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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LÚCIA HELENA ANASTÁCIO DA SILVA A MARCA DA VIOLÊNCIA E A REINCIDÊNCIA NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social sob a orientação da Profª. Doutora Maria Lúcia Rodrigues. SÃO PAULO 1 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LÚCIA HELENA ANASTÁCIO DA SILVA

A MARCA DA VIOLÊNCIA E A REINCIDÊNCIA NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social sob a orientação da Profª. Doutora Maria Lúcia Rodrigues.

SÃO PAULO

1

2007

A meus pais José e Zulmira (in memorian),

pelos exemplos de coragem e fé.

2

Banca Examinadora

______________________

______________________

______________________

3

Fim de Semana no Parque

“Bons motivos pra não ser olha meu povo nas favelas e vai perceber,

daqui eu vejo uma caranga do ano toda equipada e o tiozinho guiando.

Com seus filhos ao lado, estão indo ao parque. Eufóricos brinquedos eletrônicos

automaticamente eu imagino. A molecada lá da área como é que tá,

provavelmente correndo pra lá e pra cá; jogando bola descalços nas ruas de terra

e brincam do jeito que dá. Gritando palavrão é o jeito deles.

Eles não têm videogame às vezes nem televisão. Mas todos eles têm um dom

São Cosme São Damião

A única diversão (...) Olha o pretinho vendo tudo do lado de fora.

Nem se lembra do dinheiro que tem que levar pro seu pai bem louco gritando dentro do bar.

Nem se lembra de ontem de onde o futuro ele apenas sonha através do muro (...)

Tô cansado dessa porra de toda essa bobagem alcoolismo, vingança treta malandragem.

Mãe angustiada filho problemático. Famílias destruídas, fins de semana trágicos.

O sistema quer isso, a molecada tem que aprender. Fim de semana no Parque Ipê (...) “.

Racionais Mc´s (Mano Brown/Edy Rech).

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos que me ajudaram durante o percurso desta dissertação, cada

um a sua maneira:

À Profª. Doutora Márcia Helena de Lima Farias, amiga dedicada, por

incentivar e conduzir-me pelos caminhos que me levaram ao Serviço Social e ao

Mestrado, colaborando com sugestões, e norteando a elaboração deste trabalho.

À Orientadora, Profª. Doutora Maria Lucia Rodrigues, que aceitou o desafio de

me indicar o rumo, sempre paciente e atenciosa. Sua presença foi muito importante

para a concretização deste estudo.

Às Profªs. Doutoras Maria Lúcia Martinelli e Myrian Véras Baptista, pelas

sugestões apontadas no exame de qualificação.

Às Profªs. da Pontifica Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP –

Carmem Junqueira, Maria Cristina Vicentim, Mirian Debieux Rosa e Salma Tannus

Muchail, pela contribuição ao tema escolhido.

Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas de Ensino em Questões Metodológicas

em Serviço Social – NEMESS, lugar de reflexão sobre a Teoria da Complexidade,

articulando metodologias de ação, ensino, educação e cultura em uma perspectiva

plural, priorizando a transdisciplinaridade.

Às colegas do Núcleo de Ensino e Questões Metodológicas do Serviço Social

– NEMESS, especialmente Alvandira Generosa de Souza, Fátima Cristina da Costa

Fontes e Roseli Albuquerque da Silva pelo constante incentivo.

Ao Coordenador, Dr. Sávio Elias Rocha Shaul e sua Equipe de Educadores

do Centro Assistencial Cruz de Malta, pelo que contribuíram para a concretização do

texto.

Às amigas: Amaryllis Schloenbach e Ana Maria Lopes, pelo apoio e incentivo,

sempre dispostas a ajudar-me; e, especialmente a Maria Thereza Cavalheiro, pelo

auxílio com a revisão preliminar e algumas valiosas sugestões.

5

Às amigas do Centro de Apoio Socioeducativo de Adolescentes – Fundação

Casa – Adriana Furlan, Débora Regina Pavan de Medeiros, Francisca Honda, Jovita

Maria de Oliveira, Laura Moisés, Lílian de Araújo Rodrigues, Luzia Trigo, Margareth

Zago, Maria Cristina Ambrosio e Maria Mercedes W. K. B. Vieira, que

compartilharam de alguns momentos deste meu projeto.

Ao amigo e professor da graduação, José Eduardo de Azevedo, pelo

incentivo e contribuições.

Aos amigos Emerson dos Santos de Souza pelo suporte técnico, ao Simão

João Samba pelas sugestões ao tema e a Kátia Cristina da Silva pela sua boa

vontade.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, que continua

sendo o lugar de exercício constante de reflexão, pesquisa e conhecimento.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e

ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pela

concessão da bolsa de estudos para esta pesquisa.

À Transcreve, pelo excelente trabalho de reprodução textual das fitas

gravadas durante as entrevistas.

E, por último, mas, nem por isso menos importante, aos adolescentes que

participaram da pesquisa, dispondo-se a compartilhar suas histórias.

Muito obrigada a todos!

6

RESUMO

A marca da violência e a reincidência na medida socioeducativa do

adolescente autor de ato infracional tem por objetivo mostrar os desdobramentos da

reincidência, as implicações da violência e as suas vertentes de explicação, a

criminalidade juvenil e a integração perversa. Traçamos um breve histórico sobre os

aspectos jurídicos da reincidência e sua relação com o processo sócio-penal na

menoridade, desde o Império até o advento do ECA, com ênfase na Lei Menorista e

na institucionalização da criança e do adolescente até a FEBEM atual.

O eixo teórico também recai sobre as categorias de análise, marca, estigma e

exclusão social, que nos levaram a espelhar à luz de GOFFMAN (1988) e SPOSATI

(2000).

A metodologia utilizada na pesquisa foi de abordagem qualitativa, a partir da

seleção de seis adolescentes, que falam de sua trajetória, seus motivos e

interpretações sobre as experiências vividas, levando-nos à reflexão sobre a

reincidência a partir deles próprios. Buscamos aprender como a conduta social

reincidente é resultado da forma como o sujeito percebe o universo que o circunda,

seus valores e julgamentos, reinterpretados a partir de sua experiência de vida, e a

sua percepção da possibilidade de rompimento com essa marca.

Palavras-chave: reincidência, violência, criminalidade, marca, estigma, exclusão

social.

7

ABSTRACT

The imprint of violence and its repetitive strain, on a social/educational aspect

of youngsters, guilty of misdemeanours, targets of violence and possible explications

for such behavior, juvenile criminality and hostile integration . We outlive a brief

history of juridical aspects of repeated crime and its relationship to the social/penal

process on minors, from the Empire to the coming of ECA, stressing the "Minorist

Law" and child and youth instituanalizing until current FEBEM (State Juvenile

Foundation).

Theoretical forms also aims at analysis, marks, prejudice and social exclusion

categories, in the light of Goffman (1988) and Sposati (2000).

Methodology used in the research, was quality approach, based on six

youngsters, who deal with their paths, motivation and interpretation of lived life

experiences, coaching them into reflection on reincidence in crime, such approach

having themselves as starting point. We try to fathom how repetitive social behavior,

is the result of how global universe is deemed by these in question, values and

judgments, reinterpreted from their own life experience and of their own perception of

breaching possibility from this pattern.

Key words: reincidence, violence, criminality, marks, prejudice, social exclusion

8

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10 CAPÍTULO I – O CALEIDOSCÓPIO DO FENÔMENO DA REINCIDÊNCIA........................18

1 – O ADOLESCENTE E A LEI.....................................................................................18 2 – DEFINIÇÕES SOBRE REINCIDÊNCIA ..................................................................32 3 – FATORES QUE ESTIMULAM A REINCIDÊNCIA...................................................38

CAPÍTULO II – O CICLO DA CRUELDADE .........................................................................43

1 – GLOBALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS ......................................................................44 2 – DEFINIÇÕES DE VIOLÊNCIA ................................................................................51 3 – A VIOLÊNCIA NOS DIAS ATUAIS..........................................................................54 4 – VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE.............................................................................57 5 - O CRIME ORGANIZADO.........................................................................................60 6 – VIOLÊNCIA E REINCIDÊNCIA ...............................................................................64

CAPÍTULO III – FEBEM/ CASA/ PRESÍDIO OU RESIDÊNCIA? .........................................68

1 – AS INSTITUIÇÕES ESTATAIS ...............................................................................68 2 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE........................71 3 - A ATUAÇÃO DA FEBEM .........................................................................................76 4 – A MARCA DA VIOLÊNCIA E A REINCIDÊNCIA DOS “SEM FUTURO” ................79 5 – VIOLÊNCIA, REINCIDÊNCIA: “CADÁVERES QUENTES E EMBRIÕES FRIOS”. 84

CAPÍTULO IV – METODOLOGIA .........................................................................................86

1 - PROCEDIMENTOS E CAMINHOS DA PESQUISA ................................................86 2 – ANÁLISE INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ...........................................................94

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................144 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................152 ANEXOS ..............................................................................................................................175

9

INTRODUÇÃO

(...) os conhecimentos objetivos das ciências não são conhecimentos exteriores à humanidade. São conhecimentos que permitem situar a condição humana e que permitem aos adolescentes que a assumam.

(E. Morin).

No exercício profissional na FEBEM, observamos uma realidade que parece

confirmar o aumento do envolvimento de adolescentes com o meio infracional na

cidade de São Paulo e a reincidência1 em atos infracionais2.

Nossa experiência com a Medida Sócia Educativa (MSE) de internação indica

um crescimento, a cada ano, de adolescentes que já chegam para cumprir essa

medida tendo passado ou passando por outras medidas em meio aberto, como por

exemplo, Liberdade Assistida (L.A.), Prestação de Serviços à Comunidade (P.S.C.)

e Semiliberdade (S.L.).

As medidas em meio aberto, mais brandas, não são consideradas pela

FEBEM quando o adolescente vem para cumprir pela primeira vez a medida de

internação. Sendo assim, o adolescente é considerado primário3.

Na Unidade de Internação UI-12, observamos que os adolescentes

internados, mesmo os primários, já haviam recebido anteriormente pelo menos uma

medida socioeducativa em meio aberto.

No ano de 2005 ocorreu uma mistura, praticamente em todas as Unidades da

FEBEM; havia jovens primários e reincidentes na MSE de internação, fato que foi

objeto de denúncia por parte da Sociedade Civil, especialmente das Organizações

Não-Governamentais (ONGS). A situação, aliás, foi considerada alarmante pelo

Departamento de Execuções da Infância e Juventude (DEIJ), porque nunca antes

houve registro de tantos internos reincidentes convivendo com jovens primários no

mesmo espaço físico, em total descompasso com o art. 123 do Estatuto da Criança

e do Adolescente.

1 Trata-se da reiteração em ato infracional. Todo adolescente autor de ato infracional, que já tenha cumprido medida socioeducativa prevista no artigo 112, inciso VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente, é considerado reincidente. 2 Art. 103 - Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (ECA). 3 Adolescente autor de ato infracional que não tenha cumprido medida socioeducativa prevista no artigo 112, § VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

10

Neste período, tivemos quase que em todas as unidades do Tatuapé a

mistura de jovens primários e reincidentes na MSE de internação. Também

observamos um significativo índice de reincidência nessa modalidade de medida, ou

seja, adolescentes que retornaram a FEBEM com duas ou mais internações

anteriores. Na UI-12, o índice de reincidência na MSE de internação foi de 50%; no

final desse período, baixou para aproximadamente 35% com a redução por

desinternações ou transferência para outros Complexos.

O número de internações estava diminuindo nessa Unidade também devido à

desativação do Complexo do Tatuapé, que teve início no ano de 2005, sendo

concluída nesse semestre de 2007. Hoje, esse espaço está dando lugar a um

parque. Os adolescentes foram transferidos para outras unidades, como a FEBEM

da Vila Maria e novas Unidades abertas em outros municípios como o de Mauá.

Conforme levantamento realizado para essa pesquisa, em 10/05/06, a UI-12

apresentava o seguinte quadro:

Número de adolescentes na unidade: 103

Adolescentes primários: 74%

Adolescentes reincidentes: 26%

Constatamos então que 97% dos adolescentes internados na Unidade UI -12,

neste período, já haviam recebido outras medidas socioeducativas mais brandas

como L.A., P.S.C. e S.L.

Observa-se que a MSE de internação, neste período, apresentou um número

relativamente baixo, devido ao processo de fechamento do Complexo, e não

podemos deixar de esclarecer que esse número representava somente dados de

uma única Unidade. Conforme descreve Roseli A. Silva-d (2003), em sua

dissertação de Mestrado: “Adolescente da FEBEM: droga, crime e prisão. A droga e

a inclusão no ato infracional”, os números de adolescentes em São Paulo crescem a

cada ano:

“Segundo dados da FEBEM de julho de 2003, a instituição tem hoje 6.147 adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação. No estado de São Paulo, a faixa etária média é 16 e 17 anos; os meninos são maioria: 5.912, enquanto as meninas são 235. Nas medidas socioeducativas em meio aberto no interior do Estado a instituição mantém 6.531 adolescentes, na sua maioria acompanhados por entidades que mantém convênio com a instituição. Na grande São Paulo são 2.916 adolescentes, na capital

11

3.516, totalizando 18.390 adolescentes que cumprem medida socioeducativa no estado de São Paulo” (SILVA-d, 2003, p. 32).

Ainda, conforme a autora:

“Comparando os números da FEBEM de 1999, que eram de 12.341 adolescentes cumprindo medida socioeducativa aos dados de hoje, observamos um aumento de 67,10% de adolescentes envolvidos em atos infracionais. O ato infracional mais praticado é o roubo qualificado, apesar do aumento de outros atos infracionais como o tráfico de armas, o tráfico de drogas e seqüestros. Recentemente, uma matéria publicada no jornal de São Paulo indica o tráfico como o segundo ato infracional mais praticado por adolescentes. Dos 6.270 adolescentes internados na FEBEM em junho de 2003, 619 (9,8%) estavam na FEBEM por vender drogas; em dezembro de 2002 esse número representava 9,2% dos internados” (Idem, p. 33).

Nos acompanhamentos dos casos, deparamo-nos com queixas dos

adolescentes, pelo sofrimento com a privação da liberdade. Afirmavam que: “ela só

traz revolta e não recupera ninguém”. Contudo, a existência da privação da

liberdade parece não impedir o envolvimento em novo ato infracional. Verificamos a

existência de casos com duas ou mais internações e/ou vários processos anteriores,

indicando a reincidência em ato infracional.

Este cenário revela-nos que a medida socioeducativa embora estivesse

sendo aplicada conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

considerando-se o que trata o art. 122, II: “por reiteração no cometimento de outras

infrações graves”, em muitos casos tratava-se de ato infracional cometido contra o

patrimônio (com a única intenção de subtrair os bens) – alguns realizados até com o

emprego de “arma de brinquedo” ou equiparado ao art. 155 (furto) e roubo simples –

na prática a Justiça considera grave4 o ato infracional equiparado a roubo,

principalmente o roubo qualificado5 e o tráfico de entorpecentes. E, parece existir um

maior rigor na aplicação da medida socioeducativa, quando ocorre a reiteração

nesses atos infracionais. Trabalhando nesse contexto, sentimos motivação para

buscar conhecimentos necessários para que nos conduzisse a melhor compreensão

do fenômeno da reincidência. Assim, este estudo tem por objetivo compreender as

razões sobre a reincidência do adolescente autor de ato infracional e investigar a

“marca” da violência, presente na sua trajetória de vida, que contribui para a

4 Grave: trata-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa (ECA, art. 122, I). 5Crime contra o patrimônio – Roubo simples: sem uso de violência e ameaça à pessoa. Roubo qualificado (considerado de grave violência e ameaça à pessoa): praticado com o concurso de agentes e/ou emprego de arma.

12

reprodução desse comportamento. As possibilidades de ruptura desse ciclo se

colocam como desafio social e profissional.

O atual modelo para atender o adolescente autor de ato infracional reforça a

reprodução de um comportamento repetitivo que, por sua vez, reafirma a marca da

violência em adolescentes, que acabam se tornando reincidentes até na medida

socioeducativa de internação, dificultando a meta principal do sistema

socioeducativo, que é “possibilitar a inclusão social do modo mais célere possível e,

principalmente, o seu pleno desenvolvimento como pessoa” (SINASE, 2006, p. 27).

Conforme estudos realizados pelo Núcleo de Estudos da Violência/USP

(NEV/USP) (1999), a partir da década de 90, no Brasil, vem crescendo

significativamente o índice de envolvimento de crianças e adolescentes no mundo

do crime e da violência, tanto como autores quanto como vítimas, principalmente.

ADORNO (1999) em estudo realizado por ASSIS (1997), no Rio de Janeiro,

revela que: “as infrações violentas cometidas por adolescentes passaram de 2.675

ocorrências, em 1991, para 3.318 em 1996; portanto, um crescimento de 25% em

meia década” (p. 68). Também mostra o crescente envolvimento de adolescentes

com o tráfico de drogas, em torno de 70% no período estudado. Por outro lado,

houve também uma crescente vitimização dessa parcela da população.

Em se tratando de Brasil, o mapa da violência de 2006 mostra que:

“É na faixa de 15 a 24 anos que os homicídios atingem sua maior expressividade, principalmente na dos 20 a 24 anos de idade, com taxas em torno de 65 homicídios por 100 mil jovens”.

Mas é na faixa da menoridade legal, dos 14 aos 17 anos, que os homicídios vêm crescendo em um ritmo assustador, com pico nos 14 anos, quando os homicídios na década 1994/2004 cresceram 63,1%.

É nos 15 aos 29 anos de idade que as taxas mais cresceram na década, com índices bem diferenciados das restantes faixas etárias” (p. 53).

A pesquisa apresentada pelo NEV/USP (1999) indica que o percentual de

infrações violentas cometidas pelos adolescentes, em comparação à criminalidade

na população em geral, no período de 1993-1996 (no município de São Paulo)

superou o total geral da população nesse período. Conforme ADORNO (1999):

“Quando se compara os padrões da criminalidade na população em geral e entre os adolescentes, é possível constatar maior crescimento do crime violento entre estes últimos. Mais surpreendente ainda é verificar que o percentual de infrações

13

violentas cometidas pelos adolescentes supera ao correspondente da população em geral, no segundo período investigado (1993-96) (...). Portanto, a maior participação de adolescentes no crime violento comparativamente à participação da população em geral, no município de São Paulo, no período de 1993-96 é em grande parte ressonância de tendências mundiais mais gerais, que afetam igualmente outras sociedades, independentemente do grau ou estágio de desenvolvimento econômico-social em que se encontrem” (ADORNO, p. 70).

Embora não tenhamos encontrado pesquisas recentes realizadas no

município de São Paulo sobre o envolvimento de crianças e adolescentes na

criminalidade, há indícios de que tenha aumentado consideravelmente. Isso

principalmente “nas regiões da periferia que se tornaram zonas que sediam o tráfico de

drogas, o contrabando de armas e o comércio de produtos roubados etc., e que parece

coincidir com locais de maior incidência de pobreza e de população juvenil” (Cf. ADORNO,

p. 70).

Por outro lado, observa-se um índice crescente de desemprego nas cidades:

Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Salvador, que atinge

principalmente a juventude6, segundo pesquisa do DIEESE sobre a “ocupação dos

jovens nos mercados de trabalho metropolitanos”.

“Em 2005, no Distrito Federal e nas cinco regiões metropolitanas em que a PED é realizada, a população jovem, entre 16 e 24 anos, somava 6,5 milhões de pessoas, correspondendo a 23,8% da população acima de 16 anos residente nestas áreas. Deste contingente, grande parte – 4,6 milhões – fazia parte da força de trabalho local, na condição de ocupados ou de desempregados. Tais informações mostram que é expressiva a presença deste segmento na População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 16 anos, representando um quarto dos trabalhadores (25,0%). Entre os ocupados com mais de 16 anos (15,2 milhões), os jovens representaram uma proporção de 20,7%, totalizando 3,2 milhões de pessoas. No entanto, quando se consideram os desempregados, a proporção é bem maior: entre os 3,2 milhões de desempregados acima de 16 anos nas regiões metropolitanas analisadas, 1,5 milhão de pessoas estavam na faixa etária entre 16 e 24 anos, o que significava 45,5% do total de desempregados acima de 16 anos” (Ano 3 – Nº 24 – setembro de 2006).

Embora quantitativamente os adolescentes envolvidos com a violência

constituam uma parcela reduzida em relação às dimensões da população na sua

6 Conforme definição adotada pela Organização das Nações Unidas – ONU, o segmento juvenil representa uma parcela demográfica situada na faixa etária dos 15 aos 24 anos. Nesse estudo, são considerados jovens os indivíduos com idade entre 16 e 24 anos. O limite de 16 anos refere-se à idade mínima legal estabelecida no Brasil para a participação no mercado de trabalho.

14

faixa etária, pesquisa realizada pelo SINASE7 (2006), demonstra que: “O Brasil

possui 25 milhões de adolescentes entre 12 e 18 anos, representando

aproximadamente 15% da população”8 (p. 13); os aspectos subjetivos do fenômeno

– o adolescente como autor ou objeto da violência – assume caráter de

dramaticidade.

O Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA,

em 2003, com adolescentes privados de liberdade no Brasil, revelou que no Estado

de São Paulo, de um total de 3.120 delitos, 159 correspondia a latrocínio, 287 a

homicídios e 85 a estupro. Mas a maior incidência em ato infracional recaiu sobre o

ato infracional equiparado ao crime de roubo, perfazendo um total de 1.851 casos.

Segundo a pesquisa da FEBEM/SP, em maio de 2006, o ato infracional

cometido pelos adolescentes apresentava a seguinte característica: “roubo simples,

qualificado e porte de arma, 51; média gravidade, 19; crime contra a vida, uso de

violência, 14; sem declaração, 9; furto, 5 e outros, 2 (resultados da amostra).

Em relação a informações acerca do aumento da violência dos últimos anos

no mapa da violência de 2006, encontramos indicação quanto ao aumento da taxa

de mortalidade juvenil; mas o que alterou foram suas características – mudou de

causas provocadas por epidemias e doenças infecciosas para “causas externas” de

mortalidade, como acidentes de trânsito, homicídios e suicídio por arma de fogo:

“Os dados do SIM permitem verificar essa significativa mudança. Em 1980, as ‘causas externas’ já eram responsáveis por aproximadamente a metade (52,9%) do total de mortes dos jovens do país. Vinte e quatro anos depois, em 2004, dos 46.812 óbitos juvenis registrados no SIM/SVS/MS, 33.770 tiveram sua origem em causas externas, com esse percentual elevando-se de forma drástica: no ano de 2004, quase ¾ de nossos jovens (72,1%) morreram por causas externas. (...) O maior responsável é o capítulo de homicídios, apesar da queda no ano de 2004 pelo impacto das políticas de desarmamento” (p. 21 - 22).

Em pesquisa realizada pelo SINASE em 2004 e publicada em maio de 2006,

temos que “a morte por causas externas entre a população jovem é de 72%; destas 39,9%

refere-se a homicídios praticados contra a população jovem. Já em relação à população não

jovem, a taxa de óbitos é de 9,8%, e destes os homicídios representam apenas 3,3%” (p 14-

15).

7 SINASE: Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. 8 IBGE, (Censo Demográfico 2000 Características gerais da população – resultado da amostra) (SINASE, p. 13).

15

Assim, a discussão sobre esse tema é uma tentativa de contribuir para uma

maior reflexão sobre a marca da violência, suas conseqüências na criminalidade e

na construção da delinqüência – atribui-se aos adolescentes a responsabilidade

pelos altos índices de crescimento da criminalidade, o aumento da insegurança

pública, o medo.

Esta forma de pensar acaba remetendo à perspectiva do adolescente como

problema, que leva a práticas repressivas, excludentes, à conivência com o

extermínio de jovens e com práticas cruéis, como o encarceramento e a tortura nas

instituições que atuam no processo socioeducativo.

Essas práticas não trazem solução para a questão principal: o rompimento

com a marca da violência que se perpetua na sociedade moderna, atingindo

diretamente àquelas famílias que, desde sua constituição enquanto tais, já trazem

em si essa marca.

Esta questão é resultante de um conjunto de causas históricas e estruturais –

as relações entre o Estado e a Sociedade Civil, o modelo econômico implementado,

as políticas assistenciais, as organizações governamentais, não-governamentais, e

os interesses dos grupos dominantes.

Por isso, há necessidade de se estabelecer uma discussão mais ampla, a fim

de abordar o problema de frente e criar meios alternativos para viabilizar políticas e

ações que possibilitem a solução ou, no mínimo, a redução desta crescente

problemática.

A violência constitui-se num problema antigo, que nos últimos anos, em vista

da complexificação da sociedade, principalmente a partir do advento da chamada

globalização, vem-se agravando cada vez mais e talvez seja um dos mais graves

que a sociedade enfrenta nos dias atuais. É um tema que necessita conhecimento

interdisciplinar e envolve várias áreas do saber.

Nossos jovens representam também nosso futuro; precisamos olhá-los de

modo diferente, refletir sobre o risco constante que a juventude, principalmente a

pertencente à parcela mais pobre da sociedade está exposta, e a constante

possibilidade de sucumbir diante da violência que impregna o cotidiano, tornando-se

uma ameaça para si mesmos e para a sociedade como um todo.

16

A produção intelectual se disponibiliza para ser útil e cumprir minimamente aquilo

que a ciência do século XX pretendeu: assegurar uma qualidade de vida melhor para a

humanidade. Uma expectativa que ainda não se cumpriu.

No Capitulo I, trataremos da reincidência, destacando o caleidoscópio do

fenômeno e as limitações conceituais de sua abordagem, assim como as

condicionantes sociais da violência e da exclusão.

Fizemos uma análise da reincidência sob o conceito da legislação penal e

menorista, refletindo acerca da construção social da “marca reincidente”, com

destaque para alguns dos fatores que influenciaram o retorno à prática infracional.

No Capítulo II, apresentamos algumas vertentes de explicação para o

fenômeno da marca da violência, a criminalidade juvenil e a integração perversa. A

primeira estabelece uma relação entre a marca e a violência e suas conseqüências

na vivência dos adolescentes. Buscamos demonstrar que a exclusão social, a falta

de oportunidade e o preconceito são motivadores da reincidência.

No Capítulo III, fazemos uma reflexão sobre a reincidência de âmbito

institucional, as medidas socioeducativas e a institucionalização. Nessa linha de

raciocínio, o fenômeno estaria associado a um sistema repressivo pouco eficaz, no

sentido de não concretizar as finalidades para a qual foi criado, qual seja, dar ao

adolescente o tratamento adequado para: “possibilitar a inclusão social (...)” (SINASE, p.

27).

No Capítulo IV, apresentamos a pesquisa e sua metodologia. Os sujeitos

falam sobre sua trajetória e seus motivos; busca-se compreender, através de seus

relatos, sua compreensão sobre os motivos da reincidência.

A partir da amostra dessas falas pudemos verificar que a reincidência

infracional é resultado da forma como o sujeito apreende o universo que o circunda,

seus valores e julgamentos, que são reinterpretados a partir de sua experiência de

vida. Para essa análise, a abordagem de GOFFMAN (1988) sobre estigma, e de

SPOSATI (2000) sobre exclusão social foram fundamentais para a compreensão

dessa temática.

17

CAPÍTULO I – O CALEIDOSCÓPIO DO FENÔMENO DA REINCIDÊNCIA9

“Se institucionaliza uma relação em que a sociedade devora seus próprios filhos, sepultando-os em organismos totalitários, depois de classificá-los como excedentes e indesejáveis. Uma sociedade antropofágica em relação à maioria das crianças e dos jovens, jogando-os em meio à cultura da violência em que nascem, crescem, vivem e morrem prematuramente”.

(Sergio Adorno, 1999: 30).

Inicialmente, buscaremos tecer considerações sobre a história da legislação

que trata da questão do adolescente, autor de ato infracional, com a intenção de

desvendar a forma como se deu sua trajetória.

Em seguida, procuraremos abordar o fenômeno da reincidência, em seu

sentido jurídico-legal, buscando compreender o seu significado na medida

socioeducativa, para compreender as causas que contribuem com a sua reprodução

e configurações atuais.

1 – O ADOLESCENTE E A LEI

As primeiras referências legais sobre a questão dos menores de 21 anos, no

âmbito da legislação, foram feitas no Código Penal de 1830, promulgado pelo

Império em 11 de outubro do mesmo ano. Este Código tratou da responsabilidade

criminal e das causas que dirimem a criminalidade e justificam os crimes.

O artigo 27 declarava que os menores de 9 anos não seriam considerados

criminosos, como também os maiores entre 9 e 14 anos, que tivessem agido sem

discernimento. A teoria adotada era considerada “teoria do discernimento”; não

previa diferença entre adultos, crianças e adolescentes; eram considerados “adultos

em miniatura” (SILVA-c, 2005).

9 Utilizamos aqui a metáfora do “caleidoscópio”. Trata-se de um aparelho óptico formado por um tubo de cartão ou de metal, com pequenos fragmentos de vidro colorido que se refletem em pequenos espelhos inclinados, apresentando, a cada movimento, combinações variadas e agradáveis. O caleidoscópio foi inventado na Inglaterra, em 1816. Durante muito tempo não foi mais do que um divertido brinquedo e hoje é usado para fornecer padrões de desenho. A utilização da idéia de caleidoscópio nesse texto visa demonstrar a pluralidade e complexidade do fenômeno da reincidência (Fonte: www.wikipedia.org.br, acessado em 08/05/07). Ao mesmo tempo, compreendemos “fenômeno” o acontecimento observável, particularmente algo especial, literalmente algo que pode ser visto; derivado da palavra grega Phainomenon, que significa observável. Para Kant, significa tudo aquilo que é experimentado no mundo (subjetivo), em oposição ao que existe (objetivo) (KANT, Crítica da razão pura, 1996).

18

Essa teoria determinava que as crianças e adolescentes, na faixa etária de 9

e 14 anos, autoras de atos infracionais cometidos com discernimento, seriam

recolhidos à Casa de Correção pelo tempo que o Juiz julgasse necessário, não

podendo passar dos 17 anos.

Entre a faixa dos 14 aos 17 anos, esses adolescentes estavam sujeitos à

pena de cumplicidade (2/3 do que cabia ao adulto), e os maiores de 17 e menores

de 21 anos gozariam de atenuante da menoridade (art. 42, parágrafo 11). Portanto,

esse período se caracterizava por tratar crianças e adolescentes, que eram

classificados como “menores”, praticamente da mesma forma que os adultos

(SILVA-c, 2005; VIEIRA, 2003).

Dessa forma, o Código Penal do Império continha medidas especiais

prescritas para aqueles que, apesar de não terem atingido a maioridade, tivessem

praticado atos que fossem considerados criminais.

Para tanto, eram feitos pesquisas de suas consciências para verificar o

discernimento que tinham em relação à “prática da ação criminosa”.

Assim sendo, o ano de 1830 (Código Penal do Império) é considerado como o

início (das primeiras bases) do controle sócio-penal da menoridade como questão

criminal (cf. SILVA-c, op. cit, 2005).

Código de Menores de 1927

Em termos de direitos, a teoria adotada no Código Penal da República

deixava dúvidas quanto a sua aplicabilidade; meios existentes adotados na época

para internação e recuperação desses jovens, também se apresentavam precários.

Portanto, o clamor por uma legislação específica manifestada através de projetos

apresentados ao legislativo, levou à consecução do Código de 1927, legislação

específica para a menoridade, elaborada por MELLO MATTOS10.

O “Direito Positivo” no Brasil, referente à criança e ao adolescente, iniciou-se

em 1921, com a Lei 4.242 de 05 de janeiro. Referia-se ao orçamento da República

para aquele ano, a chamada Lei Orçamentária; depois de fixar a receita e a

despesa, continha um artigo que autorizava o Poder Executivo a organizar a

assistência e a proteção à infância “abandonada” e “delinqüente”, segundo

10 Dr. José Cândido de Albuquerque Mello Mattos – nascido aos 19/03/1864 , em Salvador/BA – foi o primeiro Juiz da Infância e Juventude. (fonte: www.jij.go.gov.br/institucional. Acesso em 14/10/2007).

19

determinadas normas que se constituíam em um verdadeiro Código de Menores

(SILVA, op.cit. 2005).

Conforme SILVA-c (2005), ocorreu no início do século XX a criação de um

“complexo tutelar” – composto por órgãos da assistência social, justiça e o direito

menorista – que teve como respaldo o novo ideal republicano de “educar corrigindo a

conduta anti-social, cujo objetivo era que os ‘menores’ pudessem servir à sociedade e

transformar-se em cidadãos úteis e produtivos” (p. 60).

A partir da Lei 4.242 de 05 de janeiro de 1921 (Lei Orçamentária para 1921),

eliminou-se o discernimento com adoção do critério cronológico, e os menores de 14

anos foram declarados penalmente irresponsáveis e sujeitos a medidas

socioeducativas11.

Esse período teve como característica a não preocupação em diferenciar o

processo e as medidas jurídicas para “delinqüentes infratores” ou para

“abandonados/carentes”, uma vez que o Código de Menores pautava-se mais pela

assistência social do que pela responsabilização penal (cf, SILVA-c, 2005, p. 60).

Em 1924 foi criado o primeiro Juizado de Menores do Brasil, na cidade do Rio

de Janeiro. A criação desse juízo de menores se deu através do Decreto 16.272, de

20 de dezembro de 1923.

Inicia-se um novo período, a caracterizar-se pela ação social do Juizado de

Menores, que reservaria ao Juiz o papel de declarar a condição jurídica da criança,

se abandonada ou não, se delinqüente, e qual o amparo que deveria receber. Mas,

na prática o que ocorreu foi uma estigmatização em relação à pobreza, conforme

análise de MOURA (2005): “estigmatiza-se, dessa forma, a pobreza na medida em

que estabelece uma vinculação entre ela e comportamentos condenáveis ou pouco

aceitáveis” (p. 37).

As crianças e os adolescentes, a quem esse tipo de legislação se dirigia –

não são considerados titulares de direito algum, mas sim, objeto de abordagem por

parte da justiça. A intervenção judicial dar-se-á sempre que houver a constatação de

perigo “material” ou “moral”. Esse quadro poderá apresentar-se em vários casos,

restando difícil o enquadramento de qual o tipo de “perigo”, o que leva a adoção de

medidas entendidas como convenientes e de duração indeterminada.

11 As medidas socioeducativas: são aplicadas aos adolescentes entre 12 a 18 anos, após verificada a prática de ato infracional. Possuem caráter educativo e não punitivo (ECA, Cap. IV).

20

Quanto ao enquadramento de “perigo”, estão inclusas as crianças e

adolescentes em situação de “abandono”, vítimas de “abusos” ou de “maus-tratos”,

ou ainda os supostos “infratores” da lei penal. Assim, são considerados na condição

de abandonados não apenas os jovens que perderam seus pais, mas também

aqueles que vivem em situação de pobreza. Quanto menos privilegiados

socialmente, mais inseridos estão nesse conceito (CAVALLIERI, 1978).

Logo após, em 1926 o Congresso concedeu ao Poder Executivo uma

autorização para consolidar as leis sobre os menores de idade, sob a denominação

de Código. No dia 12 de outubro de 1927, o Decreto 17.943-A consolidou essas leis

e o “Código de Menores”, o primeiro da América Latina.

O Código de Menores veio alterar e substituir concepções obsoletas como as

de discernimento, culpabilidade, penalidade, responsabilidade, pátrio poder,

passando a defender a assistência ao menor de idade sob a perspectiva

educacional; buscou-se abandonar a postura anterior de reprimir e punir; passou-se

a priorizar a educação e regeneração, mas a repressão e a punição nunca foram

abandonadas.

Chegou-se assim à conclusão de que questões relativas à infância e à

adolescência deveriam ser abordadas fora da perspectiva criminal, ou seja, fora do

Código Penal.

A tônica predominante dessa “Legislação Menorista” era corretiva, isto é,

fazia-se necessário educar, disciplinar, física, moral e civicamente as crianças

oriundas de famílias pobres, rotuladas como “desajustadas”, ou da “orfandade”.

O Código instituía, desse modo, uma perspectiva individualizante do problema

relacionado aos filhos dos pobres: a situação de dependência não decorria de

fatores estruturais, mas do acidente da orfandade e da incompetência de famílias

privadas; portanto, culpabilizava-se de forma quase que exclusiva a “desestrutura

familiar”.

A assistência e a proteção à infância tornam-se substitutas da repressão

policial e principalmente a partir da introdução do Código Penal de 1940,

“O Estado passa a atuar como supressor dos comportamentos ditos perigosos, utilizando-se da internação dos jovens não só delinqüentes, mas abandonados, e inserindo também, esses últimos, no conceito de periculosidade” (MOURA, 2005, op.cit. p. 39).

21

Assim, o Estado assumia a questão da assistência e proteção aos

denominados “menores abandonados”, alegando que “sob sua guarda e recebendo

uma educação adequada, esses jovens não se tornariam infratores” (MOURA, op.

cit. p. 39).

É reconhecida a importância do Código de Menores de Mello Mattos por

conter dispositivos complexos e adiantados para a sua época, colocando a

legislação sobre menores de idade em nível do Código Civil, do Código Penal e do

Comercial (SILVA-c, op.cit., 2005).

Contudo, na prática:

“esse código também classificou essas crianças e adolescentes, lhe alcunhando marcas, estigmas, que eram variadas: os ‘expostos’ (menores de 7 anos); os ´abandonados’ (menores de 18 anos); os ‘vadios’ (o que seria o equivalente aos atuais meninos de rua); os ‘mendigos’ (aqueles que pediam ou vendiam coisas nas ruas) e os ‘libertinos’ (os freqüentadores de prostíbulos)” (FONTES, 2004: p.21).

Seguem-se ao Código Mello Mattos inúmeros e significativos diplomas legais

vinculados à proteção da infância e adolescência. Entre os mais importantes estão o

novo Código Penal de 1940, que fixou a responsabilidade penal do “menor de 18

anos”, exigiu a alteração do Código de Menores de 1927 pelo Decreto-lei 6.026/43.

Este Código ampliou a inimputabilidade penal de 14 para 18 anos (Constituição

Federal de 1937), o que permanece até os dias atuais (SILVA-c, 2005).

Nesse período, ocorreu também a criação do SAM – Serviço de Assistência a

Menores, pelo Decreto 3.779/41, com o objetivo de proteção aos “desvalidos e

infratores” em todo o território nacional. A filosofia dessa instituição estava

fundamentada:

“(...) na criminologia positivista européia do século XIX com ênfase nas ciências biológicas e psicológicas para explicar cientificamente ‘condutas’ patológicas e sadias. Desse enfoque nasce a terminologia ‘delinqüente’, utilizada preconceituosamente para demarcar o comportamento juvenil ‘problemático’ e entendido como ameaça em potencial” (SILVA-c, 2005, p. 63).

Mas convém ressaltar que, apesar dos esforços de Mello Mattos e de seus

sucessores, muitas foram as barreiras que tiveram de enfrentar, tais como: a falta de

recursos e de autonomia para manutenção dos institutos já existentes e a

implantação de novos à política da época, dificultando o atendimento da demanda

22

existente. Desse modo, as reclamações oriundas dos Juízes da

infância/adolescência nesse sentido eram constantes.

Doutrina da situação irregular

A transição do Código de Mello Mattos de 1927 para o Código de Menores de

1979 ocorreu sob instruções da Política Doutrinária de Segurança Nacional,

configurando-se uma base ideológica marcada pelo preconceito e estigmas contra

as famílias que viviam na pobreza, responsabilizadas por produzirem “delinqüentes”

(FONTES, op cit, 2004).

Segundo CAVALLIERI (1978), corresponde a “situação irregular” um estado

de patologia (doença) social, entendida de forma ampla. Na “patologia social”,

encontram-se os jovens em situação de risco. Por isso, o autor faz uma analogia

com a medicina, comparando o médico com o Juiz que prescreve o tratamento

através do Código.

Na aplicação dessa doutrina (de situação irregular), o Juiz de Menores era

quem tratava dos problemas assistenciais e jurídicos, de natureza civil ou penal, via

sistema judiciário do Estado. O Juiz podia tomar decisões sobre a situação (destino)

de determinada criança ou adolescente sem sequer escutá-lo, ou até mesmo

desconsiderar a vontade de seus pais.

O jovem (criança ou adolescente) que cometesse algum tipo de infração

também poderia não ser ouvido ou não lhe ser facultado o direito à defesa, podendo

ser privado de sua liberdade ainda que declarado inocente.

Em 1964, foi criada pela Lei 4.513 a FUNABEM – Fundação Nacional do

Bem-Estar do Menor, tendo como proposta fixar diretrizes fundamentais da Política

do Bem-Estar do Menor em substituição à repressão e segregação, através dos

programas educacionais. Foi criada como entidade normativa, prevendo

ramificações nos estados e municípios, através da FEBEM – Fundação Estadual do

Bem-Estar do Menor.

O Código de Menores de 1979

Promulgado no Ano Internacional da Criança, em 10 de outubro de 1979/Lei

6.697 e fundamentado na doutrina da “situação irregular”, esse Código preconizava

que o Juiz da Infância e Juventude estava autorizado a aplicar as medidas cabíveis

23

se o menor de 18 anos estivesse classificado em alguma destas situações de

irregularidade:

“Art. 2º - Para efeito deste código, considera-se em situação irregular o menor:

I - Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de:

a) Falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) Manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis de provê-las;

II - Vítima de maus-tratos ou castigos imoderados, impostos pelos pais ou responsável;

III - Em perigo moral, devido a:

a) Encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;

b) Exploração em atividade contrária aos bons costumes;

IV - Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;

VI - Autor de infração penal”.

Os casos concretos que estivessem fora dos apontados por esse Código não

seriam incluídos na competência do Juiz e conseqüentemente, também não seriam

considerados do “Direito do Menor”.

Esse Código se propôs – no contexto socioeconômico em que vivia o país, no

qual eram pungentes as estatísticas sobre crianças e adolescentes carentes,

abandonados, ou dados à prática de atos infracionais – a atualizar o conceito dos

direitos dos adolescentes, bem como a criação de novas garantias, diante das

profundas transformações ocorridas no corpo social entre 1927 (Código Mello

Mattos) e 1979.

SILVA-c (2005), baseada em COSTA (2000), afirma que o Código de 1927

sofreu alterações em 1979, mas continuou:

“a reproduzir uma legislação de ‘menores’ conservadora, de filosofia menorista antigarantista, acentuou o caráter assistencial, preventivo e curativo; introduziu o paradigma da ‘situação irregular’; mudança da visão de ‘menor’ como ameaça social para ‘desviado’, ‘desajustado’, ‘desregrado’ e ‘marginal’” (p. 64).

24

O Código de Menores de 1979 também estava fundamentado na doutrina da

situação irregular e foi sucedido pela Lei 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), fundamentada na doutrina de proteção integral.

Doutrina da Proteção Integral

Após 20 anos da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada em 20 de

novembro de 1959 pela Assembléia das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil, a

ONU estabeleceu o ano de 1979 como o Ano Internacional da Criança. Enquanto no

Brasil, em 1979, consagrava-se a Doutrina da Situação Irregular com a edição do

novo Código de Menores, começava-se, a nível mundial, o balanço da efetivação

dos direitos na área da criança, que resultaria mais tarde na Doutrina da Proteção

Integral.

Perante a urgente necessidade de dar força internacional aos direitos

preconizados na Declaração dos Direitos da Criança, foi feita, 10 anos depois do

Ano Internacional da Criança, a Convenção das Nações Unidas de Direito da

Criança (em 1989), aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de

setembro de 1990, e promulgada pelo Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990.

A Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança consagrou a Doutrina

da Proteção Integral, que foi então constituída como o mais importante documento

internacional de Direito da Criança, aprovado em Nova Iorque e adotado pela

Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, passando a ter

força coercitiva para todos os Estados signatários, entre eles o Brasil. Portanto, a

Doutrina da Proteção Integral à Criança, a nível internacional, estabeleceu-se

principalmente pela Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança de 1989,

sendo somada com o seguinte conjunto normativo internacional:

Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração dos Direitos da

criança e do adolescente, conhecidas como Regras de Beijing (29/11/1985);

Regras das Nações Unidas para a Proteção dos jovens Privados de

Liberdade (14/12/1990);

Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil,

conhecidas como Diretrizes de Riad (14/12/1990).

Desse modo, revogou-se a arcaica concepção tutelar da criança em “situação

irregular”, e estabeleceu-se um novo paradigma, baseado no conceito de que a

criança e o adolescente são sujeitos de direito, e não mais objetos da tutela,

25

remodelando totalmente a Justiça da Infância e da Juventude e abandonando o

conceito de “menor”, como subcategoria da cidadania.

Desde então, pelo menos no Brasil, passou-se a adotar o termo “Criança” e

“Adolescente”, que é mais abrangente e adequado para o modelo de proteção

pretendido, abandonando-se as legislações anteriores.

“Assim, a atual legislação representa um significativo avanço em relação aos dois períodos anteriores, porque criou um direito especial (juvenil), diferenciando-se do penalismo e porque faz um corte com a criminalização das questões sociais, ao impor a observância do devido processo legal na aplicação das medidas socioeducativas” (SILVA-c, 2005: 68).

Portanto, o Direito da Criança e do Adolescente consagra, na ordem jurídica,

a doutrina da proteção integral, e ainda reúne, sistematiza e normatiza a proteção

preconizada pelas Nações Unidas12. Assim, a proteção jurídica à criança e ao

adolescente transcendeu a meras intenções passando a ser a garantia de seus

direitos.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que ocorreu em 1989,

definiu as diretrizes jurídicas:

“Diretrizes jurídicas e de tratamento do delito dos adolescentes estabelecendo o ato infracional como um ato de natureza criminal e não de natureza anti-social; implantação do caráter garantista e adoção do direito penal juvenil (sistema de responsabilidade penal juvenil)” (SILVA-c, 2005, p. 67).

Assim, o ECA rompe com paradigmas anteriores, fundamentados nos

conceitos: “penal indiferenciado e tutelar” e adota o sistema de responsabilidade penal

juvenil (SILVA-c, op. cit.).

No novo paradigma da “proteção integral”, diferentemente da “situação

irregular”, o Juiz somente poderá intervir quando se tratar de problemas jurídicos ou

conflitos com a lei penal; não poderá mais tomar qualquer medida, e, caso o faça,

deverá ter duração determinada e acompanhamento específico. Contudo, conforme

analisa SILVA-c (2005) na prática:

“(...) a legislação saiu de um extremo da tutela do livre arbítrio do Juiz para o outro extremo da tutela jurídica penal do Estado. Em ambos os direitos – menorista ou penal juvenil estão contidas as concepções de punição e de prevenção social como um sintoma da

12 Declaração Dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembléia das Nações Unidas em 20/11/1959.

26

inadaptação social, que continua criminalizando a pobreza e julgando os adolescentes pobres como marginais em potencial” (SILVA-c, 2005, p. 71).

Nesse sentido, na prática, o “novo Direito” evoluiu da concepção de “menor

em situação irregular” para a situação irregular dos que violam os direitos da criança

e do adolescente. Antes, as medidas eram dirigidas exclusivamente à criança, e ao

Estado nada cabia; agora, o novo discurso é: o Estado, a sociedade e a família são

os responsáveis pelas irregularidades que possam os jovens vir a sofrer em seu

desenvolvimento integral como pessoa. Segundo a autora,

“O ECA, em nome da ‘proteção integral’, ampliou a tutela jurídica do poder estatal ao adolescente em conflito com a lei, a partir do controle sócio-penal juvenil, que é operacionalizado pelo sistema de administração da (in) justiça juvenil” (SILVA-c, Op.cit. p. 72).

Por outro lado, não podemos negar que muito já se fez e se continua a fazer

para mudar a realidade das nossas crianças e adolescentes, vítimas constantes de

violência, abandono e exposição a todos os tipos de perigo, em sua maioria, sem

nenhuma proteção por parte de seus pais, do Estado e da sociedade.

No plano da mobilização, a mortalidade infantil vem sendo enfrentada com

seriedade e competência em vários estados do Brasil. Na educação, há estados e

municípios com índices elevados de crianças na escola e diminuição nos índices de

evasão. Isso embora ainda haja muito que avançar em termos de acesso e

qualidade do ensino.

Sabemos que não bastam as leis. No Brasil existe uma enorme distância

entre a lei e a realidade; talvez o melhor caminho para diminuir essa lacuna fosse

empreender vontade política para melhorar as condições de vida, de educação e

profissionalização dos nossos jovens para nos aproximarmos cada vez mais do que

está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

A Constituição Federal de 1988 e o ECA, fundamentadas na “doutrina da

proteção integral”, diferentemente das concepções anteriores, definiram crianças e

adolescentes como “sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de

desenvolvimento”, que necessitam de medidas que possam garantir-lhes a

27

efetivação de seus direitos como cidadãs e não mais como “objeto de tutela” (SILVA-

c, 2005).

Portanto, a Lei 8.069, promulgada em 1990, estabeleceu um novo paradigma

em relação à infância: se antes as crianças e adolescentes eram tratadas como

objetos passivos da tutela familiar e do Estado, agora são consideradas como

sujeitos de direitos, inimputáveis e com capacidade jurídica de responder por seus

atos (SILVA-c, 2005).

Nesse sentido, afirma ROSA (1997):

“Uma das mais importantes mudanças trazidas pelo ECA foi exatamente a desvinculação dos aspectos de caráter tutelar e/ou assistencial daqueles vinculados diretamente ao cometimento de atos infracionais. Distingue aquela criança/adolescente, vítima de violência e em situação de abandono por efeito de carências socioeconômicas, daquela autora de ato infracional (...)” (p. 41).

Também no que se refere à condição econômica ocorreram mudanças. Se,

antes, era motivo para a destituição do pátrio poder, com a colocação de crianças e

adolescentes em um lar substituto ou internamento, e à família nenhum apoio era

previsto, agora nunca poderá ser motivo de separação de seus familiares. Passou-

se a apoiar e incluir essa família em programas assistenciais.

Portanto, se a criança ou adolescente estiver em alguma dificuldade com

relação ao seu desenvolvimento como um todo, isso não é competência da justiça,

mas sim de proteção especial, direcionando o grupo familiar aos programas de

apoio.

Desapareceu a figura do “Juiz protetor” e surgiu o “Juiz julgador”. O

adolescente tornou-se o “réu” do processo. Desapareceu também o conceito de

“situação de risco” e surgiu o conceito de “situação de conflito com a lei penal”,

juridicamente separada por procedimentos específicos, ligados à idéia de “proteção”

e “socioeducativos”, respectivamente (cf. SILVA-c, 2005, p. 71).

Em termos de efetivação da política social, o ECA prevê políticas sociais

básicas, de cunho assistenciais (em caráter supletivo), serviços de proteção e

defesa das crianças e adolescentes vitimizados e proteção jurídico-social.

Em relação aos princípios estruturadores da política de atendimento, prevê a

municipalização das ações, participação da comunidade organizada na formulação

das políticas e no controle das ações.

28

A responsabilidade sobre a infração penal é atribuída de forma diferenciada

do adulto – pena para os adultos e medida socioeducativa para os adolescentes

maiores de doze anos e menores de dezoito anos, que, embora considerados

inimputáveis, cometeram ato infracional equiparado a crime ou contravenção penal

(SILVA-c, 2005, p. 71).

Conforme documento da SINASE (2006),

“Ao adolescente, a submissão a uma medida socioeducativa, para além de uma responsabilização, deve ser fundamentada não só no ato a ele atribuído, mas também deve respeitar a eqüidade (no sentido de dar o tratamento adequado e individualizado a cada adolescente ao qual se atribua um ato infracional), bem como considerar as necessidades sociais, psicológicas e pedagógicas do adolescente (...)” (p. 27).

O Estatuto define como ato infracional: “(...) a conduta descrita como crime ou

contravenção penal” (art. 103, Cap. 1). Definiu também que “os menores de dezoito

anos são penalmente inimputáveis, apenas sujeitos a medidas previstas em Estatuto

próprio” (art. 104).

O ECA também substituiu a “categoria sociológica vaga de delinqüente para a

categoria jurídica de ‘infrator’” (SILVA-c, p. 69).

O principal objetivo do ECA é a garantia dos direitos pessoais e sociais da

criança e do adolescente, através da criação de oportunidades e facilidades visando

favorecer o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições

de liberdade e dignidade. Assim, o ECA garante à criança e ao adolescente o direito

a ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes e limita os poderes, antes

absolutos, do Juiz. Mas, conforme ROSA (1997):

“Outro ponto que precisa ser desmistificado, é o tratamento dado ao adolescente infrator, que é mais contundente do que o tratamento dado ao adulto. Face a um mesmo tipo de crime, como por exemplo, o homicídio, o adulto primário tem a prerrogativa de aguardar a sentença em liberdade e até pode pagar sua pena em liberdade. No entanto, o adolescente que comete o mesmo crime é imediatamente trancafiado” ( p. 46).

Também constam no Estatuto os critérios para aplicação das medidas: “A

medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumprí-la, as

circunstâncias e a gravidade da infração” (art. 112, § 1º).

29

Quando ocorre a prática de ato infracional pelo adolescente, poderá ser-lhe

aplicada uma das seguintes modalidades da medida socioeducativa: “1) advertência;

2) obrigação de reparar o dano; 3) prestação de serviços à comunidade; 4) liberdade

assistida; 5) inserção em regime de semiliberdade; 6) internação em

estabelecimento educacional”.

O ECA garante que os casos de cometimento de ato infracional que não

impliquem grave ameaça à pessoa podem ser beneficiados por remissão (perdão),

como forma de exclusão ou suspensão do processo.

O Juiz deverá ouvir o adolescente, que será assistido por um defensor

(advogado), e acompanhar o processo legal, com todas as garantias. O ECA

garante que o adolescente não poderá ser privado da liberdade se não for

considerado culpado.

O Juiz deverá aplicar medidas alternativas, de caráter socioeducativo, mais

brandas como: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a liberdade assistida

com o devido acompanhamento e por tempo pré-determinado, a Prestação de

Serviços à comunidade e a Semiliberdade, e, como último recurso, a internação.

Conforme SILVA-c (2005), “a privação de liberdade – medida de natureza

estritamente judicial, só pode acontecer em flagrante delito ou por ordem judicial escrita de

autoridade competente (Juiz)” (p. 71).

Para esses adolescentes, o ECA prevê a aplicação de privação de liberdade,

mediante internamento em estabelecimento educacional, pelo prazo máximo de três

anos. A internação constitui a privação da liberdade, sendo aplicada como último

recurso, nos casos de cometimento de infrações de grave ameaça à pessoa, sujeita

aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento (ECA, art. 121).

Contudo, na prática, o que se confirma é que o maior índice de infrações

cometidas pelos adolescentes é contra o patrimônio e não contra a pessoa.

Segundo estudos feitos pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para

prevenção do delito e tratamento do delinqüente – ILANUD (2006), os adolescentes

são responsáveis por apenas 1% dos homicídios praticados no Estado e por menos

de 4% do total de crimes.

A medida de privação de liberdade – internação, distingue-se da pena

imposta ao maior de 18 anos. Enquanto aquela é cumprida no sistema penitenciário,

30

a outra é cumprida em estabelecimento educacional próprio para adolescente autor

de ato infracional, e se propõe a “ressocializar” o jovem; para tanto, oferece

educação escolar e profissionalização, dentro de uma proposta de atendimento

pedagógico e psicossocial, adequados a sua condição de pessoa em

desenvolvimento. Porém, a realidade demonstra que:

“O ECA troca mecanismos legalmente constituídos de controle sócio-penal tendo por base o direito penal do adulto (procedimentos de conhecimento e de execução, medidas judiciais, sistema de responsabilização penal, etc), para construção do direito penal juvenil” (SILVA-c, 2005:69).

Nesse sentido, a medida de internação acaba tornando-se punitiva, não

atingindo seu principal objetivo que é “possibilitar a inclusão social (...)” (SINASE, 2006,

p. 27).

“a medida privativa de liberdade deve ser aplicada como parte integrante de um sistema de medidas socioeducativas no qual a internação é a última medida a ser adotada, apenas nos casos de inaplicabilidade das demais e observados os princípios de brevidade, de excepcionalidade e de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (SILVA-c, p. 71).

Se o caso é tão grave que a sociedade tem necessidade de segregar, conter,

limitar, defender-se preventivamente do adolescente autor de ato infracional, do

mesmo modo e nas mesmas circunstâncias que o adulto, o que o Estatuto exige,

como o faz o Código de Processo Penal, é que a decisão seja fundamentada em

indícios suficientes da autoria e demonstrada a imposição imperiosa da medida.

Conforme determina o art. 122 do ECA, em relação à medida de internação:

“(...) a medida de internação só poderá ser aplicada quando: 1) tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; 2) por reiteração no cometimento de outras infrações graves; 3) por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”.

Podemos inferir que as modificações necessárias para a correta aplicação do

ECA estão além do texto legal. Dependem de ações públicas efetivas dos

respectivos Poderes que atuam no segmento da infância e juventude, e, enquanto

isso não acontecer, conclui-se que o Estatuto não foi totalmente viabilizado no

Estado brasileiro.

31

2 – DEFINIÇÕES SOBRE REINCIDÊNCIA

A palavra reincidência, originária do latim “recidere”, em seu sentido amplo, se

aplica à reiteração de qualquer ato infracional. Na legislação penal brasileira

consiste “na situação do indivíduo que volta a praticar delitos depois de haver sido julgado,

por um ou mais crimes anteriores” (REIS, 2001, p. 28).

Conforme define o Código Penal Brasileiro, aquele que pratica um novo crime

depois de haver sido julgado, é considerado reincidente:

“Art. 46 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (REIS: 28 apud SÁ, 1981).

A história da questão da reincidência, do ponto de vista do Direito, é antiga.

Remonta das legislações mais primitivas até as atuais e possui o caráter de

agravamento da pena; conseqüentemente, indica a gravidade da punição. Portanto,

“a preocupação em punir com maior rigor a prática reincidente é antiga” (REIS, p.

25).

Nesse sentido, a característica principal da reincidência é a acentuação de

uma culpabilização do agente que cometeu um crime, conforme constatado por

REIS (2001):

“Lei nº 6.416/77 – Verifica-se, assim uma ‘culpa maior’, porque a vontade de delinqüir persistiu, acrescentando que é isso que legitima meios de reação mais enérgicos” (p. 28).

No Direito Penal, a reincidência é um assunto que gera muita polêmica

quanto a sua aplicação, pois ela possui grande influência, principalmente na

aplicação da sentença penal condenatória, podendo agravar a situação processual

do apenado, impedindo-o de conseguir penalização mais branda.

É, pois, constatado que a estigmatização em relação à reincidência é quase

unânime nos estudos penais, bem como a prática de puní-la com maior rigor.

Na Idade Média, no Direito dos Povos Franco-Germânicos, a reincidência era

regulada com a cominação da pena a partir do segundo furto, exacerbando-se no

terceiro com o banimento. O imperador Carlos Magno puniu o primeiro furto com a

perda de um olho; o segundo, com a perda do nariz, e o terceiro, com a própria

32

morte. Em síntese, tratando-se de reincidência, o corpo aparece como o “local” da

punição, conforme REIS (2001): “Até surgir o Código de 1810, era costume marcar a

ferrete o reincidente com a letra R na espádua esquerda” (p. 25).

No Direito Romano ela aparece como sinal inquestionável de incorrigibilidade

do delinqüente, justificando-se uma punição arbitrária e excessiva.

Aparece também a distinção entre reincidência genérica* e reincidência

específica**. A primeira impedia certos benefícios ao reincidente. A segunda

agravava a pena ou atribuía caráter penal a fatos que, praticados pela primeira vez,

só eram passíveis de medidas disciplinares.

No Direito Canônico do Medievo, quanto ao aspecto moral, a penitência era

negada ao reincidente; exigia-se a expiação da pena ou do pecado para configurá-

la. Constituíam-se, como circunstâncias agravantes dos fatos, crimes como a

heresia, o concubinato etc. Os reincidentes em heresia eram entregues, sem

julgamento, para serem executados. Dessa forma, a Instituição do Vaticano inaugura

a condição de reincidente em seu meio.

No Direito Inglês do século XVI, os apenados eram contidos pelo Estado

através do terror, e a pena era mensurada não pela gravidade da culpa, mas pelo

critério da utilidade. A reincidência aparece como agravante da pena e o objetivo da

punição era impedir o crescimento da criminalidade. Assim, era costume, na primeira

reincidência, perder a metade da orelha; na segunda, enforcar o criminoso como

irrecuperável e inimigo da comunidade.

No Código Penal Francês de 1810, a noção de reincidência aparece pela

primeira vez no artigo 56, que estabelecia que o reincidente fosse condenado ao

máximo da pena ou que ela poderia ser elevada ao dobro.

No Brasil, a reincidência aparece pela primeira vez em nosso Direito, no

Código Penal de 1830 (Império). Esse Código é reformulado no padrão francês de

1810, e a reincidência aparece como circunstância agravante no Código Penal de

1890, artigo 16, parágrafo 3º.

Contudo, diferente do Código Penal anterior (1830), entende como reincidente

aquele que já cumpriu sentença condenatória anterior e comete novo delito da

mesma natureza: “ter o delinqüente reincidido em delito de mesma natureza” (REIS,

*O mesmo gênero. ** O mesmo crime.

33

2001:27). Portanto, conforme esse Código (1890), o indivíduo cuja infração fosse de

outra natureza não era considerado reincidente.

O Código Penal de 1940 ampliou e deu novos contornos à reincidência,

atribuindo-lhe conseqüências legais e particularmente severas, tanto do ponto de

vista repressivo como do preventivo, ligados à medida de segurança, e incluiu-lhe o

caráter de periculosidade:

“Art. 78 – Presumem-se perigosos:

IV - os reincidentes em crimes dolosos13” (REIS, 2001, p. 30).

O Código Penal Brasileiro de 1977 trouxe mudanças de caráter legislativo

desde o Império, tendo a reincidência recebido as seguintes configurações:

“a) Aqueles que cometeram crimes fora do Brasil. (introduz texto sobre declaração da validade das sentenças);

b) O prazo de validade de cinco anos para efeito de condenação anterior (deu à reincidência a condição de agravante da pena);

c) Os crimes praticados com torpeza e intencionalidade (homicídio e patrimonial), como ‘perigo’, e introduz a noção de periculosidade social, para reincidentes em crimes ‘dolosos’” (REIS, 2001, p. 30).

O Código Penal de 1984 (Lei 72.098/84) e o vigente de 1998 (Lei 9.714/98)

mantiveram a reincidência entre as circunstâncias agravantes genéricas, consoante

aos artigos 61, I; 63 e 64, I e II, bastando à reincidência ficta14 à sua configuração.

Portanto, a regente legislação penal exige dois pressupostos à estruturação

normativa do instituto da recidiva:

a) – Sentença condenatória transitada em julgado, no Brasil ou no

estrangeiro, por crime que não seja político ou propriamente militar;

b) – Prática de nova infração, após trânsito em julgado da sentença proferida

por crime, desde que nos limites do período depurador de cinco anos,

contado da data efetiva do cumprimento ou da extinção da pena:

13 Crimes dolosos: “A consciência e a vontade de praticar uma ação e produzir um resultado (ou assumir o risco de produzi-lo); também é dolo a consciência e vontade de omitir uma ação e produzir um resultado (ou assumir o risco de produzi-lo)” (REIS, 2001, p. 30 apud Código Penal Brasileiro). 14 Reincidência ficta - não se tem certeza que houve o trânsito em julgado ou o cumprimento da pena (FRAGOSO, 1985).

34

“Se a sentença anterior não for condenatória, não haverá reincidência. Mas, se declarada extinta a punibilidade do crime anterior, depois da condenação passada em julgado, há reincidência se novo crime vier a ser praticado, a menos que a extinção da punibilidade ocorra por anistia ou por superveniência de lei que deixa de considerar o fato como delituoso" (REIS, 2001: 26).

REIS (2001), a partir dos estudos de ADORNO & BORDINI (1989), enfoca os

conceitos de reincidência, compreendidos em quatro situações empiricamente

distintas:

“1 – Reincidência natural ou genérica – quando ocorre prática de um novo ato criminal, independente da condenação anterior;

2 – Reincidência social – supõe condenação anterior, cumprida ou não em estabelecimento prisional;

3 – Reincidência legal ou criminal – conforme anunciada nos códigos e legislações penais;

4 – Reincidência penitenciária – aquela que é aplicada aos casos de anterior permanência no presídio“. (p. 19).

Este último caso aplica-se ao sentenciado que tenha sido anteriormente

condenado à pena de prisão e não a outros tipos, como, por exemplo, liberdade

assistida, prestação de serviços, etc.

Portanto, as conseqüências que a reincidência acarreta, conforme o Código

Penal Brasileiro, são:

a) – Agravamento da pena em quantidade indeterminada (art. 61, I);

b) – Configuração das circunstâncias preponderantes no concurso de

agravantes (art. 67 - última parte);

c) – Obstrui a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de

direitos (art. 44, II) ou multa (art. 60, § 2º), a não ser que a reincidência

seja genérica e a substituição socialmente recomendável (art. 44, § 3º);

entre outras.

A reincidência não se subordina aos critérios de imputabilidade e sim de

periculosidade. Compreende-se por periculosidade uma relevante probabilidade de

retorno à prática de crime.

Nesse sentido, reincidência e periculosidade são associações

construídas pela presunção de que o reincidente é sempre perigoso. A esse

respeito, REIS (2001) analisa que: “A todo criminoso que a lei ou o Juiz presumir

35

perigoso se impõe, simultaneamente, a pena de prisão e a medida de segurança” (p.

29).

Trata-se, portanto, de uma ideologia intolerante com o reincidente, cujos

efeitos nefastos se traduzem na estigmatização e marginalização de indivíduos da

classe social de origem pobre, transformando-os em alvo do controle punitivo, sob o

pressuposto de que o novo crime foi em decorrência da vontade de delinqüir e violar

o respectivo preceito penal.

Assim sendo, a reincidência não se relaciona diretamente ao crime cometido,

mas à pessoa que o cometeu:

“(...) a reincidência constitui, não um estado da infração, mas um estado do infrator (...) na medida em que a reincidência descreve uma condição subjetiva (ser reincidente); em razão disso inflige tratamento mais rigoroso; inconteste é o reconhecimento de que a natureza político-jurídica desse instituto assemelha-se a um tipo normativo de agente” (FRAGOSO, 1985, p. 345).

Nesse sentido, ela pode ser entendida como uma técnica punitiva,

usada para criminalizar aqueles que praticam ato infracional. Por isso, possui caráter

explicitamente discriminatório, constituindo-se como uma agravante. Isto é, “quando

o Juiz agrava a pena seguinte, por ter o agente cometido novo ato infracional, está,

em verdade, punindo novamente a situação anterior” (FRAGOSO, 1985, p. 345).

O que se constata nos estudos penais é que ocorreu, a partir da segunda

metade do século XIX, uma regressão da cultura penal que concentrou grande parte

da nova política criminal na relevância e no tratamento dos tipos de autor, mais do

que nos de delito.

Tal ideologia permitiu o surgimento de uma articulada tipologia de

“reincidentes” – simples, habituais, profissionais e por tendência15 – estampada no

Código Penal de 1940. Por isso, foram tratados com penas progressivamente

severas e submetidos à medida de segurança, excluídos dos benefícios previstos

para outros condenados, e impelidos, de fato, à carreira criminal, considerados como

incorrigíveis ou irrecuperáveis (FRAGOSO, 1985).

15O termo habitualidade é adotado pelo CP brasileiro quando há uma pressuposição de que, eventualmente, a pessoa reincidente possa vir a cometer um novo delito, enquanto que a profissionalidade, indica que o agente faz da atividade criminosa uma profissão ou uma garantia de sua subsistência. Ambas constatações são dadas a partir da elaboração de um laudo técnico por uma equipe de profissionais (psicólogos, assistente social, perito médico) sobre o grau de periculosidade que a pessoa reincidente representa para o convívio societário. (FRAGOSO, 1985).

36

O poder de julgar, enquanto se restringe à função cognitiva, além de provas e

contraprovas, inclui um poder direto e autônomo de qualificação e etiquetamento,

dando origem a uma relação inevitavelmente desigual, de domínio, que anula a

dignidade da pessoa. Na realidade, a reincidência decorre unicamente de um

interesse estatal de classificar as pessoas em disciplinadas e indisciplinadas.

A prisão fabrica delinqüentes pelo próprio modo de vida que os faz levar,

isolados, impelidos a trabalhos inúteis, impondo-lhes limitações violentas. A prisão

se destina a “aplicar as leis e ensinar o respeito por elas”. Ao experimentar o

sentimento de injustiça, a exposição a esse tipo de sofrimento pode piorar

(FOUCAULT, 2004:222).

Daí, a preocupação da Lei em punir com rigor a prática reincidente,

preocupação antiga, visando influir sobre a natureza e a quantificação da pena,

presente em nossa sociedade até os dias atuais, inclusive sendo constatada na

população de adolescentes, autores de atos infracionais e na medida de internação.

O panorama histórico acima exposto teve como objetivo mostrar que embora

o adolescente, autor de ato infracional, seja, de acordo com o Estatuto da Criança e

do Adolescente – ECA – (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) considerado

inimputável16, a “carreira infracional” é vista como uma circunstância de vida que

pode ser modificada. Na prática, observamos que a situação de “reiteração” resulta

em agravamento da medida socioeducativa com a privação da liberdade; nos casos

em que ocorre a reincidência em ato infracional e, conseqüentemente na internação,

acaba sendo dificultada a sua liberação dentro dos princípios de brevidade e

excepcionalidade defendidos pelo ECA e dependendo da gravidade do ato

infracional, poderá ser prorrogada a permanência na internação pelo período

máximo permitido (3 anos), ou até atingir a idade limite de 21 anos.

Portanto, a reincidência em ato infracional, na prática, contribui como um

agravante, embora no ECA a garantia da medida socioeducativa consiste em ser

livre do caráter punitivo17, e, nossa experiência mostra que muitas vezes o

adolescente é obrigado a se submeter a laudos psiquiátricos, conforme

determinação judicial, principalmente se ele, durante a internação, já for maior de 18

16 Inimputável – consideram-se inimputáveis os menores de 18 anos e os doentes mentais. Menores de 18 anos são isentos de pena e sujeitos à medida socioeducativa. (art. 228 da Constituição Federal). “Inimputabilidade é a incapacidade para apreciar o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa apreciação. Se a imputabilidade consiste na capacidade de entender e de querer, pode estar ausente porque o indivíduo, por questão da idade, não alcançou determinado grau de desenvolvimento físico ou psíquico” (ROSA, 1997, p. 19). 17 Grifos nossos.

37

anos, possuir mais de duas passagens MSE de internação, tiver praticado ato

infracional equiparado ao crime de homicídio e outros atos infracionais considerados

de “grave ameaça e violência à pessoa”.

Conforme SOUZA, (1997), as medidas socioeducativas visam:

“à ressocialização do adolescente, corrigindo-lhe a conduta infracional. Têm, não há dúvida, finalidade igualmente preventiva, com o sentido de evitar que, futuramente, persistindo na prática daqueles atos, sejam alcançados pela Justiça Penal ao atingirem a maioridade (18 anos). Não têm caráter punitivo, diversamente do que ocorre em caso de imposição de pena ao adulto criminoso (...)” ( p. 193).

3 – FATORES QUE ESTIMULAM A REINCIDÊNCIA

Parece que, em um mundo cada vez mais globalizado, que conhece cada vez

menos restrições, impõe-se a todos certa dificuldade em assumir os próprios limites.

Essa situação atinge principalmente o adolescente, independentemente do contexto

em que se encontra, e não é benéfica para ele, podendo até levá-lo a adoecer, a

sofrer ou praticar algum ato violento, ou, de tanto lhe imporem limites, acaba por não

descobrir sua força, não desenvolvendo seus potenciais, permanecendo preso em

sua limitação (GRÜN, 2007).

LEVISKY (1998) afirma que vivemos numa sociedade que:

“privilegia o lucro, o individualismo, a liberalidade, o cinismo em detrimento de valores humanos que deveriam fazer parte do espírito de coletividade e solidariedade” (LEVISKY, 1998, p. 24).

Desse modo, LEVISKY (1998) compreende que:

“Os rituais de passagem da adolescência atual são personalizados, numa sociedade pobre de senso coletivo, apesar da globalização. Na essência os mitos da adolescência são os mesmos em relação àqueles das culturas primitivas. Caracterizam-se pelo desafio, coragem, descoberta dos próprios potenciais físicos e psíquicos”. (...) “Hoje se matam no asfalto e se inebriam no perfume da droga que corre pelas veias, patrocinados pelos adultos que os seduzem a ir para a frente de batalha em algum ponto de crack ou numa favela da vida ou diante da TV ou videogames” (p. 24).

Contudo, quando a violência é banalizada ou não é identificada como sintoma

da patologia social, corre-se o risco de transformá-la num valor cultural que pode ser

38

assimilado pela criança e pelo adolescente como forma de ser, um modo de auto-

afirmação. Dessa forma, as crianças e jovens incorporam valores éticos e morais

pautados no consumismo e no egoísmo:

“Porém, numa sociedade vazia de valores, de solidariedade, de espírito de amizade, que fomenta excessos de violência, banaliza o sexo e a agressão, o que podemos esperar de nossos jovens? Que eles retomem a revolução cultural? Quem pratica atos de vandalismo, rachas, pichações, usa drogas, despreza os bens comuns, representa, pelo menos em parte, os instrumentos disponíveis substitutivos das armas de outros tempos. Seria uma tentativa inconsciente de acordar a sociedade para que lhes ofereça melhores perspectivas de vida?” (LEVISKY, 1998:25).

O autor conclui que quando a sociedade oferece os meios adequados para

que o jovem possa desenvolver sua auto-afirmação, o resultado é a edificação da

personalidade e construção da auto-estima, desenvolvidas de forma saudável

(LEVISKY, 1998).

Nesse sentido, a qualidade dos vínculos iniciais é fundamental na formação

da criança e do adolescente. A partir dos estudos de WINNICOTT (1965),

OUTEIRAL (1998) analisa que os estados de miséria, violência, perda de

continuidade, transformações bruscas dos valores éticos e morais fazem com que a

criança organize seu “eu” de forma insegura, com carência de sentimento de

confiança básica. E conclui afirmando que:

“(...) a prática reiterada de ato infracional deve-se à busca de algo que foi perdido na tenra infância, é portanto, um grito de socorro, último apelo antes da desagregação, mas é preciso haver uma sociedade que queira ouvir estes apelos e promover recursos para a reintegração interna e social de adolescentes reincidentes” (OUTEIRAL, 1998, p. 78).

Podemos então refletir que muitos atos de vandalismo, violência e uso

abusivo de drogas vivenciado por alguns jovens são decorrentes das dificuldades

para sobreviver e interagir nesse meio, como uma espécie de pedido de socorro.

Uma das formas encontradas na atualidade por alguns jovens, para atingir

objetivos baseados em estilos de vida e na vontade de possuir os bens de consumo

mostrados pela mídia e valorizados pela sociedade é o crime, sendo esse, muitas

vezes, a única alternativa para se conseguir dinheiro. Há ainda a facilidade de

acesso às armas e às drogas, além da sensação de impunidade que fortalece cada

vez mais o mundo da violação da lei penal.

39

Por outro lado, a desigualdade social é o resultado da ambição da sociedade

consumista e o fator que mais contribui para a reincidência. Uma boa parte da

população jovem, não tendo outro meio de obter sua subsistência, entra na vida do

crime, e, conseqüentemente, na violência. O resultado não poderia ser outro: “(...)

jovens descartáveis, sendo assassinados dentro dos presídios e depositados nas

instituições de internação (...)” (LEVISKY, 1998, p. 33).

Embora o número da população de adolescentes envolvidos com o meio

infracional seja baixo em relação ao número total de jovens no país, conforme já

demonstrado pela pesquisa do SINASE, 2006, faz-se necessário maior investimento

nesse segmento populacional: (...) 1% da população rica detém 13,5% da renda nacional

contra os 50% mais pobres que detêm 14,4% desta (IBGE, 2004). Essa desigualdade social,

constatada nos indicadores sociais, traz conseqüências diretas nas condições de vida da

população infanto-juvenil” (SINASE, 2006, p. 13).

Outro fator gerador da desigualdade social é o desemprego de grande parte

da população jovem, principalmente adolescentes que se encontram na faixa etária

de 16 a 18 anos, pois, sem uma colocação, não há meio de obter um padrão de vida

aceitável, e, havendo procura demasiada e ofertas escassas, muitas vezes ocorrem

abusos e exploração.

Esses abusos muitas vezes trazem conseqüências assustadoras, como a

marginalização do trabalhador, principalmente o jovem, que, por não aceitar

situações deploráveis, tenta “vida mais fácil” no tráfico de drogas. Efeito posterior é

seu vínculo com o tráfico, podendo tornar-se, muitas vezes, um reincidente em ato

infracional, e, assim, perpetuando a marca da violência.

Nesse sentido, o problema da reincidência não é apenas uma agravante da

questão da criminalidade, mas constitui a expressão das chamadas “carreiras

infracionais”.

A reincidência em ato infracional tem-se tornado problema cada vez mais

agudo, especialmente nas grandes cidades. Para muitos, os principais responsáveis

por essa sensação generalizada de insegurança são os jovens. Portanto, propõem

como solução, a “redução da menoridade penal” e o “aumento do tempo de privação

da liberdade”, sem, contudo, refletir que, a conseqüência direta dessa questão é a

desigualdade social.

40

Em se tratando do adolescente, apesar de haver grande volume de pesquisas

e estudos sobre esta temática, não encontramos variedades de referenciais que

trate da questão da reincidência nessa população especificamente; quando o

assunto aparece, a ênfase recai, principalmente, em termos de características

psicológicas, ou de caráter individual, familiar, ambiental, ou devido à migração, ou

em relação ao “fracasso institucional”.

Ou seja, é o reconhecimento de que a reincidência representa o fracasso do

esforço social pela “ressocialização” e a consolidação do fenômeno exclusão-

inclusão, isto é, excluído socialmente da vida regular, e, em contrapartida, incluído

na conjuntura da criminalidade ou “integração perversa” (CASTELLS, 1999).

Portanto, os adolescentes reincidentes são como um espelho que reflete e

revela uma sociedade marcada por desigualdades e diferenças sociais.

No ECA, o conceito de reincidência previsto é aquele que se aplica por

“reiteração no cometimento de outras infrações graves”18, ou por descumprimento de

medida anteriormente imposta. Contudo, observa-se que, embora a Lei não atribua

ao adolescente essa qualificação – ser reincidente – na prática observa-se que a

Justiça leva em consideração a “trajetória infracional” com relação ao adolescente,

para lhe atribuir uma nova medida. Desse modo, há agravamento da pena sim, em

se tratando de cometimento de novo ato infracional, dificultando, com isso, as

desinternações, que, conforme preconiza o ECA, são sujeitas aos princípios de

“brevidade” e de “excepcionalidade” (artigo 121), perdendo-se com isso o objetivo

principal da media que é a inserção social e não a punição.

Portanto, embora o ECA não faça referência clara à questão da reincidência,

podemos observá-la nos itens 2 e 3 do artigo 122 desse Estatuto.

Outrossim, constatamos que apesar do ECA não trazer o termo “reincidente”

ou reincidência em ato infracional, este pode ser observado sob o termo “reiterar”.

Contudo, nas instituições responsáveis pela execução da medida socioeducativa, é

um conceito muito utilizado, e às vezes empregado para classificação.

No caso da FEBEM/SP, trata-se de um conceito que diz respeito ao número

de internações19 e não ao número de atos infracionais cometidos, pois é comum o

18 Grave – é considerado grave o ato infracional que coloque em risco a vida da pessoa (ECA). 19 O termo reincidente grave é utilizado pela FEBEM ao tratar de adolescente que já teve medida de internação e retorna, pela prática de novo ato infracional; e primário grave aquele que nunca teve medida anterior de internação.

41

adolescente ser primário na internação, mas já tendo cumprido vários processos

anteriores de medidas mais brandas como: liberdade assistida, prestação de

serviços à comunidade ou semiliberdade.

Chegamos então a um conceito preliminar de reincidência ou reincidente,

objeto deste estudo, o qual se ateve à definição técnico-jurídica, ao Estatuto da

Criança e do Adolescente e a questões múltiplas que envolvem o tema.

Portanto, consideram-se reincidentes para efeito deste ensaio os

adolescentes que reúnam as seguintes condições: aqueles que, após cometerem

ato infracional e tendo cumprido medida socioeducativa de qualquer natureza,

cometem novo(s) ato(s) infracional(is), retornando ao sistema sócio-penal para

cumprir nova medida.

Estudar a reincidência não é tarefa fácil, pois se trata de um tema cuja

limitação central se dá devido ao seu caráter multifacetado, porque expressa

fenômenos múltiplos e pluricausais.

Para o nosso estudo, interessa-nos o conceito de reincidência por reiteração

em ato infracional.

42

CAPÍTULO II – O CICLO DA CRUELDADE

“(...) Mas foi o próprio sistema quem criou as condições objetivas dessa reação brutal: recolhendo para si todas as cartas, ele força o outro a mudar o jogo e a mudar as regras do jogo. As novas regras do jogo são ferozes porque o jogo é feroz. (...) Então é o terror contra o terror. (...) Sabe-se que qualquer violência tradicional, hoje, regenera o sistema, desde que ela tenha sentido. Somente ameaça realmente o sistema a violência simbólica, a que não tem sentido e não traz nenhuma alternativa ideológica (...) o que é insuportável e inaceitável é a emergência dessa recente potência mundial”.

(JEAN BAUDRILLARD, 2004: 56).

A história da sociedade dos homens traz, desde o início de sua constituição, a

presença da “marca da violência”. O sistema econômico capitalista, desde muito

cedo, foi forjando suas marcas de violência, através da subjugação e da exploração

do homem pelo homem, transformando o conjunto das relações sociais e os

processos de produção em dispositivos de poder e de submissão.

Mas, para que esse sistema se concretize, KOWARICK (1994) afirma:

“(...) esses processos de produção precisam estar articulados de modo a criar excedentes mediante uma modalidade específica de subjugar o trabalhador: este deve ser livre e expropriado, de forma que sua liberdade não encontre outra alternativa senão submeter-se ao capital” (p. 11).

E continua o Autor:

“(...) Para tanto foi necessário efetuar maciça expropriação, que residiu em destruir as formas autônomas de subsistência, impedindo o acesso à propriedade da terra e aos instrumentos produtivos, a fim de retirar do trabalhador o controle sobre o processo produtivo (...) foi também necessário proceder a um conjunto de transformações de cunho mais marcadamente cultural, para que os indivíduos despossuídos dos meios materiais de vida não só precisassem como também estivessem dispostos a trabalhar para outros” (p. 12).

Assim, a violência no mundo constitui-se num antigo problema que, nos

últimos anos, com o advento da denominada “globalização”, vem agravando-se cada

vez mais e, talvez, seja uma das mais difíceis empreitadas que a sociedade enfrenta

nos dias atuais. Nessa perspectiva, é um tema que requer reflexão e conhecimento

interdisciplinar, a envolver várias áreas do saber.

43

Neste capítulo, abordaremos a temática da violência no contexto da

globalização e seus efeitos sociais, em especial nas manifestações juvenis e nas

organizações criminosas. Procuraremos enfocar algumas questões, buscando

compreender o fenômeno e sua relação com a reincidência de adolescentes na

medida socioeducativa.

Tratar dessa temática não é tarefa fácil, dado o grande risco de reduzí-las, o

caráter multifacetado e de pluricausalidades, que demanda.

COSTA & PIMENTA (2006), com base em YVES MICHAUD (1989),

MARILENA CHAUÍ (1998) e ALBA ZALUAR (1999), colocam o problema para definir

ou conceituar a violência:

“o significado etimológico da palavra expressa a dificuldade teórica dessa definição, devido ao caráter polifônico, plural, multifacetado e idealista das manifestações violentas no processo histórico de constituição das relações do homem em sociedade” (p. 6).

1 – GLOBALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS

Com o fim do socialismo real na União Soviética, o mundo se defrontou com

uma realidade marcada pela existência de um único sistema político-econômico, o

capitalismo. Excetuando os sistemas adotados por Cuba, China e Coréia do Sul, o

capitalismo é o único sistema mundial desde o início da década de 90.

O acelerado desenvolvimento tecnológico com o atrelamento da ciência à

técnica, resultou em várias transformações sociais e na expansão ilimitada do

capitalismo. No mundo moderno, particularmente a automatização da indústria, a

informática, a rapidez dos meios de transporte, o desenvolvimento das

comunicações, a internet, confirmam e promovem as grandes transformações.

A competição por mercados consumidores, por sua vez, estimulou ainda mais

o avanço da tecnologia e o aumento da produção industrial, principalmente nos

países desenvolvidos, como Estados Unidos e Japão. A lucratividade tem de ser

obtida mediante vantagens sobre a concorrência; portanto, urge reduzir os custos da

produção e oferecer ao mercado produtos baratos e de qualidade. Com os avanços

tecnológicos, particularmente nos transportes e nas comunicações, as grandes

44

corporações adotaram a estratégia de fabricação global, que consiste em decompor

o processo produtivo e dispersar suas etapas em escala mundial.

Assim, a produção deixou de ser local para ser mundial, o mesmo ocorrendo

com o consumo, pois os mesmos produtos são oferecidos à venda em diversos

recantos do planeta e deu-se início às empresas transnacionais, de onde se

desdobrou a divisão internacional do trabalho.

Esse processo atingiu praticamente todo o mundo; intensificou-se a tal ponto

que recebeu uma denominação especial – “Globalização”. Ela é basicamente

marcada pela mundialização da produção, da circulação e do consumo, ou seja, do

ciclo de reprodução do capital. Conforme BOAVENTURA (2001):

“estamos diante de um fenômeno multifacetado, com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. Por esta razão, as explicações monocausais e as interpretações monolíticas deste fenômeno parecem pouco adequadas” (p. 32).

Assim, globaliza-se a cultura, a economia, a comunicação. As distâncias entre

os estados e os homens das diferentes nações ficam cada vez mais curtas,

formando uma rede de relações intercomunicativas, interativas e propulsoras de

novas relações, de novos conceitos e categorias. Tudo é representado como fruto

desta rede de relações universais. A busca de unidade tende a nos levar a pensar

que é possível existir uma só ordem capaz de universalizar e homogeneizar as

relações entre os indivíduos e entre estes e a natureza do planeta terra.

Vivemos, pois, sob um regime político novo, de caráter internacional e até

mesmo planetário. Um mundo que, por causa das tecnologias de ponta, vive à

velocidade do imediato, sem fronteiras e sem espaços, um mundo em rede.

Conforme FORRESTER (1997):

“Trata-se de um mundo que, por causa da cibernética, das tecnologias de ponta, vive à velocidade do imediato; um mundo em que a velocidade se confunde com o imediato em espaços sem intertidícios. A ubiqüidade, a simultaneidade aí é a lei” (p. 26).

O grande “motor” da globalização é a competitividade. Para tanto, as grandes

empresas financiam ou promovem pesquisas, implicando um acelerado avanço

tecnológico. Esse avanço resultou em informatização de atividades e automatização

da indústria, incluindo até a robotização de fábricas. Em conseqüência, o

desemprego tornou-se um dos maiores, senão o pior, problema atual do capitalismo.

45

“A globalização, longe de ser consensual, é (...) um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estado e interesses hegemônicos, por um lado, e grupos sociais, Estado e interesses subalternos, por outro; e mesmo no interior do campo hegemônico há divisões mais ou menos significativas” (BOAVENTURA, 2001: 33).

Conforme o autor, essa nova economia possui as seguintes características:

“economia dominada pelo sistema financeiro e pelo investimento à escala global; processos de produção flexíveis e multilocais, baixos custos de transportes; revolução nas tecnologias de informação e de comunicação; desregulação das economias nacionais; preeminência das agências de três grandes capitalismos transnacionais: o americano, baseado nos EUA e nas relações privilegiadas deste país com o Canadá, o México e a América Latina; o japonês, baseado no Japão e nas suas relações privilegiadas com os quatro pequenos tigres e com o resto da ‘Ásia’, e o europeu, baseado na União Européia e nas relações privilegiadas desta com a Europa de Leste e com o Norte de África” (BOAVENTURA, 2001: 35).

Embora a globalização seja mais intensa na economia, ela também ocorre na

informação, na cultura, na ciência, na política e no espaço de vida cotidiano.

Contudo, isso não significa que ela homogeneizou o espaço mundial, ao contrário,

ela é seletiva. Isto significa que, enquanto muitos lugares e grupos de pessoas se

globalizaram, outros ficaram excluídos do processo.

Nesse sentido, a globalização tem tornado o espaço mundial cada vez mais

heterogêneo, provocando uma imensa concentração de riqueza nas mãos de uma

pequena minoria e, em contrapartida, aumentando as diferenças entres países e

levando um grande segmento social à pobreza e exclusão social.

“A tendência, entretanto, é exatamente essa. Uma quantidade importante de seres humanos já não é mais necessária ao pequeno número que molda a economia e detém o poder. Segundo a lógica reinante, uma multidão de seres humanos encontra-se assim, sem razão razoável para viver neste mundo, onde, entretanto, eles encontram a vida” (FORRESTER, 1997:27).

Esta tese é confirmada por BOAVENTURA (2001), quando menciona como

resultado do processo de globalização o surgimento de uma nova categoria de

pobreza:

“A nova pobreza globalizada não resulta de falta de recursos humanos ou materiais, mas tão só do desemprego, da destruição das economias de subsistência e da minimização dos custos salariais à escala mundial” (p. 41).

46

Infelizmente, essa realidade mostra que, apesar da crença “de que a

emergência da modernidade levaria à formação de uma ordem social mais feliz e

mais segura”, tal fato não aconteceu, não para todos, mas apenas para uma

pequena minoria.

Conforme FORRESTER (2001),

“(...) Este regime não governa, ele despreza, ou melhor, ele ignora aqueles que deveria governar (...), não se trata de organizar uma sociedade, de estabelecer suas formas, mas de colocar em marcha uma idéia fixa, que poderíamos mesmo chamar de ‘maníaca’: a obsessão em abrir caminho à corrida sem obstáculo ao lucro, um lucro cada vez mais abstrato, mais virtual” (p. 6).

Analisando o momento presente da sociedade moderna SANTOS (2000),

enfatiza que a história do capitalismo é marcada por períodos de crises, ou seja, é

dividido em fases, cuja característica é a ordem-desordem (crise). Portanto, a crise é

inerente a cada período evolutivo do capitalismo. Nesse sentido, essa “(...) é a sua

‘maneira’ de evoluir, sendo esse processo de crise permanente”. Para ele, a

“globalização” é, nada mais do que a crise do período atual do sistema capitalista de

produção (p. 35).

FORRESTER (2001) tece uma crítica contra a globalização, afirmando que se

trata de um regime autoritário, capaz de impor coerções e exclusão de populações

inteiras por causa do “lucro”. Ou seja, é a “ditadura do lucro”.

“A competitividade serve de pretexto para os inumeráveis excessos cometidos em seu nome, serve também às degradações cruéis, ainda que menos espetaculares, das condições gerais de trabalho e de vida (...). Ela não tem outro objetivo que o lucro – o lucro a qualquer preço” (p. 29-37).

Assim, no momento atual, a denominada “globalização” tornou-se autônoma,

internacional e escapou ao controle do homem. As metamorfoses sociais deste novo

milênio vão sendo moldadas e interpretadas por diferentes autores, à luz de novos

referenciais teóricos fundamentados no pluralismo, na interdisciplinaridade, no uno e

no global.

Desaparecem também as verdades únicas e surgem novos padrões de

compreensão e de interpretação das relações entre os povos.

Contudo, simultaneamente a essas posições, coexistem também práticas,

modos de vida ainda pautados em ideologias conservadoras e arcaicas para os

47

novos padrões de exigências tecnológicas; convive-se com o moderno e com o

velho. Não há rompimento de tudo.

Convivemos com o moderno avançado, com tecnologias de última geração,

ao lado de problemas sociais cruciantes como a pobreza, a violência, o desemprego,

a criminalidade.

Assim, a globalização se constitui, na atualidade, numa forma de dominação

empreendida pelo sistema capitalista atual. O mercado reproduz o capital, mesmo

às custas do sacrifício de seres humanos no exercício de sua autopreservação.

Essa globalização que nos foi imposta busca responder à necessidade de

legitimidade e dissimulação do poder econômico e político, poder assimétrico de

domínio/dependência, que facultou a difusão e o auge das políticas neoliberais, e, é

claro, conforme denominado por FORRESTER (2001), o “ultraliberalismo”.

Para SANTOS (2000), a forma desigual e perversa do processo de

globalização submeteu a maioria da população a situações como desemprego,

fome, desabrigo, difícil acesso à educação etc., constituindo-se, então, no que ele

denomina de “fábrica de perversidade” (p. 20).

Com o advento da globalização, o mundo esperava que o consumo

tecnológico em massa produzisse equilíbrio social, mas, ao contrário, na análise

destes autores, ela reforçou ainda mais a “alienação” e piorou o relacionamento

entre os homens.

Nesse sentido, SANTOS (2000) responsabiliza a indústria cultural porque ela

não contribuiu com o desenvolvimento, no segmento populacional dos “excluídos”

para a construção de um pensamento crítico, mas, ao contrário, reforçou, pela via da

manipulação, a ideologia que coloca os indivíduos na condição de meros

consumidores de bens materiais e culturais, que são, agora, produzidos em escala

mundial, deixando mais ricos os “donos do capital”. “Nessa situação, as técnicas, a

velocidade, a potência criam desigualdades e, paralelamente, necessidades, porque

não há satisfação para todos” (p. 129).

Se por um lado, paralelamente aos avanços tecnológicos que não podem ser

negados, de última geração, que vêm transformando a vida humana em diversos

níveis, inclusive anatômicos e biológicos, por outro convive-se com uma realidade

em que grande parte da população vive de modo desumano e indigno. A fome, a

ausência de moradia, doenças de origem epidêmica por falta de saneamento básico,

48

desemprego crônico ou subemprego, são situações corriqueiras em praticamente

todas as regiões do País.

Somam-se a isso agressões físicas, abandonos, maus-tratos, rejeição e,

ainda, discriminações sociais e culturais a que são submetidos determinados

segmentos da sociedade, também considerados por parte da elite como “sub-raça”.

Ficam à margem dos processos de transformação socioeconômica e cultural em

geral, e não fazem também parte do modo de se relacionar dessa “nova ordem

social”.

Por outro lado, afirma SANTOS (2000), a humanidade perdeu referenciais,

valores e passou a consumir “linguagens, músicas e produtos de vários cantos do

mundo, sendo influenciada pela “febre de consumo” largamente difundida pela

economia de mercado em nosso meio social. “(...) atualmente, as empresas

hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos. A

chamada autonomia da produção cede lugar para o despotismo do consumo” (p. 48).

O autor chama a atenção para o fato de que as mudanças oriundas do

processo de “globalização”, embora de certa forma tenham unificado o mundo,

impõem para a maioria uma “globalização perversa” que, para ele, significa a tirania

do dinheiro e da informação: “O dinheiro se torna violento e tirânico porque é servido

pela violência da informação” (idem, p. 43), e esta última é manipulada para

confundir mais que esclarecer assumindo a forma de uma ideologia.

O autor considera ainda que essas tiranias legitimam e reforçam a ideologia,

as ações, as relações sociais e interpessoais e influenciam o caráter das pessoas.

Para FORRESTER (2001), significou a ditadura do lucro:

“É vital, portanto, perceber o furor com que somos mantidos encarcerados pela ideologia ultraliberal, que só admite uma lógica, a lógica do lucro privado, nesse sistema por ela implementado e no qual só isso consegue funcionar. (...) Porque, sem destruir a atmosfera, as estruturas, ou mesmo as liberdades democráticas nas quais ela se acomoda, uma estranha ditadura está instalada” (p. 42- 43).

Assim, para garantir o lucro máximo, a competitividade aparece como fonte

de novos totalitarismos; produz a violência estrutural, visível na ação do Estado, das

empresas e dos indivíduos.

49

Essa competitividade gera uma violenta competição que busca, a qualquer

preço, melhores posições sociais, o dinheiro e o consumo, elevando assim, o nível

social (Cf. SANTOS, 2000:37).

Essa situação torna as pessoas vulneráveis, obrigando-as a adotar

comportamentos ilegais. Nesse sentido, ocorre “um verdadeiro retrocesso quanto à

noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento

das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza” (SANTOS,

2000, p. 37).

O autor afirma, porém, que na atualidade

“uma boa parcela da humanidade, por desinteresse ou incapacidade, não é mais capaz de obedecer a leis, normas, regras, mandamentos, costumes derivados dessa racionalidade hegemônica. Daí a proliferação de ‘ilegais’, ‘irregulares’, ‘informais’’“ (idem, p. 120).

Ademais, as mudanças que ocorrem no espaço urbano, na família, nas

instituições sociais, enfim, alterações políticas e econômicas contribuíram para

alterar os padrões de sociabilidade. Os valores e regras sociais foram modificados,

com a incorporação de modelos externos às realidades locais, pautados em padrões

de desenvolvimento tecnológico mais avançados, que determinam o modo de ser e

de se relacionar dos indivíduos.

CASTELLS (1999) entende que a conseqüência da reestruturação do

capitalismo, cuja lógica principal é a competitividade econômica, é a responsável

pelo sofrimento no mundo, principalmente em países em desenvolvimento como o

Brasil, pois acirrou as desigualdades sociais entre as classes.

A análise do autor centra-se em dois focos, o primeiro, voltado para o que ele

denomina “relações de distribuição/consumo” ou seja, desigualdade, polarização,

pobreza e miséria, e o segundo, quando enfoca “as características das relações de

produção”, ou seja, individualização do trabalho, superexploração dos trabalhadores,

exclusão social e integração perversa. Conforme o autor, o processo de exclusão,

somado à insuficiência de políticas de integração social, conduz à integração

perversa, ou seja, ao “crime organizado” (p. 95 a 99).

“O capitalismo informacional é caracterizado pela formação de uma economia do crime global, bem como pela sua interdependência crescente em relação à economia formal e às instituições políticas. Segmentos de uma população socialmente excluída, junto com indivíduos que optam por meios bem mais lucrativos – e arriscados –

50

de ganhar a vida, constituem um submundo cada vez mais populoso que vem se tornando um elemento essencial da dinâmica social da maior parte do planeta” (CASTELLS, 1999, p. 100).

Dentre os grupos populacionais “excluídos”, encontram-se crianças e

adolescentes vítimas de diferentes expressões da violência praticada até pelos

agentes institucionais responsáveis por zelar pelos seus direitos.

Nesse grupo, encontram-se jovens que, com vontade de vencer as

imposições e limites que os impedem de usufruir condições dignas e exercer sua

cidadania plena, ultrapassam normas sociais e leis que regulam o comportamento

social, cometendo atos que violam o instituído.

No próximo item, veremos como esse processo se reproduz na vida em

sociedade.

2 – DEFINIÇÕES DE VIOLÊNCIA

Definir ou conceituar violência não é tarefa muito simples de realizar, pois é

grande o risco de reduzir sua complexidade e ocultar seu aspecto multifacetado.

Portanto, vamos aqui, sucintamente, mapear algumas definições para uma melhor

aproximação ao tema.

É costume associar-se violência a atos de criminalidade, mas seu conceito vai

além da dimensão da criminalidade, e se constitui a partir das relações sociais.

Diferenciam-se, contudo, conforme o lugar, tempo, espaço, conjuntura, condições

contextos e cultura de cada sociedade (COSTA & PIMENTA, op. cit. 2006, 6).

SANTOS (2000) entende a violência como uma estrutura cujo resultado é a

perversidade sistêmica, ou seja, os fatos deixam de ser isolados e atribuídos à má

formação da personalidade para se estabelecerem como um sistema. O autor

compara a realidade a:

“uma fábrica de perversidade onde a fome se torna um dado generalizado e permanente”, assim como outras questões continuam também agravando-se como analfabetismo, desemprego etc. (...), ser pobre é participar de uma situação estrutural, com uma posição relativa inferior dentro da sociedade como um todo. O fato, porém, é que a pobreza tanto quanto o desemprego agora são considerados como algo ‘natural’, inerente a seu próprio processo. Vivemos num mundo de exclusões, agravadas pela desproteção social, apanágio

51

do modelo neoliberal, que é, também criador, de insegurança” (p. 55-56).

Conforme SANTOS, o resultado é o desenvolvimento de sentimentos ligados

ao egoísmo, narcisismos, banalização da guerra de todos contra todos e utilização

de qualquer meio para obter os resultados almejados. Esse estado redunda em

corrupção, substituição do debate civilizatório para o discurso de mercado e a morte

da política.

“Daí o ensinamento e o aprendizado de comportamentos dos quais estão ausentes objetivos finalísticos e éticos (...), o estabelecimento do império do consumo, dentro do qual se instalam consumidores mais que perfeitos” (p. 60).

A esse respeito, comenta BAUMAN (2005):

“A sociedade de consumidores não tem lugar para os consumidores falhos, incompletos, imperfeitos. (...) Os consumidores falhos não teriam como saber quando poderiam ser declarados criminosos” (p. 22 e 23).

O autor afirma que os consumidores falhos são as pessoas desprovidas de

‘dinheiro’; os desempregados e/ou subempregados. Para ele, essas pessoas são

consideradas como o “refugo humano”, porque pertencem ao quadro da “população

excedente”, que nunca será aproveitada pelo mercado, pois é considerada como o

“lixo humano” (p. 53 a 57).

Portanto, o resultado dessa violência estrutural presente na sociedade

contemporânea é “a glorificação da esperteza” com negação da sinceridade,

“glorificação da avareza” com negação da generosidade. Conforme SANTOS,

(2000):

“o ideal de uma democracia plena é substituído pela construção de uma democracia de mercado (...), a distribuição do poder é tributária da realização dos fins últimos do próprio sistema globalitário. Essas são as razões pelas quais a vida normal de todos os dias está sujeita a uma violência estrutural, que, aliás, é a mãe de todas as outras violências” ( p. 61).

Para YVES MICHAUD (2001), são formas de violência: “(...) o assassinato, a

tortura, as agressões e vias de fato, as guerras, a opressão, a criminalidade, o

terrorismo, etc” (p. 7).

52

Para o entendimento da palavra violência, esse autor recorre à etimologia do

termo no latim: violentia, que significa força ou violência, extraído do verbo violare,

que quer dizer transgredir, profanar, tratar com violência. O núcleo da palavra

violência é vis, dá idéia de força, vigor, potência, violência, emprego de força, e por

outro lado quantidade, abundância, essência de alguma coisa:

“(...) a idéia de uma força, de uma potência natural cujo exercício contra alguma coisa ou contra alguém torna o caráter violento (...), tal força, virtude de uma coisa ou de um ser, é o que é, sem consideração de valor. Ela se torna violência quando passa da medida ou perturba uma ordem” (idem, p. 8).

O autor analisa dois aspectos da violência: o primeiro, ligado à força física –

portanto, facilmente identificado pelos seus efeitos – deixa marcas. O segundo,

considerado imaterial, ligado à transgressão – como dano a uma ordem normativa.

Aqui, a violência pode variar conforme as normas definidas.

Ele pontua as dificuldades da definição de violência devido às variedades e

diversidades das definições propostas. Assim, para ele, as definições objetivas estão

ligadas a fatos como comportamentos que provocam ferimentos físicos ou prejuízos

materiais (definições jurídicas).

Nesse caso, afirma que “Os defeitos das definições objetivas se devem ao

seu princípio: trata-se de afastar o julgamento de valor e de encontrar critérios que

permitam um estudo quantitativo” (p. 12).

Quanto à violência ligada à idéia de transgressão das regras, o autor afirma

que está carregada de valores que podem ser positivos ou negativos, pois neste

caso: “A violência é definida e entendida em função de valores que constituem o

sagrado do grupo de referência” (p. 13).

Como exemplo do primeiro aspecto ligado à violência, aponta a criminalidade

urbana:

“A criminalidade urbana está ligada à brutalidade da vida, à pobreza e às carências, e também se deve à marginalização dos grupos desenraizados pelas transformações agrárias, as catástrofes naturais e as epidemias (...)” (YVES MICHAUD, 2001, p. 34).

Para a filósofa HANNAH ARENDT (1985), a violência é considerada um

fenômeno de caráter instrumental, pelo qual o homem governa o homem. No

entanto, em sua análise, considera que poder e violência

53

“não são uma e mesma coisa (...). Certamente, uma das mais óbvias distinções entre o poder e a violência é que o poder tem a necessidade de números, enquanto que a violência pode, até um certo ponto, passar sem eles por basear-se em instrumentos” (p. 22).

Para ela, poder está ligado à idéia de força – da natureza, circunstância,

movimento físico e vigor – como qualidade individual inerente à pessoa ou objeto

(Idem: 24). Confunde-se com violência porque estão sempre juntos. Ou seja:

“(...) A violência é, por sua própria natureza, instrumental; como todos os meios, está sempre à procura de orientação e de justificativas pelo fim que busca. É aquilo que necessita de justificar-se através de algo mais não pode ser a essência de coisa alguma” (p. 28).

Por ser instrumental por natureza, afirma, a violência é racional e pode ser

eficaz, dependendo da finalidade, em curto prazo. Contudo: “A violência não

promove causas, nem a história, nem a revolução, nem o progresso, nem a reação,

mas pode servir para dramatizar reclamações, trazendo-as à atenção do público” (p.

44).

3 – A VIOLÊNCIA NOS DIAS ATUAIS

A violência é uma questão social de intensa preocupação para diversos

grupos sociais, desde os menos favorecidos até aqueles que se encontram em

posição de privilegiados social, econômica e culturalmente.

Não se pode, porém, afirmar que a prática de atos violentos esteja presente

apenas entre as classes sociais empobrecidas, ainda que a incidência nessas

classes seja mais visível devido à falta de proteção e acesso a bens materiais, como

também pelo estigma e preconceitos dirigidos a essa parcela da população.

Essa situação ocorre porque aqueles que praticam atos de agressividade

caracterizados como “ato infracional” e que são oriundos da classe social menos

favorecida; geralmente, não são respeitados em seus direitos de cidadania, e

apresentados publicamente como “bandidos” incorrigíveis”, que necessitam de

“penalidades severas” como o encarceramento, com a justificativa de “correção”.

A violência se expressa de diversas formas e pode ser classificada segundo

os atores ou vítimas envolvidas (juvenil, de gênero, infantil, senil), ou segundo o

54

lugar onde se desenvolve (na rua, no lar, no trabalho), ou ainda no âmbito a que se

refira (público ou privado), ou ainda, segundo as motivações (sociais, psicológicas,

econômicas, políticas), ou físicas e infligidas.

Várias são as formas de violência praticadas contra os indivíduos, grupos e

povos: a violência física, a moral, a psicológica, a doméstica, a simbólica.

Encontramos também razões diversas apresentadas por quem as pratica.

Esses motivos podem estar relacionados a questões de ordem econômica,

social, política, cultural e psicológica. A violência pode também ser praticada pelo

Estado, por instituições, grupos sociais e religiosos, organizações públicas e

privadas, sistemas de comunicação e econômico, cidadãos, enfim, por todos nós.

Diante da violência, não existem grupos sociais protegidos, mesmo

considerando que alguns tenham mais condições de buscar proteção institucional e

individual. Portanto, a complexidade da violência não pode ser explicada apenas

como resultado inevitável e imediato do desenvolvimento capitalista na sociedade

brasileira, mas são essas condições - objetivas e historicamente determinadas - que

subsidiam o seu fundamento explicativo.

Em muitos casos, é costume associar-se a violência à pobreza; no entanto,

esta não é sua conseqüência direta. As desigualdades sociais, a negação do direito

ao acesso a bens e equipamentos de lazer, esporte e cultura, atingem todos os

grupos sociais, desencadeando comportamentos violentos.

Portanto, vários são os fatores que, sendo expressão de violência da

sociedade podem gerar a violência: a pobreza, a luta pela posse da terra, o crime

organizado, o desemprego estrutural e o subemprego. Estudos mostram que a

pobreza, embora não seja a principal expressão, é um indicador importante para a

compreensão e entendimento da violência, da criminalidade e da reincidência. A

desigualdade extrema é também expressão evidente do aumento da violência.

As idéias que encontramos em torno dessa questão demonstram que falar

desse tema nos remete à busca de sua origem, desmistificando que os atos

violentos sejam fruto dos modos de relacionamento mais modernos e sejam de

responsabilidade dos grupos sociais mais vulnerabilizados.

Os comportamentos violentos não justificam a prática da eliminação do ser

humano; porém, na sociedade contemporânea, predominam idéias firmadas no

poder que o homem pode ter de retirar do convívio social aqueles que não

55

comungam com suas práticas hegemônicas e/ou não se ajustam às formas de

organização modernas.

Isso significa afirmar que existe uma ordem social que exige formas

universais e harmônicas de convivência social, devendo todos se adequar a essa

ordem social, sob o risco de sofrer penalidades determinadas pelo grau dos danos

presumíveis como resultado de suas práticas.

Dessa forma, a violência pode ser constatada em diferentes “lócus”.

Na família, a primeira forma de violência seria a negação do afeto para a

criança. Em relação à mulher e às crianças, às vezes, a violência física pode ser

praticada por alguns homens como um direito. Em muitos lares, a violência é

vivenciada como justificativa de proteção, organização, educação e afirmação da

autoridade.

A maior violência exercida pela escola é, sobretudo, a exclusão, mas também,

quando ela, através de seus agentes, usa de seu poder sobre as crianças e os

jovens impedindo-os de pensar, truncando assim, o processo ensino-aprendizagem.

A “incapacidade” que lhes é atribuída passa a ser internalizada, comprometendo o

desenvolvimento saudável. Desse modo, contribuem para a construção de um tipo

de identidade considerada “inapta”, principalmente com respeito a estudantes

pertencentes às camadas populares mais empobrecidas que sofrem discriminação

e, conseqüentemente, a exclusão.

A violência também ocorre nas ruas, e esse é um problema que afeta,

particularmente, os grandes centros urbanos. A rua, como espaço social do

encontro, torna-se o espaço da insegurança, do medo, da violência.

Enfim, são várias as formas de conceituar e situar a violência, não se

resumindo a problemas de natureza econômica, como a pobreza, embora saibamos

que essa questão é causa e efeito e, mais que isso, constitui-se como produto

fundamental de uma violência maior de dominação (de classes, grupos, indivíduos,

etnias, faixas etárias, gênero, nações), surge como expressão de contradições entre

os que querem manter privilégios e os que se põem contra a opressão (MINAYO &

SOUZA, 1998).

É possível assim, perceber que os autores referenciados demonstraram

preocupação em explorar a violência como um fenômeno multifacetado e de

pluricausalidades, sem pretender conferir-lhe uma definição fixa.

56

As diferentes condições sociopolíticas, no que tange ao sistema organizativo

e ideológico do Estado, e as condições socioafetivas, são pilares das pluridimensões

das diversas formas da violência social.

No próximo item veremos uma questão que também se apresenta da mesma

forma que a violência, multifacetada, e como a reincidência, de difícil precisão

metodológica.

4 – VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE

Como um fenômeno que assume diferentes manifestações, formas e funções

no interior de cada cultura, a violência é tratada em seu caráter plural e não mais

associada somente à pobreza e à criminalidade.

Nessa lógica, PORTO (2000) considera que conceber a violência em sua

pluralidade significa compreender que ela está enraizada nos costumes e nas

instituições da sociedade, com formas e funções variadas e, desse modo, não se

restringe a determinadas classes sociais ou grupos, atravessando todo o tecido

social.

Se a globalização, por um lado, trouxe numerosos benefícios para o

crescimento da economia mundial, tais como trocas comerciais mais fáceis,

circulação de capital ágil e simplificada, baseada em comunicações rápidas,

recursos tecnológicos e sofisticados, meios informáticos de última geração, por outro

acarretou efeitos perversos, pois “permitiu uma maior expansão da criminalidade,

principalmente a organizada, que se utiliza desses benefícios para alargar a sua

esfera de influência” (DAVIN, 2004, p. 12).

Em breves linhas, tentaremos enfocar algumas questões sobre o tema, na

busca de compreender o fenômeno.

YVES MICHAUD (2001) considera que a magnitude da criminalidade exige

que seja ela considerada como “epidêmica”20. Esse clima pode gerar alarme

generalizado propiciando o surgimento de teses extremistas propondo resultados

rápidos, que encontram receptividade diante da desesperação que se estabelece em

20 Epidemia – “(...) Aparecimento intermitente de doença infecciosa contagiosa, a qual rapidamente se difunde” (Mini dicionário Aurélio, 2002, p. 275).

57

amplos setores. Na atualidade, o problema da criminalidade aparece como um dos

que mais preocupam a população em geral.

Para ADORNO (1995), isso vem se constituindo numa tendência universal,

presente em diferentes sociedades e não apenas restrito às consideradas em

desenvolvimento:

“Não se trata, por conseguinte, de um fenômeno restrito às sociedades de “Terceiro Mundo”, onde vigem extremas desigualdades sociais e cujos sistemas de justiça criminal se revelam pouco preparados para enfrentar o crime organizado. Não é de se estranhar, portanto, que as cidades brasileiras também venham conhecendo crescimento substantivo da criminalidade urbana violenta, fenômeno particularmente visível em metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte” (p. 124).

Consideramos importante distinguir três aspectos ligados à violência e à

criminalidade:

O “transgressor” é todo indivíduo que violou ou viola normas e regras que

regulam a relação das pessoas em seus respectivos grupos socais;

O “infrator”21 é aquele que transgrediu alguma norma ou alguma lei

tipificada no Código Penal ou no sistema de leis de uma determinada

sociedade (a origem social pode proteger ou não o indivíduo que comete

uma infração);

O “delinqüente” é considerado socialmente o individuo que praticou um ou

vários crimes. É uma marca que se instituirá quando o “infrator” entrar no

sistema carcerário e ter sua história de vida investigada, com o objetivo de

encontrar características que indiquem predisposição para práticas de

crimes. Esse rótulo será carregado posteriormente à sua saída do

“cárcere”, dificultando a integração com o meio social; será ainda mais

agravada caso reincida em novos crimes, tornando-se portador de uma

marca que lhe é socialmente atribuída – “reincidente”.

Encontramos várias formas de explicação sobre a questão da criminalidade,

apontadas por autores/pesquisadores como: CASTELLS (1999), REIS (2001),

DAVIN (2004), LINEBAUGH (1983) e ADORNO (1995; 1999) para a compreensão

daquele que pratica ato infracional. Alguns levam em conta as condições materiais

21 Nesse estudo, usaremos o termo “adolescente autor de ato infracional”, em concordância com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei 8.069, de 13 de julho de 1990.

58

de existência de grande contingente populacional, outros a justificam a partir do

funcionamento dos órgãos de repressão e de controle do crime, etc.

Assim, por um lado, apontam os efeitos marginalizadores da globalização e

da desigualdade social como causas explicativas para a criminalidade e

cometimento de infração.

A análise de LINEBAUGH (1983) sobre uma das correntes que estudam a

criminalidade é que o processo rápido de desenvolvimento urbano, associado à

deterioração da qualidade de vida, devido ao emergente desemprego e

subemprego, influenciou o comportamento das pessoas, levando-as a definhar de

fome ou roubar. Nesse sentido verifica-se que:

“Uma terceira corrente de interpretação enfoca o crime na Inglaterra em relação com as estruturas do mercado de trabalho, nas quais as partes menos estáveis, em termos de segurança e padrões de vida, são forçadas, devido à organização capitalista do trabalho, baseado em um exército ativo de empregados e um exército de reserva dos desempregados, a violar seu respeito inato pela propriedade privada. (...) Assim, a atividade criminal é vista como um ato egoísta e individual de pessoas depravadas ou desesperadas, forçadas a violar o ethos e as exigências coletivistas da produção fabril” (1983, p. 104 e 105).

Para SANTOS (2000), a tirania do dinheiro e da informação legitimou e

reforçou ideologicamente as relações sociais e interpessoais, influenciando inclusive

negativamente, o caráter das pessoas, de uma maneira “perversa”. Assim, minou o

espírito de solidariedade na sociedade moderna (p. 37).

Esta situação contribuiu para gerar nas pessoas o sentimento de desamparo,

levando-as a adotarem comportamentos e práticas moralmente condenadas.

Ainda segundo o autor, um quadro que agravou essa situação foi o

acirramento de uma frenética competitividade, sugerida pela produção e pelo

consumo:

“é a fonte de novos totalitarismos, mais facilmente aceitos graças à confusão dos espíritos que quase instala. Tem as mesmas origens à produção, na base mesma da vida social, de uma violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados, das empresas e dos indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus corolários” (p. 37).

CASTELLS (1999) entende como “crime” as atividades que geram lucros que,

conforme as normas vigentes, são sujeitas às sanções legais. Para ele, “o processo

59

de exclusão social, entendido como miséria ou privação, características das relações

produtivas do capitalismo informacional, conduz à integração perversa”, ou seja, a

exclusão social e inclusão no mundo do crime, principalmente o crime organizado (p.

99 e 100).

Embora os pobres, desempregados e subempregados atualmente sejam

vistos como responsáveis pela violência e aumento da criminalidade, estudos

mostram que a evolução da pobreza não tem relação direta com o crescimento

desse fenômeno. Aliás, a respeito da violência em São Paulo e Rio de Janeiro,

considerados dois importantes centros urbanos, ZALUAR (1996) afirma:

“São as metrópoles brasileiras que abrigam o maior contingente daqueles classificados como miseráveis em números absolutos (...). Mas, apesar de serem as metrópoles com as mais altas taxas de criminalidade violenta, não tem proporção maior de pobres relativa ao número de habitantes. Nem as metrópoles foram as cidades que mais cresceram com o fenômeno da urbanização nas duas últimas décadas, fato ainda mais verdadeiro para o Rio de Janeiro” (p. 107).

Na pesquisa realizada pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio

Vargas – FGV (2006), com o título “Retrato do presidiário paulista”, revela um

quadro trágico e confirma o agravamento, cada vez maior, de jovens com a

criminalidade urbana: “Os jovens são maioria nos presídios e penitenciárias: 54,5%

estão entre os 20 e 29 anos de idade (...)”.

Assim, o tema é de grande complexidade e exige diversas perspectivas de

análise, para não se “criminalizar” os pobres, mesmo porque estudos revelam que o

crime organizado nas grandes cidades do Brasil seria controlado e agenciado por

não-pobres, e a opção criminal entre os pobres se deve a fatores de

pluricausalidades.

Na atualidade, um dos assuntos que mais angustia o homem contemporâneo

é a preocupação com o crime organizado e as formas como vem se definindo no

Brasil, e atraindo principalmente a parcela mais jovem da população, os

adolescentes.

5 - O CRIME ORGANIZADO

A violência está nas ruas, na imprensa, nos estudos científicos e nos bate-

papos de esquinas. É uma preocupação cotidiana, especialmente dos moradores de

áreas metropolitanas que, acuados por sentimentos de medo e insegurança, vêm

60

exigindo cada vez mais medidas punitivas (aprovação da pena de morte, redução da

maioridade penal etc.).

Estudo sobre a criminalidade realizado por ZALUAR (1996) revelou que São

Paulo e Rio de Janeiro têm características de criminalidade mais ou menos

idênticas, com os maiores índices do Brasil, diferenciando-se apenas na autoria. No

Rio de Janeiro eles são cometidos por pessoas reconhecidamente ligadas ao crime

organizado e ao narcotráfico, e, em São Paulo, considera-se que a maioria é de

autoria desconhecida. Contudo, recentemente em São Paulo, o crime organizado

vem ganhando destaque na mídia, a partir dos “atentados” ocorridos em maio/06.

Para SANTOS (2000), a violência começou a aumentar a partir do fenômeno

da metropolização. Ela acentuou a aglomeração humana nas cidades, e,

conseqüentemente, aumentou as desigualdades sociais, consideradas responsáveis

por profundas frustrações humanas.

Conforme DAVIN (2004), embora o crime organizado sempre tenha existido

em quase todas as culturas ao longo da história, no século XX ele dá um imenso

salto, mudando do comportamento marcadamente individual para o organizado, mas

ainda com estruturação singela, e hoje, “salta para uma prática com organização de

alto teor, baseados em estruturas complexas, flexíveis e transnacional” (p. 21).

O autor destaca em particular o tráfico de drogas, que desenvolveu “teias” a

nível internacional, envolvendo vários países. O narcotráfico é hoje uma das

modalidades de crime organizado de maior visibilidade, devido ao grande volume de

dinheiro envolvido, com cifras em torno de 500 bilhões de dólares por ano.

A esse respeito, CASTELLS (1999) afirma que:

“A prática do crime é tão antiga quanto a própria humanidade. Mas o crime global, a formação de redes entre poderosas organizações criminosas e seus associados, com atividades compartilhadas em todo o planeta, constitui um novo fenômeno que afeta profundamente a economia no âmbito internacional e nacional, a política, a segurança, e, em última análise, as sociedades em geral” (p. 203).

Assim,

“a criminalidade assenta, hoje em dia, na internacionalização, sofisticação, ampla troca de informação relevante, identificação de oportunidades (criminais) no mercado global e cuidadosa estruturação interna, visando maximizar os rendimentos ilicitamente obtidos e minimizar os riscos, nomeadamente quanto à perda e confisco de bens” (DAVIN, 2004:65).

61

A esse respeito, em pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência -

USP, (1998), coordenada pela Drª NANCY CÁRDIA & HELENA SINGER, sobre

Desenvolvimento de Metodologia para Medição dos Custos da Violência, constatou-

se que “O crime organizado funciona como uma empresa, com chefes e

subordinados, com divisão de tarefas e de áreas de atuação” (p. 69).

Assim, enquanto

“um setor é especializado no roubo e no furto de carros, outro em assaltos a cargas de caminhões, outro ainda em contrabando de armas ou riquezas minerais, ou em tráfico de drogas. E o dinheiro oriundo das fontes criminosas, entra no mercado formal, pois é preciso ser “lavado” mediante grandes construções como edifícios luxuosos e Shopping Centers ou a administração de grandes negócios no ramo de empresas de ônibus, açougues e padarias, etc” (SINGER, op cit, 1998: 59).

Com base em ADORNO (1996), a autora confirma que:

“o envolvimento de agentes do governo e das elites sociais com o crime organizado não é prerrogativa do Brasil e nem tampouco fenômeno novo. (...) As conexões entre mercado e o Estado, por meio de ‘ilegalidades nebulosas’, abrem ‘microscópicos desarranjos no tecido social” (Idem, op. cit p. 60).

Para a autora, há dois modelos de crime organizado – o da Máfia e o das

organizações de tipo empresarial.

“O primeiro tipo, mais comum na Itália, no Japão e em algumas cidades americanas como Nova York, estrutura-se em torno de valores como a honra, a lealdade e a obrigação. São organizações centenárias e funcionam no pressuposto de relações extremamente hierarquizadas atravessadas por vínculos familiares e pessoais, tendo um poder central que garante o território para o grupo de confiança atuar” (SINGER, 1998, p. 60).

No segundo modelo, predominam os vínculos profissionais, utilizam-se

métodos empresariais para encaminhar as atividades criminosas:

“dezenas de funcionários, relações hierárquicas garantidas pelos vínculos empregatícios, previsão de lucros, capital de giro, fundo de reserva (...). Este segundo tipo é o mais comum no Brasil. Os políticos e policiais garantem o respaldo legal, os empresários são responsáveis pela produção ou importação das mercadorias a serem negociadas e lavagem do dinheiro, os distribuidores e pilotos encarregam-se do transporte da mercadoria. Cada um desses “diretores” trabalha com uma equipe de funcionários, distribuídos conforme as especializações” (idem, p. 61-62).

62

Devido às suas características naturais, sociais e políticas, com imensas

fronteiras e territórios não fiscalizados, o Brasil ganha destaque enquanto rota

internacional do crime organizado. São outros facilitadores para essa situação:

“o sofisticado sistema bancário que garante o sigilo dos correntistas, alto grau de corruptibilidade das autoridades policiais e fiscais, enorme economia informal e sonegação ostensiva de impostos” (SINGER, 1998: 62).

O crime organizado oferece como atrativo no recrutamento de jovens e

crianças, o fascínio da sociedade de consumo e a possibilidades de afirmação de

uma identidade masculina, associada à honra e virilidade, pelo uso de arma, sendo

essa a forma concreta de inserção e pertencimento para a grande maioria deles.

Assim:

“Botar o revólver na cintura tem, entre eles, o sentido de declarar publicamente uma opção de vida, e de passar a ter com a população local relações marcadas pela ambigüidade. Ser bandido é pertencer a esta categoria de pessoas que carregam um estigma e uma indiscutível fonte de poder: a arma de fogo. Sua presença, mesmo quando ausentes fisicamente do local, nos acontecimentos diários desta população é constante” (ZALUAR, 1983, p. 252-253).

É nesse cenário opressor que as crianças são recrutadas pela hierarquia do

tráfico de drogas nas favelas, principalmente para vigiarem o movimento dos pontos

de venda.

Com o tempo, elas progridem nessa hierarquia, podendo tornar-se

“controladores” armados (seguranças que protegem as operações e a renda das

vendas de drogas). No entanto, a maioria desses jovens morre sem ter saído da

base dessa hierarquia. O SINASE (2006), confirma o elevado número de homicídios

ocorridos na faixa etária da população jovem, tornando-se essa parcela vítima da

violência:

“Nesse contexto de desigualdade social, a mortalidade juvenil também é aspecto a ser considerado tendo em vista que a proporção de mortes por homicídios entre a população jovem é muito superior à da população não jovem. Segundo WAISELFISZ (2004), a morte por causas externas entre a população jovem é de 72%; destas, 39,9% refere-se a homicídios praticados contra a população jovem (...)” (SINASE, 2006, p.14-15).

Via de regra, os jovens que compõem esse quadro, desde a mais tenra idade,

convivem com vários tipos de violência: o abandono, o desamor, a pobreza, o

63

desemprego, os maus-tratos, e, para muitos, o convívio com diversos atores

envolvidos com a prática infracional ocorre desde o nascimento.

Todavia, uma grande maioria acaba vitimizada, não chegando à idade adulta.

Como eles mesmos costumam afirmar em nosso cotidiano de atuação: “pra mim,

senhora, é a cadeia ou o cemitério”.

Na verdade, o que ocorre é que esse jovem é “marcado”, ele infringiu a lei do

País, o seu nome está na polícia e ele pode ser preso. Ele carrega um estigma

consigo porque além de pobre, cometeu um ato infracional, e foi internado na

“FEBEM”, está marcado pelo estigma de “interno da FEBEM”, pior que no passado

(antes do advento do ECA), o de “menor carente/delinqüênte”. Portanto, excluído

socialmente, passa a fazer parte do que CASTELLS chama de “inclusão perversa”.

6 – VIOLÊNCIA E REINCIDÊNCIA

Um dos problemas que mais afligem a sociedade brasileira atualmente é a

preocupação com o que fazer com aquela pessoa que agiu de forma ilícita,

transgredindo as normas ditadas pelo Estado. Para a solução dessa problemática,

constroem-se cada vez mais penitenciárias, sem, contudo, enfrentar o problema de

frente: as desigualdades estruturais e conjunturais e a exclusão social que cada vez

mais, atinge um maior número de criaturas.

Conforme demonstrado no primeiro Capítulo, “verifica-se a reincidência

quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que,

no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior” (Código Penal

Brasileiro). Analisando tal conceito, destacamos que, para a caracterização da

reincidência é necessário que tenha ocorrido condenação anterior pela prática de

um crime, podendo ser qualquer tipo de crime; a legislação não exige que sejam

idênticos nem que a medida anterior recebida seja idêntica.

Diante de tais afirmativas, torna-se importante ressaltar que o adolescente é

considerado inimputável perante a lei, conforme preceitua o ECA, mas as

instituições responsáveis por sua reintegração atribuem-lhe uma classificação

denominada de reincidente, caso já tenha cumprido internação anterior, isto é, já

esteve internado anteriormente no mínimo uma vez.

64

Agora, o adolescente que teve medida socioeducativa em meio aberto e não

tenha cumprido internação anterior, será considerado primário na internação,

embora seja reincidente na prática de ato infracional. Mas, ao praticar um novo ato

infracional, já tendo recebido medida socioeducativa de internação anterior, será

considerado reincidente. Essa “marca” o acompanhará durante todo o processo da

internação, determinando o seu “lugar” no sistema. Entre eles, a “marca reincidente”

é substituída por “residente”.

Dados divulgados pela FEBEM/SP revelam que a taxa de reincidência no

sistema socioeducativo foi de 29% em 2006, e, nos últimos quatro anos, conforme

dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SPDCA/SEDH/PR, ocorreu

aumento de 28% na taxa de crescimento da lotação do meio fechado. Portanto,

muitos se perguntam: o que fazer frente a uma situação que constitui uma ameaça

concreta para a vida cotidiana nas grandes cidades e atinge, principalmente esses

jovens, deteriorando profundamente a sua qualidade de vida?

Por isso, há necessidade de se estabelecer uma discussão mais ampla, a fim

de abordar o problema de frente e criar meios alternativos, para viabilizar políticas e

ações que possibilitem a solução ou, no mínimo, a redução dessa problemática.

Aqueles pertencentes ao segmento populacional que acredita que os pobres

são a causa da violência, concordam que é preciso que o “infrator” tenha uma marca

na alma, no intelecto, durante o cumprimento da pena aplicada, para não mais

reincidir. Essa forma de pensar acaba por justificar a criação de “instituições totais”,

especializadas ao mesmo tempo, na técnica do comando e na moral da obediência,

visando “disciplinar” jovens das classes subalternas. Para isso, elaboram processos

para a coerção individual e coletiva: “assim, o poder disciplinar, como função maior

de adestrar, toma os indivíduos ao mesmo tempo como objeto e instrumentos de

seu exercício” (FOUCAULT, 2004, p. 143).

O processo de segregar, que ocorre na medida socioeducativa de meio

fechado, conforme pesquisa realizada por AZEVEDO (1997) com o tema: “A

penitenciária do Estado: análise das relações de poder na prisão”, além de contribuir

para a desculturalização do adolescente, na medida que o priva da convivência

social e familiar, acaba por favorecer uma “socialização com o meio infracional”,

onde ele se vê obrigado a aprender as regras de convivência dentro da instituição, a

seguir o caminho ditado pelos que dominam o meio, para garantir a sobrevivência,

correndo o risco de envolver-se de forma contumaz com o meio infracional.

65

Nesse sentido, conforme FOUCAULT (2004), podemos então supor que

“a prisão tende a organizar a transgressão das leis numa tática geral das sujeições. A penalidade seria uma forma de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, dar terrenos a alguns, fazer pressão sobre outros, excluir uma parte, tornar útil a outra” (p.226 a 230).

Mais uma vez, deve-se afirmar a necessidade de uma instituição penitenciária

que de fato recupere o apenado, para que dessa forma, a sociedade não sofra as

conseqüências da revolta gerada pela degradação humana, como há muito vem

ocorrendo – ao sair do presídio revoltado (mais até do que quando entrou), e, não

raro, voltando ao meio infracional e pondo em prática o que aprendeu enquanto

preso – essa situação também pode ser observada com o adolescente autor de ato

infracional, que após cumprir a medida de internação, aliás, para ele, considerada

“prisão”, retorna para a mesma situação anterior que propiciou o seu envolvimento

com o meio infracional.

Assim, os excluídos e esteriotipados de nossa sociedade também se rebelam,

e sentimos os efeitos de tais atos nos índices crescentes de criminalidade e

violência. Revolta gera mais revolta e fica-se a um passo do caos.

A alternativa para que os excluídos socialmente não sejam novamente

“segregados” e a pobreza “punida”, mais uma vez passa pela valoração do ser

humano.

Em nossa sociedade, a reincidência é agravada porque existe a ausência de

um processo educativo, que de fato ajude na ressocialização; isso favorece a

degradação da pessoa humana dentro e fora dos sistemas prisionais. Pois o estigma

que acompanha os ex-condenados, ou mesmo os ex-internos da FEBEM, é enorme.

Quando eles retornam à sociedade, esta os trata de forma preconceituosa e,

muitas vezes com medo, finge ser alheia a eles, que se sentem até “invisíveis”.

Nega-lhes o direito de trabalhar, de ser honesto e, às vezes, acaba contribuindo

para a sua volta à criminalidade.

REIS (2001), analisa a reincidência nas prisões na cidade de Brasília e

revelando que muitos daqueles que estão nos presídios iniciaram-se na prática de

ato infracional ainda quando menores de idade. Temos observado em nosso

cotidiano de atuação profissional que alguns dos internos iniciaram-se muito cedo

nessa prática e são os que mais tende a reincidir, perpetuando e reforçando o ciclo

vicioso.

66

Assim, conforme a pesquisa sobre o perfil do preso paulistano, eles são, em

sua maioria, jovens oriundos das camadas sociais mais empobrecidas, portanto, já

marginalizados socialmente, filhos de famílias excluídas, que, por isso, não tiveram e

não têm acesso a uma formação educacional e profissional de qualidade

(FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2006).

A prisão, enquanto aparelho de controle e instrumento que contribui para a

exclusão social – e o regramento ético-moral diferenciado daí decorrente – são

solidificados, e uma vez que em diversas pessoas o medo – e o inconformismo – de

nunca alcançar nenhum objetivo em toda a vida, manter-se limitado ao quase nada

por toda a existência, é maior que o medo de ser punido novamente. A prisão

brasileira, ao institucionalizar de forma definitiva a situação de exclusão, atua

principalmente como força catalisadora da violência social.

Nesse sentido, a criminalidade deve merecer a máxima atenção da

sociedade, não apenas pelos custos inerentes ao sistema, mas pela elevada

reincidência que se verifica no Brasil, situando o crime como ameaça permanente e

crescente.

A discussão desse tema, portanto, é uma tentativa de conhecer e refletir

sobre nosso objeto de estudo, a reincidência e suas conseqüências para a

criminalidade e violência. No próximo Capítulo, veremos um breve histórico sobre a

trajetória da institucionalização da criança e do adolescente e suas implicações para

a reincidência.

67

CAPÍTULO III – FEBEM/ CASA/ PRESÍDIO OU RESIDÊNCIA? �

“Pede-se a Confúcio uma palavra que sirva de fio condutor para toda uma vida: “Que achas da compreensão mútua? A crueldade dos tiranos origina-se de uma vida interior que é comum a todos nós”.

(PIERRE GUYOTAT).

Neste Capítulo, procuramos compreender a reincidência no âmbito

institucional, a trajetória da institucionalização da criança e do adolescente, as

medidas socioeducativas e a atuação da FEBEM para a integração social do

adolescente autor de ato infracional.

1 – AS INSTITUIÇÕES ESTATAIS

Conforme SERRA (1987), com a formação do Estado Moderno, no século XVI

se iniciam três principais concepções de Estados, até hoje vigentes:

A concepção Liberal do Estado de Bem-Estar – atinge seu ápice nos

séculos XVII e XVIII;

A concepção Clássica do Marxismo – Marx e Engels e continuada por

Lênin, nos séculos XIX e XX;

A concepção Marxista do Estado Ampliado – Gramsci, no século XX.

“A concepção de bem-estar social é amparada nos valores básicos do liberalismo que concebe o estado como um árbitro que atua acima dos conflitos sociais. O Estado mantém uma relação de autonomia absoluta frente à sociedade civil, significando com isso sua condição de neutralidade. Assim, cabe ao Estado, segundo sua concepção liberal, a responsabilidade da busca do consenso entre os cidadãos, a partir da visão de que esses têm interesses diversos que precisam ser harmonizados em função dos interesses comuns que lhe são básicos” (SERRA, 1987, p. 22).

� FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor/ Fundação CASA - Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente/PRESÍDIO – Cadeia, Penitenciária /RESIDÊNCIA – domicílio (cf. Minidicionário da língua portuguesa Aurélio, 2002).

68

No Sistema Econômico denominado Capitalismo, o Estado de Bem-Estar,

através das políticas sociais, mascara e oculta as “divergências de interesses”,

amenizando a questão social, criada e perpetuada por esse sistema. Utilizando o

discurso da defesa dos direitos humanos e de promoção do homem, os donos do

capital perpetuam-se no poder e estabelecem sua hegemonia de classe e ideologia,

para isso recorrendo à manutenção de um mínimo razoável e abertura de

oportunidades.

Assim, a criação das Instituições Estatais tem a finalidade explícita de

instrumentalizar os objetivos do Estado, ou seja, sua hegemonia de classe e

ideologia. É no interior destas que os técnicos em geral, e, com grande

especificidade, os assistentes sociais, contribuem para a concretização dessa

hegemonia. O Estado, todavia, incorpora os interesses da “classe dominada”, devido

à “correlação de forças” que se dá em seu interior, daí resulta sua grande

contradição.

Historicamente, ele precisou dar respostas aos movimentos reivindicatórios

da sociedade civil, às vezes até incorporando essas reivindicações, como de sua

própria iniciativa, dessa forma se fortalecendo e perpetuando seu poder.

Atualmente, o avanço tecnológico que resultou numa “nova questão social”, o

poder da mídia, o compromisso ético que vem sendo exigido gradativamente pela

sociedade civil e a institucionalização dos movimentos populares, através de ONGS,

vêm contribuindo para uma transformação social, em que o Estado começa a tratar

a questão social como direito de cidadania e não apenas como benesse concedida

aos menos privilegiados pela sorte.

Contudo, ainda está longe o tratamento de todos como cidadãos com direitos

iguais, sem distinção de raça, cor, sexo e padrão socioeconômico.

Conforme análise de SERRA (1987), dessas vertentes surgem três principais

concepções sobre Instituição:

1) – Fundamentada na teoria estrutural funcional (Weber e Parsons) – têm

como objetivo central o estudo de categorias ligadas ao poder (autoridade,

dominação, legitimidade);

Nessa visão, as contradições são vistas estruturalmente, ou seja, como

disfunções sociais e de forma isolada das relações sociais. É a instituição

relacionada com o sistema social e às normas sociais que refletem valores sociais.

69

Assim, o Estado, através das Instituições, cumpre funções específicas para cada

problema particular.

2) – Fundamentada na teoria histórico-estrutural (Althusser), têm como

objetivo central o estudo das relações sociais em que as instituições são

consideradas como reflexo da dominação ou constituem práticas de dominação;

Nessa visão, as instituições são entendidas como aparelhos ideológicos do

Estado e têm a função de assegurar a reprodução das relações sociais.

3) – Fundamentada na teoria histórico-dialética (Gramsci) – têm como objetivo

central o estudo das relações de poder institucional.

Nessa visão, as relações de poder institucional se exprimem em uma rede de

normas que instituem dominantes e dominados, em que a dominação se caracteriza,

principalmente, em forma de autoridade e obediência. Ordem, disciplina e hierarquia

são os valores do campo de forças, a resultante seria o saber.

As funções transversais das instituições destinam-se a fixar a ordem: formar,

controlar e reprimir. Em linguagem funcionalista equivalem a: socializar, integrar e

punir.

“Quanto à função repressiva, cabe dizer que ela também é uma função educativa, na medida em que traz em si a conotação do exemplo a ser dado (...) a função repressiva é (...) o exercício de conter o desvio institucional. É o momento da punição em face de uma prática que se oponha, não só às relações social intra-instituição como aos fundamentos de tais relações, não só à ciência da instituição, mas a todo o discurso institucional (...) as instituições enquanto parte e expressão de um processo social mais amplo não são estáticas. Elas se transformam, se modificam, mudam seus programas de acordo com as articulações que se verificam entre as forças sociais que lutam para obter um espaço no controle do poder político e econômico” (SERRA, 1987, p. 33).

Assim, a instituição tem a função de formar e para tanto, procura moldar os

indivíduos. Através de um processo educativo de cunho ideológico, completa a

função formativa criando mecanismos que transformem os indivíduos em dóceis e

submissos às regras institucionais; é essa função que assegura de fato a

manutenção da estrutura e das relações sociais vigentes.

70

2 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Estudos realizados por FALEIROS (1995) e RIZZINI (1995) sobre esse tema,

mostram que o Brasil possui uma longa tradição de institucionalização de crianças e

adolescentes das camadas populares.

A proteção à criança abandonada iniciou-se com a colonização. Ao longo do

século XIX, as polícias provinciais exerceram o papel de apreender e distribuir os

menores encontrados nas ruas pelas poucas instituições disponíveis para um

segmento da população, considerada como incomodo à vida urbana.

Em 1825, foi criada a Roda dos Expostos na cidade de São Paulo, surgindo

mais duas novas instituições; no mesmo ano, o Seminário da Glória, para meninos,

e o Seminário de Santana, para meninas, com o objetivo do atendimento à criança

abandonada.

No século XX, com o crescimento demográfico, a concentração urbana e o

aumento do índice de pobreza, a problemática da criança e do adolescente

abandonados, considerados em “situação irregular ou menores infratores” ganha

visibilidade, exigindo reformulações nas políticas públicas.

A experiência brasileira de intervenção especializada junto aos menores de

idade que infringiam as leis penais é iniciada sob o regime republicano. Amparado

pelos debates e pelas iniciativas internacionais, um grupo de homens da lei elegeu o

“problema dos menores delinqüentes” como pauta de discussão e intervenção, tanto

legislativa quanto institucional.

Em 1902, é criado o Instituto Modelo, ou Instituto Disciplinar de São Paulo,

não só para adolescentes considerados criminosos, como também para todos

aqueles passíveis de serem recolhidos pela polícia. De regime prisional, pretendia a

recuperação do “menor abandonado” ou “infrator”, compreendidos como “classe

perigosa”.

O Instituto Educativo Paulista constituía o projeto original apresentado pelo

deputado federal professor Cândido Motta. Seu autor buscava escapar das

denominações que lembrassem prisões ou penitenciárias e defendia a proibição do

recolhimento de jovens às cadeias.

No entanto, o projeto do Instituto não escapou ao modelo prisional. Seguindo

a tendência da especialização, idealizou a divisão do espaço institucional por

categorias classificatórias do amplo universo dos atendidos e incorporou a noção de

71

tratamento à instituição. Assim, os adolescentes ficariam em celas individuais,

distribuídos por três classes, uma delas somente para os que eram tidos como

“criminosos”.

Vê-se, portanto, que o Instituto não era legalmente destinado somente aos

adolescentes que infringiam as leis penais, podendo ser submetidos a regime

correcional filhos de condenados e meninos que viviam ou trabalhavam nas ruas da

cidade, ou seja, aqueles que pertenciam às camadas pobres.

Nos anos 20, a questão da infância abandonada e delinqüente transforma-se

em questão legal, e a assistência e proteção é introduzida pela Lei 4.242, de janeiro

de 1921.

Essa Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 16.272, de dezembro de 1923,

estabeleceu no seu artigo 1º que o objeto e fim da Lei em apreço destina-se às

crianças e aos adolescentes de qualquer sexo, abandonados ou delinqüentes, o

qual serão submetidos pela autoridade competente às medidas de assistência e

proteção instituídas nesse regulamento.

A Lei da Assistência e da proteção a infância e adolescência abandonados e

delinqüentes, regulamentada em 1923, previa a criação, no Distrito Federal, de um

Abrigo para receber crianças recolhidas pela polícia e pelo Juizado de Menores.

Em 1924, sob a influência da primeira Declaração de Genebra (1923), foi

criado o Juízo Privativo dos Menores Abandonados e Delinqüentes, e, em 1927,

pelo Decreto 17.943-A, foi constituído o Código de Menores, conhecido como

Código Mello Mattos, consolidando as leis da assistência e proteção das crianças e

adolescentes abandonados ou delinqüentes.

Na década de 1960, o Estado assume o papel de interventor e principal

responsável pela ação frente à criança e ao adolescente pobre ou autor de ato

infracional, criando, em 1964, a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor, que surge com o objetivo de “formular e implantar a política nacional do bem-

estar do menor”, mediante o estudo do problema e do planejamento das soluções, e

a orientação, a coordenação e a fiscalização das entidades que executem essa

política. No Estado de São Paulo, a FEBEM foi instituída em 1973, com estatuto de

entidade jurídica orientada pelas normas da FUNABEM.

72

Nas pesquisas realizadas por MARCÍLIO (1998), VOLPI (1997-b), MOURA

(2005) e ATHAIDE (2003), é possível observar a trajetória da FEBEM desde sua

constituição.

Conforme esses pesquisadores, a FEBEM-SP é o órgão responsável pela

execução, direta ou indireta, das medidas socioeducativas elencadas no ECA. Ao

longo dos seus 31 anos de existência, enfatizou a internação em grandes

complexos, concentrando o atendimento ao adolescente privado de liberdade no

Município de São Paulo.

Somente a partir de fins de 1999, passou a implantar unidades de pequeno

porte no interior do Estado, porém estas não vêm dando conta das demandas

diárias que adentram a instituição. Assim, a privação de liberdade, que em nossa

sociedade constitui uma das formas legais de controle e sanção disciplinar, confere

à FEBEM o ônus da repressão e da exclusão.

No caso do adolescente, autor de ato infracional, constitui-se uma maneira de

excluir sob a denominação de medida socioeducativa. Conforme o posicionamento

do ECA, essa medida deveria ser aplicada como último recurso, pois, retirar o

adolescente do seu meio, pode ter um significado de protegê-lo, de salvaguardá-lo,

mas dificilmente se constitui em um mecanismo de garantia da construção de sua

cidadania.

O que vem sendo observado é que a FEBEM, ao longo dos anos, demonstra-

se incapaz de promover o desenvolvimento educacional e a inserção social dos

adolescentes que estão sob sua responsabilidade. Essa incapacidade é permeada

por alguns fatores tais como: deficiência na estrutura funcional; falta de condições

para o trabalho; quadro de pessoal gerencial tecnicamente desqualificado para

executar as políticas e ações pedagógicas necessárias, principalmente, a

recorrência de antigas práticas de contenção, opressão e punição, condenáveis na

sociedade atual.

Encontramos nessas pesquisas referências que revelam que a configuração

da FEBEM, herdada da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, desenvolveu uma

“cultura institucional”, baseada no modelo correcional-repressivo, resquício do

militarismo disciplinar institucional, ainda hoje oscilando o seu atendimento aos

adolescentes privados de liberdade entre a repressão e o assistencialismo,

truncando o processo pedagógico, necessário para as medidas que executa.

73

Conforme constatamos, a FEBEM-SP veio buscando diferentes caminhos

para o enfrentamento de suas problemáticas. Diversas foram as diretrizes e ações

empreendidas ao longo dos anos, mas o resultado foi a descontinuidade e a ruptura,

reforçando concepções político-ideológicas, marcadamente desconexas das

mudanças sociais contemporâneas.

Tentou Introduzir modelos, padrões e normas de procedimentos, visando

alterar a forma de lidar com o adolescente – “um novo olhar” – mas, em verdade,

ficou subjacente a presença de estratégias que permitiu o desmonte de um sistema,

no entanto, sem colocar no lugar modelo mais eficaz.

O segmento da população atendida pela FEBEM é composto por

adolescentes, em sua maioria, excluídos das políticas públicas e não respeitados em

seus direitos; com isso, forçados a viver na marginalidade, envolvendo-se com todo

tipo de violência, com drogas e com prática de ato infracional. Este quadro

situacional retira da FEBEM a possibilidade de desenvolver um processo

sócioeducativo eficaz e eficiente, sem desenvolver em paralelo, uma ação mais

ampla na área da política social.

Concomitantemente, é possível perceber que as medidas também são

crescentes em termos da intensidade da punição. Portanto, da mera advertência à

internação, há um caminho de alternativas, cujo teor não só implica a maior

severidade da sentença, como também da conduta a ser executada.

Nos 31 anos de sua Fundação, já passou por várias mudanças e situações

caóticas, como rebeliões, fugas e denúncias de agressões e maus-tratos aos

adolescentes.

No ano de 2005, acirrou contra ela a luta da sociedade civil, através dos

movimentos populares organizados por ONGS, e a FEBEM precisou rever seu papel

disciplinador. Portanto, para esse objetivo, demitiu 1.751 funcionários,

indiscriminadamente, considerando todos como “torturadores”. Os antigos foram

substituídos pelos novos, recém-contratados, cujas funções foram “agente

educacional e a de educador social”, todos de nível superior. O principal objetivo

dessa medida drástica foi a extinção de castigos e torturas que os ex-funcionários

foram acusados de realizar, à revelia, contra os internos.

Devido porém, a vários fatores, como por exemplo falta de treinamento,

gerenciamento e preparo desses novos contratados, instalou-se um novo tipo de

74

caos na FEBEM. Então os internos, anteriormente contidos através de rígida

disciplina, inclusive com ameaças ou agressões efetivas, dominaram a situação,

revertendo o quadro: os novos funcionários é que passaram a sofrer ameaças e

agressões por parte destes.

Assim, de um extremo se foi a outro, sem nenhum critério, tornando-se uma

instituição sem mando, nem controle praticamente em quase todas as Unidades dos

grandes complexos (Tatuapé, Vila Maria, Raposo Tavares e Franco da Rocha).

Desse modo, foi interrompida ou funcionou deficitariamente o processo de

internação, pois não havia atividades pedagógicas nem acompanhamentos técnicos

regulares, devido à falta de segurança para os trabalhadores.

Os “instituídos do poder” procuravam cumprir as reivindicações dos internos

para evitar o confronto, mas a instituição continuou não cumprindo sua função

principal de Bem-Estar Social, pois faltavam materiais básicos, necessários ao bom

desenvolvimento do trabalho, tais como cobertores, colchões, materiais pedagógicos

e até funcionários.

Por outro lado, a instituição não alterou a realidade existente, mantendo um

elevado número de adolescentes juntos, com perfis e idades diferenciadas, o que

dificultava ainda mais o retorno de um mínimo de disciplina necessária ao

andamento do trabalho.

Procurou-se então resolver o problema com a velha forma: substituindo

regularmente, toda a diretoria, sem oferecer mudanças efetivas para a realização do

trabalho, mas esses profissionais também não tinham experiência com esse tipo de

atividade, e traziam conceitos ou experiências totalmente teóricas ou próprias para

outra realidade institucional.

Por fim, a proposta da FEBEM/SP, de “um novo olhar” sobre a questão do

atendimento ao adolescente autor de ato infracional, teve início a partir da entrada

da atual gestão, que busca implantar um modelo educacional condizente com o ECA

e com a mudança cultural da instituição, mas como a FEBEM tem toda uma tradição

atrelada às práticas anteriores a esse estatuto, o que se constata é que ela, luta

para transformar a sua história, erguida na privação da liberdade – a internação. A

instituição e seus profissionais vêm procurando apropriar-se dos novos paradigmas

para desenvolverem seu trabalho, apesar das resistências culturais, cristalizadas ao

longo do tempo.

75

3 - A ATUAÇÃO DA FEBEM

Examinando diferentes documentos sobre o modo como a FEBEM

desenvolveu seus trabalhos, organizamos o texto a seguir, tomando como

referencial as obras de pesquisadores tais como: MARCÍLIO (l998), VOLPI (1997-b),

MOURA (2005) e ATHAIDE (2003).

Atendimento inicial: essa Unidade é a porta de entrada para a FEBEM.

O programa destina-se a prestar o primeiro atendimento a todos os

adolescentes a quem se atribui a autoria de ato infracional no Estado de

São Paulo, em cumprimento ao artigo 175 do ECA, acolhendo-os pelo

prazo máximo de 72 horas (prazo definido por uma portaria de DEIJ),

antes de sua apresentação ao sistema de Justiça;

Internação provisória: programa destinado ao atendimento antes da

recepção da sentença. O jovem é cadastrado e pode ficar com restrição

de liberdade pelo prazo máximo de 45 dias (previsto no artigo 108 do

ECA);

Liberdade assistida: também chamado de circuito aberto, em que o

adolescente e sua família são acompanhados por educadores sociais para

uma avaliação periódica, durante o período de cumprimento da medida,

devendo para isso, comparecerem regularmente à instituição (artigo 118

do ECA);

Semiliberdade: programa de transição para o meio aberto, em que o

adolescente trabalha ou estuda fora da instituição, retornando à tarde para

dormir em sua unidade de origem (como determina o artigo 120 do ECA);

Internação: programa de atendimento privativo de liberdade para

adolescentes com sentença judicial. O prazo mínimo de permanência na

instituição é de 6 meses e o máximo de 3 anos (conforme o artigo 122 do

ECA).

A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

Em 2005, o circuito fechado (privação de liberdade) contava com 77 Unidades

em todo o Estado, abrigando cerca de 6.800 adolescentes (agosto/2005), um

76

número que se altera dia a dia em razão de novas internações e das desinternações

determinadas pela Vara da Infância e da Juventude.23

A internação, última das medidas na hierarquia que vai da menos grave para

a mais grave, é destinada aos adolescentes que cometeram atos infracionais

graves. Embora o ECA enfatize os aspectos pedagógicos e não os punitivos ou

repressivos, ela guarda em si conotações coercitivas-repressivas e educativas.

A medida socioeducativa de internação é aplicada aos adolescentes que:

“I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência

à pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – por descuprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”.

- § 1º - O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá

ser superior a três meses. - §2º - Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra

medida adequada ( ECA, art. 122).

Falar, portanto, de internação significa referir-se a um programa de privação

da liberdade, o qual, por definição, implica contenção do adolescente autor de ato

infracional num sistema de segurança eficaz. Contudo, “deve significar apenas

limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos

constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã” (VOLPI,1997, p.

28).

O conceito de adolescência no ECA é o de “pessoa em desenvolvimento”;

portanto, fixa as garantias constitucionais nos quais o autor de ato infracional será

contido e submetido a um sistema de segurança, garantindo-lhe entre outros

direitos:

a) Sujeição aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

23 Conforme relatório da Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Paraná (SPDCA/SEDH/PR), no ano de 2006 o total de internos no sistema socioeducativo de meio fechado no Brasil era de 15.426 adolescentes, a maioria (10.446) na internação, seguida da internação provisória (3.446) e da semiliberdade (1.234). Esse documento também informa que houve no período de 2002 a 2006 um expressivo crescimento da lotação no meio fechado no país, sendo que no estado de São Paulo, onde se encontra a maior concentração, o índice em 2006 foi em torno de 39% em relação ao Brasil. Entre os estados que mais internam adolescentes, destacam-se AC, DF, AP, SP E RO, e por fim menciona que prevalece o critério de uma suposta periculosidade dos adolescentes que leva à adoção da internação provisória como ação emergencial, fato verificado nos estados SC, PR, BA e AC, onde existem mais adolescentes em internação provisória do que em internação.

77

b) Manutenção condicionada à avaliação em períodos máximos de 6

meses;

c) Tempo máximo de internação de 3 anos, limite após o qual o

adolescente deve ser liberado e colocado em regime de semiliberdade ou

de liberdade assistida; e liberação compulsória aos 21 anos de idade (art.

121).

Conforme SILVA-c (2005), observam-se duas formas diferentes de

compreender o adolescente, antes e depois do advento do ECA. No primeiro caso,

prevalece o direito de punir e no segundo, o dever de atender.

a) No modelo assistencial-repressivo, predominava o entendimento de que o

adolescente tinha obrigações e deveres legais, e a autoridade, o direito de

punir o seu comportamento;

b) No modelo de proteção integral, predomina a percepção do adolescente

como sujeito privilegiado de direitos, que a autoridade tem o dever de

fazer cumprir.

Assim, no novo modelo, a autoridade e o Estado são aliados jurídicos do

adolescente e não mais seus vigias legais. O Estatuto aponta para um novo

desenho de relação em sociedade.

A privação de liberdade responde historicamente às necessidades de controle

social, ou seja, de proteção da ordem contra o ato que a ameaça. Apesar disso, o

tema do controle social é sempre abordado de forma tangencial, quando não

abertamente descartado nas discussões acerca do controle da criminalidade,

sobretudo no que diz respeito ao tratamento dispensado aos jovens autores de

infração penal.

A recusa contumaz em admitir que o ato infracional cometido por adolescente

é objeto de punição oculta os propósitos disciplinares da medida socioeducativa e

tende a perpetuar a patologia dos modelos de “ressocialização” (cf. SILVA-c, 2005).

Assim, a reincidência na medida socioeducativa, nos patamares atuais, deixa

de ser problema localizado – restrito a instituições de atendimento socioeducativo - e

passa a ser um problema que merece uma atenção bem mais profunda por parte do

Estado, considerando-se principalmente que o sistema educativo-prisional não

consegue atender às duas funções básicas: defender a sociedade daqueles que

praticam crimes e propiciar a ressocialização ou a reinserção – ainda mais quando

78

se trata do adolescente considerado como “sujeito em desenvolvimento”, no convívio

normal dos cidadãos.

Embora, neste momento, a FEBEM/SP venha passando por várias

transformações e desenvolvendo ações com o objetivo de obter resultados mais

eficazes em sua intervenção, o índice de reincidência demonstra a necessidade de

implementação de um programa mais eficaz no atendimento e na prevenção da

problemática da população atendida24.

A desigualdade social provoca diferenças profundas entre ricos e pobres, esta

situação acaba gerando privações agudas, em sua grande maioria consideradas

injustas e inaceitáveis por quem as vivenciam, favorecendo um clima social com alto

potencial de conflito. Nesse clima, é impossível deixar de observar circunstâncias

que propiciam, de modo direto ou indireto, o envolvimento com o ilícito, contribuindo

para a reincidência.

Portanto, é preciso que existam meios efetivos que viabilizem a inserção

social do adolescente, autor de ato infracional, de modo a garantir a escolarização, a

profissionalização, a educação, etc, com qualidade. Talvez, não sejam necessárias a

construção de instituições penitenciárias. Mais ainda, dessa forma, a reincidência

observada hoje, nos presídios e na medida socioeducativa de internação, fosse

prevenida e, conseqüentemente, reduzida.

4 – A MARCA DA VIOLÊNCIA E A REINCIDÊNCIA DOS “SEM FUTURO”

Quando se discute violência, como fator de ameaça à vida, não se pode omitir

ou dispensar a discussão de conceitos que podem gerá-la. Esse, sem dúvida, é o

caso dos conceitos de estigma, exclusão, ironia, indiferença, preconceito.

É preciso, portanto, compreender melhor o estigma e o preconceito. O

estigma é uma marca, um rótulo que se atribui a pessoas com certos atributos

incluídas em determinadas classes ou categorias diversas, porém comuns na

perspectiva de desqualificação social. Os rótulos dos estigmas decorrem de

preconceitos, ou seja, de idéias preconcebidas, cristalizadas, consolidadas no

pensamento, crenças, expectativas individuais.

24 Conforme pesquisa divulgada pela Febem/SP em 2006, a taxa de reincidência nesse sistema em maio de 2005 foi de 29%.

79

Assim, percorrendo vários campos das ações e relações sociais, os estigmas

alcançam tanto os pobres e os negros, como os adolescentes que cometeram ato

infracional e passaram por medida sócioeducativa de internação na FEBEM, enfim,

os “diferentes”.

Essa experiência lhes imprime uma “marca”: a de “reincidente”. E, conforme

GOFFMAM (1988), os preconceitos, ou os conceitos prévios ou previamente

estabelecidos, antecedem os atributos ou características pessoais a que se referem;

por isso, os reincidentes na prática infracional são considerados “incorrigíveis”, são

os denominados preconceituosamente por “delinqüentes” ou os “párias sociais”.

Desse modo, os atributos ou características que justificam o estigma são

previamente avaliados, com pouca ou nenhuma oportunidade de análise crítica e

consciente que os associe às circunstâncias reais da vida e das relações humanas,

sociais.

Conseqüentemente, o preconceito é inflexível, rígido, imóvel, prejudicial à

discussão, ao exame fundamentado e à revisão do que está preconcebido.

Nesse sentido, a sociedade que constrói ou aceita preconceitos constrói e

aceita estigmas. Ambos – preconceitos e estigmas – promovem e naturalizam

palavras ou ações violentas. Por conseguinte, essa construção pode ser a origem e

o início da violência.

A construção, aceitação e divulgação do preconceito e do estigma já são, em

si, processos violentos, que geram violência. Essa construção é realizada por

homens, seres pensantes, capazes de raciocínio e de intenções.

O estigma é gerado pelo preconceito, e cria um círculo vicioso de

discriminação e exclusão social, que perpetua a desinformação e o preconceito.

Quando rotulamos alguém, não olhamos para o que a pessoa realmente é ou

sente. Portanto, as conseqüências para as pessoas que sofrem o estigma são muito

sérias, principalmente em se tratando de um adolescente.

O adolescente pobre, reincidente em ato infracional e na medida de

internação, é discriminado devido à sua situação, e freqüentemente é tratado com

desrespeito, desconfiança ou medo, pois é considerado como “delinqüente”.

80

A situação se agrava se pertencer à etnia afro-descendente. A rejeição, a

incompreensão e a negligência exercem um efeito negativo nesse adolescente,

principalmente após cumprir medida de internação na FEBEM, acarretando ou

aumentando o auto-estigma (imagem negativa que os portadores desenvolvem a

respeito de si).

O estigma é a influência mais negativa na vida desses adolescentes e a

discriminação causa dano: destrói a auto-estima, impõe a exclusão social e contribui

para a condição de reincidente, porque, “cheio de revolta”, ele nutre sentimentos de

mágoa por aqueles que o “magoaram” e o “excluíram”.

Nesse ponto, nosso sistema legal contribui para reforçar o estigma de

“reincidente”, porque, quando o adolescente, com “passagem pela FEBEM”, comete

novo ato infracional depois de atingir a maioridade, é como se recebesse um “selo”

de “delinqüente”, que irá acompanhá-lo, dificultando sua integração na sociedade.

Pior será se ele for para o presídio, porque receberá uma “marca” que agravará mais

ainda a sua situação jurídica e, dificilmente, ele conseguirá ser um cidadão livre.

Observamos, na prática que o estatuto da reincidência, referente ao Código

Penal Brasileiro, específico para a maioridade, influencia consideravelmente, na

hora da sentença, para a condenação da população jovem que teve passagem pela

FEBEM. Talvez por isso há um elevado índice de jovens nos presídios, muitos

pertencentes a famílias pobres e que tiveram passagens pela FEBEM na

adolescência.

Quanto a isso, GOFFMAN (1988) afirma que:

“A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontrados.” (p.11- 12).

O estigma refere-se à “(...) situação do indivíduo que está inabilitado para a

aceitação social plena” (p. 7) e, conseqüentemente, promove uma generalização e a

desumanização do portador de algum tipo de diferença significativa – uma marca, a

da exclusão.

Em relação ao adolescente reincidente, os preconceitos podem ser

indiretamente deduzidos com segurança, em face das práticas de exclusão tão

freqüentes em nossa sociedade, como a restrição do acesso à escola, e, ao mundo

81

do trabalho e, por que não, ao do consumo, tão largamente difundido em nossa

sociedade moderna.

Nesse sentido, a pobreza não é apenas o estado de carência de bens

materiais, mas corresponde a um status social de inferioridade e desvalorização,

que determina a identidade de todos os que passam pela experiência. Esse estado

atinge principalmente o jovem, pois vivemos numa sociedade que transforma o

sucesso em valor supremo, e ser pobre, representa o fracasso social, uma

degradação moral. Portanto, nas palavras de PAUGAM (2003):

“Nas sociedades modernas, os pobres não estão apenas privados de recursos econômicos; exercem também pouca influência sobre o poder político, e sua respeitabilidade corresponde, em geral, à sua posição social inferior” (p. 46 e 47).

Por isso, a marca da violência se expressa pela dor da exclusão, a dor de não

se sentir parte nem ter os mesmos direitos, fato vivenciado e que se reproduz em

várias gerações, perpetuando-se e tornando-se um ciclo difícil de romper.

Portanto, o adolescente excluído, ao cometer um ato infracional, denuncia

essa violência que foi imposta a ele e a sua família. Através dessa atitude,

ridiculariza a sociedade, suas regras e normas, critica e se rebela, fato normal e

corriqueiro devido à sua condição de “adolescente”, mas, em se tratando de sua

situação de pobreza e por não ter consciência do processo, por se tratar de “pessoa

em desenvolvimento”, manifesta uma revolta inconsciente.

Essa vai deixando marcas e transmitindo, de uma geração para a outra, os

processos psíquicos familiares, sem conseguir sua superação.

O resultado é uma cidadania “mutilada”, porque não foi construída, mas foi

negada. O jovem que cumpre alguma medida socioeducativa tem negado seu direito

ao trabalho digno, à formação profissional de qualidade e a condições de competir

no mercado de trabalho. Não existe, por parte do Estado, uma política social efetiva,

que garanta ao adolescente, autor de ato infracional, as verdadeiras condições para

sua ressocialização.

Desse modo, a exclusão social pode implicar privação, falta de recursos, ou,

de uma forma mais abrangente, ausência de cidadania, se por esta se entender a

participação plena na sociedade, aos diferentes níveis em que esta se organiza e se

exprime: ambiental, cultural, econômico, político e social.

82

A exclusão social é, portanto, uma situação de não realização. É o “não ser”,

o “não estar”, o “não fazer”, o “não criar”, o “não saber” e/ou o “não ter”. Essa

formulação permite ainda estabelecer a relação entre a exclusão social, entendida

desta forma abrangente, e a pobreza, que é basicamente a privação de recursos

(exprimindo-se nomeadamente ao nível da exclusão social do fazer, do criar, do

saber e/ou do ter).

Para SPOSATI (2001),

“exclusão é mais do que pobreza, é um estado de não ter, pois se trata de um processo de não inclusão, isto é, de apartação, de negação, e forte é o resultado de seu impacto nas vidas humanas que se tornam descartáveis de projetos ou incluídas na condição de excluídas” (p. 143).

Esse processo só favoreceu alguns setores, e não levou em conta os reais

problemas da população brasileira: moradia, educação, saúde etc. A pobreza do

povo brasileiro aumentou assustadoramente, e a população pobre tornou-se mais

miserável ainda. Acaba precisando recorrer à assistência social para garantir a

sobrevivência.

A situação de exclusão e preconceito piora, porque no Brasil, as políticas

sociais, embora garantidas pela LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social –

acabam reforçando a exclusão e mantendo a dominação e sujeição à condição de

pobreza, e essa experiência ajuda na construção da identidade subalterna, sendo

reforçada a partir da mediação dos serviços assistenciais, contribuindo para uma

identidade de subalterno ou inferior.

“A experiência da pobreza é ainda a experiência da desqualificação dos pobres por suas crenças, seu modo de expressar-se e seu comportamento social, sinais das “qualidades negativas” e indesejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe” ( SPOSATI, 2000, p. 62).

Essa situação é percebida também em relação ao adolescente, autor de ato

infracional e reincidente na medida de internação, que estabelece uma relação de

igualdade e reconhecimento com outro igual, ou seja, outro adolescente na mesma

condição, tornando-se “irmãos”.

Por isso, é comum após a internação, eles manterem os vínculos que foram

construídos durante a internação, como aliados, como iguais. Assim, muitos acabam

83

por continuar com a prática de ato infracional, perpetuando a condição de

“reincidente”.

Esse vínculo é expresso no mesmo jeito de ser, vestir, falar e agir, e o

adolescente passa a se identificar com o outro, considerado “seu igual”, sua família.

Esta é a porta aberta que o sistema constrói para a entrada no mundo adulto da

carreira infracional.

5 – VIOLÊNCIA, REINCIDÊNCIA: “CADÁVERES QUENTES E EMBRIÕES FRIOS”.

A preocupação com o que fazer com o jovem que cometeu ato infracional,

transgredindo as normas impostas pela sociedade, faz com que o Estado, em vez de

enfrentar o problema – as desigualdades sociais, estruturais e conjunturais e a

exclusão social, que atinge um maior número de crianças e adolescentes – ajuda

cada vez mais, na reprodução desta situação.

Convivemos com um quadro trágico de miséria, no qual crianças a partir dos

10 anos de idade se iniciam no ato infracional, principalmente recrutadas pelo tráfico

de drogas, na função de “olheiras” e, na maioria, não chegam a posto de “gerentes

ou donos da boca”, pois morrem precocemente, vítimas de homicídio por arma de

fogo.

Simbolicamente, são os chamados de “cadáveres quentes”, porque se trata

de crianças e adolescentes que ainda não viveram, e de “embriões frios”, porque

vão morrer sem crescer, marcados que são, precocemente, pela miséria e pela

morte.

Essa “marca” (reincidente) os acompanhará durante todo o processo da

internação, determinando o seu “lugar” no sistema. Entre eles, a “marca reincidente”

é substituída por “residente”. Nesse sentido, a marca também pode significar

pertencimento.

Assim, a esperteza adquirida na “malandragem”, no saber conviver com os

“manos”, coloca essas crianças ou esses adolescentes num papel social que até

84

então lhes era desconhecido, neste caso o de “residente25”, de ter “lugar” e

“reconhecimento” pelo outro, isto é, uma “identidade social” (GOFFMAN, 1988:79).

A história do adolescente, autor de ato infracional, em instituições criadas com

o objetivo de sua ressocialização, é uma história de dor, de sofrimento, de

humilhações, de maus-tratos, de agressões violentas, rebeliões, fugas etc.

A questão da reincidência, antes de ser um assunto judiciário, é um grave

problema social. Conforme SILVA-c (2005),

“por detrás da judialização das questões sociais, patrocinada pelo ECA, se esconde um recorte de classe social, verificando-se que somente adolescentes pobres são criminalizados majoritariamente por essa justiça, enquanto adolescentes, filhos de famílias ricas, não o são” (p. 72).

Portanto, a questão da criminalidade infanto-juvenil associa a reincidência às

condições de vida a que está exposto um grande contingente de crianças e

adolescentes em nosso País, e, nas palavras de SILVA-c (2005):

“o direito juvenil, iniciado com o ECA, não significou de fato uma ruptura com os códigos menoristas que o antecedeu, ao contrário, o ECA em nome da ‘proteção integral’, ampliou a tutela jurídica do poder estatal ao adolescente em ‘conflito com a lei’, a partir do controle sócio-penal juvenil que é operacionalizado pelo sistema de administração da (in) justiça juvenil” (p. 72).

Temos assim um quadro que revela alto número de crianças e adolescentes

em precárias condições de vida. Os índices da pobreza e miséria de grande parte da

população são conhecidos, de tal sorte que a criança enfrenta desde o nascimento

problemas de subalimentação e desnutrição. Também é deficitário o acesso aos

recursos sociais, como saúde, ensino e educação, que ficam relegados à

responsabilidade dos pais, também vítimas do processo de exclusão, que se repete

e perpetua, de geração em geração, a configurar um ciclo da crueldade.

25 RESIDENTE – Que reside ou mora num lugar. Diz-se de pessoa que reside no próprio local onde exerce função ou cargo. Pessoa residente (Dicionário de língua portuguesa Aurélio. Editora Nova Fronteira, 2002.

85

CAPÍTULO IV – METODOLOGIA

1 - PROCEDIMENTOS E CAMINHOS DA PESQUISA

Na medida em que avançávamos nas reflexões e debates sobre o objeto de

estudo, ganhávamos clareza para a realização do trabalho de campo, do ponto de

vista metodológico.

Inicialmente pretendíamos realizar nossa pesquisa em Unidade da FEBEM,

localizada na Zona Leste de São Paulo, no complexo do Tatuapé,

especificadamente, na Unidade Rui Toledo Joele – UI –12, onde trabalhávamos.

A FEBEM, contudo, não autorizou a pesquisa nesse local devido aos

problemas disciplinares que estavam acontecendo naquela Unidade, como também

a desativação do Complexo Tatuapé.

Como já havíamos feito a seleção dos sujeitos quando ainda nos

encontrávamos na UI-12, optamos por realizar a pesquisa com os adolescentes já

escolhidos em meio aberto e, para isso, aguardamos que fossem eles desinternados

até dezembro de 2006, portanto, em liberdade e fora do contexto institucional.

Quando chegou a ocasião da realização da pesquisa, deparamo-nos com os

seguintes obstáculos em relação à seleção da nossa amostra:

dos 6 adolescentes selecionados e que haviam concordado em

participar da pesquisa, 3 ainda se encontravam internados, sem

previsão de saída; um deles havia cometido novo ato infracional e

estava preso (maior de idade); 2 outros, embora durante os contatos

iniciais, tinham concordado em participar, mas nas várias vezes que

fomos ao local combinado, lá não se encontravam. A justificativa de um

deles para a recusa foi adoecimento, mas, interpretamos como “medo”

de recordar o que viveram durante o período, pois, segundo

informações das famílias, havia “sofrido muito” com a internação e

“tinha pavor de falar sobre ela”. O outro adolescente saiu de casa,

passando a morar com amigos e não pretendia mais dar seu

depoimento.

86

Tivemos, então, de buscar novos sujeitos para pesquisa, mas de uma relação

de 18 adolescentes, que estavam dentro dos critérios previamente definidos,

somente conseguimos contatar 3, que também não quiseram participar.

O adolescente, geralmente, tem medo de se expor, e, quando se trata do ato

infracional, pior ainda. Várias são as razões para esse comportamento, tais como:

“medo de falar sobre si”, ou porque continua “envolvido”, ou porque “não quer

recordar”, ou porque tem medo de “ser prejudicado” etc.

Tivemos, assim, de procurar outros sujeitos, que passaram por outras

Unidades que não especificamente a UI-12. Para tanto, recorremos a instituições

que trabalhavam com adolescentes, autores de ato infracional, no meio aberto.

Nossa nova opção foi tentar realizar a pesquisa com adolescentes que se

encontravam cumprindo medida socioeducativa de L. A., essa possibilidade foi um

caminho que propiciou uma maior aproximação dos sujeitos envolvidos e também o

adequado distanciamento do pesquisador. Assim, acreditávamos seria mais

proveitoso e atingiríamos nosso objetivo.

Contatamos algumas instituições que trabalhavam com a medida

socioeducativa de liberdade assistida, nas Regiões Sul, Norte, Leste e Oeste;

porém, devido à burocracia, tivemos acesso apenas a duas, localizadas na região

Sul. Dessas duas, a que reunia o maior número de adolescentes reincidentes na

medida de internação e em ato infracional era a instituição Centro Assistencial Cruz

de Malta.

O primeiro passo para iniciarmos o novo processo de pesquisa foi solicitar ao

Centro Assistencial Cruz de Malta – parceira da FEBEM/SP no atendimento

socioeducativo de liberdade assistida, permissão para a realização de entrevistas

com adolescentes autores de ato infracional e reincidentes na medida de internação,

porque pretendíamos manter os critérios de seleção dos sujeitos anteriormente

definidos.

Nossa empreitada teve êxito e o apoio do Posto de Liberdade Assistida (LA),

FEBEM/Regional-Sul e o Coordenador do projeto de Liberdade Assistida do Centro

Assistencial Cruz de Malta permitiu a realização da pesquisa nessa instituição, que

atendia no período, 102 adolescentes, todos reincidentes em ato infracional, e

destes, havia 18 reincidentes na medida de socioeducativa de internação.

87

O trabalho de campo foi realizado entre março e abril de 2007. Foram

analisados 102 processos, com a ajuda dos educadores, dos quais selecionamos 18

casos que contemplavam os critérios que haviam sido anteriormente estabelecidos.

A partir daí, contatamos os adolescentes, para convidá-los a participar das

entrevistas.

4CRITÉRIOS ANTERIORMENTE DEFINIDOS PARA SELECIONAR OS SUJEITOS:

Maior número de passagem na medida socioeducativa de internação;

Maior número de envolvimentos com ato infracional;

Tipo de envolvimento com ato infracional – roubo qualificado, tráfico,

homicídio, latrocínio, atentado violento ao pudor, estupro;

Moradias localizadas em bairros periféricos, na cidade de São Paulo.

4OBSTÁCULOS ENFRENTADOS DURANTE A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

Analisados todos os 102 processos e selecionados os 18 adolescentes que

atendiam aos critérios de seleção, (ou seja, principalmente aqueles que tivessem o

maior número de passagens pela MSE de internação) tivemos uma surpresa: nossa

intenção inicial era realizar a entrevista com os 18 jovens, para que pudéssemos

retirar, desse montante, os 6 (seis) relatos mais “significativos”, isto é, que

expressassem um sentido26, ou significado da reincidência na medida

socioeducativa.

Tal tarefa não se confirmou, pois, apesar dos apelos de toda a equipe,

somente compareceram 3 adolescentes reincidentes na medida de internação;

assim, diante do ocorrido tomamos a decisão de compor nossa amostra com

adolescentes reincidentes em ato infracional.

26“O sentido implica a atribuição de um significado pessoal e objetivado, que se concretiza na prática social e que se manifesta a partir das Representações Sociais, cognitivas, valorativas e emocionais, necessariamente contextualizadas” (FRANCO, 2005: 15).

88

4CRITÉRIOS REDEFINIDOS PARA SELECIONAR OS SUJEITOS

Com a preocupação de selecionar os sujeitos para a realização das

entrevistas, estabelecemos os seguintes critérios:

Maior número de envolvimentos com ato infracional;

Interesse em participação da pesquisa;

Tipo de envolvimento com ato infracional – roubo qualificado, tráfico,

homicídio, latrocínio, atentado violento ao pudor, estupro;

Moradias localizadas em bairros periféricos, na cidade de São Paulo.

A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada através de estudo dos

sujeitos reincidentes em ato infracional. Selecionamos 6 adolescentes e colhemos

relatos de suas trajetórias e envolvimento no meio infracional.

Com o estudo dos 102 processos, obtivemos os dados sobre a distribuição

dos atos infracionais que predominavam naquele local da realização da pesquisa: o

roubo qualificado lidera, em torno de 39 casos; em segundo lugar aparece o tráfico,

em torno de 31 casos; o furto com 10, homicídio qualificado, 4; tentativa de

homicídio, 5; atentado violento ao pudor,1; tentativa de roubo, 8; latrocínio,1;

tentativa de latrocínio, 1; seqüestro, 1; porte ilegal de arma, 1.

O tráfico de entorpecentes vem aumentando consideravelmente,

principalmente na região da zona sul, chegando a ultrapassar o roubo qualificado

(crime contra o patrimônio), conforme informações do Posto Sul. Também

encontramos mudanças de um ato infracional para outro – tráfico/roubo.

Obtivemos os dados sobre medidas anteriores que predominavam naquele

local: 100% dos adolescentes praticaram novo ato infracional após o cumprimento

de medida mais branda como Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à

Comunidade; 84 eram primários na medida de internação e 18 eram reincidentes, ou

seja, mais de duas internações.

Durante todo o processo pudemos também contar com o apoio de toda a

equipe de educadores e do Responsável pelo acompanhamento da medida na

Instituição, tanto na seleção da amostra, quanto no contato para convidar os

adolescentes selecionados a participar desta pesquisa.

89

4LOCAL DA ENTREVISTA

No Centro Assistencial Cruz de Malta, nosso primeiro contato foi com o

Coordenador, e, por parte do Posto Regional-Sul, com a supervisão de área. Fomos

bem recepcionados e pudemos contar com o apoio dessas pessoas, que reforçaram

a importância da pesquisa para conhecer e melhorar a qualidade do trabalho com

adolescentes autores de ato infracional.

A Ordem de Malta surgiu no século XI, em Jerusalém, pela necessidade de

construir um hospital que prestasse assistência aos peregrinos e à população pobre

local, e teve como patrono o apóstolo, São João Batista, que se dedicava ao

atendimento tanto de cristãos, como de judeus e mulçumanos.

No Brasil, a Ordem de Malta surgiu em 1952, e, no ano de 1957 foi criado na

periferia da Região Sul, na cidade de São Paulo, o Centro Assistencial Cruz de

Malta.

O Centro presta vários atendimentos à população pobre da cidade. Atua com

vários projetos na área da educação, saúde e programas complementares, como

estágios e cursos profissionalizantes.

Dispõe de posto de saúde com várias especialidades, creche, centro de

juventude etc., e também atende o adolescente, autor de ato infracional, através de

programa em parceria com a FEBEM/SP, em medida socioeducativa de liberdade

assistida. Já recebeu vários prêmios pela qualidade do atendimento prestado,

inclusive recebeu nota 9,6 da FEBEM, considerada a maior dentre as instituições

que atendem a essa modalidade da medida socioeducativa.

4CONTEXTO DAS ENTREVISTAS:

Antes de iniciarmos as entrevistas, tomamos o cuidado de esclarecer aos

participantes os nossos objetivos e a necessidade da gravação, bem como nossa

responsabilidade quanto ao anonimato dos participantes e posterior devolução.

O começo da entrevista com todos os participantes foi difícil, e tivemos

dificuldades em colher os depoimentos, não só pelo barulho que dificultava a

compreensão, mas também porque suas respostas eram curtas e evasivas. Alguns

até negavam a participação no ato infracional ou na internação na FEBEM,

demonstrando medo de falar sobre si mesmos e/ou não compreensão das

90

perguntas, principalmente em se tratando da questão ligada à infância. Várias vezes

precisamos interferir para tranqüilizá-los e reafirmar nosso propósito e compromisso

ético, bem como o objetivo do depoimento.

À medida em que a entrevista transcorria, no entanto, foram perdendo a

inibição, passando a falar com mais tranqüilidade e abertura sobre suas histórias de

vida.

Observamos que num ponto da entrevista, precisamente quando falavam

sobre a experiência da internação, a maioria demonstrava emoção diante da

narrativa, e, mesmo aparentando cuidado para não utilizar gírias, algumas

escapavam, indicando que a experiência da internação ainda estava muito presente

neles, como conseqüência do processo vivenciado.

No final, agradeceram a participação e afirmaram que, ao relatar a

experiência, se acharam mais aliviados por não terem com quem partilhá-la, pois

temem ser “mal interpretados” ou “desprezados”; sentiram-se bem ao falar, e isso os

ajudou a compreender melhor suas motivações.

No final da entrevista, despediram-se afetuosamente e combinamos um

próximo encontro para o retorno da pesquisa.

4CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

Os adolescentes selecionados27 que participaram da pesquisa são residentes na

cidade de São Paulo, na região da zona Sul, e tiveram passagem pelo sistema

FEBEM/SP por conta da prática de atos infracionais, verificando-se em todos, a

reincidência na medida socioeducativa em meio aberto, e de alguns na internação,

conforme estabelecido no ECA , art. 122. (máximo de 3 anos):

E-1 – (18 anos – 1ª série do ensino médio) ato infracional: roubo

qualificado, teve 3 passagens pelo sistema sócio-penal sendo 2 na

internação (reincidente na internação);

E-2 – (18 anos – 8ª série do ensino fundamental) ato infracional: roubo

qualificado, teve 3 passagens pelo sistema sócio-penal, sendo 2 na

internação (reincidente na internação);

27 Para manter o anonimato dos adolescentes que participaram desta pesquisa, utilizaremos neste trabalho a numeração de acordo com a ordem de realização da transcrição das entrevistas.

91

E-3 – (18 anos – 8ª série do ensino fundamental) ato infracional:

tráfico/roubo qualificado – teve 3 passagens pelo sistema sócio-penal,

sendo as duas primeiras por tráfico, e a última por roubo; a internação só

ocorreu na última passagem (primário na internação);

E-4 – (17 anos – 7ª série do ensino fundamental) ato infracional:

furto/tráfico/roubo, teve três passagens pelo sistema sócio-penal, sendo as

duas primeiras por furto e tráfico e a última por roubo qualificado; a

internação ocorreu nas duas últimas passagens (reincidente na

internação);

E-5 – (18 anos – 3ª série do ensino médio) ato infracional: latrocínio/roubo

qualificado – teve 3 passagens pelo sistema sócio-penal, sendo 2 na

internação (reincidente na internação);

E-6 – (17 anos – 1ª série do ensino médio) ato infracional: porte de

arma/roubo, teve 2 passagens pelo sistema sócio-penal, na 1ª cumpriu

internação provisória por porte de arma, cometeu novo ato infracional

durante cumprimento de Liberdade Assistida e aguarda decisão judicial.

Em seguida tivemos um primeiro contato com os adolescentes que

participariam da entrevista para explicar-lhes o objetivo do trabalho e obter

consentimento para participar. Após esse contato inicial, não houve nenhuma

recusa. A possibilidade de iniciar um trabalho, cujo enfoque não era culpabilizá-los,

e, sim, compreender como refletiam sobre a sua trajetória no meio infracional e as

razões do seu envolvimento, despertou grande interesse. No final do processo,

todos avaliaram como positivo, porque tiveram a oportunidade de compartilhar suas

experiências com alguém que os “compreendeu” e puderam falar sem se preocupar

com “as conseqüências”. Este dado demonstra a prevenção que o adolescente,

autor de ato infracional, tem da exclusão, da rejeição e da estigmatização, ao narrar

sua história.

4O MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO:

Optamos por uma abordagem qualitativa, válida em estudos que trabalham

com um número pequeno de informantes e que visa mais ao aprofundamento do

que à generalização, além da ênfase na investigação de aspectos subjetivos. No

âmbito dessa abordagem, privilegiamos a obtenção de depoimento, através de

92

entrevista individual, com perguntas abertas, ouvindo o adolescente e reconstruindo

com ele sua trajetória de vida para posterior análise de conteúdo.

Conforme FRANCO (2005), a análise de conteúdo é uma técnica de pesquisa

que tem como objeto a linguagem, e o ponto de partida é a mensagem que pode ser

um texto, um enunciado ou até mesmo um discurso; “assenta-se nos pressupostos

de uma concepção crítica e dinâmica da linguagem”. Linguagem entendida como

uma construção real e coletiva da humanidade e expressão da existência humana,

que “em diferentes momentos elabora e desenvolve representações sociais no

dinamismo interacional que se estabelece entre linguagem, pensamento e ação” (p.

14).

Em consonância com a abordagem escolhida para investigar o fenômeno da

reincidência de adolescente, autor de ato infracional, elaborou-se um roteiro (anexo

1) de perguntas abertas, composto por seis temas principais:

Trajetória familiar, escolar, profissional; envolvimento com drogas, meio

infracional, a relação institucional, esperanças medos e temores, vida

cotidiana, lazer e ressocialização.

A partir das entrevistas, elencamos cinco eixos de análise, buscando maior

apreensão do conteúdo:

CONVIVÊNCIA FAMILIAR: sofrimento, rejeição, exclusão e abandono;

AS MOTIVAÇÕES PARA O ATO INFRACIONAL: a reincidência;

SEQÜELAS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO;

EDUCAÇÃO X TRABALHO;

INSERÇÃO COMUNITÁRIA.

Com o objetivo de não perder o que havia de mais rico nestes depoimentos,

deixamos que os adolescentes falassem aberta e naturalmente sobre suas

trajetórias, mas, tendo em vista que estamos lidando com “sujeitos em construção”,

para facilitar suas narrativas elaboramos um roteiro para orientar nossa reflexão e,

ao mesmo tempo, ajudá-los a refletir sobre suas histórias.

O uso do gravador facilitou o trabalho de captação das informações, além de

evitar o risco de distorção da fala. Quando notávamos que havia inibição ao uso

deste instrumento por parte dos sujeitos em algumas das questões contidas no

roteiro de entrevistas, interrompíamos a gravação e buscávamos transmitir

93

segurança ao interlocutor quanto às intenções e ao anonimato; mas, de modo geral,

observamos que a presença do instrumento de certa forma favoreceu os sujeitos da

pesquisa a pensar antes de responder, demonstrando certo exercício de reflexão.

Aprendemos em todo processo de investigação que o trabalho com esses

adolescentes requer respeito e compromisso. O fato de estar ali, com aqueles

meninos, podendo ouvi-los e observá-los, teve um significado muito forte: o

compromisso de fazer retornar para eles e para a sociedade os resultados, seus

motivos e apelos.

2 – ANÁLISE INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

4CONVIVÊNCIA FAMILIAR - sofrimento, rejeição, exclusão e abandono:

A ausência/presença do pai

A história de vida do adolescente, autor de ato infracional, é permeada por um

cenário triste, de pobreza, exclusão, rejeição e abandono. Por isso, evitam falar

sobre a infância. Também a pouca idade contribui para a incompreensão, em

relação aos fatos vivenciados e, sem elaboração, fica difícil verbalizá-los.

Para eles, falar sobre a infância é ‘tocar’ dores que se quer esconder, significa

expor fragilidades. Tais fragilidades não são concretamente percebidas, mas sutis,

como um “não-dito”. Por isso, o pesquisador, sendo-lhe um ‘estranho’, tem

dificuldades em extrair conteúdos dessa infância sofrida, porque o sujeito

adolescente teme partilhar algo tão íntimo e ao mesmo tempo tão doloroso. Porém,

a medida em que a entrevista vai transcorrendo, o cenário de dor como que vai

saltando de suas narrativas. É o que nos revelam seus depoimentos.

O medo de expor os sentimentos é percebido na fala breve de dois sujeitos,

ao abordarem a infância.

“Minha infância foi boa, normal!” (E-1).

“Minha infância foi normal, nada desagradável!” (E-2).

No relato abaixo, entretanto, podemos observar a presença da dor, como

resultado da separação dos pais:

94

“Estão separados. Eu tinha oito anos. Ah! Foi ruim! Na época eu não tinha

o raciocínio do que estava acontecendo, do que vai acontecer depois...

você não tem uma segurança, infra-estrutura, uma coisa para você poder

se apegar, entendeu? Aí ‘cê’ fica assim: Será que ele não gosta mais de

mim? Será que a mulher que ele vai casar ou o marido que ela vai casar,

vai gostar de mim? Como que vai ser isso?” (E-2).

Dentre os 6 sujeitos pesquisados, apenas um consegue expressar a dor do

sofrimento vivido na infância, provocado pela violência física infligida pelo pai;

violência essa que contribuiu para sua “fuga” para a rua:

“Minha infância é muito ruim!... O meu pai me batia muito, eu não gostava,

ia para rua, ficava mês na rua” (E-4).

Dentre os 6 sujeitos, observamos a presença da dor em dois relatos por

motivo de falecimento do pai:

“Só tenho mãe, meu pai já faleceu. Eles eram separados. Até hoje eu não

entendo o motivo, foi ruim a separação deles. Ele levou um tiro... eu não

me lembro quando... foi na metade da minha infância” (E-1).

“Só mãe, meu pai faleceu. Faz uns 5 anos. Acho que eu tinha doze anos.

Isso foi um choque para mim: eu estava jogando bola numa quadra, aí

minha mãe ‘pegou’ e me chamou, ela não sabia como falar para mim...” (E-

6).

Em dois casos, após a separação do casal, os sujeitos pesquisados relatam

que ficaram sob a responsabilidade do pai. Porém, a convivência foi difícil e ambos

acabaram saindo de casa.

“Na infância eu morava com meu pai, era difícil. Tive uma briga com ele.

Não tenho mais relação com meu pai. Agora estou morando com uma tia.

Minha mãe mora no interior, com o marido dela” (E-2).

“Morava com meu pai antigamente, não tinha muita conversa, ele me batia

muito e eu fugia para a rua, morei na rua. Agora eu moro com a minha

mãe, tenho padrasto e a convivência entre nós está sendo ‘de boa’ por

enquanto” (E-4).

95

Assim, em nosso estudo observamos a presença do pai em três relatos, mas,

a relação entre pai e filho é marcada por violência física (E-4), incompreensão (E-2)

e o uso abusivo do álcool (E-3 e E-4), o que ocasionava situações de sofrimento

físico e emocional. O sentimento de abandono e rejeição e falta de apoio fica

evidente quando falam sobre o pai:

“Apesar da minha situação, do que eu fiz... mesmo quando estava

internado, ele não comparecia na visita e acabei guardando um pouco de

rancor dele” (E-2).

“Meu pai também bebe pra ‘caramba’! Todo dia 7 horas da manhã ele já

está de pé para trabalhar. Às vezes chega bêbado! De vez em quando.

Chega e já dorme. Não sabe nada o que acontece comigo, com meu

irmão! Sábado e domingo eu não fico em casa, só na rua, não tenho[?]

muita chance de conversar com ele” (E-3).

“Era ruim. Ele só sabia bater. O meu pai me batia muito” (E-4).

Notamos, porém, que mesmo quando os pais vivem juntos – somente um

caso – também encontramos a queixa de dificuldade de relacionamento e falta de

apoio.

“Meu pai não conversava não, só sabia bater!” (E-3).

A presença de padrastos e madrastas é comum, mas no caso de falecimento

do pai, a mãe que continuou sozinha aparece em dois casos e somente um jovem

tem padrasto.

“Não tenho pai, eu tenho padrasto, mas apoio, só da mãe” (E-1).

“Não tenho pai, ele morreu eu não era nascido. Minha mãe está sozinha”

(E-5).

“Meu pai faleceu, não, minha mãe está sozinha” (E-6).

Nesta pesquisa, registramos que 3 dos sujeitos pesquisados afirmam não ter

pai vivo (E-1, E-5 e E-6); no relato de E-6 vemos a importância da presença do pai

para sua infância:

“Minha infância foi boa, aproveitei bem, até o momento que meu pai

estava vivo... ele morreu e eu tinha 12 anos, foi de repente” (E-6).

96

Entre os 6 pesquisados, apenas um deles relata que os pais têm uma boa

convivência conjugal no momento, mas costumavam brigar bastante:

“É legal, entre eles o relacionamento é legal! Discussões, normal. Na outra

casa um bom tempo ‘rolava’ várias brigas, muitas brigas, mas nesta casa

agora não ‘rolou’ nem uma briga, ainda não” (E-3).

Um dado relevante observado entre os sujeitos estudados é que, nos dois

casos em que ocorreu separação do casal, o relacionamento entre eles ficou

prejudicado, a ponto de nem voltar a conversarem e, conseqüentemente, isso

contribuiu para a ausência do pai junto ao filho. Nos dois relatos, ambos os cônjuges

formaram novo vínculo matrimonial.

“Não se falam! Não podem nem se ver! Pra mim, agora é coisa deles, não

digo, voltar a ser casal de novo, mesmo porque até já se casaram [?],

justamente para estar dividindo alguma coisa, o problema do outro é muito

difícil. Era bom até o ponto do divórcio. Tinha bastante briga, mas nada

além de briga, sem agressão” (E-2).

“Ruim, porque os dois não se falam!” (E-4).

Em um dos relatos, observamos que a figura do pai está associada àquele

que proporcionava uma situação financeira melhor:

“A minha infância foi ótima! Meu pai me dava tudo o que eu queria, nunca

tive nenhum problema com dinheiro, com nada, tudo o que eu queria eu

tinha” (E-3).

A importância da mãe

Conforme demonstra a pesquisa qualitativa, realizada pela FEBEM/SP em

maio/2006, 38% dos adolescentes internados na medida socioeducativa de

internação eram oriundos de lares chefiados unicamente pela mulher.

Em nosso estudo, observamos que a presença da mãe é forte e aparece nos

6 sujeitos da pesquisa como aquela que orienta, dá afeto e apóia, principalmente

durante a internação. Contudo, entre os 3 cujo pai é vivo (E-2, E-3 e E-4), não

acontece o apoio por parte do pai:

97

“Já estava mais acostumado com a idéia de que só minha mãe me

apoiava” (E-2).

“Meu pai nem foi me visitar, só minha mãe me visitava, me ajudava. Nessa

última internação, ele nem ligou muito” (E-3).

“Fora que eu fiquei bastante tempo preso, não teve aquele relacionamento,

contato só com a minha mãe. Ela conversava bastante... um

relacionamento bom...” (E-4).

Dentre as mães que criaram seus filhos sozinhas (sem a presença do pai),

excetuando-se a primeira que firmou novo relacionamento, tiveram de trabalhar fora

para manter o sustento da família, não tendo, conseqüentemente, muita

disponibilidade para dar afeto, ou para vigiar e cuidar da prole. Os filhos ficaram,

muitas vezes, sujeitos a influências de uma sociedade violenta, consumista e com

pessoas envolvidas com a criminalidade; contudo, não existe queixa, em relação à

falta de apoio da mãe, ao contrário, é apontada como sempre presente; por isso, a

figura da mãe aparece como importante na vida desses adolescentes:

“Fui criado mais pela minha mãe... ela sempre conversava.... batia, mas às

vezes... era tudo na base da conversa... era sim, carinhosa...” (E-1).

“Ela brigou, falou: de novo? Outra vez? Só que sempre me apoiou, pelo

menos isso eu tive, o apoio de minha mãe” (E-5).

“Sim, minha mãe é carinhosa, atenciosa, conversava[?] muito[?]” (E-6).

Na pesquisa realizada por FONTES (2004) com o tema: A força do afeto na

família: uma possibilidade de interrupção da prática infracional de adolescentes em

liberdade assistida, a autora tece considerações, baseada em pesquisa

desenvolvida por ASSIS (1999), sobre o quadro das vulnerabilidades existentes nas

famílias com filhos que praticaram ato infracional:

• “Eram famílias fragilizadas inicialmente pela pobreza e exclusão social a que estavam expostas, o mais das vezes isoladas do amparo social construtivo e do mundo, que existia para além dos domínios dos sem posse;

• Eram famílias fragilizadas pelas seqüelas emocionais e financeiras fruto de separações dos pais, às vezes pela ausência da mãe no lar, com algumas apresentando sinais de instabilidade emocional nos cuidados com os filhos (causa de agressões físicas e emocionais);

98

• Eram famílias pródigas em históricos familiares de doenças e dependências às drogas e ao álcool;

• Eram famílias que contavam em seus históricos, com freqüentes envolvimentos dos membros das famílias em atos infracionais;

• Eram famílias fragilizadas, também, pelo histórico familiar de violência sofrida, em que se incluía: suicídios, irmãos carbonizados, acidentes de carro, espancamentos e assassinatos” (p. 31).

Esta realidade é confirmada também em nossa pesquisa e em nosso

cotidiano da prática junto a esses jovens, nas quais pudemos constatar que a

violência se manifestava de diferentes formas; a física era praticada pelo pai, que

fazia uso abusivo do álcool:

“Ele vinha bêbado, batia em nós e eu não gostava, ficava com raiva e ia

embora, ia para a rua para ficar ‘zoando’... morava na rua” (E-4).

Dentre os 6 participantes da pesquisa, 3 confirmam o envolvimento de

familiares com o meio infracional, sendo forte o envolvimento do pai ou do padrasto,

resultando em prisão ou morte:

“Meu pai eu acho que já tinha ido preso... acho que era envolvido com

assalto... eu era pequeno... minha mãe falou por base com nós... ela não

comentou com nós direito... ele foi morto com tiro... era pra ele ta vivo até

hoje... não, a morte não teve nada a ver com o assalto, foi numa briga num

bar... acho que o rapaz lá era até colega dele também. Aí eu acho que o

rapaz entrou e começou a brigar e dar tiro nele, mas eu não sei o que

estava acontecendo...” (E-1).

“Sim, meu pai e padrasto estão presos” (E-4).

“Tive um tio que ficou preso... ele já morreu” (E-6).

Observa-se, no depoimento do sujeito pesquisado E-5, a ausência do pai por

motivo de morte, não tendo assumido a sua paternidade:

“Não sei... eu não conheci meu pai... Minha mãe estava grávida de quatro

meses quando ele morreu... acho que eles nem chegaram a conviver” (E-

5).

99

Confirma-se, pois, um quadro em que a elevada vulnerabilidade e a exclusão

social facilitam a entrada desses adolescentes no meio infracional, pois desde o

nascimento são vítimas de negligência, pobreza e abandono.

Este dado é comprovado nesta pesquisa, quando se verifica que, dentre os 6

adolescentes entrevistados, apenas um deles convive com os dois pais juntos e,

conforme levantamento realizado no local da pesquisa, dos 102 adolescentes

atendidos naquele Posto de Liberdade Assistida, 31 não tiveram a paternidade

reconhecida. Conforme análise de ASSIS (1999),

“(...) primeiro, nas classes populares, não há, freqüentemente, divórcio, mas dissoluções do casamento; segundo, as comunidades e as famílias de baixa renda não são necessariamente desestruturadas e desorganizadas, mas, têm uma organização diferenciada (...)” (p. 44).

O sentimento de abandono e exclusão contribuiu para que esses

adolescentes se tornassem precocemente “maduros” como forma de

sobrevivência28, e o envolvimento em ato infracional significou o acesso ao que lhes

possibilitaria a ilusão do triunfo sobre suas próprias fragilidades emocionais, como

forma de auto-afirmação e a busca da independência financeira.

Embora não apareça na pesquisa o sentimento de abandono por parte da

mãe, e os entrevistados deixem claro o significado dessa presença em sua vida,

principalmente durante a internação, ela sozinha não consegue impor limites nem

exercer supervisão, deixando os filhos muito à vontade.

Condição socioeconômica da família

Um dado importante que a pesquisa revela é a situação de trabalho dos

familiares dos adolescentes pesquisados.

Dentre as profissões ocupadas pelas mulheres, destaca-se a função de

empregada doméstica, observada em 3 relatos, seguida do desemprego em 2 deles:

“Minha mãe é manicure” (E-1).

“Minha mãe trabalha como empregada doméstica” (E-2).

“Minha mãe é doméstica” (E-3).

“Minha mãe está desempregada, ela faz ‘bico’ de vez em quando” (E-4). 28 Grifos nossos.

100

“Minha mãe é empregada doméstica, só de segunda, quarta e sexta-feira”

(E-5).

“Minha mãe está desempregada” (E-6).

Dentre aqueles que têm pai vivo ou padrasto, aparecem profissões como

pedreiro, marceneiro e também o desemprego por estar na prisão:

“Meu padrasto é mecânico” (E-1).

“Meu pai tem uma marcenaria, sim, ele é o dono” (E-2).

“Meu pai é pedreiro, mexe com obra” (E-3).

“Meu pai é pedreiro, agora ele está preso” (E-4).

Conforme observamos, trata-se de chefes de família, na maioria composta

por trabalhadores com emprego informal (sem carteira assinada). Somente um dos

adolescentes pesquisados aparece numa situação socioeconômica diferenciada,

porque o pai é proprietário de micro-empresa, no ramo de marcenaria.

Em relação aos irmãos, verifica-se uma mudança favorável, uma condição

melhor de trabalho:

“Tenho três irmãos. Meus dois irmãos trabalham com cantina escolar...

minha irmã é pequena, vai na creche” (E-1).

“Tenho quatro irmãos. Meu irmão trabalha na indústria alimentícia, numa

firma que fornece os alimentos pra avião, minha irmã é promotora de

vendas de celular. As outras duas é pequena, não tem nem 1 ano, é da

parte do meu pai” (E-2).

“Meu irmão só estuda, é mais novo do que eu” (E-3).

“Tenho três irmãos. Meus irmãos são menores, só estudam” (E-4).

“Minha irmã mais velha trabalha como caixa numa lotérica e a pequena vai

para a creche e o resto do dia fica em casa, comigo” (E-5).

“São dois pequenos e um mais velho, e desses pequenos, a menina está

na creche e o menino está na escola. E um está desempregado” (E-6).

101

4AS MOTIVAÇÕES PARA O ATO INFRACIONAL: a reincidência

O mito do consumo e do dinheiro fácil

Entre os adolescentes pesquisados, observa-se que o dinheiro foi uma

grande atração para o envolvimento com o ato infracional, embora, inicialmente,

tivessem demonstrado dificuldades em admitir isso. Aparece também o desejo pelo

que o dinheiro pode proporcionar, ou seja, bens tais como: carro, moto, roupas de

marca e passeios. Outra motivação importante é a necessidade de independência

financeira proporcionada pelo dinheiro.Também observamos a influência das

amizades e uma recusa em relação ao que a família pode oferecer em

contraposição ao que é possibilitado com a inclusão no meio infracional:

“Tipo assim, não tinha porque eu me envolver, minha família me ajudava

muito, é do nada, vem da sua cabeça, tipo assim você ta conversando com

os colegas, uns é só envolvidos, você vai vendo o que eles vão fazendo...

não sei se foi só interesse de conhecer, de repente, assim, aconteceu... no

meio de uma conversa... Não tem muita explicação, você vê eles

comentando, tal, falando, aí você pensa assim... de mim foi uma coisa de

repente,... aí falei, então também vou... Foi por dinheiro, mas eu não tinha

precisão, nós adolescentes dinheiro é besta pra nós... pra nós gastar, sair

essas coisas, dinheiro é pra gastar mesmo, tem outros que querem ter

tênis e roupa nova, influencia ir roubar pra ter também essas coisas, a

família não tem condições de dar, pra muitos isso é motivo, entre nós é

assim, a maioria, né?, aí eu fui roubar pra ter também... pra ter dinheiro,

mas tênis, roupa eu tinha essas coisas, não precisava roubar pra ter isso

não... foi por dinheiro mesmo!” (E-1).

“Eu ia para a escola sempre com alguns moleques, sabia que eles

estavam envolvidos com alguma coisa eles se vestiam com calça legal, um

dia[?] cheguei[?] e perguntei vocês trabalham? “ - Não, a gente pega uns

négocio ali...” Conversando fui vendo que eles roubavam carro, mas eles

não sabiam dirigir e eu sabia, já dirigia faz um tempo. A hora que eu parei

eles: “- Vamo ali e ‘tal’ tem uma festinha[?]. Aí é fácil! Você faz um negócio

em 5 minutos e ganha 2, 3 mil reais. Ainda mais pra mim, naquela época

era muito dinheiro; o que é fácil e rápido todo mundo quer!” (E-2).

“Para arrumar dinheiro e sair, gastar com minhas roupas, fazer meus

‘negócio’. Minha família me dava, mas não queria o que eles queriam dar,

eles queriam dar as roupas humildes e eu só queria usar as roupas de

102

marcas, tênis da moda. O que eles não podiam pagar, eu queria, aí eu ia

fazer isso para conseguir!” (E-3).

“O que me levou a roubar? É tudo influência dos amigos. Via também

meus amigos, o que eles conseguiam... ficava pensando, parar de pensar

começar a roubar. Andava sozinho e nos mercados[?] nas coisas[?] do

nada ‘catava’ e roubava. [palavra inaudível] os moleque também, os outros

e ia no mesmo ‘embalo’, até que um dia fui preso[?]” (E-4).

“Pra poder sair também, fazer tudo o que eu queria, se eu visse alguma

coisa que eu gostasse eu tinha dinheiro pra comprar e não precisava pedir

pra minha mãe, não precisava pedir pra ninguém porque eu tinha meu

dinheiro, podia gastar com o que eu quisesse” (E-5).

“Isso foi porque estava faltando acho que... Porque, eu estava ajudando o

meu irmão, quando eu estava trabalhando, eu ajudava o meu irmão a tirar

a habilitação dele, que ele ia tirar a habilitação do carro e ia começar a

trabalhar com meu tio. Estava faltando acho que uns 200 e poucos reais, e

ele pediu para um, para outro, para um, para outro e tinha gente já

devendo a ele e não pagava, eu vi o desespero dele, e eu sou assim, não

gosto de ver nada faltando para o meu irmão, para a minha irmã, para toda

a família. Aí, foi quando eu cometi esse ato infracional, é, o último... roubo.

Foi, aí que eu cometi” (E6).

Para esses adolescentes, ter dinheiro é superar sua condição de exclusão

social e também para não depender financeiramente da mãe, mesmo que para isso

tivessem de correr riscos com atos ilegais. Aliás, a idade contribui para isso, porque

eles obtêm o que buscam: o risco do desafio, o reconhecimento e o “pertencimento”.

Nesses depoimentos, encontramos o significado do dinheiro para esses

adolescentes. Vivemos numa sociedade onde ter dinheiro equivale a ter prestígio,

poder e liberdade. Eles reproduzem os valores defendidos pela sociedade, são,

portanto, resultado direto dela.

Em relação ao envolvimento em ato infracional, com a justificativa de auxiliar

a família, apenas um afirma ajudar a mãe, embora essa ajuda fosse escondida,

através de um irmão com trabalho regular, devido à recusa dela com o dinheiro

“ilegal”. Porém, quanto ao dinheiro ganho pela atividade “legal”, era diretamente

entregue para a mãe.

103

“Já, só quando eu trabalhava, mas não tá em necessidade porque meus

irmãos também trabalham” (E-1).

“É, pode-se dizer que sim! Minha irmã é uma pessoa da família, já cheguei

a dar dinheiro pra ela. Agora não mais” (E-2).

“Não!” (E-3).

“Nunca!” (E-4).

“Já, quando eu trabalhava, com 13 anos já sustentava minha família” (E-5).

“Já. Durante o tempo ‘que’ eu fiquei na firma, os 6 meses, eu ajudava em

casa” (E-6).

Sentimentos em relação ao ato infracional

Aparece nas entrevistas o sentimento de ‘poder’ sobre o outro, ‘adrenalina’,

status, medo, revolta, para chocar os pais o risco que envolve tal prática; num

espaço social ocupado pela violência, o uso de armas confere ao seu portador

maiores riscos e também maiores possibilidades de atuação:

“Na hora você não pensa muito... vai e faz, você fica assustado, é muita

adrenalina. Da primeira vez você não tem noção do que você está

fazendo, acaba se desesperando, mas aí acontece, é estranho, depois

quando dá certo parece que.... depende, quando dá certo você se sente

bem” (E-1).

“Penso assim, a maioria das coisas que eu queria estava envolvido com

isso... carro, velocidade, adrenalina, arma, dinheiro. Ter aquela sensação

de poder” (E-2).

“Quando eu estava na rua, era ‘soltão’, não estava nem aí, pegava um

revólver e assaltava todo mundo que achava eu roubava. Saindo aqui, ia

dar uma volta, chegava onde morava com dinheiro, fazia festa, sempre

assim, dei sorte” (E-3).

“Mas a sensação é de poder. De ter tudo a seus pés porque é você que

manda, né ‘senhora’. Você que faz tudo, eu me sentia bem, nunca

maltratei ninguém, sempre respeitei... Depois é só a parte boa, repartir o

dinheiro e fazer o que você quiser” (E-5).

É comum entre os adolescentes que estão envolvidos com ato infracional, na

relação com outros adolescentes que se encontram em situação idêntica à sua,

104

desenvolver comportamentos considerados anti-sociais e violentos, incluindo aí o

aprendizado e a utilização de armas, como: facas, estiletes e armas de fogo. Assim,

aprendem os “macetes” necessários e facilitadores para a inclusão na “carreira

infracional”. Inicia-se com furtos de pequenos objetos e, na vida adulta, muitos

acabam se tornando reincidentes em potencial na prática infracional.

Motivos para novo ato infracional

Dentre as razões apontadas para continuar na pratica de ato infracional,

observam-se motivos como: ajudar parceiros em dificuldades, conseguir estabilidade

financeira, uso de droga:

“Porque eu já sabia o que eu queria e pensava: Vou pegar umas 2, 3

vezes, dar[?] uma levantada[?] e ficar tranqüilo, só que é viciante, você não

pára, quer sempre mais, é o status, o dinheiro; você quer!” (E-2).

“Tudo por causa da droga. Encontrava[?] aqui um, então estava[?] indo

para outro lugar, do nada conhecia outros ‘caras’, chamava para trabalhar,

trabalhava. Os ambientes que eu ia, era só desse ‘local’, as festas;

conhecia os ‘caras’ que eram donos do tráfico, me chamavam e

começava” (E-3).

“Eu estava sem dinheiro, não tinha nada, queria sair, os amigos

convidaram e deu no que deu né, fui preso de novo” (E-5).

“Eu estava... eu ‘peguei’ [palavra inaudível] na rua, ‘peguei’ e vi uma

mulher saindo de um banco com uns R$ 300,00, R$ 400,00 e aí eu

‘peguei’ e segui ela. Nisso, quando eu fui pegar a bolsa dela, nisso assim

eu não consegui pegar, aí eu ‘peguei’ e saí correndo. Nisso que eu saí

correndo, a viatura veio e me pegou e me levou para a delegacia. O

delegado falou para mim... deu um termo para ‘mim’ assinar e, no dia

seguinte, escreveu[?]e foi para o Fórum” (E-6).

Profissão de risco: a ilusão do poder

Fato interessante é observado no relato de 2 adolescentes, cujo ato

infracional é denominado “trabalho” e se constitui em profissão de risco,

principalmente assalto ou roubo com uso de armas:

“O fato de saber que pode ganhar dinheiro fácil, você sabe que não é de

um modo legal, mas sabe que quando faz envolve adrenalina é muito

rápido, você não raciocina. Pode-se dizer que é como um desafio. É, correr

risco” (E-2).

105

“Mas às vezes até tinha esse tipo de colega que falava: “ - Vamos

trabalhar, não sei o quê?”. Porque eu trabalhava para ganhar dinheiro, aí

faz balada... Já tinha droga, usava mais, ficava trabalhando a noite toda

Chamava para trabalhar, trabalhava” (E-3).

Outra razão que aparece para 2 adolescentes pesquisados terem tido

envolvimento com o ato infracional é a revolta, principalmente com o pai:

“O fato de trabalhar com o meu pai, ele não me pagar como funcionário,

mas como filho, não me registrar e tratar da devida forma; tem uma hora

que... explode! Você não segura mais” (E-2).

“Era o meu pai com essa situação toda, ele me batia, eu fugia pra rua. Era

nessa que ‘trombava’ os amigos, sumia pelo mundo” (E-4).

Surge também a vontade de “chocar” os pais, atitudes próprias da fase da

adolescência, como tentativa de chamar a atenção sobre si e mostrar que pode, que

é adulto, conforme se verifica:

“Pra minha mãe foi um choque, ninguém esperava, ela procurava

conversar né, me ajudar” (E-1).

“Para eles foi meio ‘chocante’, cheguei a escutar: “ - Esperava do ‘P’ mas, não

de você!”. E meu pai agiu um pouco... chocado! Apoio só da mãe” (E-2).

“Eles nem sabiam que eu estava preso. Já estava aqui faz um tempo” (E-3).

“Foi como não ter acontecido nada” (E-4).

“A minha família ficou bastante triste com o que eu fiz, mas me apoiaram”

(E-5).

“Eles não acreditaram! Acharam que, da delegacia mesmo, eu ia vir

embora. Apoiaram” (E-6).

Também aparece o envolvimento com o crime organizado, ocorrendo o

recrutamento desde criança para a construção de “carreira” no tráfico de drogas:

“Comecei como ‘’‘aviãozinho’, com 12 anos; a traficar, com 13 anos; roubo

com 17 anos, foi a última passagem’, que foi roubo; os ‘caras’ que

moravam onde moro, era só eu pegar, eles já mexia com o tráfico, depois

eu fui para ‘olheiro’ e depois para o ‘pacote’” (E-3).

106

No jogo para a ascensão social, vale tudo, e o mito do consumo é o valor

supremo. Portanto, observamos nos discursos dos adolescentes valores

socialmente importantes para a sociedade moderna consumista do século XXI.

Ao que parece, a continuação na carreira infracional aparece como condição

para garantir um futuro com estabilidade financeira e também como “viciante”, a

febre em busca do consumismo.

Contudo, nossa reflexão quanto a principal motivação para a prática de ato

infracional é o desejo de superar a pobreza, obter respeito e reconhecimento social,

mesmo que para isso se coloque em risco a própria vida.

O uso de droga X ato infracional

Em relação ao uso de drogas, os adolescentes afirmam que tiveram essa

experiência, e apenas 2 negaram seu uso, mas um dos que negaram confirmou o

uso de bebida alcoólica:

”Não, nem cigarro... só bebida...só cerveja”. (E-1).

“Já. Quase todas: crack, maconha, cocaína... Quase dois anos. Parei desde a

última vez que eu saí, em outubro” (E-2).

“Já usei quase todas: crack, ‘farinha’, maconha. Eu experimentei e gostei.

Bastante tempo. Eu viajei para o Ceará , aí parei. Quando eu voltei já não

usava mais nada, só maconha usava” (E-3).

“Sim, via os amigos usar e ia usar também, não sabia o que era, ia usar.

Maconha. Quatro anos” (E-4).

“Sim, sei lá, para experimentar, por curiosidade, maconha, para ver como era.

Não uso mais. Usei por um ano” (E-5).

“Não uso nada, nunca!” (E-6).

Apenas um sujeito confirmou que fez uso de drogas durante a prática do ato

infracional:

“Sim, eu traficava e usava todo dia. Sempre com drogas!” (E-3).

Em relação à idade para o inicio do uso de substâncias químicas e os seus

motivos, os sujeitos relataram:

“Desde os 17 anos. Não sei... influência das amizades, meu padrasto

também bebe” (E-1).

107

“Acho que foi com 16... hum! Nem sei... experimentei, gostei; foi na

‘balada’” (E-2).

“Farinha’ comecei com 14 anos. Na balada. Estava traficando e um dia eu

quis experimentar e experimentei. Gostei e não parei mais. Maconha com

12 anos. ‘Farinha’ não uso mais, só uso maconha” (E-3).

“Com 10, quando comecei a traficar, foi para experimentar, agora não uso

mais” (E-4).

“Com 14 anos, sei lá, para experimentar, por curiosidade, maconha, para

ver como era. Não uso mais. Usei por um ano. Eu comecei tudo aos 14

anos. Comecei tudo nessa idade, também iniciei com o roubo, foi quando

descobri ser homem ” (E-5).

Em 2 depoimentos as drogas aparecem como “prazer”, “comemoração” após

o ato infracional:

“Não. Nenhuma. Pode-se dizer, que eu só usava na hora de lazer com os

amigos ou depois que já tinha feito alguma coisa, que já estava bem, com

dinheiro; mas não sempre, só em alguns momentos” (E-2).

“Não, eu não usei nada durante o ato infracional, de nenhum, só usava

com os amigos, para relaxar” (E-5).

Seu uso, entretanto, não é determinante para o envolvimento em ato

infracional e aparece somente em um relato:

“Não! Não teve relação, nenhuma” (E-1).

“Sim. Porque eu trabalhava para ganhar dinheiro, aí faz balada... Já tinha

droga, usava mais, ficava trabalhando a noite toda e traficava para poder

usar” (E-3).

“Não. Não tem nenhum envolvimento com drogas. Como assim? Que eu

fui roubar por causa da droga? Não, já fui preso no tráfico, mas usar droga

e chegar no ponto de roubar, não” (E-4).

A entrada para o “mundo infracional” parece coincidir com a entrada para a

experiência com a droga:

“Foi com 16 anos, eu acho...” (E-1).

“Acho que foi com 16 pra 17” (E-2).

108

“Comecei a traficar, com 13 anos” (E-3).

“Com 10 anos” (E-4).

“Comecei a infracionar com 14 anos de idade” (E-5).

“Com 17... não, com 16” (E-6).

A adolescência é uma fase em que ocorre a transição da infância para a fase

adulta. Ao que tudo indica, a droga e o ato infracional aparecem como “senha” de

entrada nessa transição, uma espécie de “rebeldia” da modernidade.

Quanto ao conhecimento e atitudes tomadas pelos pais em relação ao uso de

substâncias químicas, os sujeitos revelam que:

“Sim, eles sabiam. Não fizeram nada. Minha mãe no começo brigava, mas

depois... Também, meus amigos bebem, meu padrasto bebe... porque eu

me controlo né? Ela dá conselhos pra eu parar” (E-1).

“Não. Nunca perceberam” (E-2).

“Saber eles sabe, mas não conta para mim. Faz de conta que não sabe.

Eu deixo pensar, falo nada. Já minha mãe conversa pra ‘caramba’, mas

meu pai só sabe na ignorância, aí acontece a briga, vem falar um monte.

Uso uma ‘paranga’ por dia, um ‘caroço’ por dia, pouquinho! Hum... quase

todo dia” (E-3).

“Nunca souberam” (E-4).

“Não! Claro que não” (E-5).

“Não usei... porque minha mãe conversa muito sobre isso” (E-6).

Tráfico/roubo

Outro fator importante que aparece em 2 depoimentos é a migração de um

ato infracional para o outro (tráfico e roubo). O roubo propicia o dinheiro imediato

para as necessidades do momento.

“Em vez de vender eu usava tudo, eu pagava, pagava, usava a noite toda,

chegava 7 horas da manhã ia roubar para pagar o que eu tinha usado,

todo dia. Aí eu acabei parando” (E-3).

“Comecei com 10 anos traficando, aos 13 anos roubando carro; via um

carro parado, achei da hora, ia lá e roubava, foi por influência dos amigos

109

quando estava na rua. Era nessa que ‘trombava’ os amigos e ia roubar ou

traficar. A gente tinha casa, tinha tudo” (E-4).

Observa-se que a mudança entre os atos infracionais de roubo e tráfico

aparece para cobrir o “prejuízo” com o uso da droga. Nesse sentido, o “patrão” até

garante o uso, mas não perdoa “prejuízos”:

“Comecei colocar na cabeça que só dava prejuízo, estava dando prejuízo

lá também, porque usava bastante, os ‘caras’ iam me pegar” (E-3).

A ameaça da morte ajudou este adolescente a se afastar do meio infracional,

mas nem todos o conseguem e acabam perecendo.

4AS SEQÜÉLAS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO

A surpresa da apreensão

Alguns adolescentes relataram que continuaram a praticar ato infracional,

porque acreditavam que não seriam presos:

“Sim... eu sabia do risco... mesmo assim fui de besta, fui preso

novamente, fiquei internado...” (E-1).

“Pensava que não! Dei a sorte de pegar um policial corrupto, pagava – às

vezes era sorte, mais na hora não tinha dinheiro, aí deu azar!” (E-2).

“Não temia” (E-3).

“Não” (E-4).

“Não temia... é o risco, né” (E-5).

“Temia” (E-6).

Um dado importante é que, dos 6, 5 adolescentes tiveram medidas anteriores

em meio aberto, e somente o sexto teve internação provisória, mas permaneceu três

meses ao todo internado – a internação provisória é no máximo de 45 (quarenta e

cinco) dias, mas ocorrem casos em que os adolescentes permanecem um longo

período internado (considerando-se a entrada na Delegacia, depois vai para a UAI -

Unidade de Atendimento Inicial – e depois para a UIP - Unidade de Internação

Provisória) para aguardar a sentença com a definição do tipo de medida

socioeducativa que deverá cumprir:

110

“Na primeira vez já fui pego... recebi Liberdade Assistida, duas vezes” (E-

1).

“Liberdade Assistida e Prestação de Serviço. Não cheguei a cumprir nem

dois meses de ‘casa’, cometi outro delito” (E-2).

“Só na primeira ‘passagem’, Liberdade Assistida e Prestação de Serviço”

(E-3).

“Liberdade Assistida na primeira vez” (E-4).

“Na primeira vez peguei Liberdade Assistida, nem cumprir direito, fui pego

tentando roubar uma casa, nem roubei e fui preso!” (E-5).

“Eu passei e já internaram ‘eu’, da delegacia mesmo já me levaram para a

FEBEM, fiquei 3 meses internado” (E-6).

Nota-se que a “justiça sócio-penal” da juventude demonstra uma maior

tolerância em relação ao envolvimento de adolescentes com o meio infracional na

primeira vez, mas não tolera a reincidência, com exceção para E-6, que mesmo

tendo praticado novo ato infracional (furto), depois do primeiro (porte de arma), foi

reconduzido para a medida de progressão que já vinha cumprindo – Liberdade

Assistida, fato que este considera positivo para ele:

“Eu sinto que o Juiz me deu mais uma oportunidade de novo, para ver o

que eu quero na vida: se eu quero... vou ficar preso e morrer ou se quero

ter a vida digna trabalhando eu quero ter a vida digna e trabalhar” (E-6)

É interessante observar na entrevista do adolescente E-6 que ele interpretou

a atitude do Juiz como uma nova oportunidade para modificar suas atitudes, como

um incentivo e apoio muito mais eficaz do que a internação, que, conforme aparece

nos depoimentos, é interpretada por eles como “prisão”.

A dor da exclusão

A primeira internação despertou diferentes sentimentos. Nos depoimentos

observamos a dor, tanto física como emocional quando ocorreu a apreensão:

“Ah, no começo foi horrível né...não sabia nada, era a primeira vez...não

tinha noção... do que era aquilo, fiquei assustado no começo, mas aí a

gente vai se atualizando, vai vendo como é, a gente vai conversando com

os outros adolescentes,... vai pegando amizade... tipo assim a gente

111

encontra uns que passaram só uma vez também, outros já passaram

várias vezes, aí você vai se misturando, conversando, pegando amizade,

com alguns, e vendo como é a realidade lá dentro... não tem segredo...

basta você se atualizar no decorrer de cada dia, cada dia é uma coisa

diferente” (E-1).

“Na hora, quando teve a determinação – fiquei meio assim –agora tem que

ir! Aqui para sempre eu não vou ficar! Vou levando, sabia como

funcionava, o que tinha que fazer. Saudade de estar aqui fora, da família,

das coisas que você tinha e não dá valor, um tênis, um relógio, qualquer

outra coisa, um isqueiro, um maço de cigarro que lá dentro não tem. Você

usa o moleton, chinelo e ‘cabou’ o restante, almoça num pedaço de

alumínio, toma numa caneca suja, come numa colher suja - então essas

coisas a gente sente falta – tomar banho, ter sua própria privacidade – isso

não tem!” (E-2).

“Acabei de fazer a prestação de serviço, no último dia que eu ia responder

à L.A., fui roubar no dia anterior, fui preso e teve quebra de L.A. Na

primeira ‘passagem’ deu internação, mas aí recorreu e teve como voltar

atrás, e só fiquei 3 meses internado. Senti arrependimento. Porque não foi

nada daquilo que a minha mãe ensinou para mim, ela nunca ensinou nada de

errado, os meus familiares nunca usaram droga [palavra inaudível] já estava

lá dentro e já era tarde. Podia ter parado antes, mas não parei” (E-3).

“É horrível! Você e[?] um monte de pessoas, com uma ‘pá’ de moleque,

sem sua mãe do seu[?] lado[?], sem aquele carinho do seu pai, da sua

família” (E-4).

“Quando fui preso apanhei bastante. Passei o dia inteiro e uma noite

inteira, apanhando; 2 dias trancado num lugar lá, comendo pão e água, e

sendo torturado. Eram aqueles pães vencidos, sabe, de 4 dias, como eu

não tinha nada pra comer e estava com uma fome daquelas, eu comia

assim mesmo, sabe. Isso tudo na delegacia. Só que o menor, quando ele

vai preso tem de ser transferido para a UAI, mas não foi o meu caso, fiquei

dois dias na Delegacia. A primeira internação foi dolorosa, porque eu

nunca tinha passado por isso né, no começo eu ficava assustado né

senhora, nunca tinha visto nada igual, ficava com medo, mas, depois, me

acostumei com aquilo... Mas, vou falar para a senhora, o negócio é muito

ruim, ficar preso não é para ninguém não” (E-5).

112

“Eu senti que as pessoas que gostavam de mim, todas deram as costas

para mim. Me senti como um lixo... quer dizer, numa gaiola. Me senti meio

assustado, nervoso, não sabia o que estava acontecendo” (E-6).

Conforme depoimentos dos adolescentes, 3 consideraram a segunda

internação mais fácil do que a primeira:

“Foi mais fácil! Já sabia como era, não era ‘marinheiro de primeira viagem’,

sabia como tinha que fazer acontecer” (E-2).

“Na segunda vi que não tinha mais jeito. Senti nada, foi normal, tempo

passava rápido lá, não sentia mais nada” (E-3).

“Na segunda eu fiquei pensando assim, porque eu fiz de novo? Tá

passando pela segunda vez, mas eu já estava mais acostumado, né

senhora, porque eu já havia passado uma vez. Mas daí eu fui sabendo

como era a coisa” (E-5).

Dos 6 sujeitos pesquisados, 2 consideraram a segunda internação mais difícil

do que a primeira:

“Nossa! essa foi pior do que a primeira, pra mim foi, tipo assim, porque eu

já tava atualizado, eu já pensava mais, já estava mais ‘adulterado’ na vida,

ai eu pensando em tudo aquilo que eu ia passar, sabendo que minha vida

estava boa, indo pra frente, é pior, foi pior, mesmo eu ficando pouco

tempo... eu fiquei pouco tempo mais foi a pior. Eu já estava mais

atualizado com meus irmãos, tinha uma mente mais aberta, sabe” (E-1).

“Foi mais difícil! Porque já era residente, já sabia das regras, então para

eles você já sabe o que é ‘coro’, bater, bater, bater. Foi mais tranqüilo

porque peguei mais amizades com os meninos lá dentro que são como eu;

porque outros não eram. Poder ter a confiança deles foi bom; era uma

confiança ali entre ‘nóis’, confiança de ficar tranqüilo, mais quieto, mais

calmo” (E-4).

É importante observar, e em nosso cotidiano de trabalho nesse espaço temos

observado, que, apesar das condições adversas da internação, ela favorece uma

interação entre os que se encontram na mesma situação; essa relação é apontada

como fator importante para a inserção no mundo do crime. Conforme relata o

113

entrevistado E-5, foi grande o sofrimento gerado pelo longo período na internação, e

eis como que ela favorece a reincidência:

“Foi eles que me transformou nisso daí ‘senhora’, eles que me ‘criou’,

porque antes de ir pra FEBEM eu não tinha a mente que eu tenho hoje em

dia, eu não sabia muita coisa do crime que hoje em dia eu sei, né,

senhora. Ah!, é muito ladrão junto, eu aprendi a ser que nem eles,

‘senhora’, eu já vi coisas que muita gente não viu, nas Unidades que eu

passei, aí, se a senhora puxar as folhas a senhora vai ver como que era, é

as pior Unidades que tem aqui em São Paulo, era só casa de Franco da

Rocha, casa de Imigrantes, só reincidentes gravíssimo e eu era primário

ainda. Tudo cara de 20 anos, de 18 anos, cara que tinha passado no CDP

do Belém, de Franco da Rocha, Taubaté, então eles jogam todo mundo,

tudo num lugar só, aí foi onde transformou nós tudo porque já vem uns

caras com outras mentes, umas mentes já mais de ‘bandido’ mesmo

assim, que conhecia bem o crime, tipo assim, tudo que eles aprenderam

eles passavam pra nós né senhora, pra nós aprender também e não sofrer

que nem eles. Então nós ficava escutando eles falar, tipo assim, se eu sei

que ali, não posso tocar naquele negócio ali eu não vou tocar. Se você

está falando pra eu não tocar, por que vou tocar? Se você tocou e eles te

arrebentam de soco? Então eu não vou fazer isso não. Eles davam

conselhos pra conviver sem brigar e outras coisas, eu aprendi muitas

coisas, ‘senhora’, até como roubar. Eu já vi muitas coisas, eu já vi cara

queimando na minha frente, já vi cara furado na minha frente, aprendi

muita coisa lá dentro” (E-5).

Um dado interessante registrado nos relatos dos adolescentes é que, na

medida que passam a relatar a experiência com a internação, eles passam a usar a

linguagem do meio, demonstrando, ao recordá-la, que a marca ainda está presente,

mesmo não estando internados, conforme se verifica nas palavras do adolescente

E-1, à medida que vai falando sobre a internação:

“Eu procurava não pensar muito no lá fora né. Eu pensava muito na

família, mas se a gente pensa muito na família acaba ficando meio xarope

lá dentro, então tem que pensar nas coisas né, naquilo que tá acontecendo

lá dentro, no dia a dia mesmo, né, de vez em quando tinha coro, briga,

mas, numa parte, tem o estudo, tem o mudar a mente, não é aquela coisa

monstruosa, nas vezes que passei não tenho muito do que falar não, né,

114

mas de vez em quando tinha a parte ruim também né... ah as briga,

funcionário que não se controla, fica machucando menor.. tem disso, mas

não são todos, tem outros que trata você com carinho, parece seu filho...,

agora se você não se atualiza, mas numa parte você tem que ser o que

você não era, tem que mudar muito... ah, suas atitudes, suas palavras,

porque por uma palavra você pode acabar brigando... é, com outro

interno... é difícil...a convivência é difícil... tem muitos que acabam

brigando porque não se atualiza com o outro, aí tem que mudar de

unidade... mas esses aí são os que né... porque lá nóis não admiti, vamo

supor, nas unidades que nóis vamos nóis não admiti, estuprador, sabe,

alguns caras assim, sabe, aí tipo assim, nas internações que nóis vai nós

atualiza num lugar que não tem esse tipo de menor, entendeu?... aí tem

uns que acaba se revoltando, acaba fazendo besteira lá dentro, no

complexo... ah, querendo vir embora porque já está lá há muito tempo,

mas por dúvida dele mesmo, tipo assim, briga muito, discute muito... então

não tem como a assistente tá vendo que ele tá preparado pra vim embora,

aí em vez de andar pra frente acaba andando pra trás, nunca se ajuda,

acaba fazendo besteira... brigando... eu ficava pensando porque eu tava lá

e não com a família... nóis conversa sobre nossa vida, sobre porque nóis

tava lá, que nóis podia estar na rua, ainda mais tempo de festa, Natal,

sabe, que a gente não tá com a família, pra alguns é triste e pra outros não

são, tem alguns que ficava mais na rua, tem muitos que prefere roubar, se

for preso foi, é, melhor ficar do que ficar na rua.... tem uns que a família

maltrata, as famílias não são iguais, uns acabam ficando abandonados,

sem família, é assim, você fica sabendo a história de todos, nem todos

porque tens uns que você não se relaciona bem, né. Tem uns que não

bate, tipo por futebol acaba discutindo e já leva aquilo até o final da sua

medida, porque nóis está num lugar que sempre sai uma discussão, nóis

acaba ficando meio doido lá, não dá pra não ficar” (E-1).

O sofrimento gerado com a internação e a rivalidade com o funcionário

aparecem no depoimento de alguns dos adolescentes:

“Difícil, se viesse me bater, eu arrumava tumulto. Sempre arrumava

tumulto, nunca ‘dexei’ me bater sem fazer nada não. Eles inventavam,

falavam que eu fazia uma coisa e era mentira deles, eu fazia outra e eles

sempre queriam jogar para mim, porque era o mais velho da casa, foi

dando tempo e nunca chegava o meu papel para ir para outra Unidade

estava querendo transferência, por causa dos funcionários” (E-3).

115

“Ruim. Não falava com nenhum deles, o funcionário vinha’ me bater,

xingar. Estou preso, me bateu, xingava mesmo, não tinha para onde

correr. Apanhava, apanhava, apanhava... eu ficava quieto, sem fazer nada,

sem reagir, falar nada. Um monte de funcionário tem lá, ficava quieto” (E-

4).

“Não gosto muito deles não senhora, eles no canto deles e nós no nosso.

Nem conversava com eles” (E-5).

Para outros, a convivência era mais tranqüila:

“Bom... tem uns que se descontrola... funcionários que acaba machucando

menor... mas não são todos, tem uns que tratam o menor com muito

carinho, como filho...” (E-1).

“Tinha um bom relacionamento, uma boa conduta. Conversava, às vezes

preferia conversar com os funcionários que com os internos. Dependendo

da situação, do que ia conversar” (E-2).

O aprendizado da privação de liberdade

Os adolescentes entrevistados avaliam o que foi mais fácil e mais difícil na

internação:

“Mais difícil foi ficar sem vê a família, acho que pra todos é mais difícil. O

que me ajudou foi eu mesmo. É de estar me ajudando lá, mais fácil foi

minhas atitudes, isso aí que me ajudou, foi mais fácil pra mim, eu me

relacionei fácil, foi entendendo como as coisas eram e não eram, pra uns é

difícil, mas pra mim é fácil. O mais difícil foi a distância da família, mas

minha família sempre aparecia. Quando a família vai te influencia mais,

você não perde a esperança. Tem muitos que a família não vai e perde a

esperança” (E-1).

“Mais difícil foi você ter a visita de um familiar uma vez por semana, por 2

horas, ver ele ir embora e você não poder ir e não ter sua liberdade, não

fazer o que quer lá dentro e poder acabar se prejudicando fisicamente e no

processo. Mas fácil... não teve nada não! Só sabia como que já era, só

isso” (E-2).

“Mais difícil foi cumprir as normas deles, ser mandado por eles e facilidade

foi que na primeira ‘passagem’ eu não sabia e na segunda já entrei

sabendo como que era tudo” (E-3).

116

“O mais fácil foi cumprir tudo direitinho, sem mexer com ninguém, sem fazer

nada com ninguém e vir[?] para a rua o mais rápido possível. O que foi mais

difícil foi eu vendo minha mãe visitar e os funcionários esculachando sua mãe,

tipo não fala direito, respondendo, xingando” (E-4).

“Ah! tudo foi difícil, não teve nada fácil não, porque... é difícil né senhora,

ao lado de tuberculoso, cara com AIDS, cara todo sujo, dormindo do seu

lado. Aí você fica lá, e o pior é que é vários caras que, vamos dizer assim,

que gostam de uma brincadeira. Ficam imitando gato, cachorro, uma pá de

bichos, lá e os funcionários vêm, pega nóis, meu Deus do céu. A saudade

da família, tudo isso” (E-5).

“Não sei, não tem o que se dizer de mais fácil” (E-6).

Dentre os 6 pesquisados, 2 deles consideram que o fato de ficarem privados

de liberdade, contribuiu muito pouco para a aprendizagem:

“Não aprendi nada! A mesma coisa que era lá, era na rua! A mesma coisa,

tinha droga, tinha tudo lá onde que eu estava. Tinha droga, tinha... poucas

coisas, respeito e humildade entre os colegas, sem um xingar o outro,

num[?] falar[?] palavrão[?] com o outro, sentido[?] das palavras e saber

dividir as coisas com os colegas, foi[?] a única[?] coisa[?] aprendi[?] entre

os colegas mesmo, porque[?] eles não ensinaram nada. Com os colegas

eu aprendi esse ‘negócio’ aí! Respeito e saber dividir as coisas! É. Com os

colegas” (E-3).

“Não sei responder isso aí para a senhora. Ficar preso! Você aprende, tem

uma parte boa e uma ruim. A boa é a hora de cumprir[?] certinho, no curso,

escola, em atividades. E a ruim é quando tem esse ‘negócio’ de rebelião.

Polícia entrando, te batendo, dando tiro de borracha, acertando você, na

sua cabeça, no seu [palavra inaudível]. Os ‘caras’ não estão nem aí, onde

acertar[?], está bom para eles” (E-4).

Conforme se verifica no depoimento do adolescente E-5, o sofrimento teve

um papel importante para sua aprendizagem durante a internação na FEBEM:

“Ah aprendi, porque vou dizer uma coisa, lá dentro você se cuida sozinho,

porque você não tem mãe, não tem ninguém pra olhar por você, então

primeiramente, pra você ter saúde tem que ter higiene, então você precisa

aprender a lavar suas roupas, a fazer tudo né? Em relação também aos

117

seus direitos você aprende, sobre seus direitos, você sabe que tem direitos

a uma coisa e eles é obrigado a te dar. E sua responsabilidade lá dentro

você tem de fazer, que é o que eles impõe, curso, o que é por direito

roupa, outra coisas eles dão, mas só que em relação à saúde, o

atendimento da saúde não é muito bom. E a única coisa de capacidade

vou falar pra senhora, é que você se sente capaz de fazer tudo porque

você aprende muita coisa né senhora, porque é muita inteligência, muito

‘cara’ junto, então é muita coisa que você aprende. Dos dois lados. Se eu

quiser, uma coisa que eu aprendi lá dentro, se eu falar assim, vou fazer

uma bomba e explodir tudo. Se eu quiser acabar com tudo eu acabo.

Acabo comigo também. Ah, aprendi vários cursos também, mecânica,

textura, como se faz pato, cisne, porta-retrato, porta-bombom, tudo isso”

(E-5).

O adolescente E-6 permaneceu pouco tempo na internação, mas, conforme

seu relato, aproveitou bem esse período:

“Aprendi, aprendi nas aulas de... por exemplo, na escola eu aprendi a fazer

artesanato com papel de caderno, aprendi a fazer também porta-retrato,

fazer um monte de coisa. Aprendi bastante coisa: saber o seu espaço, seu

devido lugar. Aprendi aula sobre relacionamento. Nós conversávamos

mais sobre Direitos do Adolescente” (E-6).

Quanto à contribuição positiva que a privação de liberdade propiciou, os

adolescentes declaram que o lado positivo foi o tempo para repensar as atitudes:

“Sim, eu acho que em uma parte sim, lá eu tive tempo de pensar, lá

contribuiu nessa parte, mas só que já que aconteceu, que eu tive um

tempo pra pensar, foi bom, se não tivesse acontecido seria melhor, mas já

que aconteceu, que eu tive um tempo pra pensar então contribuiu. Se não

tivesse acontecido, eu não sei...” (E-1).

“No caso a internação – a internação, não o modo que é dada na FEBEM,

a disciplina é muito rígida, depende da Unidade – ajudou, saí e posso dizer

que me recuperei” (E-2).

“Ajudou por que se eu tivesse continuado a traficar, roubar teria acontecido

alguma coisa pior, podia ter morrido. É. Para parar com o ‘negócio’, se eu

continuasse eu teria [palavra inaudível] polícia, [trecho inaudível] vender

droga para polícia e a polícia querer me matar. Porque se eu estivesse na

118

rua ia continuar fazendo mais, mais e mais. Estou na rua, mas não estou

fazendo mais nada. A FEBEM me fez mudar. Se continuasse a fazer a

mesma coisa sabia onde ia parar de volta e lá dentro você não vê nada,

nem o sol. Você conta as horas pelo almoço e jantar” (E-3).

“Sim, eu preso, pensando em muita coisa. Sair dessa vida, arrumar um

serviço, ajudar minha família e ver se eu consigo ajudar o próximo[?]” (E-4).

“Com certeza contribuiu, me deu um trauma de lá de dentro que eu não

quero voltar pra lá de jeito nenhum, nem me pagamento 2 milhões de real

eu volto lá pra dentro” (E-5).

“Positiva contribuiu, porque naquele lugar eu não volto, é só não cometer

mais crime um ato infracional. É só eu não cometer, porque aí eu não volto

pra lá, mas, se eu cometer, eu vou voltar para lá” (E-6).

O lado negativo, para a maioria dos sujeitos entrevistados, foi o desrespeito

durante a internação por parte de alguns funcionários:

“Só com as atitudes dos funcionários. Eu era cabeça então eu falei, usava

a minha mente. Um faz e eles querem punir todos a unidade toda, nas

palavras deles também que não cabe a todos e eles falam pra todos,

acabam desrespeitando muitos, também acontece coisas na hora da visita

acaba desrespeitando a família também” (E-1).

“Várias vezes, você várias[?] vezes paga por uma coisa que você não fez,

por causa das atitudes dentro da ‘casa’. Pra situação não ficar pior você

‘baixa a cabeça’ e continua” (E-2).

“Às vezes um funcionário falava alguma ‘merda’, a ‘merda’ que ele falou eu

falava junto também. A ‘mema parada’ que ele falava pra mim, falava no

‘memo’ tom de voz dele, se ele me respeitasse eu respeitava ele, se ele

não me respeitasse eu não respeitava ele” (E-3).

“Não” (E-4).

“Já me senti desrespeitado sim, mas fazer o que? Tive de ficar quieto,

você não pode fazer nada, senhora, sabe o que é ‘a choque’? Já ouviu

falar da ‘choque’? Sabe o que é a ‘GIR’? Vai falar o que pra eles, eles é o

mais forte, eles tem armas, tem fuzil, tem metralhadora, você vai falar o

quê pra eles, você tá de cueca no maior frio, formado das 9 horas da

manhã até meia-noite por causa de uma rebelião do outro dia, sem comer

sem nada, a comida azeda. você vai reclamar do que? Pra usar o

119

banheiro? Você não usa o banheiro não, só usa o banheiro quando sobe

pra tranca e tem de esperar eles ‘pagar’ um banheiro um de cada vez, até

chegar no seu, você já fez nas calças, você não pode reclamar, você fica

com a mesma cueca dois ou três dias, se você não quiser ficar com a

mesma cueca vai ter de tirar ela, e ficar pelado, você e outro cara pelado

dentro do quarto, onde já se viu isso? E fora que eles batem né, teve um

dia que eles ‘tava’ até furando nóis com faca, os ‘MIBIS’, a senhora sabe o

que é os ‘MIBIS’? O grupo de apoio, eles ‘tava’ furando nós de faca,

‘senhora’, dando facada em nós, isso ninguém nunca nem ouviu falar né?

Pra senhora ver. Eles pegam as facas que eram nossas e furam ‘nóis’. Lá

onde eu ‘tava’ é unidade fechada, na (...) é fechado, então é unidade nova

(...) mas todas as unidades são iguais, lá é dois por barraco, porque é

unidade de contenção lá, então quando você fica trancado, é uns pirulito

assim oh na janela, bem pequenininho, pra não por os braços nem as

pernas pra fora, então fica só um quadradinho assim, oh, bem

pequenininho que não passa nem a cabeça, só o braço. Então quando nós

entrava pra tranca pra nós saber se eles estavam lá fora nós punha a cara

pra fora ainda né e quando nós colocou a cara assim oh, eles vinham e,

quando nos tirou, nossa! cortou aqui oh, no moleque assim oh, nossa! aí

eles começou a entrar, abre esse barraco aqui, aí abriu, aí foi em todos os

75 barracos da unidade, aí eles entrou e bateu em todo mundo. Aí eles foi

a primeira vez e depois voltou, daqui pra lá e de lá pra cá, até trocar o

plantão, aí trocou o plantão, tomamos coro de novo, aí ficamos uma

semana apanhando. Só apanhando. Depois começamos a chutar as

portas e a pedir socorro. Daí eles parou. Tinha uma pessoa que lutava por

nós, dona Conceição, da Amar. Ela não deixava eles oprimir nós. Mas eles

tesouraram a entrada dela nas unidades. E a coisa ficou feia. Depois que

ela parou de ir, nossa! nós era torturado, ‘senhora’, torturados mesmo. Já

vi minha mãe chorando lá várias vez. Nós queimados assim oh, o moleque

queimado, aqui assim, oh, todo enfaixado. Minha mãe chorando, as mães

gritando, já teve até eles vir pra cima com as nossas visitas lá dentro,

senhora. E quando você tá de tranca a visita é só de cinco minutos. Na

UAI a visita é só de cinco minutos também. Só dá tempo de falar ‘oi e

thau’. Oi você tá bem? Estou bem...thau! acabou a visita!” (E-5).

“Para mim não” (E-6).

Assim, quando se questiona sobre o adequado preparo para a construção de

um projeto de vida diferente do anterior, este não aparece nos relatos dos

120

adolescentes pesquisados, revelando apenas a configuração da punição nesta

modalidade de medida socioeducativa. Mas a maioria entende a internação como

justa e resultante de prática do ato infracional, confirmando a idéia da punição do

erro:

“Sim, a gente procurou ela, a gente tem que pagar pelos nossos erros.

Então tem que ter FEBEM, tem que ter cadeia numa parte porque, se todo

mundo comete infração, o mundo vai ficar desgovernado, então tem que

ter a punição” (E-1).

“Sim! Ficar preso é horrível, mas ajuda na recuperação” (E-3).

“Sim, porque fui eu que quis, fui eu que cometi os delitos então, paguei

por eles né senhora” (E-5).

“Considero. ‘Por causa que’ eu não estava andando com um negócio

legal, eu estava fazendo um negócio ilegal. E a lei fala que tudo que você

andar, que for suspeito, tem que ter documento e eu não tinha nenhum

documento comprovando[?]” (E-6).

Mesmo entre os adolescentes que não consideram justa a internação,

aparece a questão da punição como conseqüência, conforme se constata:

“Acho que depende do delito. Qualquer pessoa que comete um crime não

quer ‘pagar pelo preço’! Posso estar falando que foi justa, mas dentro de

mim estou falando: Não. Por mim eu tinha ficado livre. Se eu pudesse

escolher entre ser internado ou não, escolhia não, com certeza! Claro!

Teria ficado lá fora e aproveitado das coisas que no começo do delito fui

conquistando” (E-2).

“Falar para senhora que, não é justo, mas já que você procurou que

agüente as conseqüências. Achar justo não acho, mas se você procurou

infração e caiu na internação, procurou tem que agüentar agora” (E-4).

Verifica-se que os adolescentes têm o conhecimento do certo e do errado ao

praticarem um ato infracional, a internação aparece como a punição – o sofrimento –

necessária para se corrigirem, “pagar” pelo erro.

É o sofrimento necessário para aquele que cometeu um “erro”, uma espécie

de salário. Valor cuja origem vem da formação religiosa cristã.

O que se constata com a privação da liberdade é que o sofrimento causado,

serve como uma espécie de “pedagogia do castigo”, recurso este já identificado por

121

FOUCAULT, em sua análise sobre as “instituições totais”, na obra Vigiar e punir,

como forma de “recuperar o delinqüente”; por isso, usam-se métodos que vão desde

a exclusão do convívio social a maus-tratos, como forma de “reeducar” o

adolescente, autor de ato infracional, levando-o a rever suas atitudes contrárias ao

bom convívio social, ou mesmo funcionando para protegê-lo contra algo que poderia

ter sido “pior” à sua “falta de freios” ou “limites” – a própria morte!

4EDUCAÇÃO X TRABALHO

O preparo educacional: evasão escolar

Quando se pergunta aos adolescentes entrevistados sobre o gostar ou não de

estudar, a maioria diz que sim:

“Sim, eu gosto de estudar” (E-1).

“Gosto” (E-2).

“Até a 5a. série, 7a série eu não tinha ‘repetido’, passava sempre. Era a

época que tudo o que eu queria eu tinha com o meu pai! Até a sétima série

eu fiz certinho, depois eu comecei a repetir, repetir. Faz 6, 5 anos que eu

estou na 8ª série. (...) Estava começando a fazer as coisas erradas, a ‘usa’

droga ‘pá’. Já, mas era só maconha” (E-3).

“Gosto” (E-4).

“Gosto” (E-5).

“Gosto, gosto” (E-6).

Quando questionado sobre a continuação dos estudos, o motivo mais forte se

refere à internação na FEBEM, e somente um relata que nunca parou de estudar:

“Já interrompi os estudos por duas vezes, na primeira vez eu larguei o

estudo por causa da internação, foi quando tive a primeira internação, mas

lá dentro eu estudei, não tive tempo de terminar né, eu saí antes de

acabar. Da segunda também interrompi. Da primeira vez eu estava na 8ª

série e saí na 8ª e da segunda eu já estava na 1ª série do ensino médio,

agora to estudando, to continuando... faço supletivo” (E-1).

“Com 16 anos eu interrompi. Na verdade foi agora que eu parei mesmo,

quando não estava internado, estava estudando do mesmo jeito ‘tá ligado’,

eu interrompi agora” (E-2).

122

“Até esse ano estudei, não! até o ano passado. Era muita falta, eu estava

traficando. Depois porque eu estava na FEBEM, saí e já tinha passado a

data da matrícula. A Diretora falou pra no meio ano estar lá” (E-3).

“Sim, acho que com dez anos. Quando estava na 4ª série, porque saí de

casa e fui morar na rua, fui preso e fui para internação... lá voltei a estudar”

(E-4).

“Interrompi quando estava no 1º ano. Por causa da internação, porque eu

não queria, lá só tem homem e você não pode falar nem olhar pros lados.

Porque lá é assim, cada unidade funciona de um jeito. Tem umas que são

os funcionários que manda outras são os menores. A melhor é a que nós

impõe a disciplina porque assim nós não apanha, a que nós é que faz as

coisas você não apanha agora a que nós não faz nós apanha” (E-5).

“Não. Nunca parei de estudar... só agora, porque estava internado” (E-6).

O que podemos observar nos relatos é o atraso escolar em relação à idade.

Os adolescentes relataram que o fato de ficarem internados contribuiu para o atraso

na vida escolar, em face das dificuldades de dar continuidade lá dentro na

internação:

“Na primeira internação estava na 8ª série e saí na mesma... repeti... na

segunda internação eu estava na 1ª série do ensino médio...” (E-1).

“Na 7ª, saí ainda na 7ª. Não deu pra fazer a prova, passar, saí continuei na

mesma série. Na última internação? 8ª” (E-2).

“Na 7ª. Na última internação? 8ª” (E-3).

“Na 4ª. Saí na 7ª” (E-4).

“Estava no 1º e quando saí, estava no 3º ano colegial” (E-5).

“No 1º, foi ano passado. Não, não cheguei a estudar lá, fiquei no básico. A

maioria das Unidades que dão ensino completo ’é’ em outras Unidades, no

de lá a escola não aceitava” (E-6).

Outro dado importante é a constatação de que, embora todos os

adolescentes que participaram das entrevistas estivessem em cumprimento de

medida socioeducativa de liberdade assistida, na ocasião nem todos estavam

estudando. O motivo de maior incidência foi por não conseguirem vaga na escola.

Esses depoimentos revelam que, ao serem desinternados, não havendo garantia de

vaga, têm de aguardar o próximo semestre para dar continuidade aos estudos. Foi o

123

que aconteceu com o adolescente E-2, que embora tenha sido liberado da

internação em outubro/06, na ocasião da pesquisa (Abril/07) ainda aguardava vaga,

atrasando sua vida escolar. Nesse sentido, verifica-se em relação aos adolescentes,

a precariedade do apoio:

“Não, não estou estudando. Estou aguardando vaga para o meio do ano,

para continuar a 8ª série” (E-2).

“Não. Estou aguardando vaga para o meio do ano para depois de julho

começar a estudar” (E-3).

“Sim estudo. 7ª série. Para falar para a ‘senhora’ a verdade, não, mas

ultimamente estou faltando. Porque às vezes, está frio e eu não tenho uma

blusa, esses dias eu não fui na aula por causa de dor de cabeça” (E-4).

“Agora não, agora não. Por ‘causa’ que não tem vaga. Não tinha vaga aí,

não fiz a rematrícula para o 1º” (E-6).

Parece, assim, que o acompanhamento sistemático para os adolescentes,

como reforço em suas necessidades básicas de existência, deixa a desejar; apoio

este que poderia contribuir para reduzir a reincidência.

O preparo profissional

Quanto ao trabalho, dos 6 adolescentes entrevistados, 5 afirmam já ter

realizado alguma atividade profissional:

“Sim. Já trabalhei com meu padrasto na oficina mecânica, como ajudante

de mecânico, já trabalhei em cantina escolar, já trabalhei de servente de

pedreiro. (...) comecei aos 15 anos” (E-1).

“Há quase 9 anos eu trabalho, agora não, mas desde pequeno eu

trabalhava com o meu pai na marcenaria, ele tem uma escola de

marcenaria, bricolagem e eu ministrava aulas de marcenaria. Comecei a

trabalhar mesmo com ele, a partir dos 14 anos. Já trabalhei também de

segurança” (E-2).

“Nunca” (E-3).

“Já, de servente de pedreiro. Trabalhava com meu pai, dos 8 aos 10 anos” (E-

4).

124

“Sim, de entregar água nas residências, panfletagem, (pintor), entregador de

frios, com meu padrinho, entregava peixe, camarão. Essas coisas” (E-5).

“Já. Trabalhei também junto com meu irmão de empacotador de filtros” (E-6).

Em termos de carreira, ao perguntar sobre a ocupação atual, apenas 2

declaram estar trabalhando, e, quanto ao registro em carteira de trabalho, nenhum

dos 6 confirmou esse fato:

“Sim, de ajudante de mecânico, trabalho com meu padrasto e não tenho

carteira registrada” (E-1).

“Não, não trabalho e quando eu trabalhava, era com meu pai e ele não

registrava” (E-2).

“Sim, agora estou trabalhando com o meu pai. ‘Tipo’ serviço de pedreiro,

ajudo ele. Não sou registrado” (E-3).

“Não! Estou desempregado, não tive registro” (E-4).

“Não, senhora, não estou trabalhando e nunca trabalhei registrado” (E-5).

“Não.‘Por causa que’, conforme chegou a fase de Exército e esses

negócios, a firma ficou com medo de pagar multa, porque ia ter de pagar

do tempo que eu já fiquei na firma. Ficou com medo de eu colocar a firma

‘no pau’, porque aí via o tempo que eu fiquei sem ser registrado. Aí, eles

‘pegou’ e me demitiu. Foi antes de ser internado. Depois não trabalhei

mais” (E-6).

Dentre os 6 adolescentes pesquisados, 4 afirmam estar preparados para

exercer uma profissão:

“Sim, na mecânica eu aprendi, de mecânico” (E-1).

“Sim, de marceneiro e de segurança” (E-2).

“Ainda não” (E-3).

“Nenhuma. A única profissão que eu gosto e quero aprender fazer é

mecânica” (E-4).

“Sim, de ajudante geral” (E-5).

“Sim, empacotador de filtros” (E-6).

125

Quanto ao preparo para o trabalho, os sujeitos pesquisados se consideram

preparados, mas, podemos observar que lhes faltou uma orientação profissional

adequada:

“Sim, me sinto, ‘tipo’, acho que dependendo de qual eu for exercer, vai de

mim, ainda não sei, vai do momento, mecânica talvez, no momento eu vou

continuar com meu padrasto, recebo um salário mínimo, tá bom né, sou

adolescente” (E-1).

“Se tiver na minha altura, o que eu posso estar fazendo, sem estar

prejudicando ninguém ou eu mesmo. No momento pretendo estar tirando a

habilitação e estar procurando algum serviço de manobrista, alguma coisa

assim!” (E-2).

“Acho que sim. Para mim um emprego simples já estava bom, office-boy.

Estou procurando, fazendo entrevista com as firmas que pedem no jornal,

estou procurando a técnica da LA avisa e eu vou para entrevista” (E-3).

“Sim, marcenaria, mecânica, pedreiro. Não sei muito! Se eu for esforçado,

eu aprendi com meu pai, via ele fazendo e depois pedia para fazer

também, fui aprendendo, de marceneiro eu fiz um curso lá dentro, na

FEBEM. Não, não me sinto preparado porque foi pouco tempo. Só um

mês. Nunca fiz curso de mecânica, nunca trabalhei, já cheguei a fazer

‘bico’ e sei mexer e gostaria de aprender” (E-4).

“Sim, estou preparado. Qualquer uma que me derem oportunidade, eu sei

que vou dar o melhor de mim. Sei lá, depois que eu sai nunca mais

trabalhei. Eu gostaria de ajudante, ou de estar num banco atendendo aos

clientes” (E-5).

“Me sinto. De comunicação, vendedor ou telemarketing” (E-6).

Embora o planejamento para a construção da carreira profissional não

apareça nos relatos, principalmente porque não chegaram a ter esse tipo de

preparo, e, tratando-se de adolescentes, cujos pais exerceram profissões com pouca

especialização, observa-se que um emprego simples é preferível a novo

envolvimento com o “crime”. Quando perguntamos o que farão se não conseguirem

trabalho, apareceu o desejo do emprego formal como alternativa ao meio infracional:

“Se eu encontrar um com carteira registrada seria bom, no momento eu

penso em continuar trabalhando com meu padrasto até ter uma

oportunidade” (E-1).

“Continuar procurando” (E-2).

126

“Se eu não encontrar um emprego, tem que fazer alguma coisa para

arrumar dinheiro. Não sei! Não posso ficar sem dinheiro. Vou roubar,

traficar; se eu não conseguir trabalho a única opção é essa!” (E-3).

“Penso em fazer nada. Roubar não vale a pena! Traficar também não! Eu

quero ficar em casa, com minha mãe, pra mim, essa vida de ficar preso

não presta” (E-4).

“Não sei, em último caso, roubar. Mas não quero mais isso, não. Eu estou

traumatizado com aquilo lá dentro” (E-5).

“Se eu não encontrar, vou continuar procurando, eu sou persistente” (E-6).

Embora os adolescentes se digam preparados para exercer uma atividade

profissional, na atual conjuntura o desemprego é grande na faixa etária em que se

encontram. O problema da inserção ocupacional torna-se mais grave ainda para

jovens oriundos de famílias de menor renda.

Conforme o DIEESE, em setembro de 2006, nas principais metrópoles do

Brasil, apresentava-se o seguinte quadro: “1,5 milhão de pessoas estavam na faixa etária

entre 16 e 24 anos, o que significava 45,5% do total de desempregados acima de 16 anos”

(Pesquisa de emprego e desemprego, setembro, 2006: p. 3-5).

Trata-se, pois, de um problema estrutural, que contribui para o agravamento

do risco existente na juventude pobre brasileira e, conseqüentemente, para sua

inserção na criminalidade.

Metas futuras

A questão que se impõe é, mesmo já tendo aprendido uma profissão e, em

alguns casos, até estarem trabalhando, alguns deles reincidiram em ato infracional.

O que pensam esses adolescentes sobre o trabalho?

“É bom porque te ajuda muito e dá continuidade ao nosso futuro também”

(E-1).

“Acho que é uma coisa que envolve tudo, tanto cidadania, como justiça.

Você trabalha, recebe, tem a família, paga conta, mercado, põe ali pra sua

família, ou se você não tem filho, você investe em alguma coisa em pró

para você. Você trabalha, tem o seu dinheiro, colabora no orçamento,

trabalhando e ganhando o seu dinheiro” (E-2).

127

“É ruim! O bom do trabalho é ganhar dinheiro! Na verdade, trabalhar,

trabalhar ninguém gosta, pelo menos eu não gosto. Sei lá! Trabalhar, gosto

não! Acordar cedo, viver se matando para ganhar pouco” (E-3).

“É bom trabalhar, ter suas coisas com dinheiro suado, não roubar dos

outros. Você ir, todo dia, marcar presença no serviço, fazer parte” (E-4).

“Acho bom, todo mundo tem que trabalhar. Ficar preso é muito ruim, a

senhora sabe como é, a vida lá dentro é dura, Deus me livre!” (E-5).

“Trabalho é responsabilidade e isso ‘vai estar ajudando’ você também,

como incentivo. Também você usa seu dinheiro como você quer, você não

precisa falar para ninguém o que você fez, o que você compra, na sua

casa” (E-6).

Dentre os adolescentes ouvidos, apenas o E-3 revela que não gosta de

trabalho. Para o adolescente E-4, trabalho representa “suor” e “pertencimento”. Para

o adolescente E-5, significa “liberdade”, em oposição à “prisão”. Porém, o único

relato em que o trabalho representa “responsabilidade” e “prevenção” para não

envolver com ato infracional é do adolescente E-6.

Por outro lado, alguns dos adolescentes pesquisados demonstram metas que,

embora socialmente aceitas e valorizadas, são audaciosas em relação à sua

condição de classe excluída socialmente. Outros, embora também tivessem esses

valores, colocam alternativas, mais realistas até atingirem a meta final:

“Quero atingir o meu maximo, meus estudos, família, filhos... Depois dos

estudos é mais fácil, tudo...” (E-1).

“Pretendo terminar meus estudos, quero fazer uma faculdade, alguma

coisa do tipo, mas no momento eu estou priorizando o emprego, uma coisa

para estar me estabilizando” (E-2).

“Quero ter tudo o que... Morar na minha casa, ter carro, moto. Quero ter

meu sossego! Trabalhar! Terminar tudo. Até a faculdade! De engenheiro”

(E-3).

“Emprego e estudos, também é bom. Até acabar tudo. Até o 3o colegial.

Depois partir para uma faculdade ou um curso. Mecânica” (E-4).

“Cursar direito, casar e ter uma família, quem não quer ter um filho? Ter

carro e moto pra mim já ta bom, ter uma família e casa própria também,

sem pagar aluguel, pra mim já está de bom tamanho e já vai me ajudar

bastante” (E-5).

128

“Pretendo fazer faculdade, terminar os estudos e fazer uma faculdade. De

Administração, ou fazer o curso básico lá no Senai de Ferramenteiro, e só”

(E-6).

Para eles, “vencer na vida” tem o significado de:

“Você com seus erros, você errando e tipo assim, pensar que aqueles

erros você pode acertar. Cada erro que você faz você vai atrás está certo

que você está vencendo” (E-1).

“Acho que é ser uma pessoa certa, correta, digna de alguma coisa.

Batalhar pelo que quer e conseguir, tentar fazer as coisas; fazer tudo na

sociedade certo, acho que é ‘vencer na vida’ ou estando certo ou errado,

às vezes a meta de uma pessoa é ser traficante nacional ou ser um ladrão

de banco, se ele conseguir determinar[?] aquela meta ele ‘venceu na vida’,

isso vai de cada pessoa”. (E-2).

“Trabalhar, ganhar dinheiro, ter suas coisas próprias, deixar[?] sua família

em paz, estar aposentado quando já estiver idade certa, deixar tudo para o

filho, o que você não teve na infância, deixar tranqüilo que ele vai ter. Se

tivesse mais segurança com o meu pai e minha mãe eu não tinha

traficado, nem roubado... Se ela me desse os ‘negócio’ que eu queria, mas

eu sabia que ela não tinha condições. Sempre quis ter o que ela não teve

condições! Então para conseguir isso eu tenho que trabalhar para ter

condições, de ter o que o meu filho quer, coisa que eu não tenho. Eu vou

tentar se esforçar, para fazer isso para o meu filho” (E-3).

Alcançar os seus objetivos. Ajudar a minha mãe, ao próximo, eu, quem

sabe meu filho; tudo de bom para os outros e pra mim” (E-4).

“Significa tudo, né senhora, é uma vitória. Chega de perder, eu já perdi

bastante. Só da minha vida, foi 3 anos. É umas lembranças que Deus me

livre. Tenho pesadelo até hoje” (E-5).

“As palavras que você está levando, o objetivo que você está

conquistando” (E-6).

Embora eles apresentem sonhos e metas de uma vida mais “estabilizada”,

com um bom emprego e família, o desejo de ter dinheiro aparece como motivação.

A inserção no meio infracional aparece como alternativa à falta de perspectiva

futura em relação ao “bom” emprego, e como resposta ao desemprego, tão natural

neste terceiro milênio.

129

4INSERÇÃO COMUNITÁRIA

A construção da liberdade: a estigmatização do adolescente pobre

O adolescente pobre, em grupo, mesmo que não tenha cometido um ato

infracional, tem dificuldade em levar uma vida normal, principalmente durante o

período que se encontra em cumprimento da medida de liberdade assistida:

“Não, depois da primeira internação eu parei. Bom... tipo assim, um colega

nosso faleceu e aí ele tinha deixado uma arma na casa da mulher dele... aí

a esposa dele deu pra um primo dele vender, ela queria desfazer daquilo,

aí ele comentou com nós, eu fui com ele na ‘feira do rolo’ pra trocar ou

vender, aí antes de nós chegar, a polícia chegou e achou que tinha algo

errado ali, porque nós estava em quatro, acabou abordando nós e achou a

arma e fui preso de novo” (E-1).

“Foi assim: eu tinha um tio e o tio era envolvido nesses negócios, não

morava com nós, ele morava lá pro lado de Osasco. Aí, ele ‘pegou’ e

faleceu, veio a falecer, aí eu ‘peguei’ e a minha mãe falou assim: “- Olha,

E-6, vai ficar do outro lado de lá... trazer as coisas do seu tio pra cá: roupa,

no quarto dele, estava guardada no quarto dele, [trecho inaudível] o

colchão e a arma estava debaixo da cama dele. Na hora que peguei, eu

estava levando a arma para me desfazer, trocar. Fui trocar no almoço, na

[trecho inaudível], aí, nessa hora que eu peguei a arma, porque eu estava

querendo me desfazer dela, falaram[?] que [trecho inaudível]. A polícia me

abordou e achou a arma e fui preso” (E-6).

Fica difícil, portanto, a sua integração numa sociedade preconceituosa que o

rejeita e, com isso, reforça o comportamento de “infrator incorrigível”.

A esse respeito, a pesquisa realizada pelo CEDECA de Interlagos, em

outubro de 2006, sobre a arbitragem da abordagem policial aos adolescentes da

periferia, mostra que:

“A abordagem entre uma e duas vezes compõe 14% dos adolescentes, e entre três e quatro vezes 86%. Pelo menos uma vez houve abordagem, entendendo que esta abordagem primeira ou segunda pode ser decorrente da prática do ato infracional que o levou ao Sistema de Justiça e o que nos chama atenção é que em mais da metade houve quatro abordagens ou mais, o que reforça a compreensão de que os adolescentes que vivem nas periferias de São Paulo constituem um grupo naturalmente suspeito, cristalizando uma estigmatização desse grupo de pessoas, que por sua vez respondem à sociedade da forma como são vistos construindo uma relação dialética de identidade e identificação reforçada pela ação

130

policial. Especialmente se pensarmos na ação do Estado sendo representada pela Polícia no geral e que são ações essas de maus tratos, violência, tortura e vexatórias, na maioria das vezes, compreendendo o universo pesquisado” (p. 27).

A sociedade tem medo do adolescente que passou pela FEBEM, e ele é

estigmatizado com o rótulo de “delinqüente”, dificultando sua inserção nesta mesma

sociedade que o exclui ainda mais, porque ele possui agora um atributo “negativo”.

É o que se verifica no relato do adolescente E-2, ao tentar vaga na escola:

“Porque quando eu saí procurei vaga e não consegui, por causa de

preconceito. No caso a Diretora – eu fui procurar vaga ‘tudo’! – Ela falou: “-

Ah! Você tava na FEBEM?” Falei: “- É!” E ela: “- O que você fez? E eu falei: “-

Não, não vem ao caso!” Ela: “- Mas se você vai entrar na minha escola eu

quero saber!”. Eu voltei lá depois e ela falou assim: “- Ah! A gente vai ver a

vaga pra você, supletivo à noite, não sei o que...” Já fazem 4 meses!” (E-2).

Ao sentir-se excluído, o adolescente procurará obter reconhecimento, para

isso, continuará praticando o ato infracional, dessa forma irá “desprezar” aquele que

o despreza. Podemos observar essa atitude no relato apresentado pelo adolescente

5, sobre o sentimento que a experiência de internação lhe deixou, a dor da exclusão:

“Essa experiência só deixou sentimento ruim, da maldade. Eles me

transformou no que eu sou... não consigo mais sentir amor por mais

ninguém, só por minha mãe. Eu não era assim, foi depois de tudo que eu

passei. Pra mim confiar numa pessoa não dá, ‘senhora’, eu não confio no

ser humano, só na minha mãe, mais ninguém”. (E-5).

O resultado é a falta de confiança e de amor ao próximo. Assim, o

adolescente vai perdendo o referencial de fraternidade e ganhando o sentimento de

estar contra todos; é uma espécie de “guerra entre o bem e o mal”; é o que notamos

em algumas Unidades da FEBEM. Daí a porta aberta ao crime organizado que

utiliza frases como “igualdade, liberdade e fraternidade”, para atrair esses jovens.

As dificuldades do cotidiano: é possível sair dessa?

A principal dificuldade do adolescente quando está em liberdade é o emprego

que lhe possibilite romper com o meio infracional. Vários são os obstáculos para tal:

131

a idade na fase de cumprir o exército, pouca escolaridade, baixa qualificação e falta

de experiência anterior.

O desejo de emprego “honesto”, no entanto, aparece como condição para

ocorrer o rompimento com o meio infracional e superação do medo de ser preso:

“Eu não me sinto ‘recuperado’ ainda, porque são várias coisas que você

pensa. Não me sinto ‘recuperado’ ainda porque não estou num trabalho

honesto, não estou livre. Estou meio perturbado ainda com essas coisas

de preso, penso em várias coisas quando eu durmo, deito, fecho o olho.

Ficar pensando sobre... Não sei explicar para ‘senhora’ não! É medo...

essas coisas aí! Sobre esse pensamentos de roubar, ir preso, medo de

perder minha família” (E-4).

Para o adolescente E-1, a falta de oportunidade e o preconceito é que

dificultam a inserção na comunidade:

“A oportunidade, porque tem lugar que ajudam muito mas tem lugares que

tem preconceitos por ser internado, tenho medo de viver, não consigo me

sentir, sabe, sei que estou mudando mais as pessoas não estão vendo

isso, devia ter uns projeto pra mostrar o que nós já fomos e o que a gente

já conquistou. Muitos saem e os estudos, não gosta de estudar, vai

forçado, mas não vai pra estudar, tem muitas famílias passando

necessidade em casa, tenta ajudar arrumar um serviço, mas tem um

esculacho, pra mim é esculacho, tem uns que pensam vou tentar ajudar

trabalhando, tipo assim, mesmo a família sendo necessitada, pra muitos é

assim, vou infracionar pra ajudar e dá certo, vai dando continuidade e

acaba não parando mais” (E-1).

Conforme podemos observar no relato do adolescente E-3, ele acha que se

tivesse tido ocupação não teria sido influenciado pelo meio infracional:

“Se tivesse alguma coisa para fazer, não estaria fazendo trabalho de

tráfico. Para que deixar o trabalho de verdade e ir trabalhar para o crime,

sabendo que ia acontecer alguma coisa?” (E-3).

Aparecem nos depoimentos de 2 adolescentes as marcas que podem

provocar ou elevar o potencial para a reincidência:

132

“O único jeito para não voltar é apagar essa parte. Só assim! Enquanto

lembrar, sei que o acontece, sei o que posso fazer e sou capaz, tanto pelo

lado certo quanto pelo errado, porque se eu tivesse recuperado mesmo

não pensaria mais nisso, nem gostaria de conversar nesse assunto; uma

pessoa recuperada pode cair na tentação. Na hora que está difícil

conseguir dinheiro, você está com a ‘cabeça cheia’, não pensa no que faz

– eu paro, penso e falo: - Não quero isso de novo pra mim!” (E-2).

“Já falei para a senhora, os de fora pode me ver ‘recuperado’, mas eu não

me vejo. Acho que foi por causa da briga com a família, envolvimento com

amizades. Parar de ficar pensando nas coisas... e fazer alguma coisa...

ajudaria, porque o seu passatempo ali, você ia esquecendo um pouco e

tirando as coisas velhas e colocando a do presente, do agora” (E-4).

A reincidência aparece como medo, porque eles já aprenderam como

conseguir dinheiro fácil e rápido, embora a maioria preferira levar uma vida “honesta”

agora, o que não significa sem posses.

Sonhos/Medos

Para 2 adolescentes entrevistados a morte aparece como motivo para o

medo:

“O que eu temo? Ah, o que todo mundo teme: o medo da morte” (E-6).

“Meu maior medo é morrer. Só a morte que[?] dá[?] medo! O resto não

tenho medo de nada” (E-3).

Para outros 2 adolescentes o maior medo é a morte da mãe, como podemos

confirmar:

“Perder as pessoas que eu gosto, minha mãe, é uma pessoa que me ajuda

que está do meu lado. Eu não sei o que faria se eu perdê-la” (E-1).

“Perder quem eu mais amo e algumas pessoas da minha família. O que eu

mais amo? Minha mãe” (E-4).

O medo da privação da liberdade aparece uma única vez:

“Meu maior medo? Ficar privado de liberdade” (E-2).

133

Apenas um dos sujeitos afirma não se importar com a própria morte,

justamente aquele que teve o maior tempo de privação de liberdade:

“Não tenho mais medo de nada, se eu morrer amanhã, não importa” (E-5).

Um dado interessante é referente aos sonhos desses adolescentes, que são

bem diferentes da realidade que vivenciam, embora sejam iguais aos de qualquer

outro jovem:

“Ter uma família, fazer faculdade, ter um bom emprego pra eu me

desenvolver cada vez mais” (E-1).

“O maior sonho é ser alguém importante, dar orgulho para a minha mãe,

para ajudar, porque ela me ajudou bastante nesse período e sei que tem

alguma coisa boa esperando por mim, alguma chance, oportunidade, uma

coisa que eu sei que vou fazer e vai dar certo, mas não apareceu ainda

porque o momento não é pra ser, a gente está aqui não é por acaso, o que

a gente faz, é pra acontecer e o que acontece não pode deixar de

acontecer, não existe[?] coincidência[?] e o mundo não é tão grande assim

para ter tanta coincidência, se aconteceu desse jeito não aconteceu de

outro... tenho certeza de uma coisa nessa vida e te conto: Uma hora ou

outra você morre, acontecendo uma fatalidade, sendo sua hora, no estado

natural ou não, de qualquer jeito você morre, disso eu tenho certeza” (E-2).

“Ser alguém na vida ainda, né? Estudo, se formar, ter um trabalho digno

para ganhar um dinheiro bom!” (E-3).

“Morar sozinho e ajudar minha mãe. Sonhei ter uma família minha, mulher

e filhos, ter meu carro, meu serviço, minha casa, meu dinheiro, filho[?]” (E-

4).

“Eu pretendo me formar em direito senhora, ano que vem vou começar a

faculdade, se Deus quiser, vou terminar este ano e ano que vem eu

começo o vestibular, depois de me formar. Quero tentar na USP, pra ver

se eu consigo de graça, mas se não conseguir vou tentar pagar né? Vai ter

que dá” (E-5).

“Meu maior sonho é terminar de construir a minha casa e viver com a minha

família. Quero trabalhar, ter a vida digna, ajudar minha família” (E-6).

134

O que se observa nos relatos é que todos querem trabalho e sonham com

uma profissão de nível superior. Contudo, aparece também a desilusão com o sonho

de ser jogador de futebol e a perda da esperança:

“Meu sonho era ser jogador de futebol. Não sonho mais em ser jogador de

futebol, porque já passei da idade. Não tenho mais preparo físico como eu

tinha, eu tinha 13 anos, senhora, hoje em dia eu fumo cigarro. Não fumava

cigarro, nunca tinha experimentado droga. Então eu ficava... minha vida

era treinar e estudar. Então eu jogava bola demais. Eu joguei no criança

esperança, fui vice-campeão. Mas depois da morte do policial que me

ajudava eu parei porque não tinha dinheiro para pagar a escolinha. Era

caro. Isso quebrou meu sonho. Pra senhora ver como que é esse negócio

de polícia corrupta. Tudo começa assim, esse homem aí, ele via a gente

jogando bola na rua, eu tinha 10 ou 11 anos. Ele perguntou pra mim e meu

colega se nóis queria jogar bola eu respondi que sim. Aí, sei lá o que

aconteceu, teve uma cara que atropelou uma pessoa. Ele era dono da

escolinha, aí ele não prendeu a pessoa, mas pediu para dar uma

oportunidade pra eu jogar. Mas depois o policial morreu e o dono da escola

não autorizou mais, perguntou se eu tinha dinheiro pra pagar. Aí eu perdi

toda a esperança. Minha mãe já sabia que ia acontecer isso, eu me envolvi

com o crime depois que eu perdi a escolinha. Eu acordava às cinco da

manhã pra ir pra escolinha. Em dois minutos o cara estragou tudo. Antes

ele tivesse sido preso. Eu desisti de tudo. Na favela a gente tem dois

sonhos: ser jogador de futebol ou ser milionário ladrão” (E-5).

Lazer e cultura

Quanto à participação na comunidade, 3 entrevistados relataram que não

dispõem de muitos recursos no seu bairro, necessitando muitas vezes ir para outros

para conseguir diversão, esporte, lazer e cultura:

“Não. Tipo assim, tem bar que de vez em quando eu vou, tem pagode mas

não é muito aconselhável...” (E-1).

“No bairro mesmo, não tem não” (E-2).

“No bairro não. Fora tem parque da Aclimação, do Ibirapuera, Modernista,

SESC. Tem uma ‘pá’ de lugar bom!” (E-3).

Para o adolescente E-3, a rua aparece como uma opção de lazer:

135

“Fico na rua, saio. Não sou muito acostumado a ficar dentro de casa não!”

(E-3).

Para o adolescente E-5, o futebol aparece como a melhor opção de lazer:

“A gente vai pra muito lugar, Guarulhos, pra praia, a gente vai direto pra

passear. Tem um time, nós joga nele, ai nós vai pra muitos lugares, nós

joga contra outros times, e aí é ‘pampas’, a gente viaja, a gente vai pra

uma pá de lugar” (E-5).

Em relação à ocupação do tempo durante o dia, o trabalho aparece apenas

em dois relatos:

“Trabalho” (E-1).

“Agora minha irmã está grávida e eu parei de trabalhar e passo o dia com

ela, porque da outra vez ela estava subindo em casa[?} e perdeu o bebê,

eu ajudo ela” (E-2).

“Trabalho com meu pai. Das 08:00 às 16:00” (E-3).

“Nada” (E-4).

Jogo bola, converso bastante, os caras falam até que eu converso demais,

mas é que eu converso bastante porque eu fiquei muito tempo sem falar

com ninguém, eles não me entende!” (E-5).

“Durante o dia eu ajudo a minha mãe a arrumar a casa e à tarde eu ‘pego’

e fico assistindo televisão” (E-6).

Os sujeitos contam como ocupam o tempo à noite:

Estudo” (E-1).

“À noite das 18:50 até as 23:00 eu estudo o CFC. Centro de Formação de

Controle da CNH. Estou tirando a carteira de habilitação fazendo o curso

teórico” (E-2).

“Vou pra rua, fumar maconha, beber cerveja, depois entro!” (E-3).

“Escola” (E-4).

“Vou pra escola” (E-5).

“À noite eu fico em casa também” (E-6).

Como eles passam o final de semana?

136

“Costumo ir a lugares ‘namorativos’ mesmo ou no Habib´s, Mc Donald´s,

Shoppings, salão eu acho tumultuado, quando eu ia com meus amigos

tudo bem, mas agora com a mulher, é um lugar que é bom não ta levando

porque pode acontecer uma tragédia, então isso ai eu evito de ir, se eu for

vou num lugar que você sabe que ali não vai ter coisa que você vai ter uma

atitude brusca, então eu evito” (E-1).

“Mais nesses períodos de final de semana que saio com os amigos. Á

noite saio para fazer alguma na Vila Olímpia” (E-2).

“Fico na rua, saio pra ‘baladas’” (E-3).

“Vou pra rua. Às vezes fico em frente de casa, na pracinha, por perto de

casa – não tenho para onde ir. Amizade ultimamente está sendo pouca”

(E-4).

“No final de semana saio pra paquerar, arrumar namorada”. (E-5).

“Fim de semana eu vou jogar bola na quadra, vou na casa da minha tia,

fico um tempo com ela conversando, depois uso o computador um[?]

tempo[?], depois vou embora para casa” (E-6).

Perspectivas futuras: vou conseguir?

Em relação ao futuro, o entrevistado E-2 afirma:

“Como qualquer pessoa, tendo um bom emprego, um carro, uma casa,

construir uma família, como qualquer pessoa” (E-2).

Para E-6, o futuro é agora:

“Meu futuro é agora, mente limpa, outra mente, mais com objetividade,

estudando, tudo só coisas boas” (E-6).

Para 3 entrevistados, o futuro é incerto, não sabem o que poderá acontecer:

“Meu futuro eu não sei o que vai acontecer, sei que estou mudando, mas

não sei se vai ter uma tragédia na minha vida. No momento agora que

estou vivendo vai de mim, eu construir meu futuro, a cada dia, atingir meus

objetivos, vai de mim” (E-1).

“Não sei não!” (E-3).

137

“Meu futuro, quero que seja cheio de felicidade pra mim, mas não sei,

espero que nada de ruim me aconteça. Não sei senhora, amanhã ou

depois posso cair numa coisa forjada e voltar para a cadeia, sem ter feito

nada, a polícia pode cismar com a sua cara, forjar um BO e te levar preso.

Onde nós mora é assim. A senhora imagina como é a ‘favela’. O que tem

de polícia corrupta, viu? Eu falei pra minha outra técnica: se a senhora

nunca viu uma policia corrupta, não esquenta não que eu vou tirar uma

foto e vou trazer pra você. Aí, você vai ver, eles cavando dinheiro e você

vai dar até risada. Pior é que existe mesmo. É um monte, não é um só não.

Isso é coisa do mundo inteiro, não só do Brasil. Mas meu sonho é ser

advogado, eu tento né?” (E-5).

Dentre os 6 entrevistados, o relato de E-4 está carregado de mágoas em

relação ao pai, por isso, não acha que está recuperado:

Eu vejo o meu futuro totalmente errado, porque o que aconteceu, as coisas

todas já passou, mas pra mim... deixou só rancor, ódio, nervoso. Até

mesmo do meu pai. Tenho, porque essas coisas que aconteceu foi

também ‘egoísse’ da parte dele. Um erro da parte dele porque ele me

batia e eu ia para a rua e ele não pegava de exemplo. Ele me batia eu ia

para a rua, batia eu ia para a rua e cada vez que eu ia para a rua

aprontava e ele ficava mais nervoso ainda com o que estava acontecendo.

Não toda, mas umas coisas ele é errado, culpado” (E-4).

Entre os adolescentes que participaram da entrevista, para ocorrer a

ressocialização, dependerá de:

“Escutar a mãe, pensar, se a gente não se distrair vai vivendo a realidade

como é, mas se agente se distrair não vê a realidade como é” (E-1).

“Acho que não vem: da família, do técnico, da sociedade, do Estado, de

ninguém, tem que vir dele mesmo! Se não vir dele, o que adianta ajudar

uma pessoa que não quer ser ajudada? Se ele não quer se ajudar

ninguém pode ajudar ele, pode receber toda a ajuda do mundo e todo

tratamento, qualquer coisa que não vai adiantar pra ele, se é aquilo que ele

quer, ele vai fazer, se acha que é o certo para ele no momento, até o ponto

que vê está batendo a cara na parede, que não está fazendo o certo, aí ele

vai parar [palavra inaudível] o que é certo [palavra inaudível] no caminho

às vezes pode ser tarde, às vezes não tanto[?]. A partir do momento que

você tem um senso de direção e do que está certo ou errado, você sabe o

138

que está fazendo – eu sei que se pegar isso[?] e colocar no bolso eu estou

roubando. Tem a consciência, todo mundo tem, agora vai[?] da pessoa

descobrir se está fazendo certo ou errado. Ela pode estar roubando, mas

para ela pode estar achando certo. Você está roubando e acha que é

errado a pessoa ser melhor financeiramente que você e pode achar que

está certo: “- Ah! Tem seguro esse carro! Compra outro relógio, trabalha!”

Se você olhar o [trecho inaudível], morrendo de fome, não tendo nada para

comer. Então essa desigualdade... O problema não está no adolescente,

no estatuto, na polícia começa errado aí! Só se ajuda quem encara isso de

frente e vê que é isso mesmo, não se pode fazer nada contra. Eu não

pensava que estava tirando um bem da pessoa, porque eu sabia o que

estava roubando e com certeza a pessoa tinha seguro, pensava mais no

dano moral e emocional” (E-2).

“Acho que não tem não. Se for viciado de droga, clínica. Agora se for para

parar de roubar, se está ganhando dinheiro acho que não tem como não! A

única solução para ele era cadeia ou FEBEM, porque ele ia parar para

pensar e não ia fazer mais. Não existe” (E-3).

“Parar de ficar pensando nas coisas. Ajudaria, porque o seu passatempo

ali, você ia esquecendo um pouco e tirando as coisas velhas e colocando a

do presente agora. É estar desse jeito, parado sem serviço, de menor,

respondendo processo em liberdade, na rua” (E-4).

“Estar perto da família e conseguir um emprego” (E-5).

“Agora é ter a mente no lugar, procurar um serviço, ocupar mais tempo a

mente, se isso abrir[?], quando... do serviço para a escola, da escola para

casa, e aí está recuperado, estava com a mente ocupada, não tinha tempo

de ficar pensando” (E-6).

Os adolescentes entrevistados que se consideram “recuperados” acham que

a internação contribuiu para o rompimento com a prática infracional, embora não

concordem com a sua rigidez, mas para 2 deles foi a família quem mais ajudou,

especialmente a mãe:

“Foi mais a minha família, ‘por causa que’ o esforço que ela teve por mim,

eu sei, eu estava consciente que contribuir quando eu saísse” (E-6).

“Foi um pouco de cada. A internação, família – mais a minha mãe que me

ajudou a sair – e os amigos também ajudou a sair” (E-3).

139

Entre aqueles que não se consideram recuperados, a justificativa é que

sempre haverá algum resquício, conforme relato do entrevistado 2:

“Sim, Acho que em parte sim! Porque você nunca se recupera totalmente,

sempre vai ter resquício de alguma coisa, uma pessoa que tem AIDS não

se recupera, uma pessoa que tem qualquer outra doença que se recupera

sempre fica com alguma coisa, ninguém é totalmente 100% recuperado de

qualquer outra coisa. Porque eu já passei por isso, sei como que é, já tive

essa experiência. Isso eu não posso tirar, sempre vou lembrar e vai estar

lá, não posso fazer nada, aconteceu. Não sei se era pra acontecer ou se

não era... se aconteceu isso para não acontecer alguma coisa pior, tomar

um tiro, ficar paraplégico ou morrer” (E-2).

Quanto ao que poderia ser feito para ajudá-los na recuperação, os

entrevistados frisam o que consta abaixo:

“Dar carinho, amor, afeto, ‘tudo o que ele quer’. É importante, amor

carinho, afeto, confiança” (E-4).

“Sei lá, pra mim não precisa fazer muita coisa não, já está bom, só de estar

aqui fora, só isso pra mim já basta. Estou bem, tenho saúde, tenho minha

família aí, já está de bom tamanho” (E-5).

“Dar mais oportunidade de emprego àqueles que querem, àqueles que

querem, dar mais opções de emprego, só” (E-6).

Quanto ao que deveria ser para se sentirem bem durante a internação na

FEBEM:

“Deveria... tem lugar que a gente é muito preso... eu acho que o certo, pra

nós que somos menores, deveria ser melhor do que aqueles que são de

maior, mesmo que a gente faz a mesma coisa... mas só que nós tem uma

infância dentro de nós e tem outros lugares que a gente é muito preso, tem

que andar com as mãos pra trás, exige muitas regras, uma coisa também

que eu acho absurda... tem que ta pedindo licença. Uma coisa inútil eu

acho. Tem umas Unidades que é mais aliviada tem outras que você vê que

ta preso mesmo. Nas UIP’S então, Ave Maria!... eu não via a hora de sair

daquele lugar, eu acho assim, não pode liberar o espaço senão acaba

acontecendo muitas coisas, mas também tem outras que exageram, com

medo deles dá uma oportunidade, mas vamos supor, tem que dar uma

oportunidade certa, não é jogar na nossa mão, porque eles ali tão

140

trabalhando. Só que tem muitos ali que não tem paciência de jeito nenhum,

que acaba te prejudicando... eu já tive vontade de ir pra cima de um

funcionário, mas aí eu sempre uso a minha mente, tal. Pra melhorar

mesmo eles tinha que escutar mais nós e dar mais oportunidade pra nós,

tentar fazer o mínimo possível pra gente não se sentir preso....porque a

gente se sentindo preso a gente só vai ter mais raiva, raiva e raiva! E eles

vendo que nós ta com raiva, vai ficar com mais raiva de nós, então,

sempre vai ter um desafio ali, entre nós e os funcionários... agora esse

negócio de ter horário pra tudo, não sei mais o que, acaba deixando a

gente meio perturbado. A gente conta nos dedos as coisas que vão

acontecendo... daqui a pouco nós vai ter que fazer isso aqui... sabe, a

gente fica até meio xarope com isso... se eles melhorassem os

rendimentos das atividades... porque, tipo assim, atividades nós tem

pouca... só estudo, acabou o estudo ali, você sobe e continua a mesma

coisa... (inaudível)... tem lugar que não pode nem conversar, se você

conversar.. não tem paciência... têm muitos que não devia tá ali porque

não tem paciência... tinha que melhorar nós e eles, alguns deles, né...” (E-1).

Sentir bem, mesmo que fosse um hotel 5 estrelas ninguém ia se sentir,

porque não pode sair. Acho que poderia ser bem melhor do que é, ali você

‘entra mais ou menos e sai completo’. Se você entra ruim, sai bem pior! Se

você não tem a mente forte, não sabe o que quer fazer, não determina[?] o

que você quer quando sair dali a pessoa sai com mais raiva, mais ódio de

tudo, com mais maldade – quer sair e não está vendo nada! Bom, tem

caso que é por causa disso... não sei o quê? Agora quando sair não vou

mais fazer isso! Tinha um menino lá e foi preso, fez seqüestro e hesitou

atirar na vítima, quando ele foi ‘pego’ a vítima reconheceu aí ele falou

assim: “- Na próxima vez que eu tiver uma oportunidade não vou hesitar!

Atiro!” E você vê casos, BO’s bem pesados se você pensar que é menor.

Tinha um que era seqüestro, seqüestro seguido de morte,

esquartejamento, ocultação de cadáver – tudo isso num caso só! Com tudo

isso, com moleque que tinha matado, roubava, estava lá porque não tinha

pai e mãe e era usuário de droga aí pegaram, fugiu de uma associação e

vai pra lá. Tinha menino algum tempo sem visita porque a família morava

no interior e não tem condições de visitar, tinha moleque que já estava 1

ano e meio sem visita e viu a mãe 1 vez no fórum e está lá jogado[?].

Hum, hum” (E-2).

141

Ah! Só os ‘funcionário’ que é errado, o resto é tudo... a agressão dos

funcionários, quando pega não é pra brincadeira é pra machucar mesmo”

(E-3).

“Para me sentir bem tinha que ter a minha família do lado, família dos

outros também. Relacionado – minha mãe, pai, irmãos e vó” (E-4).

“Sei lá, pra mim só de tirar a agressão já está bom” (E-5).

“Não tenho muito o que te falar, não tenho o que falar” (E-6).

Para 4 entrevistados, o trabalho de ressocialização da FEBEM deveu-se,

principalmente, por parte da equipe de profissionais:

“Sim, ajudou muito, muitas coisas, eles ajudam, te influenciam em muitas

coisas boas, fazem cursos pra você se atualizar. Eles lá ajudam muito,

porque eles estão lá pra dar um curso, se a gente se sente maltratado ele

procuram dar um jeito, procuram os nossos erros e os deles também,

ajudam muito” (E-1).

“É boa! As técnicas davam conselho, conversava com você e sua mãe

junto [trecho inaudível] numa entrevista, conversava, dava vários

conselhos, não só técnicos como as pedagógicas, [palavra inaudível], os

‘professor’ de aula. Essa equipe técnica dava conselho, ajudou sim” (E-4).

“Ajuda, sim, as pedagogas, vou falar pra senhora, estão lá porque gostam

de nós, senão não estariam lá. E sem as psicólogas e as técnicas da

unidade, vou falar oh, sem elas você não é nada. Se elas não gostar de

você, meu Deus, você pode fugir, ou tentar né? Ou ficar os 3 anos lá

dentro. Três anos não né? Eu já vi cara lá ficar quatro anos, na FEBEM,

vai ficando até fazer 21” (E-5).

“Ajudou bastante, elas davam conselho, ajudou muito” (E-6).

Embora tivéssemos encontrado muita dor na história de vida dos

adolescentes que participaram da pesquisa, também encontramos um enorme

desejo de vencer, de prosperar, de ser feliz e desenvolver potencialidades, como é

próprio e direito de todo ser humano.

142

Os dados apresentados revelam um elevado grau de fragilidade e

vulnerabilidade29 entre os adolescentes pesquisados, por várias situações: precária

situação socioeconômica, relacionamento afetivo deficiente em especial pela

ausência do pai, e a importância da mãe só é reconhecida quando ocorre a

internação, pois, como ela se encontra na condição de mantenedora do lar, é

obrigada a trabalhar exaustivamente para garantir a sobrevivência da prole.

Assim, ao concluirmos este Capitulo, deparamo-nos com desafios, tratando

de garantir um espaço institucional que de fato proteja e atenda de forma mais

qualificada o adolescente, autor de ato infracional, entendendo que só a privação da

liberdade não lhe será útil quanto à inserção na sociedade e o afastamento do meio

infracional, mas é necessário construir políticas que conduzam à emancipação e não

propiciar mero assistencialismo.

Isto significa a possibilidade de inserção com qualidade no mundo do trabalho

produtivo, do lazer, da cultura, do esporte e da educação; como um caminho

possível para a inclusão social e a conquista da cidadania, principalmente para a

juventude.

29 “Entendemos a vulnerabilidade social como uma combinação de carências, de falta de recursos sócioeconômicos com circunstâncias peculiares do ciclo de vida familiar,

como, por exemplo, a presença de grupos demográficos específicos (crianças de 0 a 4 anos, chefes do sexo feminino com baixa escolaridade, adolescentes responsáveis por

domicílio, analfabetos, etc.)”. SPOSAT, Mapa da exclusão/inclusão social, 2000:16.

143

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O importante não é o que nos faz o destino, mas sim o que nós fazemos dele”.

(autor desconhecido).

O objetivo dessa pesquisa foi refletir sobre a reincidência em ato infracional,

do adolescente que cumpre medida socioeducativa. Com esse propósito, realizamos

estudo bibliográfico, documental e levamos em consideração nossa própria

experiência profissional em unidade de internação; procuramos refletir sobre

algumas dimensões do problema.

Iniciamos nossa análise procurando compreender a inserção de nosso objeto

de estudo do ponto de vista da legislação específica para a criança e o adolescente,

considerada inclusive em seu contexto histórico. Pretendemos também compreender

o modo com que as legislações sobre a menoridade trataram questões relacionadas

à prática do ato infracional em relação aos adolescentes pertencentes às famílias

pobres. Buscamos refletir sobre as mudanças e conquistas propiciadas pelo ECA, e

a forma como elas se concretizaram na prática em relação ao adolescente autor de

ato infracional, reincidente na medida socioeducativa.

Para uma melhor reflexão sobre a reincidência, foi fundamental estudar o

Código Penal, articulando sua relação com a reincidência dos jovens e o tratamento

dado pela Justiça da Juventude aos adolescentes reincidentes.

Traçamos assim, um paralelo entre as causas da reincidência e a base sobre

a qual a sociedade capitalista foi construída e se assenta até os nossos dias. Nosso

pressuposto é o de que essa base foi construída, essencialmente, na violência. Com

característica, na e com a violência, o desenho e o resultado traduzem uma

sociedade desigual, cuja lógica é a exploração e a subjugação do homem para obter

dinheiro e prestígio; enfim, “destacar-se”.

Dessa forma, foi sendo construído um ciclo da violência, que denominamos

marca da violência. Essa marca permeia nossa civilização e está “imprintada” na

alma de cada homem da nossa espécie e nos constituiu “seres violentos”, definindo

144

duas espécies de homens numa mesma sociedade: uns poucos que “mandam” e se

colocam acima de todos, e a maioria que obedece, os excluídos.

A lógica de tal sociedade resultou em desigualdades sociais que promoveram

altos índices de violência, desemprego e criminalidade. Sabemos que a violência e a

criminalidade ocorrem em todas as camadas sociais, embora apenas uma parcela,

composta pelos excluídos, seja discriminada e punida. Portanto, a desigualdade

social e seus frutos como a criminalidade, a violência, o crime organizado, etc, são

resultados diretos desse sistema econômico que criamos.

A maioria dos autores que citamos, demonstraram que perdemos o controle

quando nos sacrificamos, a nós e aos outros, pelo desejo de ter cada vez mais.

Em nossa pesquisa, tentamos refletir sobre o “crime organizado” e seu

funcionamento na lógica do sistema capitalista, ou seja, considerando em essência,

a mesma tendência da exploração, da sujeição do outro, da violência, da barbárie.

MORIN (1997) lembra-nos que o homem é produto e produtor da sociedade.

“(...) a cultura introduz-se no homem desde o seu nascimento” (...). O cérebro dispõe de uma memória hereditária e princípios inatos de organização do conhecimento. Desde as primeiras experiências no mundo, o espírito/cérebro adquire uma memória pessoal e integra em si princípios socioculturais de organização do conhecimento” (...). “O conhecimento individual é nutrido de memória biológica e cultural” (p. 25).

Portanto,

“a cultura está nos espíritos (impregnada), vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura (...). Existe uma unidade recursiva entre os produtos do conhecimento. Cada conhecimento produzido contém os outros existentes e quem os produziu. Nesse sentido, cada parte contém o todo enquanto todo, e o todo contém as partes” (p. 26 e 27).

A violência não se define somente no plano físico; apenas sua visibilidade

pode ser maior nesse campo. Essa observação se justifica quando se constata que

violências como a ironia, a omissão, a humilhação e a indiferença não recebem, no

meio social, os mesmos limites, restrições ou punições que os atos físicos de

violência. Entretanto, essas "armas" de repercussão psicológica e emocional são de

efeito tão ou mais profundo que o das armas que atingem e ferem o corpo, porque

as "armas brancas" da ironia ferem um valor precioso do ser humano: a auto-estima.

145

Se no passado os “reincidentes” tinham a letra R marcada no corpo com um

filete em sinal de “periculosidade”, hoje eles são “marcados” na alma, através de

comportamentos como “submissão” ou “revolta”. Esse é o papel do

“aprisionamento”. A FEBEM reforça esse papel, na medida em que não consegue

ressocializar, reeducar, servindo-se apenas da punição, da exclusão e da

construção do preconceito social em relação aos jovens que passam pela medida

socioeducativa de internação.

Também observamos em nosso estudo e em nosso cotidiano profissional que

a FEBEM, em seu propósito educativo, oscilou entre dois modelos de educação:

aquele que fez uso da violência como forma de impor “disciplina”, e aquele que

abandonou os adolescentes, deixando-os à revelia, proporcionando-lhes excesso de

liberdade ou ausência de afeto. Embora possamos afirmar que atualmente vêm se

tentando modificar o passado de característica essencialmente corretivo-repressivo

da história dessa instituição, muito ainda é necessário se fazer para que o ECA

cumpra sua missão.

Aprendemos em MORIN, que o todo está na parte e a parte está no todo. A

FEBEM é uma célula do todo. Portanto, a sociedade está representada nessa

instituição através dos seus agentes. Encontramos diferentes concepções e visões

sobre o modo de atender o adolescente. CAMPOS (2005) afirma que durante o

período que trabalhou em Unidade de acautelamento de adolescentes em regime de

internação total ou em semiliberdade, no que diz respeito ao tratamento dispensado

aos adolescentes, observou os agentes de disciplina, distinguindo-os em três

categorias:

a) “’Linha dura” – grupo composto pelos que defendem a aplicação de medidas severas, no trato com os adolescentes que transgridam as normas internas das unidades de atendimento; acreditam que o ECA representa uma legislação baseada em conceitos muito avançados para a realidade brasileira; costumam afirmar que ‘adolescente infrator só conhece a linguagem da violência’, chavão utilizado com muita freqüência por estes, tentando assim justificar os excessos cometidos; os agentes que formam este grupo vêem os adolescentes como elementos irrecuperáveis; são favoráveis à aplicação de medidas socioeducativas mais rigorosas e defendem a redução da maioridade penal;

b) Linha educativa – formada pelos que acreditam na ressocialização dos adolescentes judicialmente questionados; estes enxergam as atividades esportivas, culturais, educacionais,

146

instrutivas e até mesmo as religiosas como instrumentos decisivos no processo de reeducação dos jovens transgressores; quanto a castigos eventualmente necessários, optam por aqueles baseados em suspender a participação (individual ou coletiva) em atividades recreativas ou similares, à maneira aplicada no ambiente familiar; esta forma de relacionamento funcionário/adolescente recebe crítica contundente por parte dos agentes classificados como de ‘linha dura’, os quais menosprezam os que optam pela reeducação nos moldes de ‘linha educativa’, e muitas vezes empregam termos pejorativos para designar o comportamento destes agentes, como, por exemplo, ‘mamãezada’, gíria utilizada com o propósito de inibir, por meio do ridículo, qualquer atitude de dedicação afetiva que um agente exteriorize no trabalho com os adolescentes internados;

c) Indiferentes – funcionários aparentemente desinteressados pelos resultados do processo socioeducativo; alegam trabalhar com o único propósito de prover suas subsistências, sem expressar qualquer interesse de evolução profissional; em geral, são a favor da aplicação de castigos físicos, porém só nos casos ‘extremamente necessários’ e ‘na hora certa’, conforme afirmam; invariavelmente, são coniventes com as ações daqueles aqui considerados de ‘linha dura’; suas supostas neutralidades funcionam apenas como fachada para explicitar uma imagem de bom relacionamento entre os agentes e jovens acautelados” (CAMPOS, 2005, p. 118).

Observamos a partir de nossa atuação nessa instituição que a mudança

cultural não é tarefa fácil. Não podemos esquecer que os profissionais que atuam

nesse contexto institucional estão também inseridos na sociedade, ou seja, integram

os grupos sociais existentes e reproduzem em sua prática esta sociedade,

legitimam-na.

Compreendemos que as leis não serão suficientes para combater tamanha

dificuldade; será preciso uma mudança da mentalidade dos cidadãos quanto à

aceitação desses adolescentes, vendo-os não como “bandidos” cuja redução da

menoridade penal e extensão do tempo de internação é vista como alternativa para

a redução da criminalidade juvenil; são antes de tudo, fruto das desigualdades

sociais e jovens que necessitam de acolhimento, de oportunidades reais para

estudo, trabalho, renda, lazer, esporte, cultura, etc. Constatamos em nosso

cotidiano, quão precárias são as condições enfrentadas pela população pobre para

garantir o acesso de seus filhos ao ensino e aprendizagem de qualidade que

possam favorecer o ingresso no mercado de trabalho; muitos jovens acabam

abandonando a escola, não chegando a concluir o ensino médio, conforme podemos

observar nos dados apresentados pelo SINASE (2006):

147

“Quanto à escolarização30 dos adolescentes e jovens brasileiros a realidade apresenta dados significativos. Muito embora 92% da população de 12 a 17 anos estejam matriculadas, 5,4% ainda são analfabetos. Entre a faixa etária de 15 a 17 anos, 80% dos adolescentes freqüentam a escola, mas 40% estão no nível adequado para sua faixa etária e somente 11% dos adolescentes de 14 e 15 anos concluíram o ensino fundamental. Entre 15 e 19 anos, diferentemente da faixa etária dos 7 a 14 anos31, a escolarização diminui à medida que aumenta a idade. Segundo Waiselfisz (2004), a escolarização bruta de jovens de 15 a 17 anos é de 81,1% caindo significativamente para 51,4% quando a faixa etária de referência é de 18 a 19 anos” (SINASE, 2006, p. 14).

Constatamos também, que as histórias de vida desses adolescentes foram

construídas na violência em sua multidimensão, ou seja, no abandono e na rejeição

de um dos pais ou de ambos, no uso abusivo de álcool, em alguns casos (embora

não constatado em nossa pesquisa mas revelado em nossa experiência), no uso de

tóxicos pela mãe, inclusive durante a gestação, na agressividade doméstica, na

pobreza, no desemprego, no abandono, na subalimentação e desnutrição e no

esquecimento da sociedade, da família e do Estado. Muitas das histórias já foram

vividas anteriormente pelos pais, reproduzindo-se no sentimento de autodestruição,

contribuindo para a perpetuação da violência, mantendo um ciclo viciante que se

repete nos próprios descendentes.

Reportando-se a Freud, SCHUTZENBERGER (1997), ao tecer considerações

sobre a importância da transmissão transgeracional, afirma que:

“Se os processos psíquicos de uma geração não se transmitissem para outra geração, não continuassem na outra, cada qual se obrigaria a recomeçar seu aprendizado da vida, o que excluiria todo progresso e todo desenvolvimento (...)” (p. 187).

Cada ser humano, contudo, é singular, é diferente, é único em suas

características; respeitá-lo, qualificá-lo, acolhê-lo, não é uma concessão, mas, sim

um direito; esse direito é social, é político, é de cidadania e de humanização. A

utilização de rótulos negativos “marca” e desqualifica uma pessoa. Essa marca é o

que se denomina de estigma. As pessoas estigmatizadas passam a ser

30 “Para WAISELFISZ (2004), escolarização está relacionada à freqüência escolar. Sendo assim, quando se fala em escolarização está-se referindo à freqüência em alguma instituição de ensino formal” (SINASE, 2006, p. 14). 31 “A expansão da matrícula no ensino fundamental é fato comprovado em vastas estatísticas, com destaque para a faixa etária de 7 a 14 anos de idade no ensino fundamental que atingiu no País praticamente sua universalização, ou seja, 96,5% estavam freqüentando, em 2002, as escolas independentes do domicílio e da renda familiar per capita. Do ponto de vista quantitativo, representou um importante avanço em relação à questão do acesso à escola. Contudo, cerca de 14,4% dos estudantes de sete anos de idade já entraram na escola defasados no ensino fundamental, seguindo uma tendência de aumento progressivo das taxas de defasagem conforme o aumento das idades, chegando a 65,7% na idade de 14 anos (IBGE, 2004)” (SINASE, 2006, 14).

148

reconhecidas pelos aspectos “negativos” associados à marca, ou rótulo. E vai se

construindo um ser incompleto. Nas palavras de Santos (1996/1997): “uma

cidadania mutilada” (p. 133).

Nossa reflexão nos leva à percepção de que a medida socioeducativa ainda

não está sendo eficaz nem executada dentro dos parâmetros do ECA, e podemos

observar que na maioria das vezes continua-se punindo e criminalizando a pobreza.

Na pesquisa que realizamos, observamos que os adolescentes não receberam

formação profissional ou inserção em algum programa de trabalho como aprendizes

ou passaram por ele. Embora sonhem com um emprego de carteira assinada ou

com o mais sutil movimento de inclusão, falta-lhes o adequado preparo e a

educação necessária. A falta de estudos revelou o pouco preparo desses jovens

para o ingresso no mercado de trabalho, tanto pela baixa escolaridade como pela

falta de condições para concorrerem no atual cenário, cada vez mais seletivo e com

escassas oportunidades de emprego.

Nesse sentido, um dos maiores obstáculos enfrentados no dia-a-dia diz

respeito a reinserção do adolescente, a fim de que possa ocorrer a “ressocialização”

dentro dos parâmetros esperados; a situação piora, principalmente, se o jovem já

passou dos 18 anos de idade. Parece-nos que ainda não conseguimos superar o

assistencialismo, pois faltam condições para o adequado preparo profissional, o

estudo e o emprego com vistas à construção de um futuro profissional.

Para muitos adolescentes, a inclusão no meio infracional é a garantia da

sobrevivência, da autonomia em relação à família ou da ajuda necessária para si

mesmo e para sua família ao necessitarem de: proteção, alimentação,

medicamentos, moradia, etc.

O significado do dinheiro e o desejo de posses materiais para essa parcela

jovem são fatores que revelam o desejo de superação da situação de pobreza e o

sonho da ascensão social. O dinheiro aparece como o principal motivo para a

reincidência. Ter dinheiro em nossa sociedade é ter poder e prestígio, respeito é ser

valorizado. Para esses adolescentes é superar sua condição de subalternidade e

garantir para seus descendentes uma vida melhor do que a sua, em termos

materiais e financeiros.

A reflexão sobre a reincidência na medida socioeducativa também nos

conduziu a uma reflexão sobre educação. Apreendemos com E.Morin, P. Freire,

entre outros, a força e o significado da educação; educar favorece a formação de um

149

espírito crítico e, sobretudo, responsável, para agir e interagir em seu meio e com os

outros.

Em uma de suas obras, “Educação e Complexidade”, EDGAR MORIN (2004),

propõe uma revisão de conceitos e uma “reforma de pensamento”, considerando a

necessidade de explicar e entender a “complexidade” do momento presente.

Ora, o que temos visto é a presença marcante em nossa sociedade de duas

vertentes opostas entre si e determinantes do modelo educacional existente:

• A primeira, dirige-se para o mando e comando, principalmente dos mais

fortes sobre os mais fracos. “O poder do saber” ou do mais rico originou-se

no egocentrismo e no egoísmo de uns e a submissão e conformismo de

outros;

• A segunda, dirige-se para a visão que compreende a pobreza material, em

que o “pobre” é considerado a “vítima” , portanto, incapaz.

Ambas, a nosso ver, reduzem o homem a “objeto” ou “coisa”, porque ao

simplificar, retiram do sujeito suas “potencialidades”, sua condição de humanização,

sua consciência social, individual e de espécie.

Segundo MORIN (2004), originou-se do processo histórico, das relações de

poder e do modo de organização das ciências tradicionais, a fragmentação do

conhecimento. A afirmação de que “(...) A política econômica: é a mais incapaz de

perceber o que não é quantificável, ou seja, as paixões e as necessidades humanas.

De modo que a economia é, ao mesmo tempo, a ciência mais avançada

matematicamente e a mais atrasada humanamente” ( p. 16 e 17).

Pensamos que a falta de “articulação das ciências” contribuiu para a visão

fragmentada do homem e, conseqüentemente, para uma visão dualista (e a nosso

ver, preconceituosa), que afirma existirem diferenças antagônicas entre os homens,

baseadas, unicamente, na posição social e econômica de origem. Assim, o rico é

rico porque trabalhou, lutou e progrediu, e o pobre é pobre porque é preguiçoso,

incapaz etc.

Nesse sentido, o modelo educacional e de ensino em nossa sociedade não

favorece a formação do “Cidadão Planetário”, porque para essa formação seria

imprescindível a “autoformação”, o homem compreendido na perspectiva de

“inacabamento” e a construção da “consciência de pertencimento à Terra-Pátria” (cf.

Morin, 2000, p. 88 a 104). A violência do mundo, parece ter construido uma “marca”

150

que se perpetua, determinando o nosso modo de estar e ser neste mundo, e as

formas de nossas relações, moldando, talvez, o nosso destino. Modificá-las é

construir uma nova sociedade, mais fraterna e igualitária, o que é tarefa de todos

nós.

151

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174

ANEXOS

175

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM JOVENS

1 - TRAJETÓRIA FAMILIAR

1) Fale sobre sua infância. 2) Você tem pai e mãe? Eles vivem juntos? 3) Como é o relacionamento entre eles? 4) Como era o relacionamento com seus pais? Procuravam conversar? Eram carinhosos? 5) Você tem irmãos? Quantos irmãos? Seu relacionamento com eles é bom? 6) O que eles fazem? 7) Seus pais trabalham em que? 8) Como foi o relacionamento de sua família com você na primeira internação? 9) E na última internação?

2 - TRAJETÓRIA ESCOLAR

1) Com que idade ingressou na escola? 2) Você gosta de estudar? 3) Até que série estudou? 4) Interrompeu os estudos com que idade? Porque? O que estava acontecendo? 5) Em que série você estava quando ingressou na Fundação e em qual você estava quando foi desligado? 6) Você estuda atualmente? Costuma faltar muito às aulas?

3 - TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

1) Já exerceu alguma atividade profissional? Qual? 2) Você já aprendeu alguma profissão? 3) Você está exercendo alguma atividade profissional no momento? Qual? Possui carteira assinada? 4) Você contribui ou já contribuiu com o sustento de sua família? 5) Se você não encontrar emprego o que pensa fazer? 6) Você se sente preparado para exercer uma profissão? Qual gostaria mais? 7) O que você pensa sobre trabalho?

4 - ENVOLVIMENTO COM DROGAS

1) Já usou ou usa drogas? Se sim, por quê? De que tipo? Por quanto tempo? 2) Com que idade começou? Porque começou a usá-la? 3) Seus pais sabiam? O que fizeram? 4) Já chegou a ficar internado em clínica de recuperação? 5) Em sua opinião o seu envolvimento em ato infracional teve relação com o uso de drogas? 6) Você usou alguma droga quando cometeu o ato infracional? (importante)

5 - TRAJETÓRIA NO MEIO INFRACIONAL

1) Com que idade cometeu seu primeiro ato infracional? Pode contar como foi? 2) Possui familiar envolvido com o meio infracional? 3) O que estava acontecendo na sua vida para você se envolver com o meio infracional? Suas amizades

também eram envolvidas? 4) O que lhe motivou a cometer ato infracional? 5) E a continuar a cometê-los, mesmo após a primeira internação?

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6) Porque cometeu novo(s) ato infracional? 7) Não temeu nova internação?

6 - TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL

1) Qual medida anterior já recebeu? 2) Como você se sentiu quando ocorreu sua primeira internação? Quais os sentimentos teve? 3) Fale sobre a primeira internação. 4) Como foi a segunda internação, fale sobre ela.Foi mais difícil ou mais fácil. Por quê 5) O que facilitou e o que dificultou sua internação. 6) Como era seu relacionamento com os funcionários? 7) Como era o seu relacionamento com demais colegas? 8) Você se considera “recuperado”? 9) Na sua opinião, como a “CASA” deveria ser para você se sentir bem? 10) Fale sobre seu aprendizado quando interno. (saúde, limites, capacidades e preparo para viver em

sociedade). 11) Em sua opinião, a internação contribuiu para uma mudança positiva na sua vida? 12) Durante sua internação houve situações em que você sentiu seus direitos desrespeitados? Como reagiu? 13) Você considera justa sua internação? Por quê? 14) Na sua opinião o atendimento técnico, lhe ajudou a se recuperar ou não? E as atividades?

7 - ESPERANÇAS, MEDOS E TEMORES/PERSPECTIVAS EM RELAÇÃO AO FUTURO:

1) Qual é seu maior medo? 2) E seu maior sonho? 3) Quais são suas metas? 4) Que conselho você daria para aquele que está começando na vida infracional? 5) Como você vê seu futuro? 6) O que significa pra você a expressão “vencer na vida?”.

8 - VIDA COTIDIANA/LAZER

1) O que você geralmente faz durante o dia? 2) O que costuma fazer durante a noite? 3) Você costuma passear? Aonde costuma ir? 4) O que costuma fazer no fim de semana? 5) Qual o seu passatempo favorito? 6) Existem lugares bons para você freqüentar em seu Bairro? Você freqüenta? Quais? 7) Você realiza alguma atividade em outros Bairros?

9 - RESSOCIALIZAÇÃO

1) Você se considera “recuperado”? 2) Em sua opinião qual fator contribuiu ou não para isso? Família? Internação? Comunidade? Outras

medidas? 3) Em sua opinião, o que seria necessário para ocorrer a “recuperação”? 4) O que é preciso fazer para os jovens como você?

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