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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ALESSANDRA ALVES PEREIRA BRAGA DE MIRANDA PALESTRAS TED: UM NOVO GÊNERO DO DISCURSO? MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ALESSANDRA ALVES PEREIRA BRAGA DE MIRANDA

PALESTRAS TED: UM NOVO GÊNERO DO DISCURSO?

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ALESSANDRA ALVES PEREIRA BRAGA DE MIRANDA

PALESTRAS TED: UM NOVO GÊNERO DO DISCURSO?

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada à Banca Qualificadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva.

SÃO PAULO

2016

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________

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Dedico a Deus, que me capacitou e abriu os caminhos de modo sobrenatural, e ao meu esposo Aloisio, pela paciência, incentivo e apoio.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a Jesus, que, antes mesmo de mim, sonhou

com esse momento tão especial na minha vida: a conclusão do meu mestrado.

Obrigada Pai, Aba Pai, por me dar saúde física e mental para concluir essa etapa

tão especial. Obrigada por me inspirar e iluminar minha mente em momentos de

angústia, obrigada por cada pessoa que o Senhor usou como anjo para tornar essa

jornada mais leve e rica em aprendizado. E mesmo diante de tantos anos de estudo,

cada vez mais reconheço a minha pequenez no universo grandioso de sabedoria

que é o Senhor.

Agradeço ao meu amado marido Aloisio pelo apoio e generosidade em me

ouvir, por todo incentivo, confiança, investimento e paciência ao longo de toda a

jornada. Eu te amo, você é o melhor marido do mundo! À minha filha Luiza, tão

amada que ainda no meu ventre me acompanhou na conclusão dessa fase e me

agraciou com chutes de incentivo a cada manhã.

Agradeço aos meus pais que, de longe, sempre oraram e liberaram

palavras proféticas que se cumpriram na minha vida. Obrigada por terem me

ensinado valores importantes como o amor a Deus, a honestidade e a importância

dos estudos. Agradeço também aos meus irmãos amados, Aline e Dudu, e à minha

tia Nadia, os quais, mesmo de longe, tenho certeza que torcem pelo meu sucesso.

E, claro, ao meu avô Gerson (in memorian) que, mesmo não estando mais conosco,

sei que se alegraria e me daria um abraço afetuoso e cheio de orgulho ao me ver

concluir o mestrado.

Agradeço imensamente à minha orientadora, a Prof. Dra. Maria Cecília

Pérez de Souza-e-Silva – ou Cecilinha – que acreditou em meu potencial desde a

nossa primeira conversa e me apoiou em minha busca de saciar a sede de

conhecimento e base acadêmica para ser capaz de construir uma base sólida na

minha empresa, a All Presentations, levando a articulação da Linguagem e Trabalho

para a realidade corporativa. Cecilinha, obrigada por manter seu coração e mente

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abertos às pesquisas com propostas diferentes, porque seu olhar livre de pré-

conceitos permite que o grupo Atelier se torne mais rico pela diversidade de

pesquisadores que o compõe.

À professora e amiga Silma Coimbra, minha gratidão pela imensa ajuda

durante todo o processo de construção da dissertação, por meio de bate-papos via

Skype, comentários, indicações de leituras, conselhos, palavras de motivação,

discussões e um carinho que só alguém tão generoso poderia compartilhar. À Ana

Raquel, por sua passagem tão rápida pela minha vida, mas com contribuições

sempre muito preciosas para minha pesquisa. Aos colegas do Grupo Atelier, por

todas as dicas preciosas que um novato pode desejar para seguir firme com o

mestrado. Também agradeço à Profa. Dra. Maximina, que me fez perceber que a

ordem e desordem fazem parte da dinâmica da vida (o importante é confiar que

Deus está sempre no controle de tudo). Agradeço à PUC, ao LAEL, à Capes, por

viabilizar meus estudos, e à Profa. Dra. Celani, cujo enorme conhecimento só não é

superior à sua paixão pelo trabalho. Em retribuição à generosidade de cada uma

dessas pessoas e instituições, me comprometo a compartilhar o conhecimento

adquirido ao longo dessa jornada e construir “pontes” entre os meios acadêmico e

corporativo.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................ IV CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................ 1 1 CONTEXTO DA PALAVRA E AS PALESTRAS TED .................................................... 9 1.1 O BERÇO DOS DISCURSOS E NOVAS PERSPECTIVAS ....................................... 9 1.2 PALAVRA CONTEMPORÂNEA .................................................................................. 17 1.3 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO .............................................................................. 22 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 28 2.1 CARACTERIZAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO CORPUS ............................................... 28 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E ANÁLISE DO CORPUS ........................................... 53 3.1 A NOÇÃO DE DISCURSO .......................................................................................... 54 3.2 CENAS DE ENUNCIAÇÃO ......................................................................................... 58 3.2.1 CENA ENGLOBANTE .............................................................................................. 59 3.2.2. CENA GENÉRICA ................................................................................................... 63 3.2.3 CENOGRAFIA E CENA VALIDADA ......................................................................... 87 3.3 MÍDIUM E DISCURSO ................................................................................................ 100 3.3.1 AS FACES DA HIDRA .............................................................................................. 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 117 ANEXOS....... ..................................................................................................................... 119

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: PÁGINA DO GUIA DO PALESTRANTE TEDX .............................................. 30 FIGURA 2: PÁGINA DE ORGANIZAÇÃO PARA A PALESTRA ....................................... 31 FIGURA 3: PÁGINA DE PREPARO DOS SLIDES PARA A APRESENTAÇÃO .............. 36 FIGURA 4: PÁGINA DE ORIENTAÇÃO SOBRE ENSAIOS ............................................. 37 FIGURA 5: PÁGINA DE PREPARO DO APRESENTADOR TEDX .................................. 39 FIGURA 6: PÁGINA DA DIRETRIZ “SOMENTE BOA CIÊNCIA” ..................................... 40 FIGURA 7: CARTAZ DO TED NA BIBLIOTECA PÚBLICA DE VANCOUVER ................. 43 FIGURA 8: CLASSIFICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE UM VÍDEO DO TED ......................... 45 FIGURA 9: PÁGINA DE DIVULGAÇÃO DO TED AO VIVO EM CINEMAS ...................... 62 FIGURA 10: DECLARAÇÃO DE PROPÓSITO DAS PALESTRAS TED .......................... 68 FIGURA 11: PRIMEIRA ETAPA DA INSCRIÇÃO PARA ASSISTIR À

CONFERÊNCIA TED ................................................................................... 72 FIGURA 12: SEGUNDA ETAPA DA INSCRIÇÃO PARA ASSISTIR À

CONFERÊNCIA TED ................................................................................... 73 FIGURA 13: TERCEIRA ETAPA DA INSCRIÇÃO PARA ASSISTIR À

CONFERÊNCIA TED ................................................................................... 74 FIGURA 14: DETALHE DE CENA DA PLATEIA ............................................................... 75 FIGURA 15: FORMULÁRIO DE RECOMENDAÇÃO DE PALESTRANTE

PARA O TED GLOBAL. ................................................................................ 77 FIGURA 16: EXEMPLO DO CENÁRIO PADRÃO DOS EVENTOS TED ......................... 79 FIGURA 17: SUSAN CAIN COM BOLSA MENCIONADA DURANTE

PALESTRA TED ........................................................................................... 89 FIGURA 18: EXEMPLOS DE SLIDES DE ANIMAIS NA PALESTRA DE AMY

CUDDY ......................................................................................................... 93 FIGURA 19: EXEMPLOS DE SLIDES DE PESSOAS NA PALESTRA DE AMY

CUDDY ......................................................................................................... 94 FIGURA 20: EXEMPLOS DE SLIDES DE POSES LIGADAS A PODER NA

PALESTRA DE AMY CUDDY ...................................................................... 94 FIGURA 21: TELAS QUE RETRATAM OSCILAÇÃO DOS HORMÔNIOS

CORTISOL E TESTOSTERONA. ................................................................. 95 FIGURA 22: TELA DE ENCERRAMENTO DA PALESTRA DE AMY CUDDY ................. 95 FIGURA 23: EXEMPLO DO CONCEITO DE AVATAR NO EVENTO TED ...................... 107

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1: PALESTRAS TED DE MAIOR AUDIÊNCIA ................................................... 46 TABELA 2: PALESTRAS TED DE MAIOR AUDIÊNCIA SOMENTE

CLASSIFICADAS COMO INSPIRADORAS ................................................. 47 TABELA 3: PALESTRAS TED SELECIONADAS ............................................................. 48 TABELA 4: PALESTRAS TED SELECIONADAS DOS ÚLTIMOS 5 ANOS

APENAS ....................................................................................................... 50 TABELA 5: PALESTRAS ATÉ ABRIL DE 2016 ................................................................ 51 TABELA 6: PALESTRAS SELECIONADAS ...................................................................... 52

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RESUMO

Assim como na Grécia Antiga, o falar em público voltou a ser valorizado na

contemporaneidade, mas de modo esculpido pelo contexto sócio-histórico. Indícios

desse fenômeno encontram-se no surgimento de empresas especializadas em criar

apresentações corporativas, no aumento de busca por palestrantes no mercado e,

em especial, no alto número de visualizações de palestras com difusão pela internet.

Seu exemplo mais significativo constitui o objeto desta pesquisa: a palestra TED, a

conferência que reúne profissionais de diferentes áreas de estudo e diferentes

lugares do mundo, as quais são disponibilizadas em vídeos que atingiram mais de

um bilhão de visualizações em 2012. Entender o funcionamento de tais palestras na

contemporaneidade constitui o objetivo desta pesquisa. Que fatores motivaram a

disseminação das palestras TED? Tais palestras estão dando origem a um novo

gênero discursivo? Se sim, que traços o caracterizam? Para responder a essas

questões foram examinados vídeos das palestras TED com base na perspectiva

enunciativo-discursiva, como proposta por Maingueneau. Do ponto de vista teórico-

metodológico, foram mobilizadas as noções de cenas de enunciação, aí

compreendidas cena englobante, cena genérica e cenografia, e a relação mídium e

discurso. Foram selecionados e analisados três vídeos, com base em critérios de

visibilidade, representatividade e temporalidade. Os resultados obtidos permitem

identificar traços que apontam o surgimento de um novo gênero do discurso; e, ao

mesmo tempo, instigam uma reflexão a respeito da possibilidade de pensá-las como

um hipergênero. A pesquisa possibilita depreender uma relação entre as palestras

TED e outros gêneros discursivos, inclusive seus desdobramentos, com as

adequações necessárias, no âmbito da educação.

Palavras-chave: Análise do discurso de tradição francesa; gêneros do discurso;

cenas de enunciação; mídium, palestra TED; linguagem e trabalho.

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ABSTRACT

Modern society attaches great importance to the act of speaking in public, not unlike

the Ancient Greek, though with considerable change in the socio-historical context.

Evidence of this phenomenon are the emergence of companies specialized in

creating corporate presentations, the thriving market for speakers, and particularly

the substantial number of prominent broadcast lectures accessible on the Internet. A

significant example is the object of this research: the TED lectures, available on

video, that have reached more than one billion views in 2012, bringing together

professionals from different fields of study and different parts of the world. The

purpose of this research is to understand the functioning of such lectures in

contemporary times. What factors led to the widespread dissemination of TED talks?

Are such talks giving rise to a new genre of discourse? If so, what traits characterize

it? To answer these questions we examined videos of TED talks based on an

enunciative-discursive perspective, as proposed by Maingueneau. From the

theoretical and methodological point of view, we worked with the notion of

enunciation scenes, included therein the concepts of encompassing scene, generic

scene and scenography, and the relationship between medium and discourse. Three

videos were selected for this analysis based on their visibility, representativeness

and timeliness criteria. The results allow us to identify traits that indicate the

emergence of a new genre of discourse, as well as foment a reflection on the

possibility of thinking TED talks as a hipergenre. This research also enables us to

infer a relationship between TED talks and other genres, including their development,

with the necessary adjustments, in education.

Keywords: Discourse Analysis of French tradition; discourse genres; enunciation scenes; medium; TED lecture; language and work.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao longo do tempo, a Linguística Aplicada passou por transformações

bastante significativas, em boa parte devido ao contexto sócio-histórico e às diversas

demandas identificadas por estudiosos que atuam nesse campo. Antes atreladas

preponderantemente ao ensino-aprendizagem de língua inglesa, as pesquisas da

área ganharam novas nuances devido à necessidade de se pensar uma Linguística

Aplicada “mestiça” (MOITA LOPES, 2006, p. 31), capaz de conversar com teorias de

outros campos de estudo, como a psicologia, a pedagogia, a ciência política, a

sociologia, a informática, a economia e a literatura. Tal reestruturação interdisciplinar

reflete uma necessidade de dialogar mais objetivamente com o mundo

contemporâneo e de acompanhar as incessantes mudanças do contexto sócio-

histórico. Entre as abordagens mais equipadas para lidar com essas preocupações,

e que influenciou esta pesquisa, está a representada pela chamada "linha francófona

de análise do discurso", pelo fato incluir o estudo de discursos ligados à

contemporaneidade.

Como será visto em detalhe a seguir, este trabalho tem como objetivo

analisar as palestras TED no nível enunciativo-discursivo, tendo como fundamento

teórico os trabalhos de Maingueneau (2008a, 2013, 2015). Em uma perspectiva

mais específica, este estudo inscreve-se na linha de pesquisa Linguagem e

Trabalho, no grupo de pesquisa Atelier Linguagem e Trabalho (CNPq), sediado no

LAEL, que reúne pesquisadores, doutorandos e mestrandos de diferentes

universidades, além da PUC/SP: UERJ, UFF, PUCRS, UTFPR, UFPA e da

FACAMP. Mantém intercâmbio, na França, com o Institut d’Ergologie – Aix-Marseille

Université. As atividades desenvolvidas pelo grupo estão voltadas para três

vertentes: (i) estudo das práticas de linguagem em situação de trabalho; (ii) estudo

de discursos sobre o trabalho; (iii) estudo de discursos que circulam em diferentes

esferas: midiática, educacional, religiosa, jurídica etc. Nessa terceira vertente insere-

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se a presente dissertação.

Uma problemática antiga, mas ainda muito presente para muitas pessoas,

é a atividade de falar em público. Para ilustrar o que essa questão representa, o

jornal inglês Sunday Times (apud FRUTUOSO, 2013) realizou uma pesquisa com

três mil pessoas na qual cada uma delas deveria hierarquizar os seus maiores

medos. De acordo com o resultado, 41% dos entrevistados tinham medo de falar em

público. A este, seguiam-se outros medos, como problemas financeiros (22%) e

receio de doenças e morte (19%). Conclui-se que falar em público é, para um

significativo número de pessoas, um enorme desafio, a ponto de ser mais temido do

que morrer. Acreditamos que o medo que assola boa parte das pessoas advém de

critérios de julgamento de valor. Pressupomos o que o outro pensará de nós, e

restará a dúvida sobre se o que eu falo é bonito, adequado, “politicamente correto”

ou, ainda, se está em conformidade aos critérios sociais.

A forma como construímos nossos discursos e nos comunicamos revela

muito sobre as relações que queremos estabelecer, ou a que já temos construída

com o outro. A linguagem como atividade fica ainda mais evidenciada quando

falamos em público – em uma reunião de trabalho, por exemplo. Cada pessoa, em

algum momento, irá julgar sua própria qualidade como comunicador e também será

juiz (ou algoz) do outro (SCHWARTZ E DURRIVE, 2010, p. 166) ao avaliar a sua

qualidade no uso da linguagem. Trata-se de uma atividade que atormenta muitas

pessoas, capaz de, se malconduzida, comprometer a reputação e a vida

profissional. Por meio do desenvolvimento desta pesquisa trazemos a exame essas

“preocupações do mundo real regidas pela linguagem fundamentalmente na sua

relação com assuntos práticos” (SOUZA-E-SILVA, 2015, p. 130).

O estudo sobre o gênero discursivo palestras TED impõe-se como uma

necessidade atual e latente, no contexto sócio-histórico contemporâneo, buscando

com a teoria caracterizar um processo de comunicação aplicado ao trabalho que

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subjaz em uma prática – neste caso, a prática de fazer apresentações – que, para

alguns, é uma atividade profissional, como no caso de palestrantes. Para outros,

fazer apresentações não é uma atividade primária, mas uma entre as diversas

tarefas das quais é responsável, conforme a função que exerce efetivamente.

Estudar como se dá o processo enunciativo nas palestras TED é um

empreendimento importante, na medida em que é possível depreender e discutir os

novos modos de exercer o ato de falar em público contemporaneamente. O tema da

pesquisa surgiu incitado por dois fatores: um sócio-histórico e outro pessoal, que

será detalhado posteriormente. Em relação ao primeiro fator, é importante destacar

que fazer uma apresentação em público é uma situação que a maioria das pessoas

vivenciará em algum momento, seja no meio acadêmico, religioso ou corporativo;

em tal atividade, será preciso reter a atenção do público, transmitir a mensagem e

engajar a audiência a favor de um propósito.

Quem é capaz de expor as ideias de maneira envolvente e com domínio

das chamadas leis do discurso (MAINGUENEAU, 2013, p. 34-41) é, portanto,

detentor de uma habilidade muito valorizada no contexto contemporâneo.

Nos últimos dez anos, um movimento do mercado que aponta para a

valorização do ato de se fazer uma apresentação encontra-se no surgimento de

empresas especializadas1 no desenvolvimento de apresentações, que contam nos

seus quadros com profissionais dedicados à elaboração do discurso do

apresentador, à criação de recursos visuais que lhe sirvam de suporte e, claro, ao

1 Nos Estados Unidos, há 20 anos a empresa Duarte atua visando a melhorar o desempenho de apresentadores e o desenvolvimento de apresentações. Ela já foi a responsável por orientar os palestrantes de alguns TED Globais. Nancy Duarte, diretora executiva, escreveu o livro “Slide:ology: The art and science of creating great presentations” (O'Reilly, 2008). Outra empresa reconhecida é a PowerPresentation, de Jerry Weisman, consultor de presidentes de grandes empresas e políticos (WEISMAN, 2009). No Brasil, em 2001 foi criada a LaGracia, que já atendeu mais de 150 clientes de diferentes segmentos. Entre as companhias especializadas em apresentações também podem ser citadas a All Presentations, que prioriza o preparo do apresentador em detrimento da elaboração de slides; a SOAP, fundada em 2003, e empresas como Kings, Monkey Business, Abre Aspas e Sociedade Brasileira de Apresentações Profissionais.

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treinamento para a apresentação pública. Paralelamente a isso, alguns dados

indicam que, no mercado, houve tanto um crescimento na busca por palestrantes

quanto um aumento no número de profissionais que adotaram essa profissão.

Segundo a Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), 89%

das médias e grandes empresas brasileiras contratam palestras anualmente; de

acordo com o relatório da Ubrafe, associação que representa as empresas

promotoras de congressos e feiras de negócios, os eventos com palestras

quintuplicaram desde os anos 1990. A remuneração por uma apresentação de, em

média, uma hora chega a R$ 6,5 mil, embora a remuneração paga por 15% das

organizações já esteja acima de R$ 8 mil. Em alguns casos, palestrantes renomados

no mercado cobram cachês estimados em R$ 40 mil.

Além desses números, a alta demanda pelas plataformas2 de

apresentação também se destaca como um indício desse movimento. Entre essas

plataformas estão o PowerPoint ‒ que foi criado em 1987 pela Forethought Inc. e

ganhou popularidade no mundo por meio da Microsoft ‒, o Keynote ‒ da Apple ‒ e,

mais recentemente (em 2009), o Prezi ‒ software de criação, armazenamento e

compartilhamento na nuvem3 que surgiu na Hungria –, cujo serviço já é utilizado por

mais de 45 milhões de pessoas no mundo (GREGO, 2014). No Brasil, estima-se que

mais de 1,5 milhão de usuários já se valham do Prezi, que recentemente ganhou

uma versão em português.

Outra evidência da valorização da palavra na atualidade pode ser ilustrada

2 Chamamos de plataformas de apresentação as ferramentas disponíveis para apoiar o apresentador no momento de expor ao público sua mensagem: podem ser recursos como os programas PowerPoint e Keynote, ou mesmo o quadro branco.

3 Computação em nuvem é o conceito de armazenamento de informações em um sistema operacional disponível na internet, de modo que se torna desnecessário ter um servidor físico para arquivar dados. Outra característica do armazenamento e compartilhamento na nuvem é que, por meio de qualquer computador, pode-se ter acesso às informações.

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pelo evento intitulado World Champion of Public Speaking4, organizado pela

instituição Toastmasters International, um grupo educacional sem fins lucrativos que

ensina aos seus participantes diversas técnicas para falar em público, além de

noções de liderança, por meio de uma rede mundial de clubes de oratória. A

organização promove a competição de oratória em sete rodadas, durante seis

meses e, na última edição, incluiu 33 mil concorrentes de todo o mundo. Apenas oito

competidores chegaram à fase final, em Kuala Lumpur, na Malásia. Em agosto de

2015, Dananjaya Hettiarachchi, consultor de Recursos Humanos, ficou em primeiro

lugar com o seu discurso "I See Something" (“Eu vejo algo”), de exatos sete minutos.

O grande propósito do evento foi desenvolver a habilidade de falar em público,

buscada por líderes de empresas de várias partes do mundo.

Em contrapartida ao interesse contemporâneo das pessoas pelo ato de

falar em público há, claro, o interesse em assistir às apresentações. Afinal, onde há

essa oferta também há uma demanda ‒ que, no caso, corresponde a um público

disposto a ouvir o que o apresentador tem a compartilhar. Uma estatística evidencia

esse ponto: os vídeos das palestras TED alcançaram nada menos do que um bilhão

de visualizações em novembro de 2012 – um indício da valorização do gênero

palestra e, mais genericamente, do ato de fazer uma apresentação em público. Hoje,

há mais de duas mil palestras disponíveis no site ted.com, traduzidas para 97

línguas, possibilitando que se ultrapassem as fronteiras entre diferentes

comunidades.

A despeito de todos esses indícios, que revelam um movimento gerado

pela demanda por palestras e apresentações ao longo dos anos, há também uma

razão pessoal pela qual a palestra TED constitui o objeto de estudo desta pesquisa.

A ideia e motivação para nos debruçarmos sobre este estudo estão

4 Site oficial Toastmasters. Disponível em: <https://www.toastmasters.org/About>. Acesso em: 11 jul. 2016.

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associadas ao desenvolvimento do nosso próprio trabalho, no qual preparamos

pessoas para que elas realizem apresentações sobre os mais diferentes assuntos e

contextos ‒ corporativo, acadêmico ou político. O desafio que suscita e viabiliza a

necessidade de um trabalho dessa natureza reside na realidade de que, apesar de

muitas vezes o profissional ter pleno domínio do conteúdo que deseja compartilhar,

ele não consegue concatenar as informações com clareza e objetividade, ou seja,

traduzir em uma linguagem adequada para o seu público a mensagem que pretende

transmitir. Esse objetivo inclui uma habilidade muito buscada no mercado de

trabalho, que é a capacidade de se expressar, de modo a envolver a audiência e

alcançar o objetivo ao fim da própria exposição. Mais especificamente, no exercício

do trabalho como consultores5 de comunicação, além de auxiliarmos individualmente

o profissional no preparo do discurso, também o orientamos no desenvolvimento da

oratória e no domínio de técnicas de retórica, munindo-o de práticas que o auxiliem

na comunicação e no seu domínio emocional, no caso daqueles que lidam com o

medo da exposição em situações de apresentação.

Ao longo dos últimos oito anos, temos treinado grupos de 30 a 40 pessoas

dentro das empresas por meio de workshops sobre como estabelecer uma

comunicação eficaz em momentos de apresentações. Já foram mais de dois mil

profissionais treinados e a constante demanda das empresas despertou não apenas

a paixão pelo tema, como também o nosso interesse acerca daquilo que o ato de

fazer uma apresentação em público implica.

Assim, foi a partir dessa articulação, entre as razões que emanam do

contexto sócio-histórico e da experiência do nosso trabalho, que nosso interesse

acadêmico foi originado. Como decorrência da reflexão exposta até aqui, colocaram-

5 All Presentations é a nossa empresa de treinamento e coaching em comunicação, que tem como propósito apoiar cada profissional para ser a sua melhor versão como comunicador. Para isso, ela oferece workshops, coaching, consultoria de conteúdo e também a criação visual do material de apoio do apresentador. Disponível em: <allpresentations.com.br>.

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se as seguintes questões de pesquisa: no contexto sócio-histórico atual, marcado

pelo aparato midiático, que fatores têm motivado e disseminado as palestras TED?

As apresentações do TED Global podem ser indícios de que estamos diante de uma

ressignificação em torno do gênero palestra como o conhecemos? Se sim, que

traços o caracterizam?

A partir desses questionamentos analisamos três vídeos de palestras

divulgados no site TED recorrendo à perspectiva enunciativo-discursiva tal como

proposta em Maingueneau (2015; 2013, p. 82), mais especificamente às noções das

cenas de enunciação, aí compreendidas: cena englobante, cena genérica e

cenografia, e de mídium, considerando-se tais categorias como essenciais à

compreensão do gênero palestra e das suas manifestações no corpus selecionado.

Os vídeos foram analisados com base nos critérios de visibilidade,

representatividade e temporalidade. O primeiro critério, o de visibilidade, está

relacionado à popularidade alcançada pelos vídeos, levando-se em conta o número

de visualizações e a avaliação popular qualitativa em relação a eles. Por sua vez, o

critério de representatividade está relacionado à priorização dada na pesquisa pelas

palestras mais emblemáticas do TED, as que estão ligadas ao evento principal da

entidade, bem como a escolha de vídeos com acesso às transcrições em português,

para a melhor adequação à pesquisa. O terceiro critério está ligado à temporalidade,

pois o processo de seleção do corpus envolveu a preocupação em circunscrever o

corpus ao tempo atual, ou próximo da atualidade. Na composição do corpus de

pesquisa, selecionamos por fim três vídeos (sendo dois de 2012 e um de 2016),

resultantes da aplicação de tais critérios.

Desta forma, acreditamos que este estudo permite a investigação das

transformações e influências do contexto atual sobre a valorização e as mutações

possíveis do gênero discursivo palestra e, consequentemente, possibilita depreender

pontos relacionados à atividade de trabalho de falar em público, em consonância

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com os propósitos do Grupo Atelier. No caso dessa pesquisa, parte-se de uma

habilidade buscada no mundo do trabalho e volta-se o foco na caracterização das

palestras TED como um gênero contemporâneo, derivado da evolução histórica nos

campos da retórica e oratória.

Feitas tais considerações iniciais, a dissertação está estruturada em cinco

partes. No Capítulo 1, fizemos um breve resgate sócio-histórico do ato de falar em

público e caracterizamos de modo geral as palestras TED, objeto de nossa

pesquisa. No Capítulo 2, detalhamos os procedimentos metodológicos que

possibilitaram depreender informações detalhadas a respeito do objeto de pesquisa

e nos balizaram na escolha dos critérios para a definição do corpus do estudo. No

Capítulo 3, por meio da relação entre a fundamentação teórica e a análise do

corpus, respondemos às perguntas de pesquisa propostas no trabalho. E, nas

considerações finais, foram discutidas as perspectivas viabilizadas pelo corpus de

pesquisa a respeito das palestras TED e outros efeitos que ficaram evidentes no

contexto sócio-histórico em que essa pesquisa se insere.

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1 CONTEXTO DA PALAVRA E AS PALESTRAS TED

Acreditamos ser importante um breve resgate histórico do ato de falar em

público, caracterizarmos o objeto da pesquisa e compreendermos o contexto sócio-

histórico atual no qual as palestras TED emergiram.

1.1 O BERÇO DOS DISCURSOS E NOVAS PERSPECTIVAS

Aristóteles foi um homem à frente de sua época e deixou saberes

relacionados a múltiplas áreas, como a Ética, a Lógica, a Política e a Retórica. Em

particular, sobre a arte de falar em público, é essencial apresentar um breve resgate

da retórica clássica de Aristóteles a partir de tradução, textos adicionais e notas de

Bini (ARISTÓTELES, 2011) ‒ a ser complementada pela visão moderna de

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) ‒, antes de destacar a perspectiva utilizada

nesta pesquisa, a da Análise do Discurso francesa, que também bebe da fonte da

Retórica.

Muitos séculos atrás, já era possível constatar que as apresentações em

público atraíam o interesse da audiência e que a “arte” de falar para pequenos

grupos e auditórios era muito valorizada. Passou-se a falar em retórica a partir do

momento em que a humanidade começou a estudar os artifícios discursivos

utilizados para persuadir o outro:

[...] A retórica é a outra fase da dialética, pois ambas se ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não correspondem a nenhuma ciência em particular. De fato, todas as pessoas de alguma maneira participam de uma e de outra, pois todas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento, defender-se ou acusar. (REBOUL, 2004, p. 132)

Originária do grego rhetoriké ‒ subentendendo-se na palavra o substantivo

téchne ‒, pode-se dizer que, formalmente, a retórica é uma “invenção” dos gregos e

que ela teve o seu nascimento estimado entre os séculos IV e V a.C. A retórica é a

única “faculdade” que se interessa exclusivamente pelo ato de persuadir, sem se

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preocupar, necessariamente, com a verdade. Contudo, à parte a sua origem e

definições, cabe investigar os fatores, no contexto sócio-histórico da Grécia Antiga,

que teriam provocado a valorização do falar em público e do interesse dos cidadãos

por aprender tais técnicas.

Em 480 a.C., ocorreram conflitos devido à disputa por terras entre os

persas, liderados por Xérxes, e o exército grego, liderado pelo general Temístocles.

Na batalha naval de Salamina (HELLFELD, 2009), o rei Xérxes estava confiante de

que o seu exército persa promoveria um novo massacre tal como o fizera em

Atenas, mas Temístocles reuniu a sua frota com 200 embarcações na baía de

Salamina e, como os persas conheciam pouco o local, foram obrigados a recuar. A

vitória mudou o contexto da região e criou terreno propício para o desenvolvimento

da Grécia.

Após o conflito, a sociedade grega se caracterizou pelo seu traço

democrático e pelo ambiente de livre debate. As terras, antes tomadas pelos persas,

tornaram-se foco dos seus antigos proprietários, que buscaram retomar os seus

territórios valendo-se da retórica como um elemento de “força” a seu favor, já que,

na época, não havia advogados para defendê-los. Por isso, pode-se dizer que a

retórica nasceu para atender a uma necessidade no campo judicial.

A valorização do “saber falar em público” chegou até a pólis e o

aprendizado das técnicas se tornou essencial, principalmente após a consolidação

da democracia grega, que exigia a participação ativa dos cidadãos nas decisões

políticas locais. Daí, portanto, a necessidade em saber argumentar e falar com

eloquência e clareza, o que originou uma demanda por professores que

compartilhassem e dominassem essas técnicas.

É importante lembrar ainda que, nesse contexto, a democracia

pressupunha não só o direito à participação do cidadão, mas que ele estivesse

realmente capacitado para participar dela. Evidencia-se, desta forma, um novo

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pensamento: menos interesse pelos deuses e mais por aquilo que os homens têm a

falar.

Durante alguns séculos, chamavam-se “homéricas” as narrativas em torno

de personagens divinos, sendo que, em geral, os personagens humanos eram seus

dependentes. No entanto, no século V a.C. o homem passou a ser visto como

cidadão-guerreiro que falava, combatia e aparecia assumindo o seu destino. A

concepção grega do mundo e do homem se secularizou e os “deuses”

desapareceram aos poucos devido às ações humanas (CHÂTELET, 1973, p. 18).

Atenas era o lugar de uma evolução exemplar que se manifestou, por

exemplo, na conquista política do estatuto cívico. A pólis vivia um tempo em que o

destino de cada cidadão não dependia da sua família, da sua lealdade ao chefe ou

da vontade dos deuses, mas, sim, da sua relação com a lei e da instauração da

democracia, devido às causas históricas já mencionadas.

Foi ainda nessa época que os gêneros culturais passaram por

transformações de estilo e sentido. A Tragédia, por exemplo, era religiosa, mas se

tornou cerimônia cívica. A Comédia deixou de lado o teatro satírico para assumir a

crítica política. Já a História-Geografia, que englobava descrições de lendas e

genealogias místicas, perdeu espaço para detalhamentos de lugares e costumes. A

Filosofia, por sua vez, deixou de ser divagação e mistério para reivindicar questões e

respostas do contexto da época (CHÂTELET, 1973, p. 29). A Medicina, que antes

dependia de recursos como “adivinhações”, passou a optar pela investigação

racional das doenças, assim como a Física, que deixou de contar com as

especulações mágicas para olhar pela lente dos estudos e das relações entre os

fenômenos.

Como abordamos a questão do gênero nesse trabalho e retomamos a

visão da Antiguidade clássica, acreditamos ser relevante destacar que Aristóteles,

que viveu de 384 a.C a 322 a.C, definiu três gêneros: o deliberativo, o judiciário e o

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epidítico. Para Aristóteles (2011, p. 77), “a única maneira de escolher o gênero é a

partir das formas discursivas, que têm efetivamente um papel na vida do Estado”.

Por essa razão, somente esses três gêneros poderiam ser considerados pelos

retóricos, pois, de fato, teriam relevância nos momentos decisivos de apresentações

nas tomadas de decisão na pólis.

O gênero deliberativo versava sobre a função de aconselhar ou

desaconselhar em todas as questões referentes à cidade: defesa, impostos,

orçamento, importações, legislação (ARISTÓTELES, 2011, p. 54). Por seu turno, o

gênero judiciário era aquele discurso usado para acusar ou defender em tribunais.

Já o gênero epidítico era utilizado para elogiar ou censurar.

Quanto ao público que assiste, Aristóteles (2011 p. 76) afirmava que o

papel desempenhado pelo ouvinte dependia apenas do discurso, sendo que “a

persuasão é produzida pela disposição dos ouvintes quando o discurso os conduz a

provar uma paixão”. Além disso, o pensador acreditava que, assim como os

gêneros, havia três tipos de ouvintes: o que julga o passado, o que delibera a

respeito do futuro e o que fala a respeito das habilidades do orador. Diante disso,

Aristóteles evidenciava os três fins específicos que justificavam o discurso: o orador

podia acusar ou defender, para levar a audiência a decidir entre o justo e o injusto; o

orador podia aconselhar ou desaconselhar, para induzir a audiência entre o útil e o

que era considerado desnecessário; e, por fim, podia elogiar e criticar, para

despertar na audiência a visão de feio ou belo. Já o terceiro pilar a que Aristóteles se

referia eram as provas que iriam sustentar a “verdade demonstrativa” para viabilizar

a persuasão. O filósofo considerava tudo o que tange à caracterização do objetivo

do discurso como proposição, enquanto o que remete à argumentação seria um ato

de confirmação.

Dois modos de pensar predominavam na teoria aristotélica: o analítico e o

dialético. O modo analítico era baseado na demonstração, essencial em qualquer

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metodologia científica. Baseado na justificação, por sua vez, o pensamento dialético

permitia que houvesse mais de uma resposta possível. Nele, o orador tinha como

propósito argumentar quantitativamente, de forma a convencer que a sua proposta

era a melhor solução. No modo dialético, o certo e o errado dependiam dos valores

e das perspectivas dos homens e permitia ao orador conduzir o discurso sem

eliminar possibilidades, mas persuadindo a audiência a optar pela proposta do

orador, que parecia ser a melhor opção. Todavia, esse segundo modelo de

pensamento causava polêmica, tendo sido criticado por filósofos como Platão, que

considerava as técnicas retóricas como engodo para manipular as pessoas por meio

do discurso.

Foi nessa mesma época que os sofistas ‒ mestres na arte de se expressar

e convencer – ganharam importância, assumindo o papel de professores de Retórica

e sendo muito bem remunerados ‒ muito embora a polêmica em torno da sua visão,

que pode ser bem sintetizada em “a cada um a sua verdade, e todas são verdades”

ou em “o homem é a medida de todas as coisas”. Esses eram os preceitos que

refletiam a filosofia de sofistas como Górgias e Protágoras, que relativizavam

questões consideradas universais e, em muitos casos, a própria verdade.

Aristóteles, entretanto, não era conivente com a maneira pela qual os sofistas

lidavam com a retórica. Ele também acreditava na importância do uso ético das

técnicas – porém, o que diferenciava a sua concepção daquela defendida por Platão

era que Aristóteles assumia essa segmentação do modo de pensar.

Os sofistas são descritos como “caixeiros viajantes” repletos de várias

habilidades, mas, em especial, da arte de falar e discutir, o que era muito valorizado

no contexto da época devido à expansão da democracia, ao espírito crítico e às

iniciativas de reinvindicações que exigiam dos mais bem colocados na sociedade e

política um desempenho retórico acima da média. “Os sofistas tinham em comum o

pretender ensinar uma arte de viver e de se desembaraçar das dificuldades nas

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comunidades democráticas” (CHÂTELET, 1973, p. 62).

Uma indagação que surge ao se conhecer o contexto do século V a.C. na

Grécia refere-se à natureza da transição entre o mito e o pensamento filosófico que

segundo Châtelet, não teria sido tranquila:

[A] Ideia de uma gênese tranquila que conduziria do imaginário ao real, da magia à prática, da particularidade (social) ao universal (humano), do desejo ao discurso, é comprometida à medida que se coloca a questão de sua articulação. (CHÂTELET, 1973, p. 20)

É evidente que um novo estilo de discurso foi imposto com uma ordem

denominada lógica, de maneira tal que “não é mais a força aparente dos hábitos ou

o poder pseudorreal dos mantenedores da ordem que se impõe, mas a ordem da

palavra controlada” (CHÂTELET, 1973, p. 20). Platão, por exemplo, não queria

saber do utilitarismo, do convencionalismo e do relativismo fundamentais dos

sofistas, e os definia como mercadores de palavras corruptos.

A partir da dicotomia entre os pontos de vista aristotélico e platônico, por

muito tempo a Retórica continuou sendo estudada, inclusive nas primeiras

universidades, até que, por volta do ano de 1600, no período da Era Moderna, ela

perdeu espaço para o pensamento racionalista, disseminado por René Descartes

em seu trabalho “Discurso do Método”, no qual ele defendia o pensamento rigoroso

e metódico e a valorização das evidências ‒ ou seja, daqueles indícios concedidos

pelas ciências naturais. Sobreposta pela razão, por três séculos a retórica foi

deixada de lado, uma vez que era considerada engodo.

A verdade, porém, é que a lógica e a metodologia científica não eram

suficientes para resolver questões que envolviam juízo de valor, mas por muitos

séculos os estudos de Aristóteles foram deixados à margem por sucessivas

gerações de filósofos. Do legado aristotélico, apenas a forma analítica de raciocínio

foi valorizada.

Daí a importância do trabalho do jurista belga Perelman em conjunto com

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Olbrechts-Tyteca, estudiosa de ciências sociais, que culminou na publicação, em

1958, do “Tratado da Argumentação”. Juntos, eles resgataram a importância da

“dialética como saber sério, pertinente, sujeito a regras próprias e, portanto,

controlável” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. XIV). Ambos

ancoraram a obra nos conceitos de Aristóteles e estudaram a justiça no intuito de

evitar que valores como equidade e bem comum fossem tratados de modo leviano,

ou que também fossem vistos no campo do arbítrio do irracional e até mesmo no

campo da violência.

Podemos dizer que os autores encontraram um caminho do equilíbrio, já

que transitavam entre “o tudo é permitido” e “a racionalidade exarcebada”. Assim,

não se submeteram nem à mística do ser e nem reduziram a argumentação,

simplesmente, à lógica científica. Eles, de fato, tomaram uma terceira via: “a

argumentação, que raciocina sem coagir, mas que também não é obrigada a

renunciar. Razão em proveito do irracional ou do indizível” (PERELMAN E

OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. XXI).

A contribuição dessa obra também foi relevante em relação à reflexão

acerca do discurso argumentativo, do processo de comunicação e, em especial, dos

conceitos de auditório particular e universal, na medida em que apoiam teoricamente

esta pesquisa. Toda argumentação visa um auditório particular, mas isso comporta

um risco: o de que o orador, ao adequar sua mensagem ao ponto de vista dos

interlocutores e os superestimar, se apoie em teses que podem gerar resistências ou

visões opostas às de um público a quem ele não se dirige diretamente naquele

momento. Por exemplo, tal comportamento pode ocorrer em um partido ou um grupo

de jovens ou empresários. Mas o perigo fica mais evidente quando se trata de uma

“audiência heterogênea que o orador deve decompor para as necessidades de sua

argumentação” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 34) porque, após

tentar persuadi-la, em algum momento, essa audiência irá se reunir como grupo e

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pode haver incompatibilidades ao debaterem a respeito dos argumentos expostos do

orador, o que culminará na pouca adesão. Do paroxismo dessa ideia emerge a

noção do auditório universal, em que o orador tenta convencer e obter a adesão de

toda a humanidade considerada competente e racional. Dado que o auditório

universal surge em favor do orador e que a unanimidade está apenas na imaginação

dele, já que não há prova científica que o certifique a respeito do público, o foco se

desvia para a questão persuasiva do argumento para esse público:

Uma argumentação dirigida a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter coercitivo das razões fornecidas, de sua evidência, de sua validade intemporal e absoluta, independente das contingências locais ou históricas. (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 35)

A partir do excerto acima, podemos presumir que, para cada cultura e cada

situação, o orador tem a sua própria visão do auditório universal, o que,

consequentemente, inviabiliza conseguir a adesão total ou da maioria do público.

Portanto, para conseguir convencer a audiência é preciso levar em consideração a

quantidade de pessoas e a qualidade daqueles que expõem suas opiniões

(PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 35).

Existindo o risco de encontrar dificuldade em obter a adesão dos espíritos,

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.37) propõem que se recorra ao auditório de

elite, que definem como dotado de conhecimentos acima da média, capaz de validar

o argumento do orador e de qualificá-lo como digno de crédito. Dessa forma, o

auditório de elite torna-se o auditório universal a quem o orador se dirige, deixando

de lado a minoria obstinada em manter seu ponto de vista ou incapaz de enxergar

através de novas perspectivas por não reunir as habilidades necessárias para

compreender o argumento. Tal conceito será retomado adiante, em apoio à

importante análise do público presencial que assiste às palestras TED.

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1.2 PALAVRA CONTEMPORÂNEA

Um ponto fundamental a considerar é o que representa a palavra, por ser o

componente básico com o qual são feitos os discursos, e uma fonte incontornável de

indícios para analisar a habilidade de falar em público e a capacidade de reter a

atenção das pessoas para persuadir e alcançar um propósito. No intuito de analisar

o corpus definido neste trabalho e investigar as possíveis respostas às perguntas de

pesquisa lançadas neste estudo, cabe aprofundar o papel da análise de discurso,

nas palavras que compõem o corpus de pesquisa, como meio essencial de

investigar o contexto sócio-histórico na caracterização de um gênero

contemporâneo.

Em primeiro lugar, é válido destacar que, apesar de a Análise do Discurso

ter o seu berço no contexto francês e, sem dúvida, ter tido um papel fundamental

como base para o campo, hoje ela se insere em um contexto totalmente globalizado,

no qual há diversidade de conceitos. Em segundo lugar, é importante ressaltar que o

“campo de estudos do discurso deve ser distinguido de outro, mais restrito, o da

Análise do Discurso, que define um ponto de vista específico sobre o discurso”

(MAINGUENEAU, 2015, p. 11).

Sem dúvida, um forte traço na sociedade contemporânea é a globalização,

que pode ser designada como interação parcial ou total de diferentes locais do

mundo fomentada pela tecnologia, que facilita a comunicação e a circulação de

pessoas, empresas, informações, ideias, produtos e serviços, ultrapassando as

fronteiras físicas.

A globalização é um processo que, ao longo dos anos, foi se tornando

cada vez mais intenso. O sociólogo francês Edgar Morin (2007, p. 39) entende o

termo globalização por duas vertentes que são ao mesmo tempo interligadas e

antagônicas. A primeira envolve questões territoriais, colonização, escravidão e a

dominação da Europa Ocidental no século XIX. A segunda é chamada pelo autor de

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minoritária. Ela “começa no coração das nações dominadoras” (MORIN, 2007, p. 42)

porque passa a considerar a perspectiva de cultura do outro e ideias humanistas

como os direitos humanos. Ele a exemplifica com movimentos históricos como a

cultura antiescravagista, que resultou na abolição da escravatura, ou mesmo os

movimentos mais atuais de organizações não-governamentais como os Médicos

Sem Fronteiras6 ou o Greepeace7, que atuam em causas de interesse comum.

Morin (2007, p. 43) também menciona o fenômeno ambivalente do

desenvolvimento das comunicações. O surgimento de telefone, fax, rádio, internet,

celular viabilizam uma comunicação instantânea entre as pessoas do planeta e

permitem entender e intercambiar informações. Mas, ao mesmo tempo, o autor

alerta que nem sempre comunicar é compreender.

De todo modo, podemos dizer que a tecnologia deixou o “mundo pequeno”

na medida em que a distância física não é mais impedimento para que haja o

compartilhamento da cultura, das perspectivas de mundo e dos desafios enfrentados

pelos cidadãos.

De acordo com a União Internacional das Telecomunicações, órgão vinculado

à Organização das Nações Unidas (ONU), o número de internautas no mundo todo já

alcança 3,2 bilhões. O resultado de tantas pessoas conectadas é o exorbitante

número de informações em circulação. Hoje, estão disponíveis no mundo quase 1

septilhão de bits de informação ‒ ou seja, o número 1 seguido de 24 zeros, total

similar ao de estrelas conhecidas no céu, segundo a Agência Espacial Europeia.

Estima-se que, até 2020, o número de dados armazenados em computadores, servidores, celulares, smartphones e tablets seja, no mínimo, multiplicado por seis ‒ um volume tão gigantesco que os especialistas passaram a medi-lo em termos de distância da Terra. Se todas essas informações fossem divididas pela população conectada em 2020, haveria quase 6 mil gigabytes de carga por pessoa. (MACHADO, 2014)

6 Organização humanitária internacional que leva cuidados de saúde as pessoas em situações extremas de risco como epidemias, misérias e conflitos de guerra. 7 Organização global independente que atua na preservação da natureza e em defesa da paz.

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O cálculo apresentado por Machado (2014) foi estimado imaginando o

volume de informações dentro de uma coluna de iPads Air (que são os mais finos),

com 256 mil quilômetros, o que corresponde a dois terços da distância da Terra ao

seu satélite. Sem dúvida, existe uma sobrecarga de informações e elas estão à

distância de um clique devido ao cenário atual permeado por tecnologias.

A título de ilustração, uma pesquisa desenvolvida pelo Google8 ‒ The New

Multi-Screen World: Understanding Cross-Platform Consumer Behavior ‒ aponta que

90% das interações com o conteúdo midiático acontecem por meio de dispositivos

digitais, ao passo que apenas 10% ocorrem por meio de rádio, jornal e revistas.

Os resultados indicam ainda que os smartphones mantêm as pessoas

conectadas e que 38% das interações se dão por meio deles, sendo que 40%

correspondem ao período em que os usuários estão fora de casa e o restante, 60%,

ao período em que se encontram em casa. O motivo apontado para essa intensa

utilização é a necessidade de comunicação (54%) e também de entretenimento

(33%), pois as pessoas precisam de informações rápidas e na hora. O modo de usar

as ferramentas também pode variar entre o simultâneo ‒ em que o usuário assiste à

televisão, enquanto consulta os e-mails no celular ‒ ou sequencial, em casos que o

usuário começa uma pesquisa no celular, continua no tablet e efetua a compra por

meio do notebook.

O fato é que, por diferentes plataformas, as pessoas estão conectadas,

recebem inúmeras informações o tempo inteiro e são confrontadas com culturas e

valores de cidadãos de todo o mundo ‒ o que, por um lado, é motivo de confronto e,

por outro, causa da relativização de verdades e de valores. Nesse aspecto, as

8 The new multi-screen world study: pesquisa com 1.611 participantes de 18 até 64 anos de idade, realizada de abril a junho de 2012, cujo objetivo consistiu em compreender o comportamento do consumidor de mídia no período de um dia. Metodologia: 1o fase (qualitativa): diários de texto, boletins on-line e entrevistas etnográficas em Los Angeles, Boston e Austin; 2a fase (quantitativa): foram utilizados mecanismos de log para registrar interações dos participantes com mídias tradicionais e digitais e questionário on-line.

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pesquisas compartilhadas despertam uma conexão com uma reflexão importante:

Nenhum homem pode assimilar as múltiplas informações do saber contemporâneo, cujo crescimento é exponencial, e não pode ser “engramado” por uma mente humana: cada um de nós está reduzido ao saber parcial e aos lugares comuns em geral. Nos encontramos, assim, de um lado, com os especialistas encerrados em suas especialidades; do outro, com os não especializados, rolhas de cortiça que boiam sobre a espuma do saber. (MORIN, 2015, p. 21)

A reflexão de Morin traduz um desafio vivido pela sociedade

contemporânea no qual, diante da realidade atual, cada indivíduo deve, em teoria,

ser capaz de extrair informações relevantes que poderão gerar, eventualmente, um

conhecimento pertinente. Adicionalmente, cada indivíduo pode tentar desvencilhar-

se do isolamento a que a hiperespecialização pode sujeitar, ou procurar escapar de

boiar como “rolhas de cortiça”, em meio a um mar de informações. Apesar de ser

inviável absorver tanto conteúdo, a diferença para o indivíduo reside na capacidade

de enxergar a realidade de modo sistêmico, ou seja, de exercitar o pensamento

complexo descrito por Morin (2015), no qual ele sublinha a importância de se

reagrupar os saberes na busca da compreensão do universo e admitir que todo

conhecimento está sempre incompleto; por isso, é preciso questionar e reformular

porque “as verdades denominadas profundas, mesmo contrárias umas às outras, na

verdade são complementares, sem deixarem de ser contrárias” (MORIN, 2015, p. 7).

O conhecimento é resultado de um eterno tecer de informações que,

conectadas a outras experiências e saberes, geram novos sentidos, permitem novos

olhares e a análise de múltiplos discursos, em uma perspectiva que reflete a visão

sistêmica de Morin (2001, p. 17). Uma imagem que pode simbolizar o fenômeno é a

metáfora da tapeçaria, utilizada pelo sociólogo francês para explicar “que o todo é

mais que a soma das partes que o constitui” (MORIN, 2015, p. 9). Podemos, de

forma semelhante, enxergar a proposta da organização TED como se cada

apresentador fosse um tecelão de uma tapeçaria com vários fios coloridos, de

texturas e materiais diferentes à disposição. À medida que cada palestrante se

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apresenta, tem oportunidade de tecer novos pontos de vista e expor ideias com base

em seu próprio modo de enxergar o mundo. A concepção da construção do

conhecimento de Morin (2001, p. 29), portanto, assemelha-se nesse aspecto à

concepção da construção do conhecimento das palestras TED, cuja reunião no site

oficial oferece-se como uma genuína biblioteca virtual contemporânea. Após a

palestra ser disponibilizada no site TED quando publicada na internet, esta

apresentação, por sua vez, contribui para a construção de uma ampla base que,

tomada no conjunto, supera a soma das partes porque se estrutura e entrelaça na

composição de um grande “tapete” de informações. Esta base, objeto de interação e

assimilação pelo público, tende a fomentar novas conexões, sinapses e a estimular

que essa construção de conhecimento continue em aberto, sendo constantemente

retroalimentada.

Como sintoma dos movimentos mencionados anteriormente, uma possível

explicação para haver esse impulso na sociedade reside na sede por um

conhecimento palatável e acessível, em uma era de múltiplos recursos digitais de

comunicação e de acesso à informação, no qual há uma renovação no interesse das

pessoas em assistirem à exposição de ideias vindas de uma situação de

apresentação. A hipótese desta pesquisa é de que, em alguns casos, a valorização

de quem detém a palavra em situação de apresentação se dá porque o orador foi

capaz de traduzir fatos que, em um primeiro momento, são distantes da realidade da

audiência. Mas as palavras do orador em suas mensagens fazem sentido e geram

empatia, de tal modo que possibilitam a essa audiência realizar, por seu turno, um

tecer mais fácil do conhecimento. Desse modo, ocorre uma comunicação genuína

que vai além da mera recepção da informação, na medida em que ela embute a

compreensão da informação, como prega Morin (2007, p. 43).

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1.3 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO

O que é uma apresentação? “Apresentação” origina-se do latim

praesentare, que significa “dar, mostrar para aprovação”, de praesens, formada por

prae ‒ “a frente” ‒ acrescentado de esens ‒ “ser e estar”. Pode-se dizer, assim, que

apresentação é o ato de expor ideias perante um público com o intuito de gerar

esclarecimento a respeito do tema abordado e alcançar, ao fim da exposição, o

objetivo preestabelecido pelo apresentador.

Com base nos diferentes meios em que circulamos (acadêmico,

corporativo, político, religioso, entretenimento), as apresentações podem se

materializar em uma diversidade de gêneros discursivos. No meio acadêmico, por

exemplo, há simpósios, comunicações individuais, aulas expositivas e defesas de

teses e dissertações. Já no meio corporativo, existem as apresentações de

resultado, de vendas, treinamentos, etc. Em suma, existe uma variedade de

apresentações que seguem restrições específicas, de acordo com a sua finalidade,

conforme o contexto sócio-histórico no qual são realizadas e a sua audiência, dentre

outras variáveis.

Atualmente, a palavra “apresentação” também tem outro sentido,

relacionado ao seu papel de ferramenta. Isto é, a apresentação significando um tipo

de arquivo ‒ em programas como o PowerPoint, entre outros ‒, usado para se

exporem ideias e, de um modo mais didático, para promover o entendimento da

audiência. “As apresentações utilizando a ferramenta PowerPoint se tornaram um

elemento essencial no interior das instituições e, especialmente, no mundo

científico” (MAINGUENEAU, 2015, p. 160). Um emprego similar também ocorreu no

meio corporativo, a ponto de proliferarem nesse setor empresas especializadas em

atender à demanda de convenções e reuniões.

Outra designação importante é a referente ao gênero palestra, que, em

geral, no meio corporativo, é uma apresentação, de em média uma hora, na qual

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uma autoridade em determinado assunto, ou uma personalidade, irá expor o seu

conhecimento e/ou as suas experiências, visando a despertar uma ação ou

sentimento nas pessoas.

Neste estudo, a palavra apresentação é empregada como o momento em

que o apresentador compartilha as suas ideias por meio de uma exposição oral

perante uma audiência presencial ou on-line e na qual, eventualmente, utiliza

recursos de apoio, como vídeos, PowerPoint, arquivos de áudio, cavalete e/ou

quadro branco.

Como mencionado anteriormente, há uma valorização do ato de fazer uma

apresentação. Um dos indícios dessa valorização é o surgimento de empresas

especializadas no desenvolvimento de apresentações, com roteiristas dedicados à

elaboração do discurso do apresentador, designers responsáveis pela criação dos

recursos visuais e um consultor de comunicação que ensaia o apresentador. De

fato, há um interesse contemporâneo das pessoas pelo ato de fazer e, claro, de

assistir às apresentações. Um símbolo de tal interesse certamente é a popularidade

das palestras TED, cuja trajetória é descrita a seguir.

TED é a sigla em inglês para Technology, Entertainment, Design

(Tecnologia, Entretenimento, Design). O movimento TED começou em 1984, como

um evento que reuniu alguns convidados para assistir a palestras sobre temas

relacionados aos termos da própria sigla (GALLO, 2014, p. 12). A princípio, ele foi

criado por Richard Saul Wurman ‒ proprietário de uma editora ‒, sem a pretensão

de ocorrer novamente. Em 1990, porém, o evento foi reinventado como uma

conferência de quatro dias, em Monterey, na Califórnia. Bastavam apenas 475

dólares para o público assistir a uma variedade de palestras. A partir disso, as

conferências se tornaram anuais, e participantes de diferentes áreas de atuação

passaram a ser convidados para expor a sua visão, até mesmo sobre temas pouco

prováveis inicialmente ‒ por exemplo, sobre religião, tema que foi abordado por Billy

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Graham em 1998.

Com média de 1,5 milhão visualizações por dia, esses vídeos abordam

assuntos relacionados a ciência, liderança e histórias de vida de pessoas anônimas

e famosas, além de questões globais.

No site, há orientações do TED que estabelecem os padrões das palestras,

como o de transmitir a mensagem com uma duração total de 18 minutos. Em

primeiro lugar, tal regra pode ser justificada pelo fato de facilitar a viralização9

desses conteúdos, já que boa parte das palestras TED é convertida em vídeos para

publicação no site. Em segundo lugar, porque essa duração exige habilidades como

concisão e aproveitamento do tempo da parte do apresentador. A fim de esclarecer

e engajar a audiência, vários artifícios são válidos, como levar um piano de cauda

para o palco, reproduzir vídeos, usar o PowerPoint ou, até mesmo, exibir uma

“amostra” de cérebro humano para auxiliar na explicação. Essas características das

palestras TED podem explicar o motivo de repercutirem velozmente entre a

audiência mundial.

O site TED apresenta uma série de áudios e vídeos das conferências,

disponíveis gratuitamente on-line. Em quatro anos, 11 mil tradutores voluntários

fizeram 37 mil traduções de áudios e vídeos para 97 línguas, possibilitando que as

ideias ali reunidas também ajudassem a ultrapassar a desafiadora fronteira da

língua. Hoje o movimento TED se tornou uma entidade sem fins lucrativos dos

Estados Unidos conduzida por Chris Anderson, seu curador e principal executivo.

Atualmente, o evento é conhecido pela realização de palestras na Europa, Ásia,

América do Norte e América do Sul, bem como pelo perfil do público que pode ter

acesso presencial ao evento. O interessado deve acessar o site e preencher uma

ficha cadastral, respondendo a perguntas referentes às áreas de atuação

9 O termo é usado para designar um conteúdo que ganha repercussão na internet após ser publicado e acaba sendo visualizado por milhões de pessoas.

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profissional. Após passar pela análise da equipe TED, o candidato aprovado precisa

desembolsar entre 6 mil e 17 mil dólares para assistir presencialmente ao evento.

Anualmente, a conferência TED seleciona um tema que permeará o

evento, definida pela equipe de Chris Anderson. Em outubro de 2014, o evento TED

Global aconteceu pela primeira vez no Brasil, com o tema South! (“Sul!”), no

tradicional Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Palestrantes de diversas

partes do mundo, inclusive brasileiros, falaram acerca de temas variados, como

cultura e culinária, neurociência e ativismo na internet. Dessa oportunidade

participaram mais de mil pessoas, que assistiram a 65 palestras, em cinco dias de

evento. As palestras eram transmitidas simultaneamente em telões, a fim de que

outras pessoas pudessem assisti-las também. Houve intensa cobertura da mídia

brasileira, nos principais jornais e em telejornais de grande audiência.

Durante o desenvolvimento desta pesquisa, contatamos a organização do

TED, que fica sediada num escritório na cidade de Nova York, mas, infelizmente,

seus representantes alegaram não ser possível descrever ou colocar no papel quais

os critérios de seleção dos apresentadores e do público presencial do evento.

Diante disso, poderia ser aventada a possibilidade de que, na verdade,

esses critérios são subjetivos demais para serem descritos, ou de que a equipe quer

ter o controle sobre os processos que envolvem o evento, ou ainda, manter em sigilo

os procedimentos internos. De todo modo, ao lermos algumas reportagens a

respeito e obtermos informações sobre o perfil dos participantes dos últimos eventos

do TED Global, podemos dizer que, em geral, os apresentadores são executivos de

grandes empresas, empresários renomados, artistas de Hollywood, pesquisadores

já reconhecidos em sua área e ganhadores de prêmios como o Oscar e o Nobel.

Alguns dos vídeos mais vistos do TED são os do pesquisador Simon

Sinek, que aborda o tema da “liderança inspiradora” e já alcançou 19 milhões de

visualizações, e o da psicóloga social e pesquisadora de Harvard Amy Cuddy, que

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aborda questões referentes à relação imagem/linguagem ‒ especificamente, a

maneira pela qual a linguagem corporal pode afetar a forma como as pessoas nos

veem e como nos vemos. Ammy Cuddy se debruça sobre um assunto que tem

embasamento na Neurociência e demonstra a sua aplicabilidade no dia a dia das

pessoas. Não por acaso, o seu vídeo já alcançou 21 milhões de acessos desde que

foi divulgado no site TED, em 2012.

De 2001 a 2006, o TED gerou ramificações. A conferência TED é o carro-

chefe da entidade, e ela ocorre sempre na Costa Oeste da América do Norte. Em

seguida, está o evento TED Global, realizado anualmente em vários países e

organizado pela equipe de Chris Anderson, diretor executivo da instituição. Porém,

também são organizadas conferências locais licenciadas pelo TED em vários

países, que são organizadas de modo autônomo por pessoas interessadas em

expor suas ideias nos moldes das palestras TED. Foi assim que surgiram os TEDx,

que são promovidos por voluntários de diversos países. Os representantes-

voluntários receberam uma licença para reproduzir o formato das palestras e do

evento, além de usar a marca TED. O primeiro TEDx brasileiro aconteceu em São

Paulo, em 2009.

Outra ramificação é o TED Women, uma conferência de três dias que

reúne exclusivamente palestrantes mulheres para contarem as suas histórias de

vida e o modo pelo qual geraram mudanças para melhorar suas comunidades. Outro

tipo é o TED Youth, um evento que dura um dia e é voltado para adolescentes que

estão no ensino médio. Em 2015, foram mais de cem eventos que reuniram jovens

para refletir sobre o tema “construir o próprio futuro”. O intuito era fomentar a

discussão sobre novas possibilidades de carreira e sobre a maneira de lidar com a

escassez de recursos, entre outras questões atuais no universo juvenil. Vale lembrar

que, em todas as ramificações mencionadas, há orientações a serem seguidas pelos

organizadores e pelos palestrantes, buscando-se garantir o padrão TED e a

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identidade das palestras do “estilo TED”, conforme explicitaremos detalhadamente a

seguir.

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2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para responder às questões desta pesquisa em relação ao gênero

apresentação, bem como em relação à sua valorização e transformações, foram

selecionadas palestras TED, ou seja, aquelas que, após apresentadas, foram

publicadas no site oficial da conferência. A escolha dos vídeos foi estabelecida ao

longo da pesquisa, à medida que nos debruçamos sobre o corpus e com a atenção

voltada às questões propostas nesse estudo. Optamos por analisar os vídeos que se

encontram disponíveis no site oficial do TED segundo alguns critérios de seleção,

que serão descritos na sequência.

O nosso propósito é depreender o que há em comum entre as palestras do

TED de maior audiência e os elementos que moldam o gênero “palestra TED”, a

partir das orientações explanadas no próximo item.

2.1 CARACTERIZAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO CORPUS

A primeira fase da pesquisa foi a de caracterizar o que era a conferência

TED, a instituição e o contexto sócio-histórico no qual as palestras TED estão

inseridas, como visto no capítulo anterior. No entanto, foi preciso também realizar

um aprofundamento analítico sobre as orientações dirigidas aos apresentadores na

elaboração de suas palestras, o que será compartilhado a seguir.

A análise das orientações dadas aos apresentadores parte de um

pressuposto: o modelo de palestra utilizado pelo TED se estende da conferência

principal até os eventos menores, como o TEDx. Portanto, as recomendações

descritas pelos organizadores e apresentadores do TEDx se assemelham às

recomendações dadas na conferência principal e permitem compreender, de

maneira geral, a construção dessas apresentações e o preparo dos seus

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palestrantes, seguindo as orientações dos curadores. Pressupõe-se que os

palestrantes da conferência TED principal, obviamente, sejam referência e reflitam

as mesmas orientações.

Para garantir um levantamento adequado, elaboramos um roteiro de

entrevista com dez perguntas iniciais relativas a processos de organização do

evento, modelo de formatação da palestra, critérios de seleção dos palestrantes,

pré-requisitos dos curadores para a escolha dos vídeos a serem publicados no site

oficial do TED e identificação das orientações a serem seguidas pelos palestrantes

durante as suas apresentações, entre outras questões. As perguntas foram enviadas

por e-mail por meio do item “Contato”, disponível no site oficial, para onde se

encaminham as questões para representantes do TED nos Estados Unidos, em

Nova York.

Em poucos dias recebemos um e-mail da equipe TED, cujo link

pormenoriza as orientações dirigidas aos palestrantes e organizadores dos TEDx no

preparo de suas apresentações – e podemos dizer que essas são as mesmas

orientações seguidas pelos apresentadores da conferência TED, já que o intuito da

organização é manter um padrão e, assim, foi possível coletar as orientações.

A primeira recomendação encontrada no guia do TED10 é um alerta de

que, se o apresentador foi convidado a fazer uma palestra TED, é importante que

esteja consciente do que se espera dele na sua apresentação. Por essa razão é

que, por meio de orientações, o descritivo esclarece o que, do ponto de vista dos

curadores da conferência, diferencia a palestra TED de uma outra apresentação. No

intuito de lograr manter o modelo dos palestrantes do TED em todo o mundo, é

essencial que todo apresentador do TEDx (uma variante local da conferência TED)

tenha acesso ao guia e seja orientado a segui-lo numa tentativa de garantir a

10 Disponível em: http://www.ted.com/participate/organize-a-local-tedx-event/tedx-organizer-guide/speakers-program/prepare-your-speaker. Acesso em: julho de 2015.

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replicação do modelo das palestras.

No site do TED, ao clicar sobre o item que direciona para o guia e preparo

do apresentador, surge uma página com opções de processos, regras e orientações

que auxiliam no desenvolvimento do palestrante e no plano de construção da

apresentação (Figura 1). Ao longo desta seção, serão detalhados cada um dos

pontos contidos nessas informações, como as relativas aos itens esboço e roteiro,

criação e preparação dos slides, ensaios e o dia do evento. Todas elas são

compostas por subitens.

FIGURA 1: PÁGINA DO GUIA DO PALESTRANTE TEDX

FONTE: SITE TED

Ao clicar no primeiro item, esboço e roteiro, o guia propõe, inicialmente, um

cronograma para o palestrante seguir o processo (Figura 2), pressupondo-se que ele

tenha recebido o convite com uma antecedência mínima de seis meses.

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FIGURA 2: PÁGINA DE ORGANIZAÇÃO PARA A PALESTRA

FONTE: SITE TED

A partir daí, espera-se que: seis meses antes, o tema da palestra já tenha

sido definido; faltando cinco meses para o evento, que o palestrante elabore o

esboço detalhado da lógica a ser seguida; quatro meses antes, que esse esboço

feito pelo palestrante se transforme em um roteiro com o discurso oral formatado, a

fim de que se possam viabilizar os primeiros ensaios; com antecedência de três

meses, a expectativa é de que a redação final do discurso já esteja pronta e que

ocorram mais ensaios para que o palestrante seja espontâneo na sua apresentação;

dois meses antes, recomenda-se que sejam feitos ensaios quinzenais; faltando

apenas um mês, sugere-se que os ensaios sejam semanais; a apenas duas

semanas do evento, a organização do TED indica uma pausa para o palestrante e

propõe que ele evite pensar no assunto; uma semana antes da apresentação, a

orientação é para que se dedique aos ensaios finais; por fim, na véspera da sua

apresentação, a orientação sugere que o palestrante participe dos ensaios gerais no

evento. O documento alerta que o cronograma acima é apenas uma proposta ‒ já

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que cada apresentador poderá se planejar e criar a sua própria linha do tempo ‒ e

enfatiza ainda que tudo depende do cronograma geral do evento e das

necessidades de cada palestrante.

No primeiro item do guia, que compõe a orientação relativa a esboço e

roteiro, são aprofundadas as definições de esboço, entendido como um mapa

mental com a ordem de abordagem das mensagens ao longo da apresentação, e o

de roteiro, que se refere ao detalhamento do discurso, à escolha das palavras e às

conexões entre as mensagens que serão expressas oralmente. O documento

também apresenta um alerta em relação à importância da coerência da estrutura

lógica do roteiro, ou seja, divisão em três atos (começo, meio e fim) e concisão, de

modo que seja possível expor a mensagem dentro dos 18 minutos de duração ‒

dado que, segundo os organizadores, o público se concentra melhor em um assunto

de cada vez e em exposições curtas. Além disso, o guia menciona a importância de

que o propósito do evento e da sua apresentação estejam claros para o

apresentador, isto é, que ele reflita acerca da mensagem que deseja deixar na

mente das pessoas. No site, destaca-se ainda que é responsabilidade do

apresentador se certificar de que os pontos importantes serão transmitidos em seu

discurso com clareza, a fim de que sejam compreendidos com facilidade pela

audiência.

Ainda no primeiro item do guia, há um detalhamento no site no qual, ao ser

clicado, leva a um manual com orientações, exemplificadas por meio de links de

outros palestrantes. Assim, pode-se ter referência do que se espera dos

apresentadores. Outra recomendação encontrada é a de que o palestrante assista a

uma palestra TED para se familiarizar com o modelo de apresentações feitas no

evento. No guia, a palestra recomendada como referência ao futuro palestrante é a

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de Phil Plait11, que em sua apresentação explica como defender a Terra contra

asteroides.

Mais um item que os organizadores destacam em relação ao

desenvolvimento geral da palestra TED consiste na definição do que é uma boa

ideia que “merece” ser compartilhada no evento. Eles argumentam que uma ideia vai

além de uma boa história ou uma lista de fatos: ela precisa ter provas que endossem

a conclusão a que se quer levar a audiência.

Para palestrar no TED, os organizadores explicam que não é necessário

ser o maior especialista do mundo sobre um determinado tema, mas é importante

ser uma referência no assunto e garantir a credibilidade das informações que serão

expostas, já que o discurso será registrado e, provavelmente, visualizado milhares

de vezes pela internet. Por isso, o guia alerta sobre a importância de que a

apresentação contenha dados verídicos e confiáveis, além de cautela no uso de

anedotas históricas ou mesmo de estatísticas científicas. O ideal é usar fontes já

aceitas pelas pessoas e evitar polêmicas ou mal-entendidos.

A partir da análise dos temas gerais abordados nas palestras mais

visualizadas no site do TED, pode-se presumir que, para a equipe TED, uma “boa

ideia” a ser compartilhada é aquela que vai ao encontro das necessidades do

público. Em outras palavras: pressupõe-se que, ao escolherem os palestrantes, a

pergunta que está na mente dos organizadores do evento é: “O que o público quer

ouvir?”. Um indício que nos leva a essa percepção é o fato de que as palestras mais

visualizadas são classificadas pelo público ‒ no próprio site do TED ‒ como

inspiradoras. Percebe-se que há, por parte do público, uma busca por motivação,

inspiração e encorajamento ao ouvir pessoas bem-sucedidas (que estão com o

poder da palavra no palco consagrado como o do TED), capazes de engajar a

11 Disponível em: http://www.ted.com/ talks/phil_ plait_how_to_defend_ earth_ from_ asteroids .

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audiência a refletir, agir, mudar de comportamento ou, até mesmo, adquirir

conhecimento para se tornar uma pessoa melhor, embora também deve-se salientar

a existência de uma rica variedade de palestras que abordam temas mais áridos,

como física quântica, novas tecnologias em realidade aumentada, corpo humano,

etc.

Outro ponto que consta nas orientações do TED no preparo do

apresentador são questões que instigam a reflexão dele sobre o que pretende falar,

como, por exemplo: “As pessoas já ouviram a respeito do que você irá abordar?

Como a sua ideia se aplica à realidade de uma plateia heterogênea? Qual o perfil

das pessoas que se interessam pelo assunto? Seu tema é atual e realista?”12. A

instrução afirma que, se o apresentador responder negativamente a alguma das

questões, é preciso refinar a ideia antes de expô-la ao público.

Baseado no trabalho de Nancy Duarte ‒ empresária americana do setor de

comunicação, especializada em apresentações corporativas ‒, o guia do TED

recomenda uma estrutura lógica para a apresentação. Entretanto, a estrutura

proposta, em sua essência, retoma a lógica já proposta por Aristóteles, de começo,

meio e fim.

O guia assinala caminhos para direcionar o apresentador no

desenvolvimento do roteiro da sua palestra. Um primeiro passo seria começar a sua

apresentação despertando a curiosidade da audiência por meio de um exemplo ou

de uma frase intrigante para, a partir daí, explicar a ideia com clareza e convicção. O

passo seguinte seria descrever as evidências, como e por que a ideia pode ser

implementada, até se chegar à conclusão, etapa na qual a abordagem se detém a

respeito de como essa ideia pode afetar o público.

Enfatiza-se também a importância de que o apresentador nunca explique a

12 Disponível em: http://www.ted.com/participate/organize-a-local-tedx-event/tedx-organizer-guide/speakers-program/prepare-your-speaker. Acesso em: julho de 2015.

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estrutura da sua apresentação para o público – afinal, a lógica deve ser exposta

naturalmente, e isto é que mostrará que o roteiro foi realmente eficaz. A ideia é

evitar que o apresentador faça uma apresentação metalinguística, em que explica a

estrutura da palestra, ao invés de simplesmente seguir com a sua exposição no

momento da apresentação. Além disso, o guia alerta que contar histórias e provocar

emoções no público são meios para se atingir o objetivo (convencer, engajar,

motivar a audiência a fazer algo), e não o grande propósito da apresentação.

Os organizadores do TED sugerem que o apresentador evite falar de si o

tempo inteiro, abra a apresentação com um emaranhado de estatísticas ou conte

histórias com a função de apenas incluir uma “alegoria” no discurso. Na descrição

existente no site, constam ainda orientações sobre como selecionar as informações

mais importantes e que podem, de fato, ser úteis no transcorrer da palestra. O guia

propõe que o apresentador faça uma lista de todas as mensagens que pretende

partilhar e dos dados que podem sustentá-las. A partir disso, sugere uma reflexão a

respeito do que já é de conhecimento do público e o que podem ser informações

pertinentes para convencê-lo/engajá-lo.

Daí em diante, sugere-se que o apresentador avalie a melhor ordem para a

exposição das informações, bem como quais delas devem ser priorizadas e quais

podem ou devem ser excluídas, levando em consideração o objetivo e o perfil da

audiência que podemos considerar como universal, de acordo com a visão de

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 29) conforme mencionado anteriormente.

A necessidade de concisão devido ao tempo restrito de 18 minutos é uma

variável importante para as palestras do modelo TED e uma exigência aos

palestrantes ‒ daí o fato de ser essencial o exercício do desapego das informações

e dos dados, de forma que a mensagem principal não seja comprometida.

No fim da apresentação, é fundamental que, mais do que resgatar os

pontos importantes, o apresentador instigue a audiência a uma ação, sensação e/ou

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reflexão. Além disso, há uma lista de atitudes que o TED recomenda evitar ‒ no

último slide, por exemplo, nunca colocar logotipos, fotos de livros ou outro elemento

que enfraqueça o objetivo final da apresentação. Outra recomendação é eliminar o

uso de termos técnicos e jargões que possam não fazer sentido para parte do

público.

Um outro item das orientações disponíveis no site do TED se refere ao

preparo dos slides (Figura 3). Há liberdade para usá-los ou não; porém, se o

apresentador optar pela ferramenta, recomenda-se o uso de slides simples, ou seja,

com a mensagem representada por uma única imagem forte.

FIGURA 3: PÁGINA DE PREPARO DOS SLIDES PARA A APRESENTAÇÃO

FONTE: SITE TED

Um adendo indispensável diz respeito ao direito das imagens ‒ que todo

palestrante deve ter para poder utilizá-la ‒ e à importância dada às respectivas

fontes. Pode-se também utilizar um gráfico que evidencie a informação mais

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importante ou, ainda, duas a três palavras-chave podem ser utilizadas para servirem

de apoio ao palestrante durante o seu discurso. Além disso, recomenda-se que o

apresentador se certifique de que cada slide tenha um propósito e que se atente ao

tamanho do texto apresentado na tela, a fim de que ele seja legível ao público mais

distante do palco.

Por fim, outro ponto de destaque no guia são os direcionamentos em

relação aos ensaios e ao dia do evento.

FIGURA 4: PÁGINA DE ORIENTAÇÃO SOBRE ENSAIOS

FONTE: SITE TED

O trecho mostrado na Figura 4 enfatiza a importância de ensaiar, cuidar da

linguagem corporal e explorar os gestos para ajudar a transmitir a mensagem com

credibilidade para a audiência ‒ justificando, então, a importância de um treinador

que possa lhe passar um feedback honesto e construtivo. Além disso, o excerto

valoriza a importância de estudar e memorizar a linha lógica da apresentação. Uma

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das dicas inclusive é gravar, transcrever, editar e repetir tudo para se sentir ao

máximo confortável com a apresentação. É essencial também que o apresentador

fale de modo espontâneo – púlpitos, aliás, são proibidos nos eventos TED, pois,

segundo os organizadores, criam uma atmosfera muito formal e incentivam que os

palestrantes leiam as suas anotações. Durante os ensaios, o guia recomenda que

tudo seja testado, inclusive questões técnicas como o dimensionamento dos slides

na projeção, a resolução das imagens na tela e os computadores que serão usados

durante a apresentação. O intuito é averiguar a compatibilidade entre o arquivo e os

programas utilizados.

O guia chama a atenção para a demarcação do espaço de movimentação

do apresentador no palco. Como as palestras são filmadas e algumas são também

compartilhadas no site do TED, é preciso garantir que o palestrante se manterá no

enquadramento de filmagem. Além disso, há ainda algumas dicas gerais e alertas

para os organizadores e palestrantes, como, por exemplo, o cuidado na escolha de

um profissional para treinar os palestrantes, a fim de se evitar que as práticas do

preparador destoem das orientações definidos pelo TED.

Há também um alerta do que deve ser evitado pelo apresentador (Figura

5), como o uso de trocadilhos com a palavra TED, iniciar a palestra já se

desculpando, ser prolixo ou redundante e, principalmente, mencionar temas de

agenda política partidária ou extremista. Outro ponto problemático a evitar são

apresentadores que querem induzir a uma única religião e são radicais em relação a

outros pontos de vista, incluindo-se aí crenças da nova era, como por exemplo,

divulgar pontos de vista de religiões que incluem o uso de drogas para estimular

epifanias.

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FIGURA 5: PÁGINA DE PREPARO DO APRESENTADOR TEDX

FONTE: SITE TED

Em relação ao último item sobre as diretrizes do conteúdo, que traduzimos

como “somente boa ciência”, ele revela que, de fato, os organizadores do TED

posicionam o evento como um espaço de divulgação de descobertas científicas. No

entanto, cabe explorar o que se entende por “boa ciência” pela instituição (Figura 6).

Ao posicionar o TED como plataforma de divulgação científica, pode-se depreender

muito sobre a popularidade que o evento ganhou e a preocupação com a

formatação das palestras, de modo a tornar mais acessível ou popular o

conhecimento compartilhado.

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FIGURA 6: PÁGINA DA DIRETRIZ “SOMENTE BOA CIÊNCIA”

FONTE: SITE TED

Segundo os organizadores, uma palestra que divulga “boa ciência” deve

ser baseada em informações testadas cientificamente e apoiadas em dados

suficientes para convencer outros especialistas de que há veracidade no que é

compartilhado, publicadas em revistas e jornais de credibilidade; estar baseada em

teorias também consolidadas; e ser apresentada por um especialista ou profissional

com nível de qualificação que o credencie como apresentador. Deve-se também ter

o cuidado de evitar simplificar demais estudos legitimados, o que pode gerar

distorções.

Vale a pena ressaltar que as orientações são importantes porque definem

uma das maneiras de o profissional executar sua atividade que foi pelas

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experiências anteriores instituídas, e também se trata do modo de fazer que é

formalmente valorizado por se tratar de uma escolha determinada pelos

organizadores do evento. Mas os próprios curadores sabem da necessidade natural

de flexibilização do que chamamos como orientações nesta pesquisa e que foram

descritas no site e no livro “O guia oficial do TED para falar em público” como

conselhos, e não como regras que devem ser seguidas como uma forma única de

falar. O ponto que os organizadores compreendem como essencial é ter algo

importante para comunicar (o que é relativo) e ser um apresentador autêntico.

Para depreender ainda mais detalhes do que caracteriza as palestras TED e

nos munir de informações para nos apoiar na definição do corpus da pesquisa

também participamos do preparo de palestrantes de um evento TEDx que aconteceu

em São Paulo: desenvolvemos o roteiro da apresentação, criamos os slides e

também conduzimos o ensaio de uma das apresentadoras. Posteriormente,

assistimos a outro TEDx organizado em São Paulo em setembro de 2015 e, nessa

ocasião, tivemos a oportunidade de experimentar a perspectiva de quem está no

evento como audiência. Pudemos ver os cuidados dos organizadores em São Paulo

em relação à aplicação da marca na ambientação do local, ao seguir os padrões de

palco, tapete vermelho, telão ao fundo e espaço para a plateia presencial em um

auditório com capacidade aproximada de 100 pessoas. Também ficou evidente que,

em sua maioria, os palestrantes selecionados tinham o intuito de expor ao público

sua história de vida. O tom de fazer palestras “inspiradoras” se manteve, na medida

em que os apresentadores exploravam aspectos pessoais e profissionais. Um ponto

de diferença foi que nenhuma das palestras desse evento local foi publicada no site

oficial do TED – foi apenas disponibilizada no YouTube13.

Por isso, nesta pesquisa, optamos por priorizar somente as palestras

organizadas pelos curadores oficiais do TED, sejam elas exibidas na conferência

13 Site que permite que usuário compartilhem seus próprios vídeos.

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principal ou no TED Global, pois seria um modelo de palestra TED mais aceito para

ser compartilhado no site oficial, que é composto, em sua maioria, de vídeos de

apresentações feitas nas grandes conferências, de duração média de cinco dias.

Em fevereiro de 2016, com o intuito de aprimorar o domínio do inglês para

sermos capazes de compreender melhor as descrições no site TED e a literatura

sobre a pesquisa, estivemos em Vancouver. A escolha da cidade canadense se

deve ao fato de que ali seria realizado a Conferência TED 2016, do dia 15 a 19 de

fevereiro de 2016. O tema definido era “Dream.”14 (“Sonhe.”) e segundo a descrição

do site, o objetivo do evento era lançar um olhar a respeito de temas em voga na

atualidade e ouvir pensadores, artistas e contadores de histórias. Alguns

palestrantes que participaram da Conferência TED 2016 foram Al Gore, Shonda

Rhymes e Joe Gebbia, entre outros profissionais15.

Os preços praticados para assistirmos ao TED presencialmente em

Vancouver eram inviáveis para a nossa realidade financeira, porém, na expectativa

de aproveitar a oportunidade de assistir presencialmente a uma palestra TED,

enviamos um e-mail aos organizadores nos apresentando, fornecendo explicações a

respeito desta pesquisa e pedindo permissão para assistir a um dia do evento. Em

contrapartida a essa concessão, propusemo-nos ao trabalho de preparo dos

apresentadores dos eventos TEDx no Brasil, além de enviar posteriormente, os

resultados finais do estudo em andamento. No entanto, os organizadores disseram

que não havia cota para participar do evento de modo gratuito, mas que poderíamos

assistir às palestras que seriam transmitidas ao vivo e gratuitamente em outros

locais da cidade.

14 https://conferences.ted.com/TED2016/. 15 Al Gore é político, ambientalista e ex-vice-presidente dos EUA; Shonda Rhymes é

produtora de televisão e escritora da popular série médica intitulada Grey’s Anatomy; e Joe Gebbia é designer e co-fundador da Airbnb, um site onde as pessoas podem alugar acomodações em qualquer lugar do mundo para se hospedar.

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FIGURA 7: CARTAZ DO TED NA BIBLIOTECA PÚBLICA DE VANCOUVER

FONTE: TED

Optamos, em vista das circunstâncias, por assistir à transmissão ao vivo do evento

do TED no auditório da Biblioteca Pública de Vancouver.

De fato, o evento foi transmitido simultaneamente, sendo que, neste ano,

ao final de cada palestra, o diretor executivo do TED, Chris Anderson, entrevistou

cada apresentador durante cinco minutos, entre uma palestra e outra. O evento

durou uma semana e a cada dia se apresentaram, em média, sete palestrantes14,

provenientes de diferentes campos profissionais e partes do mundo. Havia

neurocientistas, escritores, inventores, cientistas sociais, ativistas, músicos,

linguistas, e todos fizeram apresentações a partir do tema Dream.

O foco do tema divulgado no site oficial era abordar o presente e o futuro,

motivar as pessoas a nutrirem os próprios sonhos e também compartilhar a visão do

futuro sob a ótica de alguns profissionais reconhecidos em suas áreas de atuação,

portanto, podemos dizer que nessa fase da pesquisa, um dos desafios foi definir o

corpus deste estudo, já que havia (e há) centenas de palestras disponíveis, todas

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com até 18 minutos. Para isto, foi muito importante o levantamento geral a respeito

do evento e o detalhamento das orientações na elaboração das palestras conforme

compartilhamos, mas também se fez necessária uma listagem dos vídeos e a

investigação desse material, o que nos possibilitou a definição de critérios alinhados

ao objetivo deste trabalho.

Todas as experiências e procedimentos descritos foram importantes para

viabilizar a delimitação do corpus da pesquisa. Diante disso, o primeiro critério de

delimitação do corpus surgiu do interesse em entender como, na prática, as

restrições impostas pelos organizadores das palestras TED se materializam. Para

isso, foram selecionados vídeos com mais de 15 minutos, como são a maioria das

palestras disponíveis no site.

Pela importância, foi levado em consideração o critério da audiência – a

seleção das palestras que obtiveram o maior número de visualizações desde a data

de sua publicação no site oficial. Para isso, acessamos o site e selecionamos a

opção de filtro que mostra as palestras mais assistidas. O resultado com a lista das

apresentações que encabeçam a audiência no site, todas com mais de 10 milhões

de visualizações, pode ser visto mais adiante, na Tabela 1.

Durante esse levantamento inicial, foi possível identificar um ponto

relevante comum aos vídeos mais visualizados: ao lado de cada vídeo, estão

palavras que permitem à audiência classificar de diferentes modos cada

apresentação (Figura 8). São opções para caracterizar as palestras por meio de

qualificativos, como “de queixo-caído”, fascinante, encorajador, inspirador, bonito,

prolixo, engraçado, informativo, persuasivo, engenhoso, OK, chocante, pouco

convincente e confuso.

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FIGURA 8: CLASSIFICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE UM VÍDEO DO TED

FONTE: SITE TED

Atualmente, existem mais de dois mil vídeos publicados no site do TED. Ao

selecionar as apresentações mais vistas, as mais novas ou ainda as mais antigas,

foi possível observar que boa parte delas apresenta algum percentual de

classificação como inspiradora. Tal qualidade é uma característica representativa

das palestras TED mais visualizadas, as quais são, prioritariamente, consideradas

inspiradoras pela audiência. Tal constatação se tornou um critério importante de

delimitação do corpus, e a partir daí, optamos por selecionar as apresentações

caracterizadas no percentual do site, prioritariamente, como “inspiradoras” pelo

público, para buscar entender o que isso revela sobre a audiência que assiste ao

TED e sobre a sociedade contemporânea. Portanto, foram escolhidos para análise

os vídeos de palestras com mais audiência ‒ e, por extensão, aqueles

caracterizados como inspiradoras pelo público. Abaixo, as palestras com até 10

milhões de visualizações, com o percentual da característica mais marcante do

vídeo de acordo com a opinião da audiência. Foram incluídos também o evento e o

ano, pois são relevantes também na delimitação do corpus conforme veremos na

descrição a seguir.

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TABELA 1: PALESTRAS TED DE MAIOR AUDIÊNCIA

Palestrante Visualizações (milhões) Classificação % Ano

Ken Robinson 39 27% Inspiradora TED 2006

Amy Cuddy 35 33% Inspiradora 2012 TED Global

Simon Sinek 27 38% Inspiradora TEDx 2009

Brené Brown 25 36% Inspiradora TEDx Houston 2010

Mary Roch 19 Não descrito TED 2009

Jill Bolte Taylor 19 24% Inspiradora TED 2008

Tony Robbins 17 34% Inspiradora TED 2006

Dan Pink 16 22% Persuasivo TED Global 2009

Pranav Mistry 14 31% "De cair o queixo" TED Global 2009

Cameron Russell 14 27% Corageous TEDx MidAtlantic

Susan Cain 14 34% Inspiradora 2012 TED Global

Pamela Meyer 13 33% Informativa TED Global 2011

Shawn Achor 13 35% Inspiradora TEDx 2012

Julian Treasure 12 30% Informativa TED 2013

Dan Gilbert 12 22% Fascinante TED 2004

Elizabeth Gilbert 11 34% Inspiradora TED 2009

David Blaine 11 22% Fascinante TED 2004

Kelly McGonigal 11 28% Informativa TED 2013

Mary Roch 19 Não descrito TED 2009

Dan Pink 14 22% Persuasivo TED 2009

Pamela Meyer 12 33% Informativa TED 2011 Keith Barry 11 33% "De cair o queixo" TED 2004

Apollo Robbins 11 25% "De cair o queixo" TED 2013

Hans Rosling 10 28% Informativo TED 2008

Chimamanda Ngozi 10 33% Inspiradora TED 2009

Robert Waldinger 10 43% Inspiradora TEDx BeaconStreet

FONTE: SITE TED

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Ao excluir as que obtiveram outro tipo de classificação que não inspiradora

como predominante, restaram as palestras exibidas na Tabela 2.

TABELA 2: PALESTRAS TED DE MAIOR AUDIÊNCIA SOMENTE CLASSIFICADAS COMO

INSPIRADORAS

Palestrante Visualizações (milhões) Classificação % Ano

Ken Robinson 39 27% Inspiradora TED 2006

Amy Cuddy 35 33% Inspiradora 2012 TED Global

Simon Sinek 27 38% Inspiradora TEDx 2009

Brené Brown 25 36% Inspiradora TEDx Houston 2010

Jill Bolte Taylor 19 24% Inspiradora TED 2008

Tony Robbins 17 34% Inspiradora TED 2006

Susan Cain 14 34% Inspiradora 2012 TED Global

Shawn Achor 13 35% Inspiradora TEDx 2012

Elizabeth Gilbert 11 34% Inspiradora TED 2009

Chimamanda Ngozi 10 33% Inspiradora TED 2009

Robert Waldinger 10 43% Inspiradora TEDx BeaconStreet FONTE: SITE TED

Um outro critério foi escolher somente as palestras TED organizadas pelo

comitê oficial. Ou seja, não foram inclusas nas pesquisas as palestras do TEDx,

franquia do TED para eventos organizados localmente por grupos em diversos

países, como visto anteriormente. A decisão, como mencionado anteriormente e

reforçado aqui, é porque nem todas as palestras do TEDx são publicadas no site

oficial, pressupondo assim que, segundo a avaliação dos curadores, nem todas

conseguem atender rigorosamente às orientações definidos no site para se tornarem

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aptas a serem disseminadas pelo canal oficial do TED. Por outro lado, são

publicadas no site todas as palestras dos participantes da conferência TED Global.

Em prol da busca da identificação dos traços dessas palestras que se viralizam, é

que optamos por priorizá-las no momento de escolher o corpus deste trabalho. Além

disso, optamos por um critério de visibilidade no sentido de manter também somente

as palestras com a transcrição em português extraídas do site oficial, já que

possibilitaria ao pesquisador uma análise mais fundamentada, por ser sua língua

materna. Apesar de preservar a integridade das transcrições feitas por voluntários,

foram realizados alguns ajustes textuais com o intuito de adaptar ao padrão

aceitável da língua portuguesa e adequar a tradução de algumas palavras, de modo

a depreender melhor os sentidos do discurso, mas sempre respeitando a versão

original, já que ela foi aceita como válida no site oficial.

Acumulamos então cinco critérios até aqui: aquelas a partir de 15 minutos

de duração, as mais vistas, transcritas para o português, predominantemente

inspiradoras na classificação feita pelo público, e que aconteceram nas conferências

principais do TED. O resultado dessas filtragens está exposto na Tabela 3. TABELA 3: PALESTRAS TED SELECIONADAS

Palestrante Visualizações (milhões) Classificação % Ano

Ken Robinson 39 27% Inspiradora TED 2006

Amy Cuddy 35 33% Inspiradora 2012 TED Global

Jill Bolte Taylor 19 24% Inspiradora TED 2008

Tony Robbins 17 34% Inspiradora TED 2006

Susan Cain 14 34% Inspiradora 2012 TED Global

Elizabeth Gilbert 11 34% Inspiradora TED 2009

Chimamanda Ngozi 10 33% Inspiradora TED 2009

FONTE: SITE TED

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Após filtrar no site as palestras seguindo os critérios mencionados, o passo

seguinte foi definir o recorte de tempo. Delimitamos, assim, um espaço temporal na

definição do corpus da pesquisa para viabilizar uma análise que busque revelar

elementos relacionados ao contexto sócio-histórico mais recente. A inquietação

estava em encontrar um ponto de equilíbrio na escolha do período a ser analisado e

a decisão foi levar em consideração as mudanças de médio prazo que possam ter

ocorrido ao longo dos anos, ou seja, as transformações no contexto sócio-histórico,

entendendo-se que o médio prazo se refira a um recorte de cinco anos. Priorizamos

as apresentações com menos de cinco anos, porque o fato de a apresentação ser

mais antiga pode impactar a concepção das palestras TED, enquanto que as mais

recentes podem nos revelar respostas mais contundentes em relação às questões

desta pesquisa, que envolvem o contexto sócio-histórico atual.

Mudanças relevantes aconteceram especialmente nos últimos cinco anos,

relacionadas à expansão da internet e ao uso da tecnologia e das redes sociais. Por

exemplo, no fim de 2012 o Facebook16 atingiu a marca de 1 bilhão de usuários

ativos no mês. O Instagram17, que foi lançado em 2010, foi comprado pelo Facebook

dois anos depois, em 2012, por quase 1 bilhão de dólares. Além disso, o Whatsapp18

ganhou ainda mais adeptos nos últimos anos e já alcançou mais de 700 milhões19

de usuários ativos mensais, capazes de enviar 30 milhões de mensagens todos os

dias. Tudo isso foi viabilizado pelo acesso à internet, que continuou se expandindo.

O número de usuários de internet no mundo todo cresceu 200 milhões em 2015,

totalizando 3,2 bilhões, de acordo com um relatório de pesquisa do Facebook – e,

obviamente, ainda há potencial de crescimento.

16 Rede social em que o indivíduo tem um perfil com seu descritivo pessoal e compartilha

o seu dia a dia. Informações disponíveis em: http://gizmodo.uol.com.br/giz-5-anos-as-tecnologias-e-tendencias-que-moldaram-os-ultimos-5-anos/ Acesso em: 15 de Agosto de 2016.

17 Aplicativo para compartilhar fotos e pequenos vídeos nas internet. 18 Aplicativo de bate-papo pela internet usado pelo celular que possibilita compartilhar

fotos, vídeos e também fazer ligações. 19 Informações disponíveis em: http://www.tecmundo.com.br/whatsapp/71163-so-cresce-

whatsapp-possui-700-milhoes-usuarios-ativos.htm Acesso em: 15 de agosto de 2016.

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O aumento do número de usuários das redes sociais e a expansão da

internet no mundo tornam o terreno fértil para que as palestras TED ganhem

visibilidade, sejam cada vez mais compartilhadas e sejam viabilizadas com ainda

mais veemência. Além disso, o recorte de tempo também visa evitar grandes

disparidades em relação às transformações tecnológicas, já que o mídium é de

grande importância nesta pesquisa e, ao longo do tempo, ele passa por rápidas

modificações ‒ o que poderia interferir na concepção das palestras, já que o suporte

material ajuda a moldar o gênero discursivo.

O resultado dessa nova seleção está exposto na Tabela 4.

TABELA 4: PALESTRAS TED SELECIONADAS DOS ÚLTIMOS 5 ANOS APENAS

Palestrante Visualizações (milhões) Classificação % Ano

Amy Cuddy 35 33% inspiradora 2012 TED Global

Susan Cain 14 34% inspiradora 2012 TED Global

FONTE: SITE TED

A partir daí, também julgamos importante incluir na seleção as palestras mais

vistas no primeiro semestre de 2016 (Tabela 5), pois seria inconsistente comparar os

números de visualizações dos vídeos publicados no último semestre com palestras

disponíveis na internet para visualização por até cinco anos. Sendo assim, foram

levantadas as apresentações mais recentes obedecendo-se à mesma sequência

anterior de critérios de recorte: a partir de 15 minutos de duração, número de

visualizações, a escolha das apresentações classificadas como inspiradoras e

apresentadas no evento principal do TED, transcritas em português e com um

critério adicional, relativo ao recorte temporal: foi estabelecido o limite de publicação

das palestras de 2016 para até abril de 2016, já que diariamente os organizadores

divulgam novas apresentações no site oficial e seria inviável acompanhar as

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constantes publicações novas devido à necessidade do pesquisador se debruçar

sobre o discurso do corpus escolhido e respeitar os prazos acadêmicos.

TABELA 5: PALESTRAS ATÉ ABRIL DE 2016

Palestrante Visualizações (milhões) Classificação % Ano

Dalia Mogahed 1,7 28% Inspiradora TED 2016 fevereiro

Tim Urban 5 35% Engraçado TED 2016 março

Adam Grant 3,1 36% Inspiradora TED 2016 abril / sem transcrição em português

Kang Lee 1,1 27% Informativo TED 2016 maio FONTE: SITE TED

Com base nos critérios aplicados, somente a palestra de Dalia Mogahed,

na primeira linha da Tabela 5, atende aos requisitos de recorte do corpus, ao lado

das duas apresentações selecionadas e exibidas na Tabela 4. Os três vídeos

resultantes, portanto, foram objeto da aplicação sequencial de cada um dos critérios

descritos nesta seção. São eles: (1) Amy Cuddy20, pesquisadora de Harvard que

aborda questões relacionadas à linguagem corporal (“a linguagem corporal define

quem você é”), com 35 milhões de visualizações desde junho de 2012 e com uma

palestra caracterizada por 33% do público como “inspiradora”; (2) Susan Cain21,

advogada e consultora de negociações que aborda questões relacionadas ao “poder

dos introvertidos”, com 14 milhões de visualizações desde 2012 e com uma palestra

considerada “inspiradora” por 34% do público; e (3) Dalia Mogahed22, pesquisadora

sobre comunidades muçulmanas que conta com 1,7 milhão de visualizações desde

20 Disponível em: http://www.ted.com/talks/amy_cuddy_your_body_

language_shapes_who_you_are Acesso em 13 de julho de 2016. 21 Disponível em: https://www.ted.com/talks/susan_cain_the_power_of_introverts?

language =pt-br. > Acesso em 13 de julho de 2016. 22 Disponível em: http://www.ted.com/talks/dalia_mogahed_what_do_you_

think_when_you_ look_at_me.> Acesso em 13 de julho de 2016.

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fevereiro de 2016 e cuja palestra é considerada “inspiradora” por 28% das pessoas

que a assistiram. As transcrições das palestras se encontram, respectivamente, nos

Anexos 1, 2 e 3.

TABELA 6: PALESTRAS SELECIONADAS

Palestrante Visualizações (milhões) Classificação % Ano

Amy Cuddy 35 33% Inspiradora TED 2012

Susan Cain 14 34% Inspiradora TED 2012

Dalia Mogahed 1,7 28% Inspiradora TED 2016 fevereiro

FONTE: SITE TED

Uma vez que foram detalhados até aqui as orientações que permeiam o

objeto da pesquisa e os procedimentos para delimitação do corpus, a seguir serão

aprofundadas as noções que foram mobilizadas e as análises depreendidas.

A princípio, o levantamento dos dados e a análise das questões já

descritas as quais esta pesquisa se propôs a responder foram feitos a partir das

noções mencionadas na Fundamentação Teórica – especificamente, cenas de

enunciação e mídium –, discutidas a seguir. Por meio do nosso olhar como analistas

do discurso, identificamos as características predominantes nas palestras TED e de

que maneira elas se manifestam como gênero discursivo, além de identificar o que,

no contexto sócio-histórico contemporâneo, contribui para coerções do gênero.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E ANÁLISE DO CORPUS

Muitas disciplinas se dedicam ao estudo do discurso. Esta pesquisa apoia-

se na Análise do Discurso de tradição francesa, privilegiando o conjunto teórico-

metodológico desenvolvido por Dominique Maingueneau (2008a, 2013, 2015). Essa

perspectiva tem como cerne a análise dos enunciados, levando-se em consideração

a materialidade do texto imbricado no contexto sócio-histórico no qual foi proferido.

A fim de viabilizarmos este trabalho conforme o arcabouço teórico já

referido, foram mobilizados os conceitos de mídium e cenas de enunciação – no

caso desta última, subdividida em cena englobante, cena genérica e cenografia.

Como critério para tal escolha, buscamos nos centrar naquelas categorias que, a

partir do corpus delimitado, propiciar-nos-iam depreender sentidos importantes para

responder as questões de pesquisa. Assim, por meio dos conceitos de cenas de

enunciação e de mídium identificamos alguns indícios das mutações sofridas pelo

gênero discursivo palestra e, ainda, foi possível lançar um olhar a respeito do

contexto sócio-histórico contemporâneo e de suas contribuições para tais

transformações.

Daí a importância de, em face das inúmeras possibilidades referentes à

escolha de palestras TED (e, naturalmente, do expressivo volume de informações

disponíveis na atualidade), termos evidenciado anteriormente o corpus desta

investigação ‒ que, da mesma forma como as noções de análise, foi selecionado, de

modo cauteloso, a partir dos objetivos que orientam esta pesquisa. Por essa razão

as transcrições disponíveis no próprio site do TED constituem o texto-arquivo, isto é,

“os materiais inscritos em um suporte. Trata-se de realidades históricas cuja

materialidade depende de recursos tecnológicos disponíveis na época considerada”

(MAINGUENEAU, 2015, p. 40). E, seguindo a orientação teórica proposta, estamos

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levando em consideração:

as propriedades do próprio gênero de discurso, os papéis sócio-discursivos que ele põe em relação (animador, convidado), as diferentes estratégias de legitimação dos locutores, a maneira de cada um ajustar seu posicionamento ideológico às restrições impostas pelo gênero e pela conjuntura na qual eles falam, etc. (MAINGUENEAU, 2015, p. 48)

Portanto, para depreender do corpus os traços que o caracterizam como

um gênero discursivo, detalhamos na sequência conceitos e o que possível

depreender nas análises das palestras TED selecionadas.

3.1 A NOÇÃO DE DISCURSO

É importante distinguir a visão de Aristóteles a respeito do discurso, que

em suma seria a exposição metódica de uma mensagem por meio de um

enunciador, da concepção que se busca discutir nesta pesquisa, baseada na

perspectiva de Maingueneau (2015, p. 9) – na direção de um novo campo de

pesquisa, designado como “estudos do discurso”, surgido na década de 1960 e

fundamentalmente transdisciplinar, permeado pois por diferentes disciplinas das

Ciências Humanas e Sociais.

O campo da Análise do Discurso, assim como a própria noção de discurso,

é instável. Daí a importância de se esclarecer com que sentido se pretende

empregar o termo ao longo da pesquisa.

O autor explica que podemos empregar o sentido da palavra discurso de

dois modos. O primeiro como substantivo não-contável, como nos exemplos, “o

discurso estrutura nossas crenças” ou ainda “isto deriva do discurso”. Já o segundo

modo ele considera como contável referindo-se a situações de fala, por exemplo,

quando falamos “cada discurso é particular” ou “os discursos da publicidade”.

Diante disso, podemos entender que:

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Tal polivalência permite que “discurso” funcione, ao mesmo tempo, como referindo a objetos empíricos (‘há discursos’) e como algo que transcende todo o ato de comunicação particular (‘o homem é submetido ao discurso’). (MAINGUENEAU, 2015, p. 23)

Quando abordamos a noção de discurso pela perspectiva da Linguística,

Maingueneau (2015, p. 24) afirma que ela entra em três oposições principais. A

primeira quando opõe discurso e frase, o que representa investigar um discurso por

meio do modo como ele pode ser interpretado, indo, portanto, além dos sentidos

depreendidos somente das frases que o compõem. A segunda oposição é discurso

e língua, que seria o estudo da linguagem em uso, levando em consideração o

contexto sócio-histórico. E a terceira oposição é entre discurso e texto que em

alguns casos se relaciona, por exemplo, a uma disciplina (discurso de geografia), a

um posicionamento (discurso de esquerda), a uma temática (discurso sobre saúde).

É também possível, dentre da oposição discurso e texto, compreender o discurso

como aquilo que “subjaz” a um texto, ou seja, os argumentos que conduzem a

audiência a se mover rumo ao objetivo proposto pelo locutor.

Quando usamos o termo “texto” Maingueneau (2015, p. 37) situa três eixos

principais que são relevantes para o analista do discurso, cada um por um motivo

diferente. Podemos chamar de texto-estrutura, que é nesse caso entende-se como

uma rede de relações frase a frase (como as narrações ou descrições, por exemplo)

ou outras conexões que assegurem alguma coesão entre as sentenças, como

cruzamentos do significante ou significado, (aliterações ou anáforas,

respectivamente). O texto pode ser encarado também como texto-produto,

apreendido como característica da atividade discursiva, seja oral ou escrita, ligado a

gêneros de discurso: desde os mais básicos, como uma placa de trânsito, até

mesmo os mais complexas, como um romance. E por fim, o uso do “texto”, pode ser

interessante à análise do discurso quando encarado como texto-arquivo, pois essa

noção recobre tanto os textos materiais inscritos em um suporte midiático, o que é

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afetado pela realidade histórica; quanto também aqueles extraídos de modo

independente de um suporte particular, como quando se diz “este texto é de

Sócrates”, pode-se estar designando um objeto específico, mas também a uma obra

como um todo sem levar em conta sua existência materializada.

Para melhor compreender a noção de discurso podemos nos basear nas

ideias-força estabelecidas por Maingueneau (2015, p. 40) a respeito. Uma delas é a

de que o discurso é uma organização além da frase porque mobiliza estruturas de

outra ordem, como por exemplo um provérbio, que segue as regras que regem um

gênero do discurso vigente em um grupo social (como uma consulta médica, placas

de proibições ou uma dissertação de mestrado). Outra ideia-força é que o discurso é

“uma forma de ação sobre o outro”, ou seja, permite instigar, prometer, sugerir e

perguntar – fazendo a Linguística, nessa perspectiva, retomar a tradição retórica,

que sempre valorizou o poder da fala e levou em consideração as atividades não-

verbais.

Uma terceira ideia-força é que se trata de interatividade, ou seja, uma troca

oral, até mesmo em casos como as palestras TED, em que não há diálogos ‒ na

medida em que, mesmo em um texto escrito, pressupõe-se uma interação

constitutiva, pois há sempre a presença do outro. Outra ideia-força, por sua vez,

aponta que o discurso é contextualizado porque, fora dele, “não se pode atribuir um

sentido a um enunciado” (MAINGUENEAU, 2015, p. 26).

Um ponto relevante e que resume bem a ideia-força de que o discurso é

assumido por um sujeito é que:

o discurso só é discurso se estiver relacionado a um sujeito, a um EU, que se coloca ao mesmo tempo como fonte de referências pessoais, temporais, espaciais e indica qual é a atitude que ele adota em relação ao que diz e a seu destinatário (fenômeno de modalização). (MAINGUENEAU, 2015, p. 27).

Outro item importante é que ao falarmos, somos regidos por normas que

balizam as trocas verbais. Por exemplo, se um locutor faz uma pergunta, pressupõe-

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se que ele ignore a resposta e que o interlocutor tenha condições de respondê-lo,

portanto, de acordo com o autor o discurso é regido por normas, como, por exemplo,

as condições de êxito para o gênero, que “são conjuntos de normas que suscitam

expectativas nos sujeitos engajados na atividade verbal” (MAINGUENEAU, 2015, p.

27).

E por fim, a ideia-força é que todo discurso é transpassado por outros sobre

os quais ele se apoia, e por isso, a importância de interpretá-lo levando o

interdiscurso em consideração. Na concepção do autor, o interdiscurso reúne o

conjunto de unidades discursivas que se refere a discursos anteriores do mesmo

gênero ou mesmo discursos atuais de outros gêneros com os quais um discurso

particular entra em relação, seja ela evidente ou subentendida. A partir disso,

podemos englobar uma vasta gama de unidades discursivas, como por exemplo,

dicionários, um panfleto publicitário, um romance, dentre outros. Importante lembrar que os discursos não se constituem de modo

independente dos demais, mas se formam no interior do interdiscurso baseados em

coerções que a formação discursiva impõe e a partir daí estrutura sua identidade

(SOUZA-E-SILVA, 2004, p. 205).

Neste trabalho buscamos evitar tanto a concepção cética ‒ ou seja, desistir

de dar à palavra discurso qualquer sentido consistente ‒ quanto a “terapêutica” ‒

que se contenta com os registros atuais de usos do termo discurso

(MAINGUENEAU, 2015, p. 30). Foram elencadas as ideias-força para que seja

realizado um mínimo recorte da perspectiva com a qual se pretende observar tal

designação nessa pesquisa. O propósito é viabilizar a compreensão do

coenunciador e, de certo, a análise do discurso das apresentações que acontecem

nas palestras TED.

Lembrando que maioria dos “discursivistas” são analistas do discurso que

lançam mão de múltiplos métodos para estudar um corpus e podem ser divididos em

dois grupos: aqueles que consideram a análise do discurso como uma caixa de

ferramentas das ciências humanas e, geralmente, atuam dentro de quadros

específicos da disciplina a que pertencem, como sociologia, psicologia, geografia

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com o intuito de, por exemplo, extrair sentidos de um documento categorizando seu

conteúdo de acordo com data, lugar ou mesmo o gênero de quem os produziu. E os

analistas do discurso que são “canônicos”, ou seja, aqueles que se interessam pelo

modo como em uma certa sociedade se estabelece uma ordem social por meio da

comunicação. Há um foco em entender o equilíbrio entre o funcionamento de um

discurso e ao mesmo tempo, depreender fenômenos de ordem histórica ou mesmo

psicológica. O propósito pode ser trazer à luz questões puramente discursivas, como

definição de gêneros de discurso, ou ainda ter como objetivo responder a questões

sociais de ordem educacional ou política.

Enfim, podemos depreender que o principal interesse na análise do

discurso é relacionar o modo como o texto foi concebido com o contexto que o

tornou possível, portanto, o analista do discurso se atentará as questões

relacionadas:

...as propriedades do gênero do discurso, os papéis sócio-discursivos que ele põe em relação, as diferentes estratégias de legitimação dos locutores, a maneira de cada um ajustar seu posicionamento ideológico às restrições impostas pelo gênero e pela conjuntura na qual eles falam. (MAINGUENEAU, 2015, p. 48)

E sem dúvida, para conduzir com êxito sua tarefa, leva em consideração

as contribuições de outras disciplinas como a retórica, por exemplo, integrando com

base em procedimentos específicos do interesse da análise do discurso.

3.2 CENAS DE ENUNCIAÇÃO

Como a “encenação da fala que a enunciação implica não é a mesma em

todos os gêneros de discurso” (MAINGUENEAU, 2015, p. 118), o autor recorre a

uma metáfora com origem no mundo do teatro quando menciona a noção de cena

de enunciação, pois “seria a própria sociedade um teatro no qual os homens apenas

desempenham papéis” (MAINGUENEAU, 2015, p. 119).

O fato é que, assim como em uma peça de teatro, estamos todos impelidos

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a uma teatralidade da qual é inviável sair, especialmente quando se trata de gêneros

instituídos ‒ aspecto que será abordado na sequência. No entanto, é importante

destacar que a cena de enunciação de um gênero de discurso não é homogênea ‒

mas subdividida em cena englobante, cena genérica e cenografia, todas elas

essenciais para se investigar a formação do gênero discursivo e o modo pelo qual

ele se caracteriza e se manifesta.

3.2.1 CENA ENGLOBANTE

A cena englobante remete ao tipo de discurso por meio do qual a

enunciação interpela o público (por exemplo, o discurso político, o discurso religioso,

o discurso publicitário etc.). Quanto ao termo “tipos de discurso”, Maingueneau

(2015, p. 66) o define como “práticas discursivas ligadas ao mesmo setor de

atividade, agrupamentos de gêneros estabilizados por uma mesma finalidade

social”. Não obstante, o autor aponta a importância de refinar essa definição de

“tipo”, pois um discurso pode pertencer a dois ou mais tipos ao mesmo tempo, por

exemplo o panfleto político, pode representar um discurso político e também a voz

do grupo que está por trás dele ‒, anarquistas, socialistas ou de cidadãos de

extrema-direita.

Na busca por traçar um caminho para pesquisadores, Maingueneau (2015,

p. 67) estabeleceu três tipos de agrupamento de um discurso: a esfera da atividade,

o campo discursivo e o lugar de atividade.

O primeiro é a esfera da atividade, que pode ser exemplificada por um

artigo de jornal – o qual pode ser integrado, ao mesmo tempo, à esfera de imprensa

regional, à imprensa escrita ou, ainda, à esfera midiática. Outro exemplo seria um

romance, que pode derivar da esfera literária e ser, concomitantemente, da literatura

infanto-juvenil. O próprio Maingueneau (2015, p. 67) acredita que a esfera da

atividade é um espaço heterogêneo e desafiador de estabelecer parâmetros, já que

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há sempre um “núcleo”, ou seja, gêneros do discurso que se parecem próximos à

sua finalidade, e outros que se situam na “periferia”, que têm origens variadas, como

os citados acima e o discurso escolar, o qual tem como outros gêneros, ou os

chamados de “periferia”, as reuniões de pais e mestres, os livros didáticos etc.

O segundo modo de agrupamento é o de campo discursivo, que se

relaciona à noção de posicionamento ‒ em outras palavras, a uma ideologia, teoria

ou partido que foca na construção e na conservação de identidades. Daí é

importante ressaltar que a disputa se dá entre discursos que possuem a mesma

função social, mas que diferem sobre o modo pelo qual essa função deve ser

desempenhada. Pode tratar-se do campo filosófico, religioso, político, entre outros, e

inclui como posicionamento tanto o confronto de ideias, concordâncias ou mesmo

posições neutras a respeito da ideia em jogo.

Já o terceiro tipo de agrupamento refere-se ao lugar de atividade, já que a

maioria dos gêneros do discurso que circulam é produzida e consumida em um lugar

institucional, ou seja, está associada a uma rede de gêneros em uso, por exemplo,

em um hospital, rádio ou repartição pública. Podemos dizer que seriam os gêneros

utilizados por pessoas que trabalham em conjunto. Sendo assim, a cena englobante

“corresponde à definição mais usual de ‘tipo de discurso’, que resulta do recorte de

um setor da atividade social” (MAINGUENEAU, 2015, p. 69) caracterizada por uma

rede de gêneros discursivos.

É possível que um texto presente em um novo contexto ‒ diferente daquele

que o originou ‒ dê a ele uma nova cena englobante, ou seja, ele pode, ao mesmo

tempo, ter uma cena midiática e uma cena científica, como acontece em algumas

palestras TED, em que “o apresentador se adéqua às normas impostas pelo estatuto

de ‘homens da ciência’, figura que transcende os múltiplos gêneros do discurso

científico: imparcialidade, clareza...” (MAINGUENEAU, 2015, p. 120), mas, ao

mesmo tempo, tem uma cena midiática que é latente ao modelo de palestra TED.

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Outro exemplo, esse mencionado por Maingueneau (2015, p. 121), de

como o mesmo discurso em um novo contexto pode adquirir uma nova cena

englobante, é o célebre pronunciamento de Martin Luther King, “I have a dream” –

em português, “Eu tenho um sonho”, que deriva da cena política, mas que pode ser

republicado em uma coleção de discursos históricos, em uma apostila para cursos

de oratória ou, ainda, em um manual de filosofia para alunos do ensino médio.

Podemos dizer que o discurso de Dalia Mogahed é do campo discursivo

político/social ou que a palestra de Amy Cuddy pertence ao tipo de discurso

científico; contudo, como é o pesquisador quem define como vai situar a cena

englobante consoante aos seus objetivos, depreendemos que o tipo de discurso

predominante e em comum a todas as palestras TED é o discurso midiático. Em

primeiro lugar, porque, ao mesmo tempo que o TED é um encontro que reúne

pessoas em um determinado evento/lugar ‒ ou seja, que tem um público presencial

que assiste a uma palestra ‒, ele também possui uma outra dimensão midiática,

dado que a palestra se difunde por vários suportes. Há, por exemplo, a presença do

apresentador no palco, a projeção do enunciador no telão ao fundo do palco e outras

telas que exibem a apresentação ao vivo, em diferentes ambientes na cidade. Além

disso, tais palestras são profissionalmente filmadas e, no dia seguinte ao evento,

muitas se transformarão em vídeos que serão compartilhados no site oficial do

evento e se disseminarão por redes sociais como o Facebook, o YouTube, Twitter,

WhatsApp, dentre outros meios. Desse modo, enquanto o apresentador fala para as

pessoas do auditório, ele também se dirige a outros públicos. Sem dúvida, esse é

um modo de pensar o gênero discursivo diferentemente do que antes se pensava

em relação ao gênero palestra, já que as palestras TED que foram publicadas no

site em formato de vídeo são concebidas com o intuito de serem compartilhadas via

internet ou, como os próprios organizadores costumam dizer, “espalhadas”.

Em 2016, na conferência realizada em Vancouver, o evento foi

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amplamente divulgado por diversos meios. Foram vendidas entradas para que as

palestras pudessem ser assistidas em salas de cinema da cidade e foi divulgado um

trailer23 que reúne os melhores momentos dos TED anteriores, para despertar o

interesse do público ‒ o que interfere na formatação do conteúdo e na experiência

das pessoas diante da mensagem transmitida. FIGURA 9: PÁGINA DE DIVULGAÇÃO DO TED AO VIVO EM CINEMAS

FONTE: SITE TED

O cartaz de divulgação foi exposto na internet, na página do TED, e

mostrava os países nos quais as pessoas poderiam assistir ao evento nos cinemas

(Figura 9). Além do Canadá, as palestras também poderiam ser vistas nos EUA, em

alguns países da Europa e também na Austrália. Era possível comprar entradas on-

line para que os interessados pudessem assistir à “lendária conferência”, como eles

se referem ao evento, em uma “big screen”, ou seja, uma tela grande.

Um segundo indício da cena englobante midiática se refere à possibilidade

23 Disponível em: http://www.cineplex.com/Movie/ted-16-dream-opening-night-live-in-cinemas. Acesso em 22 de março de 2016.

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de se assistir ao evento ao vivo, e gratuitamente, em outros espaços. Em 2016, a

conferência passou por mutações e usou novos caminhos para disseminar seu

conteúdo: além de serem exibidas em cinemas do Canadá, as palestras também

foram vistas gratuitamente em espaços públicos da cidade.

Por meio desse fato, é possível verificar a questão da valência genérica

mencionada por Maingueneau (2015, p. 70), que nos ajuda a compreender melhor o

papel do gênero discursivo em uma configuração histórica como essa. No entanto,

optamos por discutir a respeito da repercussão desse conceito em relação às

palestras TED no item 3.3.1.

Diante dos exemplos mencionados, acreditamos que, nas palestras TED, a

cena englobante predominante e pertinente, isto é, o tipo de discurso, é a midiática.

3.2.2. CENA GENÉRICA

Pode-se dizer que a cena englobante é insuficiente para que se

interpretem as atividades discursivas. Por essa razão, também é preciso que o

analista do discurso observe a cena genérica, isto é, o gênero utilizado. Não por

acaso é que, na análise do discurso, atribui-se papel central à categoria de gêneros

discursivos, protagonista ao longo deste projeto de pesquisa, cuja relevância se

encontra na proposta de investigar as características, transformações e retomada do

gênero palestra e, mais particularmente, das palestras TED na contemporaneidade.

Maingueneau (2013, p. 64) afirma que, “na medida em que os gêneros são

instituições de fala sócio-historicamente definidas, sua instabilidade é grande e eles

não se deixam apreender em taxonomias compactas”. E o que torna instigante o

estudo dos gêneros discursivos é justamente essa instabilidade, já que as suas

transformações revelam muito sobre as sociedades em que ocorrem. Desta forma,

para o especialista, assumir essa concepção de análise do discurso é dar um papel

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central a diversas problemáticas, em particular, à do gênero do discurso, que “opera

a articulação entre texto e situação de comunicação” (MAINGUENEAU, 2015, p. 65).

A partir daqui fica evidente a diferença entre a perspectiva de gênero do

discurso proposta por Aristóteles, no capítulo de contextualização, em relação à

visão abordada nessa pesquisa, que se baseia no ponto de vista de Maingueneau

(2015, p. 108), segundo a qual a função dos gêneros do discurso varia de acordo

com a relação entre cena genérica e cenografia. Com base nessa relação, o autor

mostra que é possível distinguir os gêneros em regimes instituídos de modos. O

modo 1 corresponde àqueles estáveis ‒ ou seja, extremamente coercitivos ou

sujeitos a pouca alteração, como, por exemplo, atos jurídicos, boletins de ocorrência

da polícia, documentos de cartórios, entre outros.

Já os gêneros instituídos de modo 2 podem ser chamados também de

rotineiros, pois, apesar de terem parâmetros caracterizadores, não seguem fórmulas

feitas. Um curso em uma universidade, por exemplo, é de fato submetido a

coerções, mas os professores não se limitam a apenas copiar um texto modelo para

replicar em sala de aula, já que é possível se afastar, às vezes, daquilo que é

esperado de uma aula e recorrer a cenografias mais originais (MAINGUENEAU,

2015, p. 108).

Pode-se definir a palestra TED como um gênero do discurso rotineiro

porque, apesar de serem submetidas a coerções mencionadas no Capítulo 2, elas

não se limitam a repetir uma fórmula, mas passam por adaptações da cenografia e

cabe ao analista do discurso depreendê-la, como veremos em mais detalhes na

seção 3.2.3, quando detalhamos a respeito da cenografia. Além disso, fica evidente

o estatuto dos parceiros e a finalidade do gênero. Pressupõe-se que estão todos ali

para assistir à palestra que irá inspirar a audiência, já que boa parte delas é

classificada como “inspiradora”, conforme exposto no capítulo anterior.

Há também os gêneros instituídos de modo 3, em que, geralmente, não há

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uma cenografia de preferência, mas múltiplas cenografias que, de acordo com a

intenção comunicativa, variam. Por exemplo, uma propaganda eleitoral que utiliza

uma cenografia epistolar para conquistar a confiança dos eleitores ao evocar um tom

intimista. Há um político desenvolvendo um discurso estratégico para produzir um

efeito limitado (um voto). Obviamente que, ao escolher a cenografia de carta, o

político afastou-se muito e deliberadamente do que se espera de um programa

eleitoral, mas é justamente o que caracteriza o gênero instituído de modo 3.

O tipo 4 são gêneros em que o próprio autor define uma etiqueta que

indica ao destinatário como se pretende que o texto seja interpretado: dissertação,

tratado, meditação, confissões, entre outros. Presumimos que a etiqueta que ele

escolhe não pode ser substituída, ainda que pareça-nos ser correspondente a outra,

como o caso da etiqueta “enquete” ser trocada por “pesquisa” (MAINGUENEAU,

2015, p. 109). Isso se deve ao fato de que, ao escrever um texto, se o autor associa

uma “etiqueta” de entrevista a ele, caracteriza a realidade comunicativa que a cena

genérica e cenografia impõem, ainda que parcialmente. Isto porque a categoria em

que foi enquadrado se situa dentro do campo discursivo e é associada a uma

memória intertextual. Um exemplo seria categorizar com a etiqueta “confissão”, o

que nos permitiria remeter à existência das Confissões de Rosseau ou ainda

Confissões de Santo Agostinho. As etiquetas definem apenas em parte o que o

público deve depreender do texto, já que “os gêneros de modo 4 não constituem

atividades discursivas bem balizadas no espaço social” (MAINGUENEAU, 2015, p.

128).

Assim, definindo os regimes instituídos para balizar o trabalho de

pesquisadores e com o intuito de evidenciar aspectos importantes relacionados ao

gênero do discurso, Maingueneau (2013, p. 79), utilizou uma metáfora que abrange

três diferentes áreas de conhecimento: jurídico (contrato), teatral (papel) e lúdico

(jogo). Ainda que a analogia não seja perfeita, ajuda a caracterizar questões

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importantes relacionadas ao gênero discursivo. Em relação ao contrato, “significa

afirmar que ele (o gênero discursivo) é fundamentalmente cooperativo e definido por

normas” ‒ ao lermos uma notícia em um jornal, por exemplo, pressupomos que se

trate de um fato verdadeiro, diferentemente do que ocorre quando nos deparamos

com uma crônica, que permite brincar e partir para ficção. Quanto à metáfora com o

papel, ele se refere ao lugar que se assume diante da situação de enunciação ‒ em

uma igreja, por exemplo, o padre/pastor adota o papel de apresentador e autoridade

no assunto e o público (ou fiéis) assume o papel, predominantemente, de ouvinte. Já

a metáfora de teatro remete ao jogo discursivo estabelecido, possibilitando variações

em relação às regras impostas no contrato. Ao se referir ao jogo, o autor observa

que “todo gênero exige daqueles que dele participam que aceitem um certo número

de regras mutualmente conhecidas e as sanções previstas para quem as transgredir

é ficar fora do jogo” (MAINGUENEAU, 2013, p. 80). Com base nessas explicações,

portanto, tais noções de gênero do discurso nos permitiram, ao longo desta

pesquisa, compreender e caracterizar as palestras TED.

O estudo de gênero do discurso toma como essencial a realidade sócio-

histórica. Partindo desse pressuposto, acreditamos que as palestras TED são um

rico material para uma melhor compreensão da contemporaneidade, bem como da

valorização do ato de falar em público, evidenciado pela visibilidade dos vídeos. As

análises dos trechos das palestras são importantes para que o foco se mantenha

naquilo que torna o gênero uma atividade bem-sucedida ou não, a fim de que,

assim, busquemos compreender as palestras TED como um novo gênero discursivo.

Para tanto, julgamos essencial resgatar que o gênero discursivo não é um molde à

disposição do enunciador a fim de adequar o que será falado, mas é definida por

Maingueneau (2013, p. 72) como uma atividade social que segue critérios de êxito.

Por essa razão, a análise do corpus desta pesquisa também passa pela perspectiva

da cena genérica e começa levando em conta justamente, os prescritos dos critérios

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de êxito.

Para evidenciar os pontos analisados, detalhamos a seguir os critérios de

êxito para um gênero discursivo que tem como base central a visão de Maingueneau

(2015, p. 122), que são: uma ou mais finalidades, papéis dos parceiros, um lugar

apropriado para o seu sucesso, um modo de inscrição na temporalidade, uma

composição, um uso específico de recursos linguísticos e um suporte.

À medida que a pesquisa foi se desdobrando, foi possível depreender

pontos como resultados da análise relacionados ao que foi discutido por

Maingueneau (2015, p. 123) em relação aos critérios de êxito, que ao nosso ver

auxiliam na identificação das características da palestra TED.

O primeiro critério de êxito mencionado por Maingueneau (2015, p. 120) é

“uma ou mais finalidades”, ou seja, partimos do pressuposto de que enunciador e

coenunicador são capazes de atribuir um propósito (ou vários) à atividade da qual

participam, para, assim, serem capazes de controlar as próprias estratégias de

produção e interpretação do enunciado. Na visão do analista do discurso francês

podemos resumir tal critério em uma pergunta: “Estamos aqui para dizer e fazer o

quê?”. Trata-se do objetivo central para que ocorra a comunicação e se desperte a

resposta esperada no outro. O objetivo pode ser claro, como, por exemplo, vender

um produto em uma conversa entre o vendedor e o cliente, ou a finalidade pode ser

parte de uma “agenda oculta”, ou seja, ser um objetivo indireto, como iniciar uma

conversa para manter os laços sociais e construir uma rede de relacionamentos. De

todo modo, é importante que ambas as partes tenham consciência do objetivo da

comunicação para que adotem um comportamento adequado ao gênero do discurso

utilizado. No caso de escrever uma dissertação (olhando-se pela perspectiva

genérica), o objetivo seria documentar uma pesquisa a fim de se obter uma

avaliação e o crivo de uma banca a respeito das aptidões do candidato. É como uma

espécie de trato subentendido entre os participantes do “jogo”, isto é, da

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comunicação.

Com o intuito de ajudar a identificar nas palestras TED a finalidade

reconhecida da qual Maingueneau trata, acreditamos ser pertinente agregar mais

uma pergunta na rubrica finalidade: o que o enunciador quer que a audiência pense,

sinta ou faça ao fim da palestra TED? Assim, é possível que o locutor regule seu

discurso em prol desse objetivo. Levando-se em consideração, porém, o critério de

uma ou mais finalidades reconhecidas, e refletindo a respeito das palestras TED

mobilizadas nesta pesquisa, torna-se importante determinar qual é o objetivo comum

a todas elas.

Abaixo, reproduzimos o trecho do propósito das palestras que está

declarado no site TED e evidencia o seu propósito central: “espalhar ideias”, ou seja,

estimular o compartilhamento na internet das palestras TED.

FIGURA 10: DECLARAÇÃO DE PROPÓSITO DAS PALESTRAS TED

FONTE: SITE TED

O título destaca “Nossa missão: disseminar ideias” e, no corpo do texto, os

organizadores apresentam o TED como uma comunidade global aberta a pessoas

com diferentes graus de instrução e culturas, em busca de um entendimento do

mundo. Evidenciam ainda que acreditam veementemente no poder das ideias em

mudar atitudes, vidas e o mundo. No texto, descrevem o site como um centro de

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conhecimento livre, por meio dos mais inspirados pensadores do mundo e uma

comunidade composta por pessoas engajadas de forma on-line ou presencial, por

meio dos eventos do TED. A última linha do excerto declara que o intuito é tornar

ideias acessíveis e fomentar conversas a respeito dos temas abordados.

Um dos pontos que podemos depreender do trecho acima é que o

propósito das palestras TED é estimular o público ‒ tanto aquele ali presente quanto,

posteriormente, aquele que as assiste pela internet, categorizados pelo próprio TED

como “uma comunidade engajada”, portanto, acreditamos que fica evidente nas

palestras compartilhadas nesta pesquisa o fato de as apresentadoras terem feito, na

conclusão, aquilo que os organizadores do TED chamam de call to action, ou seja,

um apelo à ação. Elas convidaram a audiência (tanto a presencial quanto a futura

audiência on-line) a adotar um novo modo de agir, em direção a uma atitude ou a

uma reflexão. Ao utilizar perguntas retóricas e estimular uma mudança de

comportamento em relação ao povo muçulmano, Dalia Mogahed, por exemplo,

provoca a audiência a uma reflexão durante a conclusão:

O que vocês escolheriam? O que escolheriam nessa hora de medo e intolerância? Vocês escolheriam a segurança? Ou se juntariam aos que dizem “nós somos melhores que isso”? (Trecho da palestra de Dalia Mogahed, linhas 695-697)

Já Amy Cuddy evidencia a finalidade reconhecida da palestra TED ao

dizer para o público disseminar a descoberta da ciência para apoiar as pessoas a

serem mais autoconfiantes ao adquirirem o conhecimento que ela compartilha sobre

linguagem corporal e posturas de poder:

Passem adiante. Dividam com as pessoas, porque as pessoas que mais podem usar isso são as que não têm recursos ou tecnologia, nem status ou poder. Mostrem a elas porque elas podem fazer isso sozinhas. Elas precisam do corpo, privacidade e dois minutos, e isso pode mudar o curso de suas vidas. (Trecho da palestra de Amy Cuddy, linhas 536-538)

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E Susan Cain também faz um apelo ao fim do seu discurso alinhado com a

finalidade reconhecida da conferência TED, quando ela diz:

Introvertidos, vocês sendo vocês mesmos, provavelmente têm o impulso de guardar cuidadosamente o que há dentro de sua mala. E está tudo bem. Mas, ocasionalmente, só ocasionalmente, espero que abram sua mala para as outras pessoas verem, porque o mundo precisa de vocês e das coisas que carregam. Desejo-lhes a melhor de todas as jornadas possíveis e a coragem para falar suavemente. (Trecho da palestra de Susan Cain, linhas 249-255)

Percebemos assim que, nos trechos compartilhados, o apelo à ação da

audiência ao dizer “passem adiante”, ou “abram sua mala para as outras pessoas

verem”, evidencia a finalidade reconhecida da conferência, que é estimular a

disseminação de ideias pelo público presencial e on-line. Sendo assim, podemos

dizer que as palestras mais vistas são, consequentemente, classificadas como as

mais inspiradoras justamente por seguirem as orientações das palestras TED,

apesar de cada palestrante exercer isso a seu modo, como por exemplo, fazer o

apelo final, desenvolver um discurso que motive e atenda às expectativas da

audiência. Além disso, é importante destacar que, ao conseguir inspirar e engajar o

público com seu apelo, o apresentador ganhará visibilidade e ainda mais respaldo

em sua área de atuação.

Em relação aos objetivos da audiência, podemos dizer que o propósito do

público que vai pessoalmente ao evento e paga os valores cobrados pode ser

vislumbrar, na finalidade reconhecida da palestra, um momento de ampliar a rede de

contatos ou, ainda, de ser um fomentador para a disseminação de assuntos

relevantes para seus próprios negócios.

E o objetivo da audiência que assiste aos vídeos pela web, por seu turno,

com base no contexto sócio-histórico abordado no capítulo 1, é o de manter-se

informada ‒ de modo rápido e prático ‒ a respeito dos temas em voga e das

novidades em diversas áreas do saber. Assim, caso haja mais interesse, cabe a

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quem assiste às apresentações assincronamente pesquisar mais a respeito e se

aprofundar no assunto por outros meios.

Outro critério de êxito refere-se aos papéis dos parceiros. Por exemplo, em

uma sala de aula há o papel de professor e de aluno, em que cada um tem direitos e

deveres a cumprir no processo de fala, e se espera certo tipo de atitude em meio à

atividade comunicativa. Diante disso, o enunciador e o coenunciador devem assumir

um determinado papel. Pode-se afirmar que, “nos diferentes gêneros do discurso, já

se determina de quem parte e a quem se dirige a fala” (MAINGUENEAU, 2013, p.

73), por isso, identificar quem são os participantes da cena de enunciação possibilita

esclarecer os papéis de cada um e, consequentemente, os direitos, deveres e

habilidades específicas necessárias para se que se posicionem. Por exemplo: se um

guarda para um motorista em uma blitz e solicita os documentos do condutor,

existem certas atitudes verbais e não verbais esperadas e que, se não forem

respeitadas, podem gerar sérias complicações para ambos ‒ em especial, para o

motorista.

Primeiramente, consideramos importante identificar quem é o público das

palestras TED. Podemos dividi-lo em dois: o presencial e aquele que assiste à

apresentação on-line. Para conhecer mais a respeito do público presencial,

acreditamos ser válido analisar como são feitas as inscrições para assistir ao evento.

O participante presencial precisa preencher uma ficha (Figura 11), que é

composta por quatro etapas. A fase 1 contempla informações básicas, como gênero,

data de nascimento, empresa em que trabalha, setor e tipo de trabalho, além de

opções para selecionar o valor correspondente ao tipo de inscrição disponível.

Na tela do site, o título é The future you (que podemos traduzir como “O

futuro é você”) e se relaciona ao tema principal do evento de 2016 (dream, que em

português significa “sonhe”), que aconteceu em Vancouver, no Canadá. Mas o que

mais nos chamou a atenção é que, ao invés de adquirir simplesmente um ingresso

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para assistir ao evento, o participante é convocado a se tornar um membro da

associação de doadores, ou seja, parte de um seleto grupo de pessoas que,

segundo os organizadores, contribuirão em prol de uma causa fomentando a

disseminação de ideias pelo mundo. Assim, existe um valor agregado ao pagar para

assistir ao evento, porque além de contribuir para uma causa, o participante fará

parte de um seleto grupo, o que dá a ele um certo status.

FIGURA 11: PRIMEIRA ETAPA DA INSCRIÇÃO PARA ASSISTIR À CONFERÊNCIA TED

FONTE: SITE TED

No site oficial não há uma descrição do perfil do público presencial, mas é

possível deduzir o perfil geral desta audiência por meio de elementos como o valor

estipulado para participar do evento (para quem quer participar presencialmente de

uma conferência global, por exemplo, que acontece anualmente24) e uma breve

coleta de reportagens25 divulgadas pela mídia brasileira, quando a conferência

24 Disponível em: https://goto.ted.com/TED2017/apply. Acesso em 13 de julho de 2016.

25 Reportagens disponíveis em: http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/10/chris-anderson-muitas-respostas-crise-global-virao-dos-bpaises-do-sulb.html, http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/10/conferencia-ted-global-estreia-no-brasil-com-iniciativas-inovadora.html, http://link.estadao.com.br/noticias/geral,ha-um-renascimento-do-falar-em-publico-como-modo-de-dividir-ideias,10000031082, http://super.abril.com.br/comportamento/por-dentro-do-ted.

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aconteceu no Rio de Janeiro, em 2014.

A partir desses dados, pode-se dizer que o público presencial do TED é

composto por diretores executivos de grandes empresas, celebridades e intelectuais

com condições financeiras de pagar (ou, na visão do TED, investir em) um dos

disputados mil lugares disponíveis para participar do evento presencialmente.

FIGURA 12: SEGUNDA ETAPA DA INSCRIÇÃO PARA ASSISTIR À CONFERÊNCIA TED

FONTE: SITE TED

Na segunda etapa do processo de inscrição (Figura 12), os organizadores

do TED solicitam mais informações a respeito da história do possível novo membro

doador da comunidade TED. Há perguntas sobre a principal ocupação ou, ainda, um

pedido para que a pessoa compartilhe uma memorável história sobre sua vida ou

revele à equipe TED algo que ela deveria saber a respeito da história do possível

participante e ainda não sabe. A terceira etapa (Figura 13) solicita que o participante

insira links relacionados a sua presença na internet, caso tenha um site ou blog, fato

que evidencia o quanto o TED valoriza e leva em consideração no momento da

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inscrição a frequência do público em redes sociais. Além disso, há uma lacuna para

o participante interessado inserir dados de outras pessoas que o conheçam bem

(provavelmente, para os organizadores entrarem em contato, se necessário) e

também um espaço para descrever se ele já tem alguma relação com as

conferências TED. Por fim, a última etapa corresponde ao pagamento do valor

cobrado para que o interessado se inscreva e, por isso, não foi possível inserir a

referida imagem neste trabalho.

FIGURA 13: TERCEIRA ETAPA DA INSCRIÇÃO PARA ASSISTIR À CONFERÊNCIA TED

FONTE: SITE TED

Acreditamos ser pertinente resgatar aqui o conceito de Perelman e

Olbrechts-Tyteca (1996, p. 38) a respeito do auditório de elite, porque podemos

depreender que é esse justamente o papel exercido pelo público presencial do TED:

um grupo dotado de conhecimentos excepcionais que se distingue do homem

comum, porque se caracteriza, por exemplo, por sua situação hierárquica e, nesse

caso, financeira também.

O auditório de elite é considerado o modelo ao qual devem amoldar-se os homens para

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serem dignos desse nome: o auditório de elite cria então a norma para todo mundo. Nesse caso, a elite é a vanguarda a qual todos seguirão e à qual se amoldarão. (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 39)

E, portanto, podemos considerar a audiência presencial do TED como

aquela que valida para os demais os discursos ali proferidos, por ser composta por

um grupo intelectual, economicamente privilegiado e que encarna aqui o auditório

universal para aqueles que reconhecem o papel deles como vanguardistas

mencionado por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 40).

Podemos depreender que o público presencial é de extrema importância

para a instituição TED e o fato de a seleção ser criteriosa e exigir pagamentos

exorbitantes, é estratégico para que seja um público extremamente seleto. Afinal,

deduz-se que as pessoas escolhidas para assistir pessoalmente à palestra com

condições de pagar os valores cobrados, são intelectuais e profissionais bem-

sucedidos com visão crítica e que, de certa forma, validam para a instituição TED os

discursos ali proferidos ao reagirem sorrindo, com palmas, ou ainda, aplaudindo de

pé os palestrantes. Eles são importantes para que, posteriormente, o público on-line

também valide tal discurso, seguindo a opinião do público vanguardista.

FIGURA 14: DETALHE DE CENA DA PLATEIA

FONTE: SITE TED

Na Figura 14, nas cenas finais da palestra de Dalia Mogahed, ela é

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ovacionada de pé pelo público que reagiu com expressões emocionadas e sorrisos,

uma demonstração da aprovação da plateia e do endosso ao seu discurso.

Em relação ao público on-line, acreditamos ser impossível prever o alcance

das palestras TED, já que se trata de um público heterogêneo, caracterizando o

desafio de se comunicar com a audiência universal, conforme descreve Perelman e

Olbrechts-Tyteca (1996). Mas, ao mesmo tempo, as palestras são visualizadas

milhões de vezes na internet após serem publicadas no site do TED, o que nos faz

acreditar que o fato de os assuntos abordados seguirem uma linha do que é

considerado politicamente correto, ou seja, que respeite as crenças e valores de

outras pessoas e evite posturas de radicalismo, favoreçam a adesão do público mais

amplo da internet. Além disso, o crivo dado pela audiência de elite (seleta,

intelectualizada), que está presencialmente assistindo, ajuda a validar o discurso e a

convencer a audiência on-line.

É preciso evitar temas polêmicos, abordados de modo a gerar desconforto

na audiência, e respeitar o senso comum do que é o politicamente correto, como em

assuntos relacionados a gênero, a atitudes preconceituosas ou ao extremismo

religioso. Apesar de políticos já terem subido aos palcos do TED, há uma

preocupação do próprio Chris Anderson (2016) sobre tratar esse tipo de tema nos

palcos do evento, como já aconteceu anteriormente – quando Al Gore, ex-vice-

presidente dos EUA, subiu aos palcos para falar de questões climáticas. Mesmo

com o cunho científico que o apresentador buscou trazer, foi difícil para a audiência

desvinculá-lo do seu histórico político. Assim, o diretor executivo aponta um desafio

maior a se tratar nos palcos: “O prejuízo causado pela nossa impossibilidade de

conversar sobre política ou religião é uma verdadeira tragédia do mundo moderno”

(ANDERSON, 2016, p. 67).

A estratégia do TED é evitar tais temas quando abordados de modo radical

ou desrespeitoso, mas eles continuam presentes em alguns eventos. A orientação é

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abordar por uma perspectiva humana, empática e, principalmente, orientando o

apresentador a se colocar no lugar da audiência à medida que desenvolve o seu

discurso, usando o termo discurso pela perspectiva de Aristóteles, como o que será

dito perante a audiência para engajá-la.

Dentre as orientações ao palestrante do TED, como visto anteriormente,

existe o de levar em conta a heterogeneidade da audiência (presencial e,

principalmente, pela web). Por isso, é tão relevante a recomendação no guia em

relação a evitar termos técnicos. Ela visa facilitar a compreensão da audiência – que

é eclética e cujo perfil é impossível de se prever –, tornando a informação acessível.

FIGURA 15: FORMULÁRIO DE RECOMENDAÇÃO DE PALESTRANTE PARA O TED GLOBAL26.

FONTE: SITE TED

Os apresentadores são escolhidos pela equipe de curadores do evento, mas

eles não têm manifesto ‒ ou não quiseram compartilhar ‒ o critério de seleção dos

apresentadores. No entanto, nos últimos anos houve uma abertura em relação ao

26 Disponível em: http://speaker-nominations.ted.com/. Acesso em: 22 de julho de 2016.

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evento global para que as pessoas indiquem os palestrantes que julgam

interessantes ou enviem o próprio nome como uma opção de apresentador no

evento. Para isso, no site do TED, há um formulário que deve ser preenchido,

conforme mostra a Figura 15.

Além de perguntas básicas como nome e gênero, o pretendente a

palestrante precisa descrever sobre si mesmo ou a respeito da pessoa que indica,

relatar se recebeu alguma condecoração e explicar sobre o tema que pretende

abordar. Há ainda a opção de inserir um link com vídeo ou áudio para expor a

proposta.

As palestras TED são um gênero discursivo rotineiro – portanto, os

participantes (enunciador e coenunciadores) a priori tem papéis estáveis durante o

processo de comunicação. E em relação ao estatuto dos parceiros nas palestras

TED, o comportamento esperado do destinatário é o de que ele esteja disposto a

parar e ouvir a perspectiva do apresentador, que tem a autoridade firmada ora pela

sua formação acadêmica ou pela experiência de vida, que credencia o palestrante

para estar ali abordando o tema, ora pela própria audiência presencial e seleta, que

o aplaude.

Outro critério de êxito importante é em relação a um lugar apropriado para

o seu sucesso (MAINGUENEAU, 2015, p. 122). O lugar se refere àquele no qual se

pressupõe que o gênero vá ocorrer ‒ imagina-se, por exemplo, que uma missa será

celebrada na igreja, mas ela continuará sendo uma missa se for realizada na praça

da cidade. No entanto, vale a pena ressaltar que há aí uma transgressão que pode

dizer muito sobre o propósito da missa, como, por exemplo, se tratasse de uma

manifestação da insatisfação dos fiéis em relação à política local. Deste modo, é

importante ressaltar que a escolha do lugar nunca é aleatória, sobretudo quando se

trata de discurso com carga simbólica.

Acreditamos ser fundamental compreender como é o ambiente em que

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acontece e de que modo ele valida o discurso TED. Independentemente de ser um

evento da conferência principal ou do TEDx (eventos locais), o padrão do cenário

estabelecido é o mesmo, como, por exemplo, o tapete vermelho no centro do palco

onde se posiciona o apresentador, a luz forte direcionada sobre o apresentador, o

fundo preto, a tela grande ao fundo possibilitando a projeção de vídeos ou slides, a

ausência do púlpito e o acrônimo TED em letras vermelhas garrafais, ao fundo do

ambiente.

FIGURA 16: EXEMPLO DO CENÁRIO PADRÃO DOS EVENTOS TED

FONTE: SITE TED

Anderson (2016, p. 44) é curador do evento e afirma que a ambientação é

parte essencial da conferência e que a escolha por não ter um púlpito é estratégica.

Primeiro, porque coloca o apresentador em evidência; segundo, porque lhe confere

um tom informal. O diretor executivo do TED, Chris Anderson, explica que tal

artimanha aproxima o público do apresentador deixando-o em uma situação de

vulnerabilidade ‒ o que é positivo, por forçá-lo a se preparar verdadeiramente para

esse momento e gerar maior empatia com o público.

Podemos dizer que o ambiente onde a enunciação acontece valida o

discurso, pois promove uma “glamourização” para o ato de falar em público e traz

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uma relevante carga simbólica de solenidade. Apesar de Anderson (2016, p. 44)

afirmar que o intuito é gerar um ambiente intimista, pode-se dizer que, após o

participante assistir a alguns TED Talks, ou seja, às palestras que se tornaram

vídeos publicados no site do TED, o efeito é contrário. Acreditamos que há um

distanciamento entre público e audiência, uma aura de respeito a quem está com o

poder da palavra e foi escolhido pelos curadores do evento como autoridade em um

assunto para falar diante de um público seleto, diante de câmeras e, futuramente,

diante de milhões de internautas. Exemplo disso é que, ao fim da palestra de Dalia

Mogahed, ela é interpelada pela mestra de cerimônia, que lhe faz uma pergunta

ainda no palco:

O que você diria àqueles que podem argumentar que você está dando uma palestra TED, você é claramente uma pensadora, trabalha em uma think tank27 sofisticada, você é uma exceção, e não a regra. O que você diria a essas pessoas? (Helen Walters, mestre de cerimônia, linhas 699- 702)

E a resposta de Dalia Mogahed nos mostra o quanto o gênero palestra

TED se tornou uma espécie de crivo de qualidade, que foi desmistificado pela

própria palestrante ao responder a essa pergunta:

Não deixem o palco enganar vocês, sou completamente comum. Eu não sou uma exceção, minha história não é incomum. Eu sou muito comum. Quando você pensa sobre os muçulmanos ao redor do mundo, eu fiz isso, eu fiz o maior estudo já feito sobre muçulmanos ao redor do mundo, as pessoas querem coisas comuns. Querem prosperidade para a sua família, querem empregos e viver em paz. Então, de forma alguma eu sou uma exceção. (Trecho da palestra de Dalia Mogahed, linhas 703 - 707)

Ao mesmo tempo que ela contradiz o crivo que o TED dá à sua palavra e

tenta se mostrar como alguém comum, repetindo isso várias vezes em seu discurso,

27 Grupo de discussão e pesquisa sobre temas sociais, políticos, militares, etc.

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ela também é incoerente na sua própria fala quando destaca que “fez o maior estudo

sobre muçulmanos”. Não seria esse, então, o motivo que a torna uma voz incomum?

Além disso, o cenário também é um modelador do gênero palestra TED, na medida

em que é um padrão seguido por organizadores de TEDx e por outras variações do

evento, o que dissemina a ideia de que essas apresentações seguem padrões TED.

Já em relação ao seu modo de inscrição na temporalidade, ou seja, qual a

frequência, a duração previsível, se haverá continuidade, o quanto a enunciação tem

prazo de validade, quanto tempo o enunciador terá para apresentar e qual o tempo

de duração recomendado, são pontos também relevantes, alguns deles

mencionados por Maingueneau (2015, p. 122).

Pode-se afirmar que as palestras TED global, especificamente, têm uma

periodicidade dupla: a primeira é anual, na qual acontecem as apresentações

presenciais; e a segunda é impossível definir, já que os vídeos ficam disponíveis na

internet para que cada pessoa os veja quando quiser e quantas vezes preferir. A

duração é previsível, pois se espera que cada palestra tenha até 18 minutos. Os

cientistas que têm estudado o poder de concentração do ser humano chegaram ao

resultado de que a faixa de tempo de concentração dura entre 10 e 18 minutos

(ANDERSON, 2016, p. 29). Decerto, há controvérsias a respeito, da mesma forma

como há quem questione a superficialidade de um discurso de 18 minutos.

Entretanto, podemos dizer que tudo depende do propósito do apresentador e claro,

do contexto sócio-histórico em que a enunciação está inserida. Churchill, por

exemplo, conclamou os ingleses para serem fortes diante do avanço das tropas

nazistas em 10 de maio de 1940 e, em seu discurso inicial de primeiro-ministro,

proferiu em apenas 5 minutos e 11 segundos a famosa frase: “Não tenho nada a

oferecer, se não sangue, trabalho árduo, suor e lágrimas”. Outro exemplo é o de

Martin Luther King, que, em 17 minutos, motivou o mundo na luta contra o racismo e

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marcou a história com o seu discurso “I have a dream”28. Ambos os discursos

mostram que, apesar da curta fala, o importante é alcançar a finalidade reconhecida.

Obviamente, ao mencionar esses dois exemplos, é importante lembrar que ambos

estão imersos em um contexto sócio-histórico que interfere na interpretação da fala

do enunciador e no efeito do discurso na audiência. As palestras TED, do mesmo

modo, estão inseridas em um contexto sócio-histórico fértil e que molda a

mensagem dos apresentadores de cada palestra – partindo-se do pressuposto de

que o público busca informação rápida e confiável a respeito dos assuntos em voga

no mundo – o que permite tal reverberação e circulação dos temas abordados nas

palestras.

Nesse sentido, acreditamos que, de certa forma, as palestras TED podem

ser consideradas um fast food da informação, no sentido em que representam uma

informação rápida possível de ser acessada de modo “padronizado”29 em diversos

lugares do mundo. Quando passamos em um drive thru30 e pedimos um Big Mac,

seja nos EUA ou no Brasil, temos a certeza de que o sanduíche será sempre

preparado nos mesmos moldes, obviamente, passando por adequações inerentes

atuação de cada pessoa em sua atividade de trabalho, mas mantendo sua essência,

assim como as palestras TED.

Em relação à continuidade, quando nos referimos à apresentação

presencial do TED, ela precisa ser feita de uma só vez, sem interrupções. O fato de

ser ao vivo traz ainda mais respeito ao apresentador, que está em uma situação de

28 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-QT1IogxcZo. Acesso em: 22 de março de 2016.

29 Sem entrarmos aqui em qualquer juízo de valor sobre esse conteúdo ser de qualidade (nutritivo) ou não, até porque, ainda que a opção do cliente ao ir a uma lanchonete fast food seja comer uma salada, ele continuará sendo alvo de críticas por ter optado por se alimentar no lugar.

30 Opção oferecida pelas redes de restaurante fast food em que o cliente entra com o veículo no local, solicita a refeição e a recebe sem precisar sair do veículo.

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vulnerabilidade. A continuidade é também valorizada perante o público que assistirá

à apresentação futuramente pela internet, pois passa a percepção de que tudo foi

gravado de modo espontâneo e realista. Contudo, quando ela se torna um vídeo

disponível no site do TED, é possível vê-la, revê-la, parar no meio da apresentação,

acelerá-la em algumas partes, ou seja, é viável realizar um número ilimitado de

interrupções e interferências.

Ainda referente aos requisitos que compõem o critério de êxito tempo e

lugar legítimos, é importante mencionar a questão da validade presumida, que, no

caso das palestras analisadas neste trabalho, tendem a ser (na medida do possível)

atemporais. Diferentemente de um jornal que, no dia seguinte, torna-se material para

reciclagem, as palestras TED tendem a se manter com validade por longa data.

Em relação ao quesito da composição, podemos dizer que existe uma

consciência mais ou menos clara do modo de encadeamento das ideias. No

Capítulo 1 foi feita em detalhe a descrição proveniente do site do TED a respeito da

preparação do oradores. Tais recomendações estabelecem uma organização textual

esperada: uma introdução que desperte a atenção da audiência; uma mensagem

central clara, nos minutos iniciais da apresentação; ao longo dessa apresentação,

ter argumentos que possam endossar a ideia que se pretende compartilhar; usar

dados e fontes de pesquisa de credibilidade, que endossem o discurso do

apresentador, ou, ainda, a recomendação do uso de metáforas como forma de

deixar o discurso mais didático; e, por fim, uma conclusão que reforce a mensagem

central e, principalmente, faça o que eles chamam de call to action, ou seja, que

instigue a audiência a sentir, fazer ou pensar a respeito do que o palestrante

apresentou.

Apesar de a organização recomendar que o palestrante tenha o roteiro em

mente, ela também o alerta acerca da importância da espontaneidade; logo, o intuito

é o de que o apresentador soe natural perante a audiência. O que no guia está

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nomeado como roteiro da palestra, pode ser exemplificado com uma estratégia

adotada no decorrer da apresentação de Susan Cain. A orientação se concentra na

importância de, na hora de expor a ideia, não se ater somente à história ou a uma

lista de fatos, mas trazer argumentos baseados em observações, pesquisas e

experiências que avalizem a ideia que se pretende defender. E Susan atende ao

modelo de organização textual esperado para uma palestra TED, ao lançar mão de

argumentos endossados no meio acadêmico:

Quase todos nós trabalhamos em escritórios abertos, sem paredes, onde somos sujeitos ao barulho e aos olhares constantes de nossos colegas. E, quando se trata de liderança, os introvertidos, geralmente, são desconsiderados para posições de liderança, ainda que costumem ser muito atentos, bem menos passíveis de correr riscos mal calculados, o que é algo que, hoje, talvez todos valorizemos. Uma pesquisa interessante feita por Adam Grant na Wharton School descobriu que líderes introvertidos costumam ter melhores resultados que os extrovertidos, porque, quando gerenciam empregados proativos, são mais passíveis de deixá-los seguirem suas próprias ideias, enquanto um extrovertido pode, involuntariamente, ficar tão empolgado com tudo que suas ideias acabam prevalecendo, e as ideias dos outros podem não vir à tona tão facilmente. (Trecho da palestra Susan Cain, linhas 77-89)

Em outros casos, Susan lança mão de figuras reconhecidas por todos:

De fato, alguns líderes transformadores da história eram introvertidos. Darei alguns exemplos. Eleanor Roosevelt, Rosa Parks, Gandhi ‒ todas essas pessoas descreviam-se como quietas, de voz suave e até tímidas. E todas foram o centro das atenções, apesar de todos os seus instintos dizerem o contrário. E isso resulta em um poder próprio e especial, porque as pessoas podiam sentir que esses líderes estavam no comando... (Trecho da palestra Susan Cain, linhas 89-94)

Os prescritos também instigam o palestrante a avaliar se o que irá expor é

realmente interessante e o provoca a pensar como a sua ideia se aplica, a princípio,

a uma audiência presencial eclética. Mas se trata de algo ainda mais desafiador: é

preciso pensar em como obter a adesão de um público tão amplo como o da

internet. E Susan busca se adequar ao prescrito ao mencionar no seu discurso:

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De um terço das pessoas à metade é introvertida. Isso é uma em cada duas ou três pessoas que conhecemos. Então, mesmo que vocês sejam extrovertidos, estou falando de seus colegas de trabalho, seus cônjuges e seus filhos e da pessoa sentada a seu lado agora ‒ todas sujeitas a esse preconceito que é bem arraigado e real em nossa sociedade. Todos nós interiorizamos isso desde pequenos sem ao menos termos uma linguagem para o que fazemos. (Trecho da palestra Susan Cain, linhas 44-50)

Daí a importância que se dá à etapa de ensaio do apresentador e às

sugestões de treino previstas em cronograma no guia do palestrante TED, para que

todo o planejamento do discurso não limite o palestrante, de modo a torná-lo

artificial. Aliás, um traço marcante das palestras TED é o fato de serem gravadas ao

vivo, ou seja, pressupõe-se que a única edição seja a do diretor de imagem durante

o momento da palestra, se restringindo às mudanças das câmeras no ângulo que

retratam do apresentador.

Outro ponto importante é que todo gênero do discurso implica que os

participantes dominem determinado tipo de linguagem. Afinal, para cada atividade

de comunicação é preciso adequar o discurso, seja ele institucional, repleto de

termos técnicos e de siglas corporativas, ou uma conversa familiar descontraída no

jantar. A transgressão das normas pode dizer muito sobre o locutor, como a

possibilidade de que ele não as domine ou de que ele as tenha ignorado com algum

propósito ‒ o que é também significativo e deve ser levado em conta, devido ao

efeito que causará na comunicação. Há um repertório específico ao longo das

apresentações, com um viés mais voltado para o mundo corporativo, que fica

evidente no uso dos exemplos para ilustrar por exemplo a abertura da palestra de

Amy Cuddy, que relaciona o tema central da palestra à perspectiva do mundo do

trabalho. A pesquisa que ela compartilha aborda como o candidato pode, por

exemplo, se sentir mais confiante perante um entrevistador em um processo seletivo

para emprego ao alterar seu comportamento não-verbal, e logo na sequência ela

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corrige e substitui o termo por linguagem corporal, explicando que comportamento

não-verbal é como os cientistas sociais a denominam. Houve uma busca por

adaptar-se à realidade do público e usar uma linguagem coloquial e simples para

tornar democrático o acesso à informação.

Já na palestra de Susan Cain, a abordagem também traz um viés

corporativo ao usar exemplos dos novos modos de dinâmica de trabalho nas

empresas, que estimula atividades em equipe em detrimento da atuação individual.

Ela poderia abordar o assunto por outra perspectiva que não fosse por meio do

universo do trabalho. No entanto, apesar de iniciar com histórias pessoais, o faz

apenas para gerar empatia com o público para, na sequência, partir para uma

abordagem voltada para o setor corporativo. Até mesmo na hora de exemplificar, ela

prioriza relacionar com o ambiente de trabalho, como podemos ver no excerto

abaixo:

De um terço à metade da população é introvertida. Então, mesmo que vocês sejam extrovertidos, estou falando de seus colegas de trabalho, seus cônjuges, filhos e a pessoa sentada ao seu lado agora, todas sujeitas a esse preconceito. (Trecho da palestra de Susan Cain, linhas 44 a 51)

Outro exemplo:

Quase todos trabalhos em ambientes de trabalho abertos, sem paredes, onde estamos sujeitos ao barulho e olhares constantes dos nossos colegas. E quando se trata de liderança, os introvertidos geralmente são desconsiderados para posições de liderança. (Trecho da palestra de Susan Cain, linhas 77-81)

Susan Cain também compartilha dados de pesquisa do livro que escreveu

por sete anos, mas busca também utilizar uma linguagem coloquial e exemplos

próximos à realidade de trabalho da audiência presencial, que vimos ser um

auditório de elite a quem o discurso do orador se direciona com o intuito de engajar.

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E, nas orientações disponíveis no site, há um alerta sobre o cuidado que

os palestrantes precisam ter com termos técnicos e jargões que podem não fazer

sentido para parte do público. Há uma preocupação em “traduzir” a ciência ao

público que está distante da academia, focado na carreira corporativa.

O critério de êxito mais marcante que molda as apresentações do TED, de

fato, é o suporte material, pois ele impõe claramente as coerções sobre o conteúdo

e a forma como a mensagem é exposta por parte de cada palestrante. Maingueneau

(2013, p. 82) afirma que “foi sobretudo com a chegada dos mídiuns audiovisuais e o

desenvolvimento da informática que tomamos consciência desse papel crucial do

mídium”. Para responder a esse tipo de preocupação podemos esclarecer alguns

pontos ainda obscuros, como a forma de transporte, o modo como o suporte molda

a enunciação, os outros recursos usados no momento de enunciação para viabilizá-

la, informações sobre filmagem, tais como adaptações para telas pequenas e telões

de cinema, uso do microfone, etc. Esses tópicos serão tratados a seguir, no subitem

em que pretendemos nos aprofundar a respeito dos efeitos causados pelo mídium

na formatação das palestras TED.

Após destrinchar os critérios de êxito de um gênero discursivo e relacioná-

los ao corpus, podemos retomar aqui a pergunta de pesquisa: estamos diante de

uma ressignificação em torno do gênero palestra, tal como o conhecemos? Se sim,

que traços o caracterizam? Podemos afirmar que a cena genérica do corpus

selecionado pode ser descrita como palestra TED, já que ela possui características

específicas quando nos detemos nos critérios de êxito e exemplificamos com o

corpus da pesquisa.

3.2.3 CENOGRAFIA E CENA VALIDADA

É importante destacar que “as normas constitutivas da cena genérica

também não são suficientes para dar conta da singularidade de uma enunciação, já

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que enunciar é construir sobre essa base uma encenação singular: a cenografia”

(MAINGUENEAU, 2015, p. 60).

A cenografia só se desenvolve plenamente se o enunciador for capaz de

controlar o seu desenvolvimento. Ela tem como papel organizar o lugar de onde o

apresentador pretende falar. Em resumo, a cenografia é “ao mesmo tempo a fonte

do discurso e aquilo que ele engendra” (MAINGUENEAU, p. 98, 2013), e ela pode

se apoiar em cenas validadas, que são evocações de memórias do senso comum

que resgatam sentidos convenientes ao que se quer transmitir no discurso. Por essa

razão, a cenografia é uma noção importante para viabilizar a análise do corpus desta

pesquisa, a fim de que possamos depreender o que ele nos mostra a respeito das

palestras no contexto sócio-histórico atual. Lembrando que:

Uma cenografia só se desenvolve plenamente se o locutor puder controlar seu desenvolvimento. Nesse sentido, as cenografias mais destacadas e as mais estáveis são as enunciações monologais, nas quais o locutor pode dominar o conjunto do processo. (MAINGUENEAU, 2015, p. 123)

Esse é o caso das palestras TED e, para exemplificar, podemos destacar a

palestra de Susan Cain, na qual há uma cenografia que faz referência específica a

uma cena considerada relevante e validada. A cenografia foi denominada como

“casos de família”, resgatando momentos da própria história da palestrante, e

favorece à medida que mostra a bagagem construída por ela ao longo da vida –

relacionando-a, inclusive, com o objeto que carrega para o palco ‒ uma bolsa

grande (Figura 17) que a apresentadora põe de modo discreto em cima da mesa ao

centro do palco.

Ao descrever relatos de cenas familiares, recorre-se à cenografia para

conseguir adesão o que legitima o discurso diante do público. Deste modo, ainda na

introdução da apresentação, ela desperta o interesse da audiência, o que leva as

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pessoas à adesão e à incorporação ao que ela diz logo nos primeiros 45 segundos

da palestra, seguindo o modelo de composição do discurso orientado nos descritivos

do site oficial (dirigido ao palestrante TED) – e também no livro lançado

recentemente pelo presidente do TED, Chris Anderson (“Guia do palestrante TED

para falar em público”), no qual o autor sugere iniciar a apresentação despertando a

atenção da audiência:

Quando eu tinha nove anos fui para um acampamento de férias pela primeira vez. E minha mãe encheu minha mala de livros, o que me pareceu a coisa mais natural do mundo, porque, na minha família, ler era nossa principal atividade em grupo. E isso pode soar antissocial para vocês, mas para nós era apenas um jeito diferente de ser sociável. Você tem o calor da sua família sentada bem a seu lado, mas você também é livre para perambular pela terra das aventuras em sua própria mente. Eu tinha essa ideia de que o acampamento seria assim, só que melhor. Imaginava dez meninas numa cabana, sentadas confortavelmente, de pijamas combinando, lendo livros. (Trecho da palestra de Susan Cain, linhas 1-9)

FIGURA 17: SUSAN CAIN COM BOLSA MENCIONADA DURANTE PALESTRA TED

FONTE: SITE TED

Além disso, podemos identificar no discurso uma cena validada já instalada

na memória coletiva de uma comunidade ‒ que é o da família que se reúne para ler

junto ou ainda dos pais/avós que tem o hábito de ler para os seus filhos/netos. É

essa experiência que ela reforça no meio da apresentação, no excerto abaixo:

O meu avô era um rabino e era um viúvo que vivia sozinho num pequeno apartamento no

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Brooklyn, que era o meu lugar favorito quando era criança, em parte porque estava imbuído da sua presença gentil e cortês e, em parte, porque estava cheio de livros. Literalmente, todas as mesas, todas as cadeiras nesse apartamento tinham cedido à sua função original para agora servirem de base a equilibrarem pilhas de livros. Tal como o resto da família, a atividade favorita do meu avô no mundo inteiro era ler. (Trecho da palestra de Susan Cain, linhas 191-197)

Ao ler o trecho do discurso da apresentadora, é possível enxergar a

perspectiva de Maingueneau (2013, p. 97) quando ele diz que: “quanto mais o

coenunciador avança no texto, mais ele deve se persuadir de que é aquela

cenografia, e nenhuma outra, que corresponde ao mundo configurado pelo

discurso”. E, de fato, a cenografia depreendida traz sustentação para a fala e gera

empatia com a audiência ao lançar mão da cena validada do avô viúvo solitário em

meio aos livros.

Na conclusão da palestra, Susan Cain dá dicas, sendo que, na última, ela

valoriza a bolsa que usou no início do seu discurso quando contou o caso de família

(sua história sobre a mala repleta de livros para ir ao acampamento com as

colegas). Ela reforça a mensagem central que pretendia deixar na mente da

audiência e convoca todos a uma mudança de comportamento, conforme o excerto

abaixo:

Deem uma boa olhada no que há em sua própria mala e no motivo daquilo estar lá. Extrovertidos, talvez sua mala também esteja cheia de livros. Ou cheia de copos de champanhe ou equipamento de paraquedismo. Seja o que for, espero que mostrem essas coisas sempre que possam e nos agraciem com sua energia e alegria. Mas, introvertidos, vocês sendo vocês mesmos, provavelmente têm o impulso de guardar cuidadosamente o que há dentro de sua mala. E está tudo bem, mas ocasionalmente, só ocasionalmente, espero que abram sua mala para as outras pessoas verem, porque o mundo precisa de vocês e das coisas que carregam. Número três: Desejo-lhes a melhor de todas as jornadas possíveis e coragem para falar suavemente. Muito obrigada. (Trecho da palestra de Susan Cain, linhas 244-255)

A bolsa é resgatada no discurso como uma metáfora que evoca a

bagagem que cada um de nós carrega ao longo da vida, e a palestrante propõe que

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cada um respeite o seu próprio modo de ser – introvertido ou extrovertido – e não se

sinta obrigado a mudar por uma exigência da sociedade; no entanto, ela faz um

apelo para que todos compartilhem os seus conhecimentos, ou seja, a sua bagagem

adquirida ao longo da vida, pois isso pode proporcionar ganhos para todos.

A utilização da metáfora também é um recurso retórico pertinente, por

facilitar a compreensão da audiência e remeter à bagagem que todos nós

adquirimos ao longo da vida por meio de nossas experiências pessoais. Por meio

desse excerto, também é possível identificar a topografia do discurso. A proposta da

palestra demonstra que, na sociedade atual, há um lugar para a valorização em

torno de quem é extrovertido, como se essa habilidade de se expressar de modo

expansivo estivesse diretamente relacionada ao sucesso.

Já na palestra de Amy Cuddy, a cenografia, a princípio, não pareceu tão

evidente, apesar de nos primeiros segundos da sua apresentação, ela despertar o

interesse da audiência com uma abordagem forte por três razões: primeiro, porque

promete que irá compartilhar algo que mudará a vida das pessoas; em segundo

lugar, porque será algo gratuito (ao menos para quem, posteriormente, assistir à

apresentação pela internet); e, por fim, porque pressupõe, simplesmente, que tudo o

que as pessoas precisam fazer é conscientizarem-se de sua própria postura ‒ a

linguagem corporal.

Outra estratégia da apresentadora é usar perguntas no início da

apresentação, obviamente, não com a intenção de que o público lhe responda com

palavras, mas só o fato de fazê-lo pensar a respeito do que ela fala já é uma

maneira de envolvê-lo na apresentação e o despertar para o que Amy pretende

expor:

Eu gostaria de começar oferecendo uma forma gratuita de melhorar a vida, e tudo que precisamos é que vocês mudem suas posturas por dois minutos. Mas, antes de contar, eu quero pedir a vocês agora mesmo que façam uma pequena auditoria de seus corpos e o que estão fazendo com eles. Quantos de vocês estão meio que se encolhendo? Talvez corcundas, cruzando as pernas, talvez cruzando os tornozelos. Às vezes, nós nos

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seguramos em nossos braços assim. Às vezes, nos abrimos. (Risos) Estou te vendo. (Risos) Quero que vocês prestem atenção no que estão fazendo agora. Voltaremos a isso em alguns minutos, e espero que, se aprenderem a se ajustar um pouquinho, isso mude a maneira como sua vida se desenrola. (Trecho da palestra de Amy Cuddy, linhas 256-265)

A partir daí, o discurso de Amy Cuddy passa a ser dotado de argumentos

para sustentar a apresentação. Primeiramente, ela se utiliza de pesquisas na área a

fim de, posteriormente, expor a sua própria pesquisa a respeito das relações de

poder e a linguagem não-verbal.

Nalini Ambady, uma pesquisadora da Universidade de Tufts, mostra que, quando as pessoas assistem a clipes mudos de 30 segundos de interações reais entre médico e paciente, seu julgamento da gentileza do médico prevê se ele será ou não processado. Não tem tanto a ver se o médico foi incompetente, mas nós gostamos daquela pessoa e como eles interagiram? Ainda mais dramático, Alex Todorov, em Princeton, nos mostrou que o julgamento do rosto dos candidatos em apenas um segundo prevê 70% do Senado americano e a decisão da corrida governamental. E até vamos ao mundo digital: emoticons bem usados em negociações on-line podem levar você a atribuir mais valor àquela negociação. Se você usar de maneira inadequada, má ideia. Certo? Então, quando pensamos sobre os não verbais, pensamos em como julgamos os outros, como eles nos julgam e as consequências, porém, tendemos a esquecer o outro público que é influenciado pelo não verbal que somos nós. (Trecho da palestra de Amy Cuddy, linhas 287-298)

Amy Cuddy procura seguir a recomendação de usar evidências empíricas,

bem como de dedicar a maior parte da apresentação a divulgar informações novas e

relevantes. Ela utiliza constatações de diversos pesquisadores que estudaram o

mesmo tema para, logo na sequência, endossar a sua pesquisa.

Além disso, Amy também lança mão do uso de telas com imagens que

apoiem o seu discurso, para ajudá-la a exemplificar e defender a sua perspectiva

diante do público, levando em consideração a orientação do guia do apresentador

TED de que a apresentação em PowerPoint é útil a partir do momento em que se

torna um aliado do apresentador, e não um sabotador que rouba a cena e distrai a

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audiência. É preciso olhar, a propósito, para a importância das produções semióticas

em que “imagem e fala são indissociáveis”, e que “as apresentações em PowerPoint

se tornaram um elemento essencial para a comunicação no interior das instituições

e, especialmente, no mundo científico” (MAINGUENEAU, 2015, p. 160).

Na cenografia científica da palestra de Amy Cuddy, recorre-se a exemplos

empíricos para ilustrar o argumento, que, consequentemente, avalizam a própria

enunciação ‒ daí a importância de evidenciarmos as imagens dessa apresentação

ao longo desta pesquisa.

As orientações compartilhadas pelo TED recomendam evitar o excesso de

texto e tópicos, mas orientam o uso de imagens ou infográficos que revelem uma

informação por tela. Desta forma, ficam evidentes os pontos que se deseja

evidenciar perante a audiência.

Os exemplos abaixo (Figura 18) foram mencionados pela palestrante para

ilustrar como as poses de poder estão presentes também em animais irracionais, de

modo a evidenciar que é algo executado pelo corpo muitas vezes de modo intuitivo.

FIGURA 18: EXEMPLOS DE SLIDES DE ANIMAIS NA PALESTRA DE AMY CUDDY

FONTE: SITE TED

Na sequência, ela usa imagens de pessoas para mostrar exemplos de

poses de orgulho e poder (Figura 19).

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FIGURA 19: EXEMPLOS DE SLIDES DE PESSOAS NA PALESTRA DE AMY CUDDY

FONTE: SITE TED

Essa expressão, que é conhecida como orgulho, Jessica Tracy estudou. Ela mostra que pessoas que nascem com visão e pessoas que são cegas desde o nascimento fazem isso quando ganham uma competição física. Então, quando cruzam a linha de chegada e ganharam, não importa se nunca viram ninguém fazer isso. Elas fazem isso. Os braços para cima em V, o queixo levemente levantado. O que fazemos quando nos sentimos enfraquecidos? Fazemos exatamente o oposto, nos fechamos, nos dobramos, nos fazemos menores. (Trecho da palestra de Amy Cuddy, linhas 315- 322)

FIGURA 20: EXEMPLOS DE SLIDES DE POSES LIGADAS A PODER NA PALESTRA DE AMY CUDDY

FONTE: SITE TED

A pergunta que ela se propõe a responder ao longo da palestra é: o nosso

corpo muda a nossa mente? Amy Cuddy, então, expõe as constatações da sua

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pesquisa que relacionam poses de poder e os hormônios testosterona e cortisol

(Figura 21).

FIGURA 21: TELAS QUE RETRATAM OSCILAÇÃO DOS HORMÔNIOS CORTISOL E

TESTOSTERONA.

FONTE: SITE TED

Percebe-se que o discurso de Amy Cuddy é legitimado por uma cenografia

científica e didática, já que traduz para o público leigo suas descobertas como

pesquisadora, por exemplo, usando metáforas que simplificam conceitos, como a da

Mulher-Maravilha.

FIGURA 22: TELA DE ENCERRAMENTO DA PALESTRA DE AMY CUDDY

FONTE: SITE TED

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Amy Cuddy traz um tom de divulgação científica em sua palestra similar ao

que é feito nas reportagens na revista Superinteressante, conforme analisado pela

pesquisadora Fossey (2006), que caracterizou também a partir da perspectiva da

análise do discurso francófona dois modos diferentes de divulgar ciência: de um lado

a revista Fapesp, dirigida a um público familiarizado com abordagens de cunho

científico e, de outro, a revista Superinteressante, direcionada a um público em sua

maioria jovem e leigo. A pesquisadora identificou o uso de um vocabulário informal e

analogias simplificadoras na Superinteressante, como por exemplo, em que a

criação de um planeta seria como fazer um bolo, tornando o fazer científico algo

simplista, interessante, vibrante e deixando “de lado as polêmicas, os fracassos, as

disputas e tudo o que há de menos empolgante no fazer científico – os métodos, os

financiamentos, as publicações” (FOSSEY, 2006, p. 110).

O intuito, ao simplificar, é tornar o conteúdo sedutor e palatável para a

audiência, de modo que a informação esteja mais fácil de ser assimilada pelo

público. É parecido com o que acontece na palestra de Amy Cuddy, quando ela

menciona o exemplo da Mulher-Maravilha, que se torna um marco da sua fala e,

inclusive, é a imagem projetada na tela quando a apresentadora encerra a palestra

(Figura 22).

Podemos dizer que a conferência TED assemelha-se a um congresso

científico e os palestrantes se posicionam, nesse caso, como divulgadores fazendo

um papel de ponte entre o universo científico e o público leigo. E, ao atuar como

“tradutora”, o discurso técnico da cientista é substituído por uma linguagem simples

e acessível a um público amplo. Tais traços também foram identificados em

reportagens da revista Superinteressante. Nelas, o veículo considerou que

“explicações muito complexas e prolongadas eram vistas, em geral, como uma coisa

chata e desinteressante” (FOSSEY, 2006, p. 128). Em relação às palestras TED,

não acreditamos que as pesquisas tenham sido reduzidas a tanto, mas podemos

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assegurar que há uma busca por alguns palestrantes em ultrapassar os muros do

meio acadêmico, para levar a pesquisa ao público geral de modo didático.

Há uma preocupação de que, ao fim da apresentação, os palestrantes

atendam às orientações do TED no sentido de fazer com que a ideia impacte a

audiência. No entanto, é essencial destacar que, ao exercer uma atividade, um ser

humano nunca é totalmente fiel as normas pré-estabelecidas. É natural que cada

pessoa, devido a experiências adquiridas anteriormente, às próprias limitações

físicas ou emocionais, às condições do meio em que atua, e até mesmo aos valores

pessoais, façam adequações nas orientações compartilhadas no site TED ao

elaborarem suas palestras. Mas, ainda assim, o guia do palestrante TED se faz útil

por evidenciar um direcionamento aos participantes e possibilitar que eles se

balizem em suas palestras por meio dele.

Amy Cuddy tenta seguir as orientações do TED, e um exemplo disso é o

fato de compartilhar uma história pessoal para gerar empatia e, na sequência, fazer

o apelo para tentar provocar a mudança que deseja instigar na audiência, ou seja,

aderir à questão da comunicação não-verbal. A escolha da cenografia científica,

ainda que inconsciente, foi assertiva, uma vez que o discurso se desenvolveu a

partir dela com o objetivo de garantir a adesão dos sujeitos envolvidos.

Em alguns casos, são utilizadas cenas validadas – situações que fazem

parte do imaginário de um determinado grupo – para legitimar o quadro de

enunciação, o que pode ser depreendido na palestra de Dalia Mogahed, em que a

apresentadora inicia seu discurso com perguntas retóricas, ou seja,

questionamentos que não têm como propósito obter respostas da audiência, mas

sim instigar as pessoas da plateia a refletirem a respeito do assunto em pauta. O

intuito de Dalia era que o público pensasse sobre a visão que possuem a respeito de

um muçulmano:

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O que você pensa quando olha para mim? Uma mulher de fé? Uma especialista? Talvez até uma freira, ou é oprimida, sofreu lavagem cerebral, uma terrorista. Ou apenas um atraso na fila de segurança do aeroporto. Isso até é verdade. (Trecho da palestra de Dalia Mogahed, linhas 540-543)

Logo no início da palestra, o discurso de Dalia é legitimado gerando

reflexão e, talvez, certo desconforto na audiência, ao propor várias perguntas que

invocam a imagem que cada um ali faz sobre muçulmanos. O próprio modo como

ela se veste, com o véu cobrindo a sua cabeça e roupas longas, iniciam a

construção da cenografia que irá sustentá-la em seu discurso e também legitimá-lo.

Ao questionar as pessoas sobre o que pensam quando veem alguém como ela a se

utilizar das percepções que cada um tem a respeito dos muçulmanos – e em sua

maioria, que cada um tem com base em informações divulgadas na mídia mundial,

ela inicia uma quebra de paradigmas.

Ainda em seu primeiro minuto de fala, Dalia faz questão de enfatizar o

tempo inteiro o quanto é uma pessoa comum como todos que estão ali sentados

assistindo à sua palestra. Por fim, ela se apresenta da forma como quer ser

percebida: uma mulher com uma rotina simples, que ama café e se considera

espiritualizada:

Bem, para aqueles de vocês que nunca conheceram um muçulmano, é um prazer conhecê-los. Deixem que eu diga quem sou. Sou mãe, amante de café, expresso duplo, creme separado. Sou introvertida. Sou fanática por querer entrar em forma. E sou muçulmana espiritual praticante. Mas não como diz a Lady Gaga, porque, amor, eu não nasci assim. Foi uma escolha. (Trecho da palestra de Dalia Mogahed, linhas 548-553 )

A palestrante busca desmistificar a imagem negativa atribuída aos

muçulmanos e mostrar uma outra faceta. Para isso, usa uma cenografia com forte

apelo emocional e conotação negativa atribuída aos adeptos da religião ‒ ou seja, a

forte ligação que se faz com o terrorismo. Ela usa o próprio “veneno” do qual se

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origina o preconceito a respeito dos muçulmanos para preparar o “antídoto” e tentar

incutir na audiência uma nova percepção.

Dalia começa narrando uma parte de sua rotina, e podemos identificar uma

contundente cena validada que remete ao dia a dia do cidadão comum que acorda

de manhã e toma café na cozinha de sua casa assistindo ao noticiário matinal, mas

naquele dia ‒ 11 de setembro de 2001 ‒ ela se deparou com uma catástrofe que

assolou os Estados Unidos e, particularmente, a cidade de Nova York. É invocada

assim, a memória sofrida do atentado terrorista do 11 de setembro, que deixou a

marca do medo na humanidade e uma profunda cicatriz na imagem dos bilhões de

muçulmanos:

Eu estava sentada na minha cozinha, terminando o café da manhã, olhei para o vídeo e vi as palavras ‘Notícia Urgente’. Tinha fumaça, aviões voando em direção aos prédios, pessoas pulando dos prédios. O que era aquilo? Um acidente? Uma pane? Meu choque logo virou indignação. Quem faria isso? Trocava de canal e ouvia: ‘...terroristas muçulmanos...’, ‘... em nome do Islã...’, ‘... descendentes do Oriente Médio...’, ...'jihad'..., ‘...devíamos bombardear Meca...’. Meu Deus!

Não só meu país tinha sido atacado, mas, em um instante, as ações de outra pessoa me transformaram de cidadã em suspeita (Trecho da palestra de Dalia Mogahed, linhas 573 - 581)

O ato de recorrer a tal cenografia evidencia como a situação impactou

também a vida cotidiana dela, ao mostrar tais notícias pela perspectiva de bilhões de

muçulmanos que não têm absolutamente nada a ver com a guerra do terror, mas

são tachados como parte desse movimento.

A cenografia ao mesmo tempo legitima e engendra o discurso de Dalia,

sendo um convite para as pessoas pensarem acerca do simulacro que construíram a

respeito do povo muçulmano. E, ao articular o fato histórico e a forma como isso

impactou a sua vida pessoal, ela gera empatia com a audiência, que é inclinada a se

colocar no lugar dela. Assim, no momento da enunciação, a apresentadora passa a

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simbolizar o povo muçulmano, que não tem qualquer ligação com o terrorismo, mas

passou a ser rotulado dessa maneira.

3.3 MÍDIUM E DISCURSO

Este item também poderia ser discutido anteriormente, quando abordamos

os critérios de êxito e a importância de se levar em consideração o suporte material.

No entanto, optamos por abordá-lo isoladamente visando evidenciar a importância

do mídium na análise do corpus, pois “é necessário reservar um lugar importante ao

modo de manifestação material dos discursos, ao seu suporte, bem como ao seu

modo de difusão” (MAINGUENEAU, 2013, p. 81). Desta forma é que se pode dizer

que o mídium vai além do meio de transmissão do discurso, dado que interfere

diretamente no conteúdo e no modo como esse conteúdo será compartilhado.

A relevância na escolha dessa categoria se deve a dois fatores,

particularmente: o primeiro diz respeito à sua pertinência em relação ao corpus,

composto por palestras reverberadas por meio de diferentes suportes; o segundo se

justifica pelo próprio objetivo deste estudo quanto a investigar o surgimento de um

novo gênero discursivo, sabendo-se, para tanto, o mídium é capaz de modificar o

conjunto de um gênero de discurso. Para Maingueneau (2013, p. 82), o “modo de

transporte e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto,

modela o gênero do discurso”. Cientes disso, a questão é: no atual contexto sócio-

histórico, o que torna o terreno fértil para que as palestras TED em formato de vídeo

circulem e ganhem tanta visibilidade? Afinal, essa modalidade revela algo a respeito

da sociedade atual. As transformações da sociedade contemporânea, como a

globalização e a terceirização do trabalho, também são acompanhadas pela

tecnologização do discurso, que Maingueneau (2015, p. 39) afirma ser uma

necessidade do mundo corporativo e de outros setores (saúde, política, educação)

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para aumentarem a eficiência no controle e na análise dos enunciados proferidos.

Maingueneau (2015, p. 39) faz menção à “materialidade do texto que se tornou

plural” em meio a tantas mídias:

Hoje, um pronunciamento político pode se manifestar ao mesmo tempo por uma forma impressa, por um enunciado em um site da web, por uma gravação em áudio veiculada por uma rádio, por um vídeo em um site de compartilhamento, por um DVD... Sem falar das versões em número indeterminado que foram realizadas por câmeras ou gravadores desse ou daquele espectador ou ouvinte. (MAINGUENEAU, 2015, p. 165 )

As palestras TED analisadas ao longo desta pesquisa se propagam em

formato de vídeo e, ao mobilizarmos o mídium, a pretensão era apreender até que

ponto o mídium interferiu na circulação desse gênero. Além disso, sabemos que as

mutações ideológicas e as inovações tecnológicas são capazes de alterar o

discurso. Desta forma, optamos pelo mídium para analisar as palestras porque ele

nos ajuda a extrair do corpus importantes conclusões, relacionadas ao contexto

sócio-histórico e ao discurso oral que circula por meio do gênero palestra.

Diante do gênero que nos propusemos a analisar, é importante mencionar

que a distinção entre oral e escrito é uma noção midiológica antiga e relevante,

enraizada na cultura. Maingueneau (2013, p. 85) a classifica em planos distintos: o

dos enunciados orais (transmitidos por meio de ondas sonoras) e o dos gráficos

(texto escrito), que podem ser estáveis ou instáveis. Antigamente, via-se o discurso

oral sempre como instável, mas isso é relativo, já que depende do gênero em que o

discurso se constitui. Uma música, por exemplo, é cristalizada facilmente e, apesar

de oral, é estável e pode ser repetida inúmeras vezes.

O analista do discurso menciona ainda os enunciados dependentes do

ambiente (aqueles marcados por elipses e pela linguagem não-verbal) e os

enunciados independentes (aqueles livres da situação de enunciação, que exigem

um pré-conhecimento da audiência a fim de que os sentidos sejam compreendidos).

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Observa-se que hoje em dia existem modos variados de oralidade, como,

por exemplo, as conversas via Skype ou Hangout31 ‒ que possibilitam contato visual

imediato entre enunciador e coenunciador ‒, as conferências e debates. Além disso,

há que se levar em consideração também o caráter móvel ‒ como no caso de

pessoas que falam ao celular e se locomovem simultaneamente ‒ e as inúmeras

possibilidades de arquivamento do discurso oral em pen drives, CDs e arquivos na

“nuvem”.

O que fica evidente é que há um crescimento na comunicação que

mobiliza, ao mesmo tempo, diversos canais, ou seja, que é multimodal por natureza

porque ativa ao mesmo tempo o fluxo sonoro e a linguagem corporal relacionada a

ele. Além disso, também podemos ver em apresentações “uma produção semiótica

em que imagem e fala são indissociáveis” (MAINGUENEAU, 2015, p. 160).

Conforme pudemos observar, o suporte midiático molda a enunciação à

medida que se torna um pressuposto a ser levado em consideração na hora de

construir a lógica do discurso ‒ fazer uma reportagem para ser exibida na televisão

é, por exemplo, diferente de fazer uma outra que será veiculada na rádio local. No

caso das palestras TED, há uma cautela por parte dos palestrantes na escolha das

informações, pois se impõe ao apresentador uma responsabilidade ainda maior a

respeito do que ele irá falar, com o risco de comprometer a própria imagem

definitivamente. Nessa situação, assim como em muitas vezes, a palavra deixou de

ser efêmera. Nos últimos tempos, passamos a ser mais cautelosos, já que estamos

vulneráveis o tempo todo, cercados por celulares com câmeras e gravadores

conectados à internet e ao alcance de um clique (exemplo disso são os áudios

31 O Skype e o Hangout são recursos da Microsoft e do Google, respectivamente, que possibilitam que os usuários façam chamadas de vídeo e áudio, compartilhem arquivos e enviem mensagens digitadas via bate-papo.

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recentes vazados32 no cenário político nacional, confrontando ministros, empresários

e questionando juristas).

O cuidado ao falar é maior quando se trata do registro de uma palestra que

é filmada profissionalmente. De fato, o apresentador tem a sua fala formalmente

cristalizada; ela pode ser vista e revista e, mais do que isso, no caso do TED,

pressupõe-se que ela será publicada na internet, um “oceano profundo e amplo”,

impossível de controlar quem por ele “navegará”.

Sendo assim, ao longo do processo de elaboração da palestra TED, o

apresentador precisará não apenas se lembrar de que a sua fala será concebida

para ser registrada, mas que ela reverberará por inúmeras mídias ao ser

compartilhada, comentada e traduzida – transpondo, inclusive, a barreira da língua.

A palestra TED difere de uma palestra comum, ministrada, por exemplo,

em um evento corporativo no qual o gestor contrata um palestrante com objetivos

pré-definidos, seja ele o de motivar, alertar e/ou ensinar algo à sua equipe. Um

ponto importante é que, na maioria dos eventos corporativos, espera-se

confidencialidade de ambas as partes: por parte da empresa em relação às

informações internas e estratégicas compartilhadas com o palestrante, assim como,

por parte do palestrante, também se espera sigilo em relação ao seu conteúdo, que

será exposto somente para o grupo de participantes do evento, pois, na maioria das

vezes, não é do interesse dele que o seu material seja disponibilizado e

compartilhado na web ‒ afinal, trata-se do seu conteúdo para atuar nas empresas.

Este é, justamente, o oposto da ideia das palestras TED publicadas no site,

que são moldadas e nascem para ser compartilhadas pela internet. Acreditamos que

o maior propósito em ter palestras curtas é para que elas sejam espalhadas com

32 Em meio ao atual e turbulento cenário político e às investigações da Operação Lava Jato conduzidas pela Polícia Federal brasileira foram “vazados” alguns áudios de conversas entre políticos supostamente envolvidos em esquemas corruptos.

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mais facilidade pela internet ‒ chamado de spreading content33.

As mudanças no contexto sócio-histórico atual nos mostram que vivemos

em uma sociedade multimodal, ou seja, que mobiliza ao mesmo tempo diversos

canais. As palestras podem ser vistas ao vivo, nas redes sociais, no YouTube, no

Netflix, em cinemas, no site oficial do TED, dentre outros. Maingueneau (2015, p.

160) afirma que “a multimodalidade se infiltra no conjunto das manifestações da fala.

Acontece uma reunião de qualquer envergadura. Ela impõe um script”.

O aparato midiático se tornou quase onipresente na vida da sociedade

contemporânea e devolveu o poder à palavra na medida em que a cristaliza. Se há

falsidade no que é dito, corre-se o risco de isso ser confrontado com o registro do

discurso; por essa razão, os curadores do TED reforçam no guia do palestrante,

disponível no site, a importância e o cuidado com as informações compartilhadas no

evento, pois elas serão registradas e repercutirão de forma imprevisível.

3.3.1 AS FACES DA HIDRA

A multimodalidade é frequentemente acompanhada pela multiplicação das

fontes ‒ o que na prática, por exemplo, equivale a assistir presencialmente a uma

apresentação, participar dela via internet e/ou até mesmo ter acesso à versão dessa

apresentação projetada em um telão, com cortes que evidenciam determinadas

cenas e que são feitos ao vivo pelo diretor de imagem.

Maingueneau enfatiza que há a necessidade de considerar, na análise do

gênero discursivo, as noções de valência interna e externa. A valência interna é

entendida como “o conjunto dos modos de existência comunicacional de um texto

que, de fato, variam de acordo com o momento histórico”. (MAINGUENEAU, 2015,

p. 71). Como exemplo, o autor cita um sermão do século XVII que, a priori, era

33 Estratégia de marketing para escolher o melhor formato e mídia para divulgar conteúdo relevante para a audiência, atrair atenção do público-alvo para gerar retorno.

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pronunciado por cerca de uma hora. Não obstante, os fiéis recebiam uma versão

impressa do sermão para acompanhar a sua apresentação oral. Atualmente, o

sermão pode ser transmitido ao vivo e exibido também em canais pela internet.

É importante, no entanto, identificar o núcleo e os avatares que reverberam

a mensagem. O conceito de valência fica mais tangível quando associado à figura

mitológica da Hidra34, um monstro com diversas cabeças, uma delas, a principal,

situada no centro, que era a principal ‒ tanto que Hércules só conseguiu derrotá-lo

após atingir a cabeça central. Logo, transportando a comparação para o sermão, o

núcleo da valência genérica interna seria a apresentação oral destinada ao público

presente, ao passo que as cópias corresponderiam aos seus avatares, que se

distinguem em três: os prescritos, os previsíveis e os indesejados (MAINGUENEAU,

2015, p. 72). Para esclarecer, detendo-nos ainda no exemplo do sermão, os

avatares prescritos são, por exemplo, o vídeo gravado oficialmente durante o

sermão; os previsíveis podem ser as cópias oficiais em DVD vendidas ao fim da

missa com o sermão do dia; os indesejados são as gravações ou cópias produzidas

sem a autorização do locutor. As tecnologias viabilizam ofertar ao mesmo tempo

“diferentes versões do mesmo evento de fala” (MAINGUENEAU, 2015, p. 72). Por

exemplo, o público vê o cantor no palco ao vivo, mas ele o vê também em grandes

telões, como se fosse um espectador.

A segunda perspectiva de análise da valência genérica é a externa, que

pode ser definida como “as redes de gêneros de discurso de que faz parte um

gênero em uma mesma esfera ou lugar de atividade” (MAINGUENEAU, 2015, p. 73).

Exemplo disso é uma apresentação oral de resultados em uma empresa da qual, ao

fim da reunião, espera-se receber um material impresso com o detalhamento dos

números que foram compartilhados. Nesse sentido, é importante perceber que há

34 Maingueneau mencionou a metáfora da Hidra no 5o Colóquio da Aled de Análise do Discurso, realizado na Universidade Federal de São Carlos em 2014.

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uma sequencialidade dos gêneros que não ocorre por acaso. É o que o autor chama

de “irradiação de um gênero de discurso”, ou seja, a sua capacidade de instigar que

se fale do enunciado em outros gêneros. É como um filme que circula como uma

crítica de jornal, sinopse ou trailer de divulgação. Ou ainda como acontece nas

igrejas evangélicas, em que após o culto presencial ministrado pelo pastor, o sermão

além de ser publicado na internet por meio das redes sociais, em algumas igrejas, é

também transformado em livros de bolso a fim de que a mensagem possa se tornar

acessível ao maior número possível de pessoas.

Refletindo a respeito do nosso corpus de pesquisa, poderíamos dizer que

existe uma primeira relação com a metáfora proposta por Maingueneau: onde a

cabeça central da “Hidra” ‒ ou seja, o núcleo ‒ é a palestra que acontece ao vivo no

palco do evento TED com a audiência presencial, e os avatares são todas as cópias

que circulam. Um avatar prescrito são os vídeos disponibilizados no site do TED, ou

ainda as transmissões que ocorrem simultaneamente em outros ambientes por meio

do telão e são captadas pelas câmeras dos cinegrafistas, como ilustrado na Figura

23, em que, simultaneamente, a palestra ao vivo é vista tanto no palco quanto por

outras pessoas que assistem a um telão projetado no mesmo ambiente. Já os

avatares previsíveis que são os vídeos publicados no Netflix, compartilhados no

YouTube ou em outras redes sociais. E os avatares indesejados: quais seriam?

Podem ser consideradas como indesejadas as gravações feitas pelo público por

meio do celular, pois elas podem comprometer o modelo de qualidade pré-definido

pelo TED ou, ainda, as exibições feitas em eventos exigindo pagamento ‒ o que

infringe a regra do TED, de acordo com o exposto no próprio site.

Em Vancouver, assistimos ao evento da biblioteca pública da cidade e

decidimos fotografar o ambiente organizado pelo TED no auditório disponível com o

intuito de publicar as fotos nesta pesquisa. O objetivo era mostrar as pessoas

atentas às palestras e a dinâmica do evento, mas logo fomos censurados pelo

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organizador da biblioteca, que pediu que não fotografássemos nem filmássemos as

palestras, mesmo elas sendo exibidas no telão remotamente. Naquele momento,

nós mesmos estávamos criando um avatar interno indesejado para a palestra TED e

tivemos de exclui-lo do celular.

FIGURA 23: EXEMPLO DO CONCEITO DE AVATAR NO EVENTO TED

FONTE: SITE TED

Entre os exemplos de avatar externo nas palestras TED – outros gêneros

que circulam na sequencialidade e estão relacionados às palestras –, podemos citar

o trailer exibido nos cinemas para divulgação do evento, o livro publicado pelo diretor

executivo do TED, Chris Anderson, em que ele compartilha como criar palestras nos

moldes do TED, e reportagens que foram publicadas na mídia local a respeito do

evento. Tudo isso mostra o poder que o gênero palestra TED tem para que se falem

dele em outros gêneros, além de fomentar conversas a respeito dele em meio à

sociedade.

A metáfora da Hidra parecia se adequar perfeitamente também a realidade

da palestra TED. Todavia, ao refletir a fundo a respeito da questão sobre qual é a

cabeça central, ou seja, qual seria o núcleo das palestras TED, nos deparamos com

duas possibilidades: tal núcleo residiria na palestra presencial ou no vídeo publicado

no site?

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Acreditamos que a palestra TED exija um tensionamento da metáfora da

Hidra, na medida em que tanto a palestra presencial quanto o vídeo posteriormente

publicado se retroalimentam e têm, cada um, sua devida importância na formação e

propagação do gênero palestra TED.

Primeiramente, em relação à palestra presencial, é importante relembrar

que a conferência TED foi criada em 1984 por Richard Saul Wurman sem a intenção

de ser repetida e, somente seis anos mais tarde, foi reinventada como um evento de

quatro dias para que, mediante pagamento de 475 dólares, as pessoas pudessem

assistir às palestras sobre temas variados. Na época, cerca de 800 pessoas

assistiam às palestras anualmente, número irrisório se comparado aos bilhões de

visualizações atuais.

Somente em 2001, o diretor executivo atual, Chris Anderson, passou a ser

o responsável pela conferência. Tinha o desafio de mantê-la viva, mesmo sem a

presença de Wurman, conhecido por sua personalidade carismática para manter a

conferência ativa. Anderson (2016, p. 22) conseguiu dar continuidade ao evento,

mas de acordo com o site oficial35, somente em 27 de junho de 2006 foram postadas

as seis primeiras palestras TED na internet. Portanto, podemos concluir que sempre

houve interesse por palestras nos moldes TED, mas que somente com o advento da

publicação na internet a palestra ganhou a amplitude e os traços atuais. É também

importante enfatizar que, ainda hoje, nem todas as palestras são publicadas no site,

como por exemplo as dos eventos TEDx. Podemos afirmar que seja porque não se

enquadrem nas orientações do site oficial descritos ao longo da pesquisa.

A palestra como a conhecemos hoje é fruto do contexto sócio-histórico

atual marcado pelo advento da internet, da popularidade das redes sociais e da

cultura do compartilhamento. A possibilidade de deixar de compartilhar na internet

35 Disponível em: http://www.ted.com/about/our-organization/history-of-ted/ten-years-of-ted-talks Acesso em 24 de agosto de 2016.

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as palestras TED, de fato, afetaria a sua construção devido também à mudança de

mídium, um dos critérios de êxito que interferem diretamente no gênero discursivo.

Assim, ousamos dizer que a palestra TED como a conhecemos, provavelmente,

deixaria de ser arquitetada e reverberada como é hoje. Podemos afirmar ainda que

ela poderia perder força novamente com o passar dos anos, como aconteceu no

passado, porque tornar-se-ia dependente da popularidade do curador para

conquistar o público. Logo, fica evidente o quão central é o ato de compartilhar, ou

seja, viralizar as palestras por meio da internet e obviamente, a importância de tal

fato para o surgimento do gênero palestra TED como o conhecemos.

Em contrapartida, não podemos desconsiderar a importância das palestras

presenciais, porque se deixassem de ser apresentadas como acontece hoje não

haveria o que reverberar na internet em relação ao TED. Ao mesmo tempo que a

palestra presencial sobrevive (em parte ou temporariamente) sem ser viralizada, a

palestra TED que se transforma em vídeo e vai para o site deixaria de existir se não

houvesse a filmagem espontânea e ao vivo da apresentação presencial.

Sendo assim, podemos dizer que a palestra presencial e o vídeo que é

publicado no site oficial se retroalimentam e são ambos centrais quando pensamos

na palestra TED no mundo contemporâneo, já que as duas são fundamentais na

constituição do gênero palestra TED.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise baseada na noção de cena de enunciação, aí compreendidas a

cena englobante, a cena genérica e a cenografia, e na de mídium do discurso

(MAINGUENEAU, 2015) possibilitou a depreensão de sentidos importantes para

responder às questões desta pesquisa: que fatores, no contexto atual, marcado pelo

uso da tecnologia, motivaram a disseminação das palestras TED? Tais palestras são

indícios de que estamos diante de uma reconfiguração do gênero palestra, tal como

o conhecemos? Se sim, que traços o caracterizam?

Pode-se dizer que há uma revalorização da palavra, devido não só aos

novos meios de comunicação, à internet e à disseminação da cultura do

compartilhamento nas redes sociais, mas também ao anseio das pessoas por

aprendizado rápido e aplicável a seu cotidiano. As apresentações ao vivo,

conduzidas por oradores perante o público, vêm ganhando espaço. Além de

viabilizadores e polarizadores, os meios de suporte, explicitados ao longo desta

pesquisa, se tornaram os guardiões da palavra oralizada, que se cristaliza e

reverbera de modo praticamente incontrolável por meio da internet.

As apresentações em público sempre existiram, mas diversos fatores na

atualidade tornam o terreno fértil para a reverberação das palestras TED, que

seguem critérios de êxito específicos que nos fazem considerá-las, portanto, um

novo gênero discursivo.

Quando falamos de um lugar e momento legítimos vamos além das

coerções externas, mas de algo constitutivo do gênero do discurso palestra TED

referente ao próprio cenário do evento, que comporta uma certa reverência ao ato

de falar em público e resgata o valor um dia dado aos apresentadores do passado,

como, por exemplo, na antiga Grécia. Naquela época, a retórica era estudada no

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Liceu, ensinada nas cidades pelos sofistas aos homens ricos e usada pelos

cidadãos na defesa de seus interesses na pólis, tal como no resgate de suas terras

tomadas pelos tiranos.

Ainda que em um diferente contexto sócio-histórico, houve um momento

em que a arte retórica foi “jogada” ao espaço ordinário, sendo depois recuperada de

modo extraordinário para modificar, por exemplo, a vida do cidadão que vivia na

cidade e tinha necessidade de defender os seus direitos, fazendo com que

propostas pudessem ser aprovadas por toda uma comunidade por meio do exercício

da palavra. E, com base nas análises explicitadas ao longo deste trabalho, pudemos

verificar que esse movimento de valorização da palavra também ocorreu na

contemporaneidade, agora, motivado por outros fatores.

Nos dias de hoje, a palavra em um ambiente como o do TED ganha

legitimidade. É como uma espécie de reduto onde é possível, em poucos minutos,

“empoderar” o apresentador digno de proferir as suas ideias e ser ouvido

generosamente pela audiência. A palavra falada foi resgatada e colocada em um

lugar de “glamour” nos eventos TED: no centro do tapete vermelho onde o

apresentador pode ser ouvido por todos e ter o crédito da confiança.

Podemos dizer também que é uma palestra concebida com uma finalidade

reconhecida: ser compartilhada pela internet, seja por meio do site oficial ou redes

sociais. Além disso, a análise permite depreender que o TED é uma construção

midiática em que a moral, o lúdico, o ensino, a ciência e o conhecimento são

transformados e moldados pelo mídium, a partir da qual a palavra renasce com nova

vestimenta. Está havendo mesmo uma espetacularização do ato de falar em público

e um rito é seguido pelos apresentadores até chegarem ao momento mais esperado,

que não é o de receber as palmas do público presencial, mas conquistar milhões de

cliques pelo mundo, ou seja, uma outra forma de aplauso. Esse é o fruto da

“glamourização” das palestras TED.

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Outro indício dessa valorização no contexto atual que culmina na

“glamourização” do ato de falar em público é que o TED retoma uma mística de

ritualização da palavra na escolha dos apresentadores, tal como sucedia até mesmo

na sociedade primitiva em que, normalmente, quem tomava a palavra era alguém

que se diferenciava pela sabedoria: o xamã, o guru, o sacerdote, o terapeuta, o líder

religioso, aquele que assumia o papel de autoridade a respeito do que precisava ser

dito. E, no contexto atual, profissionais que se expressam com clareza, concisão e

confiança são dotados de uma habilidade valorizada no mundo do trabalho que os

diferencia na busca de desenvolvimento profissional.

Acreditamos também que o TED formaliza e endossa essa autoridade do

apresentador, ao possibilitar que um palestrante exponha as suas ideias por 18

minutos e estabeleça um “contrato” com a audiência, que presume que o

apresentador seja alguém especial.

A valorização da palavra também se dá pelo valor cobrado da audiência que

assiste ao TED pessoalmente. E, se hoje em dia já temos pipoca gourmet36,

brigadeiro gourmet, por que não a “gourmetização” da palavra? Pode-se dizer que

vivemos em uma sociedade marcada pelo consumo exacerbado, no qual o gratuito,

ousamos dizer, não tem valor. Se qualquer pessoa pudesse entrar de graça nos

eventos TED Global e, posteriormente, as palestras fossem disseminadas pelo site

do TED, acreditamos que não haveria apresentadores de tanto renome na linha de

frente, nem um público presencial tão seleto (de elite), tampouco um público geral

tão interessado em ouvir os diferentes apresentadores. Por isso, como outro indício

da valorização em torno da palavra, vislumbramos os preços cobrados dos

interessados em participar da conferência TED que se relaciona estreitamente com

36 A tendência gourmet é um movimento atual que consiste em adicionar aos alimentos ingredientes de melhor qualidade, um preparo mais requintado ou mesmo um serviço de atendimento diferenciado, com o intuito de agregar valor ao que é oferecido. Exemplo: picolé virou paleta de frutas, brigadeiro de festa passou a ser produzido com ingredientes como chocolate suíço, amargo ou Nutella, e comida de rua começou a ser servida em food trucks.

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a mentalidade de consumo das pessoas da época atual (segundo a qual “o que é

caro é bom e tem valor”). Nesse cenário é que, além das orientações do Guia do

palestrante TED, percebe-se que o preço também molda o gênero discursivo

palestra TED, pois impõe (mais uma vez ousamos dizer) pressão sobre o

apresentador, que se encontra diante da responsabilidade de expor algo que

realmente interesse à audiência e de modo excelente, prezando pela qualidade do

que será reverberado no futuro por meio do site. Afinal, em troca, o TED também

proporciona visibilidade aos apresentadores; palestrantes que atingem 10 mil

pessoas em um ano de trabalho conseguem alcançar esse mesmo número em

apenas um dia. Isso vale para a popularidade e a projeção da imagem do

apresentador, propiciando um excelente retorno financeiro a médio prazo.

Outra característica que molda o gênero palestra TED é a possibilidade de o

apresentador ser visto por milhões de pessoas; por isso, passa a ser mais cauteloso

com o que dirá para a audiência que pretende atingir. Exige-se um controle

emocional do apresentador para que seja capaz de fazer minimamente um “recorte”,

ainda que apenas mental, da audiência de elite, para que consiga ser relevante e

adequar seus argumentos. O apresentador se vê compelido a seguir as prescrições:

na escolha das fontes de pesquisa utilizadas para defender suas ideias, evitar usar

datas que “congelem” a palestra no tempo e a deixem ultrapassada, já que ela ficará

disponível no site por prazo indeterminado, evitar uso de jargões, ser didático sem

ser banal ou desinteressante, evitar temas polêmicos, começar despertando o

interesse e encerrar engajando a audiência a fazer, sentir ou pensar a respeito de

algo. Portanto, acreditamos que o TED pode ser visto como fruto da

contemporaneidade, na qual o indivíduo precisa se atualizar rapidamente a respeito

dos temas mais relevantes que circulam em diferentes áreas do saber e se sentir

motivado a mudar os seus comportamentos para alcançar seus propósitos.

Podemos dizer que a palestra TED é uma tentativa do público de saciar a

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sede por conhecimento, em meio a uma era de excesso de informação duvidosa,

tempo escasso e, em muitos casos, acúmulo de tarefas. Consideramos que o

grande número de visualizações dos vídeos se deve à busca por saber e inspiração

por parte da audiência, para se encorajar diante dos desafios do dia a dia ao ouvir

sobre temas em voga e procurar alguma aplicabilidade à sua própria vida. E o

formato que os palestrantes são orientados a seguir favorece a disseminação desse

conteúdo e facilita a sua compreensão, além de servir de referência para a audiência

se espelhar quando um dia precisar fazer uma apresentação.

Palestras existem inúmeras, mas com base nas características descritas

acima acreditamos que a palestra TED seja fruto da sociedade contemporânea,

marcada pela necessidade de compartilhamento de fotos, vídeos, selfies, textos,

sentimentos, emoticons, notícias, memes37, piadas, declarações de amor ‒ tudo feito

via inúmeras plataformas, como tablets, laptops, smartphones etc. Tais dispositivos

criaram um terreno fértil para que as palestras TED se transformassem no que são

hoje. As apresentações foram passando por mutações ao longo dos anos e

adquiriram um formato pertinente para serem compartilhadas de modo fácil, por

meio de títulos atrativos que ajudam a evidenciar o tema em voga nas redes sociais.

Por fim, diante de tal cenário, é possível observar outros desdobramentos

no contexto atual relacionando conjuntos textuais e conjunturas históricas

(MAINGUENEAU, 2008a), relação esta que possibilita entender como e por quê um

certo discurso se torna predominante em um determinado momento histórico. Assim

como se assume que há um amplo espectro a ser avaliado ao articular a relação

entre discurso e história – no caso dessa pesquisa, gêneros discursivos e contexto

sócio-histórico –, acreditamos que o mesmo cenário propício para o surgimento das

palestras TED também tem ocasionado novas práticas discursivas, como os cafés

37 Meme vem do grego e significa imitação. O termo relacionado à internet representa imagem, frase ou vídeo que foi viralizado devido ao humor e ganhou visibilidade nas redes sociais.

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filosóficos ou os novos modelos de congressos científicos, como o World Science

Festival38, um evento que começou em Nova York e dura uma semana em média

divulgando conteúdo científico por meio de apresentações, teatro, música, salas de

debates e espaços interativos. Geralmente, o World Science Festival transpõe os

muros das universidades e acontece em espaços ao ar livre, museus ou casas de

espetáculos. As palestras também são divulgadas, posteriormente, pela internet, em

canal próprio que o evento possui no Youtube, para engajar pessoas e divulgar o

conteúdo e apontam para um formato em voga na atualidade, com estrutura similar

às palestras TED.

Entre as novas práticas discursivas podemos citar, no Brasil, a Festa

Literária Internacional de Paraty, que promove a divulgação da literatura, do teatro e

do cinema por meio de debates. O local onde acontece o evento também é atípico,

tendas abrigam os encontros e as palestras de autores renomados; durante os

intervalos dos debates, os participantes podem fazer passeios de barco, almoçar

nos restaurantes da cidade e continuar as discussões acerca das apresentações a

que assistiram, trazendo debates sobre temas relevantes da atualidade, mas de

modo descontraído.

Outro exemplo de novas práticas discursivas encontra-se na realização de

palestras proferidas por historiadores e filósofos, professores universitários como

Clóvis de Barros Filho (USP), Mário Sérgio Cortella (PUC/SP) e Leandro Karnal

(Unicamp), direcionadas, principalmente, a um público jovem perante os quais

resgatam ideias de pensadores como Sócrates, Nietzsche, Shakespeare, entre

outros. Tais palestrantes, considerados pensadores contemporâneos, por meio de

seus discursos de divulgação científica, têm conquistado, graças ao

desenvolvimento da internet, milhões de seguidores nas redes sociais,

38 Disponível em: http://www.worldsciencefestival.com.au/about/world-science-festival/ Acesso em: 15 de agosto de 2016.

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democratizando o acesso ao conhecimento.

Também podemos identificar pela perspectiva de Maingueneau a relação

das palestras TED com o contexto atual e outros gêneros que circulam ao

estendermos a nossa reflexão ao âmbito da educação.

As palestras TED ganham cada vez mais novas ramificações também aqui no

Brasil, que ficam evidentes com o surgimento do TED Kids (crianças de 7 a 10

anos), TEDx em colégios (organizados por adolescentes) e em universidades do

Brasil. Os eventos seguem o modelo das palestras TED oficiais, ou seja, aquelas

publicadas no site. O intuito é estimular crianças, adolescentes e jovens a

desenvolverem a habilidade de comunicação, argumentação, o interesse pela área

de pesquisa e trazer à baila questões que gostariam de compartilhar com os

colegas. O tempo é ainda mais restrito, apenas 5 minutos para despertar a atenção

da audiência, exercer a habilidade de argumentação e gerar reflexão ou mudança de

comportamento dos colegas a respeito do tema abordado. Os assuntos discutidos

são propostos pelos próprios alunos e vão desde mídias sociais, o excesso do uso

de celular à questões como educação, segurança digital.

Podemos dizer também que as palestras do TED oficial se tornam modelo

para que apresentadores de todas as idades as tenham como referência na hora de

elaborar as próprias apresentações.

Finalmente, a partir das noções mobilizadas, do recorte do corpus e dos

vídeos analisados podemos dizer que as palestras TED constituem um novo gênero

do discurso. Pensá-las como hipergênero abre a possibilidade para novas

pesquisas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

1. TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE SUSAN CAIN APRESENTADA

NO TED GLOBAL DE 2012

Legenda e transcrição disponível no site e feitas pelas voluntárias Viviane

Ferraz Matos e Mariangela Andrade

1. Quando eu tinha nove anos fui para um acampamento de férias pela 1ª vez. E

2. minha mãe encheu minha mala de livros, o que me pareceu a coisa mais

3. natural do mundo, porque em minha família ler era nossa principal atividade

4. em grupo. E isso pode soar anti-social para vocês, mas para nós era apenas

5. um jeito diferente de ser sociável. Você tem o calor da sua família sentada

6. bem a seu lado, mas você também é livre para perambular pela terra das

7. aventuras em sua própria mente. E eu tinha essa ideia que o acampamento

8. seria assim, só que melhor. (Risos) Imaginava 10 meninas numa cabana,

9. sentadas confortavelmente, de pijamas combinando, lendo livros. (Risos) O

10. acampamento foi como um festival do vinho sem vinho. E no primeiro dia,

11. nossa monitora reuniu todo mundo e nos ensinou um refrão que ela disse que

12. iríamos repetir todos os dias até o fim do verão para entrarmos no espírito de

13. acampar. E era assim: "R-O-W-D-I-E, é assim que se soletra "rowdie".

14. Agitadas, agitadas, vamos ficar agitadas." É. Eu não conseguia entender por

15. nada deste mundo porque deveríamos ficar tão agitadas ou porque tínhamos

16. de soletrar essa palavra incorretamente. (Risos) (Rowdy), mas eu recitei o

17. refrão. Recitei o refrão junto com todo mundo. Fiz o meu melhor. E só

18. esperava o momento em que poderia me isolar e ler meus livros. Mas na

19. primeira vez que tirei meu livro da mala, a menina mais legal do alojamento se

20. aproximou e perguntou, "Por que você está assim tão quieta?" Quieta, claro,

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21. sendo exatamente o oposto de R-O-W-D-I-E. Na minha segunda tentativa, a

22. monitora se aproximou com uma expressão preocupada e repetiu o objetivo

23. do espírito de acampar e disse que deveríamos fazer um esforço para sermos

24. extrovertidos. Então, guardei meus livros, novamente na mala, coloquei-os

25. embaixo da cama e lá ficaram por todo o verão. Eu me sentia meio culpada

26. por isso, sentia que os livros precisavam de mim, estavam me chamando e eu

27. os havia abandonado. Mas os abandonei mesmo e não abri mais a mala até

28. voltar para casa com minha família no fim do verão.

29. Conto a vocês essa história sobre o acampamento.

30. Poderia ter-lhes contado outras 50 parecidas, todas as vezes que captei a

31. mensagem que, de alguma forma, meu jeito quieto e introvertido de ser não

32. era bem o jeito certo de ser, que eu deveria tentar parecer mais extrovertida.

33. Em meu íntimo sempre senti que isso estava errado e que introvertidos eram

34. excelentes exatamente como eram, mas durante anos neguei essa intuição, e

35. por isso, tornei-me advogada em Wall Street, em vez da escritora que sempre

36. desejei ser - em parte por precisar provar a mim mesma que poderia ser

37. audaciosa e assertiva também. Eu sempre ia a bares lotados quando o que

38. queria mesmo era um jantar agradável com amigos. E em autonegação fiz

39. essas escolhas tão automaticamente, que nem tinha consciência de que as

40. fazia. Isso é o que muitos introvertidos fazem e a perda certamente é nossa,

41. mas também é de nossos colegas e de nossa comunidade. E, correndo o

42. risco de soar pretenciosa, a perda é do mundo, pois quando se trata de

43. criatividade e liderança, precisamos dos introvertidos fazendo o que sabem

44. fazer melhor. De um terço à metade da população é introvertida - de um terço

45. à metade. Isso é uma em cada duas ou três pessoas que conhecemos.

46. Então, mesmo que vocês sejam extrovertidos, estou falando de seus colegas

47. de trabalho, seus cônjuges e seus filhos e da pessoa sentada a seu lado

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48. agora - todas sujeitas a esse preconceito que é bem arraigado e real em

49. nossa sociedade. Todos nós interiorizamos isso desde pequenos sem ao

50. menos termos uma linguagem para o que fazemos.

51. Para enxergar claramente o preconceito vocês precisam entender o que é

52. introversão. É diferente de ser tímido. Timidez tem a ver com o medo do

53. julgamento social. Introversão é mais sobre como alguém reage aos

54. estímulos, incluindo estímulo social, portanto, extrovertidos precisam de muito

55. estímulo, enquanto os introvertidos se sentem mais vivos, mais ativos e mais

56. capazes quando estão em ambientes mais silenciosos e calmos. Nem sempre

57. essas coisas são absolutas, mas a maior parte do tempo. Então o segredo

58. para maximizarmos nossos talentos é nos colocar na zona de estímulo que

59. nos seja adequada. Mas agora é que entra o preconceito. Nossas instituições

60. mais importantes, nossas escolas e nossos locais de trabalho, são

61. geralmente projetados para os extrovertidos e sua necessidade de muito

62. estímulo. E hoje também temos esse sistema de crença que chamo de o novo

63. 'pensamento de grupo', que considera que toda criatividade e produtividade

64. vêm de um lugar curiosamente gregário. Então, imaginem a típica sala de

65. aula atual: quando eu estava na escola, nós sentávamos em filas.

66. Sentávamos em filas de carteiras como essa e fazíamos a maior parte dos

67. trabalhos individualmente, mas hoje em dia, a típica sala de aula tem grupos

68. de carteiras - quatro, cinco, seis ou sete crianças frente a frente. E as crianças

69. fazem inúmeros trabalhos em grupo. Mesmo em disciplinas como matemática

70. e redação criativa, que pensamos que dependeriam de voos solo de

71. pensamento, espera-se que as crianças ajam como membros de um comitê.

72. E para as que preferem ficar sozinhas ou simplesmente trabalhar sozinhas,

73. elas costumam ser vistas como estranhas ou, pior, como problemas. E a

74. grande maioria dos professores acredita que o estudante ideal é o

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75. extrovertido e não o introvertido, mesmo os introvertidos tendo melhores

76. notas e sendo mais cultos, segundo pesquisa. (Risos)

77. Ok, o mesmo acontece em nosso local de trabalho. Quase todos nós

78. trabalhamos em escritórios abertos, sem paredes, onde somos sujeitos ao

79. barulho e aos olhares constantes de nossos colegas. E quando se trata de

80. liderança, os introvertidos geralmente são desconsiderados para posições de

81. liderança, ainda que costumem ser muito atentos, bem menos passíveis de

82. correr riscos imensuráveis -que é algo que, hoje, talvez todos valorizemos.

83. Uma pesquisa interessante feita por Adam Grant na Wharton School

84. descobriu que líderes introvertidos costumam ter melhores resultados que os

85. extrovertidos, porque quando gerenciam empregados proativos são mais

86. passíveis de deixá-los seguir suas próprias ideias, enquanto que um

87. extrovertido pode, involuntariamente, ficar tão empolgado com tudo que suas

88. ideias acabam prevalecendo e as ideias dos outros podem não vir à tona tão

89. facilmente. De fato, alguns líderes transformadores da história eram

90. introvertidos. Darei alguns exemplos: Eleanor Roosevelt, Rosa Parks, Gandhi

91. - todas essas pessoas descreviam-se como quietas, de voz suave e até

92. tímidas. E todas foram o centro das atenções, apesar de todos seus instintos

93. dizerem o contrário. E isso resulta em um poder próprio e especial, porque as

94. pessoas podiam sentir que esses líderes estavam no comando, não porque

95. gostavam de mandar nos outros nem por gostarem de ser admirados; eles

96. estavam lá por não terem escolha, porque foram levados a fazer o que

97. achavam certo. Penso que a esta altura é importante dizer que adoro os

98. extrovertidos. Gosto de dizer que alguns de meus melhores amigos são

99. extrovertidos, incluindo meu querido marido. E claro, nos situamos todos em

100. pontos diferentes no aspecto introvertido/extrovertido. Até Carl Jung, o

101. psicólogo que popularizou esses termos, disse que não há um

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102. introvertido puro nem um extrovertido puro. Ele disse que tal homem

103. estaria num hospício, se acaso existisse. Algumas pessoas caem bem

104. no meio do espectro introvertido/extrovertido e as chamamos de

105. “ambivertidas”. Costumo pensar que elas têm o melhor dos dois

106. mundos, mas muitos de nós se reconhecem como um dos dois tipos.

107. O que digo é que culturalmente precisamos de um melhor equilíbrio.

108. Precisamos de mais yin e yan, entre esses dois tipos. Isso é

109. especialmente importante quando nos referimos à criatividade e à

110. produtividade, porque quando os psicólogos observam a vida da

111. maioria das pessoas criativas, o que encontram são pessoas muito

112. boas em trocar ideias e em desenvolver ideias, mas que também têm

113. um traço forte de introversão. E isso porque a solidão é muitas vezes

114. um ingrediente crucial para a criatividade. Darwin, fazia longos

115. passeios sozinho no mato e declinava enfaticamente convites para

116. jantares. Theodor Geisel, mais conhecido como Dr. Seus, inventava

117. muitas de suas fantásticas criações num escritório isolado que tinha

118. num campanário atrás da sua casa em La Jolla, Califórnia. Ele até

119. tinha receio de conhecer as crianças que liam seus livros por temer que

120. elas esperassem que ele fosse uma pessoa animada como Papai Noel

121. e ficassem desapontadas com sua personalidade reservada. Steve

122. Wozniak inventou o primeiro computador Apple sozinho, sentado em

123. seu cubículo na Hewlett-Packard, onde trabalhava na época. Ele diz

124. que jamais teria se tornado um expert caso não fosse tão introvertido

125. para sair de casa quando estava crescendo. Claro que isso não

126. significa que devemos parar de colaborar - e um bom exemplo é o fato

127. de Steve Wozniack ter se associado a Steve Jobs para lançar o

128. computador Apple - mas significa, sim, que a solidão importa e que

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129. para algumas pessoas é como o ar que respiram. E, de fato, sabemos

130. há séculos do poder transcendente da solidão. Só agora é que

131. estranhamente começamos a esquecê-lo. Se vocês observarem as

132. grandes religiões do mundo, encontrarão pensadores - Moisés, Jesus,

133. Buda, Maomé - pensadores que vão por conta própria sozinhos na

134. natureza onde têm epifanias e revelações profundas que depois trazem

135. para o resto da comunidade. Então, nada de natureza, nada de

136. revelações. Isto não é nenhuma surpresa se vocês observarem as

137. ideias da psicologia contemporânea. Parece que nem conseguimos

138. estar em um grupo de pessoas sem instintivamente as espelharmos,

139. imitando suas opiniões. Mesmo sobre coisas aparentemente pessoais

140. e íntimas, como quem nos atrai, começamos a imitar as crenças das

141. pessoas a nossa volta sem ao menos percebermos o que fazemos.

142. E os grupos, como se sabe, seguem as opiniões da pessoa mais

143. dominante e carismática presente, mesmo não havendo nenhuma

144. correlação entre ser o melhor apresentador e ter as melhores ideias –

145. Quero dizer, zero, portanto... (Risos) vocês podem estar seguindo a

146. pessoa com melhores ideias, mas também podem não estar. E querem

147. mesmo deixar isso ao acaso? É muito melhor todos seguirem seus

148. próprios caminhos, gerando suas próprias ideias livres das distorções

149. das dinâmicas de grupo e depois reunirem-se como equipe para

150. falarem em um ambiente bem gerenciado e começar daí.

151. Se tudo isso é verdade, então por que estamos entendendo tudo

152. errado? Por que organizamos nossas escolas e locais de trabalho

153. assim? E por que fazemos esses introvertidos se sentirem tão culpados

154. por vez ou outra quererem estar sozinhos? Uma das respostas está

155. enraizada em nossa história cultural. As sociedades ocidentais, em

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156. particular os Estados Unidos, sempre favoreceram o homem de ação

157. em vez do homem contemplativo, mas nos primórdios da América,

158. vivíamos o que os historiadores chamavam de cultura do caráter,

159. quando ainda valorizávamos as pessoas pelo seu interior e sua retidão

160. moral. E se olharem os livros de autoajuda daquele tempo, todos

161. tinham títulos como "Caráter, a Coisa Mais Importante do Mundo." E

162. eles tiveram exemplos como Abraham Lincoln que era elogiado por ser

163. modesto e despretencioso. Ralph Waldo Emerson apelidou-o de "Um

164. homem que não ofende pela superioridade." Mas depois chegamos ao

165. século XX e entramos numa nova cultura que historiadores chamam de

166. cultura da personalidade. Aconteceu que evoluímos de uma economia

167. agrícola à um mundo de grandes negócios. De repente, as pessoas

168. mudaram de vilas pequenas para cidades. Em vez de trabalharem com

169. pessoas que conheceram a vida toda, agora têm que provar seu valor

170. numa multidão de estranhos. Então, compreensivelmente, qualidades

171. como magnetismo e carisma parecem, de repente, muito importantes.

172. E assim livros de autoajuda mudam para satisfazer essas novas \

173. necessidades e eles começam a ter nomes como "Como Ganhar

174. Amigos e Influenciar Pessoas." E eles têm como modelos grandes

175. vendedores. Este é o mundo em que vivemos. É a nossa herança

176. cultural. Nada disso quer dizer que as habilidades sociais não são

177. importantes, e também não invoco a abolição do trabalho em equipe.

178. As mesmas religiões que enviaram seus sábios para isolados cumes

179. de montanha também nos ensinam sobre amor e confiança. E os

180. problemas que enfrentamos hoje em áreas como ciência ou economia

181. são tão amplos e complexos que precisamos de exércitos de pessoas

182. se unindo para resolvê-los, trabalhando juntos. Quanto mais liberdade

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183. dermos aos introvertidos para que sejam eles mesmos, maior a

184. probabilidade de eles surgirem com suas próprias e únicas soluções

185. para esses problemas. Então, gostaria de compartilhar com vocês o

186. que está em minha mala hoje. Adivinham? Livros. Tenho uma mala

187. cheia de livros. Aqui está Margaret Atwood, "Olho de Gato" Aqui está

188. um romance de Milan Kundera. E aqui está "O Guia dos Perplexos" de

189. Maimonides, mas estes não são de fato meus livros. Trouxe-os comigo

190. porque foram escritos pelos autores favoritos de meu avô.

191. Meu avô era um rabino e era um viúvo, que vivia sozinho num pequeno

192. apartamento no Brooklyn, que era meu lugar favorito quando criança,

193. em parte, porque estava envolto por sua presença amável e cortês e,

194. em parte, porque estava cheio de livros. Literalmente todas as mesas,

195. todas as cadeiras desse apartamento tinham cedido sua função original

196. para agora servirem de base para equilibrar pilhas de livros. Tal como o

197. restante da família, a atividade favorita de meu avô era ler.

198. Mas ele também adorava sua congregação e podíamos sentir esse

199. amor em seus sermões, todas as semanas, durante os 62 anos em que

200. foi rabino. Ele pegava os frutos da leitura de cada semana e tecia

201. essas tapeçarias intrincadas do pensamento antigo e humanista. As

202. pessoas vinham de todo lugar para ouvi-lo falar.

203. Mas eis algo interessante sobre meu avô. Debaixo dessa função

204. cerimonial, ele era muito modesto e introvertido - tanto que quando

205. pregava esses sermões, tinha problemas em manter contato visual

206. com sua congregação para quem havia falado por 62 anos. E mesmo

207. afastado do púlpito, quando vinham cumprimentá-lo, ele costumava

208. acabar logo a conversa com receio de estar tomando muito tempo dos

209. outros. Mas quando morreu aos 94 anos, a polícia teve que fechar as

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210. ruas da sua vizinhança para acomodar a multidão que foi despedir-se

211. dele. E agora, tento seguir o exemplo do meu avô à minha maneira.

212. Publiquei, recentemente, um livro sobre introversão e demorei uns 7

213. anos para escrevê-lo. Para mim, esses 7 anos foram uma benção,

214. porque eu estava lendo, escrevendo, pensando, pesquisando. Era a

215. minha versão das horas que meu avô passava sozinho na biblioteca,

216. mas agora, de repente, meu trabalho é muito diferente e meu trabalho

217. é estar aqui falando sobre isso, falando sobre introversão. (Risos) E

218. isso é bem mais difícil para mim, pois por mais honrada que eu me

219. sinta de estar aqui com vocês agora, este não é meu ambiente natural.

220. Então, me preparei para momentos como este o melhor que pude.

221. Passei o último ano praticando oratória sempre que pude. E o chamo

222. de meu "ano de falar perigosamente". (Risos) E isso me ajudou muito,

223. mas o que ajuda ainda mais é meu sentimento, minha convicção,

224. minha esperança de que, no que diz respeito à nossa postura quanto à

225. introversão, ao silêncio e à solidão, estamos mesmo à beira de uma

226. mudança profunda. Quero dizer, estamos mesmo. E agora vou deixá-

227. los, antes fazendo três apelos aos que compartilham dessa visão.

228. Número um: Parem com a loucura de trabalho em grupo constante.

229. Parem. (Risos) Obrigada. (Aplausos) E quero ser clara no que estou

230. dizendo, porque acredito profundamente que os nossos escritórios

231. deviam encorajar as interações casuais, conversas de café - do tipo em

232. que as pessoas se reúnem, e, do nada, trocam ideias. Isso é ótimo. É

233. ótimo para introvertidos e extrovertidos, mas precisamos de muito mais

234. privacidade, liberdade e autonomia no trabalho. Na escola, a mesma

235. coisa. Claro que precisamos ensinar às crianças a trabalhar juntas,

236. mas também temos que ensiná-las a trabalhar sozinhas. Isso é

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237. particularmente importante para crianças extrovertidas. Elas precisam

238. trabalhar sozinhas porque, em parte, é daí que vem o pensamento

239. profundo. Ok, número dois: Vão para a natureza. Sejam como Buda,

240. tenham suas próprias revelações. Não estou dizendo que temos de ir

241. todos agora construir nossas cabanas no mato e nunca mais falar uns

242. com os outros, mas digo que deveríamos conseguir nos desligar e ter

243. contato com nosso próprio interior mais frequentemente.

244. Número três: Deem uma boa olhada no que há em sua própria mala e

245. no motivo daquilo estar lá. Extrovertidos, talvez sua mala também

246. esteja cheia de livros ou cheia de copos de champanhe ou

247. equipamento de paraquedismo. Seja o que for, espero que mostrem

248. essas coisas sempre que possam e nos agraciem com sua energia e

249. alegria, mas introvertidos, vocês sendo vocês mesmos, provavelmente

250. têm o impulso de guardar cuidadosamente o que há dentro de sua

251. mala. E está tudo bem, mas ocasionalmente, só ocasionalmente,

252. espero que abram sua mala para as outras pessoas verem, porque o

253. mundo precisa de vocês e das coisas que carregam. Desejo-lhes a

254. melhor de todas as jornadas possíveis e a coragem para falar

255. suavemente. Muito obrigada.

2. TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE AMY CUDDY APRESENTADA

NO TED GLOBAL DE 2012

Legenda e transcrição feitas pelas voluntárias Claudia Solano e Nadja

Nathan

256. Eu gostaria de começar oferecendo uma forma gratuita e analógica de

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melhorar

257. a vida e tudo que precisamos é que vocês mudem suas posturas por dois

258. minutos. Mas antes de contar, quero pedir agora mesmo que façam

259. uma pequena auditoria de seus corpos e o que estão fazendo com eles.

260. Quantos de vocês estão meio que se encolhendo? Talvez cruzando

261. as pernas, talvez cruzando os tornozelos, às vezes nós nos seguramos em

262. nossos braços assim, às vezes nos abrimos. (Risos) Estou te vendo.

263. Quero que vocês prestem atenção no que estão fazendo agora. Voltaremos

264. a isso em alguns minutos, e espero que se aprenderem a se ajustar um

265. pouquinho, isso mude a maneira como sua vida se desenrola.

266. Somos fascinados pela linguagem corporal, e estamos particularmente

267. interessados nas linguagens corporais das outras pessoas. Sabe, estamos

268. interessados em... você sabe — (Risos) uma interação desajeitada, ou um

269. sorriso, ou uma olhadela contemplativa, ou talvez um olhar de desprezo ou

270. quem sabe um aperto de mão.

271. Narrador: Aqui estão eles chegando no “n o 10”(residência do 1o ministro

272. e olha, o policial sortudo conseguiu apertar a mão do presidente dos

273. Estados Unidos. E aí vem o primeiro ministro do — ? Não. (Risos)

274. (Aplausos) Amy Cuddy: Então um aperto de mão ou a falta dele pode nos

275. manter falando por semanas e semanas. Até a BBC e o New York Times

276. Obviamente, quando pensamos em comportamento não verbal ou

277. linguagem corporal – mas chamamos não verbal como cientistas sociais -

278. é linguagem, então nos remete à comunicação. Quando pensamos em

279. comunicação, pensamos em interação.

280. Então, o que o seu corpo está me dizendo? E o que o meu está

281. comunicando a você? E existem muitas razões para acreditar que essa

282. é uma maneira válida de olhar para isso. Cientistas sociais passaram muito

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283. tempo olhando os efeitos de nossa linguagem corporal ou de outras

284. pessoas em julgamentos. E fazemos julgamentos radicais e inferências a

285. partir da linguagem corporal. E tais julgamentos podem prever verdadeiras

286. vidas pela frente, como quem contratamos ou promovemos, quem

287. chamamos para um encontro. Por exemplo, Nalini Ambady, uma

288. pesquisadora da Universidade de Tufts mostra que quando as pessoas

289. assistem clipes mudos de 30 segundos de interações reais entre médico e

290. paciente, seu julgamento da gentileza do médico prevê se ele será ou não

291. processado. Não tem tanto a ver se o médico foi incompetente, mas nós

292. gostamos daquela pessoa e como eles interagiram? Ainda mais dramático,

293. Alex Todorov em Princeton nos mostrou que julgamentos do rosto dos

294. candidatos em apenas um segundo prevê 70% do senado americano e a

295. decisão da corrida governamental. E vamos ao mundo digital, emoticons

296. bem usados em negociações online podem levar você a atribuir mais valor

297. àquela negociação. Se você usar de maneira inadequada, má ideia. Certo?

298. Então, quando pensamos sobre os não-verbais, pensamos como julgamos

299. os outros, como eles nos julgam e as consequências, porém, tendemos a

300. esquecer o outro público

301. que é influenciado pelo não-verbal que

302. somos nós. Também somos influenciados pelos não-verbais, nossos

303. pensamentos nossos sentimentos e nossa fisiologia. De que não verbais

304. estou falando? Sou uma psicóloga social. Eu estudo o preconceito e eu

305. ensino na competitiva escola de negócios, então foi inevitável que eu me

306. interessasse pelas dinâmicas do poder. Eu fiquei especialmente

307. interessada pelas expressões não- verbais de poder e dominação. E quais

308. as expressões não-verbais de poder e dominação? Bem, são essas. No

309. reino animal, elas são sobre expansão. Então você “se faz grande”, estica-

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310. se, ocupa espaço, você basicamente se abre. É sobre se abrir. E isso é

311. verdade em todo o reino animal. Não está limitado aos primatas. E os

312. humanos fazem igual. (Risos) Eles fazem isso quando têm um poder

313. estável e também quando estão se sentindo poderosos naquele momento.

314. E esse é, especialmente interessante porque realmente nos mostra o quão

315. universais e antigas essas expressões de poder são. Essa expressão, que

316. é conhecida como orgulho, Jessica Tracy estudou. Ela mostra que pessoas

317. que nascem com visão e pessoas que são cegas desde o nascimento

318. fazem isso quando ganham uma competição física. Então, quando cruzam

319. a linha de chegada e ganharam não importa se nunca viram ninguém fazer

320. isso. Elas fazem isso. Os braços para cima em V, o queixo levemente

321. levantado. O que fazemos quando nos sentimos enfraquecidos? Fazemos

322. exatamente o oposto, nos fechamos, nos dobramos, nos fazemos menores.

323. Não queremos esbarrar na pessoa ao lado. Novamente, tanto animais

324. quanto humanos fazem a mesma coisa. E isso é o que acontece quando

325. você coloca juntos alto e baixo poder. O que tende a acontecer quando se

326. trata de poder é que complementamos os outros não verbais. Então se

327. alguém está exercendo poder sobre nós, a tendência é que a gente se

328. diminua. Não nos espelhamos neles. Fazemos o oposto do que eles fazem.

329. Então, eu vejo esse comportamento em salas de aula e o que eu percebo?

330. Eu percebo que estudantes de MBA realmente exibem todas as

331. características não-verbais. Algumas pessoas são caricaturas dos alfas,

332. quando entram na sala, elas vão para o meio da sala antes da aula

333. começar, como se quisessem ocupar espaço. Quando sentam, eles se

334. espalham. Levantam as mãos assim. Outras pessoas que estão

335. virtualmente em colapso quando entram, assim que elas entram, você vê.

336. Você vê em seus rostos e em seus corpos e elas sentam em suas cadeiras

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337. e se encolhem e elas levantam a mão assim. Eu notei algumas coisas

338. sobre isso, uma não vai surpreender vocês. Parece relacionado ao gênero.

339. As mulheres são muito mais de fazer isso do que os homens. Mulheres se

340. sentem com menos poder que os homens de forma crônica, então isso não

341. é surpresa. Mas a outra coisa que percebi é que isso também parece

342. relacionado a quais estudantes estavam participando e quão bem estavam

343. participando. E isso é realmente importante na classe de MBA, porque

344. participação conta como metade da nota. Então, escolas de negócios têm

345. enfrentado dificuldades nessa diferença de nota por gênero. Você recebe

346. homens e mulheres igualmente qualificados e aí você percebe diferenças

347. nas notas e parece ser em parte atribuído à participação. Então, eu

348. comecei a pensar, ok, você tem essas pessoas entrando e participando. É

349. possível fazer algumas pessoas fingirem e isso faria com que elas

350. participassem mais? Minha principal colaboradora Dana Carney, que está

351. em Berkeley, e eu realmente queríamos saber, você pode fingir até

352. conseguir? Você pode fazer isso por um tempinho e, de fato, passar por

353. uma mudança de comportamento que te faz parecer mais poderoso?

354. Sabemos que nossos não- verbais governam como os outros pensam e

355. sentem sobre nós. Existem muitas evidências, mas nossa questão

356. realmente era, será que nossos não-verbais governam nossos sentimentos

357. e pensamentos sobre nós mesmos? Existem evidências que sim, por

358. exemplo, sorrimos quando estamos felizes, mas também, quando somos

359. forçados a sorrir ao segurar uma caneta entre os dentes assim nos faz

360. sentir felizes. Então, vai nos dois sentidos. No poder, também vai nos dois

361. sentidos. Então quando você se sente poderoso, existem mais chances de

362. você fazer isso, mas também é possível que quando você finge ser

363. poderoso, é mais provável que você de fato se sinta poderoso .Então, a 2a

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364. pergunta realmente era, sabemos que nossas mentes mudamnossos

365. corpos, mas é também verdade que nossos corpos mudam nossas

366. mentes? E quando eu digo mentes, no caso do poderoso, do que eu estou

367. falando? Estou falando de pensamentos e sentimentos e do tipo de coisas

368. fisiológicas que formam nossos pensamentos e sentimentos, e no meu

369. caso, são os hormônios. Eu olho para os hormônios. Como as mentes dos

370. poderosos versus os sem poder se parecem? Pessoas poderosas tendem

371. a ser, não é surpresa, mais assertivas e mais confiantes, mais otimistas.

372. Elas realmente acham que vão vencer até em jogos de sorte. Elas também

373. tendem a ser capazes de pensar de forma mais abstrata. Existem várias

374. diferenças. Elas arriscam mais. Existem muitas diferenças entre os

375. poderosos e os sem poder. Fisiologicamente, existem também diferenças

376. em dois hormônios chave: testosterona, que é o hormônio dominante e

377. cortisol, que é o hormônio do stress. Então o que achamos é que machos

378. alfa super poderosos na hierarquia primata têm testosterona alto e cortisol

379. baixo e líderes poderosos e efetivos também têm testosterona alto e

380. cortisol baixo, O que isso quer dizer? Quando você pensa em poder, a

381. tendência era pensar apenas sobre testosterona, porque era sobre

382. dominação. Mas realmente, poder é também sobre como você reage ao

383. stress. Você quer ser o líder mais poderoso que é dominante

384. com testosterona alto, mas super reativo ao stress? Provavelmente não,

385. né? você quer a pessoa que seja forte e assertiva e dominante, mas que

386. não reaja muito ao stress, uma pessoa relaxada. Sabemos que na

387. hierarquia primata, se um alfa precisa dominar, se um indivíduo precisa

388. desempenhar um papel de alfa de repente, em poucos dias, o testosterona

389. daquele indivíduo vai subir significantemente e seu cortisol vai cair

390. significantemente. Então temos essa evidência, tanto de que o corpo pode

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391. moldar a mente, pelo menos no nível facial e também que mudanças de

392. papel podem moldar a mente. O que acontece, você muda de papel, o que

393. acontece se você fizer uma mínima manipulação? “Por dois minutos”, você

394. diz, “eu quero que você fique nessa posição, e isso vai fazer você se sentir

395. mais forte."Foi isso que fizemos. Decidimos trazer pessoas ao laboratório e

396. fazer um pequeno experimento e essas pessoas adotaram por dois

397. minutos, tanto poses de alto poder como de baixo poder e eu vou mostrar a

398. vocês cinco dessas poses, apesar delas terem feito apenas duas. Aqui está

399. uma. Algumas mais. Essa foi chamada de “Mulher Maravilha” pela mídia.

400. Mais algumas. Você pode ficar em pé ou sentado. E essas são as poses de

401. baixo poder. Você está se dobrando, se encolhendo. Essa é muito baixo

402. poder. Quando você toca o seu pescoço, você está na verdade se

403. protegendo. Isso é o que acontece. Elas entram, cospem em um recipiente,

404. nós dizemos por dois minutos o que devem fazer. Elas não olham fotos das

405. poses. Não queremos impor um conceito de poder. Queremos que elas

406. sintam o poder, certo? Dois minutos elas fazem isso. Então nós

407. perguntamos: "O quão poderoso você se sentiu?" em uma série de itens e

408. damos a elas a oportunidade de blefar e então recolhemos mais uma

409. amostra de saliva. É isso. Esse é o experimento completo. Resultado: com

410. Risco tolerância de blefar, quando vocês têm muito poder 86% de vocês

411. vão blefar. Quando você está numa posição de pouco poder, somente 60%

412. e essa diferença é significativa. Vejam o que descobrimos sobre o

413. testosterona. De suas linhas de base quando elas entram, pessoas com

414. alto poder experimentam um aumento de 20% e pessoas com baixo poder

415. experimentam queda de 10%. Então de novo, dois minutos e você vê essas

416. mudanças. Vejam o que acontece o cortisol. Pessoas com alto poder

417. experimentam aproximadamente 25% de queda e pessoas com baixo

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418. poder experimentam aumento de 15%. Dois minutos levam

419. a essas mudanças hormonais que configuram o cérebro para ser assertivo,

420. confiante e confortável ou realmente reativo ao stress e se sentindo meio

421. desligado. Todos nós já nos sentimos assim, né? Parece que nossos não-

422. verbais governam a maneira como pensamos e nos sentimos sobre nós

423. mesmos, então não são apenas os outros, mas também nós mesmos.

424. Nossos corpos também mudam nossas mentes. Mas a próxima questão,

425. claro, é fazer poses de poder por alguns minutos pode realmente mudar

426. sua vida de maneira significativa? Esse é o laboratório. É essa pequena

427. tarefa, sabe, só algunsminutos. Onde isso pode ser aplicado? O que

428. levamos em conta, é claro. E então pensamos, isso é o que realmente

429. interessa, onde você quer usar isso, em situações de avaliação, como

430. situações de ameaça social. Onde você está

431. sendo avaliado pelos seus amigos. Por exemplo, para adolescentes seria o

432. almoço ao redor da mesa. Para algumas pessoas seria falar na reunião de

433. conselho escolar. Poderia ser fazendo um discurso ou uma palestra como

434. essa ou fazendo uma entrevista de emprego. Decidimos que a opção que a

435. maio parte das pessoas podia se identificar, porque a maioria das pessoas

436. já vivenciou, era uma entrevista de emprego. Então, publicamos essas

437. descobertas e a mídia caiu em cima, e disse, ok, então é isso que vocês

438. fazemquando vão para uma entrevista de emprego? (Risos) Ficamos, é

439. claro, horrorizados, e dissemos Meu Deus, não, não, não, não foi isso que

440. a gente quis dizer. Por numerosas razões, não, não, não, não façam isso.

441. De novo, isso não é sobre falar com outras pessoas. É sobre falar consigo

442. mesmo. O que você faz antes de ir para uma entrevista de emprego? Você

443. faz isso, né? Você está sentado. Você está olhando para o seu iPhone ou

444. seu Android, tentandonão deixar ninguém de fora. Você está, sabe,

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445. olhando as suas anotações, está ficando corcunda, se encolhendo, quando

446. você devia estar fazendo isso, no banheiro, né? Faça isso. Ache dois

447. minutos. Então, é isso que queremos testar, OK?

448. Então trazemos pessoas ao laboratório, elas fazem poses de muito ou

449. pouco poder de novo, elas passam por uma entrevista de emprego muito

450. estressante. Dura cinco minutos. Elas estão sendo gravadas. Elas também

451. estão sendo julgadas e os juízes foram treinados para dar feedback não-

452. verbal então elas ficam assim. Imagine que esta é a pessoa te

453. entrevistando, por 5 minutos, nada, e isso é pior do que ser interrogado. As

454. pessoas detestam isso. É o que Marianne La Frace chama "de areia

455. movediça social". Isso realmente ataca o seu cortisol. Esta é a entrevista de

456. emprego à qual elas foram submetidas, porque queríamos ver o que

457. aconteceria. Então, demos estas gravações a uns programadores, quatro

458. deles. Eles não sabiam das hipóteses ou das condições. Eles não tinham

459. ideia de quem estava posando em qual pose, e acabaram vendo essas

460. gravações e disseram "Ah, queremos contratar essas pessoas" - todas as

461. pessoas de poses de alto poder - "não queremos contratar essas pessoas.

462. Também avaliamos essas pessoas de maneira mais positiva em geral."

463. Mas o que está causando isso? Não é sobre o conteúdo da fala. É a

464. presença que elas estão trazendo para a fala. Nós as avaliamos

465. segundo essas variáveis relacionadas à competência, quão bem

466. estruturada é a fala? Quão boa? Quais qualificações? Não havia efeito

467. nisso. Isso era o que afetava. Esse tipo de coisa. As pessoas estão sendo

468. basicamente elas mesmas. Estão sendo verdadeiras. Elas trazem suas

469. jogada para fora do carro, rolei muitas vezes e acordei numa reabilitação

470. próprias ideias, sem resíduos externos. Isso é que traz o efeito ou que

471. modera o efeito. Quando falo sobre isso com as pessoas, que nossos

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472. corpos mudam nossas mentes e nossas mentes podem mudar nosso

473. comportamento e nosso comportamento pode mudar nosso destino, elas

474. dizem: "Eu não ... isso parece falso". Certo? Então eu disse, finja até

475. conseguir. "Eu não... Não sou eu. Eu não quero conseguir e depois me

476. sentir uma fraude. Não quero me sentir coo um impostor. Não quero

477. conseguir para depois sentir que eu não deveria estar

478. lá”. E isso realmente ecoou em mim, porque eu quero contar uma pequena

479. história sobre ser um impostor e sentir como se eu não devesse estar ali.

480. Quando eu tinha 19 anos, eu tive um acidente de carro muito sério. Eu fui

481. Eu havia sido retirada da faculdade e soube que meu QI tinha

482. reduzido o que foi muito traumático. Eu sabia o meu QI porque eu me

483. identificava como sendo inteligente e eu tinha sido chamada de super

484. dotada quando criança. Então, me tiram da faculdade e eu tento voltar. Eles

485. dizem, “Você não vai terminar a faculdade, mas tem outras coisas que

486. você pode fazer mias isso, vai mais dar certo para você". Eu sofri com isso,

487. e eu devo confessar, ver a sua identidade tirada de você, sua principal

488. identidade, que para mim eu era inteligente, ter isso tirado de você, nada

489. deixa você se sentindo mais sem poder que isso. Eu me senti

490. completamente sem poder. Eu estudei, estudei, e dei sorte, e estudei e dei

491. sorte e estudei. E acabei conseguindo me formar na faculdade. Levei

492. quatro anos a mais que meus colegas, e eu convenci alguém, meu anjo

493. conselheiro, Susan Fiske, a me ajudar e acabei em Princeton. Eu ficava...

494. “eu não deveria estar aqui”. Eu sou uma impostora. Na noite que antecedeu

495. meu primeiro discurso de primeiro ano e o discurso de primeiro ano de

496. Princeton dura 20 minutos para 20 pessoas, eu estava com tanto medo de

497. ser descoberta no dia seguinte que eu liguei e disse, "Estou saindo." Ela

498. disse, "Você não está saindo, porque eu apostei em você e você fica. Você

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499. vai ficar, e isso é o que você vai fazer. Você vai fingir. Você vai fazer todos

500. os discursos que pedirem a você. Você vai fazer e fazer e fazer, mesmo se

501. estiver aterrorizada e paralisada e tendo uma experiência extra

502. corporal, até o momento em que você disser: Meu Deus, eu estou fazendo.

503. Eu me tornei isto. Eu estou fazendo isso agora." Foi o que eu fiz. Cinco

504. anos na graduação, em alguns anos, fui pra Northwestern, mudei para

505. Harvard, estou em Harvard, eu não penso mais nisso, mas por um bom

506. tempo eu pensei, "Não devia estar aqui. Não devia estar aqui".

507. Então, no fim do meu primeiro ano em Harvard, uma estudante que não

508. havia dito nada o semestre todo a quem eu tive que dizer, "Olha, você

509. precisa participar senão você vai ser reprovada,” veio a minha sala. Eu na

510. verdade nãoa conhecia. E ela disse, ela veio totalmente derrotada, e disse,

511. "Eu não devia estar aqui." E esse foi o momento para mim, porque duas

512. coisas aconteceram. Um, eu percebi ah... eu não me sinto mais assim. Eu

513. não sinto mais isso, mas ela sente e eu entendo. E a segunda foi, ela devia

514. estar aqui! Se ela pode fingir ela pode se tornar. Então eu disse, "Sim você

515. devia. Você devia estar aqui! E amanhã você vai fingir, você vai se fazer

516. poderosa, e, você vai..." (Aplausos (Aplausos) "E você vai entrar na classe

517. e vai fazer o melhor comentário que já se ouviu." E sabe? Ela fez o melhor

518. comentário de todos e as pessoas se viraram e ficaram assim, nossa, eu

519. nem havia notado ela aqui, sabe? (Risos) Ela voltou a mim meses depois e

520. eu entendi que ela não havia apenas fingido até conseguir, ela havia fingido

521. até se tornar. Então, ela havia mudado. Euquero dizer a vocês, não finjam

522. até conseguirem. Finjam até se tornarem. Sabe? Façam o bastante até se,

523. porque as pessoas que mais podem usar isso são as que não têm recursos

524. tornarem aquilo e internalizem. Vou deixar uma última coisa com vocês.

525. Ajustes mínimos podem levar à grandes mudanças. Isso vai levar dois

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526. minutos. Dois minutos, dois minutos. Antes de encararem a próxim

527. situação estressante onde serão avaliados por dois minutos, tentem fazer

528. isso, no elevador, no banheiro, na sua mesa com as portas fechadas. Isso

529. é o que você quer fazer. Configure o seu cérebro para cooperar ao máximo

530. naquela situação. Levante o seu nível de testosterona e abaixe o de

531. cortisol. Não saia da situação sentindo, ah, eu não mostrei a eles quem eu

532. sou. Deixe a situação sentindo, ah, eu realmente disse e mostrei a eles

533. quem sou. Quero pedir a vocês primeiro, tanto para tentar fazer as

534. posições de poder mas também quero pedir a vocês para espalhar a

535. ciência, porque é simples. Eu não tenho ego envolvido nisso. (Risos)

536. Passem adiante. Dividam com as pessoas tecnologia nem status ou poder.

537. Mostrem a elas que podem fazer isso sozinhas. Elas precisam do seu

538. corpo, privacidade e dois minutos, e isso pode mudar o curso de suas

539. vidas. Obrigada. (Aplausos)

3. TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DALIA MOGAHED APRESENTADA

NO TED GLOBAL DE 2016

Tradução de Claudia Montesante e Maricene Crus

540. O que você pensa quando olha para mim? ) Uma mulher de fé?

541. Uma especialista? Talvez até uma freira ou é a oprimida, sofreu lavagem

542. uma terrorista ou apenas um atraso na fila de segurança do aeroporto. Isso

543. até é verdade. (Risos) Se algumas percepções forem negativas, eu

544. realmente não culpo vocês. Isso é apenas como a mídia tem retratado

545. pessoas que se parecem comigo. Um estudo identificou que 80% das

546. notícias sobre o islã e muçulmanos são negativas. Estudos mostram que os

547. americanos dizem não conhecer um muçulmano. Acho que as pessoas não

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548. conversam com seus motoristas do Uber. (Risos) Bem, para aqueles de

549. vocês que nunca conheceram um muçulmano, é um prazer conhecê-los.

550. Deixem que eu diga quem sou. Sou mãe, amante de café, expresso duplo,

551. creme separado. Sou introvertida. Sou fanática por querer entrar em forma.

552. E sou muçulmana espiritual praticante, mas não como diz a Lady Gaga...

553. porque, amor, eu não nasci assim. Foi uma escolha.

554. Quando eu tinha 17 anos, decidi me assumir. Não, não como homossexual

555. como alguns amigos, mas como muçulmana e decidi começar a usar

556. "hijab", o lenço que cobre minha cabeça. Minhas amigas feministas ficar

557. horrorizadas: "Por que você está se oprimindo?" O engraçado é que, n

558. verdade, aquilo era, naquele momento uma declaração feminista d

559. independência da pressão que eu sentia, como uma jovem de 17 anos de

560. me ajustar a um perfeito e impossível padrão de beleza. Eu não aceite

561. passivamente a fé de meus pais. Eu me debati com o Alcorão. Eu li, refleti

562. questionei, duvidei, e por fim, acreditei. Minha relação com Deus não f

563. amor à primeira vista. Foi confiança e uma lenta rendição que aumentava

564. cada vez que eu lia o Alcorão. Sua beleza rítmica, às vezes, me tra

565. lágrimas aos olhos. Eu me vejo nele. Sinto que Deus me conhece. J

566. sentiram como se alguém enxergasse vocês, entendesse você

567. completamente, e ainda assim amasse vocês? É assim que eu me sinto.

568. Mais tarde eu me casei e como toda boa egípcia, comecei minha carreir

569. como engenheira. (Risos) Mais tarde tive um filho, depois de casar,

570. basicamente, estava vivendo o sonho egípcio-americano.

571. Até aquela terrível manhã de setembro de 2001. Acho que, provavelmente

572. muitos de vocês se lembram exatamente onde estavam naquela manhã.

573. estava sentada na minha cozinha, terminando o café da manhã, olhei para

574. vídeo e vi as palavras "Notícia Urgente". Tinha fumaça, aviões voando e

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575. direção aos prédios, pessoas pulando dos prédios. O que era aquilo?

576. acidente? Uma pane? Meu choque logo virou indignação. Quem faria iss

577. Trocava de canal e ouvia: "... terroristas muçulmanos...", "... em nome d

578. islã...", "... descendentes do oriente-médio...","...'jihad'...", "...devíam

579. bombardear Meca...". Meu Deus! Não só meu país tinha sido atacado, m

580. em um instante, as ações de outra pessoa me transformaram de cidadã

581. suspeita. No mesmo dia, tivemos que dirigir de um lado ao outro do país

582. para mudar de cidade e começar uma pós-graduação. Lembro-me de estar

583. sentada no assento do passageiro enquanto dirigíamos em silêncio

584. agachada ao máximo no meu assento, pela primeira vez na minha vida co

585. medo que alguém soubesse que eu era muçulmana. Naquela noite nos

586. mudamos para nosso apartamento na cidade nova, na qual me sentia

587. um mundo completamente diferente. E então eu ouvia, via e lia alertas d

588. organizações muçulmanas nacionais dizendo coisas como "fiquem alertas"

589. "fiquem informados", "fiquem em locais iluminados", "não se agrupem".

590. Fiquei dentro de casa toda a semana. Então chegou a sexta-feira, daquela

591. mesma semana, o dia em que os muçulmanos se reúnem para orar. E d

592. novo os alertas eram: "Não vão nesta primeira sexta-feira, pode ser u

593. alvo". Eu via as notícias, coberturas completas. As emoções eram muito

594. recentes, compreensivelmente, e eu também ouvia sobre ataques

595. muçulmanos ou pessoas reconhecidas como muçulmanas send

596. empurradas e apanhando na rua. Mesquitas foram, de fato, atacadas com

597. bombas. E eu pensei que devíamos ficar em casa.

598. Mas algo não parecia bem, porque aquelas pessoas que atacaram nosso

599. país. Eu entendo que as pessoas estivessem com raiva dos terroristas.

600. Adivinhem? Eu também tinha. E ter que explicar-se o tempo todo não é fáci

601. Não me importo com perguntas. Eu amo perguntas. As acusações é que s

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602. difíceis. Hoje, realmente ouvimos pessoas dizendo coisas como: "Existe um

603. problema nesse país e se chama muçulmanos. Quando vamos nos livrar

604. deles?" Então algumas pessoas querem banir os muçulmanos e fechar as

605. mesquitas. Elas falam sobre minha comunidade como se fôssemos um

606. tumor no corpo dos Estados Unidos. E a única pergunta é: nós somos

607. malignos ou benignos? Vocês sabem, um tumor maligno é extraído e um

608. tumor benigno só precisa ser mantido sob vigilânciaa.

609. As opções não fazem sentido, porque essa é a pergunta errada

610. Muçulmanos, como outros americanos, não são um tumor no corpo do

611. EUA, nós somos um órgão vital. (Aplausos) Obrigada. (Aplausos

612. Muçulmanos são inventores e professores, são socorristas e atleta

613. olímpicos. Agora, fechar as mesquitas vai deixar os Estados Unidos mais

614. seguros? Isso pode liberar vagas de estacionamento, mas não vai acabar

615. com o terrorismo. Ir regularmente à mesquita, na verdade, está associado a

616. ter uma visão mais tolerante sobre pessoas de outras crenças e mais

617. engajamento civil. E como me disse, recentemente, um chefe de polícia da

618. região de Washington, DC, na verdade as pessoas não se tornam radicais

619. nas mesquitas. Elas se tornam radicais no seu porão, ou no seu quarto, em

620. frente a um computador. E o que se descobre sobre o processo de

621. radicalização é que ele começa on-line, mas a primeira coisa que acontece é

622. a pessoa ser isolada de sua comunidade, até da sua família, para que o

623. grupo extremista possa fazer lavagem cerebral fazendo a pessoa acreditar

624. que eles, os terroristas são os verdadeiros muçulmanos e todos os outros,

625. que abominam seu comportamento e ideologia, são vendidos ou infiéis.

626. Então, se queremos prevenir a radicalização, devemos manter as pessoas

627. indo às mesquitas. Alguns ainda vão argumentar que o islã é uma religião

628. violenta. Afinal, um grupo como o ISIS baseia sua brutalidade no Alcorão.

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629. Agora, como muçulmana, como mãe, como ser humano, acho que temos

630. que fazer tudo que pudermos para parar um grupo como o ISIS. Mas,

631. estaríamos nos rendendo ao discurso desse grupo se o escolhêssemos

632. como representantes da crença de 1,6 bilhão de pessoas. (Aplausos)

633. Obrigada. O ISIS tem tanto a ver com o islã, quanto a Klu Klux Klan tem a

634. ver com o cristianismo. (Aplausos) Os dois grupos alegam basear suas

635. ideologias em seu livro sagrado, mas se olharmos para eles, eles não são

636. motivados pelo que leem em seu livro sagrado. É a brutalidade deles que faz

637. com que leiam essas coisas na escritura.

638. Recentemente, um eminente imã me contou uma história que me deixou

639. surpresa. Ele disse que uma jovem veio até ele porque estava pensando em

640. se juntar ao ISIS. Fiquei realmente surpresa e perguntei a ele se ela tinha

641. tido contato com um líder religioso radical. Ela disse que o problema era

642. exatamente o oposto, todos os clérigos com quem ela tinha falado a

643. rejeitaram e disseram que a raiva dela, a sensação de injustiça no mundo, só

iriam colocá-la em apuros. Então sem um espaço para canalizar e dar sentido

644. a sua raiva, ela era um alvo fácil de ser explorado por extremistas que

645. prometiam uma solução para ela. O que esse imã fez foi reconectá-la a Deus

646. e a sua comunidade. Ele não a culpou por sua raiva, em vez disso, deu

647. formas construtivas para ela fazer mudanças reais no mundo. O que ela

648. aprendeu naquela mesquita evitou que ela se juntasse ao ISIS.

649. Já falei um pouco sobre como a “islamofobia” afeta a mim e a minha família,

650. mas como ela impacta os americanos comuns? Como ela impacta todos os

651. outros? Como sentir medo 24 horas por dia afeta a saúde da nossa

652. democracia e a saúde do nosso pensamento livre?

653. Bem, um estudo, na verdade, vários estudos na neurociência mostram que,

654. quando estamos com medo, pelo menos três coisas acontecem. Passamos

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655. a aceitar mais o autoritarismo, o conformismo e o preconceito. Um estudo

656. mostrou que quando pessoas eram expostas a reportagens negativas sobre

657. os muçulmanos, passavam a aceitar melhor os ataques militares a países

658. muçulmanos e políticas de restrição de direitos a muçulmanos americanos

659. Mas isso não é só acadêmico, pois se observarmos quando o sentimento

660. antimuçulmano disparou, entre 2001 e 2013, isso aconteceu três vezes, mas

661. não foi por causa de ataques terroristas. Foi às vésperas da Guerra do

662. Iraque e durante dois períodos de eleição. Então, a “islamofobia” não é só a

663. resposta natural ao terrorismo muçulmano como eu teria esperado. Na

664. verdade, pode ser uma ferramenta de manipulação pública, corroendo a

665. base de uma sociedade livre, formada por cidadãos racionais e bem-

666. informados. Muçulmanos são como canários em uma mina de carvão.

667. Podemos ser os primeiros a sentir, mas o ar intoxicado de medo faz mal a

668. todos nós. (Aplausos)

669. E atribuir culpa coletiva não é só ter que se explicar o tempo todo. Deah e

670. sua esposa Yusor eram um jovem casal que vivia em Chapel Hill, na

671. Carolina do Norte, onde os dois estudavam. Deah era um atleta, cursava

672. odontologia, era talentoso, promissor... E sua irmã me contava que ele era a

673. pessoa mais doce e generosa que ela já conheceu. Durante uma visita, ele

674. mostrou a ela seu currículo e ela ficou impressionada. Ela disse: "Quando

675. meu irmãozinho se tornou esse homem realizado?" Poucas semanas depois

676. da visita de Suzanne a seu irmão e esposa, o vizinho deles, Craig Stephen

677. Hicks, assassinou os dois e também a irmã de Yusor, Razan, que estava

678. passando a tarde com eles, dentro do apartamento deles, estilo de

679. execução, depois de fazer declarações antimuçulmanas na sua página do

680. Facebook. Ele atirou em Deah oito vezes. Então a intolerância não é só

681. imoral, ela pode ser até letal. De volta a minha história, o que aconteceu

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682. depois de 11/09? Nós fomos à mesquita ou não nos arriscamos e ficamos

683. em casa? Bom, nós conversamos sobre isso e pode parecer uma decisão

684. pequena, mas para nós era sobre o tipo de país que queremos deixar para

685. nossos filhos: um que vai nos controlar pelo medo ou um no qual poderemos

686. praticar nossa religião livremente. Então decidimos ir à mesquita. Colocamos

687. meu filho no carro, colocamos o cinto nele e dirigimos silenciosamente,

688. intensamente, até a mesquita. Tirei ele do carro, tirei meus sapatos, entrei na

689. sala de oração e o que eu vi me fez parar. O local estava completamente

690. cheio. E o imã fez uma declaração, agradecendo e dando boas-vindas aos

691. nossos convidados, porque metade da congregação era de cristãos, judeus,

692. budistas, ateístas, crentes e descrentes, que tinham vindo, não para nos

693. atacar, mas para serem solidários a nós. (Aplausos) Nessa hora, eu chorei.

694. Essas pessoas estavam lá porque escolheram coragem e compaixão em vez

695. de pânico e preconceito. O que vocês escolheriam? O que escolheriam

696. nessa hora de medo e intolerância? Vocês escolheriam a segurança? Ou se

697. juntariam aos que dizem "nós somos melhores que isso"?

698. Obrigada. (Aplausos)

(Helen Walters – mestre de cerimônia)

699. O que você diria àqueles que podem argumentar que você está dando uma

700. palestra TED você é claramente uma pensadora, trabalha em uma think

701. tank39 sofisticada, você é um exceção, e não a regra. O que você diria

702. essas pessoas?

(Dalia Mogahed)

703. Não deixem o palco enganar vocês, sou completamente comum. Eu não sou uma exceção,

704. minha história não é incomum. Eu sou muito comum. Quando você pensa sobre os

705. muçulmanos ao redor do mundo, eu fiz isso, eu fiz o maior estudo já feito sobre muçulmano

39 Grupo de discussão e pesquisa sobre temas sociais, políticos, militares, etc.

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706. ao redor do mundo, as pessoas querem coisas comuns. Querem prosperidade para a sua

707. família, querem empregos e viver em paz. Então, de forma alguma eu sou uma exceção.