efeito útil e pro homine do status constitucional);

esteja esta norma no CDC ou em fonte outra (art.7° do CDC).130

A possibilidade de aplicação da Lei n°9.784/99 fica adstrita àquilo que o Código de

Defesa do Consumidor não disponha e que busque atribuir uma maior proteção administrativa

dos consumidores. E nesse prisma cabe destacar a ausência no Código de Defesa do

Consumidor de disposições específicas acerca do processo administrativo (o Código trata

unicamente das sanções administrativas nos arts.55 a 60), devendo o encargo ser assumido

pela Lei n°9.784/99 em conjunto com o Decreto n°2.181/97, que apenas estabelece normas

gerais de aplicação das sanções administrativas prevista no Código de Defesa do Consumidor.

Mas não é somente em decorrência de seu art.7° que o Código de Defesa do

Consumidor pode ser utilizado em conjunto com outras normas que prevejam direitos aos

consumidores e que estejam em harmonia à tutela de seus interesses.

A possibilidade de interface normativa na tutela dos consumidores decorre da própria

interpretação da Constituição Federal de 1988, que vincula a defesa do consumidor à cláusula

geral de tutela da personalidade, cujo ponto de partida, por sua vez, remonta ao princípio da

dignidade da pessoa humana previsto de maneira expressa no art.1°, III da Carta

Constitucional. Não bastasse, a defesa do consumidor deve ser efetivada de maneira a

concretizar o objetivo da República Federativa do Brasil insculpido no art.3°, III, da

Constituição Federal, qual seja, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as

desigualdades sociais e regionais.

Nesse contexto, a possibilidade de normas outras aglutinarem-se ao Código de Defesa

do Consumidor na tutela dos consumidores emerge de maneira consonante não apenas com a

axiologia, mas também com a principiologia constitucional, ambas direcionadas a concretizar

a igualdade, não sendo desarrazoado concluir que essa interface normativa colabora para o

desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito.

130 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa

do Consumidor. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2010, p.70.

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4.2.3 A regulamentação das sanções: Decreto nº2.181/97

Norma que reflete o poder normativo regulamentar da Administração Pública,

inclusive habilitando-a ao exercício do poder de política, o Decreto nº2.181/97, editado no

exercício da competência privativa da Presidência da República previsto no art.84, IV, da

Constituição Federal de 1988,131

especifica a organização do Sistema Nacional de Defesa do

Consumidor e estabelece normas gerais para a aplicação das sanções administrativas previstas

nos arts.55 a 60 do Código de Defesa do Consumidor e eventuais demais normas que

disponham acerca da tutela dos consumidores.

Em virtude do caráter eminentemente genérico e procedimental do Decreto

n°2.181/97,132

o processo administrativo do consumidor deverá orientar-se pelos princípios

gerais da Lei n°9.784/99, verdadeiro “Código de Processo Administrativo”, de modo que às

disposições do Decreto devem ser aglutinadas as previsões e princípios da Lei n°9.784/99,

que também prevaleceram em caso de conflito.

No sentido exposto, confiram-se os dizeres de Fernando Costa de Azevedo:

A Lei 9.784/1999 – que disciplina as regras sobre o processo administrativo no

âmbito da União – deve ser aplicada nos processos administrativos instaurados pelos

órgãos de defesa do consumidor, havendo, em caso de conflito, primazia das regras

previstas nessa lei sobre as do Dec. 2.181/1997 (arts.33 a 55).133

Não é outro o entendimento de Bruno Miragem:

O processo administrativo de defesa do consumidor, no âmbito dos órgãos

administrativos ocupados desta atividade atenderá, em primeiro, aos princípios e

regras de direito e processo administrativo. Em especial, ao estabelecido pela Lei

9.784, de 29.01.1999 que trata do processo administrativo federal.

[...]

O processo administrativo de defesa do consumidor submete-se, em razão de regra

específica, aos princípios gerais indicados na lei federal sobre processo

administrativo. Os princípios da lei, neste sentido, inspiram o processo

administrativo de defesa do consumidor previsto pelo Código de Defesa do

131 “Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem

como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.” 132 Reconhecendo o caráter genérico do Decreto n°2.181/97 e a necessidade de normatização do processo administrativo no

âmbito estadual, são os dizeres de Lúcia Rêgo: “O processo administrativo, no regime jurídico do CDC, é tratado no Dec.

Fed. nº2.181, de 20.03.1997, nos arts.33 a 54, de forma também genérica, carecendo, no entanto, pela sua própria índole

normativa, seu caráter genérico, de uma legislação específica que dê sistematização à matéria, no âmbito estadual.” (RÊGO,

Lúcia. A tutela administrativa do consumidor: regulamentação estatal. São Paulo: RT, 2007, p.57). Para a autora, a tutela

administrativa do consumidor em âmbito estadual carece de norma que planifique os princípios aplicáveis, o que, em certa

medida, acaba por mitigar a efetiva defesa dos consumidores. 133 AZEVEDO, Fernando da Costa. Considerações sobre o direito administrativo do consumidor. In: (Orgs.) MARQUES,

Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Coleção doutrinas essenciais.

v.6. São Paulo: RT, 2011.

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Consumidor, embora o diploma consumerista e o decreto federal que o regulamenta,

digam especificamente dos atos que o conformam.134

O fundamento para tanto, cabe consignar, versa sobre o necessário tratamento

igualitário do processo administrativo ocasionado pela observância dos princípios contidos na

Lei n°9.784/99, cuja abrangência é nacional.

Não faria sentido afastar a aplicação da Lei n°9.784/99, deixando a cada Estado-

membro a regulamentação da matéria e a fixação de princípios que poderiam vacilar de

Estado para Estado.

O processo administrativo, conforme aduzido em tópico próprio, mais do que

legitimar a atuação da Administração Pública exercida por meio de seu poder de polícia,

consiste em garantia do cidadão acerca da observância de princípios que devem estar

presentes em qualquer processo administrativo, o que não ocorreria na hipótese da Lei

n°9.784/99 ter sua aplicação afastada em detrimento de normas estaduais. Essas normas, no

entanto, não deixam de ser aplicadas; isso somente ocorrerá se alguma disposição estadual

contrariar a legislação federal.135

Ausente o conflito, as normas se complementam, até mesmo

em decorrência dos anseios constitucionais relativos à tutela do consumidor e às disposições

do Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública e de interesse social, cuja

aplicação pode inclusive ser realizada ex officio dada sua característica de direito

fundamental.

4.3 Princípios do processo administrativo sancionador

O processo administrativo sancionador, por consistir em exercício do poder de polícia

e na legítima ingerência da Administração Pública na esfera individual, deve nortear-se por

determinados princípios, que em nossa visão funcionam como pontos de partida, ou seja,

como início do processo interpretativo e decisório e que não permitem retrocesso, estejam ou

134 MIRAGEM, Bruno. A defesa administrativa do consumidor no Brasil. In: (Org.) MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM,

Bruno.Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Coleção doutrinas essenciais. v.6. São Paulo: RT, 2011,

p.965-966. 135 Nesse sentido, Fernando Costa de Azevedo leciona que “os Estados podem editar leis que estabeleçam regras sobre o

processo administrativo no âmbito de cada ente federativo, as quais terão plena aplicação se não contrariarem a legislação

federal (art.24, §§1° a 4°, da CF/1988)”. (AZEVEDO, Fernando da Costa. Considerações sobre o direito administrativo do

consumidor. In: (Orgs.) MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: tutela das relações de

consumo. Coleção doutrinas essenciais v.6. São Paulo: RT, 2011).

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não positivados.136

Os princípios, portanto, possuem uma característica instrumental, servindo

como piso mínimo.

Talvez em decorrência dessa sua relevante função, diversas são as conceituações

apresentadas pela doutrina. Assim, reconhecendo o caráter instrumental dos princípios, são os

dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro

alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,

compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e

inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema

normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.137

Paulo de Barros Carvalho, aduzindo que o termo aglutina regras e normas, faz a

seguinte classificação de princípio:

Em Direito, utiliza-se o termo ‘princípio’ para denotar as regras de que falamos, mas

também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios

objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor,

independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite

objetivo sem a consideração da norma.138

Considerando o caráter de fonte do Direito e de elemento de interpretação, Roque

Antônio Carrazza fornece a seguinte definição de princípio:

Segundo nos parece, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou

explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos

vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o

entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.139

Ao seu turno, Humberto Ávila, ao observar que os princípios permeiam todo o

ordenamento jurídico, possuem interação dinâmica e integrativa entre si – o que afasta

eventual conflito entre princípios – além de um elevado grau de abstrativismo, ao exprimir

valores e pode, inclusive, afastar uma eventual norma legal com ele incompatível, assim

define princípio:

Em primeiro lugar, nem todos os princípios exercem a mesma função: há princípios

que prescrevem o âmbito e o modo da atuação estatal, como os princípios

republicano, federativo, democrático, do Estado de Direito, e há princípios que

conformam o conteúdo e os fins da atuação estatal, como os princípios do Estado

136 Conquanto não seja esse o objetivo deste trabalho, entendemos que o ordenamento jurídico é composto por normas

jurídicas, categoria que abrange os princípios e as regras. A distinção primordial de ambos é que no sistema de regras, vale a

máxima do tudo ou nada, o que não ocorre com os princípios, que podem ser objeto de ponderação. 137 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.53. 138 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.154. 139 CARRAZZA, Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.45.

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Social, da liberdade e da propriedade. Se os princípios dizem respeito a diferentes

aspectos da atuação estatal, a relação entre eles não é de concorrência, mas de

complementação. Metaforicamente eles não se ‘ombreiam’ uns com os outros, mas

se ‘imbricam’ em relações diversas de forma-conteúdo e gênero-espécie. Não se

pode, pois, falar em oposição ou em conflito, mas apenas em complementariedade.

Em segundo lugar, nem todos os princípios se situam no mesmo nível: há princípios

que se igualam por serem objeto de aplicação, mas se diferenciam por se situarem

numa relação de subordinação, como é o caso dos sobreprincípios do Estado de

Direito relativamente aos princípios da separação dos poderes, da legalidade e da

irretroatividade. Se um princípio é uma norma de execução ou concretização de

outra, a relação entre elas não é de concorrência, mas de subordinação.

Em terceiro lugar, nem todos os princípios têm a mesma eficácia: os princípios

exercem várias funções eficaciais, como a interpretativa, em que um princípio será

interpretado de acordo com outro, a integrativa, em que um princípio atuará

diretamente suprindo lacuna legal, e a bloqueadora, em que um princípio afastará

uma norma legal com ele incompatível. Nesses casos, também não se pode falar em

conflito horizontal, mas apenas em vínculos de conformidade de um princípio em

relação a outro, ou em atuação direta de um princípio sem a interferência de outro

princípio.140

Para Ruy Samuel Espíndola, princípio seria a base, o elemento de estruturação de um

sistema e o fundamento de regras:

A idéia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se

tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou

normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa,

donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou

subordinam.141

O mesmo entendimento é apresentado por Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz:

Por definição, princípio é mandamento nuclear de sistema, ou seja, verdadeiro

alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,

compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e

inteligência, exatamente, por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo

no que lhe dá sentido harmônico. São os pensamentos diretores de uma regulação

jurídica, devendo ser utilizados como critério superior de interpretação das demais

normas, orientando sua aplicação no caso concreto.142

No mesmo sentido, inclusive reconhecendo sua carga axiológica, José Afonso da Silva

leciona que “Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas,

são (como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) ‘núcleos de condensações’ nos quais

confluem valores e bens constitucionais.”143

140 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.132-133. 141 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: RT, 1999, p.47. 142 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Coimbra:

Almedina, 2009, p.35-36. 143 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.92.

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Ao seu turno, Ronald Dworkin,144

crítico do positivismo jurídico,145

sustenta que o

sistema jurídico é composto não apenas por regras, mas também por princípios.146

Os

princípios, por sua vez, além de dotados de certo grau de generalidade, podem também ser

objeto de sopesamento, de modo que o juiz poderá, nos denominados hard cases – em que

não existe norma jurídica posta –, ou na hipótese de conflito entre princípios, utilizar os

princípios para decidir os hard cases ou ponderar, em caso de colisão de princípios, qual deles

deverá prevalecer no caso concreto, o que, no entanto, não retira sua validade.147

Nesses

casos, o princípio não utilizado continua a integrar o sistema jurídico, podendo ser utilizado

em outro caso, posto tratar-se de regra de ponderação. Para Ronald Dworkin, portanto, as

normas jurídicas são compostas por regras jurídicas e princípios, estes últimos verdadeiros

standards, que inclusive podem identificar-se com aspectos de moralidade. Assim, princípios

enunciam razões orientadas a uma interpretação e certa argumentação jurídica voltada para

uma direção. Não são, portanto, questões de certo ou errado; validade ou invalidade, mas sim

convicções que justificam o encaminhamento da solução em determinado sentido. São

questões de peso na justificação de uma decisão jurídica, ou seja, uma posição que justifica a

interpretação do direito:

Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover

ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas

porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da

moralidade.148

Para Robert Alexy, que assim como Ronald Dworkin parte do pressuposto de que a

distinção entre princípios e regras, espécies de normas jurídicas, é quantitativa e não de grau,

princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível.

144 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 145 A crítica de Dworkin ao positivismo consiste na impossibilidade do sistema jurídico ser composto unicamente por regras,

vez que essas, as regras, não permitem ao juiz decidir os denominados hard cases (em que não existe regra prévia), tarefa que

acaba sendo facilmente desenvolvida pelos princípios. Isso ocorre pois na sistemática das regras jurídicas, que buscam

regular uma específica situação (as regras não são genéricas; os princípios, sim), vale o jogo do tudo ou nada. Conforme

Dworkin, o positivismo, que busca conceituar o direito, possui o seguinte esqueleto: regras de pedigree, que são aquelas

regras utilizadas por uma comunidade com o propósito de determinar qual comportamento será punido ou coagido e qual

regra foi aceita ou rejeitada; regras jurídicas, que são regras postas, sendo que, ausente regra expressamente regulando uma

hipótese, deverá o juiz decidir o caso mediante seu discernimento pessoal (isso ocorre, pois, para o positivismo, o direito é

composto por regras, de modo que, ausente uma regra para regular determinada situação, ausente será a presença do direito) e

coexistência das regras jurídicas com o direito (uma obrigação jurídica somente existe se existir uma regra específica válida

que assim a preveja). 146 Dworkin também traça estudo acerca das políticas (ou policies), que, em linhas gerais, vêm a ser as conhecidas políticas

públicas, ou seja, objetivos a serem alcançados visando uma melhoria mediante o estabelecimento de um padrão. 147 Verifica-se que para Dworkin há uma forte preocupação com a teoria da decisão judicial, que permite ao juiz, por meio da

utilização de princípios, valer-se de certo grau de moralidade. O problema nesse ponto é que existe o risco do juiz se valer de

sua concepção de moralidade para utilizar determinado princípio e decidir a causa. 148 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.36.

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São, portanto, mandamentos de otimização.149

A questão que se coloca nesse ponto é que o

atingimento da máxima eficácia de um princípio pode ser obstado por outro princípio,

surgindo a colisão de princípios.150

Como o atingimento dessa eficácia máxima dependerá de

variáveis e peculiaridades do caso concreto, não é possível dizer que, em abstrato,

determinado princípio sempre prevalecerá sobre outro. São as condições do caso concreto que

determinarão qual princípio prevalecerá.151

Diante da possibilidade de limitação dos

princípios ocasionada pela possível conflituosidade dos mesmos em determinado caso

concreto, verifica-se que os mesmos expressam deveres e direitos prima facie.152

A distinção entre o posicionamento de Ronald Dworkin e Robert Alexy é que, para

este, princípio não guarda relação com a fundamentalidade da norma. Assim, para Robert

Alexy, princípio pode ou não ser um mandamento nuclear do sistema.

Embora existam diversos posicionamentos sobre os princípios, o tema possui

relevância para a ciência jurídica, de maneira que certamente ainda irá gerar debates que, no

entanto, não constituem o objeto do presente estudo.

4.3.1 Legalidade

O primeiro princípio do processo administrativo previsto explicitamente pelo art.2° da

Lei n°9.784/99, que cuidou de positivar princípios que até então eram tratados pela

jurisprudência e pela doutrina, versa sobre o princípio da legalidade.

De acordo com esse princípio, a Administração Pública, quando tem a função de

julgar, fica vinculada à pratica de atos permitidos pela lei. Com isso, ficam resguardados os

direitos e garantias do administrado, não sendo despropositado afirmar que o princípio da

legalidade também funciona como um mecanismo de controle do poder estatal.

Ainda que a atividade da Administração deva ser vinculada ao império da lei, o

princípio da legalidade deve ser entendido de forma mais ampla, englobando as normas e os

princípios constitucionais aplicáveis à hipótese posta em julgamento, ou, conforme lecionam

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “agir dentro da legalidade significa não

149 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2.ed. 3ª tir. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2011. 150 Um exemplo é o direito à moradia e a preservação das áreas de manancial, muito comum nos casos de ocupação irregular

dessas áreas. 151 Interessante, entretanto, consignar que a Constituição Federal de 1988, em seu art.227, caput, ao instituir como absolutos

os deveres da família, da sociedade e do Estado acerca dos direitos da criança, aparentemente afasta o quanto exposto, de

modo que, mesmo sem um caso concreto, os direitos das crianças seriam absolutos. 152 Novamente aqui tem-se nova distinção entre regras e princípios. Se uma regra prescreve determinada situação, ela deve se

realizar exatamente tal como prevista. No caso dos princípios, esse grau de realização é variável.

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só submeter-se ao império da lei que rege o caso concreto, mas também e principalmente

observar as normas e princípios constitucionais aplicáveis à espécie.”153

Verifica-se, portanto, que o princípio da legalidade deve ser entendimento de forma

mais ampla, de modo que a Administração deve atuar não apenas vinculada à literalidade da

lei, mas também pautada pelas normas jurídicas. Daí porque pertinentes os ensinamentos de

Cármen Lúcia Antunes Rocha:

Em sua primeira afirmação de conteúdo, o princípio da legalidade administrativa era

entendido como a obrigatoriedade de adequação entre um ato da Administração

Pública e uma previsão legal na qual ele tivesse a sua fonte. Daí por que Hauriou

baseou-se no princípio da ‘legalidade’ para elaborar a sua teoria sobre o regime

administrativo, no qual não era a lei que se submetia à Administração Pública, antes

era esta que à lei se sujeitava. A lei passou a ser considerada, então, sede única do

comportamento administrativo, sua fonte e seu limite. Sendo a lei, entretanto, não a

única, mas principal fonte do Direito, absorveu o princípio da legalidade

administrativa toda a grandeza do Direito em sua mais vasta expressão, não se

limitando à lei formal, mas à inteireza do arcabouço jurídico vigente no Estado. Por

isso este não se bastou como Estado de lei, ou Estado de Legalidade. Fez-se Estado

de Direito, num alcance muito maior do que num primeiro momento se vislumbrava

no conteúdo do princípio da legalidade, donde a maior justeza de sua nomeação

como ‘princípio da juridicidade’.154

A legalidade de que trata o art.2° da Lei n°9.784/99, portanto, não fica adstrita ao

aspecto formal, espraiando-se para um conteúdo substancial e que deve nortear a atuação da

Administração Pública na consecução do bem comum.

4.3.2 Finalidade

Segundo princípio positivado pela Lei n°9.784/99, o princípio da finalidade está, em

certa medida, encartado no princípio da legalidade, vez que, conforme leciona Celso Antônio

Bandeira de Mello, “não se compreende uma lei, não se entende uma norma, sem entender

qual o seu objetivo.”155

Pelo princípio da finalidade, busca a Administração Pública alcançar o interesse

público e o resultado específico que cada ato deve produzir. Vale dizer, portanto, que esse

princípio, mais do que preservar o processo administrativo, busca obstar a ocorrência de

desvio de poder que porventura poderia ser praticado pela Administração ou pelo agente

público na condução do processo administrativo.

153 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1.798. 154 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994,

p.79. 155 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.78.

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4.3.3 Motivação

Uma vez que o Estado Brasileiro qualifica-se como um Estado Democrático de

Direito, aqueles investidos da tarefa de dizer o direito estão obrigados a motivar, ou seja, a

exteriorizar de modo fundamentado suas razões de decidir. Ao observar esse princípio, poderá

o administrado exercer adequadamente seu direito de defesa, ficando a Administração Pública

salvaguardada de eventual questionamento, eis que transparente em seu proceder, limitando-

se eventual questionamento a outros pontos. Ademais, por meio da motivação realiza-se o

controle de legalidade, ou de juridicidade, do ato. Juarez Freitas, nesse ponto, afirma que a

motivação permitirá o exercício do controle de licitude, em sentido mais amplo, de forma a

confrontar o ato com toda a gama de princípios que se deve observar, permitindo que se

detecte o “demérito” do ato, quando este não se conformar com a ordem jurídica.156

O princípio da motivação, mais do que um princípio do processo administrativo, é um

desdobramento do ideal republicano, devendo ser observado em todos os momentos nos quais

alguma atitude decisória deve ser tomada.

4.3.4 Razoabilidade

O princípio da razoabilidade tem cabimento na hipótese em que existe

discricionariedade da Administração na eleição do comportamento cabível diante do caso

concreto, de modo que ela não pode agir desarrazoadamente, ou seja, de modo ilógico e

incongruente, conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello.157

Conquanto de conteúdo fluido e indeterminado, a razoabilidade está, em certa medida,

relacionada ao princípio da finalidade, vez que a exegese acerca da finalidade da norma não

pode conduzir a conclusões irracionais, e também ao princípio da legalidade, vez que,

havendo discricionariedade, deverá a Administração eleger a norma que melhor decidirá o

caso concreto.

4.3.5 Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, positivado no art.2° da Lei n°9.784/99, está

umbilicalmente relacionado ao princípio da razoabilidade, significando que a atuação da

156 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração. São Paulo:

Malheiros, 2007, p.32. 157 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.79.

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Administração Pública esteja assentada no equilíbrio, ou seja, na ponderação entre os fatos e

as finalidades. Busca-se, desta forma, evitar o excesso desnecessário no atendimento da lei e

que poderia tornar inválido o ato.

Assim como ocorre com a razoabilidade, seu conteúdo é fluido, o que, em certa

medida, dificulta sua conceituação. Todavia, foi feliz a Lei n°9.784/99, que apresenta a

melhor definição da proporcionalidade, em seu art.4°, VI, como a “adequação entre meios e

fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas

estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

Pela proporcionalidade, portanto, busca-se preservar a validade da conduta da

Administração mediante o equilíbrio entre o pretendido e os meios adotados para se chegar a

tal medida. Também se busca guardar a correlação proporcional de peso entre a sanção

aplicada e a infração cometida.

4.3.6 Moralidade

Assim como ocorre com a legalidade, o ato administrativo deve revestir-se de

moralidade, assim entendida como aquele tipo de comportamento pautado pela boa-fé, pela

ética e pelo decoro.

Interessante destacar que a moralidade não deve se confundir com a legalidade, eis que

atos poderão existir pautados pela legalidade, porém imorais, conforme destaca Odete

Medauar:

Em geral, a percepção da imoralidade administrativa ocorre no enfoque contextual;

ou melhor, ao se considerar o contexto em que a decisão foi ou será tomada. A

decisão, de regra, destoa do contexto, e do conjunto de regras de conduta extraídas

da disciplina geral norteadora da Administração. Exemplo: em momento de crise

financeira, numa época de redução de mordomias, num período de agravamento de

problemas sociais, configura imoralidade efetuar gastos com aquisição de

automóveis de luxo para ‘servir’ autoridades, mesmo que tal aquisição revista-se de

legalidade.158

Para Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara, a moralidade exige uma série de

comportamentos da Administração, cabendo destaque à proibição do abuso do poder e à

vedação do venire contra factum proprium, além da proibição de omissão, a vedação ao

158 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2003, p.139-140.

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apego exagerado e o respeito ao tempo, o que parece bem se amoldar ao princípio da

moralidade, notadamente quando aplicada ao processo administrativo.159

4.3.7 Ampla defesa

A Constituição Federal de 1988, em seu art.5°, LV, garante aos litigantes em processo

administrativo o contraditório e a ampla defesa, inclusive preservando os meios e recursos

necessários à sua realização. Na Lei n°9.784/99, a ampla defesa é um princípio positivado em

seu art.2°. Sua observância é obrigatória para todos os níveis e esferas do Poder.

Ampla defesa implica permitir às partes deduzir alegações que sustentem sua

pretensão, com a consequente possibilidade de produzir prova dessas alegações, interpondo

recursos contra as decisões. Assim, pela ampla defesa, à parte é garantida a produção das

provas que visam sustentar suas alegações.

Mas não é somente nesse ponto que a ampla defesa encerra sua abrangência. Ainda

por esse princípio, à parte deve ser assegurada a defesa técnica ou a autodefesa, bem como o

acesso ao duplo grau, sendo ainda vedada a ocorrência da autoincriminação, conforme leciona

Nelson Nery Junior.160

Para Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz, o princípio da ampla defesa e o princípio do

contraditório – que será abordado em tópico próprio –, constituem a vertente formal do

princípio do devido processo legal.161

No âmbito do processo administrativo, a ampla defesa vem a ser uma limitação ao

poder da Administração Pública projetar-se sobre a liberdade e o patrimônio do particular de

forma unilateral, sem dar-lhe oportunidade de reagir e provar suas alegações. Trata-se,

portanto, de cláusula que obsta a atuação desenfreada da Administração e que busca preservar

a liberdade e o patrimônio do administrado.

4.3.8 Contraditório

Assim como a ampla defesa, o contraditório é decorrência do ideal democrático

vigente no Estado Democrático de Direito.

159 NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,

2009, p.54-55. 160 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10.ed.

rev. ampl. e atual. com as novas súmulas do STF (simples e vinculantes) e com análise sobre a relativização da coisa julgada.

São Paulo: RT, 2010, p.248-264. 161 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Coimbra:

Almedina, 2009, p.217-225.

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Significa ele que à parte é assegurado participar do processo, sendo-lhe ainda

assegurado o direito de tomar conhecimento da existência de uma ação ou processo

administrativo em seu desfavor, assim como o direito de ser cientificada dos atos do processo

e de reagir aos mesmos. Não bastasse, pelo contraditório ainda é obstado ao julgador diminuir

ou não observar a marcha processual.

No processo administrativo, o princípio do contraditório vem positivado no art.2° da

Lei n°9.784/99 e, juntamente com a ampla defesa, ganha maiores contornos quando

considerada a possibilidade da reformativo in pejus prevista no art.64, parágrafo único, vez

que, na hipótese de sua ocorrência, ao administrado deverá ser assegurado deduzir pretensão

visando sua não ocorrência, além de produzir as provas necessárias à defesa de seus

interesses.

4.3.9 Segurança jurídica

Por meio do princípio da segurança jurídica busca-se evitar a retroação de nova

interpretação de lei no âmbito da Administração Pública.

Esta ideia está explícita na Lei n°9.784/99, art.2º, parágrafo único, XIII, que assegura a

“interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim

público a que se digne, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”.

Segundo Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara, o princípio da segurança jurídica foi

“incorporado para combater a prática reiterada em alguns órgãos administrativos de mudar a

orientação de determinações normativas que afetassem situações reconhecidas e consolidadas

na égide da orientação anterior, o que gerava insegurança aos administrados.”162

De acordo com Elival da Silva Ramos, a vedação da retroatividade da nova

interpretação visando garantir a segurança jurídica impede a aplicação dos novos padrões

interpretativos “a efeitos jurídicos passados de atos pretéritos, praticados em consonância com

interpretação administrativa assente ao tempo de sua edição e que se revelem viciados à luz da

intelecção superveniente do texto base.”163

O princípio da segurança jurídica busca, portanto, atribuir estabilidade às relações,

obstando a aplicação de nova interpretação à lei, tudo como forma de se preservar o melhor

atendimento do fim público.

162 NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,

2009, p.65. 163 RAMOS, Elival da Silva. A valorização do processo administrativo. O poder regulamentar e a invalidação dos atos

administrativos. In: (Coords.) SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Adrés. As leis de processo administrativo.

São Paulo: Malheiros, 2006, p.91.

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4.3.10 Interesse público

Conquanto a Lei n°9.784/99 faça menção ao interesse público, o princípio deve ser

entendido como a já conhecida supremacia do interesse público, fundamento das

prerrogativas da Administração Pública.

O fundamento para essa supremacia é encontrado na Teoria Geral do Estado,

notadamente nos estudos filosóficos que tratam da abdicação, pelos particulares, de parte de

seus interesses em busca de um interesse geral, que fundamenta a existência do Estado.

A Lei n°9.784/99 trata desse princípio em diversas passagens. Assim, no inciso II, do

parágrafo único de seu art.2°, quando traz o critério de atendimento aos fins de interesse geral

a ser observado nos processos administrativos e o inciso VI, do parágrafo único do mesmo

art.2°, que exige a proporcionalidade entre meios e fins, vedando-se a imposição de

obrigações, restrições ou sanções em medida superior ao necessário ao atendimento do

interesse público, além do §2° do art.51, quando traz a possibilidade de prosseguimento do

processo administrativo mesmo em face da desistência ou renúncia do interessado, caso exista

exigência derivada do interesse público e o art.55, que fixa a impossibilidade de convalidação

de defeitos do ato caso acarretem lesão ao interesse público.

4.3.11 Eficiência

O princípio da eficiência foi inicialmente positivado pela Emenda Constitucional

19/98, que atribuiu uma nova redação ao art.37, caput, da Constituição Federal de 1988.

Referido princípio implicou uma significativa modificação no desempenho da função

administrativa, que passou a privilegiar um modelo gerencial em detrimento de um modelo

burocrático.

Assim, pela eficiência, está a Administração obrigada a sempre buscar os melhores

resultados nas atividades por ela desempenhadas, evitando gastos desnecessários e condutas

protelatórias ou desidiosas, além do gasto excessivo do tempo. Em outros termos, pela

eficiência deve a Administração zelar pela rapidez e precisão em seu proceder.

4.3.12 Publicidade

A Constituição Federal de 1988 cuidou de assegurar, no campo processual, a garantia

da publicidade dos atos e decisões processuais. Assim, em seu art.5°, LX, assegurou que “a lei

só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o

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interesse social o exigirem”, além de garantir no art.93, IX, a publicidade dos julgamentos dos

órgãos do Poder Judiciário.

Fora do âmbito processual, o tema também continua a encontrar previsão na

Constituição Federal de 1988, desta vez em seu art.5°, XXXIII, que reconhece a todos o

direito de receber, dos órgãos públicos, informações do seu interesse particular ou de interesse

coletivo geral, e no art.5°, XXXIV, ‘b’, que regula o direito de obter certidões em repartições

públicas para a defesa de direitos e de esclarecimentos de situações de interesse pessoal.

A publicidade da Lei n°9.784/99, portanto, não poderia ser outra, vez que o processo

administrativo deve, em regra, ser pautado pela publicidade de seus atos e decisões. E é a

própria concepção de democracia que a impõe.

4.3.13 Inquisitivo

Embora não encontre previsão expressa na Lei n°9.784/99, o processo administrativo é

pautado pelo princípio inquisitivo. Isso é facilmente verificado pela observação do art.51, §2°,

que estipula a possibilidade de prosseguimento do processo administrativo mesmo em face da

desistência ou renúncia do interessado, caso exista exigência derivada do interesse público.

Referido princípio, que deriva das noções de legalidade e indisponibilidade do

interesse público, pode ser entendido como aquele por meio do qual a Administração Pública

possui poderes para instaurar e impulsionar o processo. Uma boa intelecção é oferecida por

Humberto Theodoro Júnior, que coteja o princípio inquisitivo com o princípio dispositivo:

Caracteriza-se o princípio inquisitivo pelo reconhecimento da liberdade de inciativa

do juiz, tanto para instaurar a relação processual, como para promover o seu

desenvolvimento. Por todos os meios a seu alcance, o julgador procura descobrir a

verdade real, independentemente da inciativa e da colaboração das partes. Já o

princípio dispositivo deixa a sorte do processo à livre disponibilidade das partes. A

elas, com exclusividade, incumbe toda iniciativa, seja na instauração do processo,

seja no seu impulso, seja na sua instrução. As provas, portanto, só podem ser

produzidas pelas partes e a própria marcha processual depende da manifestação

propulsiva dos litigantes, restando ao juiz uma posição quase de mero espectador.164

No processo administrativo verifica-se, portanto, uma predominância do princípio

inquisitivo. Diz-se uma predominância, pois não existe processo exclusivamente inquisitivo,

assim como não existe processo unicamente dispositivo.165

164 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Princípios gerais de direito processual civil. In: Revista de Processo n°23, ano 6, 1981, São

Paulo: RT, p.180. 165 Nesse sentido, Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes lecionam: “Ao princípio dispositivo costuma-se contrapor

o chamado princípio inquisitório, segundo o qual compete ao Juiz o poder de iniciativa probatória, para a determinação dos

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No processo administrativo, portanto, uma vez predominando o princípio inquisitivo,

incumbe à Administração o dever de instaurar o processo administrativo e zelar por sua boa

marcha, além de determinar a produção das provas necessárias à consecução da verdade

material, sempre visando o bem comum.

4.3.14 Oficialidade

Princípio não positivado, tal como ocorre com o princípio inquisitivo, o princípio da

oficialidade pode ser traduzido como o dever da Administração no desenvolvimento do

processo administrativo. Assim o conceitua Celso Antônio Bandeira de Mello:

(X) Princípio da oficialidade – de acordo com o qual a mobilização do

procedimento administrativo, uma vez desencadeado pela Administração ou por

instigação da parte, é encargo da própria Administração; vale dizer, cabe a ela, e não

a um terceiro, a impulsão de ofício, ou seja, o empenho na condução e

desdobramento da sequência de atos que o compõem até a produção do ato final,

conclusivo.166

O princípio da oficialidade, portanto, impõe à Administração o dever de impulsionar o

processo.167

E outro não poderia ser o entendimento não apenas porque o processo

administrativo envolve interesse público, mas notadamente em virtude da previsão do §2°, do

art.51, da Lei n°9.784/99, que determina o prosseguimento do processo administrativo mesmo

em face da desistência ou renúncia do interessado.

4.3.15 Verdade material

Decorrente do princípio da oficialidade, o princípio da verdade material, também

denominado de verdade real, traduz-se em um direito-dever da Administração no que tange à

instrução do processo administrativo. Vale dizer que, por esse princípio, a Administração

possui o dever de tomar suas decisões com fundamento não na verdade formal, àquela

fatos postos pela parte como fundamento da demanda. Esses princípios não ocorrem de modo exclusivo em nenhum sistema

processual, sendo normal que o legislador de ambos se utilize, dando prevalência ora a um deles, ora a outro.” (SILVA,

Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. São Paulo: RT, 1997, p.47). 166 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.504-505. 167 “O princípio refere-se ao impulso de ofício do processo, cabendo à Administração tomar todas as medidas necessárias ao

trâmite contínuo até a decisão final. Expressa a responsabilidade da Administração pelo andamento regular e contínuo do

procedimento, independente da provação dos sujeitos, principalmente quanto à instrução. O princípio da oficialidade

compreende tanto a impulsão de ofício como a instrução de ofício, que pressupõe a participação do acusado. O princípio não

significa que a Administração tem a possibilidade de levar a cabo a instrução sem o contraditório ou a ampla defesa, mas que

a instrução é competência administrativa a ser exercida nos moldes legais e constitucionais. Oficialidade não se confunde

com unilateralidade das decisões administrativas, expressa tão-somente responsabilidade na condução do processo para que

este alcance o fim constitucional e legal”. (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo

administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.174).

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constante dos autos, mas sim com base na verdade material, ou seja, apoiada nos fatos tal

como ocorreram no mundo fenomênico, e não exclusivamente como traduzidos nos autos,

possuindo a Administração o direito de determinar a produção das provas necessárias para

tanto.

O princípio da verdade material é assim conceituado por Odete Medauar:

Esse princípio, também denominado verdade real, vinculado ao princípio da

oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos

tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida

pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos

os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida

aos aspectos suscitados pelos sujeitos.168

Por esse princípio, verifica-se que o processo administrativo possui peculiaridades que

mitigam, senão até mesmo acabam por afastar, a vinculação da atividade da Administração

Pública no julgamento de processos administrativos à pretensão deduzida nos autos. Os

princípios da verdade material e da oficialidade, assim como o princípio inquisitivo e o

relativo à supremacia do interesse público (para adotarmos a classificação doutrinária), são

verdadeiros embriões da possibilidade da reformativo in pejus, que ganha maiores contornos

quando se está diante de processo administrativo destinado à tutela de Direitos Difusos.

4.3.16 Duplo grau de jurisdição

O duplo grau de jurisdição, no campo do processo administrativo, encontra previsão

no art.56 da Lei n°9.784/99, que em seu caput estipula que “Das decisões administrativas

cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito”. Nesse ponto, verifica-se que toda

decisão proferida em processo administrativo é suscetível de recurso, o que demonstra que o

sistema de processo administrativo adotou o princípio do duplo grau de jurisdição.

De acordo com esse princípio, que busca exaurir, no campo do processo

administrativo, o exercício dos princípios da ampla defesa e do contraditório, é possível

recorrer da decisão visando sua anulação ou reforma.169

Ainda pelo princípio do duplo grau de

jurisdição, a segurança jurídica, no campo do processo administrativo, haverá de ser

168 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2003, p.188. 169 Interessante frisar que por ser guiado pelo princípio da verdade material, novas provas podem ser apresentadas, o mesmo

ocorrendo com a arguição de fundamentos que não constavam da defesa administrativa. Essa circunstância, conforme será

apresentado em tópico oportuno, permite que a reformatio in pejus tenha incidência ainda que o recurso tenha sido interposto

pelo Administrado. E isso ocorre na medida em que, com a apresentação de novas provas e argumentos, poderá restar

demonstrado que a decisão recorrida estava quantitativa e qualitativamente equivocada. Entendimento em sentido contrário,

esvaziaria a sistemática principiológica do processo administrativo, inclusive não se harmonizando, no que tange aos Direitos

Difusos, à categorização dos mesmos enquanto direitos que se qualificam pela solidariedade.

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prestigiada, vez que a possibilidade da decisão administrativa estar correta aumenta após ser

analisada por um órgão hierarquicamente superior.

Rui Portanova, ao analisar o princípio do duplo grau, apresenta sua origem e evolução

histórica, esclarecendo que a garantia surgiu nos sistemas hierarquizados e rígidos de governo

como forma de se manter uma ideologia, posto ser conveniente à ordem política. Coube à

Revolução Francesa consagrá-lo como um mecanismo de aperfeiçoamento da atividade

judicante e de expurgo de decisões proferidas por juízes viciados.170

O fundamento constitucional do duplo grau de jurisdição, administrativo ou judicial, é

bom consignar, não decorre de expressa previsão nesse sentido.

Nelson Nery Junior, em Princípios do processo na Constituição Federal, ao analisar o

princípio do duplo grau de jurisdição, esclarece que o princípio era positivado no art.158 da

Constituição Federal de 1824, em garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição. Entretanto,

deixou o princípio de ser positivado nas subsequentes Constituições, que se limitaram a

mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal, o que permite

concluir, mesmo que implicitamente, pela existência do princípio, porém sem que o mesmo

possa ser considerado uma garantia absoluta, o que inclusive permite ao legislador

infraconstitucional limitar o direito ao recurso.171

Irene Patrícia Nohara, por sua vez, também reconhece que o princípio, inclusive no

campo judicial, não consta expressamente da Constituição Federal de 1988, mas reconhece

que decorre de outras normas constitucionais, especialmente as que consagram os princípios

da legalidade e da eficiência administrativa, além daquelas que tutelam o direito ao devido

processo legal e o direito de petição. Para tanto, fundamenta seu posicionamento em uma

dupla análise do recurso administrativo. Assim, pela ótica da Administração, pelo duplo grau,

poderá a Administração zelar pelo cumprimento da supremacia da lei, fazendo valer a

legalidade, além de permitir a anulação dos atos ilegais e a revogação dos atos

inconvenientes, contribuindo ainda para a consecução de decisões mais corretas e adequadas

aos interesses públicos. Sob a ótica do particular, o duplo grau representa a continuidade do

direito de petição, além de servir como espécie de garantia de defesa contra atos praticados

por autoridades que eventualmente se demonstrem tecnicamente não preparadas ou até

mesmo descompromissadas com o princípio da eficiência administrativa.172

170 PORTANOVA, Ruy. Princípios do processo civil. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.264. 171 PORTANOVA, Ruy. Princípios do processo civil. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.285. 172 NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,

2009, p.363.

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Com efeito, não existe previsão expressa na Constituição Federal de 1988 acerca do

duplo grau de jurisdição, que decorre não apenas da previsão sobre a existência de tribunais,

que possuem competência recursal, mas também de princípios outros, tais como o devido

processo legal e o direito de petição, o que não lhe retira a natureza principiológica, eis que,

como sabido, princípios existem que não demandam sua positivação.

Não bastasse, também é possível sustentar que o duplo grau de jurisdição decorre da

própria irresignação com uma decisão desfavorável, naquilo que Rui Portanova denomina de

princípio da recursividade.173

O duplo grau administrativo, portanto, assegura ao Administrado a possibilidade de

revisão da decisão objurgada. Entretanto, no campo do processo administrativo, o exercício

dessa faculdade não implica na afirmativa de que sua situação não será passível de piora,

conforme será abordado em capítulo próprio.

173 Rui Portanova desdobra o princípio do duplo grau para dizer que o mesmo está ligado ao processo, e não à jurisdição,

esclarecendo que o princípio da recursividade é mais abrangente, posto consagrar toda sorte de inconformismos de decisões

contrárias e não abrangendo a reapreciação da matéria por um órgão hierarquicamente superior. Assim, pela recursividade, a

irresignação decorreria da própria condição humana em não aceitar uma decisão desfavorável, podendo, por ser mais

abrangente, ser a irresignação apreciada pelo próprio prolator da decisão, tal como ocorre com os embargos infringentes do

art.34 da Lei n°6.839/80 e os recursos inominados nos Juizados Especiais, que não são dirigidos a um tribunal.

(PORTANOVA, Ruy. Princípios do processo civil. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.103-106).

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5 A SANÇÃO ADMINISTRATIVA

5.1 Conceito de sanção e conceito de sanção administrativa

O Direito, enquanto regulador da vida em sociedade, prescreve condutas que, na

hipótese de não serem observadas, geram alguma reprimenda. Para tanto, vale-se o Direito de

normas que podem apoiar-se em preceitos morais, sociais ou eminentemente jurídicos.

Exemplo da primeira seria a hipótese da moralidade administrativa prevista no art.37 da

Constituição Federal de 1988. Como exemplo da segunda espécie temos aquelas normas

insculpidas no Capítulo II da Constituição Federal de 1988 e, da terceira conduta a hipótese

regulada no art.86, da Lei n°12.529/11, que instituiu o acordo de leniência.

Por prescrever regras de conduta que devem ser observadas, ou seja, por prescrever

um “dever ser” e não um “ser”, as normas, quaisquer que sejam seu lastro, acabam por

invariavelmente serem violadas.174

Essa violação, ao seu turno, ocorre por meio daquilo que

se convencionou denominar de infração. Desta forma, uma vez violada a norma, ou seja,

porque não observado o “dever ser”, ou, em outras palavras, porque praticada alguma

infração, o ordenamento prescreve uma sanção. A infração, portanto, é pressuposto da sanção.

De uma forma genérica, sanção pode ser entendida como uma reprimenda imposta

àquele cujo comportamento é contrário a uma norma.175

Conquanto seja vista sob seu viés negativo, proibindo uma conduta sancionada, a

sanção também poderá ser vista sob seu viés positivo, naquilo que se convencionou chamar de

sanção premial, que vem a ser a concessão de alguma vantagem àquele que se comportou

conforme a norma.176

174 Nesse sentido, é a assertiva de Norberto Bobbio: “Uma norma prescreve o que deve ser. Mas aquilo que deve ser não

corresponde sempre ao que é. Se a ação real não corresponde à ação prescrita, afirma-se que a norma foi violada. É da

natureza de toda prescrição ser violada, enquanto exprime não o que é, mas o que deve ser.” (BOBBIO, Norberto. Teoria da

norma jurídica. Bauru: Edipro, 2001, p.152.). 175 No sentido exposto, Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli: “Genericamente, o termo sanção traz a ideia de

reprimenda imposta àquele que se comportou de forma contrária ao que estava predisposto por alguma norma, servindo para

compensar ou indenizar as consequências danosas do ato ilícito ou até mesmo desestimular a repetição de tal comportamento

na sociedade.” (ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo

Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim,

2009, p.332.) Para Tércio Sampaio Ferraz Junior, “sanção designa um fato empírico, socialmente desagradável, que pode ser

imputado ao comportamento de um sujeito.” (FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de

pragmática da comunicação normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.69). Para Norberto Bobbio, sanção é a resposta à

violação. (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2001, p.154). 176 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Também reconhecendo não apenas a

existência, mas notadamente a importância das sanções premiais, Diogo de Figueiredo Moreira Neto leciona: “É campo de

aplicação da função disciplinar inerente ao Estado. A disciplina, numa visão mais ampla, não deve ser assegurada apenas por

punições, mas por um sistema misto de penalidades e de recompensas. Infelizmente, os legisladores estatutários brasileiros

não têm percebido a conveniência de, paralelamente às sanções aflitivas, prever um elenco de sanções premiais, sejam

honoríficas, pecuniárias ou de quaisquer outras modalidades, que estimulem a disciplina preferencialmente ao emprego dos

meios punitivos.” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral

e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.322).

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A função da sanção em seu viés negativo é trivalente, vez que servirá tanto como

mecanismo para compelir o agente a não violar a norma (caráter preventivo), assim como

servirá, por meio da reprimenda ao infrator (caráter punitivo ou aflitivo), a educar os demais,

e o próprio infrator, a não transgredirem a norma (caráter educativo).177

Também poderá a

sanção, nesse seu viés negativo, mais do que reprimir, preservar a própria norma de atitudes

que lhe são contrárias, ou seja, funcionar como mecanismo de garantia de respeito à norma.178

No entanto, considerando que o conceito de sanção traz uma ideia de reprimenda, mais do que

preservar a norma ou educar os demais, busca sancionar aquele que a transgrediu, daí porque

deve ser conceituada como reprimenda imposta àquele que transgrediu determinada norma.

Tal como ocorre com seu pressuposto (a infração), a sanção pode revestir-se de

naturezas distintas, ostentando a natureza de sanção administrativa, civil ou penal.179

Essa

distinção da sanção, naquilo que é pertinente às sanções administrativas, pode considerar o

critério da norma violada ou o critério da autoridade sancionadora.180

Conforme o primeiro critério, a norma violada poderá ter natureza civil, penal e

administrativa. Para identificar a norma violada, basta verificar a norma de conduta que

deixou de ser observada.

177 Reconhecendo o caráter trivalente da sanção administrativa, assim é o pronunciamento de João Batista de Almeida: “Tais

sanções ou penalidades são aplicadas e cobradas ou executadas pela própria Administração, em procedimento administrativo

próprio, resguardado o direito de defesa do infrator. Revestem-se, assim, de grande significado na defesa do consumidor, pois

têm a função de educar o fornecedor, inibindo condutas desonestas e abusivas e reprimindo atos fraudulentos.” (ALMEIDA.

João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.210). 178 Nesse sentido, é o ensinamento de Miguel Reale: “As formas de garantia ao cumprimento das regras denominam-se

‘sanções’. Sanção é, pois, todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra.” (REALE, Miguel.

Lições preliminares de direito. 27.ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.72). 179 Reconhecendo a ausência de distinção substancial entre as infrações e sanções administrativas e as infrações e sanções

penais, Celso Antônio Bandeira de Mello: “Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção

que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de

qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparta é única

e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção [...]”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito

administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.847). Em

igual sentido, reconhecendo que a infração administrativa e a infração penal possuem uma mesma característica, Sílvio Luís

Ferreira da Rocha: “Nesse aspecto, a infração administrativa em nada difere do ilícito civil ou penal, porque revela ser, em

última análise, um ato contrário ao prescrito em norma integrante do ordenamento jurídico.” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira

da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.610). 180 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;

MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,

p.332. Reconhecendo unicamente o critério da autoridade sancionadora: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de

direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p.847-

848; VITTA, García Heraldo. Sanções no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p.34; FERREIRA, Daniel.

Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p.59-60. De outro lado, reconhecendo apenas o critério material, ou

seja, da norma violada, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa

a punir atos contrários aos interesses sociais, e aquela aos da atividade administrativa. A distinção está no fundamento da

responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição, pode o

infrator se sujeitar a ambas sem que ocorra bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da Administração Pública e do

Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada; e aquela, não. É o direito positivo, entretanto, que estrema os atos considerados de

ilícito administrativo e penal, dentro de uma zona-limite. Certo, não se confunde o crime, o delito penal, que ofende a

segurança social e individual e viola os direitos da personalidade humana ou do seu patrimônio, com as infrações

administrativas. Mas entre as contravenções criminais e administrativas já o mesmo não acontece.” (MELLO, Oswaldo

Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo: Malheiros, 2007, p.570).

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Esse critério, portanto, tem sua fixação no âmbito do processo legislativo, vez que

incumbe ao Legislativo a função de criar as leis, definindo sua natureza.181

E nesse caso,

poderá uma infração representar simultaneamente uma violação à uma norma civil, penal e

administrativa, bastando, para tanto, que o legislador assim tenha descrito sem que isso, é

bom consignar, configure bis in idem.

No sentido exposto, ensina Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:

Não se confundem a sanção administrativa e a penal. Esta visa a punir atos

contrários aos interesses sociais, e aquela aos da atividade administrativa. A

distinção está no fundamento da responsabilidade, tendo em vista o bem jurídico

ofendido. Dada a diversidade do fundamento jurídico da punição, pode o infrator se

sujeitar a ambas sem que ocorra bis in idem, levadas a efeito por órgãos distintos: da

Administração Pública e do Poder Judiciário. Esta faz coisa julgada; e aquela, não. É

o direito positivo, entretanto, que estrema os atos considerados de ilícito

administrativo e penal, dentro de uma zona-limite. Certo, não se confunde o crime, o

delito penal, que ofende a segurança social e individual e viola os direitos da

personalidade humana ou do seu patrimônio, com as infrações administrativas. Mas

entre as contravenções criminais e administrativas já o mesmo não acontece182

.

O segundo critério de definição da natureza da sanção, ao seu turno, guarda relação

com a autoridade sancionadora, de modo que a distinção das sanções estaria, portanto,

relacionada ao órgão que aplica a sanção.183

Nesse contexto, somente seria sanção

administrativa aquela imposta por alguma autoridade administrativa, daí excluindo as sanções

penais e civis. Nesse sentido, Eduardo Garcia de Enterriá e Tomás-Ramon Fernándes afirmam

que a sanção administrativa difere da sanção penal “por un dado formal, la autoridad que las

impone: aquéllas, la Administración, éstos, los Tribunales Penales.”184

A bem da verdade, é possível constatar que esse segundo critério não traz em si a

natureza da autoridade que aplica a sanção como critério de definição da natureza da

reprimenda imposta. Vale dizer, portanto, que não é a natureza da autoridade sancionadora

181 No sentido exposto, Régis Fernandes de Oliveira leciona que “o Direito Penal contém faltas administrativas previstas

como crime. Outras faltas administrativas que deveriam ou poderiam estar previstas na codificação penal dela não constam.

Mas a previsão do comportamento, num ou em outro texto, é matéria de escolha exclusiva do legislador. Qualquer análise

sobre dever ou não o fato estar previsto aqui ou ali é matéria que refoge à indagação estritamente jurídica. É questão de

preordenação dos interesses subjacentes à prévia decisão legislativa.” (OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções

administrativas. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p.28). 182 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo:

Malheiros, 2007, p.570. Em igual sentido: ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7.ed. rev. e

atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.215-216. 183 De uma forma tranquila, esse parece ser o posicionamento da doutrina administrativista: MELLO, Celso Antônio

Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27.ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo:

Malheiros, 2010, p.847-848; VITTA, García Heraldo. Sanções no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p.34.

OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções administrativas. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p.25-33;

FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p.59-60; MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira

de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo: Malheiros, 2007, p.570. 184 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;

MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,

p.333.

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que define a natureza da sanção. Não fosse assim, ao Judiciário seria defeso aplicar sanções

intituladas administrativas, o que, conforme a praxis, não ocorre. É, portanto, o regime

jurídico ao qual está submetida que define se uma sanção ostenta a natureza de sanção

administrativa, civil ou penal.

No sentido exposto, reconhecendo o regime jurídico como um elemento definidor da

sanção, porém entendendo que a sanção, a depender de sua natureza, somente poderá ser

aplicada por um órgão que possua legitimidade para tanto, confiram-se as lições de Sílvio

Luís Ferreira da Rocha:

Se não há diferenças substanciais entre o ilícito penal e o administrativo é

necessário, no entanto, encontrar um critério que os diferencie. O critério é

puramente formal, porque radicado na sanção atribuída. A natureza administrativa

de uma infração é reconhecida pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se

reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Portanto, a

natureza administrativa de uma infração é reconhecida pela natureza da sanção que

lhe correspondente, e pode-se afirmar que ilícito administrativo é o comportamento

ao qual se atribui uma sanção administrativa, enquanto ilícito penal é a conduta à

qual é atribuída uma sanção penal. Em suma, é o regime jurídico da sanção que

permite separar os ilícitos administrativos dos ilícitos penais. Sob a ótica formal, é

relevante destacar que a sanção administrativa é imposta por autoridade

administrativa, no exercício de função administrativa e após o trâmite de processo

administrativo; a sanção penal, por seu turno, é imposta por autoridade judiciária, no

exercício de função jurisdicional, ao final de processo judicial185

.

Conforme os critérios em estudo, é possível concluir que o critério da norma

sancionadora não se presta se não analisado a uma adequada compreensão do tema e a uma

correta e efetiva tutela dos direitos de quarta dimensão, dentre os quais está o Direito do

Consumidor. Nessa ótica, ousamos discordar do ensinamento em referência unicamente no

que tange à vinculação da sanção administrativa ao processo administrativo. E fazemos isso,

pois, entendemos que uma sanção administrativa pode ser aplicada pelo Judiciário no âmbito

do processo judicial. Admitir-se essa vinculação, ou seja, o critério funcional como

legitimador da conceituação da sanção administrativa restringiria sua ocorrência aos casos em

que a sanção fosse aplicada unicamente pela Administração Pública, suprimindo a

possibilidade de a sanção ser aplicada e/ou confirmada pelo Judiciário, em movimento que

restringe o campo de tutela dos consumidores. A bem da verdade, a sanção administrativa

deve ser entendida como a atuação lato sensu do Estado no propósito de sancionar o agente

transgressor, preservando o respeito à norma e educando os demais sujeitos.

Temos, nesse ponto, por correto e oportuno os ensinamentos de Fábio Medina Osório,

que propõe uma releitura do tema para conjugar a sanção administrativa com o Direito

185 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p.610-611.

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Administrativo em sua vertente disciplinadora do poder punitivo estatal, realocando o tema às

peculiaridades do sistema nacional, que não dispõe de uma jurisdição administrativa nos

moldes vigentes na Europa.186

Para referido autor, a problemática sobre o critério funcional repousa, inicialmente, no

maior reconhecimento do aspecto processual do Direito Administrativo, que o equipararia ao

Direito Processual, restringindo sua atuação à ação dos Poderes Públicos.

Para que o tema seja adequadamente compreendido, leciona Fábio Medina Osório que

a dicotomia entre “sanções administrativas” e “sanções judiciais” é falsa:

Não obstante a presença inevitável de sanções administrativas nas mãos do Poder

Executivo, a posição funcional da Administração Pública, como acusadora ou

promotora do procedimento ou processo punitivo, dotada de poderes sancionatórios,

não é imprescindível à caracterização da sanção administrativa, visto que nada

indica, forçosamente, sua contraposição exclusiva a ‘sanções judiciais’, em termos

conceituais. Trata-se, nesse passo, de um injustificado conceito que deixa de atender

às bases sancionadoras, delimitando toda a idéia de sanção administrativa por um

elemento puramente subjetivo, funcional, relativo à presença da Administração

Pública como órgão sancionador em um dos pólos da relação. Em realidade, a

sanção administrativa há de ser focada à luz de outros critérios e paradigmas, sem

desprezar sua dimensão processual187

.

Nesse contexto, portanto, tem-se que a teorização acerca das sanções administrativas

considera, em sua identificação, a presença do elemento subjetivo, ou seja, a presença da

Administração Pública em um dos polos da relação, o que revelaria a prevalência da

influência da processualística. No entanto, o Direito Administrativo possui uma vertente

material decorrente da expansão das sanções administrativas e da constitucionalização desse

ramo jurídico, que espraia seu campo de atuação para tutelar as mais variadas matérias e das

mais variadas formas, inclusive no plano judicial. Assim, a conceituação da sanção

administrativa deve considerar ambos os aspectos, formal e material, inclusive como forma de

permitir um maior alargamento do campo de incidência dessas normas:

Penso que a sanção administrativa há de ser conceituada a partir do campo de

incidência do Direito Administrativo, formal e material, circunstância que permite

um claro alargamento do campo de incidência dessas sanções, na perspectiva de

tutela dos mais variados bens jurídicos, inclusive no plano judicial, como ocorre em

diversas searas, mais acentuadamente no tratamento legal conferido ao problema da

improbidade administrativa188

.

186 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.80-105. 187 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.87-88. 188 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.88-89.

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E prossegue aduzindo que hipóteses de incidência de sanção administrativa existirão

em que a Administração Pública não ocupe a posição de agente sancionador, mas de vítima de

determinada conduta, o que exige a atuação do Poder Judiciário sem que isso desqualifique a

sanção a ser imposta como uma sanção administrativa:

A Administração Pública pode ser vítima de ataques a bens jurídicos por ela

protegidos ou que digam respeito à sua existência, assumindo posições

diversificadas na perspectiva processual, ora como promotora de acusações, ora

como vítimas de ilícitos, ora nessa dúplice condição simultaneamente. No patamar

de vítima, pode ocorrer que a Administração não disponha da titularidade para

determinado processo punitivo, não obstante tratar-se de interesses seus e da

sociedade que estejam em jogo. Em tal situação, vale frisar que o Estado-

Administrativo ainda recebe a tutela do Direito Administrativo, embora sua

operacionalização possa ocorrer através do Poder Judiciário. [...]

Entendo, portanto, que não se pode descartar a existência de sanções de Direito

Administrativo aplicadas pelo Poder Judiciário, mormente quando a norma invocada

possui em um de seus pólos a figura da Administração Pública, direta, indireta ou

descentralizada, como lesada pela ação de agentes públicos ou particulares,

desafiando o Direito Punitivo189

.

Assim, o critério funcional não se presta à definição da sanção administrativa,

conforme conclusão de Fábio Medina Osório:

Não configura elemento indissociável da sanção administrativa a figura da

autoridade administrativa, visto que podem as autoridades judiciárias, de igual

modo, aplicar essas medidas punitivas, desde que outorgada, por lei, a respectiva

competência repressiva, na tutela de valores protegidos pelo Direito

Administrativo190

.

Exemplo do exposto, portanto, é a apuração das sanções administrativas previstas no

Estatuto da Criança e do Adolescente, que impõe à autoridade judiciária o dever de instrução

e julgamento, por sentença, da imposição ou não da competente sanção administrativa.

A robustecer o quanto exposto, cabe destacar que o sistema normativo brasileiro

reconhece e admite a aplicação de sanções, que terão natureza administrativa, por entidades

de classe. E isso ocorre não apenas porque essas atividades são revestidas de interesse

público, mas também porque se sujeitam a determinadas normas jurídicas e deontológicas de

elevado interesse do Estado, que inclusive permite sustentar o fato de serem uma espécie de

“serviço público”.191

189 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.89-90. 190 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.92-93. 191 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;

MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,

p.334.

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Assim, o que importa para caracterizar uma sanção como administrativa é a

predominância do Direito Administrativo, e não da função administrativa, conforme conclui

Fábio Medida Osório:

Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem

efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente para o futuro, imposto pela

Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por

corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público,

pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o

Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva,

com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e

material do Direito Administrativo.192

Diante desse quadro, a sanção administrativa pode ser definida como qualquer

penalidade aplicada pela Administração Pública, direta ou indireta, como também por outros

órgãos, Poderes, ou entidades, desde que fundamentadas em diplomas jurídicos de

normatividade administrativa.193

5.2 Sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor

As sanções administrativas foram especificamente regulamentadas pelo Código de

Defesa do Consumidor em seu Capítulo VII, precisamente em seus arts.55 a 60. Com exceção

ao parágrafo 2° do art.55194

e aos parágrafos 2° e 3° do art.60195

, objetos de veto presidencial,

bem como ao art.57, cuja redação foi alterada pelas Leis n°8.656/2003 e 8.703/2003, os

demais dispositivos foram mantidos conforme apresentados no projeto de lei que deu origem

ao Código de Defesa do Consumidor.

192 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2005, p.104. 193 ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;

MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,

p.334. 194 Conforme Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli, o texto foi vetado em virtude do sistema federalista: “O

parágrafo 2° do art.55, segundo o qual ‘as normas referidas no parágrafo anterior deverão ser uniformizadas, revistas e

atualizadas a cada dois anos’, foi vetado ao argumento de que a União não disporia, na ordem federal, de competência para

impor aos Estados e Municípios obrigação genérica de legislar, conforme arts.18, 25 e 29 da Constituição Federal.”

(ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;

MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,

p.336). 195 Os parágrafos 2° e 3° do art.60 foram vetados em virtude da ausência de parâmetros legais que pudessem regular a

contrapropaganda, o que poderia dar ensejo a abusos. Não obstante, também foram vetados pois o Ministério de Estado não

possui competência recursal para apreciar, em grau recursal, atos estaduais ou municipais, conforme explica Vitor Morais de

Andrade: “Já o art.60 foi vetado sob o argumento de que a imposição de contrapropaganda, sem que se estabelecesse

parâmetro legal preciso, poderia dar ensejos a sérios abusos, inclusive redundar na paralisação da atividade empresarial,

como se verificava do disposto no §3º do art.60. Por outro lado, seria inadmissível, na ordem federativa, atribuir a Ministério

de Estado competência para apreciar em grau de recursos a legitimidade de atos de autoria estadual ou municipal, tal como

previsto no §2º do art.60”. (ANDRADE, Vitor Morais de. Sanções administrativas no código de defesa do consumidor.

São Paulo: Atlas, 2008, p.71-72).

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Nesse contexto, verifica-se que o art.55 regula a competência para normatização,

controle e fiscalização da atividade produtiva e distribuição de bens e serviços de consumo,

enquanto o art.56 fixa o rol de possíveis sanções administrativas a serem aplicadas aos

infratores, cabendo ao art.57 fixar os critérios de mensuração da multa, ficando a cargo do

art.58 a imposição das penas de apreensão, inutilização, proibição de fabricação, suspensão do

fornecimento, cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso

e incumbindo ao art.59 oferecer parâmetros à cassação de alvarás, à suspensão temporária das

atividades e à intervenção administrativa. Ao art.60, por sua vez, incumbe fazer o mesmo no

que diz respeito à sanção referente à contrapropaganda.

Ainda que a doutrina tenha convergido de forma mais homogênea para classificar as

sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor em pecuniárias, objetivas e

subjetivas196

, entendemos, conforme preconizado por Vitor Morais de Andrade, que as

referidas sanções devem ser classificadas em reais, pessoais e pecuniárias.197

E assim o

fazemos na medida em que o critério proposto aparenta contribuir para uma melhor

compreensão didática do tema. As sanções serão reais quando recaírem sobre o objeto

causador da infração e pessoais quando recaírem sobre o próprio fornecedor; serão, por fim,

pecuniárias as sanções que resultam em multas.198

5.2.1 Sanções reais

A primeira modalidade de sanção (sanção real), diz respeito àquela que recai sobre o

patrimônio ou bem do fornecedor que tenha dado causa ao ilícito. Não é qualquer patrimônio

ou bem do fornecedor que servirá para o propósito de atribuir à sanção a característica de

sanção real. Fosse assim, a sanção pecuniária deixaria de ostentar essa característica, passando

a ser classificada como sanção real.

196 Nesse sentido: DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.

10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.667; MARQUES, Cláudia Lima. BENJAMIN, Antônio Herman;

MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts.1° ao 74: aspectos materiais. São Paulo: RT,

2003, p.756-757; FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p.41; AZEVEDO, Fernando

Costa. Considerações sobre o direito administrativo do consumidor. In: MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno.

Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. v.6. São Paulo: RT, 2011, p.1059-1115. 197 ANDRADE, Vitor Morais de. Sanções administrativas no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008,

p.75-79. 198 Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli, tratando das sanções administrativas do Código de Defesa do

Consumidor, as classificam em sanções reais, pessoais e pecuniárias. Lecionam que as sanções reais dizem respeito única e

exclusivamente à imposição de sanções que gravam o patrimônio ou bem de propriedade do infrator, incidindo sobre o objeto

ou coisa que causou o ilícito. Seguem lecionando que as sanções pessoais atingem a figura do infrator, limitando sua

liberdade de permanecer no mercado ou celebrar novos negócios, enquanto as sanções pecuniárias dizem respeito à multa,

que obriga o infrator a desembolsar determinada quantia em dinheiro em decorrência da prática de alguma conduta violadora

do Código de Defesa do Consumidor. (Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola;

CALDEIRA, Patrícia (Coords.) Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009, p.337-

338).

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Para ser considerada uma sanção real, deve recair sobre o bem, produto ou serviço que

causou o ilícito. Também ostentará esta característica quando recair sobre atividades do

fornecedor relacionadas ao bem, produto ou serviço que causou o ilícito. Nesse ponto, a

sanção real difere da sanção pessoal na medida em que esta, ao limitar a atuação do infrator,

guarda relação com o bem, produto ou serviço que causou o ilícito, enquanto a sanção pessoal

possui espectro mais amplo, de modo que a limitação da atuação do infrator não

necessariamente guardará correlação com o bem, produto ou serviço que causou o ilícito.

Nesse sentido, podem ser consideradas sanções administrativas reais a apreensão e a

inutilização do produto, a cassação do registro do produto junto ao órgão competente e a

proibição de fabricação do produto, além da veiculação de contrapropaganda, conforme o

art.56, II a V e XII, do Código de Defesa do Consumidor.199

5.2.2 Sanções pessoais

Capituladas nos incisos VI a XI do art.56 do Código de Defesa do Consumidor, as

sanções pessoais dizem respeito à suspensão de fornecimento de produtos ou serviços, à

suspensão temporária de atividade, à revogação de concessão ou permissão de uso, à cassação

de licença do estabelecimento ou de atividade e à interdição, total ou parcial, de

estabelecimento, de obra ou de atividade, além da intervenção administrativa.

Conforme anteriormente apresentado, diferem as sanções pessoais das sanções reais na

circunstância de que aquelas não necessariamente guardam relação direta entre o bem,

produto ou serviço que causou o ilícito com sua ocorrência. Não se está propondo, é bom

salientar, que o fornecedor possa sofrer alguma sanção pessoal por evento diverso. O que se

propõe é que não existe uma necessária correlação entre aquilo que causou o ilícito e a sanção

imposta, de modo que o evento que causou o ilícito possa servir como ponto de partida para a

aferição de atividade infracional. Exemplificando: um fornecedor pode sofrer uma sanção real

199 Para Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli são sanções reais aquelas capituladas no art.56, II, III, IV, V, VI

e XII (ANDRADE, Vitor Morais de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes;

MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009,

p.338). Para Zelmo Denari, são infrações objetivas (reais, na nossa classificação), aquelas previstas no art.56, II, III, IV, V e

VI, do Código de Defesa do Consumidor, sendo infrações subjetivas (pessoais, na nossa classificação), aquelas

regulamentadas no art.56, VII, IX, X, XI e XII, do Código de Defesa do Consumidor (DENARI, Zelmo. Código brasileiro

de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.667,

v.I). Para Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, são infrações objetivas as do art.56, II a

VI, sendo subjetivas aquelas do art.56, VII a XII, do Código de Defesa do Consumidor. (MARQUES, Cláudia Lima.

BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts.1° ao 74:

aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p.756-757.) Para Fernando Costa de Azevedo, são infrações objetivas aquelas

previstas no art.56, II a VII do Código de Defesa do Consumidor, consistindo infrações subjetivas aquelas capituladas nos

incisos VIII a XII do Código de Defesa do Consumidor. (AZEVEDO, Fernando da Costa. Considerações sobre o direito

administrativo do consumidor. In: (Orgs.) MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: tutela

das relações de consumo. Coleção doutrinas essenciais v.6. São Paulo: RT, 2011, p.1059- 1115).

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em decorrência de determinado bem que causou o ilícito, podendo o Estado, ao analisar a

infração, impor outra sanção, desta vez de natureza pessoal, quando constatada a insuficiência

da sanção imposta ou quando constatado que o fornecedor tenha incorrido em outras práticas

ilícitas, desde que observado o devido processo legal.200

5.2.3 Sanções pecuniárias

Conquanto seja prevista em único inciso do art.56 do Código de Defesa do

Consumidor, as sanções pecuniárias (multa) são espécie de sanção mais difundida no âmbito

da atuação administrativa estatal. No entanto, sua exigibilidade fica suspensa na pendência de

julgamento de recurso administrativo, conforme determina o art.49, parágrafo único, do

Decreto n°2.181/97.

Sua fixação, conforme o art.57 do Código de Defesa do Consumidor, considera a

gravidade da infração e a vantagem auferida, além da condição econômica do fornecedor,

variando entre duzentas e três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência ou

outro índice que venha a substituí-lo, sendo destinada ao Fundo de que trata a Lei n°7.347/85.

Para medição da gravidade da infração, devem ser observadas as circunstâncias

atenuantes e agravantes dos arts.17, 24, I, 25 e 26 do Decreto n°2.181/97, além dos

antecedentes, conforme art.28 do mesmo Decreto n°2.181/97, que também prevê o critério de

extensão do dano causado aos consumidores para gradação e aplicação da sanção

administrativa.

Assim, quanto maior a extensão do dano, a vantagem auferida com a infração e a

condição econômica do infrator, maior será a multa.

Interessante salientar que a modulação da sanção imposta em virtude da condição

econômica do infrator é causa de controvérsia doutrinária. Nesse ponto, José Cretella Jr.

sustenta a inconstitucionalidade desse critério por ofensa ao princípio constitucional da

igualdade perante a lei.201

Em sentido contrário, João Batista de Almeida:

Entendo inocorrente a inconstitucionalidade. Socorro-me do Código Penal, que

possui disposição similar: na fixação da pena de multa o juiz deve atender,

principalmente, à situação econômica do réu, podendo aumentá-la até o triplo se

considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora

200 A possibilidade de mutação da sanção decorre não apenas dos princípios que regem a atuação administrativa do Estado,

tal como a autotutela, mas também em decorrência do momento de formação da sanção administrativa, que ocorre quando

finalizado o procedimento, ou seja, quando não mais for possível a interposição de qualquer recurso no âmbito do processo

administrativo. 201 CRETELLA JR., José; DOTTI, René Ariel (Coords.); ALVES, Geraldo Magela (Org.). Comentários ao Código do

Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.213.

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aplicada no máximo (CP, art.60, caput, e parágrafo único). Tal como na pena

administrativa de multa, não busca o legislador discriminar pessoas segundo a

fortuna, mas garantir a efetividade da apenação.202

Com efeito, se considerado que a tutela dos direitos de terceira dimensão deve ser

sempre almejada, sem olvidar acerca da superação da dicotomia público-privado, o que

coloca esses direitos em um novo patamar, temos por oportuno o ensinamento de João Batista

de Almeida.

5.3 Regramento do Código de Defesa do Consumidor

Conquanto tenha estabelecido as espécies de sanções administrativas, o Código de

Defesa do Consumidor não cuidou da regulamentação do procedimento de aplicação das

referidas sanções, cabendo a tarefa, inicialmente, ao Decreto n°861/93.

Objeto de incontáveis críticas, notadamente no campo doutrinário e judicial,203

o

Decreto n°861/93 foi revogado pelo Decreto n°2.181/97, cuja finalidade é organizar o Sistema

Nacional de Defesa do Consumidor e estabelecer normas de aplicação de sanções

administrativas, entre outras providências. Nesse sentido, conquanto consista em relevante

evolução quando comparado com o decreto anterior, acabou o Decreto n°2.181/97

inaugurando um novo debate, desta vez em torno da competência dos entes federativos para

apurar e punir infrações ao Código de Defesa do Consumidor.

A Constituição Federal de 1988, em seu art.24, §2°, determina que a competência da

União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

Entretanto, no parágrafo anterior (art.24, §1°), determina a Constituição Federal de 1988 que

a competência da União no âmbito da legislação concorrente limita-se a estabelecer normas

gerais.

Em decorrência destas previsões constitucionais, questiona-se: com a regulamentação

do Código de Defesa do Consumidor pelo Decreto n°2.181/97, estaria suprimida a

202 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.215. 203 A maior resistência enfrentada pelo Decreto n°861/93 talvez tenha sido exteriorizada na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n°996-6, promovida pelo Estado de São Paulo sob os fundamentos de que: a) o decreto usurpava a

competência concorrente dos entes federativos prevista no art.24, V e VIII da Constituição Federal, em caráter exclusivo,

quando autoriza a União, os Estados e o Distrito Federal a legislar sobre “produção e consumo”, bem como sobre

“responsabilidade por danos causados ao consumidor” e b) o presidente da República, violando o princípio da legalidade e

em desacordo com os arts.5°, II e 37, caput, da Constituição Federal, inova a ordem jurídica, criando tipos e sanções

administrativas sem consulta do Poder Legislativo. (DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. v.1. 10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.658).

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competência dos demais entes federativos para legislar sobre o tema, sob pena de não

contribuir para desenvolver e aperfeiçoar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor?204

Acerca dos contornos da competência legislativa concorrente, reconhecendo que

propicia a consecução de esforços com vistas a atingir um benefício comum pretendido pela

Constituição, entende Fernanda Dias Menezes de Almeida:

Além de partilhas entre os diversos entes federativos certas competências exclusivas,

que cada um exerce sem participação dos demais, o constituinte demarcou uma área

de competências exercitáveis conjuntamente, em parceria, pelos integrantes da

Federação, segundo regras preestabelecidas. Trata-se da competência concorrente,

assim tradicionalmente denominada porque, relativamente a uma só matéria,

concorre a competência de mais de um ente político. O que o constituinte deseja é

exatamente que os Poderes Públicos em geral cooperem na execução das tarefas e

objetivos enunciados205

.

No mesmo sentido, reconhecendo que a competência concorrente não supre a

competência dos demais entes da Federação, além de consistir em relevante mecanismo de

regulamentação dos temas que lhe são inerentes, é o ensinamento de José Afonso da Silva:

Não é, porém, porque não consta na competência comum que Estados e Distrito

Federal não podem legislar suplementarmente sobre esses assuntos. Podem e é de

sua competência fazê-lo, pois que nos termos do §2° do art.24, a competência da

União para legislar sobre normas gerais não exclui (na verdade até pressupõe) a

competência suplementar dos Estados (e também do Distrito Federal, embora não se

diga aí), e isso abrange não apenas às normas gerais referidas no §1° desse mesmo

artigo no tocante à matéria neste relacionada, mas também às normas gerais

indicadas em outros dispositivos constitucionais, porque justamente a característica

da legislação principiológica (normas gerais, diretrizes, bases), na repartição de

competências federativas, consiste em sua correlação com competência suplementar

(complementar e supletiva) dos Estados.

Tanto isso é uma técnica de repartição de competência federativa que os §§ 3° e 4°

complementam sua normatividade, estabelecendo, em primeiro lugar, que,

inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência

legislativa plena, para atender as suas peculiaridades, e, em segundo lugar, que a

superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual,

no que lhe for contrária. Note-se bem, o constituinte foi técnico: a lei federal

superveniente não revoga a lei estadual nem a derroga no aspecto contraditório, esta

apenas perde sua aplicabilidade, porque fica com sua eficácia suspensa. Quer dizer,

também, sendo revogada a lei federal pura e simplesmente, a lei estadual recobra sua

eficácia e passa outra vez a incidir206

.

204 Vitor Morais de Andrade e Renan Bueno Ferraciolli assim contextualizam a problemática: “No entanto, apesar do

referido Decreto, da mesma forma que seu antecessor, estabelecer normas para aplicação das sanções administrativas

previstas na Lei n°8.078/90, muitos Estados e Municípios aplicam normas diversas para imposição das referidas sanções,

sejam leis ou decretos estaduais e municipais, além de portarias ou atos normativos emitidos pelo próprio órgão responsável

para imposição das sanções. [...] Diante da constatação da multiplicidade de sistematização dos processos e procedimentos

para imposição de sanções administrativas com base no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, questionamos se tal

fato deve ser entendido como uma situação sadia para aplicação pontual (regional) das sanções administrativas com

fundamento no CDC ou mesmo se tal situação é irrazoável, prejudicial ao desenvolvimento e fortalecimento do Sistema

Nacional de Defesa do Consumidor.” (ENTERRIÁ, Eduardo Garcia; FERNÁNDES, Tomás-Ramon apud ANDRADE, Vitor

Moraes de; FERRACIOLLI, Renan Bueno. Sanções administrativas. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola;

CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009, p.340-341) 205 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p.139-148. 206 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.504.

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A circunstância da Constituição Federal de 1988 estipular que à União compete

legislar sobre normas gerais, diversamente do quanto possa parecer em um primeiro

momento, não exclui a competência dos demais entes da federação e não é prejudicial à

efetiva tutela dos consumidores. Não tivéssemos a perspicácia de regulamentar o Código de

Defesa do Consumidor, a sistemática constitucional da competência legislativa concorrente

supriria essa deficiência, de maneira que não há prejuízo ao tema, além da permissão para

maior difusão da tutela do consumidor e da aplicação das sanções administrativas.207

207 Nesse sentido: DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.

v.1.10.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.662-663; ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do

consumidor. 7.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.321-322.

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6 A REFORMATIO IN PEJUS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR

6.1 Origem e campo de atuação da reformatio in pejus

Com possível ocorrência no julgamento de qualquer recurso, porém com ênfase no

recurso de apelação, a reformatio in pejus nada mais vem a ser do que a possibilidade do

órgão recursal proferir decisão mais desfavorável ao recorrente do que a decisão objeto do

recurso.

No direito brasileiro, a reformatio in pejus percorreu caminhos sinuosos e nem sempre

no mesmo rumo.

Conforme apresentado por Araken de Assis,208

inicialmente o tema foi tratado pelas

Ordenações Filipinas, que em seu Livro 3, Título 72, parte inicial, atribuía efeito devolutivo

irrestrito ao recurso de apelação, privilegiando o princípio do benefício comum, que nada

mais vinha a ser do que a possibilidade do apelo aproveitar tanto ao apelante quanto ao

apelado.209

Posteriormente, e ainda em privilégio ao princípio do benefício comum, o tema foi

regulado pelo art.1.581, do Decreto n°2.827, de 15 de março de 1879, também chamado de

Consolidação de Ribas,210

posteriormente regulado pelo art.692, do Decreto n°692,

denominado de Consolidação das Leis da Justiça Federal.211

Atualmente, apenas o Código de Processo Penal, em seu art.617, e a Lei nº9.784/99,

em seu art.64, trataram de regular o tema. O primeiro diploma veda sua ocorrência no

processo penal. Já a Lei nº9.764/99 expressamente permite a ocorrência da reformatio in

pejus no processo administrativo. No campo do processo civil, o tema atualmente, seja para

ocorrência ou vedação, não encontra previsão expressa, decorrendo da norma extraída do

art.515, caput, do Código de Processo Civil.

208 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015, p.117-120. 209 O texto estava assim transcrito: “Que quando os Juízes da alçada acharem que o appellado he agravado, o desagravem,

posto que não appelle”. Disponível em: https://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l3ind.htm. Acesso em: 23 mar.2015. 210 O texto possuía a seguinte redação: “Art.1581. Se se conhecer que a sentença appellada fez agravo ao appellado, e não ao

appellante, a emendarão em favor daquele; salvo se o appellante se houver descido da appellação, renunciando a ella e

oferecendo-se a pagar todas as custas; porque então não se conhecerá mais da appellação”. Disponível em:

https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/220533. Acesso em: 23 mar.2015. 211 O texto apresentava a seguinte redação: “Art.692. O recurso de appellação e comum a ambas as partes, e por elle o

Supremos Tribunal Federal tanto póde prover ao appellante como ao appellado, salvo si este aquiesceu a sentença”.

Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3084-5-novembro-1898-509270-norma-

pe.html. Acesso em: 23 mar.2015.

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6.2 A reformatio in pejus no processo penal

O Código de Processo Penal, Decreto-Lei n°3.689, de 3 de outubro de 1941, em seu

art.617, trata do tema nos seguintes termos:

Art.617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos

arts.383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena,

quando somente o réu houver apelado da sentença.

O texto em referência cuidou de abordar a questão em sua vertente negativa, vedando

a reformatio in pejus na apelação criminal, favorecendo, desta forma, o réu. Assim, se

somente este, o réu, houver apelado da sentença, vedado estará o agravamento, pelo órgão

julgador, da pena imposta.212

Se, todavia, a parte que acusa também tiver apelado da sentença

visando agravar a pena, o órgão recursal, se acaso provido esse recurso, poderá agravar a pena

imposta.

Em que pese a clareza do texto normativo em referência, a doutrina não é unânime

quanto ao fundamento que justifica a vedação à reformatio in pejus no processo penal.

Para Guilherme de Souza Nucci, a vedação à reformatio in pejus tem por fundamento

preservar a voluntariedade dos recursos, servindo como garantia de que a situação do réu não

irá piorar com seu recurso:

Admitir o princípio da reforma em prejuízo da parte, retiraria a voluntariedade dos

recursos, provocando no espírito do recorrente enorme dúvida, quanto à

possibilidade de apresentar recurso ou não, visto que não teria garantia de que a

situação não ficaria ainda pior. Seria maniatar a livre disposição da parte na

avaliação de uma decisão213

.

Por sua vez, Eugênio Pacelli de Oliveira reconhece que a vedação à reformatio in

pejus tem como fundamento primário a ampla defesa, figurando a preservação da

voluntariedade recursal como fundamento secundário do princípio:

Há várias maneiras de se pretender justificar a adoção do princípio. A nosso juízo,

todas elas podem ser resumidas em uma única: a vedação da reformatio in pejus

outra coisa não seria que uma das manifestações da ampla defesa. Com efeito, a

212 Reconhecendo que a vedação à reformatio in pejus tem aplicação em todas as modalidades recursais no âmbito do

processo penal, confira-se a assertiva de Paulo Rangel: “A lei refere-se apenas ao recurso de apelação, porém não temos

dúvida em afirmar que, tratando-se de recurso em sentido estrito (ou qualquer outro recurso), também não poderá ser

agravada a situação do réu”. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.960). Em igual

sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira: “O que vem expresso no art.617 do CPP, relativamente ao recurso de apelação, é

também aplicável a todas as modalidades de impugnações recursais, constituindo o relevante princípio da proibição da

reformatio in pejus”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18.ed. rev., ampl. e atual. de acordo com

as Leis nº12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.943). 213 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014,

p.1024-1025.

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garantia do duplo grau, como conteúdo da ampla defesa, deve abranger também a

garantia à vedação da reformatio in pejus. O risco inerente a todas as decisões

judiciais poderia ter efeitos extremamente graves em relação ao acusado, no ponto

em que atuaria como fator de inibição do exercício do direito ao questionamento dos

julgados. Aquele que vislumbrasse a possibilidade de piora de sua situação, pela

apreciação do recurso por ele interposto, certamente a tanto não se animaria,

tendendo a se conformar com a sentença condenatória, mesmo quando inocente. Há,

pois, manifesto interesse público na afirmação do princípio, contido implicitamente

na norma constitucional assecuratória da ampla defesa e inserido no contexto das

garantias individuais previstas na Constituição da República214

.

De outro lado, e ainda como forma de demonstrar a ausência de uniformidade da

doutrina acerca do fundamento da vedação à reformatio in pejus, Pedro Henrique Demercian

e Jorge Assaf Maluly lecionam que o princípio em estudo decorre do princípio do tantum

devolutum quantum appelatum e do princípio da personalidade recursal, cujo conteúdo versa

sobre a possibilidade do recurso beneficiar somente a parte que o interpôs, não aproveitando o

litigante que não tenha recorrido:

Diz o princípio em estudo que a parte não pode ter sua situação prejudicada por

recurso que ela própria não haja interposto. Por conseguinte, o Tribunal somente

pode conhecer da matéria que foi questionada pelo recorrente. Com base nesse

princípio, é pacífico que o réu não pode ter sua situação agravada por recurso por ele

interposto215

.

Reconhecendo que a vedação à reformatio in pejus tem como fundamento a

personalidade dos recursos, Luís Fernando de Moraes Manzano leciona que “pelo recurso da

defesa, sem que o Ministério Público haja recorrido, o recorrente não pode ter sua situação

agravada. Não se admite a reformatio in pejus”.216

Conquanto sejam diversos os fundamentos apontados pela doutrina para justificar o

fundamento da vedação à reformatio in pejus, todos relacionados à teoria geral dos recursos, é

possível apresentar outro fundamento, relacionado à teoria dos direitos fundamentais.

Umbilicalmente vinculados à formação dos Estados, os direitos fundamentais

passaram, e ainda passam, por ondas evolutivas, em movimento que se convencionou

denominar de dimensões (ou gerações) dos direitos.

214 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18.ed. rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis nº12.830,

12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.943-944. 215 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014,

p.626-628. 216 MANZANO, Luís Fernando de Moraes. Curso de processo penal. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.731. Conquanto

também reconheça que o princípio decorra da personalidade dos recursos, o que poderia passar a impressão de que haveria

identidade com o posicionamento de Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, entende Luís Fernando de Moraes

Manzano que a personalidade recursal não se restringe ao aproveitamento do recurso unicamente ao recorrente que o

interpôs, indo além para dizer que a personalidade dos recursos obsta o agravamento da situação do recorrente caso ausente

recurso da parte contrária.

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Dentre essas dimensões, cabe destaque, a uma boa compreensão da vedação à

reformatio in pejus no processo penal, à denominada primeira dimensão dos direitos

fundamentais.

Caracterizada não apenas pela abstenção do Estado em privilégio à liberdade

individual, mas principalmente por uma menos vibrante atividade judicial, a primeira

dimensão dos direitos serve como um mecanismo de garantia da liberdade e da integridade

física do indivíduo à ingerência do Estado.

Nos dizeres de Paulo Bonavides:

Os direitos da primeira dimensão ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo,

são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e

ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos

de resistência ou de oposição perante o Estado217

.

Para preservar os direitos de primeira dimensão, o Estado edita textos normativos que

limitam sua atuação e que buscam preservar a liberdade e a integridade física dos indivíduos.

Dentre esses textos, cabe destaque àqueles de natureza penal, que, apesar de limitar a

liberdade do indivíduo (Direito Penal), assim não a faz senão antes de observado o devido

processo legal (Direito Processual Penal).

Nesse contexto, não poderia ser outra a disposição do Código de Processo Penal ao

prescrever, em seu art.617, a vedação à reformatio in pejus.218

Questão interessante e intrigante surgida no momento versa sobre a possibilidade da

reformatio in pejus indireta, que tem lugar nas hipóteses de anulação da sentença por recurso

exclusivo do réu.

Nesse caso, a nova decisão, mesmo proferida por outro juiz, não poderá fixar a pena

em um patamar superior ao fixado na decisão anulada.219

Conquanto esteja em harmonia à teoria dos direitos fundamentais, a vedação à

reformatio in pejus indireta não deixa de causar estranheza. E isso ocorre na medida em que,

217 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 29.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p.578. 218 Interessante salientar que a possibilidade da reformatio in pejus no processo penal também não tem cabimento na hipótese

de nulidade absoluta. Assim, ainda que haja nulidade absoluta, sem recurso da acusação e havendo unicamente recurso do

réu, não se admite o reconhecimento da nulidade. A respeito, confira-se o verbete 160 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal: “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os

casos de recurso de ofício”. 219 Nesse sentido, esclarece Guilherme de Souza Nucci: “Reformatio in pejus indireta: trata-se de anulação da sentença, por

recurso exclusivo do réu, vindo outra a ser proferida, devendo respeitar os limites da primeira, sem poder agravar a situação

do acusado. Assim, caso o réu seja condenado a 5 anos de reclusão, mas obtenha a defesa a anulação dessa decisão, quando o

magistrado – ainda que seja outro – venha a proferir outra sentença, está adstrito a uma condenação máxima de 5 anos. Se

pudesse elevar a pena, ao proferir nova decisão, estaria havendo uma autêntica reforma em prejuízo da parte que recorreu.

Em tese, seria melhor ter mantido a sentença, ainda que padecendo de nulidade, pois a pena seria menor. Parece-nos justa,

portanto, essa posição, que é dominante na jurisprudência atual.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal

comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.1024-1025).

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uma vez anulada a decisão, tem-se que a mesma jamais existiu. E se essa decisão é nula, nulo

também será o patamar da condenação, de modo que não haveria que se falar em vinculação

do juiz ao patamar da pena fixado na sentença anulada. Não é possível vincular uma conduta

futura a algo que não existiu.220

Outro ponto também intrigante e interessante versa sobre a reformatio in mellius,

também conhecida como reformatio in pejus para a acusação, que nada mais vem a ser do que

a possibilidade de melhora da situação do réu quando existir apenas recurso da acusação

objetivando agravar a punição.

Nesse caso, à vista da teoria dos direitos fundamentais e da alocação das normas

penais como direitos de primeira dimensão, a resposta afigura-se positiva.221

Outra interessante justificativa para a possibilidade da reformatio in mellius é

apresentada por Fernando da Costa Tourinho Filho, que, após estudar o tema, admite, à vista

do papel desempenhado pelo Ministério Público nas instituições públicas, a possibilidade da

ocorrência da reformatio in mellius.222

Desta forma, em decorrência da teoria dos direitos fundamentais e do papel

desempenhado pelo Ministério Público nas instituições públicas, ou seja, em decorrência de

sua função de fiscal da lei, haveria a possibilidade da reformatio in mellius.

À vista dos apontamentos em referência, é possível constatar que a reformatio in pejus

no âmbito do processo penal, apesar de encontrar expressa disposição acerca de sua vedação,

220 Entendendo pela possibilidade do juiz proferir nova sentença em patamar superior àquele fixado na sentença anulada,

Paulo Rangel aponta quatro justificativas para tanto. A primeira delas diz respeito à ausência de texto expresso proibindo o

juiz de proferir uma sentença em patamar superior àquele fixado na sentença anulada. O que o art.617 do Código de Processo

Penal proíbe é a reforma para pior por parte do Tribunal e não por parte do juízo a quo. A segunda justificativa versa sobre a

impossibilidade de se atribuir validade a algo que não mais existe, revelando verdadeiro contrassenso jurídico dar validade a

uma decisão que foi anulada. A terceira justificativa diz respeito à impossibilidade de se atribuir força vinculatória da decisão

anulada, versando a quarta justificativa sobre a voluntariedade recursal. Assim, se o réu recorre, carrega consigo o ônus de

seu recurso. E se o recurso anula a sentença, deve o réu suportar eventual nova condenação, ainda que maléfica, eis que, com

seu recurso objetivando anular a sentença anterior, estaria ciente dessa possibilidade. (RANGEL, Paulo. Direito processo

penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.963). Em sentido contrário, reconhecendo a vedação à reformatio in pejus indireta, é

o entendimento de Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal

comentado nº15. v.2. ed. rev. e de acordo com a Lei nº12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.446-448) e de Guilherme de

Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro:

Forense, 2014, p.1025-1026). 221 O posicionamento doutrinário majoritário entende pela possibilidade da reformatio in mellius, conforme se verificam dos

ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal

comentado nº15. v.2. ed. rev. e de acordo com a Lei nº12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.448-451) e Damásio de

Jesus (JESUS, Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 26. ed. de acordo com as Leis 12.830/2013 e

12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.553). Em sentido contrário, é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, para

quem o Tribunal não pode melhorar a situação do réu se este não recorreu da sentença. (NUCCI, Guilherme de Souza.

Código de processo penal comentado. 13.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.1.025). 222 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado nº15. v.2. ed. rev. e de acordo com a Lei

nº12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014, p.449-450. Em igual sentido, Paulo Rangel, reconhecendo que ao Ministério

Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,

assevera que o Ministério Público deve atuar pleiteando a liberdade do réu. (RANGEL, Paulo. Direito processual penal.

22.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.968).

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decorre dos fundamentos da teoria geral dos recursos e especialmente da teoria dos direitos

fundamentais, o que, em certa medida, não ocorre no campo do processo civil.

6.3 A reformatio in pejus no processo civil

Conquanto na seara do processo penal exista previsão expressa vedando sua

ocorrência, no âmbito do processo civil a reformatio in pejus ganha outros contornos.

A reformatio in pejus no processo civil encontrou previsão inicial no Título 72, Livro

3, das Ordenações Filipinas, também prevista no art.1.581, do Decreto n°2.827, de 15 de

março de 1879, chamado de Consolidação de Ribas e, finalmente, no art.692 da Consolidação

das Leis da Justiça Federal.

Nestes diplomas, a reformatio in pejus encontrava previsão posto vigorar a ideia de

que a apelação era comum.223

Ser comum a apelação, importava, conforme esclarece Pontes

de Miranda, em “entender-se que o apelado também apelara e, em consequência, poder-se

empiorar a situação do apelante vencido em parte, ainda que esse vencido em parte não

tivesse interposto o recurso de apelação”.224

No Código de Processo Civil de 1939, a doutrina majoritária, entendendo pela

abolição do princípio do benefício comum, asseverava pela abolição da reformatio in pejus.225

Atualmente, na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, uma vez ausente

expressa previsão afastando a reformatio in pejus, a doutrina entende estar afastada em

virtude do efeito devolutivo da apelação.

Nesse sentido, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Também denominado de princípio do efeito devolutivo, a proibição da reforma para

pior tem como fundamento o princípio dispositivo: não pode o tribunal piorar a

situação processual do único recorrente, retirando-lhe vantagem dada pela sentença,

sem que para tanto haja pedido expresso da parte contrária226

.

Assim, à vista da ausência de expressa previsão nesse sentido, a vedação à reformatio

in pejus é entendida como um princípio implícito que deriva do quanto disposto no caput do

art.515 do Código de Processo Civil, que estabelece que “a apelação devolverá ao tribunal o

conhecimento da matéria impugnada”.

Em outros termos, conforme leciona Cassio

223 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p.143-144. 224 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. v.V. Rio de Janeiro: Forense,

1949, p.99. 225 MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p.144. 226 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 14.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1055.

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Scarpinella Bueno, “o princípio que veda a reformatio in pejus é implícito no ordenamento

jurídico nacional, derivando do próprio papel que é exercido pelo ‘efeito devolutivo’”. 227

Desta forma, o posicionamento doutrinário majoritário, refletido nos excertos acima,

funda-se basicamente no princípio dispositivo para reconhecer a vedação à reformatio in

pejus no processo civil.228

Ocorre que essa suposta vedação não é uma máxima no campo do processo civil.

Conquanto tenha como fundamento o princípio dispositivo, que vincula a atuação

jurisdicional à pretensão recursal, a vedação à reformatio in pejus no processo civil cede lugar

na hipótese em que presentes questões de ordem pública, contra as quais não se opera a

preclusão, e as matérias tratadas nos arts.267, IV a VI e 301, todos do Código de Processo

Civil. O permissivo para tanto, cabe destacar, é encontrado nos arts.515, §§1º a 3º e 516,

todos do Código de Processo Civil.

Interessante frisar que não é em virtude do efeito devolutivo do recurso, que decorre

do princípio dispositivo e que demanda a inciativa da parte na devolução do tema ao órgão

recursal, que a reformatio in pejus poderá ocorrer no processo civil. Sua ocorrência no campo

do processo civil decorre, ainda, do efeito translativo da apelação.229

No sentido exposto, são os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno:

O que pode ocorrer sem violação ao princípio aqui discutido e com observância ao

sistema processual civil é que, nos casos em que incide o ‘efeito translativo’ do

recurso, manifestação do mais amplo ‘princípio inquisitório’, o órgão ad quem

profira decisão mais gravosa ao recorrente e a despeito da ausência de recurso do

recorrido quando a hipótese admitir a sua atuação oficiosa. Assim, por exemplo, não

há reformatio in pejus no sentido repudiado pelo sistema processual civil brasileiro,

na hipótese de o órgão ad quem anular sentença por reputar uma das partes

ilegítimas, a despeito de somente o autor ter se voltado da sentença que acolhera

integralmente o seu pedido mas fixara ínfimos honorários advocatícios. A atuação

do Tribunal é correta por força do que lhe autoriza o §3° do art. 267230

.

227 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos

tribunais, sucedâneos recursais – técnicas de controle das decisões jurisdicionais. v.5. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2014, p.66. 228 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.184-191; MOREIRA, José

Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 29.ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Forense, 2012, p.123; PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3.ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros,

2004, p.92-93; MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p.147-

178. Em sentido contrário, reconhecendo que em certos casos é possível a possibilidade da reformatio in pejus à vista do

princípio inquisitório e da existência de matérias cognoscíveis de ofício pelo órgão julgador: ASSIS, Araken de. Manual dos

recursos. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2015, p.117-121. 229 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 14 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: RT, 2014, p.1007; 1055. Em sentido diverso, Humberto Theodoro Júnior

entende que as questões de ordem pública somente podem ser conhecidas pelo órgão julgador do recurso se consistirem em

antecedente lógico do tema vertido nas razões de apelação. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito

Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.594). 230 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos

tribunais, sucedâneos recursais – técnicas de controle das decisões jurisdicionais. v.5. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2014, p.67.

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98

É, portanto, sob esse prisma, ou seja, em decorrência do efeito translativo, que devolve

ao órgão julgador matérias cognoscíveis de oficio, que a reformatio in pejus poderá ocorrer no

processo civil. Em outros termos, em decorrência do tantum devolutum quantum appellatum,

ou seja, em virtude do efeito devolutivo da apelação, que somente leva ao conhecimento do

órgão recursal a matéria impugnada no recurso, não há que se falar na possibilidade da

ocorrência da reformatio in pejus no processo civil. É em decorrência do efeito translativo da

apelação, que impõe ao órgão recursal o dever de julgar, de ofício, matérias de ordem pública

e aquelas elencadas nos arts.267, IV a VI e 301, todas do Código de Processo Civil, que a

reformatio in pejus pode ocorrer no processo civil.

Assim, ao recorrer, está o recorrente levando ao conhecimento do órgão recursal não

apenas a matéria objeto de seu recurso, mas matérias outras que podem ser conhecidas de

forma oficiosa pelo órgão recursal, pouco importando se essas matérias possuem ou não

vinculação com a matéria objeto do recurso.

6.4 A reformatio in pejus na Lei nº9.784/99

Na seara do processo administrativo, cabe destacar que o tema é expressamente tratado

no art.64 da Lei n°9.784/99, que prevê a possibilidade de alteração da decisão para pior,

mesmo na hipótese de recurso interposto unicamente pelo Administrado.231

A única ressalva

diz respeito à prévia oitiva do Administrado quando existir a possibilidade de agravamento da

decisão, conforme previsão do parágrafo único do art.64 da Lei n°9.784/99, conforme os

textos em análise:

Art.64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar,

anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua

competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à

situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações

antes da decisão.

Assim, de acordo com o art.64 da Lei n°9.784/99, o órgão competente para apreciar o

recurso administrativo poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente,

a decisão recorrida, devendo ser o Administrado previamente ouvido se a Administração

Pública vislumbrar a possibilidade de agravamento da decisão.

231 A reformatio in pejus também encontra previsão no parágrafo único do art.65 da Lei n°9.784/99, que, porém, veda sua

ocorrência na hipótese de revisão do processo administrativo quando tiverem surgidos fatos novos ou circunstâncias

relevantes que possam demonstrar a inadequação da sanção imposta.

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Oportuno frisar que o art.64 da Lei n°9.784/99 não limita a atuação do órgão recursal,

que poderá agravar a situação do Administrado inclusive pela transmutação da sanção

imposta, eis que, conforme lecionam Cristina Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho

Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão, “É por demais amplo o poder do órgão

competente, em obediência aos princípios e poderes que detém a Administração Pública e que

recaem sobre o processo administrativo”.232

A única ressalva versa sobre a necessidade da

prévia oitiva do Administrado.

Conquanto não regulada pela Lei n°9.784/99, tem-se que a reformatio in pejus, vale

observar, poderá ter sua ocorrência constatada no processo administrativo em dois momentos,

sempre na fase recursal.

O primeiro deles ocorrerá quando da análise prévia do recurso, ou seja, antes de seu

julgamento, possa o órgão recursal vislumbrar a ocorrência da reformatio in pejus. Nesse

momento, sob pena de violação do devido processo legal, deverá o Administrado ser intimado

para apresentar os fundamentos pelos quais não deverá ocorrer o agravamento da decisão.

Para tanto, e também sob pena de violação da cláusula do devido processo legal, deverá o

órgão apresentar os fundamentos pelos quais vislumbra a possibilidade da ocorrência da

reformatio in pejus. Sem que isso ocorra, não poderá o Administrado formular suas alegações

antes da decisão.

O segundo momento em que a reformatio in pejus poderá ocorrer será quando do

julgamento do recurso pelo órgão recursal, ou seja, quando da análise de seu mérito. Nesse

caso, além do mesmo procedimento acima descrito, temos que também será possível ao

Administrado deduzir, inclusive oralmente, suas alegações se a possibilidade da reformatio in

pejus vier a surgir na sessão de julgamento do recurso.

Dividem-se os autores em relação à possibilidade de ocorrência da reformatio in pejus

no processo administrativo ou até mesmo à sua ocorrência no âmbito do instituto.

A corrente majoritária entende não ser possível a reformatio in pejus, mesmo que a

Administração Pública abra prazo para manifestação do recorrente, na medida em que tal ato

não afastaria a afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal. Assim, aqueles

que não admitem a reformatio in pejus, como Silvânio Covas e Adriana Laporta Cardinali,

que tratam o tema sob a nomenclatura non reformativo in pejus, argumentam que, sob pena de

violação do ordenamento jurídico constitucional, notadamente sob pena de ser violado o

devido processo legal, o contraditório e a segurança jurídica, não cabe a reformatio in pejus

232 FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo

administrativo: comentários à Lei nº9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.216.

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para o Administrado, para quem a penalidade imposta somente poderá ser mantida ou

abrandada. Ainda conforme seus ensinamentos, uma vez que na reformatio in pejus não tem o

Administrado ciência prévia dos argumentos que lhe são contrários e que fundamentam o

agravamento da decisão, a reformatio in pejus não encontra qualquer respaldo.233

Em igual sentido, aduzindo que a non reformatio in pejus possui estatura

constitucional, sob pena de violação do devido processo legal, são os dizeres de Sérgio Ferraz

e Adilson Abreu Dallari:

Outra consequência das anteriores posições e do que dispõem os incisos LIV e LV

do art.5° da Lei Maior é a rejeição, aqui, à ‘reformatio in pejus’ (e pouco importa

que leis a aceitem textualmente, pois a vedação é de estatura constitucional). A

tutela da ampla defesa envolve a possibilidade de, sem ser surpreendida, a parte

rebater acusações, alegações, argumentos ou interpretações tais como dialeticamente

postos, para evitar sanções ou prejuízos. Ver sua posição agravada sem

contraditório, quando sequer houve recurso da parte contrária, é validar a restrita

defesa, e não a ampla defesa de que cuida a Constituição.234

Contrapondo-se à corrente majoritária, a corrente minoritária entende ser possível a

aplicação da reformatio in pejus pela Administração Pública, desde que pautada nos

princípios da legalidade, indisponibilidade do interesse público, inquisitivo, oficialidade e

verdade material. Nesse sentido, Cristiana Fortini, Maria Fernanda Pires de Carvalho Pereira e

Tatiana Martins da Costa Camarão enfatizam:

Particularmente, vislumbramos a licitude da ocorrência da reformatio in pejus,

expressamente prevista no artigo ora comentado, decorrendo o agravamento da

situação do interessado porque a autoridade competente está adstrita à verificação e

conformação da situação concreta exposta à legalidade.235

Para os adeptos dessa corrente, é despicienda a prévia oitiva do recorrente, vez que a

Administração Pública, em virtude do princípio da autotutela, deve anular seus próprios atos

quando reconhecer que houve ilegalidade ou revogá-los por razões de conveniência e

oportunidade, a qualquer tempo e antes de consolidado o prazo prescricional.

Esse posicionamento, conquanto conte com o apoio de balizada doutrina parece não se

amoldar com a nova ordem inaugurada pela Constituição Federal, especialmente em virtude

da constitucionalização do direito.

233 CARDINALI, Adriana Laporta; COVAS, Silvânio. Conselho de recursos do sistema financeiro nacional: atribuições e

jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.127-141. 234 DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio Processo administrativo. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.155. 235 FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo

administrativo: comentários à Lei nº9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.219.

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Em que pese os poderes da Administração Púbica, à vista da cláusula constitucional do

devido processo legal e da expressa previsão da Lei nº9.784/99 acerca da prévia oitiva do

recorrente, não se revela sistematicamente correto sustentar que a Administração Pública

possa agravar a situação do recorrente simplesmente porque detentora do poder da autotutela.

Ademais, o princípio da autotutela busca, dentre outros, garantir o adequado

atendimento e preservação do interesse público que se desdobra em primário (promoção da

justiça, segurança e bem-estar social) e secundário (interesse da própria Administração

Pública, ou seja, da pessoa jurídica de direito público parte na relação jurídica). Não se olvida

que na hipótese de conflito entre esses interesses há de prevalecer o interesse público

primário, que certamente engloba a observância ao devido processo legal. Diante disso, não

seria correto sustentar que a Administração Pública pudesse agravar a situação do recorrente

sem observar certas condições, notadamente a prévia oitiva do recorrente.236

Desta forma, a terceira corrente (mista), é a que melhor aparenta tratar o tema.

Para os seus adeptos, é possível a reformatio in pejus no processo administrativo,

desde que observadas certas condições, dentre as quais a intimação do recorrente para se

manifestar sobre o agravamento da sanção.237

Para José dos Santos Carvalho Filho, a possibilidade da reformatio in pejus no

processo administrativo decorre não apenas dos interesses no Direito Administrativo, que não

guardam identidade com os interesses no Direito Penal, no qual existe expressa vedação à

reformatio in pejus, mas também, e dentre outros, do princípio da legalidade, pelo qual resta

inafastável a observância à lei, a qual deve prevalecer sobre qualquer interesse privado.238

Conquanto tenha restado silente nesse ponto, temos que a adequada compreensão da

reformatio in pejus prevista no art.64 da Lei n°9.784/99 passa pela análise do instituto à luz

da Constituição Federal de 1988, notadamente da cláusula do devido processo legal e da

fundamentação das decisões.

236 Entendendo que na hipótese de conflito entre o interesse público primário e o interesse público secundário deverá ser

utilizada a técnica da ponderação, o que, dada as circunstâncias em apreciação, poderá inclusive ensejar a sobreposição do

interesse público secundário ao interesse público primário, confiram-se os dizeres de Luís Roberto Barroso: “À vista das

ideias até aqui expostas, já é possível enunciar uma constatação. O interesse público secundário – i.e., o da pessoa jurídica de

direito público, o do erário – jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos

entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete proceder à ponderação adequada, à vista dos elementos normativos e fáticos

relevantes para o caso concreto”. (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.95-96). 237 Nesse sentido: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São

Paulo: Atlas, 2009, p.409 e BUENO, Cassio Scarpinella. Os recursos nas leis de processo administrativo federal e paulista:

uma primeira aproximação. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (Coords.). As leis de processo

administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p.212. 238 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São

Paulo: Atlas, 2014, p.975.

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102

Atento a essa intepretação sistematizada, não descuidou o legislador de garantir ao

recorrente o direito de ser previamente ouvido quando da possibilidade de ocorrência da

reformatio in pejus, fazendo-o no parágrafo único do art.64 da Lei n°9.784/99, cuja

interpretação, demonstra que o órgão recursal deverá apresentar os fundamentos pelos quais

entende ser possível a ocorrência da reformatio in pejus. Não faria qualquer sentido, tornando

a disposição inócua e sistematicamente desarmônica, prever que o recorrente deve ser

previamente ouvido sem que, no entanto, lhe sejam apresentados os fundamentos que

lastreiam a possível reformatio in pejus.

Se no âmbito do processo, judicial ou administrativo, vigoram as disposições da

Constituição Federal de 1988, notadamente àquelas relativas ao devido processo legal e à

fundamentação das decisões, não faz sentido fracionar a interpretação para, no que tange à

reformativo in pejus, sustentar que a mesma não observa essas garantias, aplicando-as nos

demais momentos do processo administrativo.

O processo administrativo é norteado pelas disposições da Constituição Federal de

1988, de modo que a adequada compreensão da reformatio in pejus impõe uma interpretação

sistematizada do art.64 e parágrafo único da Lei n°9.784/99, devendo o órgão recursal

apresentar os fundamentos pelos quais entende por sua possível ocorrência para que, desta

forma, possa o recorrente apresentar alegações.

Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho propõe que o órgão recursal, antes de

decidir, deve apresentar os elementos que pretende utilizar para justificar o agravamento da

decisão.

A Lei n°9.784, de 29.1.1999, que disciplinou o processo administrativo na

Administração Federal, deu correto tratamento à matéria. Ao tratar do recurso

administrativo, admitiu que a autoridade decisória possa modificar, total ou

parcialmente, a decisão recorrida. Ressalvou, entretanto, que, se na apreciação do

recurso, puder haver gravame ao recorrente, terá a autoridade que dar-lhe ciência do

fato para que apresente suas alegações. Em outras palavras, a lei admitiu a

reformatio in pejus, atenuando-a, porém, com a possibilidade de manifestação prévia

do recorrente. Em plano contrário, a lei vedou o agravamento da situação do

interessado na hipótese do processo de revisão, caracterizado pelo fato de que o

interessado intenta reduzir ou suprimir sanção aplicada em processo já findo,

mediante a apresentação de fatos novos ou circunstâncias relevantes.239

Quer dizer, portanto, que o recurso é recebido pela instância superior, que realizaria

uma análise prévia e, havendo elementos para a reformatio in pejus, deve deles dar

conhecimento ao recorrente para que possa apresentar suas alegações. Somente após a

239 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São

Paulo: Atlas, 2014, p.976.

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apreciação das mesmas é que o órgão recursal deveria decidir o recurso e eventualmente

agravar a decisão.

Interessante salientar que o esquema proposto, do qual comungamos, não traduz um

prejulgamento ou um julgamento provisório do recurso, mas sim uma mera apresentação dos

elementos fáticos e jurídicos que possam levar ao agravamento da decisão240

, passando a

Administração a, por força do princípio da oficialidade e em observância à boa-fé e à ampla

defesa, a atuar momentaneamente, ainda que na fase recursal, como instrutora do processo.

Nesse sentido, se manifestam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari:

Existe apenas uma possibilidade de a decisão ser agravada: a do parágrafo único do

art.64 da Lei nº9.784/99. Mas aí não caberá, com adequação integral, falar-se em

reformatio in pejus: o Estado-julgador, divisando a possibilidade, em razão do

princípio da legalidade e da obrigação da busca da verdade material, de ser agravada

a situação do recorrente, disso haverá de cientificá-lo, para que formule suas

alegações. E isso terá de ser feito, sob pena de nulidade, com indicação clara e

precisa dos pontos de possível agravamento, com a pertinente fundamentação.

Quando isso se der, a toda evidência, na formulação em questão, a Administração-

juiz se despirá transitoriamente da condição de julgador e atuará, supletivamente,

por força do princípio da oficialidade, como Administração-instrutora processual.

Instaura-se aí, então, efetivo e equilibrado contraditório, com o quê não se colocarão

em xeque os princípios da boa-fé, do contraditório e da isonomia.241

Não bastassem os argumentos em referência, não admitir a possibilidade de reformatio

in pejus no âmbito do processo administrativo retiraria da Administração Pública a

possibilidade de revisão de seus atos; revisão esta que inclusive atua como um instrumento de

modulação da sanção à falta cometida.

Assim, ao lado da análise da cláusula do devido processo legal e da fundamentação

das decisões, tem-se que os princípios da legalidade e da autotutela, que inclusive permite à

Administração Pública exercer o controle de proporcionalidade entre a conduta e a sanção

imposta, também possibilita a reformatio in pejus no processo administrativo, porém não nos

moldes propugnados pelos adeptos da corrente minoritária.

Adicionalmente aos fundamentos em referência, e já com ênfase no processo

administrativo de defesa do consumidor, cabe observar que a possibilidade da ocorrência

reformatio in pejus encontra respaldo no alargamento do âmbito de validade da Lei

n°9.784/99, na teoria dos direitos fundamentais e na supremacia do interesse público, além do

princípio da autotutela e da teoria geral dos recursos, assim como no momento de finalização

do ato administrativo sancionador, conforme a seguir será abordado.

240 Em igual sentido: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada.

São Paulo: Atlas, 2009, p.407. 241 DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio Processo administrativo. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.252.

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6.5 A reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor:

possibilidade ampla de sua ocorrência

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, iniciou-se certa

discussão sobre a necessidade de sua regulamentação. Prevaleceu o entendimento de que

somente a parte destinada às sanções administrativas e de organização do Sistema Nacional de

Defesa do Consumidor deveriam ser objeto de detalhamento. Nesse sentido, Marcelo Gomes

Sodré apresenta um testemunho de relevante valor histórico:

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor e a revogação do

Decreto n°91.469/85, o Sistema Nacional ficou na forma descrita nos itens

anteriores deste capítulo, o que ensejou, à época, uma discussão a respeito da

necessidade de regulamentar o Código de Defesa do Consumidor. Após inúmeras

discussões, houve um consenso de que o Código era auto-aplicável, não

necessitando de nenhuma regulamentação, com exceção da problemática que

envolvia a formação do Sistema Nacional, bem como da aplicação das sanções

administrativas. Percebeu-se claramente, então, que a regulamentação do Código era

o instrumento oportuno para equacionar estes dois problemas. Sou testemunha

pessoal – pois à época dirigia o Procon de São Paulo – das inúmeras dúvidas que

existiam sobre como deveria ser a relação dos Procons estaduais com o órgão central

e qual legislação deveria ser utilizada para fundamentar a aplicação das sanções

administrativas. Muitos Procons estaduais, mesmo após a edição do Código,

continuaram a fundamentar os autos de infração na Lei Delegada n°4, por

entenderem que a falta da regulamentação do CDC poderia gerar a nulidade das

autuações. Nesta mesma época, diversas propostas de regulamentação foram

apresentadas, podendo ser lembrada, inclusive, a proposta preparada no âmbito do

PROCON de São Paulo, e de outros Procons, que está publicada na Revista do

Consumidor n°10, e que foi apresentada pelo Governo de São Paulo ao Ministério

da Justiça.242

Desta forma, a regulamentação inicialmente ocorreu por meio do Decreto n°861/93,

alvo de diversas críticas feitas pela sociedade, sendo inclusive objeto de Ação Direta de

Inconstitucionalidade proposta pelo Governo do Estado de São Paulo.

Posteriormente, foi editado o Decreto n°2.181/97, que, conquanto tenha refletido um

inquestionável avanço legislativo, ainda deixou a desejar no que tange à organização e à

sistematização da temática relativa às sanções administrativas.

Assim, em que pese estabelecer normas gerais de aplicação de sanções

administrativas, o Decreto n°2.181/97 não possui a aptidão de regular o processo

administrativo.

Esse papel, poderia, é bem verdade, ter sido desempenhado pelo Código de Defesa do

Consumidor. Entretanto, este diploma infelizmente quedou-se silente nesse particular,

242 SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2007, p.197.

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105

cuidando unicamente de tratar da exigência da realização de um processo administrativo para

que a sanção administrativa pudesse ser aplicada.

Desta feita, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não trouxe um regime

processual administrativo de direito do consumidor, mister que esse papel seja desempenhado

por uma lei principiológica e de abrangência nacional, qual seja, a Lei n°9.784/99.243

E uma vez devendo a Lei n°9.784/99 ser aplicada na tutela administrativa do

consumidor, possível será a ocorrência de reformatio in pejus no processo administrativo de

defesa do consumidor não apenas em decorrência dos princípios da legalidade, da autotutela,

da oficiosidade, da verdade material, da ampla defesa e do contraditório, mas especialmente

em decorrência da teoria dos direitos fundamentais, da preservação do interesse público – em

sua moderna concepção –, da teoria geral dos recursos e do momento de finalização do ato

administrativo sancionador.

6.5.1 Âmbito de validade da Lei n°9.784/99

A possibilidade da Lei nº9.784/99 regular processos administrativos outros que não

aqueles que tramitam em nível federal não é matéria pacífica.

Embora no campo do direito processual o art.110 do Código de Defesa do Consumidor

tenha ampliado os limites para permitir a aplicação da Lei n°7.347/85 a qualquer outro direito

difuso e, apesar do art.117 do mesmo Código ter acrescentado o art.21 à lei para possibilitar a

aplicação dos dispositivos do Título III do Código de Defesa do Consumidor na defesa de

outros direitos difusos – o que demonstra a existência de um microssistema processual – no

âmbito da tutela administrativa do consumidor o tema percorre caminhos mais tortuosos.

Em linhas gerais, a doutrina apresenta três posicionamentos.

243 Reconhecendo que a Lei n°9.784/99 somente há de ser aplicada pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor,

Vitor Morais de Andrade propõe o seguinte esquema: “Assim, para definir quais as normas aplicáveis ao processo

administrativo no tema da defesa do consumidor, deverá o aplicador seguir os passos: 1. Verificar a existência de lei estadual

ou municipal que discipline o processo administrativo no âmbito de sua competência. O Departamento de Proteção e Defesa

do Consumidor, por ser o órgão federal e coordenador do SNDC, está vinculado à Lei n°9.784/99; 2. Havendo lei que

discipline o processo administrativo no âmbito estadual ou municipal, a norma prevalecerá sob o Decreto n°2.181/97 naquilo

em que com ele conflitar; 3. Em caso de inexistência de normas estaduais ou municipais, aplicar o Decreto n°2.181/97 e

eventuais normas editadas pelo próprio órgão (Portarias e Resoluções)”. (ANDRADE, Vitor Morais de. Sanções

administrativas no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p.122). Com o devido respeito, não é possível

comungar de referido posicionamento. Uma vez que o art.105 do Código de Defesa do Consumidor estipula que os órgãos

estaduais, municipais e do Distrito Federal, bem como as entidades privadas de defesa do consumidor integram, juntamente

com os órgãos federais, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, não é possível fracionar a aplicação das leis do

processo administrativo do consumidor de acordo com a natureza do órgão fiscalizador, sob pena de esvaziamento dos

arts.22, I e 24, §2° da Constituição Federal de 1988, criando verdadeira situação de insegurança jurídica, vez que o

Administrado não saberia previamente a qual ato normativo deverá obedecer, o que em última medida pode até mesmo

fulminar a cláusula da ampla defesa.

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O primeiro deles, fundado na preservação do princípio federativo, entende que a Lei

n°9.784/99 somente deve ser aplicada em âmbito federal. Esse é o posicionamento

encampado pela maioria dos doutrinadores de Direito Administrativo.244

O segundo posicionamento, que também conta com respaldo da doutrina de Direito

Administrativo, entende que o princípio federativo não obsta a utilização da Lei nº9.784/99

pelos demais entes federativos, desde que aplicada de maneira subsidiária. Para seus adeptos,

portanto, haveria uma aplicação subsidiária e verticalizada da Lei nº9.784/99.

Assim, não possuindo, por exemplo, um Estado-membro uma lei específica para

regular o processo administrativo, poderá valer-se da Lei nº9.784/99. Transportando o

entendimento para o Estado de São Paulo, que possui uma lei específica regendo o processo

administrativo (Lei Estadual nº10.177/98), para os adeptos dessa corrente, a Lei nº9.784/99

somente poderia ser aplicada na hipótese de lacuna na legislação estadual.245

Por fim, o terceiro posicionamento doutrinário admite a ampla aplicação da Lei

nº9.784/99 para regular os processos administrativos em todos os níveis da federação, pouco

importando a existência de legislação local de regência do tema. Para os adeptos desse

posicionamento, portanto, a Lei nº9.784/99 conviveria de modo harmônico e integrativo com

as demais legislações regentes do processo administrativo, naquilo que parece ser o melhor

entendimento sobre a matéria.

Como sabido, a Constituição Federal de 1988 elevou a defesa do consumidor à

categoria dos direitos fundamentais, incluindo-a, ainda, entre os princípios da ordem

econômica. De outro lado, sob a cláusula do devido processo legal, a Constituição Federal de

1988 criou um regime jurídico processual similar, aproximando o processo administrativo do

processo judicial, erigindo-o ao status de garantia fundamental.

Como consequência dessas previsões constitucionais, mister que a tutela

administrativa do consumidor obedeça a um regramento unitário, o que, no plano do processo

administrativo, somente pode ocorrer mediante a aplicação incondicional da Lei nº9.784/99.

244 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17.ed. atual. por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1083; DI

PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.699; SIMÕES, Mônica Martins

Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004, p.25-26; MARINELA,

Fernanda. Direito administrativo. 8.ed. Niterói: Impetus, 2014, p.1128; BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito

administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.163-165; PETIAN, Angélica. Regime jurídico dos processos

administrativos ampliativos e restritivos de direito. São Paulo: Malheiros, 2011, p.65-68. 245 CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27.ed. rev. ampl. e atual. até 31-12-2013. São

Paulo: Atlas, 2014, p.994-995; MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei

9.784/1999). 4.ed. atual. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2010, p.307-309; PESTANA, Márcio. Direito administrativo

brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p.312. Reconhecendo que a subsidiariedade opera-se unicamente no nível

federal, de modo horizontal, portanto, confira-se: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo:

Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p.454-455.

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Com efeito, não faz qualquer sentido sustentar que as disposições de natureza material

e processual, cíveis e penais, previstas no Código de Defesa do Consumidor, sejam aplicadas

em âmbito nacional, ficando a tutela administrativa relegada a uma espécie de segundo plano,

posto não constar de referido Código, norma de ordem pública, disposições regulando o

processo administrativo. A circunstância do Código de Defesa do Consumidor, em seus

arts.55 a 60, ter unicamente apresentado disposições sobre as sanções administrativas, e não

sobre o processo administrativo em si, não retira a necessidade do processo administrativo ser

tratado de forma igualitária nacionalmente, o que somente pode ocorrer, uma vez que ausentes

disposições nesse sentido no Código de Defesa do Consumidor, mediante a utilização

incondicional da Lei nº9.784/99, verdadeiro Código de Processo Administrativo.

Essa característica, por sua vez, é inicialmente aferida quando constatado que a Lei

nº9.784/99 possui normas principiológicas, cuja observância deve ser respeitada pela

Administração Pública em sua integralidade. Com isso, estar-se-á garantindo a unidade no

tratamento do tema, vez que as normas principiológicas,246

tal como ocorre com as normas

processuais e as procedimentais de cunho geral,247

aplicam-se imperativamente a todos os

entes da Federação, o que não ocorre com as normas locais sobre o processo administrativo,

cujo âmbito de validade é restrito aos limites territoriais do Estado-membro, do Distrito

Federal ou do município. O regime geral do processo administrativo, alcançado pela ampla

aplicação da Lei nº9.784/99, além de garantir a efetivação de uma garantia constitucional,

consagra o princípio federativo, vez que atribui unidade ao sistema processual administrativo,

sem, no entanto, retirar a autonomia dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos

Municípios, que conservam a possibilidade de estatuírem regras processuais e/ou

procedimentais.

Em um segundo momento, cabe destacar que com a instituição de um regime jurídico-

processual-administrativo unitário decorrente da ampla aplicação da Lei nº9.784/99, a

segurança jurídica restará observada.

Em um país de dimensões continentais e com uma organização administrativa

extremamente complexa, não é difícil constatar que a segurança jurídica muitas vezes deixa

de ser observada. A utilização de uma lei geral aos processos administrativos, tal como a Lei

nº9.784/99, cuja aplicação não dependa da opção do órgão fiscalizador, colabora para a

246 A aplicação de modo indistinto das normas principiológicas, cabe destacar, decorre da circunstância dessas normas serem

mera reprodução de princípios constitucionais. 247 O respeito à aplicação das normas processuais decorre da competência legislativa estatuída no art.22, I, da Constituição

Federal de 1988, sendo que a observância às normas procedimentais gerais decorre do respeito aos termos do art.24, XI e §1º,

da Constituição Federal de 1988.

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estabilidade das situações jurídicas. Assim, somente com a fixação de coordenadas comuns

em matéria de processo administrativo e com a fixação de um patamar mínimo de conduta da

Administração Pública é que a segurança jurídica poderá ser minimamente observada. E isso,

ou seja, a estabilidade de situações jurídicas de ordem processual-administrativas, parece ter

sido alcançado pela Lei nº9.784/99, que se limitou a prescrever normas principiológicas, que

buscam assegurar a harmonia do sistema jurídico, garantindo, juntamente com o princípio

federativo, o atendimento dos direitos fundamentais.248

Não fossem esses argumentos suficientes, cabe destacar que quando elaborada a Lei

n°9.784/99, a síntese do problema contido no anexo à exposição de motivos apresentada pelo

Ministério da Justiça foi a “Necessidade de estabelecer regras jurídicas claras para o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública”, o que demonstra o nítido propósito de

edição de regramento jurídico de cunho geral para o processo administrativo.

6.5.2 A vedação à inocorrência da reformatio in pejus no âmbito do processo

administrativo de defesa do consumidor elevada à categoria de princípio:

preservação da solidariedade e do caráter intergeracional

Partindo-se da premissa de que princípios são pontos de partida, constituindo,

portanto, o piso mínimo de concretização dos anseios constitucionais, tem-se por impossível

sustentar a não elevação da reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do

consumidor à categoria de princípio.

Uma vez que por meio deste mecanismo o consumidor será efetivamente tutelado,

verifica-se que a reformatio in pejus, enquanto princípio, permitirá preservar a solidariedade e

o caráter intergeracional inerentes ao direito do consumidor, de fundamental relevância para a

preservação dos anseios constitucionais.

Com efeito, a Lei n°9.784/99 surge em um contexto de bem-estar social. Somente com

a possibilidade de preservar e efetivar esses instrumentos é que os anseios constitucionais,

notadamente aqueles relativos aos fundamentos e objetivos fundamentais da República,

podem ser verdadeiramente observados.

Assim, negar a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, especialmente no

âmbito do processo administrativo de defesa do consumidor, consiste na própria negação do

Estado do Bem-Estar Social e, em última medida, no impedimento da implementação dos

248 O princípio federativo possibilita o atingimento dos direitos fundamentais na medida em que os entes federativos podem,

no limite de sua competência, legislar sobre matérias afetas a esses direitos, inclusive alargando o âmbito de sua proteção.

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anseios constitucionais, que se realizam fundamentalmente pela solidariedade e pelo caráter

intergeracional do direito.

O princípio da solidariedade, que possui fundamento constitucional, fixa uma

autêntica orientação solidarista do direito,249

impondo a necessidade de se observar os

reflexos da atuação individual perante a sociedade.250

Trata-se, portanto, de um dever ético de

assistência imposto aos membros da sociedade, eis que integrantes de um todo social.251

Desta forma, violadas as normas de defesa do consumidor, esse dever ético também

restará violado. E como a observância desse dever é obrigação de todos, especialmente

daqueles que atuam no mercado de consumo, sua violação demanda uma firme e incisiva

atuação do Estado, daí porque a reformatio in pejus não deve ser vedada.

Por sua vez, o aspecto intergeracional impõe a obrigação da geração atual em

preservar o todo social – daí porque não é dado ao fornecedor valer-se de produto ou serviço

cuja nocividade não é conhecida – para que as gerações futuras possam dele usufruir ou até

mesmo aniquilá-lo.

Tal como ocorre com a solidariedade, o aspecto intergeracional do direito demanda a

observância de determinados preceitos éticos de conduta que obriga o indivíduo, ou o Estado

quando fornecedor, a não considerar apenas seus interesses, não sendo facultada a prática de

condutas exclusivamente egoísticas, que não observam o contexto nas quais estejam inseridas.

Nesse contexto, a reformatio in pejus acaba permitindo a preservação das normas de

defesa do consumidor na medida em que, ao proporcionar o controle do ato pela

Administração Pública, preserva, se não até mesmo restabelece, os princípios da solidariedade

e da intergeracionalidade. E isso ocorre na medida em que a sanção, como sabido, também é

dotada de aspecto pedagógico e repressivo, de modo que, ao agravar a situação do recorrente,

os demais agentes econômicos deverão, ainda que unicamente à vista da preservação de seu

patrimônio, curvarem-se às orientações do ato, amoldando sua atuação de forma a não

atuarem de forma nociva junto ao mercado de consumo.

Em outros termos, uma vez que a instauração do processo administrativo de defesa do

consumidor tem por pressuposto a violação de normas de defesa do consumidor, cuja

finalidade é aplicar a respectiva sanção administrativa; e se considerado que ao violar

249 SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a solidariedade

social. In: (Org.) SARLET, Ingo. O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.127-

150. 250 TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma

legislativa. In: (Org.) TEPEDINO, Gustavo. Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.1-

16. 251 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015, p.71.

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referidas normas deixou o infrator de observar esse dever ético de assistência, colando em

risco o direito das gerações futuras, somente com a possibilidade da reformatio in pejus é que

a efetiva preservação desses princípios restará preservada.

6.5.3 Instrumento de adequação da sanção imposta à conduta sancionada

Ainda que a doutrina não tenha se debruçado sobre o tema, cabe observar que a

possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, seja no processo administrativo de defesa

do consumidor, seja em qualquer outro processo administrativo, revela-se um importante

instrumento de controle de proporcionalidade entre a sanção imposta e a infração cometida.

A observância dessa correlação, ou seja, a observância do princípio da

proporcionalidade, vale destacar, é de suma importância na medida em que permite

concretizar, sem excessos, o respeito simultâneo aos interesses individuais, públicos e

coletivos, preservando-se, assim, o Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, são os ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho, para quem a

proporcionalidade é o princípio dos princípios:

Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso

ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política

adotada por nosso constituinte, a do ‘Estado Democrático de Direito’, pois sem a sua

utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula,

de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.252

A correlação, portanto, entre a falta administrativa cometida e a respectiva sanção

deve dar-se de forma proporcional e a reformatio in pejus permite que isso ocorra,

especialmente no processo administrativo de defesa do consumidor, cujo direito tutelado

guarda intensa relação com os fundamentos da República Federativa do Brasil.

Com efeito, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu art.3°, I, instituiu

como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma

sociedade justa e solidária, e uma vez que pela proporcionalidade entre a sanção imposta e a

conduta praticada estar-se-á preservando a fórmula política adotada pelo constituinte, qual

seja, o Estado Democrático de Direito, outro não poderia ser o entendimento senão permitir a

ocorrência da reformatio in pejus no processo administrativo de defesa do consumidor.

252 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. 3.ed. São Paulo: RCS, 2007, p.148.

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Essa modulação entre a conduta praticada e a sanção aplicada, cabe ainda destacar,

pode encontrar fundamento na necessidade de majoração da sanção aplicada à vista do

alargamento dos efeitos deletérios da conduta infratora.

Com efeito, uma vez que entre a aplicação da sanção administrativa e o julgamento do

recurso ocorrerá o transcurso de certo lapso temporal, é possível que a conduta sancionada

continue a produzir efeitos. Caso isso ocorra, poderá a Administração Pública, quando do

julgamento do recurso, majorar a sanção aplicada não como uma forma de atribuir maior

reprimenda à conduta sancionada, mas como uma maneira de adequá-la à conduta praticada e

cujos efeitos deletérios perpetuam-se no tempo.

Para tanto, ou seja, para que Administração Pública possa correlacionar, de forma

proporcional, a sanção imposta à conduta infratora, deverá valer-se do privilégio da revisão de

seus próprios atos.

6.5.4 O privilégio da Administração Pública na revisão de seus atos: o princípio da

autotutela

Embora a clássica divisão entre Direito Público e Direito Privado não mais apresente

qualquer justificativa, exceto por seu caráter eminentemente didático, não se pode olvidar, até

mesmo em decorrência da influência do tema na forma de atuação do Estado, que, não raras

vezes, o conflito entre esses dois ramos do Direito ainda persiste.253

Vale dizer, portanto, que

ainda perdura o tensionamento entre o dever da Administração Pública na consecução do

interesse público e do interesse coletivo, respeitado o interesse privado do administrado.254

Retratando o exposto, são os dizeres de Agustin Gordillo:

A História registra primeiro o despotismo estatal sobre os indivíduos; a seguir e

como reação, a acerbação do indivíduo diante da sociedade; por fim e como ideal, o

equilíbrio racional dos dois elementos essenciais do mundo livre contemporâneo:

indivíduo e sociedade, indivíduo e Estado.

Mas esse equilíbrio que se almeja e busca é muito escorregadio e impreciso: o que

para uns representa a cômoda solução da tensão – enquanto eles não estão

envolvidos na mesma – é para outros uma submissão ou um atropelo; na verdade,

pareceria que essa incerteza tem uma propensão a resolver-se novamente em um

autoritarismo revivido. É necessário, portanto, buscar o equilíbrio do próprio critério

com base no qual se analisarão as tensões e contraposições do indivíduo e do Estado.

253 Nos Estados liberais, é fácil perceber a prevalência do interesse privado sobre os interesses públicos e coletivos, o que não

ocorre nos Estados sociais, em que existe a prevalência do interesse público. 254 Esse tensionamento ganha contornos mais críticos quando considerado que com o surgimento dos Direitos Difusos, nova

categoria de Direitos, que inclusive são dotados de elevada conflituosidade interna e que podem se confrontar com o próprio

Estado, acabou por surgir.

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E este equilíbrio primário é equilíbrio espiritual e político, é sensibilidade jurídica e

humana, é preocupação constante para preencher não só formal mas também

substancialmente as solicitações da Justiça.255

Nesse jogo de tensão entre Direitos – Público, Privado e Difusos – surge a necessidade

de se utilizar um instrumento apto à sua solução. Para equalizar os conflitos entre esses

Direitos, deve a Administração Pública se valer do princípio da legalidade.

Consagrado nos arts.5°, II e 37, caput, da Constituição Federal de 1988, o princípio da

legalidade obriga a Administração Pública à prática de atos permitidos pela lei, pelos

princípios e pelas normas jurídicas. Com isso, evita-se a perpetuação de atos ilegais.

Uma vez que a observância a esse princípio não fica adstrita ao plano material, tendo

aplicação no âmbito do processo administrativo, fica a Administração Pública, quando do

julgamento do recurso, obrigada a rever o ato ilegal, inoportuno ou inconveniente, ainda que

disso resulte agravamento ao recorrente. Para tanto, vale-se a Administração de outro

princípio, o da autotutela.

Ainda que não tenha sido objeto de positivação, o princípio da autotutela obriga a

Administração a anular os atos defeituosos e a proceder à revogação dos atos inoportunos ou

inconvenientes.

Como facilmente se pode depreender, o princípio da autotutela decorre do princípio da

legalidade. E assim é na medida em que, estando a Administração sujeita à lei, está portanto

incumbida de exercer o controle da legalidade de seus atos.

Nesse contexto, retirar da Administração Pública a prerrogativa do exercício do

princípio da autotutela acaba não apenas por obstar a preservação dos interesses em jogo, mas

especialmente por colaborar para uma inadequada tutela administrativa do consumidor.

Com efeito, uma vez que as sanções decorrentes do processo administrativo de defesa

do consumidor têm a finalidade precípua de assegurar a efetividade do direito do consumidor,

o que somente pode ser alcançado mediante a aplicação de sanção administrativa proporcional

e adequada à conduta infratora, não faz sentido sustentar que a Administração Pública,

quando do julgamento do recurso administrativo, não possa exercer o controle de seus

próprios atos, ainda que isso resulte em agravamento da situação do recorrente.

Em outros termos, à vista da natureza do direito tutelado, com suas características

especiais de solidariedade, titularidade difusa e viés intergeracional, possui a Administração

Pública o dever, e não apenas o poder, de adequadamente sancionar o agente infrator,

255 GORDILLO, Augustín A. Princípios gerais de Direito Público. Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: RT,

1977, p.49-50.

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revisando o ato que culminou com a aplicação da sanção, sob pena de, em última instância,

esvaziar os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, notadamente aqueles

previstos no art.1°, II e III e art.5°, I, da Constituição Federal de 1988.256

Não bastasse, uma vez que o Estado Brasileiro erigiu a defesa do consumidor como

garantia fundamental no art.5°, XXXII, da Constituição Federal de 1988, colocando-a, ainda,

como princípio da ordem econômica em seu art.170, de modo que uma maior efetividade à

defesa do consumidor revela-se como anseio do constituinte, tem-se como dever do Estado a

atuação de forma firme e positiva nesse cenário, daí porque por mais esse motivo deve a

Administração Pública valer-se do princípio da autotutela nos processo administrativos de

defesa do consumidor.

Assim, à vista da natureza e características do direito tutelado, bem como em

decorrência do papel a ser desempenhado pelo Estado na defesa dos consumidores, a

possibilidade da Administração Pública rever seus atos no processo administrativo de defesa

do consumidor, ainda que isso implique no agravamento da situação do recorrente, revela-se

como uma exigência constitucional.

Consequentemente, o princípio da autotutela deve passar por uma releitura, de modo

que a autotutela aqui proposta vai além da clássica concepção propugnada pela doutrina

administrativista que a vincula à legalidade estrita.

A autotutela vigente no processo administrativo de defesa do consumidor possui maior

amplitude, vez que permite à Administração Pública, quando do julgamento do recurso, rever

o ato administrativo sancionador, seja como mecanismo de controle de sua legalidade estrita,

seja em decorrência dos critérios de conveniência e oportunidade. Assim, poderá a

Administração, quando do julgamento do recurso, agravar a sanção imposta caso entenda que

a sanção inicialmente aplicada tenha, seja em decorrência da maior amplitude dos efeitos

negativos da conduta sancionada aos consumidores, seja, em virtude de sua fixação em

patamar aquém do desejado, se revelado insuficiente à adequada repressão da conduta

violadora das normas administrativas de defesa do consumidor.257

256 Tratam-se, respectivamente, dos fundamentos da cidadania e dignidade da pessoa humana e do objetivo da construção de

uma sociedade solidária. 257 Reconhecendo que a autotutela nos processos administrativos de defesa do consumidor possui maiores contornos, confira-

se trecho do voto do Ministro Luiz Fux no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 641.054 Rio de

Janeiro, que reconheceu a possibilidade de reformatio in pejus em recurso exclusivo da defesa: “É que no âmbito do Direito

Administrativo, a administração pública tem a prerrogativa de revisar os seus próprios atos, podendo anulá-los, revogá-los ou

modificá-los por motivos de legalidade, conveniência e oportunidade, inclusive em relação aos processos administrativos,

sendo que a única ressalva diz respeito à necessidade de comunicação prévia do gravame que pode ocasionar ao administrado

a interposição do recurso administrativo, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório (art.5º, LV, da CF)”.

(Publicado em 26-06-2012, no DJe 124).

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A autotutela, no âmbito do processo administrativo de defesa do consumidor, portanto,

não será realizada unicamente em decorrência da prática de ato ilegal. Vai além para permitir

o agravamento da situação do recorrente quando constatada a inadequação da sanção

anteriormente imposta à conduta praticada e/ou aos efeitos que a mesma continue a produzir.

Assim, desvincula-se, no âmbito do processo administrativo de defesa do consumidor,

o princípio da autotutela do controle da legalidade estrita para, também lastreado nos critérios

de conveniência e oportunidade, possibilitar a revisão do ato sancionador, tudo como forma

de atender aos anseios do constituinte no tema. É certo ainda que a boa compreensão do tema

passa pela necessária releitura do efeito devolutivo dos recursos interpostos nos autos dos

processos administrativos.

6.5.5 Ampla devolutividade recursal: uma nova leitura do efeito devolutivo

Ao lado da nova concepção do princípio da autotutela, a amplitude da devolução da

matéria ao órgão recursal permite a ocorrência da reformatio in pejus no processo

administrativo, especialmente no processo administrativo de defesa do consumidor. Vale

dizer, portanto, que na sistemática recursal do processo administrativo o efeito devolutivo não

possui os contornos vigentes no processo civil.

Tal como ocorre com a formação do mérito no processo civil, a formação do mérito do

recurso e, por consequência, a devolução nele contida, tem por base o princípio dispositivo.

Assim, conforme essa sistemática, que vigora, em certa medida, no âmbito do

processo civil, o órgão recursal somente poderá apreciar o que o recorrente tenha requerido

nas razões de seu recurso. Desta forma, pelo efeito devolutivo, que decorre do princípio

dispositivo, a atuação do órgão recursal fica limitada à extensão da iniciativa recursal do

recorrente.258

No âmbito do processo administrativo, entretanto, a devolutividade recursal apresenta

outros contornos.

O processo, enquanto instituição jurídica, não é fenômeno exclusivo do Poder

Judiciário. Trata-se de fenômeno inerente à atuação do próprio Estado destinado à produção

de atos tendentes à solução de um conflito que, no âmbito do processo administrativo, dadas

as características do direito tutelado, não fica circunscrito aos interesses das partes, acabando

por ampliar o espectro da devolutividade recursal.

258 Ao lado do efeito devolutivo do recurso, o órgão recursal, como cediço, em virtude do efeito translativo dos recursos,

pode conhecer das matérias de ordem pública.

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Esse movimento de ampliação, por sua vez, é incialmente constatado pela intelecção

do art.56 da Lei n°9.784/99, que consigna que o recurso será cabível quando tiver por

fundamento a legalidade ou razões de mérito do ato. Com isso, a Lei n°9.784/99 permite que

o recurso administrativo seja interposto contra atos vinculados ou discricionários,

possibilitando que a Administração possa rever, sob os prismas da legalidade e/ou da

conveniência e oportunidade, o ato guerreado, ainda que dessa revisão resulte agravamento ao

recorrente.

De outro lado, a ausência de identidade entre o efeito devolutivo do processo civil e do

processo administrativo é robustecido quando considerado que o órgão recursal, desde que

não ocorrida a preclusão administrativa, não está impedido de proceder à revisão, de ofício, da

legalidade do ato objurgado, conforme previsão contida no §2°, do art.63 da Lei n°9.784/99,

pouco importando se foi requerido nas razões recursais a revisão da legalidade do ato

recorrido. Nessa hipótese, e ainda que o recorrente não tenha cumprido os requisitos de

conhecimento do recurso administrativo previstos no art.63, I a IV da Lei n°9.784/99, o órgão

recursal, à vista dos princípios da legalidade e da autotutela e desde que não ocorrida a

preclusão administrativa, ou seja, desde que não tenha a Administração decidido, na fase

recursal, a questão, deverá anular, de ofício, o ato ilegal.

Desta forma, verifica-se que pouco importam os limites do recurso administrativo

impostos pelo recorrente vez que a Administração, vislumbrando a existência de ato ilegal,

possui o dever de declará-lo como tal, conforme intelecção do §2°, do art.63 da Lei n°2

9.784/99.259

Não fossem essas passagens suficientes, a ausência de identidade do efeito devolutivo

vigente no processo civil daquele vigente no processo administrativo é sedimentada pela

previsão, no art.64 da Lei n°9.784/99, da reformatio in pejus.

Ao prever no caput de seu art. 64 que o órgão recursal competente poderá, para decidir

o recurso, confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida,

desde que a matéria seja de sua competência, acabou a Lei n°9.784/99 não apenas por

expressamente prever a reformatio in pejus no processo administrativo, mas especialmente

por atribuir uma nova leitura ao efeito devolutivo. E isso ocorre na medida em que os poderes

259 Nesse sentido, são os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno: “Desta forma, desde que a Administração Pública, em

fase recursal, já tenha decidido determinada questão – isto é, desde que já tenha se operado a ‘preclusão administrativa’ – é

vedada a sua rediscussão. Não ocorrente a preclusão, a Administração poderá julgar o recurso embora não admitido. Não

cogita a lei, neste ponto, ‘qual’ matéria é passível de conhecimento na fase recursal independentemente de manifestação do

recorrente (eis que o recurso, na hipótese regulado pelo §2° do art.63, não é passível de conhecimento)”. (BUENO, Cassio

Scarpinella. Os recursos nas leis de processo administrativo federal e paulista: uma primeira aproximação. In: SUNDFELD,

Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (Coords). As leis de processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p.210-

211).

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recursais não se desconectam dos limites de competência para a prática da decisão recorrida,

eis que a autoridade recursal não detém poderes de decisão mais amplos que os da autoridade

recorrida. Não fosse assim, o caput do art.64 da Lei n°9.784/99, em sua parte final, não

disporia que a possibilidade de revisão do ato recorrido está adstrita ao âmbito de

competência da autoridade recursal.

Desta feita, uma vez que o órgão recursal deve anular, modificar ou revogar, total ou

parcialmente, desde que no âmbito de sua competência, a decisão recorrida, pouco importam

os limites delineados pelo recorrente em suas razões recursais.

Nesse sentido, demonstrando a ausência do efeito devolutivo no âmbito do processo

administrativo, são os ensinamentos de Cassio Scarpinella Bueno:

Neste contexto e considerando a abrangência do disposto neste art.64 (e, da mesma

forma, a disposição de seu parágrafo único), parece-nos que inexiste aplicação

eficaz, aqui, do conceito de efeito devolutivo. Até porque, com deixa evidente o §2°

do art.63 da Lei federal, desde que não ocorrente preclusão administrativa, mesmo

com o não conhecimento do recurso, a Administração pode declarar ilegal o ato

recorrido. Dito de outro modo: é indiferente, para os fins do dispositivo, o que tenha

sido objeto de impugnação nas razões recursais.

Desta forma, é indiferente a identificação da matéria impugnada no recurso para fins

de delimitação da matéria a ser decidida pelo órgão ad quem, considerando o

espectro amplo, verdadeiramente total, conferido, pela lei, a este órgão. Desde que

tenha competência para conhecimento da matéria, o órgão julgador ‘... poderá

confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida

[...]’. Inexiste, destarte, qualquer necessidade de relação entre o objeto do recurso e a

manifestação do órgão julgador. Descabida, assim, a invocação do efeito devolutivo

(e do princípio dispositivo) para interpretar a hipótese legal.

As nossas impressões que constam do parágrafo anterior confirmam-se na medida

em que o parágrafo único do dispositivo encerra o comando de que ‘Se da aplicação

do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá

ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão’.

Por outras palavras: é possível que o julgamento da instância ad quem na esfera

administrativa resulte em prejuízo ao recorrente, vale dizer, que se opere em seu

desfavor o que usualmente é denominado de reformatio in pejus.260

Ao lado desses fundamentos, que demonstram que o efeito devolutivo nos processos

administrativos não possui as mesmas características ostentadas no processo civil e que, em

última medida, habilitam e legitimam a reformatio in pejus no processo administrativo, outros

elementos devem ser somados com vistas a robustecer a efetiva tutela administrativa do

consumidor.

260 SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guillermo Andrés (Coords). As leis de processo administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2006, p.211-212. Em sentido contrário, não admitindo a reformatio in pejus no processo administrativo, sob pena

de fulminar a voluntariedade recursal: (GORDILLO, Augustín A. Tratado de Derecho Administrativo. 4.ed. Buenos Aires:

Ediciones Macchi, 1995, tomo 4.1, p.II-39; II-40). Em igual sentido: HAGER, Marcelo. Princípios constitucionais do

processo administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.184-185.

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117

Ao analisarmos a Lei n°9.784/99, é possível verificar que seu art.58, à exceção de

pequena modificação redacional, é idêntico ao art.9°, ao apresentar o rol dos legitimados à

interposição do recurso. Ele expressamente prevê, em seus incisos III e IV, a possibilidade do

recurso administrativo ser interposto por organizações e associações representativas de

direitos e interesses coletivos, assim como por cidadãos ou associações, quanto a direitos ou

interesses difusos.261

Ao dispor dessa forma, a Lei n°9.784/99 colocou-se em harmonia com a Constituição

Federal de 1988 no que tange à coletivização da legitimidade de agir, em movimento que

possibilita uma maior e mais efetiva tutela dos direitos difusos e coletivos. E isso ocorre na

medida em que a Lei n°9.784/99 acabou por, em certa medida, consagrar a existência do

processo administrativo coletivo, tornando possível a resolução desses conflitos também no

âmbito administrativo.

Essa previsão demonstra que o processo administrativo pode abarcar matérias do

campo exclusivo dos direitos difusos e coletivos, de modo que o direito discutido nos autos

desse processo não se restringirá ao exclusivo interesse das partes. A ampliação do aspecto

subjetivo do recurso administrativo prevista no art.58, III e IV da Lei nº9.784/99, demonstra o

quanto exposto.

Não bastasse, cabe observar que a estatura constitucional da tutela administrativa do

consumidor demonstra, de uma vez por todas, que o efeito devolutivo no processo

administrativo do consumidor possui outros contornos.

Inserindo-se a tutela administrativa do consumidor no âmbito dos direitos

fundamentais, não faria sentido, sob pena de mitigar, ou até mesmo fulminar a efetividade do

direito do consumidor, limitar a atuação da Administração, ou seja, a atividade do próprio

Estado, à extensão do recurso, que, como sabido, é interposto pelo recorrente, seja ele

particular ou o próprio Estado, enquanto fornecedor, unicamente em atendimento a seus

exclusivos interesses que, no mais das vezes, são eminentemente econômicos.

Com efeito, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.1°,

estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, e

uma vez que suas disposições decorrem dos mandamentos dos arts.5°, XXXII e 170, V, da

Constituição Federal de 1988 e do art.48 de suas Disposições Transitórias, tem-se que

eventual limitação da atuação do órgão recursal ocasionada pelo efeito devolutivo do recurso

esvaziaria por completo a tutela administrativa do consumidor. A bem da verdade, admitir que

261 A modificação, conquanto pequena, foi infeliz vez que restringiu, no art.58, IV, a possibilidade de interposição de recurso

ao cidadão, enquanto o art.9°, IV, prevê que o processo pode ser iniciado pela pessoa.

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na sistemática recursal do processo administrativo de defesa do consumidor vigora o mesmo

regramento do processo civil acabaria por subverter a lógica do próprio sistema, vez que o

órgão recursal somente poderia atuar nos limites dos fundamentos das razões recursais que,

como mencionado, são destinadas aos interesses exclusivamente econômicos do recorrente.

Em outros termos, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor fixa normas de

ordem pública, estabelecendo valores básicos e fundamentais da ordem jurídica, por

consequência, inderrogáveis pela vontade dos particulares, não faria sentido retirar da

Administração Pública, no desempenho da função de julgar o recurso interposto no âmbito do

processo administrativo de defesa do consumidor, a possibilidade de apreciá-las em sua

amplitude, restringindo a extensão de sua atuação aos limites impostos pelo recorrente, ainda

que este, o recorrente, seja o próprio Estado-fornecedor.

Ainda que assim não fosse, em também ostentando as normas de proteção do

consumidor a característica de norma de interesse social, a vinculação do órgão recursal aos

limites do recurso retiraria do próprio Estado a possibilidade de cumprir com sua tarefa de dar

efetividade à tutela administrativa do consumidor, podendo mesmo esvaziar o objetivo

fundamental da República previsto no art.3º, I e IV da Constituição Federal de 1988, quais

sejam, a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária fundada no bem de todos.

Assim, vigorasse o efeito devolutivo no âmbito do processo administrativo de defesa

do consumidor nos mesmos moldes em que vigora no processo civil, o próprio Estado, a

quem incumbe a tarefa de dar efetividade aos direitos e garantias previstos na Constituição

Federal de 1988, ficaria impossibilitado de assim agir, vez que limitado a analisar o recurso

unicamente nos limites impostos pelo recorrente.

6.5.6 Momento de finalização do ato administrativo sancionador

À vista do princípio da segurança jurídica, o ato jurisdicional passado em julgado deve

ser intangível e, por consequência, gerar a situação da coisa julgada em favor do titular do

direito reconhecido.

Sua previsão é encontrada no art.5°, XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não

prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Embora a

interpretação literal do dispositivo permita concluir que a coisa julgada atinge apenas o

legislador, deve ela, por ser indispensável à afirmação da autoridade do Estado e à

consolidação do Estado de Direito, também ser observada pela Administração Pública e pelo

Estado juiz. Nesse contexto, a coisa julgada, uma vez produzida, terá por objetivo preservar o

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poder de império do Estado. Entretanto, se considerado que também produzirá efeitos a favor

daquele para quem se operou, a coisa julgada desdobra-se em uma outra dimensão,

apresentando dupla funcionalidade.

Nesse sentido, são os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

A coisa julgada, enquanto instituto jurídico, tutela o princípio da segurança em sua

dimensão objetiva, deixando claro que as decisões judiciais são definitivas e

imodificáveis. Frise-se que a coisa julgada expressa a necessidade de estabilidade

das decisões judiciais.

Na outra dimensão do princípio da segurança jurídica, quando importa a proteção da

confiança, a coisa julgada garanta ao cidadão que nenhum outro ato estatal poderá

modificar ou violar a decisão que definiu o litígio. Neste sentido, sabe o cidadão

que, uma vez produzida a coisa julgada material, nada mais será possível fazer para

se alterar a decisão, e, assim, que o ato judicial de solução do litígio merece plena

confiança.

Na verdade, a coisa julgada material é um verdadeiro signo da tutela da confiança do

cidadão nos atos estatais. É, por assim dizer, um concreto ‘exemplo’ de proteção da

confiança legitimamente depositada pelo cidadão nos atos de poder.

A coisa julgada, portanto, serve à realização do princípio da segurança jurídica,

tutelando a ordem jurídica estatal e, ao mesmo tempo, a confiança dos cidadãos nas

decisões judiciais. Sem a coisa julgada material não há ordem jurídica e

possibilidade de o cidadão confiar nas decisões do Judiciário. Não há, em outras

palavras, Estado de Direito.262

Instituto de Direito Judiciário Processual, a coisa julgada, conquanto decorra da

concepção própria do Estado de Direito, não atinge o processo administrativo.

Considerando que o ato administrativo é, em princípio, revogável pela própria

Administração Pública e o objeto da função administrativa é criar a utilidade do ato,

aperfeiçoando-o constantemente com vistas ao melhor atendimento do bem comum – o que

ocorre à vista da mutação do substrato social – o ato administrativo não possui a aptidão de

transitar em julgado.263

Essa constatação, entretanto, não impede a estabilidade das situações jurídicas

constituídas por atos administrativos. Desta forma, os atos administrativos podem se tornar

definitivos em relação ao administrado, o que poderá acontecer, por exemplo, com o

esgotamento das instâncias recursais.

O ato administrativo, em decorrência dos princípios que norteiam a atividade da

Administração Pública, não se torna intangível para a própria Administração Pública, que

pode revê-lo a qualquer momento.

262 MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in) constitucionalidade do

STF sobre a coisa julgada – a questão da relativização da coisa julgada. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2010, p.67-68. 263 Nesse sentido: MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São

Paulo: Malheiros, 2007, p.636-637. Em sentido contrário: MERKL, Adolfo. Teoría general del derecho administrativo.

México: Nacional, 1975, p.263-278.

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120

Nesse sentido, são os ensinamentos de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:

Os atos administrativos podem se tornar definitivos com referência a terceiros, no

sentido de lhes não caber mais, de direito, qualquer recurso contra eles perante a

Administração Pública. A instância fica, então, preclusa para os particulares, que

não podem mais impugnar a matéria decidida. Mas a ela cabe sempre conhecê-la,

querendo, e, em virtude de petição dos interessados, revogar ou reformar o ato

administrativo anterior.

Jamais se poderá opor a exceção de coisa julgada contra essa atitude assumida por

órgão da Administração Pública. Isso porque a revogação ou reforma dos atos

administrativos é inerente à atividade da Administração Pública, para alcançar e

ampliar a utilidade pública, o interesse coletivo, segundo a oportunidade e

conveniência do momento. Por isso, rejeitada, por exemplo, uma autorização de

porte de arma, poderá, tempos depois, a mesma pessoa pleiteá-la.

Já o ato jurisdicional, transitado em julgado, não pode ser revogado ou reformado,

quanto ao conteúdo da sentença, pelo juiz que a proferiu, mesmo convencido do erro

da decisão, ou por outro órgão do Poder Judiciário, sem a provocação das partes

interessadas na demanda, e nos estritos limites legais de sua competência revisional.

E, se definitivamente transitado em julgado, sequer as partes podem pretender nova

apreciação judicial da controvérsia.

Criada a situação jurídica da coisa julgada, torna-se inatacável a decisão sob o

mesmo fundamento jurídico, relativo ao mesmo objeto jurídico e entre as mesmas

partes jurídicas. Fica absolutamente imutável a situação jurídica afirmada com

referência às próprias partes e seus sucessores jurídicos e às autoridades judiciais,

tanto a que proferiu a decisão como qualquer outra. Só pode ser objeto de reexame

nas hipóteses, especialíssimas, de ação rescisória ou de revisão criminal.264

Atento a essa peculiar característica, ou seja, à circunstância de que o ato

administrativo não transita em julgado, o art.65 da Lei n°9.784/99 prevê a possibilidade de

revisão, a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento, dos processos administrativos já

decididos e que resultaram na aplicação de sanção.

A revisão, vale destacar, tem por escopo alterar a situação jurídica decorrente de uma

decisão definitiva na esfera administrativa, impondo uma nova fundamentação, mantendo ou

não o ato cuja revisão foi pretendida.

Para que isso ocorra, ou seja, para que a revisão, que não se equipara a recurso, tenha

cabimento, mister a ocorrência de fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de

justificar a inadequação da sanção aplicada.265

Fatos novos, nos termos do preceito em apreço, são dados e informações que não

existiam à época em que proferido o ato, de modo que não será possível a revisão com

264 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo: introdução. v.1. São Paulo:

Malheiros, 2007, p.637. 265 Nesse sentido: MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/1999).

4.ed. atual. rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 2010, p.379). Em sentido diverso, caracterizando a revisão como recurso:

NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas,

2009, p.413.

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fundamento em fatos existentes à época mas que não foram alegados ou discutidos nos autos

do processo administrativo.266

Interessante salientar que não basta a novidade do fato. Para justificar sua utilização,

deverá o fato ser suficientemente apto a reduzir, ou até mesmo excluir, a punição.

Circunstâncias relevantes, por sua vez, dizem respeito a outras informações

contextuais que, apesar de não estarem próximas ao objeto do processo, possuem aptidão para

influenciar na revisão da sanção imposta.

Assim, havendo fato novo ou circunstância relevante, o processo administrativo

poderá ser revisto e a sanção ser adequada à infração cometida, o que, no campo do processo

administrativo de defesa do consumidor, se revela como um excelente mecanismo de tutela

desse direito, habilitando inclusive a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus.

A bem da verdade, a reformatio in pejus não terá aplicação na hipótese de revisão do

processo administrativo com fundamento no art.65 da Lei n°9.784/99. E isso se deve ao fato

de que o texto do parágrafo único do art.65 da Lei n°9.784/99 expressamente veda sua

ocorrência, de modo que a revisão não poderá acarretar o agravamento da punição.

A possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus é reforçada pela ideia contida no

art.65 da Lei n°9.784/99 no sentido de que o ato administrativo somente poderá ser

considerado acabado quando de sua preclusão. Assim, se não precluso o ato administrativo,

ou seja, se o mesmo for objeto de recurso, poderá a Administração Pública revê-lo em sua

inteireza, ainda que disso resulte agravamento da sanção ao recorrente.

É essa, portanto, a colaboração do art.65 da Lei nº9.784/99 para a possibilidade de

ocorrência da reformatio in pejus nos processos administrativos de defesa do consumidor,

possibilidade esta que inclusive conta com o respaldo do Poder Judiciário.

6.6 A casuística

A possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus nos processos administrativos

encontra amparo no âmbito do Poder Judiciário, notadamente nos tribunais superiores.

Nesse sentido, o primeiro julgado sobre o tema versa sobre o Recurso em Mandado de

Segurança nº29, julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça em 26 de

outubro de 1994, cuja ementa possui o seguinte teor:

266 Em sentido contrário, reconhecendo que o fato também será novo mesmo que já existente quando do ato sancionador, mas

que não era de conhecimento das partes, que poderão alegá-lo se presente a boa-fé: NOHARA, Patrícia Irene; MARRARA,

Thiago. Processo administrativo: Lei nº9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p.415.

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ADMINISTRATIVO. PENA DE SUSPENSÃO. ´REFORMATIO IN PEJUS´.

PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.

Não se aplica ao procedimento disciplinar a vedação da ´reformatio in pejus´, pelo

que pode a autoridade hierarquicamente superior aplicar pena mais gravosa do que a

imposta pelo inferior.267

Tratava-se de mandando de segurança impetrado contra ato do Conselho da

Magistratura que, apreciando recurso de servidor vitalício, titular de Cartório que, em

processo disciplinar foi apenado com 90 dias de suspensão, por haver lavrado escritura de

forma pré-datada, houve por bem agravar a pena, transmutando-a de suspensão para

demissão.

Conforme teor do voto do relator, Ministro Américo Luz, a não admissão da

reformatio in pejus esvaziaria o poder da autoridade hierarquicamente superior na revisão do

ato proferido pelo órgão administrativo inferior, o que não seria admissível. Assim, desde que

respeitado o contraditório e a ampla defesa, a reformatio in pejus foi admitida e o servidor

demitido a bem do serviço público.

O segundo julgado acerca do tema diz respeito ao Agravo Regimental no Recurso em

Mandado de Segurança 24.308-6, analisado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal

Federal em 18 de março de 2003.

Tratava-se de recurso por meio do qual o recorrente pretendia a reforma do acórdão

proferido pelo Superior Tribunal de Justiça que não reconheceu a ocorrência de bis in idem

em processo administrativo disciplinar cuja pena de demissão foi transmutada para demissão

pelo órgão recursal.

Verifica-se do voto da Ministra Relatora Ellen Gracie que a possibilidade da

reformatio in pejus para o caso em apreço decorreu do princípio da legalidade, que obriga a

Administração Pública a revisar seus atos. Uma vez que o ato da Administração tenha sido

proferido contra expressa letra da lei, portanto passível de correção ex officio, sequer haveria

de se falar na abertura do contraditório, vez que nenhuma mácula ocorre com relação ao

devido processo legal se preservada a totalidade da matéria produzia nos autos do processo

administrativo no qual referidos princípios foram observados.

Eis a ementa do julgado:

Previsão legal da pena de demissão. Aplicação errônea da pena de suspensão. A

hipótese não é de revisão para beneficiar (art.174 da Lei 8.112/90) mas de ato da

Administração Pública proferido contra expressa letra da lei e passível de correção

ex officio.

267 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/. Acesso em: 20 mar.2015.

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Inaplicabilidade da Súmula 19 do STF. Precedente: MS 23.146.

Nenhuma mácula ocorre com relação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao

contraditório, se preservada toda a matéria produzida nos autos do processo

administrativo onde esses princípios foram observados.

Agravo improvido.268

Diversamente do preconizado pelo primeiro julgado, que se filiou à corrente mista,

este filia-se à corrente minoritária, ao admitir a possibilidade da reformatio in pejus mesmo

sem dar oportunidade de prévia manifestação ao recorrente.

O terceiro julgado, também proveniente do Superior Tribunal de Justiça, diz respeito a

um Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº641.054, cujo objetivo era

desconstituir julgado que, dentre outros pontos, reconheceu como válido o agravamento da

sanção imposta nos autos de processo administrativo de defesa do consumidor, desde que

facultado ao recorrente a possibilidade de prévia manifestação.

O acórdão, de relatoria do Ministro Luiz Fux, possui a seguinte ementa e, à

unanimidade dos votos dos Ministros que integram a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal,

negou provimento ao recurso:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO.

REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS.

POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA

RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. PROCESSO

ADMINISTRATIVO. RECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA

EM RECURSO DO ADMINISTRADO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA.

POSSIBILIDADE.

1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em

instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.

2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte

quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja

Repercussão Geral restou reconhecida.

3. A possibilidade da administração pública, em fase de recurso administrativo,

anular, modificar ou extinguir os atos administrativos em razão de legalidade,

conveniência e oportunidade, é corolário dos princípios da hierarquia e da

finalidade, não havendo se falar em reformatio in pejus no âmbito administrativo,

desde que seja dada a oportunidade de ampla defesa e o contraditório ao

administrado e sejam observados os prazos prescricionais.

4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO –

FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI

ESTADUAL E MUNICIPAL – LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ

reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao

funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a

atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal

cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de

Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio

da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da

administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus

268 Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=24973. Acesso em: 20 mar. 2015.

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124

próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário

desprovido.”

5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega

provimento.269

Para fundamentar seu voto, que foi seguido pelos demais Ministros, consignou o

Ministro Relator que a reformatio in pejus pode ocorrer nos processos administrativos à vista

da prerrogativa da Administração Pública na revisão de seus próprios atos. A única ressalva, e

que coloca o julgado em sintonia com a corrente mista, versa sobre a necessidade de o

recorrente ser previamente intimado para apresentar os fundamentos pelos quais entende que

o recrudescimento da sanção não deve ocorrer.

Da leitura dos julgados, verifica-se, portanto, que o Poder Judiciário reconhece válida

a ocorrência da reformatio in pejus. E outro não poderia ser o desfecho da matéria não apenas

à vista dos poderes da Administração Pública, mas especialmente à relevância que

necessariamente deve ser atribuída à tutela administrativa do consumidor, notadamente em

decorrência da constitucionalização do Direito.

269 Recurso julgado em 22.05.2012. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2226324. Acesso em: 20 mar.2015.

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7 CONCLUSÃO

A tutela administrativa do consumidor configura uma relevante instrumento de

efetivação das normas do Código de Defesa do Consumidor para a qual a Lei n°9.784/99

desempenha uma função significativa, vez que funciona como um verdadeiro Código de

Processo Administrativo.

Dentre as inovações trazidas pela Lei n°9.784/99, a possibilidade da ocorrência da

reformatio in pejus consiste em um relevante instrumento de efetivação, atual e

principalmente futura, da tutela administrativa do consumidor.

Após a Revolução Industrial, o sistema de produção sofreu uma significativa

modificação, passando do modelo artesanal para o modelo massificado, no qual não mais

vigorava o atendimento, pelo fornecedor, da necessidade específica de determinado

consumidor.

Esse movimento, por sua vez, foi potencializado com o término da Segunda Guerra

Mundial, que culminou com a ampliação dos mercados e, consequentemente, com a formação

de grandes blocos econômicos, permitindo uma maior e mais intensa circulação de riquezas.

Com isso, a sujeição dos consumidores às vontades dos fornecedores ganhou novos contornos

e revelou a crise do Estado Liberal na medida em que os riscos da atividade produtiva, ante a

intensa massificação da produção e a incessante busca pelo lucro, deixaram de ser

contornáveis e previsíveis.

Como consequência, viram-se os Estados praticamente obrigados a atuar de maneira

incisiva para corrigir esse desequilíbrio, o que, no Brasil, ocorreu, inicialmente, por meio da

promulgação da Constituição Federal de 1988, que instituiu a defesa do consumidor como um

direito fundamental.

Conquanto elevada ao status de garantia fundamental, a tutela do consumidor

demandava, até mesmo em decorrência de expresso mandamento constitucional nesse sentido,

a edição de diploma normativo infraconstitucional.

Nesse contexto, o Código de Defesa do Consumidor, atendendo os anseios

constitucionais, busca equilibrar a relação de consumidor por meio da tutela do consumidor,

parte vulnerável dessa relação. Todavia, embora consista em relevante marco normativo, o

Código de Defesa do Consumidor deixou de prever normas de tutela administrativa do

consumidor, limitando-se a elencar as sanções administrativas.

Consequentemente, e uma vez que a tutela administrativa do consumidor deve ser

realizada de forma igualitária no território nacional, verificou-se que a Lei n°9.784/99, por

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consistir em verdadeiro Código de Processo Administrativo, deve ser utilizada para

regulamentar os processos administrativos de defesa do consumidor.

E uma vez devendo a Lei n°9.784/99 ser aplicada na tutela administrativa do

consumidor, possível será a ocorrência de reformatio in pejus no processo administrativo de

defesa do consumidor não apenas em decorrência dos princípios da legalidade, da autotutela,

da oficiosidade, da verdade material, da ampla defesa e do contraditório, mas especialmente

em decorrência da teoria dos direitos fundamentais, da preservação do interesse público – em

sua moderna concepção – da teoria geral dos recursos e do momento de finalização do ato

administrativo sancionador.

Com efeito, uma vez que a defesa do consumidor foi erigida à categoria de garantia

fundamental, sem olvidar que na seara dos direitos difusos o princípio da precaução ocupa

papel de destaque, somente mediante a possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus no

âmbito do processo administrativo do consumidor é que a tutela administrativa do consumidor

será efetivamente concretizada.

Isso não significa a inobservância dos direitos do Administrado.

A Lei n°9.784/99, no parágrafo único de seu art.64, ao impor a obrigatoriedade da

Administração Pública abrir vista dos autos ao Administrado para manifestação quando

entender pela possibilidade da ocorrência da reformatio in pejus, mais do que garantir a sua

participação na formação do ato administrativo, coloca-se em harmonia ao princípio do

devido processo legal, em movimento que não revela qualquer violação a direito do

Administrado.

Desta forma, à vista da importância atribuída ao tema pela Constituição Federal, não

poderia a defesa do consumidor deixar de, no campo administrativo, se desenvolver de forma

eficiente e incisiva, o que ocorre mediante a possibilidade da ocorrência da reformatio in

pejus no processo administrativo de defesa do consumidor.

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ABNT NBR 15287: 2011 – Informação e documentação – Projetos de pesquisa –

Apresentação

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137

ABNT NBR 6034: 2005 – Informação e documentação – Índice – Apresentação

ABNT NBR 12225: 2004 – Informação e documentação – Lombada – Apresentação

ABNT NBR 6024: 2003 – Informação e documentação – Numeração progressiva das

seções de um documento escrito – Apresentação

ABNT NBR 6028: 2003 – Informação e documentação – Resumo – Apresentação

ABNT NBR 10520: 2002 – Informação e documentação – Citações em documentos –

Apresentação

ABNT NBR 6023: 2002 – Informação e documentação – Referências – Elaboração

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United Nations

A/RES/39/248

General Assembly

Distr. GENERAL

16 April 1985

ORIGINAL:

ENGLISH

A/RES/39/248

16 April 1985

Consumer protection

The General Assembly,

Recalling Economic and Social Council resolution 1981/62 of 23 July 1981, in

which the Council requested the Secretary-General to continue consultations on

consumer protection with a view to elaborating a set of general guidelines for

consumer protection, taking particularly into account the needs of the

developing countries,

Recalling further General Assembly resolution 38/147 of 19 December 1983,

Noting Economic and Social Council resolution 1984/63 of 26 July 1984,

1. Decides to adopt the guidelines for consumer protection annexed to the

present resolution;

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2. Requests the Secretary-General to disseminate the guidelines to

Governments and other interested parties;

3. Requests all organizations of the United Nations system that elaborate

guidelines and related documents on specific areas relevant to consumer

protection to distribute them to the appropriate bodies of individual States.

Annex

GUIDELINES FOR CONSUMER PROTECTION

I. Objectives

1. Taking into account the interests and needs of consumers in all

countries, particularly those in developing countries; recognizing that

consumers often face imbalances in economic terms, educational levels, and

bargaining power; and bearing in mind that consumers should have the right of

access to non-hazardous products, as well as the right to promote just,

equitable and sustainable economic and social development, these guidelines

for consumer protection have the following objectives:

(a) To assist countries in achieving or maintaining adequate protection for

their population as consumers;

(b) To facilitate production and distribution patterns responsive to the

needs and desires of consumers;

(c) To encourage high levels of ethical conduct for those engaged in the

production and distribution of goods and services to consumers;

(d) To assist countries in curbing abusive business practices by all

enterprises at the national and international levels which adversely affect

consumers;

(e) To facilitate the development of independent consumer groups;

(f) To further international co-operation in the field of consumer

protection;

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(g) To encourage the development of market conditions which provide consumers

with greater choice at lower prices.

II. General principles

2. Governments should develop, strengthen or maintain a strong consumer

protection policy, taking into account the guidelines set out below. In so

doing, each Government must set its own priorities for the protection of

consumers in accordance with the economic and social circumstances of the

country, and the needs of its population, and bearing in mind the costs and

benefits of proposed measures.

3. The legitimate needs which the guidelines are intended to meet are the

following:

(a) The protection of consumers from hazards to their health and safety;

(b) The promotion and protection of the economic interests of consumers;

(c) Access of consumers to adequate information to enable them to make

informed choices according to individual wishes and needs;

(d) Consumer education;

(e) Availability of effective consumer redress;

(f) Freedom to form consumer and other relevant groups or organizations and

the opportunity of such organizations to present their views in

decision-making processes affecting them.

4. Governments should provide or maintain adequate infrastructure to

develop, implement and monitor consumer protection policies. Special care

should be taken to ensure that measures for consumer protection are

implemented for the benefit of all sectors of the population, particularly the

rural population.

5. All enterprises should obey the relevant laws and regulations of the

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countries in which they do business. They should also conform to the

appropriate provisions of international standards for consumer protection to

which the competent authorities of the country in question have agreed.

(Hereinafter references to international standards in the guidelines should be

viewed in the context of this paragraph.)

6. The potential positive role of universities and public and private

enterprises in research should be considered when developing consumer

protection policies.

III. Guidelines

7. The following guidelines should apply both to home-produced goods and

services and to imports.

8. In applying any procedures or regulations for consumer protection, due

regard should be given to ensuring that they do not become barriers to

international trade and that they are consistent with international trade

obligations.

A. Physical safety

9. Governments should adopt or encourage the adoption of appropriate

measures, including legal systems, safety regulations, national or

international standards, voluntary standards and the maintenance of safety

records to ensure that products are safe for either intended or normally

foreseeable use.

10. Appropriate policies should ensure that goods produced by manufacturers

are safe for either intended or normally foreseeable use. Those responsible

for bringing goods to the market, in particular suppliers, exporters,

importers, retailers and the like (hereinafter referred to as "distributors"),

should ensure that while in their care these goods are not rendered unsafe

through improper handling or storage and that while in their care they do not

become hazardous through improper handling or storage. Consumers should be

instructed in the proper use of goods and should be informed of the risks

involved in intended or normally foreseeable use. Vital safety information

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should be conveyed to consumers by internationally understandable symbols

wherever possible.

11. Appropriate policies should ensure that if manufacturers or distributors

become aware of unforeseen hazards after products are placed on the market,

they should notify the relevant authorities and, as appropriate, the public

without delay. Governments should also consider ways of ensuring that

consumers are properly informed of such hazards.

12. Governments should, where appropriate, adopt policies under which, if a

product is found to be seriously defective and/or to constitute a substantial

and severe hazard even when properly used, manufacturers and/or distributors

should recall it and replace or modify it, or substitute another product for

it; if it is not possible to do this within a reasonable period of time, the

consumer should be adequately compensated.

B. Promotion and protection of consumers' economic interests

13. Government policies should seek to enable consumers to obtain optimum

benefit from their economic resources. They should also seek to achieve the

goals of satisfactory production and performance standards, adequate

distribution methods, fair business practices, informative marketing and

effective protection against practices which could adversely affect the

economic interests of consumers and the exercise of choice in the

market-place.

14. Governments should intensify their efforts to prevent practices which are

damaging to the economic interests of consumers through ensuring that

manufacturers, distributors and others involved in the provision of goods and

services adhere to established laws and mandatory standards. Consumer

organizations should be encouraged to monitor adverse practices, such as the

adulteration of foods, false or misleading claims in marketing and service

frauds.

15. Governments should develop, strengthen or maintain, as the case may be,

measures relating to the control of restrictive and other abusive business

practices which may be harmful to consumers, including means for the

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enforcement of such measures. In this connection, Governments should be

guided by their commitment to the Set of Multilaterally Agreed Equitable

Principles and Rules for the Control of Restrictive Business Practices adopted

by the General Assembly in resolution 35/63 of 5 December 1980.

16. Governments should adopt or maintain policies that make clear the

responsibility of the producer to ensure that goods meet reasonable demands of

durability, utility and reliability, and are suited to the purpose for which

they are intended, and that the seller should see that these requirements are

met. Similar policies should apply to the provision of services.

17. Governments should encourage fair and effective competition in order to

provide consumers with the greatest range of choice among products and

services at the lowest cost.

18. Governments should, where appropriate, see to it that manufacturers

and/or retailers ensure adequate availability of reliable after-sales service

and spare parts.

19. Consumers should be protected from such contractual abuses as one-sided

standard contracts, exclusion of essential rights in contracts, and

unconscionable conditions of credit by sellers.

20. Promotional marketing and sales practices should be guided by the

principle of fair treatment of consumers and should meet legal requirements.

This requires the provision of the information necessary to enable consumers

to take informed and independent decisions, as well as measures to ensure that

the information provided is accurate.

21. Governments should encourage all concerned to participate in the free

flow of accurate information on all aspects of consumer products.

22. Governments should, within their own national context, encourage the

formulation and implementation by business, in co-operation with consumer

organizations, of codes of marketing and other business practices to ensure

adequate consumer protection. Voluntary agreements may also be established

jointly by business, consumer organizations and other interested parties.

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These codes should receive adequate publicity.

23. Governments should regularly review legislation pertaining to weights and

measures and assess the adequacy of the machinery for its enforcement.

C. Standards for the safety and quality of consumer goods

and services

24. Governments should, as appropriate, formulate or promote the elaboration

and implementation of standards, voluntary and other, at the national and

international levels for the safety and quality of goods and services and give

them appropriate publicity. National standards and regulations for product

safety and quality should be reviewed from time to time, in order to ensure

that they conform, where possible, to generally accepted international

standards.

25. Where a standard lower than the generally accepted international standard

is being applied because of local economic conditions, every effort should be

made to raise that standard as soon as possible.

26. Governments should encourage and ensure the availability of facilities to

test and certify the safety, quality and performance of essential consumer

goods and services.

D. Distribution facilities for essential consumer goods

and services

27. Governments should, where appropriate, consider:

(a) Adopting or maintaining policies to ensure the efficient distribution of

goods and services to consumers; where appropriate, specific policies should

be considered to ensure the distribution of essential goods and services where

this distribution is endangered, as could be the case particularly in rural

areas. Such policies could include assistance for the creation of adequate

storage and retail facilities in rural centres, incentives for consumer

self-help and better control of the conditions under which essential goods and

services are provided in rural areas;

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(b) Encouraging the establishment of consumer co-operatives and related

trading activities, as well as information about them, especially in rural

areas.

E. Measures enabling consumers to obtain redress

28. Governments should establish or maintain legal and/or administrative

measures to enable consumers or, as appropriate, relevant organizations to

obtain redress through formal or informal procedures that are expeditious,

fair, inexpensive and accessible. Such procedures should take particular

account of the needs of low-income consumers.

29. Governments should encourage all enterprises to resolve consumer disputes

in a fair, expeditious and informal manner, and to establish voluntary

mechanisms, including advisory services and informal complaints procedures,

which can provide assistance to consumers.

30. Information on available redress and other dispute-resolving procedures

should be made available to consumers.

F. Education and information programmes

31. Governments should develop or encourage the development of general

consumer education and information programmes, bearing in mind the cultural

traditions of the people concerned. The aim of such programmes should be to

enable people to act as discriminating consumers, capable of making an

informed choice of goods and services, and conscious of their rights and

responsibilities. In developing such programmes, special attention should be

given to the needs of disadvantaged consumers, in both rural and urban areas,

including low-income consumers and those with low or non-existent literacy

levels.

32. Consumer education should, where appropriate, become an integral part of

the basic curriculum of the educational system, preferably as a component of

existing subjects.

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33. Consumer education and information programmes should cover such important

aspects of consumer protection as the following:

(a) Health, nutrition, prevention of food-borne diseases and food

adulteration;

(b) Product hazards;

(c) Product labelling;

(d) Relevant legislation, how to obtain redress, and agencies and

organizations for consumer protection;

(e) Information on weights and measures, prices, quality, credit conditions

and availability of basic necessities; and

(f) As appropriate, pollution and environment.

34. Governments should encourage consumer organizations and other interested

groups, including the media, to undertake education and information

programmes, particularly for the benefit of low-income consumer groups in

rural and urban areas.

35. Business should, where appropriate, undertake or participate in factual

and relevant consumer education and information programmes.

36. Bearing in mind the need to reach rural consumers and illiterate

consumers, Governments should, as appropriate, develop or encourage the

development of consumer information programmes in the mass media.

37. Governments should organize or encourage training programmes for

educators, mass media professionals and consumer advisers, to enable them to

participate in carrying out consumer information and education programmes.

G. Measures relating to specific areas

38. In advancing consumer interests, particularly in developing countries,

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Governments should, where appropriate, give priority to areas of essential

concern for the health of the consumer, such as food, water and

pharmaceuticals. Policies should be adopted or maintained for product quality

control, adequate and secure distribution facilities, standardized

international labelling and information, as well as education and research

programmes in these areas. Government guidelines in regard to specific areas

should be developed in the context of the provisions of this document.

39. Food. When formulating national policies and plans with regard to food,

Governments should take into account the need of all consumers for food

security and should support and, as far as possible, adopt standards from the

Food and Agriculture Organization of the United Nations and the World Health

Organization Codex Alimentarius or, in their absence, other generally accepted

international food standards. Governments should maintain, develop or improve

food safety measures, including, inter alia, safety criteria, food standards

and dietary requirements and effective monitoring, inspection and evaluation

mechanisms.

40. Water. Governments should, within the goals and targets set for the

International Drinking Water Supply and Sanitation Decade, formulate, maintain

or strengthen national policies to improve the supply, distribution and

quality of water for drinking. Due regard should be paid to the choice of

appropriate levels of service, quality and technology, the need for education

programmes and the importance of community participation.

41. Pharmaceuticals. Governments should develop or maintain adequate

standards, provisions and appropriate regulatory systems for ensuring the

quality and appropriate use of pharmaceuticals through integrated national

drug policies which could address, inter alia, procurement, distribution,

production, licensing arrangements, registration systems and the availability

of reliable information on pharmaceuticals. In so doing, Governments should

take special account of the work and recommendations of the World Health

Organization on pharmaceuticals. For relevant products, the use of that

organization's Certification Scheme on the Quality of Pharmaceutical Products

Moving in International Commerce and other international information systems

on pharmaceuticals should be encouraged. Measures should also be taken, as

appropriate, to promote the use of international non-proprietary names (INNs)

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for drugs, drawing on the work done by the World Health Organization.

42. In addition to the priority areas indicated above, Governments should

adopt appropriate measures in other areas, such as pesticides and chemicals in

regard, where relevant, to their use, production and storage, taking into

account such relevant health and environmental information as Governments may

require producers to provide and include in the labelling of products.

IV. International co-operation

43. Governments should, especially in a regional or subregional context:

(a) Develop, review, maintain or strengthen, as appropriate, mechanisms for

the exchange of information on national policies and measures in the field of

consumer protection;

(b) Co-operate or encourage co-operation in the implementation of consumer

protection policies to achieve greater results within existing resources.

Examples of such co-operation could be collaboration in the setting up or

joint use of testing facilities, common testing procedures, exchange of

consumer information and education programmes, joint training programmes and

joint elaboration of regulations;

(c) Co-operate to improve the conditions under which essential goods are

offered to consumers, giving due regard to both price and quality. Such

co-operation could include joint procurement of essential goods, exchange of

information on different procurement possibilities and agreements on regional

product specifications.

44. Governments should develop or strengthen information links regarding

products which have been banned, withdrawn or severely restricted in order to

enable other importing countries to protect themselves adequately against the

harmful effects of such products.

45. Governments should work to ensure that the quality of products, and

information relating to such products, does not vary from country to country

in a way that would have detrimental effects on consumers.

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46. Governments should work to ensure that policies and measures for consumer

protection are implemented with due regard to their not becoming barriers to

international trade, and that they are consistent with international trade

obligations.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

L.._A_UT __ O_R_:~~~~~~~~~ __________________ ~I I WDEO~GEM: PODER EXECUTIVO .. MSC1.00 2/96

EMENTA:

Regula o processo a dministra t ivo no âmbito da Administração Públi-' ca Federal.

DESPACHO:

23.10.96. - CTASP =CCJR

ENCAMINHAMENTO INICIAL:

À Com. de Trab., de Adm. e Servo Público, em O~ de novembro de 1996

APENSADOS ~~~J{ PRAZO/EMENDAS

COMIssÃO DATA/ENTRADA COMISSÃO INÍCIO

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Em _/_ '- Ass.: Presidente A(o) Sr(a). Deputado(a): Comissào:

Em / / Ass.: Presidente ---A(o) Sr(a). Deputado(a): Comissão:

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Em / / Ass.: Presidente - -- - -A(o) Sr(a). Deputado(a): Comissão:

Em / / Ass.: Presidente ----I \

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2

..

CAMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI Nº 2.464, DE 1996 (DO PODER EXECUTIVO)

MENSAGEM 1.002/96

Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

(AS COMISSõES DE TRABALHO, DE ADMINISTRAÇAO E SERVIÇO PÚBLICO; E DE CONSTITUIÇAO E JUSTIÇA E DE REDAÇAO)

.. . ...

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• •

..

PROJETO DE LEI ~4b ~(gG

Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

o CONGRESSO NACIONAL decreta:

Capítulo I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 12 Esta Lei estabelece nonnas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta, indireta e fundacional, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

§ 12 Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.

§ 22 Para os fins desta Lei, consideram-se:

a) órgão - a unidade de atuação integrante da estIUtura da Administração direta e da estrutura de uma entidade da Administração indireta e fundacional;

b) entidade - a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica;

c) autoridade - o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.

Art. 22 A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, impessoalidade e interesse público .

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

a) atuação confonne a lei e ao Direito;

b) atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

c) objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

d) atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

. -

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. .

e) divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

f) adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

. g) indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

h) observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

i) adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

, j) garantia qos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

I) proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

m) impulsão, de oficio, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

n) interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Capítulo fi DOS DIREITOS DOS ADMINISTRADOS

. Art. 3Q O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o • exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

m - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

Capítulo m DOS DEVERES DO ADMINISTRADO

Art. 4Q São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo :

I - expor os fatos conforme a verdade; II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

-

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III - não agir de modo temerário; IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento

dos fatos . Capítulo IV

DO INÍCIO DO PROCESSO

Art. 5Q O processo administrativo pode iniciar-se de oficio ou a pedido de interessado .

Art. 62 O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:

I - órgão ou autoridade administrativa a que se dirige; II - identificação do interessado ou de quem o represente; LII - domicílio do requerente ou local para '"recebimento de comunicações; IV - formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos; V - data e assinatura do requerente ou de seu representante.

Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas .

Art. 7Q OS órgãos e entidades administrativas deverão elaborar modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem em pretensões equivalentes.

Art. 82 Quando os pedidos de uma pluralidade de interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único requerimento, salvo preceito legal em contrário.

Capítulo V DOS INTERESSADOS

Art. 9Q São legitimados como interessados no processo administrativo :

I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada;

m -as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;

IV - as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.

Art. 10. São capazes, para fins de processo administrativo, os maiores de dezoito anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprío.

Capítulo VI DA COMPETÊNCIA

Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que fo i atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avo cação legalmente admitidos.

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Art . 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.

Parágrafo único. O disposto no artigo anterior aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.

Art. 13 . Não podem ser objeto de delegação :

I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; m - as matérias de competência exclusiva cro órgão ou autoridade.

Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.

§ 12 O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.

§ 2Q O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.

§ 32 As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.

Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.

Art. 16. Os órgãos e entidades administrativas divulgarão publicamente os locais das respectivas sedes e, quando conveniente, a unidade funcional competente em matéria de interesse especial .

Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.

Capítulo VII DOS IMPEDIMENTOS E DA SUSPEIÇÃO

Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que:

I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;

II - tenha participado ou venha a participar como períto, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;

m - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.

Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.

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Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares .

Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo.

Capítulo vm DA FORMA, TEMPO E LUGAR DOS ATOS DO PROCESSO

Art. 22. Os atos do processo administrativa não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.

§ 1 Q Os atos do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável.

§ 22 Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade.

§ 3Q A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo.

§ 4Q O processo deverá ter suas páginas numeradas seqüencialmente e rubricadas.

Art. 23 . Os atos do processo devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo.

Parágrafo único. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administração.

Art. 24 . Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias. salvo motivo de força maior.

Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.

Art. 25. Os atos do processo devem realizar-se preferencialmente na sede do órgão, cientificando-se o interessado se outro for o local de realização.

Capítulo IX DA COMUNICAÇÃO DOS ATOS

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

§ 1 Q A intimação deverá conter:

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..

,

a) identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa; b) finalidade da intimação; c) data, hora e local em que deve comparecer; d) se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar; e) informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento; f) indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.

§ 22 A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.

§ 32 A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

§ 42 No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicilio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.

§ 52 As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legaís, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.

Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.

Capítulo X DA INSTRUÇÃO

Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados r,.:;cessários à tomada de decisão realizam-se de oficio ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.

§ 12 O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários a decisão do processo.

§ 22 Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realízar-se do modo menos oneroso para estes.

Art. 30. São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos.

Art. 31 . Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada.

§ 12 A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas fisicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas.

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r

§ 2Q o comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.

Art. 32. Antes da tomada de decisão, a JUIZO da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.

Art. 33 . Os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.

Art. 34. Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de participação de administrados deverão ser apresentados com a indicação do procedimento adotado.

Art. 35 . Quando necessária à instrução do processo, a audiência de outros órgãos ou entidades administrativas poderá ser realizada em reunião conjunta, com a participação de titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a respectiva ata, a ser juntada aos autos.

Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no artigo seguinte.

Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de oficio, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.

Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.

§ 1 Q Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.

§ 2º Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.

Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, fonna e condições de atendimento.

Parágrafo único. Não sendo atendida a intimação, poderá o órgão competente, se entender relevante a matéria, suprir de oficio a omissão, não se eximindo de proferir a decisão.

Art. 40. Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo.

Art. 41 . Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

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Art. 42 . Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maIOr prazo.

§ 1 º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.

§ 22 Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.

Art. 43. Quando por disposição de ato normativo devam ser previamente obtidos laudos técnicos de órgãos administrativos e estes não cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes.

Art. 44. Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado .

Art. 45 . Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.

Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.

Art. 47. O órgão de instrução que não for competente para enutrr a decisão final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada, encaminhando o processo à autoridade competente.

Capítulo XI DO DEVER DE DECIDIR

Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual periodo expressamente motivada.

Capítulo XII_ DA MOTIVAÇAO

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos ~ fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

m - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

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IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

v - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de oficio;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

vrn - importem em anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 12 A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 22 Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 32 A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões oraIS constará da respectiva ata ou de termo escrito.

Capítulo xm DA DESISTÊNCIA E OUTROS CASOS DE EXTINÇÃO DO PROCESSO

Art. 51. O interessado poderá, mediante manifestação escrita, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou, ainda, renunciar a direitos disponíveis.

§ 12 Havendo vários interessados, a desistência ou renúncia atinge somente quem a tenha formulado.

§ 22 A desistência ou renúncia do interessado, conforme o caso, não prejudica o prosseguimento do processo, se a Administração considerar que o interesse público assim o exige.

Art. 52. O órgão competente poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou o objeto da decisão se tomar impossível, inútil ou prejudicado por fato superveniente.

Capítulo XIV DA ANULAÇÃO, REVOGAÇÃO E CONV ALIDAÇÃO

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos .

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 12 No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

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..

§ 22 Considera-se exerClClO do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação á validade do ato.

Art. 55 . Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria

.. Administração .

Capítulo XV DO RECURSO ADMINISTRATIVO E DA REVISÃO

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito .

§ 12 O recurso será dirigido á autoridad'e que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará á autoridade superior.

§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.

Art. 57. O recurso administrativo tramitará no administrativas, salvo disposição legal diversa.

, . maxImo por três instâncias

Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo :

I - os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo;

II - aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida;

III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;

IV - os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

§ 12 Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.

§ 2º O prazo mencionado no dispositivo anterior poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita.

§ 3º Decorrido o prazo sem que tenha sido tomada decisão, considera-se indeferido o recurso.

Art. 60. O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes.

Art. 61 . Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

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Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de dificil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de oficio ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso .

Art. 62. Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deverá intimar os demais interessados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.

Art. 63 . O recurso não será conhecido quando interposto :

I - fora do prazo; TI - perante órgão incompetente; TII- por quem não seja legitimado; IV - após exaurida a esfera administrativa.

§ 1 Q Na hipótese do inciso II, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso.

§ 2Q O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de oficio o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confinnar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que fonnule suas alegações antes da decisão.

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de oficio, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Parágrafo único . Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.

Capítulo XVI DOS PRAZOS

Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo­se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.

§ 1 Q Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora nonnal.

§ 22 Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo.

§ 3Q OS prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como tenno o último dia do mês.

Art. 67. Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos proceSSUaiS não se suspendem.

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Capítulo XVII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 68. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.

Art. 69. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,

PL-PROAD(4)

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"LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS~CeDI "

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TU Rf:pÚBI,ICA l'f:"ElUtiIVA DO BRASIL

1988 ............................................................................ -........... .

TÍTULO IV DA ORGANIZAÇÁO DÓS PODERES

CAPÍTIJLo I

Do PODER LEGISLATIVO

.~ ..... -- ... _.- ... -........ .. ... .. ... -.... _ .... _ _ ... - ... - .. -

SEÇÃO VIII

Do PROCESSO LEGISLATIVO

...................................... -................................. .

SUBSEÇÃO lU

DAS LEIS

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Fede­ral, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cida­dãos, na fonna e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1 Q São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Annadas~

11 - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração~

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orça­mentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios~

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, pro­vimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, refonna e transferên­cia de militares para a inatividade;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da De­fensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da admi­nistração pública.

§ 2Q A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

. .. . .. .. .. .. .. . .. .. .. .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .

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'LEGISLAÇÃO CITADA ANEx,tillA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEG ISLATIVOS-CeDI'

Rf:pÚBI,JCA f'f;')ERAl'lVA DO BRASIL 1988

TÍTULO II Dos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPíTULO I

Dos DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 52 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi­lidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos tennos seguintes:

. . ... .. .. ... .. .. ... ... .. ... ... ... ... - ... ... ... ... -... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... -... ... ... ... -... ... -... ... ... ... ... --... ... --... ---... -... ... --... -- ... ... ... --... ... ... .. ---... ... ... ... .. ... ... ...

)G,~"XIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular. ou de interesse colctiyo ou geral. que serão presta­das no prazo da lei. sob pena de responsabilidade. ressalyadas aquelas cujo sigilo seja imprescindh"Cl à segurança da sociedade e do Estado:

x.-"XXIV - são a todos assegurados. independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas. para defesa de direi­tos e esclarecimento de situações de ínteresse pessoaL .. ... ~ .. _._ ...... '"' ---_ ... --_ .. ----- .. - ..... _--- _ ... _-----------_ ... _ ...... _---- .. - -_ ... _--- ...... _,",_ ......... --- -_ ...

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acu­sados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

.......... _-_ .. __ ......... --_ .......... _ ............ - ......... __ ...... _-_ ........................... -- ........ -....... _-- ...... _---_ ........ __ ..... ...

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aLEGISLAÇAO CITADA ANEXADA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS-CeDI"

CAPÍTULO VII

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 37. A adrrúnistraçào pública direta, indireta ou fundacionaL de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei ~

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressal\'adas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração~

III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos. prorrogável uma vez, por igual periodo~

IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convoca­ção, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carrelfa ~

V - os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos. preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei ~

VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar~

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão:

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público:

X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distin­ção de índices entre servidores públicos civis e militares. far-se-á sempre na mesma data ~

XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de \'alores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites má­ximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remu­neração. em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso NacionaL Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus corres­pondentes nos Estados. no Distrito Federal e nos Territórios, e. nos Municípios. os valores percebidos como remuneração. em espécie. pelo Prefeito:

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COOI\DE".t

"LEGISLACÃO CITADA ANEXADA PELA ~. // '4% COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS-CeDI' ~ 1~ ;;;

~A#. f:; XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Ju "à-~'v c,c,~

ciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo; 113d s1Q

XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos. para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, ressalyado o disposto no inciso anterior e no art. 39, § 1 º;

XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados, para fins de concessão de acréscimos ul­teriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento;

XV - os vencimentos dos servidores públicos. civis e militares. são irredutíveis e a remuneração observará o que dispõem os arts. 37, XI, XII, 150. lI, 153 , lI!. e 153 , § 2º, I;

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. exceto quando houver compatibilidade de horários:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico: c) a de dois cargos privativos de médico;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fun­dações mantidas pelo poder público;

XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, den­tro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;

XIX - somente por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública;

XX - depende de autorização legislativa, em cada caso. a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a par­ticipação de qualquer delas em empresa privada;

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação. as obras. servi­ços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimen­to das obrigações.

§ 1 Q A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo. informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracteri­zem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

§ 2º A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei .

§ 3º As reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei.

§ 42 Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei. sem prejuízo da ação penal cabível.

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.. «fiO DE ~;~ t "o ~I ~ "LEG ISLAÇÃO CITADA ANEAADA PELA 8 ( JI ~

COORDEN.A.CÃO DE ESTUDOS LEG lSLATl~~S-CeDl". , . . 0 , .e;; ~! § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescnçao 'p~ra Ihcltos, pratica & S3.LN3 l~o{<Y, por qualquer agente, servidor ou não; que causem prejUlZOS ao erano, ressa -

vadas as respectivas ações de ressarCImento. § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito priyado pres­

tadoras de serviços públicos responderão pelos ~a~os que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o dIreito de regresso contra o res-ponsável nos casos de dolo ou culpa.

... ... ~ . ... ... ... ... .. ... ... .. .. ... ... ... ... ... .. ... .. ... ... .. ... ... .. ... .. ... ... ... .. ... ... ... ... .. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ..- ........ -_ ............ - ................... . ... "' ........................... --_ ... __ ............ ---_ ..... --- "''''''' ............ _---_ ........... ---------- ...... ----- --- ... -.. _-- ...... ..

PORTARIA N9 47, DE 31 DE JANEIRO DE 1996 OS MINISTROS DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, no uso de suas atribuições legais. modificando e substituindo a Portaria n° 1.404, de 17 de outubro de 1995, publicada no Diário Oficial da União, Seção 2, de 20/10/95, editada pelo primeiro, resolvem:

1 - Ratificar a constituição da Comissão de Juristas. com a finalidade de elaborar anteprojeto de lei sobre normas gerais de procedimento administrativo, prevista na referida Portaria nO 1.404/95, que passará a ter; a seguinte composição: CAIO TÁCITO, ODETE MEDAUAR. INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, DlOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ALMIRO DO COUTO E SILVA, MARIA ZANELLA DI PIETRO, ADILSON ABREU DALLARI, Jost JOAQUIM CALMON DE PASSOS, CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA e PAULO EDUARDO GARRIDO MODESTO.

2 - A coordenação da Comissão continuará a ser exercida pelo Professor Caio Tácito e será secretariada pelo Professor Paulo Eduardo Garrido Modesto, competindo ao coordenador a designaçãO de relator.

3 - As atividades da comissão e a participação de seus integrantes é considerada como prestação de serviços relevantes sem remuneração.

4 - O apoio necessário à consecu~o dos trabalhos continuará a ser prestado pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e, ainda, pela Escola Nacil)ncll!~ :\d!""inistração Pública - ENAP.

5 - O prazo para a elaboração dos trabalhos é de cento e vinte (120) dias.

6 - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

NELSON A. JOBIM LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

PORTARIA N9 1.404, DE 17 DE OUTUBRO DE 1995 . .

O .MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA no uso de suas atribuições legais. resolve:

1. Constituir Comissão composta pelos Senhores CAlO TÁCITO. ODETE MEDAUAR. INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, DIOGO DE FIGUElREOO MOREIRA NETO. JOSÉ CARLOS BARBOS,\ ~ORElRA ALMlRO 00 COlIfO ~ SiLVA e MARl~ SILVIA ZANELLA DI PlETRO. para. no prazo de 120 (cento c VIOte) dias. elaborar anteprojeto de lei sobre normas gerrus de procedimento administrativo.

2. Coordenará a Comissão o Professor CAlO T ÁClTO.

serviços relevantes. 3. As atividades da comissão e a participação de seus integrantes é considerada como prestação de

Legislativos. 4. O apoio necessário à consecução dos trabalhos será prestado pela Secretaria de Assuntos

NELSON A. · JOBIM

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-.

Mensagem n° 1.002

Senhores Membros do Congresso Nacional,

Nos tennos do artigo 61 da Constituição Federal, submeto à elevada deliberação de

Vossas Excelências, acompanhado de Exposição de Motivos dos Senhores Ministros de Estado da

Justiça e da Administração Federal e Refonna do Estado, o texto do projeto de lei que ' 'Regula o

processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal" .

Brasília, 22

. , '-... "-'-- .

de outt.:bro de 1996 .

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-.' ~ , , . ,- .'

I I IMJ '. --

Brasília,30 de ~íé)fÓ~de 1996

Excelenússimo Senhor Presidente da República,

Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei, que objetiva regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

2. Os expoentes do Direito Administrativo Brasileiro há muito propugnam pela codificação desse ramo juridico, lamentando, inclusive, que não se tenha realizado com o advento da Constituição de 1988.

3. O Projeto de Lei ora apresentado configura um marco na busca da codificação do Direito Administrativo, significando o primeiro passo para essa providência.

4. A necessidade de estabelecer regras juridicas claras para o processo administrativo no âmbito da Administração Pública inspirou a criação de uma Comissão de Juristas, sob a coordenação do Professor Caio Tácito e composta inicialmente pelas Professoras Odete Medauar e Maria Silvia Zanella di Pietro e pelos Professores Inocêncio Mártires Coelho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Almiro do Couto e Silva e José Carlos Barbosa Moreira, nomeados na Portaria nº 1.404 de 17 de outubro de 1995.

5. A Comissão foi ampliada conforme Portaria conjunta deste Ministério e do Ministério da Administração e Reforma do Estado~ de nO 47, de 31 de janeiro de 1996, com a inclusão de novos membros: os Professores Adilson de Abreu Dallari, José Joaquim Calmon de Passos , Paulo Eduardo Garrido Modesto e Carmem Lúcia Antunes Rocha.

6. O trabalho desenvolvido pela Comissão de Juristas ficou muito bem explicitado pelo Professor Caio Tácito, nos seguintes termos:

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(Fls. 02 da EM n° 548 / 1996 )

"A Comissão firmou como parâmetros básicos da proposição os ditames da atual Constituição que asseguram a aplicação, nos processos administrativos. dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como reconhecem a todos o direito de receber informações dos órgãos públicos em matéria de interesse particular ou coletivo e garantem o direito de petição e a obtenção de certidões em repartição pública (art. 5°, nºs XXXIII, XXXIV e L V). Considerou ainda a missão atribuída à defesa de direitos difusos e coletivos com a particípação popular e associativa.

Teve, ainda, presente que o sistema legal resguarda, quanto a matérias específicas, a observância de regimes especiais que regulam procedimentos próprios, como o tributário, licitatório ou disciplinar, a par do âmbito de competência de órgãos de controle econômico e financeiro.

Por esse motivo, o projeto ressalvou a eficácia de leis especiais, com a aplicação subsidiária das normas gerais a serem editadas.

Atento ao comando do art. 37 da Constituição, destacou a aplicação dos princípios essenczazs de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. A eles foram, porém. acrescidos outros igualmente estruturais, acolhidos em lei, como na doutrina e na jurisprudência.

A conduta da Administração deve pautar-se necessariamente pela finalidade da competência e conduzir sua atuação pelos postulados correlatos de proporcionalidade e razoabilidade. O diagnóstico da presença de tais elementos repousa na motivação dos atos administrativos, moldados pelo interesse público e visando à segurança jurídica na prestação dos serviços públicos.

O projeto procura enunciar os critérios básicos a que se devem submeter os processos administrativos, em função dos indicados princípios. cuidando de definir direitos e deveres dos administrados, assim como o dever da Administração de decidir sobre as pretensões dos interessados.

O rito processual é objeto de capítulos sucessivos, em seus vários trâmites, com a previsão de recursos administrativos -e da revisão dos atos decisórios, regulando-se o método de contagem de prazos.

É reconhecido à Administração o poder de anular, revogar e convalidar seus atos, assim como as hipóteses de delegação e avocação de competência.

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(Fls. 03 da EM nO 548 / 1996 )

Adotou a Comissão. como regra, o modelo de uma lei sóbria, que. atendendo à essencialidade na regulação dos pontos fundamentais do procedimento administrativo. não inviabilize a flexibilidade necessária à área criativa do poder discricionário, em medida compatível com a garantia de direitos e liberdades fundamentais. "

7. Estamos convictos, Senhor Presidente, de que a lei proposta poderá prOplClaf à Administração e aos cidadãos maior segurança e facilidade na observância e aplicação das normas administrativas~ como defendia o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles, ao argumentar favoravelmente à codificação do Direito Administrativo Brasileiro .

NELSON . :JOBIM

Respeitosamente.

. /~ ,/ ,/ // ~

L~RLOS BRESSER PEREIRA Ministro de Estado da Administração Federal

e Reforma do Estado

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ANEXO À EXPOSIÇAO DE MOTIVOS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA N° DE3 0 /0 9 /96

548

1. Síntese do problema ou da situação que reclama providências:

Necessidade de estabelecer regras jurídicas claras para o processo administrativo no âmbito da Administração Pública.

2. Soluções e providências contidas no ato normativo ou na medida proposta:

Elaboração de Projeto de Lei que "Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Públic, Federal. " •

3. Alternativas existentes à medidas ou atos propostos:

4. Custos:

5. Razões que justifiquem a urgência:

[ _ 6. Impacto sobre o meio ambiente:

7. Síntese do Parecer do Órgão Jurídico:

Manifesta-se favoravelmente ao Projeto de Lei.

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, , ,

Defiro , Publique-se .

E m 09 ,/ 09 / 98

Mensagem n!! 1.068

Senhores Membros do Congresso Nacional,

Dirijo-me a Vossas Excelências para solicitar seja atribuído o regime de urgência, de

acordo com os termos do parágrafo I!! do artigo 64 da Constituição Federal, ao Projeto de lei que

tramita na Câmara dos Deputados com o n!! 2.464, de 1996, que "Regula o processo administrativo

no âmbito da Administração Pública Federal", encaminhado àquela Casa com a Mensagem n!!

1.002, de 1996.

Brasília, 8 de setembro de 1998.

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• ---' • ;

Aviso nQ 1.198- SUPAR/C. Civil.

PRIMEIRA ~ECRETARIA

RECEBI.O nesta S8Cf8~fi.

Em dl/ 01// !Ji~U!..hQIIS v)P~ _;:6

Em 8 de setembro de 1998.

Senhor Primeiro Secretário,

Encaminho a essa Secretaria Mensagem do Excelentíssimo Senhor Presidente da

República na qual solicita ao Congresso Nacional seja atribuído o regime de urgência ao Projeto de

Lei nQ 2.464, de 1996.

Atenciosamente,

C:c ~_'I\_~ CLOVIS DE BARROS CARVALHO

Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República

. 'dIME/RA SECRETARIJ.\

m, DEJ.l . .QCJ.,/ 19.C)f. ; .

r De ordem, ao senhor ário-Geral a Mesa

Secre­as de-

l"idOS pro

rJ)IOgo~#n;~~~~-::'~-c.;z::b"'~

A Sua Ex encia o Senhor Deputado UBIRATAN AGUIAR Primei~o Secretário da Câmara dos Deputados BRASILIA-DF.

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--

Aviso nO 1.297 - SUPARlC. Civil.

Em 22 de outtbro de 1996.

Senhor Primeiro Secretário,

Encaminho a essa Secretaria Mensagem do Excelentíssimo Senhor Presidente da

República relativa a projeto de lei que "Regula o processo adminístrativo no âmbito da

Administração Pública Federal" .

Atenciosamente,

CLOVIS DE BARROS CARVALHO Ministro de Estado Chefe da Casa Civil

da Presidência da República

A Sua Excelência o Senhor Deputado WILSON CAMPOS Primeirp Secretário da Câmara dos Deputados BRASILIA-DF.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

COMISSÃO DE TRABALHO, D

Ofício nO 536/96

Senhor Presidente

Defiro. Apense-se ao Projeto de Lei n9 2.097/96 o Projeto de Lei n9 2.464/96. Oficie-se à Comissão requerente e, após, ublique-se.

ErnJ3 /1V96. 'I

Presidente

Brasília, 18 de novembro de 1996.

Nos termos do Art. 142, do Regimento Interno, requeiro a V.Exa. a apensação do Projeto de Lei nO 2.464/96 - do Poder Executivo (MSG nO 1.002196)

- que "regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública

Federal': ao Projeto de Lei nO 2.097/96 - do Sr. Régis de Oliveira --que "dispõe

sobre os atos e procedimentos da Administração Pública direta e indireta, e dá

outras providências", por se tratarem de matéria correlata.

Atenciosamente,

A Sua Excelência o Senhor Deputado Luís EDUARDO DO. Presidente da Câmara dos Deputados NESTA

GER 3.17.23.004-2 - (JUN/95)

CH Presidente

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RMS-AgR 24308Ementa e Acórdão (1)

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Relatório (2)

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Voto - ELLEN GRACIE (2)

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Extrato de Ata (1)

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Ementa e Acórdão

22/05/2012 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) :BANCO CITIBANK S/A ADV.(A/S) :EDUARDO ARRUDA ALVIM AGDO.(A/S) :ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO INTDO.(A/S) :SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO

CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECRUDESCIMENTO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA EM RECURSO DO ADMINISTRADO. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. POSSIBILIDADE.

1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.

2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.

3. A possibilidade da administração pública, em fase de recurso administrativo, anular, modificar ou extinguir os atos administrativos em razão de legalidade, conveniência e oportunidade, é corolário dos princípios da hierarquia e da finalidade, não havendo se falar em reformatio in pejus no âmbito administrativo, desde que seja dada a oportunidade de ampla defesa e o contraditório ao administrado e sejam observados os prazos prescricionais.

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2167830.

Supremo Tribunal FederalDJe 26/06/2012

Supremo Tribunal FederalInteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 7

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Ementa e Acórdão

ARE 641.054 AGR / RJ

4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL – LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido.”

5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega provimento.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 22 de maio de 2012. LUIZ FUX – Relator Documento assinado digitalmente

2

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2167830.

Supremo Tribunal Federal

ARE 641.054 AGR / RJ

4. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS – EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL – LEGALIDADE. 1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes). 2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ. 3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei. 4. Recurso ordinário desprovido.”

5. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo a que se nega provimento.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 22 de maio de 2012. LUIZ FUX – Relator Documento assinado digitalmente

2

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2167830.

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Relatório

22/05/2012 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) :BANCO CITIBANK S/A ADV.(A/S) :EDUARDO ARRUDA ALVIM AGDO.(A/S) :ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO INTDO.(A/S) :SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO

CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Cuida-se de agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com agravo. A decisão monocrática de minha lavra restou ementada nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.

1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.

2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.

3. In casu, o acórdão recorrido assentou:“ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS

– EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2123371.

Supremo Tribunal Federal

22/05/2012 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO

RELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) :BANCO CITIBANK S/A ADV.(A/S) :EDUARDO ARRUDA ALVIM AGDO.(A/S) :ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO INTDO.(A/S) :SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO

CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Cuida-se de agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com agravo. A decisão monocrática de minha lavra restou ementada nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ATENDIMENTO BANCÁRIO. REGULAMENTAÇÃO POR NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS LOCAIS. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PARA RATIFICAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE.

1. Os municípios têm competência para regulamentar o atendimento ao público em instituições bancárias, uma vez que se trata de matéria de interesse local.

2. A jurisprudência da Corte sobre a matéria foi ratificada pelo Plenário desta Corte quando do julgamento do RE 610.221, da Relatoria da E. Min. Ellen Gracie, cuja Repercussão Geral restou reconhecida.

3. In casu, o acórdão recorrido assentou:“ADMINISTRATIVO - FUNCIONAMENTO DOS BANCOS

– EXIGÊNCIAS CONTIDAS EM LEI ESTADUAL E MUNICIPAL

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2123371.

Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 7

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Relatório

ARE 641.054 AGR / RJ

- LEGALIDADE.1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível

lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes).

2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ.

3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei.

4. Recurso ordinário desprovido.”4. Agravo de instrumento a que se nega seguimento.

Nas razões do regimental, o CITIBANK S/A alegou não haver nesta Corte Suprema pacificação do tema referente à impossibilidade da reformatio in pejus nos processos administrativos.

Requer o provimento do regimental para que o extraordinário tenha regular seguimento.

É o relatório.

2

Supremo Tribunal Federal

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Supremo Tribunal Federal

ARE 641.054 AGR / RJ

- LEGALIDADE.1. A jurisprudência do STF e do STJ reconheceu como possível

lei estadual e municipal fazerem exigências quanto ao funcionamento das agências bancárias, em tudo que não houver interferência com a atividade financeira do estabelecimento (precedentes).

2. Leis estadual e municipal cuja argüição de inconstitucionalidade não logrou êxito perante o Tribunal de Justiça do Estado do RJ.

3. Em processo administrativo não se observa o princípio da "non reformatio in pejus" como corolário do poder de auto tutela da administração, traduzido no princípio de que a administração pode anular os seus próprios atos. As exceções devem vir expressas em lei.

4. Recurso ordinário desprovido.”4. Agravo de instrumento a que se nega seguimento.

Nas razões do regimental, o CITIBANK S/A alegou não haver nesta Corte Suprema pacificação do tema referente à impossibilidade da reformatio in pejus nos processos administrativos.

Requer o provimento do regimental para que o extraordinário tenha regular seguimento.

É o relatório.

2

Supremo Tribunal Federal

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 7

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Voto - MIN. LUIZ FUX

22/05/2012 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO

V O T O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): O agravo não merece prosperar.

Conquanto pacificada a controvérsia em relação à possibilidade do município legislar em assuntos de interesse local – como é o caso em comento –, o agravante sustenta tese no sentido de ser vedado no ordenamento pátrio a aplicação da reformatio in pejus nos recursos administrativos por violação ao princípio do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório e da segurança jurídica por implicar em indevido receio do administrado, quando da interposição de recursos no âmbito administrativo, de se deparar com o agravamento da sua situação.

Sem razão. É que no âmbito do Direito Administrativo, a administração pública tem a prerrogativa de revisar os seus próprios atos, podendo anulá-los, revogá-los ou modificá-los por motivos de legalidade, conveniência e oportunidade, inclusive em relação aos processos administrativos, sendo que a única ressalva diz respeito à necessidade de comunicação prévia do gravame que pode ocasionar ao administrado a interposição do recurso administrativo, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Essa conclusão está expressa na norma infraconstitucional que disciplina a espécie, (art. 64, parágrafo único, da Lei 9.784/99) a qual reproduzo para melhor entendimento:

“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2123372.

Supremo Tribunal Federal

22/05/2012 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054 RIO DE JANEIRO

V O T O

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): O agravo não merece prosperar.

Conquanto pacificada a controvérsia em relação à possibilidade do município legislar em assuntos de interesse local – como é o caso em comento –, o agravante sustenta tese no sentido de ser vedado no ordenamento pátrio a aplicação da reformatio in pejus nos recursos administrativos por violação ao princípio do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório e da segurança jurídica por implicar em indevido receio do administrado, quando da interposição de recursos no âmbito administrativo, de se deparar com o agravamento da sua situação.

Sem razão. É que no âmbito do Direito Administrativo, a administração pública tem a prerrogativa de revisar os seus próprios atos, podendo anulá-los, revogá-los ou modificá-los por motivos de legalidade, conveniência e oportunidade, inclusive em relação aos processos administrativos, sendo que a única ressalva diz respeito à necessidade de comunicação prévia do gravame que pode ocasionar ao administrado a interposição do recurso administrativo, como corolário do princípio da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Essa conclusão está expressa na norma infraconstitucional que disciplina a espécie, (art. 64, parágrafo único, da Lei 9.784/99) a qual reproduzo para melhor entendimento:

“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Odocumento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 2123372.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

ARE 641.054 AGR / RJ

puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.”

Dessarte, a possibilidade da anulação dos atos administrativos, ainda que de ofício ou quando implique sanção ao administrado, decorre do princípio da autotutela da administração pública, em nome do interesse público, sendo observado em todo o caso os prazos prescricionais.

Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.

É o voto.

2

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ARE 641.054 AGR / RJ

puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.”

Dessarte, a possibilidade da anulação dos atos administrativos, ainda que de ofício ou quando implique sanção ao administrado, decorre do princípio da autotutela da administração pública, em nome do interesse público, sendo observado em todo o caso os prazos prescricionais.

Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.

É o voto.

2

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Decisão de Julgamento

PRIMEIRA TURMAEXTRATO DE ATA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054PROCED. : RIO DE JANEIRORELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) : BANCO CITIBANK S/AADV.(A/S) : EDUARDO ARRUDA ALVIMAGDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIROPROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROINTDO.(A/S) : SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 22.5.2012.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à

Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Mathias.

Carmen Lilian Oliveira de SouzaSecretária da Primeira Turma

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PRIMEIRA TURMAEXTRATO DE ATA

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 641.054PROCED. : RIO DE JANEIRORELATOR : MIN. LUIZ FUXAGTE.(S) : BANCO CITIBANK S/AADV.(A/S) : EDUARDO ARRUDA ALVIMAGDO.(A/S) : ESTADO DO RIO DE JANEIROPROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROINTDO.(A/S) : SECRETÁRIO DE JUSTIÇA E DIREITOS DO CIDADÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 1ª Turma, 22.5.2012.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à

Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Mathias.

Carmen Lilian Oliveira de SouzaSecretária da Primeira Turma

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