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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria de Lourdes Bohrer Antonio RELAÇÕES AFETIVAS EM LITÍGIO E A MEDIAÇÃO FAMILIAR DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2013

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … de... · Autor: Maria de Lourdes Bohrer Antonio 2. Título: Relações Afetivas em Litígio e a Mediação Familiar ... Professora

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria de Lourdes Bohrer Antonio

RELAÇÕES AFETIVAS EM LITÍGIO E A MEDIAÇÃO FAMILIAR

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Maria de Lourdes Bohrer Antonio

RELAÇÕES AFETIVAS EM LITÍGIO E A MEDIAÇÃO FAMILIAR

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Serviço Social, sob a orientação da Profª. Drª. Maria Lucia Rodrigues.

SÃO PAULO

2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

1. Autor: Maria de Lourdes Bohrer Antonio

2. Título: Relações Afetivas em Litígio e a Mediação Familiar

3. Programa: Serviço Social. PUC-SP. São Paulo: São Paulo, 2013

4. Nº de folhas: 277

5. Grau: (X) tese (doutorado)

6. Área de Concentração: Serviço Social

7. Orientador(a): Profª. Drª. Maria Lucia Rodrigues

8. Descritores: Serviço Social

9. Palavras-Chave: afetividade; mediação familiar; sócio-jurídico.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Professora Drª. Maria Lucia Rodrigues

Orientadora

___________________________________________

Professora Drª Bader Burihan Sawaia

Membro da Banca

___________________________________________

Professora Drª Águida Arruda Barbosa

Membro da Banca

___________________________________________

Professora Drª Rosa Maria Ferreiro Pinto

Membro da Banca

___________________________________________

Professora Drª Maria Carmelita Yasbek

Membro da Banca

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Dedico esta Tese à:

Victoria e Maria da Glória

Silvia Estela Gigena

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AGRADECIMENTOS

Só os homens livres são muito gratos uns para com os outros (Spinoza, Ética IV, Prop. 71)

Fica expressa, aqui, a minha gratidão a todos que contribuíram para a realização

deste trabalho, especialmente:

À minha orientadora, Prof. Dra. Maria Lucia Rodrigues, pelo investimento afetivo

dispensado a mim durante o doutorado.

À banca de qualificação, pelas valiosas contribuições oferecidas por ocasião do

exame; à Prof. Dra. Águida Arruda Barbosa e à Prof. Dra. Bader Burihan Sawaia, pela

disponibilidade e pelo empenho.

À CAPES, pelo suporte financeiro para a realização deste estudo.

Ao Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da PUC-SP, pela forma

democrática com que conduz o oferecimento de bolsas e por todo o seu corpo docente do

Serviço Social que, de forma tão sábia, nos auxiliam e acompanham no processo de

aprendizagem.

Ao Prof. Dr. Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, pelo acolhimento enquanto aluna

especial na Universidade de São Paulo-USP - Faculdade de Direito, Curso de Pós-graduação,

disciplina “Mediação em Conflitos de Justiça, Cultura da Paz e Promoção dos Direitos

Humanos”.

À Juíza de Direito, Coordenadora do Setor de Mediação das Varas da Família e

Sucessões da Comarca de Santos/SP, Silvia Estela Gigena, pela confiança depositada, desde o

primeiro momento, e pela autorização para que fosse possível a realização desta pesquisa.

À Juíza de Direito, Diretora do Fórum da Comarca de Santos na gestão 2012/13,

Thatyana Antonelli Marcelino Brabo, pelo incentivo constante e pela valorização deste

estudo.

Às Juízas de Direito, Ariana Consani Brejão de Gregório Gerônimo, Mariella

Amorim Nunes Rivau Alvarez, Natália Garcia Penteado Soares Monti e Vanessa Aufiero da

Rocha, pelo acolhimento inicial e permanente à ideia da mediação.

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Ao Desembargador Gilberto Passos de Freitas e aos Juízes de Direito, Evandro

Renato Pereira, e José Vitor Teixeira de Freitas, pela compreensão imediata da necessidade de

se implementar a mediação familiar judicial na Comarca de Santos.

Às juízas e às famílias participantes desta pesquisa, pela generosidade e

disponibilidade com que me receberam.

Ao apoio da Profa. Riyadh Weyersbach.

À Prof. Dra. Rosa Maria Ferreiro Pinto, pelo incentivo à vida acadêmica.

Às grandes companheiras de trabalho, Silvia Maria Bagaiolo Coimbra - assistente

social, Roseli Barreira Fernandes da Rocha - psicóloga, e Virgínia Araújo - escrevente, pelo

apoio incondicional à realização deste estudo.

Às leitoras críticas deste trabalho e grandes amigas: Maria Antelma Ferraz de

Mendonça Jensen – psicóloga, Sandra Aparecida Siqueira – assistente social e bacharel em

Direito, Fátima Aparecida Micheletti, Maria Natália O. P. Bueno Guerra e Fausta A. O.

Pontes Bueno Guerra – assistentes sociais.

À minha família: ao meu marido, Jaime, pelas décadas de companheirismo e

incentivo à minha vida profissional; às minhas filhas muito amadas, Victoria e Maria da

Glória, pelo amor, paciência e alegria; aos meus pais, pelo amor incondicional; aos meus

irmãos, Elias, Zezé, Manoel, Dorinha e Duda, pela amizade e confiança; à minha sobrinha,

Renata “raios de sol”; e à “família Jensen”, especialmente à Tomas, meu auxiliar nas

transcrições.

Enfim, esta tese deve muito a muitos, a todos agradeço infinitamente em uma

infindável lista: à equipe de assistentes sociais e psicólogos da Comarca de Santos, Verônica

A. da M. Cezar-Ferreira, Sandra Fedullo Colombo, Ana Maria Menezes, Lígia Maria C. B.

Fonseca, Ana Maria C. A. Correa, Cristiane A. da Costa, Fátima C. C. Fontes, Regina Silva,

Juarez Leite, Jacy dos Santos, Wilson e Wilsinho Cístolo, Denise G. Pampolini, Vera Blank,

Márcia Cristina Lima, Verinha Fagundes, Roninele Dalmonech, Mario Alcântara Queiroz,

César A. Panighel, Sandra e Marcelo Boaventura, Cynthia Varandas, Caroline Lobo, Juliana

Cocito, Telma Rodrigues, Fernanda Winchester, Bethânia e Victor, Claudete Negreiros, Joice

Antonio, Terry Ruas, Gina Chamone e Roberto Zárate, Nilson, Ellen, Ana Costa e Verônica,

Comunidade aimoreense “Capa-bode”...

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RESUMO

O objetivo geral do trabalho foi analisar as relações afetivas familiares entre pais de crianças e

de adolescentes em situação de litígio e desvelar o sentido da mediação familiar. Nosso

principal referencial teórico foi o filósofo Spinoza e os contemporâneos Morin e Maturana.

Realizamos um estudo quantitativo, por meio do qual localizamos a inserção dos Pedidos de

Guarda e Regulamentação de Visitas como a principal demanda do Setor de Mediação das

Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, bem como traçamos o perfil dos

protagonistas desses pedidos: os requerentes e requeridos, pais das crianças/adolescentes.

Delimitamos o universo nos anos de 2008 a 2010.

Com o perfil decorrente do quantitativo, realizamos um estudo qualitativo. Efetuamos

entrevistas semiestruturadas, com sete famílias e cinco juízas que encaminharam os usuários.

A pesquisa qualitativa foi analisada por meio de dois eixos: as relações afetivas familiares e a

mediação familiar.

Compreendemos que as relações familiares dos pais em litígio está marcada pelo desejo de

convivência amorosa com os filhos e pela efetivação de direitos. Ainda que esta ação seja

inicialmente um padecimento, por ter sido movida por uma paixão triste, o litígio é uma

medida para o enfrentamento de um sofrimento ético-político. Esta ação busca a concórdia,

mesmo que possa parecer o contrário. A mediação familiar judicial é uma proposta do

judiciário que colabora para a concórdia ser uma passagem para o encontro com um estado de

paz. Paz é potência de vida, alegria e liberdade que se expressam nas condições materiais e

espirituais da vivência humana em sociedade.

A mediação familiar judicial é um processo de trabalho exercido por um profissional (ou uma

equipe) qualificado, com uma metodologia própria e interdisciplinar de base afetiva e ética,

para que duas ou mais pessoas que tenham laços familiares – sejam eles consanguíneos ou

não – e que passam por uma situação de litígio busquem respostas mais responsáveis,

autônomas e exequíveis sobre o conflito, tendo como perspectiva uma cultura da paz e dos

direitos humanos. Concluímos que as relações familiares em litígio configuram-se em uma

expressão contemporânea da questão social e que a mediação se revela um dos importantes

instrumentos para o seu enfrentamento enquanto parte de uma política, sendo o assistente

social sujeito relevante no planejamento e na execução desta política.

Palavras-Chave: afetividade; mediação familiar; sócio-jurídico.

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ABSTRACT

This study aims at analyzing the affective family relationships between the parents of

children/adolescent children in litigation phase and at learning the meaning of family

mediation. Our main theoretical framework lies on the philosopher Spinoza and on the

contemporaries Morin and Maturana.

We conducted a quantitative study through which we located the insertion of Custody Petition

and Regulatory Visits as the main demand of the Mediation Sector of Family and Probate

Courts in the District of Santos, and we profiled the protagonists of those petitions, i.e., the

claimants and the defendants, parents of the children/adolescent children. The research was

limited to a three-year window (2008-2010).

With the profile resulting from the quantitative study, we conducted a qualitative study. We

have carried out semi-structured interviews with seven families as well as with five judges

who referred users to our Mediation Sector. The qualitative research was analyzed using two

axes: family affective relationships and family mediation.

We understand that family relationships of parents in litigation is marked by the desire to love

living with their children and by the realization of rights. Although this action is primarily a

suffering for having been driven by a sad passion, litigation is a measure to cope with an

ethical-political suffering. This action seeks harmony, even though it may seem otherwise.

The judicial family mediation is a judiciary proposal which contributes to harmony be a path

to meeting with a state of peace. Peace is power of life, happiness and freedom that are

expressed in the material and spiritual conditions of human existence in society.

The judicial family mediation is a work process performed by a qualified professional (or

team) with his/her own interdisciplinary methodology, having an affective and ethical basis,

so that two or more people who have family ties - whether by blood or not - and who are

going through a litigation phase look for more responsible, autonomous and enforceable

answers on the conflict. The qualified professional does that under the perspective of a culture

of peace and human rights. We conclude that family relationships in litigation are configured

in a contemporary expression of the social issue and that mediation is revealed as one of the

most important tools for dealing with it as part of a policy. The social worker is a relevant

subject in planning and implementing that policy.

Keywords: affection, family mediation; socio-legal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 16

CAPÍTULO I - MEDIACÃO, SERVIÇO SOCIAL E O CONTEXTO LEGAL ................. 26 1. Categoria mediação ................................................................................................................ 26 2. Mediação como processo de trabalho ................................................................................... 29 3. Mediação familiar como trabalho do assistente social judiciário e o contexto legal ........ 42

CAPÍTULO II – A AFETIVIDADE HUMANA ...................................................................... 55 1. A afetividade humana em Spinoza ........................................................................................ 58 2. A afetividade e as relações sociais ......................................................................................... 71

CAPÍTULO III – PESQUISA: CONTEXTO E METODOLOGIA ...................................... 82 1. Setor de mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos .................. 82 A. Criação e funcionamento ...................................................................................................... 82

• Sobre o fluxo de trabalho ............................................................................................... 84 • Sobre os procedimentos técnicos ................................................................................... 87

B. Estudo da demanda ................................................................................................................. 92 C. Perfil social dos usuários ........................................................................................................ 102 2. Metodologia ............................................................................................................................. 111

CAPÍTULO IV - O DISCURSO SOBRE AS RELAÇÕES AFETIVAS FAMILIARES NA VOZ DE SEUS PROTAGONISTAS ................................................................................. 122

1. Relações afetivas dos pais com a família de origem ........................................................... 125 2. Relações afetivas dos pais com seus filhos ........................................................................... 146 3. Relações afetivas entre os pais .............................................................................................. 157

CAPÍTULO V - A COMPREENSÃO DA MEDIAÇÃO FAMILIAR PELOS USUÁRIOS E AUTORIDADES JUDICIÁRIAS .................................................................... 185

1. Percepção dos usuários .......................................................................................................... 187 2. Percepção das Autoridades Judiciárias ............................................................................... 212 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 236 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 252 APÊNDICE ................................................................................................................................. 266 ANEXOS ..................................................................................................................................... 270

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Recepção: água e chá ............................................................................................. 196 FIGURA 2 - Livros de poesia ...................................................................................................... 196 FIGURA 3 - A proposta de um ambiente acolhedor ................................................................... 197 FIGURA 4 - O sorriso da escrevente que recepciona ................................................................. 197

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Processos enviados ao Setor de Mediação das Varas da Família e das Sucessões da Comarca de Santos/SP em 2008-2010. Ano/Vara ................................................................. 92 TABELA 2 – Caracterização de ações recebidas referentes aos anos de 2008-2010 ................. 93 TABELA 3 – Movimento de unidades atendidas pelo Setor de Mediação em 2008-2010 ......... 94 TABELA 4 – Número de sujeitos por unidade de atendimento .................................................. 95 TABELA 5 – Reuniões por unidade de atendimento .................................................................. 96 TABELA 6 – Caracterização das ações em 2008-2010 – Mediações concluídas ....................... 97 TABELA 7 – Tempo entre a data de distribuição do processo e a determinação do envio para o Setor de Mediação das Varas da Família e das Sucessões da Comarca de Santos/SP em 2008-2010 .................................................................................................................................... 98 TABELA 8 – Litígios anteriores ao atual entre requerente/requerido ........................................ 99 TABELA 9 – Existência de outros processos atuais entre requerente/requerido além dos enviados ao Setor de Mediação ................................................................................................... 100 TABELA 10 – Existência de perícia social e psicológica nos processos enviados ao Setor de Mediação ..................................................................................................................................... 100 TABELA 11 – Grau de instrução formal dos requerentes/requeridos ........................................ 102 TABELA 12 – Requerentes/Requeridos – Profissão .................................................................. 103 TABELA 13 – Requerentes/Requeridos – Renda ....................................................................... 104 TABELA 14 – Tempo que exerce atividade laborativa no atual trabalho – requerentes/requeridos ................................................................................................................. 106 TABELA 15 - Estado civil dos requerentes/requeridos .............................................................. 106 TABELA 16 – Número de filhos entre requerentes e requeridos ou número de crianças-adolescentes envolvidos no litígio ............................................................................................... 107 TABELA 17 – Condição de residência do requerente /requerido ............................................... 108 TABELA 18 – Tipo e tempo de relacionamento entre as partes ................................................. 109

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LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE A – Termo de Consentimento livre e esclarecido ................................................... 271 APÊNDICE B – Autorização da Autoridade Judiciária para a realização da pesquisa .............. 273

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 - Perfil sócio-jurídico ................................................................................................. 275 ANEXO 2 - Avaliação do trabalho de mediação ........................................................................ 280 ANEXO 3 - Aprovação do Comitê de Ética ................................................................................ 282

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LISTA DE SIGLAS

Siglas e abreviações indicativas da Ética - obra de Spinoza

AD – Definição dos afetos (Affectum definitiones), adendo à parte III

Ap. – Apêndice

cor. – Corolário

def. – Definição

dem. – Demonstração

esc. – Escólio

exp. – Explicação

post. – Postulado

prop. – Proposição

pref. – Prefácios

Indicação das citações da obra de Spinoza

A obra de Spinoza, “Ética”, será citada com as seguintes siglas e abreviaturas: as partes serão indicadas em algarismos romanos (E, I; IV etc.); em arábicos serão indicados, seguidos de abreviaturas: as definições (E, I, def. 6), suas explicações (E, II, 3 def., expl.), os axiomas (E, II, ax. 1), os enunciados das proposições (E, III, P4), as demonstrações (E, V, 24 dem.), os corolários (E, I, 20, cor. 1), os escólios (E, IV, 9 esc.), os lemas (E, II, 4 lem.), os postulados (E, III, 2 post.), os prefácios das partes (E, IV, Pref.).

Exemplificação:

E II, 35 esc. = Ética, Parte II, Proposição 35, escólio

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INTRODUÇÃO

O mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece

Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?

E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,

Rio como um regato que soa fresco numa pedra. FERNANDO PESSOA

Esta tese nasce das reflexões ocorridas no cotidiano da função de Assistente Social

Judiciário, no sistema sócio-jurídico, iniciadas há mais de vinte anos no Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo - Fórum da Comarca de Santos. Neste sentido, ela é, também, parte do

nosso trabalho e expressa uma das dimensões da prática profissional.

Estabelecemos como objeto as relações afetivas entre pais de crianças e adolescentes,

em situação de litígio, atendidas no exercício da mediação familiar judicial. Nossa reflexão

centra-se na relação entre pai/mãe/filhos que têm, ou tiveram, processos nas Varas da Família

e Sucessões da Comarca de Santos e que se dispuseram a participar da mediação familiar

efetuada por assistentes sociais. Portanto, a perspectiva deste trabalho é a compreensão e a

análise do movimento relacional familiar sob a influência da atuação profissional do

assistente social enquanto mediador.

Nossas indagações ocorrem no sentido de compreendermos as relações afetivas dos

integrantes dessas famílias no momento de mudança, no que esse movimento da família como

um sistema interfere nos sentimentos e valores dos sujeitos e, também, em como a mediação

familiar, como proposta do Judiciário, influencia para que eles vivam o arranjo familiar de

“nós” e os laços afetivos. No bojo dessas reflexões, buscamos captar o sentido da atuação dos

profissionais de Serviço Social, tanto para essas famílias quanto para as Autoridades

Judiciárias, bem como verificar suas contribuições e desafios.

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as relações afetivas familiares entre

pais de crianças e de adolescentes em situação de litígio e desvelar o sentido da mediação

familiar. Para a consecução do objetivo geral, foram delineados dois objetivos específicos:

analisar as relações afetivas entre esses pais; e investigar o sentido da mediação no

enfrentamento dessa situação, em atuação exercida por assistentes sociais.

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Justificativa

Estamos [...] diante de um primeiro problema: que a tentativa de elucidação não seja traição, e muito menos ocultação. De resto, a palavra elucidar torna-se

perigosa, se acreditarmos na possibilidade de trazer à luz plenamente todas as coisas. Creio que a elucidação esclarece, mas ao mesmo tempo revela: o que

resiste à luz, detecta também um fundo obscuro. (MORIN, 2001, p. 16).

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios (Pnad 2007), divulgados em setembro de 2008, revelaram

aumento tanto no número de casamentos quanto de separações, com a opção pelo litígio, no

Brasil. Ainda segundo a pesquisa, 88,6% das pessoas que moravam juntas tinham parentesco,

sendo que, destes, 48,9% eram casais com filhos, indicando, assim, número menor que o

registrado em 1997 (56,6%).

Entre 1997 e 2007, o percentual de casais sem filhos havia crescido de 12,9% para

16%; e o de pessoas que viviam sozinhas, de 8,3% para 11,1%. Em relação às famílias com

filhos, 50,5% tinham filhos menores de 16 anos. Os filhos estavam, cada vez mais, sendo

criados por apenas um dos pais. 19,2% dos filhos viviam essa realidade em 1997, subindo

para 21,8% em 2007. A pesquisa revelou, também, que o percentual de filhos com menos de

16 anos, criados apenas pelo pai, havia aumentado, nesse mesmo período, de 7,8% para 9,8%.

A taxa de nupcialidade, ainda segundo o mesmo estudo do IBGE, que havia

aumentado para 6,4% em 1997, mas caído para 5,7% em 2002, voltava a subir para 6,5% em

2006. O Judiciário estava sendo mais acionado pelos casais que dissolviam a relação conjugal

devido ao aumento das separações judiciais litigiosas. Em 1997, 81,7% das separações foram

consensuais, enquanto que, em 2007, esse percentual caiu para 76%.

Posteriormente, o IBGE divulgou outra pesquisa, “Estatística do Registro Civil

2011”, objetivando acompanhar a evolução da população brasileira e monitorar o exercício da

cidadania e a implementação de políticas públicas. A pesquisa, publicada em 17/12/12,

reiterou dados como: o aumento da taxa de divórcio; o aumento do número de casamentos; a

diminuição dos registros extemporâneos; e o aumento da guarda compartilhada.

Segundo o IBGE, o Brasil, em 2011, registrou a maior taxa de divórcio desde 1984,

chegando a 351.153 - um crescimento de 45,6% em relação a 2010, quando foram registrados

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243.224 divórcios1. Entretanto, assim como a taxa de divórcio, a de casamento também

aumentou: em 2011, foram registrados 1.026.736 casamentos, 5% a mais que no ano

anterior. Verificou-se, também, que apesar de as mulheres ainda serem a maioria na

responsabilidade pela guarda dos filhos, houve um aumento de 5,4% na guarda

compartilhada, que representa mais que o dobro do verificado em 2001.

A nossa experiência de trabalho, juntamente com os dados anteriormente

mencionados, instigam-nos a refletirmos sobre a família e a mediação familiar, levando-nos a

várias indagações. Existem muitos estudos a respeito da mediação familiar? Há estudos a

respeito da mediação familiar em Serviço Social? Qual é a relação entre o trabalho de

mediação e a categoria ontológica marxiana? Qual conceito de mediação atenderia ao projeto

ético-político da profissão? A mediação seria uma nova profissão? Qual é o fundamento legal

para o exercício da mediação? Há uma política pública de mediação? Ela contempla as

necessidades? A mediação é uma atribuição do assistente social? Quais são os fundamentos da

afetividade humana? Como poderíamos transformá-la? Qual é a relação com a cultura da paz?

Quem são esses pais que litigam? Como são as suas relações familiares? O que é conflito? O

que é compreensão? Como é a relação entre os conflitos familiares e o judiciário? Que

percepção os pais em litígio e as autoridades judiciárias têm da mediação familiar? A

mediação é uma boa estratégia de enfrentamento ao litígio familiar? Qual concepção de

mediação familiar atenderia aos princípios do projeto ético-político do Serviço Social

brasileiro? Que implicações resultariam de uma pesquisa no tema das relações familiares em

litígio e mediação? O que mais precisaríamos saber sobre o tema?

Devido ao anteriormente exposto, percebemos como necessário o preparo de

profissionais - entre eles, o de assistentes sociais que trabalham com famílias - para lidar com

as separações dos casais e as consequências daí advindas, principalmente quando envolvem

filhos menores. Para compreender tamanha complexidade, é necessário que se pesquise o

assunto e não se deixe contaminar por velhas verdades petrificadas pelo tempo. Nosso estudo

1 “De acordo com Cláudio Crespo, pesquisador do IBGE, o aumento do número de divórcios ocorreu devido à aprovação da Emenda Constitucional nº 66, proposta pelo IBDFAM, [...]. A EC/66 eliminou os prazos para o divórcio ao extinguir o instituto da separação judicial, evitando os longos processos em que se buscava quem era o culpado pelo fim do casamento. Para o presidente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo da Cunha Pereira, a Emenda Constitucional EC/66 instalou um novo sistema de divórcio no Brasil [...] ao substituir o discurso da culpa pelo da responsabilização do sujeito. O que a pesquisa comprova ao revelar um aumento do número de divórcio ao mesmo tempo em que mostra o aumento do número de casamentos. ‘Simplificar a dissolução do casamento não significa de maneira alguma incentivar separações; ao contrário, significa apenas que a responsabilidade pelos vínculos conjugais diz respeito tão somente ao casal e que eles devem ter liberdade para manter ou não tal vínculo’, explica.” (Informativo 26 Ano 2012. Nº 276 19/12/12).

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reporta-se à demanda advinda das Varas da Família e Sucessões. Delimitar-se-á aos usuários

do Setor de Mediação, por ser este o lócus do nosso trabalho.

Muitos assistentes sociais têm realizado o trabalho no Judiciário, bem como refletido

sobre ele. Novos títulos2 têm sido publicados, com maior frequência, sobre o tema. No

entanto, as pesquisas feitas no âmbito do Serviço Social no Judiciário são insuficientes e

exigem maior aprofundamento frente às necessidades dos profissionais que atuam neste

campo. Podemos dizer que esta é uma área que se silenciou e que “[...] tem sido silenciada na

literatura especializada” (IAMAMOTO, 2004, p. 263). Parece, inclusive, que houve um hiato

nas produções neste campo, pois não acompanharam o volume das publicações do Serviço

Social. Conforme explica Netto:

[…] a década de oitenta assinalou a maioridade do Serviço Social no Brasil no domínio da elaboração teórica. Nesse decênio, desenvolveu-se, no interior da categoria, uma ‘divisão de trabalho’ (uma especialização) que é própria das profissões amadurecidas: a criação de um segmento diretamente vinculado à pesquisa e à produção de conhecimentos. Constituiu-se uma intelectualidade no Serviço Social no Brasil, que passou a ser o vetor elementar a subsidiar o ‘mercado de bens simbólicos’ da profissão. Foi característica desse mercado a circulação de produções brasileiras – não é de menor importância, no período, a diminuta difusão de literatura profissional estrangeira. (NETTO, 1996, p. 12).

Observamos, empiricamente, que os estudos publicados no campo sócio-jurídico, em

sua maioria, têm sido sobre trabalhos relacionados à Vara da Infância e Juventude. A primazia

na publicação desses trabalhos provavelmente tenha ocorrido devido à demanda histórica da

área. As Varas da Infância e Juventude recebem a demanda de crianças e adolescentes que

estão na iminência de - ou que já se encontram em - risco pessoal e social. São crianças e

adolescentes que estão abandonados, em acolhimento institucional; sofrem violência por parte

de seus familiares; cometem atos infracionais; entre outras situações que significam que estão

sob o risco de perderem ou dilacerarem suas vidas por falta de cuidados de sua família ou do

Estado.

2 Vale ressaltar as seguintes obras: “Serviço Social Jurídico: perícia social no contexto da infância e da juventude - Manual de procedimentos técnicos” (Turck, 2000, Ed. Livro Pleno); “Rompimento dos Vínculos do Pátrio Poder: condicionantes socioeconômicos e familiares” (Fávero, 2001, Ed. Veras); “Avaliação e Linguagem: relatórios, laudos e pareceres” (Magalhães, 2003, Ed. Veras); “Famílias acolhedoras: preservando a convivência familiar e comunitária” (França, 2006, Ed. Veras); “Adoção Consentida: do desenraizamento social da família à prática de adoção aberta” (Gueiros, 2007, Ed. Cortez). Vale citar, também, uma ampla pesquisa sobre o trabalho do assistente social e do psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, publicada por Fávero, Melão e Jorge, em 2005, Ed. Cortez, além da revista Serviço Social & Sociedade, n. 67, Ed. Cortez, publicada em setembro de 2001, que trata, exclusivamente, de temas sócio-jurídicos. A partir de 2001, foi incluída a área sócio-jurídica na pauta temática dos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais.

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Os assistentes sociais também atendem à demanda proveniente dos Juízos de Família.

Em Santos, as Varas de Família e Sucessões recebem as demandas afetas à família

especificamente, indo desde processos que remetem a aspectos mais objetivos, como

Inventários e Arrolamento de Bens, até aqueles que envolvem aspectos mais subjetivos, como

Divórcio, Regulamentação de Visitas, Disputa de Guarda, ou seja, situações que, geralmente,

envolvem a vida de crianças e adolescentes.

Essas crianças e adolescentes não estariam, supostamente, sob risco, uma vez que

contam com suas famílias; entretanto, tal risco, muitas vezes, existe. Nessas configurações

familiares, o direito de crianças e adolescentes desenvolverem-se em ambiente saudável nem

sempre é preservado, passando a ser objetos de disputa e “objetos” nessa disputa. Devido à

existência de conflitos nesses processos que apresentam uma maior subjetividade, é recorrente

o juiz determinar ao Assistente Social Judiciário a realização de um estudo como perito. A

perícia social, realizada ao longo dos anos, é de vital importância, já que apresenta ao

magistrado um estudo tecnicamente balizado em relação a qual decisão atenderia melhor ao

interesse da criança. O estudo contempla as necessidades dos usuários em situação conflituosa

pelo prisma da compreensão e análise, já que a sua intervenção precípua realiza-se por meio da

emissão de um parecer. Contudo, as necessidades pessoais e sociais dos usuários em conflito

são complexas, exigindo, também, em muitas situações, uma atuação do assistente social que

afete, mais diretamente, os relacionamentos familiares.

Visando um melhor e mais específico acolhimento a tais necessidades, foi criado em

Santos, em junho de 2007, o Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca

de Santos, doravante denominado de Setor de Mediação. Desde então, a profissional que

subscreve esta tese passou a se dedicar, exclusivamente, ao trabalho de mediação familiar no

referido setor. Para melhor atender aos usuários, esta pesquisadora passou a estudar mais sobre

o tema mediação familiar. Por meio do estudo, percebeu a existência de uma lacuna sobre o

assunto, principalmente na área de Serviço Social. Verificou, também, que a mediação,

especificamente a mediação familiar, que é uma área relativamente nova para os assistentes

sociais, principalmente no Brasil, necessita de maior compreensão teórica e metodológica,

conforme será demonstrado, a seguir, na pesquisa do estado da arte.

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Mediação familiar e o Serviço Social - o estado da arte3

[...] um procedimento justo é a condição da vida boa – de todas as vidas boas possíveis – mas não é suficiente para a vida boa. Justiça é o esqueleto; a vida boa é a

carne e o sangue. A “vida boa” consiste em três elementos: primeiro, certeza; segundo, o desenvolvimento de dons em talentos e o exercício daqueles talentos; e

terceiro, profunda emoção em ligações pessoais. Dentre esses três elementos, a retidão é o abrangente. Todos os três elementos de vida boa estão além da justiça.

(HELLER, 1998, p. 371).

Iniciamos a pesquisa em bases de dados para verificarmos qual é a produção

científica com relação ao tema proposto nesta tese, qual seja, a mediação familiar. Optamos

por fazer a busca em três bancos de publicações de veiculação na internet, a partir do banco de

teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES4), do Ministério da Educação, nos quais são depositadas pesquisas a nível nacional. O

portal do Banco de Teses e Dissertações da CAPES online disponibiliza as publicações de

teses de doutorado, dissertações de mestrado e mestrado profissionalizante a partir de 1987 até

a atualidade (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2011).

A pesquisa no portal da CAPES foi inicialmente feita a partir de palavras por assunto.

Por meio da busca pelo termo “mediação familiar”, obtivemos 20 resultados; e pelo termo

“Administração de conflitos mediação”, 35 resultados. Em seguida, fizemos uma seleção de

acordo com as palavras-chave apresentadas que tivessem relação com o tema da pesquisa,

sendo que os resultados que não apresentaram nenhuma palavra-chave também foram

automaticamente inseridos para que pudessem ser analisados posteriormente. Após feita a

seleção, centramos a nossa atenção em 15 resultados. Esses resultados foram analisados de

acordo com o conteúdo, e os que se referiam, nos resumos, à “mediação familiar”, foram

utilizados para a nossa análise inicial de produção científica. Somando-se os dois resultados de

busca anteriormente citados, foram utilizados 23 resultados.

As produções pesquisadas abrangeram os anos 2001 a 2009, excluindo-se o ano de

2004 por não haver, naquele ano, publicação relativa ao tema. A maior produção encontrada

foi na área de Direito, com 16 trabalhos publicados; em seguida, na área de Psicologia, com 5

3 O levantamento do estado da arte foi publicado e apresentado no 6º Encontro Nacional de Política Social – ENPS, realizado em Vitória/ES, na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, de 28 a 30 de setembro de 2011, sob o título “Mediação familiar: estudo, pesquisa e a implantação da política judiciária nacional de tratamento dos conflitos de interesses”. 4 Banco de Teses e Dissertações da CAPES. Disponível em: http://capesdw.capes.gov.br.

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publicações; e, por último, nas áreas de Serviço Social e Educação, ambas apresentando,

apenas, 1 publicação sobre o tema em questão.

Após feita a consulta no portal da CAPES, acessamos o portal de periódicos Scielo

Brasil5 e a biblioteca repositária Dedalus6, da Universidade de São Paulo (USP), baseadas na

publicação do boletim da agência de notícias da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo

(FAPESP), segundo o qual a biblioteca eletrônica Scielo Brasil é o portal de periódicos de

acesso grátis melhor conceituado mundialmente, enquanto que a biblioteca repositária da USP,

com destaque nacional, ocupa 14° lugar na classificação mundial (MARQUES, 2011).

Na pesquisa no portal Scielo, fizemos consultas com a utilização de palavras-chave

que apareceram nos resultados utilizados do portal CAPES. Iniciamos a consulta com as

palavras “mediação” e “familiar”, resultando em sete publicações; em seguida, com o termo

“mediação de conflitos”, levando a 4 publicações; e finalizamos com os termos “mediação

familiar” e “conflitos familiares”, que não apresentaram nenhum resultado. Dos 11 resultados

obtidos, apenas dois tinham relação com mediação de conflitos, envolvendo situações

domésticas ou familiares: dois artigos, publicados nos anos 2007 e 2008, das áreas de

Psicologia e Sociologia, respectivamente.

Seguimos a pesquisa na biblioteca repositária da USP, Dedalus. Utilizamos para a

busca o termo “mediação familiar”, sem especificar um campo para o conteúdo, e obtivemos

19 resultados. Na sequência, utilizamos o mesmo termo, mas restringindo o campo para

“assunto”, e obtivemos 1 resultado. Em seguida, utilizamos o termo “mediação de conflito

familiar”, e obtivemos 7 resultados, e o termo “conflitos familiares”, mas sem obtermos

qualquer resultado. Os resultados eram compostos por teses, dissertações, livros e 1 artigo,

sendo que os livros não foram incluídos no material a ser analisado para mantermos o padrão

acadêmico de busca adotado. Excluímos as pesquisas que se repetiam e ficamos com 19

resultados; porém, apenas 2 tratavam do tema específico desta tese, mas na área de Direito.

Os termos utilizados para a busca, tanto no portal Scielo como na biblioteca

repositária Dedalus, foram os apresentados com maior frequência nos resultados obtidos nas

publicações relativas ao tema desta pesquisa, encontradas no portal CAPES. A revisão da

literatura que realizamos expõe a carência de pesquisas que tratem, especificamente, da

questão da mediação familiar, prática inserida no âmbito judiciário e que é composta por

5 Portal de periódicos Scielo Brasil. Disponível em: http://www.scielo.br. 6 Biblioteca repositária da USP, Dedalus. Disponível em: http://200.144.190.234/F.

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diversos atores das áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social. Além disso, pudemos

observar a carência de produções na área de Serviço Social, uma vez que foi localizada apenas

uma publicação dessa área no portal CAPES.

O único trabalho que abordou o tema “mediação familiar” na área de Serviço Social,

localizado nas bases de dados de acesso livre (CAPES), foi uma dissertação realizada em São

Paulo, na PUC-SP, por Elisangela Pereira de Queiroz, em 2009, sob o título “Mediação

familiar: um recurso interventivo extrajudicial - o relato de experiência na perspectiva do

serviço social”. Esta dissertação apresenta-se como de grande importância, pois coloca a

mediação familiar como uma prática para o Serviço Social. Relata a experiência realizada no

Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul, no Programa de Mediação

Familiar implantado pela autora. Apesar de considerarmos a relevância do estudo, o seu

contexto de pesquisa difere daquele a ser abordado nesta tese, pois iremos pesquisar no

contexto da mediação familiar realizada no poder judiciário.

Consideramos, também, relevante deixar registrado que foi efetuada pesquisa na

revista Serviço Social & Sociedade. Entretanto, apesar de ser a mais antiga na área de Serviço

Social no Brasil (desde setembro de 1979) e considerada, no meio profissional, como a mais

importante da área, não apresenta nenhum artigo sobre a mediação familiar.

Diante dos poucos estudos existentes no campo sócio-jurídico sobre famílias em

mediação judicial, percebemos a necessidade de aprofundarmos os trabalhos acadêmicos nesta

área. Portanto, centraremos a nossa atenção no nosso objeto de estudo: as relações afetivas

entre pais de crianças e adolescentes, em situação de litígio, atendidas no exercício da

mediação. Adentramos ao tema imbuídos de nossas observações cotidianas, curiosidades e

indagações científicas, atentos quanto à necessidade de sistematizá-las e conectá-las à literatura

existente, bem como de transformá-las em arcabouço para a mediação familiar e,

principalmente, para o Serviço Social.

Com esta intenção, seguimos alguns caminhos metodológicos em nossa pesquisa.

Fez-se necessário realizá-la em dois caminhos que se imbricam: um quantitativo, por meio do

qual localizamos a inserção dos Pedidos de Guarda e Regulamentação de Visitas como a

principal demanda do Setor de Mediação, bem como traçamos o perfil dos protagonistas

desses pedidos: os requerentes e requeridos, pais de crianças e adolescentes. Assim,

conhecemos os usuários como sujeito coletivo; e um caminho qualitativo, no sentido de

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analisarmos as relações afetivas familiares desses pais para desvelarmos o sentido da

mediação.

Com o perfil decorrente do estudo quantitativo, selecionamos sete famílias com as

quais realizamos entrevistas semi-estruturadas. Também colhemos depoimentos com cinco

juízas que encaminharam os pais para o Setor de Mediação. O detalhamento dessa parte

metodológica está contido no Capítulo III.

Esta tese está estruturada em cinco capítulos. No Capítulo I, expomos o nosso

entendimento sobre a mediação e a respeito de como o trabalho do assistente sócio-jurídico

entrelaça-se com a Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses.

No Capítulo II, apresentamos as bases teóricas para a compreensão da mediação

familiar, utilizando a afetividade humana como categoria central do trabalho. Trouxemos,

como centro de nossas reflexões, o pensamento do filósofo Baruch de Spinoza. Utilizamos,

como intérpretes contemporâneos do pensamento espinosano, os intelectuais brasileiros Bader

Burihan Sawaia, Marilena Chauí e Marcos André Gleizer, amparando-nos, também, nos

franceses Laurent Bove, Giles Deleuze e Hadi Rizk. Como um semieixo interligado ao redor

desse centro do pensamento espinosano, embasamo-nos na teoria da complexidade de Edgar

Morin, assim como nos fundamentos explicativos da natureza biológico-cultural do humano

de Humberto Romesín Maturana. Buscamos, nestes dois autores, aspectos que se encontram

com o pensamento espinosano.

No Capítulo III, contextualizamos a pesquisa, ao relatarmos sobre o funcionamento do

Setor de Mediação, e localizamos, por meio de estudo no plano quantitativo, os Pedidos de

Guarda e Regulamentação de Visitas encaminhados ao Setor de Mediação para mediação,

além de caracterizarmos os protagonistas dos usuários do referido setor. Adicionalmente,

apresentamos: a metodologia utilizada na pesquisa, no plano qualitativo; os critérios para a

escolha dos sujeitos, centrados no perfil que emergiu do plano quantitativo; e os

procedimentos necessários à realização do levantamento de dados.

No Capítulo IV, apresentamos as análises sobre os discursos dos usuários a respeito de

suas relações afetivas familiares. Organizamos este capítulo em três partes: na primeira, os

usuários tratam de suas relações afetivas com a família de origem; na segunda, com os seus

filhos; e na terceira, com o pai e/ou a mãe dos seus filhos.

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No Capítulo V, buscamos a compreensão sobre a mediação familiar na percepção dos

usuários e das juízas que os encaminharam ao Setor de Mediação. Organizamos o último

capítulo em duas partes: na primeira, apresentamos a análise do discurso dos pais; e na

segunda, a análise do discurso das juízas. Buscamos revelar e aprofundar de que forma a

mediação familiar tem sido apropriada pelos sujeitos.

Nas Considerações Finais, realizamos uma síntese avaliativa do trabalho efetuado,

tratamos das possíveis implicações que requerem a mediação familiar realizada na perspectiva

da afetividade e da ética, além de apresentarmos indicações para possíveis estudos.

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CAPÍTULO I - MEDIAÇÃO, SERVIÇO SOCIAL E O CONTEXTO LEGAL

O verde do céu azul antes do sol ir a nascer, E o azul do ocidente onde o brilhar do sol se sumiu.

As cores verdadeiras das coisas que os olhos vêem – O luar não branco mas cinzento levemente azulado.

Contenta-me ver com os olhos e não com as páginas lidas. FERNANDO PESSOA

Iniciamos o primeiro capítulo, apresentando as nossas reflexões sobre a mediação.

Desenvolvemos este capítulo em três partes. Na primeira, apresentamos o nosso entendimento

sobre a mediação, ressaltando a importante relação que o Serviço Social tem com o termo

mediação enquanto categoria marxiana, que não se contrapõe à forma que vamos utilizar, mas

que é, contudo, diferente, sendo que ambas não se objetam; ao contrário, complementam-se.

Na segunda, apresentamos a concepção da mediação com a qual vamos direcionar nossos

estudos: um meio alternativo de administração de conflitos cuja base é a afetividade humana e

a ética inserida na cultura da paz. Na última parte, fundamentamos, especificamente, sobre a

importância da mediação familiar judicial ser considerada um processo de trabalho do

assistente social judiciário, além de referenciar este exercício com a Constituição Federal, em

especial com a Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses.

1. Categoria mediação

Se quero dizer algo novo, Tenho que distorcer o uso de uma palavra numa direção ou noutra,

Ou inventar uma nova. O normal é que se encontre rejeição em ambos os casos,

Porque de fato o que faço ao mudar o linguajar é alterar o curso normal das coordenações de ações.

(MATURANA, 2002, p. 89)

Esta epígrafe auxilia-nos por salientar que um termo comumente utilizado, quando

dito em um sentido novo, pode enfrentar rejeições. Por isso, consideramos necessário

refletirmos sobre ele, procurando demonstrar a conexão existente entre o sentido conhecido e

o novo para realizarmos uma integração de significados. Por esta razão, é importante haver

uma distinção entre a forma que estamos utilizando a categoria “mediação” e de como ela é

usualmente utilizada na área de Serviço Social.

A mediação, em Serviço Social, é utilizada como uma categoria ontológica do

pensamento marxiano, orientação na atualidade hegemônica na profissão. Este referencial

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teórico começou a ser usado, timidamente, nos anos 60, dando início à chamada

“Reconceituação do Serviço Social” - movimento de renovação que teve como um dos seus

desfechos orientar os assistentes sociais para se voltarem à defesa dos trabalhadores como

classe social, tendo encontrado na interlocução com o Marxismo sua principal matriz teórica.

Nos anos 90, após longo período de ditadura militar no Brasil e de movimentos

aguerridos na luta por democracia e cidadania, uma parte do Serviço Social, envolvida nesses

processos sociais, amadurece teorica e politicamente. Como consequência, o profissional do

Serviço Social foi direcionado para uma vinculação com a construção de projetos societários

comprometidos com a liberdade, a equidade, a justiça social, a democracia e a cidadania. Ao

longo dessa trajetória, desenvolveu-se um projeto ético-político profissional que tem como

base três pilares: o Código de Ética do Assistente Social; a lei 8.662, de 07/06/1993, que

regulamenta a profissão; e as Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social (com base no

Currículo Mínimo, aprovado em Assembleia Geral Extraordinária de 8 de novembro de

1996).

Mesmo com o Código de Ética do Assistente Social (Resolução do Conselho Federal

de Serviço Social - CFESS nº 273, de 13 março de 1993) tendo como um dos princípios

fundamentais “[...] a garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais

democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante

aprimoramento intelectual” (BRASIL, 1993), a teoria social de Marx continua sendo, na

atualidade, hegemônica no Serviço Social. Por esta razão, é necessário que visitemos,

inicialmente, o termo “mediação” como uma categoria marxiana a fim de que, embora não a

utilizemos como tal, possamos salientar que, apesar de os dois sentidos serem distintos, não se

contrapõem, podendo, ainda, complementarem-se.

Conforme explica Pontes (2002, p. 81), “Na teoria social marxiana, a mediação tanto

se manifesta como uma categoria que compõe o ser social (ontológica) [....] quanto se

constitui num construto que a razão elabora logicamente para possibilitar a apreensão do

movimento do objeto”. Ontológica porque, na teoria social de Marx, a categoria “trabalho” é

considerada determinante para a humanidade, pois é ele que estabelecerá a relação sujeito-

objeto entre o homem e a natureza; então, a atividade produtiva - o trabalho - é a mediadora

dessa relação que é inerente ao ser Homem. Por outro lado, a mediação, na segunda

manifestação, é um movimento que estabelece a interlocução entre o homem e as outras

categorias analíticas, como a totalidade e a particularidade.

A mediação é responsável pelas relações que se operam no interior de cada complexo

intrínseco da totalidade, como também pelas articulações entre as estruturas: totalidade,

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particularidade e singularidade. A mediação capta o movimento da estrutura ontológica em

conjunção com o outro ser e/ou com o objeto concreto. Portanto, conforme salienta Pontes,

[...] o processo de alcance da essência invariavelmente ocorre mediatizado pela aparência, pelo fenômeno, ou seja, sempre o sujeito parte dos fatos – que na forma fenomênica é uma abstração - desocultando a essência através da superação da positividade dos fatos, negando-os para agarrar, através de múltiplas mediações, a totalidade concreta que, em última análise, se constitui na própria essência das coisas. (PONTES, 2002, p. 83).

O plano da singularidade traz o nível da existência imediata, do cotidiano que

apresenta características aparentemente iguais, mas totalmente diferentes em sua essência e

irrepetíveis da vida em sociedade. Entretanto, por sua característica, acaba passando

despercebido, e é justamente ali que também ocorrem as transformações. Para que se perceba

essas transformações, é preciso conectar esses ocorridos singulares com a universalidade do

fenômeno. É nesse plano que estão colocadas as grandes determinações gerais de uma dada

formação histórica (Pontes, 2002). O autor considera que

No plano da realidade, o particular representa a mediação concreta entre os homens singulares e a sociedade; a particularidade da vida humana está eivada da singularidade dos “fatos irrepetíveis” e saturada da universalidade, que é a legalidade que articula e impulsiona a totalidade social. (PONTES, 2002, p. 86).

O homem transforma e é transformado no cotidiano, onde são realizadas as ações do

particular. Conforme argumenta Heller (2000, p. 17), “[...] a vida cotidiana é a vida de todo

homem”. Ela não está fora da história; ao contrário, é a verdadeira essência do social. Por

isso, “[...] o indivíduo é sempre, simultaneamente, ser particular e ser genérico”. Mesmo que

as manifestações do homem forem de formas elevadas, que produzam “objetivações

duradouras” por meio da “arte e da ciência”, que a atividade prática do indivíduo for elevada

ao nível da práxis em “[...] atividade humano-genérica consciente [...]”, ultrapassando a

alienação, ainda assim ocorrerão dentro dos limites do cotidiano, afetando os indivíduos.

(HELLER, 2000).

Nesse sentido, a prática profissional, quando operacionaliza os conjuntos de

instrumentos das ações profissionais, constitui-se em mediações, uma vez que estas são

instâncias de passagem entre teoria e prática. Conforme argumenta Martinelli,

A compreensão da realidade e o penetrar nas suas tramas são fundamentais para que a mediação se efetive e ganhe solidez como categoria possibilitadora da transformação. [...] Através da mediação, o profissional tem a possibilidade de imprimir um direcionamento à sua prática, que poderá ser crítica ou alienada,

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produtiva ou reiterativa, dependendo do seu projeto político, do jogo de forças sócio institucionais e de sua leitura conjuntural da realidade. [...] A mediação é, portanto, uma força de objetivar a prática, pela qual o próprio profissional se objetiva enquanto ser social. É, ao mesmo tempo, uma categoria reflexiva e ontológica, pois sua construção se consolida tanto por operações intelectuais, como valorativas, apoiadas no conhecimento crítico do real, possibilitado fundamentalmente pela intervenção da consciência. (MARTINELLI, 1993, p. 136-137).

Assim, a mediação, enquanto categoria marxiana, em simples palavras, é algo que

está na relação entre o Homem e as coisas, mas também entre o Homem coletivo e as

estruturas econômicas e de poder. A mediação tem o sentido de contextualizar. Não se trata de

ecletismo, nem se vai adotar neste trabalho esta compreensão de mediação, mas apenas de

trazer a existência do conhecimento desta concepção do conceito e de demonstrar que a

mesma não se contrapõe com o que virá a seguir; ao contrário, complementa-se.

2. Mediação como processo de trabalho

É bem provável que muitos leitores pensem que a escolhi porque a considero particularmente consoante a mim mesmo. Não, confesso isto candidamente.

Gostaria muito de ter a natureza do homem sereno. Mas não é assim. Enfureço-me com frequência excessiva (tenho acessos de “fúria” e não “heroicos furores”)

para me considerar um homem sereno. Amo as pessoas serenas, isto sim, porque são elas que tornam mais habitável este nosso “cercado”, a ponto de

fazerem com que eu pense que a cidade ideal não é aquela fantasiada e descrita nos mais minuciosos detalhes pelos utópicos, onde reinaria uma justiça tão rígida

e severa que se tornaria insuportável, mas aquela em que a gentileza dos costumes converteu-se numa prática universal [...]

(BOBBIO, 2002, p. 45).

Para discorrermos sobre o tema mediação, por ser um exercício profissional

interdisciplinar, apoiaremo-nos, basicamente, em autores que falam sobre o tema em

Psicologia, mas, essencialmente, na área de Direito, considerando o volume de publicações

existentes7. Utilizaremos, como base, as reflexões desenvolvidas por Águida Arruda Barbosa,

principalmente as publicadas no boletim bimestral do Instituto Brasileiro de Família –

IBDFAM, bem como as referências indicadas na disciplina ministrada por Antonio Rodrigues

de Freitas Júnior, no curso de Direito da USP, “Mediação em conflitos de justiça, cultura da

paz e promoção dos direitos humanos”. Realizamos levantamento por meio da internet, em

28/06/11, nos sites dos programas de pós-graduação stricto sensu dos cursos de Direito,

Psicologia e Serviço Social das universidades federais de São Paulo, Espírito Santo,

7 Em termos de literatura internacional, voltamo-nos, um pouco mais, para a literatura francesa porque os fundamentos da mediação, idealizados pela Comunidade Europeia, estão mais próximos da concepção que adotamos, direcionada para a cultura da paz.

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Uberlândia, Bahia, Pernambuco, São Carlos, São João Del Rei, Juiz de Fora, Paraíba, Sergipe,

Paraná, Fluminense, Londrina, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Ceará, Piauí, Amazonas,

Grande Dourados e, ainda, na PUC de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas

Gerais, além de na UNB, quanto à existência de disciplinas a respeito de Mediação.

Obtivemos como resultado que, em nenhuma delas, existe disciplina sobre este tema.

Portanto, até a data do nosso levantamento, a disciplina referida era a única que tratava,

exclusivamente, do tema mediação nos programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil.

O termo mediação procede do latim mediare, que significa mediar, dividir ao meio ou

intervir. “A mediação está presente em alguns dicionários do século XIII; e, no século XIV,

tem o significado de ‘um intermediário entre Deus e o homem’ ou ‘pessoa que toma parte

para criar um acordo’. O mediador é definido, em 1314, como ‘uma pessoa ou coisa que serve

como ligação intermediária entre duas ou mais entidades’.” (LEFEUVRE, 2008, p. 137,

tradução de Águida Arruda Barbosa).8

Não trabalharemos, detalhadamente, o conceito de mediação, nem o utilizaremos em

seu sentido ontológico, por não ser a nossa intenção o desenvolvimento de um trabalho

teórico, mas sim voltado para a prática que necessita da teoria para dar suporte às ideias

apresentadas. O conceito ontológico de mediação estará no bojo desta prática. Não existe

unanimidade quanto a ele, mas os diversos conceitos existentes são convergentes em seus

principais aspectos. Diversos são os autores9 que tratam sobre o tema, mas apresentaremos

apenas os conceitos que consideramos mais representativos no Brasil para, em seguida,

discorrermos sobre o que construímos no decorrer da nossa prática e tecermos algumas

considerações sobre qual prisma estaremos focando a mediação neste estudo.

O Fórum Nacional de Mediação – FONAME é um órgão que integra, voluntariamente,

as entidades que se dedicam ao aperfeiçoamento, à divulgação e à prática de mediação de

conflitos. Seu objetivo é preservar a qualidade e o exercício de mediação10. O FONAME

(2012) entende a mediação como um “[...] método de resolução de conflitos, no qual um

8 Le mot médiation est présent dans certains dictionaires du XIII siècle, il a pour definition division par deux, aux XIV siècle, celle “d’intermédiaire entre Dieu et l´homme”, ou de “personne qui s’entremet pour créer um accord”. Le médiateur est défini em 1314 comme une “personne ou chose qui sert d’intermédiaire, de lien entre deux ou plusieurs entités. 9Apenas para efeito de ilustração, citamos alguns autores que tratam sobre o conceito de mediação. Os brasileiros Lia Regina Castaldi Sampaio e Adolfo Braga Neto. In: “O que é Mediação de Conflitos”, São Paulo: Brasiliense, 2007 (Coleção Primeiros Passos); Paulo Borba Casella e Luciane Moessa de Souza (Coord.). In: “Mediação de Conflitos - novo paradigma de acesso à justiça”, Belo Horizonte: Fórum, 2009; o americano John W. Cooley. In: “A advocacia na mediação”. Tradução de René Loncan, Brasília, 2001; e o francês Vincent Liquète, CNRS, Paris, 2010. 10 Conforme regulamento interno, aprovado na reunião plenária de 13 de setembro de 2007.

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terceiro independente e imparcial, na função de mediador ou co-mediador, auxilia as partes a

construir soluções a partir de seus interesses”.

Desmembrando este conceito, depreendemos que a mediação deve, primeiramente,

estar ancorada em um arcabouço teórico e possuir técnicas que tenham por finalidade auxiliar

na resolução de conflitos. Esse exercício é desenvolvido por um terceiro que está na condição

de independência e, em sua atuação, não penderá por uma parte ou por outra. Este terceiro,

que poderá ser mais de um, auxiliará as partes na construção de soluções a partir dos

interesses de cada um.

O “Manual de Mediação Judicial”, editado pelo Ministério da Justiça e pelo Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD (2010), adota o conceito de Yarn, que

apresenta a seguinte definição para mediação:

[...] um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte, neutra ao conflito, ou um painel de pessoas sem interesse na causa, para auxiliá-las a chegar a uma composição. Trata-se de uma negociação assistida ou facilitada por um ou mais terceiros na qual se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o terceiro imparcial facilita a negociação entre pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades. (YARN, 1999, p. 272).

Este conceito apresenta a mediação como movimento, cuja palavra traz a ideia de

processualidade, de construção por meio de vários atos, tendo em vista um objetivo. Essa

construção tem como base a negociação, que contém em seu âmago o entendimento de

concessões, de ganhos e de trocas, onde ambas as partes do conflito devem obter vantagens. O

mediador é considerado um terceiro, imparcial ao conflito, ou seja, uma pessoa que não está

envolvida, diretamente, na demanda e almeja a composição entre as partes que divergem. Isto

envolve vários atos procedimentais, que depreendemos ser a “metodologia aplicada”. Ainda

em relação ao conceito de Yarn (1999), observamos que os termos “posições”, “interesses” e

“necessidades” não são usados como sinônimos.

Diez e Tapia (2006, p. 136) explicam que o termo “interesses” consiste em tudo

quanto realmente importa às partes, seus “[...] desejos, medos, expectativas, preocupações,

etc”. Portanto, os “interesses” constituem o universo diante daquilo que a parte pleiteia em

sua “posição”, pois esta revela, apenas, um fragmento dos seus sentimentos. A

“necessidade”11, por sua vez, é diferente do que a parte percebe como seu “interesse”, bem

como do que pleiteia a sua “posição”. Trata-se do que é percebido para ela como necessário;

11 “É da natureza da razão considerar as coisas não como contingentes, mas como necessárias.” (E II, 44).

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entretanto, nem sempre o que é considerado como necessário por uma parte é reconhecido

pela outra ou, por vezes, o necessário é reconhecido por ambas as partes, mas não o recurso

existente. Por exemplo, em Direito, deve-se observar nas ações de alimentos, enquanto

princípio, o “[...] binômio necessidade X possibilidade”, que é o indicativo de que a

necessidade do alimentado deve compatibilizar-se com a possibilidade do alimentante.

Contudo, às vezes, o alimentante reconhece a necessidade do valor pleiteado pelo alimentado,

mas não consegue atender em recursos o valor pleiteado.

Para Calabresi e Bobbitt (1978), algumas escolhas podem ser dolorosas e até trágicas.

Em uma sociedade onde a produção e a reprodução dos bens são desiguais, certas situações

limites são colocadas pelo sistema. Algumas vezes, quando há distribuição de bens que se

tornam escassos, a sociedade tem que decidir quais métodos de alocação utilizar, e a

distribuição pode ocasionar grande sofrimento. Na escolha do método de distribuição, deve-se

atentar para fazer alocações em que sejam preservados os fundamentos morais de uma

sociedade colaborativa. Em outras palavras, na distribuição de recursos é necessário ir além

de cálculos financeiros e objetivos e colocar, em primeiro plano, a sociabilidade, e não a mera

distribuição igualitária ou legal do recurso.

A partir do exercício da nossa prática e considerando os estudos realizados,

entendemos a mediação como um processo de trabalho, exercido por um profissional (ou

equipe) teórica e tecnicamente qualificado no assunto a ser tratado e que adota, como base de

sustentação de sua ação, a afetividade e a ética, para que as pessoas busquem respostas mais

responsáveis, autônomas e exequíveis sobre o conflito, tendo como perspectiva uma cultura

da paz e dos direitos humanos.

Entendemos a mediação como um processo de trabalho porque ela deve ser realizada

profissionalmente, considerando que, nela, não há lugar para amadorismos; muito ao

contrário, exige-se conhecimento. O exercício do trabalho de mediação pressupõe uma

finalidade preliminar à ação, com consciência e intencionalidade. Antes de realizá-la, é

necessário ter claro aonde se quer chegar com aquela ação, ou seja, é fundamental haver

planejamento para que a ação tenha êxito, obtendo-se, assim, a mudança desejada. Para tal, é

necessário que o mediador conheça bem o assunto a ser tratado, já o tendo estudado em sua

amplitude de tal forma que este faça parte da sua formação profissional.

Esta ação está historicizada em uma dada época e lugar, que, por sua vez, é constructo

de uma sociedade e de um tempo. A mediação acontece dentro de um contexto de leis e

costumes, de maneira particular ou institucionalizada, pública ou privada.

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A mediação, realizada por um terceiro, pode ser exercida por um único mediador, por

dois mediadores, ou até mesmo por uma equipe, dependendo da complexidade do conflito e

das possibilidades alocativas de recursos de quem contrata o serviço, seja ele privado ou

público/institucional. Concordando com Aloisio (1997), no exercício da mediação não há

hierarquia entre mediador e comediador, não há o principal e o coadjuvante. Os profissionais

que mediam determinado conflito têm igual importância, cada qual no exercício de sua

experiência e conhecimento no assunto tratado. O importante é que entendam do tema que

estejam mediando e que tenham qualificação para o exercício.

A base da mediação é a afetividade e a ética em relação à postura do mediador e à

sua própria ação profissional. Cabe ao mediador, em sua ação profissional: procurar

proporcionar condições para a reflexão e a ação, construindo um encontro com os mediandos

que contemple os seus desejos; cultivar a compreensão do que é produzido naquele momento

pela força do corpo e do intelecto; promover o encadeamento e a articulação das ideias na

perspectiva do esclarecimento; caminhar na distinção entre vontade e apetite, impulsos e

paixões, conhecimento e desejo12; e sair do mundo imaginativo, que pode levar a confundir

ideias e imagens, afecções no corpo e no intelecto, ou seja, sair da paixão para que se possa

perceber os verdadeiros desejos, pois “[...] os desejos imaginários, nascidos das imagens

imaginativas, nos arrastam em direções opostas e nos deixam desamparados, amando e

odiando as mesmas coisas, afirmando-as e negando-as ao mesmo tempo”. (CHAUÍ, 2011, p.

65).

A mediação deve colaborar para descortinar as origens e as causas dos desejos,

compreendendo-os, e não dominando-os, a caminho de uma perspectiva ética de que a

felicidade é compartilhar com outros a fruição do bem. Conforme salienta Spinoza, no

capítulo III do Tratado Teológico Político,

A verdadeira felicidade e beatitude do indivíduo consiste unicamente na fruição do bem e não, como é evidente, na glória de ser o único a fruir quando os outros dele carecem; quem se julga mais feliz só porque é o único que está bem, ou porque é mais feliz só porque é o único que está bem, ou porque é mais feliz e mais

12

“À medida que está referido apenas à mente, chama-se vontade; mas à medida que está referido simultaneamente à mente e ao corpo, chama-se apetite, o qual, portanto, nada mais é do que a própria essência do homem, de cuja natureza necessariamente se seguem aquelas coisas que seguem para a sua conservação, e as quais o homem está, assim, determinado a realizar. Além disso, entre apetite e desejo, não há nenhuma diferença, excetuando-se que, comumente, refere-se o desejo aos homens à medida que estão conscientes de seu apetite. Pode-se fornecer, assim, a seguinte definição: o desejo é o apetite juntamente com a consciência que dele se tem. Torna-se, assim, evidente, por tudo isso, que não é por julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a apetecemos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela, por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa.” (E III, 9 esc.).

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afortunado que os outros, ignora a verdadeira felicidade e a beatitude. (TTP, 3, III, p. 45).

Esta perspectiva ética da afetividade direciona para que o percurso do mediando, seja

compreender como está afetado ou como afeta o outro, tenha conhecimento de si, mas

também procure conhecer o outro, perceba que o outro é um sujeito tanto quanto ele, atingido

por emoções, sentimentos e necessidades, e cercado por contingências.

A ação do mediador busca uma resposta responsável e autônoma13, reconhecendo-se o

mediando autor daquela história, capaz de avaliar e assumir as consequências da resposta

sobre si e sobre o outro. Isto deve ocorrer de maneira livre14, ou seja, o mediando não deve

submeter-se a forças externas e internas, moralmente inadequadas, mas escolher a resposta

possível de ser executada por ambas as partes do conflito, de modo que ela reforce a sua

potência de vida, também responsável, como um “[...] ato moral de religação: com o outro,

com uma comunidade, com uma sociedade e, no limite, religação com a sociedade humana”.

(Morin, 2011, p. 29).

A mediação deve estar imbuída pelos princípios da cultura de paz15 tal como preconiza

a UNESCO, segundo a qual a violência persiste na contemporaneidade e aprofunda a

desigualdade social, revelada nos altos recursos destinados à segurança e aos armamentos,

enquanto que os recursos para o desenvolvimento social são, constantemente, reduzidos.

Contempla, em sua base, educação e saúde de qualidade para todos, pluralismo cultural e

direitos humanos.

13 Apresentaremos a concepção de autonomia no Capítulo V. 14 “Não há, na mente, nenhuma vontade absoluta ou livre: a mente é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa que é, também ela, determinada por outra, e esta última, por sua vez, por outra, e assim até o infinito.” (E II, 48). 15 “Por iniciativa do Diretor Geral da UNESCO, Federico Mayor, a Cultura de Paz tornou-se a principal vertente da Organização, aumentando a promoção da não-violência, da tolerância e da solidariedade, e influenciando pessoas de todas as partes do mundo no sentido de engajarem-se em ações inspiradas por esses valores. [...] Em 1989, alguns meses antes da queda do muro de Berlim, durante o Congresso Internacional para a Paz na Mente dos Homens, em Yamassoukro (Costa do Marfim), que, pela primeira vez, a noção de uma "Cultura de Paz" foi expressa. Desde então, essa ideia tornou-se um movimento mundial. Em fevereiro de 1994, durante o primeiro Fórum Internacional sobre a Cultura de Paz, realizado em San Salvador (El Salvador), Federico Mayor lançou o debate internacional sobre o estabelecimento de um direito da paz, esboçado na Declaração de Viena (1993), na qual foi afirmado que direitos humanos, democracia e desenvolvimento são interdependentes e reforçam-se mutuamente. Em 1995, os Estados-Membros da UNESCO decidiram que a Organização deveria canalizar todos os seus esforços e energia em direção à Cultura de Paz. Na estrutura da Estratégia de Médio Prazo (1996-2001), um projeto transdisciplinar, chamado "Rumo à Cultura de Paz", foi estabelecido. No contexto desse projeto, ONGs, associações, coletividades, jovens e adultos, redes de jornalistas, rádios comunitárias e líderes religiosos de todo o mundo, trabalhando em favor da paz, da não-violência e da tolerância, estão ativamente empenhados em promover a disseminação da Cultura de Paz. Além disso, em 20 de novembro de 1997, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou o ano 2000 o Ano Internacional da Cultura de Paz, sob a coordenação geral da UNESCO.” (COMITÊ PAULISTA PARA A DÉCADA DE CULTURA DE PAZ - UM PROGRAMA DA UNESCO. Disponível em: <http://www.comitepaz.org.br/a_unesco_e_a_c.htm>).

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A Cultura de Paz está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não-violenta dos conflitos. É uma cultura baseada em tolerância, solidariedade e compartilhamento em base cotidiana, uma cultura que respeita todos os direitos individuais - o princípio do pluralismo, que assegura e sustenta a liberdade de opinião - e que se empenha em prevenir conflitos resolvendo-os em suas fontes, que englobam novas ameaças não-militares para a paz e para a segurança como exclusão, pobreza extrema e degradação ambiental. A Cultura de Paz procura resolver os problemas por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis. (COMITÊ PAULISTA PARA A DÉCADA DE CULTURA DE PAZ, 2001 - 2010).

A paz não é etérea; é concreta, é ação. Ela não é somente ausência de guerra ou

conflito; é justiça social. Está baseada nos arranjos políticos e econômicos dos governos, mas

não somente neles. Depende do apoio de cada um, na busca da igualdade social, fundada

sobre a solidariedade moral e intelectual da humanidade.

Apoiada na linguagem jurídica, a mediação insere-se no conjunto dos chamados

“meios alternativos de solução de conflitos”16, também chamados de “meios extrajudiciais de

resolução de conflitos” ou “meios alternativos de administração de conflitos”. Para o Serviço

Social, propomos que a última expressão seja adotada, visto ser a que mais se aproxima da

forma pela qual compreendemos a mediação. Consideramos ser a mediação uma das formas

de enfrentamento alternativo e de administração de conflitos, conforme explanamos a seguir.

O “alternativo” , como o entendemos, refere-se a uma visão de mundo diferente do

que está posto como dado, à visão de mundo hegemônica atual, que traz em seu bojo a

competitividade, o individualismo e a exploração da mais-valia na produção e reprodução

social. Assim, alternativo não apenas em relação ao funcionamento atual do sistema

judiciário, visto que este apenas faz parte de um sistema maior de produção e reprodução de

bens materiais e culturais. O judiciário, por seu funcionamento, reflete como as relações

sociais são construídas, posto que é uma instituição alocada em um mundo onde o ideário é

binário, insufla a competição, o individualismo e a adversaridade. Estamos utilizando o termo

alternativo como um outro modo de pensar e viver: uma lógica diferente de pensamento,

sentimento e ação predominantes na vida da sociedade atual.

Pactuamos com a ideia de que a mediação é um meio de “administração” de conflitos,

uma vez que poderá não conduzir a uma solução, ou a um acordo, inclusive pelo fato de que

muitos conflitos podem não ter uma solução; contudo, a mediação pode conduzir a um melhor

16 Tais métodos também são conhecidos por sua sigla em inglês, ADR (Alternative Dispute Resolution), ou sua sigla em espanhol, RAD (Resolución Alternativa de Disputas), ou sua denominação no Brasil, MARC (Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos), representando a solução de disputas sem a intervenção da autoridade judicial.

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meio para administrar um conflito. Na mediação, devem-se empreender esforços no sentido

de gerir e utilizar os recursos existentes, sejam eles dos próprios conflitantes ou do contexto

social ao qual estão inseridos, com o objetivo de: auxiliar os envolvidos no conflito por meio

de reflexões, para que eles mesmos busquem as soluções e possam encontrar

encaminhamentos possíveis para os problemas apresentados; e buscar uma integração entre os

recursos pessoais e sociais das partes, reforçando o processo de tomada de decisão, realização

e alcance das ações planejadas, de forma que suas potencialidades sejam utilizadas para

atingir os objetivos propostos, causando mudanças no impasse estabelecido.

A mediação é um elo entre os recursos pessoais, sociais, objetivos e subjetivos sobre

as possibilidades existentes, e mesmo sobre aquelas a serem criadas conjuntamente, a fim de

administrar ou solucionar o conflito. Como preconiza Barbosa (2011, bol. 67, p. 4), a

mediação “[...] fundamenta-se na cultura da paz [...] que visa educar para buscar justiça sem

violência. Já a pacificação dos conflitos [...], visa a homogeneização dos conflitos e das

pessoas, sem espaço para privilegiar as diferenças individuais”. A mediação “[...] privilegia o

reconhecimento e a ressignificação das diferenças” (BARBOSA, 2006, p. 764), e não o

aprisionamento dos conflitos.

Quando abordamos o tema “conflitos”, conforme explanaremos melhor no Capítulo

IV deste trabalho, referimo-nos aos conflitos de justiça e não apenas aos de controvérsia,

contradição ou contraposição de interesses, ou mesmo aos conflitos de desajuste no

relacionamento intersubjetivo. Referimo-nos à “[...] justiça na acepção mais trivial de

convicção acerca da equidade de possíveis escolhas e decisões no terreno alocativo; não,

necessariamente, relacionado e, com frequência, sem nenhuma correspondência direta, com o

repertório objetivamente positivo da legalidade”. (FREITAS, 2009, p. 189).

Assim, a mediação está inserida como uma das formas alternativas de administração

de conflitos; entre outras17, como a conciliação18, a negociação19 e a arbitragem20. Ela surge

17 São também considerados meios alternativos, porém menos utilizados, à adjudicação: Mini trial, Summary jury trial e Rent a Judge, Fact finding e Ombudsman. 18 A conciliação é um “[...] meio de resolução de conflitos, judicial ou extrajudicial, de natureza processual. A conciliação equivale à transação no direito material, onde um terceiro busca uma solução para resolver o litígio. [...] A conciliação é obrigatória, gerando cerceamento de defesa caso não seja utilizada. Nossa legislação é rica a respeito da conciliação, podendo-se encontrá-la em vários ordenamentos. É encontrada na legislação processual civil, que atribui ao juiz o dever de ‘tentar a qualquer tempo conciliar as partes’ (art. 125, inc. VI, 331, § 1º, 342, 447, 448); as Leis 968/46 e 6515/77 (divórcio), expressamente em seu art. 3º, § 2º, no juizado especial, e a lei 9099/95 instituem uma fase de conciliação, tanto no civil quanto no criminal”. (CACHAPUZ, 2006, p. 18-19). 19 “A negociação é um processo voluntário que acontece quando as partes buscam soluções para resolver suas negociatas, podendo ocorrer somente entre elas, ou utilizar-se de um terceiro, baseando-se em estilos e estratégias próprias. Geralmente é informal e não-estruturada.” (CACHAPUZ, 2006, p. 20) 20 “[...] amparada na Lei 9037/96, a arbitragem busca, através de um terceiro (árbitro), a resolução de um litígio. O arbitramento se restringe a direito disponível (patrimonial), e o árbitro tem poderes de funcionário público,

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como necessária não só como uma das maneiras de propiciar maior celeridade processual, ou

mesmo diminuir o número de processos acumulados no Poder Judiciário, mas,

principalmente, como um dos meios de humanização do Judiciário no acolhimento aos

cidadãos que batem à sua porta à procura de uma solução para o conflito que estão

enfrentando. Portanto, a mediação deve ser vista “[...] não como uma política judiciária, mas

como uma política pública de justiça para o aperfeiçoamento dos mecanismos destinados à

promoção do bem da vida”. (FREITAS, 2009, p. 184). Ainda em relação à necessidade de

haver melhor utilização da mediação, Souza argumenta:

A mediação é [...] sempre lembrada quando se fala no congestionamento do nosso Poder Judiciário. Fala-se nela como uma das possíveis soluções para os problemas de acesso à justiça. Entretanto, quando se pensa apenas na questão de desafogar o judiciário ou de diminuir o tempo de “solução” de um conflito, é evidente que se está enfocando apenas o aspecto quantitativo. E a mediação é muito mais do que isso. Ela oferece muito também sob o aspecto qualitativo aos envolvidos em um conflito jurídico. Pode-se dizer que ela é uma forma autônoma de resolução de conflitos, pois a solução encontrada para o conflito através de mediação não é uma decisão imposta por um terceiro, mas sim alcançada consensualmente pelas partes através de um processo em que cada uma delas tem oportunidade de expor seus interesses e necessidades e descobrir um caminho que atenda, tanto quanto possível, aos legítimos interesses e necessidades de ambas. (SOUZA, 2009, p. 69-70).

Freitas, por outro lado, enfatiza que a mediação não deve servir como instrumento

destinado à redução do problema da insuficiência de oferta de jurisdição ou constrição da

demanda. O autor aponta quatro motivos, que considera como principais, para amparar tal

entendimento:

1. Óbvias restrições éticas; 2. Discutível impacto prático; 3. Imprescindibilidade de Estado e de Judiciário, fortes e ágeis, como condição necessária à pacificação social e à própria “alternativa” da mediação; 4. Não menos importante, porque se essas barreiras ao acesso à jurisdição produzissem algum efeito significativo para a redução da morosidade do Judiciário (induvidosamente grave fator de injustiça), nenhum ganho traria à promoção da justiça, vista na acepção de acesso à fruição do bem da vida e pacificação das relações intersubjetivas, particularmente no que pertine à promoção dos direitos humanos [...]. (FREITAS, 2009, p. 184).

As restrições éticas, aludidas pelo autor, referem-se a privilegiar o atendimento a

uma crise do judiciário e não aos interesses da população usuária, carente da efetivação de

seus direitos, principalmente as de menor poder aquisitivo. Se a mediação adquirisse, em

nosso país, apenas a função de esvaziar o Judiciário, ela não teria impacto prático. Enquanto

sendo que sua sentença gera título executivo judicial e tem força de coisa julgada, limitando-se, no entanto, a dizer o direito, pois a executio permanece com o Estado.” (CACHAPUZ, 2006, p. 20).

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veículo de uma cultura de paz, a mediação ficaria exaurida, pois mais e mais processos

viriam, já que a cultura litigante permaneceria, ficando, então, apenas como mais um

instrumento da burocracia, sem potencial de mudança. Além disso, não coadunaria com os

preceitos da mediação que preconizamos, pois a sociedade necessita de um Estado forte para

que ele seja o regulador das relações sociais no sistema de produção e reprodução social. É

necessário, portanto, o aparato do Judiciário, bem como que a mediação seja incluída como

mais uma possibilidade, dentre outras existentes, necessária à execução da justiça. Do ponto

de vista do Serviço Social, a mediação deve estar a serviço de todos, não de uma instituição

somente, como se fosse um instrumento de esvaziamento ou apaziguamento de conflitos, mas

como um processo de trabalho que tem a sua legitimidade fundada nos direitos humanos e na

cultura de paz.

Do ponto de vista do Serviço Social, a mediação não deve estar a serviço de uma

classe social ou de uma instituição, como se fosse um instrumento de esvaziamento ou

apaziguamento de conflitos, mas como um processo de trabalho que tem a sua legitimidade

fundada nos direitos humanos e na cultura de paz.

Não raro, uma resposta a situações conflituosas por meio de uma sentença,

especialmente aquelas provenientes dos Juízos de Família, não gera a efetiva pacificação que,

realmente, finalize aquele litígio. Isto porque uma ação judicial não contempla todos os

aspectos da convivência familiar. As ações judiciais são fragmentos dos conflitos que as

famílias vivem. Existem casais parentais que têm mais de uma ação judicial nos Juízos de

Família. Assim, um mesmo casal pode ter, por exemplo, um processo por Ação de Alimentos

e outro processo por Ação de Guarda, que podem tramitar em Varas diferentes, decididas por

magistrados diferentes, com o rito processsual de cada ação e o seu próprio tempo. Fala-se,

aqui, no livre acesso ao judiciário e na oportunidade à ampla defesa com igualdade e

equidade, sendo a mediação mais um componente de um Sistema de Justiça que deve ser mais

justo.

O acesso à Justiça também é discutido através da qualidade das decisões no paradigma do Estado democrático de Direito. Segundo essa visão, o acesso à Justiça deve buscar a legitimidade das decisões, via garantias processuais constitucionais atribuídas às partes, ou seja, o contraditório, a ampla defesa e a fundamentação das decisões. A mediação enquadra-se perfeitamente em tal modelo, pois [...] as decisões obtidas por meio da mediação são construídas de forma participativa, garantindo sempre o contraditório. A participação em igualdade de direitos e de oportunidades daqueles que serão afetados pelo acordo mediado deve nortear todo o processo de mediação. (RODRIGUES JR., 2006, p. 2).

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A mediação tem sido utilizada por diversos países há algumas décadas com bastante

sucesso e, inclusive, incorporada na legislação. Na França, ela consta do Código de Processo

Civil, nos artigos 131-1 a 131-5, e é definida pelo Centro Nacional de Mediação21, em seu

Código de Mediação, como:

[..] um procedimento facultativo que requer a concordância livre e expressa das partes concernentes, de se engajarem numa ação (mediação), com a ajuda de um terceiro, independente e neutro (mediador), especialmente formado para esta arte. A mediação não pode ser imposta. Ela é aceita, decidida e realizada pelo conjunto dos protagonistas. (SIX, 2001, p. 287).

Embora o entendimento de que a mediação deva ser facultativa na França, Lefeuvre

(2008, p. 140) menciona que “Em 1995, a legislação levou em conta a mediação no contexto

judicial. Também os textos legais sobre o exercício da autoridade parental (2002) e divórcio

(2004) apresentaram alguns princípios gerais de mediação familiar. Ela pode ocorrer tanto por

iniciativa das pessoas, independente de processos judiciais, quanto por iniciativa de um

magistrado. Nos termos da lei, na falta de acordo sobre as consequências da separação para as

crianças, o juiz pode aplicar uma medida de mediação familiar, exigindo que os pais entrem

em contato com um mediador que informará sobre os procedimentos da mediação.”

(LEFEUVRE, 2008, p. 137, tradução de Águida Arruda Barbosa).22

Em relação ao Brasil, observamos que o entendimento neste país tem se assemelhado

à França no sentido de que a mediação deva ser facultativa; entretanto, pode ser objeto de

medida a ser aplicada pelo magistrado. Como este estudo centra-se no Brasil, especificamente

na cidade de Santos, trataremos desta questão no Capítulo V, mostrando, inclusive, que a

mediação familiar já tem sido aplicada como medida por alguns juízes na Comarca de Santos.

Quanto a outros países da América Latina, a tentativa de mediação é obrigatória na

Argentina, e a de conciliação, na Colômbia, para determinadas classes de processos, sendo

requisito de procedibilidade, ou seja, para que exista o processo judicial é necessário passar

pela mediação/conciliação.

21 “O Centro Nacional da Mediação (CNM) é uma associação [...] sem partidarismo político ou confessional, que reúne mediadores qualificados, faz um trabalho de pesquisa e de desenvolvimento sobre o conceito e a ética, a arte e a pedagogia da mediação, visando à promoção da função mediadora em todas as suas formas.” (SIX, 2001, p. 281). 22

En 1995, la législation a pris em compte la médiation dans le cadre judiciaire. Les textes sur l’exercice de l’autorité parentale (2002) et sur les procédures de divorce (2004) ont posé certains príncipes généraux de la médiation familiale. Um médiateur familial intervient soit à l’initiative des personnes indépendamment d’une procédure judiciaire soit à l’initiative d’um magistrat. Selon les modalités prévues par la loi, à défaut d’accord sur les conséquencees de la séparation pour les enfants, le juge peut proposer une mesure de médiation familiale et même enjoindre aux parentes de rencontrer um médiateur qui les informera sur le déroulement d’une telle démarche.

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No que concerne aos Estados Unidos, a mediação tem sido, tradicionalmente,

voluntária. Não existe uma regra que obrigue, de antemão, a submeter determinados conflitos

à mediação, mas sim a possibilidade de que o juiz, no caso concreto, remeta as partes

litigantes a um meio alternativo de administração de litígios, caso considere ser mais

apropriado para o atendimento genuíno da necessidade daqueles usuários. Segundo Cooley

(2001, p. 34), “[...] tem-se verificado uma tendência crescente no sentido da criação de

estatutos ou regras e tribunais que determinam a mediação”. Essas regras variam,

significativamente, entre as jurisdições, bem como a sua finalidade, que pode ser a de facilitar

ou a de avaliar. Nos Estados Unidos, a produção de provas é realizada na fase preparatória,

que antecede a propositura do litígio, fazendo com que o resultado do julgamento seja

bastante previsível. Desta maneira, a possibilidade de acordos aumenta, de modo que a maior

parte dos conflitos acaba sendo resolvida. De qualquer forma, existem críticas aos programas

que obrigam a mediação em razão de sua natureza coercitiva. Tais críticas aludem que as

partes sentem-se pressionadas, por vezes ficando até sub-representadas e abrindo mão de

direitos substanciais.

No projeto de lei brasileiro23 (BRASIL, 1998), apesar de constar a obrigatoriedade

para realizar-se a mediação, não está prevista nenhuma sanção ao não comparecimento. Por

isso, segundo Souza (2009), alguns estudiosos acreditam que possam, facilmente, fazer com

que esta lei tenha pouca aplicabilidade, já que o seu não cumprimento não acarreta nenhuma

consequência de ordem prática.

A obrigatoriedade e a não obrigatoriedade da mediação, como também os conflitos

que podem ser mediáveis e não mediáveis, são pontos bastante polêmicos sobre os quais não

nos deteremos, especificamente, por entendermos que possam ampliar as discussões em

direção a pontos que poderiam fugir do enfoque deste estudo. Conquanto, este aspecto é um

elemento de tensão em nosso trabalho, como veremos posteriormente, nos capítulos referentes

à análise. Por isso, consideramos pertinente fazermos algumas indagações; todavia, apenas

como uma reflexão.

Quando se pensa em mediação, principalmente quando o processo judicial já está

instaurado, seria ético obrigar uma pessoa a refletir sobre um problema sobre o qual ela,

supostamente, já desistiu de pensar e decidir? Seria possível obter bons resultados caso a

mediação fosse obrigatória? Barbosa (2011, bol. 67, p. 4) afirma que “[...] a natureza da

mediação não comporta imposição”. Entretanto, trazendo essa questão, especificamente, para

23 Substitutivo do Senado Federal ao projeto de lei 4.827-B, de 1998. Emenda 1 – CCJ (substitutivo).

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a mediação familiar, que é o nosso campo de estudo, questionamos: é cabível que os pais

desistam de falar entre si e deixem a criança em meio à tensão emocional sem amparo? E a

responsabilidade dos adultos para com os seus atos? Se perguntássemos às crianças e aos

adolecentes, cujos pais encontram-se em situação de litígio, se gostariam que seus pais fossem

obrigados a conversar entre si, que resposta teríamos? São perguntas ainda sem resposta

definitiva, mas pensar nelas é, também, pensar no mundo que queremos, pensar sobre qual

modelo de sociedade estamos construindo e desejamos ter. Barbosa (2010, bol. 62, p. 8)

também diz que “[...] a mediação é uma ética que combina justiça e cuidado, resultando em

responsabilidade”.

Estas indagações também estão ligadas às diferentes concepções de mediação, que se

distinguem, basicamente, em duas vertentes: uma, que é essencialmente voltada para a

obtenção do acordo; e outra, que percebe o acordo como o resultado da superação de posturas

adversariais. Três propostas apresentam-se com maior importância: a primeira, a proposta

tradicional linear, de Harvard24, influenciada por essa primeira vertente, que tem como meta o

acordo, tenta separar as pessoas do problema, enfoca os interesses e não as posições, cria

opções para o benefício mútuo e insiste em critérios objetivos; a segunda, a proposta

transformativa, desenvolvida por Folger e Bush (1996), busca a transformação da relação

entre as partes envolvidas no sentido do crescimento da revalorização pessoal e do

reconhecimento da legitimidade do outro, sendo o acordo visto como uma possibilidade, e

não como uma finalidade; e a última, a proposta circular-narrativa, desenvolvida por Suares

(1997), Cobb e Sluzki (1997), foca tanto no acordo quanto nas relações, trabalha a

comunicação em uma perspectiva de causalidade circular, incentiva a reflexão como

estratégia para cuidar dos vínculos, girando seu trabalho em torno de propiciar um contexto

colaborativo. (SOUZA, 2009; SAMPAIO; NETO, 2007).

Assim, adotar um conceito de mediação implica não na escolha de uma das

propostas teóricas de mediação propriamente, mas em conhecê-las e fazer delas uma fonte de

inspiração. Não se trata de um ecletismo vulgar que deixa a intervenção profissional

teoricamente desenraizada, mas de um incentivo à criatividade, à difusão da ideia de infinitas

possibilidades quando se abre para o desconhecido da realidade. Considera-se o novo,

ousando-se na criação de instrumentos e técnicas pertinentes a cada situação apresentada,

24A obra “Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões”, de Fisher, Ury e Patton (1991), traz as principais diretrizes do Modelo de Harvard. Esta obra foi amplamente divulgada como um livro de auto-ajuda.

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baseados nos diferentes conhecimentos e na “visão social de mundo”25 do profissional,

ancorados em uma perspectiva ética-política.

Embora apoiemos que o acordo seja a consequência e não o fim último, que o

objetivo da mediação seja melhorar as relações para que se possa obter um acordo, devemos

lembrar que, em algumas situações, conseguir o acordo coloca o conflito em um degrau

evolutivo. Por vezes, um acordo pode auxiliar para que combinados sejam ajustados,

organizados, pelo menos minimamente, a fim de que os conflitantes consigam desenvolver

melhor as suas potencialidades, colocando, na relação, fatos novos que possam colaborar na

convivência. Assim, cabe ao mediador ter sensibilidade para perceber a propriedade de se

adotar uma condução mais objetiva - seja no início, no meio ou no fim dos trabalhos -,

visando a uma melhor convivência entre as partes do conflito. Por outro lado, caso não se

chegue a um acordo, é importante poder perceber os ganhos obtidos durante o processo de

trabalho de mediação, poder acessar a valorização do crescimento pessoal/social sem,

contudo, ser necessário contar com o “sucesso” ou o “fracasso” na finalização do trabalho.

Afinal, as propostas teóricas devem servir como respaldo para a prática, e não como uma

camisa de força.

3. Mediação Familiar como trabalho do assistente social judiciário e o contexto legal

As conversações de luta não pertencem à democracia. A luta constitui o inimigo porque necessita dele e obscurece as condições que lhe dão origem. Na luta há vencedores e derrotados,

não o desaparecimento de inimigos. O derrotado tolera o vencedor esperando por uma oportunidade de revanche. A tolerância é uma negação do outro suspensa temporariamente.

As vitórias que não exterminam o inimigo preparam a guerra seguinte. Na democracia não há luta. Se queremos a democracia, e de fato estamos na paixão da construção

de uma democracia, estamos nas conversações que constituem um projeto comum de convivência na aceitação e no respeito recíprocos, que permitem a colaboração na configuração de um mundo

no qual a pobreza e o abuso não surgem como modos legítimos de viver. (MATURANA, 2002, p. 93).

O trabalho do assistente social no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é

pioneiro26, e na atualidade congrega um número considerável de profissionais27. A história da

25 Segundo Lowy (2008, p. 44), as visões sociais de mundo são “[...] os conjuntos estruturados de valores, representações, idéias e orientações cognitivas. Conjuntos esses unificados por uma perspectiva determinada, por um ponto de vista social, de classes determinadas. As visões sociais de mundo poderiam ser de dois tipos: visões ideológicas, quando servissem para legitimar, justificar, defender ou manter a ordem social do mundo; visões sociais utópicas, quando tivessem uma função crítica, negativa, subversiva, quando apontassem para uma realidade ainda não existente”. 26 O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é uma das primeiras instituições a incluir o trabalho do assistente social, e sua implantação data próxima à do Serviço Social no Brasil. Existem notícias de trabalho no

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implantação do Serviço Social no Judiciário paulista está estreitamente ligada à história do

surgimento do Serviço Social no Estado de São Paulo/Brasil, bem como ao Direito de

Família/crianças e adolescentes28.

O Código de Menores, promulgado em 1979, previa “estudo de cada caso” que

deveria ser realizado por equipe em que houvesse pessoal técnico. A necessidade do perito,

enquanto profissional de diversas áreas, para subsidiar as decisões judiciais também foi

prevista na Legislação Civil, sendo regulada no Código de Processo Civil (NEGRÃO, 1999,

arts. 145 a 147) - Legislação esta que, na atualidade, respalda a nomeação ou a solicitação de

um assistente social para oferecer conhecimentos da área ao Magistrado para ações que

tramitam nas Varas da Família e das Sucessões e nas Varas Cíveis.

Contudo, foi somente em 1990, impulsionado pelo advento do Estatuto da Criança e

do Adolescente (ECA) – quando em seus artigos 150 e 151, que aponta para a necessidade de

uma equipe interprofissional com competência, “[...] dentre outras atribuições [...], fornecer

subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim

desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros

[...]” (BRASIL, 1990), – que houve uma maior disseminação de cargos técnicos nos quadros

do funcionalismo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Nas ações dos Juízos de Família, o juiz determina ao assistente social judiciário

realizar estudos como perito para que emita um “laudo” a respeito de situações que envolvam

crianças/adolescentes em litígio familiar: pais que não conseguem visitar seus filhos após a

separação ou que gostariam de aumentar o período de visitas; pais que não se entendem

quanto à guarda dos filhos; entre outras. Os pais, envolvidos em seus sentimentos advindos da

tristeza pelo relacionamento amoroso desfeito, acabam por deixar os cuidados dos seus filhos

para um plano secundário, ou até mesmo por fazer dos seus próprios filhos um objeto de troca

Juizado de Menores da Comarca de São Paulo já em 1937, com a contratação de uma aluna de Serviço Social, lembrando que a primeira escola de Serviço Social foi fundada no ano de 1936 (IAMAMOTO, 1983). Entretanto, a introdução formal do Serviço Social junto ao Juizado de Menores começou a ocorrer a partir de 1948, “[...] legitimando-se na década de 50, através do Serviço de Colocação Familiar (criado no final de 1949)”. (FÁVERO, 1999, p. 38). 27 Em levantamento realizado pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude – ABMP, em 2008, constava o número de 790 assistentes sociais em atuação no quadro de funcionários desse Tribunal. Em uma consulta informal ao Setor Psicossocial do Tribunal, em 2009, obtivemos o número de, aproximadamente, 1200 profissionais em atuação. 28 “O primeiro Código de Menores, em nível federal, foi promulgado pela lei nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Este código, que consolidou as leis de ‘assistência e proteção a menores’ abandonados e delinquentes com menos de 18 anos de idade, vigorou por 52 anos, sendo, portanto, a legislação normatizadora sobre os menores quando da introdução formal do serviço social junto ao Juizado de Menores de São Paulo, nos anos 40/50.” (FÁVERO, 1999, p. 35).

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para qualquer benefício, como, por exemplo, para que possam obter um aumento nos valores

alimentares. Nisto, não há um julgamento moralista de que o pai e/ou a mãe sejam bons ou

ruins, mas são eventos nas etapas do percurso de vida familiar em que as pessoas geralmente

ficam confusas em suas ideias. Altamente envolvidas nessa situação, e não raro confusas,

manifestam-se externamente com muita convicção e solicitam ajuda ao poder judiciário. Por

conseguinte, impetram uma ação judicial, buscando um julgamento favorável ao que

pleiteiam.

Contudo, a perícia social não tem sido suficiente para atender às necessidades dos

usuários do Poder Judiciário na complexidade dessas situações. Isto porque, nem sempre, uma

decisão tida como favorável ao usuário é, realmente, favorável em sua essência. Apenas como

exemplo para ilustrar esta questão, um pai pode conseguir a guarda do filho por ter provado

ao juiz ter melhores condições que a mãe de exercê-la. Por outro lado, este mesmo pai pode

também viver a contradição de querer que a mãe passe mais tempo com o filho do que o que

foi determinado e seu desejo seja genuíno em querer que ela exerça a maternagem. Entretanto,

a mãe, diante de uma decisão judicial que tenha considerado prejudicial, poderá retrair-se,

ainda mais, nos cuidados com o filho. Então, em uma situação como esta, mesmo que todos

tenham trabalhado competentemente e agido conforme a decisão judicial, não realizaram uma

ação que proporcionasse o melhor cuidado com a criança. Mesmo os operadores do direito, ou

o assistente social e psicólogo judiciário com a melhor das intenções e com grande

competência técnica, por vezes não conseguem fazer com que os direitos da criança se

efetivem, ou seja, ser cuidado, neste caso, pelo pai e pela mãe no uso maior de sua

potencialidade familiar. Isto posto, a mediação familiar apresenta-se como mais uma das

possibilidades para o enfrentamento do conflito.

O trabalho de mediação está referido dentre as “atribuições dos assistentes sociais

judiciários” do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme o Comunicado do

Departamento de Recursos Humanos nº 308/2004, publicado no Diário Oficial Judiciário de

12/03/2004, em seu item 6, que determina: “Estabelecer e aplicar procedimentos técnicos de

mediação junto ao grupo familiar em situação de conflito.” (SÃO PAULO, DOJ, 2004).

Embora o instituto de mediação ainda não esteja expressamente previsto no direito

positivo pátrio, pois não há lei especial a respeito, encontramos embasamento legal para a

adoção do processo de Mediação Familiar no caput do art. 226 da Constituição Federal, que

determina verbis: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (BRASIL,

1988). Ainda a autorizar o procedimento da mediação está o art. 125, inc. II, do Código de

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Processo Civil, que dá liberdade ao juiz para, a qualquer tempo, tentar conciliar as partes de

forma a impedir o retardamento do cumprimento da função jurisdicional, podendo, para tanto,

lançar mão dos procedimentos que entender apropriados; dentre eles, a mediação (BRASIL,

1973). Os assistentes sociais, como auxiliares dos magistrados, podem ser muito úteis em tais

situações.

Em 29/11/2010, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ emitiu a Resolução nº 125, que

dispõe sobre a “Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses”

(BRASIL, 2010) e, em 31/01/2013, promoveu algumas alterações por meio da Emenda nº 0129.

Em sua estrutura, a Resolução nº 125 é composta por 19 artigos, distribuídos em quatro

capítulos: no capítulo I, os artigos referem-se à política; nos capítulos II e III, definem,

respectivamente, as atribuições do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais; e no capítulo

IV, definem o Portal da Conciliação. Quatro anexos acompanham esta Resolução: um sobre o

conteúdo mínimo dos cursos de capacitação e aperfeiçoamento obrigatórios; outro, sobre os

procedimentos que devem ser adotados nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e

Cidadania; um terceiro, sobre o código de ética para os mediadores e os conciliadores

judiciais; e o último, sobre a coleta e o gerenciamento dos dados estatísticos.

A referida Resolução veio ao encontro dos anseios daqueles que trabalham no sistema

de justiça nas esferas Estadual, Federal e do Trabalho, bem como dos cidadãos, pois chama à

responsabilidade o judiciário para que implemente esta política pública. Além disso, considera

a conciliação e a mediação como instrumentos efetivos de pacificação social, solução e

prevenção de litígios. Cabe mencionar, aqui, que, mesmo ainda sem uma política específica,

programas já haviam sido implantados no país e ocasionado redução na excessiva

judicialização de conflitos. Essa política veio, também, com a missão de “[...] estimular, apoiar

e difundir a sistematização e aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais”

(BRASIL, 2010). Portanto, ela instituiu a mediação e a conciliação no país, o que é algo novo,

como também reconheceu as práticas já existentes, convidando-as a participarem de um

modelo que está em construção. Levy et al. (2011, p. 1), quando fazem uma leitura comentada

da referida resolução, dizem que ela “[...] consiste em um conjunto de ações que visa a dar

cumprimento aos objetivos estratégicos do Poder Judiciário, ou seja eficiência operacional,

29 Essas alterações referem-se ao que foi revogado pela Emenda nº 1, de 31 de janeiro de 2013, disponibilizada no DJ-e nº 22/2013, em 04/02/2013, pág. 2-6.

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ampliação do acesso ao sistema de justiça e responsabilidade social, de maneira eficaz e

harmônica”.

A Resolução nº 125/10, do CNJ, alterada pela Emenda nº 1/13, tende, em seu Art. 1º,

a assegurar “[...] a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e

peculiaridade”, incumbindo aos órgãos judiciários, além da solução adjudicada mediante

sentença, que estes ofereçam “[...] outros mecanismos de soluções de controvérsias, em

especial os chamados meios consensuais, como a mediação e conciliação [...]”. (BRASIL,

2010).

O Art. 2º da mesma Resolução, alterado pela Emenda nº 1/13 do CNJ, trata da

implementação de meios não adversariais para a solução de controvérsias “[...] com vista à

boa qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social [...]”, observando,

entre outros, a “[...] adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e

mediadores [...]”. No texto da referida Resolução, não fica explicitado se cabe aos servidores

do Poder Judiciário a execução propriamente dita da mediação; todavia, deixa claro que há

necessidade de sua formação e treinamento na disciplina. (BRASIL, 2010).

Também é afirmado, no Art. 4º, que ao Conselho Nacional de Justiça compete “[...]

organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de

litígios e à pacificação social por meio da conciliação e mediação”; e no Art. 5º, que o referido

programa “[...] será implementado com a participação de rede constituída por todos os órgãos

do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas [...]” (BRASIL, 2010). Portanto,

podemos concluir que cabe aos servidores do Poder Judiciário prepararem-se a fim de que

possam colaborar, dentro de suas funções, para a implementação do programa.

A referida Resolução trata das atribuições dos Tribunais, no Capítulo III, referindo-se,

no Art. 7º, à criação de “[...] Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de

Conflitos”, que devem ser compostos por “[...] magistrados da ativa ou aposentados e

servidores, preferencialmente atuantes na área”. Dessa forma, inclui os servidores como parte

do pessoal responsável pela criação do referido Núcleo. Em seguida, enumera suas atribuições:

I - desenvolver Política Judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, estabelecida nesta Resolução; II - planejar, implementar, manter e aperfeiçoar as ações voltadas ao cumprimento da política e suas metas; III - atuar na interlocução com outros Tribunais e com órgãos integrantes da rede mencionada nos arts. 5º e 6º;

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IV - instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos; V - promover capacitação, treinamento e atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos; VI - na hipótese de conciliadores e mediadores que atuem em seus serviços, criar e manter cadastro, de forma a regulamentar o processo de inscrição e de desligamento; VII - regulamentar, se for o caso, a remuneração de conciliadores e mediadores, nos termos da legislação específica; VIII – incentivar a realização de cursos e seminários sobre mediação e conciliação e outros métodos consensuais de solução de conflitos; IX – firmar, quando necessário, convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins desta Resolução. (BRASIL, 2010).

Exaradas estas atribuições, observamos nelas que o CNJ espera que os servidores dos

Tribunais estejam aptos não somente para executarem ações voltadas à implementação dos

referidos Núcleos, mas também para planejarem, aperfeiçoarem, treinarem, ou seja, espera que

eles estejam aptos para pensarem e desenvolverem uma política. Para tanto, esses servidores

necessitam utilizar a experiência já existente e se preparar de forma adequada.

Na seção II, a Resolução trata “Dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e

Cidadania”, onde prevê, no Art. 8º, que eles sejam criados “Para atender aos Juízos, Juizados

ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos

Juizados Especiais Cíveis e Fazendários [...]”, e que sejam unidades do Poder Judiciário. As

unidades devem ser responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e

mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e

orientação ao cidadão. Conforme o Art. 9º caput, esses Centros deverão ficar sob a

coordenação de um juiz, responsável por administrá-los. Segundo o § 2º do mesmo Artigo,

“Os Tribunais deverão assegurar que nos Centros atuem servidores com dedicação exclusiva,

todos capacitados em métodos consensuais de solução de conflitos e, pelo menos, um deles

capacitado também para a triagem e encaminhamento adequado de casos.” Quanto ao Art. 10º,

estipula que os referidos Centros deverão criar três setores: um setor de solução de conflitos

pré-processual; um setor de solução de conflitos processual; e um setor de cidadania.

(BRASIL, 2010).

Embora não seja objeto desta tese tecer uma análise específica sobre a referida

Resolução, não podemos deixar de expressar alguns comentários que merecem destaque. Por

exemplo, ela não prevê para os servidores nenhum benefício, como o faz para os magistrados,

em seu capítulo II, art. 4º, § III, quando diz que as “[...] atividades relacionadas à conciliação,

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mediação e outros métodos consensuais de conflitos sejam consideradas nas promoções e

remoções de magistrados [...]”. (BRASIL, 2010). O que se percebe, portanto, é a existência de

um vácuo discriminatório entre o servidor e o magistrado.

Outro exemplo que pode ser citado encontra-se no art. 7º, § VII, que indica que cabe

aos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos “[...] regulamentar,

se for o caso, a remuneração de conciliadores e mediadores, nos termos da legislação

específica” (BRASIL, 2010). Entretanto, em nenhum outro artigo ou parágrafo, faz qualquer

menção à previsão orçamentária para esses profissionais. Deduz-se, então, que esta política

deva ser executada, quase que exclusivamente, por profissionais que se voluntariem. Neste

ponto, se esta é a intenção do CNJ, criou-se um desserviço à conciliação e mediação brasileira,

pois um trabalho deve ser remunerado. Corre-se o risco de se ver completamente distorcido o

sentido da mediação se a tratarmos como uma abnegação, e não como um trabalho altamente

especializado. Afinal, toda e qualquer atividade profissional cresce e se fortalece por meio de

estudos, pesquisas e reconhecimento, inclusive o reconhecimento financeiro.

Os atendimentos em mediação devem ser encarados como um direito, uma forma de

acesso à justiça, e não como o recebimento de um ato de filantropia. As pessoas que precisam

de tal atendimento merecem um serviço de qualidade, serviço esse que requer uma

qualificação que apenas um profissional da área pode oferecer. É importante ressaltarmos que

este é um aspecto muito relevante; entretanto, a qualidade dos atendimentos não nos pareceu

ser preocupação dessa política, uma vez que, além de contar com o voluntariado, prevê, como

formação mínima para conciliadores e mediadores, um programa de curso a ser desenvolvido

em um curso de três módulos, de apenas 80 horas, sendo 44 horas/aula de curso e 36 horas de

estágio supervisionado30 - carga horária que consideramos insuficiente, principalmente quando

se trata de mediação familiar. Apenas para efeito de ilustração, na França, “A obtenção do

diploma do Estado de mediador familiar, criado em 2004, é condicionada por uma avaliação

no final de uma formação de 570 horas, distribuídas por um ou dois anos. Três disciplinas

contribuem para a aquisição de conhecimento: Direito, Psicologia e Sociologia, além de uma

unidade de formação de apoio sobre os processos e a integração de técnicas de mediação.”

(LEFEUVRE, 2008, p. 139, tradução de Águida Arruda Barbosa).31

30 A carga horária do curso é distribuída da seguinte forma: Módulo I, 12 horas/aula; Módulo II, 16 horas/aula; Módulo III, 16 horas/aula. Total: 44 horas/aula. Os Módulos II e III são, necessariamente, seguidos de estágio supervisionado. Para o Módulo II, a carga horária é de 12 horas; e para o Módulo III, 24 horas. Total: 36 horas. 31 L’obtention du diplôme d’État de médiateur familial créé em 2004, est conditionnée par une évaluation au terme d’une formation de cinq cent soixante-dix heures réparties sur une ou deux années. Trois disciplines

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Parece-nos inegável reconhecermos que essa baixa carga horária para a formação

mínima de conciliadores e mediadores compromete o serviço a ser desempenhado por esses

profissionais. A este respeito, é esclarecedor transcrevermos o que salienta Álvarez sobre a

importância de uma formação qualificada dos mediadores:

Aqueles que praticam a mediação e aspiram a níveis de alta qualidade necessitam examinar seus princípios e valores, questionar suas crenças e práticas de forma tal que os ajude a identificar, conscientemente, o que é essencial, o que deve ser abandonado e o que merece ser investigado. A menos que os mediadores compreendam os princípios teóricos que subjazem, influenciam e moldam suas práticas, correm o risco de serem talentosos mecânicos testando uma ferramenta atrás da outra sem compreender porque uma ferramenta determinada pode ser útil, e que resultados cabe esperar desta intervenção, a respeito da qual é necessário, ademais, ter a habilidade de avaliar o êxito ou fracasso. (ÁLVAREZ, 2009, p. 41).

A exemplo de Álvarez (2009), que trata da importância da boa formação do mediador,

Barbosa (2011), por sua vez, tece uma crítica muito importante a esta política, que é a

indistinção entre conciliação e mediação, muito visível no Anexo da Política que trata da

Estatística.

A iniciativa do CNJ é louvável, pois demonstra vontade política de promover uma campanha nacional de pacificação social, o que é próprio da conciliação que não visa à humanização do acesso à justiça, mas à celebração de acordos e, principalmente, que haja uma redução de processos no judiciário. No entanto, a resolução 125 confunde conciliação e mediação, como se fossem palavras sinônimas, usadas de modo indiscriminado. Perdeu-se uma preciosa oportunidade de promover uma campanha para estimular a produção científica de um modelo brasileiro de mediação, acentuando, sobremodo, o rebaixamento deste nobre instituto ao patamar de desafogar o judiciário. (BARBOSA, 2011, bol. 67, p. 3).

Do mesmo modo, consideramos desnecessário o anexo que apresenta o “Código de

Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais”. Mais apropriado seriam recomendações do

CNJ para o exercício da mediação e conciliação, posto que um código de ética, da forma como

o entendemos, deve ser uma construção coletiva de uma categoria profissional. Além do mais,

pelo grau de exigência no exercício da mediação, consideramos que deva ser um trabalho

somente para profissionais especializados. Por esta razão, obviamente já estariam submetidos

ao código de ética de sua profissão.

contribuent a l’acquisition de connaissances: droit, psychologie et sociologie ainsi qu’une unité de formation portante sur le processos et l’intégration des techniques de médiation.

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Entretanto, mesmo que com algumas ressalvas, o estabelecimento dessa política

pública é um componente fundamental para a disseminação da cultura de paz em nosso país.

Levy et al. reforçam que

A Resolução 125 possibilita a inclusão dos meios consensuais de resolução de conflitos na cultura brasileira com o status de política pública. O sistema multiportas de resolução de controvérsias torna-se uma realidade nacional, institucionalizada a partir da edição da Resolução. Com ela, propõe-se uma mudança incomensurável de paradigma na cultura jurídica e no rol de métodos de solução de controvérsias, ofertados pelo Estado ou por Ele incentivados. (LEVY et al., 2011, p. 2).

Além desse amparo legal já existente, conforme explanado, temos, ainda, as

discussões na sociedade civil a respeito da mediação familiar. Ela conta com o apoio do

Estatuto das Famílias32, Projeto de Lei nº 2285/07, ainda em tramitação na Câmara dos

Deputados. Consta em seu Art. 128: “Em qualquer ação e grau de jurisdição deve ser buscada

a conciliação e sugerida a prática da mediação extrajudicial [...]”; e em seu Art. 129: “A

critério do juiz ou a requerimento das partes, o processo pode ficar suspenso, enquanto os

litigantes se submetem à mediação extrajudicial ou atendimento multidisciplinar.” (BRASIL,

2007). Percebemos, ainda, que o Projeto de Lei nº 2285/07 timidamente apóia a mediação,

posto que fala, apenas, em mediação extrajudicial, não incluindo a mediação como um

procedimento no âmbito do processo, já existentes desta forma em outros países, inclusive na

América do Sul, onde algumas questões são consideradas até como sendo condição de

procedibilidade, tal como ocorre na maioria das Províncias da Argentina e no Uruguai.

Todavia, reconhecemos que “O estatuto das famílias recepciona a mediação familiar pelo

caminho do meio: o projeto de lei insere a mediação na norma, mas não a fecha por meio da

definição nem pela descrição de seus passos.” (BARBOSA, 2011, bol. 66, p. 13).

A mediação conta, também, com o Projeto de Lei Complementar nº 94, de 200233,

ainda em discussão no Congresso Nacional, que institui e disciplina a mediação paraprocessual

32 “O projeto foi idealizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, com a colaboração de estudiosos e juristas de todo país. Formatada a proposta (que prevê a substituição de todo o livro de família do Código Civil), em 2007, seguiu para a Câmara dos deputados, onde foi apresentada e defendida [...] pelo deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA). Depois de três anos de intensos debates, finalmente a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, em 15 de dezembro de 2010, o relatório que institui o Estatuto das Famílias no Brasil. [...] Em virtude de recursos apresentados no início de 2011 [...], o projeto retornou ao CCJC, devendo ser encaminhado ao plenário da Câmara.” (IBDFAM, 2011, bol. nº 66). 33

O Substitutivo (PLC 94/02) é de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB-RS). Ele é fruto da fusão de duas propostas já existentes: o Projeto de Lei 4.827/98, de autoria da deputada Zulaiê Cobra, e o Projeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual, presidido pelos juristas Kazuo Watanabe e Ada Pelegrini Grinover.

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nos conflitos de natureza civil. Este Projeto de Lei classifica os mediadores em judiciais ou

extrajudiciais. São considerados mediadores judiciais os advogados com pelo menos três anos

de efetivo exercício de atividades jurídicas, capacitados, selecionados e inscritos no Registro

de Mediadores, na forma da Lei a ser aprovada; e mediadores extrajudiciais, aqueles

independentes, selecionados e inscritos no respectivo Registro de Mediadores, na forma da

mesma futura Lei. Ainda segundo o referido projeto de Lei, a formação e a seleção de

mediadores deverão ficar a cargo da Ordem dos Advogados do Brasil, em conjunto com o

Tribunal de Justiça, a Defensoria Pública e as instituições especializadas em mediação, que

deverão estar devidamente cadastradas, conforme previsão do mesmo. (BRASIL, 2002).

Ao observarmos o referido projeto, percebemos uma tônica voltada para os

profissionais com formação em Direito. Apenas no Art. 16 é que outros profissionais são

incluídos, aparecendo a figura do comediador, quando o Projeto de Lei Complementar nº 94

refere que: “É lícita a co-mediação quando, pela natureza ou pela complexidade do conflito,

for recomendável a atuação conjunta do mediador com outro profissional especializado na área

do conhecimento subjacente ao litígio.” Em seguida, acrescenta: “A co-mediação será

obrigatória nas controvérsias submetidas à mediação que versem sobre o estado da pessoa e

Direito de Família, devendo dela necessariamente participar psiquiatra, psicólogo ou assistente

social.” (BRASIL, 2002).

Reconhecemos que é imprescindível que o advogado esteja junto a outro profissional

da área de humanas para mediar um litígio familiar. Entre esses profissionais, o assistente

social seria um dos indicados. Entendemos que a pretensão, de qualquer modo, é que os

mediadores sejam, principalmente, advogados, deixando de lado a necessidade de

conhecimentos outros que permitam uma melhor abordagem das pessoas e de seus problemas

por profissionais de áreas com capacitação específica para essa tarefa.

No Brasil, em algumas situações, o parlamento perdeu suas condições de ver as

necessidades do bem comum, deixando que sua atuação passe a ser fruto de consenso e

lobbies, sem verificar as consequências, passando a lei a ser um instrumento muito ambíguo e

o juiz a ser um legislador positivo, suprindo as falhas do Legislativo. Diante da inércia do

Poder Legislativo em determinados temas, como é o caso da mediação, o Poder Judiciário tem

tomado atitudes não previstas entre as suas atribuições.

Ao finalizarmos este capítulo, retomamos alguns aspectos que consideramos

importantes ao prosseguimento do nosso estudo.

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Refletimos sobre os diferentes significados da categoria mediação que, apesar de

serem diversos, não se opõem; ao contrário, complementam-se. Assim, consideramos

mediação como um processo de trabalho, exercido por um profissional (ou uma equipe),

teórica e tecnicamente qualificado no assunto a ser tratado, que adota como base de

sustentação da sua ação a afetividade e a ética a fim de que as pessoas busquem respostas

mais responsáveis, autônomas e exequíveis sobre o conflito, tendo como perspectiva uma

cultura da paz e dos direitos humanos.

Contextualizamos que o instituto da mediação encontra-se previsto na Constituição

Federal e amparado na Resolução nº 125 do CNJ, ainda que, até a atualidade, não esteja

regulamentado em Lei Ordinária específica.

Inteiramos a mediação como um processo de trabalho interdisciplinar, que deve ser

exercido por um profissional especialista no assunto tratado. Assim, a mediação, como a

entendemos, não é mais uma profissão, mas uma especialidade das várias profissões. Por

conseguinte, poderá ser mediador familiar o assistente social, o psicólogo, o advogado, ou

outro profissional, desde que seja um especialista em atendimento à família em conflito.

Portanto, cada disciplina deverá trazer a sua contribuição para a mediação.

Compreendemos que a mediação está inserida nos chamados “meios alternativos de

administração de conflitos”. Tem seu lugar reservado nesses meios devido a características

próprias, sendo a distinção da conciliação um importante ponto a ser observado.

No campo sócio-jurídico, o Serviço Social tem seu trabalho legitimado pela história e

por sua atuação reconhecida como necessária pelo aparato legal vigente. Entre as atuações do

assistente social judiciário está a mediação familiar: por vocação de sua formação primeira,

referida nas “atribuições dos assistentes sociais judiciários” do Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo, e com amparo na “Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de

Interesses”.

A competência e possibilidade legal vão ao encontro da necessidade de acolhimento

profissional a esta expressão da questão social: o sofrimento das famílias em litígio. Como

área de atuação no campo sócio-jurídico, a mediação familiar é, ainda, pouco habitada pela

profissão. Por essa razão, torna-se uma importante matéria a ser estudada pelos assistentes

sociais.34 O profissional que realiza a mediação familiar necessita estar preparado em termos

34 Entre outros trabalhos em mediação familiar já desenvolvidos por assistentes sociais, destacamos a Dissertação de Mestrado em Serviço Social, defendida em 2009, na PUC-SP, por Elisangela Pereira de Queiros Mazuelos, “Mediação Familiar: Um recurso Interventivo Extrajudicial. O Relato de Experiência na Perspectiva

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de conhecimentos que dão sustentação a essa intervenção. Apenas atitudes, noções quanto a

lidar com estratégias e técnicas, não são suficientes.

O chamado “bom senso”, embora necessário, está longe de, por si só, contemplar,

profissionalmente, os requisitos para o exercício da mediação familiar. Como afirma Morin

(2011, p. 59): “Nada é melhor que a boa vontade. Mas ela não basta e pode enganar-se. Um

pensamento incorreto, mutilado, mesmo com as melhores intenções, pode conduzir a

consequências desastrosas.” É por isto que, institucionalmente, o caminho do messianismo,

do voluntariado, na mediação foi denunciado como inadequado. Aparentemente, tal caminho

é o mais fácil, e pode até ser o mais rápido; todavia, provavelmente não nos levará para onde

verdadeiramente precisamos ir: à mudança da cultura adversarial, competitiva e promotora da

desigualdade social.

A necessária profissionalização do mediador não deve ficar presa, unicamente, à

aprendizagem de estratégias para lidar com o conflito: estas devem estar ligadas a princípios

éticos claros, entendendo a ética “[...] como um metaponto de vista comportando uma

reflexão sobre os fundamentos e os princípios da moral” (MORIN, 2011, p. 15). O espaço do

desenvolvimento da mediação familiar é o de religar o que está sendo desligado, auxiliar a

fazer uma religação de maneira diferente e sob outras bases. O conflito, principal objeto da

mediação, deve ser encarado como uma parte integrante do conjunto do desenvolvimento da

afetividade humana.

No próximo capítulo, abordaremos a afetividade, uma das categorias centrais de

nosso trabalho, discorrendo sobre como a percebemos, a saber, propulsora ou diminuidora da

potencialidade humana.

Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria

Que se possa imaginar, amanhã redobrada a força Pra cima que não cessa, há de vingar

Amanhã mais nenhum mistério, acima do ilusório O astro rei vai brilhar, amanhã a luminosidade

Alheia a qualquer vontade, há de imperar, há de imperar Amanhã está toda a esperança por menor que pareça

O que existe é pra vicejar, amanhã apesar de hoje Será estrada que surge, pra se trilhar

do Serviço Social”. Ainda sobre essa experiência, publicou artigo, juntamente com Eunice Teresinha Fávero, na Revista Unicsul, em 2007. Importantes trabalhos de mediação são desenvolvidos nos Tribunais de Justiça na Região Sul do Brasil, sendo os assistentes sociais Eliedite Mattos Ávila e Alcebir Dal Pizzol referências no Poder Judiciário de Santa Catarina, conforme obra publicada em 2009 pela Associação Catarinense dos Assistentes Sociais do Poder Judiciário. Além disso, Denise Duarte Bruno desenvolve um importante trabalho de mediação no Tribunal do Rio Grande do Sul, em segunda instância, junto à Desembargadora Berenice Dias.

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Amanhã, mesmo que uns não queiram será de outros que esperam Ver o dia raiar, amanhã ódios aplacados temores abrandados será pleno

Pleno! Pleno!

(ARANTES, 1977)

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CAPÍTULO II – A AFETIVIDADE HUMANA

Passar a limpo a Matéria Repor no seu lugar as cousas que os homens desarrumaram

Por não perceberem para que serviam Endireitar, como uma boa dona de casa da Realidade,

As cortinas nas janelas da Sensação E os capachos às portas da Percepção

Varrer os quartos da observação E limpar o pó das ideias simples...

Eis a minha vida, verso a verso. FERNANDO PESSOA

Neste capítulo, apresentaremos uma reflexão em torno da questão da afetividade

humana, considerando ser a afetividade um tema central em nosso estudo. Dividimos esta

reflexão em duas partes que se articulam entre si: a primeira, trata da afetividade humana com

ênfase no pensamento espinosano; e a segunda, refere-se à afetividade no contexto das

relações sociais e de trabalho, dos profissionais de Serviço Social. Nos demais capítulos,

principalmente nos relativos à análise dos dados e às informações obtidas com a pesquisa,

trataremos esta categoria sempre na superposição a todos os outros conceitos específicos que

necessitaremos trazer para esclarecer os nossos objetivos.

O entendimento da afetividade humana perpassa todo o nosso estudo, pois temos

como objetivo central analisar as relações afetivas familiares entre pais de crianças e de

adolescentes em situação de litígio e desvelar o sentido da mediação familiar. Para que

possamos analisar as relações afetivas, é necessário compreendermos a afetividade e qual o

pensamento que a embasa. Da mesma forma, para que possamos conhecer o sentido da

mediação, é imprescindível reflirmos sobre a afetividade, uma vez que ela é a condutora de

todo o processo relacional. Portanto, a afetividade humana é a substância do nosso estudo.

Iniciamos nossas ponderações através do pensamento do filósofo holandês Baruch de

Spinoza35 - também Espinosa36-, principalmente em sua obra Ética, o centro de nossas

35 “Spinoza nasceu em 24 de novembro de 1632, em Amsterdã, numa família de negociantes judeus de origem portuguesa. Seu prenome em português, Bento, é traduzido para o latim por “Benedictus” e para o hebraico por “Baruch”. [...] Em 1639, Spinoza começa seus estudos na escola Talmud Tora. Aprende o hebraico. Aos vinte anos, participa das atividades de negócio da família. Na década de 1650, Spinoza se aproxima de Francisco van den Enden, ex-jesuíta que se tornou livre-pensador, partidário do regime republicano das Províncias Unidas. Segue cursos de latim na escola aberta por Van den Enden. Diante das exigências cada vez mais prementes das autoridades da comunidade, Spinoza se recusa a renegar as opiniões deístas e racionalistas que lhes são apresentadas; rompe com a comunidade judia da qual é excluído no dia 27 de julho de 1656. [...] Em 1663, Spinoza se instala em Voorburg, perto de Haia. Pelo final de 1663, publica os Princípios da filosofia de Descartes, seguidos de Pensamentos metafísicos, texto de apresentação de análise e de trabalho teórico sobre os

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reflexões. Utilizamos, como intérpretes contemporâneos do pensamento espinosano, os

intelectuais brasileiros Bader Burihan Sawaia, Marilena Chauí e Marcos André Gleizer, além

de nos amparamos nos franceses Laurent Bove, Giles Deleuze e Hadi Rizk.

Como um semieixo interligado ao redor desse centro do pensamento espinosano,

embasamo-nos, também, na teoria da complexidade, de Edgar Morin, e nos fundamentos

explicativos da natureza biológico-cultural do humano, de Humberto Romesín Maturana.

Buscamos, em Morin e Maturana, aspectos que se encontram com o pensamento espinosano.

Morin (2013), ao elaborar a obra em que trata dos filósofos que o influenciaram em

sua vida e trajetória intelectual, refere-se à Spinoza como um dos pensadores mais

significativos para a formação do seu pensamento e espírito crítico. Afirma que se sente

profundamente spinozano, pois odeia o ódio, despreza o desprezo, rejeita tudo o que rejeita, e

enfatiza:

A rejeição do ódio, a profunda necessidade de amor, de amizade, de fraternidade são para mim os germes essenciais da ética. Encontro todos eles em Spinoza, em seu sentido da tolerância, em seu horror da violência e das perseguições. Sua mensagem profunda é ligar o Conhecimento, Compreensão, Alegria e Amor, termos que se remetem um ao outro e que dão valor e sentido à vida humana. (MORIN, 2013, p. 64).

O autor manifesta que não aprecia muito o desejo da coerência quase matemática, a

“ordem geométrica” contida na Ética. Contudo, é altamente favorável à concepção de Deus de

Spinoza. A ideia de um “Deus sive Natura” agrada-lhe muito, pois Spinoza não trata de um

Deus criador transcendente, mas de um Deus imanente, na ideia de uma natureza auto

criadora, de inserir a criatividade na natureza, no mundo vivo e no mundo humano. É neste

ponto que se encontra a extraordinária modernidade e fecundidade de Spinoza, além de seu

pensamento político também ser moderno, pois apresenta distinções entre as instâncias

religiosas e políticas. (MORIN, 2013, p. 63-65).

principais conceitos da metafísica. Desde 1663, após a publicação dos Princípios da filosofia de Descartes, Spinoza trabalha sobre a Ética, sua obra de filosofia fundamental. [...] A partir do anos 1669-1670, Spinoza vive em Haia, onde publica, sob anonimato, o Tratado teológico-político. [...] Nos últimos anos de sua vida, compôs o Tratado político, obra que ficou inacabada. Spinoza morre em 21 de fevereiro de 1677. No final do ano, seus amigos publicam suas Obras póstumas.” (Rizk, 2006, p. 7, 10-12). 36 “A grafia Spinoza, que o próprio assinava, foi privilegiada no lugar de Espinosa, a fim de empregar o mesmo termo adotado internacionalmente, embora se saiba que a segunda grafia também está correta e é adotada por alguns autores brasileiros.” (MARTINS, 2009, XIV).

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Além de Morin (2013), citamos Maturana (2009), uma vez que, embora não tenhamos

conhecimento de referências explícitas de Maturana quanto à utilização do pensamento de

Spinoza em seus fundamentos explicativos, compreendemos que eles se encontram em alguns

momentos e, de maneira mais ampla, não se opõem: as ideias se complementam.

Maturana fundamenta a existência humana aprofundando-se em estudos dos aspectos

biológico e cultural. A Matriz Biológica da Existência Humana remete ao aspecto da

autopreservação. Segundo Maturana (2009, p. 187), “O ser vivo como sistema autopoiético

existe em seu viver como organismo numa dinâmica molecular sistêmica de contínua

produção de si mesmo.” Ou seja, tudo o que ocorre no viver de um organismo é com a

finalidade da contínua produção de si mesmo. Portanto, o que todos os organismos buscam é

a sua autopreservação.

Para Maturana (2009), a matriz Biológica da Existência Humana é constituída pela

Biologia do Conhecer e pela Biologia do Amar. A partir das histórias individuais, nas

experiências da relação com o outro, nas quais ocorrem conservações e transformações dos

sentires relacionais, é que a existência humana é construída. Assim, é no encontro com o

outro que me afeto, que afeto o outro e me transformo para perseverar em minha existência.

Maturana (2009) observa que, ao vivermos, validamos experiências que, após

vivermos outras experiências, poderemos considerar as primeiras como uma ilusão, e não

como uma percepção. Com o conhecimento, elas podem vir a ser consideradas experiências

imaginativas. E salienta:

Vivemos tudo o que vivemos como válido no momento de vivê-lo e, nesse viver, tratamos como válidas as coerências operacionais que surgem como constituindo o espaço relacional que emerge com nosso viver. Isto é, ao aceitar que na própria experiência não sabemos se trataremos mais tarde o que vivemos como uma ilusão ou como uma percepção [...]. (MATURANA, 2009, p. 185).

Assim, as nossas experiências são válidas no sentido de expansão do ser humano,

tendo em vista que a trama relacional que surge com este viver torna possível uma

convivência de trocas que promovam o bem-estar, aumentando a potência desses seres

humanos que convivem, de modo que o ser vivo, seja ele humano ou não, conserva seu viver

somente enquanto se encontre em um meio onde realiza uma trama relacional que lhe resulta

acolhedora. E salienta: “Um ser vivo vive, conserva seu viver, somente se o meio cambiante

que surge em seu viver é acolhedor para ele, quer dizer, se é um meio amoroso, um meio que

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torna possível que surja em sua legitimidade operacional, qualquer que seja seu modo de

viver. A dinâmica dessa relação é a Biologia do Amar [...]”. (MATURANA, 2009, p. 186).

1. A afetividade humana em Spinoza

A grande questão da filosofia espinosana é a servidão humana em todas as suas formas. O filósofo queria entender o que leva os homens a lutarem por sua escravidão como se fosse por sua liberdade, isto é, entender a servidão como ilusão de liberdade para

encontrar os caminhos pelos quais a verdadeira liberdade pudesse se tornar desejada e alcançada. A resposta ele vai encontrar no sistema dos afetos, o que o levou a escrever um

verdadeiro tratado das emoções em seu famoso livro, Ética, no qual demonstra de forma geométrica que a vida ética começa no interior dos afetos, e não contra eles,

pois constituem a base tanto da servidão como da liberdade. (SAWAIA, 2010, p. 366)

Não pretendemos realizar um tratado sobre o pensamento de Spinoza neste estudo,

mas tão somente apresentar algumas ideias centrais da teoria da afetividade humana por ele

desenvolvida em sua principal obra, “Ética”. Nossa reflexão priorizará os aspectos que

auxiliem a compreender melhor o significado da afetividade, compreensão imbuída na busca

do mais potente dos afetos: o conhecimento37. Exporemos a afetividade em Spinoza por meio

do caminho apresentado por Gleizer (2005), em sua obra “Espinosa e a afetividade

humana”.38

O pensamento de Spinoza vai de encontro a um ideário metafísico-moral de forças

transcendentes, preocupando-se em formular um espaço conceitual teórico e prático. Esta

importante ideia de seu pensamento fica expressa em sua concepção de Deus. Ao referir-se a

tal assunto, Gleizer nota que

Seu Deus é imanente à Natureza, e o conhecimento de nossa união com ele nada mais é do que o conhecimento intelectual de nós mesmos como partes da Natureza, partes integralmente submetidas, como todas as outras, às leis causais necessárias que regem o comportamento das coisas naturais. (GLEIZER, 2005, p. 8).

Spinoza trata da afetividade humana como algo circunscrito à imanência e à

necessidade, condicionado a uma ordem preexistente, no sentido de que o homem, inserido

37 “Nietzsche afirma que sua filosofia e a de Spinoza têm a mesma tendência geral: fazer do conhecimento o mais potente dos afetos. E lista em seguida outros cinco pontos de aproximação entre elas: negar o livre-arbítrio, a teleologia e as causas finais; a ordem moral do mundo; o desinteresse e o mal.” (MARTINS, 2009, X). 38 Segundo Gleizer (2005, p. 6), a referida obra “[...] resultou de uma pesquisa que obteve o apoio financeiro do CNPq (bolsa de produtividade em pesquisa), da Capes (bolsa de pós-doutorado) e do Prociência (programa de dedicação exclusiva dos docentes da Uerj)”.

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em um conjunto de circunstâncias, pode intervir nesta afetividade desde que conheça as

causas daquilo que o afeta. Rompe-se com o voluntarismo de que o sujeito é totalmente capaz

de suas determinações. Para Spinoza, os afetos têm causas determinadas e efeitos necessários

que exigem conhecimento, como qualquer outra coisa de ordem física. O conhecimento das

causas dos mecanismos afetivos a que estamos submetidos permite-nos elaborar nossas

paixões e desejos de forma que possamos expandir ou refrear esses mecanismos. O

conhecimento é o resultado da investigação e da reflexão das causas e é também delas

constituído. Por isso, o seu ponto de partida e de chegada é Deus, no sentido de que Ele

representa a causa primeira de todas as coisas, a Natureza. “Assim, racionalismo absoluto,

determinismo causal, imanência divina e naturalismo integral fornecem o horizonte teórico

onde o sistema dedutivo unificado pode ser enfim construído. Com isso, tudo pode ser

explicado a partir de uma única raiz.” (GLEIZER, 2005, p. 16). Por meio desta ideia é que é

demonstrada a tese central do monismo.

Para fundamentar a sua compreensão sobre o mundo, Spinoza apoia-se em três teses

principais que se imbricam: o monismo, o paralelismo e o pan-psiquismo. A tese do monismo

traz a contribuição de que há uma única substância absolutamente infinita e que essa

substância absoluta é constituída por infinitos atributos.

[...] a mente e o corpo são uma só e mesma coisa, a qual é concebida ora sob atributo do pensamento, ora sob o da extensão [...]. Tanto a decisão da mente, quanto o apetite e a determinação do corpo são, por natureza, coisas simultâneas, ou melhor, são uma só e mesma coisa, que chamamos decisão quando considerada sob o atributo do pensamento e explicada por si mesma, e determinação, quando considerada sob o atributo da extensão [...]. (E III, 2 esc.).

Os atributos são de ordem material e mental, que são duas expressões diferentes de um

mesmo universo que é infinito. O que é finito são seus modos, não a substância. “O que

explica a passagem da substância absoluta aos modos finitos é o fato da essência da

substância ser uma potência.” (GLEIZER, 2005, p. 18). A substância é afetada em sua

potência, que pode ser diminuída ou aumentada conforme for afetada em sua essência,

produzindo, nela mesma, coisas infinitas de diferentes maneiras, resguardando que, de forma

heterogênea e autônoma, cada um dos atributos produzirá segundo a sua ordem. Dessa forma,

o atributo extensão produzirá corpos; e o atributo pensamento, ideias. O fato da produção

seguir seu respectivo atributo remete à outra tese de Spinoza, o paralelismo. (GLEIZER,

2005).

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Na tese do paralelismo, Spinoza explica que, mesmo considerando que a extensão

produza corpos e o pensamento produza ideias, quando se afeta as ideias também se afeta,

necessariamente, o corpo, e quando se afeta o corpo também se afeta o pensamento. Isto

ocorre porque o pensamento e a extensão são diferentes expressões da mesma substância;

portanto, são afetados ao mesmo tempo. “Esta tese consiste em sustentar que os atributos,

embora autônomos, são isônomos, isto é, que embora produzam seus modos em completa

independência eles agem segundo um mesmo princípio, uma mesma lei de produção.”

(GLEIZER, 2005, p. 19).

Assim, a substância é diferente de modo. No modo existe uma dependência

existencial e conceitual. O modo é finito e é limitado por outra coisa do mesmo gênero. Um

corpo limita outro corpo. Uma ideia limita outra ideia. Destarte, compreende-se que algo

como modo finito não tem autossuficiência absoluta; depende dos modos, da extensão, do

pensamento - finito, e da substância - infinita. Este entendimento demonstra que existe uma

dependência e codependência na relação entre as coisas. “Em suma, o conceito de modo

indica a abertura constitutiva do ser finito. Com ele, as coisas finitas deixam de ser pensadas

como objetos fechados e autossuficientes para abrirem-se no seu processo de constituição.”

(GLEIZER, 2005, p. 20).

Chauí (2011, p. 146) explica que “[...] os seres humanos são modos finitos ou

modificações finitas da substância absolutamente infinita: o corpo é o efeito e expressão do

atributo substancial Extensão; a alma, ou a mente, é feito e expressão do atributo substancial

Pensamento”. Consequentemente, as coisas finitas, entre elas o homem (em seus modos corpo

e alma), são afetadas por outras, de diferentes formas e graus, introduzindo, aí, a terceira tese

de Spinoza: o pan-psiquismo.

O pan-psiquismo, em sua base, contém a ideia de que todos os seres são afetados em

diferentes graus, conforme o estado de seu modo, mente e corpo ao mesmo tempo. Spinoza

afirma que “O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência

de agir é aumentada ou diminuída, enquanto outras tantas não tornam sua potência de agir

nem maior nem menor.” (E III, 1 post.).

Para Spinoza, a alma humana não é uma substância pensante finita. Ela é um modo

finito, enquanto habita um corpo; infinito, enquanto composta por uma substância infinita que

permanece através dos tempos. Esta alma finita enquanto modo, mas infinita enquanto

essência, é determinada, ao mesmo tempo, por afetamentos do que sofre e do que produz. Este

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afetamento ocorre em diversos graus. Por sua complexidade, o corpo humano, composto por

várias partes, que também são um todo enquanto parte, afeta e é afetado em suas partes que

são conjugadas pelo todo. Entretanto, o que acontece na dimensão do corpo não acontece

somente com ele; está, também, diretamente ligado ao que acontece com a alma. Graças a este

afetamento com os corpos e mentes exteriores, os corpos retêm as informações e os

afetamentos, incorporando-os em diferentes graus. Corpos e mentes são modificados a partir

dessas interações, e suas percepções são construídas a partir dessas ideias e encontros com

outros corpos e mentes. Esta percepção contém a medida da força e do impacto que aqueles

encontros fizeram ressoar em seu corpo e em sua mente. Gleizer interpreta Spinoza,

afirmando que

Embora a alma e o corpo sejam totalidades compostos, eles não são meros agregados, mas totalidades estruturadas e autorreguladas. O todo não se reduz à mera justaposição das partes, mas define-se por uma lei que organiza as relações entre elas, uma estrutura que confere unidade e individualidade ao todo. Assim, o que define a individualidade de um corpo composto qualquer (seja ele humano ou não) é a relação constante segundo a qual suas partes comunicam seus movimentos entre si, de tal forma que qualquer variação nos seus componentes que não destrua esta relação preserva a identidade do indivíduo. Assim, um indivíduo composto pode sofrer múltiplas variações, afetar e ser afetado de várias maneiras pelos corpos exteriores, conservando sua individualidade através das trocas com o meio circundante. Ora, um indivíduo é uma totalidade em relação às suas partes, mas é ele mesmo uma parte em relação a totalidades mais abrangentes, num processo que remonta ao infinito. (GLEIZER, 2005, p. 23).

Chauí (2011, p. 89) afirma que “Pela primeira vez, em toda a história da filosofia,

corpo e mente são ativos e passivos juntos e por inteiro, em igualdade de condições e sem

relação hierárquica entre eles.” Logo, razão e emoção caminham juntas. Quando o nosso

corpo é afetado, igualmente o é a nossa mente; e quando a nossa mente é afetada, também o é

o nosso corpo. Ambos são constituídos por uma substância absoluta, que contém infinitos

atributos e, por isso, de possibilidades ilimitadas, em diversos graus.

Então, uma vez que o homem é essa substância, com infinitas possibilidades, o que lhe

entrava ou promove a realização? Spinoza indica o conhecimento como uma resposta para

essa questão, pois a vida do homem depende do seu conhecimento em relação às coisas, ao

outro homem e a si próprio. O homem depende do conhecimento das causas adequadas de

suas ideias e de seus afetos para agir.

Gleizer (2005, p. 24) esclarece que Spinoza apresenta uma “[...] divisão tripartite dos

gêneros de conhecimento e sua distinção entre ideias adequadas e inadequadas”. O primeiro

gênero é “denominado de opinião ou imaginação” e trata de uma percepção real, mas

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aparente. São percepções sobre como elas afetam o nosso corpo e a nossa alma, sem, contudo,

termos buscado suas causas. Por isso, é uma percepção que parte de nós, no sentido de como

fomos afetados pelo outro corpo, e não como ele realmente é. Destarte, trata-se de um efeito

causado em mim a opinião ou imaginação que eu tenho sobre algo. O fato de percebermos

dessa forma não significa que seja o que realmente é, e sim que aquilo é real para mim,

conforme a minha percepção. Desta forma, o conhecimento imaginativo é considerado

parcial, mutilado, confuso, ou seja, uma ideia inadequada - o que não faz dela, de maneira

alguma, uma ideia irrelevante; ao contrário, considera-o parte do caminho para o

conhecimento. Este conhecimento diz respeito em relação a algo, mas, essencialmente, diz

respeito a algo em relação a mim, algo sobre a minha percepção. Assim, a imaginação, por

um lado, é marcada pela diversidade, pois cada um constrói a sua; e, por outro lado, também é

parcial, pois não contempla a totalidade. A imaginação procura dar conta daquilo que não

consegue conhecer, dando à causa dos acontecimentos explicações advindas de simples

intuições, de deduções por outras experiências, por vezes buscando explicações

transcendentes.

Seguem-se o ‘segundo e terceiro gêneros do conhecimento’, que se referem à razão e

ciência intuitiva, direcionadas ao que Spinoza define por ‘ideias adequadas’. As ideias

adequadas precisam fazer parte de um conjunto de ideias, que se apresentem, também,

adequadas. Uma ideia nunca é adequada quando isolada nela mesma; mesmo quando

entendida parcialmente, ela deve estar conectada a outras partes do conjunto de explicações,

formando um todo. (GLEIZER, 2005).

De acordo com Spinoza (E III, 1 def.), a ideia adequada é a compreensão clara do

que se passa em nós e fora de nós. Por outro lado, a ideia inadequada é a compreensão parcial,

obscura, confusa, proveniente, apenas, da nossa experiência sensorial, da nossa memória. Por

conseguinte, a assertividade das nossas ações dependerá do quão adequada estiver a nossa

compreensão.

Com efeito, vimos, pelo monismo, que somos compostos de uma única substância,

absolutamente infinita; e, pelo paralelismo, que essa substância é composta pelos atributos do

pensamento e da extensão, afetados por outros corpos e mentes. O pan-psiquismo remete-nos

que existem graus nesse afetamento que, por sua vez, produzem ideias inadequadas e ideias

adequadas que se esforçam no desenvolvimento e na perseveração do seu ser.

A busca pela preservação de si e pelo desenvolvimento dessa potência existente no

ser tem lugar por meio de algo que todos os seres possuem, o qual Spinoza, seguindo a

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terminologia do século XVII, dá o nome de conatus (do latim, que significa ‘esforço’). Sobre

a preposição do conatus é que Spinoza funda a teoria da afetividade, ética e política.

O conatus refere-se ao desejo e ao esforço de preservação da própria existência39. “O

termo ‘esforço’, que se aplica indiscriminadamente às essências de todas as coisas (sejam elas

materiais ou mentais, simples ou complexas), indica apenas aquela produção necessária de

efeitos num contexto de interação como mundo circundante.” (GLEIZER, 2005, p. 30). Toda

coisa esforça-se para preservar o seu ser; este esforço é a sua essência. Os corpos mais

simples confundem-se com o seu estado e buscam a sua autopreservação. Em contrapartida,

os mais complexos, como o homem, não perseveram, apenas, na sua autoconservação, mas,

igualmente, na sua autoexpansão. O ser mais complexo não se esforça para permanecer igual,

mas para desenvolver-se, expandir, ainda que, por vezes, inadequadamente imagine que tal

esforço é para que permaneça igual. Chauí realiza a seguinte explicação sobre o termo

conatus:

O conatus é a potência interna de autopreservação na existência que toda essência singular ou todo ser singular possui porque é expressão da potência infinita da substância. Os humanos, como os demais seres singulares, são conatus, com a peculiaridade de que somente os humanos são conscientes de ser uma potência ou um esforço de preservação na existência. O conatus, demonstra Espinosa na Parte III da Ética, é a essência atual do corpo e da mente. Mais do que isto. Sendo uma força interna para existir e conservar-se na existência, o conatus é uma força interna positiva ou afirmativa, intrinsecamente indestrutível, pois nenhum ser busca a autodestruição. O conatus possui, assim, uma duração ilimitada até que causas exteriores mais fortes o destruam. Definindo corpo e mente pelo conatus, Espinosa os concebe essencialmente como vida, de maneira que, na definição da essência humana, não entra a morte. Esta é o que vem do exterior, jamais do interior. (CHAUÍ, 2011, p. 84-85).

O conatus recebe diferentes nomes (E III, 9 esc.). Quando é referido à mente, chama-

se vontade; quando é referido simultaneamente ao corpo e à mente, chama-se apetite; e

quando é referido simultaneamente ao corpo e à mente, mas com conhecimento de suas

causas, chama-se desejo. Assim, o desejo envolve o conhecimento das causas de seus apetites

e de suas vontades. Ele é a própria essência do homem, na medida em que é ação no sentido

de preservação e expansão de sua vida. O conatus, esclarece Bove (2010, p. 32), “[...] é desejo

sem objeto porque não é nada mais que a produtividade do real em nós e através de nós, que

39 Neste aspecto, encontramos um ponto de encontro fundamental entre o pensamento de Spinoza e o de Morin, em sua obra “O método 2 – a vida da vida”, quando afirma: “Todo ser tende a perseverar no seu ser, toda organização tende a manter sua organização, toda autonomia tende a permanecer autonomia. Podemos pois considerar que os dispositivos e comportamentos de proteção, defesa, fuga, ataque, nutrição, próprios dos seres vivos, se limitam a traduzir e desenvolver em nível de vida a tendência para perdurar própria de todas as coisas e, particularmente, dos seres físicos organizadores de si.” (MORIN, 2002, p. 179).

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funciona sem finalidade alguma”. Portanto, o conatus não é o desejo de algo; é a potência. O

conatus vai ter mais ou menos força, dependendo de como for o afetamento. Sawaia, em

comentário à Parte III, Prop. IX, Esc. da Ética, afirma:

O homem é um grau de potência, uma força interior para se conservar, perseverar na própria existência, um esforço de resistência, que Espinosa chama de conatus e, também, de apetite e de desejo (cupiditas) quando o apetite é consciente. O desejo é a própria essência do homem, é a força que nos leva ao encontro com algo que sentimos que compõe com a potência de nosso corpo e alma para se conservar. (SAWAIA, 2010, p. 366).

A partir de todas estas considerações, chegamos a uma definição de afeto em

Spinoza:

Por afeto compreendo as afecções do corpo pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções. [...] Assim, quando podemos ser a causa adequada de alguma dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário, uma paixão. (E III 3 def.).

Nessa definição, Spinoza contempla as teses explicitadas anteriormente (monismo,

paralelismo e pan-psiquismo), pois afirma que, pelas afecções do corpo, a potência de agir,

portanto, de pensar, é afetada e interfere, decisivamente, na ação dos corpos. Esclarece que

não há um afeto neutro, pois o afeto é uma afecção que altera a potência. Os afetos não são,

deste modo, apenas uma construção intelectual, mas, também, corporal. Assim, “[...] o afeto

não é o fruto de uma comparação, mas a experiência vivida de uma transição, de um aumento

ou diminuição de nossa vitalidade”. (GLEIZER, 2005, p. 36).

Spinoza introduz, ainda, os conceitos de causa adequada, causa inadequada,

atividade e passividade. Por causa adequada, Spinoza (E III 1 def.) entende “[...] aquela cujo

efeito pode ser percebido clara e distintamente por ela mesma”; e por causa inadequada ou

parcial, aquela “[...] cujo efeito não pode ser compreendido por ela só”. Gleizer apresenta a

seguinte explicação sobre os dois termos:

Um ente finito é dito ativo quando é uma causa adequada de um efeito que se produz nele ou fora dele, e passivo quando é a causa inadequada de um efeito que produz nele ou que dele se segue. Causa adequada ou inadequada, atividade ou passividade, remetem portanto à autossuficiência ou não de um ente finito face aos outros entes finitos na produção e explicação dos seus efeitos (esta autossuficiência possível em relação aos outros modos finitos é limitada e fundada metafisicamente na produção incondicionada das essências finitas e na consequente independência entre elas). (GLEIZER, 2005, p. 37).

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A causa adequada é construída a partir da ideia adequada, que por sua vez é

estabelecida por meio do conhecimento, no afetamento de ambos, corpo e alma. Quando a

ação é realizada por uma causa inadequada, não há ação, e sim, padecimento. (E III, 1).

Segundo o autor, existem tipos básicos de afetos: ativos e passivos. Os afetos ativos

são provenientes de ideias adequadas, construídos devido ao exercício adequado da potência

do corpo e do intelecto; são ação. Por outro lado, os afetos passivos são provenientes de

ideias inadequadas, são construídos devido ao exercício inadequado do corpo ou do intelecto;

são paixões. Os mesmos afetos podem ser passivos ou ativos, dependendo da causa eficiente

que os produz. Desta forma, uma alegria poderá ser, inadvertidamente, um afeto passivo

desde que proveniente de uma ideia inadequada. Por conseguinte, uma tristeza poderá ser um

afeto ativo desde que proveniente de uma ideia adequada.

A positividade e a negatividade dos afetos não está associada à ideia de bom e de

mau, não consiste em um valor; são coisas singulares que promovem efeitos no conatus. Nas

definições que encontramos na Quarta Parte da Ética, Spinoza afirma que é um bem aquilo

que sabemos, com certeza, que nos é útil. Da mesma forma, é um mal aquilo que sabemos,

com certeza, que nos impede de desfrutarmos de algum bem.

Toda afetividade ativa será caracterizada pela positividade, do mesmo modo que toda

afetividade passiva será caracterizada pela negatividade. Contudo, nem toda positividade será,

em sua essência, alegria, como nem toda negatividade será, em sua essência, tristeza. Isto

porque, como afirma Chauí,

[...] dependendo das condições de nosso corpo, ele buscará outros cuja imagem pareça aumentar sua força vital, sem poder dar-se conta de que eles a diminuirão, em vez de aumentá-la; da mesma maneira nosso corpo poderá afastar-se de outros que efetivamente o regeneram e fortalecem, imaginando-os como enfraquecedores e adversários. (CHAUÍ, 2011, p. 92).

A variação na potência causada pelo afeto pode ser para aumentá-la ou diminuí-la.

Ela ocorre através dos três afetos primários ou primitivos: desejo, alegria e tristeza. Para

Spinoza, as demais afeições, como amor, ódio, medo, esperança, contentamento, entre outras,

sempre nascem como desdobramentos desses três afetos. E salienta: “Afora esses três, não

reconheço nenhum outro afeto primário. [...] desses três provêm todos os outros.” (E III, 11

esc.). E explica:

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O desejo é a própria essência do homem, enquanto esta é concebida como determinada, em virtude de uma dada afecção qualquer de si própria, a agir de alguma maneira.40 (E III, AD 1) A alegria é a passagem do homem de uma perfeição menor para uma maior. (E III, AD 2). A tristeza é a passagem do homem de uma perfeição maior para uma menor.41 (E III, AD 3).

Como podemos observar observar nestas explicações, o desejo é a própria essência

atual do homem; é sua força pulsante. Está, indelevelmente, entrelaçado ao movimento para a

autoconservação da existência do homem. Não se trata de movimento no sentido de uma

mudança de lugar; é um estado do corpo. Desejo é ação; por isso, também é conatus, pois é a

potência de agir. O desejo oscila em sua intensidade porque, enquanto conatus, também é

afetado por outros afetos advindos da alegria ou da tristeza. A variação dessa intensidade de

alteração na potência depende da qualidade do desejo, do encontro com outros corpos, ou

forças, externos, múltiplos e poderosos. Em sua qualidade, depende, também, se foi afetado

pela alegria ou pela tristeza.

A alegria e a tristeza não são perfeições42 ou imperfeições, mas o caminho, os atos

para atingí-las. Esses atos, se forem alegres, vão aumentar a nossa potência; e se forem tristes,

diminuí-la, pois, conforme Chauí destaca,

40

“Explicação. Dissemos anteriormente, no esc. da prop. 9, que o apetite é o desejo juntamente com a consciência que dele se tem, e que o apetite é a própria essência do homem, enquanto determinada a agir de maneiras que contribuem para a sua conservação. Entretanto, no mesmo esc., também observei que, quanto a mim, não reconheço, na verdade, qualquer diferença entre o apetite humano e o desejo. Com efeito, quer esteja o homem consciente do seu apetite ou não, o apetite continua, entretanto, único e idêntico. Por isso, para não parecer que incorria em tautologia, não quis explicar o desejo pelo apetite, mas procurei dar-lhe uma definição que abrangesse todos os esforços da natureza humana que designamos pelos nomes de apetite, vontade, desejo ou impulso. Com efeito, poderia ter dito que o desejo é a própria essência do homem à medida que esta é concebida como determinada a agir de alguma maneira, mas de uma tal definição (pela prop. 23 da p. 2) não se seguiria que a mente pudesse estar consciente de seu desejo ou apetite. Foi necessário, pois, para envolver a causa dessa consciência (pela mesma prop.), incluir enquanto esta é concebida como determinada, em virtude de uma dada afecção qualquer de si própria, etc. Com efeito, por afecção da essência humana compreendemos qualquer estado dessa essência, quer seja inato ou adquirido, quer seja concebido apenas pelo atributo do pensamento ou apenas pela extensão, quer, enfim, esteja referido, ao mesmo tempo, a ambos os atributos. Compreendo, aqui, portanto, pelo nome de desejo todos os esforços, todos os impulsos, apetites e volições do homem, que variam de acordo com seu variável estado e que, não raramente, são a tal ponto opostos entre si que o homem é arrastado para todos os lados e não sabe para onde se dirigir.” (E III, AD 1 exp.). 41

“Explicação. Digo passagem porque a alegria não é a própria perfeição. Pois se o homem já nascesse com a perfeição à qual passa, ele a possuiria sem ter sido afetado de alegria, o que se percebe mais claramente no afeto da tristeza, que é o seu contrário. Com efeito, ninguém pode negar que a tristeza consiste na passagem para uma perfeição menor e não na perfeição menor em si, pois o homem, à medida que participa de alguma perfeição, não pode se entristecer. Tampouco podemos dizer que a tristeza consiste na privação de uma perfeição maior, pois a privação nada é. A tristeza, entretanto, é um ato que, por isso, não pode ser senão o ato de passar para uma perfeição menor, isto é, o ato pelo qual a potência de agir do homem é diminuída ou refreada (veja-se esc. da prop. 11). De resto, omito as definições de contentamento, excitação, melancolia e dor, porque estão mais referidas ao corpo e não passam de espécies de alegria ou tristeza.” (E III, AD 3 exp.). 42 “Perfectio, derivando-se de perficere (que, por sua vez, deriva-se de facio), é um fazer que carrega consigo os vários significados técnicos de seus termos de origem. Facio: preparar, desenhar, representar, construir, erguer e fabricar. Perficio: concluir, acabar, terminar o que foi iniciado, perfazer a construção, ter o efeito completo da

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[...] os afetos não são simples emoções, mas acontecimentos vitais e medidas de variação de nossa capacidade para existir e agir. Quando a alegria é acompanhada de uma causa externa, chama-se amor; quando a tristeza é acompanhada de uma causa externa, chama-se ódio; quando o desejo é alegre, chama-se contentamento; quando triste, frustração. (CHAUÍ, 2011, p. 88).

A alegria e a tristeza são passagens, e não um fim em si. O fim é a perfeição, que é a

essência da própria coisa. Ocorre que, buscando a perfeição, por vezes caminhamos para a

imperfeição, quando nos abatemos por afetos tristes ou por paixões. Na vida imaginativa, os

afetos são paixões43. A esse respeito, Spinoza salienta:

O afeto, que se diz pathema [paixão] do ânimo, é uma ideia confusa, pela qual a mente afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte dele, ideia pela qual, se presente, a própria mente é determinada a pensar uma coisa em vez de outra. (E, III, Definição geral dos afetos).

Conforme explicamos anteriormente, quando tratamos da imaginação, os afetos que

resultam do nosso mundo imaginativo são confusos e mutilados em suas causas, são parciais.

Quando a causa é imaginária, ela é depositada em algo que é desejado, e não naquele que

deseja. Ou seja, a causalidade é exterior a ele. Esse desejo é paixão. Quando é o inverso, o

desejo é ação. Segundo Chauí,

A ação é a capacidade da parte finita de ser causa adequada dos efeitos que nela acontecem, isto é, de responder inteiramente por seus afetos, ideias e comportamentos, ainda que todos eles signifiquem sempre relações com os outros e

ação. Assim, perfeito se diz do realizado, completo ou acabado, de uma obra feita ou concluída segundo a intenção e o escopo de seu autor.” (CHAUÍ, 2011, p. 210). 43 “Explicação. Digo, em primeiro lugar, que o afeto ou a paixão do ânimo é uma ideia confusa. Mostramos, com efeito, que a mente padece apenas à medida que tem ideias inadequadas, ou seja, confusas (veja-se a prop. 3). Digo, além disso, pela qual a mente afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte dele. Com efeito, todas as ideias que temos dos corpos indicam antes o estado atual de nosso corpo (pelo crol. 2 da prop. 16 da P. 2) do que a natureza do corpo exterior. Ora, a ideia que constitui a forma de um afeto deve indicar ou exprimir o estado do corpo ou de alguma de suas partes, estado que o próprio corpo ou alguma de suas partes tem porque sua potência de agir ou sua força de existir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada. É preciso observar, entretanto, que, quando digo força de existir, maior ou menor do que antes, não compreendo com isso que a mente compara o estado presente do corpo com os anteriores, mas, sim, que a ideia que constitui a forma de um afeto afirma, a respeito do corpo, algo que envolve, de fato, mais ou menos realidade do que antes. E como a essência da mente consiste (pelas prop. 11 e 13 da P. 2) em afirmar a existência atual de seu corpo, e como por perfeição compreendemos a própria essência de uma coisa, segue-se que a mente passa a uma maior ou menor perfeição quando lhe acontece afirmar, de seu corpo ou de qualquer de suas partes, algo que envolve mais ou menos realidade do que antes. Quando, pois, disse, anteriormente, que a potência de pensar da mente era aumentada ou diminuída, não quis dizer senão que a mente formava, de seu corpo ou de algumas de suas partes, uma ideia que expressava mais ou menos realidade do que a que antes afirmava a respeito de seu corpo. Pois a superioridade das ideias e a potencia atual de pensar avaliam-se pela superioridade do objeto. Acrescentei, enfim, pela qual, se presente, a mente é determinada a pensar uma coisa ao invés de outra, a fim de exprimir também, além da natureza da alegria e da tristeza, que é explicada na primeira parte da definição, a natureza do desejo. (E III Definição geral dos afetos, expl.).

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com as outras coisas. Agimos quando nossos desejos são definidos inteiramente por nossa potência. (CHAUÍ, 2011, p. 151).

A questão ética volta-se para o conhecimento da origem dos afetos, para os efeitos

que os afetos provocam no homem e no meio social, especialmente em relação a outro

homem. O desejo que é ação requer conhecimento complexo de sua causa. Ele exercita a

capacidade de interpretar as informações e afetos na busca de uma compreensão adequada.

Ele é corpo e mente, mas é no desenvolvimento da capacidade de reflexão que o desejo

acontece. Para a realização plena do desejo, é necessário que haja uma interiorização de suas

causas, conhecer seus apetites e suas vontades nas origens. Em detrimento desse

conhecimento, nasce a autoconfiança e a responsabilidade ética, pois o conatus fortalece-se na

direção adequada, isto é, na direção do conhecimento, sendo que este é complexo e integrado

às infinitas faces da existência humana e do meio circundante. A aproximação ao

conhecimento leva o homem a pensar no outro homem como pensa em si mesmo. Ele não

trata de perseverar em sua existência, pela sua felicidade, egoisticamente, porque percebe que

o outro é, também, continuidade dele enquanto humanidade. O homem, por meio do

conhecimento pertinente, percebe que ele é parte de um todo e que o todo também está nele e

no outro. Conforme Sawaia,

Perseverar na própria existência é mais que conservar-se vivo, deixa claro Espinosa. É expansão do corpo e da mente na busca da liberdade, da felicidade, que são necessidades tão fundamentais à existência humana [...]. Daí sua conclusão de que a luta pela emancipação é uma dimensão irreprimível do homem no seu processo de conservar-se, o que pressupõe passar da condição [...] da heteronomia à autonomia. (SAWAIA, 2010, p. 366).

O homem não se completa somente no homem, mas em seu meio, no cosmos, na

natureza. Esta busca do conhecimento, a aproximação de si mesmo e de outro homem como

ser humano, não se dá pela procura da aceitação servil, mas pelo desenvolvimento de uma

emancipação legítima, da plena expressão de sua afetividade. Esta emancipação é individual e

coletiva ao mesmo tempo. Ela ocorre pela alegria de viver, de sentir-se livre em pensamentos

e realizações. A felicidade não resulta em diminuir o outro, desqualificá-lo, tirar-lhe coisas,

provocar tristezas. Quanto mais conhecimento o homem tem de si mesmo, de seus afetos,

maior terá do outro e da humanidade.

Os afetos aumentam ou diminuem a nossa potência conforme formos afetados e de

acordo com a qualidade do afeto (MORIN, 2002). Por isso, o sujeito que desenvolve a

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capacidade para compreender o que se passa consigo e em suas relações poderá conduzir sua

vida da melhor forma. Consequentemente, pode ser afetado positivamente na potência da sua

substância absoluta, isto é, seu conatus. O homem é um ser de infinitas possibilidades, uma

vez que está nele esta potência de vida, seu conatus, que precisa ser potencializado por meio

de afetos alegres com base em ideias adequadas.

Ocorre que Spinoza afirma que uma ideia verdadeira jamais vence uma paixão

simplesmente por ser uma ideia verdadeira. Apenas uma paixão vence outra paixão se for

mais forte e contrária a ela.

Um afeto não pode ser refreado ou anulado senão por um afeto contrário e mais forte do que o afeto a ser refreado. (E IV, 7) O desejo que surge da alegria é, em igualdade de circunstâncias, mais forte que o desejo que surge da tristeza. (E IV, 18)

Spinoza desfaz a ideia de que a razão domina a emoção. Logo, a paixão é incluída e

necessária para que domine uma paixão que despotencializa o conatus para outra que o

potencialize. Portanto, as paixões são usadas para o fortalecimento do conatus. Neste aspecto,

compreendemos bem quando o autor salienta que os afetos precisam ser entendidos e não

ignorados, pois são necessários e têm causas certas. Apesar de a paixão, por ser proveniente

de ideias imaginárias, aumentar, imaginariamente, a intensidade do conatus, na verdade ela a

diminui; é existente e necessária para a potencialização do conatus. Sendo assim, uma paixão

triste só poderá ser combatida por outra paixão mais forte e contrária. E como as paixões

alegres são mais fortes que as paixões tristes, elas não são equivalentes. Por conseguinte, a

admiração poderá combater o desprezo, a esperança poderá combater o medo etc.

Embora busquemos o que nos fortalece e tentemos afastar-nos do que nos

enfraquece, isto não é uma tarefa fácil porque, devido às nossas ideias do mundo imaginativo,

por vezes imaginamos que estamos buscando o que nos fortalece, mas, na verdade, estamos

buscando o que nos enfraquece. Sobre isso, Chauí (2011, p. 92) lança a pergunta: “Por que

esse engano é possível?” Em seguida, ela nos oferece uma resposta, através de dois motivos

principais:

[...] em primeiro lugar, porque o equilíbrio dinâmico de nosso corpo precisa ser incessantemente refeito e conservado em decorrência do poder das forças exteriores sobre nós; em segundo, porque, em nossa mente, alegria e tristeza nunca aparecem em estado puro ou nuas, mas combinadas sob a forma de afetos variados. É assim que a alegria causada por um outro chama-se amor e a tristeza causada por um outro chama-se ódio. A alegria pela expectativa de um bem futuro chama-se esperança, a tristeza pela expectativa de um mal futuro, medo. (CHAUÍ, 2011, p. 92).

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O que irá nos auxiliar é o processo reflexivo que pode nascer no interior das paixões

a caminho do conhecimento da própria paixão - não para racionalizá-la, mas para aceitá-la e

compreendê-la na busca de nossa transformação, para vitalizar o nosso conatus. Quanto mais

tomamos conhecimento das nossas paixões tristes, mais tendemos a nos afastarmos dela, pois

nos inclinaremos para aumentarmos a potência do nosso conatus, e não para diminuí-lo.

Assim, as nossas paixões tristes convergirão para a diminuição e se abrirão espaços para as

paixões alegres, ao mesmo tempo em que, também, se ampliarão as possibilidades para os

afetos alegres provenientes de ideias adequadas, para nos tornarmos cada vez mais ativos. Isto

porque não é o conhecimento racional que aumenta a nossa alegria; é o aumento da alegria

que nos torna capazes do conhecimento. Chauí salienta:

A partir desse momento, [...] a ética não é senão o movimento de reflexão, isto é, o movimento de interiorização no qual a mente interpreta seus afetos e os de seu corpo, afastando as causas externas imaginárias e descobrindo-se e a seu corpo como causas reais dos apetites e desejos. A possibilidade da ação reflexiva da mente encontra-se, portanto, na estrutura da própria afetividade; é o desejo da alegria que a impulsiona rumo ao conhecimento e à ação. Pensamos e agimos não contra os afetos, mas graças a eles. A essência da mente, escreve Espinosa, é o conhecimento, e quanto mais conhece, mais realiza sua essência ou virtude. (CHAUÍ, 2011, p. 99).

A questão ética volta-se para o conhecimento da origem dos afetos, para os efeitos

que os afetos provocam no homem e no meio social/outro homem se essas atitudes forem

ações conscientes ou atitudes de padecimento com base em ideias imaginativas. Segundo

Sawaia, Spinoza ensina-nos que

As ações revolucionárias são inócuas se não se desbloqueiam as forças reprimidas da subjetividade em direção à alegria de viver, que, por sua vez, é a base da liberdade. Os homens se submetem à servidão porque são tristes, amedrontados e supersticiosos. Enredados nas cadeias das paixões tristes, anulam suas potências de vida e ficam vulneráveis à tirania do outro, em quem depositam a esperança de suas felicidades. Por isso, afirma Espinosa, não se destrói uma tirania, eliminando um tirano, pois os outros o substituirão caso as relações servis não sejam destruídas. É preciso destruir as relações que sustentam a servidão. (SAWAIA, 2010, p. 366).

Por isso, o homem, quando se sente afetado pela solidão e pelo medo de ficar

sozinho, na verdade está explicitando sua essência de humanidade, que se realiza, somente, na

relação com o outro, em relações sociais. E nos lembra Max Pagès (1976, p. 299): “[...] a

relação humana, compreendida como um sentimento vivido do outro, só pode ser uma

construção”.

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2. A afetividade e as relações sociais

[...] defenderei que a emoção e a criatividade são dimensões ético-políticas da ação transformadora, de superação da desigualdade, e que trabalhar com

elas não é cair na estetização das questões sociais, ou solipcismo, mas sim um meio de atuar no que há de mais singular da ação política emancipadora.

(SAWAIA, 2010, p. 366)

Etimologicamente, a palavra afetividade vem do Latim afficere, afectum, que quer

dizer ‘produzir impressão’. É composta da partícula ad, que é igual a ‘em, para’, e facere, que

é igual a ‘fazer, operar, agir, produzir’. Conforme a etimologia de afeto, afeto, do latim

affectus, particípio passado do verbo afficere, é igual a ‘tocar, comover o espírito’ e, por

extensão, ‘unir, fixar’ (it. attaccare), também no sentido de ‘adoecer’. Portanto, a palavra

‘afetividade’ vem de afecção - do Latim afficere ad actio, isto é, ‘onde o sujeito se fixa, onde

o sujeito se liga’.44 Também encontramos como sinônimo de afetividade: “sentimento,

emotividade, cordialidade” (FERNANDES, 1989, p. 41); “conjunto de fenômenos afetivos –

tendências, emoções, sentimentos, paixões, etc. Força constituída por esses fenômenos, no

íntimo de um caráter individual” (LAROUSSE, 1999, p. 24); “relativo a afeto”, “admirador,

simpatizante” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 19).

Buscando a raiz da palavra, temos, então, que a afetividade carrega um primeiro

sentido ligado ao movimento e aos dois corpos que se comunicam, pois trata de produzir

impressão, fazer, operar, de união e de ligação. Encontramos como sinônimo palavras que

expressam amorosidade. Desta maneira, neste trabalho, a concepção que utilizamos está mais

próxima à raiz da palavra, e não ao sentido usual de que a afetividade seja uma relação

de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido.

A afetividade manifesta-se por meio das relações humanas, permeadas por emoções e

sentimentos. Podemos dizer que a afetividade é um fenômeno complexo que celebra a inter-

relação de diferentes manifestações sociais, biológicas, e inter-psíquicas dos diferentes

sentimentos e emoções que atravessam toda a nossa existência.

No trabalho que realizamos com famílias no judiciário, a afetividade é revelada,

culturalmente, de estereótipos e carregada de determinismos. Na família, primeiro espaço

social em que a afetividade aparece, o culturalmente esperado é que não haja conflitos, que as

relações estejam sempre permeadas pelo afeto da alegria. No Judiciário, espaço social de

44 Baseamo-nos na definição da Wikipédia sobre o verbete afetividade. WIKIPÉDIA – A enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Afetividade>. Acesso em: 7 jul. 2013.

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contenção/coerção e, sobretudo, onde os conflitos são expostos, o esperado é que a

afetividade esteja permeada pelo afeto da tristeza. Portanto, são espaços sociais aparentemente

muito diferentes, mas que guardam algo em comum: em ambos, comumente, o conflito é

considerado algo a ser extirpado. Neste estudo, a afetividade será analisada na intersecção e

no locus família e Judiciário.

A indicação da afetividade, como um dos pilares para compreendermos e

analisarmos as relações familiares em litígio e a mediação familiar, significa, também,

apreendermos que isto representa uma mudança de paradigma cuja direção é “[...] de uma

ontologia e de uma epistemologia que não separam a razão da emoção, a organização

socioeconômica da configuração subjetiva, a esfera privada da pública, tampouco a estética e

a ética da política”. (SAWAIA, 2003, p. 39). A concepção de afetividade que propomos está

embasada no entendimento de que ela ocorre na relação. Desta forma, ela é “[...]

consequência, não a origem, da existência subjetiva”. (MORIN, 2002, p. 219).

A afetividade está impregnada em todas as atitudes e relacionamentos do homem,

sejam eles familiares, de cunho privado ou público, relacionados ao trabalho ou ao lazer, no

estudo ou na prática; enfim, em todas as dimensões nas quais atuamos e nos relacionamos.

Também as instituições, por serem habitadas por homens e circunscreverem suas culturas

próprias, estão permeadas pela afetividade.

As relações humanas são atravessadas pela afetividade, de maneira intensa ou

sorrateiramente, no cotidiano. A afetividade revela-se por meio das emoções que nos movem,

expressa-se como sentimento nas reações que temos, diante dos fatos que ocorrem em nossas

vidas e das pessoas com as quais convivemos.

Maturana (2002, p. 15) afirma que “[...] não vemos o entrelaçamento cotidiano entre

razão e emoção, que constitui nosso viver humano, e não nos damos conta de que todo

sistema racional tem um fundamento emocional”. Em grande parte, não percebemos as

emoções, devido à cultura em que vivemos, pois ela, de certa forma, desvaloriza as emoções.

Entretanto, elas estão conosco o tempo todo, principalmente quando imaginamos que estão

afastadas de nós. Nos momentos em que nos esforçamos para agir desvinculados das

emoções, ou tentando ignorá-las, aí sim é que podemos estar nos deixando dominar por elas.

Neste sentido, a tentativa de ação racionalizada sem consciência das emoções torna-se paixão,

visto que não a incorporamos em nosso pensar. A emoção como paixão perturba a nossa

percepção. Contudo, não nos relacionamos sem paixão, emoção e razão. As paixões, como as

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emoções, impulsionam as nossas ações no cotidiano; o racional é o que dá estrutura ao

desenho das nossas atitudes. A este respeito, é esclarecedor o texto de Maturana, que diz:

O humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o racional. O racional se constitui nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações. Normalmente vivemos nossos argumentos racionais sem fazer referência às emoções em que se fundam, porque não sabemos que eles e todas as nossas ações têm fundamento emocional, e acreditamos que tal condição seria uma limitação ao nosso ser relacional. Mas o fundamento emocional do racional é uma limitação? Não! Ao contrário, é sua condição de possibilidade. (MATURANA, 2002, p. 18, grifo nosso).

Emoções e sentimentos estão diretamente conectados às nossas atitudes e ações. Não há como

extirpá-los, ainda que, por vezes, tentemos. Ao contrário, eles devem ser incluídos em todas

as ações do humano e compreensões do mundo, tanto na perspectiva da singularidade do

sujeito ou do coletivo quanto na dimensão da estética ou da política. E lembremos da reflexão

de Rodrigues:

A separação entre o emocional e o racional, simbolizada respectivamente pelo coração e pela cabeça, provocou confusões e cerceamentos aos processos de emancipação e autonomia humanas. A inter-relação emocional x racional é responsável pela mediação entre os conhecimentos e os modos como nos orientamos e agimos na vida. Quer dizer, entre o pensar, o sentir e o agir não pode haver hierarquização ou supremacia; a lógica recursiva tem aqui sua máxima: não há pensamento sem sentimento e, sem ambos, não há ação consciente, ou seja, apesar dos conflitos constantes, os sujeitos se constroem nesta correlação e através dela buscam a plenitude, o livre pensar, a livre expressão, engajando-se e sentindo-se participantes na construção de sua cultura, de sua sociedade. (RODRIGUES, 2000, p. 112).

Na dimensão coletiva, as trajetórias históricas dos indivíduos e, consequentemente,

das sociedades, estão, indelevelmente, permeadas pelas emoções e sentimentos dos sujeitos

que a constroem. Podemos perceber que fatos considerados naturais passam a ser

questionados, enquanto que aqueles que eram questionados passam a ser naturalizados, pois

passam pelas emoções e sentimentos na dimensão coletiva. Um exemplo desta afirmação é o

divórcio. Na década de 50, as separações de casais eram, socialmente, mal vistas na

sociedade; entretanto, na atualidade, fazem parte da vida de grande parte da população.

Também a homossexualidade, que até recentemente era considerada uma doença ou um

desvio de conduta, atualmente já não é vista por muitos desta forma em nosso país. Até

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mesmo a união entre homossexuais já é reconhecida pela mais alta corte do Brasil45. Dessarte,

as emoções e os sentimentos são sociais e, “[...] por serem sociais, as emoções são fenômenos

históricos, cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição”. (SAWAIA, 2002, p.

102). E reafirma a autora:

A tonalidade e a cor emocional que impregna a existência do ser humano e se apresentam como: 1) sentimento: reações moderadas de prazer e desprazer, que não se referem a objetos específicos; 2) emoção: fenômeno afetivo intenso, breve e centrado em fenômenos que interrompem o fluxo normal da conduta. (SAWAIA, 2002, p. 98).

A afetividade, portanto, é composta por sentimentos, que são as nossas reações; e por

emoções, fenômenos que nos afetam, atingem as nossas ações e manifestam-se em nossas

reações; enfim, que interferem na nossa conduta, postura, modo de ser. Maturana, ao tratar da

diferença entre as emoções e os sentimentos, argumenta que

As emoções não são o que correntemente chamamos de sentimentos. Do ponto de vista biológico, o que conotamos quando falamos de emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos. Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. (MATURANA, 2002, p. 15).

A afetividade, conforme a compreendemos, é o nosso emocionar, o afetamento de

nosso corpo e mente com outros corpos e mentes, a expressão das emoções destes

afetamentos através dos sentimentos, que se traduz em ações que nos fortalecem ou nos

enfraquecem, inseridas em determinado tempo e lugar. Concordando com Antonio (2013, p.

25), entendemos, ainda, que a afetividade é “[...] algo que emana do sujeito em direção a

outro; do outro para o sujeito; do sujeito para o coletivo e do coletivo para o sujeito [...]”,

formando-se o amálgama para as relações sociais. A afetividade faz parte das relações sociais,

como emoções, sentimentos e ações. A afetividade, da forma como a apreendemos e sobre a

qual já nos referimos, é muito diferente do entendimento usual, que a relaciona como

amorosidade. Para este trabalho, o amor é mais uma das formas que expressam a afetividade.

Maturana esclarece que

45 “Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que um casal homossexual poderá realizar um casamento civil. Por maioria, a 4ª Turma do STJ deu parecer favorável a Kátia Ozório e Letícia Perez, do Rio Grande do Sul. Apesar da decisão só valer para este caso, cria-se um precedente na Justiça, que poderá servir de base para outros juízes em novas ações com a mesma finalidade.” Disponível em: <http://notícias.uol.com.br/cotidiano/2011/10/25/stj>.

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O amor é a emoção que constitui o domínio de ações em que nossas interações recorrentes com o outro fazem do outro um legítimo outro na convivência. As interações recorrentes no amor ampliam e estabilizam a convivência; as interações recorrentes na agressão interferem e rompem a convivência. Por isso a linguagem, como domínio de coordenações consensuais de conduta, não pode ter surgido na agressão, pois esta restringe a convivência, ainda que, uma vez na linguagem, ela possa ser usada na agressão. (MATURANA, 2002, p. 22-23).

Quando nos referimos à afetividade, remetemo-nos às ações, a um domínio em que o

homem age em suas relações, afetando a si e ao outro para a sua preservação. Assim,

conforme sustenta Maturana (2002), o amor é o que possibilita essa convivência por estar

baseado na aceitação da emoção daquele encontro. O amor, ou a aceitação do outro, é o

fundamento do social46. Existe uma ideia imaginativa de que a competição conduz o homem

ao desenvolvimento e/ou à felicidade. A cultura adversarial leva-nos, imaginariamente, a

pensar que a nossa vitória depende do fracasso do outro. Pensamos o contrário, pois a cultura

da paz demonstra, através dos tempos, que é na cooperação que a humanidade evolui,

expande-se, autopreserva-se. O autor acrescenta, ainda, que

[...] só são sociais as relações que se fundam na aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, e que tal aceitação é o que constitui uma conduta de respeito. Sem uma história de interações suficientemente recorrentes, envolventes e amplas, em que haja aceitação mútua num espaço aberto às coordenações de ações, não podemos esperar que surja a linguagem. Se não há interações na aceitação mútua, produz-se a separação ou a destruição. (MATURANA, 2002, p. 24).

A relação social só se efetiva quando há a plena expressão da afetividade do sujeito,

com conhecimento, de maneira que é construtiva, colaborativa do seu próprio eu e do eu do

outro, com o conjunto da sociedade na direção de um mundo mais responsável para com todas

as pessoas, a natureza e a sociedade. Caso contrário, se não houver conhecimento, essa

relação contribuirá para a destrutividade do outro, da sociedade, do humano e, também, de si

próprio. A relação social, da forma como a entendemos, está imbuída da ideia de Morin, de 46 Vale mencionarmos Maturana (2002, p. 18-19) para explicarmos o fundamento do social no desenvolvimento da linguagem na origem do humano. “Sabemos, com base em registros fósseis, que há 3,5 milhões de anos havia primatas bípedes que, como nós, tinham um caminhar ereto e possuíam ombros. Mas eles tinham um cérebro muito menor – aproximadamente um terço do cérebro atual. Sabemos também que estes primatas viviam em grupos pequenos, como famílias constituídas de dez a doze indivíduos, que incluíam bebês, crianças e adultos. [...] Tem-se dito, frequentemente, que a história da transformação do cérebro humano está relacionada com a utilização de instrumentos, principalmente como desenvolvimento da mão em sua fabricação. Não compartilho dessa opinião, pois a mão já estava desenvolvida nesses nossos antepassados. Parece-me mais factível que a destreza e a sensibilidade manual que nos caracterizam tenham surgido na arte de descascar as pequenas sementes de gramíneas da savana, e da participação da mão na carícia, por sua capacidade de moldar-se a qualquer superfície do corpo de maneira suave e sensual. Ao contrário, eu defendo que a história do cérebro humano está relacionada principalmente com a linguagem.”

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que vivemos no mesmo planeta, ainda que em mundos sociais aparentemente distintos.

Sabemos que o que pode destruir o planeta afetará a todos, independentemente do mundo

socioeconômico do qual se viva. Desta maneira, o que afeta um sujeito em uma classe social

explorada e oprimida também traz prejuízos ao desenvolvimento da potencialidade daquele

que vive em uma classe social financeiramente abastada, ainda que este último possa não estar

ciente disso. Em virtude dessa falta de conhecimento e compreensão, os homens exploram uns

aos outros na barbárie capitalista, ceifando vidas, dizimando nações inteiras, extinguindo

culturas por não as considerarem como um bem da humanidade ou de si próprio. (MORIN,

2002, 2004).

Morin (2002, p. 35) afirma que “[...] o conhecimento do mundo é necessidade ao

mesmo tempo intelectual e vital”. Salienta que é necessário a nossa aproximação de um

conhecimento que denomina de pertinente, uma reforma paradigmática e não programática,

uma nova maneira de perceber e ter acesso às informações e de reorganizar o conhecimento.

Na busca e na reforma do conhecimento, devem ser observados “[...] o contexto, o global, o

multidimensional e o complexo”, ainda que se tenham as informações. Entretanto, caso

estejam isoladas do contexto, são insuficientes, pois ficam sem sentido. Por sua vez, o

contexto precisa estar conectado ao global, compreendido como “[...] o conjunto das diversas

partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional”. (MORIN, 2002, p. 37). O

global contém os diversos contextos, na perspectiva da totalidade. O global não é apenas a

junção dos contextos; ele tem qualidades ou propriedades de sua perspectiva. Nessa junção,

por seus afetamentos, os contextos conservam propriedades, assim como as modificam,

criando outras qualidades e propriedades pertinentes ao global. O contexto e o global são

compostos por unidades complexas e multidimensionais. Em cada unidade, estão contidas

variadas dimensões, tais como: a humana, a biológica, a psíquica e a cultural; e na sociedade,

a histórica, a econômica, a sociológica e a religiosa. O conhecimento pertinente deve

reconhecer esse caráter multidimensional e inserir nele esses dados de análise. Morin (2002)

cita, como exemplo, a economia que carrega em si de modo “hologrâmico”, necessidades,

desejos e paixões humanas que ultrapassam os interesses puramente econômicos. Desta

maneira, o conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade de distinguir e reconhecer

o contexto, o global e o multidimensional, uma vez que todos esses aspectos e dimensões

diferentes foram construídos e tecidos em conjunto, de forma que são inseparáveis em sua

constituição. Explica Chauí:

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Para entender a servidão e a infelicidade humanas é preciso examinar as causas que produzem esses dois efeitos. A primeira e principal causa deve ser encontrada na diferença entre a ordem necessária da Natureza e a ordem comum da Natureza: na ordem necessária todos os acontecimentos estão articulados e interligados de maneira necessária, e nossas ações estão inseridas nessa ordem e são determinadas por ela. Em contrapartida, a ordem comum da Natureza corresponde à nossa experiência imediata dos acontecimentos e nela as coisas acontecem por encontros fortuitos, causais e imprevisíveis. Assim, embora a realidade seja constituída por uma ordem intrinsecamente necessária, a nossa experiência não a percebe como tal e se realiza numa ordem imaginária em que prevalece a contingência de tudo o que é e de tudo o que acontece. (CHAUÍ, 2011, p. 152).

Na perspectiva em que desenvolvemos nossas reflexões, a falta de um conhecimento

pertinente da afetividade entre os homens enquanto ideia adequada de uma causa adequada

promove medos, produz fetiches consumistas, dissemina culturas adversariais, elege tiranos

em supostas democracias que não promovem a igualdade e a equidade. Assim, substitui-se no

poder tiranos e homens que buscam proveito próprio, esquecendo-se da gênese da causa

adequada: o bem comum que potencializa o conatus do homem, que contribui para que ele

persevere em sua própria existência. Este aspecto também é comentado por Spinoza, que

afirma:

[...] não é por acidente que o bem supremo do homem é comum a todos, mas pela própria natureza da razão, pois isso se deduz, indubitavelmente, da própria essência humana, à medida que ela é definida pela razão. E porque o homem não poderia existir nem ser concebido se não tivesse o poder de desfrutar desse bem supremo [...]. (E IV , 36 dem.).

Ainda teremos muito por aprender sobre essa concepção do que é comum a todos e

sobre a convivência homem/homem. Spinoza argumenta que não há “[...] nada que seja mais

útil ao homem do que um homem” (E IV, 35 cor. 1), e que é por meio da ajuda mútua que

“[...] os homens conseguem muito mais facilmente aquilo que precisam, e que apenas pela

união de forças podem evitar perigos que os ameaçam”. (E IV, 35 esc.). Por conseguinte, “É

útil aquilo que conduz à sociedade comum dos homens, ou seja, aquilo que faz com que os

homens vivam em concórdia e, inversamente, é mau aquilo que traz discórdia à sociedade

civil.” (E IV, 40). Pois o que leva os homens a viverem “[...] em concórdia leva-os, ao mesmo

tempo, a viverem sob a condução da razão e, portanto, é bom, e (pela mesma razão),

inversamente, é mau aquilo que provoca discórdias”. (E IV, 40 dem.).

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Entretanto, os homens são, “[...] na maior parte das vezes, invejosos e mais

inclinados à vingança que à misericórdia” quando estão imbuídos de ideias inadequadas47 (E

IV, 13 cap.), visto que as ideias adequadas são construídas, e não um dom transcendental,

razão pela qual “[...] é necessário, portanto, uma potência de ânimo singular para aceitar cada

um segundo sua respectiva maneira de ser e para evitar imitar os seus afetos” (E IV, 13 cap.)

ou, como defende Maturana (2001, p. 46), “[...] aceitar o outro como um legítimo outro”.

Conforme argumenta Spinoza, devemos esforçar-nos para não nos influenciarmos pelos afetos

e paixões derivados da tristeza por meio de críticas e reprovações48. Devemos tentar

diferenciar-nos e sermos propositivos quanto ao tipo de relação e de sociedade que nos

fortalece, utilizando-nos, estrategicamente, das paixões para, na relação, passar das paixões

tristes para as derivadas da alegria, que são mais fortes que as tristes. A este respeito, Chauí

observa:

De fato, é preciso observar que Espinosa distingue entre as relações fundadas na paixão e aquelas fundadas na razão, afirmando que as primeiras podem tornar os homens contrários uns aos outros, enquanto as segundas os tornam necessariamente concordantes. Em outros termos, sob as paixões, a discórdia é uma possibilidade que não exclui a concórdia, ainda que ambas sejam necessariamente instáveis e inconstantes; sob a razão, porém, a concórdia é necessária, pois inscrita na natureza dos homens. A “astúcia da razão” consiste em se valer de uma paixão alegre, propensa à concórdia, para nela introduzir estabilidade e constância ao lhe dar os meios para transformar-se em segurança. (CHAUÍ, 2011, p. 182).

Na esteira da reflexão sobre a discórdia e a concórdia está imbuída a indicação da

ideia de paz, conceito vital para este trabalho. Se uma primeira leitura de Spinoza indica-nos

que os homens têm uma tendência à discórdia, uma leitura mais profunda leva-nos à

47 “É preciso compreender que a certeza de uma ideia adequada é coextensiva ao seu poder explicativo, à sua potência luminosa, estendendo-se apenas até os limites em que a ideia traz efetivamente afirmações apodíctias. Com efeito, as ideias verdadeiras não possuem todas a mesma força explicativa, a mesma riqueza de determinações e de implicações. Se cada ideia verdadeira manifesta a sua verdade, nem toda ideia verdadeira possui a mesma força para destruir a multiplicidade dos obstáculos que podem obscurecer essa manifestação, seu poder para excluir as dúvidas sendo proporcional à sua potência explicativa. [...] A liberação das dúvidas e a aquisição da certeza absoluta são como a liberação das paixões e a aquisição da beatitude; elas são progressivas e seu progresso depende do progresso do sistema do saber.” (GLEIZER, 1999, p. 256-257). 48 Bove destaca quatro lógicas de afetos: “1) De associação, se a alma foi uma vez afetada simultaneamente por dois afetos, quando mais tarde ela for afetada por um deles, o outro a afetará igualmente. 2) De transferência, apenas pelo fato de imaginarmos que uma coisa tem semelhança com um objeto que habitualmente afeta a alma com alegria ou tristeza, nós amaremos ou odiaremos essa coisa – na medida em que a coisa nos afeta habitualmente com alegria ou tristeza também pode se assemelhar a outra que nos toca com o afeto contrário. 3) De temporalização, o homem se encontra afetado pela imagem de uma coisa passada ou futura com o mesmo afeto de alegria e tristeza que pela imagem de uma coisa presente. 4) De identificação, há duas possibilidades. A primeira, nós já temos amores e ódios, e, portanto, os associamos a pessoas ou coisas. A segunda se situa num nível mais primitivo, anterior à polarização do amor e do ódio por figuras específicas, nessa espécie de vínculo osmótico no qual o indivíduo imita o afeto – ou o comportamento – de um outro.” (BOVE, 2010, p. 27-28).

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percepção de que, para o autor, os homens, por meio das ideias adequadas, do conhecimento,

tendem à concórdia. Spinoza considera a paz como uma virtude. Para ele, a paz é natural49, e a

instituição do político é uma passagem da discórdia para a concórdia, uma passagem para a

paz. Assim, é importante ressaltarmos que a paz distingue-se da concórdia, visto que a

concórdia pode ser instaurada por coisas que se relacionam à justiça, à equidade e à lealdade

(E IV, 15 cap.), mas também é comum que seja gerada por medo, comiseração, piedade,

adulação ou vergonha (E IV, 16, 21, 23 cap.). Isto significa que a paz exige um tipo de

concórdia diferente daquela gerada pela opressão, que ocasiona a tristeza. Para Spinoza, a paz

é a fortaleza do ânimo, a potência da vida, o primeiro fundamento da virtude. No capítulo 5,

parágrafo 4, do Tratado Político, Spinoza afirma:

Se numa cidade os súditos não tomam das armas porque estão dominados pelo terror, deve-se dizer que nela não há paz, e sim ausência de guerra. A paz não é simples ausência de guerra, mas uma virtude que tem sua origem na força da alma, pois que a obediência (§ 19 do capítulo II) é uma vontade constante de fazer o que, segundo o direito comum da Cidade, deve ser feito. Uma Cidade, é preciso dizê-lo ainda, em que a paz é efeito da inércia dos súditos conduzidos como um rebanho e formados unicamente na servidão, merece mais o nome de solidão que o de Cidade. (SPINOZA, 1983, p. 320).

No capítulo 6, parágrafo 4, Spinoza (1983, p. 322) reforça este argumento, ao dizer:

“[...] se a paz tem de possuir o nome de servidão, barbárie e solidão, nada há mais lamentável

para o homem do que a paz”. Logo, a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união

dos ânimos, na concórdia que promove a vida, a potência dos seres, e não na concórdia que é

sustentada pela opressão.

Desta forma é que as relações familiares com assuntos em discórdia, quando trazem

seus conflitos ao judiciário, que é uma instância decisória, geralmente são imbuídas pela

imaginação de que uma decisão trará a paz. Ocorre que a paz, conforme expusemos e

compreendemos, é algo que não se consegue por decreto, mas por construção, podendo ser

a mediação familiar uma passagem para o encontro com um estado de paz.

Pelo pensamento explanado, observamos que é necessário compreendermos os afetos,

sejam eles derivados da alegria ou da tristeza, na busca de suas causas, com vistas à

potencialidade dos sujeitos. Caminhar na direção da distinção entre os sentimentos e as

respectivas motivações, buscar as múltiplas causas para os afetos, bem como incluir as

49 Convém lembrar que Spinoza emprega a expressão “natural” para indicar que não há operação de causas transcendentes. Natural, portanto, opõe-se a teológico.

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dificuldades do momento atual na história de vida são os primeiros passos para que possamos

esclarecer pensamentos confusos. Notamos que os afetos advindos da tristeza nos momentos

de crise tendem a dominar, fortemente, as relações, posto que estejam no presente.

Necessitamos compreendê-los e combatê-los estrategicamente, buscando as paixões derivadas

da alegria, já que elas são mais fortes que as tristes. “Somente a alegria permanece e nos

aproxima da ação e da beatitude da ação”, afirma Deleuze (2002, p. 34). Ademais, é

necessário inserirmos o tempo como um elemento importante de análise, pois ele atua de

forma independente de qualquer outra intervenção. O tempo passa, mudando,

inexoravelmente, a mente, o corpo, o conatus. E, conforme salienta Chauí (2011, p. 180),

“Um afeto é mais forte quando voltado para algo presente e imaginado como necessário, e

mais fraco quando voltado para algo passado ou futuro e imaginado como possível ou

contingente.” Assim, a inter-relação dos afetos do presente tende a ser mais forte do que a do

passado, e a perspectiva de um futuro possível de paz pode trazer esperança que pode

transformar-se em segurança que, por sua vez, é mais forte do que o medo e que,

respectivamente, gera esperança.

A mediação familiar é um trabalho não somente técnico, metodológico e teórico, mas

essencialmente ético, pois as ações profissionais que promovem o ressurgimento dos afetos

advindos da alegria promovem a potencialização do conatus dos sujeitos. Esta afirmação está

ancorada na base do pensamento espinosano, que é afetar e ser afetado, ou seja, é no encontro

com o outro que passamos da passividade à atividade. Isto nos torna comprometidos

socialmente, não por obrigação, mas como ontologia. Por conseguinte, a base da afetividade é

a ética. A busca da felicidade é um ato político, uma vez que “[...] só se é consciente quando

se é livre, isto é, quando a consciência resultar de uma decisão interior, autônoma, e não de

obediência a um comando ou pressão interna”. (SAWAIA, 2010, p. 370). Tal processo ocorre

na busca da paz não como uma concórdia servil, mas de uma paz ativa, emancipadora.

A paz Invadiu o meu coração

De repente, me encheu de paz Como se o vento de um tufão

Arrancasse meus pés do chão Onde eu já não me enterro mais

A paz

Fez o mar da revolução Invadir meu destino; a paz

Como aquela grande explosão Uma bomba sobre o Japão

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Fez nascer o Japão da paz

Eu pensei em mim Eu pensei em ti

Eu chorei por nós Que contradição

Só a guerra faz Nosso amor em paz

Eu vim

Vim parar na beira do cais Onde a estrada chegou ao fim

Onde o fim da tarde é lilás Onde o mar arrebenta em mim

O lamento de tantos "ais"

A Paz (GIL, DONATO, 1986)

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CAPÍTULO III - PESQUISA: CONTEXTO E METODOLOGIA

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. FERNANDO PESSOA

Confeccionamos este capítulo em duas partes principais: uma que se refere ao Setor de

Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, contexto no qual a

pesquisa foi realizada; e outra, à metodologia empregada.

Contextualizamos a pesquisa, inicialmente, relatando a respeito da criação e do

funcionamento do Setor de Mediação, do seu fluxo de trabalho e dos procedimentos técnicos

realizados. Empreendemos, a seguir, por meio de um plano quantitativo, o estudo da demanda

do Setor de Mediação quando localizamos os Pedidos de Guarda e Regulamentação de Visitas

como os tipos de Ações judiciais mais relevantes em termos numéricos. Além disso, traçamos

o perfil social dos usuários do referido setor.

Na segunda parte deste capítulo, apresentamos: a metodologia utilizada na pesquisa,

no plano qualitativo; os critérios para a escolha dos sujeitos centrados no perfil que emergiu

do plano quantitativo; e os procedimentos necessários à realização do levantamento de dados.

1. Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos

De onde surge a pergunta? De alguém. Da experiência do ser de alguém – é do ser cotidiano de alguém que surge a pergunta. Se é certo que Einstein tinha sua pergunta

fundamental já aos dezesseis anos, isto quer dizer que sua pergunta fundamental lhe surgiu quando ainda não era físico, surgiu em seu ser cotidiano. E de onde surgiu sua pergunta? Simplesmente aconteceu para ele. Aconteceu que ele se encontrou com a pergunta. Livre

criação do espírito humano. E as explicações científicas? Elas também são livres criações do espírito humano, porque temos que propor um mecanismo gerativo ad hoc para gerar

o fenômeno que queremos explicar. É a única condição necessária desse ponto. E de onde eu a tiro? De mim, de minha história, mas não enquanto história, e sim de meu presente

como resultado de minha história. (MATURANA, 2001, p. 59)

A. Criação e funcionamento50

50 Uma parte deste capítulo, no que tange à criação e funcionamento do Setor de Mediação, foi publicada pela Editora ROCA, selo editorial da livraria Santos Editora Comércio e Importação Ltda, na obra “Violência Doméstica - a prática da terapia familiar promovendo a cultura da paz”, 1ª edição 3812093, organizado por SEIXAS e DIAS, cujo título, “Mediação Familiar no Fórum da Comarca de Santos: relato de uma experiência”, remete à Mediação Familiar como uma área interdisciplinar, tratada, especificamente, como um dos processos de

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Juntamente com os seis juízes das Varas da Família e Sucessões da Comarca de

Santos, compostos por três titulares e três auxiliares, apresentamos, ao Corregedor Geral do

Tribunal de Justiça de São Paulo, um projeto para a criação e a implantação de um Setor de

Mediação Familiar a fim de atendermos a situações familiares que ensejassem atendimento

diferenciado naquela Comarca. Em junho de 2007, por meio de uma portaria das respectivas

varas, o setor foi implantado, contando com o trabalho da profissional que subscreve este

trabalho e de outra assistente social judiciário. No início de 2011, uma psicóloga foi incluída

no quadro. O referido setor foi o único no Estado de S. Paulo, até 2013, a operar com

assistentes sociais que eram funcionárias do próprio Tribunal, realizando, exclusivamente, um

trabalho de mediação familiar. Cabe adicionar que, quando o mencionado setor foi

implementado, existiam outros setores no Estado fazendo mediação familiar; entretanto, ela

era realizada por profissionais voluntários das áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social,

ou até por profissionais do poder judiciário que estavam acumulando outras atividades, como

a de perícia social e psicológica. Foi apenas a partir de 2011 que outras configurações, em

forma de Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, iniciaram as suas

implantações nas Comarcas do Estado para atender ao disposto na Resolução nº 125, de

29/11/2010, do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, dispondo sobre a Política Judiciária

Nacional de tratamento dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. (BRASIL,

2010).

Deste modo, o Setor de Mediação Familiar foi criado para atender aos usuários das

Varas da Família e das Sucessões51, em contexto judicial de 1ª instância, com as Ações já

instauradas e com os devidos procuradores já constituídos. As lides geralmente são situações

de conflito, envolvendo ações de alimento, divórcio, disputas de guarda de crianças e

adolescentes, regulamentações de visita, entre outras circunstâncias. Lide processual é o

conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida e apresentada ao Poder

Judiciário em forma de Ação Judicial. Em síntese, é a descrição do conflito conforme consta

nas informações da petição inicial e a contestação apresentada em juízo. (AZEVEDO, 2009).

trabalho do Serviço Social no campo sócio-jurídico. Tem como objetivo compartilhar, especialmente, os aspectos técnico-operativos, subliminarmente embasados pelos aspectos teórico-metodológicos e norteados pelos princípios éticos da profissão. 51 A partir de 2012, começou-se a atender a Vara da Infância e Juventude e do Idoso.

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• Sobre o fluxo de trabalho

Os usuários que utilizam o Setor de Mediação Familiar chegam a ele por terem sido

encaminhados pelas juízas das três Varas de Família e Sucessões. A respeito dos

procedimentos encaminhadores, foi estabelecido, em reunião interdisciplinar, que as juízas,

em audiência, explicariam os benefícios do trabalho às partes e, caso estas se dispusessem, o

processo seria encaminhado ao setor por meio do cartório da respectiva vara. Este tem sido o

procedimento das juízas na maioria dos processos - salvo algumas exceções, quando os

promotores e as juízas apresentam por escrito, nos autos, a possibilidade de utilização do

Setor de Mediação Familiar para que as partes se manifestem. Como veremos no Capítulo V,

algumas juízas, em certas situações, passaram a encaminhar as partes de maneira obrigatória.

Nessa audiência, geralmente de conciliação, as partes já saem intimadas a comparecerem no

Setor de Mediação para um primeiro atendimento, a ser realizado de forma coletiva.

Ficou preestabelecido pelo setor que o primeiro atendimento acontece sempre no

mesmo dia e horário da semana (às quartas-feiras, às 14 horas) como forma de agilizar os

trabalhos. Quanto aos demais atendimentos, eles são marcados conforme a disponibilidade do

setor e dos usuários, mas geralmente ocorrem uma vez por semana. Esta forma de

atendimento pelo setor e de agendamento dos encontros agiliza os procedimentos, além de

evitar gastos públicos. Isto porque, normalmente, o processo seria enviado ao setor pelo

cartório, retornaria com a data para atendimento no cartório, que solicitaria à juíza

determinação para que o oficial de justiça realizasse intimação. Após tal procedimento é que o

processo retornaria ao setor. Entretanto, apenas nesse breve procedimento, envolveríamos

uma juíza, um escrevente, um oficial e um auxiliar judiciário, e levaríamos, no mínimo,

aproximadamente dois meses para realizar este percurso. E só depois dele é que marcaríamos

o primeiro atendimento. Contudo, da forma atual, o prazo entre a audiência e o primeiro

atendimento é de, no máximo, seis dias. Além disso, envolve, apenas, um escrevente e um

auxiliar para entregar o processo ao Setor de Mediação Familiar.

Foi estabelecido, também, que todos os demais processos, eventualmente existentes

entre as partes nas Varas da Família e Sucessões, deveriam ficar sobrestados/suspensos52 até o

término do trabalho de mediação, exceto se as partes não concordassem. A suspensão dos

52 O termo jurídico é “sobrestado”, mas usualmente é utilizado o termo “suspenso”, significando que não existirá nenhum movimento processual, como petições ou qualquer decisão judicial.

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processos existentes na própria vara onde houvesse o encaminhamento para o setor ocorreria

de imediato. Quanto às demais varas, a suspensão seria solicitada pelos procuradores das

partes se assim o desejassem.

É muito comum que as partes estejam em litígio entre si em mais de um processo ao

mesmo tempo. Por exemplo, elas podem estar em um processo por ação de alimentos, onde se

discute o valor financeiro que deve ser dado ao guardião para o sustento da criança, e outro de

guarda, onde se discute sob a guarda de quem deve estar a criança; ou, ainda, podem estar em

outro processo de divórcio cumulado com partilha, onde se discute a divisão dos bens do

casal. Esses processos podem tramitar na mesma vara, mas também é possível que cada um

tramite em varas diferentes. Se for o segundo caso, decisões sobre a mesma família vão ser

tomadas por juízes diferentes. Além disso, vale salientar que cada ação tem o seu rito

processual próprio, além de cada cartório ter o seu ritmo conforme a disponibilidade de

pessoal. Assim, pode ocorrer que, enquanto o casal parental estiver em mediação referente ao

processo de guarda, um outro de alimentos esteja tramitando normalmente, sem mediação, em

outra vara. Por ser claro que há uma ligação entre essas situações, ficou estabelecido pelas

juízas que todos os processos podem ficar suspensos se este for o desejo das partes

envolvidas, ainda que as ações judiciais tramitem em varas diferentes. Para que todos os

processos fiquem suspensos, é necessário que os procuradores de ambas as partes façam uma

petição conjunta com esta solicitação.

Ao iniciarmos o trabalho de mediação, enfatizamos a importância de que todos os

processos fiquem suspensos, pois a mediação tem a perspectiva de re-ligação entre as pessoas

e as áreas de suas vidas, enquanto que a fragmentação dificulta o desenvolvimento das

reflexões. Eventualmente, em um processo que não vai para o Setor de Mediação, o juiz

poderá tomar uma decisão contrária aos encaminhamentos que estão sendo realizados na

mediação. Um exemplo típico é ser determinada a prisão do pai em uma ação de execução de

alimentos, quando estamos trabalhando em mediação para que o pai retome as

visitas/convivência com os filhos. Uma decisão como esta inviabiliza, fisicamente, o trabalho

de mediação. Para evitar que tais procedimentos prejudiquem o processo de mediação e,

consequentemente, as partes envolvidas, é aconselhado que todos os processos fiquem

temporariamente suspensos.

A não suspensão ocorre, apenas, em casos de excepcionalidade, principalmente se os

processos estiverem tramitando na mesma vara. A suspensão é de muita importância, pois

indica que, enquanto os usuários estiverem em processo de mediação, o sistema judicial ficará

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em aguardo, confiante de que essa situação de conflito possa ser revertida. Para que essa

suspensão ocorra, é necessário que os procuradores das partes colaborem no sentido de não

encorajarem seus clientes a tomarem uma medida jurídica intempestiva e, sempre que

possível, reconduzi-los à mediação.

Uma vez suspenso o processo, ele é encaminhado ao Setor de Mediação, onde

permanece até o término do trabalho. Quando este finda, os autos do processo são devolvidos

ao cartório da vara para que as providências quanto à homologação do acordo sejam

efetuadas. Caso contrário, o processo terá seu trâmite normalizado, dando-se continuidade aos

atos processuais que se seguem do ponto de onde tiver sido suspenso, que pode ser

arrolamento de testemunhas, especificação de provas, intimação para audiência, entre outros,

até a efetiva prestação jurisdicional.

A medida tomada de que o processo permaneça no setor tem por objetivo que o

mediador, inicialmente, tome conhecimento dos aspectos que cada parte alega para iniciar o

litígio, as provas etc. Também serve para eventuais consultas durante o período de trabalho, já

que, muitas vezes, surgem dúvidas quanto às alegações referidas. Além disso, é importante ter

conhecimento acerca de eventuais decisões judiciais já tomadas, naquele ou em processos

anteriores.

Fica a cargo de uma escrevente do Judiciário receber e devolver os processos,

assegurando os registros em livros próprios e os cuidados dos mesmos no decorrer do período

em que permanecem no setor. A escrevente também é responsável por recepcionar os

usuários, confeccionar o “Atestado de Comparecimento”, atender as ligações telefônicas e

transmitir os recados. A escrevente, além de ser uma pessoa experiente e ter o perfil talhado

para a função, recebe, continuamente, orientações das mediadoras para desenvolver o seu

potencial pacificador.

A proposta dos atendimentos é que ocorram em até oito encontros semanais, podendo

ser prorrogados em até, no máximo, doze encontros semanais, sendo considerado, a cada

encontro, o desejo ou não de retorno. Este número de atendimentos foi proposto no projeto,

levando-se em conta a literatura disponível, além de seguir o indicativo de um prazo máximo

de 90 dias, constante no projeto de lei de mediação brasileiro, lei 4.827 – B/98, em seu artigo

29, parágrafo único. (BRASIL, 1998).

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• Sobre os procedimentos técnicos

Os usuários comparecem ao atendimento inicial acompanhados de seus respectivos

procuradores, se assim desejarem. Esse acompanhamento acontece porque o ambiente forense

pode parecer inóspito ao usuário que, geralmente, relaciona-o a momentos tristes. Desta

forma, ter a companhia de seu próprio procurador poderá tranquilizar o usuário. Além disso,

por ser um trabalho relativamente novo, bem como para que haja um melhor desenvolvimento

da mediação, é necessário que os advogados compreendam, perfeitamente, os objetivos da

mediação e que não se oponham ao trabalho.

Nesse atendimento inicial, os usuários preenchem parte de um formulário, idealizado

pelas mediadoras, denominado de “Formulário Sócio-jurídico” (Anexo 1), com os seus dados

pessoais de identificação e com os dados sobre o relacionamento com a outra parte que está

em litígio. Esses dados dos usuários são coletados para que as mediadoras possam conhecê-

los e saber como eles se apresentam.

No primeiro atendimento, é feito o acolhimento aos usuários. Nele, são explicados os

objetivos do trabalho, suas possibilidades e limitações, bem como aspectos práticos, tais

como: a reserva de horário semanal, para atendimento, que lhes seja mais conveniente; a

possibilidade de manter contato telefônico para desmarcar um atendimento; a possibilidade de

falar com a mediadora, se necessário; entre outros. Realça-se a importância de que o trabalho

se realize, que o desejo de realizá-lo per si já manifesta a intenção de mudança naquele

conflito instalado. Por vezes, é necessário fazer uma sensibilização para que essa vontade de

participar da mediação floresça nos usuários, uma vez que a atitude de litigar já foi tomada

quando da decisão de instaurar o processo, e repensar essa disposição exige um esforço

considerável.

Explica-se, também, que o trabalho ocorre em um número médio de oito

atendimentos, que pode ser prorrogado até, no máximo, 12 atendimentos. Esclarece-se que a

mediação não poderá servir para atrasar a conclusão dos processos judiciais, já que, enquanto

as partes estão sendo atendidas, o processo permanece suspenso. Além disso, há o seu caráter

de trabalho institucional público, pois há que se dar a outros a oportunidade de participação.

Na esteira da delimitação do tempo, explanamos sobre o objetivo da mediação familiar,

colaborar no sentido de observar possíveis alternativas para a saída do conflito, e não ficar

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fazendo longas retrospectivas na busca da origem do litígio. Logo, deixa-se claro que a

perspectiva do trabalho não é voltada para o passado, mas para o presente e o futuro.

A partir do segundo atendimento, as partes comparecem sem a presença dos seus

respectivos procuradores, a menos que entendam suas presenças como necessárias a algum

tipo de esclarecimento. Entende-se que a presença constante de advogados nos atendimentos

de mediação não é facilitadora aos procedimentos a serem utilizados. Como procuradores

constituídos pelas partes, cabe a eles ressaltarem os interesses dos seus clientes em obediência

ao Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, e não se deterem no lado

em oposição. Além disso, quando um advogado representa o seu cliente, fala em nome do

cliente. Logo, na busca de uma melhor comunicação familiar, é necessário que o sujeito

expresse, genuinamente, o seu incômodo, a sua vontade, assumindo, cada vez mais, o papel

de protagonista da sua história.

O principal foco do primeiro atendimento é acolher o usuário. De forma afável,

procuramos esclarecer ao máximo o objetivo do trabalho e apresentar as possibilidades da

mediação. É um momento que exige muita delicadeza do mediador, pois este é o primeiro

contato com o trabalho e o setor. Também exige precisão técnica, pois o mediador não pode

passar falsas expectativas quanto a resultados e facilidades na execução do trabalho. Ademais,

como é um atendimento coletivo, o mediador, devido ao segredo de justiça e sigilo

profissional, deverá acolher e, ao mesmo tempo, conter as pessoas para que não exponham

fatos pessoais que as comprometam perante os demais usuários.

A partir do segundo atendimento, apenas com a presença do casal parental, buscamos

compreender a expectativa de ambos os usuários, esclarecer ao máximo a proposta do

trabalho e compatibilizar os três objetivos.

Os esclarecimentos de que os usuários não estarão ali para produzirem provas

geralmente é algo difícil para a sua compreensão, pois o espaço forense é o ambiente por

excelência do litígio, onde se requer provas para qualquer alegação. Avaliamos que esta

dificuldade esteja relacionada aos seguintes fatores: a mediação ocorre em meio a um

processo judicial, nas dependências do Fórum, e é realizada por profissionais do Poder

Judiciário. Visto sob esse ângulo, o espaço forense dificulta o processo; entretanto, por outro

lado, também o beneficia, pois há um enquadre imediato de seriedade do trabalho.

Os primeiros atendimentos geralmente são os mais difíceis, pois, além de ser algo

novo na vida das partes que estão em litígio entre si, existe muita tensão nos primeiros

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encontros. Por vezes, essas pessoas estão há anos sem se falar, comunicando-se,

exclusivamente, por meio dos seus procuradores e dos próprios filhos. Este é um momento

crucial, pois a vontade dos usuários em permanecer no trabalho pode ficar abalada e a

desistência acabar sendo a saída mais fácil encontrada por eles. Esta dificuldade está

demonstrada estatisticamente neste capítulo, nas Tabelas 2 e 3, observando-se a diferença

entre o total de processos recebidos e o total de unidades de atendimento, bem como

indicando o número significativo de desistentes.

Os atendimentos são realizados com as partes conjuntamente. Além disso, de acordo

com a necessidade do trabalho, também são realizados alguns atendimentos individuais53 com

familiares ou, até mesmo, com profissionais da rede de serviços. Quando há crianças e/ou

adolescentes envolvidos, geralmente são chamados a participarem, sempre com o objetivo

claro de que essas participações não devem ser confundidas como mais um momento para se

produzir provas, mas sim como um momento de esclarecimento da situação para que haja

uma colaboração com os cuidados que estão sendo prestados pelos profissionais, como

também para auxiliar em um melhor atendimento. À medida que conhecemos mais o nível do

conflito vivenciado e suas consequências familiares, temos melhores condições de

desenvolvermos reflexões com os usuários, de maneira que percebam como afetam e como

estão sendo afetados pelo litígio.

Caso existam outros profissionais que já estejam atendendo àquela família e que

avaliemos que o seu trabalho ou o nosso possa sofrer alguma interferência, entramos em

contato e, se necessário, eles também são convidados a participarem de um atendimento de

mediação. Geralmente, são assistentes sociais, psicólogos, terapeutas familiares ou

psiquiatras. Esse tipo de interação é importante para que a mediação seja integrada como mais

um serviço prestado, não se sobreponha às outras ações nem interfira, intempestivamente, nos

trabalhos que já estão sendo realizados pela rede de profissionais, seja ela proveninente de

serviços públicos ou particulares. Devido à mediação ser relativamente nova no Brasil, o

contato no atendimento inicial, com advogados, ou no decorrer dos atendimentos, com

professores, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, tem se revelado importante no

sentido de elucidar sobre o trabalho prestado.

53 Na literatura de mediação, os atendimentos individuais também recebem o nome de “cáucus” - uma alusão ao termo utilizado pelas tribos indígenas norte-americanas e que significa ‘encontros individuais’.

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Os esclarecimentos mais comuns, dados tanto para os profissionais quanto para os

usuários, são em relação à confusão que fazem entre mediação, perícia e terapia familiar.

Portanto, sempre que necessário, esclarecemos, para os profissionais e os usuários, o

significado e a aplicação de cada um desses três termos. Explicamos, a todos os envolvidos,

que a mediação sempre tem cunho reflexivo, coleta dados da vida familiar e faz a análise

desses dados em conjunto com os usuários com o objetivo de que, ele mesmos, ao refletirem

sobre o problema que estão enfrentando, possam modificar, transformar ou administrar o

conflito. A mediação não emitirá um parecer, não produzirá um elemento de prova para o

processo judicial, nem tampouco será testemunha, exceto se ferir a ética profissional. A

perícia, por outro lado, apesar de poder ter cunho reflexivo, é voltada, essencialmente, para a

coleta e a análise de dados da vida familiar. Tem o objetivo de emitir um parecer por escrito

que se destina ao juiz e que será anexado ao processo judicial como prova. Quanto à terapia

familiar, objetiva uma mudança pessoal e nas relações familiares. Os temas são trabalhados

de forma ampla e toda a família participa do processo. A terapia tem início com uma

avaliação e tem tempo ilimitado para a execução do trabalho. É orientada no tempo para

passado, presente e futuro, trabalha com aspectos mais subjetivos e psicológicos. O terapeuta

geralmente tem uma conduta mais ampla quanto aos objetivos, e as expressões emocionais

são exploradas, ampliadas e trabalhadas.

A mediação trabalha com o conflito de maneira mais direta, na perspectiva de sua

resolução, tendo como premissa a necessidade da convivência afetiva entre as partes, o

enfrentamento e a administração das diferenças para um melhor prosseguimento da vida. O

diálogo versa sobre temas específicos, com vistas à possibilidade de constituírem acordos

dentro de um projeto de vida. Geralmente, inicia-se, diretamente, com o pedido das partes e

com tempo limitado para a execução do trabalho. A participação é, em grande parte, apenas

com os litigantes, sendo que estes, geralmente são, os pais. A mediação é orientada no tempo

para presente e futuro, trabalha com aspectos mais objetivos e sociais. O mediador geralmente

tem uma conduta mais focada quanto aos objetivos, e as expressões emocionais são

reconhecidas e assinaladas.

Apesar de serem inúmeras as diferenças, algumas técnicas utilizadas em terapia

familiar ou perícia social podem ser aproveitadas em mediação familiar, sem, contudo,

descaracterizá-la. Lembramos que a mediação familiar é um processo de trabalho

interdisciplinar, razão pela qual utiliza técnicas, estratégias e saberes de diversas disciplinas

profissionais.

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O “Termo de Acordo” não é lavrado durante ou ao final do trabalho de mediação.

Caso o acordo ocorra como um dos resultados do trabalho de mediação, as partes são

encaminhadas aos seus respectivos procuradores para que eles o façam. Assim, a participação

do advogado acontece no início e no final do trabalho. Por ser uma peça processual, a redação

do “Termo de Acordo”54 é elaborada pelos advogados por sua própria condição no processo,

uma vez que somente eles têm legitimidade para falarem no processo pelas partes (“Jus

Postulandi”)55.

Ao final do trabalho, seja por conclusão, rompimento de uma das partes, ou decisão da

mediadora, o juiz é comunicado por escrito apenas sobre o encerramento do trabalho. Nesse

comunicado, há informações, obtidas dos próprios usuários, sobre se houve possibilidade de

composição quanto a acordo, melhoria na comunicação e aproveitamento dos usuários. Os

atendimentos são sigilosos e as mediadoras não transmitem as informações obtidas sobre o

conteúdo dos atendimentos ao processo ou às juízas, exceto no caso de existirem fatos que

possam ferir a ética profissional56. Essas informações são obtidas por meio de uma ação

profissional muito diferente daquela realizada na Perícia Social, na qual o assistente social

judiciário tem a obrigação de elaborar um relatório e emitir parecer.

No último atendimento, realiza-se uma avaliação do trabalho por escrito (Anexo 2),

por meio de um questionário com questões fechadas, abertas e semi-dirigidas. Quando as

mediadoras consideram ser producente, é feita uma avaliação oral do trabalho, tendo como

objetivo um retorno às partes sobre a evolução do processo. Entretanto, caso haja uma

conversa avaliativa, é necessário maior atenção das mediadoras para que a conversa não

dispare outros elementos de conflito, gerando perda dos resultados do trabalho. Entretanto,

mesmo demandando mais trabalho por parte das mediadoras, entendemos que essas

avaliações são de suma importância porque vêm imbuídas da ideia de que o trabalho

oferecido pelo Tribunal é um instrumento de cidadania, onde a voz do usuário, além de um

direito, é uma contribuição para a melhoria do serviço prestado.

54 Instrumento jurídico elaborado com a finalidade de constar a vontade igual de ambas as partes. 55 A Constituição Federal prevê, em seu artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” Também o Estatuto da Advocacia e da OAB - Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, prevê, em seu Artigo 1º: “São atividades privativas da advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” – (com raras exceções, como na Justiça do Trabalho e em alguns casos perante os Juizados Especiais); e em seu Artigo 2º: “O advogado é indispensável à administração da justiça. §1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.” 56 Por exemplo, situações em que possam existir algum tipo de ameaça contra a pessoa ou de violência grave contra crianças e adolescentes.

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B. Estudo da demanda

Para que possamos entender as relações afetivas dos pais em litígio e a mediação

familiar, é necessário conhecermos um pouco sobre o celeiro da prática de onde buscamos os

sujeitos desta pesquisa, compreendermos em qual contexto estão situados, uma vez que este

trabalho não é somente acadêmico, mas vocacionado para a prática. A seguir, apresentamos a

Tabela 1, constando a quantidade de processos recebidos anualmente, pelo Setor de

Mediação, com a proveniência da Vara Judicial.

Tabela 1 - Processos enviados ao Setor de Mediação das Varas da Família e das Sucessões da Comarca de Santos/SP em 2008-2010. Ano/Vara

Ano 1ª Vara 2ª Vara 3º Vara Total

2008 17 13 40 70

2009 32 10 48 90

2010 22 9 47 78

Total de processos 71 32 135 238

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

O total de processos recebidos foi em número de 238, sendo a Terceira Vara a que

encaminhou maior quantidade de processos, com o número de 135, secundada pela Primeira

Vara, que encaminhou 71, e seguida da Segunda, com 32 processos encaminhados. Os

números relativos aos encaminhamentos mantiveram-se durante os anos, podendo-se delinear

uma tendência de maior número de atendimentos provenientes da Terceira Vara, e menor, da

Segunda. Ao compararmos o número de processos recebidos em 2010 com os dos anos

anteriores, observamos: no exercício de 2008, foram recebidos 70 processos; em 2009, 90; e

em 2010, 78. Houve, portanto, em 2010, um acréscimo em relação a 2008 e um decréscimo

em relação a 2009. Por outro lado, no ano de 2007 foram recebidos apenas 27 processos, mas

não os utilizamos em nosso estudo porque 2007 foi o ano de implantação do Setor de

Mediação, havendo funcionamento, apenas, no segundo semestre daquele ano.

Salientamos que, em 2010, houve um longo período de greve no Judiciário Paulista,

com duração de 127 dias de paralisação (de 28 de abril a 03 de setembro). Devido à greve, as

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varas tiveram o seu funcionamento prejudicado, o que pode ter influenciado na diminuição de

encaminhamento de processos ao Setor de Mediação.

Tabela 2 - Caracterização de ações recebidas referentes aos anos de 2008-2010 Ações 2008 2009 2010 Total

Modificação/Regulamentação de visitas 23 25 18 66

Reconhecimento de paternidade 1 0 0 1

Separação, divórcio, reconhecimento e dissolução de união estável

15 19 13 47

Pedido/Revisional de alimentos 6 14 27 47

Modificação de guarda e busca/apreensão

22 29 18 69

Inventário/Reconhecimento e dissolução de sociedade de fato e arrolamento de bens

3 3 0 6

Interdição 0 0 2 2

Total de processos recebidos 70 90 78 238

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

No item “Modificação de guarda e busca/apreensão”, a busca e a apreensão foram

mantidas juntas por terem poucos processos, por serem de pouca importância no total da

demanda e, também, porque, usualmente, a busca e a apreensão ocorrem quando o litígio

familiar é sobre a guarda da criança.

Observa-se que, em sua maioria, as espécies de ações dos processos recebidos

referem-se, diretamente, à disputa relacionada aos filhos - crianças/adolescentes -, seja nas

situações de “Modificação de guarda e busca/apreensão”, que se apresentou em maior número

- 69, ou nas situações de “Modificação/Regulamentação de visitas”, que apresentou grande

número de processos - 66. Entretanto, pode-se dizer que, empiricamente, os processos de

“Reconhecimento de paternidade”, “Separação, divórcio, reconhecimento e dissolução de

união estável” e “Pedido/Revisional de alimentos” também estão relacionados às situações

que envolvem crianças/adolescentes.

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Tabela 3 - Movimento de unidades atendidas pelo Setor de Mediação em 2008-2010

Ano Unidades de atendimento concluídas

2008 54

2009 50

2010 48

Total de unidades de atendimento em 2008, 2009, 2010 152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

Entende-se como unidades de atendimento o mesmo conjunto de partes em um ou

mais processos. Para ilustrar esta questão, podemos citar como exemplo uma situação na qual

os mesmos usuários tenham mais de um processo na mesma Vara da Família ou em varas

diferentes. Então, caso as partes queiram ser atendidas, requerem a realização da mediação no

processo que ainda não foi encaminhado ao Setor de Mediação. Com isso, este também passa

a ser objeto de conversação.

Dos 238 processos recebidos, foram realizados trabalhos de mediação com 152

unidades de atendimento. Isto ocorre porque alguns usuários têm mais de um processo, mas

que se referem às mesmas partes – perfazem, portanto, apenas, uma unidade de atendimento;

e devido ao caráter voluntário de aceitação em participar da mediação, 69 unidades de

atendimento desistiram57 ou interromperam58 o trabalho. Portanto, iremos trabalhar com um

total de 152 unidades de atendimento.

57 Consideramos “desistência” quando os processos foram encaminhados ao Setor de Mediação, mas as partes não quiseram iniciar o trabalho, ou quando o iniciaram, mas desistiram do trabalho antes de sua conclusão. Avaliamos que, mesmo constando como desistentes, pode ter havido algum aproveitamento pelas partes. Contudo, não temos como aferi-lo. 58 Consideramos trabalhos “interrompidos” quando, devido a questões funcionais (férias e licença saúde) de uma das mediadoras, não foi possível dar continuidade àqueles trabalhos que estavam em andamento e os usuários que estavam sendo atendidos não quiseram dar continuidade ao trabalho com outra mediadora.

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Tabela 4 - Número de sujeitos por unidade de atendimento

Sujeitos por unidade de atendimento Unidades de atendimento

Sujeitos

2 sujeitos 66 132

3 sujeitos 43 129

4 sujeitos 22 88

5 sujeitos 14 70

6 sujeitos 3 18

7 sujeitos 3 21

8 sujeitos 1 8

Total 152 466

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

As partes que litigam são duas, em sua maioria pai e mãe. Entretanto, com o decorrer

do tempo em nossa prática como mediadoras, no Setor de Mediação, observamos que as

partes que litigam solicitavam a inclusão de familiares no processo - mais comumente, a

inclusão dos seus filhos, por vezes, também, a inclusão de avós ou, até mesmo, de outros

familiares -, sendo que esses familiares intervinham apenas indiretamente no litígio, mas eram

de vital importância no deslinde da situação. Em virtude disso, optamos, desde o ano de 2008,

por introduzir, na metodologia de trabalho, a inclusão de familiares, principalmente a dos

filhos. Essa inclusão tem se dado de maneira pontual, sempre com um objetivo muito bem

construído e definido pelas mediadoras, em conjunto com as partes.

Na tabela supra, observamos um maior número de unidades de atendimento - 66, nas

quais foram atendidos apenas dois usuários, ou seja, as partes litigantes. Na sequência, em 43

unidades de atendimento, foram atendidos duas partes e mais um familiar - um filho, seguidos

de situações em que foram atendidos as partes e mais dois, três, quatro, cinco e seis

familiares, sendo que esses familiares variaram de filhos a pais dos litigantes ou a outras

pessoas significativas na rede de relações familiares. Assim, ocorreu o atendimento direto a

466 usuários em um período de três anos - 2008, 2009 e 2010.

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Tabela 5 - Reuniões por unidade de atendimento

Número de reuniões por unidade de atendimento

Incidência

3 reuniões 1

4 reuniões 1

5 reuniões 12

6 reuniões 13

7 reuniões 13

8 reuniões 28

9 reuniões 23

10 reuniões 13

11 reuniões 18

12 reuniões 26

13 reuniões 3

14 reuniões 1

Total de unidades de atendimento concluídas em 2008, 2009 e 2010

152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

Conforme explicado anteriormente, no início do trabalho é esclarecido aos usuários

que o número de oito encontros é uma referência para o término deste. A Tabela 5, acima,

mostra que o total de oito reuniões foi a maior incidência: 28. Ela também ilustra que a

maioria do trabalho foi finalizada entre a oitava e a décima segunda reunião, sendo este

último o número máximo previsto. A segunda maior incidência de término apresenta-se na

décima segunda reunião, em 26 unidades de atendimento.

Apesar de o número máximo previsto ser de doze encontros, em quatro unidades de

atendimento excedeu-se esse número, pois ocorreram de 13 a 14 encontros. Salientamos que,

em algumas situações específicas, abrimos exceções quando percebemos que realmente há

necessidade de haver maior elasticidade no número de reuniões devido à complexidade de

determinada situação. Isto ocorre porque, como mediadoras, entendemos que não podemos

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fazer apenas um desligamento, mas um encerramento do trabalho. O número de encontros faz

parte da metodologia; entretanto, não é uma norma rígida, mas apenas um enquadre. Durante

o trabalho, devemos levar em conta as singularidades das famílias, suas necessidades e

especificidades. Em algumas situações, por exemplo, observamos que algumas famílias,

apesar de já haverem superado o medo durante a mediação, voltam a enfrentar dificuldades

similares algum tempo após o término do processo de mediação. Nesse caso, refletimos que

esta segurança não está em nós, mas no processo que essas famílias desenvolveram no

período que lá permaneceram, esforçando-se para modificarem a situação em que viviam.

Posicionamo-nos que não há como desfazer o que viveram no passado, mas há como

modificar o presente e procurar manter tal mudança no futuro. Enfatizamos, na mediação, que

novos problemas, eventualmente, surgirão. Sendo assim, devem-se preparar para que estejam

mais fortes para enfrentá-los, colocando em prática o que aprenderam. De qualquer forma,

conheceram, também, que existe a possibilidade da mediação, que muitos dos problemas

existentes podem se enfrentados e até solucionados, seja no âmbito público ou particular.

Salientamos, além disso, que o nosso apoio, por meio do serviço que prestamos no Setor de

Mediação, continuará à disposição, se necessitarem.

Tabela 6 - Caracterização das ações em 2008-2010 – Mediações concluídas Espécies de ações 1ª Vara 2ª Vara 3ª Vara Total

Modificação/Regulamentação de visitas 17 6 16 39

Separação, divórcio, reconhecimento e dissolução de união estável

15 0 12 27

Pedido/Revisional de alimentos 8 0 20 28

Modificação de guarda e busca/apreensão 14 14 20 48

Inventário/Reconhecimento e dissolução de sociedade de fato e arrolamento de bens

1 1 5 7

Interdição 1 0 0 1

Alimentos cumulados com investigação de paternidade

0 0 1 1

Separação cumulada com partilha de bens e guarda de menor

1 0 0 1

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Tabela 6 - Caracterização das ações em 2008-2010 – Mediações concluídas Espécies de ações 1ª Vara 2ª Vara 3ª Vara Total

Total de unidades de atendimento concluídas em 2008, 2009 e 2010

57 21 74 152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

A Tabela 6, acima, apresenta as espécies de ações atendidas, atreladas às varas. A

Tabela 6 vem reiterar o que indicou a Tabela 2, apresentando maior número para ações

relacionadas à guarda (“Modificação de guarda e busca/apreensão”, “Separação cumulada

com partilha de bens e guarda de menor”), somando 49 unidades de atendimento e, em

segunda maior incidência, 39, as ações relacionadas à “Modificação/Regulamentação de

visitas”. Observa-se que esta tem sido uma direção tomada por todas as juízas, na medida em

que está presente nas três varas a demanda maior por processos relacionados a visitas e

guarda.

Tabela 7 - Tempo entre a data de distribuição do processo e a determinação do envio para o Setor de Mediação das Varas da Família e das Sucessões da

Comarca de Santos/SP em 2008-2010

Meses entre a data de distribuição do processo e a determinação de envio para o Setor de Mediação

Incidência

Menos de 6 meses 78

6 a 11 meses 27

12 a 24 meses 32

Mais de 24 meses 15

Total de unidades de atendimento concluídas em 2008, 2009 e 2010

152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

A Tabela 7 apresenta que a maioria dos processos que foram trabalhados, 78,

registram um tempo relativamente curto no Tribunal até ser enviado para o setor - menos de 6

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meses -, enquanto que a segunda maior incidência, 32, aparece com o tempo no Tribunal que

varia de 1 a 2 anos. Por outro lado, a minoria dos processos que foram trabalhados, 15,

registram um tempo longo no Tribunal: mais de 24 meses.

Estes dados levam-nos a inferir a necessidade de um serviço de atendimento na fase

pré-processual, fase na qual os usuários ainda não propuseram a ação judicial. Reiteram,

também, a validade da continuação do oferecimento desse serviço na fase processual, já que a

segunda maior incidência aparece quando as partes já estão litigando entre um e dois anos.

Tabela 8 - Litígios anteriores ao atual entre requerente/requerido

Litígios anteriores ao atual entre requerente/requerido Incidência

Requerente/Requerido que tiveram outros processos litigiosos entre si anteriormente

74

Requerente/Requerido que não tiveram outros processos litigiosos entre si anteriormente

78

Total de unidades de atendimento concluídas em 2008, 2009 e 2010

152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

A Tabela 8, acima, mostra que o número de unidades de atendimento divide-se entre

as que tiveram processos anteriores e as que não os tiveram. Esses dados foram retirados do

formulário “Perfil Sócio-jurídico”, preenchido pelos usuários no primeiro atendimento. No

decorrer da mediação, por vezes ficamos sabendo que existiam processos anteriores, mas que

haviam sido omitidos pelos usuários quando preencheram o referido formulário. Em virtude

disto, há a possibilidade de o número de unidades de atendimento ser maior do que o

apresentado na tabela anterior. O fato desses usuários terem processos entre si indica um

maior grau de conflituosidade e, consequentemente, uma grande dificuldade no

desenvolvimento do trabalho de mediação.

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Tabela 9 - Existência de outros processos atuais entre requerente/requerido além dos enviados ao Setor de Mediação

Litígios atuais entre requerente/requerido Incidência

Requerente/Requerido que têm outros processos litigiosos entre si

42

Requerente/Requerido que não têm outros processos litigiosos entre si

110

Total de unidades de atendimento atendidas em 2008, 2009 e 2010

152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

A Tabela 9 refere que, das 152 unidades de atendimento, 110 não têm outros processos

entre si. Todavia, se relacionarmos os dados apresentados na Tabela 9 com os anteriormente

apresentados, na Tabela 8, podemos inferir que elas já o tiveram.

Devido à complexidade das relações familiares, o fato de os usuários não terem outros

processos não significa que o único foco de conflito seja o tema da ação existente. Por

exemplo, uma Ação de Revisão de Alimentos, impetrada pelo pai, pode trazer em seu bojo o

descontentamento em relação à maneira com que as visitas estão sendo realizadas. Além

disso, os dados são fornecidos pelo usuário quando ingressa no Setor de Mediação; todavia,

no decorrer do trabalho, as partes, algumas vezes, acabam por citar outras ações em curso. Por

exemplo, podem citar, adicionalmente, Ações de Alimentos e, até mesmo, Ações Criminais

devido a agressões anteriores entre as partes e seus familiares.

Tabela 10 - Existência de perícia social e psicológica nos processos enviados ao Setor de Mediação

Litígios atuais entre requerente/requerido(o) Incidência

Processos em que constam perícias sociais e psicológicas 46

Processos em que não constam perícias sociais e psicológicas

106

Total de unidades de atendimento em 2008, 2009 e 2010 152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

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A maior parte das unidades de atendimento – 106 – não passaram por perícia social e

psicológica. Este dado pode estar associado ao pouco tempo em que a ação que está em

mediação foi impetrada no Tribunal. Ainda assim, um número significativo passou pelo setor

que realiza perícias e foi para o Setor de Mediação. Assim, este dado, como salientamos

anteriormente, vem reafirmar a diferença entre as duas atuações.

Ao nos aproximarmos do universo a ser pesquisado, recebemos a informação de que

foram enviados ao Setor de Mediação 238 processos, bem como que, dessa quantia, a terceira

vara teve o maior número de envio e, em segundo lugar, a primeira. Logo, surge aí um

aspecto subjetivo de preferência das juízas pela utilização do serviço. Esclarecemos que a

juíza da terceira vara é a coordenadora do Setor de Mediação, enquanto que as juízas da

primeira vara participaram, ativamente, da idealização do projeto.

Dos 238 processos recebidos, em 69 houve desistência. Este dado indica-nos a

dificuldade de realização do trabalho e de aderência ao trabalho pelos usuários. Chegamos,

então, ao universo de 152 famílias atendidas, distribuídas em um número de,

aproximadamente, 50 famílias atendidas por ano. Em mais da metade dessas famílias,

familiares das partes foram incluídos nos atendimentos. Observa-se, então, a diferença entre

desenvolver um trabalho social com a unidade familiar e desenvolvê-lo com apenas um

representante da família.

Ao serem apresentados os números de reuniões realizadas com essas famílias,

observa-se que a maior concentração aconteceu entre aquelas que preferiram utilizar um

número de reuniões próximo ao máximo, o que denota que as famílias que aderem ao trabalho

usufruem dele. As espécies de Ações Judiciais que sobressaíram, tanto nos processos

enviados ao setor quanto nas famílias que permaneceram no trabalho, foram as referentes à

guarda e às visitas. Portanto, ações essencialmente voltadas para o interesse de crianças e

adolescentes das famílias atendidas.

Do universo a ser pesquisado, aparece em maior número famílias que litigam há

menos de seis meses. Entretanto, é grande (quase a metade) o número de usuários que

mantiveram processos anteriormente, o que indica um alto grau de conflitos, pois esse número

tem se mantido, apesar dos processos anteriores terem sido encerrados. Chama-nos a atenção

que, na maioria dos processos, não tenha havido perícia social e/ou psicológica para subsidiar

as decisões judiciais. Este dado pode indicar a preferência das juízas para que os usuários

passem, primeiramente, pelo processo de mediação e, caso ainda assim se fizer necessário,

pelo de perícia.

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C. Perfil social dos usuários

Os dados quanto ao perfil social foram oferecidos pelos usuários quando ingressaram

no Setor de Mediação e preencheram um formulário. Portanto, não foram dados pesquisados

junto aos processos e sim os que eles, deliberadamente, quiseram oferecer.

Conforme as tabelas apresentadas anteriormente, as unidades de atendimento, com os

trabalhos concluídos em 2008, 2009 e 2010, foram em número de 152. As partes nos

processos (requerente/requerido), em sua maioria, eram compostas por casais parentais;

portanto, duas pessoas por unidade de atendimento, formando um total de 304 usuários.

Entretanto, como em algumas unidades de atendimento os processos envolviam mais de duas

pessoas como partes - por exemplo: avós maternos e o pai; avó paterna e os pais; avós

paternos e a mãe; pai e filho e a mãe; e filhas e a mãe -, houve um acréscimo de mais 9

usuários, perfazendo um total de 313 usuários. Por isso, trabalharemos com um total de 313

usuários requerentes/requeridos(as). Apresentamos, a seguir, os dados referentes às 313

pessoas atendidas.

Tabela 11 - Grau de instrução formal dos requerentes/requeridos

Faixa Etária Ens. Fund. Inc.

Ens. Fund. Com.

Ens. Médio Inc.

Ens. Médio Com.

Sup. Inc.

Sup. Com.

Total

18 a 29 anos 1 6 5 31 10 19 72

30 a 39 anos 4 8 7 36 12 48 115

40 a 49 anos 5 4 2 25 7 48 91

50 a 59 anos 1 4 1 5 1 11 23

60 a 69 anos 4 1 0 5 0 2 12

Total de requerentes e requeridos

15 23 15 102 30 128 313

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

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Dos 313 usuários atendidos, verificamos que 36,7% estão situados na faixa etária entre

30 a 39 anos, com 115 usuários; 29% na faixa etária de 40 a 49 anos, com 91 usuários; e 23%

na faixa etária de 18 a 29 anos, com 72 usuários. Logo, estes três grupos perfazem 89% dos

usuários atendidos. Quanto aos 11% restantes, encontram-se na faixa etária que vai dos 50 aos

69 anos.

Quanto à escolarização, a maior parte, 128 usuários, tem o Ensino Superior completo,

seguido de 102 usuários, com Ensino Médio Completo. Estes dados indicam um bom nível de

instrução dos usuários atendidos. Além disso, observamos que a faixa etária que apresenta

melhor nível de escolaridade está entre 30 e 49 anos, com 96 usuários. Estes dados têm estrita

ligação com a Tabela 12, apresentada a seguir, que trata das profissões dos requerentes e

requeridos nos processos.

Tabela 12 - Requerentes/Requeridos – Profissão

Profissão Incidência

Profissionais liberais - Nível superior (advogados, enfermeiros, pedagogos, dentistas, engenheiros, químicos, tec. da informação)

72

Autônomos - Nível básico (prestadores de serviços domésticos, costureiras, motoboys, cabeleireiros)

36

Autônomos – Nível médio (soldadores, professores de música, vendedores, agentes de turismo, tatuadores)

33

Comerciários (balconistas, secretários, motoristas, vendedores, cozinheiras, cobradores, serviços gerais, operadores de telemarketing, recepcionistas, sushiman, garçons, auxiliares de cozinha)

26

Do lar 21

Empresários, comerciantes 18

Auxiliares administrativos, auxiliares de escritório, chefia de prevenção de acidentes, administradores, encarregados

16

Profissionais da educação (Fundamental/Médio/Universitário, inspetores de escola, professores de inglês)

16

Funcionários públicos (motoristas, policiais militares, militares da marinha, promotores de justiça, enfermeiras)

15

Estudantes 13

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Tabela 12 - Requerentes/Requeridos – Profissão

Profissão Incidência

Desempregados 12

Aposentados 10

Industriários, bancários, ferroviários 9

Nível técnico - tecnólogos em logística, auxiliares de logística, assistentes operacionais, supervisores operacionais

8

Profissões ligadas ao porto (conferentes/ guardas portuários/ estivadores) 7

Não consta 1

Total de requerentes e requeridos 313

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

Optamos pela classificação em blocos, com o objetivo de conseguirmos uma melhor

visualização do quadro geral de profissões. Quanto ao trabalho, observamos maior índice de

usuários – 72 – como profissionais liberais. Logo a seguir, com o número de 36, estão os

trabalhadores de nível básico, profissões mais simples na pirâmide social. Os dados mostram

um número também bastante significativo de profissionais autônomos de nível médio, com 33

usuários. Vale salientar que este serviço não atende às necessidades de apenas um segmento

social, uma vez que os usuários são provenientes das mais diferentes camadas, indo desde

trabalhadores operacionais a professores.

Tabela 13 - Requerentes/Requeridos – Renda

Renda Incidência

Sem renda 29

Até 1 salário mínimo 17

Mais de 1 até 2 salários mínimos 43

Mais de 2 até 3 salários mínimos 54

Mais de 3 até 4 salários mínimos 28

Mais de 4 até 5 salários mínimos 16

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Tabela 13 - Requerentes/Requeridos – Renda

Renda Incidência

Mais de 5 até 6 salários mínimos 6

Mais de 6 até 7 salários mínimos 10

Mais de 7 até 8 salários mínimos 5

Mais de 8 até 9 salários mínimos 7

Mais de 9 até 10 salários mínimos 4

Mais de 10 até 15 salários mínimos 14

Mais de 15 até 20 salários mínimos 4

Mais de 20 salários mínimos 5

Não quis declarar 71

Total de requerentes/requeridos 313

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009,

2010

O maior índice que aparece na Tabela 13 refere-se aos usuários – 71 – que não

quiseram declarar a sua renda. Daqueles que a declararam, a maior concentração está entre os

que ganham de mais de dois até três salários mínimos, com a incidência de 54. Em segundo

lugar, estão os 43 usuários que declararam ter ganho de mais de 1 até 2 salários mínimos; e

em terceiro lugar, com 29 usuários, aqueles que manifestaram não ter nenhuma renda.

Se associarmos os dados ilustrados na Tabela 13, referente à renda dos usuários, com

os dados expostos na Tabela 12, relativa às profissões dos usuários, podemos inferir que há

uma distância entre a renda obtida pelos usuários, suas profissões e seus níveis de

escolaridade. Esta é uma questão que está possivelmente associada à possibilidade da parte

contrária tomar conhecimento de seus reais ganhos e, uma vez conhecidos tais dados, acioná-

la para obter maior valor quanto aos alimentos.

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106

Tabela 14 - Tempo que exerce atividade laborativa no atual trabalho – Requerentes/Requeridos

Anos Incidência

Sem trabalho formal 42

Até 1 ano 38

Mais de 1 até 2 anos 28

Mais de 2 até 3 anos 18

Mais de 3 até 4 anos 16

Mais de 4 até 5 anos 11

Mais de 5 anos 103

Não consta 57

Total de requerentes/requeridos 313

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009,

2010

O maior índice, 103, aparece em usuários que referiram estar no mesmo tipo de

trabalho ou emprego há mais de cinco anos, o que indica estabilidade no mercado de trabalho.

Em segundo lugar, com 57 usuários, estão os usuários que não informaram a respeito do

trabalho que desempenham. A partir desses dados, fazemos a mesma relação apresentada na

tabela anterior, ou seja, a de que parece haver preocupação dos usuários quanto ao

fornecimento de qualquer informação que possa acarretar problemas em relação a uma

possível ação judicial, como a “Ação Judicial de Alimentos”.

Tabela 15 - Estado civil dos requerentes/requeridos

Estado civil Incidência

Solteiro 91

Casado 53

Viúva/o 2

Separado de fato 57

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Tabela 15 - Estado civil dos requerentes/requeridos

Estado civil Incidência

Separado judicialmente 39

União estável 11

Divorciado 48

Não consta 12

Total de requerentes/requeridos 313

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009,

2010

Observa-se o maior número de usuários – 91 – que afirmaram ser solteiros, o que

indica uma predominância de usuários que tiveram filhos sem legalizar a relação amorosa.

Em segundo lugar, estão os separados de fato, com incidência de 57, seguidos dos casados,

com incidência de 53. Quanto a este último grupo de usuários, possibilita-nos inferir que estão

tratando da relação com os filhos antes da separação ter sido legalizada.

Tabela 16 - Número de filhos entre requerentes e requeridos ou número de crianças-adolescentes

envolvidos no litígio

Número de filhos/ crianças-adolescentes

Incidência

Nenhum 3

Um 97

Dois 43

Três 7

Quatro 2

Total de unidades de atendimento em 2008, 2009 e 2010

152

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009,

2010

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O maior número de filhos ou crianças/adolescentes envolvidos no litígio apresentado

entre os requerentes e os requeridos foi de uma criança/adolescente, com incidência em 97

unidades de atendimento, seguida de duas crianças/adolescentes em 43 unidades de

atendimento.

Tabela 17 - Condição de residência do requerente/requerido

Companhia do requerente/requerido Incidência

Sozinho(a) 36

Amigos 4

Parte contrária e dos filhos 6

Filhos do relacionamento entre as partes 53

Filhos do relacionamento entre as partes e filhos de outro relacionamento

3

Filho de outro relacionamento 1

Neto, filho da parte contrária 1

Companheiro(a) e filhos entre eles, filhos do relacionamento entre as partes em litígio, filhos de outro relacionamento

6

Um(a) companheiro(a), dos filhos deste companheiro(a) e dos filhos do relacionamento entre as partes em litígio

3

Um(a) companheiro(a)/ marido/ mulher 36

Um(a) companheiro(a)/ marido/ mulher e os filhos deste(a) companheiro(a)

12

Um companheiro/ marido/ mulher e filhos do relacionamento entre as partes em litígio

16

Um companheiro/ marido/ mulher e filhos do relacionamento conjugal atual

12

Família de origem 74

Família de origem e filhos do relacionamento entre as partes em litígio

45

Família de origem, companheiro(a) e os filhos deste companheiro

2

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Tabela 17 - Condição de residência do requerente/requerido

Companhia do requerente/requerido Incidência

Não declarou 3

Total de requerentes/ requeridos 313

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

A Tabela 17 demonstra uma mixagem entre as possibilidades de convívio residencial.

O aspecto da convivência é de difícil categorização, pois as situações apresentadas são as

mais diversas. Entendemos que a referida tabela ilustra, de forma significativa, o perfil da

convivência, mas também o das configurações familiares atuais.

A maior incidência, 74, está presente nos usuários que moram com a família de

origem. Em segundo lugar, com 53 usuários, estão os que moram apenas com os filhos do

relacionamento entre as partes; e em terceiro, com 45 usuários, consta, novamente, a família

de origem e os filhos do relacionamento entre as partes em litígio. Observamos, aí, uma grande

participação da família de origem nesse momento de crise familiar. Apesar de tal participação

poder estar relacionada ao aspecto financeiro, também pode ter relação com a necessidade de

apoio nos cuidados das crianças. De qualquer modo, este dado indica uma importância dos

laços com a família de origem.

Das 152 unidades de atendimento, 10 processos não envolvem união de casais. Trata-

se de processos entre: avós e pai; pai e filho; avó paterna e mãe; avós e mãe; e avó, mãe e

filho. Portanto, na próxima tabela, excluímos esses 10 processos por não se referirem aos

processos acima citados. Consequentemente, trabalharemos com um total de 142 unidades de

atendimento.

Tabela 18 - Tipo e tempo de relacionamento entre as partes

Tipo de relacionamento entre as partes

Até 1 ano

Mais de 1 até 2 anos

Mais de 2 até 3 anos

Mais de 3 até 5 anos

Mais de 5 até 10

anos

Mais de 10 anos

Total

Casamento 3 8 3 14 19 31 78

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Tabela 18 - Tipo e tempo de relacionamento entre as partes

União estável 1 9 10 5 11 10 46

Namoro 8 2 1 3 1 0 15

Outros 0 0 0 0 1 2 3

Total de unidades de atendimento

12 19 14 22 32 43 142

Fonte: Relatórios Anuais das Atividades do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, SP, 2008, 2009, 2010

Esclarecemos que o relacionamento entre as partes do processo pode não estar ligado

ao seu estado civil atual (Tabela 15). Por exemplo, as partes podem ter sido casadas, mas

terem declarado seu estado civil como separadas, divorciadas, entre outros. Portanto, a Tabela

18 não tem ligação direta com a Tabela 15.

Observamos que a maior incidência de relacionamento entre as partes é a de

casamento, em 78 unidades de atendimento. Desses 78, 31 referem-se a casamentos com

tempo superior a 10 anos de convivência. Em segundo lugar, com incidência de 46 unidades

de atendimento, encontram-se as uniões estáveis, mas o tempo de união não se destaca para

um período específico, ficando a maior incidência com o número de 11 unidades para o

período de 5 a 10 anos de relacionamento entre as partes, mas também o período de mais de 2

até 3 anos e mais de 10 anos aparecem com 10 unidades de atendimento cada.

Ao finalizarmos a primeira parte deste capítulo, aproximamo-nos dos sujeitos da nossa

pesquisa. Deparamo-nos com uma população jovem e de meia idade, estando a maioria

abaixo dos 39 anos, embora conste, também, uma incidência significativa na faixa etária entre

40 e 49 anos, com um bom nível de escolarização, tendo a maioria Ensino Médio e Superior

completos. Observamos, também, quanto ao item profissão, haver maior índice de usuários

que são profissionais liberais, tendo como segundo maior número profissionais autônomos de

nível básico que desenvolvem atividades que não exigem grande qualificação profissional.

Além disso, constatamos, conforme ilustrado na Tabela 12, das profissões, que, embora em

menor número, há uma parcela significativa de profissionais de nível médio, sendo que quase

um terço está na mesma atividade laborativa há mais de cinco anos. Não obtivemos dados

consistentes quanto à renda, pois um grande número dos usuários não quis declará-la, por

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motivo já inferido, ou seja, devido à preocupação com uma possível ação judicial, como a

“Ação Judicial de Alimentos”.

Os dados demonstram que a mediação feita no Setor de Mediação tem atendido à

população de todas as camadas sociais. Destarte, a utilização desse processo de trabalho

indica independer da classe social dos usuários. Lefeuvre (2008), assistente social francês,

reflete quanto à aplicação da mediação familiar em diferentes classes sociais e afirma que o

sofrimento familiar não tem status social. Ressalva que as necessidades materiais devem ser

atendidas em primeiro lugar quando as pessoas enfrentam situações que envolvem questões

de sobrevivência, tais como: intenso sofrimento social; escassos recursos financeiros;

problemas de moradia; entre outras. Contudo, observadas essas condições materiais, a

mediação familiar constitui-se em uma importante estratégia política de proteção à infância,

qualquer que seja a situação econômica.

A exemplo de Lefeuvre, que tratou da necessidade de aplicação da mediação familiar,

Mazuelos (2009), assistente social brasileira, desenvolveu seus estudos de mestrado sobre a

mediação familiar na perspectiva extrajudicial. A autora pesquisou sobre famílias migrantes,

residentes em bairros que apresentavam alto índice de vulnerabilidade social, vivendo em

situações de fragilidade quanto a emprego e renda. E defende:

O programa proporciona orientação no momento em que o casal vivencia a crise e essa orientação é importante, pois o estresse de romper a união, somando-se a questões amplas, como o desemprego, no geral, leva os casais a rompantes que, se não forem bem trabalhados, podem agravar a situação. (MAZUELOS, 2009, p. 17).

2. Metodologia

Evocamos o discurso teórico para desvalorizar o discurso prático, ou evocamos o prático para desvalorizar o teórico. Não podemos fazer isso, porque ambos são necessários. Ambos participam e estão sempre presentes,

porque nossa estrutura vai se modificando com os dois. Em um sentido estrito, para o suceder do viver não precisamos de explicações, mas as explicações

mudam o suceder de nosso viver. (MATURANA, 2001, p. 103).

A pesquisa que realizamos teve por objetivo geral analisar as relações afetivas

familiares entre pais de crianças e de adolescentes em situação de litígio e desvelar o sentido

da mediação familiar. Para a consecução do objetivo geral, foram delineados dois objetivos

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específicos: analisar as relações afetivas entre esses pais; e investigar o sentido da mediação

no enfrentamento desta situação, em atuação exercida por assistentes sociais.

Inicialmente, realizamos estudos e levantamentos bibliográficos sobre o tema,

buscando identificar os campos investigativos correlatos em âmbito nacional. Não

encontramos estudos sobre a matéria na área sócio-jurídica e, por esta razão, foi necessário

haver uma aproximação acadêmica do tema por meio da literatura da Psicologia Social e,

principalmente, da literatura do Direito, participando, inclusive, de um curso sobre a questão

da mediação. Na disciplina de Direito, destacamos as reflexões desenvolvidas por Águida

Arruda Barbosa, nos boletins bimestrais do Instituto Brasileiro de Família – IBDFAM, bem

como as referências indicadas na cadeira “Mediação em conflitos de justiça, cultura da paz e

promoção dos direitos humanos”, do Programa de Pós-graduação de Direito da USP,

ministrada por Antonio Rodrigues de Freitas Júnior.

Além de termos encontrado poucos estudos no campo sócio-jurídico sobre o tema em

questão, entendemos que a mediação seja um processo de trabalho voltado para a intervenção

social e, como tal, necessita do conhecimento de várias disciplinas, sem contar com o fato de

que a mediação familiar, por si, já tem um caráter interdisciplinar. Compartilhamos com

Rodrigues, quando diz:

As profissões especialmente envolvidas com as ações sociais de intervenção valem-se de teorias, conhecimentos e métodos, oriundos da sociologia, da filosofia, da política, da economia, da antropologia, entre outras áreas, traduzidas por diferentes tradições de pensamentos. Ao mesmo tempo, também recortam um âmbito próprio em que constroem seus conhecimentos peculiares e corroboram, assim, para a produção do conjunto das teorias sociais. (RODRIGUES, 2006, p. 16).

Dessa forma, por meio desta pesquisa, também buscamos colaborar com o

conhecimento da ação social da intervenção da mediação, reconhecendo os estudos das

diferentes disciplinas já realizados e trazendo os próprios do Serviço Social. Com isso,

acreditamos estar contribuindo para o conjunto de metodologias dos atendimentos aos sujeitos

em conflitos familiares em mediação, bem como com as pesquisas existentes sobre o tema.

Ancorados na teoria da complexidade de Edgar Morin, acompanhando Alves-

Mazzotti (2002, p. 163), que consideram que “[...] as pesquisas qualitativas são

caracteristicamente multimetodológicas, isto é, usam uma grande variedade de procedimentos

e instrumentos de coleta de dados”, adentramos ao tema com amparo da literatura já

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referenciada, imbuídas das nossas observações cotidianas, mas também com curiosidades

próprias quanto ao resultado da pesquisa. Com o desígnio de sistematizar tais percepções,

ampliá-las e conectá-las à literatura existente a fim de transformá-las em arcabouço para a

mediação familiar e, especialmente, para o Serviço Social, seguimos alguns caminhos

metodológicos, enunciados abaixo, que se complementaram em cooperação mútua:

• um quantitativo, por meio do qual localizamos a inserção dos “Pedidos de

Guarda e Visitas no Setor de Mediação”, a partir do qual traçamos o perfil dos

protagonistas destes pedidos: os requerentes e requeridos, pais das crianças e

dos adolescentes. Assim, conhecemos os usuários como sujeito coletivo; e

• outro qualitativo, no sentido de conhecermos, mais profundamente, as relações

afetivas familiares desses pais e desvelarmos o sentido da mediação. Com o

perfil decorrente do estudo quantitativo, selecionamos as famílias a serem

pesquisadas. Ademais, colhemos depoimentos das juízas que encaminharam

os pais ao Setor de Mediação.

A abordagem quantitativa revestiu-se de importância, tendo em vista que nos

possibilitou maior intimidade com o tema e com o universo pesquisado, pois, ao ser

quantificado, desmistificam-se conclusões baseadas em observações aleatórias, suscetíveis de

ocorrer em meio à prática profissional. Permitiu-nos, também, ter acesso a informações

estritamente confidenciais pelo caráter sigiloso dos processos relativos à família no Poder

Judiciário. Somente foi possível verificarmos a quantidade, os tipos de processo e outros

dados constantes nos relatórios anuais porque houve autorização da juíza coordenadora do

Setor de Mediação (conforme Apêndice B), facilitada pelo fato de trabalharmos no Judiciário.

Ainda que o levantamento feito não ofereça números suficientemente amplos para uma

generalização, por certo oferece-nos indicativos consideráveis.

A necessidade de tal procedimento foi inspirada em Fonseca (1998), no sentido de

que “cada caso não é um caso”, e que os sujeitos pesquisados necessitam ser vistos no

contexto social em que estão inseridos para que suas histórias ganhem significado no conjunto

histórico e social, visto que, conforme refere-se Minayo (2003, p. 22), “O conjunto dos dados

quantitativos e qualitativos [...] não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a

realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.” Cabe,

também, mencionar uma questão importante, destacada por Alves-Mazzotti (2002, p. 171),

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quanto ao tratamento dos dados: “Quando dados quantitativos são usados para complementar

os qualitativos, o tratamento dado a cada um deles deve ser descrito separadamente.”

A abordagem qualitativa foi escolhida porque “[...] trabalha com o universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço

mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2003, p. 22). Este tipo de abordagem está

estreitamente ligado à complexidade do objetivo de analisar as relações afetivas familiares em

litígio e desvelar o sentido da mediação, uma vez que consideramos não somente as

implicações das relações familiares em litígio, mas essas relações inseridas em um trabalho

recentemente desenvolvido por assistentes sociais.

Tanto o fato de estarmos muito ligadas ao tema da pesquisa quanto ao fato de os

sujeitos de pesquisa serem advindos do nosso próprio local de trabalho foram inquietantes e

desafiadores, obrigando-nos a enfrentar incertezas e a dispor-nos aos “[...] imprevistos e

riscos [...]”, evocando “[...]atitudes investigativas ampliadas, atentas e [...] autocríticas”.

(RODRIGUES, 2006, p. 15). Cuidamos para que isto não representasse um empecilho aos

esclarecimentos buscados, mas que, ao contrário, essa intimidade pudesse ser utilizada a favor

da nossa pesquisa a fim de que conseguíssemos maior alcance analítico e não gastássemos

tempo no reconhecimento da pessoa do pesquisador. Conforme observa Fonseca,

Quando nossos ‘nativos’ começam finalmente a sentir-se em casa em nossa presença, zombam de nós ou até nos ignoram, aí passamos além dos diálogos ‘para inglês ver’. Ninguém nega que somos parte da realidade que pesquisamos. Quer seja na linha de Marx, Bordieu ou Foucault, não há pesquisador que ainda nutra a ideia de ser ‘neutro’. A reação do ‘nativo’ diante de nossa pessoa - seja ela de dissimulação, adulação, hostilidade, franqueza ou indiferença - é um dado fundamental da análise que diz muito sobre relações de desigualdade e dominação. (FONSECA, 1998, p. 64-65).

Além da concepção da inexistência de neutralidade destacada por Fonseca (1998),

pensamos que a presença do pesquisador deva fazer parte do processo de conhecer. Isto está

estritamente ligado ao rigor do conhecimento científico. Partilhamos com Minayo a ideia de

que

[...] o labor científico caminha sempre em duas direções: numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu caminho, abandona certas vias e encaminha-se para certas direções privilegiadas. E ao fazer tal percurso, os investigadores aceitam os critérios da

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historicidade, da colaboração e, sobretudo, imbuem-se da humildade de quem sabe que qualquer conhecimento é aproximado, é construído. (MINAYO, 2003, p. 12).

O trabalho científico deve ser firme na aplicação de sua metodologia para atingir o

propósito de descobrir e desvelar a realidade e, ao mesmo tempo, ter a sensibilidade de, se

necessário, fazer um novo caminho e não ter medo de se perder, buscando a ancoragem nos

pressupostos teóricos adotados. É fundamental não perder de vista a humanidade da

elaboração do trabalho e estar sempre pronto para reconhecer a pesquisa efetuada apenas

como mais um dos elementos a compor, buscar e, sobretudo, compreender e transformar a

realidade. Logo, tanto a humildade quanto a altivez devem fazer parte da postura do

pesquisador. Tal como Minayo,

Entendemos por pesquisa a atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. (MINAYO, 2003, p. 17).

E quando se vincula pensamento e ação, teoria e prática, aspectos subjetivos e

objetivos, também há margem para tentativa e erro. Afinal, também se aprende com o erro,

que deve dar lugar a indagações, reflexões, investigações e possíveis soluções. Não há mais

espaço, nos dias atuais, para intelectuais encastelados em discursos e ditadores de regras de

como devem ser feitas as práticas, mas há muito espaço para pesquisas, cada vez mais

necessárias neste mundo complexo, dinâmico, em constante mutação, pois, conforme salienta

Rodrigues,

Nesse complexo contexto, a pesquisa concorre para a produção de conhecimentos e práticas sociais, na medida em que, através dela, os profissionais adquirem competências para transitar entre o objetivo e o subjetivo, entre o abstrato e o concreto, entre a dúvida e a certeza, entre o falso e o verdadeiro, o velho e o novo, a razão e a emoção. (RODRIGUES, 2006, p. 17).

Delimitamos o universo da pesquisa nos primeiros anos de funcionamento do Setor

de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos, ou seja, de 2007 a

2010. Entretanto, o ano de 2007 não foi incluído por ter sido o ano de implantação do Setor de

Mediação e, por isso, com funcionamento apenas no segundo semestre daquele ano. Assim

sendo, o universo da pesquisa ficou circunscrito no período de 2008 a 2010, abrangendo 152

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famílias que cumpriram integralmente o trabalho. Das 152 famílias, 10 não estavam

relacionadas a litígio entre pai e mãe. Os processos eram entre: avós e pai; pai e filho; avó

paterna e mãe; avós e mãe; e avó, mãe e filho. Desta forma, excluímos 10 famílias do total das

152 unidades de atendimento e trabalhamos com um total de 142 casais parentais.

Os sujeitos escolhidos para serem pesquisados foram buscados em dois segmentos:

juízas que encaminharam usuários ao Setor de Mediação e famílias que utilizaram o trabalho

de mediação. Portanto, os sujeitos são as juízas das Varas da Família e Sucessões, atuantes na

Comarca de Santos, no período de 2008 a 2010, e as famílias usuárias do Setor de Mediação,

nos anos de 2008 a 2010.

No período supracitado, houve atuação de seis juízas, sendo, à época, três delas

titulares e três auxiliares. Por ser este grupo um número reduzido e ter grande visibilidade

social pela função que ocupa, propusemo-nos a realizar a pesquisa com o total de sujeitos.

Desse segmento, uma das seis juízas não teve disponibilidade em participar da pesquisa; logo,

foram realizadas entrevistas com cinco juízas. Os depoimentos foram previamente agendados

e realizados nas dependências do Fórum de Santos, com exceção apenas de uma juíza, que

preferiu que realizássemos a entrevista em sua própria casa. Os depoimentos foram realizados

respeitando-se o estilo pessoal e a disponibilidade de cada sujeito, sem delimitação de tempo.

No total, foram gravados em áudio 1:48 h, em períodos de, no máximo, 29 minutos e, no

mínimo, 12 minutos.

Como condutoras para a realização das entrevistas, estabelecemos os seguintes

tópicos: necessidades ou motivos para encaminhamento das famílias ao Setor de Mediação;

diferenças observadas nos pais, em audiências, após o atendimento realizado; e percepção

quanto à Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses - Resolução

125/2010 do CNJ -. Após apresentação dos objetivos da pesquisa e obtenção da assinatura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A), fizemos algumas questões

propulsoras aos depoimentos:

1. critérios para encaminhamento das famílias usuárias ao Setor de Mediação;

2. diferenças observadas nas famílias em audiência após o atendimento realizado no Setor de Mediação;

3. avaliação da mediação familiar judicial em Santos;

4. críticas, sugestões ou observações ao serviço de mediação judicial de Santos;

5. críticas ou observações à Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses; e

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6. mensagem ao Sistema de Justiça no Brasil.

De um universo de 142 famílias, conforme já apresentado, trabalhamos com uma

amostra não probabilística por quota de 5%, ou seja, sete famílias. A amostra por quota

depende de uma “[...] técnica em que o pesquisador intervém para obter uma representação a

mais fiel possível da população estudada. Seleciona um certo número de características

conhecidas [...]” dos sujeitos e pesquisa os que estejam dentro das características

estabelecidas. (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 170).

A busca dos sujeitos foi realizada através do estudo dos prontuários do Setor de

Mediação, cujos usuários foram atendidos pela profissional que realizou a pesquisa para que

facilitasse a aproximação. A seleção da amostra ficou assim estabelecida: três famílias que

utilizaram o Setor em 2008; duas, em 2009; e duas, em 2010. Os segmentos dos sujeitos

foram: pai e mãe que litigaram ou ainda litigam. Dos pais selecionados, uma mãe não nos

recebeu; desta forma, foram entrevistados seis mães e sete pais, formando um total de treze

usuários.

A escolha dos participantes observou a representatividade das famílias do Setor de

Mediação. Esta representatividade foi construída a partir da relevância em termos de

quantidade no que concerne às características observadas no compilamento dos dados dos

relatórios anuais, conforme apresentado anteriormente. Desse modo, a escolha dos sujeitos

obedeceu, por ordem, os seguintes critérios:

1º- ações Judiciais que se referiram à guarda e/ou visitas;

2º- famílias que participaram de mais de cinco reuniões de mediação;

3º- preferencialmente usuários que, à época em que participaram do trabalho no

Setor de Mediação, tinham um ou dois filhos entre as partes litigantes; tinham casamento ou

união estável entre eles; tinham idade de até 49 anos; eram profissionais liberais e/ou

exerciam atividade laborativa de nível básico (que não exige qualificação); eram profissionais

que possuíam nível de instrução Médio a Superior; eram solteiros, separados de fato ou

casados.

As entrevistas foram semi-estruturadas, previamente agendadas e realizadas, em

sua maioria, nas dependências do Fórum de Santos. Apesar de as entrevistas terem sido feitas

respeitando-se o estilo pessoal e a disponibilidade de cada sujeito, procuramos delimitar o

tempo de entrevista em, aproximadamente, 1 hora. Foram gravados em áudio 10h52min, em

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períodos de, no máximo, 01h01min e, no mínimo, 38 minutos. O tempo total de gravação com

os usuários e as juízas foi de 12h40min.

Escolhemos a entrevista como principal instrumento para coletar dados devido à

sua natureza de facilitar a interação com os sujeitos, pois a entrevista “[...] permite tratar de

temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente através de

questionários, explorando-os em profundidade”. (ALVES-MAZZOTTI, 2002, p. 68). A

literatura aponta uma variada gama de tipos de entrevista que se distinguem pelo grau de

controle exercido pelo entrevistador sobre o diálogo. Optamos pela entrevista semi-

estruturada porque já sabíamos, de antemão, em quais aspectos deveríamos centrar a nossa

atenção nas entrevistas. Conforme destaca Alves-Mazzotti,

[...] nas entrevistas não estruturadas, o entrevistador introduz o tema da pesquisa, pedindo que o sujeito fale um pouco sobre ele, eventualmente inserindo alguns tópicos de interesse no fluxo da conversa. Este tipo de entrevista é geralmente usado no início da coleta de dados, quando o entrevistador tem pouca clareza sobre os aspectos mais específicos a serem focalizados, e é frequentemente complementado, no decorrer da pesquisa, por entrevistas semi-estruturadas. Nestas, também chamadas focalizadas, o entrevistador faz perguntas específicas, mas também deixa que o entrevistado responda em seus próprios termos. É também possível optar por um tipo misto, com algumas partes mais estruturadas e outras menos. (ALVES-MAZZOTTI, 2002, p. 68).

A análise dos dados constitui-se em um dos momentos mais complexos da pesquisa,

pois perpassou todos os outros, iniciada desde a coleta dos dados, quando do contato com os

relatórios anuais do Setor de Mediação, até o momento da conclusão do trabalho. Conforme

sublinha Alves-Mazzotti,

[..] pesquisas qualitativas tipicamente geram um enorme volume de dados que precisam ser organizados e compreendidos. Isto se faz através de um processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado. Este é um processo complexo, não-linear, que implica um trabalho de redução, organização e interpretação dos dados que se inicia já na fase exploratória e acompanha toda a investigação. À medida que os dados vão sendo coletados, o pesquisador vai procurando tentativamente identificar temas e relações, construindo interpretações e gerando novas questões e/ou aperfeiçoando as anteriores, o que, por sua vez, o leva a buscar novos dados, complementares ou mais específicos, que testem suas interpretações, num processo de ‘sintonia fina’ que vai até a análise final. (ALVES-MAZZOTTI, 2002, p. 170).

A coleta dos dados não ocorreu de forma estanque e hierárquica, mas concomitante,

respeitando-se as ocasiões e o movimento da realidade. A metodologia foi construída,

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respeitando-se e observando-se a “[...] correlação de forças das informações obtidas [...]”

(Informação verbal)59. Aprendemos, com Alves-Mazzoti, que:

[...] em decorrência da feição indutiva que caracteriza os estudos qualitativos, as etapas da coleta, análise e interpretação [...] não obedecem a uma sequência, cada uma correspondendo a um único momento de investigação, como ocorre nas pesquisas tradicionais. A análise e interpretação dos dados vão sendo feitas de forma interativa com a coleta, acompanhando todo o processo de investigação. (ALVES-MAZZOTTI, 2002, p. 162).

Todos os sujeitos participantes assinaram o “Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido – TECLE” (Apêndice A), conforme padronizado pela legislação, destacando: o

caráter voluntário e anônimo de sua participação; o sigilo das informações coletadas; e a

possibilidade de interromper a sua participação a qualquer momento da pesquisa. Recebemos

autorização prévia da Juíza Coordenadora do Setor de Mediação para termos acesso aos

relatórios anuais e aos sujeitos a serem pesquisados (Apêndice B), como também a aprovação

do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, Campus Monte Alegre, Parecer 462/2011

(Anexo 3).

Conforme preconiza o Código de Ética do Assistente Social (Título III, Cap. I, D e

E), as informações colhidas na pesquisa e suas conclusões deverão ser levadas ao

conhecimento dos integrantes da pesquisa por meio de: um convite para assistir à defesa da

Tese de Doutorado; acesso à tese no Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da

Comarca de Santos; e/ou envio da tese por meio de mensagem eletrônica/e-mail.

Ao finalizarmos esta parte, que trata da metodologia, ressaltamos que buscamos

pormenorizar nossas atitudes investigativas. Contudo, “[...] o observador, o objeto observado

e o processo de observação implicam uma totalidade” (MORAES; VALENTE, 2008, p. 36).

O pesquisador está sempre implicado na pesquisa e, neste trabalho, há um elo muito grande

entre os dois, uma vez que a relação entre os sujeitos e a pesquisadora é anterior à pesquisa,

na relação com a mediação já desenvolvida. Por esta razão, adentramos a pesquisa de campo

conscientes de que a nossa conduta pode ter influenciado o objeto e o sujeito pesquisados;

entretanto, procuramos manter a qualidade do conhecimento, atentos que estávamos sobre

este fato.

59 Aula proferida pela Profa. Dra. Maria Lucia Rodrigues, na PUC-SP, em 2001.

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Concluímos o capítulo sobre o contexto e a metodologia, qualificando os sujeitos de

nossa pesquisa. Contextualizamos os sujeitos: usuários e juízas, ao relatar sobre o

funcionamento do Setor de Mediação. Localizamos, por meio de um estudo no plano

quantitativo, os Pedidos de Guarda e a Regulamentação de Visitas como os mais relevantes,

assim como o perfil social dos usuários. Delimitamos o universo pesquisado, apresentamos os

critérios para a escolha dos sujeitos centrados no perfil que emergiu do plano quantitativo e os

procedimentos realizados no levantamento de dados para o estudo qualitativo.

No próximo capítulo, analisaremos as relações afetivas familiares dos pais que

estiveram, ou ainda estão, em litígio, a fim de conhecê-los melhor, bem como para

compreendermos como são as suas relações familiares com a família de origem, com os filhos

e com o(a) ex-companheiro(a). Conhecer a afetividade desses pais tem um objetivo maior

para esta pesquisa, que procura desvelar suas dores e sofrimentos a fim de que os assistentes

sociais, e os demais profissionais que atendem esses pais, não lhes sejam indiferentes, bem

como para que o futuro dos filhos desses pais não lhes indiferentes. Assim, talvez possamos

caminhar na direção da utopia de vivermos uma cultura diferente. Ao conhecermos, nos

afetamos; ao nos afetarmos, afetamos o outro. Esse outro são as famílias em litígio, mas

também são os nossos colegas, as instituições onde trabalhamos; e também são nós mesmos,

que podemos transformar-nos em pessoas diferentes, menos indiferentes e mais

compromissadas com um mundo mais equilibrado, mais justo e melhor.

Solo le pido a Dios Que el dolor no me sea indiferente,

Que la reseca muerte no me encuentre Vacia y sola sin haber hecho lo suficiente.

Solo le pido a Dios Que lo injusto no me sea indiferente, Que no me abofeteen la otra mejilla

Despues que una garra me araño esta suerte. Solo le pido a Dios

Que la guerra no me sea indiferente, Es un monstruo grande y pisa fuerte Toda la pobre inocencia de la gente.

Solo le pido a Dios Que el engaño no me sea indiferente

Si un traidor puede mas que unos cuantos, Que esos cuantos no lo olviden facilmente.

Solo le pido a Dios Que el futuro no me sea indiferente,

Desahuciado esta el que tiene que marchar A vivir una cultura diferente.

Solo le pido a Dios Que la guerra no me sea indiferente,

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Es un monstruo grande y pisa fuerte Toda la pobre inocencia de la gente.

(SOSA, 1982)

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CAPÍTULO IV - O DISCURSO SOBRE AS RELAÇÕES AFETIVAS FAMILIARES NA VOZ DE SEUS PROTAGONISTAS

Como uma criança antes de a ensinarem a ser grande, Fui verdadeiro e leal ao que vi e ouvi.

FERNANDO PESSOA

Neste capítulo, procuramos compreender as relações afetivas familiares através da voz

dos protagonistas deste estudo. Para efeito de análise, organizamos o conteúdo dos

depoimentos dos participantes da pesquisa em três partes que se complementam: a primeira,

trata das relações afetivas dos pais pesquisados com suas respectivas famílias de origem; a

segunda, das relações que estabelecem com os filhos; e a terceira, da relação entre os pais.

Partimos do entendimento de que o viver em família e suas respectivas concepções são

coconstruídas historicamente, estão inseridas em um contexto social e contêm expressões das

dimensões econômica, cultural, temporal e espiritual60 em relações sociais permeadas pela

afetividade. A família não se resume a uma ideia; ela é uma concepção complexa, pois requer

o conhecimento estrutural/conjuntural das relações e, sobretudo, porque a família funda o

social, o homem.

Mioto (2013, p. 3) afirma que “A incorporação da família como referência na política

social brasileira reavivou o debate em torno do trabalho com famílias, que por muito tempo

ficou relegado a segundo plano no âmbito do Serviço Social brasileiro.” Os debates

reavivaram-se e sobrepujaram a secundarização do tema. Segundo a autora, o grande desafio

do momento é demarcar qual é o foco do debate sobre a família que interessa ao campo

profissional e oferecer alguns parâmetros que possam subsidiar a ação dos profissionais no

campo da política social. A nosso ver, o debate contemporâneo sobre a família no Serviço

Social brasileiro revela, sobremaneira, a atuação dos assistentes sociais, atuação esta que

jamais deixou de existir, ainda que este não fosse um assunto que obtivesse relevância no

meio acadêmico, que se embevecia, prioritariamente, com as discussões da macropolítica. O

caráter interventivo na ação “miúda”61 da profissão não se mostrava valorizado, mas

configurava-se como ações que acarretavam mudanças nas vidas dos usuários. Por 60 Espiritual não tem, aqui, a acepção religiosa, e sim dentro de uma perspectiva conforme Morin (2007, p. 301): “O sentido de mens, mind, mente (espírito cognoscente e inventivo). O espírito constitui a emergência mental nascida das interações entre o cérebro humano e a cultura, é dotado de uma autonomia relativa e retroage sobre seu ponto de origem. Organiza o conhecimento e a ação humanos.” 61 Esta expressão foi cunhada, inicialmente, por Yasbek (2007) para realçar o caráter das atuações dos assistentes sociais junto aos usuários no cotidiano profissional que, por vezes, são pouco valorizadas, mas se configuram como ações que levam a mudanças nas vidas dos atendidos e que deveriam constituir-se como relevantes no ideário da profissão.

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conseguinte, deveriam constituir-se como relevantes no ideário da profissão, pois, como tal,

poderiam colaborar e integrar a construção do projeto ético-político na direção de outra

sociabilidade que não cunhada pelo modo capitalista.

Segundo Mioto (2013), existem duas grandes tendências ou concepções que subjazem

à compreensão da relação família e assistência social: uma que a compreende como ajuda

pública; e a outra, como direito e cidadania. Atrás dessas tendências, há concepções de família

diferenciadas e divergentes em sua capacidade protetiva: na primeira, família e mercado são

entendidos como canais naturais de provisão e bem-estar; assim, quando a família falha em

desenvolver estratégias de sobrevivência e convivência, o Estado intervém sob forma de

políticas. Nesta, a família assistida carrega a pecha de falência; e na segunda, há um

abrandamento da responsabilidade familiar em relação à provisão de bem-estar social,

socializando-se, antecipadamente, os custos enfrentados pela família sem esperar que sua

capacidade se esgote. Neste caso, a falência é da lógica do mercado que não absorve a força

de trabalho. Ainda que a reflexão desenvolvida tenha sido sobre a família relacionada à

política de assistência, entendemos que esta compreensão possa ser estendida às demais

políticas que envolvam as famílias.

Assim como a referida autora, avaliamos que a concepção mais apropriada é a

segunda. Entretanto, chamamos atenção para que esta não se deixe enlevar apenas pelas

discussões de natureza econômica, nas esferas do mercado e do trabalho. Os assistentes

sociais são profissionais que sempre atuaram com famílias, pois estão muito próximos do seu

cotidiano e as veem em seu conjunto de relações. Essas relações, quer sejam no espaço

público ou privado, são imbuídas pela afetividade, sendo necessário que o assistente social

mantenha incorporada essa dimensão em sua atuação.

Sawaia (2003, p. 39) defende a importância da adoção da família e da afetividade

como territorialidade e estratégia da ação emancipadora que permite enfrentar e resistir à

profunda desigualdade social, seguindo a “[...] direção de uma ontologia e de uma

epistemologia que não separam a razão da emoção, a organização socioeconômica da

configuração subjetiva, a esfera privada da pública, tampouco a estética e a ética da política”.

A família não se resume à sustentabilidade material, nem tampouco à

consanguinidade, mas também está relacionada às relações de alianças e afinidade, como por

exemplo: a relação entre “enteados” e “padrastos” ou filhos da companheira, companheiro(a)

da mãe, companheira(o) do pai, filhos de companheiros da mãe/pai, pai/mãe dos filhos, ainda

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que separados, entre outras. São relações que, por vezes, ainda não têm nomes para o

parentesco, mas que são carregadas de representações, que produzem afetos e

responsabilidades no contexto da vida dos indivíduos na sociedade. Diferentes denominações

são atualmente utilizadas para referir-se à família, tais como: famílias multiparentais

monoparentais, reconstituídas, tentaculares, entre outras. Por isso, há que se pensar que as

famílias têm suas diferenças, guardam sua singularidade, ou seja, que a família está situada

em sua época, circunstanciada pelos costumes e valores, vivendo sob a égide de leis vigentes.

Para este estudo, é importante compreendermos as relações afetivas das famílias em

que os pais se separam e lutam no judiciário pela convivência com seus filhos. Através da voz

dos participantes da pesquisa, cada um, a seu modo, contribuiu com suas histórias sobre um

cotidiano que perfaz o movimento das famílias em seu meio social. Iniciamos com as análises

dos depoimentos dos pais sobre as suas famílias de origem; porém, antes dessa análise,

faremos uma brevíssima apresentação atualizada dos sujeitos pesquisados62:

• Casais parentais atendidos em 2008: Orlando (39 anos, biólogo) e Rafaela (36 anos,

enfermeira padrão): casados por oito anos, separados há seis anos, dois filhos (12 anos

e 8 anos); Rui (41 anos, oficial de justiça) e Nina (42 anos, fisioterapeuta): união

estável por três anos, separados há cinco anos, um filho (8 anos); e Fúlvio (48 anos,

técnico em eletrônica) e Maria das Graças (44 anos, do lar): união estável por 5 anos,

separados há 11 anos, um filho (14 anos).

• Casais parentais atendidos em 2009: Flávio (35 anos, pintor de paredes) e Luísa (35

anos, doméstica): casados por oito anos, separados há seis ano, um filho (12 anos) e

uma filha (14 anos); e Nilson (39 anos, protético) e Mariane (34 anos, editora): união

estável por 4 meses, separados há 10 anos, uma filha (10 anos).

• Casais parentais atendidos em 2010: Mário (58 anos, engenheiro) e Marlene (42 anos,

administradora de empresas): casados por cinco anos, separados há seis anos, uma

filha (9 anos); e Carlos (49 anos, empresário) e Sueli (46 anos, empresária): casados

por 19 anos e separados há 5 anos, um filho (24 anos) e 3 filhas (21, 19 e 11 anos).

62 Todos os nomes e informações passíveis de identificação dos sujeitos/participantes foram alterados para preservar tanto os usuários quanto as juízas.

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1. Relações afetivas dos pais com a família de origem63

Em tempos de incertezas, de grandes urgências, de esgotamentos e indecisões, talvez convenha certa revisão e muita reflexão, reapreciando conhecimentos que julgamos tão definitivos.

(RODRIGUES, 2004, p. 11)

A análise realizada sobre a relação afetiva dos pais em litígio com a família de

origem foi iniciada, remetendo às vivências familiares e, consequentemente, à sua respectiva

concepção endógena, como percebem a influência dela quanto ao estudo e ao trabalho, a

importância dos irmãos e, também, como conseguem diferenciar-se nesse conjunto familiar.

Ao adentrarmos nestes aspectos, prosseguimos, resgatando o que os pais em litígio pensam e

sentem sobre as categorias mãe e pai, por meio da expressão que têm da concepção de ser

mãe/pai, como eles percebem seus próprios pais e mães e como se veem exercendo a função

materna/paterna.64

Giddens (2003, p. 63) afirma que “A família é um local para as lutas entre tradição e

modernidade, mas também uma metáfora para elas. Há talvez mais nostalgia em torno do

santuário perdido da família do que qualquer outra instituição com raízes no passado.” Há

muita expectativa em torno da família; deposita-se nela certa idealização e espera-se dela

comportamentos exemplares. Percebemos que, no meio social, quando se fala em família, ela

ainda está associada ao modelo nuclear, a um casal de pais e seus filhos, supostamente

vivendo em harmonia.

Esse modelo nuclear, que começou a ser delineado no início do século XVII, com

sua origem na aristocracia e na burguesia, ainda hoje permanece no imaginário social.

Entretanto, mesmo na época em que ele tinha mais força, muito provavelmente existiam

outras formas e arranjos familiares. Samara (2002), em estudo comparativo do período

colonial até a atualidade, onde observa as mudanças e continuidades quanto ao processo de

formação, desenvolvimento e crescimento populacional das famílias brasileiras, surpreende-se

ao observar que, na segunda metade do século XIX, aproximadamente 30% das mulheres

eram chefes de domicílio e mantinham suas famílias, principalmente entre as idades de 35 e

63 Todos os nomes e informações passíveis de identificação dos sujeitos/participantes foram alterados para preservar tanto os usuários quanto as juízas. 64 Função materna/ paterna aqui compreendidas como adultos que desejam a criança e que são continentes de determinados atributos que os tornam capazes de exercer cuidados físicos e psíquicos para com os filhos. (BORGES, 2005).

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59 anos. Crianças, adultos, dependentes e agregados também ajudavam a engrossar a renda

familiar. As ocupações mudavam frequentemente, e os excedentes da produção domiciliar

eram vendidos para que pudessem sobreviver. Na época, era comum a liderança feminina,

voltada para a organização das tarefas, o gerenciamento dos pequenos negócios, e até mesmo

o controle da família - o que, sem dúvida, fugia à regra do modelo patriarcal.

Desta forma, observa-se que esse modelo do pai provedor e mãe do lar talvez nunca

tenha retratado o vivenciado pela maioria das pessoas, principalmente aquelas que se situam

no extrato social menos favorecido. Todavia, ele ainda povoa o imaginário de muitos,

inclusive o de profissionais que trabalham com a família. “O modelo nuclear é um conceito

analítico que se manifesta não somente empiricamente [...], mas também como ideia bem

definida no imaginário social.” (FONSECA, 2002, p. 64). Além disso, tende-se a esquecer a

que custo sexual, emocional e moral esse modelo manteve-se no ideário social e que, de

alguma forma, ainda se mantém.

Saber que esse modelo ainda habita o imaginário social importa, na medida em que

mesmo as famílias que têm outra forma de se organizarem são por ele influenciadas. Por outro

lado, as famílias que não o têm, muitas vezes perseguem essa forma de organização que está

enraizada na ideologia e, se não conseguem cumprir o almejado, sofrem por não estarem

nessas condições, sentindo-se, até, incompetentes. Por vezes, a família que não se enquadra

nesse modelo é “julgada” por seus próprios pares, ou até mesmo por profissionais, e tal

atitude colabora como uma forma de perpetuação desse pensamento.

Encontramos, nos sujeitos pesquisados, essa tendência à família idealizada. A

ascendência estrangeira, algumas vezes utilizada como forma de manifestar certo status à

linhagem, revela o espírito ainda existente do brasileiro colonizado. Alguns participantes

denominaram suas famílias como “normal”, quando, em suas lembranças, não existiam brigas

ou discussões, como se existisse um modelo de família em que isso não ocorresse. Outros,

ainda que se lembrassem de severas dificuldades passadas, não conseguiam fazer críticas à

violência sofrida. Muitos, quando admitiam que não haviam vivido o modelo idealizado,

procuravam-no como se fosse possível encontrá-lo em algum lugar, ou em outra família.

Muitas das lembranças da família no período da infância mostraram-se bucólicas, como algo

saudoso, como sentimentos não mais possíveis de serem vivenciados.

Meu pai é descendente de português e minha mãe é descendente de italianos (...)

(Mario).

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Meu pai era rígido, espanhol, (...) mas assim, nós éramos uma família estruturada.

(Maria das Graças)

Fomos uma família normal, bem estruturada. Depois puff!!! Brigas e discussões entre

os meus pais(...). (Orlando)

Éramos uma família muito unida (...) Meu pai era alcoólatra (...), agressivo, falava

que ia botar todo mundo na rua, morar debaixo da ponte. (Rui)

Não tive aquela família unida (...). Fomos criados num lar que com problemas de

bebida, então não tinha muito aquela estrutura familiar unida. (Flávio)

Olhava a casa dos vizinhos sempre cheias no natal e a minha sempre mamãe, vovô e

os meus três irmãos. Achava tudo lindo, com saúde, jantávamos juntos, mas a casa do

vizinho sempre era mais animada! [risos] (Sueli)

Eu brincava na minha casa, que era quintal grande, mato e terra. Eu adorava aquilo,

brincava que nem um louco ali. (Nilson).

É uma época de um outro mundo que não tem mais, eu brincando em cima do muro,

nos jardins, fazendo artinha, pulo na árvore, bem diferente. (Carlos)

A família, referenciada pelos sujeitos, nos faz lembrar de um produto, pois, muitas

vezes, é necessário demonstrar a sua proveniência, mostrando que era um bom produto, ou

então que não era bom o suficiente, mas que existia em outro lugar. Entretanto, ainda que

tenha existido, não é possível que exista mais. Da mesma forma, modelos e/ou relações

afetivas idealizadas podem distanciar-nos da realidade; e o que não é real não é passível de

mudança, posto que está em nosso imaginário. A este respeito, Kehl sustenta:

Como ocorre com todos os bens sujeitos à escassez, parece que hoje a família nuclear em vias de extinção tem sido mais valorizada e idealizada do que nunca, criando uma dívida permanente e impagável que pesa sobre os membros das famílias que se desviam do antigo modelo. A indústria cultural se alimenta dessas idealizações. A dramaturgia popular, veiculada pelo cinema e pela televisão, apela constantemente para a restauração da família ideal, ao mesmo tempo em que vende sabonetes, marcas de margarinas e conjuntos estofados para compor o cenário da perfeita felicidade doméstica. (KEHL, 2003, p. 4).

Os dados indicaram que, para todos os sujeitos pesquisados, o estudo e o trabalho

representam mais do que uma fonte para a sustentabilidade material: um valor para a vida,

aprendido com a família de origem. Especificamente quanto às mulheres, apesar de o trabalho

ter sido indicado como algo difícil, por distanciá-las dos filhos, também indicaram que,

mesmo enfrentando tal dificuldade, não deixam de perseguir seus objetivos. A inserção no

trabalho, mesmo acontecendo em um período ainda muito precoce e sem o amparo da

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legislação, não encontra críticas no sentido de maldizer o período ou a iniciativa dos pais.

Reconhece-se a dificuldade do momento, mas inclui-se a experiência como fator de união,

aprendizado e valor moral. Percebem nos pais fonte de inspiração e exemplo quanto ao

aspecto do trabalho.

Eu sempre dei prioridade para o estudo. O dinheiro da pensão do meu pai não

gastava com passeio, eu gastei com escola. (Maria das Graças)

Meu pai não foi uma pessoa de muitas posses (...), mas conseguiu nos fazer estudar.

(Mario)

Estar fora, trabalhando o dia inteiro, me doía muito, mas tinha aquele objetivo: vou

ter que batalhar pra ter o cantinho com meu filho. (Nina)

Nossa família era muito unida, ia todo mundo pra obra. (...) Foi uma infância pobre.

Eu não gostava de ambiente de obra; é pesado, duro, nossa! (Rui)

Tinha necessidade de eu ir trabalhar (...). Quando moleque, vendia papelão, fui

pipoqueiro, fiz tanta coisa! (...) tem que trabalhar honestamente. (...) (Fúlvio)

Comecei a trabalhar desde os 12 anos com meu pai, minha mãe me obrigou

[risos](...) Fiquei revoltado. Fui crescendo e fiquei por lá mesmo. (Nilson)

Saí da casa de minha mãe com 14 anos pra trabalhar numa casa de família... A gente

nunca pode seguir aquele caminho esquerdo (...). Prefiro sofrer na casa de patrão do

que ganhar muito e ser jogada como se fosse um lixo! (Luísa)

Com 19 anos, eu, sozinho, inovei os negócios de meu pai. Ele falou se precisar vai,

mas ele não ia; fui sozinho, sempre trabalhei. Tive muitas decepções de trabalho, mas

muitas alegrias... (Carlos)

No começo minha mãe não trabalhava, mas depois ela quis trabalhar porque gostava

muito. (Mariane)

Minha mãe era professora e sempre custeou tudo (...) difícil, mas foi ali de fato que a

gente conseguiu perceber o quanto nós éramos unidos. (Sueli)

Meu pai trabalhava durante o final de semana, mas a qualidade de tempo dele com os

filhos sempre foi muito boa. (Marlene)

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Ressaltam-se, nos depoimentos, situações de trabalho opressoras quanto ao período

laboral, pois ele diminui o tempo de estar com a família. Além disso, alguns depoimentos

expressam a violência contra a criança/o adolescente, devido à obrigação de trabalhar

sozinho, ou em companhia da família. Observa-se que os usuários não apontam críticas, mas

estas se revelam timidamente quando expressam sobre o sofrimento ao passar por tais

situações.

Os usuários mostram-se resilientes neste aspecto, pois, apesar de alguns deixarem

transparecer que passaram por determinado sofrimento, o suplantam na superação. A ideia de

trabalho perseguida pelos sujeitos é de que este possa ser não apenas uma produção destinada

a conseguir bens materiais e serviços, mas “[...] uma atividade práxica que transforma e

produz” (MORIN, 2003, p. 202), uma transformação não somente do objeto de seu trabalho,

mas de seu próprio ser e de sua família no desenvolvimento de sua sociabilidade.

A escolarização é percebida pelos usuários como uma atividade de formação no

processo de sua autoconstrução humana e na formação de uma moral e de uma capacidade

ética na convivência social. A escolarização auxilia os usuários a realizarem seu projeto de

vida, a se auto-reconhecerem como sujeitos capazes de produzirem e de serem úteis, ainda

que o resultado dessa produção e as relações estabelecidas no trabalho não tenham sido

democratizados.

Os sujeitos pesquisados colocam na fratria (conjunto dos irmãos) uma convivência

fundamental para suas vidas, percebem as semelhanças e diferenças entre eles, apontam para

uma sensação de pertencimento que os beneficiam e que os fazem sentir-se beneficiados por

sua existência. O irmão funciona como um parâmetro, ora para ser diferente, ora para ser um

modelo a seguir. O irmão considerado é aquele com quem se conviveu, desenvolvendo laços

de fraternidade. Quanto àqueles irmãos apenas consanguíneos, são considerados figuras

distantes e cuja lembrança, em alguns casos, revela rivalidade. O compartilhamento e a

potencialização foram a tônica dos sujeitos, mesmo quando há diferença de idade,

mobilizando sentimentos de ternura e proteção, fazendo, inclusive, uma complementação do

papel/função da mãe.

Cursei Direito e Filosofia e ele estudou só até o Ensino Fundamental. (...) Nós nos

damos bem, apesar da gente ser bastante diferente. (Rui)

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Tenho três irmãs: uma tem loja, outra é advogada e a outra é do lar. (...) Sou meio o

“ovelha”. (Fúlvio)

Minha irmã sofreu, mas não demonstrava. Quem mais demonstrava era meu irmão...

Fui reprovado dois anos (...). Hoje, faço doutorado na USP... (Orlando)

Minha mãe entrou na justiça e meu pai levou cinco certidões de nascimento, alegando

que não tinha condições de pagar a pensão pra mim. (Luísa)

Não tive contato com os irmãos do primeiro casamento de meu pai, só do segundo.

(...) Esses meus irmãos nunca quiseram aproximação (...). (Flávio)

Dei um apartamento pra ele morar (...), ajudei ele a se reerguer (...). Estou sempre na

casa de minha irmã, é o ponto de encontro. (Maria das Graças)

Sempre cuidei da minha irmã, (...) sou meio mãezona dela. Minha irmã é casada, e

quando ela passa mal sou eu que a levo ao médico. (Mariane)

Tinha um irmão que morreu aos 22 anos. Era meu companheiro. Acidente. Ele era

dois anos mais velho. (...) Éramos cinco, casa tumultuada, grande. (Carlos)

Só tenho um irmão, a gente se fala sempre. (Mario)

Eu e minha irmã mantivemos sempre um laço de família bom. (Marlene)

Amo meus irmãos! Uma coisa que às vezes é desgraça aos nossos olhos quando é

criança, a separação dos pais, mas foi isso que nos fortificou enquanto irmãos (...).

Um ajudou ao outro (...). A gente teve que lutar e batalhar, criar essa “mafiazinha”

boa dos filhos [risos]. (Sueli)

A existência da convivência entre irmãos, para alguns, auxiliou-os a instaurarem apoio

no cotidiano - uma solidariedade que regulou tensões e sofrimentos, permitiu vivenciar os

benefícios de experiências de compartilhamento, de democracia e de instâncias intermediárias

de poder no campo dos encontros e embates entre semelhantes. A existência de um laço

familiar mostrou-se, com o tempo, importante na superação das dificuldades familiares. Kehl

(2000) diz que se observa uma tendência de surgimento de novas formas de aliança entre os

irmãos e que, talvez, seja possível pensar em uma função fraterna como complementar à

função paterna. Acrescentamos, também, a função materna. Nas famílias que passam por

crises e/ou separações e se reconstituem, os irmãos representam referências importantes, uma

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vez que não mudam. Em situação de separação e reconstituição familiar, as relações fraternas

passam a ser mais estáveis do que o subsistema parental (os pais), surgindo mais espaço para

os afetos potencializantes entre os irmãos do que para a rivalidade.

Outro aspecto observado quanto aos sujeitos pesquisados e suas famílias de origem foi

a diferenciação. Esta se relacionou na importância que os referidos sujeitos deram para a

separação de seus pais - situação familiar que ocorreu com a maioria deles.

Alguns relataram que passaram por dificuldades em suas histórias de vida e, por isso,

preocupavam-se em não repeti-las, muitas vezes vivenciando o casamento como uma forma

de reparar situações perturbadoras na infância. Entretanto, ao final, os conflitos das relações

familiares do passado foram revividos na relação conjugal presente. As vivências das

dificuldades nas separações dos próprios pais deixou para eles a sensação de abandono e, até a

atualidade, uma falta de compreensão e aceitação do vivido. Outros relataram que a separação

dos pais ocorreu de forma tranquila, ou que a separação do pai/mãe para com o sujeito,

mesmo tendo sido de forma brusca, por meio da morte de um dos pares, parece ter sido bem

enfrentada e dado à família força para enfrentar as suas próprias separações no futuro. Assim,

a separação, que seria, inicialmente, um evento destrutivo, converteu-se para potencializar

uma força construtiva.

Meu pai sempre ameaçou se separar da minha mãe e eu ficava desesperado! Então

isso influenciou. Eu não queria jamais ter um filho e me separar. (Rui)

Agonia, tristeza, revolta... Você está dormindo e escuta seus pais brigando (...).

Idealizei pra minha vida: não quero passar por isso! (Orlando)

Meu pai foi embora e não falava com a minha mãe. Depois, ficaram amigos. A gente

se reunia na casa da minha tia, ele vinha e me via, era isso só. (Luísa)

Não entendi o porquê de ele ter largado a gente de uma forma tão triste. (...) Nunca

questionei minha mãe (...). Ficou essa lacuna...(Sueli)

[meus pais] se separaram, eu tinha oito anos. Nunca tiveram brigas que a gente

presenciasse. (Mariane)

Meu pai não abandonou os filhos. Nós, mais velhos, não sentimos muito a separação

de meus pais. A minha irmã pequena sentiu um pouco. (Nilson)

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Minha mãe estava me levando pra escola e sofremos um acidente, ela morreu. Aos 17

anos, fiquei órfã. Meu pai teve um infarto. (Maria das Graças)

Em relação aos sujeitos pesquisados que não passaram por separação conjugal dos

seus pais, alguns apontaram para a aproximação e o retorno à sua família de origem quando

se encontraram na situação de terem filhos. Observaram que, com tal aproximação, haveria

favorecimento na criação dos filhos. Contudo, não demonstraram atentar para o fato de que,

com a aproximação dos seus próprios pais, poderia ocorrer uma substituição do pai da criança

e, consequentemente, surgir uma tensão relacional, aquecendo os ânimos do litígio.

Hoje, moramos próximo por minha filha ser pequena e eu poder trabalhar, sabendo

que eles estariam pertos. Foi boa essa volta, muito diferente. (Marlene)

Primeiro, conto com os meus pais; eles tão sempre prontos pra me ajudar (...) Às

vezes, penso em pedir pro pai [da criança], mas se eu posso contar com meus pais, eu

conto, entendeu? (Nina)

A diferenciação da família de origem é uma função fundamental adquirida pelo sujeito

para o desenvolvimento da sua identidade, composta por dois elementos: pertencimento e

individuação. O laboratório em que estes dois “[...] ingredientes são misturados e

administrados é a família, a matriz da identidade”. (MINUCHIN, 1990, p. 53).

Quando um sujeito sente confirmado o seu pertencimento à sua família, pode

desenvolver-se mais satisfatoriamente e criar a sua própria família sem modelos rígidos a

negar ou a seguir. Para poder separar-se e conseguir criar um novo sistema familiar,

assumindo funções diferentes, o indivíduo deve tornar-se, cada vez menos, essencial para o

funcionamento da sua família de origem. Esta passagem do estágio de fusão para a

diferenciação é influenciado pelo conjunto de interações vivenciadas no sistema de referência

familiar, especialmente entre os pais e o sujeito/criança. Uma relação diádica, como

mãe/filho, pai/filho, ou seja, sem um terceiro na relação, não promove o processo de

diferenciação. Para diferenciar-se, cada sujeito deve delimitar e acrescentar, nas trocas com o

exterior, um espaço pessoal e social, definindo a sua identidade, autorizando a si próprio e

sendo autorizada pelos pais a construção da sua maneira de ser. (MIERMONT, 1994).

Esta construção poderá solidificar-se se o sujeito conseguir, sem perder o sentimento

de continuidade, experimentar novas modalidades relacionais que lhe permitam variar as

funções que assume nos subsistemas – pai/mãe, marido/mulher, filho(a), neto(a) – e às quais

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pertence. A capacidade de deslocar-se de um lugar para outro, de participar, de separar-se,

isto é, a capacidade de pertencer a diversos subsistemas permite-lhe assumir funções

diferentes e trocar de tarefas, expressando, assim, aspectos diferentes de si mesmo. Essa

possibilidade facilita com que a família passe por fases de crises, e/ou de desorganização,

como processos para o seu desenvolvimento. (MIERMONT, 1994).

Destarte, considerando os diferentes graus de diferenciação, os casais que conseguem

ter uma separação pacífica e, além disso, dar amor aos seus filhos, mesmo em momentos de

crise, auxiliam os seus filhos a se diferenciarem e a viverem a sua função de filho. Por outro

lado, os pais que não conseguem delimitar a crise conjugal no próprio casal, extrapolam para

os filhos uma crise que não lhes pertence, fazendo com que estes permaneçam atrelados,

rigidamente, a esses modelos até a vida adulta. Como um terceiro quadro nessa situação de

conflito, encontram-se aqueles pais que gostariam de separar-se, mas não o fazem. Com isso,

podem vincular seus filhos até a vida adulta como guardiães daquele casamento. Ainda que se

casem novamente, retornam e/ou permanecem emocionalmente, de maneira rígida, na família

de origem.

A partir destas reflexões em torno dos desdobramentos relativos ao entendimento do

significado de família, procuramos compreender o significado de mãe e pai para os

sujeitos por meio do que eles pensam sobre ser mãe/pai, como percebem seus próprios pais e

como se veem como mãe/pai. Ao começar a reflexão sobre o significado de ser mãe/pai, a

questão de gênero passou a ter forte influência nas definições dos sujeitos. Observamos que

houve influência de gênero nas percepções apresentadas; por isso, optamos por dividir os

depoimentos dos sujeitos quanto ao gênero feminino e masculino.

Pensar no significado de “ser mãe” trouxe às pesquisadas muita emoção. Para elas,

ser mãe vem imbuído da necessidade de ter responsabilidade, ensinar, ajudar na construção de

outra pessoa e, como consequência, de um mundo com valores éticos, sendo todas estas

percepções atreladas ao afeto do amor.

Ensinar os valores (chorando...), dar muita alegria, preparar o filho pra uma vida

mais digna e humana. Dar exemplo; tenho que me melhorar pra ensinar. É isso (...), é

dar muito amor para o filho. (Nina)

Cuidar, ensinar. (Maria das Graças)

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Ter compromisso de construir e deixar um mundo melhor. Encaminhar, proteger e

ensinar como lidar com as situações (...). (Mariane)

Definição de mãe: protetora, defensiva, observadora, ditadora, às vezes [risos].

(Sueli)

(...) traz um peso muito grande, responsabilidade muito forte e positiva de que agora

você não tá mais só (...). Ser mãe é isso, conciliar o carinho e amor, mas

responsabilidade muito grande. (Marlene)

A emoção de pensar em ser mãe trouxe, principalmente para duas pesquisadas, um

estado emocional fortemente ligado ao sentimento de incompetência. Nina, chorando,

expressou-se da seguinte forma: Não sou boa o bastante... Luísa, que deixou a guarda de seus

filhos com o pai, interrompeu a sua fala várias vezes, chorando, devido ao sofrimento de não

poder estar próxima, diariamente, dos filhos. Seu discurso deixa transparecer como o

preconceito está arraigado na sociedade e como os meios de comunicação ajudam a perpetuá-

lo, pois indicam, constatemente, que os cuidados diários deverão ser sempre maternos - como

se, quando a família opta pela guarda paterna, representasse o abandono materno.

Mãe é estar ali com o filho na hora que ele mais precisa, só que eu não estou podendo

fazer isso (...). Vejo na televisão as mães falando e eu não tenho aquela coisa. Sinto

falta dos meus filhos... Dizem que não sou mãe. Mãe pega o filho, leva junto. Ninguém

quer saber a minha situação. Posso passar fome, frio, mas meus filhos não! Não

abandonei meus filhos, abandonei a casa!

Luísa relata como foi rechaçada por familiares por causa dessa situação.

Minha tia discutiu com minha mãe (...). Eles começaram a me xingar, falar que eu não

era mãe, que tinha abandonado meus filhos e como minha mãe podia acobertar uma

coisa dessas! (...) Minhas primas diziam: “a Luísa tem que ir embora, ela não

pertence mais a nossa família (...).” Eu estava sendo julgada (...). Minha mãe me

defendeu: “não achei certo que ela deixou os meninos com o Flávio, mas hoje entendo

porque ela fez isso. Vocês não tem que julgar, tem que ver o que a pessoa está

passando pra depois falarem.” Até hoje, eles não olham na minha cara!

Os homens expressaram que ser mãe é estar junto, dar carinho, mas, sobretudo,

conversar e apontar um caminho para o filho. Fazem do fato biológico da mãe gerar o filho

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em seu ventre uma ligação transcendente. Consideram que este fato natural acaba por

perpetuar uma ligação ainda maior, porque os filhos continuam próximos dela,

obrigatoriamente, por um grande período na infância. Aliado a este aspecto “natural”, vem um

aspecto cultural intenso de um espaço que as mães, na contemporaneidade, não ocupam - mas

deveriam ocupá-lo -, seja porque elas, particularmente, não conseguem, ou porque as

condições ensejam uma nova mãe-mulher. Quando o pai assume os cuidados diários, não se

encaixa no estereótipo cultural pré-concebido, e a sociedade em geral percebe, nos cuidados

dispendidos por ele aos seus filhos, cuidados maternos e não paternos. A tônica da

compreensão de ser mãe para os entrevistados foram sentimentos voltados para o invólucro do

ser, o aconchego e, sobretudo, o amor.

Educar e estar junto, gerir tanto a questão material quanto a psicológica, afetiva

principalmente. Saber direcionar, mostrar os caminhos... (Rui)

Não é só fazer comida. Tem que ajudar, apoiar em tudo, conversar. (Fúlvio)

É aquela pessoa que se dedica, dá carinho, atenção, cuida das coisas da criança e

focaliza pra ela seguir o caminho dela (...). (Nilson)

Um carinho, se abrir... Com a mãe você fala: “mãe, tô mal, me ajuda, o que você

acha disso?” (...) Mãe é dar amor. (Carlos)

Uma relação carnal, mais afetiva, pele... Antes de nascer, já estamos dentro do corpo

dela. É uma ligação muito forte.(...) Acho que é carinho, amor. (Mario)

A mãe tem uma ligação muito mais forte, porque o bebê sai dela. Depois, ela continua

fisicamente sempre próxima. (...) Mãe é o amor, acima de tudo. (Rui)

As mães não criam mais os filhos. Eles ficam no colégio, babá, creche, mas não é por

culpa delas; o mundo mudou. Um mundo louco para as mulheres, porque se só um

homem for cuidar [prover] de uma casa, não aguenta. (...). (Nilson)

Ser mãe é descobrir todo dia. Estou há quatro anos e até hoje não sei como ser mãe.

Mãe é tolerante e o pai não. Tem coisa que eu não entendo. Eles aprontam, eu perco a

linha e berro com eles, mas não bato. Sei que tenho que tolerar, mas sou homem;

quem tolera as coisas, passa a mão na cabeça, tem que ser a mãe... O pai é mais linha

dura; ele acha que as crianças tem que ser perfeitinha! Estamos aprendendo como ser

mãe a cada dia. (Flávio)

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A percepção das mulheres quanto às suas mães veio carregada de lembranças ligadas

ao sistema de tristeza, ao mesmo tempo permeada de compreensão pelas dificuldades que elas

passaram na vida por circunstâncias alheias à sua vontade. As mulheres entrevistadas

deixaram transparecer que as crises e os desentendimentos com as suas respectivas mães já

haviam sido superados porque, agora, elas também eram mães. Por outro lado, apesar de

terem deixado evidente que o reconhecimento, a gratidão e a superação haviam sido

conseguidos por meio do esforço e da dedicação das mães, ainda assim havia um tom de

crítica.

Era depressiva, teve um derrame, perdeu um pouco a memória, esquecia coisas

corriqueiras. (Maria das Graças)

É liberal, trabalhou muito, nunca foi aquela que via a lição de casa... Vivo momentos

difíceis porque ela é bipolar leve. Fico meio que de olho em tudo; se ela está tomando

os remédios... Às vezes me desgasta, fico cansada. (Mariane)

Ela falava: “um dia você vai me dar mais valor.” Depois da minha separação a

gente ficou mais amiga. São as fases da vida da gente. (Luísa)

Minha mãe queria que o casamento tivesse dado certo, mas não deu, fazer o que?

Mesmo assim, ela me dá muito apoio. (Nina)

Nós [irmãos e mãe] ficamos sozinhos. Foi duro, foi difícil, mas era uma vida boa

porque não nos faltava nada, principalmente porque sentíamos o poder do afeto da

nossa mãe, do aconchego, da proteção. (Sueli)

Minha mãe não teve essa parte que a gente tem hoje da responsabilidade material.

Foi uma mãe “mãe”, cuidadora da educação. (Marlene)

Os homens pesquisados trouxeram lembranças de suas mães ligadas ao sistema da

alegria, propulsores de seu crescimento profissional e pessoal, quase um modelo de

abnegação pessoal por se dedicarem à casa e à família. Apenas um dos pesquisados, Carlos,

deixou transparecer uma crítica, mas, ainda assim, imediatamente justificada.

Foi fundamental. Ela me incentivava a estudar, ia a todas as reuniões da escola,

olhava as notas, elogiava, falava com as amigas... Minha mãe tinha muito orgulho!

Isso me deixava super feliz, querendo estudar mais! (Rui)

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Sempre nos incentivava a ficar próximo de nosso pai. Nunca nos colocou contra,

independente de qualquer situação. (Orlando)

Estudou até a quarta série, não teve profissão. Fazia tudo em casa; meu pai deixou a

responsabilidade do lar pra ela. (Nilson)

Boa, carinhosa (...). Daquelas mulheres que apanhavam e não queria separação;

ficava do lado do marido e dos filhos. Faleceu devido a um acidente de trabalho,

queimaduras. Ficou três meses internada e veio a falecer. (Flávio)

Está com 78 anos. O corpinho cansado... Ansiosa... Se o bolinho estoura na hora de

fritar, já é um estresse. Ela é muito dedicada, até hoje... (Mario)

Minha mãe sempre foi muito rígida e tal. Muito careta! [risos] Tem 25 anos de

diferença entre nós! Mas ela acompanhava muito meu pai. (Carlos)

As mulheres pesquisadas trazem em seu ideário de “ser pai” certa leveza, como

aquele que brinca, compreensivo, amoroso, mas esperam deles também firmeza e segurança

na educação dos filhos. Chamou-nos atenção o depoimento de Luísa, pois não teve seu pai

presente e utilizou o pai de seus filhos como exemplo e aprendizado de “ser pai”.

Ser pai é brincar e dar bons exemplos. (Nina)

Pai é ser presente e saber dizer não, educar. Dá um pouco mais de liberdade pra vida.

(Maria das Graças)

O pai tem que dar o suporte, segurança, proteção (Mariane)

Deveria passar valores, legal, compreensivo, atuante, companheiro, persistir no

respeito à família (...). O profissional é importante, mas o coração deve pesar. (Sueli)

[O pai da minha filha] É mais parecido com o pai que tive do que eu percebo de um

novo pai que surge. Essa postura de “hoje vamos fazer isso porque vamos.”

(Marlene)

Pai é o que o Flávio é. Ele dedica e dá a vida dele pelos filhos (...), tá ali pra todo

momento. Quando a Silvana nasceu, ele pegava latinha na praia pra comprar as

fraldas e o leite dela. Ele sim! (Luísa)

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Para os homens, a responsabilidade é o que mais aparece quando eles se referiram a

“ser pai”. Ela é material, mas também está presente nos aspectos subjetivos de compartilhar a

educação dos filhos. Essa responsabilidade vem acompanhada de ser uma pessoa melhor, na

medida em que os pais se sentem exemplos para os eus filhos - como se ter filhos os fizessem

ter um compromisso ético com o mundo, pois o que ensinam aos filhos é o que vai

permanecer deles. Para esses pais, a responsabilidade vem revestida do sentimento de amor,

que inclui colocar limites, exigir dos filhos um retorno dos valores que ensinam, e que

consideramos uma atitude difícil de tomar, visto que os pais litigam para passar mais tempo

com os seus filhos. O depoimento de Flávio chamou a nossa atenção por diferenciar-se dos

outros, pois mencionou cansaço no exercício da paternagem65. Vale observar que ele é o único

que detinha a guarda dos filhos.

Uma grande responsabilidade, comprometimento com outra pessoa que você assume

até o fim da vida. Você vai ser modelo... O pai tem que educar, pensar na questão

material, dos estudos, participar de tudo da vida do filho. (Rui)

Ser pai é tudo; estar com eles, conversando, participando, ver o progresso deles,

saber que alguma coisa você plantou vai permanecer. Você é uma referência para a

formação de outra pessoa. (Mario)

É dar atenção pros filhos, tentar ao máximo educar. Ter amor. Não é só dar dinheiro;

tem que compartilhar, dar atenção, estar nos momentos certos, brigar... conversar,

ensinar... (Fúlvio)

O amor, companheirismo e tudo; mas sou o pai, não sou o amigo, porque se não tiver

alguém pra ficar: “e aí, como é que foi?”, não vai ter ninguém. Você tem que ter uma

conduta digna, um espelho pra todos eles. (Carlos)

Pai é tudo, principalmente a responsabilidade, formação do caráter da criança (...),

companheirismo, participação. Sempre presente. Não só amigo, porque o limite é um

pouco difícil em relação a casal separado. (Nilson)

Ser pai é amor, preocupação, cuidado, (...) mas é puxado, difícil, cansativo. (Flávio)

A visão que as mulheres trouxeram de seus próprios pais vieram carregadas

de alegria e lembranças positivas em relação a eles. As que não trouxeram alegria, 65 Concordando com Winnicot (1993), compreendemos paternagem/maternagem como o conjunto de cuidados oferecidos às crianças/adolescentes que lhes promovem o bem estar necessário ao seu desenvolvimento.

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manifestaram tristeza por não ter tido a oportunidade dessa convivência, bem como vontade

de que ela pudesse ter havido. Este sentimento não veio recheado com críticas negativas pelo

abandono, mas com a imaginação de que aquela convivência talvez pudesse ter sido algo

bom, como se houvesse uma flutuação de tristeza e ânimo nessa ligação afetiva. Mariane foi a

única entrevistada que manifestou crítica a respeito da convivência com seu pai, mas, ainda

assim, justificada pela época em que ele viveu.

Quando não deu certo e eu voltei, meu pai, principalmente, me recebeu de portas

abertas. Disse: “seja bem vinda de novo aqui em casa.” (...) (Nina)

Acordava-me pra ir à escola, preparava o café, deixava tudo impecável. (Maria das

Graças)

Curtia meu pai. A gente dormia cedo, mas ele fazia aqueles tostex, bolo, comíamos

com sorvete e ficávamos assistindo filme... Lembranças boas! (Mariane)

Meu pai sempre gostou mais dos meus irmãos que de mim. Ele se separou e nos

deixou passando fome. Quando descobriu que estava ruim dos rins, falei: “pode tirar

um dos meus rins e dar pra ele.”Só que não deu tempo, ele faleceu. (Luísa)

Meu pai fez uma única visita e foi embora. Ficou um buraco muito grande. Queria ter

conhecido meu pai, seus valores, o que gostava, que tivesse ido às minhas festas, aos

meus aniversários... (Sueli)

Tive um pai muito responsável, mas naquela visão do pai antigo de “eu apito aqui e

pronto”, sem perceber que a decisão muda na vida dos filhos (...) (Marlene)

As lembranças de alguns pais a respeito de seus próprios pais vieram

acompanhadas de sentimentos ligados à tristeza, seja pelo pai ter afetado a si mesmo,

indevidamente, a outrem/à mãe, ou por ter afetado a ele/ao filho. A tristeza também vem com

ares de arrependimento por não ter compreendido o pai no contexto de sua época. Para dois

pais, no entanto, os sentimentos demonstrados foram de gratidão pela abnegação devotada na

criação dos filhos.

Tinha traumas e ressentimentos dos pais dele. Acabou passando tudo isso pra nossa

família. Bebia, agredia minha mãe (...). Quando ela faleceu, continuei com meu pai

nesses trancos e barrancos... (Flávio)

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Ele bebia pinga. Teve um problema de saúde e parou de beber. Meu pai já foi um

leão, era o cara! Fazia, acontecia, forte, trabalhava na obra e... Puxa! Hoje, ele é um

leão sem dentes! [risos]. (Rui)

É um cara que se você não ligar, ele não vai te ligar! É o filho que tem que ligar. Isso

é uma coisa ridícula! (Orlando)

Só falava assim: “Fúlvio, trabalha, trabalha, trabalha”, e eu trabalhei desde cedo.

Meu pai sempre na rua, trabalhando... (Fúlvio)

Acho que eu tinha uma agressividade com meu pai. Nós tínhamos uma diferença de 35

anos. Meu pai veio de outra época... (Carlos)

Meu pai era muito culto, mas estudou só até o segundo ano de engenharia, porque o

pai dele morreu. Então, ele não pôde continuar, mas deu condições a mim e ao meu

irmão. (Mario)

Nunca brigava; no máximo, ele vinha dar uma bronca. Até morrer, ele sustentou a

casa; passava, às vezes, necessidades (...). Alimentação perfeita, tudo que precisasse!

(Nilson)

As mulheres emitiram críticas quando expressaram a percepção sobre elas mesmas

enquanto mães. Demonstraram um grande teor de cobrança e exigências. Apesar de, por um

lado, mencionarem que se consideravam como boas mães, por outro deixaram transparecer

que não se sentiam boas o suficiente como mães.

Queria estar mais presente, preparar o almoço, dar comidinha, estar o dia inteiro em

casa para ser mãe 24 horas, [choro] entendeu? (Nina)

Não sou muito um exemplo de mãe porque sou muito preocupada. (...) (Maria das

Graças)

Converso muito. Nunca dei uma chinelada, até me criticam (...). Só com a maturidade,

vou conseguir por mais limites, porque sou meio mole... (Mariane)

Quando vou ver meus filhos, tenho que ter tempo e dinheiro pra gastar, porque

criança é assim, não quer sair e ficar socada dentro de casa. (Luísa)

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Não sou tão inteligente (...). Gostaria que meus filhos conseguissem captar o que

estou dizendo de outra forma, mas confesso que não consigo [risos]. (Sueli)

Os homens, ao contrário das mulheres, não manifestaram críticas a si mesmos

enquanto pais. Consideravam-se bons pais. Esforçavam-se para desempenharem papéis e

funções de acompanhar os filhos em suas atividades no cotidiano. Alguns pais avaliaram-se

como participantes; outros, como pais que gostariam de participar mais; e ainda outros,

ressentidos por sentirem que desempenhavam, apenas, a função de provedor, aceitando essa

situação como inexorável. Um dos pais entende que, como guardião, exerce os papéis de mãe

e de pai.

Fui ao curso quando ela estava grávida. Fiquei com ela no parto pra dar segurança...

Foi a primeira vez que peguei um bebê. (Rui)

A gente sente que é um bom pai quando o filho quer estar com a gente (...). Ela me

cobra, mas é muito difícil, porque não passo dois dias sem vê-la! (Nilson)

Vai começar a cola comigo pra fazer o catecismo (...) “Não vai esquecer as

camisinhas!” brinco. Fico cobrando as coisas... (...) Tinha que ficar mandando

dinheiro. Pera aí, não sou caixa eletrônico, né? (...) (Fúlvio)

Eu apresento “um pai”, “um homem” (...). Um dia, ela vai se casar com um homem,

eu espero; então, não vai estranhar (...) O homem é diferente de mulher. (...) A mãe

dela ficaria muito satisfeita se eu fosse apenas o provedor. (Mario)

Pago tudo certinho, faço o que posso, não é obrigação somente, é com amor. Eles

ligam eventualmente pra pedir alguma coisa. (Orlando)

Tenho uma filha que mal me vê. Só pega o dinheiro, só pega a pensão (...). Sinto-me

um “pai caixa”! (Carlos)

Tenho dupla jornada (...) Ser pai e mãe não é fácil. (Flávio)

As percepções das mulheres e dos homens guardam singularidades na concepção de

mãe e pai. Consideramos relevante compreendermos esta percepção, pois os sujeitos

pesquisados litigam para exercerem a contento a função e/ou papel66 na vida dos seus filhos.

66 “O conceito de papel oferece inúmeras possibilidades de investigação sobre a relação indivíduo e sociedade, junto às disciplinas que tratam dos fenômenos pessoais e coletivos,

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Inicialmente, observamos que os depoimentos revelaram que, quando os sujeitos se

referem ao genitor do mesmo sexo, suas críticas são mais severas, deixando para o genitor do

sexo oposto as lembranças pertinentes aos afetos derivados da alegria. As mulheres foram

muito exigentes quanto às mães, demonstrado isto tanto quando falaram das suas próprias

mães quanto de si mesmas, enquanto mães. Já os homens, exigiram mais dos seus próprios

pais e menos de si. Inferimos que, ao se identificarem com o genitor do mesmo sexo, possam

ter surgido sentimentos de rivalidade, como se pudessem fazer melhor do que suas respectivas

mães ou seus respectivos pais. Por outro lado, as mulheres continuaram exigentes enquanto

mães, desenvolvendo, de certa forma, um padrão de exigência.

As mulheres demonstraram muita emoção quando se manifestaram sobre a percepção

de ser mãe. Algumas choraram, pois a tônica foi de exigência quanto a elas mesmas no papel

de mãe. Por outro lado, os homens, ao abordarem a concepção de ser mãe, falaram de um ser

muito especial, abnegado e, de certa forma, transcendente. Quando as mulheres falaram sobre

as suas próprias mães, trouxeram lembranças amorosas, mas de fatos tristes em relação a elas,

tais como de doenças, transtornos, ensinamentos e fases difíceis da vida familiar. Os homens,

diferentemente, enfatizaram os aspectos positivos de admiração. Analisamos que tanto a

concepção das mulheres quanto a dos homens de ser mãe encontram-se quando apresentam,

embora de maneira diferente, um jeito de ser mãe próximo a um estereótipo, um ideal quase

impossível de ser alcançado. Ambos - pai e mãe -, aqui pesquisados, carregam expectativas no

exercício da maternidade/maternagem de muita exigência, isto demonstrado quando falam

sobre a sua concepção de mãe, sobre suas mães, assim como do próprio exercício na função

materna.

As mulheres, quando manifestaram o que entendiam por ser pai, demonstraram uma

expectativa muito positiva, relacionando a figura paterna à presença, ao companheirismo, ao

respeito, à educação, à doação, à proteção, à segurança... Já os homens, trouxeram os mesmos

tais como a psicologia, a sociologia, a antropologia e a filosofia.[...] Para muitos autores, as teorias de papel são consideradas o ponto de ligação entre elas. [...] Considerando-se diversos enfoques das Ciências Sociais e de autores que tratam do tema em questão, verificamos que o papel social pode ser identificado não apenas com as normas, mas igualmente com o status, em seu aspecto dinâmico, definindo-se como um padrão determinado de comportamento que reflete e caracteriza uma posição especial do indivíduo dentro do grupo social a que pertence. A organização articulada de papéis confere unidade ao grupo, faculta ao indivíduo atingir seus objetivos como pessoa e como integrante de uma coletividade. O processo de assunção ou incorporação de um papel é extremamente complexo. Caracteriza a socialização do indivíduo através do esforço de ajustamento da personalidade ao duplo estímulo de expectativas de ações, induzidas por outrem ou reelaboradas por ele próprio.” (RUBINI, 1995, p. 1).

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aspectos apontados pelas mulheres, mas acrescidos de preocupações quanto ao suporte

material, à colocação de limites aos filhos e, sobretudo, às responsabilidades. Quando as

mulheres falaram dos seus pais, remeteram-se à ideia de uma pessoa acolhedora, e aquelas

que não tiveram convivência com os seus pais, apresentaram esse tipo de pai em seu

imaginário. Até uma das pesquisadas, que se lembrou do pai com a característica mais forte,

de responsabilidade, o fez com a crítica de que não é esse o pai da contemporaneidade - ou

seja, para ela, a característica mais forte deveria ser o acolhimento. Já os homens, quando

falaram sobre os seus pais, muitos mencionaram aspectos desagradáveis da convivência,

como alcoolismo, agressões, incompreensões, enquanto outros se lembraram de aspectos

agradáveis, mas, ainda assim, falaram sobre a responsabilidade dos pais, e não de momentos

prazerosos, como o fizeram as mulheres.

Observamos que existe uma congruência entre os sentimentos que as mulheres

apresentaram quando falaram do que concebiam como pai e do seu próprio pai, isto é, o pai

desejante é o cuidador. Verificamos que existe, nos sujeitos pesquisados, uma diferença na

expectativa quanto a ser pai. As mulheres esperam, talvez, que os pais dos seus filhos sejam

mais amáveis, demonstrem mais seus afetos e, embora os homens incluam, também, as

mesmas características em sua concepção de pai, estas não são os atributos mais importantes,

pois os preponderantes são a provisão material e a responsabilidade. Aliado a esta diferença

de percepção entre os pesquisados e as pesquisadas, acrescentamos que estes sujeitos não

tiveram pais com as características cuidadoras. Assim, os pais não têm introjetado o tipo de

pai cuidador como exemplo em si, o que torna, para eles, um desafio exercê-lo e que poderia

ser uma razão para a baixa crítica em relação a eles mesmos ao desempenharem a sua função

como pais, uma vez que demonstraram que cuidam muito mais dos filhos do que receberam.

Nesta análise, talvez esteja um dos pontos que levam ao conflito: a diferença na percepção

do que é ser pai para a mulher e para o homem.

Analisamos que os pais tentam incorporar o modelo do pai contemporâneo que provê,

mas que também é cuidador. Todavia, esta não é uma tarefa fácil, pois, tradicionalmente, as

mulheres foram consideradas responsáveis pela manutenção dos relacionamentos familiares e

pelos cuidados em geral, enquanto os homens orientavam-se para a vida externa. A “[...]

separação, diferenciação e a autonomia foram consideradas fatores primários no

desenvolvimento masculino, os valores de cuidado e apego, relacionamento e atenção ao

contexto foram primários no desenvolvimento feminino”. (MCGOLDRICK, 1995, p. 32).

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Percebemos que quando esta geração de pais tem a possibilidade de prover os

cuidados diários dos filhos compartilhado com a mãe, muitas vezes exercem o papel de mãe, e

não o de pai. Espera-se, nos dias atuais, que os cuidados não sejam de ajuda à mãe, e sim o de

compartilhamento, e nos compartilhamentos existe o espaço inter, que sobrepõe ao outro, mas

sem sobrepor o outro. Este espaço em geral não é dado; é buscado. E para essa busca, é

necessário haver crítica e autocrítica. É imprescindível a visão do que é preciso manter no

relacionamento e rever as atitudes em relação a ele. Para isso, é necessário ter a clareza do

papel de cada um.

Apesar da participação da mulher no mercado de trabalho ter importância inegável,

tanto do ponto de vista da sustentabilidade familiar quanto do bem estar das mulheres, o valor

cultural que ainda permanece é que caberia a elas a maioria dos cuidados em relação aos

familiares e, principalmente, aos filhos. A consequência é a dupla exigência dessas mulheres

em relação a si mesmas, ao trabalho e aos relacionamentos familiares. Em decorrência, “[...]

sentem-se culpadas quando não continuam a fazer aquilo que cresceram julgando sua

obrigação”. (MCGOLDRICK, 1995, p. 31). Os afetos que permeiam os relacionamentos,

como a dúvida, a vergonha, a culpa, a inferioridade, entre outros, não significam fracasso; ao

contrário, podem ser qualidades para o desenvolvimento de um relacionamento realista, que

pode melhorar progressivamente. Esses afetos não deveriam servir para causar martírio às

mulheres, mas sim para que possam refletir criticamente, sobretudo a respeito dos tempos

atuais e da inclusão de um homem moderno, que surge e clama por participação nos cuidados

familiares e que, como as mulheres, também buscam seu novo espaço sociofamiliar. Para

ambos, assim como para os filhos, os tempos atuais exigem novas aprendizagens relacionais.

Lyra et al. (2003) trazem uma contribuição neste aspecto quando afirmam que o

cuidado é remetido ao universo feminino, pois desde a infância há um claro incentivo e

cobrança de que ele esteja presente somente na postura das meninas, enquanto que, para os

meninos, são reservados a competição e o espaço externo. Por isso, para alguns homens,

cuidar e demonstrar amor pode ser difícil; afinal, eles foram repreendidos quando assim se

expressaram. É passado culturalmente ao pai que ele é incapaz de exercer, de modo

competente, as tarefas com os filhos pequenos. Mesmo para aqueles que tentam, ainda fica

uma ideia de que nunca conseguirão ser tão bons quanto as mães, pois a sociedade sustenta o

senso comum de que as mulheres possuem um “instinto materno” a seu favor. Lyra et al.

ressaltam que compreender o cuidado implica uma leitura da categoria de gênero incluída em

um contexto de complexidade, que pode ser vislumbrada em três dimensões:

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[...] a dimensão cultural, quando nos referimos aos símbolos disponíveis nos diversos discursos de um povo, os quais trazem consigo representações carregadas de atribuições dicotômicas, afirmando as características e hierarquizando os valores em certas imagens masculinas e femininas; a dimensão social das instituições que regulam, (re)produzem e atualizam os significados desses símbolos, tais como famílias, religiões, seitas, escolas, universidades, instituições jurídicas e políticas, etc.; a dimensão da identidade subjetiva, das identidades de gênero atualizadas por homens e mulheres, de como ambos tomam para si os conteúdos das imagens simbólicas do discurso cultural e institucional. (LYRA et al., 2003, p. 86).

Observando-se as dimensões cultural, social e de identidade acima referidas,

compreendemos o litígio entre os pesquisados também como uma das expressões da questão

social. Esses homens sofrem as exigências sociofamiliares de comportamentos novos, no

sentido de se abrirem para exercerem um cuidado que, efetivamente, ainda não

empreenderam. Também as mulheres, esforçam-se em aceitar que os homens venham a

ocupar esse novo lugar sem, contudo, invadirem o espaço que também é delas, o espaço de

cuidar. O propósito consiste em que mulheres e homens possam aceitar essa nova

maternagem/paternagem sem que entrem em competição, devendo entendê-la como uma

missão colaborativa em que o homem e a mulher possam expressar, plenamente, seus afetos:

o homem, ampliando o seu potencial de pai; e a mulher, ampliando o seu espaço extramuros

do lar, deixando os filhos aos cuidados do pai, sem medo e/ou culpa quando realiza suas

obrigações e conquistas do mundo profissional. Afinal, tal atitude é necessária para que a

mulher também possa conseguir oferecer aos filhos um novo modelo de mãe: uma mãe que

seja menos heroína, mais real e menos angustiada.

Desta forma, ao tratarmos da contribuição das análises das relações afetivas

entre pais em litígio, no que concerne aos aspectos relativos às famílias de origem,

compreendemos que, ao realizarmos os atendimentos de mediação familiar, eles têm um lugar

especial. Entendemos que o mediador deva criar um espaço aos pais atendidos para que

reflitam sobre os papéis/funções de ser pai e de ser mãe, buscando, nas histórias da família de

origem, bem como no contexto social, elementos que venham consubstanciar as reflexões.

A partir de nossa análise, depreendemos que os sujeitos pesquisados podem estar

vivendo, ou ter vivido, o litígio a respeito da convivência com seus filhos como forma de

resgate dos seus próprios afetos e de aspectos da sua identidade. Suas expectativas quanto à

paternidade/maternidade estão refletidas na coexistência com seus pais, irmãos, e com o meio

social.

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Considerando que o litígio tem uma ligação direta com as experiências afetivas

familiares e sociais do sujeito, e não somente com a suposta falta, insuficiência, erros da outra

parte litigante, na terceira parte deste capítulo vamos tratar, especificamente, das relações

entre os pais em litígio, quando aprofundaremos mais o aspecto do conflito. A seguir,

abordaremos as relações afetivas dos pais com seus filhos.

2. Relações afetivas dos pais com seus filhos

Como pais, somos assim como que “requisitados” pela vida a exercer certas funções de natureza vital; em certa medida, todos

são pais “adotivos”, que deverão adotar não apenas nossas crianças, mas também o papel que temos que ter para com eles.

(BOVE, 2010, p. 61)

A relação dos pais com os filhos é a que expressa, de maneira mais visível, a

afetividade. Por isso, procuramos compreendê-la, observando, nos fragmentos dos discursos,

os três afetos que Spinoza considera como primários – alegria, tristeza e desejo – e, ao final,

deparamo-nos que os problemas dessa convivência para os protagonistas deste estudo é um

sofrimento ético-político. O litígio foi a ação encontrada para a tentativa de realização do

desejo de efetivação dos seus direitos e dos filhos.

A afetividade e as regras formais a respeito das relações familiares modificam-se,

pois fazem parte de todo o complexo da nossa sociedade. Morin (2007, p. 171) define a

família como uma “[...] organização bio-sócio-cultural [...]”, que “[...] liga o arcaico, o

histórico e o contemporâneo. Atravessa os séculos e as sociedades, tendo ainda futuro”. A

família contemporânea ganhou ares democráticos, e a continuação da posição subalternizada

da mulher e dos filhos em relação ao homem passou a não ter congruência. Com isso, a

questão do poder dentro da família foi, e vem sendo, alterada. Passou-se a esperar do homem

mais compreensão no trato com os outros membros, obrigando-o a repensar o modelo em que

foi socialmente construído, como já mencionamos anteriormente. Por vezes, o modelo

burguês e o contemporâneo sobrepõem-se, exigindo dos integrantes da família que tenham

características de ambos, recriando, assim, uma nova maneira de pensar e de agir que não é

referente ao primeiro ou ao segundo, mas sim algo novo no âmbito das relações afetivas

familiares.

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A legislação brasileira vem acompanhando essas mudanças, principalmente quando

promulgou a Lei nº 11.698, em 13/06/2008, que dispõe sobre a Guarda Compartilhada, e a Lei

nº 12.318, em 26/08/2010, que dispõe sobre a Alienação Parental. Essas mudanças também

puderam ser vistas quando, no país, o Código Civil e Estatuto da Criança e Adolescente

mudou a expressão “pátrio poder” para “poder familiar”. Além disso, foram promulgadas

algumas leis que causam menos comoção, mas que, de alguma forma, expressam essas

mudanças – como, por exemplo, a Lei nº 11.924, de 17/04/2009, que autoriza o(a) enteado(a)

a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta. (BRASIL, 2008, 2009, 2010).

Consideramos que a relação familiar entre pais e filhos é, senão a mais importante, a

mais visceral. A existência desta em uma família é que traz a perpetuação e os laços

emocionais incontestáveis em sua importância. Mesmo para pessoas que não têm filhos, a

relação familiar é uma questão de debate, quer seja por opção pessoal e social ou por razões

orgânicas. Ter filhos significa, também, ter uma continuação familiar e pessoal, pois “[...] o

nome de família funda a identidade pessoal” (MORIN, 2007, p. 172). Esta relação não

idealizada é permeada por afetos alegres, tristes e desejantes, que influenciam na variação da

intensidade da força vital do corpo e da mente dos seus protaganistas. A relação com os filhos

é fonte de alegria, mas também de tristeza. Não está nesta afirmação juízo de valor, se isso é

positivo ou negativo, mas a constatação do que ocorre nessa relação tão delicada. Chauí

(2011, p. 90), explicando Spinoza, diz que “Bom é tudo quanto aumente a força de nosso

conatus; mau, tudo quanto a diminua. Eis porque Espinosa afirma que algo não é desejado por

nós por ser bom, mas é bom porque o desejamos.” A autora diz, ainda, que

Alegria, tristeza e desejo combinam-se em múltiplas formas dando origem a inumeráveis afetos, ainda que cada um dos três afetos originários forme um sistema com sua lógica própria. Em outras palavras, num sistema de alegria, as paixões tristes serão incorporadas de tal maneira que as forçaremos a operar como se pudessem aumentar nossa força vital, e, ao contrário, num sistema de tristeza, as paixões alegres serão incorporadas de tal maneira que as forçaremos a operar como se devessem diminuir nossa força vital, ainda que imaginemos estar assim aumentando-a. Exatamente porque afetos alegres, tristes e desejantes se entrecruzam e entrelaçam de formas múltiplas e variadas. (CHAUÍ, 2011, p. 92).

Desta forma, procuramos compreender as relações afetivas dos sujeitos pesquisados

com seus filhos, observando, inicialmente, os três sistemas de afetos primários nessa relação,

considerando que os afetos podem não estar ligados ao seu sistema próprio, ou seja, um afeto,

aqui nomeado ou expressado como triste, pode servir para aumentar a potência daquele

sujeito; assim, não estará ligado ao sistema de tristeza, mas de alegria. Por outro lado, pode

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ocorrer o contrário, isto é, um afeto alegre pode estar essencialmente ligado ao sistema de

tristeza e, portanto, aumentar, momentaneamente, a potência de ação do sujeito, quando, na

verdade, a diminuirá.

Os sujeitos pesquisados foram enfáticos ao demonstrarem afetos alegres em relação

aos filhos. Utilizaram falas efusivas, expostas em risos, sorrisos e lágrimas amorosas, de

contemplação e de admiração pela pessoa do filho, agradecidos pela oportunidade de serem

pais, felizes por perceberem nos filhos a continuidade do seu ser.

Ele é demais, maravilhoso! [sorriso] Olha que menino, poxa, uma alegria! Deus é

muito bom com a gente, nossa! (Rui)

Minha filha é muito forte, linda! Tem um coração bom (...) é amada e está de

parabéns! (Marlene)

Converso, explico, porque ela é curiosa. Sempre tive um relacionamento desse jeito,

está indo muito bem! (Mariane)

Ela é tudo pra mim, morro, passo nervoso [risos], temos muitos momentos alegres. A

gente brinca, se diverte! (Nilson)

Ser pai é gostoso... Amo demais meus filhos, Deus foi muito bom por ter permitido que

a guarda deles ficasse comigo [olhos marejados]. (Flávio)

Demonstro meu amor, (...) pergunto se querem sair comigo, jantar... Eu volto

rapidinho se eles querem ir ao cinema, jogar bola... (Orlando)

Ele passa todo final de semana com o pai e eu que levo e busco, e ele não me paga a

gasolina! [risos] (Maria das Graças)

Eu fiz questão de ter quatro filhos, porque tenho certeza que é importante para ter

uma casa alegre. (Sueli)

Posso falar que no final o que ficou de melhor foi o nascimento das crianças (...).

(Carlos)

uma coisa gostosa... De todos os investimentos considero o meu maior, porque o dia

em que eu for embora ficará uma sementinha de mim. (Mário)

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Se eu vier falecer amanhã, seria tão bom alguém falar assim: “teu pai não era rico,

mas um cara muito boa gente.” [olhos marejados] (Fúlvio)

Ela fala pra mim: “mãe, eu quero fazer Medicina, não vejo a hora de fazer 14 anos

pra trabalhar e ter minhas coisas.” (Luísa)

Os afetos alegres demonstrados não foram etéreos, mas ligados ao cotidiano, em

ações aparentemente banais. Foram valorizadas atividades corriqueiras, como levar o filho a

uma festinha de criança, passar as noites com ele, receber um telefonema, ter companhia para

assistir um filme, conversar, fazer uma refeição juntos ou, até mesmo, apenas ter tempo para

parar e olhar o rosto do filho. Enfim, amar, sentir-se amado e estar presente quando o filho faz

questão da sua presença. O sucesso e a vivacidade dos filhos são incorporados como sendo

seus. Os pais olham para os filhos e vislumbram a perspectiva de futuro, o ânimo para

continuar a vida!

Ela falou: “você pode levar o Thiago lá na festinha?” Respondi: “posso, claro!”

Mas, normalmente, ela pede pra trocar quando tem uma festinha. Ela fez questão de

eu ir dessa vez. (Rui)

Quando vi que ia dar uma brecha pra poder conversar com ele e conseguir que o

menino passasse o dia e ficasse comigo, a noite foi muito legal! (Maria das Graças)

A parte boa de ser pai? É o carinho, né? O filho telefonar e falar que está com

saudade... (Fúlvio)

Quando eu alugo filme e fica todo mundo sentado no sofá, ou os três ficam deitados

na cama, assistindo filme, é muito legal! (Mariane)

Eu sento no chão e a gente brinca junto (...), conversa bastante. Às vezes, levo alguma

coisa que ela gosta de comer, ou uma ‘bobeirinha’... (Nilson)

Participei de muitas coisas com eles. Sempre fui muito amigo, nos falamos e estamos

sempre juntos. (Mário)

Faço questão de estar com eles toda semana. Vou uma ou duas vezes, nem que seja

pra ficar 5 minutos na porta, na calçada. (Orlando)

A Carla é a menor de todas. Ela fala:“vou ficar com o meu pai”, e fica comigo. É

impressionante! (...) (Carlos)

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Ela é danada; tenho muito orgulho dela! (Marlene)

Na reunião, a professora só deu parabéns pra ela e elogio pro pai e pra mim, porque

era tudo nota 10! (Luísa)

Por mais problemas e diferenças que os irmãos tenham, acho que os irmãos, em

algum momento da vida, vão se ajudar. (Sueli)

Quando vejo um conhecido meu tendo netos, já me imagino naquela situação. (Flávio)

Se, por um lado, os afetos alegres estavam presentes nos relatos, percebemos, também,

tristeza nos depoimentos dos pais quando se referiam a seus filhos, demonstrada na recusa

destes em conviver com eles, na distância e no conviver separadamente. A educação, no

sentido de colocar limites, foi também motivo de tristeza, seja pelo fato de ter que incluir esta

obrigação na educação ou pelo de ficar sozinho com ela, sem poder compartilhar com o outro

os rumos da educação. Uma tristeza muito profunda foi demonstrada pelo pai e pela mãe que

avaliaram que o outro não expressava o amor pelo filho como gostaria. Por fim, a tristeza fez-

se presente à medida que ficou visível para os pais, ou para um dos pais, a separação do filho

como outro ser, diferente de si, que tem o seu próprio caminho a seguir.

Vi a mudança na conduta dos meus filhos (...). Eles diziam: “pai, para no portão.”

Depois de um tempo, os dois não queriam vir... [silêncio... choro]. (Orlando)

É muito triste esse momento porque minha filha não tem mais convívio comigo e com

a minha família. Falei:“tenho 50 anos, daqui a pouco morro e você nem ficou com

seu pai!” Tô mal! [olhos marejados]. (Carlos)

Ela grita muito comigo, me responde. Sinto-me chateado, mas não a culpo (...)

(Mário)

Queria ter meus filhos mais perto de mim. Eles não têm culpa... [choro], eu quem quis

essa separação de mãe e filho (...), abandonei a casa. (Luísa)

Fiquei muito triste, passei momentos difíceis. Quando você mora com o filho e fica um

tempo longe... (Rui )

Ela, às vezes, não quer deixar o moleque sozinho, andar de bicicleta. Ele já tá na

idade que pode ir à padaria (...). Aborreço-me. (Fúlvio)

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O que vejo neles de errado falo, não consigo ser diferente! O meu amor expresso ali

pro que fizerem, bem ou mal! (Sueli)

O que me suscita raiva dela é o jeito que ela trata o filho. Ela não ligar pra saber se

os meninos estão bem, doentes... (Flávio)

Aquele objetivo que eu tinha, que minha filha se sentisse amada pelo pai, ainda não

consegui. (Marlene)

Eu quase que pirei quando fui ver as fotos do acampamento numa ilha deserta!!!

(Maria das Graças)

É meio triste falar isso, mas a função do pai e da mãe é se tornar, cada vez mais,

desnecessário para o filho... (Mariane)

Não tenho medo da morte; eu tenho medo de deixar os filhos aí e não estar tudo

encaminhado [olhos marejados]. (Fulvio)

Observamos, nos sujeitos pesquisados, que, quando o assunto era relacionado aos

filhos, os pais eram tomados pelo desejo em relação à vida dos filhos e à sua própria. Esse

desejo referia-se à vontade de que os problemas fossem resolvidos, os conflitos fossem

superados, a vida dos filhos fosse melhor do que aquela que eles viveram. Sendo assim, bons

presságios foram emanados.

Quem sabe, um dia ela [mãe] acorde, dê um estalo e passe a incentivar os meus filhos a

virem comigo. (Orlando)

Quero ela seja feliz com o pai, tenha momentos bons com o pai. (Marlene)

Que ele se sinta sempre acolhido, seguro, que tenha muito carinho, compreensão, autoestima,

saudável em todos os sentidos (...) (Nina)

Vou estar sempre ao lado dele, ser um grande amigo... Mostrar o que acho certo, mas deixá-

lo optar, fazer dele uma pessoa que saiba conduzir sua vida. (Rui)

Não queria que fosse que nem eu, uma correria. Quero que ele não sofra o que sofri, que ele

aproveite minhas experiências. (Fúlvio)

[choro] Meus filhos não vão ter essa vida que tive, eu não vou deixar. (Luísa)

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Quero que meus filhos cresçam diferentes de mim e da mãe (...). Fui diferente de meu pai.

Dou carinho, amor, disciplino, saio pra passear com eles. Fiz tudo pra eles irem além com os

filhos deles. (Flávio)

Quero que ela seja muito melhor que eu e a mãe dela, que nos separamos. Cresça sadia,

forte, com muita alegria, amor, tenha caráter (...) Quero ser um avô, bisavô (risos). (Nilson)

Seja uma pessoa com estabilidade, feliz de verdade. Saúde (...) Fiz várias coisas; umas

deram certo e outras não; não me fizeram feliz, me fizeram ficar tenso. (Mario)

Sejam verdadeiros, não desejem o mal, deem valor pra família e amigos, se esforcem,

procurem superar os obstáculos. (Carlos)

Que sejam responsáveis, acreditem no amor, sempre! O amor move tudo! Ele dá força pra

lutar (...) (Sueli)

Quero deixar pra esse mundo uma filha que tenha valores morais, princípios, uma boa

pessoa, saiba cuidar de si e do outro (...) . Acredito que eu e o pai dela estamos fazendo tudo

pra que isso aconteça. (Mariane)

Analisamos, por meio da observação dos dados obtidos nos depoimentos dos sujeitos

pesquisados, como eles são afetados na relação com os filhos por sentimentos advindos da

alegria, da tristeza e do desejo. Percebemos, ligados ao sistema da alegria, afetos de

reconhecimento67, do quanto a vinda dos filhos fez bem às suas vidas, dando-lhes satisfação68

por terem conseguido superar tantas dificuldades e exercido a paternagem/maternagem,

glória69 pela educação dada aos filhos, segurança70 no relacionamento com eles, esperança71

na construção de um mundo melhor e, principalmente, no amor72 sentido.

Ligados ao sistema da tristeza, percebemos os afetos de decepção73 pelo projeto

frustrado de convivência integral com os filhos, de compartilhamento quanto à educação a ser

67 “Reconhecimento é o amor por alguém que fez bem a um outro.” (E III, AD19). 68 “A satisfação consigo mesmo é uma alegria que surge porque o homem considera a si próprio e a sua potência de agir.” (E III, AD25). 69 “A glória é uma alegria acompanhada da ideia de alguma ação nossa que imaginamos ser elogiada pelos outros.” (E III, AD30). 70 “Segurança é uma alegria surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, da qual foi afastada toda causa de dúvida.” (E III, AD14). 71 “A esperança é uma alegria instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida.” (E III, AD12). 72 “O amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior.” (E III, AD6). 73 “A decepção é uma tristeza acompanhada da ideia de uma coisa passada que se realizou contrariamente ao esperado.” (E III, AD17).

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ministrada por ambos os pais, de comiseração74 pela ideia de que os filhos estão sendo

afetados pela falta de amor e de atenção por parte do outro pai/mãe, e de medo75 de que os

planos e os sonhos em relação ao futuro dos filhos não se realizem.

Percebemos afetos ligados ao desejo, como o de gratidão76 por terem tido a

oportunidade de ser pais e de retribuir o amor recebido aos filhos, e o de benevolência77, no

sentido de tentarem suprir o mal que a separação/o litígio inferiu-lhes. O desejo, segundo

Spinoza, em sua obra Ética, é a potência de vida, é o apetite de que se tem consciência, é algo

que ajuda o ser a perseverar em sua existência. O desejo está indelevelmente enlaçado à

propulsão, ao movimento.

Todo ente se esforça, tanto quanto estiver em seu poder, para perseverar em seu ser [...]. O esforço pelo qual todo ente se esforça para perseverar em seu ser não é senão a essência atual desse ente [...]. A mente, seja enquanto tem ideias claras e distintas, seja enquanto tem ideias confusas, esforça-se para perseverar em seu ser por uma duração indefinida e tem consciência de seu esforço [...]. Esse esforço, enquanto referido apenas à mente, chama-se vontade; mas quando se refere simultaneamente à mente e ao corpo, chama-se apetite. O apetite é a própria essência do homem [...] entre o apetite e o desejo não há qualquer diferença, senão a de que o desejo é aplicado aos homens quando têm consciência de seus apetites e, por conseguinte, pode assim ser definido: o desejo é o apetite de que se tem consciência. (SPINOZA, E III 6, 7, 9 e esc.).

Chauí (2011, p. 150), com base em Spinoza, afirma que “O desejo é a própria essência

do homem enquanto concebida como determinada a fazer algo por uma afecção nela

existente.” Ele envolve a consciência quando conhecemos ou imaginamos conhecer a causa

da nossa vontade. Quando a causa é imaginária, depositada no desejado, e não no desejante, o

desejo é a paixão. Entretanto, quando a causa é real, ou proveniente de ideias adequadas,

depositada no próprio desejante, o desejo é ação. Para que um desejo se realize, depende do

sujeito, das circunstâncias e das condições materiais. Desta forma, a sua realização requer

uma ação, e esta deve ser proveniente do sujeito que deseja. O sujeito é o ponto de partida; de

maneira geral, cabe a ele a iniciativa. A paixão e a ação têm diferentes graus de intensidade.

Uma paixão é mais forte que outra quando aumenta a capacidade de existir do nosso corpo e

74 “A comiseração é uma tristeza acompanhada da ideia de um mal que atingiu um outro que imaginamos ser nosso semelhante.” (E III, AD18). 75 “O medo é uma tristeza instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida.” (E III, AD13). 76 “O agradecimento ou a gratidão é o desejo ou o empenho de amor pelo qual nos esforçamos por fazer bem a quem, com igual afeto de amor, nos fez bem.” (E III, AD34). 77 “A benevolência é o desejo de fazer bem àquele por quem temos comiseração.” (E III, AD35).

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da nossa mente. Há paixões nascidas da tristeza, que são afetos que enfraquecem o conatus, e

paixões nascidas da alegria, que o fortalecem.

A manifestação do desejo em relação aos filhos foi expressa por alguns pais como

paixão, pois o seu desejo era depositado no filho, e a atitude que correspondia àquele desejo

era depositada no outro – pai/mãe – ou no próprio filho. Esses desejos ou paixões,

depositados no outro, são difíceis de ser realizados, uma vez que a ação depende do outro e

não de si; portanto, são nascidos da tristeza. Por exemplo, o pai não conseguir conviver com

os filhos e esperar que, para que esta situação mude, a mãe, magicamente, passe a incentivar

as visitas; ou, ainda, que o filho sinta-se amado pelo outro - pai/mãe -, mas sem mudar nada

em sua atitude. São paixões tristes e, por esta razão, enfraquecedoras do conatus. Todavia, em

sua maioria, os sujeitos mostraram-se incluídos na ação para que o desejo virasse realidade,

tendo como base as suas experiências de vida e o seu firme propósito para atuarem nesse

sentido, sendo amigos, dando amor e servindo como exemplo. Este desejo fortalece-os, pois

nasce da alegria de ter tido um filho a oportunidade de usufruir dessa companhia e de

colaborar para um novo tempo.

O desejo é a força pulsante da vida, pois é a busca para a transformação de uma

realidade vivida, ou mesmo almejada. O desejo, tal qual nos ensina Spinoza, não é morto,

nem “mais ou menos” passivo; ao contrário, é vivo, no sentido que, junto a ele, está a ação.

Desta maneira, os pais/mães pesquisados procuraram realizar o desejo de convivência

saudável com os seus filhos por meio do exercício tanto dos seus direitos quanto dos direitos

dos seus filhos, sendo que isto foi feito através de uma ação judicial. Assim, buscaram alívio

para os seus sofrimentos no Judiciário - independente de quem tenha entrado com a ação

judicial, pois só existe o litígio se a outra parte requerida na ação responde ao embate.

Os sujeitos manifestaram que tomaram a iniciativa porque perceberam que os direitos

dos seus filhos estavam sendo violados, expressos, por vezes, no seu sofrimento devido aos

desentendimentos com o(a) ex-companheiro(a). Consequentemente, o litígio foi uma ação

desejante necessária para que os direitos fossem garantidos e cumpridos, ainda que a ação

judicial tenha trazido, temporariamente, mais sofrimento, mas, ao final, havia a real

possibilidade de reestabelecer a convivência pacífica entre eles, como um exercício do direito

dos pais e dos filhos.

Tudo que passei foi pra preservar o direito dele, porque ele era o fundamento de

tudo. Brigávamos muito (...). Ele merecia um ambiente bom. (Rui)

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Quando nós vivemos juntos, não era um ambiente preservado, favorável pra ele se

desenvolver (...). Ele só ficou em paz quando eu me separei. (Maria das Graças)

Ela via que o pai e a mãe não falavam a mesma linguagem (...). Ela tem direito de ter

os dois do lado dela, educando-a na mesma direção. (Mariane)

Catarina não tinha os direitos [preservados] porque não vivia num ambiente de amor

e carinho. Eu não podia visitá-la porque brigávamos... (Nilson)

Eles estavam sem os direitos deles, viam muita discussão entre eu e o pai. (Luísa)

(...) a relação entre eu e a mãe não tem nada a ver com a deles e a mãe; eles não

precisam ficar sabendo se a gente discute. (Flávio)

Os filhos têm que conviver com os familiares paternos e maternos de forma saudável!

O sofrimento delas é que me faz pensar 10 milhões de vezes em entrar na justiça de

novo! (Orlando)

Os direitos de meus filhos foram violados, sofreram muito! Estávamos vivendo um

estresse diário, luta, uma situação horrível, e eles acabaram sendo afetados (...).

Depois de tudo, eles sentiram que a justiça está ali pra proteger, independente do pai

e da mãe... (Sueli)

Percebemos o sofrimento dos pesquisados não como uma dor inevitável, própria da

vida humana, prevista nos percalços do ciclo vital, como, por exemplo, uma doença ou a

morte, mas como uma dor mediada pelo sentimento de injustiça, localizado em um tempo e

lugar social que faz exigências de tantas ordens que se torna difícil, ou quase impossível,

cumpri-las. Como afirmamos anteriormente, a convivência familiar, bem como o cuidado, não

é somente pessoal, mas um fenômeno complexo, imbuído das dimensões cultural e social e da

identidade subjetiva (LYRA et al., 2003). Neste sentido, encontramos apoio em Sawaia,

quando propõe, para as ciências humanas, a categoria de análise do “sofrimento ético-

político”, identificada como

[...] a dor (físico-emocional) evitável do ponto de vista social, pois é infligida pelas leis racionais da sociedade a sujeitos que ocupam determinadas posições sociais. Falamos do sofrimento que a sociedade impõe a alguns de seus membros, da ordem da injustiça, do preconceito e da falta de dignidade. Referimo-nos, como fala Shakespeare, ao sofrimento de ser forçado ao sofrimento pela condição social. Esse sofrimento empobrece e afunila o campo de experiências e de percepções, bloqueando a imaginação e a reflexão; torna as pessoas impotentes para a liberdade

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e a felicidade, quer na forma de submissão, quer na de ódio e fanatismo. (SAWAIA, 2002, 45-46).78

Ao analisarmos as relações afetivas familiares dos pais em litígio, com foco no

relacionamento desses pais com seus filhos, observamos que os sujeitos depositam neste

relacionamento afetos intensos de alegria, tristeza e desejo.

A partir da análise dos nossos dados, verificamos que os sujeitos pesquisados dão

entrada nas ações judiciais para que possam garantir os direitos dos seus filhos, mas, também,

como um pedido de ajuda para que possam aliviar o sofrimento pelo qual passam com suas

respectivas famílias. O direito de “visita” de um pai/mãe a um filho é, também, o direito de

crianças/adolescentes de terem convivência com os seus pais e acesso à cultura familiar de

ambas as linhagens. Da mesma forma, o direito de “guarda” de um pai/mãe é, também, o

direito de crianças/adolescentes a um lar, “guardadas” da opressão, da humilhação, das

vinganças, entre outros afetos despotencializantes.

Consideramos que os sujeitos que geram outro ser humano tenham o poder e o dever

de convivência sob os auspícios da paz para que consigam ser responsáveis pelo cumprimento

dos cuidados aos filhos. Este poder/dever é, antes de tudo, ético, além de ser legal. Então, a

composição de uma autoridade parental deve contemplar esses aspectos.

Após uma separação conjugal, ainda que existam dores e sofrimentos por parte do

casal, ter um filho em comum pode ser um estímulo para manter o que houve de bom no

relacionamento. Como afirma Dolto (1908-1988), em sua obra clássica “Quando os pais se

separam” (2003, p. 26), “[...] o divórcio é tão honroso quanto o casamento”, ou pelo menos

deveria ser visto desta forma, pois o casamento pode ser um ato de coragem. Vergonha,

humilhação e outros afetos constantes nas separações dos pais devem encontrar amparo em

seu inverso e, para tal, é necessário compreendermos a relação afetiva entre os pais sem

moralismos e preconceitos. A seguir, percorremos o caminho para esta compreensão.

78

Embora, em seus artigos, Sawaia (2002, 2003) trate das questões referentes à população materialmente empobrecida, entendemos que o conceito de “sofrimento ético-político” não esteja restrito à classe social, pois as expressões da questão social não se limitam, na contemporaneidade, aos pobres, referindo-se a todos aqueles que sofrem com as transformações societárias, demandadas pelas exigências do sistema capitalista que tem, cada vez mais, produzido uma sociedade individualista, intolerante e competitiva.

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3. Relações afetivas entre os pais

O submisso é aquele que renuncia à luta por fraqueza, por medo, por resignação. O sereno, não: refuta o destrutivo confronto da vida por senso de aversão,

pela inutilidade dos fins a que tende este confronto, por um sentimento profundo de distanciamento dos bens que estimulam a cupidez dos demais [...].

(BOBBIO, 2002, p. 41)

Ao analisarmos os depoimentos dos pais quanto à relação afetiva entre eles, a

categoria do conflito emergiu, contemplando os vários aspectos observados. De uma parte, a

participação da família, dos filhos e dos novos companheiros; de outra, a origem do próprio

conflito, como o vivenciaram, ainda o vivenciam, e as formas que utilizam para enfrentá-lo.

Por esta razão, faz-se necessário compreendermos, um pouco mais, sobre o conflito.

Usualmente, o conflito é associado a embate, discussão, desavença, luta, colisão,

guerra, briga, entre outros termos que indicam negatividade. Necessariamente, o conflito não

precisa estar associado ao mal-estar, pois é uma interação e faz parte do viver em sociedade,

da condição humana, não estando inscrito nele um juízo de valor, se em si mesmo é bom ou

ruim. O conflito integra uma relação social entre as pessoas que se afetam mutuamente

através do encontro, mas discordam dos seus pontos de vista, posicionando-se de maneira

diferente. Portanto, não há conflito em um uma relação onde as pessoas são indiferentes umas

às outras. É ação e reação; é afetamento.

Os princípios da teoria da complexidade auxiliam-nos a uma melhor compreensão do

conflito. Rodrigues (2006, p. 20) explica que o primeiro princípio, e talvez o mais

contundente, seja o dialógico. Ele conjuga e associa instâncias contraditórias e propõe a

convivência de antagonismos e oposições. “Esse princípio mantém a tensão entre a ordem e a

desordem, concebendo-as não como dualidade, mas associando-as ao mesmo tempo como

complementares e antagônicas, produzindo, assim, organização e complexidade.” O terceiro

princípio, o hologramático, percebe o todo na parte e a parte no todo, sendo que cada parte

contém o todo e o todo contém a parte. Quanto ao segundo princípio, o da recursão

organizacional, implica em movimento, pois causa e efeito são partes da mesma organização

e se retroalimentam. Para a autora,

Esse princípio é importante para pensar a sociedade, as culturas que, uma vez produzidas pelas interações entre indivíduos e organizações, retroagem sobre eles, produzindo-os. Essa ideia rompe com o entendimento linear das relações

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causa/efeito, estrutura/superestrutura, voltando-se para perspectivas de ciclos autoconstitutivos, autoorganizados e autoprodutores. (RODRIGUES, 2006, p. 20).

O conflito faz parte das múltiplas conversações e posicionamentos do sistema social;

ele indica que há diferenças. A multiplicidade contém componentes semelhantes e distintos

que convivem entre si. As diferenças e semelhanças afetam-se mutuamente e podem compor

uma nova organização da relação social. Um sistema social de conversações que não

comporta diferenças torna-se um sistema pobre, no sentido de que as diferenças elaboradas

são promotoras de mudanças e evoluções. A diversidade de opiniões é necessária ao

desenvolvimento humano e social. Ela é propulsora da sociabilidade quando transforma a

diversidade em unidade sem, com isso, anular a diversidade. Por outro lado, a predominância

e a exigência da semelhança de ideias nos relacionamentos sociais inibem a criatividade.

“Tudo que é organização viva, não apenas o organismo individual, mas também os ciclos das

reproduções, os ecossistemas, a biosfera, ilustra o encadeamento em circuito desta dupla

proposição: a diversidade organiza a unidade que organiza a diversidade.” (MORIN, 2003, p.

148). Assim, a diversidade é necessária, deve ser mantida, sustentada, incentivada,

desenvolvida em todas as unidades de relacionamento social. Há que se preocupar quando

existe a diversidade extrema, deixando as diferenças tomar um vulto intransponível, pois

corre-se o risco de tornar aquela relação social insustentável, determinando o seu fim ou

estrangulamento. O aumento de diversidade leva ao aumento da complexidade do sistema.

Com o crescimento da complexidade, há uma tendência maior à dispersão. Isto requer, por

parte da organização, mais flexibilidade e conjunção, no sentido de conectar-se e entrelaçar as

ideias. Conforme Morin,

O desenvolvimento da complexidade requer, portanto, ao mesmo tempo uma maior riqueza na diversidade e uma maior riqueza na unidade (que será, por exemplo, fundada na intercomunicação e não na coerção). Assim, em princípio, os desenvolvimentos da diferença, da diversidade e da individualidade internas dentro de um sistema andam juntos com as qualidades emergentes, internas (próprias às individualidades constitutivas) e globais, e com a qualidade da unidade global. (MORIN, 2003, p. 148-149).

Portanto, o conflito é a base das discussões no plano de ideias diferentes. E isto é

positivo, na medida em que o conflito colabora para que dele surja uma nova ideia, melhor e

mais forte, gerando a aprendizagem de lidar com as diferenças.

Neste trabalho, abordamos o conflito intersubjetivo de justiça, que, segundo Freitas

(2009, p. 186), são “[...] aqueles que se projetam nas relações intersubjetivas entre os sujeitos,

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individuais ou institucionais, que sejam portadores de valores distintos de justiça”. Freitas

aponta que, na perspectiva adotada de conflito, é necessário que esteja presente,

simultaneamente, os seguintes predicados:

1. no plano objetivo: um problema alocativo incidente sobre bens tidos por escassos ou encargos tidos como necessários, sejam os bens e os encargos de natureza material ou imaterial; 2. no plano comportamental: consciente ou inconsciente, intencional ou não, contraposição no vetor de conduta entre dois sujeitos; e 3. no plano anímico ou motivacional: sujeitos portadores de percepções diferentes sobre como tratar o problema alocativo, como função de valores de justiça. (FREITAS, 2009, p. 187).

No plano objetivo, é necessário que exista um bem ou um encargo que esteja sendo

disputado, que haja dificuldades em alocar ou distribuir o que está sendo pleiteado. Este bem

ou encargo é tido como necessário e inevitável à vida daqueles sujeitos, o que, diante da

escassez do recurso, pode levar a uma escolha trágica (CALABRESI; BOBBITT, 1978). No

caso de escassez, consiste a dificuldade do estabelecimento de critérios que contemplem

ambas as partes. Trazendo esta questão para a especificidade deste estudo, por exemplo, a

guarda dos filhos deverá ficar com um dos pais; e mesmo ocorrendo a versão compartilhada,

deverá ser fixada a residência dos filhos. O tempo de permanência dos filhos deverá ser com o

pai ou com a mãe, pois não há como os filhos ficarem com os dois ao mesmo tempo, já que os

pais não compartilham a vivência de casal. Portanto, eis o dilema: o recurso, qual seja a

disponibilidade física dos filhos, é apenas um, uma vez que não há como estar fisicamente, e

ao mesmo tempo, em dois lugares.

No plano comportamental, este algo que é disputado está em meio a um

comportamento de dois ou mais sujeitos que querem, no todo ou em parte, a mesma coisa.

Muitas vezes, este comportamento está dominado pela paixão, ditado por ideias inadequadas,

no sentido espinosano de que não são ideias claras. Um exemplo muito comum de ideias

inadequadas refere-se aos usuários confundirem “poder familiar” e “guarda”79. O sujeito é

79A Guarda possui tamanha dimensão jurídica que chega, na prática, a confundir-se com o Poder Familiar. Nossa legislação não oferece uma definição do Poder Familiar e do termo Guarda, mas relaciona as suas funções, inserindo-as entre os deveres parentais. O Poder Familiar, anteriormente denominado de Pátrio Poder no direito brasileiro, traduz-se no conjunto de responsabilidades e direitos atribuídos aos pais a ser exercido no interesse dos filhos até que atinjam a maioridade, enquanto que a Guarda é o direito/dever dos pais, ou de cada um deles, de ter em sua companhia contínua e vigilância os filhos, provendo-lhes os cuidados mais diretos na saúde e educação, por exemplo. Desta forma, aquele que detém a Guarda unilateral tem também o Poder Familiar, enquanto que aquele que não detém a Guarda não deixa de ter o Poder Familiar que, também, lhe obriga e concede responsabilidades e direitos quanto aos filhos. A Guarda dos filhos é um atributo do Poder Familiar. No modelo de exercício de Guarda unilateral, o genitor que detém a Guarda contínua detém a maior parcela do conteúdo do Poder Familiar

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afetado e afeta o outro de inúmeras maneiras simultâneas, sendo este processo

retroalimentado por ideias que podem ser inadequadas, ocorrendo desqualificações80,

rejeições e desconfirmações81 do outro. Quer seja de forma intencional ou não, existe uma

contraposição na conduta dos sujeitos.

No plano anímico ou motivacional, estes sujeitos têm a convicção de que lhes é de

direito aquilo que está sendo pleiteado, pois têm percepções não convergentes quanto à

justeza da decisão alocativa a ser tomada. Referimo-nos à justiça no sentido que vai além da

igualdade, na perspectiva da equidade, sem correspondência direta com o repertório da

legalidade. Os critérios de justiça estão vinculados à perspectiva ética, adotada pelo sujeito em

sua individualidade.

O conflito intersubjetivo de justiça, do qual trata este estudo, refere-se ao familiar.

Quando a família leva o conflito para o Judiciário, ele sai da esfera privada e vai para a

pública. A família judicializa seu conflito como uma expressão da questão social. O

judiciário, como a instituição que trata da justiça, recebe a demanda.

Bruno (2006) estuda a litigiosidade na justiça da família. Analisa as demandas mais

significativas neste contexto e as possíveis formas de intervenção judiciais nas demandas. Em

(guarda, educação e criação), restando ao guardião descontínuo o poder-dever de fiscalização e visitação. No mais, o dever de sustento e decisões sobre a disposição de bens, emancipação, bem como autorização para casar, viajar para o exterior, nomear um tutor e representação dos atos da vida civil representam um exercício que permanece em conjunto por disposição expressa legal. Os estudiosos deste tema costumam referir-se a um esvaziamento do Poder Familiar sofrido pelo guardião descontínuo, uma vez que a Guarda concentra, em si, grande parcela do conteúdo do Poder Familiar. Entretanto, há quem não compartilhe deste entendimento, alegando que somente a educação e as decisões diárias são atribuídas ao guardião contínuo, pois a vida das crianças/adolescentes é muito maior do que esses aspectos, e as grandes decisões sobre a vida dos filhos permanecem sob o exercício de ambos os pais. Cabe esclarecer, também, que a Guarda é aplicada em dois tratamentos jurídicos diferenciados: o previsto pelo Código Civil; e outro, pela Lei nº 8.090/90, Estatuto da Criança e do Adolescente. A Guarda civilista cuida da proteção dos filhos menores no âmbito da família parental, ao passo que a Guarda estatutária trata da Guarda das crianças e adolescentes em situações de risco como forma de regulamentação da posse de fato, como medida liminar ou incidental nos procedimentos de tutela e adoção ou, excepcionalmente, para atender a situações peculiares ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de determinados atos (art. 33 do ECA). (LEVY, 2008). 80 “Processo interativo que consiste no menosprezo do conteúdo do enunciado de uma pessoa, da própria pessoa, do que ela faz e do contexto em que se faz o enunciado ou ação. Nas transações mais perturbadas, a desqualificação faz-se em todos os níveis ao mesmo tempo.” (MIERMONT, 1994, p. 188). 81 A rejeição é a negação da existência do outro ou do assunto que está se tratando. Existe, portanto, o reconhecimento limitado, ou seja, reconhece-se a existência do que se fala, ou da pessoa que interage. O assunto ou a pessoa é apenas negado. A desconfirmação difere da rejeição porque é uma forma em que ela ignora a existência da fala ou da existência da própria pessoa que interage. Na desconfirmação, a pessoa ou assunto é dado por inexistente por aquele que desconfirma. Consideramos esta uma das maneiras mais cruéis de desqualificação e de tratar outro ser humano (ANTONIO, 2013). A base do entendimento de rejeição e desconfirmação pode ser encontrada em “Pragmática da Comunicação Humana”, de Watzlawick, Paul; Beavin, Janet Helmick; Jackson, Don D. p. 96-99.

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um dos seus enfoques, analisa a percepção dos magistrados sobre a autoridade que exercem

nos conflitos de família e demonstra que, embora a legitimação da autoridade seja legal-

racional, há também uma legitimação carismática. Argumenta que há uma interface entre a

mudança na forma de resolução dos conflitos familiares e a maior presença do Poder

Judiciário na sociedade. Este fato teria como sua principal influência o declínio do patriarcado

e o reconhecimento legal das relações familiares menos hierárquicas. A autora entende que,

com o declínio da autoridade tradicional, os conflitos familiares demandam, mais

intensamente, as decisões judiciais. Isto produz uma “racionalização da intimidade”, e os

magistrados intervêm nesses conflitos, exercendo uma autoridade legitimada, tanto racional

como carismaticamente. A conclusão da referida estudiosa é de que “[...] a forma como se

constitui a demanda – racionalizando a intimidade – e o exercício da autoridade do

magistrado – racional e carismática – indicam que os conflitos familiares são exemplos da

jurisdicionalização das relações sociais”. (BRUNO, 2006, p. 6).

Como já afirmamos anteriormente, as relações afetivas familiares vêm se modificando

para uma organização menos hierarquizada e exigindo de seus protagonistas novas formas de

pensar e agir. O sistema legal e jurídico acompanha e faz parte dessas mudanças82, entre

outras, com o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres no referente aos direitos

e aos deveres. Uma das saídas para as dificuldades no exercício desse novo desenho de

autoridade familiar compartilhada - poder familiar - pode estar sendo buscada no judiciário,

ao mesmo tempo em que o judiciário tem se mostrado de alguma forma, por sua estrutura e

funcionamento, mais apto a responder tais questões. A este respeito, Bruno esclarece que

Uma das condições para a expansão do Poder Judiciário, em sua dupla dimensão - intensificação de sua atuação e difusão de seus métodos - é o processo de democratização (re-democratização) pelo qual passam muitos países. Esses processos, ligados a contextos mais amplos de reconhecimentos de direitos individuais e coletivos, são feitos especialmente através das cartas constitucionais, e, mesmo que ainda não consolidados, o simples reconhecimento dos direitos provoca um aumento na procura de soluções jurídicas para sua garantia e consolidação. (BRUNO, 2006, p. 23).

Assim, caminham juntas e intrinsicamente atreladas, as mudanças nas relações

familiares, as modificações no sistema legal e jurídico e, consequentemente, as novas

exigências no exercício da magistratura para adjudicar as demandas a ela imposta. Cada vez

82 Uma das mudanças que vale mencionar refere-se à inclusão da denominação “entidade familiar”, na Constituição Federal, que abarcou outras formas de organização familiar que não a exclusivamente formada a partir do casamento.

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mais, os magistrados estão sendo chamados a se manifestarem em conflitos de ordem moral e

social. Desta forma, o acesso ao sistema de justiça passa a ser, também, uma forma de acesso

ao exercício da cidadania, fazendo uma conjunção entre justiça e democracia, ao mesmo

tempo em que personifica pequenos retratos dos conflitos das relações familiares, trazendo a

sua contribuição ao grande mosaico das relações sociais.

Inspiradas em Rojo (2003, 2004), acompanhamos Bruno (2006) quanto à opção do

termo jurisdicionalização83, pois este implica no reconhecimento dos indivíduos como

sujeitos de direito que demandam uma decisão a ser tomada pelo judiciário e “[...] uma

ressignificação para a solução do conflito, ou pelo menos, para a sua legitimação na inserção

da esfera pública”. (BRUNO, 2006, p. 36). Portanto, não significa, apenas, o submetimento

do conflito ao judiciário, mas “[...] de indivíduos ou grupos que, identificando-se como

sujeitos de direito, submetem suas demandas aos tribunais e outras instâncias adjudicatórias”.

(BRUNO, 2006, p. 162).

Assim é que a solicitação pelos sujeitos, levando à intervenção do judiciário nos

conflitos familiares, torna-se uma jurisdicionalização das relações afetivas familiares, visto

que os sujeitos, imbuídos de conseguirem efetivar seus direitos, buscam no judiciário um

recurso para que o direito seja realizado e encontram acolhimento de seu pleito na instituição.

Ocorre que, para que se deslinde, encontra-se, na atuação do magistrado, a encarnação do que

deva ser o justo. O magistrado é aquele que vai decidir sobre o conflito instaurado, conflito

este nutrido por fortes emoções, mas que, para seus protagonistas, necessita de uma decisão

racional. Neste sentido, as percepções dos juízes neste estudo são da maior importância.

Os usuários do judiciário, ao buscarem a efetivação dos seus direitos, estão carregados

de afetividade e procuram, na instituição, não somente um acolhimento a esta necessidade

racional, mas, também, emocional. A figura do juiz, do “pai justo que decide”, ainda

permanece no imaginário. Suas palavras têm um peso maior, tanto por seu poder de decisão

quanto por sua carga simbólica. Os usuários esperam uma decisão justa e racional, assim

como acolhimento de ordem emocional às suas expectativas sociais: encontrar, no juiz,

vocação e carisma no exercício da função. Com isso, temos que a autoridade do juiz de

família não seria legitimada apenas racionalmente, mas afetivamente, por meio do carisma.

Portanto, “[...] mesmo tendo a princípio sua autoridade legitimada pela ordem legal-racional,

83 “Jurisdicionalização tem maior abrangência analítica do que judicialização, que significa apenas a maior penetração do Judiciário, quer por si mesmo ou pela difusão de seus métodos.” (BRUNO, 2006, p. 36). O termo judicialização é pertinente à relação judicial.

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quando distanciam o ideal da formação do estritamente formal, no sentido da norma legal, se

afastam também da concepção do perfil típico de um profissional burocrata”. (BRUNO, 2006,

p. 155). Neste momento de emoções e sentimentos confusos - qual seja o litígio familiar -, as

palavras de um juiz, por sua simbologia, têm força e grande capacidade de apaziguamento.

Contudo, apesar de os usuários serem receptivos à palavra de apaziguamento,

frustram-se, pois esperavam que o juiz tomasse uma decisão favorável a si. A frustração

também acontece no momento que o magistrado, “ser onisciente, onipresente, sabedor de

todas as coisas” - no imaginário -, coloca-se em uma posição humana e volta-se para o sujeito,

sugerindo que ele reflita sobre aquilo que já havia pensado à exaustão. Ao fazer isso, o

magistrado abdica do poder cultural que lhe foi outorgado e não utiliza o carisma para a

dominação do outro, mas para a sua emancipação, exercitando a sua autoridade

carismaticamente legitimada para a legitimação do outro como legítimo outro, ou seja, um

sujeito capaz, que tem sua potencialidade, que é dotado de conatus.

Os conflitos familiares como objeto de ação judicial institucionalizam-se, mas também

desinstitucionalizam-se, quando a “[...] solução e o encaminhamento desses conflitos se dão

não apenas pela intervenção da autoridade racional, mas também pela carismática”. (BRUNO,

2006, p. 161-162). A desinstitucionalização promovida pelo magistrado oferece novas

possibilidades aos usuários; entre elas, a participação da mediação familiar, pois, conforme

sublinha Bruno,

[...] se esta jurisdicionalização expressa o des-encanto das relações familiares, com a perda de sua fundamentação tradicional, pode também significar a possibilidade de re-encanto, se a vocação dos magistrados os levarem a desenvolver a personalidade carismática. Assim fazendo, os magistrados podem interromper ou inverter, a qualquer momento, a “mercantilização dos afetos” (racionalização da intimidade), expressão que designa de forma exemplar o processo de racionalização moderna no contexto das relações familiares e da jurisdição de família. (BRUNO, 2006, p. 163-164).

A mediação famíliar judicial é um componente da jurisdicionalização das relações

afetivas familiares, à medida que os usuários demandam para o judiciário (judicialização) e

ele oferece ao demandantes uma nova possibilidade - mediação familiar - para que os usuários

retomem a reflexão sobre o seu conflito (desjudicialização).

Destarte, a mediação familiar judicial está dentro de um contexto social, o da

jurisdicionalização das relações familiares. O esforço que cabe à mediação familiar é

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compreender o conflito, abrir-se para a possibilidade de conhecê-lo, de entender como ele

ocorre, de predizer que consequências pode acarretar, porque, em certa medida, a

compreensão deve poder conter o conflito, deve pensar e potencializar a capacidade dos

conflitantes de interpretarem, de conhecerem melhor essas ideias inadequadas a fim de

transformá-las em ideias adequadas. “Em suma, passar da condição de causa inadequada à de

causa adequada exige passarmos das ideias inadequadas às adequadas, de sorte que, para

nossa mente, conhecer é agir e agir é conhecer.” (CHAUÍ, 2011, p. 96).

Nos depoimentos dos integrantes da pesquisa, observamos que o conflito entre os pais

não se restringe a eles: envolve seus próprios pais (avós), amigos, filhos e os novos parceiros

amorosos. Desta forma, concentramos, didaticamente, os aspectos que envolvem terceiros

e os que tratam, especificamente, da relação afetiva somente entre os pais.

Inicialmente, trabalhamos os aspectos que envolvem terceiros, que emergiram

sobre a família extensa, para, em seguida, falarmos sobre o envolvimento dos filhos e

introduzirmos a nova relação amorosa.

As separações de casais geralmente afetam toda a família, principalmente quando

existem filhos. A separação de casais leva à separação das famílias e, por vezes, até dos

amigos. Criam-se partidos84. Nos sujeitos pesquisados, aparecem situações como: o filho não

quer mais sair com o pai e passa a não mais respeitar a avó paterna; a mulher perde os amigos;

e o avô deixa de falar com o ex-genro; entre outras. A ajuda ofertada pelos familiares, na

tentativa de diminuir o conflito, é aceita de maneira ambivalente, pois é necessária naquele

momento de crise, mas sentida pelos pais ao se separarem como um reforço ao hiato que se

forma entre ambos. Ao final, a oferta mais bem recebida é aquela que não envolve nenhum

dispêndio mais concreto: apenas um ombro para compartilhar os momentos difíceis.

Não era só comigo, era a minha família! Meu filho de três anos dizia: “vovó bruxa!”

(Orlando)

Depois ela separou de mim, não falou com ninguém [amigos]. Agora, ela tentou falar

com todo mundo e todo mundo fala: “poxa!” (Carlos)

84 “Quem imagina que aquilo que ama é afetado de alegria ou de tristeza será igualmente afetado de alegria ou de tristeza; e um ou outro desses afetos será maior ou menor no amante à medida que, respectivamente, for maior ou menor na coisa amada.” (E III, 21).

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O avô não queria nem mais me ver! Não falou mais comigo por um muito tempo...

(Rui)

Quando o bebê nasceu, eu montei o berço na casa do avô e eu fiquei muito assim...

[cabisbaixo, triste]. Poxa, podia ser a minha casa! (Rui)

Toda hora vou ter que estar indo na casa de meus pais levá-lo (...). Decidi morar com

meus pais. (Nina)

As duas vezes que ela viu nossos filhos foi quando a mãe dela pegou as crianças e

levou pra casa dela. (Flávio)

O Flávio conversa mais com minha mãe do que comigo. Aí, ela fala pra mim (...) Ela

traz os meninos pra minha casa e fica com eles lá. (Luísa)

Quem ajudou bastante foi a avó materna, fundamental! Ela nunca fechou as portas,

sempre conversou e tudo mais, mas ela não tinha como interceder. (Rui)

Alguns autores e estudiosos sobre famílias (KASLOW; SCHWARTZ, 1995; DOLTO,

2003; BROWN, 1995; VITALE, 2004; FEDULLO, 2001; e outros) afirmam que o divórcio

afeta não só a dupla amorosa, mas também os filhos e toda a família extensa, visto que o

sistema familiar nuclear, como um subsistema, está interligado ao sistema familiar extenso e

ao sistema de convívio social – amigos e instituições. Todos estão interligados e são

interdependentes. Cada indivíduo ocupa nesses sistemas interligados funções que, quando se

modificam, todos são atingidos; consequentemente, suas funções podem ser alteradas. Assim,

no momento de crise, há uma desorganização e, aos poucos, estabelece-se outro

funcionamento. Nos momentos de crise familiar, as alianças são desfeitas e novas alianças são

construídas, fazendo com que, por vezes, se frustrem, reciprocamente, expectativas em

relação aos membros e passem por dificuldades na superação. As famílias que conseguem

passar por crises e as enfrentam de maneira construtiva fortalecem-se para resolverem as

dificuldades nas passagens das etapas seguintes do percurso da família. O enfrentamento das

dificuldades em conjunto leva à reciprocidade e, então, a crise pode transformar-se em uma

oportunidade. (AUSLOOS, 1996).

Os avós, por exemplo, podem fazer parte da rede de apoio às crianças e aos pais. Dolto

(2003) assinala o valor simbólico dos avós na estruturação dos modelos de identificação da

criança como fonte de transmissão da história familiar, mas entende ser prejudicial à ela a

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substituição do pai pelo avô, ou mesmo quando os avós tornam-se o casal educador

permanente de referência. Para Vitale (2003, 2004), os avós têm emergido como figuras

importantes no redesenhar das fronteiras familiares e, por meio das relações intergeracionais,

pode-se examinar este desenho, hoje condição essencial para a discussão das políticas sociais.

Entretanto, muitas vezes, os avós, ao apoiarem os pais em conflito, referenciam-se, apenas, a

um deles; logo, o outro passa a ser o inimigo. Com isso, a família do ex-cônjuge transforma-

se em antagonista do genro ou da nora, particularmente se: “1) eles haviam sido originalmente

contra o casamento; e/ou 2) se acreditam que seu filho ou filha foi tratado injustamente ou

com crueldade e, consequentemente, rejeitam a pessoa que o/a magoou” (KASLOW;

SCHWARTZ, 1995, p. 259).

Os parentes e os amigos próximos podem ser uma fonte importante de apoio no

momento da separação; entretanto, quando o conflito se instala e passa por um longo

processo, principalmente quando se transforma em litígio, há a tendência de que os

relacionamentos sofram avarias e, por vezes, exista até um rompimento devido a lealdades,

tempo de relação, parentesco, entre outros. Os próprios filhos, os mais próximos do conflito

conjugal, passam, como explanaremos a seguir, a fazer parte desse quadro tão complexo de

relações.

Observou-se o que denominamos de conflito por representação. Na relação entre os

pais, o guardião, ou a guardiã, por vezes, arvora-se não somente de seus poderes enquanto

pessoa detentora da guarda unilateral, mas como se fosse portador, ou portadora, do poder

familiar unilateral. Como o guardião está, inadvertidamente, investido desse poder, o genitor,

ou a genitora, não guardião, simétrico e complementarmente85, não aceita que o outro tenha

tais poderes, mas, ainda assim, deposita no guardião grande poder de influência na relação

com o seu filho. Assim, diminui-se, e é diminuída, a potência da relação entre o filho e o seu

genitor não guardião, e o guardião passa a representar a vontade do filho, representação esta

que não é aceita pelo outro genitor, gerando conflito e afetos tristes na tríade pai-mãe-filho. O

filho que tem seus desejos frustrados na convivência com o genitor não guardião passa a ser,

também, representante do conflito existente entre os genitores. Dessa forma, aquele conflito,

que era somente entre o filho e o genitor não guardião, passa a ser um conflito adicional entre

os pais, enquanto que o conflito, agora existente entre os pais devido ao desejo frustrado do

85 Colocam-se no mesmo nível e de forma opositora; repudiam a ideia e também a confirmam. A base do entendimento sobre simetria e complementaridade pode ser encontrada em “Pragmática da Comunicação Humana”, de Watzlawick, Paul; Beavin, Janet Helmick; Jackson, Don D., 1973, p. 112-113.

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filho, passa a ser mais um conflito entre o filho e o genitor não guardião. Entretanto, o filho

não passou a representação para o guardião e, de certa forma, também não aceita tal situação,

embora, muitas vezes, não consiga verbalizar o que sente devido à lealdade para com ele86.

Portanto, faz-se um triângulo relacional perverso, que aumenta o nível de tensão emocional do

conflito como um todo. Tem-se, assim, a impressão de que passa a existir uma espécie de

conflito por representação87, pois cada um não fala por si, mas pelo outro.

Ela falou para o promotor e para a juíza que não ia aceitar que ele dormisse comigo.

No começo, ela devia fazer a cabeça dele pra não querer sair comigo. Eu vi que ele

não queria e ela também não fazia nenhum esforço. (Rui)

Tive que deixar viajar com o pai. (Maria das Graças)

Ela dizia: “Você não vai pegar porque fez isso e isso comigo, foi canalha...” (Nilson)

Não tenho uma foto de 19 anos da minha vida; ela não me deu até hoje. (Carlos)

Thiago fala: “mãe, não quero ir.”. Falo:“o papai também quer ter a oportunidade, o

prazer de estar com você...” (Nina)

Se a mãe quisesse, eles viriam; não sou bandido. Quando ele ainda vinha, falou: “ih

pai, vão brigar comigo.” Por que vão brigar com ele? (Orlando)

Não fui eu que deixei de visitá-la, foi a mãe que entrou com uma ação pra que isso

deixasse de acontecer, logicamente com muita influência sobre a opinião da menina

(...) Ela vai adolescer e aí Marlene vai colher tudo que plantou. (Mario)

Ela fez com que a filha não gostasse da família, do seu pai (...) porque interessa pra

ela... A pequenininha tá feliz, vamos viajar amanhã. (Carlos)

Diz que não quis a gravidez e que ele é muito parecido comigo (...). Não tem nada a

ver; a raiva que ela tem de mim desconta no menino. (Flávio)

86 “Quem imagina que aquilo que ama é destruído se entristecerá; se, por outro lado, imagina que aquilo que ama é conservado, se alegrará.” (E III, 19) 87 Furniss (1993, p. 322) utiliza o termo “Síndrome-Munchausen-por-procuração” para designar falsas alegações de abuso sexual feitas por mães que projetam sua própria experiência de terem sido elas mesmas abusadas. Portanto, a ideia é similar, mas diferente da ideia aqui apresentada.

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Ela voltava chorando:“o pai ‘xinga’ você.” Ela ainda fala:“não esqueço que ele

sempre falou mal de você.” Nunca passei a ele o que ela sente. Sou a “culpada”.

Tenho medo da retaliação dele a ela. (Marlene)

“As relações afetivas familiares sustentam e também são sustentadas pela tensão

sociofamiliar [...] que são influenciadas pelo contexto social e cultural em que vivem os

sujeitos [...]”. (ANTONIO, 2013, p. 26). Não há conotação de valor quando nos referimos à

tensão. Ela não é boa nem ruim, como se utiliza comumente; ao contrário, é necessária e tem

graus, varia para mais ou menos. Uma relação familiar frouxa de tensão não é construtiva; por

vezes, beira a indiferença. Uma relação familiar muito forte de tensão também não é

construtiva, pois cria um clima emocional insustentável. Percebemos isso em relações muito

exigentes. Há que se obter um meio termo, que varie de graus, que se afrouxe e depois aperte

e depois afrouxe. Como diz Guimarães Rosa (1994, p. 449), “O correr da vida embrulha tudo,

a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.” O que

ocorre é que, em relações que estão vivendo um conflito, passa-se muito tempo em um grau

de tensão elevado, e/ou atinge-se um pico de tensão quase insuportável, ou, ao contrário,

atinge-se um nível de tensão tão fraco que beira a desistência de viver aquele relacionamento,

também insuportável. A tensão, quando muito forte, gera uma apreensão próxima do medo88,

e “[...] o medo não é louco. Mas enlouquece o ânimo e extravia a mente”. (CHAUÍ, 2011, p.

160).

A tensão mencionada ocorre na tríade pai-mãe-filho. O triângulo é considerado pelos

teóricos que estudam as dinâmicas familiares como a base da estrutura de todo o sistema

emocional. Diz-se que, quando a tensão emocional, formada por duas pessoas, supera um

determinado nível, essa dupla tende a procurar um terceiro para formar um triângulo

relacional e suportar a tensão vivida. Pode ocorrer, então, um processo conhecido por

triangulação. A dupla triangula com uma terceira pessoa, permitindo que a tensão seja

deslocada para dentro do triângulo. Esse triângulo originário pode agregar-se a novos

triângulos relacionais que, por sua vez, serão ligados a outros. Nesse processo, o sistema

emocional é formado por uma série de triângulos interdependentes. Então, o sistema de tensão

de um triângulo pode deslocar para qualquer dos circuitos preestabelecidos. (BOWEN, 1991;

HOFFMAN, 1994).

88 “O medo é uma tristeza instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida.” (E III, AD13).

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Como anteriormente referenciado, a guarda e o poder familiar são institutos diferentes.

A guarda dá poderes, essencialmente, de cuidados diários e maior tempo de convivência com

o filho, enquanto que o poder familiar é mais abrangente - para além dos aspectos práticos,

sua essência, na perspectiva do conteúdo89 do exercício, é a orientação, a influência intelectual

e emocional. O fato de uma criança/adolescente viver sob a guarda unilateral de um dos pais

não faz do guardião detentor de todos os poderes de influência em relação a ela/ele, embora

facilite. O contexto físico e de convivência constante não faz do guardião detentor dos afetos

de amor e consideração que o filho tem pelo genitor não detentor da guarda. O contexto

emocional tem sua relevância, pois o afetar-se é mútuo - uma via, no mínimo, de mão dupla.

O guardião afeta o filho; todavia, ao ser afetado, o filho tem e é portador do seu próprio

conatus. A influência do guardião sobre o filho é inegável, mas o primeiro não detém o

domínio sobre o segundo. O genitor não guardião também afeta o filho de diferentes

maneiras. Esta perspectiva, considerada não adequada no sentido espinosano, tem traços tão

fortes que, apesar desses pais terem passado pela mediação, ainda assim permanecem.

Os companheiros/parceiros dos pais são personagens novos na história familiar, mas

nem por isso de menos importância. Suas funções na rede podem ser tanto de apoio quanto de

estimuladores de conflito. Nas entrevistas que realizamos com os sujeitos pesquisados, foram

relatadas situações de ciúme pelo próprio companheiro, ou companheira, assim como pelo

antigo parceiro, ou parceira. Tais situações mostraram-se relacionadas com o término do

relacionamento amoroso entre os pais por interferência do novo par, ou com o pouco tempo

de término entre um relacionamento e o início de outro. Também foram mencionadas

preocupações quanto à nova companheira ocupar um lugar que era, originalmente, da mãe ou

da antiga companheira.

Se minha mulher souber, vai falar: “você tá fazendo mais coisas lá!” Deve ter ciúmes.

(Fúlvio)

Ela ligava, fazia de tudo pra que a gente fosse inimigo, ficava passeando na frente do

meu prédio com o meu filho... (Maria das Graças)

Ela me traiu, foi morar com o amante. Isso me suscita raiva porque, se não desse pra

nós, cada um ia pro seu canto. (Flávio)

89 Levy (2008, p. 29) diz que “[...] o novo perfil do Poder Familiar aponta para um viés mais educativo do que propriamente patrimonial do instituto”. O conteúdo do Poder Familiar diz respeito à proteção da pessoa e do patrimônio dos filhos menores e incapazes. Em sua explanação, a autora divide esse conteúdo em pessoal e patrimonial.

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Ela vive falando mal de mim pro Thiago, quer que ele a chame de “mãe”. Não falo

porque meu medo é ela começar a tratá-lo mal. O Rui já estava namorando, disse que

não ia subir mais em casa; não sei se ela não queria... (Nina)

Eu queria ser mais mãe, estar mais presente... A Silvana se formou no Ensino

Fundamental e eu não fui convidada. Foi a namorada do pai. (Luísa)

No mais, aspectos positivos foram relacionados quanto aos novos companheiros, de

amor entre eles e a criança, apoio nos problemas diários com os próprios filhos e para

recomeçar a vida. O novo companheiro deixa de ser um rival para ser um aliado no

enfrentamento dos problemas do cotidiano e dos cuidados com a criança. Quando ele não

existe na vida do outro, passa a ser desejado como fonte de arejamento da relação entre mãe-

filha, já que ele, como pai, não conseguiu fazer a interdição na relação.

Estamos há três anos juntos. Meu filho gosta muito dela... Entre a mãe e ela tem umas

coisinhas, elas não se dão muito bem... (Rui)

Meu marido cumprimenta, ele é muito educado, se respeitam. (...) Quando queimou a

luz e o chuveiro, ele disse: “pede pro Fúlvio!” [risos]. Eu, o Fúlvio e o meu marido

vivemos em paz; a mulher dele, não. (Maria das Graças)

Estou namorando, ela tem um filho e eu tenho dois. Os três se dão bem; uma hora

brigam, mas é coisa de criança. (Flávio)

Tenho problemas com meus filhos e ela tem os dela, existe uma certa sintonia. Se

começo a ficar chato, penso: você já passou por isso e tal. Existe muito desgaste por

causa de nada. (Carlos)

A minha esposa atual é uma ex-mulher que eu daria tudo pra ter (...). Ela nunca

privou os filhos de estarem com o pai. (Orlando)

A noiva dele tinha ciúmes, mas hoje ele é como se fosse um irmão [risos]. Quero que

ela faça parte da família para tratar bem minha filha. (Mariane)

O marido dela é maior amigão, a gente bate papo. Me dou melhor com ele do que

com ela, se quer saber; é gozado... (Fúlvio)

Hoje ela tá melhor porque o cara que ela estava antes influenciava muito. Parece que

agora ela tá com um rapazinho novo... (Carlos)

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Ela não entrou num outro relacionamento. A menina é tudo pra ela. Ela precisa mais

da menina do que a menina dela. (Mario)

Um segundo casamento, ou qualquer outro casamento adicional, envolve não somente

a união de duas famílias, mas o entrelaçamento de, no mínimo, três famílias, crianças, afetos

alegres e desejantes pela recomposição amorosa. Entretanto, há também rescaldos de afetos

tristes, ligados ao desfazer da primeira união, principalmente daquelas que passaram por

litígios. Este processo é tão comum, no sentido de ocorrer cada vez mais, e, ao mesmo, tão

complexo, devido às dificuldades e variáveis envolvidas, que estudiosos de família passaram

a acrescentar os recasamentos como uma fase do percurso da vida familiar (CARTER;

MCGOLDRICK, 1995). Os estudos aumentam, diversificam-se, mas não há consenso em

como lidar com os problemas advindos das novas uniões. Um reflexo disso, conforme

anteriormente citado, são os inumeráveis nomes destinados às novas uniões, tais como

“recasadas”, “multiparentais”, “tentaculares”, entre outros. Na mesma linha das dificuldades

de nomenclatura - padrasto/madrasta, tio/a -, também o lugar a ser ocupado pelo mais novo

elemento da família, o novo cônjuge ou companheiro(a), para além do espaço amoroso, ainda

está sendo social e afetivamente construído.

Dolto (2003) assegura-nos que um novo parceiro na vida dos pais é estruturante para a

criança, bem como que as dificuldades são provenientes dos adultos em não receberem bem

o(a) novo(a) parceiro(a) por ciúmes do ex-cônjuge, ou por terem dificuldade de assumir um

novo relacionamento e suas necessidades como homem/mulher. Os sujeitos pesquisados

permitem-nos inferir que os relacionamentos posteriores foram potencializantes tanto para

aqueles que refizeram seus casamentos com novos(as) parceiros(as) quanto para o outro lado

do ex-cônjuge, que teve que lidar com novos(as) parceiros(as) do(a) ex-parceiro(a). As

influências negativas no conflito entre os pais pareceram estar mais ligadas às dificuldades

advindas do fim do relacionamento, como também à fragilidade dos sujeitos quanto à

ocupação do seu próprio espaço na nova configuração familiar.

Passando para a análise sobre os protagonistas da nossa pesquisa, um dos

primeiros aspectos que indicou a existência de conflito foi a fala sobre a gravidez no

relacionamento. Este tema, que surgiu espontaneamente, trazido quase que exclusivamente

pelos homens, revela que a gravidez, apesar de ter sido fruto do amor que sentiam, foi, de

certa forma, vista como prematura na relação do casal.

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A gente se gostava bastante, se amava tanto que, em menos de seis meses optamos por

ter o filho. Ela já chegou na relação querendo ter o filho. (Rui)

Era minha namorada, ela ficou grávida. Eu assumi a responsabilidade, era uma coisa

que eu sonhava também. (Orlando)

Rolou, tivemos o Alexandre. (...) Não foi nada programado. Pelo menos de mim não,

não era nem época. (Fulvio)

Foi a mulher que eu fiquei menos tempo. Não posso dizer que a gravidez não foi

planejada; foi. O que não foi planejado foi o que aconteceu depois. (Nilson)

Fui morar com ela porque engravidou da Silvana e eu assumi o papel de homem não

abandonando; eu gostava dela. (...) (Flávio)

Eu a engravidei e casei (...) muito cedo, não foi bom. (Carlos)

Começamos a namorar, acho que uns seis ou sete meses depois ela engravidou. (...) A

gravidez não foi nada planejada. (Mario)

Nós sempre evitamos filhos. A única vez que eu não evitei, fiquei grávida.

Impressionante! (Maria das Graças)

“A partir da década de 1960, não apenas no Brasil, mas em escala mundial,

difundiu-se a pílula anticoncepcional, que separou a sexualidade da reprodução e interferiu

decisivamente na sexualidade feminina.” (SARTI, 2003, p. 21). A década de 60 foi um divisor

de águas. Com a difusão dos métodos contraceptivos, houve uma mudança radical na vida da

mulher, refletindo-se nos relacionamentos familiares e sociais. Devido à esta mudança, a

decisão de ter ou não filhos ficou, inicialmente, nas mãos da mulher, no sentido de tomar ou

não a pílula. Todavia, posteriormente, com a difusão do uso da camisinha, principalmente

depois da instalação da AIDS como uma endemia, os homens também se apoderaram dos

métodos contraceptivos. Sarti (2003, p. 22) considera que a evolução tecnológica “[...]

introduziu no universo naturalizado da família a dimensão da escolha”, que modificou,

significativamente, as relações afetivas familiares e a demografia do planeta.

Na década de 80, houve um novo impulso nesse quadro devido à difusão do exame

de DNA, uma vez que ele permitiu a identificação da paternidade em muitos processos

judiciais de reconhecimento, tendo, nos referidos processos, seu principal elemento de prova.

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Com o crescimento da utilização do exame de DNA para a verificação da paternidade, muitos

homens foram chamados à sua responsabilidade e, com isso, passou-se a ter uma nova cultura

quanto à contracepção.

Entretanto, apesar de todos os avanços tecnológicos, percebemos, por meio dos

dados obtidos dos sujeitos pesquisados, que a responsabilidade quanto à reprodução humana

ainda tende a ser maior para a mulher. A gravidez e os métodos de contracepção, mais do que

uma tecnologia, envolvem a cultura, relacionam-se a todas as dimensões do ser humano, está

presente no corpo e na mente; portanto, não apenas no aspecto da razão, mas também no da

paixão.

Quando a maioria dos sujeitos referiu-se ao relacionamento entre eles como pais,

surgiram as lembranças90 tristes da época, ou do período logo após a separação, quando o

conflito estava em seu ápice. Foram relatadas lembranças de violência, demonstrados afetos

tristes de decepção, vergonha91, e de serem desconsiderados92 pelo outro. O fato dessas

lembranças serem tão presentes em suas memórias contribuem para que ainda permaneça esse

estado de ânimo, permeado por sentimentos tristes que enfraquecem seus conatus. Os

desentendimentos foram sempre colocados no outro, e não na relação e em suas

condicionantes.93

Ela é uma pessoa que eu não vou ter amizade, não é minha amiga, não é de

confiança. (Orlando)

Grande parte ela queria me ausentar, me reduzir. Ela já fez tanta ‘sujeirada’

comigo! (Mario)

A situação de agressividade, de assédio moral, permaneceu após a separação.

(Marlene)

Ele estava na praia, eu falava o nosso filho estava com febre, ele dizia: “o hospital

é ai pertinho, você leva.” (Nina)

90 “Não está sob o livre poder da mente esquecer ou lembrar de alguma coisa.” (E III, 02 esc.). 91 “A vergonha é uma tristeza acompanhada da ideia de alguma ação nossa que imaginamos ser desaprovada pelos outros.” (E III, AD31). “Chamaremos glória à alegria acompanhada da ideia de uma causa interior, e vergonha à tristeza que lhe é contrária, quer dizer, quando a alegria ou a tristeza provém do fato de o homem se julgar, respectivamente louvado ou reprovado.” (E III, 30 esc.). 92 “A desconsideração consiste em, por ódio, ter sobre alguém uma opinião abaixo da justa.” (E III, AD22). 93“Assim, à medida que consideramos apenas a própria coisa e não as causas exteriores, não poderemos encontrar nela nada que possa destruí-la.” (E III, 04 dem.).

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Achei que ia ser uma coisa e na realidade foi outra. (Fúlvio)

Apesar de ter perdoado e tudo, mas aquilo que ela fez na época me deixou até hoje

magoado. (...) Ela começou a me agredir, uma vez me deu umas chineladas na frente

do meu filho (...) tacou um brinquedo nas minhas costas... Nossa! [espanto]. (Rui)

Ele fez coisas que me magoaram muito... Tivemos uma briga e aconteceu algo que

foi imperdoável... Nunca queria ter me separado! Tomei a atitude porque chegou a

um ponto insuportável. (Sueli)

Foi um rompimento totalmente traumático. (Maria das Graças)

Dizem que ela tem raiva de mim, não sei por que, não fui um monstro (...). Ela me

deu um tapa na cara, aí eu mostrei quem tinha mais força. (...) Era muita briga entre

eu ela. (Flávio)

Quase um ano sem ver minha filha. Ela me desgastou na cidade, só tentou me

prejudicar. A minha mágoa é após a separação, com essas atitudes. (Carlos)

Ao ouvirmos palavras que refletem mágoas, como a vergonha, a desconsideração e

outros afetos tristes, podemos, de imediato, apegarmo-nos a elas como se não existisse espaço

para afetos potencializantes na relação. Ao estar com pais que viveram, e ainda vivem, em

uma situação de conflito, ainda que em menor grau, é necessário que os conheçamos, os

observemos na linguagem e como ela acontece.

Maturana (2002) diz que, se queremos entender a linguagem, em nossa convivência,

temos que nos inteirarmos que os seres humanos não distinguem na experiência entre ilusão e

percepção como afirmações cognitivas sobre a realidade94. Explica que, para este

entendimento, há o caminho da objetividade-entre-parênteses e o da objetividade-sem-

parênteses. No primeiro, nós aceitamos o outro, independente do que ele diga ou pense; no

segundo, ao contrário, “[...] as relações não ocorrem na aceitação mútua [...]. O conhecimento

dá o poder e legitima a ação, ainda que seja para negar o outro”. (MATURANA, 2002, p. 49).

Conclui que, no caminho da objetividade-entre-parênteses, ninguém está intrinsicamente

equivocado por operar em um domínio de realidade distinto do que preferimos, enquanto que,

no caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses, somos sempre irresponsáveis na

94 “A experiência, entretanto, ensina, sobejamente, que nada está menos sob o poder dos homens do que sua língua, e que não há nada de que sejam menos capazes do que de regular seus apetites.” (E III, 02 esc.).

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negação do outro, pois é a “[...] realidade que o nega [...]” (MATURANA, 2002, p. 50), não

somos nós.

Depreendemos que, no primeiro caminho, a razão ocorre integrada à emoção; e no

segundo, pretensamente apenas na razão. Maturana (2002, p. 51) observa que “A aceitação

apriorística das premissas que constituem um domínio racional pertence ao domínio da

emoção e não ao domínio da razão [...]”, mas comumente agimos como se fosse possível

separar razão e emoção. Em outras palavras, a escolha de trilhar o caminho da racionalização

obedece, primeiramente, ao critério da emoção, uma vez que tal escolha tem por base a

emoção, mesmo que não se tenha consciência disto, posto que a emoção é parte constituinte

das relações humanas95. Então, a linguagem, imbuída de emoção, vem como um sistema de

símbolos de comunicação em interação, coordenada e sequencial, realizada de maneira

consensual, que se constitui quando incorporada ao viver. Assim, conforme assinala

Maturana,

É por causa da incorporação do modo de viver que não é fácil mudar, pois as pessoas já “viveram de um determinado modo” quando a questão da mudança se coloca. A dificuldade das mudanças de entendimento, de pensamento, de valores, é grande. Isto se deve à inércia corporal, e não ao fato de o corpo ser um lastro ou constituir uma limitação. Ele é nossa possibilidade e condição de ser. [...] Organismo e meio desencadeiam mutuamente mudanças estruturais sob as quais permanecem reciprocamente congruentes, de modo que cada um flui no encontro com o outro seguindo as dimensões em que conservam sua organização e adaptação, caso contrário, o organismo morre.96 (MATURANA, 2002, p. 61-62).

A linguagem é um importante meio de afetar o outro e de ser afetado; é tanto um

instrumento de aproximação quanto de afastamento. Algumas vezes, ela é um instrumento

utilizado para dar golpes no outro, bem como para ser golpeado. As reações nessas interações

recorrentes são permeadas pelas emoções. A esse respeito, Maturana explica:

Existem duas emoções pré-verbais que tornam isto possível. São elas: a rejeição e o amor97. A rejeição constitui o espaço de condutas que negam o outro como legítimo outro na convivência; o amor constitui o espaço de condutas que aceitam o outro como um legítimo outro na convivência. A rejeição e o amor, no entanto, não são

95 “[...] a mente e o corpo são uma só e mesma coisa, a qual é concebida ora sob atributo do pensamento, ora sob o da extensão.” (E III, 01 esc.). 96 “Quando uma parte fluida do corpo humano é determinada, por um corpo exterior, a se chocar, um grande número de vezes, com uma parte mole, a parte fluida modifica a superfície da parte mole e nela imprime como que traços do corpo exterior que a impele.” (E II, 05 post.). 97 “Assim, essa doutrina, além de tornar nosso espírito inteiramente tranquilo, também nos ensina em que consiste nossa suprema felicidade, ou seja, nossa beatitude: unicamente no conhecimento de Deus, pelo qual somos induzidos a realizar apenas aquelas ações que o amor e a generosidade nos aconselham.” (E II, 49).

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opostos, porque a ausência de um não leva ao outro, e ambos têm como seu oposto a indiferença. Rejeição e amor, no entanto, são opostos em suas consequências no âmbito da convivência: a rejeição a nega e o amor a constitui. A rejeição constitui um espaço de interações recorrentes que culmina com a separação. O amor constitui um espaço de interações recorrentes que se amplia e pode estabilizar-se como tal. (MATURANA, 2002, p. 66).

Encontramos, nos discursos dos sujeitos pesquisados, emoções e sentimentos de se

perceberem rejeitados pelo outro, de não querererem a amizade do outro - não por

indiferença, mas por avaliarem a não aceitação do outro enquanto pessoa, ou na função de

serem pais/mães e compartilharem um bem comum: o filho. Como observamos, a rejeição,

em alguns casais parentais, chegou ao cume da ofensa e de ataques, inclusive em sua

integridade física. A indiferença não se fez presente em nenhum discurso dos pesquisados; ao

contrário, o envolvimento emocional foi predominante. Analisamos que, nesse aspecto,

utilizaram a racionalidade da objetividade-sem-parênteses para permanecerem separados,

vendo no outro a causa da tristeza, talvez até como forma de conseguirem suportar a tristeza e

acomodar o vivenciado.

Os pesquisados apresentaram, também, como haviam conseguido viver os dias que,

em menor ou maior grau, ainda eram de conflito, além de mencionarem como haviam

superado, ou ainda estavam superando, as dificuldades no dia a dia, quais estratégias

encontradas tinham funcionado para encontrar a paz tão desejada! Alguns pais optaram por

conversar pouco com o(a) ex-companheiro(a), posto que as tentativas, mesmo depois da

mediação, frustraram-se. Então, procuram ater-se a um único assunto: os filhos. Por outro

lado, outros pais, quando decidiram falar, faziam-no sem cobranças, procurando observar,

nessas pequenas conversas, as evoluções e as qualidades no outro, apesar das decepções. A

autoavaliação é algo que aparece como necessário para que haja o reconhecimento dos

próprios erros. Da mesma forma, é muito importante saber relevar ao outro, no cotidiano,

pequenas coisas das quais não gosta, bem como aprender a doar-se, a participar, a chamar o

outro para o convívio. Este aspecto mostrou-se muito relevante para os nossos pesquisados.

Conforme a nossa avaliação, tudo parece indicar que os pesquisados que conseguiram, e têm

conseguido, conviver melhor foram os que ficaram atentos aos seus papéis e perceberam a

importância de cada um98.

98 “A nossa mente, algumas vezes, age; outras, na verdade, padece. Mais especificamente, à medida que tem ideias adequadas, ela necessariamente age; à medida que tem ideias inadequadas, ela necessariamente padece.” (E III, 01).

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A gente pouco se fala. No período que a gente estava na mediação foi quando eu senti

que a coisa estava caminhando na paz. (Mario)

Só falo com o Flávio o necessário. (Luísa)

Só com relação ao filho se conversa. (Rui)

Discordo de muitas atitudes dele, falo pra ele (...) há menos cobrança e menos mágoa.

(Sueli)

Um filho está com febre, aí eu ligo pra saber, ela dá um retorno. Tempos atrás, ela

nem retorno dava. Então, melhorou nesse sentido. (Orlando)

No aspecto dona de casa, trabalhadora, ela é boa, mas no trato de esposa, mãe, ela

deixa muito a desejar. (Flávio)

Falta olhar o outro, reavaliar os seus pontos de vista. (Marlene)

Vejo que errei muito. (Carlos)

A gente foi conversando e tal, foi dando certo (...). Reunião, festinha na escola,

sempre ligo. Desencanei, não peço mais, não conto com ele, dou o meu jeito. (Nina)

Mesmo que fique muito irritado, prefiro ignorar o fato. (...) Se for uma coisa grave

com minha filha, vou querer saber (...) Às vezes, ela quer me dar ordem, mas não

faço. (Nilson)

Levei o Alexandre ao médico, mas ela podia marcar e levar. Acabou me

atrapalhando... Levei ela no hospital, comprei remédio pra ela e pro cachorro (...)

Vou lá arrumar chuveiro, trocar toda a parte elétrica do apartamento! (Fúlvio)

Ele é um ótimo amigo e um péssimo marido, (...) pega o Alexandre quase todos os

dias. (Maria das Graças)

Às vezes, nos falamos mais de duas ou três vezes por dia (...). A maioria é em relação

a Catarina. Quando você sabe qual é o papel de cada um e o porquê tá fazendo, não

cria mal-estar pra ninguém. (Mariane)

Nos nossos usuários, da mesma forma que encontramos afetos advindos da tristeza,

também encontramos os advindos da alegria, que os têm levado à compreensão. Percebemos

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que há espaço no relacionamento entre os pais para afetos potencializantes. Um dos aspectos

apontados que auxilia é conseguir perceber que o filho gosta do(a) ex-parceiro(a), que ele(a),

apesar de não fazer mais parte da relação enquanto casal, é uma pessoa boa para o seu filho. O

respeito em via dupla, no sentido de sentir pelo outro e, também, de que ele é nutrido,

percebido nas pequenas atitudes diárias, é um sentimento potencializante. Da mesma forma

que o respeito, é importante haver o reconhecimento de que também houveram coisas boas

nos anos vividos em casamento, bem como de se rever as atitudes, mesmo depois da

separação, para que seja possível ver que muitas coisas, mesmo aquelas que a princípio não

eram apreciadas, aos poucos podem revelar-se de outra forma. Voltando à questão do trabalho

no nosso Setor de Mediação, a mediação auxilia os casais em conflito a superarem o conflito,

a se aceitarem novamente enquanto indivíduos e a se respeitarem, mesmo após a separação.

Entretanto, se, por um lado, auxilia a um casal saber que a mediação é um fator que colabora,

por outro, uma ajuda maior depende, essencialmente, do desejo dos participantes de realmente

permitirem passar por esse processo de mediação e trabalharem, mutuamente, o conflito, a

fim de que ele seja superado.

O Thiago gosta muito dele. Já consigo colocá-lo nas minhas orações, ver o quanto ele

é importante pro nosso filho. (Nina)

Torço pra ela arrumar um emprego bom... Prefiro, na realidade, que nosso filho fique

com ela; foi criado com ela. (Fúlvio)

Gosto do jeito dela de ser mãe, tanto que eu nunca pedi guarda. (Nilson)

Tenho respeito como pai da minha filha. (Marlene)

Ela tem me respeitado bastante. Tenho me surpreendido porque ela tem me passado

todas as coisas dele... caderno, escola, reuniões. Nesse ponto, está muito bom. (Rui)

Acho que é o seguinte: nós casamos, crescemos, brigamos, mas a gente era até muito

companheiro. Eu trabalhava, estava feliz e tal (...). (Carlos)

O fato de ela ter aceitado os filhos morar comigo, foi um lado bom dela; aí foi a parte

mais mãe de toda a nossa vida. (Flávio)

Hoje me dou bem com ele (...). Valeu a pena a mediação pra ficar em paz. (Maria das

Graças)

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Reestabelecer o vínculo com meus filhos não foi atingido com a mediação. Só vai ser

atingido a partir do momento que todo mundo quiser isso, ou quando eles forem mais

velhos e puder tomar decisões. (Orlando)

O tempo99 surgiu com relevância nos discursos dos pesquisados, como algo marcante

para delimitar o espaço do conflito e curativo por escolha pessoal, ou por obra da própria

vida. O tempo também foi visto como julgador das dificuldades e acertos do relacionamento

em conflito, motivo para esperança e, talvez, como o grande sensor para arbitrariedades e

atitudes não democráticas das partes envolvidas no conflito.

Estamos separados vai fazer seis anos. Eu não tenho vontade de conversar com ela;

só em relação aos meus filhos. (Carlos)

São quase 30 anos de convivência! Com o tempo, as coisas vão se encaixando,

amadurecendo, terras vão cobrindo o buraco, e aí você vai semear alguma coisa ou

vai ficar árida pra sempre. Escolhi semear, florescer. O tempo é curativo! (Sueli)

Já não tem mais as agressões verbais que existiram no inicio da separação. Também

não permito mais acontecer. (Marlene)

Há um tempo não era assim. Não tinha aquele negócio de finais de semana

alternados. Não era o que eu queria, mas acabou sendo conveniente, porque o

menino, mesmo no começo, não queria sair. Aí, foi ficando, e com o tempo mudou.

(Rui)

O tempo também ajudou o pai do meu filho a ficar mais tranquilo, mais maduro.

(Maria das Graças)

Pode não ter repercussão naquele assunto hoje, mas com o passar dos anos aquilo

repercute. (Mariane)

Minha filha já vai ter uma idade que eu negocio com ela! Acho que vai ser muito mais

flexível. (Mario)

Eu tenho fé que, com o tempo, isso vai mudar. (Orlando)

99 “Desde que se tome o tempo em consideração, os afetos que provêm da razão ou que ela suscita são mais potentes do que aqueles que estão referidos a coisas singulares que consideramos como ausentes.” (E V, 07).

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Ao finalizarmos o capítulo das relações afetivas entre os pais, consideramos que é

necessário refletirmos sobre a outra face do conflito: a compreensão.

Ao realizarmos a análise referente às relações afetivas entre os pais em litígio, no que

concerne a eles propriamente, elegemos, inicialmente, o conflito como categoria principal. Ao

adentrarmos na análise, percebemos que, juntamente com o conflito, a categoria da

compreensão revela-se de grande importância, pois o conflito, em sua essência, é

incompreensão e, para entendê-lo, é necessário olhá-lo, desvelá-lo com compreensão.

A incompreensão geralmente vem de imediato e produz estragos nas relações entre

países, religiões, profissionais, familiares etc. A incompreensão gera mais incompreensão, que

gera ódio, que gera vontade de prejudicar. Quanto à compreensão, ela exige mais esforço

porque precisamos compreender nós mesmos, o outro, a situação fática e nós na relação com

o outro.

Morin (2011, p. 112) considera que existam três procedimentos que “[...] devem ser

conjugados para engendrar a compreensão humana: a compreensão objetiva, a compreensão

subjetiva, a compreensão complexa”. Segundo ele, a compreensão objetiva comporta a

explicação, que é quando se articulam dados e informações sobre a situação, as causas, as

determinações e, assim, é composto o quadro fático. A compreensão subjetiva é resultado de

um entendimento entre os sujeitos, realizada por meio do conhecimento de vivências,

motivações, sofrimentos e sentimentos do outro. A compreensão objetiva necessita da

compreensão subjetiva e vice-versa, pois apenas as explicações desumanizam e apenas os

sentimentos cegam a compreensão. Deste modo, há que existir uma dialógica objetivo-

subjetivo. A compreensão complexa contém a compreensão objetiva e a subjetiva, mas não é

a somatória das duas. Ela é multidimensional porque o outro não é apenas seu ato e seu

sentimento, mas o conjunto de suas diversas dimensões, singulares e globais. São observados

os contextos, as fontes culturais, sociais e psíquicas dos atos e das ideias, suas condições

históricas perturbadas e perturbadoras. Não se trata, apenas, de compreender a complexidade

do ser humano, mas também de compreender as condições em que são forjadas as

mentalidades e praticadas as ações, como o ser humano e as condições pessoais/sociais são

combinados para que aconteça tal resultado. Segundo Morin,

Há um vínculo subjacente entre os três modos de compreensão. O prefixo com-, de “complexidade” e “compreensão”, indica esse laço. Com-preender, tomar em conjunto, envolver, enlaçar. A explicação enlaça objetivamente; a compreensão

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subjetiva enlaça subjetivamente; a compreensão complexa enlaça subjetiva e objetivamente. (MORIN, 2011, p. 113).

A arte e a literatura são condutores para a compreensão complexa. Por meio delas,

compreendemos muitos fatos objetiva e subjetivamente, mas também nos identificamos e nos

emocionamos. Destarte, a compreensão passa a ser não apenas um movimento para o outro,

mas um movimento que, indelevelmente, afeta o outro e a nós mesmos.

O compreender passa, também, por compreender a incompreensão. Segundo Morin

(2011, p. 116), “[...] as fontes da incompreensão são múltiplas e quase sempre convergentes”.

Alguns paradigmas elucidam parcialmente e cegam globalmente, mas nos dão a sensação de

que os conceitos neles contidos conseguem explicar todas as situações e todos os fenômenos.

Por serem parciais, reduzem o todo a partes e as mesmas perdem o contexto, esvaindo-se,

assim, a compreensão complexa, restando, como saída, recorrer a metapontos de vista. Morin

salienta:

O pensamento complexo comporta intrinsecamente um metaponto de vista sobre as estruturas do conhecimento, o que permite compreender o paradigma de disjunção/redução dominante nos modos de conhecimento comuns, mas também nos científicos; finalmente, possibilita compreender as determinações paradigmáticas da incompreensão. (MORIN, 2011, p. 117) .

Segundo Morin (2011, p. 117), “[...] o erro nas comunicações humanas é uma fonte

permanente de incompreensões”. Há convicção de que se compreendeu a comunicação da

forma correta, como da mesma forma o emissor da comunicação tem a convicção de que

exarou a comunicação sob conteúdo e forma correta. Contudo, essa comunicação pode estar

permeada de ruídos, devido a fatores pessoais/culturais, e ser compreendida equivocadamente,

que é pior do que não ter compreendido, pois se tem a sensação de compreensão e, daí, parte-

se para o julgamento.

“Outro obstáculo à compreensão é a indiferença [...]” (MORIN, 2011, p. 118), porque,

como dissemos em nossa análise, ela é o oposto do amor. A indiferença é como se fosse uma

petrificação dos sentimentos de empatia com o outro, imune ao sofrimento alheio. As dores

sofridas podem servir para tornar os sujeitos mais duros e insensíveis à dificuldade de

superação do outro; assim, não se é afetado pela compaixão. Conforme constatamos, não é a

situação revelada na relação afetiva entre os sujeitos pesquisados.

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A incompreensão também pode ser proveniente de diferenças culturais, de religiões

(deuses, mitos) e, até, devido a diferenças de concepções (paradigmas, teorias). A cultura, as

religiões e as visões de mundo servem para confortar-nos, para explicar, para dar um sentido

ao que nos afeta, mas, de alguma maneira, elas também nos possuem e passam a ser

“entidades possessivas” que nos dominam e, por vezes, nos levam a viver, a matar e a morrer

por elas. Morin argumenta que

As ideias manipulam-nos mais do que as manipulamos. A possessão por uma ideia faz com que nos tornemos incompreensivos com os que estão possuídos por outras ideias e os que não se deixam possuir por nossas ideias. Todas as formas de possessão, invisíveis para quem elas obedece, produzem incessantemente a incompreensão dos outros deuses, mitos, ideias. (MORIN, 2011, p. 119).

As ideias, segundo Morin (2011), podem ser fontes psíquicas de cegamento e

autojustificação em relação ao mal que se comete. São provenientes do egocentrismo e ou do

autocentrismo – colocar-se no centro mundo, gerando um processo mental denominado, pelo

autor, de self-deception – mentira para si mesmo. O autor ressalta que

Muitas são as fontes de cegueira: em relação a si e ao outro, fenômeno geral cotidiano; cegueira pela marca da cultura nos espíritos; cegueira resultante de uma convicção fanática, política ou religiosa, de uma possessão por deuses, mitos, ideias; cegueira proveniente da redução e da disjunção; cegueira por indiferença, ódio ou desprezo; cegueira criada pelos turbilhões históricos que arrastam os espíritos; cegueira antropológica vinda da demência humana; cegueira oriunda de um excesso de racionalização ou de abstração, as quais ignoram a compreensão subjetiva. Cegueira por desconhecimento da complexidade. (MORIN, 2011, p. 120).

Esta cegueira existe, e na maioria das situações não é intencional. Como percebemos

nas relações afetivas entre os sujeitos pesquisados em uma situação de conflito, por vezes a

cegueira mostra-se em um grau mais elevado ou mais leve, mais em uma parte que em outra.

Uma das grandes dificuldades é o medo que as partes que enfrentam uma situação de litígio

têm de compreender. Por meio da análise dos dados coletados no nosso estudo, pudemos

verificar que um dos medos percebidos pelos pesquisados seria que, ao compreenderem a

outra parte, aquele que compreendesse teria que dar razão ao outro e, consequentemente,

poderia perder a causa pela qual judica.

Entretanto, como diz Morin (2011, p. 121), “Compreender não significa justificar. A

compreensão não desculpa nem acusa. Favorece o juízo intelectual, mas não impede a

condenação moral. Não leva à impossibilidade de julgar, mas à necessidade de complexificar

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nosso julgamento.” O medo de compreender está relacionado a uma suposta obrigação de

uma mudança de atitude em relação ao conflito instalado. Logo, supostamente, compreender

deve levar a uma atitude, que é sair da suposta zona de conforto em que se encontra, pois,

quando quem está errado é o outro, o sujeito é apenas um receptor, é passivo. Compreender é

apenas compreender. A atitude em relação à compreensão é outra coisa. “Pode-se

compreender o adversário e combatê-lo ao mesmo tempo. [...] Não elimino o conflito, ponho

o conflito de ideias no centro de nossos interesses. Não me impeço de julgar. Mas dou

prioridade à compreensão.” (MORIN, 2011, p. 122).

A compreensão exige pensar, refletir, inteirar-se de você mesmo e conversar,

considerar o outro como humano. Sair do maniqueísmo que é pobre como forma de

pensamento, que pode ser a morte para o pensar. Compreender é, também, poder deixar-se

levar e encontrar-se com a limitação da vivência daquele momento que é histórico, permeado

por condições, pois “Compreender não é tudo explicar. O conhecimento complexo sempre

admite um resíduo inexplicável. Compreender não é compreender tudo, mas reconhecer que

há algo de incompreensível.” (MORIN, 2011, p. 124).

Desta forma, conforme analisamos os depoimentos dos sujeitos, pudemos constatar

que, quando a mediação acontece já no estágio do litígio, fica mais difícil exercitar a

compreensão, pois nestas situações a família já tentou compreender, lidar várias vezes com o

conflito; entretanto, as suas tentativas não foram frutíferas. Usualmente, a cada vez que as

pessoas tentam e não obtêm sucesso, novos afetos vão se acumulando aos antigos, fazendo

com que as pessoas desistam de, por si só, tentar compreender aquele conflito. Conforme

Barbosa,

[...] as relações de afeto são as mais complexas, quando acometidas de crise, e, normalmente, acabam sendo cronificadas, quando reguladas sob a ótica fria da letra da lei, cuja aplicação visa a generalização do conflito, estabelecendo um modelo de verdade para classificar o sofrimento humano, sem reconhecer as diferenças existentes entre os sujeitos de direito [...]. (BARBOSA, 2009, p. 7).

Em outras palavras, os usuários recorrem ao Judiciário quando se percebem em uma

situação de fragilidade de sua capacidade para lidar com o conflito por meios conversacionais,

delegando a uma autoridade a decisão que, supostamente, a eles caberia tomar. Por esta razão,

supõe-se que o nível de dificuldade da mediação familiar judicial, ou seja, da mediação que

ocorre quando em meio ao processo judicial, é maior que na fase pré-processual, pois no

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primeiro caso a litigiosidade está instalada. Assim, um terceiro torna-se necessário para

colaborar no enfrentamento do conflito e reabrir o canal das conversações por meio da busca

da compreensão. Por isso, o tema do nosso próximo capítulo refere-se às reflexões sobre a

mediação judicial.

Sou eu que vou seguir você Do primeiro rabisco até o bê-a-bá

Em todos os desenhos Coloridos vou estar

A casa, a montanha, duas nuvens no céu E um sol a sorrir no papel

Sou eu que vou ser seu colega

Seus problemas ajudar a resolver Te acompanhar nas provas bimestrais

Você vai ver Serei de você confidente fiel

Se seu pranto molhar meu papel

Sou eu que vou ser seu amigo Vou lhe dar abrigo

Se você quiser Quando surgirem seus primeiros raios de mulher

A vida se abrirá num feroz carrossel E você vai rasgar meu papel

O que está escrito em mim

Comigo ficará guardado Se lhe dá prazer

A vida segue sempre em frente O que se há de fazer

Só peço a você um favor

Se puder Não me esqueça num canto qualquer.

(TOQUINHO, MUTINHO, 1983)

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CAPÍTULO V - A COMPREENSÃO DA MEDIAÇÃO FAMILIAR PELOS USUÁRIOS E AUTORIDADES JUDICIÁRIAS

Mas graças a Deus que há imperfeição no mundo Porque a imperfeição é uma cousa,

E haver gente que erra é original, E haver gente doente torna o mundo engraçado.

Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos, E deve haver muita cousa

Para termos muito que ver e ouvir (Enquanto os olhos e ouvidos não se fecham)...

FERNANDO PESSOA

Após abordarmos os sujeitos pesquisados quanto ao tema das relações afetivas

familiares entre pais de crianças/adolescentes em situação de litígio, iniciamos a segunda

parte da nossa análise, com o objetivo de desvelarmos o sentido da mediação familiar. Neste

capítulo, buscamos compreender e analisar a mediação familiar pela ótica dos usuários e das

juízas que os enviaram para que pudéssemos realizar este trabalho. Estabelecemos, assim, a

conexão entre as relações afetivas dos usuários e a mediação como forma utilizada pelo

judiciário para o enfrentamento dos conflitos familiares.

Iniciamos, apresentando a percepção dos usuários e a das autoridades judiciárias.

Propomos conhecer um pouco mais a complexidade das famílias pesquisadas e investigar o

sentido da atuação dos assistentes sociais em mediação familiar através do que pensam e

sentem os usuários a respeito deste trabalho, apresentando a nossa compreensão do assunto

tratado.

De acordo com a análise anterior, entendemos que as mudanças nas relações sociais

e familiares trouxeram uma nova significação na composição e no papel das famílias, tanto no

âmbito do seu funcionamento interno quanto na perspectiva da sociedade. Reconhecendo a

importância dessas mudanças e considerando-as como um espaço insubstituível de proteção e

socialização primárias, de provisão de cuidados que precisam ser gerenciados e em

consonância com o aparato legal, o Estado reconheceu, a partir de 2004, por meio do Plano

Nacional de Assistência Social, a matricialidade sociofamiliar como um condutor desta

política pública.

O reconhecimento da importância da família no Plano Nacional de Assistência Social

e no Sistema Único de Assistência Social é norteador, mas não se constitui, por si só, em

trabalho efetuado aos cidadãos. O tempo posterior é de operacionalização, não só no poder

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executivo, mas também nos demais poderes, inclusive no judiciário. Por conseguinte, a

mediação familiar pode colaborar na composição dos programas de políticas sociais nas

esferas do judiciário, executivo e legislativo. Ela pode ser realizada no executivo, em

programas de atendimento às famílias, às crianças e aos adolescentes, e necessita de melhor

visibilidade na legislação brasileira. Entendemos a mediação familiar como um processo de

trabalho que pode estar inserido no conjunto das políticas sociais que pretende fortalecer a

família como uma instituição importante ao sistema social e vital às pessoas.

Neste estudo, vamos nos ater à aplicação da mediação familiar no judiciário e ter

como referência a Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses. A

mediação familiar judicial é uma oportunidade no que tange ao judiciário e às partes

litigantes, uma vez que, por meio dela, realiza-se uma humanização das relações do judiciário

com os cidadãos, seus usuários, dispondo de serviço e espaço para esclarecer os conflitos

existentes nas relações familiares.

A mediação, desta forma, apresenta-se como uma das possibilidades de acolher os

usuários do poder judiciário enquanto cidadãos protagonistas no exercício dos seus direitos.

São pessoas capazes de discernirrem e compreenderem a situação em que estão envolvidas,

levando em consideração as condições de resgatarem suas próprias histórias e

responsabilidades pessoais e sociais. “A mediação familiar, em sua essência, identifica-se

com a ética do cuidado que vem a ser a atividade humana de preservação da vida em sua

plenitude.” (BARBOSA, 2010, bol. 62, p. 8). Pereira (2009, p. 89) afirma que, no momento

atual, somos convocados a identificar o “[...] cuidado como um valor jurídico [...]”, e suas

bases constitucionais estão, especialmente, contempladas na Convenção Internacional sobre

os Direitos da Criança que se refere ao “cuidado” como exigência. Ao mesmo tempo, tem

também sido considerado como um instrumento de transformação por diversas áreas de

atuação profissional. Segundo Pereira,

Preconizando o “cuidado” como valor jurídico, estamos diante da identificação de princípios que extrapolam os limites expressos pela legalidade. Em nome do interesse público, desafia-nos a ética da corresponsabilidade, fundada na solidariedade e na cidadania. O “cuidado” também deve informar as relações privadas e institucionais, conduzindo a efetivos compromissos. (PEREIRA, 2009, p. 96).

Com a mediação, o judiciário não apenas responde à solicitação aparente, como

também assume o cuidado como um valor e atende, efetivamente, às necessidades do

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jurisdicionado. Favorece aos litigantes que abandonem a posição de delegar a um terceiro a

decisão sobre a sua vida familiar, assumindo o que é melhor para si e a sua família com base

no reconhecimento dos seus direitos e na ampliação das possibilidades.

A investigação da percepção dos usuários e das magistradas a respeito da mediação

veio coberta por apreensões, pois, desde o início do processo, mantivemo-nos envolvidas na

idealização, implantação e execução do projeto desse trabalho, além de termos sido

responsáveis pelos atendimentos. A curiosidade de uma pesquisadora/profissional envolvida e

permeada por sua afetividade tornou esta experiência um desafio. O caráter de proximidade

aumentou o nível de tensão na pesquisa e a responsabilidade de chegar o mais perto possível

da realidade. Não se tratava, apenas, de dados a serem analisados ou implicações na vida dos

usuários e no trabalho das magistradas, mas também de um envolvimento na vida dos sujeitos

pesquisados e da pesquisadora. Este encontro remeteria a afetos pertinentes a caminhos

trilhados e, talvez, a reflexões a respeito das escolhas. A apreensão das informações foi

imbuída do mais genuíno sentido de cuidado e de curiosidade.

1. Percepção dos usuários

“Eu pensava: será que eu não consigo, através desse espaço, junto com o Serviço Social, com a

minha ex-mulher, melhorar a vida do meu filho?” (Rui – usuário)

Em capítulo anterior, foram analisadas as relações afetivas familiares dos sujeitos

que estiveram e estão em litígio em sua convivência familiar. Observamos as relações afetivas

dos usuários com a sua família de origem, com os seus filhos e entre eles. Depreendemos que

viviam - e alguns, de certa maneira, ainda vivem - uma situação de sofrimento.

Consideramos como aspectos muito relevantes no processo de mediação: a

percepção dos usuários em relação à própria participação; de que modo os mediandos foram

afetados pela mediação; as mudanças para os mediandos, proporcionadas pela mediação; os

limites existentes; as sugestões dadas pelos mediandos quanto à metodologia a ser empregada

pelos mediadores; e o seu significado. Os usuários foram e são os protagonistas do trabalho,

que só tem razão de ser se for útil e fizer sentido para eles. Do mesmo modo, a mediação só

tem sentido para o Serviço Social: se der materialidade ao projeto ético-político da profissão e

atender aos princípios do Código de Ética, se preconizar a liberdade como valor ético central,

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se servir como instrumento para colaborar na ampliação e na consolidação da cidadania dos

usuários, transformando a cultura litigante de competição em uma cultura da paz, com vistas à

emancipação humana.

Os sujeitos pesquisados remetem-nos a curiosidades profissionais específicas.

Quando ingressaram com a ação judicial, aparentemente tinham abandonado a ideia da

compreensão; entretanto, aceitaram a mediação. Por seu caráter voluntário, nos casos

pesquisados, os usuários poderiam ter desistido, mas não o fizeram. Então, na primeira parte

deste capítulo, que trata da percepção dos usuários, temos algumas indagações pontuais:

- o que levou os usuários a aceitarem o trabalho de mediação?

- ao aceitarem participar do trabalho, o que os motivou a permanecerem?

- ao participarem, observaram diferenças em suas vidas que creditam à mediação?

- quais críticas e sugestões teriam em relação à mediação familiar?

- depois de dois, três, ou quatro anos que participaram do trabalho, qual seria o

significado da mediação para eles?

a) Percepção dos usuários quanto à sua participação na mediação familiar

Inicialmente, observamos o que os usuários pesquisados pensavam sobre sua

participação no trabalho de mediação. Questionávamos o que poderia tê-los levado a

aceitarem a mediação, já que a aceitação é que determina a existência do trabalho.

Constatamos que as vivências negativas no contexto do sistema judiciário, com suas regras

e formalismo, além de outras dificuldades, teriam afetado os usuários de maneira triste.

Contudo, paradoxalmente, foi esse afetamento que os fez pensar ser possível um novo meio

de enfrentamento dos seus conflitos. O descontentamento manifestado abrangia desde o estilo

da escrita das petições, as próprias audiências, a resistência da outra parte ao cumprimento das

ordens judiciais, até os meios coercitivos que poderiam ser utilizados para a sua execução.

Conversávamos somente através de advogados (...). As palavras que estão no

processo não é o que a gente gostaria falar de coração... [choro] (Sueli)

Saí aos prantos da audiência, estava muito revoltada, foi desumano, tudo... O meu

advogado não abria a boca e a dele ria. Foi muito revoltante. (Nina)

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O advogado: “você não fica nervoso, a gente faz uma petição e o juiz obriga”. Aí, eu

dizia: “o juiz não obriga, porque ela não vai obedecer!” (Nilson)

A advogada: “você aceita a mediação se quiser (...) vamos colocar a polícia pra tirar

a criança.” Aí eu falei: “bom, vamos tentar a mediação.” (Rui)

Outro fator que consideramos como um impulsionador para que os usuários

pesquisados buscassem a mediação foi a desconfiança que tinham quanto ao sistema do

judiciário não contemplar a complexidade do conflito familiar, podendo resultar, portanto,

em uma decisão injusta. Havia um estranhamento àquelas condições de audiência, pois muitos

dos usuários percebiam que o sistema de comunicação estabelecido não estava abarcando as

informações necessárias para uma compreensão mais abrangente dos seus problemas

familiares.

Na audiência, está lá o pessoal no corredor, aquela pressão... Uma família se

odiando, inimigos... A juíza teria tomado a decisão errada! (Maria das Graças)

As pessoas que decidem a vidas das crianças têm que agregar muitas informações

(...). (Nina)

Às vezes, é mentira com mentira, é verdade com mentira, é verdade com verdade, e o

juiz perceber onde está a verdade deve ser muito difícil! (Sueli)

Desde o começo do processo, só estava tomando bordoada. A juíza achava que eu

queria voltar com a Luísa e não era isso. (Flávio)

Parecia que eu estava ali como réu e, na verdade, era o autor. Meu advogado falava

pra eu ficar quieto, não falar nada; ai, foi assim. (Nilson)

Além dos aspectos anteriormente mencionados, havia o desgaste financeiro e

emocional. Os usuários pesquisados relataram que, além de dispenderem recursos financeiros

com as ações judiciais, sentiam-se confusos, cegos, apreensivos e humilhados.

Permitiu-se a ela várias ações. Estou gastando dinheiro com advogado, uma coisa

idiota. Imagina, estar brigando com o pai que quer ver a filha! (Mario)

Às vezes, ficamos cegos... Se está tão envolvido nas situações que não se enxerga a

verdade, o que é benéfico pra nós e para nossos filhos... (Sueli)

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As crises eram diárias, passava nervoso, entrava na justiça sempre, pensão, visita...

Não adiantava o juiz mandar, ela não me entregava a menina! (Nilson)

O meu desgaste foi público! (...) O advogado que nós tínhamos era inexperiente,

muito ruim. O que aconteceu? Ele só perdia prazo (...). (Carlos)

Diante da decepção dos usuários com o sistema do judiciário, a recomendação dos

advogados e da autoridade judiciária para que eles participassem da mediação encontrou

solo fértil para a necessidade pessoal e social que se desenhava, revelando-se de grande

importância. O conhecimento anterior da existência do trabalho, bem como a metodologia

com tempo fixado para a sua realização, foram fatores que os advogados utilizaram para

convencer os seus clientes. A disponibilidade da autoridade judiciária em explicar, convidar,

demonstrar sua sensibilidade também foi vital para a aceitação, inclusive, e principalmente,

para aqueles que ainda não tinham se convencido de que aquele seria o melhor caminho.

Quando a advogada sugeriu a mediação, vi uma luz no final do túnel. Ela elogiou

muito aqui e disse que realmente valeria a pena! (Maria das Graças)

Na audiência, minha advogada falou: “Flávio, vai para a mediação. São somente dois

meses; é rápido, vai!” (Flávio)

A juíza não impôs, ela explicou direitinho (...). Demonstrou estar preocupada com o

lado humano realmente. (Rui)

A juíza foi ótima porque pensou por nós [risos], iríamos brigar... (Nilson)

A juíza foi muito perspicaz e sensível em perceber o quanto era necessário a

mediação; agradeço (...) Vou chorar! [choro, lágrimas]. (Sueli)

Quando a juíza recomendou, fiquei com raiva [risos], achei um absurdo! Toda

semana ir para o fórum falar da minha vida pra outra pessoa! (Mariane)

Os usuários manifestaram que apenas ingressarem com a ação judicial não lhes

garantiria, por si só, o acesso à justiça. Principalmente em situações de litígio familiar, as

ações judiciais são carregadas de afetividade e complexidade. Ainda que os procuradores

tentem retratar o sofrimento e as perdas ocorridas, dificilmente conseguem contemplá-los a

contento, posto que o padecimento suplanta o papel e o processo judicial.

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Além disso, conforme Souza (2009), o sistema de justiça, pelas características que

apresenta na atualidade, tem vários obstáculos que devem ser superados100: os de natureza

financeira, considerando os altos valores praticados para a cobrança de custos processuais e

honorários advocatícios; o tempo, consubstanciado pela morosidade do Poder Judiciário; os

de natureza psicológica e cultural, devido a desconfianças que a população manifesta em

relação aos advogados e ao sistema jurídico como um todo; e o sentimento de intimidação que

as pessoas em geral têm diante do formalismo do Judiciário.

Por estas razões, quando os usuários encontram nos operadores do direito –

advogados, promotores e juízes – a capacidade profissional para ouvi-los e, conjuntamente,

para pensarem em uma saída alternativa para aquele conflito, ficam agradecidos, ainda que,

em um primeiro momento, possam não compreender a extensão da oferta.

b) Razões percebidas pelos usuários para permanecerem no trabalho de

mediação familiar

Outra indagação que procuramos esclarecer com a pesquisa diz respeito ao que teria

afetado esses usuários para que tivessem permanecido no trabalho de mediação, pois

poderiam não ter aceitado ou ter desistido, por exemplo. Deparamo-nos com aspectos

técnico-operativos e ético-políticos na execução da mediação: tratam-se de aspectos mais

vinculados aos usuários e outros que seriam mais relacionados ao espaço sócio-

ocupacional, ligados à metodologia de mediação, mas que estão intimamente imbricados.

Sobre os aspectos mais relacionados aos usuários, constatamos uma

disponibilidade emocional para se permitirem a aceitar o espaço institucional oferecido.

Realçaram o valor da disponibilidade interna para procurarem modificar a situação vivida,

mas também salientaram o quanto é importante garantir, institucionalmente, esse espaço para

que possa ganhar força o desejo que existe dentro deles de encontrarem um caminho para se

acalmarem, para desfazerem as suas mágoas e se reencontrarem com a sua humanidade.

100 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem se preocupado em construir referências para a formulação de políticas públicas destinadas a garantir os direitos fundamentais, prevenir conflitos e, assim, procurar superar os obstáculos. “Questões sobre o acesso à Justiça no país passarão a fazer parte do questionário aplicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). [...] O CNJ quer saber por que as pessoas deixam de procurar a justiça quando estão diante de situações de conflito e quais são os principais obstáculos no acesso ao Poder Judiciário.[..] O CNJ também quer descobrir a quem as pessoas recorrem quando estão diante de situações de conflito. Se à Justiça, a instituições como polícia, igreja, procon ou sindicatos e associações ou a familiares e amigos. Na pesquisa, o conselho quer saber a quem é atribuído o sucesso na solução do problema, quando ela ocorre. (EF/MM Agência CNJ de Notícias. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7672&Itemid=675>. Acesso em: 11 jun. 2013.)

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Esse trabalho pode surtir efeitos positivos desde que os dois estejam empenhados em

melhorar... (Orlando)

Foi importante porque é garantido um espaço. (...) A gente não pode entrar na

mediação procurando resultado, porque ele depende das pessoas. (Rui)

Tínhamos que ter uma pessoa pra poder escutar os dois, falar verdades pra ela e pra

mim. (Flávio)

Os primeiros encontros me acalmara. Fui percebendo que estava escutando coisas

que ele não costumava falar. Parei pra me analisar (...) (Mariane)

Mágoa! Ódio! É preciso um espaço para humanizar! Dizer:“oi! dormimos juntos

durante anos! eles são nossos filhos! não vamos esquecer isso!” (Sueli)

Quanto ao espaço sócio-ocupacional, lembram que ele é essencial ao acolhimento.

O local físico onde os atendimentos foram realizados não é neutro, mas permeado pela

afetividade dos que cuidam dele. Esse espaço, prontamente ligado às dimensões sensoriais da

visão, audição e olfato, também é um espaço de mensagens simbólicas, emanadas e

percebidas pelos usuários, como o cuidado e o respeito. Além disso, o fato da sala estar nas

dependências do Fórum gera mais confiança, pois denota que o judiciário é capaz de acolher o

sofrimento dos usuários.101

A realização da mediação no ambiente do Fórum é algo que ajuda com que as

pessoas levem mais a sério. É do “Fórum”, está ligado ao processo. (Mario)

A decoração pra pessoa se sentir mais a vontade; o ambiente é mais descontraído.

Não tem mesa; tem sofá, cadeira, flor (...). (Maria das Graças)

O local físico tem muita importância também na realização da mediação. (Mário)

Decoração, disposição das cadeiras... Boneca, cheiro... (Sueli)

Os depoimentos demonstram que a postura da mediadora foi relevante para que

pudessem aproveitar o trabalho. No processo, foram utilizados: argumentação, para que

houvesse aceitação da mediação, empatia, firmeza e amarrações das ideias. Era importante

101 Em matéria de Maurício Martins, publicada em 11 novembro de 2012, no jornal “A Tribuna” de Santos, intitulada “Uma luz no fim do túnel nas ações. É a mediação. Setor no Fórum de Santos agiliza processos”, são ressaltados os aspectos físicos do ambiente: “Uma sala cheirosa, arrumada e bem decorada. É neste local, no quinto andar do Fórum de Santos, que trabalham [...]”

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demonstrar o compromisso assumido com a qualidade dos serviços prestados à população por

meio do aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional.

Facilita quando se tem empatia. Recebeu a gente bem, a forma com que explicou o

trabalho me ajudou a aceitar. Foi o posicionamento (...). (Mariane)

Você não imagina como eu gosto da mediadora! Ela conduziu muito bem, firme nos

momentos certos (...). Saímos de lá com a coisa acertada (...). (Carlos)

O tato, a sensibilidade... Não adianta um espaço que não tem um mediador

qualificado! A mediadora se mostrou estudiosa (...). Foi fundamental (...) (Sueli)

Tom de voz, postura da mediadora, tudo é tranquilo... Sem pressão, nem medo...

(Sueli)

A mediadora cortava, mas amaciava! (...) É um trabalho profissional. Demonstrou

experiência, calma e firmeza também (...). (Carlos)

A qualificação do profissional, uma pessoa que ela escutava... (Mário)

Quando os usuários pesquisados falaram sobre o seu envolvimento na mediação,

remeteram-se a algumas técnicas utilizadas que colaboraram para que pudessem evoluir no

processo de compreensão. Avaliaram que foi de grande utilidade a realização do atendimento

individual, a expressão escrita, o acolhimento, a sensibilização, os esclarecimentos, a precisão

no direcionamento dos atendimentos, a escuta e o diálogo, a postura ético-política, a

concepção de autonomia102, de emancipação, de responsabilidade, bem como a plena

expansão dos indivíduos sociais.

Não sei o que você falou sozinha pra ela no atendimento individual! [risos]. Depois

dali, ela foi melhorando. (Nilson)

Achava legal quando falava que era pra gente escrever (...) método, exercícios...

Funcionava... (Mario)

102 “A noção de autonomia humana é complexa, uma vez que depende de noções culturais e sociais. Para sermos nós próprios, é-nos preciso aprender uma linguagem, uma cultura, um saber e é preciso que esta cultura seja bastante variada para que possamos fazer a escolha no stock das ideias existentes e refletir de maneira autônoma. Portanto, esta autonomia alimenta-se de dependência; dependemos de uma educação, de uma linguagem, de uma cultura, de uma sociedade, dependemos, bem entendido, de um cérebro, ele próprio produto de um programa genético e dependemos também de nossos genes. [...].” (MORIN, 2003, p. 96).

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Não conseguia falar com ele, só chorava. Eu falava através de você, que transformava

de uma forma pra ele compreender. (Nina)

Foco (...). Não fala muito, soube cutucar... Falou da importância da família, da paz,

dos direitos das crianças [choro]. (Sueli)

A mediadora escutava os dois lados e pegava bem em pontos meio confuso. Quando

ela perguntava alguma coisa, eu estava escutando e entendendo aquilo também (...).

Não quer dizer que eu tenha que ser do jeito do outro. Ensinou-me a perceber que o

outro está vendo realmente diferente! Aprendi a usar essa técnica e passei a usá-la em

todos os relacionamentos. (Mariane)

A mediadora vai levando a conversa pro lado do bem, da paz, o tom da conversa (...).

Mostra que tem um passado, um amor, que tem que existir respeito, mesmo separados,

para um futuro de paz. (Maria das Graças)

O mediador ensina muita coisa, não só na relação entre filhos e pais, mas na vida da

pessoa [choro]. Esteja certa ou errada, tem que escutar, compreender. Se tivesse mais

mediação no mundo, ele seria melhor, menos violento. (Luísa)

O “como fazer” é um ponto fundamental para realizar e garantir a atuação

profissional e de relevância na execução da mediação. Entretanto, por não constar entre os

objetivos deste trabalho, não daremos tratamento específico à dimensão técnico-operativa.

Trazemos nossa colaboração com aspectos que complementam os já referenciados pela

literatura existente, pois ela é vasta ao tratar de estratégias, instrumentos, técnicas e

habilidades utilizadas na mediação.

Sampaio e Braga Neto (2007) referem-se às técnicas de forma de questionamento,

reformulação ou ressignificação, conotação positiva, legitimação, recontextualização ou

reenquadramento, formas positivas de se alcançar a reflexão, processo de externalização,

resumo, equipe reflexiva, entre outras. Muszkat (2005) remete-se a instrumentos úteis ao

mediador, como por exemplo: mostrar que o conflito ocorre devido às singularidades dos

sujeitos; valorizar os aspectos positivos da relação ou da situação; lembrar que o conflito pode

ser uma oportunidade para mudanças; salientar as intenções positivas das partes; ajudar na

reconstrução de narrativas; entre outros. Diez e Tapia (2006), autores argentinos, apresentam

uma obra totalmente dedicada a este tema, intitulada “Herramientas para trajar em

mediación”, prefaciada por Sara Cobb e Carlos Sluzki – ela, uma referência em mediação; e

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ele, em estudos sobre a família. Propõem técnicas que integram vários modelos, tendo como

base o de Harvard103, uma vez que esta concepção integra os programas de capacitação dos

mediadores da Argentina. O esquema proposto é bastante útil, posto que se enriquece,

articulando-se os passos previstos pelo referido modelo com outros instrumentos e

habilidades comunicacionais para que se possa obter o que denominam de legitimação e

reenquadres.

As informações dos usuários apontaram a apresentação e o acolhimento realizado no

espaço sócio-ocupacional como um aspecto importante. O espaço físico da sala, para além das

necessidades dos usuários, também é um importante fator de qualidade de saúde do próprio

trabalhador. Este aspecto está atrelado à ética do cuidado da instituição para com os

funcionários e os usuários. Revela, também, aspectos subjetivos quanto à importância que é

dada pela instituição e pelo profissional no atendimento às famílias. Essas iniciativas não são

superficiais; elas indicam que se deseja introduzir ações de acolhimento em uma cultura

adversarial que, basicamente, não é acolhedora. O espaço físico, na concepção da ética do

cuidado, está intrinsicamente ligado ao acolhimento, que é “[...] a arte de interagir, construir

algo em comum, descobrir nossa humanidade mais profunda na relação com os outros e com

o mundo natural”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 2002, p. 14). Com a finalidade

de ilustrar brevemente o que afirmamos, apresentamos, a seguir, algumas fotos da sala de

atendimento do Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos.

103 Grande parte da bibliografia da mediação refere-se ao Modelo de Harvard, originalmente desenvolvido por Fisher, Ury e Patton (1991). A obra destes autores não se refere à mediação, e sim à negociação. Não obstante, o modelo que ali desenvolvem, denominado de “Modelo de Harvard”, tem sido uma referência para os trabalhos de Mediação. O modelo propõe a seguinte sequência de etapas de trabalho: separe as pessoas do problema; detecte os interesses por trás das posições; gere opções criativas; utilize critérios objetivos; e avalie a melhor alternativa da negociação.

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Figura 1 - Recepção: água e chá

Fonte: Foto da autora

Figura 2 - Livros de poesia

Fonte: Foto da autora

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Figura 3 - A proposta de um ambiente acolhedor

Fonte: Foto da autora

Figura 4 - O sorriso da escrevente que recepciona

Fonte: Foto da autora

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Como se fez notar nas falas dos usuários, diversas técnicas foram utilizadas e

percebidas por eles na melhoria da comunicação, sempre imbuídas pelo caráter educativo104.

Da mesma forma, processam-se os esclarecimentos quanto aos direitos, em uma perspectiva

de justiça social cujo âmbito vai além daquelas direcionadas às relações familiares pertinentes

ao campo do diálogo e da problematização. As perguntas em mediação familiar não são

dirigidas ao acaso, nem servem, apenas, para a obtenção da coleta de dados, pois já devem ser

uma intervenção reflexiva. São perguntas que geram outras perguntas, buscando, exatamente,

o significado das palavras utilizadas e as que se quer utilizar. Porquanto, as pessoas em

conflito, não raramente, encontram-se imobilizadas no que elas mesmas definem como um

“problema sem solução”, pois estão acostumadas a se fazerem as mesmas perguntas e pensam

que já sabem as respostas. Além de formular perguntas, o mediador pode criar novas

compreensões do conflito trazido, observando as superações já ocorridas e iluminando as

potencialidades existentes. Por vezes, apenas a escuta do mediador já interfere na melhoria da

comunicação, pois se faz exemplo para o casal.

Sensibilização e acolhimento do sofrimento dos mediandos por meio da arte (música,

poesias, slides, filmes etc.) é um aspecto importante no processo de mediação. Quando as

falas dos usuários versam sobre verdades e mentiras em mútuas acusações, usamos diversas

formas de sensibilização para ajudá-los. Um bom exemplo de sensibilização é a leitura de um

poema, como o que mostramos a seguir, de Fernando Pessoa:

AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.

Também quando os pais aprisionam-se em brigas e discussões, esquecendo-se dos

filhos, a leitura por eles mesmos, ou pelo mediador, do poema de Verônica A. da M. Cezar-

104As ações profissionais dos assistentes sociais devem ser dotadas de caráter educativo. Mais sobre este aspecto encontramos em IAMAMOTO (2003); YAZBECK (2009) e outros estudiosos do Serviço Social.

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Ferreira (2011, p. 55-56)105, costuma funcionar como um poderoso abrandamento dos ânimos

para uma retomada de conversa sob o paradigma dos direitos das crianças.

CASAIS SE SEPARAM; PAIS E FILHOS SÃO PARA SEMPRE. É possível que eu já não te queira mais, Como você a mim. Não é o que importa. Dá dor e dói, mas a dor se suporta, Nem que seja preciso analgisar. É possível que apenas um de nós Não queira ao outro e isso é ainda mais triste, Deixando num dos dois a frustração, No outro, um jogo fátuo de alívio, Pelo desmoronar do duplo sonho. O que não é possível é que nos acusemos, Que nos apontemos, dedo em riste, Que nos fulminemos com o olhar, Esquecendo tudo o que de bom já houve. O que não é possível é que nos destruamos. A nós, que, em outros tempos, nos amamos, E cada qual, a si, pra ver o outro morto, Desmerecendo os braços que, um dia, foram um porto, Jogando pelo ar tudo que construímos. E construímos mais que sonhos, nessa estrada, Transportamos amor por esses trilhos, Deixamos marcas, por onde passamos, E a mais viva delas são os nossos filhos. Que continuarão nossos, vida toda, Precisando de nós, em cada idade, Como seu norte e bússola, rumo à felicidade, Sua rosa-dos-ventos, o seu cais. Seremos pai e mãe por todo o sempre, Mesmo entrando p’ro rol dos ex-casais. Isso nada nos tirará, nem mesmo a morte, Relação eterna e sem corte, Que a nossos filhos só beneficiará. Se fomos meio de procriação, Que na criação sejamos timoneiros, Guiando com firmeza, a quatro mãos, O barco da vida de nossos herdeiros. E até que, sós, o possam conduzir, E, para sempre, em evento, idade ou estado, Possamos nós, ainda que ex-casal, Enquanto pais, andarmos, lado a lado.

O Genograma106 familiar é um instrumento essencial para o conhecimento das relações

familiares. Ajuda a identificar os padrões de funcionamento nas respectivas famílias de

105 Em apresentação à segunda edição da Obra “Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica”, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método (2011, p. 24), a própria autora refere-se à utilização profissional que está sendo feita deste poema. Acrescentamos que, em supervisão com a referida autora, em 2006, recebemos autorização verbal para imprimir este poema e oferecer aos usuários como técnica de trabalho. 106 McGoldrick e Gerson, no capítulo “Genetogramas e o Ciclo de Vida Familiar”, na obra de Carter e McGoldrick, “As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar” (2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995), dizem que os genogramas são “[...] retratos gráficos da história e do padrão familiar,

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origem, auxilia o usuário a compreender melhor sua história de vida, suas escolhas e, desta

forma, também amplia o leque de suas opções para o presente. O mapeamento da rede

sociofamiliar pode revelar alternativas e estratégias ainda não pensadas para as disputas de

Guarda e Regulamentação de Visitas.

As técnicas lembradas pelos usuários, bem como as mencionadas anteriormente, além

de outras, integram a dimensão técnico-operativa do Serviço Social. Os atendimentos em

mediação familiar, em sua dimensão técnico-operativa, estão inscritos na concepção do que é

chamado de ações de natureza socioeducativa. Segundo Lima e Mioto,

O processo educativo pode ser entendido como toda experiência na qual as pessoas mudam a sua maneira de compreender o mundo e as relações humanas. Através dele enriquecem sua maneira de encarar a si mesmas, os outros e a realidade, ao mesmo tempo em que envolve a conquista de novas forças e novos instrumentos para transformar a realidade vivenciada. [...] A ação socioeducativa é] um processo dinâmico que remete a uma luta coletiva, de organização política, mas que também acontece no âmbito individual através de apropriação da informação e dos caminhos de acesso a políticas e serviços sociais, implicando no reconhecimento das necessidades individuais como coletivas. (LIMA; MIOTO, 2000, p. 231).

Cepik (2010), propõe a centralidade da informação para a constituição da cidadania no

mundo contemporâneo, enquanto que, para Mioto (2009), a prática da mediação, tal como

precisa ser realizada, contempla dois pilares sobre os quais se estruturam as ações

socioeducativas: a socialização das informações e o processo reflexivo. Mioto afirma que a

socialização das informações está inserida no compromisso da garantia dos direitos, sendo

fundamental à cidadania, pois

[...] o direito à informação não está restrito apenas ao conhecimento dos direitos e do legalmente instituído nas políticas sociais. Inclui-se os direitos dos usuários a usufruírem de todo conhecimento socialmente produzido, especialmente daqueles gerados no campo da ciência e da tecnologia, necessário para a melhoria das condições e qualidade de vida ou para que os usuários possam acessar determinados bens ou serviços em situações específicas. (MIOTO, 2009, p. 502).

O acesso às informações, tanto no que tange aos direitos quanto aos saberes

produzidos pelo conjunto de sujeitos sociais, não produz, por si só, mudanças, uma vez que é

mostram a estrutura básica, a demografia, o funcionamento e os relacionamentos da família. Eles são uma taquigrafia utilizada para descrever os padrões familiares à primeira vista”. Vitale, no capítulo “Genodrama: trabalho psicodramático com genograma em terapia de casal”, na obra em que organiza “Laços Amorosos: terapia de casal e psicodrama” (São Paulo: Ágora, 2004), considera que “O genograma constitui não só o formato gráfico da genealogia familiar, nas linhas paternais e maternais, como também permite levantar informações sobre os membros da família e suas relações em pelo menos três gerações; auxilia a formar uma rápida gestalt da rede familiar e dos padrões familiares básicos que se entrecruzam ao longo dos anos.”

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necessário haver agentes para compreendê-las, decodificá-las e retransmiti-las. Este exercício

é algo complexo, que necessita de outros saberes ligados à comunicação humana e está entre

as atribuições dos assistentes sociais. Ao fazê-lo, os profissionais realizam, também, um

processo reflexivo. Sobre ele, Mioto esclarece:

O processo reflexivo característico das ações socioeducativas, (sic) se desenvolve no percurso que o assistente social faz com os usuários para buscar respostas para suas necessidades, imediatas ou não. Pauta-se no princípio de que as demandas que chegam às instituições, trazidas por indivíduos, grupos ou famílias, são reveladoras de processos de sujeição à exploração, de desigualdades nas suas mais variadas expressões ou de toda sorte de iniquidades sociais. Ele tem como objetivo a formação da consciência crítica. Esse objetivo somente se realiza à medida que são criadas as condições para que os usuários elaborem, de forma consciente e crítica (sic) sua própria concepção de mundo. Ou seja, que se façam sujeitos do processo de construção da sua história, da história dos serviços e das instituições e da história da sua sociedade. (MIOTO, 2009, p. 503).

Para o Serviço Social, os atendimentos em mediação que cuidam das relações afetivas

familiares em conflito precisam ser iluminados por conhecimentos de cunho social e

educativo. São realizados esclarecimentos e reflexões sobre direitos e responsabilidades

parentais, preconceitos, estigmas e julgamentos moralistas. Observam-se as diferenças na

cultura, nos valores e nos costumes das respectivas famílias de origem e do contexto social no

qual estão inseridos. Relacionam-se as posições tomadas com as diferenças de gênero, cultura

e raça. Estes aspectos observados contribuem para a escuta do outro, a reorganização da fala e

a consequente verbalização e expressão de maneira respeitosa. A consequência na

convivência é a mudança de percepção quanto aos cuidados necessários no trato da relação

com o outro, especialmente com os idosos, as crianças e os adolescentes.

Embora a posição de Mioto (2009) esteja pautada no campo socioassistencial,

entendemos que ela também possa ser estendida ao campo sócio-jurídico, com a

especificidade de que, no campo sócio-jurídico - no que concerne aos atendimentos

provenientes das Varas da Família -, realizam-se as ações profissionais voltadas ao

enfrentamento do conflito, o que lhe confere particularidades não encontradas no campo

socioassistencial. A aquisição de conhecimentos, relativos ao Direito, à Filosofia e à

Psicologia Social, bem como às técnicas empregadas, necessárias ao desenvolvimento da

mediação familiar, confere-lhe o estatuto de uma especialização interdisciplinar, tendo, assim,

um lugar importante no Serviço Social frente às novas demandas presentes na

contemporaneidade.

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c) Valoração, críticas e sugestões quanto à mediação familiar

Ainda que a maioria dos usuários tenha se referido a muitos aspectos positivos sobre a

sua participação na mediação, procuramos verificar, especificamente, através de uma

perspectiva avaliativa, como eles percebiam ter o trabalho de mediação realizado

diferença em sua vida, bem como os possíveis limites quanto à metodologia adotada.

Além disso, procuramos verificar as sugestões que consideraram pertinentes em relação ao

trabalho realizado.

No tocante às diferenças observadas após a participação no trabalho, todos os usuários

afirmaram que colheram benefícios da mediação. Alguns falaram da melhora em relação aos

aspectos práticos da vida cotidiana enquanto pai e/ou mãe, indicando ter ocorrido um

resultado positivo, diretamente ligado ao conflito; outros, referiram-se a um aprendizado no

aspecto educativo, social e pessoal.

Oportunidade de esclarecer o pai sobre a amamentação... Sei que teve resultado

porque prolongamos o tempo do meu filho dormir fora com o pai... (Nina)

Ajudou-me a administrar o relacionamento das duas [mulher atual e ex-mulher].

(Fúlvio)

As coisas se encaixaram e eu saí da mediação muito mais aliviado; consegui voltar a

ver minha filha. (Carlos)

Serviu pra dar certeza que nós tínhamos que parar de brigar, pra poder juntos,

mesmo que separados, nos unir. (...) Sem a mediação não teria o acesso que tenho.

Nossa situação melhorou bastante [risos], 95%! (Nilson)

Fez a gente se comunicar mais, (...) perceber que não vale a pena ficar brigando por

coisas pequenas, (...) que eu queria minha filha só pra mim, e a entender que não é

certo isso, que ela tem um pai que gosta dela (...). (Mariane)

Um reencontro, uma renovação do casamento, se encerrou o de amor para iniciar o

de parceria com os filhos, que sempre vai existir... (Sueli)

Ajudou-me a refletir, ver o outro lado, conscientizar mais (...). Foi tirando o ódio.

Falei que gosto muito dele como amigo (...). (Maria das Graças)

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Senti-me justificado (...). Aprendi que a mãe não podia dar além do que dava e eu

precisava de ajuda porque estava entrando numa fase nova da vida. (Flávio)

Estava pra baixo, uma pessoa inútil. Se não fosse a mediação, tinha explodido. Só

servia pra trabalhar (...) me levantou (...) deu autoestima. [choro]. (Luísa)

Foi fundamental para se construir justiça. (Rui)

Mesmo quando o conflito perdura de forma acentuada após a mediação, como é a

situação dos pais Mário e Marlene, que continuam em litígio, ou de Orlando, que mantém

convivência mínima com os filhos, ainda assim os sujeitos apontaram benefícios advindos do

trabalho de mediação, mesmo que temporário ou de pequena monta, mas nem por isso sem

valor.

Vou ser injusto se falar que nada mudou. Converso melhor com ela na porta da casa,

quando necessário! Às vezes eu ligo, recebo um retorno (...). (Orlando)

Foi o melhor momento do pós-divórcio. A gente conversava, começou a ter um

respeito, bom dia, boa noite, obrigado, por favor, uma coisa civilizada. (Mario)

Teve uma melhora no nível de agressões, que era muito forte. Isso perdurou até um

pouquinho depois da mediação. (Marlene)

Quanto aos limites da metodologia e sugestões, observamos certa tensão entre

voluntariedade e obrigatoriedade. Embora não tenha existido unanimidade, os pesquisados

sugeriram que a mediação fosse obrigatória. Alguns mencionaram isto baseados em si

mesmos, porque foram encaminhados sem convencimento de que seria bom para a vida

familiar, mas mudaram de opinião no decorrer do trabalho.

No começo não queria, achava que não ia mudar nada, que era uma porcaria [risos]!

(Nilson)

O juiz e o promotor podem até falar que é voluntário, mas se você não for, quer dizer

alguma coisa. A pessoa aceita pra não dizer ‘não estou nem aí’. Que a juíza continue

se preocupando com o ser humano em primeiro lugar. (Rui)

Que a juíza continue assim, sábia (...). Eu não queria, ela meio que mandou; falou que

tinha um programa de mediação novo na época (...). (Flávio)

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A juíza poderia forçar; todos os processos deveriam ser obrigados passar pela

mediação pra pessoa saber o que é, pelo menos por um ou dois. (Fúlvio)

Quando se começa um processo, a primeira coisa que teria que ser feita é uma

mediação, obrigatório, porque muitas coisas poderiam ser evitadas! (Sueli)

Se tivesse mediação pra tudo que é problema da pessoa, seria tudo de bom! Não só na

vara familiar, vara trabalhista também! [risos] (Luísa)

As críticas e sugestões apontadas foram poucas, visto que a maioria dos usuários

teceu elogios ao serviço e ao bom aproveitamento ao participar do trabalho. Entretanto, uma

exceção talvez deva ser feita em relação à Rafaela (ex-mulher de Orlando), que, mesmo após

várias tentativas, alegou não ter tempo para dar entrevista. Contudo, esta é apenas uma

elucubração, difícil de ser confirmada, já que a pesquisa findou o prazo sem essa averiguação.

Além da Rafaela, a Marlene não teve o aproveitamento almejado, pois disse ter dado a

entrevista com o objetivo de “mudar o trabalho, para que a justiça tivesse ferramentas para

preservar os direitos das crianças”. Ainda assim, observamos que Marlene, apesar de ter

críticas quanto à maneira do trabalho realizado, considera a mediação familiar um importante

instrumento na preservação dos direitos, já que participou da pesquisa e apresentou suas

manifestações. Mario, ex-marido de Marlene, também trouxe críticas, mas aprovou quase que

integralmente a metodologia empregada e lembrou o caráter econômico da mediação aos

cofres públicos em comparação a outros métodos. Orlando, ex-marido de Rafaela, teceu

críticas, especialmente em relação à quantidade demarcada de atendimentos, apesar de

aprovar, integralmente, não só a mediação como a proposta e a forma empregadas.

As principais críticas foram quanto ao número de encontros demarcados em, no

máximo, doze. Alguns usários também sugeriram que o trabalho deveria aprofundar-se mais

nas dificuldades da situação e que, depois de encerrado, fosse criada um fase adicional de

atendimento para que houvesse um acompanhamento.

Vocês deveriam aprofundar, saber mais dos dois lados (...). Muitas coisas foram

encobertas aqui (...). (Fúlvio)

Depois da mediação, tivemos muitos problemas. Ela procurava te convencer que fosse

dar um parecer... (Rui)

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Poderia ser feito retorno, mesmo com acordo, pelo menos uma vez por ano, fazer uma

avaliação porque vão aparecendo outros problemas (...). (Mariane)

Nunca conversei com outros casais que fizeram mediação. Seria legal todo mundo

conversar e compartilhar experiências nesse aspecto. (Sueli)

Os usuários com os quais não conseguimos trabalhar o conflito com resultados

mais a contento mencionaram que se deveria ser mais incisivo, indicar mais claramente as

mudanças necessárias, e ainda que o movimento principal da mediação deveria ser feito no

sentido de incluir as crianças, filhos dos pais em litígio, diretamente no trabalho.

O trabalho poderia ser um pouco mais incisivo, colocar a situação: isso vai ter que

mudar! (...) Tinha que ter retorno a longo prazo (...). Ser monitorado... Uma

mensagem às juízas: não desista de nós! Acompanha até chegar ao resultado final,

que é o filho convivendo de forma sadia com os pais. (...) Mesmo quando não se quer

a mediação, ela ajuda, tenho certeza! Alguma coisa melhora, tenho plena convicção

que a mediação é válida! (Orlando)

Teria sido importante se a nossa filha tivesse vindo (...) A psicóloga chamou pra que

ele [o pai] começasse a perceber que teria que mudar (...) Alertas que ele só recebeu

agora, e na mediação podia ter acontecido. (...) Deveria ser mais longa, 12 encontros

é pouco (...) (Marlene)

Quando parou no 12º atendimento, estava no momento de fazer mais não sei quantos,

e não haveria o que há hoje. Sem número pré-estipulado! (...) Manter um mediador é

mais econômico! Não sei o quanto é o salário de uma juíza, mas é mais caro que o de

uma mediadora. Processo precisa de advogado, escrivã, oficial, a comandante que eu

não sei como é o nome... Esse processo todo é muito caro aos cofres públicos, e muito

se resolveria com mediação. Além disso, fica perturbando o julgamento de causas

mais importantes. (Mário)

Apesar de ter havido algumas críticas, principalmente quanto ao número de encontros

demarcados, conforme previamente mencionado, de modo geral as avaliações foram

positivas. Entretanto, algumas críticas sobre a metodologia merecem comentários, em dois

aspectos: no âmbito da proposta propriamente e no âmbito institucional.

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No âmbito da proposta, as críticas referiram-se à forma e ao conteúdo. Sobre a

forma, questionavam o número delimitado de, no máximo, doze encontros; um possível

acompanhamento adicional após a conclusão do processo de mediação; e a possibilidade de se

incluir os filhos no trabalho diretamente. Quanto ao conteúdo, disseram que o trabalho deveria

aprofundar mais as questões pessoais, assim como que o trabalho deveria ser mais incisivo.

Quanto à forma ser pré-determinada e não prever acompanhamento, acolhemos a

crítica de que a demarcação temporal na mediação familiar judicial pode ser um limite

metodológico. Entretanto, há que se pensar melhor nesta questão, posto que é um processo de

trabalho inserido no contexto institucional do judiciário. Uma das desaprovações ao sistema

judiciário é, justamente, a morosidade. É importante lembrarmos que um dos argumentos

utilizados pelo advogado para iniciar a mediação foi o compromisso quanto à brevidade do

trabalho. Além disso, há o próprio limite da legalidade da ação. Consideramos que esta crítica

deva ser levada em conta, mas melhor debatida junto ao complexo de sujeitos que

desenvolvem diretamente o trabalho – mediadores, juízes e promotores de justiça – para que

se possa averiguar a condição a ser revista.

No que diz respeito à inclusão dos filhos, e até de outros familiares, entendemos ser

uma ótima sugestão para a mediação familiar judicial. No decorrer do desenvolvimento do

trabalho no Setor de Mediação, avaliamos107 que a inclusão de familiares tornou-se muito útil

para esclarecimentos de mal-entendidos, de melhoria na confiança mútua, de reforço nas

relações familiares e consequente melhoria na comunicação entre as partes litigantes. Além

disto, observamos um conforto quanto às crianças em perceberem que seus pais estavam

sendo cuidados e que elas poderiam expressar-se sem medo de piorar o conflito, ou mesmo de

que o que elas dissessem seria incluído para colaborar na melhoria do relacionamento

familiar. Sobretudo, a inclusão dos filhos ocorreu por respeito aos seus direitos de liberdade

de expressão e de opinião na busca de proporcionar-lhes um melhor desenvolvimento social e

afetivo.

Rossin (2013) discute a intervenção que contempla a inserção de crianças e

adolescentes na mediação familiar. Ressalta que, para que tudo saia bem, é necessário certas

condições e cuidados para a preparação do encontro. A autora aponta aspectos importantes a

considerar, tais como: a partir de que idade as crianças podem participar em uma mediação;

107 No Capítulo III, a Tabela 4 (“Número de sujeitos por unidade de atendimento”) revela que familiares dos usuários foram incluídos em 86 das 152 unidades de atendimento.

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quando e em que momento podem participar do processo de mediação; como será a

participação dessas crianças etc. A autora sustenta que

As crianças não devem assumir responsabilidades que não pertencem a elas. Colocá-las nesse lugar é armar uma armadilha em nome dos direitos da criança. As crianças não se interessam pelo conteúdo dos acordos; faz bem para elas saber que são escutadas, que suas palavras, emoções e necessidades são levadas em conta, mas principalmente que seus pais chegaram a um acordo. Isso produz nelas um grande alívio. (ROSSIN, 2013, p. 133).

A possibilidade de participação das crianças merece maior reflexão, especialmente ao

pensarmos na perspectiva de proteção e cuidados. É necessário pensá-la juntamente com as

partes litigantes, e não por meio de uma atitude unidirecional do mediador. A inclusão de

crianças deve ser pontual, com objetivos claros, estabelecidos pelas partes e pelo mediador.

Uma intervenção incluindo a criança, sem o devido preparo, pode ocasionar

consequências danosas às crianças/adolescentes e às famílias, revitimizando-as no processo,

como, por exemplo: os pais sentirem-se desautorizados perante os filhos; as

crianças/adolescentes sentirem-se exigidas a tomarem uma posição perante o conflito; entre

outras situações. Colombo (2012, p. 113), assistente social brasileira e referência no

atendimento às famílias com crianças, nos lembra que “Falar, buscar a palavra por meio da

qual queremos nos expressar, faz parte da construção do que podemos ser, da constituição do

que somos para nós mesmos e para os outros”. Em um momento de ideias confusas como o

do litígio, não raro as palavras são cortantes, desordenadas, e nem sempre pertinentes para as

crianças. O mediador precisa estar atento de que o espaço a ser oferecido às crianças deve ser

amoroso, acolhedor e de preservação emocional. Cabe ao mediador o trabalho de co-construir,

em trabalho conjunto com os pais, a participação da criança; entretanto, em última instância,

se ele perceber que o conjunto das condições construídas não é favorável à criança, é ele

quem deve decidir por sua não participação.

Quanto ao conteúdo, em relação à crítica dos usuários sobre o trabalho de mediação

dever ser mais diretivo e o mediador dever exigir uma atitude dos usuários, cremos que este

posicionamento vai em sentido oposto ao pensamento da mediação, visto que o objetivo da

mediação é que o usuário torne-se, cada vez mais, senhor de suas ações e seja o autor da

própria história. Compreendemos que a falha do trabalho, neste caso, talvez tenha sido a de

não conseguirmos passar a esse usuário esta importância. Contudo, como observamos no

capítulo sobre as relações afetivas, os sujeitos são construídos socialmente e guardam sua

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singularidade especialmente junto às suas histórias familiares. Com isso, queremos dizer que

a mediação familiar judicial tem o seu contributo, mas não é uma panaceia, nem sempre

consegue provocar as mudanças necessárias. Logo, cabe encaminhar a questão a outros meios,

como, por exemplo, à psicoterapia ou ao próprio judiciário.

No aspecto institucional, apontaram que a mediação familiar judicial pudesse ter o

caráter obrigatório, visto a necessidade imperiosa dos pais se entenderem quanto à

convivência familiar, posto que há crianças/adolescentes envolvidos na situação e que

necessitariam ser protegidos. Esta é uma questão muito complexa; por isso, mereceria, ao

menos, um capítulo especial para que a discussão fosse a contento e, talvez, não abarcasse as

nuances para emitir uma opinião. Ainda assim, pensamos que esta é uma discussão de

altíssima relevância. Por isso, consideramos que deva ser contemplanda toda a sua

complexidade, com todos os sujeitos, disciplinas e setores da sociedade envolvidos.

d) o significado da mediação familiar para os usuários

Ao final, procuramos compreender qual significado a mediação familiar teria para

os usuários. Para eles, a mediação é um meio que: permite expressar a afetividade sem se

preocupar em contê-la, pois o mediador exercerá esta função, fazendo com que passe a ouvir;

cria uma oportunidade de não permitir a participação de outros naquele momento tumultuado;

afeta ao mediando de tal maneira que ele passa a perceber a si mesmo, ao outro e à situação

conflituosa de maneira diferente, religando presente e passado com vistas a um futuro na

promoção da responsabilidade quanto ao direito dos filhos.108 Enfim, a mediação familiar é

um trabalho que, claramente, tem uma concepção de mundo109 ligada a valores éticos de

democracia, respeito e defesa dos direitos humanos.

Nas palavras dos usuários, a mediação é:

Uma oportunidade para os pais se entenderem (...) chegar a um acordo... Isolar irmã,

mãe, sogra, madrasta... (Maria das Graças)

108 “3. Essa doutrina é útil para a vida social, à medida que ensina a ninguém odiar, desprezar, ridicularizar, invejar, nem com ninguém irritar-se. É útil, ainda, à medida que ensina cada um a se contentar com o que tem e auxiliar o próximo, não por uma misericórdia feminil, nem por favor ou por superstição, mas exclusivamente pelo governo da razão, ou seja, em acordo com aquilo que a ocasião e as circunstâncias exigirem [...]”. (E II, 49 esc.). 109 “Essa doutrina, enfim, não é menos útil à sociedade comum, à medida que ensina como os cidadãos devem ser governados e dirigidos, não evidentemente, para que se tornem escravos, mas para que, livremente, façam o que é melhor [...]”. (E II, 49 esc.).

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Se colocar no lugar da outra pessoa, (...) ver que nem tudo é de propósito. Esclarecer

sem escolher lados (...). Fazer uma autoavaliação que não se quer admitir, que passa pela

cabeça, mas nem fala que é pra não escutar [risos]! (Mariane)

A gente ver os dois lados (....). Ter uma pessoa ímpar que esclarece como lidar com a

situação ente o pai, a mãe e os filhos (...). Um recomeço (...). (Flávio)

Abrir mais a cabeça. Agora, conto até 10 e respiro. Melhorei com o meu segundo

marido, estou abrindo um pouco a cabeça dele. (Luísa)

Conciliar-se com todas as coisas, com seu presente e seu passado (...). União, amor

(...). É a gente ver o estrago que está fazendo... (Sueli)

Promover um entendimento entre casais que se separam de forma litigiosa (...). Trazer

benefícios pra quem não merece sofrer, as crianças. (Orlando)

Fazer com que as pessoas entendam que existe um terceiro, uma criança! E que a

gente precisa pensar nela. (Nilson)

Responsabilidade (...). Obrigação minha tentar mudar. Espaço de tentativa de

reestabelecimento de diálogo, em que o principal interessado é o filho. (Rui)

Ver qual é o teu objetivo verdadeiro (...). É permitir a conversa (...). É criar um clima

pra diálogo, sem rancores, ver que os dois no fim querem a mesma coisa. (Mário)

Uma ponte para uma comunicação satisfatória e eficiente, uma peça fundamental

para um mundo mais justo e humano. [choro, silêncio] (Nina)

Uma construção democrática de uma decisão que a juíza pode tomar solitariamente e,

às vezes, até prematura, injusta. (...) É a ideia da injustiça ser minimizada. Chega ao final, já

está tudo encaminhado... (Carlos)

Ao finalizarmos a compreensão dos usuários quanto à mediação familiar, verificamos

que, por meio da mediação, os usuários conseguiram esclarecer um ao outro assuntos que,

para eles, eram extremamente importantes, sobre o que o outro pensava e sentia, com

explicações que não conheciam110. Os esclarecimentos foram possíveis, possibilitando um

110 “As coisas que geram a concórdia são aquelas que se relacionam à justiça, à equidade e à lealdade.” (E IV, cap. 15).

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espaço físico e emocional para explicações e consequentes reformulações emocionais das

experiências vividas. Segundo Maturana,

As explicações são reformulações da experiência, mas nem toda reformulação da experiência é uma explicação. Uma explicação é uma reformulação da experiência aceita por um observador. Todos vocês sabem que se alguém pretende explicar um fenômeno, propõe uma reformulação e se eu não a aceito, ela não é uma explicação. Se propõe uma reformulação e eu a aceito, essa reformulação é uma explicação. As explicações são reformulações da experiência aceitas por um observador. (MATURANA, 2001, p. 29).

Explicar-se é diferente de justificar-se, e a sua base é a possibilidade de

compreensão. A justificativa é a comprovação de que se está ou se esteve certo nesta ou

naquela ação; geralmente é fechada, dita na espera da aceitação do outro. O explicar-se

consiste em expor os motivos de maneira que o outro seja levado a compreendê-los, sendo

que a compreensão é facultativa, isto é, poderá ou não ocorrer. A explicação deverá ser

validada pelo outro. Além disso, ao explicar, aquele que explica compreende melhor a ele

mesmo e a experiência vivida. Esta compreensão poderá ocorrer por aproximações para com

ele mesmo, para com ou outro e, aos poucos, tende a tornar as ideias mais claras.111 Há que se

dar um tempo para a maturação dessas reformulações, razão pela qual o tempo entre um

atendimento de mediação familiar e outro é essencial.

Nestas explicações é imprescindível que, aquele que explica, compreenda a si mesmo

e a sua atitude. Entretanto, o outro também precisa abrir-se para compreender, e não apenas

tolerar, pois tolerar não é compreender e nem aceitar. A tolerância “[...] é a negação

postergada” (MATURANA, 2001, p. 117); ela “[...] nasce de um acordo e dura enquanto dura

o acordo” (BOBBIO, 2002, p. 43). Em um atendimento de mediação familiar, tolerar pode até

ser uma atitude prática e uma estratégia prudente a ser utilizada em um determinado

momento, mas não deve estar em sua essência como finalidade. É necessário que os sujeitos

interiorizem a aceitação de si próprio e do outro como seres habitados por potencialidade de

mudança. O conjunto de argumentos para essa aceitação está coberto pela premissa da

emoção. Portanto, conforme argumenta Maturana, uma mudança na emoção implica,

necessariamente, em uma mudança no sistema racional, porque

111 “As ideias inadequadas e confusas seguem-se umas das outras com a mesma necessidade que as ideias adequadas, ou seja, claras e distintas.” (E II, 36).

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Todos sabemos que numa discussão, numa argumentação entre duas pessoas irritadas, quando escutamos o argumento, ele nos parece impecável se aceitamos as premissas das quais se origina. Podemos dizer a uma delas: “olha, esquece o que ele disse: ele disse isso porque estava irritado, mas quando passar a irritação vai dizer outra coisa.” E, efetivamente, passa a irritação e há outra argumentação racional, impecável a respeito de outra coisa que parece contradizer a anterior. (MATURANA, 2001, p. 48).

Sabendo que o conjunto argumentativo de uma discussão está fundado no espaço

emocional, o mediador familiar adentra esse espaço e reacende princípios éticos, como o de

preocupação com o outro, em sua liberdade, autonomia e emancipação, e o de

responsabilidade com as consequências das atitudes que já foram tomadas e ainda virão, em

uma perspectiva de religação das diferentes fases da sua vida e perpetuação da sua existência.

Isto porque, quando alguém expressa emoções, por exemplo, imbuídas de respeito e

solidariedade, elas, possivelmente, retornarão àquele que as emanou, logrando, assim o

aumento de sua própria potencialidade112.

Para Maturana (2002, p. 23), “[...] o amor é a emoção que funda o social”, entendida

como uma emoção constitutiva da aceitação do outro. Aceitar o outro é amor, e nisso está a

evolução humana, enquanto que a negação do outro é competição113. À medida que aceito o

outro, também sou aceita pelo outro. Quando aceito o outro, emano afetos derivados da

alegria que o fortalece; da mesma forma, quando ele retorna os afetos, também potencializa o

meu conatus. Não falamos, aqui, do amor etéreo, mas de um afeto que está ligado à

concretude da vida, envolto em vários outros afetos que existem no cotidiano, permeado por

contradições, inseguranças, frustrações e paixões, bem como da necessidade de ser aceito e da

sensação de fazer parte de um conjunto que é a humanidade. Maturana (2002, p. 67) define o

amor como “[...] a emoção que constitui as ações de aceitar o outro como um legítimo outro

na convivência. Portanto, amar é abrir um espaço de interações recorrentes com o outro, no

qual sua presença é legítima”. Não há espaço social mais privilegiado para a afetividade do

que a família - matriz de todos os relacionamentos humanos, cheios de afetos como o amor, a

atração, o reconhecimento, mas também o ódio, a aversão, a inveja, entre outros.

Desta maneira, conforme percebemos nos depoimentos dos usuários, não há como se

pensar em realizar mediação familiar sem incluir o amor, mas também o desamor; a alegria,

112 “Digo que agimos quando, em nós ou fora de nós, sucede algo de que somos causa adequada, isto é, quando de nossa natureza se segue, em nós ou fora de nós, algo que pode ser compreendido clara e distintamente por ela só. Digo, ao contrário, que padecemos quando, em nós, sucede algo, ou quando de nossa natureza se segue algo de que não somos causa senão parcial.” (E III, 2 def.). 113 “Não é pelas armas, entretanto, que se pacificam os ânimos, mas pelo amor e pela generosidade.” (E IV, 11 cap.).

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assim como a tristeza. Da mesma forma, não há como realizar uma mediação familiar judicial

sem contextualizar, sem incluir um sujeito que se faz de maior importância em todo o

processo da jurisdicionalização das relações familiares: a autoridade judiciária.

2. Percepção das autoridades judiciárias

“A pacificação dos conflitos deve ser objetivo primeiro entre os operadores do direito, sejam eles advogados, juízes ou promotores. A massificação das ações onera o poder judiciário, tornando lento e árduo o caminho até a efetiva prestação jurisdicional. Sentença é ato de gabinete, frio por excelência. O contato com as partes personifica a questão, dá contornos palpáveis, cores e vozes, chegando muito mais próximo do fim em si da atuação do operador do direito, que é o alcance e a aplicação da justiça” (Juíza Rafaela)

O exercício da mediação familiar judicial se faz intrinsecamente articulado à

estrutura jurídica. Por esse motivo, e considerando o nosso objeto de estudo – as relações

afetivas entre pais de crianças e adolescentes em situação de litígio atendidas no exercício da

mediação familiar judicial –, é importante conhecermos a percepção das autoridades

judiciárias sobre o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social relativo à mediação familiar. As

pessoas que são encaminhadas pela autoriadade judiciária para a mediação familiar são

famílias que solicitam ao judiciário uma decisão sobre suas vidas, que se submetem à decisão

de uma instituição na qual o juiz de direito ocupa o lugar daquele responsável por proferir

uma decisão final.

Conforme anteriormente mencionado, estabelecemos, como integrantes da pesquisa,

as juízas que compõem o quadro de serviços do fórum para que pudéssemos examinar a

mediação como um meio de enfrentamento de conflitos e possível superação das dificuldades

relacionais intra e extra familiares. São juízas que observam os usuários antes e após passarem

pelos procedimentos de mediação e analisam as petições com os Termos de Acordo quando

os solicitantes não voltam mais às audiências.

As juízas não somente utilizam o trabalho de mediação familiar judicial, como

também fazem parte dele, na medida em que idealizaram e implantaram, junto com o

assistente social, o trabalho cujo desenvolvimento também depende de suas possíveis análises

e ideias. Uma das magistradas é a coordenadora do setor que centraliza as mudanças e

cuidados com o trabalho.

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Conhecer o que as autoridades judiciárias pensam sobre as relações afetivas familiares

em conflito e sobre a mediação poderia substanciar todo o processo. Em especial, quando

consideramos que esta prática de intervenção está diretamente relacionada ao exercício de

reconstituição das relações familiares, de reconhecimento dos direitos que as integram e da

jurisdicionalização. Algumas indagações foram pontuais:

- como as juízas percebiam a demanda dos usuários que buscam seus direitos relativos ao

exercício de sua parentalidade?

- na concepção das juízas, existiriam colaborações necessárias para que os direitos familiares

fossem efetivados?

- que concepção as juízas teriam sobre a mediação?

- qual o significado de mediação familiar judicial para as magistradas e que valoração e

sugestões teriam quanto à execução do trabalho na Comarca do Fórum de Santos114?

A seguir, abordaremos cada uma dessas indagações.

a) percepção das juízas sobre a demanda dos usuários que buscam seus direitos relativos

ao exercício de sua parentalidade

Em análise aos depoimentos das magistradas115, percebemos, inicialmente, que elas se

deparam com aspectos culturais importantes que se revelam na utilização de processos

judiciais para manifestar o sofrimento dos usuários, utilizando a sua própria identidade

construída para o enfrentamento da questão.

Depreendemos que, na concepção das juízas, a procura pelo judiciário por alguns

usuários é feita imbuída da cultura do litigante. Os usuários buscam o esclarecimento pelo

poder da autoridade instituída de que o conhecimento de sua verdade seria a realidade.

Através da imposição do saber, iria distinguir a verdade única, que deveria guiar a conduta do

seu opositor. O objetivo não seria a compreensão da convivência, mas a manutenção e a prova

114 Vale lembrar ainda que, no que concerne a esta parte do trabalho, visamos atingir tão somente o objetivo proposto. Não iremos, aqui, analisar a formação, a qualificação da magistratura, tampouco iremos nos aproximar de uma abordagem da sociologia das profissões. Tratamos os depoimentos da magistratura restrita aos limites da especificidade da judicatura nos conflitos familiares. 115 No presente estudo, nota-se que as seis magistradas que ocupavam o cargo/função nas Varas da Família eram mulheres. Inferimos que esta situação pode estar atrelada ao fato da família ainda ser uma área socialmente ligada ao cuidado feminino, além de vários estudos apontarem para a indicação do perfil da juvenilização e feminilização da magistratura no Brasil. (Ver ALVES, Eliana Calmon. O perfil do juiz brasileiro. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/278>. Acesso em: 4 nov. 2011.)

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da razão. A busca, inicialmente, ocorre por meio do poder e pela obrigação do outro à

obediência ao juiz, procurando um resultado, e não uma colaboração. A expectativa primeira

dos usuários, e de seus procuradores, aparentemente vem dentro de uma perspectiva contrária

à investida pelas juízas, que é uma concepção de justiça transformadora.

É aquela ideia do litígio, da briga, “vou te processar”. Parece que soa bonito;

necessário mudar essa mentalidade. (Juíza Luciana)

Criam uma expectativa que, ao judicializar o conflito, a responsabilidade pela

solução não é mais dela. O sistema também se coloca numa posição de que vai

resolver, e não é assim... (Juíza Rosália)

Havia preconceito de que o juiz que estava tentando conciliar, mandar pra mediação,

não estava querendo trabalhar. (Juíza Luciana)

As pessoas vêm ao fórum armadas no sentido de destruir o outro; e noto que a

mediação consegue desarmar um pouco esse sentimento(...) (Juíza Juliana)

Ao longo da história, o sistema de justiça mudou. Houve enormes mudanças;

dependendo dos movimentos sociais, se esperava uma ou outra coisa da justiça. E

hoje não é diferente; a tendência hoje é a pacificação. Então, tenho esperança de que

as soluções e os sistemas para oferecer a justiça se tornem cada vez mais pacíficos.

(Juíza Lívia)

A pacificação dos conflitos deve ser objetivo primeiro entre os operadores do direito

(...). A massificação das ações onera o poder judiciário, tornando lento e árduo o

caminho até a efetiva prestação jurisdicional. (Juíza Rafaela)

As juízas revelaram que, por vezes, percebem a utilização do processo judicial

apenas como um meio para utilizar o sistema para o reconhecimento da razão dos

demandantes. Apesar desta percepção, elas seguem o caminho que consideram como sendo

aquele que esteja de acordo com a função que desempenham, estabelecendo o contato

humano com as partes, visando a aplicação da justiça. Vislumbram possíveis aliados para esta

mudança na cultura, no serviço de mediação, nas universidades e na própria tendência do

direito atual, estabelecendo, em sua atuação, um sentimento de esperança.

Percebemos que o processo é só um meio para utilizar o sistema para poder trazer

seu conflito para um âmbito oficial. (Juíza Rosália)

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Sentença é ato de gabinete, frio por excelência. O contato com as partes personifica a

questão, dá contornos palpáveis, cores e vozes, chegando muito mais próximo do fim em si da

atuação do operador do direito, que é o alcance e a aplicação da justiça! (Juíza Rafaela)

Vejo que o serviço de mediação pode contribuir pra uma mudança de comportamento

das pessoas... (Juíza Juliana)

Penso que deveria se dar ênfase maior do que vem sendo dado nas universidades,

principalmente nos cursos de Direito. (Juíza Luciana)

A tendência hoje é a pacificação. Tenho esperança de que as soluções e os sistemas

para oferecer a justiça se tornem, cada vez mais, pacíficos. (Juíza Lívia)

Consideraram, também, a importância da postura dos magistrados no acolhimento à

demanda dos usuários, destacando a especificidade dos magistrados que atuam nas Varas da

Família. Isto, traduzido na responsabilidade de suas palavras e posicionamentos,

principalmente na utilização de seu carisma, para introduzir as noções da cultura da paz.

Se assumirmos a posição de “resolvemos os seus problemas”, não vamos chegar em

lugar nenhum; a gente vai ficar enxugando gelo pra sempre... (Juíza Rosália)

O juiz da Vara de Família tem que ter disponibilidade de resolver, sensibilidade (...).

É a postura de cada magistrado. (Juíza Luciana)

Na minha vara, todo processo, independente do procedimento a ser seguido (...),

sempre ocorre uma audiência preliminar. (Juíza Lívia)

Acaba-se percebendo situações que não têm como serem descritas no processo. (...)

Aí, vai de o juiz ser sensível na hora pra saber. (Juíza Rafaela)

Em análise a estes depoimentos, percebemos o quanto o judiciário ainda constitui o

primeiro recurso institucional para os cidadãos buscarem pela efetivação dos seus direitos,

que julgam estar sendo infringidos. Os juízes de primeiro grau - sujeitos pesquisados - são os

primeiros representantes do poder judiciário com quem os cidadãos entram em contato na

exigência dos seus direitos. Entretanto, nos litígios de família, apesar de todo o poder

conferido aos juízes de primeiro grau no exercício da magistratura, eles se questionam a

respeito do seu papel e dos seus limites na resolução dos conflitos familiares. (GANANCIA,

2001; CEZAR-FERREIRA, 2011).

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Por causa desses questionamentos e por sua função revestir-se de grande visibilidade e

importância no cenário social, frequentemente tomam atitudes de vanguarda, aplicando as leis

vigentes e interpretando-as para garantirem a função social do judiciário: fazer justiça. Apenas

para citar alguns exemplos116, Danièle Ganancia (2001), juíza francesa, relata que, desde o

final dos anos 80 – portanto, bem antes da existência da lei que veio regular a mediação e a

conciliação em 1995 –, na França, os juízes haviam introduzido a mediação no processo

judicial. Cezar-Ferreira (2011) também lembra de iniciativas pioneiras de juízes em São

Paulo, desde 2004, em relação à conciliação. A presente tese também traz a sua contribuição,

pois, sem a iniciativa das juízas, o Setor de Mediação não teria sido iniciado.

Os magistrados colaboram, especificamente, no acolhimento das demandas de família,

conforme afirma Ganancia (2001), em dois aspectos: 1) no dizer do que é direito, pois este

enquadre é organizador e estruturante; lembram aos pais - que naquele momento estão

submersos no conflito - sobre suas obrigações parentais na proteção dos seus filhos, seres em

desenvolvimento; 2) comunicam aos pais sobre os limites de uma decisão judicial e a

importância de que eles se responsabilizem em relação à decisão tomada, explicando-lhes que

deverão trabalhar as soluções para que possam garantir a aplicabilidade da decisão.

Os depoimentos trazidos revelam que, longe dos magistrados estarem inertes, são

pessoas que se afetam e são afetadas no exercício da sua função pública. Angustiam-se e

incomodam-se com o sofrimento alheio, e também sofrem quando se esforçam em sua função

para fazer do mundo um lugar melhor para se viver. Percebem-se como agentes importantes

na mudança da cultura litigante, voltada para uma cultura da paz, para o cumprimento dos

direitos humanos. Por mais que encontrem dificuldades nos enfrentamentos dos conflitos,

nutrem e permanecem com a crença de que a força de uma nova cultura poderá ser mais forte

que a atual e, assim, ser superada117.

116 O IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, por meio do Boletim nº 77, ano 12, novembro/dezembro 2012, traz matéria que acrescenta exemplos de decisões judiciais inovadoras que indicam o esforço de alguns juízes para exercerem suas atividades na perspectiva da constante renovação do Direito de Família. O Tribunal de Justiça de Rondônia concedeu dupla paternidade a uma criança no Registro de Nascimento. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu sobre o Registro de Nascimento de duas crianças, filhas de duas mulheres homossexuais, contendo duas mães na Certidão e nenhum pai. Ainda em São Paulo, foi incluído o nome da madrasta no Registro de Nascimento, sem excluir o nome da mãe biológica. A última demandante postulou uma ação de reconhecimento de filiação socioafetiva, cumulada com retificação de registro. 117 “Não existe, na natureza das coisas, nenhuma coisa singular relativamente à qual não exista outra mais potente e mais forte. Dada uma coisa qualquer, existe uma outra, mais potente, pela qual a primeira pode ser destruída.” (E IV, Ax.).

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b) colaborações percebidas pelas juízas como necessárias para que os direitos familiares

fossem efetivados

As juízas afirmaram a importância de possíveis aliados na busca da consecução da

justiça nas relações afetivas familiares. Esse encontro, ainda que tímido, reconhece seus

potenciais parceiros nos advogados/procuradores e na Política Judiciária Nacional de

tratamento adequado dos conflitos de interesses.

Os advogados das partes são percebidos pelas juízas como sujeitos da maior

importância na compreensão dos procedimentos quanto à justiça, uma vez que são

profissionais escolhidos pelos usuários para defendê-los e nos quais depositam sua confiança.

Usualmente, são os primeiros profissionais a quem os sujeitos procuram ajuda para que

possam enfrentar os seus conflitos familiares, representando-os junto ao judiciário. Algumas

juízas percebem, ainda, uma grande resistência por parte dos procuradores; outras, quando

encontram resistência, manifestam a falta de compreensão quanto aos espaços profissionais e

desconhecimento a respeito dos meios alternativos de administração de conflitos na

consecução da justiça.

Há uma resistência muito grande por parte dos advogados, não da totalidade (...).

(Juíza Lívia)

Sinto ainda bastante resistência por parte dos advogados, (...) como se fosse roubar o

cliente. (...) Ninguém está tirando o papel de ninguém. (Juíza Luciana)

Os advogados podem pensar que vão perder espaço (...) No começo da conciliação,

pensavam (...). A gente teve que mudar na prática. (Juíza Rosália)

Os advogados não aceitavam por não conhecerem. Depois, eles falavam:“aceita! é

bom, já tive outros casos!” Hoje, se manifestam favorável. (Juíza Rafaela)

As juízas também percebem que a Política Judiciária Nacional de tratamento

adequado dos conflitos de interesses (Resolução nº 125, de 29/11/2010 do Conselho

Nacional de Justiça - CNJ) é uma possibilidade de viabilizar, na prática, o conceito que

nutrem de justiça. Reconhecem valor na referida política como um norteador, além de um

veículo de comunicação de tratamento prático, que pode viabilizar a transformação da cultura

adversarial para a cultura da paz.

Essa Política é a interpretação que o CNJ deu à tendência geral no processo civil

moderno, de que os litígios têm que ser pacificamente resolvidos, evitando a participação de

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um terceiro forte que vai impor uma decisão e desagradar a ambos (...) sem que a solução

dada abra caminho a outros conflitos. (Juíza Lívia)

A política é positiva. Hoje em dia se fala mais nisso (...). (Juíza Luciana)

A intenção é maravilhosa (...). (Juíza Rafaela)

É um reconhecimento da equiparação da via tradicional com a via consensual (...),

igual importância aos meios de solução (...). Coloca o poder judiciário com a

responsabilidade de dar a sentença e de promover a pacificação (...).(Juíza Rosália)

Entretanto, apesar de perceberem muitos benefícios quanto à referida Resolução, as

juízas também se referem a muitas dificuldades para a implantação da Política. Incluem-se,

no sentido de que elas próprias poderiam tomar atitudes pontuais, junto aos advogados e aos

procuradores públicos. Tais atitudes dirigem-se a compartilhar o ideário da cultura da paz,

como também de elaborar a viabilização nas práticas disciplinares e institucionais de tal

política. Ressaltam as dificuldades quanto aos aspectos financeiros devido à falta de previsão

orçamentária no planejamento dos Tribunais de Justiça. Mencionam a preparação precária

quanto aos executores finais desta política, qual seja, os mediadores/conciliadores. Criticam a

formação oferecida pelos Tribunais, no que se refere à falta de equiparação entre o que se

exige para atuar enquanto mediador/conciliador e o conteúdo que se oferece nos cursos. Além

disso, mencionam que os cursos são pagos, enquanto que o trabalho oferecido aos

conciliadores tem sido voluntário.

Promover a cultura, ideia... Tinha que vir da gente, chamar os defensores e

conversar!(...) É uma política do judiciário, ele teria que fornecer estrutura (...) chamar mais

a responsabilidade, que é o que a resolução determina. (Juíza Rosália)

Que viesse uma política de recursos financeiros pra viabilizar. (Juíza Luciana)

Necessária previsão orçamentária, espaço físico, material e humano (...) pra que se

conseguisse chegar aos fóruns de uma forma mais rápida. (Juíza Rafaela)

Os cursos oferecidos pelo Tribunal têm poucas horas/aulas e nenhum material

didático (...) Nem sequer são gratuitos (...). Os conciliadores voluntários estão fazendo isso

com a esperança de um futuro que lhes ofereça alguma renda (...). (Juíza Lívia)

As juízas remeteram-se à necessidade de maior compreensão dos meios de

administração de conflitos pela sociedade em geral. Reconheceram que a construção de uma

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mudança de paradigma não se faz por meio da atuação de uma disciplina. A construção de

conhecimentos, leis e jurisprudências em direito de família precisa estar em sintonia com o

debate contemporâneo e com as demandas sociais. O direito de família faz a ligação entre o

privado e o público, o individual e o coletivo, o singular e o genérico. Diversos são os

sujeitos: os usuários da justiça, os procuradores, os promotores de justiça, os magistrados, os

mediadores e os conciliadores. O judiciário, o executivo e o legislativo caminham de modo

diferente, mas devem estar na mesma direção: na construção de políticas públicas que

contemplem os direitos de cidadania, contemplando estas políticas os cuidados necessários

não somente em sua formulação, mas também na alocação de recursos para que seja possível

viabilizar a sua operacionalização. E, a partir da demanda das famílias, criar políticas públicas

que as atendam com eficiência, logrando a contemplação dos avanços sociais e jurídicos para

todos.

Neste sentido, a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de

interesses corre o risco de não alcançar os benefícios almejados se não forem viabilizados

recursos para a sua efetivação. A mediação familiar poderá vir a ser um meio para poucos,

caso seja utilizada, apenas, por uma camada restrita da população que possa pagar por ela.

Além disso, a mediação e a conciliação poderão cair no descrédito dos profissionais do

sistema de justiça como um todo e da própria população se os Tribunais de Justiça insistirem

no não reconhecimento desta atividade como uma especialização profissional, perseverando

nas ideias de trabalho voluntário de mediadores e conciliadores. Nesta esteira, o trabalho de

mediação, tendo as suas bases no messianismo profissional, pouco acrescentará às

necessidades dos usuários. Afinal, não se trata de um problema de intenção, mas de

profissionalização118!

Entendemos que uma política séria, que contemple os meios de administração de

conflitos, é uma proteção à família, às relações de amizade e à vizinhança, à educação, ao

trabalho, enfim, é uma contribuição ética ao mundo de relações desiguais. Portanto, conforme

salienta Sawaia,

118 Não estamos, de maneira alguma, desvalorizando as iniciativas individuais em se voluntariar no exercício da conciliação e mediação. Ao contrário, estamos ressaltando aqui a necessidade de profissionalização e reconhecimento institucional para este trabalho. Da mesma forma, não estamos diminuindo o esforço dos Tribunais em implantar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, denominados “Centros” ou “CEJUSCs”, em todo o Brasil com base no voluntariado e parcerias privadas. Estamos ressaltando que estas

medidas precisam estar incorporadas nos Tribunais, não como uma medida menor, mas imbuídas da importância que realmente têm, isto é, de promoção e prevenção de justiça.

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[...] uma perspectiva analítica que entende que por trás da desigualdade social há vida, há sofrimento, medo, humilhação, mas também há o mais extraordinário milagre humano: a vontade de ser feliz e recomeçar ali onde qualquer esperança parece morta. Há, portanto, o homem por inteiro, de corpo e mente, emoção e razão, determinado e determinante da sociedade, de forma que o que acontece com um afeta o outro. Nessa concepção, a subjetividade deixa de ser perturbadora para ser constituinte da objetividade social. (SAWAIA, 2009, p. 365).

c) a percepção das juízas quanto à mediação

As juízas manifestaram o alto grau de relevância e necessidade de qualificação do

profissional para desenvolver a mediação, demonstrando haver preocupação com a

qualidade do serviço de mediação. Ressaltaram que a qualificação do mediador é altamente

necessária para que possa enfrentar os desafios da prática de mediação, principalmente os da

mediação familiar. Tal qualificação leva tempo e dedicação para se conseguir algo que o

Tribunal deveria reconhecer, contratando pessoal especializado e/ou perfilando os já

existentes em seu quadro de funcionários.

O Tribunal tem que abrir concursos para pessoal capacitado. (...) Não se torna

mediador de uma semana pra outra (...). Acaba sendo de alto custo a qualificação

(...). (Juíza Lívia)

O Tribunal tem que reconhecer a necessidade de preparação e de pessoal no quadro

(...), não insistir nessa ideia de voluntariado somente. O voluntariado é importante

para o serviço de conciliação, mas para o de mediação, principalmente da família, a

capacitação é fundamental! (Juíza Rosália)

As juízas percebem que há dificuldade, por parte dos usuários, na aceitação da

mediação. Vários são os elementos que reverberam na decisão dos usuários em aceitarem o

trabalho de mediação, tais como: confusão entre conciliação e mediação; desconhecimento

dos meios de administração alternativos de enfrentamento dos conflitos; e uma cultura

litigante que predomina em nossa sociedade. Essas dificuldades foram enfrentadas pela

maioria das juízas com um diálogo reflexivo junto aos usuários; contudo, paradoxalmente,

houve algumas magistradas que, após um período de trabalho, optaram pela forma coercitiva

no encaminhamento. Este fato trouxe um questionamento sobre a voluntariedade/

obrigatoriedade da mediação e a necessidade de uma mudança na legislação neste aspecto.

Sempre conversava com as partes, explicava o que era o setor, porque não adianta

obrigá-los; eles têm que querer. (Juíza Rafaela)

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Com os anos, descobri que, voluntariamente, poucos se dispõem à mediação (...).

Passei a determinar para que participassem do trabalho. (...) Vários foram por determinação

(...). Embora não houvesse recurso, em alguns casos a parte não comparecia (...). Passei a

fixar multa por falta injustificada. Até hoje, ninguém recorreu de minha decisão (...). Tem-se

chegado a um bom término. (Juíza Lívia)

Fui vendo que, quando se tratava de família, a voluntariedade talvez não fosse tão

importante (...). A relação de família em si é indisponível; pais e filhos têm que assumir suas

responsabilidades (...) Me pareceu razoável que chamássemos as pessoas a participar

daquilo que fosse necessário ao bem estar das crianças, incapazes, que não têm condições de

trazer suas próprias demandas. (...) Existe a questão legislativa, se pudermos evoluir para

que a mediação seja uma fase de processo, ou fazer com que as pessoas passem pela

mediação necessariamente antes de se iniciar um processo; seria fundamental! Não adianta

nos estruturarmos de uma forma a prestar esse serviço e as pessoas não se interessarem...

(Juíza Rosália)

O encaminhamento à mediação, obrigatório ou não, é feito pelas juízas, posto que este

é um serviço desenvolvido pelo judiciário. Os procuradores e os usuários podem solicitar o

encaminhamento; contudo, a prática mais comum ainda tem sido a das juízas observarem a

necessidade/possibilidade e oferecerem o trabalho. Por esta razão, a escolha para o envio tem

sido, de certo modo, arbitrária, uma vez que cabe às juízas nomearem quais usuários poderão

ir para o Setor de Mediação. Isto fez com que elas desenvolvessem critérios e técnicas para

este ato, levando em consideração a pequena estrutura do Setor de Mediação.

Foram mencionados alguns aspectos relativos aos critérios adotados. Em primeiro

lugar, e principalmente, a existência de crianças/adolescentes no litígio, pois necessitam de

proteção especial em sua condição de desenvolvimento. Em seguida, também mencionaram: a

dificuldade dos pais em dar aos filhos a proteção necessária naquele momento, seja rumo a

uma decisão conjunta deles próprios (Termo de Acordo) ou na aceitação/cumprimento da

sentença; a percepção do grau e da complexidade do conflito, podendo desdobrar-se em novas

ações, tendo a mediação, então, um caráter preventivo; e o tempo já existente de litígio,

considerado como um fator importante para o envio à mediação, pois é um indicativo da

dificuldade de se chegar a um bom termo, uma vez que o tempo reflete, concretamente, o

desgaste afetivo e financeiro dos usuários, como também a utilização inadequada do sistema.

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As juízas manifestaram a necessidade de mediação ao observarem os usuários em

audiência e analisarem o conteúdo das petições realizadas pelos procuradores das partes.

Verificava o comportamento das partes na primeira audiência. Quando elas mal se

olhavam, não conseguiam conversar (...), muita interferência dos advogados, sem elas

se manifestarem. (Juíza Juliana)

Envolvendo menores, situações mais complexas, quando há necessidade de dar

atendimento mais demorado, ou quando tem um conflito subjacente que poderia fazer

com que proliferassem várias ações. (Juíza Luciana)

O interesse de crianças, pois necessitam de uma proteção especial. (...) O grau de

complexidade do litígio, (...) o tempo de conflito, (...), uma profundidade maior que o

mero objeto da ação, ou seja, percebíamos que envolvia outras coisas, e o que a ação

pedia não ia encerrar o conflito (...). (Juíza Rosália)

Animosidade entre as partes e terem filhos, a proteção das crianças. (...) Quando

percebia um problema mais profundo em que existiam mágoas e utilizavam os filhos

como forma de barganha ou de atingir o outro (...) Outro critério era pensar que a

minha sentença não iria ser cumprida, porque os pais não se entendiam e iria gerar

outros processos (...). Ainda que não houvesse um acordo, existiria um cumprimento

da minha decisão. (Juíza Rafaela)

Níveis de litigiosidade, socioeconômico e cultural das partes (...). Pela petição inicial,

se antevê que o litígio é muito grande e haverá dificuldades na solução, ou em

audiência quando se opta por qualquer tipo de acordo de forma a colocar fim ao

litígio (...). Depois de tentar conciliar, observando a postura de cada um, o

vocabulário usado e as dificuldades de comunicação (...). (Juíza Lívia)

O fato de entrarem em um acordo na audiência não significa que existe aquele

equilíbrio entre as partes, que elas conseguem se comunicar de uma forma razoável.

Às vezes, ao contrário, eles se conciliam até pra ficar livre um do outro, por exemplo.

(Juíza Rafaela)

As juízas afirmaram que a distinção entre mediação e conciliação tem relevada

importância, mas que há uma confusão entre esses dois termos por parte dos usuários e dos

seus procuradores. Essa indistinção de conceitos prejudica a disseminação da mediação, na

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medida em que a mediação é oferecida aos usuários, mas eles pensam que ela é igual à

conciliação. Assim, por vezes, a mediação é recusada por imaginarem conhecer este meio,

quando, de fato, o desconhecem, necessitando, por isso, um esforço especial das magistradas

para que haja um esclarecimento.

O desconhecimento dos usuários e dos seus procuradores quanto a esses dois termos

dificulta a voluntariedade no encaminhamento. No enfrentamento do desconhecimento e na

dificuldade de aceitação da mediação, algumas juízas passaram a obrigar a participação dos

usuários no trabalho de mediação. Esse encaminhamento é realizado a partir de critérios

estabelecidos por elas.

Dado o respectivo valor para cada meio de administração de conflitos, ensejaram a

grande diferença entre mediação familiar e conciliação - ambos meios de administração de

conflitos, mas que guardam peculiaridades significativas.

Pergunto em audiência: “gostariam de participar da mediação?” Eles respondem:

“não estamos interessados em conciliação”. (Juíza Luciana)

Há um conceito generalista da mediação que se mistura com conciliação (...), a

Resolução 125 não faz esta distinção (...). Conciliar exige algum conhecimento e bom

senso, já a mediação exige técnicas mais apuradas, conhecimentos aprofundados de

psicologia, sociologia, comunicação (...). (Juíza Lívia)

Depois da conciliação, eu mandava para a mediação (...). (Juíza Rafaela)

A mediação familiar não se confunde com a conciliação, pois esta última estimula os

usuários à comunicação, mas observa, essencialmente, critérios objetivos. O conciliador busca

soluções jurídicas para aquele processo e as apresenta aos usuários. Espera-se que eles

possam tomar uma decisão rápida. A conciliação conduz a conversação na direção de um

acordo, opina, propõe para assim encerrar, de maneira breve, o litígio. Portanto, apesar de os

usuários entrarem em acordo, a maneira de conduzir a conversação em conciliação é também

pautada no poder, na autoridade e no domínio do saber do conciliador.

Já o mediador deve evitar opinar ou sugerir, pois a decisão é construída junto com os

próprios usuários no processo. Os mediadores devem proporcionar reflexão aos usuários

sobre suas posições, sobre os motivos do conflito em si e sobre os reais interesses que

estariam em jogo. A reflexão deve estar voltada para a importância em suas vidas naquela

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fase, para a condição dos filhos e para o percurso da história familiar das partes litigantes. A

busca de conexão entre o passado e o presente da vida dos litigantes tem como ponto comum

o convívio com os filhos e ou outros entes queridos. A mediação leva em conta a prevalência

de continuidade dos relacionamentos pela imposição natural da vida e abre espaço para a

expressão e a ressignificação da afetividade dos sujeitos.

A literatura (SALES, 2003; BARBOSA, 2004; CACHAPUZ, 2006; RODRIGUES

JÚNIOR, 2006; TARTUCE, 2008; ROBLES, 2009; CEZAR-FERREIRA, 2011; SILVA,

2011; entre outros) é vasta no que diz respeito à diferença entre conciliação e mediação.

Infelizmente, como já enunciado no primeiro capítulo desta tese, a Resolução 125 do CNJ119

não foi feliz ao utilizar os dois termos como sinônimos. Segundo Barbosa,

A mediação familiar fundamenta-se na cultura da paz, nos moldes instituídos pelo programa da UNESCO, que visa a educar para buscar a justiça sem violência. Já a pacificação de conflitos, como o é a conciliação e a cultura norte-americana, visa a homogeneização dos conflitos e das pessoas, sem espaço para privilegiar as diferenças individuais, reclamadas a partir da recepção do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal. Este modelo de mediação familiar estrutura-se na interdisciplinaridade, constituindo o ideal fundante da Association pour la Promotion de la médiation – APPM – legitimada e reconhecida pela Comunidade Europeia. (BARBOSA, 2011, bol 67, p. 3).

Observamos, na escola francesa, a manutenção da distinção entre mediação e

conciliação. Esta distinção é considerada importante na perspectiva da necessidade de uma

boa qualificação profissional para o exercício da mediação.120

119 “O CNJ adotou o modelo desenvolvido nos Estados Unidos, onde fazem uso indiscriminado dos termos mediação e conciliação, como sinônimos, posto que naquele país a tradição seja o litígio como única forma de solução de controvérsias. A partir da década de 60, o judiciário norte-americano tornou-se tão barrotado que buscaram a implementação de modelos consensuais que chamam de mediação, porque não conhecem conciliação, como ocorre aos brasileiros. Portanto, este transplante de orientação para diferentes culturas desqualifica a riqueza multicultural do Brasil.” (BARBOSA, 2011, bol. 67, p. 4). 120 É importante verificarmos alguns conceitos em torno desta questão. A Conciliação - Há na palavra “conciliação” o conceito de “reunião” (do latim concilio), exprimindo “a ação de conciliar pessoas divididas por opinião, por interesse” (Cf. dictionnaire Le Robert). A conciliação é tanto a ação quanto o seu resultado; entretanto, a própria ação parece relativamente simples, e a conciliação não evoca um processo laborioso, dura e longamente praticado. Ainda quando uma conciliação pretende ajudar pessoas que estão “em” conciliação, esta ação exprime, em primeiro lugar, um processo no seio do qual os indivíduos estão face-a-face ou podem estar sós. Aquele que tenta intervir entre eles (o conciliador) apenas os ajudaria a se conciliarem por eles mesmos. Parece que o conciliador, ainda que presente, pode estar fora do próprio processo, mesmo quando dele participa. Se há um conciliador, supõe-se que seja neutro. A palavra “conciliação” é também marcada por uma conotação jurídica, uma vez que, muito comumente, encontramos conciliações em procedimentos judiciários diante dos Prud’hommes120, em direito do trabalho e diante dos juízes de assuntos familiares. Em direito da família, no começo do divórcio, a primeira audiência é uma tentativa de conciliação no decurso da qual o magistrado é encarregado de perguntar ao “cônjuge solicitante” se ele mantém sua iniciativa. Esta audiência foi prevista na lei de 1884, há mais de um século, para limitar o divórcio. Esta função de conciliação foi, durante muito tempo, associada à do juiz de paz. Se considerarmos as práticas judiciárias e as práticas sociais estabelecidas, a

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conciliação parece ser a reunião de pessoas ou de partes que tentam uma simples aproximação de suas respectivas posições. A Mediação - Pareceu-nos útil tentar definir a mediação por comparação com as práticas anteriormente citadas (incluindo a ‘negociação’), tanto mais que a nossa sociedade esqueceu um pouco o conceito de mediação, que é relativamente antigo. Os dicionários remetem ao séc. XV o uso da palavra “médiation”, na língua francesa, e ao século XIII, o uso da palavra “mediateur”. Em sua obra La Médiation et lar résolution dês conflits, Touzard (1977, p. 155) indica, em um trecho da obra, sob o título “definição da mediação”, que “[...] este termo remete tanto à conciliação em uma acepção mais limitada da mediação quanto à mediação no sentido pleno e total da palavra”. O autor assinala, igualmente, a leve diferença entre os dois termos: “A conciliação define um papel menos ativo da parte de um terceiro”, confirmando o parentesco, a proximidade entre esses dois conceitos, e as passagens frequentemente realizadas de um a outro. Etienne Leroy, antropólogo, afirma sobre a mediação (revista Droit et Société, 1995): “A mediação valoriza a busca da adesão do ator a uma solução mais consensual possível, limitando assim, consideravelmente, a intervenção da terceira parte.” A prática da mediação difere das outras práticas pela consciência que tem o mediador de ser um elemento auxiliar, facilitando a retomada da comunicação face a uma situação de conflito. A esse respeito, Jean-Pierre Bonafé-Schmitt, sociólogo, escreve (La Médiation, une justice douce – Syros-Alternatives, 1992): “É através deste procedimento que melhor se avalia que a mediação não é apenas uma técnica de gestão de conflitos, mas também uma forma de regulação social.” A dimensão social, pela regulação de conflitos, é intrínseca à mediação. Os protagonistas encontram sua responsabilidade, e não mais delegam a tomada de decisão junto a uma instância. As diferentes definições da mediação são afinadas em função de seu terreno de aplicação. Através destas definições, podem-se destacar critérios constantes:

• concernentes ao mediador – a imparcialidade, a confidencialidade, o fato de estar em posição de terceira pessoa sem vínculo com as partes em litígio;

• concernentes ao processo – visa restabelecer a comunicação, solicita a autonomia e a autodeterminação das pessoas, visa restabelecer a responsabilidade de cada um.

A Mediação Familiar – Tomemos, inicialmente, a definição da Association pour la Promotion de la Médiation Familiale: “A mediação, em matéria de divórcio ou de separação, tem por objetivo permitir que os pais exerçam suas responsabilidades parentais em clima de cooperação e de respeito mútuo. Os casais solicitam ou aceitam a intervenção confidencial de uma terceira pessoa, qualificada, chamada de “Mediador Familiar.” O papel do mediador é de conduzi-los a encontrar, por eles mesmos, as bases de um acordo durável e mutuamente aceitável, levando em conta as necessidades de cada um dos membros da família, e particularmente das crianças, em um espírito de co-responsabilidade parental. Esta definição estabelece, de maneira clara, o campo de intervenção: o divórcio, a separação. Ela define, ao menos tempo:

• o traçado das competências profissionais – terceira pessoa qualificada; • o quadro do processo – a confidencialidade; • os objetivos – “permitir encontrar por eles mesmos acordos duráveis”, sublinhando o caráter voluntário

e, por isso mesmo, a noção de comprometimento dos pais que aderem a este acompanhamento. Outras definições não especificam a necessidade de uma qualificação do mediador. Entre elas, a de Joan Kelly, psicóloga e mediadora familiar, citada por Benoit Bastard et Laura Cardia-Vonèche (Le divorce autrement – La médiation familiale, Syros, 1990). J. Kelly define a mediação como um processo de cooperação em vista da resolução de um conflito no qual um terceiro imparcial é solicitado pelos protagonistas a ajudá-los a encontrar um acerto amigável. Este autor propõe uma abordagem da mediação não específica para divórcio/separação e sem necessidade de uma qualificação da “terceira” pessoa. Lisete Laurent-Boyer, mediadora quebequense, define-a em seu livro (La médiation familiale – Bayard Editions, 1993) da seguinte maneira: “A mediação familiar é um método de resolução de conflitos baseado na cooperação e na autodeterminação, com a finalidade de estabelecer entendimentos para o futuro da família. Os cônjuges se separam, todavia continuam pais. Nesta perspectiva, o divórcio ou a separação não significa a dissolução da família, mas, antes, sua reorganização.” Esta definição aponta a ruptura conjugal como a origem da intervenção da mediação. De nossa parte, incluímos, em nossa definição, a necessidade de formação do mediador: “A mediação familiar consiste em um processo estruturado, realizado por um profissional qualificado. Endereça-se às famílias em situação de conflito, cuja origem é a separação, o divórcio. O mediador, submetido à confidencialidade e ao respeito de um código de deontologia, tem por tarefa acompanhar os protagonistas na busca de soluções satisfatórias para cada um. Ele atentará ao respeito e à consideração das necessidades, da cultura e dos valores de cada um.” A mediação é composta de diferentes elementos, que são: as implicações (materiais e afetivas); o contexto (sócio-econômico, familiar e jurídico); e o quadro (confidencialidade, deontologia). É com estes elementos que o mediador deve organizar a sua ação junto às famílias que solicitam ou aceitam sua intervenção. (Tradução de Maria Lucia Rodrigues, 2013. Livro de Jocelyne Dahan: La médiation familiale, Collection Essentialis, Ed. Morisset, Paris, 1996).

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A não discriminação de conceitos indica o quanto a mediação, principalmente a

familiar, necessita de melhor elaboração científica nas dimensões da prática, ética e teórico-

jurídica. Estas concepções, ainda confusas no Brasil, reverberam na prática. Outro aspecto

que demonstra a necessidade de avanço nos estudos é a discussão entre voluntariedade e

obrigatoriedade, já levantada pelos usuários, mas também remetida pelas juízas. Entendemos

que voluntariedade e obrigatoriedade estão horizontalmente ligadas à divulgação dos

benefícios deste meio à população e verticalmente ligadas à cultura na difusão de um novo

paradigma121. Esta discussão não é apenas um aspecto da construção teórico-prática, pois está

também relacionada às dimensões política e cultural.

Contudo, essas discussões em nada diminuem a iniciativa da mediação familiar,

reafirmada pelos critérios que levam as magistradas a encaminharem os usuários para o

trabalho. Mesmo que esta construção ainda esteja incipiente, os encaminhamentos, conforme

apresentados, são iluminados pelos preceitos da ética dos direitos humanos e cultura da paz.

d) o significado da mediação familiar judicial para as magistradas, valoração e sugestões

percebidas na Comarca do Fórum de Santos122

As juízas demonstraram o significado da mediação familiar judicial, manifestando-

se sobre o potencial que constataram nas relações de trabalho. Referiram-se à mediação como

uma forma relevante de fomentar o empoderamento dos usuários quanto às condições de

dialogarem e melhorarem a comunicação. Ressaltaram que, ainda que não haja acordo, a

mediação auxilia nos procedimentos da audiência, no cumprimento da sentença, além de ser

um trabalho preventivo às novas proposituras de ações judiciais. O resultado da mediação

também influencia no tempo, nos recursos financeiros e afetivos gastos nas ações judiciais,

tanto do contribuinte quanto dos cidadãos. Salientaram que o trabalho de mediação afeta as

pessoas, ajudando-as, positivamente, na construção de um diálogo, no posicionamento perante

a vida. Por outro lado, indicaram que a mediação também as afeta, não só em relação às suas

percepções de seguirem o caminho de justiça que adotaram, mas também quanto ao retorno

obtido dos próprios usuários – momento em que são tomadas pela afetividade.

121 O magistrado, trabalhando à luz da lei e estando submetido a ela, não tem, em suas atribuições específicas, o convencimento de alguém a alguma coisa – no máximo a recomendação, pois a lei é cogente, obriga. A função do magistrado é a prestação jurisdicional: ele é obrigado a sentenciar, mesmo nos casos onde há lacunas na lei; pode utilizar-se da equidade, da analogia e dos princípios gerais de direito. Esta é a função do Estado-juiz dentro deste paradigma. 122 No período pesquisado, o trabalho foi executado, exclusivamente, por assistentes sociais.

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Acordo na mediação não é o mais relevante. Tem processos que continuam, mas as

pessoas tentam novas alternativas, se abrem às possibilidades que no princípio eram

impossíveis. Esse é o reflexo mais visível e imediato da mediação. (Juíza Rosália)

A mediação é boa em qualquer área, não só na família (...). Temos varas cheias de

processos, pautas de audiência de seis meses, um ano, várias sentenças pendentes. (...) Todo

sistema fluiria muito melhor e menos oneroso! Ela é uma forma de prevenção a outros

litígios, além de ser mais célere para resolvê-los. Através dela, pode-se conseguir acordo em

vários processos, ou ainda que não se consiga acordo, se contribuirá no cumprimento da

sentença. Sem entendimento, uma sentença pode virar nada! (Juíza Luciana)

Mesmo naqueles quando não houve um acordo, o fato de as pessoas conseguirem

dialogar depois na audiência (...). Gostava da forma de trabalhar com as partes isoladas de

seus advogados; noto que elas ficam mais soltas, livres... (...) A mediação estabelece esse

liame de conversa, consegue-se dialogar; coisas que as pessoas não faziam nas suas casas,

tiveram que chegar aqui no fórum pra conseguir, na frente do juiz ou da mediadora. (Juíza

Juliana)

A mediação não visa à conciliação, mas diminui a animosidade! Na maioria dos

processos enviados dá acordo, mas ainda que não tenha, a próxima audiência é sempre mais

serena! Muitas vezes mandei pra mediação mesmo com sentença homologatória de acordo...

Estou falando da prestação jurisdicional. Preciso que diminua a animosidade entre eles pra

que consigam cumprir a sentença. (...) Mesmo não sendo em audiência, elas retornavam ao

fórum, vinham agradecer a possibilidade da mediação. (Juíza Rafaela)

Sobre a avaliação do trabalho realizado em Santos, o posicionamento das juízas

mescla-se com o próprio conceito que fazem da mediação. Demonstraram estar não somente

satisfeitas com o trabalho, mas orgulhosas de participarem ativamente do projeto como um

todo. Algumas revelam que, a princípio, a ideia do trabalho de mediação parecia-lhes um

pouco utópica, não tendo total confiança na proposta. Ainda assim, engajaram-se, com afinco,

no projeto da Comarca de Santos pela necessidade de enfrentamento da questão da

jurisdicionalização das relações familiares. Com o decorrer do trabalho, puderam perceber

diferenças no comportamento e no posicionamento dos usuários perante os conflitos

familiares. Também o fato de muitos usuários aderirem ao serviço e não desistirem, apesar de

todas as dificuldades enfrentadas, foi algo que favoreceu a confiança na mediação. Com os

resultados, a confiança foi aumentando a cada dia.

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Muita diferença após a mediação! Não me lembro de nenhum caso em que as pessoas

tenham voltado com a mesma postura extrema! No mínimo, aprende a reconhecer que o

outro existe! Foi surpreendente a mediação familiar judicial em Santos... No começo, eu não

colocava muita fé nisso... Acreditava que tinha casos que não tinha como (...). Estava

redondamente enganada... Para algumas famílias, moral; para outras, obrigacional... Qual

motivo para a família participar da mediação, não sei... Ela acaba se permitindo discutir,

rever o que não estavam a princípio dispostas (...). Nos meus processos, vi poucas

desistências... (Juíza Rosália)

As partes que encaminhei para o Setor sempre chegaram na finalidade delas! Sinto-

me muito honrada em ter participado da implantação deste projeto (...) excelente! Quando o

projeto iniciou, nunca tinha trabalhado com mediação, não sabia até onde ia, e é muito

bonito ver o pé que está tudo hoje. O trabalho é ótimo! 10! Crítica nenhuma! Vocês

[assistentes sociais] são maravilhosas no que fazem, absolutamente comprometidas com o

trabalho! (Juíza Rafaela)

O trabalho é muito bom! Boa parte não volta depois que vão para mediação porque

fazem acordo. Os que não conseguem, melhoram a comunicação. O semblante e a postura

vêm mudados (...), eles vem mais tranquilos pra audiência. (Juíza Lívia)

É um setor produtivo, (...) necessário (...), tem bons resultados, principalmente nessa

questão de melhorar o diálogo entre as pessoas. Sempre foi salutar encaminhar à mediação,

dando ou não um resultado positivo pra fim de processo. Consegui observar que, na

audiência pós-mediação, conseguiam conversar. Alguns poucos casos, ainda assim, não

tinham melhorado muito.... (Juíza Juliana)

Observo uma diferença grande quando as partes fazem o trabalho no setor. Na

grande maioria, se não chegam a um acordo, melhoram sensivelmente o diálogo (...); a

sentença vai ser cumprida com mais facilidade. (...) A avaliação do Setor é superpositiva! De

acordo com as possibilidades, é nota 10! Nosso espaço é relativamente pequeno; temos duas,

às vezes três profissionais atuando pra vários casos super complexos, porque são

selecionados a dedo! Em termos de repartição de justiça, foi um avanço extraordinário. Não

só pra Santos e para o Estado de São Paulo, mas para o Brasil, porque a mediação, nos

moldes em que se faz em Santos, não se faz em São Paulo [capital]. (Juíza Luciana)

As sugestões das juízas entrevistadas foram para que houvesse não apenas

continuidade, como também ampliação do trabalho. Algumas sugestões referem-se à alçada

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do judiciário/Tribunal de Justiça, no sentido de ampliar o serviço para atendimento das Varas

da Família e de outras áreas, assim como incluir a mediação em fase pré-processual. Outras,

pertinentes ao legislativo, remetem à necessidade de haver mudança na legislação, tornando a

mediação familiar uma condição para a instauração de processos. No tocante à metodologia

desenvolvida em Santos, algumas juízas sugeriram incluir o acompanhamento aos usuários.

A mediação é bem vinda pra qualquer área. O que estamos objetivando é a instalação

do CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania -, que, inicialmente,

pode até começar apenas na área de Família, mas a ideia é ir aumentando; aos poucos,

abranger outras áreas... O setor tem que ampliar, mas isso demanda um maior número de

profissionais e espaço... (Juíza Luciana)

A crítica em relação a esse serviço é que ele é insuficiente [risos], precisa aumentar,

ser ampliado, de mais profissionais.... capacitados (...). O ideal era que nós pudéssemos

mandar essas famílias para mediação antes da audiência prelimina. O interessante é que a

medição fosse condição de procedibilidade, como é em alguns países, em alguns estados dos

EUA, por exemplo. (Juíza Lívia)

Se houvesse a mediação no processo como uma fase necessária, seria muito bom! (...)

Se tivéssemos uma estrutura plena, em muitos casos seria utilizado! Tem que ampliar a

mediação, mas sem perder a qualidade. (...) Se o Tribunal se aproximar mais do serviço que

é efetivamente prestado em Santos, vai perceber o diferencial do que é feito aqui e do que se

propõe de uma maneira geral. (Juíza Rosália)

Continuidade do serviço que considero hoje fundamental. Total apoio! Precisamos ter

esse trabalho na área da família, mas ser estendido pra outras áreas (...). Poderia ser

previsto um retorno do que aconteceu depois que finalizou o processo (...). (Juíza Juliana)

Tinha que se aplicar em outras áreas (...). Deveria haver um acompanhamento

posterior ao encerramento da mediação, independente da existência de acordo, deixar a

possibilidade para os usuários que, havendo necessidade, pudessem voltar. Não sei te dizer

se tem essa previsão legal [com o processo arquivado]; talvez, no próprio projeto, haver essa

previsão(...). (Juíza Rafaela)

Ao caminharmos para a finalização da análise sobre os depoimentos das juízas,

verificamos que elas trouxeram importante contribuição para a elaboração dos aportes sobre a

mediação. Uma das principais contribuições consiste na mediação familiar judicial, exercida

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pelos assistentes judiciários como prática possível e necessária aos Tribunais de Justiça.

Trata-se de um trabalho que pode encerrar-se em si mesmo quando existe acordo, ou um

importante serviço auxiliar para uma melhora nos procedimentos da audiência. Representa

uma desoneração, em tempo e dinheiro, tanto para os cidadãos quanto para os cofres públicos,

além de ser um importante instrumento para a mudança da cultura adversarial, para a cultura

da paz.

Em suas avaliações, as magistradas demonstraram a capacidade evolutiva cultural da

mediação familiar judicial, quando relataram, em parte, a surpresa que tiveram ao se

depararem com os resultados positivos, observados nos posicionamentos dos usuários. Quanto

às críticas e sugestões, grande parte das juízas remetem-se a um movimento maior do

conjunto da sociedade, no âmbito dos três poderes, no que concerne à elaboração de uma

legislação para a mediação e a execução de políticas públicas. Ampliam a perspectiva

metodológica ao sugerirem a inclusão do acompanhamento, atividade que poderá ser melhor

estudada pelo conjunto dos juízes que hoje utilizam o trabalho e pela equipe de mediadoras

(hoje composta por duas assistentes sociais e uma psicóloga judiciário)123.

Ao encerrarmos as nossas reflexões quanto aos depoimentos das magistradas,

compreendemos, um pouco mais, as relações afetivas familiares entre pais de

crianças/adolescentes em situação de litígio. Caminhamos, também, no sentido do

desvelamento da mediação como um dos meios para enfrentamento do sofrimento ético-

político desses pais. Com os depoimentos das magistradas, percebemos que, em certa medida,

elas são afetadas pelo sofrimento dos usuários e quando buscam assertividade no

enfrentamento dessa expressão da questão social. Esse sofrimento também se estende aos

assistentes sociais, pois são os executores diretos desse trabalho. Assim, a mediação familiar

judicial atende à demanda dos usuários, mas também à das juízas, colaborando na consecução

do trabalho jurídico em uma correlação de forças e finalidades profissionais para a efetivação

da justiça social.

Acrescentamos algumas considerações para finalizarmos o capítulo sobre a

compreensão da mediação familiar por meio das percepções dos usuários e das autoridades

judiciárias.

123 Na França, o decreto de 22 de julho de 1996 fixa o tempo de mediação em três meses (o que pode permitir, em média, de 4 a 5 sessões), podendo ser renovado uma vez e prorrogado pelo juiz por meio de uma nova decisão. (GANANCIA, 2001, p. 12).

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Compreendemos que “As avaliações das ações socioeducativas são imprescindíveis

para que possa verificar o impacto delas na vida dos usuários, bem como nos serviços”

(MIOTO, 2009, p. 507). Por esta razão, buscamos captar, no discurso dos usuários e das

juízas, aspectos decorrentes da mediação que pudessem, eventualmente, contribuir para a vida

de ambos. Bateson124 (1986) afirma que uma diferença que faça diferença deve ser vista como

uma transformação. Obviamente, não esperamos que, com a mediação, a vida dos usuários

tenha uma transformação radical ou o trabalho das juízas seja totalmente alterado. Buscamos

aquela pequena mudança que, ao mesmo tempo, se faz grande quando altera o cotidiano, a

maneira de pensar e de agir.

Tratar da “diferença” nesta tese se faz importante, uma vez que que, diferentemente de

outros meios alternativos de administração de conflitos, como a conciliação, por exemplo, que

trabalha com o objetivo da celebração do acordo, a mediação que preconizamos não busca,

essencialmente, o “Termo de Acordo” ao final do trabalho, apesar de o considerarmos

importante. “O acordo não é obrigatório como medida do sucesso ao acesso à justiça”

(BARBOSA, 2004, p. 33). Para os litígios de família, a mediação deve ser um meio para

transformar conflitos, relações, pensamentos e cultura. O “Termo de Acordo” deverá ser,

essencialmente, uma celebração construída pelas partes envolvidas para retomar o

relacionamento em bases diferentes da anterior. O fato de não se firmar um “Termo de

Acordo” ao final dos procedimentos de mediação em nada diminui a sua serventia, conforme

observamos nos depoimentos dos usuários e das juízas.

Entretanto, é importante ressaltarmos que, pelo fato de os procedimentos de mediação

não necessariamente conduzirem a um “Termo de Acordo”, não quer dizer que este seja um

trabalho em que não se possa averiguar a sua prestabilidade. Justamente por sua natureza

subjetiva é que o trabalho de mediação deve ter o máximo cuidado em desenvolver

instrumentos de avaliação que construam indicativos para a averiguação de sua qualidade.

Azevedo enumera as seguintes linhas de qualidade que devem ser consideradas:

[...] i) qualidade técnica – as habilidades e técnicas autocompositivas necessárias para a satisfação do usuário; ii) qualidade ambiental – a disposição de espaço físico

124 Bateson traz a contribuição de que as diferenças muito leves, ou vagarosamente apresentadas, não são perceptíveis, que os efeitos das diferenças que são diferenças devem ser vistos como transformações. O referido autor afirma que “[...] são necessárias pelo menos duas coisas para criar uma diferença. Para produzir novidades de diferença, isto é, informação, devem existir duas entidades (reais ou imaginárias), tais que as diferenças entre elas possa ser inerente ao relacionamento mútuo; e o conjunto total deve ser tal que as informações de suas diferenças possam ser representadas como uma diferença dentro de alguma entidade de informação-processamento [...]”. (BATESON, 1986, p. 76).

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apropriado para se conduzir um processo autocompositivo; iii) qualidade social – o tratamento e relacionamento existente entre todos os envolvidos no atendimento ao jurisdicionado; e iv) qualidade ética – a adoção de preceitos mínimos de conduta que se esperam dos autocompositores e demais pessoas envolvidas no atendimento ao usuário. (AZEVEDO, 2009, p. 225).

A avaliação da mediação deverá constituir-se em um processo que procura

contemplar, ao máximo, os vários aspectos e sujeitos envolvidos. No caso da mediação

familiar judicial, são envolvidos mediadores, juízes, promotores, advogados, escreventes,

oficiais de justiça e, principalmente, usuários. Portanto, a avaliação do usuário é, talvez, o

mais importante indicador, mas não o único; outros fatores fazem parte desta construção. O

aspecto da avaliação é de tal relevância que necessita estar incluído entre os procedimentos do

processo de trabalho de mediação.

A averiguação de sua qualidade técnica está intrinsicamente ligada à sua dimensão

ético-política, não somente quanto ao compromisso com a qualidade dos serviços prestados,

mas como forma de aprimoramento metodológico. A avaliação está atrelada à opção de um

procedimento profissional, vinculado ao processo de construção de uma nova ordem

societária, sem dominação/exploração de classe, etnia ou gênero, com a perspectiva de

transformação social. A percepção dos usuários e das juízas em relação à mediação foi

revestida por este caráter.

O alto grau de apreensão, ao buscarmos os dados referentes à percepção dos usuários e

das juízas quanto à mediação, foi o mesmo de profundidade que encontramos nas respostas.

Possivelmente, nesses dados encontram-se o mais alto grau de afetamento desta pesquisa, pois

se trata do encontro da afetividade dos sujeitos e da pesquisadora no mesmo campo: o da

subjetividade e o da concretude. Os usuários e as juízas, ao falarem sobre a mediação,

remetem-se ao sistema de justiça, do trabalho da mediadora e da participação deles mesmos.

Ao realizarmos a pesquisa, elaboramos, também, uma análise da instituição onde trabalhamos,

do seu próprio processo de trabalho no encontro com os usuários e com as autoridades

judiciárias e, implicitamente, fizemos um balanço da nossa trajetória. Tivemos o cuidado de

não fazermos no trabalho uma falsa representação ou valoração quanto ao que foi realizado.

Entendemos que uma representação é verdadeira125 somente quando é aproximada; a

totalidade, neste caso, é um aspecto. Quanto mais nos expomos ao ajuizamento do outro, mais

125 “Toda idéia que é, em nós, absoluta, ou seja, adequada e perfeita, é verdadeira.” (E II, 34).

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nos conectamos aos nossos próprios afetos e mais nos aproximamos da ideia adequada126,

porque ela se torna mais clara. Buscamos não cometer aqui, conforme afirma Morin (2002, p.

19), o erro de subestimar o erro e a ilusão de subestimar a ilusão, pois “O reconhecimento do

erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto,

como tais.” Entretanto, a aproximação que mantivemos com os sujeitos e o objeto de estudo é

também parte deste trabalho porque é a afetividade, a categoria central do nosso estudo.

Conforme Morin,

Poder-se-ia crer na possibilidade de eliminar o risco de erro, recalcando toda afetividade. De fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem nos cegar. Mas é preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção; o enfraquecimento da capacidade de reagir emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos irracionais. (MORIN, 2002, p. 20).

Desta forma, o que poderia deixar estes dados e sua análise débeis é exatamente o

que os fortalecem127: a religação de um caminho já trilhado entre pesquisadora e pesquisados.

Assim, consideramos que a afetividade existente no exercício desta pesquisa é a sua

potencialidade.

Com esse olhar crítico-afetivo, podemos dizer que realizar a mediação familiar

significa compreender, analisar e intervir, mas sem perder de vista o contexto social, entrar

em contato com o presente, sabendo que ele foi construído historicamente por um sujeito, pela

cultura da sociedade e pela cultura específica de cada família. A vida familiar atual é

prioridade, mas faz parte de um percurso anterior que contém dimensões sociais, culturais e

expressões concretas para a sua sobrevivência. A compreensão da família, no contexto sócio

histórico, é essencial; todas as ações em relação a ela devem levar em conta a totalidade.

126 “A falsidade consiste na privação de conhecimento que as idéias inadequadas, ou seja, mutiladas e confusas, envolvem.” (E II, 35). 127 “Não há nada que saibamos, com certeza, ser bom ou mau, exceto aquilo que nos leva efetivamente a compreender ou que possa impedir que compreendamos. A mente, à medida que raciocina, nada mais apetece do que compreender, nem nada mais julga ser-lhe útil senão aquilo que a conduz ao compreender. Mas a mente não tem certeza das coisas senão à medida que tem ideias adequadas, ou à medida que raciocina. Logo, não há nada que saibamos, com certeza, ser bom, exceto aquilo que nos leva efetivamente a compreender e, inversamente, não há nada que saibamos, com certeza, ser mau, exceto aquilo que possa impedir que compreendamos.” (E IV, 27 dem.).

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Compreender a família somente como uma instituição não é suficiente. E não há como a

percepção de uma só disciplina atender às necessidades de uma família em mediação.

Para atendê-las, é necessário contar com o apoio e o conhecimento de diversas áreas,

como a de Serviço Social, Sociologia, Direito, Psicologia, dentre outras. A compreensão e a

análise do conflito familiar não são etéreos, devendo ter uma serventia, qual seja, tentar mudar

a perspectiva de sobrepujar o outro, mudar uma cultura. A família, como um caleidoscópio de

relações, sofrerá intervenções do mediador que, possivelmente, a partir da compreensão e

análise do conflito familiar, auxiliará as famílias mediandas a promover mudanças nos

relacionamentos ou, pelo menos, terá esta intenção. São mudanças essas que, por sua vez,

incidirão sobre os demais membros na sociedade e na transformação de uma cultura. A

compreensão, a análise e a intervenção, imbuídas de uma perspectiva ético-política em defesa

da liberdade, da autonomia e da justiça social é que serão responsáveis pelas bases da

metodologia para a mediação familiar no Serviço Social.

Com base em todas estas afirmações, entendemos que mediação familiar judicial é

um processo de trabalho exercido por um profissional (ou uma equipe) qualificado, com uma

metodologia específica e interdisciplinar, que adota como base de sustentação da sua ação a

afetividade e a ética para que duas ou mais pessoas que tenham laços familiares – sejam eles

consanguíneos ou não –, e que estejam passando por uma situação de litígio, consigam obter

respostas mais pertinentes, atitudes mais responsáveis, autônomas e exequíveis para o

conflito, tendo como perspectiva uma cultura da paz e dos direitos humanos.

Hoje a minha pele já não tem cor Vivo a minha vida seja onde for

Hoje entrei na dança e não vou sair Vem eu sou criança não sei fingir

Eu preciso, eu preciso de você

Ah eu preciso, eu preciso, eu preciso muito de você

Lá onde eu estive o sonho acabou Cá onde eu te encontro só começou

Lá colhi uma estrela pra te trazer Bebe o brilho dela até entender

Que eu preciso, eu preciso de você

Ah eu preciso, eu preciso, eu preciso muito de você

Só feche seu livro quem já aprendeu Só peça outro amor quem já deu o seu

Quem não soube à sombra não sabe à luz Vem não perde o amor de quem te conduz

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Eu preciso, eu preciso de você

Ah eu preciso, eu preciso, eu preciso muito de você Eu preciso, eu preciso de você

Nós precisamos, precisamos sim, você de mim eu de você. (TAIGUARA, 1972)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A potência humana é, entretanto, bastante limitada, sendo infinitamente superada pela potência das causas exteriores. Por isso, não temos o poder absoluto de adaptar as coisas exteriores

ao nosso uso. Contudo, suportaremos com equanimidade os acontecimentos contrários ao que postula o princípio de atender à nossa utilidade, se tivermos consciência de que fizemos nosso

trabalho; de que a nossa potência não foi suficiente para poder evitá-las; e de que somos uma parte da natureza inteira, cuja ordem seguimos. Se compreendemos clara e distintamente, aquela parte

de nós mesmos que é definida pela inteligência, isto é, a nossa melhor parte, se satisfará plenamente com isso e se esforçará por perseverar nessa satisfação. Pois, à medida que compreendemos,

não podemos desejar senão aquilo que é necessário, nem nos satisfazer, absolutamente, senão com o verdadeiro. Por isso, à medida que compreendemos isso corretamente, o esforço

da melhor parte de nós mesmos está em acordo com a ordem da natureza inteira. SPINOZA

Neste momento, podemos observar com mais propriedade a multidimensionalidade do

tema escolhido. Apesar de sua amplitude, procuramos estudá-lo do ponto de vista global, com

a finalidade de reconhecê-lo no contexto das relações conjunturais e sociais e, ao mesmo

tempo, do ponto de vista local, tecendo, assim, a trama dos conhecimentos que engendram o

saber rumo a um conhecimento pertinente no dizer de Morin (2004). Nessa perspectiva,

engendra-se o nosso objeto de estudo: as relações afetivas entre pais de crianças e

adolescentes em litígio, atendidas no exercício da mediação familiar judicial.

Nosso objetivo de trabalho consistiu em analisar as relações afetivas familiares entre

pais de crianças e adolescentes em situação de litígio e desvelar o sentido da mediação

familiar no âmbito do Serviço Social.

Esta tese nasceu de inquietações derivadas do nosso cotidiano profissional como

assistentes sociais do sistema sócio-jurídico. Diante dos raros estudos existentes neste campo,

especialmente sobre famílias em mediação judicial, tomamos como desafio a necessidade de

desenvolvermos esta pesquisa, sistematizando ideias e conectando-as à literatura específica do

Serviço Social, considerando, inclusive, a perspectiva de contribuição interdisciplinar,

relacionando diferentes áreas como Direito, Psicologia Social, Filosofia e Sociologia.

Na esteira de explicações que contemplassem a dimensão interdisciplinar,

relacionamos o termo mediação ao pensamento marxiano, teoria eixo das reflexões teóricas

realizadas no Serviço Social. Mesmo não adotando no trabalho esta compreensão marxista de

mediação, entendemos que ela não se contrapõe à concepção adotada. Ao contrário, tende a

complementar e a colaborar na sustentação da construção do projeto ético-político do Serviço

Social brasileiro. Isto se manteve durante todo o percurso do trabalho.

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Apoiada na linguagem jurídica, entendemos que a mediação insere-se no conjunto dos

chamados meios alternativos de administração de conflitos e, como tal, difere da conciliação.

Trabalhamos com os conceitos mais representativos de mediação no Brasil e, a partir

deles, dos estudos realizados e do exercício da nossa prática. Assim, consideramos mediação

um processo de trabalho exercido por um profissional (ou uma equipe), teórica e

tecnicamente qualificado no assunto a ser tratado, que adota como base de sustentação

de sua ação a afetividade e a ética para que as pessoas busquem respostas mais

responsáveis, autônomas e exequíveis sobre o conflito, tendo como perspectiva uma

cultura da paz e dos direitos humanos.

Não consideramos a mediação como mais uma profissão, mas como um processo de

trabalho interdisciplinar a ser exercido por um profissional que tenha formação específica no

assunto a ser tratado e em mediação de conflitos. A mediação é um trabalho do assistente

social judiciário que se apoia na vocação primeira do Serviço Social como agente na

promoção de justiça social, referência nas “atribuições dos assistentes sociais judiciários” do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e amparo na “Política Judiciária Nacional de

Tratamento dos Conflitos de Interesses” (Resolução nº 125 do CNJ).

Buscamos os fundamentos de interlocução para a compreensão da afetividade em

Spinoza e em outros estudiosos que nos auxiliaram na realização da passagem do pensamento

espinosano para a contemporaneidade. Encontramos importantes referências nos intelectuais

brasileiros Sawaia, Chauí e Gleizer, mas nos amparamos, também, nos franceses Bove,

Deleuze, Rizk, na teoria da complexidade de Morin e nos fundamentos explicativos da

natureza biológico-cultural do humano de Maturana.

A concepção de afetividade que abordamos está mais próxima à raiz da palavra e não

de seu sentido usual, ou seja, uma relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém

íntimo ou querido. A noção de afetividade que adotamos traz o sentido de afetar e ser afetado,

de relação, de consequência da existência material e subjetiva.

A afetividade, conforme a compreendemos, é o nosso emocionar, o afetamento

do nosso corpo e mente com outros corpos e mentes, a expressão das emoções desses

afetamentos através dos sentimentos, traduzidos em ações que nos fortalecem ou nos

enfraquecem, inseridas em determinado tempo e lugar.

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Spinoza trata da afetividade humana como algo circunscrito à imanência e

necessidade, condicionada a uma ordem preexistente, no sentido de que o homem, inserido

em um conjunto de circunstâncias, pode intervir nessa afetividade desde que conheça as

causas. Para o autor, os afetos têm causas determinadas e efeitos necessários na vida do

homem, razão pela qual os afetos devem ser compreendidos para que possam ser refreados ou

potencializados. Todos os afetos derivam da alegria, da tristeza e do desejo. Os afetos

derivados da alegria aumentam a nossa potência de agir; e os derivados da tristeza, a

diminuem. Desejo e paixão são potências que variam conforme a qualidade como somos

afetados, assim como pelo conhecimento que temos de sua causa. As ideias adequadas

provocam ação; e as inadequadas, paixão. Os afetos não são estanques, mas passagens de um

estado a outro. Por ser afetado por ideias inadequadas, muitas vezes o homem procura sua

felicidade enquanto verdadeiramente vai ao encontro da sua infelicidade ou servidão.

A felicidade do homem é a sua autopreservação e expansão na alegria. Ela é

construída no afetamento/convivência com outros homens, na concórdia emancipadora, isto é,

na paz. Essa convivência tem por base o amor, que é a aceitação do outro como legítimo

outro, fundamento do social. O estado de felicidade é conquistado por meio do conhecimento

pertinente, o mais potente dos afetos.

Desta forma, quando as famílias trazem seus assuntos em discórdia ao judiciário,

geralmente o fazem imbuídas pela imaginação de que uma decisão irá trazer-lhes paz. Ocorre

que a paz, conforme expusemos e compreendemos, é algo que não se consegue por decreto,

mas por construção. A paz é potência de vida, alegria e liberdade que se expressam nas

condições materiais e espirituais da vivência humana em sociedade. Nesta perspectiva, a

mediação familiar pode ser uma passagem para o encontro com um estado de paz.

A mediação e a afetividade foram consideradas categorias teóricas centrais neste

estudo. Contextualizamos a pesquisa por meio da demanda que o Setor de Mediação das

Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos recebe, iniciada através do perfil social

dos usuários que procuram o referido setor.

Realizamos o estudo empírico com as juízas que nos encaminharam os usuários, no

período de 2008 a 2010, e com 5% dos 142 casais parentais que cumpriram, integralmente, o

trabalho no Setor de Mediação, ou seja, com sete casais. Dos sujeitos escolhidos, a maioria

demonstrou muita disponibilidade e interesse na participação da pesquisa, mesmo aqueles que

não conseguiram os resultados esperados com a mediação. Apenas uma mãe e uma juíza não

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tiveram disponibilidade de nos receber dentro do tempo de que dispusemos para efetuarmos a

pesquisa. A escolha dos usuários observou a representatividade de maior incidência. A

entrevista semi-estruturada foi o instrumento para a coleta de dados, realizada, em sua

maioria, no Fórum.

A análise qualitativa foi realizada através de dois eixos: as relações afetivas

familiares e a mediação familiar. Quanto ao primeiro eixo - as relações afetivas

familiares -, organizamos o conteúdo dos depoimentos em três partes que se

complementaram: na primeira, tratamos das relações afetivas dos pais pesquisados com suas

respectivas famílias de origem; na segunda, das relações que eles estabelecem com os filhos; e

na terceira, da relação entre os pais que estiveram, ou ainda estão, em conflito.

Na relação afetiva dos pais com suas famílias de origem, encontramos aspectos de

idealização, estudo e trabalho como valores morais, afetos alegres na convivência com os

irmãos e, em alguns, características de indiferenciação com seus próprios pais.

A partir destas reflexões em torno dos desdobramentos relativos à convivência com a

família de origem, analisamos o significado de mãe e de pai para os sujeitos pesquisados,

observando a diferença de gênero.

Levando em consideração as dimensões cultural, social e de identidade, verificamos o

litígio entre os pesquisados também como uma das expressões da questão social. Estes

homens sofrem exigências sociofamiliares de novos comportamentos, no sentido de se

abrirem para exercerem um cuidado que, efetivamente, ainda não empreenderam. Também as

mulheres esforçaram-se em aceitar que eles venham a ocupar este novo lugar, sem, contudo,

invadirem o seu espaço quanto aos cuidados dos filhos. Depreendemos que os sujeitos

pesquisados podem estar vivendo, ou ter vivido, o litígio a respeito da convivência com seus

filhos como forma de resgatarem os seus próprios afetos e aspectos da sua identidade. Suas

expectativas quanto à paternidade/maternidade estão refletidas na coexistência com seus pais,

irmãos e com o meio social. Sendo assim, depreendemos que o litígio tem uma ligação direta

com as experiências afetivas familiares e sociais do sujeito, e não somente com a suposta

falta, insuficiência ou erros da outra parte litigante.

Na relação dos pais com os filhos, a afetividade é bastante visível. Por isso,

procuramos compreendê-la, tendo como base os três afetos que Spinoza considera como

primários: a alegria, a tristeza e o desejo. A alegria foi observada em coisas aparentemente

simples, por meio da expressão da convivência diária, principalmente do amar e do sentir-se

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amado. A tristeza foi observada na impossibilidade dessa convivência, de não se sentir amado

e do medo de uma separação futura. Quanto ao desejo, foi expresso, por alguns pais, como

paixão, pois depositam nos filhos, ou na outra parte litigante, a própria realização.

Essas paixões, geralmente nascidas da tristeza, depositadas no outro, são difíceis de

serem realizadas porque a ação depende do outro, e não de si. Por serem paixões tristes, são

enfraquecedoras de si. Todavia, em sua maioria, os sujeitos mostraram-se incluídos na ação

para que o desejo se efetivasse, demonstrando firme propósito para atuarem nesse sentido.

Foram ações de amizade, disciplinamento, exemplo de atitudes virtuosas e, sobretudo, de

amor.

Compreendemos, também, a iniciativa de propor a ação judicial, e de participar do

litígio, como um desejo de convivência amorosa com os filhos, ainda que esta ação seja,

inicialmente, um padecimento, haja vista ter sido movida por uma paixão triste. A existência

do litígio pode ser considerada uma ação, pois ela pode ser uma medida para o enfrentamento

de um sofrimento ético-político. O litígio foi a ação encontrada como tentativa de realização

do desejo de efetivação dos seus direitos e dos direitos dos filhos. Esta ação busca a

concórdia, ainda que, inicialmente, possa parecer o contrário. A qualidade dessa concórdia, se

opressiva ou emancipadora, vai depender de como o judiciário vai propor a administração do

conflito familiar e de como as famílias vão receber a proposta.

Na relação entre os pais pesquisados, observamos duas dimensões: uma que

envolve terceiros; e outra, especificamente, na relação entre os pais. Na dimensão que envolve

terceiros, emergiram aspectos sobre a família extensa, o envolvimento dos filhos e a nova

relação amorosa.

Vimos que família extensa/parentes próximos e amigos podem ser uma fonte

importante de apoio no momento da separação. Entretanto, quando o conflito se instala e é

prolongado, principalmente quando se transforma em litígio, há a tendência de que os

relacionamentos sofram avarias. Por vezes, existe até um rompimento devido a lealdades,

tempo de relação, parentesco, entre outros motivos. Os próprios filhos, os mais próximos do

conflito conjugal, passam a fazer parte de uma complicação afetiva, que denominamos de

conflito por representação.

No conflito por representação, cada um não fala por si; fala pelo outro. O conflito por

representação é companheiro da indiferenciação da família de origem. Uma vez que ambos

os fenômenos fazem parte das relações afetivas familiares, devem ser observados para que

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não se tornem um problema, mas que, ao contrário, sejam utilizados como estratégia para a

potencialização. Quanto mais alto for o grau de conflito por representação e indiferenciação,

maior será a probabilidade de disfuncionalidade nas relações familiares. Entretanto, o

contrário não é verdadeiro, pois a total diferenciação e nenhuma fala que contenha a

representação podem causar o afastamento ou a indiferença entre os membros da família.

Os companheiros/parceiros dos pais são personagens novos na história familiar, mas

nem por isso de menos importância. Por nossos estudos, inferimos que os relacionamentos

amorosos posteriores foram potencializantes para os que refizeram seus casamentos e, em

certa medida, também para o outro de quem se separou. As influências negativas no conflito

entre os pais nos pareceram estar mais ligadas às dificuldades do fim do relacionamento e à

fragilidade dos sujeitos quanto à ocupação do seu próprio espaço na nova configuração

familiar do que propriamente pela inserção desse novo sujeito.

Na dimensão que concerne a relação entre os pais pesquisados, observamos

aspectos os seguintes aspectos: gravidez; separação conjugal; estratégias encontradas para

conviverem; e tempo como condição para a restauração das relações familiares.

Trazido quase que exclusivamente pelos homens, o aspecto da gravidez revela que

ela foi fruto do amor que sentiam, mas, de certa forma, perceberam-na como prematura na

relação do casal. Apesar de todos os avanços tecnológicos e acesso à informação,

percebemos, nos sujeitos pesquisados, que esta responsabilidade quanto à reprodução humana

ainda está mais a cargo da mulher. Este aspecto indica que a gravidez e os métodos de

contracepção, mais do que uma tecnologia, envolvem a cultura, a questão de gênero, assim

como todos os aspectos que envolvem o corpo, a mente, a razão e a paixão.

Quanto à separação conjugal/amorosa, encontramos, nos discursos dos sujeitos

pesquisados, emoções e sentimentos de se perceberem rejeitados pelo outro, desconsiderados

como pais/mães no cuidado com os filhos. A indiferença não se fez presente em nenhum

discurso dos pesquisados; ao contrário, o envolvimento emocional foi predominante. Neste

aspecto, conforme vimos em Maturana (2002), a objetividade-sem-parênteses explica a

atitude em que veem no outro a causa da sua tristeza, talvez até como uma forma de suportar e

de acomodar o vivenciado.

Também observamos as estratégias que os sujeitos têm encontrado para conviverem

sob o conflito que ainda existe, em menor ou maior grau. São afetos e reações advindos da

tristeza e da alegria que os têm levado à compreensão e os potencializa: o reconhecimento de

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lembranças boas nos anos vividos em casamento, e mesmo depois da separação; e as atitudes

que, a princípio, não eram apreciadas dessa forma, mas, aos poucos, foram se revelando como

positivas.

O posicionamento da auto avaliação e o reconhecimento dos próprios erros foram

reconhecidas como algo necessário. Um dos aspectos também apontados é conseguir perceber

que o filho gosta do(a) outro(a) - pai/mãe - e ver nele(a) uma pessoa boa para o filho. O

respeito em via dupla também se mostrou um sentimento potencializante. Ao final, pareceu-

nos que os que têm conseguido conviver melhor foram aqueles que têm ficado atentos aos

seus papéis, percebendo a importância de cada um.

O tempo também foi um aspecto levado em consideração pelos usuários na

minimização do conflito, observado como fator importante na distinção das ideias adequadas

e das ideias inadequadas, na relação entre o casal parental e entre eles e os filhos. O tempo

tem relevância nos discursos dos pesquisados como algo marcante para delimitar o espaço do

conflito, e curativo por escolha pessoal ou por obra do decurso da própria vida.

A partir do que observamos na pesquisa, constatamos que o conflito e a compreensão

são importantes categorias a serem estudadas para o entendimento do tema proposto e das

relações sociais, pois o conflito integra as relações sociais, ocorrendo entre pessoas que se

afetam mutuamente através do encontro, que discordam dos seus pontos de vista e que se

posicionam de maneira diferente. Portanto, não há conflito em uma relação onde as pessoas

são indiferentes umas às outras; é ação e também reação, é afetamento. O conflito deve ser a

base do compartilhar ideias diferentes e colaboração para vir dele uma nova ideia, melhor e

mais forte, gerando a aprendizagem de lidar com as diferenças.

Assim, quando os usuários recorrem ao judiciário devido aos conflitos familiares

enfrentados e a instituição recebe a ação judicial, há a judicialização do conflito, que

consideramos uma expressão da questão social na medida em que ele é um sofrimento ético-

político. Quando o Judiciário oferece às partes litigantes a possibilidade de uma mediação

familiar para que as famílias retomem a reflexão sobre o conflito existente, inicia-se a

desjudicialização. Ocorre, então, o que Bruno (2006) conceitua por jurisdicionalização das

relações familiares, ou seja, a compreensão superando a incompreensão, pois é desse

confronto que a incompreensão se alimenta, contextualizando coletivamente aquele

sofrimento.

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A compreensão comporta a explicação, as informações sobre a situação, as causas, as

determinações, compondo-se, assim, o quadro fático. Ela é resultado do entendimento entre os

sujeitos. As explicações devem considerar a afetividade e vice-versa, pois apenas as

explicações desumanizam - e apenas os sentimentos cegam - a compreensão. Ela é

multidimensional porque o outro não é somente seu ato e seu sentimento, mas o conjunto de

suas diversas dimensões, singulares e globais. Não se trata, apenas, de compreender a

complexidade do ser humano, mas também de compreender as condições em que são forjadas

as mentalidades e praticadas as ações, como o ser e as condições pessoais/sociais são

combinados para acontecer tal resultado. (MORIN, 2011).

Após perfazer o caminho da compreensão dos conflitos nas relações afetivas

familiares, passamos ao segundo eixo da nossa análise, a mediação familiar, observada

tanto através da percepção dos usuários quanto das juízas que os enviaram ao Setor de

Mediação. Estabelecemos, assim, a conexão entre as relações afetivas dos usuários e a

mediação como forma utilizada pelo judiciário para o enfrentamento desta questão social: o

sofrimento ético-político dos conflitos familiares. Em decorrência, conhecemos, um pouco

mais, a complexidade das famílias pesquisadas e investigamos o sentido da atuação dos

assistentes sociais em mediação familiar.

Com relação à percepção dos usuários, constatamos que foi motivador para a

participação das famílias na mediação familiar: as vivências negativas no contexto do

sistema judiciário; a desconfiança de que ele não contemplaria a complexidade do conflito

familiar; e o desgaste financeiro e emocional. Além disso, a recomendação dos advogados e

da autoridade judiciária, de maneira apropriada, foi fundamental.

As razões apontadas pelos usuários para permanecerem no trabalho foram relativas

ao modo de execução da mediação, manifestada em aspectos mais vinculados aos usuários e a

outros relacionados ao espaço sócio-ocupacional. Sobre os aspectos mais relacionados aos

usuários, emergiu a disponibilidade emocional para se permitir a aceitar o espaço institucional

oferecido. Quanto aos aspectos relacionados ao espaço sócio-ocupacional, lembraram que o

local físico foi essencial ao acolhimento, assim como o fato de a sala de atendimento estar nas

dependências do Fórum ter gerado mais confiança e indicado maior seriedade no trabalho

desenvolvido. A postura argumentativa, empática, compromissada com a qualidade e o

aprimoramento da mediadora foram relevantes para que pudessem aproveitar o trabalho. As

técnicas utilizadas, tais como a realização do atendimento sócio-individual, a expressão

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escrita, a sensibilização, os esclarecimentos, a precisão no direcionamento dos atendimentos,

a escuta, o diálogo reflexivo, entre outras, foram propulsoras e responsáveis para a

permanência dos usuários na mediação.

Para o Serviço Social, na dimensão técnico-operativa, os atendimentos em mediação

familiar estão inscritos na concepção de ações de natureza socioeducativa. Esta concepção é

contrária à perspectiva como o termo socioeducativo é comumente empregado, referindo-se a

ações disciplinadoras. Na concepção adotada, o acesso à informação é um direito que se faz

necessário, através de agentes para colaborar no processo, pois é preciso compreender,

decodificar, retransmitir e refletir sobre essas informações. É exercício complexo, que

necessita de saberes ligados à afetividade e à comunicação humana e está entre as atribuições

dos assistentes sociais.

Através de uma perspectiva avaliativa, verificamos que a maioria dos usuários referiu-

se positivamente sobre a participação na mediação, ainda que, para alguns, o conflito tenha

permanecido. Apontaram melhorias em relação a aspectos práticos da vida cotidiana do

exercício de ser pai/mãe e um resultado positivo diretamente ligado ao conflito. Também se

referiram ao aprendizado educativo, social e pessoal. Observamos certa tensão entre

voluntariedade e obrigatoriedade; embora não tenha existido unanimidade, alguns

pesquisados sugeriram que a mediação fosse obrigatória.

Quanto aos limites da metodologia do trabalho desenvolvido e sugestões, foram

poucas as críticas, que se referiram ao fato do encaminhamento ser pré-determinado e não

prever acompanhamento. Acolhemos a crítica de que a demarcação temporal na mediação

familiar judicial pode ser um limite metodológico. Entretanto, este é um processo de trabalho

inserido no contexto institucional do judiciário, e uma das desaprovações ao sistema é,

exatamente, a morosidade. Logo, a mediação familiar não pode ser mais um fator que

contribua para a morosidade do sistema. Além disto, há o próprio limite de legalidade da

ação. Acreditamos que a crítica dos sujeitos da pesquisa quanto ao mencionado deva ser

considerada e melhor debatida entre os profissionais que desenvolvem, diretamente, o

trabalho: mediadores, juízes e promotores de justiça.

Outra crítica dos integrantes da pesquisa refere-se à não inclusão dos filhos, e de

outros familiares, no processo de mediação. A nosso ver, trata-se de uma sugestão que deve

ser levada em consideração na mediação familiar judicial. No decorrer do trabalho no Setor de

Mediação, avaliamos que a inclusão de familiares é bastante contributiva para a melhoria da

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confiança mútua, a restauração nas relações familiares e, consequentemente, para a melhoria

da comunicação entre as partes litigantes. Observamos, ainda, que as crianças envolvidas

perceberam que seus pais estavam sendo cuidados e que elas poderiam expressar-se sem

medo de aumentar o conflito, além do fato que, o que elas dissessem, seria incluído para

colaborar na melhoria do relacionamento familiar. A inclusão dos filhos na mediação familiar

se deu, sobretudo, por respeito aos seus direitos de liberdade, de expressão e de opinião na

busca de proporcionar-lhes um melhor desenvolvimento social e afetivo. Entretanto,

salientamos que a possibilidade de participação das crianças e adolescentes deve ser

cuidadosa, pontual e com objetivos claros. É importante pensá-la em conjunto com os

litigantes, e não como uma atitude determinista do mediador. Ao mediador, cabe definir,

juntamente com os pais, a participação da criança. Contudo, se o mediador, em última

instância, perceber que o conjunto de condições não é favorável à criança, é ele quem deve

decidir por sua não participação.

A expectativa de que o trabalho do mediador fosse mais diretivo foi outra crítica

levantada. É interessante observarmos a necessidade subjacente aos pais/mães de obterem

uma direção prévia e de que digamos a eles o que deve ser feito. Entretanto, este

posicionamento é oposto ao pensamento da mediação, uma vez que o objetivo consiste em

que o usuário se torne, cada vez mais, senhor de suas ações e seja o autor das decisões sobre a

sua própria história, a sua própria vida. A mediação familiar judicial tem a sua contribuição,

mas nem sempre consegue provocar as mudanças necessárias; então, cabe outras alternativas

como, por exemplo, o encaminhamento a terapias, ou ao próprio judiciário, para que seja

tomada uma decisão.

Do ponto de vista institucional, sugeriram que a mediação familiar judicial pudesse ter

o caráter obrigatório, considerando a necessidade imperiosa dos pais se entenderem melhor,

posto que existem crianças/adolescentes envolvidos que necessitam ser protegidos. Esta é

outra questão que precisamos discutir no interior da instituição e com os demais setores da

sociedade envolvidos.

Finalmente, ainda sobre a percepção dos usuários a respeito do significado que

atribuíam à mediação, constatamos que se trata de uma atividade importante cujo espaço

permite expressar a afetividade em toda a dimensão de sua contradição. Os pais/As mães

começam a perceber a si mesmos e ao outro, e a situação conflituosa, de maneira diferente,

religando presente e passado com vistas a um futuro na promoção da responsabilidade quanto

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ao direito dos filhos. Enfim, um trabalho que, claramente, tem uma concepção de mundo

ligada a valores éticos de democracia, respeito e defesa dos direitos humanos.

Desta maneira, percebemos nos depoimentos dos usuários que não há como realizar

mediação familiar sem incluir o amor, mas também o desamor; a alegria, assim como a

tristeza e o desejo. Da mesma forma, não há como realizar mediação familiar judicial sem

contextualizar, sem incluir um sujeito que se faz de maior importância em todo o processo

para a jurisdicionalização das relações familiares: a autoridade judiciária.

No que tange à percepção das autoridades judiciárias, observamos que elas se

deparam com aspectos que envolvem a cultura litigante, que se revelam na utilização de

processos judiciais para a manifestação do sofrimento dos usuários. Para que possam

enfrentar esta questão, utilizam o carisma de sua identidade construída, revelando-se o

acolhimento uma importante característica desenvolvida.

As juízas se remeteram à importância de possíveis aliados na busca da consecução da

justiça nas relações afetivas familiares. Reconhecem nos advogados/procuradores, assim

como na Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, seus

potenciais parceiros. Algumas juízas percebem resistência por parte dos procuradores,

justificada pela falta de compreensão quanto aos espaços profissionais e o lugar dos meios

alternativos de administração de conflitos na consecução da justiça. Também percebem que a

Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses (Resolução nº

125, de 29/11/2010 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ) é uma possibilidade para

viabilizarem, na prática, o conceito que nutrem de justiça. Reconheceram valor na referida

política como um norteador, além de um veículo de comunicação de tratamento prático que

tenta viabilizar a transformação da cultura adversarial para a cultura pacificadora. Ressaltaram

que, apesar de perceberem muitos benefícios, também observam muitas dificuldades para a

implantação desta política. Incluem-se, no sentido de que elas próprias poderiam assumir

atitudes pontuais com os advogados e com os procuradores públicos. Salientaram, entretanto,

que as maiores dificuldades estariam relacionadas aos aspectos financeiros devido à falta de

previsão orçamentária no planejamento dos Tribunais de Justiça. Mencionaram a precária

preparação quanto aos executores finais desta política, qual seja, os mediadores/conciliadores.

Criticaram a formação oferecida pelos Tribunais no que se refere à falta de equiparação entre

o que se exige para atuar enquanto mediador/conciliador e o conteúdo que se oferece nos

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cursos de mediação familiar no Brasil. Além disso, observaram que os cursos são pagos,

enquanto que o trabalho oferecido aos conciliadores tem sido voluntário.

A percepção das magistradas sobre a mediação está ligada à preocupação com a

qualidade do serviço de mediação familiar em relação a: qualificação do mediador;

conhecimento dos usuários e dos procuradores quanto à distinção entre mediação e

conciliação; enfrentamento do desconhecimento e a dificuldade de aceitação da mediação

pelos usuários; e desenvolvimento de critérios e técnicas para o encaminhamento dos usuários

à mediação.

Em contrapartida, as magistradas consideram que a qualificação do mediador leva

tempo e requer dedicação. Por isso, e considerando a relevância do trabalho de mediação, o

Tribunal deveria investir nessa qualificação, contratando pessoal especializado e/ou

perfilando os já existentes em seu quadro de funcionários. Ponderam que a indistinção entre

mediação e conciliação, por parte dos usuários e dos seus procuradores, prejudica a

disseminação da mediação, uma vez que o trabalho oferecido é o de mediação, mas os

usuários e seus procuradores, por não distinguirem os dois termos, pensam que a mediação é

igual à conciliação. Assim, por vezes, a mediação é recusada por imaginarem conhecer esta

atividade quando, de fato, a desconhecem. Destarte, necessitam um esforço especial das

magistradas para este esclarecimento. Imbuídas deste esforço, algumas juízas passaram a

determinar a mediação. Esta discussão não se restringe apenas à questão teórico-prática; ela

está também conectada à dimensão política e cultural. Quando analisamos os critérios para

envio dos usuários à mediação, referem-se, definitivamente, à importância da administração

de conflitos, promovendo os direitos humanos e a cultura da paz, destacando o acolhimento

como intermediação para trabalhar a dificuldade dos pais em proteger as

crianças/adolescentes e promover a compreensão nas relações familiares, prevenindo novos

conflitos.

As juízas afirmaram o significado da mediação familiar judicial, manifestando-se

sobre o potencial que constataram na avaliação dos usuários. Referiram-se à mediação como

uma forma relevante de fomentar o empoderamento dos usuários quanto às condições do

diálogo, da capacidade de comunicação, além de prevenir novos litígios rumo a uma cultura

da paz. Esta percepção se deu, em grande parte, devido à valoração positiva que fazem do

trabalho realizado em Santos. Por conseguinte, as sugestões das juízas entrevistadas foram

voltadas para a continuação e a ampliação do trabalho de mediação familiar.

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Os depoimentos trazidos revelam que, longe das magistradas estarem inertes, são

profissionais que se afetam e são afetadas no exercício de sua função pública. Angustiam-se e

incomodam-se com o sofrimento alheio, e também sofrem quando se esforçam em sua função

para fazer do mundo um lugar melhor para se viver. Percebem-se como um importante agente

na mudança da cultura litigante para uma cultura da paz, voltada para o cumprimento dos

direitos humanos. Por mais que encontrem dificuldades no enfrentamento dos conflitos,

nutrem e permanecem na crença de que a força de uma nova cultura poderá ser mais forte que

a atual e, assim, ser superada. É importante frisar que as juízas não negam a judicialização da

demanda; apenas propõem um novo mecanismo no espaço público que a supere, dando,

assim, um passo adiante no binômio judicialização e questão social.

A compreensão e a análise das relações familiares em litígio deve ter uma serventia,

qual seja, buscar mudar a perspectiva da cultura adversarial em direção a uma cultura de

estado de paz e respeito aos direitos humanos. A compreensão encontra na mediação um meio

de intervenção para esta realização. A intervenção, imbuída de uma perspectiva ético-política

em defesa da liberdade, da autonomia e da justiça social, é responsável pelas bases teórico-

metodológicas para a mediação familiar no Serviço Social.

Neste contexto, e a partir destes resultados, entendemos que a mediação familiar

judicial é um processo de trabalho exercido por um profissional (ou uma equipe)

qualificado, com uma metodologia específica e interdisciplinar, que adota como base de

sustentação de sua ação a afetividade e a ética, para que duas ou mais pessoas que

tenham laços familiares - sejam eles consanguíneos ou não - e que passam por uma

situação de litígio consigam obter respostas mais pertinentes, atitudes mais responsáveis,

autônomas e exequíveis para o conflito, tendo como perspectiva uma cultura da paz e

dos direitos humanos.

A aquisição de conhecimentos, relativos ao Serviço Social, Direito, Antropologia,

Filosofia e Psicologia Social, bem como às técnicas específicas necessárias ao

desenvolvimento da mediação familiar, confere a esta profissão o estatuto de um processo de

trabalho interdisciplinar. Desta forma, tem um lugar importante no Serviço Social brasileiro

frente às novas demandas e à realidade social das populações na contemporaneidade.

Concluímos que as relações familiares em litígio configuram-se como importante

expressão contemporânea da questão social, pois expressa o embate sócio-relacional-político,

determinado pelos resultados das contradições do sistema social. Como expressão da questão

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social, devem ser construídas e reformuladas políticas para o seu enfrentamento, sendo a

mediação um importante meio de administração de conflitos, e o assistente social, sujeito

relevante na execução destas políticas, uma vez que é ele o profissional por excelência

mediador das questões que envolvem a família, a afetividade, nos sistemas institucionais e do

Estado.

A partir da nossa análise, chegamos a algumas sugestões com relação à prática direta e

quanto às políticas públicas e que passamos a enunciar:

� os filhos são importantes sujeitos e devem ser incluídos nos atendimentos,

desde que sejam resguardados e protegidos;

� nos estudos familiares, o estudo e a análise das relações afetivas com a família

de origem merecem atenção especial;

� o trabalho e a escolarização não refletem apenas uma perspectiva de

sobrevivência material, mas um valor moral para o homem;

� a compreensão do litígio familiar inclui considerar os aspectos culturais,

sociais, de identidade e de gênero;

� as investigações, os estudos e as propostas sobre os litígios familiares incluem,

essencialmente, a rede familiar, novos companheiros e amigos, como também

a rede de profissionais envolvidos;

� recomenda-se que a mediação familiar leve em conta, dentro das possibilidades

e dos graus de ofensas sofridos, a restauração no relacionamento quanto ao

sentimento de injustiças pessoais, como desconsiderações do outro como

pessoa;

� a mediação considera o passado, na perspectiva de uma construção do presente,

com ênfase no reforço dos aspectos de potencial dos sujeitos envolvidos;

� o conflito e a compreensão são integrantes das relações sociais;

� a direção do trabalho deve estar orientada pela afetividade ética como diretriz

de emancipação e de autonomia do homem;

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� a formação do mediador deve ser constante e continuada, levando em

consideração os aspectos éticos da ação profissional no trato do conflito e da

constante lapidação da postura do próprio profissional;

� os programas e serviços de mediação devem considerar a avaliação, tanto do

usuário quanto de todos os sujeitos envolvidos, nos procedimentos do trabalho;

� ainda que, para algumas famílias, a mediação possa ter um caráter obrigatório,

sua essência é voluntária, cabendo ao mediador colaborar para reconstruir a

obrigação em desejo de uma relação ético-afetiva, indo além de aspectos

jurisdicionais;

� é importante a inclusão, nos cursos de Direito, de disciplinas sobre meios de

administração de conflitos, fazendo referência ao conteúdo de mediação

familiar;

� nos currículos dos cursos de graduação de Serviço Social, Psicologia e outros

da área de humanas, também é importante a inserção do conteúdo de mediação

familiar como um meio de administração de conflitos;

� da mesma forma, consideramos a necessidade de cursos acadêmicos

interdisciplinares de especialização (360 horas) em mediação familiar;

� é necessário fomento de pesquisas e estudos sobre o tema em universidades;

� é importante haver introdução nos cursos de preparação e reciclagem para a

magistratura do conteúdo sobre os meios de administração de conflitos, em

especial a mediação familiar, na perspectiva da cultura da paz, e não como um

método de pacificação ou instrumento destinado à redução da demanda de

processos;

� é essencial que os Tribunais de Justiça contemplem a remuneração aos

profissionais que praticam a mediação judicial;

� é relevante a criação de serviços especializados nos Tribunais de Justiça que

realizem mediação familiar exclusivamente por assistentes sociais, psicólogos

judiciários, e outros profissionais da área de humanas que, porventura, façam

parte do quadro funcional;

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� é imprescindível a construção de políticas integradas, nos níveis municipal,

estadual e federal, de meios de administração de conflitos que contemplem a

distinção entre os referidos meios, sobretudo conciliação e mediação,

fornecendo, consequentemente, parâmetros diferenciados para as respectivas

formações;

� é fundamental haver aprovação no Congresso Nacional de lei que norteie a

prática dos meios de administração de conflitos, sobretudo a mediação, em

especial a familiar.

Sabemos que um tema como o que escolhemos envolve dimensões diversificadas

para análise e que muitos aspectos não puderam ser contemplados, mas deixa o desafio para

assistentes sociais e para pesquisadores, interessados em aprofundá-la sob outros prismas. A

mediação familiar é uma das formas para se garantir o acesso democratizado e qualificado à

justiça e se pratica com base no projeto ético-político da profissão. Por sua natureza

interdisciplinar, é uma oportunidade para que os assistentes sociais, ao realizarem este

trabalho, dialoguem com outras áreas e disciplinas, fomentando, assim, essas diretrizes éticas

por meio do seu posicionamento, cunhado na qualidade do conhecimento e da prática

profissional.

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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ________________________________________________________________,

fui informado(a) sobre o estudo “Relações afetivas entre pais de crianças e adolescentes em

situação de litígio”.

O objetivo deste estudo é conhecer as relações afetivas familiares entre pais de

crianças/ adolescentes que sustentam os litígios/ convivência familiar no contexto da

Mediação Familiar na Comarca de Santos. Trata-se de uma pesquisa realizada pela Ms. Maria

de Lourdes Bohrer Antonio, doutoranda em Serviço Social no Programa de Estudos Pós-

graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. O

estudo consta de entrevistas gravadas em áudio, com meu relato sobre minha experiência de

vida ou profissional sobre as relações familiares em situação de litígio.

• Concordando em participar desta pesquisa, irei colaborar como entrevistado(a)

em entrevista realizada em minha residência ou nas dependências do Fórum de Santos (se eu

concordar).

• Mesmo sabendo que não há risco neste estudo, estarei livre para não responder

alguma questão que me trouxer desconforto e sei que posso, a qualquer momento, interromper

minha entrevista.

• O acesso às respostas será reservado à pela Ms. Maria de Lourdes Bohrer

Antonio e ao Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP . Em nenhum relatório, artigo ou apresentação

dos resultados da pesquisa será usado a minha identificação. Os dados obtidos serão utilizados

nesta pesquisa e em outros trabalhos que dela derivar, como artigos, livros e outros.

• A vantagem em participar deste estudo é que estarei contribuindo para uma

melhor compreensão das relações das famílias em litígio, com isso, contribuir com meus

depoimentos para a melhora dos atendimentos a famílias nesta situação, criação de eventuais

programas e políticas publicas neste segmento.

• Tenho o direito de receber informações atualizadas durante qualquer fase desta

pesquisa. No caso de haver dúvidas quanto à minha participação neste estudo, poderei entrar

em contato com a Ms Maria de Lourdes Bohrer Antonio no Fórum de Santos, Praça José

Bonifácio s/nº, sala 501, 5º andar ou pelo telefone (13) 3222-4919, Ramal 2124. Ainda poderei

contatá-la em sua residência à Rua Armando Sales de Oliveira, 113, Boqueirão, Santos, ou

pelo telefone (13) 3233-3929.

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• Em caso de dúvida, ainda poderei contatar o Comitê de Ética em Pesquisa da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

situado............................................................................................................................................

• Não terei nenhum gasto ou ganho financeiro por participar da pesquisa.

• Minha participação é totalmente voluntária e posso retirar meu consentimento e

abandonar a pesquisa a qualquer momento.

• Acredito ter sido suficientemente informada a respeito das informações que li

ou que foram lidas e esclarecidas para mim. Discuti com a pesquisadora sobre minha decisão

em participar do estudo. Ficaram claros para mim os propósitos do estudo e os esclarecimentos

permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de despesas.

• Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar meu

consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades, prejuízos ou

perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido, ou no atendimento aos serviços da

cidade.

Assinatura do(a) entrevistado(a)

RG e Endereço:

____________________________________________________________________________

Data: _______/_______/________.

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e

Esclarecido desta pessoa para a participação neste estudo.

Assinatura do responsável pelo estudo

Data: ________/_______/_________.

Fonte: Elaborado pela autora

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APÊNDICE B - AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA PARA A

REALIZAÇÃO DA PESQUISA

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ANEXO 1 - PERFIL SÓCIO-JURÍDICO

Vara________________ Ação___________________________________________________

Nº dos Autos:_______________________Data de Distribuição:________________________

Data audiência / encaminhamento para mediação____________________________________

Chegada no Setor de Mediação ______________Data do 1ºª atendimento_________________

Consta perícia social forense nestes Autos?:______Há quanto tempo?____________Qual parecer?_____________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Consta perícia psicológica forense nestes Autos?:____________Há quanto tempo?________

Qual o parecer?_______________________________________________________________

Demais ações existentes entre as partes (constar o tipo, nº dos Autos, Vara): ______________

___________________________________________________________________________

Ações que já existiram entre as partes ( constar o tipo, há quanto tempo e se participaram de Conciliação ou Mediação): ___________________________________________________

___________________________________________________________________________

Demais ações existentes entre familiares e as partes ( constar o tipo)_____________________

___________________________________________________________________________

Procuradores das partes________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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Identificação da parte requerente:

Nome________________________________________________________________

Naturalidade __________________Idade _________Profissão___________________

Escolaridade e Formação acadêmica________________________________________

Endereço residencial:

Rua__________________________________________________________________

Bairro_____________________________Cidade_____________________________

Fone______________________________Celular_____________________________

Local de trabalho: ________________________________Renda mensal___________

Tempo em que trabalha no emprego atual _________Fone:______________________

Situação sociofamiliar atual:

Estado civil ________________________________ Número de filhos_____________

O requerente mora em companhia de________________________________________

Estes autos se referem a 1ª união estável / Casamento?___________Em caso negativo,

Qual ? ________________________________________________________________

História entre as partes, segundo a parte requerente:

Foram casados?__________União Estável?______________Namoro ? _____________

Por quanto tempo?__________Há quanto tempo se separaram de fato?______________

Há quanto tempo se separaram de direito ?___________

Qualidade do relacionamento após a separação:( ) ótimo– ( ) bom - ( )regular–( ) ruim

Qualidade do relacionamento atual: ( ) ótimo - ( ) bom - ( ) regular - ( ) ruim

Filhos entre as partes: ( Nome, Idade, ano escolar):

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Identificação da parte requerida:

Nome________________________________________________________________

Naturalidade __________________Idade _________Profissão___________________

Escolaridade e Formação acadêmica________________________________________

Endereço residencial:

Rua__________________________________________________________________

Bairro_____________________________Cidade_____________________________

Fone______________________________Celular_____________________________

Local de trabalho: ________________________________Renda mensal___________

Tempo em que trabalha no emprego atual _________Fone:______________________

Situação sociofamiliar atual:

Estado civil ________________________________ Número de filhos_____________

O requerido mora em companhia de_________________________________________

Estes autos se referem a 1ª união estável / Casamento?___________Em caso negativo,

Qual ? ________________________

História entre as partes, segundo a parte requerida:

Foram casados?__________União Estável?______________Namoro ? ____________

Por quanto tempo?__________Há quanto tempo se separaram de fato?______________

Há quanto tempo se separaram de direito ?___________

Qualidade do relacionamento após a separação:( ) ótimo– ( ) bom - ( )regular–( ) ruim

Qualidade do relacionamento atual: ( ) ótimo - ( ) bom - ( ) regular - ( ) ruim

Filhos entre as partes: ( Nome, Idade, ano escolar):

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Resumo da situação com base no processo:

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Contatos com a Rede de Atendimento:

Instituição Profissional/Área de atuação

Telefone Nº de contatos

Afinidade/ Parentesco

Nome Nº de Atendimentos

Nº de contatos

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Apreciação do trabalho de Mediação realizado pela Mediadora:

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Fonte: Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos

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ANEXO 2 - AVALIAÇÃO DO TRABALHO DE MEDIAÇÃO

As questões a seguir destinam-se ao aprimoramento do Setor de Mediação. Não é obrigatório

responder .As respostas não serão juntadas nos Autos do processo.

Processo nº..................Vara.................Ação......................Nº de usuários atendidos...............

Sexo.........Idade........anos.Instrução formal...............Curso..................Profissão...............

A: AVALIAÇÃO DO SETOR

1.Caso necessário utilizaria novamente o trabalho de mediação ? Sim ( ) . Não ( )

2.Indicaria o trabalho de mediação para alguém? Sim ( ) Não ( )

3. Qual seu grau de satisfação em relação à mediação ?

( )Muito satisfeito. ( )Satisfeito. ( )Pouco Satisfeito. ( )Insatisfeito. ( ) Prefiro não

opinar.

4. Tem alguma observação, reclamação ou comentário a fazer sobre o método de trabalho ?

...............................................................................................................................................................

........................................................................................................................................... 5. Tem

alguma observação , reclamação ou comentário a fazer sobre a (s) mediadora (s)?

.....................................................................................................................................................

.....................................................................................................................................................

6. Tem alguma observação , reclamação ou comentário a fazer sobre a estrutura física?

.....................................................................................................................................................

.....................................................................................................................................................

7. Tem outros aspectos que gostaria de comentar?

.....................................................................................................................................................

.....................................................................................................................................................

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B.: AUTOAVALIAÇÃO

8. Como você se sentia quando chegou ao Setor de Mediação?

...............................................................................................................................................................

...........................................................................................................................................

9. Como você se sente hoje ao terminar o trabalho da Mediação?

.....................................................................................................................................................

.....................................................................................................................................................

10.Para mim, a Mediação significou:

.....................................................................................................................................................

.....................................................................................................................................................

11. Qual a qualidade da comunicação no relacionamento atual entre as partes?

( )ótimo.( )bom.( )regular.( )ruim

12. Desde o momento que você veio para o Setor de Mediação, a sua comunicação em relação a

outra parte no processo;( )Melhorou . ( )continuou igual. ( ) piorou.

13. Qual o nº de atendimentos realizados? R......sessões.

14. O nº de atendimentos que participou foi o suficiente? ( ) sim. ( )não

15. Houve acordo?( ) sim. ( )não-Total?( )sim.( )não.-15-b:Parcial?( )sim.( )não.

16.Caso a resposta anterior tenha sido negativa,ainda assim você percebe possibilidades de acordo?

( )sim. ( )não.

Autorizo a divulgação destas informações, desde que seja mantido sigilo sobre a minha

identificação.

Santos,________/_______/______

ASSINATURA:_________________________

Fonte: Setor de Mediação das Varas da Família e Sucessões da Comarca de Santos

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ANEXO 3 - APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA

Fonte: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP