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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Juliana Mendes Curtinhas As relações afetivas na escola: uma construção necessária para o processo de “ensinoaprendizagem” VITÓRIA 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Juliana Mendes Curtinhas

As relações afetivas na escola: uma construção necessária para o processo

de “ensinoaprendizagem”

VITÓRIA

2004

JULIANA MENDES CURTINHAS

As relações afetivas na escola: uma construção necessária para o processo de “ensinoaprendizagem”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa, Educação Especial: Abordagens e Tendências. Orientador: Prof. Dr. Hiran Pinel.

VITÓRIA

2004

Dedicatória:

Aos alunos que participaram desta pesquisa.

Agradecimentos:

A Deus pelo dom da vida. À minha família que está sempre ao meu lado para o que der e vier. A Hiran Pinel pela sua competente e afetiva orientação. Aos professores: Carlos Eduardo Ferraço, Denise Meyrelles de Jesus e Sávio Oliveira de Queiroz, por aceitarem o desafio de compreender-me nesta pesquisa. Às minhas amigas, por me ensinarem sempre, em especial a Fabiana Rangel, por todo carinho e atenção.

“O meu bom senso me adverte de que há algo a ser compreendido no comportamento de Pedrinho, silencioso, assustado, distante, temeroso, escondendo-se de si mesmo. O bom senso me faz ver que o problema não está nos outros meninos, na sua inquietação, no seu alvoroço, na sua vitalidade. O meu bom senso não me diz o que é, mas deixa claro que há algo que precisa ser sabido. Esta é a tarefa da ciência que, sem o bom senso do cientista, pode se desviar e se perder. [...]” (Paulo Freire. 2004, p. 63)

RESUMO

A escola, envolvida com o conhecimento, tem valorizado pouco as “relações

afetivas” que permeiam o complexo processo “ensinaraprender”. Esta pesquisa

espera contribuir com a reflexão acerca das relações afetivas que se estabelecem

no ambiente escolar e como elas podem influenciar a aprendizagem dos alunos.

Para tanto, foi realizado um “estudo de caso”, utilizando-se metodologicamente da

inspiração fenomenológica, tendo Carl R. Rogers e Paulo Freire como autores

iluminadores deste estudo. Meu objetivo foi observar – e descrever – para assim

compreender as relações afetivas presentes no espaço escolar. A partir da

interrogação: “Como se constroem as relações afetivas em uma sala de aula do

ensino fundamental, e como essas mesmas relações afetivas podem ou não

favorecer o processo de ‘ensinoaprendizagem?’” Em busca de respostas, parti

por vivenciar, descrevendo as observações que se realizavam em vários

ambientes da instituição educacional como: sala de aula, teatro, recreio, biblioteca,

corredores e outros. Nesta vivência (des)velei os alunos, que apesar de serem

“avaliados” e/ ou rotulados como “especiais”, não se enquadravam em tais

estigmas. Ao meu olhar demonstraram ser alunos criativos e inventivos, que

assim, entretanto, são desconsiderados pela escola e pelos familiares. Enquanto

pesquisadora, propus-me produzir um outro sentido à vida escolar desses alunos,

a partir da observação e da escuta empática. Ao término desta pesquisa, percebi

que as relações afetivas estão intimamente ligadas ao desenvolvimento cognitivo

dos sujeitos aqui estudados. Portanto, para esse grupo de alunos, o afeto, ou sua

ausência, mostrou-se fundamental para envolver e conduzir ao conhecimento, ora

facilitando ora dificultando a aprendizagem.

Palavras-chave : Afeto, relações afetivas, dificuldades – e possibilidades de

aprendizagem, aluno, escola, fenomenologia, “ensinoaprendizagem”.

ABSTRACT School, involved with knowlegde, has not valued the “affective relations” that take

part in the “teachinglearning” complex process. This research expects to contribute

with the reflection about affective relations made into schooling environment and

how they can influence student’s learning. Thus, a “study of case” was conducted

methodologically inspired in the phenomenology, with Carl R. Rogers and Paulo

Freire as the authors that illuminate this study. My objective was to observe – and

describe – so we could understand the affective relations inside schooling spaces.

Using the question: “How are constructed the affective relations in the elementary

school classrooms, and how these affective relations can or can’t benefit the

‘teachinglearning’ process?” Looking for the answers, addressed to experience,

describing the observations that were taken in the various places of the

educational institution as: classroom, theater, break time, library, corridors, etc. In

this experience unveil the students, that in spite of been “evaluated” and/or labeled

as “special”, didn’t fit into those stigmas. In my glance, they demonstrated to be

creative and inventive students that, in this way, however, were not considered by

school and family. As researcher, I proposed myself to develop another sense to

these students’ life school, using the observation and the empathic listening. At the

end of this work, I realized that the affective relations were intimately linked to the

cognitive development of the subjects studied. So, to this group of students, the

affection or its absence seemed as fundamental to involve and conduct to

knowledge, making learning sometimes easier sometimes harder.

Keywords: affection, affective relations, difficulties – and possibilities of learning,

student, school, phenomenology, “teachinglearning”.

SUMÁRIO

RESUMO ________________________________________________________6

ABSTRACT ______________________________________________________ 7

INTRODUÇÃO ____________________________________________________9

CAPÍTULO I - DA SEGREGAÇÃO A INCLUSÃO_________________________13

CAPÍTULO II – PENSAMENTOS FUNDAMENTAIS ______________________ 32

CAPÍTULO III - TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ________________________48

CAPÍTULO IV – AFETO E COGNIÇÃO NO PROCESSO DE INCLUSÃO

ESCOLAR ______________________________________________________ 58

PALAVRAS FINAIS _______________________________________________ 92

REFERÊNCIAS __________________________________________________ 98

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INTRODUÇÃO

Há muito tempo algumas questões sobre educação e relações pessoais no

ambiente escolar me acompanham. Desde os meus primeiros contatos com a

escola formal e as experiências, que lá vivi, trazem-me recordações de fracasso,

separação, conquistas, superações e vitórias. E dessas experiências passadas

surge meu interesse pela educação especial e se firma quando volto minha prática

pedagógica ao trabalho com o aluno especial.

Movida por esses sentimentos é que fui me identificando cada vez mais com a

educação especial. Percebi que esse era o caminho que eu deveria trilhar para

tentar entender um pouco mais sobre a ligação entre as relações pessoais de

afeto no a0mbiente escolar e sua contribuição como facilitadora do processo de

aprendizagem.

Essas vivências pessoais foram capazes de despertar em mim um

comprometimento em tentar revelar novas e criativas maneiras de desvelar o que

ainda podia estar encoberto nas relações afetivas, presentes durante o processo

de aprendizado. As minhas experiências pessoais certamente foram decisivas e

me impulsionaram a buscar respostas. Por isso, me parece necessário esclarecer

que o meu pessoal envolvimento com o tema não foi uma escolha ao acaso, mas

uma escolha significativa em minha vida. Acredito no fato de que “[...] o cientista é

comparável a um espelho que reflete, de forma objetiva, os eventos que pretenda

conhecer.” (FORGHIERI, 2001, p. 57).

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A partir de minhas recordações e experiências, percebo que a não-valorização do

afeto nas salas de aula levou, e ainda tem levado, muitos alunos a evadirem, a

serem rotulados como alunos especiais, afastando essas pessoas do ambiente

escolar ou mantendo-as excluídas dentro da própria escola. Talvez, uma das

grandes deficiências da escola, hoje, seja a deficiência afetiva. Atitudes de

aceitação, congruência, diálogo, ética, solidariedade, esperança, liberdade,

autonomia, escuta e compreensão empática podem modificar as relações afetivas

na escola, espaço em que as pessoas e seu lado humano deveriam ter garantido.

Foi acreditando no potencial humano, que, ao longo desta pesquisa, propus-me

olhar atentamente para o “caminho” que cada um dos alunos pesquisados trilhou,

superando suas dificuldades, sejam essas afetivas/cognitivas que interferiram em

sua vida acadêmica. Para isso, vou contar com minhas próprias recordações,

para, então, “estar junto” com os alunos, propondo-me empaticamente sentir

como se eu fosse eles. Repetir essa experiência, sentido-a agora a partir da

vivência do outro, é uma desafiadora tarefa que me proponho fazer.

Quando falamos de aprendizagem escolar, muitas vezes consideramos o afeto

como menos importante e supervalorizamos o cognitivo, o conhecimento e/ou a

inteligência. Porém, compreendo aqui o desenvolvimento intelectual como algo

que está estreitamente ligado aos interesses e desejos, pois são esses

sentimentos afetivos que proporcionam sentido e estimulam a curiosidade,

desencadeando, assim, o processo de aprendizagem.

É acreditando na indissociabilidade entre afeto e cognição que alicercei este

trabalho de pesquisa. Ao desvelar a afetividade vivida pelo aluno, pude

compreender como ela é capaz de influenciar seu desempenho escolar. O clima

afetivo na escola, seja ele negativo ou positivo, pode facilitar ou dificultar a

aprendizagem de conteúdos escolares e não-escolares, vivenciados na sala de

aula e nos demais ambientes escolares.

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A disposição em aceitar o outro e se dedicar a atender suas demandas

pedagógicas, assim como elas se apresentam, são parte de uma ação que vem

sendo chamada de inclusão escolar.

Mas o que é mesmo inclusão escolar? Podemos compreender a inclusão escolar

como sendo um movimento social dirigido às ações pedagógicas no interior das

escolas, que objetivam atender às necessidades dos alunos conforme elas se

apresentam. Acredito ser possível a “construção” de uma escola inclusiva, que

atenda às necessidades específicas dos alunos na escola regular, à medida que

se crie espaço, modificando a estrutura para que esse trabalho se efetive.

O que é ser afetivo na escola inclusiva? Ser afetivo já pressupõe ser inclusivo,

pois é um tema que provoca sentir, pensar e agir compreensivos e críticos. Ser

inclusivo é ser extremamente afetivo, pois impõe aceitação incondicional do outro.

Por isso, o sentido do termo inclusão nos “provoca” pensar as relações afetivas

em salas de aulas e na instituição escolar, e as subjetividades que aí se

constroem.

Nessa perspectiva, meu objetivo de pesquisa é analisar as relações de afeto que

se constroem na convivência entre alunos de uma sala de aula e como elas

podem contribuir ou não com o processo de aprendizagem. Para compreender

essas questões, recorri à teoria humanista existencial centrada na pessoa de Carl

Ransom Rogers (1902 -1987) e à pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) que irão

fundamentar esta pesquisa, deixando espaço para a interlocução com outros

autores que contribuam com discussão desse tema.

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A escolha de Rogers e Freire como autores fundamentais para dar base a esta

pesquisa é por apresentarem traço humanista suas obras. Entendo Freire como

autor de um método inclusivo de alfabetização, podendo ser também considero

um humanista existencial. Já Rogers, consideramos como autor que foca as

relações de ajuda, tratando da inclusão do ser-no-mundo. Paulo Freire e Carl

Ransom Rogers pensam o ser humano como aquele que está sempre em busca

de se melhorar, abrindo possibilidades de superação constante. Essas conquistas

diárias tornam as pessoas melhores, mais humanas, e conseqüentemente

contribuem para um mundo mais justo.

Para a realização desta pesquisa, encaminhei-me a uma escola de ensino

fundamental para a coleta de dados. A partir da vivência do cotidiano, junto com

os alunos, lancei meu olhar investigativo para desvelar possibilidades de atuação

que contribuam com uma educação afetiva/cognitiva.

Nessa experiência de estar com os alunos, estive atenta em conhecer e descobrir

questões sobre eles, com eles. Por meio dessas experiências vivenciadas, foi

possível penetrar no mundo do aluno especial que, a partir dessa (con)vivência, foi

se revelando, como se construíam as relações afetivas e como elas

contribuíam ou não para o processo de aprendizagem.

E com esta pesquisa, pretendo contribuir com o debate acerca da importância do

afeto no ambiente escolar.

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CAPÍTULO I - DA SEGREGAÇÃO A INCLUSÃO

A história da aceitação das pessoas especiais pela sociedade ao longo do tempo

vem se modificado. Inicialmente, essas pessoas eram excluídas da convivência

em sociedade, as famílias as criavam isoladamente em “prisões domiciliares”,

sendo confinadas apenas ao convívio doméstico. Posteriormente, surgiram

atendimentos específicos que segregavam os especiais, esses atendimentos eram

oferecidos geralmente por instituições assistencialistas que “protegiam” o restante

da sociedade do convívio com o especial (SILVA, 1998).

Após essa fase, por volta de 1950 (SILVA, 1998) começou o movimento de

integração social que pretendeu inserir as pessoas especiais nas rotinas de uma

vida de trabalho, escola, diversão, enfim, em uma vida social, que contribuísse

para torná-las mais independentes. No entanto, essa independência deveria ser

conquistada pelas pessoas especiais, cabendo a elas se esforçarem para vencer

os obstáculos físicos e de aceitação nos diversos setores da sociedade. Portanto,

podemos compreender a integração como um movimento de normalização dos

portadores de necessidades especiais.

Mais recentemente, no final da década de 70 (STAINBACK. et al., 1999), surge o

conceito de inclusão social, que advoga em favor de uma vida o mais

independente possível para as pessoas especiais. Para tal, a sociedade deve

organizar-se oferecendo condições de uma vida livre de qualquer tipo de

discriminação, sejam esses físicos ou sociais, facilitando assim o acesso e a

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permanência dessas pessoas em todos os locais. No Brasil, essa discussão

começa a ganhar força após a Assembléia de Salamanca, em 1994 (BAUMEL,

1998). No campo educacional, a declaração diz do direito dos alunos com

necessidades educativas especiais de se matricularem nas escolas comuns. Cada

vez mais as pessoas se convencem que “ [...] A escola comum é o ambiente mais

adequado para se garantir o relacionamento dos alunos com ou sem deficiência

[...]” (MANTOAN, 2003, p. ).

A partir da declaração de Salamanca, gradativamente a discussão sobre a

educação inclusiva passa a fazer parte do cenário da educação brasileira. Cada

vez mais, estudos científicos passam a ter como tema a inclusão e começam,

também, a surgir nas escolas regulares experiências práticas de inclusão de

alunos especiais.

Para acolher os preceitos legais da declaração de Salamanca sobre inclusão, no

Brasil, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96),

destina o capítulo V à educação especial. Na referida lei, em seu artigo 58 define-

se educação especial como: “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida

preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de

necessidades especiais”.

Os parágrafos 1º e 2º do artigo 58, regulamenta que:

§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

Portanto, a lei prevê que os alunos especiais, devem ser matriculados em escolas

regulares, e somente quando não for possível a integração desses alunos nas

escolas regulares é que será oferecido atendimento educacional especializado.

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E em seu artigo 59, inciso I, a LDB (9394/96) assegura aos alunos com

necessidades especiais “currículos, métodos, técnicas, recursos educacionais e

organização específicos, para atender às suas necessidades”.

Para se enquadrar a estas novas exigências legais sobre inclusão, o município de

Vitória cria unidades pólo de ensino. Essas unidades pólo são

... escolas regulares que, além de atenderem seus alunos com necessidades especiais, deveriam atender (...) os alunos matriculados nas outras escolas regulares e que também apresentam necessidades educacionais especiais. ... [Estas escolas] buscavam atender, em diferentes modalidades, desde alunos que necessitassem desse apoio mínimo até aqueles que exigiam apoio constante. (JESUS, 2002, p. 10)

As escolas pólo podem ser consideradas como marco inicial em direção à inclusão

no ensino no município de Vitória, ainda de maneira incipiente, mas já sinalizando

a intenção de se adequar às novas exigências legais.

Entendo que a inclusão para além de seus aspectos legais é um processo social

que demanda mudança de atitude, demanda uma postura diferenciada diante da

vida no sentido de incluir todas as pessoas. Portanto, um processo de construção

social, que deve contar com o apoio de todos os segmentos sociais,

proporcionando assim o surgimento de uma nova sociedade fruto de

transformações culturais e sociais. E, nesse sentido, a inclusão na educação vem

sendo entendida como necessária e como um processo que, uma vez iniciado,

não tem ou não deveria ter volta.

A inclusão escolar pressupõe: a) aceitar o outro, com todas as singularidades; b)

permitir que o outro se expresse de seu modo, sem estigmatizá-lo; c) oferecer

programas alternativos e criativos de aprendizagem, quando isso se fizer

necessário, atendendo cada aluno em sua necessidade educacional.

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Algumas situações nas escolas já apontam para uma mudança que se opõe as

velhas práticas segregacionistas. O fato em si, de os alunos especiais estarem

nas escolas regulares, traz grandes questionamentos e impõe um repensar de

novas propostas de trabalho que os inclua no processo educativo. Essa busca por

uma prática inclusiva tem demandado um repensar da educação a partir de uma

ótica humana e de mudanças estruturais urgentes que atendam às demandas de

uma verdadeira educação inclusiva.

A educação vivida como um espaço cada vez mais humano permite que a inclusão

seja vivida, em todas as suas contradições, podendo ser questionada, repensada,

para que assim se construa e reconstrua, diariamente, esse ser histórico que se

aceita e aceita o outro como ele de fato é. Uma sociedade inclusiva, de pessoas

reais, que se desafiam e se superam constantemente, sendo aceitativas umas

com as outras em uma sociedade para todos.

Nesse sentido, a inclusão é mais uma disposição afetiva do que uma lei que se

declara como oficial, que a partir dela tudo será mudado e todos serão aceitos

como são. Até porque, as leis em si não garantem mudanças de hábitos e

atitudes, dificultando seu cumprimento.

Afeto e cognição

Não menos importante que a cognição, o afeto tem papel importante no

desenvolvimento humano. No entanto: “O estudo da razão tem sido privilegiado no

interesse dos homens, principalmente na ciência, pois as emoções e afetos têm

sido vistos como deformadores do conhecimento objetivo. [...]”. (BOCK, 1995,

p.190)

A razão que desconsidera a importância do afeto também parece desconsiderar

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uma possível relação entre o bom desempenho cognitivo e uma vida afetiva

“estável”. Ao tratar afeto e cognição, separadamente, parece que se está

deixando de compreender as questões do ser humano de maneira global,

fragmentando o que na vida prática ocorre de maneira indissociável. Uma questão

que merece ser repensada é a convivência com essa fragmentação científica, que

tem freqüentemente tratado esses temas. Por que a razão é considerada muitas

vezes como sendo mais importante que o afeto? Não seria mais prudente pensar

razão e afeto complementares para uma vida em equilíbrio?

Entendo que: “Nossa vida afetiva é composta de dois afetos básicos: o amor e o

ódio . Esses dois afetos estão sempre presentes em nossa vida psíquica e

também estão juntos em nossas expressões, ações e pensamentos” (BOCK,

1995, p. 191, grifo do autor).

Compreender o afeto e a cognição como indissociáveis parece ser a chave do

desenvolvimento global das pessoas. Quando há privilégio de um sobre o outro,

passa a existir uma vulnerabilidade na relação educacional, que entra em

desequilíbrio e pode desencadear problemas educacionais.

Algumas situações educacionais descritas por profissionais da educação como

indisciplina, evasão, falta de vontade de estudar, incompatibilidade entre

professores e alunos, que à primeira vista não tem explicação, podem ter suas

origens no desequilíbrio entre afeto e cognição, interferindo no desempenho

escolar. Sem compreender essas situações, surgem rótulos: aos professores de

incompetentes e aos alunos de incapazes. Ambos tentam várias vezes sinalizar

que algo não vai bem, mas a rotina da escola deixa pouco espaço para que

situações como essas sejam mais bem avaliadas e adequadamente

encaminhadas, gerando prejuízo aos profissionais e aos alunos.

O aluno rotulado como especial tenta, em vários momentos, estabelecer uma

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comunicação para conseguir superar suas supostas dificuldades cognitivas e

afetivas. No entanto, essa forma de comunicação passa quase sempre

despercebida. Na maioria das vezes, não se presta atenção a sua fala, a seus

gestos, a seu silêncio, a sua tristeza, a sua solidão e ao seu abandono. A escola

pouco se percebe como um espaço de afeto e aprendizagem. As burocracias e os

rituais que tomam conta do dia-a-dia dos profissionais da escola, geralmente se

encarregam de ocupar quase todo o tempo para vivências afetivas. Além disso, no

imaginário dos profissionais da educação parece que a escola é espaço exclusivo

da aprendizagem cognitiva e tudo que questione esse lugar do “ensinaraprender”,

como foco principal, causa estranhamento e é repelido.

Atitudes aparentemente simples, como escutar o aluno, talvez possa mudar

significativamente o seu envolvimento com o processo educacional no qual está

inserido. Para nós isto é afetividade, isso é apostar na capacidade que o aluno

pode ter de se assumir como pessoa, isso é ensinar como é ser autônomo e

responsável por suas escolhas. A escuta empática pode contribuir para o aluno

perceber que o que sente e o que pensa sobre o seu processo de aprendizagem é

importante para o professor, para sua escola e para seu desenvolvimento pessoal,

sentindo-se valorizado.

Todos nós educadores sabemos da necessidade de conhecer o aluno, mas pouca

importância tem sido dada à escuta desse aluno e pouco espaço é dado ao

professor para que ele possa exercer uma educação humana e que essa seja

prevista em sua carga horária de trabalho.

As escolas, algumas vezes, têm se respaldado em diagnósticos que acabam

rotulando o aluno e minimizando as responsabilidades da família e da escola, que

em alguns casos chegam a transferir a responsabilidade ao aluno pelo seu

fracasso. Tais diagnósticos têm levado o aluno ao “abandono”, por parte da

escola, que não desenvolve um trabalho pedagógico que atenda às suas

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necessidades, por não acreditar em suas possibilidades de aprendizagem. E da

família, que em alguns casos se convence que tem um filho com problemas de

aprendizagem e do próprio aluno que pode passar a se perceber como o problema

sem solução. Os alunos e a família, em certos casos, têm se deixado paralisar por

diagnósticos que muitas vezes são aceitos como uma sentença definitiva,

impedindo-os de enxergar possibilidades de desenvolvimento educacional, social

e pessoal do educando.

Os rótulos e diagnósticos não passam incólumes pelo aluno, podendo modificar a

percepção que ele tem de si, influenciando sua auto-estima e trazendo

conseqüências negativas para sua vida escolar. Portanto, a maneira como o aluno

enfrenta o rótulo no ambiente escolar e na relação com as pessoas com as quais

convive, no ambiente familiar, pode influenciar seu desempenho acadêmico. O

ambiente escolar influencia todos os alunos, independentemente se apresentam

“dificuldades, problemas ou possibilidades de aprendizagem”.

Concordo com Foucalt (2002) e Bock (1995), quando denunciam discursos

psicopatológicos que rotulam o ser humano como se fosse uma máquina. E

quando seu funcionamento não vai bem, conforme o padrão esperado, é preciso

consertar.

Volta e meia, deparamo-nos com situações na escola que nos fazem crer que a

dinâmica familiar parece influenciar a relação que a criança estabelece ou

estabelecerá com o conhecimento. O papel da família é fundamental no

desenvolvimento de seus membros. É ela a “(...) responsável pelo modelo que a

criança terá, em termos de conduta, no desempenho de seus papéis sociais e das

normas e valores que controlam tais papéis.(...)” (BOCK, 1995, p. 239) Se no

ambiente familiar aprendemos e somos estimulados a acreditar em nossas

possibilidades de descobrir e conhecer, essa atitude nos fará chegar à escola

com a auto-estima bastante positiva e isso possivelmente contribuirá para o nosso

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processo de aprendizagem escolar. Mas se no seio de nossa família somos

desacreditados em nossas potencialidades de aprender, esse fato, provavelmente,

interferirá negativamente em nosso desempenho escolar.

[...] ao ingressar na escola, a criança já traz consigo uma atitude diante da possibilidade de conhecimento. Tal atitude foi estabelecida desde os seus primeiros anos de vida a partir da forma como, dentro de sua família, a relação com o conhecimento foi estabelecida. [...] (SOUZA, 2003, p. 50).

Ao ingressar na escola, os alunos trazem consigo conhecimentos que vêm sendo

adquiridos desde seu nascimento e que devem ser considerados pela escola para

a elaboração de uma proposta pedagógica desafiadora e interessante. A escola

deveria estar atenta às características de cada aluno, de cada grupo de alunos,

para oferecer uma educação que atenda as suas demandas e necessidades.

No ambiente escolar, os alunos convivem com várias pessoas que exercem

influências sobre eles e eles sobre essas pessoas. Uma das influências mais

marcantes sofrida pelos alunos ocorrerá entre eles e seus professores. Estes

trazem seus conhecimentos acadêmicos e suas práticas pedagógicas e a cada

nova experiência é necessário uma análise sócio-histórica dessa nova realidade

investigando os alunos e os conhecimentos que trazem para que, a partir de

então, construam juntos, professores e alunos, uma nova proposta pedagógica

que atenda às necessidades dos alunos longe de estigmas.

Os rótulos que mais aparecem no cotidiano escolar são aqueles que já fazem

parte do senso comum dos profissionais da educação e que por isso nem sempre

são adequadamente utilizados. Dentre os vários rótulos, comumente utilizados,

existem dois que são lembrados para designar várias características

comportamentais, como por exemplo: dificuldade de aprendizagem e

hiperatividade. E, esses rótulos têm funcionado como uma espécie de curinga e

têm sido utilizados, de maneira simplista e superficial, para dar nome a uma lista

quase interminável de situações e comportamentos escolares. Os alunos que têm

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muita energia, são falantes e não param sentados e são freqüentemente rotulados

como hiperativos. Os que escapam ao rótulo de hiparatividade fatalmente se

enquadram no de dificuldade de aprendizagem, para isso, basta que o aluno não

se desenvolva da maneira esperada pela escola para ser rotulado como aluno

com dificuldade de aprendizagem. Uma preocupação que temos com esses

rótulos é que eles são dados muito facilmente, sem que se faça uma reflexão do

prejuízo que pode causar na vida escolar do aluno.

A criança que no ambiente escolar é rotulada como aluno com dificuldade de

aprendizagem, geralmente, é aquela que apresenta uma discrepância entre suas

potencialidades cognitivas e seu aproveitamento escolar. Portanto, são crianças

que se apresentam capazes de aprender e que se mostram desenvoltas em

atividades extraclasse, tais como: educação física, teatro, relações pessoais com

seus colegas e outras. No entanto, na sala de aula, elas demonstram estar

desinteressadas e desmotivadas, conseqüentemente, apresentam um baixo

desempenho nas atividades de cálculo, leitura e escrita.

A dificuldade de aprendizagem, segundo Fonseca (1995. p. 85) “[...] pode ser

identificada em crianças ou jovens superdotados [...], que não raras vezes

demonstram dificuldades significativas na leitura (dislexia), na escrita

(disortografia) e no cálculo (discalculia).” Portanto, em certos casos, parece ser

muito tênue a distância entre o aluno considerado bom daquele considerado mau,

até porque, poucos são aqueles que conseguem ser bons em todas as áreas do

conhecimento.

Souza (2003), ao estudar crianças com queixa de dificuldade de aprendizagem,

por ela denominado de inibição intelectual, verifica que o desempenho intelectual

dessas crianças está vinculado a problemas emocionais, freqüentemente

associados a conflitos familiares. Observa também que

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São crianças que não conseguem acompanhar o raciocínio da professora, de seus colegas e apresentam dificuldades nas mais diversas áreas da aprendizagem. Freqüentemente, o diagnóstico de tais crianças revela que elas possuem um nível de inteligência compatível e muitas vezes superior à média das crianças de sua idade. (Souza, 2003. p, 26)

Fonseca (1995) e Souza (2003), apesar de usarem nomenclaturas diferentes,

estão tratando de uma mesma situação – crianças com déficit intelectual - e

comungam definições semelhantes sobre esse tema. Para tais autores, essas

crianças apresentam uma incompatibilidade entre seu potencial de aprendizagem

e sua aprendizagem efetiva. Para eles, elas também apresentam outro traço de

semelhança em seu desenvolvimento cognitivo, que está no fato de que muitas

delas se encontram na média, ou acima, em se tratando de seu desenvolvimento

intelectual.

A linha imaginária que separa o normal do patológico parece ser bastante tênue, e

o que difere essas situações pode ter alguma ligação com o bem-estar global das

pessoas que precisam se sentir afetivamente seguras para se desenvolverem em

seu aspecto cognitivo, o que pode demonstrar como as questões

afetivas/cognitivas estão interligadas.

Se as crianças que fizeram parte dos estudos de Souza (2003) e Fonseca (1995)

não apresentam impedimento cognitivo ou orgânico para aprender, então por que

não conseguem efetivar seu processo de aprendizagem? As questões afetivas

podem nos oferecer pistas para compreender o motivo pelo qual essas crianças

“não querem” ou “não conseguem aprender”.

Segundo Dockrell e McShane (2000, p. 17):

As dificuldades de aprendizagem ocorrem devido a várias razões. [...] algumas dificuldades – talvez a maioria delas – são resultantes de problemas educacionais ou ambientais que não estão relacionados às habilidades cognitivas da criança. Estratégias educacionais ineficientes podem afetar gravemente o nível de aprendizagem da criança [...]. Fracasso escolar precoce pode levar à perda da autoconfiança com efeitos subseqüentes no aprendizado [...]. Uma grande gama de variáveis associadas ao ambiente familiar também

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contribuem para as dificuldades de aprendizagem [...]. Algumas vezes, todos os diferentes fatores estão interligados.

As experiências escolares e familiares negativas parecem estar relacionadas aos

distúrbios de aprendizagem, podendo afetar negativamente a auto-estima dos

alunos, fazendo com que eles duvidem de suas possibilidades de aprendizagem.

A assistência afetiva familiar pobre e experiências de fracasso escolar podem se

constituir em barreiras difíceis para a criança superar sozinha. Essas crianças, às

vezes, ficam repetindo ano após ano suas experiências de fracasso, sendo

negligenciadas em suas “carências” afetivas/cognitivas e geralmente acabam

sendo responsabilizadas sozinhas por seu insucesso escolar. Sem receber ajuda

adequada, a maioria, não consegue romper sozinha a barreira da discriminação. E

assim, sem serem compreendidas e sem se compreenderem, essas crianças

acabam aceitando o rótulo de incapazes e se fechando ao aprendizado. Para a

criança que vive esse dilema, contar com atenção diferenciada de um profissional

que possa ajudá-la a recuperar sua auto-estima é de fundamental importância. Em

alguns casos, sem a ajuda de um profissional especializado, torna-se muito difícil

sair dessa situação.

No que se refere à cognição e ao ambiente escolar, podemos destacar o papel do

professor como bastante importante na vida acadêmica do aluno. A relação afetiva

que se estabelece entre professor e aluno pode influenciar a relação de

aprendizagem significativamente. A maneira de se relacionar entre professor e

aluno vai desvelando o jeito de ser (personalidade) de cada um, e este jeito de ser

vai marcar, de maneira positiva ou negativa, essa relação, contribuindo

significativamente para o sucesso ou fracasso escolar.

O aluno, na maioria das vezes, importa-se muito com a avaliação que o professor

faz de seu comportamento e de seu desempenho acadêmico. Se as avaliações

feitas pelo professor são sempre no intuito de diminuir o aluno e não de ver suas

potencialidades, qualidades e capacidades, esse aluno foge dessa avaliação, na

24

tentativa de se defender e de se preservar. Essa fuga da avaliação, em um

primeiro momento, pode ser percebida como uma saída inteligente da opressão e

da falta de credibilidade que o professor insiste em querer lhe imputar. O aluno

parece recusar tal estigma, pois acredita em suas possibilidades. Esse aluno,

mesmo se sentindo só e incompreendido, não quer perder a confiança que tem

em si, em sua capacidade. No entanto, se o apoio que precisa para romper essa

situação desprivilegiada em que se encontra não chega, ele poderá acabar se

cansando de lutar sozinho e aceitar a condição que lhe oferecem de menos capaz.

A repetição crônica do insucesso e o seu efeito em termos de expectativas levam à criação de resistências, fobias e defesas perante as tarefas educacionais. Nenhum adulto suporta uma atmosfera de permanente fracasso, muito menos uma criança. Muitas das crianças com DA, face aos resultados escolares, vão-se convencendo que não aprendem por mais que tentem, daí o perigo em negligenciar a implicação das DA no desenvolvimento da personalidade global da criança. (FONSECA, 1995. p. 265).

No ambiente escolar, parece existir uma preocupação, quase inerte, com os

déficits de aprendizagem dos alunos. Muito se discute, mas pouco se faz,

efetivamente, para ajudar esses alunos a saírem dessa condição. Em alguns

momentos, acontecem, informalmente, discussões superficiais e

descomprometidas, que costumam concentrar atenção, principalmente, nos

aspectos da vida pessoal do aluno, tentando assim encontrar resposta ao

desempenho que ele apresenta. Essa postura parece ter apenas a intenção de

justificar o comportamento do aluno e, na maioria das vezes, só serve para

cristalizar preconceitos sobre sua vida familiar, cultural, social e econômica, que

são apontadas como responsáveis pelo seu déficit.

As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores (SALTINI, 2002. p. 15).

25

Os alunos e os professores estão em constante processo de busca, de

conhecimento, de reconhecimento, de criação, de recriação, de invenção e de

intervenção, portanto, são influenciados e influenciam as relações de

aprendizagem que vivenciam. Eles são seres históricos e constroem, a cada dia,

diferentes relações de “ensinoaprendizagem” . E para que essa relação seja de

ajuda entre alunos e professores, parece ser necessário que exista afetividade.

Professores e demais membros da comunidade escolar devem estar atentos em

estabelecer um clima de segurança, para que os alunos possam expressar seus

sentimentos, tais como: desejos e emoções. O papel do professor, para isso,

parece ser o de se envolver na experiência escolar, sendo congruente, aceitando-

se e aceitando o aluno como ele é, e não como a encarnação de seres perfeitos e

infalíveis. Ser congruente para com o aluno é estar “aberto” a críticas e sugestões,

podendo também dizer de maneira sincera e ética como se sente diante das

situações vividas na escola (Rogers, 1997).

No entanto, se o aluno sente que as pessoas da escola se preocupam com ele e

querem ajudá-lo, isso por si só já é um estímulo e reflete em si disposição para o

processo de “ensinoaprendizagem”.

É importante considerar que

Os professores não têm a responsabilidade de enfrentar todos os traumas da vida de uma criança; mas, por meio da compreensão, podem algumas vezes diminuir seu sofrimento. O senso comum considera a infância uma época feliz, [...] [de] brincadeiras e atividades esportivas. Nem todas as nossas crianças olharão para trás, para essa etapa da vida, com boas lembranças como essas; mas, para todas elas, haverá a recordação de professores que fizeram alguma diferença significativa em suas vidas. As nossas próprias histórias são um testemunho disso. Professores fazem a diferença e aquilo que realizam pode fazer muita diferença (ALSOP et al., 1999, p. 24).

O papel do professor é de fundamental importância para o desempenho

acadêmico do aluno e para isso ele deve estar aberto para buscar alternativas

26

pedagógicas que auxiliem em seu processo educativo afetivo. No entanto, não

podemos também deixar de considerar a realidade vivida por grande parte dos

professores em sala de aula, que tem seu trabalho dificultado com um número

excessivo de alunos por turma, com a falta de apoio pedagógico para lidar com o

aluno que necessita de uma atenção especial, inviabilizando um trabalho

pedagógico que atenda ao aluno em suas necessidades.

As relações afetivas, vividas no ambiente familiar, também parecem influenciar

muito as relações de aprendizagem. As crianças podem trazer das experiências

com suas famílias afetos positivos de confiança e auto-estima, construídos em um

ambiente em que se sintam seguras, amadas e respeitadas. Mas o contrário

também pode ocorrer, ambientes familiares, com relações afetivas pobres,

contribuem de maneira negativa para o processo de aprendizagem. Essas

situações parecem ser bastante comuns para quem lida com as crianças no

ambiente escolar, e assim torna-se fácil identificar a criança que é tratada com

zelo por sua família daquela que é negligenciada.

Segundo Souza (2003), as crianças com queixa de inibição intelectual, quando

analisadas clinicamente por meio de entrevistas familiares diagnósticas,

apresentam-se confrontadas com fantasias de solidão e abandono, junto com o

sentimento de que seus pais são ausentes e preocupados apenas com eles

mesmos. Essas crianças também se apresentam altamente exigentes consigo

mesmas e identificam os locais em que vivem como sendo indiferentes para com

elas. A autora, focando a dinâmica familiar, detectou que de fato os pais se

mostram distantes e incapazes de acolher a angústias de seus filhos, por estarem

envolvidos com suas próprias angústias e interesses.

Alguns pais parecem enfrentar dificuldades em exercer seus papéis e de se

assumirem enquanto pais. Eles se sentem “impedidos” de saírem de seu lugar

(egocêntrico) e de se colocarem no lugar de seus filhos, e se sentirem como eles,

27

para que assim possam compreendê-los. Ao perceber essa situação, as crianças

se sentem desprotegidas e inseguras.

É importante, para o bem-estar de qualquer pessoa, sentir-se segura, acolhida e

tendo suas preocupações respeitadas. Para as crianças, isso é essencial, uma

vez que ainda não conseguem, sozinhas, dar respostas as suas angústias. As

crianças, que não sentem que seus pais se importam verdadeiramente com elas,

estão mais expostas a experimentar sensações de abandono afetivo que refletirá

em todos os aspectos de sua vida, inclusive no seu desempenho escolar. As

crianças precisam de um ambiente seguro que lhes proporcione um mundo lúdico

e afetivo.

Algumas das dificuldades de aprendizagem apresentadas por crianças podem

estar ligadas à incapacidade de suas famílias em oferecer assistência afetiva

adequada. Para que a criança seja tratada adequadamente, é imprescindível que

a

[...] família, verdadeira escola de sentimentos onde a criança adquire a maturidade emocional indispensável para as pré-aptidões das aprendizagens escolares [Saibam que]. Amor, segurança, confiança, encorajamento e sucesso são ingredientes indispensáveis à personalidade da criança [...] (FONSECA, 1995, p. 112).

Cabe ressaltar que muitas crianças, que também convivem em ambientes

escolares e familiares hostis, conseguem superar essas adversidades, não

deixando refletir em seu rendimento escolar essa sua condição afetiva

empobrecida. No entanto, para efeito desse estudo, estaremos nos atendo apenas

às crianças que sentem um pouco mais de dificuldade em, sozinhas, superarem

essas adversidades afetivas.

28

A organização escolar

[...] a atitude de tomar “as crianças em primeiro lugar” [...] significa colocar as necessidades delas na frente de considerações logísticas e operacionais, ser flexível e receptivo; proporcionar estruturas e limites que lhes permitam sentir-se seguras dentro das regras e rotinas da vida escolar. Precisamos pensar de quais maneiras podemos oferecer às crianças o direito de ter suas necessidades emocionais e de desenvolvimento atendidas, sem lhes transferir a responsabilidade para que isso aconteça. Esse equilíbrio pode ser a contribuição mais efetiva para essa premissa enaltecida, porém ilusória, de “um contexto escolar positivo” [...] (ALSOP et al., 1999, p. 24).

Para atender às demandas específicas dos alunos, a proposta curricular deve ser

tomada como ponto de partida para a criação de uma proposta pedagógica, que

deve estar sempre ancorada na realidade do aluno, e não o ponto de chegada,

com um fim em si mesmo.

Para cada série existe um currículo prescrito e com ele uma “proposta” de

conteúdos que os alunos devem se apropriar, referentes àquele nível de ensino.

Em se tratando de um aluno de segunda ou terceira série do ensino fundamental,

espera-se que os currículos das séries anteriores já tenham sido apropriados,

nesse caso, espera-se que esse aluno seja leitor. Caso esse aluno não tenha

ainda adquirido as habilidades que o currículo prevê, ele é classificado, rotulado,

estigmatizado como aluno especial, aluno com dificuldade de aprendizagem. Em

nome do currículo prescrito, algumas vezes temos deixado de lado o histórico

pessoal dos alunos, avaliando-os somente com base no currículo, e assim

podemos estar deixando de perceber os avanços dos alunos.

Por mais que as pesquisas indiquem que exista uma distância entre o currículo

efetivo e o currículo prescrito (Ferraço, 2000, 2001), alguns o têm compreendido

muito mais como currículo definitivo do que como uma proposta curricular que

pode e precisa ser adaptada à realidade educacional.

É importante compreender que as habilidades de aprendizagem dos alunos não

29

estão associadas ao currículo prescrito. Às vezes, os alunos têm dificuldade de

compreender/aprender determinado conteúdo proposto pelo currículo, mas

consegue abstrair e fazer relações com outros conhecimentos práticos que não

estão prescritos para alunos daquela faixa etária. É preciso, portanto, não perder

de vista que o currículo é uma proposta que necessita ser analisada pelo

professor, que é quem tem o conhecimento da diversidade, de interesses e

possibilidades de aprendizagem de seus alunos. Somente depois de confrontar a

proposta curricular com a realidade dos alunos, é que deve ser feita a opção de

seguir, rejeitar ou adaptar a proposta curricular.

Para traçar uma proposta curricular, que atenda às necessidades específicas dos

alunos, é fundamental que ele seja adequadamente avaliado e, em seguida, traçar

um plano de trabalho que parta do conhecimento que o aluno já possui, com

atividades pedagógicas apropriadas. Assim parece ser possível que esse aluno

consiga, em seu tempo, avançar em seu processo de aprendizagem. Sabemos

que esse trabalho é complexo e exige uma ação multiprofissional para atender a

essas demandas de inclusão escolar e que a escola que se propõe inclusiva deve

se adaptar.

A alfabetização

A escola tem valorizado muito pouco a fala espontânea dos alunos, pouco

estimula o diálogo e o debate de idéias. Na verdade, o modelo de escola com o

qual ainda convivemos é um modelo bancário, de aulas expositivas, onde apenas

o professor fala.

[...] a escola deveria cuidar primeiramente da fala dos alunos, único meio de comunicação que a maioria deles terá pela vida toda. Uma adequada terapia da fala (e do pensamento nela expresso), quem sabe, encaminharia uma natural terapia da escrita (LUFT, 2000, p. 64).

30

Existe na escola uma preocupação muito grande com a leitura e a escrita que se

distancie de uma reflexão que valorize também a fala. Nos cursos de formação de

professores, deveria ser garantido um espaço de discussão mais profunda de

como deve ser o trabalho de alfabetização na sala de aula, para que esse

processo possa ocorrer de maneira mais natural e valorizando adequadamente a

fala, a leitura e a escrita.

[...] talvez seja bom a ciência da linguagem nos lembrar que não haveria língua escrita se primeiro não houvesse a língua falada. E que a escrita é sinalização secundária: representa (imperfeitamente) a fala, que por sua vez representa o pensamento [...] (LUFT, 2000, p. 64).

Portanto, se não temos na escola um espaço garantido para os alunos falarem,

estaremos limitando-os de externarem seus pensamentos e expandirem sua

comunicação por meio da fala. A organização escolar e seu funcionamento atual,

tem estimulado muito pouco a fala do aluno, dando maior ênfase à escuta, à

observação e à escrita. Se nossa realidade educacional é essa, fica cada vez mais

distante a possibilidade de contribuir com a formação de alunos autônomos.

Uma outra questão, que também precisamos estar atentos, é a de não exigir, já no

momento da alfabetização, que o aluno escreva de maneira gramaticalmente

correta. Com o tempo e uma vivência adequada da língua, ele vai naturalmente se

apropriando de tais conhecimentos. Se ainda “Confunde-se estudar a língua com

estudar Gramática. Confunde-se expressão escrita com ‘fazer redação’” (LUFT,

2000, p. 21), e isso é sinal de que devemos repensar os cursos de formação inicial

e continuada dos professores, que em alguns casos parecem andar distantes de

uma práxis pedagógica que acompanhe os avanços em pesquisa, demandados

por uma realidade escolar que não comporta mais alguns modos de ensinar.

A boa comunicação verbal nada tem a ver com a memorização de regras de linguagem nem com a disciplina escolar que trata dessas regras, e que geralmente, em nossas escolas, toma o lugar do que deveriam ser as aulas de Português: leitura, comentário, análise e interpretação de bons textos, a tentativa constante de produzir, pessoalmente, textos bons – enfim, vivência criativa com o idioma (LUFT, 2000, p. 19).

31

A escola deve ser um espaço de “aprenderensinar”, onde essas duas habilidades

devem ser vividas assim como está escrito, sem separação, pois não nos parece

possível ensinar quando não se aprende. Os estudos e pesquisas tentam

constantemente melhor compreender os processos de aprendizagem para facilitar

as propostas de ensino. Ficar à margem desses estudos é afastar-se de novas

possibilidades de “ensinaraprender”.

Várias pesquisas e estudos são feitos com o intuito de contribuir com reflexões e

algumas propostas práticas de atuação, no entanto, eles parecem não ser

acessíveis aos professores, por dois motivos principais: 1) a informação não está

chegando até esse professor e, portanto, ele a desconhece; 2) a informação

chega até o professor, portanto, ele a conhece, mas resiste em mudar sua prática.

A formação do professor é uma necessidade, mas percebemos que a informação

de conteúdos apenas pode não ser o suficiente, pois: “A maioria dos professores

tem uma visão funcional do ensino e tudo o que ameaça romper o esquema de

trabalho prático que aprenderam a aplicar em sua sala de aula é inicialmente

rejeitado. [...]” (MANTOAN, 2003, p. 76). Junto com a formação inicial ou

continuada, é importante estimular esse professor a ser consciente, autônomo e

crítico, para que, de posse da informação, ele possa compreendê-la como

facilitadora de seu trabalho.

Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. [...] O importante [...], é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica (FREIRE, 2004, p. 45).

32

CAPÍTULO II – PENSAMENTOS FUNDAMENTAIS

A opção por Carl R. Rogers e Paulo Freire, como autores que irão nortear este

trabalho de pesquisa, deve-se ao fato da valorização que eles imprimem às

relações interpessoais e a crença no ser humano , a partir de suas próprias

experiências de psicólogo e educador, respectivamente.

Esses dois autores facilitarão a compreensão desse trabalho, cada um de seu

lugar teórico bem-definido e com suas características. Rogers contribuirá com sua

psicoterapia, em que a pessoa humana é sempre colocada como central e Freire

contribuirá com suas reflexões no campo da educação, em que pensa a partir da

realidade sócio-histórica como “ensinaraprender”, pensando a educação como um

ato essencialmente político e afetivo.

Nas obras de Rogers e de Freire é bastante presente a filosofia de Martin Buber,

que descreve o “ser no mudo”, esse ser que está receptivo às experiências

consigo e com o outro, estabelecendo relações de diálogo, crescimento e de

superação, dentro da sócio-historicidade.

Serão utilizadas algumas idéias presentes na obra de Rogers e Freire, de maneira

complementar, para defender argumentos em favor de uma educação humana,

que se (pré)ocupa com o aluno, com as relações que ele estabelece para se

superar em busca de uma pessoa sempre melhor, autônoma e humana.

33

Nas relações interpessoais, a aceitação ou não do outro passa pela aceitação de

si e de sua própria vida afetiva, com seus sentimentos, emoção e desejos. Para

compreendermos a nós mesmos e o outro é preciso que estejamos despidos de

culpas que eventualmente possamos carregar ao nos sentirmos bons e ruins, de

aceitar e de não aceitar do outro. Assim como algumas vezes não nos aceitamos,

em alguns momentos, também, não aceitamos os outros. Tornamo-nos reféns de

nossas próprias cobranças, em comportarmos de maneira ideal, não nos

aceitando, nem aceitando os outros como seres diferentes, únicos e imperfeitos.

Ao aceitarmos a nossa condição humana de (im)perfeitos conseguiremos mais

facilmente construir novos e alternativos caminhos que nos levam a novas e

diversas maneiras de aceitação pessoal e assim de melhor aceitar o outro.

[...] descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo[...] tenho a impressão de que [...] me tornando mais capaz de me deixar ser o que sou. Tornou-se mais fácil para mim aceitar a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente imperfeito e que, como toda a certeza, nem sempre atua como eu gostaria de atuasse ( ROGERS, 1977, p. 29).

E na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornam educáveis na medida em que se reconhecem inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança [...] (FREIRE, 2004, p. 58).

Consciente de meu inacabamento, é que ao longo desta pesquisa encontrei-me

com os meus próprios limites e com os limites dos outros. Essa experiência

facilitou a aceitação do outro e a minha, como pessoa (humana), portanto, falível,

assim, tornando possível experenciar a tentativa de colocar-me no lugar do outro.

Esse eu e esse outro em constante estado de construção do seu “eu”, do seu vir-

a-ser uma outra pessoa, cada vez melhor, sempre passível a mudanças.

34

Aprendizagem Significativa

Ser, ou tentar ser, a cada dia um pouco melhor, deve ser uma aprendizagem

constante e significativa em nossas vidas. Essas aprendizagens significativas

acontecem sempre, mesmo que não nos demos conta de que estamos envolvidos

nesse processo de aprendizagem afetiva.

Aprendizagem significativa,

[...] É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que acolhe ou nas suas atitudes e na sua personalidade. É uma aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência (ROGERS, 1977, p. 258).

Portanto, acredito no ser humano como aquele que está em busca de crescimento

enquanto pessoa, que busca se superar. Nem sempre percorrendo um caminho

linear de superação, às vezes, fazendo percursos de retrocesso, vivenciando

adversidades, mas sempre em busca de crescimento.

O Aprendizado e Sua Influência no Comportamento Hum ano

Sinto que o único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto-apropriado [...]. (ROGERS, 1973, p. 253).

Para que o aprendizado mude as pessoas e para que esse conhecimento se

efetive, é preciso que o conteúdo da informação a ser aprendida seja significativo.

As pessoas que fazem parte desse processo devem ser, também, pessoas que

façam diferença em nossas vidas, que sejam pessoas significativas. Se não for

assim, será como várias informações recebidas, que não queremos ou não

precisamos e por isso simplesmente não as “memorizamos”. A “memória“ parece

35

estar envolvida em “afeto/cognição”, é preciso que eles estejam juntos para que o

aprendizado se efetive.

Por que algumas informações são importantes para nós e outras não? Por que

temos facilidade em aprender, quando o que está sendo descoberto/aprendido

desperta nosso interesse? Uma das respostas possíveis para essas questões é

que, verdadeiramente, apropriamo-nos mais facilmente dos conhecimentos que

são descobertos e que sejam significativos para nós. Todo esse processo de

aprendizagem pode ser ainda mais facilitando, quando as pessoas que estão

envolvidas são afetivamente significativas umas para as outras.

Apender é uma conquista que passa pela descoberta e apropriação do que se

torna conhecido, e isso ocorre de maneira diferente entre as pessoas. Cada

pessoa tem seu modo de aprender e interpretar suas novas aprendizagens

segundo suas experiências.

Aprender é uma conquista e para tal precisamos empreender esforços em busca

de informações estando receptivos para que elas cheguem até nós. Quando não

estamos predispostos e receptivos para conhecer/aprender, a aprendizagem

dificilmente se efetivará. Compreendemos a aprendizagem como algo que precisa

ser desejado.

As relações estabelecidas pelo aluno em sua vida escolar, familiar e com as

demais pessoas com quem convivem vão despertá-lo para alguns conhecimentos,

em detrimento de outros. Além disso, em determinados momentos esse aluno

poderá estar passando por situações que “mexam” particularmente com seus

sentimentos e que isso venha absorver toda sua atenção e interesse. Nesse

período, o aluno provavelmente vai precisar de atenção diferenciada.

Para entender e atender diferentemente cada aluno segundo seu desempenho,

36

interesse e necessidade, é importante compreender os elementos constitutivos do

ser humano e suas atitudes que podem contribuir para facilitar a relação de

aprendizagem.

Vejamos algumas dessas atitudes, propostas por Rogers, e como elas podem nos

auxiliar nos trabalhos pedagógicos/escolares.

Congruência

A aprendizagem pode ser facilitada, [...], se o professor for ‘congruente’. Isso implica que o professor seja a pessoa que é e que tenha uma consciência plena das atitudes que assume. A congruência significa que ele aceita seus sentimentos reais. Torna-se então uma pessoa real nas relações com seus alunos. Pode mostrar-se entusiasmado com assuntos de que gosta e aborrecido com aqueles pelos quais não tem predileção. Pode irritar-se, mas é igualmente capaz de ser sensível ou simpático. Porque aceita esses sentimentos como seus, não tem necessidade de impô-los aos seus alunos, nem insiste para que estes reajam da mesma forma. O professor é uma pessoa, não a encarnação abstrata de uma exigência curricular ou um canal estéril através do qual o saber passa de geração em geração (ROGERS, 1977, p. 265).

A autenticidade deve se tornar presente na relação professor-aluno,

demonstrando ser ele um ser humano com sentimentos ambíguos de aceitação,

crítica e não-aceitação, como ocorre com todas as demais pessoas. O professor

deve se aceitar e ser aceito com seus limites naturais e humanos. Dessa forma, o

professor que encontrei nas salas de aula não é um ser superior e dotado apenas

de bons sentimentos, mas uma pessoa em constante processo de construção, que

está vivendo e experimentando diversos sentimentos em relação a si e aos outros,

inclusive os alunos. Ele está inserido sócio-historicamente no mundo, trazendo

consigo, assim como os alunos, o conceito de congruência para as relações que

se estabelecem na sala de aula.

O aluno congruente, também, é aquele que se mostra como é e não tem medo de

ser assim. Mas, para que não tenha medo, é preciso criar um espaço onde seja

37

permitido ser quem se é, sem retaliações, sendo aceito e estimulado a ser ele

próprio. A aceitação de ser um ser falível como todos os demais mortais, com

qualidades e defeitos, é o primeiro passo para uma atitude congruente.

Ter uma atitude congruente traz benefícios para si e para o grupo com o qual se

convive, pois quando não se pretende ser o modelo ideal de pessoa e

comportamento, aceito-me como sou, aceito minha condição humana de ser

falível e a partir daí aceito o outro como ele é. Assim, minha convivência com as

demais pessoas se torna mais humana, pois passo a compreender cada um como

humano e não a encarnação de um ser perfeito em um mundo harmonioso.

Quando pensamos em nós e nas pessoas que facilitam nossos processos de

aprendizagem, percebemos que são pessoas autênticas, que se mostram como

são e que por isso vivenciam relações verdadeiras, são pessoas em quem se

pode confiar.

Como seria um professor com atitudes congruentes? Segundo Rogers, quando ele

pensa nos professores que facilitaram sua aprendizagem, percebe que eles

tinham uma qualidade em comum, eram pessoas autênticas. E para que as

relações afetivas exerçam mudança de atitude e permitam que surjam relações de

congruência, “[...] talvez importe menos que o professor cumpra todo o programa

estabelecido ou utilize os métodos audiovisuais mais apropriados; o que mais

importa é que ele seja congruente, autêntico nas suas relações com os alunos”

(ROGERS, 1987, p. 331).

Para aceitar e compreender empaticamente as pessoas, precisamos aceitá-las

como elas são. Quando as pessoas se sentem aceitas, elas são mais livres para

buscar ajuda, para ousar, conquistando mais independência em suas ações.

Os alunos especiais sofrem quando se deparam com situações em que não são

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compreendidos, nem aceitos. Em alguns momentos esses alunos são exigidos

como se exige dos demais alunos, nesses momentos, podemos perceber como

faz falta uma atenção diferenciada. É preciso que esse aluno e suas

características particulares sejam colocados no centro das atenções. Quando

esses alunos não são respeitados em suas características pessoais, nem em suas

necessidades educativas especiais e são comparados com os demais alunos,

cria-se um clima de diferença e de segregação. O papel do professor é

imprescindível nesse momento, para construir uma relação de ajuda

compreendendo e aceitando esse aluno como ele é e assim estimulando com seu

exemplo sincero o comportamento dos demais alunos.

Deve ser papel do professor e também dos alunos, estabelecer um clima propício

para aprendizagem, aceitando os sentimentos que brotam verdadeiramente em

cada um. Somente assim,

[...] a aprendizagem significativa é possível se o professor for capaz de aceitar o aluno tal como ele é e de compreender os sentimentos que ele manifesta. [...] o professor que é capaz de uma aceitação calorosa, que pode ter uma consideração positiva incondicional e entra numa relação de empatia com as reações de medo, de expectativa e de desânimo que estão presentes quando se enfrenta uma nova matéria, terá feito muitíssimo para estabelecer as condições de aprendizagem.[...] (ROGERS, 1977, p. 266).

Como será uma sala de aula em que a preocupação principal é o aluno, ou seja,

em que o ensino está centrado no aluno? Como o aluno se relaciona nesse

ambiente? Como essas relações escolares e as outras relações trazidas de suas

convivências (família, amigos, religião, etc.) podem facilitar ou não o seu processo

de aprendizagem? Sobre o resultado desse tipo de ensino centrado no aluno,

Rogers (1977) cita alguns estudos, embora, segundo ele, “esses estudos estejam

longe de ser adequados”, mas assim mesmo eles podem nos ajudar a

compreender que estar preocupado com o aluno, acima de tudo, pode facilitar o

processo de aprendizagem, uma vez que estimula esse aluno a ser mais

independente.

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[...] o conhecimento dos fatos e dos programas é praticamente igual ao das classes convencionais. Alguns estudos registram um ligeiro acréscimo, outros um leve decréscimo. O grupo centrado no estudante revela aquisições significativas maiores do que as turmas convencionais, no que diz respeito à adaptação pessoal, à aprendizagem extracurricular auto-iniciada, à capacidade criadora e à responsabilidade pessoal (ROGERS, 1977,p. 270).

Segundo Rogers (1977, p. 290), “[...] a maior barreira à comunicação interpessoal

é a nossa tendência muito natural para julgar, avaliar, aprovar ou desaprovar as

afirmações de outra pessoa ou de outro grupo [...]”. Portanto, para criar um

ambiente saudável e preocupado com a aprendizagem significativa e centrada no

aluno é imprescindível que

[...] A comunicação real efetua-se, e a tendência para a apreciação é evitada quando ouvimos com compreensão. Que é que isso quer dizer? [...] que se procura ver a idéia e a atitude expressas pela outra pessoa do seu ponto de vista, sentir como ela reage, aprender o seu quadro de referência em relação àquilo sobre que está a fala (ROGERS, 1977, p. 291).

Quando nos comunicamos com o outro, de maneira mais livre e menos

preconceituosa a seu respeito e a respeito do que nos diz, estamos tentando

favorecer uma relação de ajuda, colocando-nos no lugar do outro, como se

fôssemos ele. E, para isso, utilizamos, ou pelo menos tentamos utilizar, o quadro

de referência do outro, para sentir como ele se sente, e a partir de então,

construímos uma relação de ajuda.

A Abordagem Centrada na Pessoa

A Abordagem Centrada na Pessoa destaca um papel importante à confiança que

devemos ter no ser humano, pois nós podemos e somos capazes de nos

superarmos quando conseguimos desenvolver nossos próprios caminhos. E nas

relações dos grupos a confiança também é fundamental.

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[...] o ingrediente importante proporcionado pelo facilitador é a confiança. Ele pode ser também sensitivamente empático. Participará com seus próprios sentimentos (admitidos como seus sentimentos, não como projetos sobre outra pessoa) Pode aventurar-se a exprimir os seus problemas e as suas deficiências. Sugerir ao grupo processos que acredita serem úteis. Subjacente, entretanto, a todos esses comportamentos, está a sua confiança na capacidade do grupo de desenvolver o potencial humano que há, no próprio grupo, e em cada um dos seus membros separadamente (ROGERS, 1973, p. 73).

[...] ser autêntico nem sempre é fácil, nem atingível de uma só vez, mas é básico para a pessoa que quer se tornar aquele indivíduo revolucionário – um facilitador de aprendizagem (Ibidem, p.109).

A teoria descrita por Rogers coloca a pessoa no centro em qualquer situação e a

partir de suas relações pessoais é que facilitam ou não o crescimento pessoal e

do grupo do qual faz parte. Acredito que o humano que existe em cada pessoa e

esse sentimento sendo valorizado e permitido é que será capaz de criar

verdadeiras relações de afeto, facilitando a aceitação das pessoas, permitindo que

façam parte de uma vida mais digna.

[...] Só posso ser apaixonado na minha afirmação de que a pessoa humana tem de ser levada em conta, que relações interpessoais importam muito, que sabemos algo sobre a libertação do potencial humano, que podemos aprender muito mais, e que, se não dermos atenção intensamente positiva ao lado humano interpessoal do nosso dilema educacional, a nossa civilização estará a caminho da exaustão. Melhores cursos, melhores currículos, abrangência mais ampla, melhores máquinas de ensino jamais resolverão o nosso dilema, na sua base. Somente as pessoas atuando como pessoas, no seu relacionamento com os alunos, podem eventualmente começar a produzir certa abertura no mais urgente problema da moderna educação (ROGERS, 1973, p. 125, grifo do autor).

As atitudes afetivas propõem a aceitação do outro, que significa o respeito às

diversidades humanas e a diferenciação do ser. Ser congruente, ser empático, ser

aceitativo incondicional, ser compreensivo, insere o humano no mundo (ser-no-

mundo) do respeito e da permissão dos vários modos de ser.

41

Educação Libertadora e Autônoma

Compreendo a proposta educacional de Paulo Freire como humanamente

preocupada com uma educação desafiadora, que torna o processo educativo

instigante, onde o aluno é visto como ser-no-mundo. Para ele, o educando está

sempre no centro das propostas pedagógicas.

Na proposta de Freire, é imprescindível pensar como ocorre o processo de

aprendizagem de cada aluno e de cada grupo de alunos, e como eles estão

inseridos em seu contexto sócio-histórico. Para ele, somente a partir daí é possível

propor uma intervenção pedagógica a esses alunos.

O conhecimento do educando é considerado o ponto de partida para despertar

novos conhecimentos e aprofundar os já existentes. A proposta educativa é

pensada por todas as pessoas envolvidas no processo, construindo assim uma

ação pedagógica pautada no conhecimento que já possuem e na realidade social

em que estão inseridas.

É a partir de uma educação em favor do educando, portanto, pensada para ele e

com ele, que me desafiei a pensar uma educação que atenda de maneira

individualizada às necessidades do aluno. Acredito que só será possível se

efetivar uma educação humana e despida de preconceitos quando fizermos o

exercício de enxergar o outro como ser capaz. É preciso estar aberto à escuta, ao

diálogo, para assim ser solidário e comprometido com um ideal de justiça social,

em que todos possam exercer seus direitos de cidadãos.

Para Paulo Freire, a prática educativa deve ser humanamente competente.

[...] jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Nem tampouco jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse o rigor que se gera a necessária disciplina intelectual

42

(FREIRE, 2004, p. 145).

Conscientes da humanidade e da competência acadêmica que a educação nos

solicita, é importante também estarmos conscientes de nossos limites, de nossa

finitude e de meu inacabamento. Somos seres do crescimento, da busca, uma

busca que jamais se esgota.

A cada descoberta, seguem novos desafios, que nos movem a novas buscas.

Nessa busca desafiadora e cheia de vida, descobrimos-nos pessoas em

construção, gente que faz e se refaz a cada dia. “Gosto de ser gente porque,

inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento,

sei que posso ir mais além dele [...]” (FREIRE, 2004, p. 53).

Pensando a nossa existência como finita e em constante construção, portanto

inacabada, é possível enxergar o outro como ser também em construção. Como

uma obra de edificação, cada pessoa se encontra em um estágio da construção

de seu ser e, com isso, não existem melhores nem piores, mas pessoas em

diferentes estágios de sua edificação.

O que é para nós educação libertadora ? Educação libertadora é um jeito de ser

educador que se preocupa com o aluno e por isso o coloca como principal sujeito

do processo educativo, capaz de romper as barreiras do desconhecido libertando-

se em favor de uma educação crítica.

O importante do ponto de vista de uma educação libertadora [...] é que [...] os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros (FREIRE, 1997, p. 120).

Uma educação libertadora é uma educação afetiva e humana, em que há

interesse pelo outro enquanto pessoa. É preciso assumir nosso compromisso

existencial com o mundo, com as causas que consideramos justas, contribuindo

para a construção de uma sociedade mais justa e humana, uma sociedade para

43

todos.

Portanto, educação libertadora é não usar do meu poder para diminuir o outro,

para inferiorizá-lo. A violência velada que existe em alguns espaços educativos

machuca e pode até mesmo ferir de morte, matando a esperança, a auto-estima, a

autonomia, a dignidade, a alegria, matando o direito de acreditar que é possível,

se colocar na relação de aprendizagem como ser capaz e que acredita em seus

sonhos e suas possibilidades.

Sem bater fisicamente no educando o professor pode golpeá-lo, impor-lhe desgostos e prejudicá-lo no processo de sua aprendizagem. A resistência do professor, por exemplo, em respeitar a “leitura de mundo” com que o educando chega à escola, obviamente condicionada por sua cultura de classe e revelada em sua linguagem, também de classe, se constitui um obstáculo à sua experiência de conhecimento. [...] Respeitar a leitura de mundo do educando significa tomá-la como ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial, como um dos impulsos fundantes da produção do conhecimento. [...] (FREIRE, 2004, p. 122).

A educação libertadora é uma educação que respeita o ser humano com suas

diferenças, não utilizando as diferenças como um obstáculo intransponível que

serve apenas para separar “capazes” de “incapazes”. A educação libertadora

requer uma educação afetiva, em que “[...] o amor é compromisso com os

homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em

comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este

compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (FREIRE, 1987, p. 80).

Ser um educador que respeita a individualidade dos educandos, escutando suas

demandas específicas, é ser um educador que pensa com o aluno o que deve

conter na sua proposta de ensino, é ser um educador no exercício de uma

educação libertadora. Numa relação de respeito não é necessário demarcar

terrenos de atuação entre alunos e professor, a relação se torna naturalmente

ética e, assim, comporta seus atores com sua liberdade para serem afetivamente

autônomos.

44

[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas (FREIRE,1997, p. 68, grifo do autor).

O que é educar para autonomia ? É educar para que as pessoas sejam capazes

de fazer escolhas, tomar decisões a partir de suas próprias referências. Somente

seremos autônomos se formos livres para tomarmos decisões. Portanto, na escola

devemos estimular uma prática pedagógica que possibilite os alunos serem cada

vez mais autônomos.

[...] Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. [...] Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, ao 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (Freire, p. 107. 2004).

Educação Libertadora e Afetividade

A proposta de educação libertadora de Freire, que coloca o aluno no centro da

discussão pedagógica, é uma proposta em sua essência, afetiva. Afeto

permeando o respeito pela individualidade do ser-no-mundo e pelas diferentes

demandas dos alunos. Afeto que pensa o aluno enquanto um ser que se faz e se

refaz, um ser que sente, que pensa, sonha, sofre, deseja, ama, odeia, alegra-se e

se entristece.

[...] sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa ao fatalismo, identificação com a esperança, abertura a justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica (FREIRE, 2004, p. 120).

45

A nossa historicidade e o nosso exercício diário de nos tornarmos pessoas cada

vez mais humanas e afetivas é que nos faz exercitar uma postura ética diante de

nós e dos outros. A ética está em sermos seres historicamente construtores de

nossos limites e possibilidades, portanto, uma educação ética é uma educação

libertadora e afetiva.

A Educação Como Prática da Liberdade

A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens. A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este homem abstrato nem sobre este mundo sem homens, mas sobre os homens em suas relações com o mundo. Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa (FREIRE, 1997, p. 70).

A educação libertadora e a educação inclusiva, na verdade, são nuances de uma

proposta educativa em que a (pré)ocupação com o aluno é o foco principal. Para

essas propostas interessa o aluno como ele é, e não o aluno idealizado. Nesse

sentido, são propostas educacionais que devem estar ligadas a escolas concretas,

com alunos concretos e não a alunos e escolas ideais e padronizados.

Na proposta da educação libertadora, os alunos são parte do processo educativo,

sendo atores do conhecimento. São eles que têm a palavra, quando o assunto é a

melhor maneira para que seu aprendizado se efetive. É escutando esse aluno que

o conhecemos, entendendo sua maneira de ser e de estar no mundo. A partir do

reconhecimento de sua realidade, é possível compreender quais são os modos

pedagógicos diferenciados que cada aluno, que cada grupo de aluno precisa para

se desenvolver qualitativamente.

Colocar o educando no centro das atenções e pensá-lo como ser histórico e social

46

pensando-o, enquanto pessoa que se insere em um contexto maior, foi um grande

marco nas idéias de Paulo Freire e do qual precisamos nos apropriar, para

oferecer uma educação que pensa cada educando segundo, seus interesses e

necessidades.

Penso que conhecer melhor cada aluno, sua realidade social e histórica é a base

para construir, a partir de sua necessidade, uma proposta de trabalho pedagógica

que atenda a seus anseios. Para qualquer modalidade e nível educacional, essa

proposta pode ser o grande diferencial, fazendo com que o aprendizado se efetive,

de maneira desafiadora e participativa. Para a educação de alunos “especiais”

uma proposta como essa parece ser imprescindível.

Concordo com Boal, (1997, p. 50) quando ele diz que:

Assim são os gênios: descobrem ou inventam o óbvio que ninguém vê. Assim aconteceu com Paulo Freire que descobriu que o “vovô absolutamente não viu o ovo”, nem a “vovó viu a ave coisa nenhuma”, mas, ao contrário – com certeza -, o pedreiro viu a pedra; a cozinheira, o feijão: o lavrador, a enxada, a soja e o trigo.

Freire vem mostrar algo que parece óbvio: a importância em trabalhar com a

realidade concreta dos alunos. De nada adianta falarmos de pessoas e objetos

que não fazem parte do dia-a-dia do aluno, esse mundo abstrato e distante afasta

o aluno da escola e do conhecimento formal necessário à formação do ser

culturalmente bem-informado e criticamente capaz de confrontar idéias.

Somos Seres da Esperança

No processo educativo a solidariedade entre seus atores é que humaniza as

relações facilitando o processo de aprendizagem. A solidariedade é um

aprendizado que se vai aprimorando ou negligenciando ao longo da vida.

47

Aprender a ser solidário não é um aprendizado que se adquire somente na escola,

o espaço escolar é apenas um dos espaços onde se é possível exercitar a

solidariedade, mas solidarizar-se é um ato de amor que nos envolve sempre em

todos os espaços e tempos. A solidariedade permeia nosso viver, entranha em

nosso ser e, quando nos damos conta, estamos envolvidos em sermos solidários.

É acreditando neles mesmos que os alunos podem se superar. Para se manter

sempre esperançoso em suas possibilidades, cada aluno deve ter o direito de

acreditar em si mesmo, sem a interferência negativa daqueles que não acreditam

em suas potencialidades.

Para continuarmos nos sentindo estimulados em busca de realizações, acreditar

em nossas possibilidades é nosso maior tesouro. Quando acreditamos e somos

seres da esperança, envolvemo-nos em um clima de possibilidades. No entanto,

em alguns momentos somos envolvidos em um ambiente de desesperança que,

por um período, pode diminuir nossa chama da esperança, mas não pode apagá-

la, pois, sem esperança não conseguimos sonhar e sem sonhos ficamos sem

projetos de vida e, assim, sem ação.

[...] a desesperança não é maneira de estar sendo natural do ser humano, mas distorção da esperança. Eu não sou primeiro um ser da desesperança a ser convertido ou não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que, por “n” razões, se tornou desesperançado. Daí que uma de nossas brigas como seres humanos deva ser dada no sentido de diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imobiliza (FREIRE, 2004, p. 73).

Na comunidade escolar, cabe a cada um de seus atores minimizar as situações e

extinguir os comportamentos que possam levar à desesperança e ao imobilismo.

A escola deve ser pensada como local de possibilidades, de esperança, enfim, o

lugar onde seja possível “aprenderensinar”.

48

CAPÍTULO III - TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Em uma pesquisa fenomenológica, é preciso ir construindo o caminho a ser

percorrido e, neste estudo, a interrogação da pesquisa foi o ponto de partida que

foram delineando os caminhos que percorri. Assim, foi traçada a meta inicial:

compreender as relações de afeto que se constroem no ambiente escolar e como

elas podem – ou não - ajudar o aprendizado do aluno. A partir de então,

encaminhei-me até a escola para acompanhar e vivenciar junto com os alunos o

seu cotidiano. Nas vivências dinâmicas da escola, foi se construindo um

procedimento de pesquisa, a partir de suas demandas de “aprenderensinar”

afetivamente.

Assumindo uma postura fenomenológica

A partir das experiências vividas/sentidas, foi se construíndo uma relação de

proximidade com os alunos. Ao mesmo tempo em que se deu a aproximação,

tentei me distanciar de recordações e teorias, colocando-me no lugar do aluno,

sentindo a partir de seu quadro de referência. Nesse exercício de me envolver

existencialmente e de me distanciar reflexivamente, fui descobrindo como

pesquisar fenomenológicamente.

A compreeção das relações de afeto e como elas se constroem ou se mostram

nas convivências entre alunos do ensino fundamental, foram se desvelando na

49

observação de valores e atitudes presentes nas relações afetivas vivenciadas na

escola. Nesse contexto existencial, procurei ficar atenta às possibilidades de

inclusão escolar criadas pelos atores nelas envolvidos.

Interrogação da Pesquisa

Como se constroem as relações afetivas em uma sala de aula do ensino

fundamental, e como estas mesmas relações afetivas podem ou não

favorecer o processo de “ensinoaprendizagem”?

Em muitos instantes, estive envolvida com respostas que queria ou precisava dar

as minhas próprias interrogações, para melhor compreendê-las e compreender o

fenômeno. No entanto, esses “atos falhos”, que podem ser entendidos como uma

contradição às propostas de uma pesquisa fenomenológica, que busca descrever

o fenômeno e analisá-lo, sem, contudo, dar respostas acabadas, essa nossa

limitação em sermos rigorosamente fiéis a tal proposta de estudo, fez-me

considerá-la como sendo uma pesquisa de inspiração fenomenológica .

Nas descrições do fenômeno estarei desvelando as relações afetivas e o modo

como elas ocorrem. Mas, ainda assim, é importante esclarecer que nem sempre

uma “interrogação” fenomenológica produz necessariamente uma resposta,

podendo permanecer como tal, aberta a inúmeras interpretações. O leitor,

desejoso de obter algumas respostas à interrogação, poderá encontrá-la nas

descrições dessas vivências, em suas entrelinhas, no dito e no não-dito, e também

suas próprias inferências do fenômeno aqui descrito.

50

Coleta de Dados

A coleta de dados se deu no período de fevereiro a junho de 2004. Nesse período,

estive na escola em seus vários espaços: sala de aula, corredores, pátio, refeitório

(cantina), teatro, quadra de esportes, biblioteca, comemorações de datas festivas

(aniversários do mês, Dia das Mães, Páscoa) vivenciando com os alunos o seu

cotidiano escolar.

Estive na escola, em média, duas vezes por semana, o que totalizou 36 (trinta e

seis) dias de observação, cada observação com cerca de três horas de duração,

perfazendo um total de aproximadamente 108 horas.

As observações foram livres, não-estruturadas. E na dinâmica das relações entre

pesquisadora e alunos foi se construindo a pesquisa, partindo sempre das

solicitações dos alunos. Essas solicitações, na maioria das vezes, partiam dos

próprios alunos, e em alguns momentos em que eu percebia que poderia ser úteis,

oferecia ajuda, mas esta só se efetivava com o consentimento deles. A nossa

proposta inicial de estar com os alunos em todos os seus momentos vividos no

ambiente escolar, e assim entender a dinâmica vivida por eles, permitiu uma

aproximação sincera e natural, que possibilitou desvelar, a partir de suas falas e

atitudes, o que sentiam e como percebiam o processo escolar vivido por eles.

Em todos os momentos que estive na escola, fiquei com os alunos: no refeitório

durante a merenda; no pátio, no momento do recreio, algumas vezes brincando

com eles, outras conversando, e em outras observando; na quadra, nas aulas de

educação física, onde fiquei mais observando; na biblioteca e na sala de aula,

onde os auxiliava nas atividades propostas pela professora.

51

Tipo de Pesquisa

Trata-se de um estudo de caso, em uma sala de aula, com enfoque

metotodológico de inspiração fenomenológica , onde procurei me despir de

armaduras e preconceitos, dirigindo-me para uma escola municipal de ensino

fundamental, lá, participando junto com os alunos das diversas atividades

pedagógicas propostas. Dessa vivência descrita no diário de campo, selecionei a

descrição de alguns episódios, que, ao meu ver/sentir, significam produção ou

mostrares das relações afetivas vividas na escola.

Nessa pesquisa, utilizei o que Forghieri (2001) descreve como sendo as duas

etapas interdinâmicas do método fenomenológico que são: o envolvimento

existencial e o distanciamento reflexivo . Segundo a autora, para se envolver

existencialmente,

[...] o pesquisador precisa iniciar seu trabalho procurando sair de uma atitude intelectualizada para se soltar ao fluir de sua própria vivência, nela penetrando de modo espontâneo e profundo, para deixar surgir a intuição, percepção, sentimentos e sensações que brotam numa totalidade, proporcionando-lhe uma compreensão global, intuitiva, pré-reflexiva, dessa vivência. (FORGHIERI , 2001, p. 60).

E para que nos distanciemos reflexivamente , somos convidado a

[...] penetrar na vivência de uma determinada situação, nela envolvendo-se e dela obtendo uma compreensão global pré-reflexiva, o pesquisador procura estabelecer um certo distanciamento da vivência, para refletir sobre essa compreensão e tentar captar e enunciar, descritivamente, o seu sentido ou o significado daquela vivência em seu existir. Porém, o distanciamento não chega a ser completo; ele deve sempre manter um elo de ligação com a vivência, a ela voltando a cada instante, para que a enunciação descritiva da mesma seja a mais próxima possível da própria vivência. Tal enunciação, portanto, não deve ser feita em termos científicos e sim em linguagem simples, semelhante àquela que é utilizada na vida cotidiana. (FORGHIERI , 2001, p. 60)

A opção por uma pesquisa de inspiração fenomenológica se deu por acreditar

que essa maneira de pesquisar valoriza a vida afetiva e não dicotomiza sujeito e

52

objeto, considerando “sujeitoobjeto” como únicos. Nesse aspecto, tornou-se

relevante relatar meu confesso e “consciente” envolvimento com essa temática.

Sujeitos da Pesquisa

Os sujeitos dessa pesquisa são crianças matriculadas e que freqüentam a

terceira série do ensino fundamental de uma escola pública municipal,

localizada em Vitória, Espírito Santo. Minha opção por esse nível de ensino se dá

por acreditar que neste momento da vida escolar as crianças estão mais

disponíveis para as relações afetivas espontâneas e sinceras, menos

condicionadas pela sociedade, em geral.

Dessa experiência, trabalharei focalmente os alunos denominados de André e

Ricardo. Além desses alunos, trabalharei pontualmente com Ivan e Anderson.

Descreverei cada um deles, com mais detalhes, no próximo capítulo.

Procedimentos Éticos

As normas éticas que devem ser observadas em um trabalho de pesquisa, que

envolve seres humanos, especificadas na Resolução 196/96, do Conselho

Nacional de Saúde, afirma que pesquisas devem atender às exigências éticas e

científicas, caracterizadas pelo consentimento informado, pela ponderação entre

os riscos e pelos benefícios e a relevância social da pesquisa.

Atenta a essa resolução, defini as regras éticas de participação deste trabalho de

pesquisa, atendendo especificamente às pessoas e à instituição envolvida.

Portanto, com base nas normas éticas especificadas na Resolução 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde, elaboradas para atender às peculiaridades desta

53

pesquisa, ficou definido que a identidade dos envolvidos e da escola seria

preservada, resguardando que ela não fosse identificada. Esse documento foi

apresentado à escola para que o trabalho fosse autorizado e, então, iniciado.

Para manter preservado o anonimato dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, seus

nomes foram substituídos por nomes fictícios e o nome da instituição de ensino

também não foi revelado.

Destaco, também, que para além do documento, mantive uma atitude ética como:

o respeito pelo outro, a escuta atenta das suas problemáticas e alegrias, atenção

em manter sigilo das vivências ocorridas, evitando propagação e curiosidade

desnecessária contra os sujeitos.

Instrumentos de Pesquisa

O instrumento principal de coleta de dados utilizado nesta pesquisa foi a

observação . Considerando que a observação

[...] é a primeira forma de aproximação do indivíduo com o mundo em que vive. Dessa atividade primitiva decorrem aprendizados que são fundamentais para a sobrevivência humana. Pelo olhar entramos no mundo, começamos a nos comunicar com ele e iniciamos o conhecimento a respeito dos seres que nele habitam (TURA p.184, 2003).

Para além da observação, nos propus-me interagir com os alunos de maneira

livre, sem prévio planejamento de procedimentos, e respondendo ao que ia sendo

demandado por eles. Estive ao lado deles trocando informações, auxiliando nas

atividades didáticas, conversando sobre os assuntos que faziam parte de seu

universo de interesses, com o olhar sempre atento às relações de afeto que iam

emergindo desses momentos e como essas relações facilitavam ou não o

processo de aprendizagem.

54

É importante registrar que o ato de observar pode ter produzido algumas

modificações no comportamento do aluno, uma vez que a minha presença nos

espaços escolares, por si só, foi uma situação que diferia do cotidiano habitual das

pessoas envolvidas.

O passo seguinte à observação era o registro das informações coletadas na

pesquisa, no Diário de Campo , utilizado para transcrever de modo detalhado as

experiências vividas. O diário de campo foi um instrumento fundamental neste

trabalho. Nele foi relatado os acontecimentos diário, logo após as observação.

Procedimentos de Pesquisa

Inicialmente, envolvi-me com os estudos da abordagem centrada na pessoa de

Carl Rogers e com a educação libertadora de Paulo Freire. Estudei essas

literaturas fazendo o exercício existencial de me distanciar reflexivamente dela,

apreendendo os sentidos dessas perspectivas teóricas e das possibilidades de

aplicação à proposta de estudo pretendida.

A partir daí, dirigi-me à escola vivenciando com os alunos seu cotidiano

procurando estar atenta aos afetos que a meu ver influenciavam na disposição

para o seu processo de aprendizagem.

Para analisar compreensivamente o fenômeno pesquisado, utilizei as etapas

clássicas da redução fenomenológica propostas por Forghieri (2001) de

envolvimento existencial e distanciamento reflexivo, descritas anteriormente.

Essas etapas da pesquisa estão interligadas e permearam todo este estudo.

55

Análise Compreensiva dos Dados

Para analisarmos compreensivamente os dados levantados nesta pesquisa,

recorri à Psicologia Humanista Existencial e Fenomenológica de Carl Ransom

Rogers e a Paulo Freire e a sua relação com o humanismo e existencialismo,

especialmente o valor que fornece às relações explicitadas pelo ser-no-mundo.

Além desses autores, estarão presentes pontualmente outros autores que

discutem a dificuldade de aprendizagem no campo da afetividade, da cognição e

das relações parentais.

Ao analisar os dados dessa pesquisa (Capítulo IV), o discurso se apresenta pelo

“clima” das teorias de Rogers e de Freire. O meu envolvimento teórico com esses

autores possibilitou uma apropriação de suas idéias de modo que elas passaram a

fazer parte do nosso próprio discurso. Assim sendo, as análises feitas no

referencial teórico estão representadas no capítulo IV através do nosso discurso

que expressam as idéias de tais autores.

A análise compreensiva do fenômeno pretende desvelar algumas das situações

vividas na escola e suas influências no desempenho acadêmico e cognitivo dos

sujeitos em questão. E, para isso, utilizarei a descrição do fenômeno conforme

sugere Forghieri (2001), quanto mais descrevermos um episódio ou uma cena, e

nos propomos a fazê-lo aqui, de modo detalhado, mais tiraremos o véu que

encobre o fenômeno, fazendo-o aparecer ao nosso olhar. O leitor poderá inferir

outros significados às descrições, e é isso que enriquece esta abordagem,

tornando-a pessoalmente significativa, quando nos propomos a estudar a

afetividade: (des)velando aquilo que insisto ver/sentir.

A escolha consciente de recorrer à literatura de Rogers, para me auxiliar nesta

pesquisa, dá-se por sua proximidade com a fenomenologia. Ele foi incluído como

fenomenologista por Schultz e Schultz (2002), no entanto, outros autores, como

56

Holanda (1998), incluíram-no na abordagem humanista e Corey (1983) na

humanista existencial.

Para Cohen (in Holanda,1998) a Psicologia Humanista ou Humanística tem

algumas características essenciais na valorização da pessoa, com as quais

concordamos. São elas:

1 Valorização da subjetividade;

2 Valorização da identidade pessoal (eu; self etc.);

3 Valorização do sentido da sócio-historicidade do ser humano, o que lhe

fornece o sentido de passado e futuro;

4 Enfoca juízos morais;

5 Enfoca juízos de valores.

A abordagem centrada na pessoa de Carl R. Rogers e o método fenomenológico

de pesquisa se complementam, pois ambos valorizam as descrições das

experiências, a humanização das relações, onde as pessoas tentam se colocar no

lugar das outras para fazer o exercício de sentir como ela se sente e assim melhor

compreendê-las. A compreensão e aceitação empática são elementos que unem a

Abordagem Centrada na Pessoa e a Fenomenologia Existencial.

A obra de Paulo Freire, por sua vez, é classificada diferentemente por diversos

autores, dentre as diversas classificações algumas são: sócio-histórica, pedagogia

libertária, existencialismo cristão, pedagogia da práxis, marxismo cristão,

humanismo dialético e outros (Mafra, 2004). Alguns autores que estudaram com

bastante propriedade a obra de Paulo Freire (GADOTTI, 2001; TORRES, 1995)

concordam que não havia uma preocupação por parte de Freire em classificar sua

obra, simplesmente por não considerar essa discussão relevante. Segundo

Gadotti (2001), o mais importante para compreender a obra de Paulo Freire é tê-la

como referencial existencial e histórico.

57

Nesta pesquisa a obra de Freire contribui com suas reflexões sobre as questões

humanas e sociais ao propor uma educação pensando no educando como ser

social e político. E nesse aspecto humano, sua obra se assemelha à

fenomenologia, quando ela propõe a se colocar no lugar do outro, em um

exercício humanista existencial, sentindo como se fosse ele, a partir de seu

quadro de referências.

58

CAPÍTULO IV – AFETO E COGNIÇÃO NO PROCESSO DE

INCLUSÃO ESCOLAR

Para compreender “como” se apresentam e se constroem as relações afetivas na

sala de aula, procurei, a partir desta pesquisa, vivenciar com os alunos de uma

terceira série do ensino fundamental suas experiências cotidianas. À medida que

essas relações afetivas foram se construindo, percebi a dinâmica que influenciava

os afetos no aprendizado desses alunos.

Desde os primeiros contatos, os alunos interagiram comigo e me acolheram como

membro participante de sua rotina escolar. Essa acolhida permitiu que eu

vivenciasse com eles suas vitórias e derrotas, possibilitando-me uma

compreensão de seus modos afetivos de ser aluno. As informações foram

surgindo por meio de falas, gestos, interação com os colegas, com os professores

e comigo.

A partir da descrição de episódios do cotidiano escolar de dois alunos, André e

Ricardo, irei desvelando o significado da construção das relações afetivas e como

elas podem ou não contribuir com esses alunos em seu processo de

aprendizagem. A descrição de episódios do diário de campo irá revelar a dinâmica

da sala de aula, possibilitando conhecer a realidade da classe e as propostas

pedagógicas afetivas/cognitivas presentes em seu cotidiano.

59

A Caracterização da Sala de Aula

A turma pesquisada é uma terceira série e, nela, a maioria dos alunos e a

professora são os mesmos do ano anterior, quando estavam cursando a segunda

série. Segundo a professora, ela está “acompanhando a turma”. Portanto, a

maioria dos alunos está adaptada à dinâmica de trabalho do grupo.

Os alunos, em sua maioria, sentam-se em duplas, o que parecia facilitar a

interação e a troca de experiências. Na maioria das vezes, as duplas eram

definidas espontaneamente. Quando a dupla se “desentendia”, ou a conversa

interferia no andamento da aula ou no desempenho de um dos alunos, a

professora intervinha e modificava a composição da dupla.

Existia, também, um grupo de alunos que se sentava só. Esses podiam ser

divididos em dois grupos: os que faziam a opção de se sentarem sós e os que o

faziam a pedido de seus pais ou da professora. Os que se sentavam sós, por

opção, geralmente eram tímidos e por isso preferiam ficar sós, pareciam se

resguardar das possíveis críticas e exposições de seus amigos. E os alunos que

se sentavam sós, por indicação de seus pais ou da professora, segundo eles,

estavam naquela condição, porque conversavam muito e se desenvolviam melhor

sozinhos.

Além da sala de aula, alguns alunos da escola freqüentam o laboratório

pedagógico, espaço destinado aos atendimentos individualizados ou em pequenos

grupos dos alunos considerados especiais. Nos momentos em que os alunos

“especiais” recebem atendimento, eles são afastados do convívio de sua turma.

Receber um atendimento fora do espaço da sala de aula regular, como o

laboratório pedagógico, é “[...] ser diferente do normal, é simultaneamente

‘assumir’ o papel de uma marginalização sutil ou de uma penalização obscura e

antipedagógica” (FONSECA, 1995, p.116).

60

Conhecendo André e Ricardo

Os alunos André e Ricardo não faziam parte do grupo de alunos que estão juntos

desde o ano anterior, são novos no grupo. Eles não eram os únicos alunos novos

na turma, havia outros alunos que também estavam entrando na turma este ano.

Alguns deles eram da escola, mas a maioria vinha transferida de outras escolas.

A escola considerava André e Ricardo alunos com dificuldades de aprendizagem.

Eles recebiam esse rótulo mesmo sem terem uma avaliação pedagógica,

psicológica ou médica que sustentasse tal afirmação. Apesar do rótulo, não

receberam, no início do ano, nenhum tipo de atendimento pedagógico ou qualquer

outro atendimento que atendesse as suas necessidades específicas. Eram

alunos como muitos outros, que não muito raro encontramos nas escolas, que não

se sabe, e parece que não se procura saber, o motivo pelo qual não tinham sido

ainda alfabetizados, apesar de freqüentarem regularmente o ensino fundamental

desde a primeira série.

Na ficha da matrícula de André estavam anexados dois relatórios de avaliação do

ano anterior, que se baseiam em alguns aspectos do desenvolvimento cognitivo,

para dizer se o aluno tinha alcançado ou não o objetivo curricular, que nem

sempre coincide com os objetivos e condições de desenvolvimento do aluno. Em

seu relatório de avaliação do ano letivo de 2002, diz que “[...] foi trabalhado com o

aluno aspectos da alfabetização, investindo simultaneamente no estímulo à sua

auto-estima positiva”.

Já na ficha de matrícula de Ricardo, não havia nenhum tipo de avaliação, apenas

estava anexado um bilhete manuscrito, pedindo que ele fosse matriculado naquela

escola, enviado pela escola em que ela havia estudado no ano letivo anterior. A

coordenadora pedagógica me informou que “ainda” não havia recebido sua

documentação. Já estávamos no mês de junho, ou seja, na metade do ano letivo,

61

e a escola ainda não tinha recebido nenhuma informação escolar oficial sobre

Ricardo.

Quem é André?

André é uma criança de aparência frágil, bem magrinho, cabelos e olhos negros e

pele morena. Tem nove anos de idade, cheio de vida, com um olhar observador e

preocupado. Seu olhar não parecia infantil, despreocupado e livre, mas sim um

olhar de quem tem muitas dúvidas, medos, tristeza e solidão.

Na sala de aula, André se mantinha a maior parte do tempo calado, afastado dos

demais alunos e de cabeça baixa.

No início do ano letivo, ele estava se ambientando e conhecendo os novos

colegas e a nova professora. Para André, essa situação parecia ser um grande

desafio, pois a primeira e a segunda série ele cursou em uma mesma turma.

Agora, está cursando a terceira série em uma “nova” turma, onde já existem

alguns hábitos, com os quais ele deveria se adaptar.

André reside no mesmo bairro em que está situada a escola. Em sua casa moram:

ele, a mãe e uma tia (irmã da mãe). A renda familiar declarada na ficha de

matrícula está situada entre dois e três salários mínimos. André é filho único, a

mãe trabalha o dia todo, ele fica em casa, quando não está na escola, em

companhia de sua tia. Seus pais não são casados e não moram juntos e quando

lhe perguntei sobre seu pai, ele disse: “[...] meu pai mora aqui no bairro “X” [ bairro

vizinho ao que mora], eu acho que a casa dele é até perto. Ele tem outros filhos,

acho que é uma menina e um menino, mas não conheço. Só vi meu pai, acho que

uma vez[...]”. A residência em que mora foi declarada pela mãe como própria, mas

é sabido que se trata de um conjunto habitacional que foi “invadido” e ainda não

62

se encontra regularizado.

Ao chegar à terceira série, André encontrou um vizinho na turma, Frederico. Para

começar a se ambientar, Frederico aproximou-se dele e, como é de costume na

turma, formaram uma dupla. Eles se apresentam com modos de ser bastante

diferentes. Frederico, com seu jeito desinibido e brincalhão, expôs o amigo a

algumas situações que, parece, causaram-lhe constrangimento.

Um desses momentos de constrangimento foi observado já no primeiro dia em

que estive em contato com a turma. Nesse dia, Frederico me chamou e disse: “

Tia, olha! (apontando para o caderno de André). Ele não sabe ler, por isso fez o

dever de Português no caderno de Matemática”. Gisele, que estava sentada à

frente dos dois, ouviu o que Frederico disse e completou dizendo: “Tia, esse

garoto era pra tá na segunda série, ele não sabe nem ler”. André tenta fechar seu

caderno e guardá-lo para encerrar o assunto, mas Frederico insiste em abrir e

colocar em cima da carteira. André se sente constrangido e permanece calado.

Então, pedi a Frederico que não impedisse que André trocasse o caderno pelo

correto, e ele disse: “Não adianta, tia, qué vê? Ele não sabe qual é o caderno

certo”. Retirou todos os cadernos de André da mochila, colocou em cima da mesa

e lhe disse: “Cadê seu caderno de Matemática?”. Como de fato ele não sabia ler,

pegava sempre o caderno errado. Frederico achava a situação engraçada,

inibindo cada vez mais seu amigo. Pedi, então, que o ajudasse a pegar o caderno

certo, finalmente, ele o pegou e o entregou a André, que não teve mais ânimo de

tentar fazer a atividade proposta.

Algumas atitudes como as de aceitação e compreensão empática podem ser

desenvolvidas em uma relação de grupo como a sala de aula. Porém, para isso, é

necessário um trabalho educativo que favoreça e incentive uma relação de ajuda,

devendo ser conduzido pelo professor.

63

É importante preparar a turma para receber os alunos especiais. Fornecer

informações de como lidar com o aluno que chegará e assim estabelecer um

ambiente de respeito e ajuda aprendendo a se colocar no lugar do outro para

sentir como se fosse ele. Agindo dessa maneira, talvez, fosse possível substituir

momentos de exclusão por atitudes compreensivas e humanas. Por falta de um

trabalho inicial para acolher e tratar adequadamente o aluno que precisa de um

atendimento diferenciado, naquele momento, acontecem situações como a

relatada anteriormente.

A falta de preparo também acontecia com a professora. Segundo ela, também não

havia sido informada sobre o recebimento de um aluno que demandava um

trabalho pedagógico diferenciado, nem como lidar com esse aluno. Foi com o

passar dos dias que ela foi percebendo as necessidades dos alunos, o que

também não ajudou muito, uma vez que ela não tinha tempo de dar atenção

individualizada aos alunos que precisavam e não contava com nenhum tipo de

apoio pedagógico para trabalhar com esses alunos. A turma contava em sua

totalidade com trinta e três alunos. E cada um a seu modo exigia atenção da

professora o tempo todo, ela, por sua vez, tentava se dividir e atendê-los, mas a

maior parte do tempo acabava optando por fazer um trabalho de maneira uniforme

com a turma.

À medida que os dias se passavam, André ia se acostumando com a nova turma.

Observador, logo percebeu que podia se sentar sozinho e assim o fez. Essa

opção de André fazia parte de seu modo de ser na sala de aula, solitário, afastado

dos demais alunos, afinal, ele não se sentia parte daquele grupo. André parecia

sentir que entre ele e a turma existia uma enorme diferença, os demais alunos

eram leitores e também já escreviam e ele ainda não. André estava em processo

de alfabetização e para que esse processo se completasse, era preciso um

atendimento que atendesse especificamente essa sua necessidade educacional,

ele demandava uma ação pedagógica centrada em suas necessidades educativas

64

de alfabetização.

Quem é Ricardo?

Ricardo tem nove anos de idade é uma criança desinibida, comunicativa e gosta

de fazer amizades. Tem olhos e cabelos negros, pele morena, é sorridente e

bastante ativo. Ele, assim como André, é novo na turma, veio transferido de outra

escola, tendo sido expulso. O motivo? Ele teria agredido uma aluna, em suas

palavras: “[...] eu apertei o pescoço dela, ela quase morreu”.

No início do ano letivo, nas duas primeiras semanas de aula, segundo a

professora Meire, Ricardo resistia em entrar na sala de aula, chorava muito, e

algumas vezes ficava no pátio da escola:

[..] ele chorava, não entrava de jeito nenhum. Eu nunca vi isso! Nesse período ele era muito agressivo, mas com meu jeito, graças a Deus, estou conseguindo fazer com que ele entre. Ele também está mais calmo”.

Quando comecei minha pesquisa, na terceira semana após o início do ano letivo,

Ricardo me pareceu um aluno muito tranqüilo, e, durante os quatro meses que

convivi com ele, em nenhum momento se mostrou agressivo. Parece que, de fato,

a professora conseguiu cativá-lo.

A escola da qual Ricardo foi expulso ficava próxima a sua casa, e a que está

matriculado, agora, fica bem distante. Para chegar à escola, ele utiliza transporte

coletivo, o qual tem que pegar às seis e quinze da manhã e “para chegar, ao ponto

de ônibus, tem que andar um pedação. E, na volta, é a mesma coisa: o ônibus

demora, tenho que andar e quando chego em casa já tá tarde”. O custeio do

transporte é feito pela família, o que deve pesar no orçamento, pois, segundo

informações de seu cadastro de matrícula, seu pai é pedreiro, sua mãe é do lar e

65

a renda familiar declarada foi de um salário mínimo. Em sua casa moram cinco

pessoas: seus pais, ele e mais dois irmãos. A residência onde Ricardo mora, é

própria, e se localiza em uma favela da cidade. A realidade social em que ele está

inserido denuncia que,

... nem todos possuem os mesmos direitos. Na sociedade atual, a desigualdade irrompe

aos nossos olhos, havendo privilégios e injustiças. A pobreza, então, transparece

perturbadoramente revelativa que a violência tem raízes profundas. “ (PINEL, 2003, p. 72.)

A Sala de Aula

Desde o primeiro contato que tivemos na sala de aula, Ricardo veio até mim para

solicitar ajuda, mostrando seu modo de ser aberto, diante de suas demandas.

Nesse dia a atividade proposta era de matemática e consistia em copiar e resolver

três problemas. Auxiliei Ricardo nessa atividade e, no final da aula, ele havia

copiado e respondido um dos três exercícios.

Com relação a esse exercício, a professora Meire disse à turma que só iria

embora quem tivesse ao menos copiado os três problemas. Ricardo foi até sua

mesa mostrar o problema que tinha feito e ela permitiu que ele fosse embora sem

precisar copiar o que faltava, isso parece ter provocado nele um certo alívio.

De sua mesa a professora me disse: “O que ele fez tá bom, ele não consegue

acompanhar a turma”. Ricardo e os demais alunos ouviram o que a professora

disse. Ricardo, mesmo assim, parecia estar feliz por ter “conseguido” resolver um

dos três problemas e porque ia embora. Então, ele juntou seu material escolar e

foi embora, minutos antes da aula terminar.

Ricardo não recebeu um atendimento que atendesse as suas necessidades, pois

66

não existia uma proposta de trabalho para ele. Essa situação não nos demonstra

congruência nem sensibilidade (ROGERS, 1997) com a situação de Ricardo. Do

que adianta Ricardo, assim como vários outros alunos, estarem em uma turma

que corresponda a sua faixa etária, se não lhe é proporcionado um ambiente de

aprendizagem?

Com relação à professora Meire, como esperar mais dela que, sozinha, tem que

atender a trinta e três crianças, sem tempo para dar atendimento individualizado a

elas, sem apoio pedagógico, sem tempo para estudo? Será que ela sabe o que é

congruência segundo, Rogers? Provavelmente não teve a oportunidade de refletir

a respeito. Poderíamos pensar que ela tenha sido incessível com o aluno ao

deixá-lo ir embora, antes mesmo que a aula terminasse, sem concluir a atividade

proposta, que também não foi pensada para atender as suas necessidades

educacionais e que com isso serviria para desestimulá-lo. Poderíamos até pensar

que ela não é uma boa profissional ou que é no mínimo incessível, se não

levássemos em consideração as condições de trabalho às quais ela está

submetida onde ela não tem como atender as necessidades específicas dos

alunos.

Como discutir com essa professora sobre aprendizagem significativa, se nem o

mínimo de condições ela tinha para oferecer, que era uma proposta de trabalho

pedagógica para esse aluno que atendesse sua demanda. Percebemos que não é

má-vontade, mas que não existe ainda uma cultura pró-inclusão escolar, em que o

aluno possa ser atendido em suas necessidades. Na prática, o que ocorre é que a

escola “entrega” a responsabilidade do aluno para o professor, quase que

exclusivamente, além de não lhe oferece apoio pedagógico adequado para a

inclusão dos alunos especiais. O professor, por sua vez, sente-se impotente diante

dessa situação-desafio quase intransponível, pois não parece ser prudente que

um único professor “dê conta” de uma turma com trinta e três alunos, sendo que,

nesse grupo, três precisam de acompanhamento pedagógico diferenciado para

67

atender suas demandas educacionais.

A dinâmica que se estabelecia nessa sala de aula, parece ser a opção mais

utilizada pela grande maioria dos professores, que é a de atender ao maior

número de alunos com uma única proposta pedagógica, até porque, como já foi

dito aqui, é quase impossível que um único ser humano (professor) atenda ao

mesmo tempo a demanda específica de vários alunos. Diante dessa realidade,

não há espaço-tempo para refletir sobre a própria prática, nem para compreender

e atender a demanda de cada aluno. O que me fez perceber que a atual estrutura

escolar não é capaz de comportar a escola inclusiva desejável.

Assim não cabe “culpar” a escola ou os professores e especialistas ou os alunos e seus familiares pelo “fracasso escolar” de determinados alunos (...) cabe sim fazer relações entre a prática pedagógica (...) e as estruturas que a sustentam(...)” (GOMES, p. 24, 2004)

A escola inclusiva não cabe nesse modelo de escola que temos hoje, não porque

os profissionais não sejam capazes, mas porque não há profissionais suficientes

nas escolas, nem espaço físico que atenda adequadamente aos alunos. É preciso

que haja também uma política educacional séria, que atenda dignamente às

demandas dos alunos especiais e dê condições dignas de trabalho aos

professores. Atender adequadamente aos alunos especiais está muito distante de

atender à legislação educacional, que determina que os alunos especiais sejam

matriculados preferencialmente na rede regular de ensino. Na prática, o

atendimento à legislação tem significado colocar mais essa responsabilidade

sobre o professor, sem lhe oferecer as condições adequadas para atender aos

alunos em suas necessidades específicas. Diante dessa realidade, o prejuízo é de

todos, alunos e professores: os alunos que recebem um atendimento precário ou

são excluídos dentro da dita política de inclusão educacional e os professores, que

contam com condições de trabalhos desumanas.

É necessário e urgente a discussão e implementação de uma educação que se

68

preocupe com aprendizagem significativa (ROGERS, 1977), libertadora (FREIRE,

1997), autônoma (FREIRE, 2004), centrada na pessoa e que de fato se preocupe

com as pessoas que estão envolvidas no processo educacional, sejam elas

professores, alunos, família e demais profissionais da escola, todos são

importantes para que uma educação seja libertadora e inclusiva. Precisamos olhar

essas pessoas em seu lado humano, em suas possibilidades e impossibilidades,

para assim compreendermos e avançarmos em direção a uma educação que

inclua e não exclua alunos e professores ao superestimar suas capacidades

humanas.

Na estrutura educacional atual, tem comportado um número de alunos por turma

muito além da capacidade do atendimento adequado de um professor, sem contar

o espaço físico, que também não comporta adequadamente os alunos. Nesse

cenário, as falhas dos professores no atendimento aos alunos parece não ser um

problema fácil de resolver, se não nos atentarmos para o fato de que esses

profissionais precisam de condições adequadas de trabalho, ou então não

teremos uma solução para o problema. Algumas pessoas diriam que mudar a

estrutura organizacional das escolas é algo utópico, uma vez que não existem

verbas suficientes para que haja uma reestruturação desse modelo escolar com o

qual convivemos. Enquanto pensarmos assim, teremos que nos conformar com

uma educação precária como a que temos visto. Não é possível que as mudanças

educacionais aconteçam sem mexer na estrutura atual em que a principal falha

está nas condições de trabalho inadequadas.

André e Ricardo

André e Ricardo são expostos em sua dor de não saber ler e escrever, de não

fazerem parte de um grupo de alunos que sabem e que têm um “ritmo” que eles

não “acompanham”.

69

À medida que o tempo passava, fomos observando que André não copiava as

atividades, porque não conseguia entender a escrita em letra cursiva, que era a

forma de escrita utilizada pela professora. O que ele escrevia sempre estava em

letra de fôrma. Perguntei a ele se preferia copiar em letra de fôrma e ele me disse

um “sim”. Foi então que descobri que André sabia fazer cópias e leitura de

palavras simples, quando escritas em letra de fôrma. Conversei sobre isso com a

professora, mas ela achava importante que os alunos da terceira série soubessem

ler e escrever em letra cursiva. Deixou claro que não mudaria seu jeito. “Eles têm

que aprender a escrever com letra cursiva, já estão na terceira série”. A professora

parecia acreditar que, assim, estaria ajudando aos alunos, demonstrando pensar

ser inadmissível um aluno da terceira série que não saiba escrever em letra

cursiva.

Atitudes como essa da professora Meire nos faz refletir sobre a necessidade da

capacitação em serviço, para que os professores não se distanciem das novas

pesquisas feitas na área de educação. Essa atualização deve estar aliada ao

compromisso de implementá-las em suas salas de aula, após uma devida

adequação à realidade em que está inserida, para que os alunos sejam

beneficiados. Nessa capacitação, deve-se, além de formar e informar

tecnicamente, estimular uma atuação crítica e humana dos professores, para que

eles reconheçam em seus alunos suas possibilidades e habilidades. Nas palavras

de Dockrell (2000, p. 23), “[...] programas de intervenção que são tecnicamente

bem definidos podem não dar certo se a relação entre a criança e o professor não

promover a cooperação e a participação [...]”.

A professora Meire me falou de sua preocupação com André e Ricardo. Por eles

não serem alfabetizados, ela nunca havia trabalhado com alfabetização e não se

sentia competente para fazer esse trabalho com eles. É importante observar que

a professora Meire, estava perto de se aposentar e pareceu ser uma profissional

70

competente e segura do trabalho que desenvolvia com os alunos, no entanto,

vários anos trabalhando com alunos do ensino fundamental não foram suficientes

para dar a segurança que ela imaginava precisar para alfabetizar.

Os professores, exceto os professores da primeira série, parecem não achar que

alfabetizar seja tarefa deles. Por isso, quando chegam alguns alunos na segunda

série e nas séries seguintes, que ainda não se alfabetizaram, os professores

parecem não aceitar a idéia de que o aluno precisa ser alfabetizado na série em

que se encontra, que alfabetizar é tarefa exclusiva dos professores que trabalham

com a primeira série. Ao se assumirem como professores não-alfabetizadores,

esses profissionais parecem se isentar dessa tarefa. O que é, para esses

professores, ser alfabetizador? Esse mito de ser e não ser professor alfabetizador

acaba servindo para que muitos professores não se sintam responsáveis em

alfabetizar. Não quero dizer aqui que a responsabilidade de alfabetizar seja

exclusivamente do professor, mas sim que em uma escola inclusiva a

responsabilidade em alfabetizar deveria ser de todos os professores que lidam

com o aluno diretamente. Portanto, é importante que se começe a pensar a

formação inicial dos professores, de todas as licenciaturas, para que se habilitem

em alfabetizar em suas aulas e disciplinas quando se fizer necessário.

A formação de professores deveria capacitá-lo para lidar com a diversidade que

envolve a inclusão, o que não significa torná-lo um professor polivalente, mas sim

que possa atender às demandas de um aluno que precisa de um atendimento

pedagógico diferenciado.

Para atender às necessidades de André e Ricardo, a professora Meire sempre

lançava mão de uma pasta, onde guardava várias cópias com atividades diversas,

quando eles se recusavam totalmente à atividade proposta à turma. Por várias

vezes, utilizou esse material, que em sua maioria tinha um grau de complexidade

além da capacidade daqueles alunos, naquele momento, pois exigia leitura e

71

escrita e o fato de não serem leitores acabava por impedi-los de fazê-las, além de

desestimulá-los.

Talvez mais do que em outras dificuldades específicas de aprendizagem, as dificuldades de leitura impedem o progresso educacional em várias áreas porque a leitura é a via de acesso para uma grande variedade de informações. A incapacidade de aprender a ler nos primeiros anos escolares mantém a criança afastada de praticamente o que resta do currículo escolar [...] (DOCKRELL E MCSHANE, 2000, p. 86).

Nessa pasta, era possível encontrar atividades como: palavras cruzada,

operações matemáticas, transcrição de palavras em pautas próprias para o treino

de caligrafia e desenhos para pintar.

Nas atividades de cruzadas, a resposta das questões deveria ser escrita nos

espaços, e, portanto, exigia-se leitura e escrita ortograficamente correta. No caso

de Ricardo, ficava totalmente inviável, já que ele não conseguia ler nem escrever.

Para André, era possível fazer parte das palavras cruzadas. Porém, na maioria

das vezes, errava a grafia da palavra, o que lhe causava desânimo em continuar.

Ambos acabavam abandonando a atividade e ficavam ociosos o restante da aula.

A professora propunha as atividades da pasta aos alunos André e Ricardo, no

entanto, elas estavam desconectadas de suas necessidades enquanto alunos em

processo de alfabetização, além disso, também não faziam parte das temáticas

tratadas em sala de aula. Situações como essa nos dá uma idéia de como estão

sendo tratados os alunos que deveriam ser incluídos. André e Ricardo pareciam

estar apenas ocupando o mesmo espaço físico destinado a alunos com a mesma

faixa etária, não sendo destinado a eles nenhum tipo de atendimento pedagógico

diferenciado que atendesse as suas necessidades específicas.

O fato de Ricardo ainda não ler nem escrever o impossibilitava de fazer as

atividades propostas aos demais alunos da turma, fato que o mantinha excluído do

grupo. A maior parte do tempo ele copiava do quadro as atividades, mas, como

72

não lia, nem conhecia os símbolos que copiava, por isso, o seu processo de cópia

era demorado e trabalhoso.

Os dias foram se passando, e percebi a “insistência” de Ricardo em copiar, ele

ocupava boa parte de seu tempo fazendo cópias e assim parecia se sentir parte

da turma, aluno como os outros, que também copiavam. Ricardo estava se

empenhando para integrar-se ao grupo, onde tudo e todos permaneciam em seu

estado inalterado, enquanto ele, sozinho, tentava fazer um esforço sobre-humano

para fazer parte desse grupo de pessoas.

O esforço que Ricardo fazia para copiar, traço por traço, não era nada fácil, pois

ele não conseguia, ainda, estabelecer uma relação entre os símbolos que copiava,

que em alguns momentos eram ilegíveis. Mas estar em “atividade” parecia fazer

com que ele se sentisse bem e por isso se submetia a esse esforço. A seu modo

e sem apoio adequado, Ricardo decide enfrentar suas deficiências de leitura e

escrita tentando fazer parte de uma educação que não o acolhia como ele

necessitava.

Em alguns momentos, tentei ajudar Ricardo em seu processo solitário de

integração, transcrevendo a atividade para que ele copiasse em seu ritmo, nos

momentos que não conseguia acompanhar o ritmo dos outros alunos.

A cópia é percebida como uma produção importante e necessária pela professora

e pelos alunos da turma. Era bastante comum ouvir frases como: “Já copiou?”,

“[...] quem ainda não copiou?”, “Você copiou até aonde?”, “Eu já tô terminando”.

Algumas vezes, a professora dizia: “Você não fez nada hoje!”, e os alunos sempre

respondiam: “Não, tia, eu tô copiando”. Essa resposta era aceita, afinal, a cópia ali

tinha um lugar de destaque.

73

É possível identificar que

(...) em grande parte, as pretensas ‘dificuldades de aprendizagem’ de alunos que fracassam nos processos de aquisição do código escrito se devem, fundamentalmente, não a problemas pessoais, mas a um conjunto de condições socioculturais e, sobretudo, escolares que dificultam ou até impossibilitam sua inserção nos processos de aprendizagem escolar.” (GRIFFO, 2004, p. 54)

A aprendizagem significativa (ROGERS, 1977), aquela que desperta no aprendiz

um interesse pelo assunto estudado e que não se limita ao aumento do

conhecimento, mas que penetra profundamente na formação do ser humano, não

era exatamente o que acontecia com os alunos copistas. Para eles, a cópia era

basicamente para se integrar ao grupo, não tinha nenhum significado pedagógico

e sim afetivo, para serem aceitos, eles se esforçavam para se enquadrar nessas

exigências. A professora parecia utilizar a cópia para manter os alunos em

“atividade”, enquanto ela dava uma rápida assistência a todos os alunos que não

paravam de solicitar.

A estrutura e organização da escola, hoje, tem permitido aos alunos apenas que

escutem e aprendam, não há espaço/tempo para uma educação humana que se

preocupa com o desenvolvimento global de educadores e educandos. Não há

espaço para os sentimentos, para uma educação congruente (ROGERS, 1977),

onde o professor e o aluno possam ser as verdadeiras pessoas que são,

aceitando-se e aceitando o outro como ele é. Mesmo assim, podemos identificar

na organização escolar alguns acontecimentos que demonstram uma tendência

natural do ser humano de encontrar brechas, pequenas brechas, para vivências

afetivas e humanas, como a da professora Meire, que se utiliza da cópia, que

pedagogicamente não é considerada como recurso ideal para o desenvolvimento

dos educandos, mas foi dessa maneira que conseguiu pequenos momentos para

estar junto de seus alunos, atendendo-os individualmente ou em pequenos

grupos.

74

A aproximação de André e Ricardo

A vida escolar de André e de Ricardo tinha alguns pontos de semelhança, ambos

se afastavam dos colegas para não exporem suas condições, temporárias, de

iletrados e não-leitores. Quando perceberam essas semelhanças, eles se

aproximaram e tornaram-se amigos. Essa aproximação aconteceu de maneira

espontânea e a minha presença entre eles apenas a reforçou.

Como pesquisadora, tinha a oportunidade de observar o comportamento dos

alunos da turma e pensar outras maneiras de atuar diferentemente da que era

desenvolvida pela professora. Essas reflexões só eram possíveis, provavelmente,

porque estava ali no lugar de pesquisadora, pois se estivesse no lugar dela é

possível que me comportasse de maneira semelhante, pois também não teria,

como ela, a oportunidade de observar os alunos e dar atenção individualizada a

eles.

Ricardo e André não eram atendidos no laboratório pedagógico, mas, a pedido da

professora Meire, foram até lá para fazer uma avaliação pedagógica. Acompanhei

os alunos ao laboratório pedagógico e, chegando lá, o professor responsável

propôs uma atividade de criação de textos a partir de manchete de jornal. Ricardo

parecia feliz em fazer aquela atividade e André se mostrou indiferente, parecia

sentir-se um pouco envergonhado de esta ali. Aquele lugar era para ele o lugar

dos que não sabem e estar ali era se assumir como quem não sabe e ele

claramente não se percebia assim.

A partir das manchetes de jornais, os alunos produziram texto com o auxílio do

professor, que me disse que André e Ricardo estavam muito próximos de serem

alfabetizados. Para ele, o que aqueles alunos precisavam era de atividades

próprias para alfabetização. Se isso ocorresse, ele imaginava que eles poderiam

estar alfabetizados em um mês.

75

Segundo esse professor do laboratório pedagógico, os alunos atendidos por ele

naquele espaço, em sua maioria, não tinham nada de deficiência, mas, apesar de

serem assim rotulados, eram alunos como André e Ricardo que precisavam ser

alfabetizados. No entanto, a maneira como o laboratório estava organizado, isso

seria impossível, pois os alunos eram atendidos em períodos de tempo muito curto

e espaçados, em geral, um atendimento por semana, de no máximo cinqüenta

minutos. Esse professor me disse da frustração profissional que estava sentindo

ao receber diversos casos como os de André e Ricardo e acreditava que da

maneira como se encontrava estruturado o laboratório, não estava sendo eficiente

para atendimento desses casos.

Relacionando história e vida

Em uma das aulas de História, cujo tema era “mulher”, a professora situa

historicamente o surgimento do Dia 8 de março, como o Dia Internacional da

Mulher. Ela explica a importância das igualdades de condições e de direito que as

mulheres já conquistaram e vêm conquistando ao longo da história. Ricardo

estava atento à explicação, e, ao final, me diz: “Tia, o meu primo bateu na mulher

dele, colocou a faca no pescoço dela. Ela saiu de casa e ligou para polícia, mas a

polícia não veio. Ela foi embora de casa”. Em sua fala, Ricardo consegue transpor

para sua realidade a informação que acabara de receber, fazendo uma

interpretação, a partir de sua realidade social e familiar, constatando que a mulher

ainda é desrespeitada e agredida.

O acompanhamento individualizado que eu estava dando a Ricardo, nesse

momento, possibilitou que ele falasse de sua história de vida, relacionando-a aos

fatos históricos. Em sua fala, podemos identificar ainda que sua reflexão aborda a

atuação ineficaz da polícia, que nem sempre consegue proteger as pessoas de

atos violentos, ficando um sentimento de abandono e de impunidade social.

76

Ao vivenciar essa situação, imagino como seria diferente se o número de alunos

por turma fosse menor e pudesse ser feita uma discussão do tema com eles,

possibilitando que todos falassem sobre suas impressões dos fatos. Mas com

trinta e três alunos na sala de aula, se cada um deles falar durante um minuto,

seriam necessários trinta e três minutos para que cada um deles falasse uma

única vez, o que torna esse método de aula inviável com turmas muito grandes.

A Chegada de Ivan

Faltavam apenas duas semanas para o final do primeiro bimestre letivo quando

chegou um aluno novo para a turma e para a escola. Sem a menor preparação,

sem ao menos avisar, anteriormente, à professora e aos alunos da turma, eis que

chega à sala de aula a coordenadora pedagógica, com Ivan, o aluno novato e diz:

“Professora, chegou mais um aluno para sua turma, Ivan, o nome dele”. Essa foi a

maneira nada inclusiva que Ivan foi “deixado” na sala de aula. A partir dessa

chegada “surpresa” de Ivan, desencadeou uma série de situações, gerando

diversas conseqüências a ele, à professora e aos demais alunos da turma. A ele,

enquanto aluno, que chega e precisa de uma atenção especial à professora, que o

recebeu sem nenhum comunicado anterior, para se preparar e preparar os alunos

para receber Ivan.

A recepção inesperada de Ivan foi cheia de mal-entendidos. Os alunos ficaram

com medo dele, não queriam se aproximar e tudo que ele dizia era motivo de

risos. A professora, sentindo-se perdida com a situação, ficou sem ação por

alguns minutos.

Afinal, quem é Ivan? Ivan é uma criança de treze anos de idade, portador da

síndrome de Down, que se apresenta com características próprias de adolescente,

77

gostava de ficar “paquerando” as meninas e tinha o hábito de abraçá-las e beijá-

las. Esse comportamento de Ivan o diferenciava dos demais alunos da turma, que

era formada por alunos com faixa etária predominantemente de nove anos de

idade e que apresentavam comportamento mais infantis, próprio dessa idade.

Ivan se apresentava um pouco agressivo com os meninos. Gostava de brincar de

soco e, como era bem maior e mais forte que os demais alunos da turma, suas

brincadeiras, em certos momentos, machucavam e por isso eram entendidas

como agressão pelos outros alunos da turma. Já com as meninas ele era mais

calmo, mas, nos primeiros dias, queria abraçá-las, mesmo contra a vontade delas,

comportamento que as afastava dele.

O primeiro dia de Ivan na escola foi cheio de imprevistos e surpresas para todos.

Durante o recreio, os alunos corriam dele, gritavam e faziam gracinha na sua

frente para que ele corresse atrás deles. Este comportamento dos alunos para

com Ivan e dele para com os colegas, tanto na sala de aula, quanto no recreio e

na aula de Educação Física, talvez pudesse ser evitado se tivesse acontecido uma

preparação de todos os envolvidos para vivenciar essa nova situação.

A professora Meire, durante o recreio, foi informada pela coordenadora que Ivan

freqüentaria a escola dois dias por semana. Na sala de aula, junto com a turma

da terceira série, ele freqüentaria apenas um dia da semana, os outros dois dias

freqüentaria o laboratório pedagógico e as aulas de Educação Física, também

junto com os alunos da terceira série. Nos outros três dias da semana, Ivan

continuaria freqüentando a APAE (Associação de Pais e Amigos dos

Excepcionais), instituição que freqüentava já há alguns anos.

Depois do ingresso de Ivan na escola, e nos três meses seguintes, eu só estive

com ele, na sala de aula, apenas quatro vezes. Encontrava-o nos outros espaços

escolares, no recreio, na Educação Física e pelos corredores. Sempre que o

78

encontrava tinha uma estagiária com ele, que o acompanhava individualmente em

todos os locais em que ele estava, o que não parecia estar compatível com uma

proposta de inclusão escolar.

Nos momentos em que estive com Ivan na sala de aula, ele continuava a ser a

novidade da turma, ele era tratado como se fosse um bebê e tudo que fazia e

falava era engraçadinho. Enquanto estava na sala de aula, sua atividade era pintar

e quando terminava, arrumava um pretexto para sair da sala: queria beber água,

queria ir ao banheiro, etc., o que deixava claro que a escola não estava sendo um

local adequado para seu desenvolvimento, não despertando nele nenhum

interesse em estar ali. Soma-se a isso o fato de não haver um planejamento

direcionado a atender a sua demanda específica.

Enquanto Ivan estava pintando, ficava sob a orientação de um grupo de alunas,

que pegavam a pasta de atividades da professora Meire e escolhiam a que ele ia

pintar, ensinando, “dando bronca”, elogiando. Para elas era uma grande diversão:

estavam brincando de dar aula. Nas vezes em que ele saía da sala de aula, uma

delas se responsabilizava por ir atrás dele e o convencia a voltar. Nos momentos

em que Ivan estava na sala de aula, toda a atenção dos alunos estava voltada

para ele, era o centro das atenções.

A Distribuição dos Livros Didáticos

Todos os alunos que estavam presentes no dia da distribuição dos livros didáticos

receberam seus livros, menos André e Ricardo. Segundo eles e seus colegas “(...)

só recebe os livros quem sabe ler. Quem não sabe, só quando chegar mais livros”.

Como não havia livro para todos os alunos, inicialmente, André e Ricardo não

receberam os livros e pareciam concordar com essa maneira de selecionar quem

deveria ser os primeiros a receberem os livros. Parecia existir uma lógica que era:

79

“Quem não sabe, não precisa de livro!”

Somente um mês e meio após a entrega dos livros didáticos à maioria dos alunos

da turma é que André e Ricardo finalmente receberam seus livros. Durante esse

período, eles ficavam excluídos das atividades que envolviam os livros. O fato de

terem o livro, simplesmente, não resolveria o problema desses alunos, pois, para

que conseguissem utilizar o livro, eles teriam que ter um planejamento e um

acompanhamento individualizado, o que não acontecia. Mas, apesar de tudo, ao

receberem os livros, eles ficaram satisfeitos.

A Avaliação

A professora avisou à turma que haveria avaliação, na semana seguinte. Todos os

dias que antecederam a prova, ela relembrava a data para que ninguém faltasse.

No dia da avaliação, André faltou à aula. Ricardo estava presente, tentando fazer

uma avaliação de Português que consistia em criar um texto que falasse sobre

ele, ou seja, quais eram suas características físicas, o que gostava, o que fazia,

brinquedos e brincadeiras preferidas, etc. Os alunos deveriam também se

desenhar e pintar o desenho. Ele já estava, há pelo menos duas horas, olhando

para a atividade, “tentando” fazer. Já havia se desenhado e colorido, mas o texto

não havia sido escrito, então, pediu ajuda para mim: “Tia, copia aí pra mim”. Ele

queria ditar seu texto para que eu escrevesse e, em seguida, ele copiaria na

prova. Tentei incentivá-lo a escrever seu texto da maneira como sabia, mas ele

parecia estar preocupado, mesmo, era em fazer a avaliação corretamente: “(...) eu

não sei fazer”, pareceu não gostar muito da minha sugestão.

Tento compreender empaticamente a angústia de Ricardo e coloco-me em seu

lugar, começo a me imaginar tendo que escrever um texto em um idioma

desconhecido: é proposta impossível e frustrante. No entanto, parece-me que seu

80

desafio era ainda maior, pois sua dificuldade também estava em organizar suas

idéias em forma de texto. Somente depois de conseguir isto é que deveria

começar a escrever.

Apesar de tudo, continuei incentivando-o a escrever do seu jeito que eu o ajudaria.

Tentei interferir o mínimo possível em sua produção. Pensei que aquela avaliação

pudesse servir, de fato, para avaliar o desempenho de Ricardo e, a partir dela,

surgir uma proposta de atuação com ele.

A duras penas, e com ajuda, Ricardo finalmente fez a avaliação. Em seu texto, era

possível ler algumas palavras, após sua leitura do que havia escrito,

compreendemos que tentou dizer sobre suas características físicas, que gostava

de pescar e de jogar futebol, mas, diferentemente da grande maioria dos alunos

da turma, ele nada disse acerca da sua motivação para os estudos.

A família e a escola

Durante o tempo da pesquisa, a mãe de André esteve três vezes na escola

conversando com a professora Meire. Enquanto sua mãe conversava, ele ficava

de longe, parado, olhando para o infinito. Às vezes, dava uma olhadinha rápida e

discreta, parecia querer saber o que elas conversavam. Nesses instantes que sua

mãe e a professora conversavam, parecia que ele estava só no mundo, não

percebia nada a sua volta. Durante a aula, nesses dias, André ficava ainda mais

afastado, distante dos colegas, de todos. No recreio, não brincava, ficava em pé,

só, imóvel e bastante pensativo. O que a mãe e a professora conversaram? Ao

certo, ele não sabia, mas, que era a seu respeito, disso não restava dúvida.

Em nenhuma dessas conversas, André foi convidado a participar. De longe, ficava

observando, como se tentasse descobrir sobre o que elas falavam. Sua mãe e sua

81

professora estavam decidindo sobre seu destino, mas ele não participava, não

opinava, acho que ninguém pensava nisso, que ele poderia falar sobre ele

mesmo, que deveria ser escutado. Ninguém parecia se lembrar, naquele

momento, que é exercitando que aprendemos a ser autônomos e responsáveis

por nossos atos (FREIRE, 2004) e esses momentos seriam boas oportunidades

de exercitar a autonomia.

Na primeira vez em que sua mãe esteve na escola, perguntei a ele o que ela tinha

ido fazer lá. Ele, timidamente, disse-me: “Não sei, (grande pausa) eu acho que é

porque eu tô passando mal. Tô com bronquite asmática. Vou ao médico, faço

tratamento. Tem hora que eu nem consigo respirar. Eu não tô vindo na aula por

causa disso. Não consigo, nem dormi direito”.

Na segunda vez em que sua mãe esteve na escola, ele chegou um pouco

atrasado para o início da aula, pareceu-me que esse podia ser o motivo da

presença de sua mãe. A professora Meire e sua mãe ficaram conversando

longamente e ele, de longe, observando. Perguntei se sua mãe tinha vindo com

ele porque estava chegando atrasado e ele me respondeu: “É”. Sua resposta

breve não foi por acaso, parecia querer encerrar o assunto. Estava triste, calado,

distante.

Na terceira vez em que sua mãe esteve na escola, também conversou apenas

com a professora, sem a participação dele. E ele novamente repetiu seu

comportamento solitário, como das outras vezes em que ela tinha estado lá. Em

nenhuma das vezes em que sua mãe esteve na escola André, participou da

conversa.

82

A Biblioteca

Estavam na biblioteca cinco alunos, enquanto o restante da turma permanecia

fazendo novamente a avaliação, pois haviam tirado nota inferior à média. Como

André e Ricardo não fariam a prova, uma vez que não estavam participando das

avaliações propostas à turma, eles também foram para a biblioteca.

Os outros alunos já estavam na biblioteca, quando André e Ricardo chegaram e

os alunos que já se encontravam lá perguntaram: o que vocês estão fazendo

aqui? Aqui é só pra quem tirou notas boas. Vocês vão ler o quê? Não sabem ler!”.

Os alunos, alvos das censuras dos seus colegas, ficaram constrangidos, mas logo

se refizeram, mostrando a força da superação diária que faziam para conviver com

seus limites e com a incompreensão de alguns colegas.

Sentei-me com os dois e comecei a ler para eles. Ricardo ficava repetindo tudo

que eu lia. Ele parecia querer “mostrar” que estava lendo também. Com o tempo,

achei que aquela repetição não era produtiva, então, pedi que parasse e ele me

disse: “Tia, eu também quero ler!”. Contra esse argumento, tão legítimo, não pude

mais falar nada e ele continuou repetindo tudo que eu lia.

Em seguida, sugeri a eles que escolhessem um livro para que lessem a seu modo.

André começou a rir, perguntei o que era: “Tia, a gente não sabe ler, não”. Então,

eu pedi que contassem a sua versão da história, a partir da ilustração.

Ricardo pegou um livro que fazia parte de uma enciclopédia e escolheu o que

tinha diversas espécies de “peixes”. O livro era repleto de desenhos de várias

espécies, com textos explicativos. Ele folheava o livro, dizendo os nomes dos

peixes de maneira correta. Eram nomes pouco comuns, mas ele sabia

praticamente todos. Cheguei a pensar que estava lendo, mas ele tinha um grande

83

conhecimento prático sobre o assunto, então ele me disse:“Tia, é que eu pesco

com meu pai e meu tio, já até vendi peixe. A gente pescava e depois vendia”.

Esse tema parecia fazer sentido para ele, portanto, parecia ser uma boa opção

trabalhar sua alfabetização a partir de educação libertadora, em que ele se sentiria

sujeito de seu pensar (FREIRE, 1997) que partisse do interesse do aluno.

Ricardo e André sinalizam as possibilidades de trabalhos que podem ser

desenvolvidos com eles. Eles precisam, nesse momento educacional que vivem,

de uma assistência pedagógica constante e individualizada dentro da sala de aula

regular, o que não é possível ser oferecida pela escola hoje, nos moldes em que

está estruturada. Diante de fatos como esse, é de fundamental importância

repensar nesse modelo escolar que está posto e que não tem sido suficiente para

atender às necessidades educativas dos alunos, com base nas teorias

pedagógicas que os educadores deveriam ter a possibilidade de conhecer e poder

implementar em seu trabalho. Portanto, faz-se necessário um atendimento

individualizado, na própria sala de aula, a todos os alunos que necessitarem de

atenção especial e, para isso, é importante a reestruturação do espaço escolar e

seu funcionamento. Nesse panorama, é urgente começarmos a pensar uma

redução drástica no número de alunos por turma ou, então, que em cada turma

tenha dois professores, trabalhando juntos. Mudanças como essas são profundas

e mexem com toda estrutura educacional em funcionamento hoje, elevando

também os gastos com a educação.

André Troca de Turma

No início do segundo bimestre letivo, André troca de turma, ele passa a estudar à

tarde, segundo ele, sua mãe preferiu assim, pois era difícil acordá-lo cedo. Ele

disse não ter gostado da troca, pois seu primo estudava à tarde e ele não gostaria

de estudar com ele.

84

Acompanhei a adaptação de André na nova turma. A cena era bem parecida com

o início do ano na turma anterior, lá estava novamente André pensativo, olhando

através da janela para o infinito. Em nosso primeiro encontro na nova turma seus

olhos fogem de encontrar-me, vou a seu encontro, converso com ele e aos poucos

percebo que André vai se soltando. Os outros alunos ficam curiosos para saber

quem sou eu, o que sou de André. Ele fica quieto esperando que eu dê a

resposta, então, expliquei-lhes que já conhecia André da turma da manhã. Talvez

os colegas não soubessem ainda que ele estava aprendendo a ler e a escrever,

sendo até então tratado como igual pelo grupo, e a minha presença ao seu lado o

diferencia dos demais alunos e,

[...] para uma criança em idade escolar, as coisas que a diferenciam negativamente dos seus colegas - ou que, em sua opinião a diferenciam – provocam os níveis mais elevados de ansiedade e transtorno; (ALSOP et al., 1999, p. 22).

A professora distribuiu um texto sobre digestão. André, com meu auxílio, fez a

leitura do texto, ao mesmo tempo que íamos conversando sobre as informações

contidas nele. Ele faz a leitura da maioria das palavras, mas ainda não conseguia

compreender o que lia. Diante desses desafios, ele demonstra desânimo e

desinteresse em continuar a leitura, só continuava por causa da minha insistência.

A demora em se alfabetizar no ensino fundamental, apresentada por alguns

alunos, que não parecem apresentar nenhum tipo de deficiência mental, mas que

não conseguem se alfabetizar no tempo médio que os demais alunos, tem gerado

um prejuízo grande a eles. Esses alunos são rotulados como alunos com

dificuldades de aprendizagem, causando neles um sentimento de inferioridade e

incapacidade e assim deixam de participar das atividades pedagógicas propostas

à turma da qual fazem parte. Sem uma atitude concreta para que os alunos não-

leitores adquiram essa habilidade, estaremos nos eximindo de uma

responsabilidade de competência da escola. Uma das possibilidades para tentar

alfabetizar esses alunos é a intensificação de atividades pedagógicas que

85

favoreça adequadamente seu processo de alfabetização. Negligenciar o

desconhecimento dos alunos fará com que eles se sintam cada vez mais distantes

do mundo letrado do qual participam os demais alunos da turma, não estando

também contribuindo para seu processo de inclusão.

Na nova turma de André, conheço mais uma aluno que era considerado pela

escola como especial, seu nome é Anderson e ele tem nove anos de idade. Esse

aluno era atendido no laboratório pedagógico, dentro do seu horário normal de

aula, e, segundo ele, foi lá que ele aprendeu a ler e a escrever: “(...)se pudesse,

só ficava no laboratório com a professora de lá, foi ela que me ensinou a ler, me

ensinou tudo que eu sei” . A atenção oferecida pela professora do laboratório

pedagógico a Anderson e seu desenvolvimento cognitivo/afetivo, apresentado pelo

trabalho que ela oferecia a ele, pareciam manter sua auto-estima positiva para

superar o tratamento que recebia na sala de aula regular, onde a professora o via

como um problema que não era de sua responsabilidade. Esse estigma criado em

torno de Anderson impedia a professora Sueli de perceber seus avanços, parecia

fazer questão de transferir a responsabilidade desse aluno à outra profissional que

o atendia, para diminuir sua sobrecarga de trabalho ao lidar com uma turma com

trinta e oito alunos. .

Apesar da adversidade encontrada na escola, Anderson se mostrava um ser da

esperança (FREIRE, 2004), suas atitudes eram positivas diante dos obstáculos

encontrados, acreditava em sua capacidade de se desenvolver e isso era um

grande facilitador.

Aula de Educação Física

As aulas de Educação Física eram sempre animadas e contavam com a

participação de todos. A professora organizava atividades e acompanhava toda a

aula. Conversava com quem percebia que precisava de atenção, demonstrando

86

preocupação com o bem-estar de todos os alunos. Era grande amiga de todos,

não havia diferença no tratamento dispensado aos alunos. Sua relação com eles

era sempre carinhosa, respeitosa e firme, exigindo que participassem das

atividades. Os alunos, por sua vez, retribuíam o respeito e o carinho.

Nas aulas de Educação Física, Ricardo, André e Ivan se sentiam parte do grupo.

Não apresentavam a menor dificuldade de interagir com os colegas. Eram aceitos

e aceitavam a todos, não existindo diferença.

Um comportamento (rendimento) diferente do encontrado na sala de aula pôde ser observado quando foram criadas novas situações fora da sala. A mudança de contexto das interações como, por exemplo, nos jogos, nas dramatizações, nos desenhos, nas conversas informais, mostrou que o grupo dos “bons” e dos “maus” se comunicavam mais e melhor, pois ali as regras da cultura escolar estavam diluídas e poderiam ser estabelecidas outras regras, conforme as suas próprias referências culturais. Como conseqüência, os alunos tidos como “maus” apresentavam, frequentemente, um rendimento equivalente, ou até mesmo superior, ao dos alunos todos como “bons”. (CARVALHO, 2004, p.29)

Já a aula de Educação Física da turma da tarde apresentava bastante diferença. A

aula acontecia pátio, pois a quadra de esportes era ocupada com outra turma que

também tinha aulas. A quantidade de alunos no turno vespertino era muito grande,

por isso, a aula se dava em meio a um grande tumulto: vários alunos correndo,

gritando, tentando se organizar para jogar queimada e vôlei, outros sentados sem

querer participar das atividades organizadas pelos outros colegas.

Pergunto aos alunos pelo professor e uma aluna me diz: “Professor? Ele nunca

deu uma atividade para a gente, ele só é professor porque fica com a chave da

sala, onde ficam as bolas e redes. Ele só faz isso, dá a bola e só volta no final da

aula para guardar”.

É absolutamente diferente o trabalho oferecido pelo professor do turno vespertino

e do matutino. Eles possuem maneiras diferentes de ministrar suas aulas que

87

eram perfeitamente compreendidas e avaliadas pelos alunos. Fazer um trabalho

sério e competente é algo que parece envolver formação profissional e também a

ética pessoal de cada trabalhador.

O Recreio

No recreio, observava como era a interação entre os alunos, suas brincadeiras,

suas falas, brigas e reconciliações. Nesses momentos, a dinâmica entre eles é

bastante interessante, eles próprios se organizam, dividem-se espontaneamente

em grupos para brincar e conversar, entre eles não parecia existir diferenças de

“bons” e de “maus”, todos brincavam e eram aceitos nas brincadeiras e nos

grupos de bate-papo.

É interessante notar que o comportamento de independência e aproximação entre

os alunos era comum nas atividades fora da sala de aula como: nas aulas de

Educação Física, no recreio, nas apresentações das datas comemorativas, no

refeitório. Esses locais e atividades pareciam contribuír para que os alunos se

relacionassem mais entre eles, sem a interferência de padrões de

comportamentos muito rígidos, fato que possibilitava que criassem regras próprias

de aceitação, que geralmente eram bastante inclusivas. Havia espaço para todos

nos diversos grupos e cada um se aproximava espontaneamente do grupo que

tivesse mais afinidade,

Um comportamento (rendimento) diferente do encontrado na sala de aula pôde ser observado quando foram criadas novas situações fora da sala. A mudança de contexto das interações como, por exemplo, nos jogos, nas dramatizações, nos desenhos, nas conversas informais, mostrou que o grupo dos [alunos] “bons” e dos “maus” se comunicava mais e melhor, pois ali as regras da cultura escolar estavam diluídas e poderiam ser estabelecidas outras regras, conforme as suas próprias referências culturais. Como conseqüência, os alunos tidos como “maus” apresentam, frequentemente, um rendimento equivalente, ou até mesmo superior, ao dos alunos tidos como “bons”. (CARVALHO, 2004, p. 36)

88

Avaliação

André e Ricardo não tinham feito qualquer tipo de avaliação no primeiro semestre.

A professora esperou, durante dois bimestres, uma orientação de como avaliar os

alunos e, segundo ela, não recebeu nenhuma orientação. Com isso, os alunos

continuavam sem avaliação, ao final do primeiro bimestre letivo.

Em nenhum momento foi feito um planejamento para atender às demandas de

André e Ricardo. Não existia nenhuma atividade que tivesse sido elaborada para

eles, com objetivo de alfabetizá-los.

Nesse momento, parecia também ser oportuno uma avaliação do trabalho da

escola, para rever a postura deles diante daqueles alunos que necessitavam de

um apoio diferenciado. O que nos parecia é que naquela escola não havia uma

orientação de como deveria acontecer o atendimento aos alunos que

demandavam um apoio pedagógico especializado e em virtude da não-existência

de um plano de ação real para atender à demanda dos alunos e também dos

professores, o que acontecia na prática era a exclusão dentro da dita “inclusão”. A

exclusão era dos alunos, que deveriam receber um apoio pedagógico diferenciado

e dos professores, que não recebiam nenhum suporte de orientação pedagógica e

que tinham o desafio desumano de trabalhar em uma turma superlotada e com

alguns alunos que necessitavam de atendimentos individualizados.

Diante das (des)organização no espaço escolar, esses meninos e meninas se inserem na lógica da desorganização, tornando-se apáticos, ou agitados, desconhecendo ou não reconhecendo o espaço da escola como um lugar de troca, de aprendizado. A (des)organização leva à insatisfação, à desconfiança e à incerteza, que os conduz à repetência, restando-lhes a culpa ou a responsabilidade por seu fracasso escolar. (SILVA, 2004, p. 66)

89

Reunião de Pais

A reunião de pais ao final do primeiro semestre letivo contou com a participação

de poucos pais. Segundo as professoras Meire e Sueli, as reuniões de pais eram

sempre esvaziadas e os pais que iam eram sempre os mesmos, os que

acompanham a vida escolar de seus filhos e normalmente seus filhos não

apresentavam nenhum “problema”.

Do turno vespertino, dos trinta e quatro alunos matriculados na terceira série,

compareceram a reunião apenas seis pais e responsáveis. A mãe de André não

compareceu. Na turma do matutino, dos trinta e dois alunos, apenas quatro pais

foram à reunião. Os pais de Ricardo não vieram.

Após a reunião, todos os professores comentam a ausência dos pais, não só na

reunião, mas na educação escolar de seus filhos como um todo. No entanto,

precisamos considerar que a reunião de pais aconteceu em um dia da semana, no

meio da tarde ou no meio da manhã, conforme o turno de aula, que são horários

de trabalho da maioria dos pais. Talvez, esse tenha sido um forte indício para a

ausência de tantos pais. Será que seria possível marcar as reuniões para a noite?

Quem sabe, pequenas ações como a de alterar o horário das reuniões de pais

pode ser um grande aliado na aproximação entre família e escola.

Após cinco meses

Para finalizar esta pesquisa, volto à escola, após cinco meses de ter finalizado a

coleta de dados, para saber como estavam os alunos André e Ricardo. Segundo a

coordenadora, André estava se saindo bem: “Está mais desinibido, colocou até

brinco”, quanto ao seu processo de alfabetização: “Ele está caminhando, agora

está freqüentando o laboratório pedagógico”. Quanto a sua adaptação, ela não

90

sabe como foi, só sabe que “hoje ele está adaptado”.

Pergunto agora sobre Ricardo e a pedagoga me diz que ele começou a faltar

muito e, quando vinha, não queria entrar na sala de aula, até que abandonou a

escola. A mãe dele esteve na escola a pedido da pedagoga para assinar sua

desistência e, nessa oportunidade, disse que ele não queria vir mais para a

escola, apesar de sua insistência. A pedagoga nos disse, ainda, que encaminhou

a mãe de Ricardo para fazer a matrícula dele na Chamada Escolar (processo de

“pré-matrícula” para localizar os alunos em uma escola próxima de sua residência

conforme indicação da família) encaminhando-o para três escolas diferentes.

Disse-nos, também, que para tentar garantir que Ricardo não ficasse fora da

escola no próximo ano, encaminhou-o às três escolas que a mãe solicitara. Ainda

segundo a pedagoga: “Não queria arrumar confusão, queria ajudar, até nem

comuniquei nada ao Conselho Tutelar, justamente para não arrumar confusão”.

O comportamento de Ricardo, no início do ano letivo, denunciava a sua dificuldade

de se adaptar a essa nova escola. O seu choro e a recusa em entrar na sala de

aula e as constantes faltas eram sinais de que precisava de apoio para superar

esse momento escolar que vivia. A seu modo, e de maneira solitária, Ricardo fez

várias tentativas de se aproximar e de fazer parte do grupo da terceira série, mas

como não recebeu o apoio afetivo/cognitivo que precisava, acabou abandonando

a escola, mas não sem antes fazer sua tentativa esperançosa (FREIRE, 2004) de

se superar. A desestruturação da escola em oferecer adequadamente uma

educação, que de fato incluísse Ricardo, parece ter sido o principal motivo de sua

evasão.

Parece que, até este momento, não existia uma política municipal que definisse

como seria a política de inclusão dos alunos da escola pesquisada. A matrícula

de alunos especiais nas escolas regulares, sem uma reestruturação em seu

funcionamento para atender a tais demandas, como a capacitação dos

91

profissionais e adaptação da estrutura física, torna inviável qualquer tentativa de

inclusão.

92

PALAVRAS FINAIS

No ambiente escolar há muito se percebe a existência de alunos que demandam

atendimento diferenciado, mas somente com a proposta da inclusão escolar é que

se começou a pensar o ambiente da escola regular como local possível para

atender às demandas desses alunos.

A partir desse novo olhar, sobre o aluno que necessita de atendimento

educacional diferenciado, é que os profissionais da educação tentam adaptar suas

práticas para incluí-los.

Partindo de situações como essa, percebe-se o lado humano das relações que se

estabelecem entre professores e alunos, no entanto, elas não têm sido suficientes

para garantir um adequado atendimento aos alunos especiais. E isso leva a crer

que a predisposição humana necessária à inclusão deve estar aliada a condições

adequadas de trabalho para os profissionais e em um ambiente adequado de

aprendizagem para os alunos. E, também, de uma política educacional com metas

bem definidas, incluindo previsão orçamentária para adequação do espaço físico,

capacitação dos envolvidos no processo (comunidade escolar e família), por meio

de cursos, palestras e grupos de ajuda, para que a inclusão educacional se

efetive.

Nessas reflexões sobre as relações afetivas e a suas implicações ao processo de

93

aprendizagem escolar de alunos estigmatizados, deparei-me com profissionais da

educação assustados com o processo de inclusão e sem apoio pedagógico para

enfrentarem essas mudanças que demandam novas ações. Os alunos, por sua

vez, “dispostos” a serem ajudados, ficam aguardando a adequação dos

profissionais e da estrutura escolar que ainda estão no “embate” teórico de como

deve ocorrer a inclusão. E enquanto isso, os alunos ficam praticamente sem

atendimento pedagógico adequado a suas demandas, vivendo momentos de

exclusão dentro da própria escola.

O afeto é algo intrínseco às relações humanas, e a escola, como lugar de

múltiplas relações pessoais, é palco de vários afetos que devem ser aceitos e

levados em conta para se traçarem as propostas de ações pedagógicas, podendo

transformar as relações do educando e do educador.

Quando sugiro que o afeto deve ser levado em conta no ambiente escolar, é

preciso deixar claro que estou falando da importância da autenticidade nas

relações entre professor e aluno, onde haja espaço para a manifestação de todos

os sentimentos que brotam nas relações humanas, quer sejam sentimentos de

aceitação, não-aceitação e crítica. Entendendo professores e alunos não como

seres superiores, dotados apenas de bons sentimentos, mas como pessoas em

processo de construção, que estão vivendo e experimentando diversos

sentimentos.

Ao se estabelecer uma educação mais humanizada, que se preocupa com as

pessoas e com seus dilemas e não apenas com currículos e conceitos escolares,

é que será possível atender à diversidade do aluno.

As condições inadequadas, como falta de espaço (físico e de tempo) dentro de

uma sala de aula superlotada, têm dificultado a existência de relações mais

humanas e a valorização dos afetos. No entanto, apesar da falta de espaço para

94

viver as relações de afeto, foi possível perceber, nesta pesquisa, que em diversos

momentos os sentimentos eram externados, nem sempre com palavras, às vezes

com ações, às vezes com o próprio silêncio, mas a todo momento eles estavam lá,

marcando sua posição. Portanto, o afeto, por não ser valorizado no processo de

ensino e aprendizagem, tem deixado de contribuir como poderia nesse processo.

A inclusão, entendida como uma proposta de aceitação das diferenças humanas,

demanda o real envolvimento da família, da escola e de todos os setores da

sociedade. Nesse sentido, a família tem um papel de destaque, uma vez que ela é

quem primeiro deve acolher, incluir e conduzir cada um de seus membros à vida

em sociedade. Portanto: “Há funções exclusivas de família e há outras que ela

recorre às instituições sociais, com as quais divide interesses e responsabilidades

recíprocas. A tarefa de socializar as crianças, por exemplo, é dividida entre a

família e a escola.” (PINEL, 1995, p. 30)

As intensas mudanças vividas pela escola, atualmente, têm sido impostas pela

chegada de alunos especiais, portanto, o fato dos alunos especiais estarem nas

escolas regulares tem gerado um debate em torno da inclusão se tais mudanças

passam pela reflexão da construção de uma nova escola que atenda a essa

demanda pela inclusão. E as mudanças iniciais estão mais ligadas às pessoas,

nelas envolvidas, do que à organização e estrutura da escola, o que faz

compreender que a inclusão, de fato, ocorre a partir da presença dos alunos

especiais na escola.

As mudanças de postura dos profissionais da educação, frente à inclusão escolar,

têm se dado muito mais por iniciativa própria, à medida que eles são confrontados

em trabalhar com os alunos especiais sem uma adequada formação conduzindo-

os a tomarem isoladamente atitudes de aceitação. Atitudes que me faz crer, cada

vez mais, que “... a aceitação incondicional, a congruência e a empatia são três

condições indispensáveis ao educador (...) por isso presente nas relações de

95

ajuda (...)”. (PINEL, p. 118, 2003). Os professores, sem saber da teoria sobre a

aceitação afetiva, entendem, praticamente, que a partir da convivência e das

relações pessoais, entre eles e seus alunos, estabelecem relações de ajuda.

Essas relações de ajuda nem sempre são adequadas às demandas dos alunos,

pois os professores não recebem formação para atender tal demanda, por não ser

um aspecto valorizado pela escola. Além disso, a maneira como a educação está

estrutura é inadequada a tais práticas.

Portanto, esses professores, que foram confrontados com a realidade de receber

alunos especiais, estão humanamente aceitando o aluno, no entanto parecem se

ressentirem de não terem sido preparados para tal situação e de não perceberem

mudança na organização e estrutura da escola que possibilitam a inclusão dos

alunos. Além disso, a escola tem lidado com o aluno especial como se ele fosse

de responsabilidade exclusiva do professor da sala regular ou do professor da sala

de recurso. A escola não parece conseguir se ver como uma unidade, quando

coloca os alunos sob a responsabilidade de determinados profissionais como

sendo os únicos na escola responsáveis pelo seu desenvolvimento..

No entanto, esse processo de aceitação do professor a essa nova situação de

inclusão escolar não ocorre de maneira linear e sem embates. Em diversos

momentos desta pesquisa, foi possível perceber que as pessoas envolvidas com

os alunos especiais passaram por alguns estágios, que definiremos como:

rejeição, aceitação e adaptação.

O estágio da rejeição ocorre quando o aluno é recebido e o profissional que lhe

atende não sabe como lidar com ele. O sentimento de incompetência profissional

geralmente ocorre por falta de prática, de formação profissional e de apoio

pedagógico adequado que auxilie no atendimento ao aluno. Diante desse quadro,

o comportamento que observei foi o de rejeição a essa nova situação que, para o

profissional, é bastante desgastante, uma vez que se sente confrontado com sua

96

capacidade profissional.

O estágio da aceitação ocorre quando o profissional humanamente acolhe esse

aluno, sendo “sensitivamente empático” (ROGERS, 1973) aceitando-o como ele é.

Nesse estágio, o professor começa a perceber que existe uma falha no processo

educativo que não consegue oferecer atendimento adequado ao aluno e que essa

falha é de toda a escola, não apenas dele. Neste momento, os professores

começam a questionar como deve ser o papel da escola dentro do processo

inclusivo, surgindo a necessidade de um novo conceito para a escola que atenda

a essa nova realidade.

E o estágio de adaptação é aquele em que o professor compreende a importância

do processo de inclusão, o que não necessariamente o fará se sentir ainda

competente para atender ao aluno, mas já consegue perceber a importância

desse processo inclusivo na vida do aluno e da sociedade em geral. Compreende,

também, que a escola regular pode vir atender ao aluno especial, aceitando a

inclusão como necessária. Nesse estágio, é possível ao profissional se perceber

como um dos atores do processo de inclusão escolar e não mais como o único

ator do processo, diminuindo sua ansiedade inicial. Ele começa a buscar ajuda,

dividindo assim sua responsabilidade. Da mesma forma como se sentiu

pressionado ao receber o aluno especial, e não sabia como agir ao buscar ajuda,

ele pressiona os demais profissionais da escola a se moverem para, juntos,

encontrarem alternativas para incluir os alunos especiais.

A mais profunda mudança, que requer o processo de inclusão, está no

comportamento das pessoas em aceitarem o outro como ele verdadeiramente é,

somente assim os sujeitos envolvidos no processo educacional estarão “abertos” a

mudarem suas práticas pedagógicas, valorizando as relações afetivas.

A importância do afeto é fundamental para que a inclusão exista. A escola parece

97

não conseguir traçar ações mais acertadas, do ponto de vista da inclusão, por não

valorizar adequadamente o afeto. No entanto, sabe-se que a escola não é apenas

afeto, e que também não pode ser apenas cognição e razão. O afeto precisa ser

combinado com ações pedagógicas apropriadas e com valorização adequada da

cognição e de afeto.

Para que isso ocorra, é preciso criar alguns espaços físicos adequados, capacitar

os profissionais e, principalmente, reduzir o número de alunos por turma, para que

o professor possa atender ao aluno em sua demanda educacional. Portanto,

compreendo que o processo de inclusão é um processo amplo, que envolve vários

profissionais, além de demandar uma aproximação da escola com a família e do

envolvimento efetivo da escola, prestando apoio pedagógico e estrutural

necessário para um atendimento adequado ao aluno.

Os alunos que participaram desta pesquisa se mostraram abertos ao diálogo,

seguros, quando estavam em companhia de pessoas que inspiravam confiança,

receptivos em fazer amizade, interessados em escutar e ser escutado em seus

dilemas escolares, e de ajudar e de serem ajudados nas relações com seus

colegas. Portanto, no que depende dos alunos para serem incluídos, parece não

haver restrições.

Portanto, compreendendo que: “A inclusão implica uma reforma radical nas

escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento

dos alunos nas atividades de sala de aula. (...)” (MITTLER, 2003, p. 34).

É preciso deixar claro que “[...] não cabe “culpar” a escola ou os professores e

especialistas ou os alunos e seus familiares pelo “fracasso escolar” de

determinados alunos [...]. Cabe, sim, fazer relações entre a prática pedagógica

mencionada e as estruturas que a sustentam [...]. (GOMES, 2004, p. 24).

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