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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Adinael Carlos Miguel A IMPORTÂNCIA DO REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DA AMÉRICA LATINA SÃO PAULO 2015

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Adinael Carlos Miguel

A IMPORTÂNCIA DO REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DA AMÉRICA LATINA

SÃO PAULO

2015

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

SÃO PAULO

2015

A IMPORTÂNCIA DO REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DA AMÉRICA LATINA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Teologia Sistemátca, sob a orientação do(a) Prof.(a) Pe. Dr. Antônio Manzatto.

SÃO PAULO

2015

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SÃO PAULO

2015

Banca Examinadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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DEDICATÓRIA

Dedicamos esse trabalho aos nossos professores do curso de Teologia da Pós Graduação da Pontíficia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, ao Prof. Dr. Antônio Manzatto, meu orientador na elaboração e conclusão desse trabalho e a minha família e amigos, sempre ao meu lado apoiando-me e incentivando.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida.

A meus pais, Eurotides Miguel e Maira Aparecida Miguel, pela cumplicidade neste dom.

Aos amigos, que sempre incentivaram meus sonhos e estiveram sempre ao meu lado.

Ao Bispo Dom Ercílio Turco que me incentivou no desenvolvimento desse trabalho, transmitindo a tranquilidade necessária que somente o conhecimento pode proporcionar.

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RESUMO

Nessa pesquisa pretende enfocar a importância do Reino de Deus na Cristologia da

América Latina, ou seja, queremos realizar um trabalho que relata o contexto da Cristologia

na realidade Latino-americana, e o funcionamento e estrutura do Reino de Deus na época de

Jesus, e a proposta apresentada por Ele, comparando com a realidade do nosso continente

atual. Entretanto, para desenvolver esta pesquisa iremos relatar uma Cristologia que revela um

Jesus histórico, pois a partir da sua história, teremos conhecimento da sua missão, e analisar a

situação dos pobres da América Latina. Será retratada a proposta de Reino de Deus

apresentada por Jesus, quem eram seus destinatários, e por isso a sua preferência pelos

excluídos da sua época. Concluiremos comentando sobre o Reino de Deus na perspectiva da

Cristologia da América Latina, relembrando a realidade vivenciada por este continente, e

comparando com a situação dos pobres desfavorecidos na época de Jesus.

Palavras-chave: América Latina, Cristologia, Pobres, Excluídos e Reino de Deus.

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ABSTRACT

In this research intends to focus on the importance of the Kingdom of God on Christology in

Latin America, that is, we want to do work that discusses the context of Christology in Latin

American reality, and the operation and structure of the Kingdom of God in Jesus, and the

proposal presented by him, compared to the reality of our continent, however, to develop this

research we report a Christology that reveals a historical Jesus, as from its history, we have

knowledge of their mission, and analyze the situation of the poor of Latin America. Is

portrayed the proposal of the Kingdom of God by Jesus, who were the recipients, so their

preference for the excluded of his time. Conclude commenting on the Kingdom of God in

view of Christology in Latin America, recalling the reality faced by this continent, and

comparing to the situation of disadvantaged poor in Jesus' time.

Keywords: Latin America, Christology, Poor, Deleted and Kingdom of God.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - A Cristologia na perspectiva da América Latina ............................................. 12

1 O contexto histórico, social, econômico, político e cultural dos povos ................................ 12

2 A Cristologia da América Latina posteriormente ao período do Concílio Vaticano II ........... 16

2.1 Elementos Fundamentais da Cristologia Latino-americana a partir do Concílio Vaticano II .................. 17

2.2 O seguimento e profissão de fé dos marginalizados ................................................................................. 19

2.3 Medellín, o surgimento de uma esperança para as vítimas sofredoras ..................................................... 23

2.4 A missão e a cruz de Cristo e a missão e o sofrimento dos povos ............................................................ 25

3 Os conceitos principais e as categorias da missão de Cristo ............................................... 28

3.1 O ponto de partida para a Cristologia: “Jesus histórico” .......................................................................... 28

3.2 A noção de Reino de Deus ....................................................................................................................... 30

3.3 Um aspecto importante do “Jesus histórico” é mostrar a sua missão para os povos da América Latina .. 34

4 A Cristologia latinoamericana mostra situações adversas dos pobres e oprimidos da América Latina 38

4.1 Uma Cristologia que revela o pobre ao mundo, e visa através dessa reflexão ajudar o pobre a pensar orientar, capacitar e reagir diante de sua realidade ................................................................................................ 39

4.2 Uma Cristologia que mostra uma profunda reflexão sobre o lugar dos pobres, miseráveis e demais marginalizados da América Latina ........................................................................................................................ 42

5 Cristologia da América Latina na perspectiva e compreensão do seguimento de Jesus Cristo 44

5.1 A Cristologia da América Latina revela aos pobres uma compreensão no seguimento do Cristo libertador  47

5.2 Cristologia: significado, abrangência e relevância do seguimento de Jesus ............................................. 48

5.3 Cristologia: forma e privilégio de explicitar o seguimento de Jesus ........................................................ 51

6 Conclusão ..................................................................................................................... 52

CAPÍTULO II - O Reino de Deus na perspectiva da Palestina no século I, na Época de Jesus, e a pregação do Reino de Deus anunciado por Jesus .............................................. 53

1 A situação política da Palestina na época de Jesus, sob dominação romana ......................... 53

1.1 A situação social e econômica da sociedade na Palestina no século I, e como funciona a pesca, agricultura e o comércio, e o modo de produção, e seus beneficiários ................................................................. 53

1.2 O funcionamento da Religião e do Templo, e o papel dos sacerdotes, o grande Sinédrio na Palestina no século I 57

1.3 O funcionamento da pequena burguesia, da polícia na Palestina na época de Jesus, e a situação dos pobres e marginalizados dessa época .................................................................................................................... 61

2 O funcionamento e a estrutura do Reino de Deus na Palestina no século I, e os movimentos políticos da sua época ............................................................................................................... 62

2.1 A expectativa do Reino de Deus na palestina na época de Jesus.............................................................. 64

2.2 Os grupos políticos e as suas teorias: Saduceus, os Fariseus e os Essênios ............................................. 67

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2.3 Os grupos da insurreição e as suas teorias: Os Zelotes, os Sicários, os Estrangeiros e os Samaritanos, o movimento Batista e Escravo ............................................................................................................................... 73

3 A expressão Reino de Deus no tempo de Jesus, e as suas correntes apocalíptica .................. 78

3.1 O Genêro Literário e a Literatura apocalíptica e as suas estruturas de Jesus ............................................ 79

3.2 A situação do messianismo e o apocalípticismo....................................................................................... 80

3.3 As condições sócio-econômicas do banditismo social judeu na Palestina ............................................... 81

4 Realidade última e a noção de Jesus sobre o Reino de Deus ............................................... 81

4.1 A corrente de Deus na vertente apocalíptica ............................................................................................ 84

4.2 O pensamento do Reino de Deus na vertente proféticas. ......................................................................... 86

4.3 O Reino de Deus na perspectiva do Messianismo .................................................................................... 89

5 Conclusão ..................................................................................................................... 90

CAPÍTULO III - O Reino de Deus é a referência e a centralidade para os Teólogos da América latina ........................................................................................................................ 92

1 O Reino de Deus na cristologia da América latina ............................................................ 92

1.1 A Hermenêutica da opção pelos pobres ................................................................................................... 95

1.2 O Redescobrimento do Reino de Deus como realidade última Escatológica apresentadas pelos principais Teólogos .............................................................................................................................................................. 100

1.3 A caracterização da sistemática do Reino de Deus na abordagem da América latina. ........................... 101

2 A História e Teologia do Reino de Deus na América latina .............................................. 103

2.1 O conceito popular do Reino de Deus .................................................................................................... 104

2.2 A ideia de Reino na América latina apresentada como uma nova sociedade. ........................................ 106

2.3 A plenitude de Reino de Deus, escatologia na luta contra a idolatria da América Latina ...................... 107

3 Seguir Jesus Cristo a partir da situação dos povos excluídos da América latina .................. 109

3.1 A proposta e o testemunho da igreja a partir da América Latina............................................................ 111

3.2 Os desafios dos cristãos atuais na América latina .................................................................................. 113

3.3 A resposta da Igreja latina americana na perspectiva Profética e Política .............................................. 115

4 Na América latina, o seguimento de Jesus a partir da sua proposta de Reino de Deus ......... 118

4.1 A prática de Jesus diante de uma realidade conflitiva em sua conjuntura social .................................... 120

4.2 O mundo conflitivo diante das questões da globalização, e o neoliberalismo que atinge a América latina  121

4.3 Seguir Jesus a partir do contexto conflitivo da globalização, capitalismo e neoliberalismo .................. 122

5 Jesus para os cristãos na América latina a partir do contexto dos pobres, marginalizados e excluídos. .............................................................................................................................. 124

5.1 Jesus apresenta o Reino, a partir dos necessitados e marginalizados da sociedade ................................ 124

5.2 Quem são os pobres excluídos da América latina? ................................................................................ 125

5.3 Uma Igreja dos excluídos a partir de uma reflexão da Teologia da Libertação ...................................... 127

6 Conclusão ................................................................................................................... 129

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Blibliografia .......................................................................................................................... 130

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INTRODUÇÃO

Este trabalho cristológico prentende percorrer os conteúdos referentes a importância do

Reino de Deus na América Latina. Queremos aprofundar o contexto do Jesus histórico, ou

seja, mostrar a sua missão histórica como ponto de partida para uma cristologia da libertação.

Abordaremos o significado político e teológico da morte de Jesus, comparando com aqueles

que foram mortos de forma cruéis, e através do martírio dos que doaram suas próprias vidas

pela causa do Reino de Deus no continente Latino-americano.

A opção pela análise dessa narrativa se deu devido ao termo Reino de Deus. Mas ainda,

quando este é comparado com a justiça social, a inclusão destas pessoas que viviam e ainda

vivem a desigualdade social. Por isso a preocupação de relatar neste trabalho, a situação da

Palestina no século I, que revela que o império Romano dominava todo Israel e através do Rei

César. Entretanto, os movimetnos existentes nesta época aguardavam a vinda do novo

Messias que iria libertá-los desse poder. Atualmente o nosso continente ainda ocorre no meio

dos poderosos a mesma estrutura de poder que acontecia na época de Jesus. Portanto a nossa

preocupação é trazer alguns conteúdos para nos ajudar a refletir essa situação.

Este trabalho tem a finalidade de revelar a situação da sociedade no tempo de Jesus,

definí-la e situá-la a partir de um contexto histórico e limitado no tempo e espaço, percebendo

seu funcionamento, seus líderes, seus interesses e as diversas formas de controle político-

religioso existente na época de Jesus, além da mentalidade popular e religiosa, com o qual o

povo aguardava a grande manisfestação de Deus que estava por vir (Mensagem Apocalíptica).

Iremos elaborar esses termos que retrata a situação do povo desfavorecidos na época de

Jesus e os do continente americano. Porém, um dos pontos que justificam a opção desta

pesquisa, é mostrar que infelizmente neste nosso período a preocupação com esse povo esta

cada vez mais sendo deixada de lado. Parece que a nossa opção pelos pobres precisa ser

refletido e avaliado enquanto Igreja. Até que ponto nos tornamos próximos dos necessitados

nos dias atuais? Nos últimos tempos, enquanto Igreja - Instituição Hieráquica – parece que a

Igreja saiu do caminho que realizava próximo dos pobres. Aquela Igreja, voz dos sem vozes

no período da ditadura militar, cedeu lugar a uma Igreja precocupada com o Carreirismo

Eclesiático, das missas-show, dos Bispos e Padres que tornaram animores de auditório, e

consequentemente fizeram da Teologia da Libertação uma teologia descomprometida.

Portanto, isto nos faz pensar o porque desta pesquisa sobre o Reino de Deus.

Por isso este trabalho ajudará em nossa consideração entre a relação cristológica e

histórica, ou seja, que faz com que a cristologia ao falar de Jesus Cristo no mundo atual,

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considere a questão interpretativa e substancialmente, fazendo com que estas duas realidades

sejam necessárias para que a vinculação cristológia e histórica seja eficaz. A primeira, o que o

passado falou de Jesus Cristo e a segunda a realidade de Cristo no contexto atual, sua

presença dentro da história. Mas para isso é necessário considerar uma reflexão teológica dos

povos existentes na época de Jesus, e a reflexão dos teólogos principais da Teologia da

Libertação no contexto atual da América Latina.

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CAPÍTULO I - A Cristologia na perspectiva da América Latina

1 O contexto histórico, social, econômico, político e cultural dos povos

A cristologia é um elemento importante na reflexão teológica a partir da visão do

contexto social, econômico, político e cultural dos povos da América Latina. A cristologia

estuda a vida, e a história de Cristo, e através desse estudo procura- conhecer a realidade do

povo sofrido. Essa disciplina ajuda a compreender as reflexões da vida de Jesus, ou seja,

conhecê-Lo desde o seu nascimento, sua missão até sua morte e ressurreição. A cristologia

tem um campo de reflexão amplo e abrangente1, mas para esse estudo, queremos elaborar

uma pesquisa, que mostra uma cristologia voltada para um contexto de libertação do povo

latino-americano. O que é interessante é o estudo da análise da situação de um povo sofredor

dentro de um contexto de miséria, e não uma que relata a salvação eterna das pessoas para o

Céu. “Não me interessa uma cristologia eterna para o Céu, mas uma cristologia onde as

pessoas que se encontram em conflitos, tenha esperança,e procuram orientação”2.

A cristologia nos últimos anos tornou-se uma especialidade de estudo de alguns

teólogos, como Leonardo Boff, Jon Sobrino, Jon Segundo e outros, que ajudam a refletir e

discutir os contextos históricos de Jesus Cristo e analisar as situações adversas e conflitivas.

Partindo-se dessa reflexão, queremos elaborar um questionamento sobre uma Cristologia

latino-americana, ou seja, retratar a missão de Cristo realizada em Jerusalém no século I,

comparando com a situação atual do povo desse continente. É necessário que a cristologia

latino-americana nos oriente a ter um conhecimento da situação de um povo que não perde

sua esperança de libertação.

A cristologia latino-americana se destacou posteriormente ao Concílio Vaticano II, por

ter suas raízes na Teologia da Libertação. Desse ponto de vista, é que a cristologia trouxe

grandes colaborações à teologia da América Latina, principalmente nos aspectos relacionado

as questões sociais abordadas pela Igreja. A cristologia latino-americana quer refletir junto

com a Igreja as situações adversas que o povo latino-americano convive, no que se referem às

questões, políticas, culturais e econômicas. É importante questionar o compromisso de um

estudo cristológico, que diante dessa situação acaba se interessando por um povo que precisa

de orientação..

1 MANZATTO in SOUZA (2007, p. 25) 2 MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo: Cristologia em dimensões messiânicas. Editora Academia Cristã, 2009, p. 11.

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A cristologia quer abranger de modo especial um Cristo libertador, isto é, quer mostrar

para a sociedade o rosto daqueles que sofrem na expectativa de obter uma vida nova no que se

refere a uma melhoria de sua qualidade. Quando relatamos as palavras “povo sofredor”,

fazemos referências às classes desfavorecidas, conhecidas através de sua pobreza extrema e

marginalização. São todos os necessitados da América Latina, que em sua maioria professam

sua fé em Jesus Cristo no intuito de buscar melhores condições de sobrevivência. Promover

uma sistematização entendida como cristologia da libertação3.

A cristologia da libertação revela a figura central de Jesus Cristo diante da realidade,

que situa o povo que vive o contexto da América Latina. Sabe-se que há uma realidade repleta

de sofrimentos, causado por injustiças, fome, miséria, violência, analfabetismo e morte

prematura de crianças. Diante disso, a cristologia, através do estudo de vários teólogos

cristãos, procura analisar as situações desses povos, e assim ajudá-los a criar uma esperança

no Deus da vida, fortalecendo-os diante dessa situação. Mostra que esse povo, isto é, essas

pessoas não podem se calar, e perder a confiança em ter uma vida melhor.

A cristologia latino-americana trouxe muitas reflexões para as Igrejas desse continente,

de modo especial para as Comunidades de Base, que em sua maioria realizam um trabalho

voltado as pessoas carentes. Considerando a história de Jesus, iniciou-se uma reflexão

teológica, e cristológica, pois através dessa teoria busca-se uma prática comprometedora com

a realidade dos sofredores. Leva-se em conta que, a história de Jesus ocorre no objetivo de

criar uma consciência de que sua missão foi para incluir uma classe injustiçada pelos

poderosos de sua época, e fazer com que possamos criar esta mesma consciência de ação para

a realidade da América Latina. Percebe-se então uma cristologia latino-americana que se

compromete a partir da história e missão de Jesus com a ação social e político desse povo.

A função da cristologia latino-americana é que a partir de um estudo mais profundo da

pessoa de Jesus desenvolver um pensamento radical diante da situação difícil que os

explorados vivem, e ter um olhar mais prático. Este estudo deve ajudar as lideranças de nossa

Igreja a se comprometer com às questões sociais, e com as questões que são relevantes a

Igreja em seu todo. Esses elementos deixam sua marca no pensamento teológico latino-

americano e o ajudam a desenvolver. Insere-se na tradição teológica e eclesial, prolongando-a

e até contextualizando-a em sua situação concreta.

3 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação. Aparecida, Ed. Santuário: 2010.

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A cristologia no contexto social e econômico da América Latina tem sua identidade

com a missão de Jesus, o Filho de Deus que assumiu a ação de libertar os necessitados da sua

época, e por isso é referência para os excluídos da nossa realidade. Cristo, na verdade, é Deus

em nossa miséria, o Filho Eterno que assumiu a identidade de um judeu, dentro da história

socialmente situada. A encarnação do verbo implica a assunção da vida humana, assim como

vem marcada pelas contradições deixadas pelo pecado, não para consagrá-las, mas para

redimi-las4. Jesus tornou-se “servo obediente até a morte de Cruz” (cf. Fl 2,6-11; Mc 10,45).

A obediência de Jesus estava no projeto do Pai, no que se refere a sua vida entregue em

uma causa. O Cristo abraçou a situação de um povo que de uma forma estava sem confiança,

mas aguardando a vinda do Messias. A cristologia latino-americana, apresentada pelos

principais teólogos dessa área, mostra o Cristo como servo sofredor (cf. Is 53), ou seja, o

servo libertador que obedece ao Pai.

Para Sobrino5, Cristo é uma verdade central da fé, e por isso Cristo é o Senhor da

história, e mais especificamente se torna presente nela através de um corpo. Para o autor, o

que é verdade fundamental para a fé deveria sê-lo também, em princípio, para a cristologia.

Dentro da Cristologia da Libertação que revela o Cristo libertador percebe-se que Ele ajuda a

descobrir os “sinais dos tempos” que determinam a sua acepção histórico-teologal.

No contexto social e teologal, a cristologia dá uma ênfase especial, dentro desse

continente a todos aqueles que tem uma situação difícil ,ou seja,vivem uma vida de miséria e

exploração, comparando-os com o histórico de Jesus, que também vivenciou a situação de

miséria. O seu lugar social, teologal e eclesial, de modo especial é o mundo igual ao deles.

Dizemos então, que o lugar enquanto eclesial é, sobretudo, cristológico (quem é Jesus Cristo),

e o lugar enquanto social influi no próprio modo de pensar cristológico, isto é, abordar Jesus

Cristo.

A questão histórica dos povos latino-americanos se dá na imagem do Cristo libertador,

ou seja, nos Evangelhos a figura da imagem do Cristo libertador está ligada à mensagem de

libertação. O Evangelho é por sua própria natureza, mensagem de libertação. Na América

Latina, um continente cristão em massa, viveu uma clamorosa opressão, e mesmo diante de

tantas adversidades de todo o tipo, a fé nesse Cristo libertador não foi causa de desânimo, ao

contrário, a imagem de Cristo foi aderida e vivenciada com muita fé, e não colocada em

dúvida pelos povos desse continente.

4 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo libertador. Petrópolis: Vozes, 1972. 5 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p.31.

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Sobrino6 comenta que:

As cristologias costumavam oferecer uma imagem de Cristo como

uma sublime abstração, e diz que essa sublimidade é essencial, porém

perigosa. Essa abstração é possível porque o título sublime de Cristo

é um adjetivo que só adquire sua concreção adequada do concreto do

substantivo: Jesus de Nazaré. Se Jesus for esquecido então está dada

a possibilidade de encher o adjetivo com o que num dado momento

interessa, sem verificar se Jesus foi assim ou não, se desta forma se

deixa a realidade abordada à sua miséria ou não; pior ainda, sem se

perguntar se com essa imagem se justifica ou se liberta a tragédia da

realidade.

A situação dos povos da América Latina, não significa que esse continente tenha os

melhores recursos técnicos para avaliar as fontes da revelação, mas essas fontes estão na

própria realidade de sofrimento desses povos. Estes a quem chamamos de pobres merecem

uma atenção preferencial, seja qual for a situação moral ou pessoal em que se encontrem.

Criados à imagem e semelhança de Deus, para serem seus filhos, tem jaz obscurecida e

escarnecida esta imagem. Deus toma sua defesa e os ama. Por isso, é que eles são os

primeiros destinatários da missão e sua evangelização é o sinal e a prova por excelência da

missão de Jesus. Desta maneira, devido à inferioridade desses povos, constata-se que a

Cristologia se dá de forma especial onde se necessita da imagem do Cristo libertador, ou seja,

na realidade sofredora desse continente7.

Muitas vezes questionamos: por que uma leitura dentro da Cristologia na América

Latina? Segundo Vedoato8 a resposta encontra-se no fato de que na América Latina, a

revelação de Deus deve se confrontar com a própria realidade desse continente, o autor

comenta que a realidade da libertação que apresenta a revelação de Deus na história é vista no

meio daqueles que são oprimidos e entre eles, os povos do continente latino-americano. Surge

nesse aspecto a necessidade de realizar uma cristologia da libertação com o olhar do Cristo

libertador dos povos humildes.

6 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p.31. 7 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação. Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 25. 8 Ibidem, p. 26.

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2 A Cristologia da América Latina posteriormente ao período do Concílio Vaticano II

A Cristologia latino-americana tem influência na teologia da Libertação, ou seja, a partir

do Concílio Vaticano II, dá-se uma ênfase maior, a este continente, em relação a uma teologia

que procura destacar a situação dos oprimidos. Na América Latina, sabe-se que sempre houve

uma fé, em Cristo, que aborda uma reflexão aos crucificados e sofredores dessa realidade.

Mas com a motivação de alguns bispos e outros padres houve então um crescimento desta

reflexão a fim de comparar o Cristo sofredor com os sofrimentos dos povos dessa região.

A imagem de Cristo durante muito tempo esteve presente no continente, e continua até os

dias atuais. Contudo, a história tradicional do Cristo sofredor foi vista não mais somente como

símbolo de sofrimento, com o qual o povo podia identificar-se, mas, especificamente, como

símbolo de protesto contra seu sofrimento, e, sobretudo, como um símbolo de libertação9. É

que o símbolo de libertação identifica-se com a linguagem da teologia apresentada pelos

teólogos da região, conhecida como teologia da Libertação. Devido a essa questão atualmente

a experiência de fé de muitos cristãos está relacionada a esta experiência.

Segundo Sobrino10, o fato de existir essa nova imagem de Cristo libertador, é que se

considera a questão que abrange a Cristologia da América Latina. Para ele, esta imagem

significa “sinais dos tempos”. Dizer que é importante fundamentar a verdade, desta imagem

de Cristo, de uma forma descritiva e mostra-la como algo real. É importante destacar que essa

nova imagem de Cristo corresponde a maneira de vivermos a fé, ou seja, fazer com que os

cristãos acreditem Nele fielmente.

A cristologia através de seus questionamentos, procura abordar os atuais acontecimentos

sociais, como exemplo o elevado grau de violência e miséria. Esta Cristologia ajuda a pensar

a fé, de forma que podemos refletir essa situação, e através dessa análise teológica, os cristãos

se voltem para a prática da Igreja, e assim indicar caminhos alternativos, até mesmo voltados

às questões políticas, para que ocorram transformações e possíveis mudanças na vida da

sociedade.

Da realidade da América Latina mostra-se que é da fé em Jesus Cristo que se tem a

imagem dos povos desse continente. Dizer obviamente que a Cristologia da libertação resgata

algo essencial e fundamental na figura do Filho encarnado, isto é, procurar mostrar a presença

do Messias do Novo Testamento e a sua causa em favor de um povo que sofre. Esse ponto faz

com que possamos nos centrar e olhar criticamente as fontes da revelação de Deus,

9 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 26. 10 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 26.

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especialmente o Novo Testamento, a partir de algumas interpretações que não foram

explicitadas na história. Na verdade, a Cristologia tem a sua fonte na Escritura, e que é

interpretada normativamente pelo magistério, e por isso constatar que nesta região ela ganha

força após o Concílio Vaticano II.

Mesmo que o magistério seja um critério imperativo para qualquer sistematização

cristológica-católica, atualmente é necessário lembrar que nem sempre o tema da libertação

esteve em evidência nos seus ensinamentos. A urgência de uma teologia e principalmente de

uma Cristologia da libertação é fundamental para recuperar, ainda hoje, algo vital da

revelação, que perpassa pelos textos escriturísticos. Jesus não está desvinculado das realidades

históricas e dos processos libertários que se dão a partir dos oprimidos11.

A Cristologia da libertação determina o lugar cristológico e ajuda, posteriormente a

leitura da Revelação, a verificar a presença de Cristo diante do nosso contexto. Ela ajuda a

fazer com que percebamos que Cristo está inserido na história passado-presente, mostrando

que o Jesus de Nazaré do passado é conhecido hoje através de sinais. O papel da cristologia

latino-americana diante de tamanha constatação não pode ser de uma mera reinterpretação do

passado, contido no Novo Testamento. A cristologia da libertação precisa apresentar os sinais

da presença de Cristo no agora, sem mostrar que houve desinteresse pela história, ou seja, que

Cristo continua vivo no passar das épocas. Ela tem o objetivo de fazer com que Cristo

continue sendo a revelação presente na história, e isso faz com que os teólogos saibam

interpretar os novos “sinais dos tempos”, como diz o Vaticano II.

2.1 Elementos Fundamentais da Cristologia Latino-americana a partir do Concílio

Vaticano II

A Cristologia após o período do Vaticano II, trouxe uma renovação nas Igrejas latino-

americanas, renovação essa, na maneira de pensar a missão e a ação de Cristo dentro da

realidade dos povos. Sabemos que após esse concílio ocorreram as conferências do CELAM

em Medellín (1968) e Puebla (1989), que colaboraram para que ocorresse uma melhor

compreensão dessas Igrejas.

Compreendendo a humanidade de Jesus diante das situações opressoras, parte-se para a

busca também do entendimento do que significa a ação prática de Jesus e de sua predileção

pelos pobres, contidas nas suas pregações do anúncio do Reino de Deus. Mas de modo

11 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação. Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 26.

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especial, conseguimos entender melhor quando existe uma ligação entre a sua prática e morte,

que é vista como uma imposição devido a sua maneira de anunciar o Reino. Faz-se assim uma

articulação entre as libertações históricas experimentadas na sociedade e a salvação

escatológica realizada por Jesus12.

Um ponto importante que dentro do contexto da Cristologia da libertação é o que se

refere as suas ideologias entre a fé e a história, principalmente quando se fala do

desenvolvimento da salvação. Não será mais vista como negação da história, mas como sua

plenificação total, fazendo com que se espere e se busque, e não seja uma contradição com o

que se vive nesse mundo, mas pode ser uma completude, uma vez que quando se fala do

Reino de Deus, ele já está entre nós.

A partir do Concílio Vaticano II que é referência na América Latina, a cristologia da

libertação começa a ter uma fundamentação e, necessita da fé da Igreja, quando ela atualiza o

significado de Jesus Cristo para os cristãos do século atual. Ela faz com que os elementos

essenciais de Jesus Cristo sejam desenvolvidos pela Cristologia, e que a sua mensagem

assumida pela Igreja seja compreendida e aceita a sua fé pelos povos deste continente.

É importante destacar que Jesus Cristo, apesar de ser referência como libertador para os

povos desta região, Ele não é simplesmente um revolucionário, e sim um anunciador do Reino

de Deus, que deve ser compreendido não só na questão espiritual, mas social e cultural. Nessa

reflexão, o papel da Cristologia é trazer esperança para os injustiçados, mostrando assim,

como na época de Jesus, as vítimas do mundo atual revivem uma nova era escatológica, ou

seja, são possuidoras de uma esperança boa, pois o papel que Cristo realizou foi trazer justiça

para aqueles povos do seu tempo. A esperança não é uma esperança qualquer, mas sim aquela

no poder de Deus contra todas as injustiças que produzem vítimas13.

O lugar dessa esperança é o mais comum entre todos os lugares, isto é, o mundo dos

injustiçados e crucificados, pois, nele muitos são colocados à morte ou vítima da injustiça que

na maioria das vezes atinge os mais fracos e indefesos, frente a um sistema promovido pelo

lucro e a ambição. Para que ocorra verdadeiramente a esperança, ela deve ser uma boa notícia

para todos, principalmente para aqueles que participam da cruz de Jesus Cristo, e são levados

à morte.

“Ter uma esperança para as vítimas é a primeira exigência da

ressureição de Jesus a nós, mas também o é participar dela. Ser 12 MANZATTO in SOUZA, p. 29. 13 SOBRINO, Jon. A fé em Jesus Cristo – Ensaio a partir das vítimas, pp. 70-71.

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capazes de fazer nossas a sua esperança, estar dispostos a

trabalhar por ela, embora isso nos faça de nós mesmos vítimas,

é princípio hermenêutico insubstituível. Fora desse lugar e

dessa disposição, o anúncio da ressureição de Jesus pode ser

permutável com outros símbolos de esperança e de vida além da

morte que proliferaram e proliferam em religiões e filosofias:

libertação do cárcere do corpo, integração no absoluto,

transmigração das almas...”14

É necessário que expressemos a nossa fé, e o convite é refletir o contexto, que após o

concílio Vaticano II, a Cristologia da América Latina tem abordado sobre a práxis do Cristo,

isto é, mostrar a importância da ressurreição. Ao sermos ressuscitados a partir da práxis

completa que estamos dispostos a realizar, ocorre um bem que expressa aquilo que

historicamente, muitas vezes parece ser impossível de se realizar. Materialmente a missão

expressa pelo conteúdo da esperança é que se faça justiça às vítimas desse mundo, como se

fez justiça ao crucificado Jesus e a partir Dele que todos os povos sofredores desçam da cruz,

mostrando uma nova esperança de ressurreição.

2.2 O seguimento e profissão de fé dos marginalizados

A Cristologia latino-americana surge dentro de um contexto em que os marginalizados

são aqueles seguidores do Cristo crucificado e libertador que na verdade é a imagem da nova

fé dos oprimidos. Cristo reflete as dores vivenciadas pelo povo marginalizado que não tem

voz diante dos poderosos que massacram, e são responsáveis pelos gritos de opressão desses

povos.

A imagem de Cristo e o sofrimento do povo estiveram sempre relacionados desde a

colonização até os dias atuais. Contudo, algo novo e surpreendente ocorreu em algum

momento do passado. A nova amplitude da visão de Cristo, de símbolo de sofrimento até

símbolo de protesto contra seus sofrimentos, significa uma questão muito importante no qual

podemos chamar de maior fato cristológico na América Latina (sinais dos tempos).

Inversamente começamos esta descritiva e propedeuticamente, pois, é uma coisa real é o que

inspirará a apresentação de Cristo.

14 Ibidem, pp. 73-74.

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Jesus Cristo é uma totalidade que, agora de forma simplificada, consta de um elemento

histórico e de um elemento transcendente. Afirma-se que o mais específico, ou seja, o

histórico significa que a fé que, é a aceitação do elemento transcendente que chamamos de

Cristo. Mas Jesus é muito mais do que é Cristo, porque na realidade significa um elemento

histórico. Devido a isso analisamos que a aceitação desse fato é o que pressupõe que o Cristo

e seu reconhecimento é dom de Deus, e nesse sentido nada nos obriga a entender que Deus

seja assim e nem reconhecê-lo mecanicamente desta forma15.

A fé em Jesus Cristo está relacionada acerca da sua verdade, e principalmente naquilo

que a nossa Igreja especificamente constata sobre a missão e a história Dele. É necessário

fazer isto com honestidade a partir dos ensinamentos da Igreja, e principalmente daquilo que o

Espírito manifesta nas Igrejas da América Latina. Esse esclarecimento talvez tenha sido útil

para mostrar que, ao menos no substancial não há intenção, nem a realidade de reduzir a total

verdade de Jesus Cristo na cristologia da libertação, mesmo que haja algumas dúvidas e

suspeitas. A própria limitação humana para falar adequadamente sobre Jesus Cristo, impõe

sobriedade a qualquer reflexão cristológica, assim como, a própria realidade de Jesus Cristo,

maior do que qualquer uma das formulações sobre Ele, sempre exige profundas reflexões.

Ainda que de maneira sucinta, como algo ao serviço do qual deve estar toda a

Cristologia, sejam quais forem seus méritos ou limitações, toda pastoral, toda evangelização e

mesmo as afirmações dogmáticas, devem abranger a fé em Jesus Cristo, e de modo especial

quando se trata da Cristologia da libertação.

O mais importante é constatar que se a fé real em Jesus na América Latina, como

saber em que medida ela existe? Existem pessoas fiéis e principalmente comunidades que

seguem a metodologia anunciada por Jesus? Eles anunciam o Reino de Deus aos pobres, e de

fato ocorre uma busca da libertação destes de toda a escravidão? Procuram fazer com que

todos os homens, sobretudo a imensa maioria dos homens e mulheres crucificados vivam com

a dignidade de filhos de Deus? É necessário que tenhamos coragem de dizer a verdade para

que ela produza algo de denúncia e desmascaramento do pecado, fazendo nos manter com

firmeza nos conflitos e na perseguição que isso pode trazer conosco. Se no seguimento de

Jesus se realiza sua própria conversão de homem opressor a homem serviçal, significa que o

Espírito de Jesus, com sua misericórdia, com o coração limpo, vos fez ver a verdade das

coisas e não obscurecer o vosso coração aprisionando a verdade das coisas com injustiça. É

necessário buscar a justiça, e teremos a paz, e se conseguirmos realizar tudo isso,

15 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 26.

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principalmente, no que refere-se à realidade deste continente, significa que estamos seguindo

Jesus, porque Ele assim o fez, e essa é uma das maneiras pelas quais os povos da América

Latina possam acreditar na verdade de Jesus Cristo16.

O seguimento de Jesus Cristo através da fé, não lhes basta confessá-lo somente em

palavras nos credos da Eucaristia, nas fórmulas da religiosidade popular ou até mesmo nas

reflexões das Comunidades de Base. É necessário que haja uma colaboração da cristologia da

libertação para ajudá-los a formularem a si mesmos a sua fé vivida em Cristo. Mais do que

qualquer dessas formulações que foram citadas, viver a fé no Cristo, com a colaboração da

cristologia da América Latina, de fato é ter a sua entrega no verdadeiro amor que Cristo tem

por seus irmãos considerados pequenos e necessitados.

A linguagem da fé é o amor. Por isso, verificar-se sua própria verdade acerca de Jesus

deverá em última instância perguntar-se por que amar a Cristo? Ao percebermos as pessoas

que sofrem pela miséria, sem comida, sem educação, entre outros que sofrem por tantas outras

adversidades, nos perguntamos se existe amor a Cristo na América Latina? Deus conhece a

medida desse amor. O amor de Deus se manifesta a partir do momento que ao abordar Cristo

nos pobres, como seguidores de Cristo e verdadeiros anunciadores da sua palavra, nós

acreditamos que precisamos amar esses pequenos.

Em relação à Cristologia latino-americana, afirmar-se que nos últimos anos ela esteve

relacionada a uma teologia sistemática com tendência a historiar a pessoa de Jesus Cristo,

tanto no que se refere à questão católica ou mesmo protestante. Este fato valoriza o seu

significado revelador no que tange a sua existência terrena fazendo assim com que ocorra uma

revalorização para a compreensão total da figura de Jesus Cristo.

O processo de historização de Cristo está a serviço da solução de um duplo

questionamento: a crítica histórica apresentada sobre quem realmente foi Cristo (identidade da

Cristologia) e a dúvida do mundo desenvolvido em crise que pergunta do seu significado

(relevância da Cristologia). A teologia latino-americana conhece e compreende que algumas

cristologias, orientadas para o Jesus histórico, tenham esse entrave de fundo, e por isso tentam

obter uma resposta a cada fator que surge. Contudo, não aceita que eles sejam proposições

radicais, nem o mais urgente, nem sequer que possam ser resolvidos se forem abordados.

Devido a esses pressupostos, não se supera certo liberalismo e idealismo.

16 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo, Loyola-Vozes, 1985, p. 85.

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Pela mesma razão, segundo o autor Sobrino17, a desmitificação de Cristo é importante,

mas na região é mais urgente evitar a manipulação de Cristo e resgatá-lo da convivência com

os ídolos. O autor comenta que esta ação é importante, devido ao fato de que sem ela Cristo

permanece perigosamente abstrato e idealista; mas é insuficiente se não eliminar a sua

manipulação. Para ele, desmitificar Cristo não significa primeiramente pôr em evidência a sua

verdade histórica diante da crítica racional, mas evitar que por sua abstração histórica a

realidade possa abandonar a sua miséria. Para que isso ocorra é mais urgente do que a

desmitificação é a destreza, estar em ação, pois nos permite o neologismo de Cristo, ou seja,

que Cristo não deixa a realidade em paz.

Embora seja excessivamente dura a linguagem, o que se pretende na América Latina é

que ao nos voltar a Jesus não apresentemos Cristo em convivência com os ídolos, mas sim

Cristo unido ao povo sofredor. A crise mais profunda a qual deve responder a Cristologia

latino-americana não está na linha da pura desmitificação, mas sim na linha de que Cristo não

seja o álibi para a indiferença diante da miséria ou da desigualdade, muito menos sua

justificação religiosa. Deste ponto, é que se deve iniciar a historização de Cristo e através da

leitura do evangelho resgatar sua pessoa. Após o Concílio Vaticano II, a Igreja procura revelar

uma Cristologia que mostra, apesar de ter várias linhas, estar voltada para o Jesus histórico,

mas também sublinha que não é qualquer volta a Jesus, nem com qualquer finalidade que se

realiza o desenvolvimento de uma Cristologia que retrata a Cristo e seja verdadeiramente

relevante. A fé em Cristo se realiza mais como uma invocação a Ele do que como pura

confissão Dele, pois esse elemento de fé pode ser eclesial, onde a Igreja é o lugar da presença

de Jesus. E na América Latina, a fé professada em Cristo privilegia o momento de sua atual

presença nos pobres18.

É importante destacar em relação à cristologia da libertação, na perspectiva de

profissão de fé dos marginalizados, que durante as últimas décadas, constatou-se que novas

cristologias surgiram no cenário teológico internacional, que se evidenciaram, diante da

pergunta de Jesus de Nazaré aos seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (cf. Mc 8,

29). Essa provocação pela qual o filho do carpinteiro interrogou permanece vital e pertinente

até os tempos modernos. Diante de uma pergunta histórica, cabe a cada cristão em seu tempo,

conhecendo o passado, o presente e o futuro, dar uma resposta sempre histórica. Tendo a

17 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo, Loyola-Vozes, 1985, p. 92. 18 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo, Loyola-Vozes, 1985, p. 95.

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história como palco onde se desenvolve o saber teológico, é importante compreender que a

pergunta acerca de quem é Jesus Cristo varia em sua resposta de acordo com o contexto no

qual ela foi formulada. O que não se pode mudar e o que não deve mudar na história é a

certeza que esse questionamento já alcançou: Jesus é o Cristo.

Tomando a história como palco dialético onde se dá a sistematização teológica e a

produção cristológica, que vários cristólogos apresentaram a Cristologia da libertação. Essa

Cristologia salienta que não se perde o horizonte da elaboração sistemática cristológica de um

escrito-teológico hierarquizado, porém a pergunta “quem é Jesus Cristo” e outras perguntas

vitais devem e necessitam ser elucidadas para que esta contribua para o enriquecimento da

ciência teológica. As pistas para esta resposta vêm do cotidiano da profissão de fé de muitos

excluídos do continente, que professa e segue Cristo como libertador19.

2.3 Medellín, o surgimento de uma esperança para as vítimas sofredoras

A partir do Concílio Vaticano II a Igreja Católica na América Latina abriu um novo

horizonte em relação à necessidade dos empobrecidos. Se o Vaticano II foi um novo

Pentecostes para a Igreja na América Latina, é necessário ressaltar que a Conferência de

Medellín foi o nascimento de uma Igreja propriamente latino-americana, pois, a partir desse

acontecimento os bispos propuseram que a Igreja se convertesse: “um rosto de uma Igreja

despojada dos meios de poder”. É importante acrescentar que Medellín revela uma Igreja

mais servidora.

Medellín aborda a figura de Cristo do ponto de vista do interesse da Salvação, mas

esse fato não é nenhuma novidade para a teologia, mas em momentos cruciais o expressa em

termos de libertação, significa que vai além dos termos tradicionais de salvação ou redenção.

É o mesmo Deus que na plenitude dos tempos, envia seu Filho para se tornar carne e, libertar

todos os Homens da escravidão, a que o pecado o sujeita, como a fome, a miséria, a opressão

e a injustiça, que têm sua origem no egoísmo humano. Mas o que se afirma é que Cristo veio

para libertar de uma pluralidade de males de ordem moral, física e social, com o que faz

retroceder o conceito de salvação mais para a atuação de Jesus de Nazaré (acolhida aos

pecadores, milagres, denúncias) do que para a universalização posterior (redutora) de salvação

como redenção dos pecados.

19 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação Aparecida, Ed. Santuário: 2010, pp. 13-4.

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Os males citados, todos eles são escravidão, isto é, expressam situações pessoais e

sociais de opressão, e que, a obra de Cristo não pode ser compreendida só como benéfica, mas

tem de ser compreendida formalmente como libertação, mostrando que certamente se

recupera o significado etimológico-histórico do termo redenção: redemptio, que significa

resgate mediante pagamento da liberdade do escravo, em hebraico ga’al, que significa

recuperação que Deus faz do seu que foi usurpado20.

Em Medellín, Jesus é professado como divino e humano e é introduzido Nele o

princípio de sua parcialidade: os pobres e a miséria. Significa que Cristo, como Salvador, não

só amou os pobres, mas sendo rico tornou-se um deles, viveu e concentrou toda sua missão no

anúncio da libertação a eles, e mais do que isso fundou uma Igreja como sinal dessa pobreza

entre a humanidade.

Medellín constata a presença de Cristo na história dos povos e o revela presente na

nossa. Antecipa Seu gesto escatológico, não somente no desejo impaciente do homem para

alcançar sua total redenção, mas também naquelas conquistas que, como sinais indicadores do

futuro, o homem vai fazendo através de uma atividade realizada no amor. Medellín mostra

Cristo presente nas comunidades de fé que dão verdadeiros testemunhos. A novidade, embora

indiretamente, da sua presença acontece no meio dos oprimidos. Onde se encontram

injustiças, desigualdades sociais, politicas, econômicas e culturais, ocorrem uma rejeição do

dom da paz do Senhor, significando a rejeição do próprio Cristo21.

Medellín significou uma grande esperança para o contexto da Igreja latino-americana,

pois, a partir desse acontecimento a Igreja seguiu uma reflexão crítica e profética denunciando

as ideologias do capitalismo selvagem, da corrupção, dos regimes militares e revelou o

martírio de tantos que lutaram pela justiça e igualdade social. Especificamente no nosso país,

nessas últimas décadas ocorreram várias contribuições que vieram a partir de Medellín, entre

elas, ressalta-se o rico itinerário pastoral da CNBB, que diante do regime militar assumiu a

defesa dos direitos humanos contra a perseguição política, a violência e a tortura, e motivou

os bispos para estarem ao serviço dos indefesos e das vítimas dessas situações. Os bispos da

Igreja Católica focaram temas em defesa dos direitos humanos e especificamente da

população desfavorecida, como os indígenas, os operários, os trabalhadores rurais, os menores

abandonados, os marginalizados, tudo isso através das questões levantadas nas Campanhas da

Fraternidade.

20 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 35. 21 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 37.

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2.4 A missão e a cruz de Cristo e a missão e o sofrimento dos povos

Após o Vaticano II, a cristologia da libertação retrata a missão e a cruz de Cristo,e

relacionado ao sofrimento dos marginalizados da América Latina. Para a cristologia da

libertação, viver a prática de Jesus significa compreender a sua encarnação, e encarnar sua

vida no mundo dos perseguidos (cf. Mt 6, 24), e comparando a perseguição deles com a

perseguição que Jesus assumiu em sua missão do anúncio do Reino. Reino que relativizou a

preferência pelos pobres (cf. Lc 14, 16-20). A cruz vivida por Jesus não deve desencantar,

desorientar os cristãos diante do seguimento do mesmo. Ao contrário, devemos afirmar que os

conflitos e as cruzes assumidos por Jesus, e que a maioria dos cristãos encontram na sua

história não deve levá-los a perder a resistência e a esperança, o amor a Deus e as vidas dos

irmãos, doando a sua própria 22.

Quando se relata a questão da encarnação de Jesus, estabelecemos também que a cruz é

consequência de uma encarnação situada em um mundo de pecado, que se revela com poder

contra a autoridade de Jesus. Nesse ponto, uma maneira de recuperar o sentido original da

cruz de Jesus é considera-la como a consequência histórica de sua vida. Jesus não foi

exatamente um profeta, mas também foi por isso que foi crucificado. Para melhor

compreender o sentido dessa inserção histórica da cruz, devemos considerar em primeiro

lugar o significado daquilo que asseguramos como desígnio de Deus, que se compreende

como a sua manipulação da história para se chegar ao único ponto que interessa: a cruz como

algo redentor. Mas pode e é nossa obrigação entendê-la como a autêntica encarnação de Deus.

Se Deus se encarnou na história, se aceitou o mecanismo, as ambiguidades e as contradições

da história, então a cruz revela a Deus não apenas em si mesma, mas conjuntamente o

caminho histórico que leva Jesus a ela23.

A Cristologia da libertação é um dos pontos que abordam a imagem e a missão do

Cristo referenciando a sua pessoa com a imagem e a missão dos marginalizados. Não

obstante, essa imagem não é fruto de uma mera dedução teológica abstrata, mas sim ela tem o

objetivo de mostrar, em primeiro momento, um lugar determinado historicamente, que é a

Igreja dos excluídos e o mundo deles. Esse lugar, que determinou e orientou a produção

cristológica, numa certa direção, quer mostrar a existência profunda de uma relação entre fé

realizada e uma Cristologia que se apresenta interessada em uma história, que muitas vezes é

22 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 93. 23 Sobrino, Jon. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis, Vozes: 1983, p. 212.

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contestada, mas é mostrada por uma Igreja que se interessou pelo mundo desses povos do

continente.

A relação existente entre cristologia e história faz com que, a cristologia ao falar do

Cristo possa considerar e interpretar as duas realidades necessárias para que a vinculação da

cristologia - história possa ser eficaz. Mostra, desta forma, o que o Evangelho relata sobre a

vida e a missão de Jesus, ao anunciar o Reino, e os textos bíblicos nos quais aparece a

revelação, ou seja, a realidade de Cristo naquele tempo presente e sua presença atual na

história dos povos marginalizados 24.

Segundo Vedoato, a realidade da libertação, que apresenta a revelação de Deus na

história, é vista em meio à realidade da opressão do continente latino-americano também em

nossa época. Para ele existe a necessidade de falar de Cristo no contexto atual da sua missão,

apresentando assim a cruz que Ele assumiu na sua época e revelando o sofrimento e o

desprezo que os necessitados da América Latina sofrem. Dizer da missão de Jesus e da missão

daqueles que lutam pela causa dos fracos, apresentando o Cristo libertador, é que é a partir de

Cristo que haverá a libertação dos pobres25.

Quando se fala em Jesus Cristo libertador, é necessário que se apresente uma fé nesse

Cristo. E viver a fé em Jesus Cristo significa um compromisso com a libertação histórica dos

oprimidos, que para nós cristãos, só pode ser assumida a partir de um compromisso real (lugar

social), fazendo que se possa dar relevância a todas as dimensões libertadoras, presentes no

ministério de Jesus Cristo. Desta maneira, libertação significa o oposto da dominação, ou seja,

é anunciar Jesus Cristo e fazer com que o seu anúncio, partindo-se da missão assumida pela

cruz, possa ser transformado em uma fé que visa uma transformação estrutural, cultural e

social, rompendo com a estrutura de opressão. Essa fé em Jesus produzida pela cristologia,

implica em um compromisso político e social 26.

Jesus viveu intensamente em seu tempo, todos os conflitos da sociedade da época,

principalmente a questão do domínio do Império Romano na Palestina no século I, no que

tange a obrigação que todos tinham de pagar os tributos à Roma. A maneira política romana

para a região, reforçada pelo projeto de Herodes, fazia com que houvesse um investimento

pesado na construção civil e na organização social que privilegiava os poderosos, de maneira

especial os proprietários e comerciantes, e que em sua maneira de agir apoiavam esta

24 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 25. 25 Ibidem, p. 26. 26 BOFF, Leoanardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 15.

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organização. Os desprotegidos que eram a maioria viviam sem condições socioeconômicas.

Na questão religiosa, quem dominava e organizava o templo eram os Saduceus e a

observância estrita da lei era imposta como queriam os Fariseus.

Dentro dessa situação, que era resultado desse confronto, a morte de Jesus guarda o seu

valor de salvação, fazendo com que Ele assumisse a cruz e morte, entregando sua própria vida

por Deus e por uma causa, fazendo com que seu sacrifício tivesse uma ligação com toda essa

história relatada. Dessa maneira, Jesus anuncia o Reino de Deus, fazendo com que sua morte

seja compreendida dentro da perspectiva da ressureição, que na verdade, é confirmada por

parte de Deus, ou seja, o Deus da vida. Isto significa que se Ele foi morto, foi porque alguns o

condenaram, e nesse sentido sua pregação e suas ações estavam desagradando a esses

poderosos, mas agradando a Deus que O ressuscitou. A ressurreição insere-se na lógica do

Reino de Deus27, confirmando que Deus exerce seu governo. E para nós, dentro do contexto

da América Latina, temos a esperança de que Deus exerce seu governo nos povos que são

perseguidos nesse continente, assim como Ele agiu em favor do seu próprio filho.

A ligação da situação de miséria do povo, devido à situação de adversidade da América

Latina, com a cruz assumida por Jesus, nos faz constatar que esse fato influencia muitas

pessoas a serem cristãos. Na verdade ser cristão neste continente, principalmente após a

abertura que o Concílio Vaticano II deu as Igrejas locais, significa uma exigência de postura e

de atitude. Denotando que apesar da Igreja após esse período relacionar a fé desses cristãos à

cruz de Cristo, o mais importante é que Ela possa orientar a esses cristãos a confiar no Cristo

libertador, ou seja, aquele que concede esperança àquelas pessoas que têm a cruz como ponto

de sofrimento em suas vidas.

Ser cristão na América Latina atualmente significa se preocupar com as questões

sociais, principalmente no que tange ao sofrimento e a miséria. Não é possível prolongar por

mais tempo a situação de uma fé que encobre a injustiça social e acaba por servir como

instrumento de determinação para uns em detrimento da maioria. Significa que há uma

exigência em relação à conversão de uma fé neutra para uma fé solidária e comprometida e

solidária a favor da vida de todos. O amor de Jesus foi para todos, mas a sua realização

concreta foi primeiramente se colocar em favor dos que estavam em situação de sofrimento

causado pela miséria, e cabe também aos cristãos posicionar em humanizar aqueles que são

responsáveis por oprimir. Quando assumimos esse conflito de fato, o resultado significa a

práxis do amor de Jesus, mesmo que muitas vezes cause rejeição, polêmica e até morte, o caso

27 MANZATTO in SOUZA, p. 55.

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dos profetas e mártires da América Latina. Além disso, se exige do autêntico cristão latino-

americano que ele possa se comprometer e ser solidário com aqueles setores populares que

lutam pela melhoria e estrutura da sociedade, e a partir desse compromisso, que eles possam

fazer parte de uma comunidade eclesial completa para alimentar e agir por essas exigências.

Seguir significa lutar a favor do Deus da vida 28.

3 Os conceitos principais e as categorias da missão de Cristo

Quando se retrata da Cristologia da América Latina, é importante destacar os conceitos

e as categorias que determinam a missão da humanidade de Cristo. A cristologia da libertação

surgiu principalmente no local que existe a imagem de Jesus Cristo libertador, especialmente

uma imagem que trata de uma dedução teológica abstrata, ou seja, que revela uma Igreja

refletindo historicamente o lugar e o mundo dos pequenos. Esse lugar real é que determinou e

orientou para que historicamente ocorressem certa direção e conhecimento das categorias

principais da missão de Jesus.

A relação que ocorre entre a Cristologia e a história, no qual foi mencionada, faz com

que a Cristologia ao falar de Jesus Cristo possa revelar a presença real e eficaz da presença de

Cristo na história. Entretanto, as categorias relacionadas à missão de Cristo abrangem de

modo especial a relação de Jesus com o Reino algo constante e importante na produção

teológica da Cristologia da libertação29. Outra questão importante como categoria está em

considerar Jesus histórico como ponto de partida.

3.1 O ponto de partida para a Cristologia: “Jesus histórico”

A Cristologia latino-americana destaca um ponto fundamental presente na realidade dos

povos da América Latina. A questão é se o ponto de partida de cada cristologia tem a

presença da realidade histórica, na qual mostra o lugar social eclesial em que está sendo

retratada. Por isso é importante saber se a Cristologia, em seu ponto de partida, está de fato

em união com as verdades que nos vêm através da presença de Cristo no contexto histórico da

nossa realidade atual. Isso significa que devemos ter um comprometimento com aquilo que

compreendemos do Jesus histórico. E a partir dessa compreensão saber que Jesus histórico

28 CODINA, Victor. Ser cristão na América Latina. São Paulo: Loyola, 1998, p. 25. 29 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação. Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 41.

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29

não é o único ponto de partida das cristologias em geral30, ou seja, temos que considerar que

cada cristologia tem uma opção metodológica própria para destacar e abordar as verdades a

respeito de Jesus Cristo. Ultimamente percebe-se, principalmente após o período conciliar,

uma volta a se abranger novamente a pessoa de Jesus de Nazaré, como elemento

metodologicamente fundante para uma produção cristológica hodierna.

Quando se elabora uma Cristologia, é importante que tenhamos uma reflexão da fé, que

para nós cristãos e teólogos está fundamentada na pessoa de Jesus Cristo, mas é necessário

compreender e abordar a questão metodológica que ajuda dar conta dessa realidade total que

referenciamos quando falamos que a fé do teólogo na sua totalidade deve ser em Jesus Cristo.

Essa questão, segundo Sobrino31, é difícil, pois ele diz que segundo a fé, Jesus Cristo reclama

para si um significado universal. “Tudo foi criado por Ele e para Ele, Ele é antes de tudo e

tudo subsiste Nele” (cf. Cl 1, 16-17; cf. Ef 1, 10) e não existe um ponto de partida único, e

nem é exigido inequivocamente pelo Novo Testamento para se chegar a essa totalidade. Para

esse autor ele reflete que também é uma questão arriscada, pois, ao escolher, mesmo que seja

só metodologicamente, um ponto de partida, o resultado final da cristologia pode ser diverso e

muitas vezes arriscado e perigoso.

Mesmo sendo perigosa, a escolha é inevitável, porque embora a totalidade de Jesus

Cristo possa, segundo a nossa concepção, estar presente de alguma forma desde o início na

subjetividade da capacidade de compreensão do teólogo. Segundo o autor não pode começar

com essa totalidade como tal. O que é preciso encontrar é um ponto de partida que possa

parecer condizente e apto para nele centrar.

Desde o princípio o que escolhemos, como ponto de partida, a realidade de Jesus de

Nazaré, isto é, sua vida, sua missão, é o que se costuma considerar e chamar “Jesus histórico”.

É importante destacar que infelizmente ainda em nossa atualidade ocorre uma busca

incessante por um conhecimento maior pelo Cristo da fé, e muitos acabam abdicando do Jesus

Histórico. O homem Galileu que nasceu em Nazaré, há mais de dois mil anos ainda é

desconhecido pela sociedade, a não ser por profundos teólogos. O Cristo da fé dominou os

corações dos seus seguidores e da maioria da sociedade. Neste caso, percebe-se que o homem

Jesus, que trouxe profundas paixões e discussões teóricas, está sendo elaborado por uma

teologia mais recente.

30 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação. Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 33. 31 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 62.

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30

O Jesus histórico dentro dessa reflexão ainda é algo novo na teologia da América

Latina. Mas diante de tantos sofrimentos e dores causadas, para esse povo não é possível fazer

uma Cristologia da América Latina sem refletir o homem histórico da Galileia no século I.

Um ponto interessante relacionado ao Jesus histórico é estudar a sua figura a partir da sua

história, ou seja, refazer uma leitura dos seus aspectos sociais, políticos e econômicos de seu

tempo, somente assim, se compreende os principais eventos da vida de Jesus, sua pregação,

morte e ressureição. Nessa questão afirmamos que a Cristologia de libertação privilegia o

Jesus histórico. Mesmo porque existem situações atuais que apresentam uma característica

própria para que o Jesus histórico apareça, principalmente pelo fato Dele fazer com que

tenhamos contato com seu programa de libertador e isso interessa a essa pesquisa.

O Jesus histórico nos revela o Pai, revela o Reino anunciado pelo Pai, e isso significa

um projeto de conversão, ou seja, uma mudança de vida, principalmente na busca de justiça e

paz, que são frutos do Reino do Pai anunciado pelo Jesus libertador.

Outro fator que nos faz refletir o Jesus histórico como ponto de partida para a realidade

dos povos da América Latina é uma releitura mais crítica da situação do homem e da

sociedade, e de como eles se apresentam historicamente. Deste modo o Jesus histórico

significa crise e não justificação da presente situação do mundo, fazendo com que tenhamos

sensibilidade para perceber a necessidade de transformação, e não tanto de explicação. Assim

o autor Leonardo Boff nos ajuda nessa reflexão dizendo em sua análise que o sentido pleno do

Jesus histórico não se deduz da plena análise histórica, mas de sua leitura a partir da revelação

completa do seu caminhar, que leva a ressureição. A luz da ressureição não dispensa a

consideração da história, mas remete a uma preocupação mais atenta desta, como comprovam

os próprios evangelhos32.

3.2 A noção de Reino de Deus

Um aspecto importante da cristologia da América Latina é apresentar o Reino de Deus

como ponto relevante para a nossa reflexão e um dos pontos dessa pesquisa, onde teremos um

capítulo que abordará esse assunto de uma maneira mais ampla. Mas nesse momento gostaria

de relatar a noção do Reino de Deus como um aspecto fundamental e relevante na Cristologia.

Na verdade, quando se fala em Reino naturalmente se fala na figura e na pessoa de Jesus

Cristo, pois os dois estão interligados nesse aspecto.

32 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 26.

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31

A relação entre cristologia e Reino sempre foi apresentada como um ponto fundamental

na produção teológica da cristologia da Libertação. Na verdade, quando se produz conteúdos

profundos que abordam as questões do Reino de Deus, como a última realidade para Jesus e a

perspectiva do Reino, sua parcialidade histórica é sem dúvida um dos pontos fundamentais

como chave de leitura, para que tenhamos uma compreensão do Reino no embate da

cristologia da América Latina.

A questão da ultimidade do Reino de Deus na missão de Jesus aparece tanto no aspecto

teológico, refletindo qual a última realidade para Jesus, como no aspecto histórico,

questionado o que é o Reino de Deus para Jesus. A questão escatológica é: como se fazer

próximo ao Reino de Deus? Em relação à problemática teológica da ultimidade do Reino,

para Jesus certamente não é a dimensão institucional da Igreja, pois o último para o Jesus é o

Reino de Deus, o qual foi o centro e o marco da sua pregação, dizendo de sua proximidade. O

que está em evidência na relação entre Jesus e o Reino de Deus, é mais do que a simples

relação entre ambos, é a explicitação histórica transcendental que o Reino reclama para si33.

Sobre a questão relacionada à problemática histórica do que é o Reino para Jesus,

parece que os principais teólogos da América Latina não se satisfazem com algumas

conclusões que afirmam que Jesus jamais se pronunciou abertamente quanto ao que é o Reino

de Deus, mas sim, falava da sua proximidade. Jon Sobrino diz que a alternativa frente a tal

impasse posto sobre essa questão, encontra-se no fato de que não se deve considerar

simplesmente o que Jesus disse sobre o Reino e sua proximidade, mas também o que Jesus

realizou em forma de serviço para esse próprio Reino34.

Na verdade, o Reino é uma proximidade enquanto boa notícia anunciada, de modo

especial aos pobres, fazendo com que possamos compreender que o Reino de Deus para Jesus

representaria impreterivelmente, um reino que se aproxime em primeiro lugar, da figura do

pobre, um reino para os pobres. Entendemos o motivo da vida de Jesus,isto é, estar a serviço

aos pobres, como os primeiros destinatários do reino35.

A proximidade do Reino voltada em primeira ordem para os pobres no plano da missão

assumida por Jesus, não quer e nem tem a pretensão de esgotar a parcialidade do Reino,

objetivada pela prática histórica de Jesus. Essa realidade representaria um grande

33 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 42. 34 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo, Loyola-Vozes, 1985, pp. 123-125. 35 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo, Loyola-Vozes, 1985, p. 126.

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32

reducionismo teológico do que é o Reino para Jesus. Sendo assim, não era a intenção de Jesus

somente anunciar o Reino aos pobres, mas sim buscar a liberdade de sua miséria real, ou seja,

não foi projeto de Jesus somente estabelecer uma esperança para eles, mas postular uma

práxis que se concretizasse em práticas de libertação. É nessa questão que se situa a sua

atividade libertária, solidária e de denúncia das estruturas de pecado.

A questão é problemática, ou seja, de cunho escatológico, como se faz o próximo o

reino de Deus? Segundo alguns teólogos o Reino “já chegou, mas ainda não”. De fato seria

essa alternativa para entender o levantamento da problemática, mas do ponto de vista de uma

cristologia da libertação, com uma atenuação, podemos descrever que “se alguém quiser vir

após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e me siga” (cf. Mc 8, 34). Significa na tônica

do estreitamento entre escatologia e seguimento, o seguir a Jesus diante daquilo que Ele disse

e fez em favor do Reino, acreditando que tamanha esperança e práxis, fazem presente e

próximo o Reino de Deus.

A relação entre Jesus e o Reino de Deus reclamou para si a explicação de duas

realidades: o Reino como realidade última para Jesus, e o seu significado sob o olhar

teológico-histórico e escatológico e sua incidência no âmbito da atividade histórica de Jesus.

Ao mesmo tempo, por outro lado, sua proximidade através de Jesus enquanto historização

radicaliza algo fundamental ao seu respeito. De fato, o Reino de Deus inicia e começa a ser

vivido nessa história, parcializando horizontalmente, sobretudo a partir de uma prática de fé

libertaria, voltada de modo substancial aos seus primeiros destinatários: os marginalizados.

Nesse aspecto, com certeza, pode-se afirmar sem medo de cometer qualquer equivoco

teológico, e sendo fiel às limitações que foram dadas na sistematização relacionada ao povo

de Deus, que a ação missionaria de Jesus, uma vez voltada para a realidade última, que é o

Reino de Deus e sua relação com a história dos homens, inegavelmente é uma opção

evangélica.

Uma vez que a noção do Reino de Deus está relaciona à cristologia da libertação, onde

se privilegia a via dos destinatários (os pobres) para abordar o tema do Reino, os mesmos

ajudam a compreender melhor os conteúdos de tal realidade. Cabe nesse momento, tendo em

vista que já foi enfatizado no que se entende por reino historiado, questionar de fato o que nós

entendemos por pobres36.

36 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 45.

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33

Na cristologia da América Latina procura-se valorizar o contexto de liberdade em prol

da vida que o ser humano necessita para alcançar sua felicidade, ou seja, o que a pessoa

precisa para viver. Afirmar-se que o Reino de Deus anunciado por Jesus é a centralidade da

vida cristã e a missão da Igreja. É claro que nessa afirmação o que destaca não é uma

cristologia em benefício de um Cristo abstrato, mas uma Cristologia que procura valorizar o

Reino de Deus que revela e compreende uma maneira de se fazer Igreja.

Sobrino mostra que o Reino de Deus é o ponto central do Antigo Testamento, como

forma de exprimir o desígnio salvífico de Deus e a esperança do povo, principalmente Israel

que passou por inumeráveis vicissitudes, problemas e tragédias, mas manteve sempre uma

esperança baseada em sua fé. Não confinou Deus a um nebuloso além, mas teve a experiência

de sua passagem pela história, e de forma muito concreta. No Egito, Deus escutou os

clamores de um povo oprimido e desceu para libertá-lo, essa foi a origem de sua confissão de

fé e de sua esperança37.

Fato também importante em relação à Cristologia da América Latina, quando se trata de

Reino de Deus, é que quando Deus age, o mundo torna-se se seu Reino, por isso, antes de

Reino, é preciso mencionar o reinado de Deus. Quanto ao conteúdo, esse reinado torna real,

antes de tudo, o ideal anelado de justiça. Isso mostra que Deus que reina no mundo pelo fato

de ser bom e misericordioso com todas as suas criaturas (cf. Sl 86,15s; 145,9), transforma

uma realidade histórico-social injusta em outra justa, na qual reina a solidariedade e na qual

não há excluídos (cf. Dt 15,4). Então, destaca-se que o reinado de Deus deve ser

compreendido como libertação, não só como ação benéfica, mas como ação do próprio Deus.

Nesse ponto, tem uma dimensão histórica porque se trata de libertação de opressões objetivas,

embora o olhar traga uma abertura à transcendência; e social, pois é libertação e justiça para

um povo, ainda que olhar vá dirigindo-se ao pessoal. E, como dissemos, é teologal, porque

Deus revela a sua realidade ao passar assim e não de outra maneira pela história.

Mas é importante destacar que o Reino, é um dom de Deus, torna-se uma tarefa de um

povo, a qual é central na Escritura, e é muito importante lembrar isso quando se pensa a

missão da Igreja atual. Em outras palavras, a forma de ação de Deus é, compassiva,

libertadora, promotora de justiça, e deve ser também a forma de agir de Israel: “Não haverá

pobres entre vós, partilhareis os frutos da colheita com todos, ajudareis o estrangeiro, e a

viúva” (cf. Dt 15 e 26. Lv 19). Assim sendo, Israel não só por ser eleito o escolhido, será povo

37 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há Salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo, Paulinas: 2008, pp. 121-122.

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34

de Deus. A escolha não comporta, pois, um privilégio acima dos demais povos. É antes, uma

grave responsabilidade e compreender isso é importante, pois a consciência de ser escolhido

contém em si sempre graves perigos também na Igreja38. Recordar que o Antigo Testamento

tem uma preocupação com o povo de Israel, significa relatar que o Deus daqueles povos é o

mesmo que continua agindo no contexto dos povos latino-americanos e por isso esse ponto é

uma das noções fundamentais do Reino de Deus na cristologia latino-americana.

3.3 Um aspecto importante do “Jesus histórico” é mostrar a sua missão para os povos

da América Latina

Um dos pontos principais em relação à cristologia da América Latina refere-se à

relevância libertadora do Jesus histórico, mostrando que a prática de Jesus dentro desse

contexto é uma prática que revela a sua missão, a sua história, e não o Cristo da fé. Leonardo

Boff escreve que existe um isomorfismo¨ estrutural de situações, ou seja, uma forma igual

entre a época de Jesus e o nosso tempo, principalmente no que tange à opressão e

dependências objetivas vividas subjetivamente como contraditórias ao plano histórico de

Deus39. A prática de Jesus é entendida como historificações daquilo que significa o Reino de

Deus, uma mudança libertadora da situação. Nesse ponto, Jesus se revela dentro de sua

história como aquele que se aproxima dos projetos dos grupos dos oprimidos e

marginalizados.

A cristologia latino-americana não revela em seu registro o que se deve compreender

por milagres interpretados como ação de Deus dentro de um projeto de curas maravilhosas, e

sim dentro de um sentido, onde ocorre uma interferência de Jesus, que quer mostrar que

deverá ocorrer uma libertação total. As atitudes de Jesus encarnam a sua humanidade, e por

isso ele se coloca diante dos mais fracos que também são humanos. Essa atitude de Jesus

encarna o Reino e corporifica o amor do Pai, fazendo com que ele se aproxime daqueles que

todos evitavam, que são os pecadores, impudicos, bêbados, leprosos, meretrizes ou em uma

só palavra os marginalizados social e religiosamente, não é por um mero espirito humanitário,

mas porque a histórica atitude amorosa do Pai para com esses pequenos e pecadores. Sua

situação não representa a estrutura final da vida, não estão definitivamente perdidos, pois

nesse sentido, Deus pode libertá-los de todas as opressões.

38 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há Salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo, Paulinas: 2008, pp. 122-123. 39 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 25.

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35

A práxis de Jesus possui um eminente caráter sócio-político e busca alcançar uma

estrutura na sociedade e da religião de sua época. Ele não se apresenta como reformista

acético à maneira dos essênios nem observantes da tradição como os fariseus, mas

simplesmente como um libertador profético40.

O anúncio e as práticas de Jesus procuram visualizar uma nova imagem de Deus e um

novo acesso a Ele, revelando-se o Deus de infinita misericórdia e de bondade que ama os

ingratos e os malvados (cf. Lc 6,35), que se aproxima em graça, além do que fora prescrito e

exigido pela Torá. Esse Deus não é um em si, fora de toda a história, que foi revelando-se

epifanicamente, mas é um Deus que se revela na história enquanto realiza seu Reino e com

isso transforma toda a situação de sofrimento. Jesus na Cristologia latinoamericana deve ser

primeiramente pensado a partir de sua história, vida, morte e ressureição e posteriormente a

partir do futuro, ou seja, do Reino que vai implantar como total libertação dos mecanismos do

passado e como plenitude de vida ainda não experimentada. Portanto, o acesso a Jesus não se

faz primeiramente pelo culto, pela observância religiosa ou pela oração, isso são mediações

verdadeiras, mas em si ambíguas, então afirmar-se que o acesso privilegiado e sem

ambiguidade se faz pelo serviço ao pobre, no qual o próprio Deus se esconde.

A prática libertadora do Jesus histórico constitui o caminho mais seguro para o Deus de

Jesus Cristo. Quando falamos da palavra libertadora, destacamos uma situação relacionada às

relações sociais. A sociedade de sua época estava muito estratificada: distinguiam-se próximo

e não próximo, puros e impuros, judeus e estrangeiros, homens e mulheres, observantes das

leis e povo ignorante, homens de profissões de má fama, enfermos considerados pecadores.

Mas nesse ponto Jesus solidariza-se com todos eles e isto lhe vale difamações de glutão e

beberrão, amigo de coletores de impostos e desacreditados (cf. Mt 11, 19), e por isso ocorre

ataques impiedosos a Ele em relação a isso.

A cristologia latino-americana está voltada à justiça e ocupa o lugar central no anúncio

de Jesus, pois, Ele declara abertamente a todos: “Bem-aventurados os pobres”, não por olhar a

pobreza como virtude, mas por ela sendo fruto de relações injustas entre os homens. Provoca

a intervenção do Rei messiânico, cuja primeira função é fazer justiça e defender os fracos em

seu direito. Jesus rechaça também a riqueza que vê dialeticamente como consequência da

exploração dos oprimidos. Ele qualifica simplesmente de desonesta (cf. Lc 16,9). O ideal de

Jesus não é uma sociedade de opulência, e nem de explorações, mas sim uma sociedade de

justiça e fraternidade para todos.

40 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 28.

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A Cristologia da libertação da América Latina tem a função de não concordar com as

injustiças, e ao contrário denunciar através de críticas todo poder de dominação (cf. Lc 22,25-

28), desmitificando sua eficácia e sua qualidade de mediação para Deus. A relativização

operada por Jesus atingiu também o poder sagrados dos Césares, aos quais nega caráter divino

(cf. Mt 22,2) e à condição de pretensa ultima instância (cf. Jo 19,11). A paz romana, baseada

na dominação, não encarna o Reino de Deus41.

O Jesus histórico ocorre dentro da sua história que tem ainda futuro e nos faz pensar em

uma compreensão que postula a protelação da parusia,ou seja, que significa que é mister

relativizar essa atitude do Jesus histórico e atribui-las ao condicionamento e limites de suas

categorias culturais de expressão. Isso não exime a teologia da necessidade de pensar na

tomada de poder politico como forma legitima e adequada de proporcionar mais justiça aos

marginalizados; tal poder, enquanto se submete à lei do serviço e por isso mesmo não se

absolutisa,pode construir uma forma histórica de concretização do intencionado pela ideia de

Reino. E isto porque Jesus não propugna um amor despolitizado, des-historizado, mas um

amor politico, ou seja, situado e que tenha repercussões visíveis para o homem42. O apelo de

Jesus a toda renúncia de vingança em favor da misericórdia e do perdão nasce de uma fina

percepção na realidade histórica: sempre haverá estruturas de dominação, mas isso não deve

nos levar ao desânimo ou assumir essa estrutura, ao contrário, impõe-se a necessidade do

perdão que é a força do amor capaz de viver com as contradições e superá-lo de dentro, essa é

a verdadeira prática de Jesus, como ponto de partida para a verdadeira prática da cristologia

latinoamericana.

A cristologia da América Latina relata que o Jesus histórico em todo seu contexto de

missão aborda o aspecto da justiça (“Felizes os que são perseguidos por causa da justiça,

porque deles é o Reino do Céu” – cf. Mt 5,10). A justiça é um ponto fundamental da prática, e

do ministério de Jesus. Para Jürgen Moltmann, a justiça significa “estar em ordem”,

encontrar-se na relação certa, ou seja, significa a correspondência e concordância de estar

próximo da verdade, mas pode significar “ser capaz de ficar de pé”, ter firmeza e encontrar

razão para existir e assim é ter um contexto de existência43.

No Antigo Testamento, justiça não significa concordância com uma norma ideal ou com

o logus do ser eterno, mas significa estar em relação com uma comunidade histórica,

41 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 30. 42 BOFF, Leoanardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 31. 43 MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança: estudo sobre os fundamentos e consequências de uma escatologia cristã. São Paulo: Ed. Teológica e Edições Loyola: 2005, p. 258.

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instituída pela promessa e pela fidelidade. Quando Israel louva a justiça de Deus, e relembra

com gratidão sua fidelidade às promessas da aliança, visível no decurso da história de Israel.

A justiça de Javé é sua fidelidade à aliança, e por isso, a sua justiça acontece, e de fato ela

pode ser narrada e confiada plenamente para o futuro, e esperada através da salvação de sua

justiça. Quando os homens colocam sua confiança na fidelidade de Deus à aliança e vivem de

acordo com sua aliança, segundo a promessa e sua ordenação, eles dão a razão a Deus e

alcançam a justiça. Alcançam a justiça não só para com Deus, mas principalmente uns com os

outros em relação às coisas.

A história da justiça de Deus evidentemente não é reconhecida na própria história de

Israel e na história humana, mas no decorrer e,no destino de toda criação. Por justiça de Deus

entende-se o modo como Ele, na liberdade de suas ordenações, mantém a fidelidade a sua

palavra e a sua ação e guarda a sua estabilidade. Nesse aspecto, acrescentamos que tudo

aquilo que deve sua existência à ação de Deus, isto é, toda a criação tem necessidade da

justiça de Deus. A justiça de Deus é o fundamento da existência, e acrescentamos que é a

razão da constância no ser. Sem sua justiça e sua fidelidade nada pode subsistir e tudo

afundaria no nada.

A justiça de Deus é universal, ela diz respeito à justificação da vida humana e ao

fundamento da existência de todas as coisas, se é da justiça de Deus que se espera a

justificação do ser humano, e assim chamamos a sua harmonização consigo mesmo, com seus

semelhantes e com toda a criação, significa que ela pode se tornar o conceito que inclui uma

escatologia universal que espera do futuro da justiça um novo ser para todas as coisas. A

justiça de Deus, não se refere a uma renovação do que existe, mas ao novo fundamento do ser

e uma nova ordem de vida da criação em geral. Com a vinda da justiça se espera uma nova

criação44.

No contexto da cristologia latinoamericana, diante do fator histórico revelado pelo

Cristo, a justiça de Deus acontece agora e aqui, e como a prática de Jesus foi anunciar a todos

o Reino e a justiça, é importante que o Evangelho se torne manifesto pelo fato de anunciar o

evento da obediência de Jesus até a morte de cruz, evento esse de sua entrega à morte, sua

ressureição e sua vida como a vinda da justiça de Deus para os injustos. A realização e

revelação de uma nova justiça de Deus para os pecadores se tornam assim o mistério de Jesus

Cristo que é revelado na promessa do Evangelho: Jesus foi entregue à morte por nossos

44 MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança: estudo sobre os fundamentos e consequências de uma escatologia cristã. São Paulo: Ed. Teológica e Edições Loyola: 2005, p. 259.

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pecados e ressuscitou para nossa justificação (cf. Rm 4,25). “Deus tornou pecado por nós

aquele que não tinha pecado, para que Nele nos tornássemos justiça de Deus” (cf. 2Co 5,21).

Portanto, dessa forma por obra de Deus Nele se realiza a reconciliação dos não

reconciliados45.

4 A Cristologia latinoamericana mostra situações adversas dos pobres e oprimidos da

América Latina

Para que possamos fazer uma boa hermenêutica sobre o contexto da Cristologia

latinoamericana, é necessário explicar claramente a experiência vivenciada por Jesus Cristo. E

falar a partir da sua história, mas no que se refere à realidade latino-americana, destacar a

importância do significado dessa realidade, principalmente os cristãos. Em Jesus Cristo

apresentamos aquilo que somos e temos, inseridos dentro de um contexto histórico e social

inevitável. Com os nossos olhos vemos a figura de Cristo e relemos os textos sagrados que

falam e mostram a sua experiência no século I, e a partir dele surge uma cristologia pensada e

ensaiada vitalmente na América Latina. É com o olhar em Jesus Cristo, e focando no contexto

social de pobreza e miséria da América Latina, que surgem as preocupações dos teólogos que

são também as nossas. O que está mais em foco na América Latina, não é tanto a Igreja, mas

o homem a quem ela deve auxiliar, erguer e humanizar46.

Partindo-se do ponto de vista de que a preocupação do contexto da América Latina está

com o homem, verifica-se que as situações adversas dos oprimidos dessa realidade interessam

plenamente, e preocupam totalmente a Igreja. A experiência de Jesus Cristo no século I foi a

partir dos oprimidos, fazendo com que as nossas Igrejas tenha um olhar de carinho para com

esses. Quando a Igreja coloca uma relação essencial, então surge a Igreja dos pobres, e esta se

converte no lugar eclesial da cristologia latinoamericana. O lugar deles é buscar a sua fé na

Igreja, através de uma busca por uma prática libertadora, sendo seguidores de Jesus, ou seja,

sendo semelhante a Jesus em sua opção, em suas denúncias e em seu destino histórico, essa é

a função de uma verdadeira Igreja libertadora.

A Igreja dos fracos passa pela experiência de Jesus Cristo em sua época, mas

atualmente ela tornou-se a Igreja dos mártires, e pela mesma causa podemos destacar

daqueles que foram e são assassinados a exemplo de Jesus que teve uma causa, que é o Reino

45 MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança: estudo sobre os fundamentos e consequências de uma escatologia cristã. São Paulo: Ed. Teológica e Edições Loyola: 2005, p. 261. 46 BOFF, Leoanardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 231.

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de Deus. A realização da fé na Igreja dos pequenos inclui que é natural, o acreditar, isto é, ter

a “confissão”, mas nela a fé ocorre mais em uma forma de invocação, fazendo com que ocorra

uma ação que possa de uma maneira mostrar que confessar a verdade do Cristo e a partir dela

se crer. Esse ser e agir de Jesus na Igreja,é o que de fato a cristologia latino-americana deve

levar em conta para conhecer melhor a pessoa de Jesus Cristo47.

A Igreja dos pobres apresenta Cristo, e por isso nela esse Cristo se faz presente, e essa

Igreja é seu corpo na história. Mas não é o corpo de qualquer forma e sim enquanto oferece a

Cristo aquela esperança e prática libertadora e aquele sofrimento que podem torna-lo presente

como ressuscitado e como crucificado. A cristologia latino-americana recolhe esse fato

central não por puro voluntarismo nem por pura análise de texto, mas porque o teólogo

latinoamericano se vê confrontado com um atroz sofrimento que o remete dentro do contexto

apresentado pelo evangelho na época de Jesus, e pela realidade vivenciada na América Latina.

É trágico que a presença atual de Cristo no continente seja tão extensivamente a modo de

crucificação, embora esteja também o Cristo presente a modo de ressureição. Isso significa

que ocorre uma esperança para aqueles que sofrem, que são representados pela crucificação e

conquistam suas vitórias, quando são representados pela ressureição.

Mas essa crucificação possui um caráter inocultável, mas principalmente benéfica,

fazendo com que ocorra uma responsabilidade que obriga a cristologia latino-americana a

perceber que verdadeiramente um corpo de Cristo na história e a leva-lo em conta na sua

própria reflexão. Essa Igreja é o lugar eclesial da cristologia latinoamericana, pelo fato de ser

uma realidade configurada pelos marginalizados. Digamos que mesmo a nível da segunda

eclesialidade, a Igreja tirou do depósito da fé coisas novas, principalmente no que se refere os

acontecimentos que ocorreram em Medellín e Puebla, onde houve uma reformulação no que

se refere à realidade de Cristo a partir dos pobres48.

4.1 Uma Cristologia que revela o pobre ao mundo, e visa através dessa reflexão ajudar

o pobre a pensar orientar, capacitar e reagir diante de sua realidade

A situação do pobre no contexto da América Latina, no que se refere à cristologia, se

destaca dentro da eclesiologia, ou seja, na Igreja dos pequenos, e a partir dessa igreja,ocorre

uma reflexão social e teologal para analisar o mundo deles. O lugar enquanto eclesial

influencia, sobretudo uma reflexão com conteúdos cristológicos, no sentido de analisar quem

47 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 53. 48 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 54.

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é Jesus Cristo. O lugar enquanto social pode trazer uma influência sobretudo do próprio modo

de pensar cristológico (como abordar esse Jesus Cristo?).

O lugar social recorda que o teólogo não vive com uma cristologia neutra, ou seja, ele

apresenta uma cristologia que é constituída no interior de um momento definido da história,

que elabora determinados modos de produção material, ideal, cultural e eclesial, e é

principalmente articulada em função de determinados interesses concretos, mas nem sempre

consciente. No ponto de vista dos teólogos, o lugar social configura a cristologia e a realiza,

por ação, ou por omissão, saiba ou não, partidária. A cristologia da libertação está, pelo

menos, consciente desse fato, e tem a honradez de reconhecer, pensar a partir do contexto e da

realidade do mundo daqueles que necessitam de libertação, e através desse pensar ajuda-los

para que eles possam ser libertos49.

A realidade social revela que o lugar que configura o modo de pensar do teólogo, e

configura a sua fé enquanto acredita, nesse caso não só enquanto pensador, ou aquele que

reflete a teologia. Porém se essa afirmação causa dificuldade de assimilar, lembremos que a

realidade social não é outra coisa senão a criação de Deus, algo que nunca os teólogos

deveriam esquecer, principalmente aqueles que acusam a teologia de se converter e se reduzir

a uma disciplina chamada sociologia. Portanto, ver como está essa realidade, é ver como está

a criação de Deus, somente entendendo essa questão poderemos falar do lugar social-teologal.

A realidade histórica e social da América Latina é caracterizada por uma situação de

injustiça e crueldade massiva. Existem muitos estudos que abordam a reflexão sobre a

situação da vida do homem latinoamericano, e em todos esses estudos se descrevem a miséria

que marginaliza grandes grupos humanos, fazendo com que essa miséria seja verificada como

um fato coletivo de injustiça que brada aos céus. Esse contexto primário dá o que pensar, é o

que mais dá o que pensar e que deve pôr o pensar cristológico em sua direção fundamental.

Segundo Assmann, há vinte anos ele comentava:

“Se a situação histórica de dependência e dominação de dois

terços da humanidade, com seus trinta milhões anuais de

mortos por fome e desnutrição, não se converter num ponto de

partida de qualquer teologia cristã hoje, inclusive nos países

49 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 54.

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ricos e dominadores, a teologia não poderá situar e concretizar

historicamente seus temas fundamentais50.”

A Cristologia que está consciente de seu lugar social deve simplesmente atender

enquanto for possível o que dizem as Ciências Sociais, como é exigido em princípio pela

Teologia da Libertação. Contudo, mais importante do que todos os conhecimentos sociais que

um teólogo pode possuir, é que ele consiga se realizar, e que a sua inteligência consiga

adquirir e funcionar de maneira distinta. É interessante que a teologia possa levar a realidade

do contexto social a sério, se não ela será cobrada e acusada de cumplicidade e de relevâncias,

fazendo com que suas perguntas não sejam mais perguntas reais, pois passarão ao lado do

homem real.

É importante compreender que o mundo dos pobres não é somente uma exigência para

ajudar o nosso conhecimento no sentido de pensar, mas oferece também uma vantagem

epistemológica, ou sejam uma luz que ilumina seus conteúdos. Agora mais do que luz que

conteúdos dizemos que no mundo dos pobres existe uma luz que faz a inteligência ver

conteúdos que dificilmente são vistos sem essa luz. Essa luz não é o que se vê, é sim aquilo

que faz ver, isto é, podemos dizer em linguagem técnica que os pobres oferecem conteúdos

concretos (medium in quo), mas atuam sobre tudo como um medium quo, nesse ponto se

transforma como a luz sobre a qual não cai diretamente o olhar, mas com a qual se vê o que se

busca.

Para a Cristologia isso significa usar a luz dos necessitados para inserir-se melhor na

totalidade de Cristo. O pensar cristológico, enquanto tal, se vê forçado a isso, também por

causa de seu próprio conteúdo. Do servo de Javé, Deus o colocou para ser luz das nações, e o

Cristo crucificado a teologia de Paulo diz que é sabedoria, e a teologia de João diz que é nesse

crucificado que existe algo que possa fornecer uma luz que o pensamento humano não

consegue em outros lugares. É exatamente isso que quer dizer do mundo dos pobres e

acrescentar que é tão estranho que a cristologia cristã se vê necessariamente confrontados com

o crucificado é que tem que admitir que em Cristo ocorre a revelação de Deus, e acabam não

integrando em seu próprio trabalho. Nem sequer se entende a verdadeira opção pelos pobres51.

O mundo dos pequenos é um lugar que exige e facilita uma vontade específica e

necessária ao pensamento para que esse corresponda ao objeto da cristologia, que seja de

misericórdia para com as vítimas, com a Boa Notícia para os que vivem realidades más.

50 Teologia desde la práxis de liberación. Salamanca, 1973, p. 40. 51 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 56-7.

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Nesse contexto o mundo dos pobres faz a inteligência teológica refletir sobre seu

próprio funcionamento e questionar não só se seu produto é libertador ou opressor, mas

também se seu funcionamento favorece uma ou outra coisa. A cristologia latino-americana é o

mesmo lugar que se faz à cristologia, ou seja, a memória dos sofredores lembrando a vida do

próprio Cristo. Verifica-se que a cristologia latino-americana mostra essa realidade dos

pobres, através da justificação que se dá dentro do ciclo hermenêutico, isto é, a partir do que

deles pensa o que se conhece sobre Cristo, e então esse Cristo torna-se conhecido, é o que se

pensa, que remete melhor ao lugar do contexto do pobre.

Essa Cristologia elabora-se a partir da América Latina, privilegia o Jesus histórico sobre

o Cristo da fé, assim afirma Leonardo Boff, depois de ter analisado o lugar social da

Cristologia52.

4.2 Uma Cristologia que mostra uma profunda reflexão sobre o lugar dos pobres,

miseráveis e demais marginalizados da América Latina

Realizar uma reflexão sobre a Cristologia na América Latina revela-nos uma visão

profunda sobre esse continente, e nos mostra as dores do povo em relação a sua situação,

mostra a importância de conhecer essa realidade que esses povos sofrem e são totalmente

marginalizados. Falar de um povo crucificado não significa exprimir uma negatividade

qualquer, como analisavam alguns economistas e sociólogos, que declaravam suas opiniões a

respeito dessas situações. Mas é necessário que tenhamos um olhar de teólogos e cristãos,

mesmo que como pensadores que seja um olhar de esperança.

Assim é em Cristo crucificado, confessado como o filho de Deus e Salvador, mas, em

Marcos, sobretudo através da Cruz (cf. Mc 15,38), mas perto do nosso questionamento Isaías

apresenta, nos cânticos do servo de Javé (cf. Is 52,13 - 53,12), uma figura misteriosa no

imaginário, indivíduo ou coletivo, destroçado pelos pecados do mundo e que traz a salvação

verdadeira. Esse servo é em primeiro lugar homem de dores, acostumado ao sofrimento,

levado à morte, pelo que os outros fazem, sem nenhuma defesa e sem justiça, depreciado e

desprezado.

Jesus é considerado como salvador, mas também por muitos considerado como

marginal, condenado, ferido por Deus e humilhado, e aparece, além disso, como pecador,

onde entregaram a ele uma sepultura com os malfeitores e foi contado entre os piores

pecadores. Porém, nesse aspecto a novidade maior e mais audaciosa, é ainda o significado que 52 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 60.

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Isaías atribuiu a essa figura do servo, que encontra os elementos fundamentais para uma

soteriologia histórica, fazendo com que todo seu sofrimento e sua morte inocente possa nos

trazer à salvação. Comenta-se que do servo se diz que seu estado não se deve aos seus

pecados, mas que sofre sem ter cometido pecado e foi transpassado por nossas rebeliões,

triturado por nossos crimes e ferido pelos nossos pecados. Então, se diz que justificará a

muitos, isto é, que salvará a todos, também as vítimas, e a razão é que carregou os crimes

deles.

A cristologia latino-americana em relação aos pobres, quer mostrar que o povo

crucificado oferece “luz”, pois em Isaías (cf. Is 42,6.- 49,6) se diz do servo que é luz das

nações, embora nesse campo não se trate ainda do servo sofredor. Nesse ponto, nos dias

atuais, verificamos que a realidade latinoamericana, ou seja, o terceiro mundo, oferece luz ao

primeiro mundo para que esse se veja em sua verdade, o qual é elemento importante de

salvação, mostrando que o povo crucificado é como um espelho invertido, no qual ao se ver

desfigurado o primeiro mundo se vê em sua verdade, que tenta ocultar ou dissimular. E é

também o que aparece no exame de fezes do primeiro mundo, revelando a existência de povos

crucificados que mostra a verdade de seu estado de saúde53.

A Cristologia da América Latina desenvolve-se dentro do contexto onde surge a

teologia da Libertação, e nesse aspecto tem suas preocupações específicas com tudo o que

acontece na realidade latinoamericana, que infelizmente é marcada pela violência, pela

marginalização, mas não perde um ponto muito importante que é a esperança e a fé.É

importante pensar exatamente que a incidência dessa fé sobre essa situação vivida e as

possibilidades de sua mudança revela um privilégio, no sentido de que a ação dos cristãos

estão todas elas voltadas para a prática da Igreja. Indica caminhos até de ação política,

fazendo com que a reflexão para essa prática efetivamente transforme a realidade vivida e

aproximar da promessa do Reino de Deus54.

A reflexão da Cristologia latinoamericana parte de uma revelação que procura valorizar

a figura de Jesus, de um lado tenta a valorização de sua história e de seu contexto, e permite

refazer a compreensão da vida de Jesus, e da sua humanidade. Busca-se uma compreensão do

que significa a ação prática de Jesus, relendo-a dentro do contexto latinoamericano, fazendo

com que novas luzes iluminem a reflexão teológica, fazendo com que ocorra uma

compreensão do melhor da sua predileção pelos pobres e as suas ações de libertação em favor

53 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há Salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo, Paulinas: 2008, p. 23. 54 MANZATTO in SOUZA (2007, p. 28-9)

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deles. É importante compreender a ligação existente entre a prática de Jesus e sua morte,

significa entender que ela não é mais uma morte querida por Deus, mas sim com uma morte

que existiu devido à resistência a sua maneira de pregar o Reino de Deus.

A ligação entre a ressureição de Jesus e a sua prática deixa-lo como legado a Igreja

nascente. Afirmar-se uma possibilidade de articulação entre as libertações históricas,

experimentadas na sociedade, e a salvação escatológica realizada por Jesus. Refletindo sobre

as comunidades cristãs do continente latino-americano, a teologia latinoamericana construiu

ao longo do tempo um pensamento cristológico que conseguiu exercer enormes e profundas

influências sobre a teologia da Igreja do mundo inteiro.

5 Cristologia da América Latina na perspectiva e compreensão do seguimento de

Jesus Cristo

Para entender o sentido do seguimento de Jesus Cristo, a cristologia latino-americana

procura recuperar a questão fundamental sobre o Jesus histórico, é claro que diante dessa

recuperação não significa refletir apenas a vida, a missão e o destino, mas acima de tudo

reproduzir sua vida nas mais variadas circunstâncias históricas. A proposta sobre o

seguimento de Jesus Cristo é a forma mais radical para recuperar o concreto de Jesus e fazer

dele a origem e o fundamento da vida cristã. O seguimento significa uma fórmula mais breve

do cristianismo, porque, ao mesmo tempo que anuncia a recuperação de Jesus, também se

oferece uma maneira concreta e o modo de recuperá-lo.

Segundo a autora Bombonatto, ela aborda que para Jon Sobrino uma cristologia bem

determinada não pode ser compreendida sem seus pressupostos metodológicos, pois para ela

esse autor a metodologia não se restringe ao modo de usar as fontes de pesquisa, pelo

contrário, vai muito mais além, fazendo com que ocorra uma integração e também a

determinação do lugar onde se situa o sujeito da reflexão teológica e o processo global da

tarefa teológica. Nesse ponto, tendo presente essa constatação, os pressupostos metodológicos

perpassam o tecido da reflexão cristologia de Jon Sobrino é que constitui a chave para

adentrar no universo de sua obra, mas para ela o desdobramento sobre essa questão se

encontra em dois pontos fundamentais: a perspectiva das vítimas desse mundo; Jesus de

Nazaré, sacramento histórico do Cristo55.

55 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 192.

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Em relação a perspectiva das vítimas desse mundo, na concepção da cristologia latino

americana, dizemos que todo pensamento está situado em um lugar e nasce de um interesse

determinado..A cristologia latino-americana nasce a partir das vítimas, e essas vítimas são

pessoas que interessam ao Cristo, e principalmente aqueles que procuram ser discípulos Dele.

A fé está em Jesus Cristo, e a partir dessa fé ocorre um encontro com as vítimas que são as

causas principais de seguidores de Jesus Cristo.

Segundo a cristologia de Sobrino, as vítimas desse mundo são o lugar de onde brota a

sua cristologia, e ao mesmo tempo, os seus destinatários privilegiados. Eles são os sinais dos

tempos, a realidade cruel, diante da qual precisamos ter “olhos novos para ver a verdade da

realidade”, a verdade dos seres humanos, a verdade de Deus e reagir com o coração cheio de

misericórdia56.

Essa perspectiva está enraizada e fundamentada em uma determinada dupla-exigência

que significa a predileção de Deus para com os pequenos desse mundo, e a situação de fome

que vive grande parte dos seres humanos, que estão em sua maioria encurvados sobre o peso

da vida, significando os povos crucificados, expressões essa que são sinônimos da palavra

pobre, mas que querem resgatar a dramaticidade atual do mundo da pobreza e a

responsabilidade histórica diante dela. É necessário que eles consigam sobreviver diante de

toda essa dificuldade e superar a morte lenta que são os seus destinos mais próximos.

O lugar ideal da cristologia latino-americana é aquele no qual é possível compreender

melhor as fontes do passado e onde se captam melhor a presença e a realidade da fé em

Cristo. Aparentemente pode parecer que o lugar a partir do qual se realiza reflexão

cristológica não é decisivo para cristologia, pois suas fontes específicas são anteriores a

qualquer lugar, o qual seria apenas uma exigência pastoral para aplicar em determinadas

situações a verdade universal constante nos depósitos da fé. O papel da cristologia latino-

americana é fazer com que seus seguidores ou vitimas possam redescobrir a libertação, que

embora sendo essencial para a mensagem do evangelho, praticamente permaneceu ausente

durante muitos séculos, talvez nem tanto porque na América Latina existam melhores

recursos técnicos para analisar as fontes da revelação, mas sim porque existe um contexto de

opressão nesse continente57.

56 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 193. 57 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 195.

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A exigência fundante de Jesus em relação ao cristão é o seguimento de sua vida

histórica, ou seja, quer dizer, a práxis real da fé na esperança e no amor, essa exigência

usufruía primazia, mesmo para a compreensão do Cristo total, sobre qualquer outro tipo de

contanto intencional com Cristo, como a oração, o culto ou a ortodoxia. Contudo, o

seguimento a Jesus Cristo é compreensivo somente quando nos comprometemos com o Jesus

histórico. Para compreender o seguimento de Jesus, é necessário entender o Jesus que luta a

favor da vida e contra os ídolos da morte, pois esse ponto tem uma identificação e um

significado particular para a América Latina.

Na cristologia da América Latina, especificamente enquanto cristologia se determina

que o seu lugar social, como realidade substancial, são os marginalizados desse mundo, e essa

realidade é a que deve estar presente e transcende qualquer lugar categorial, porque eles

constituem a máxima escandalosa presença profética e apocalíptica do Deus. A cristologia

latino-americana é o mundo dos pobres e nele é a igreja deles, constituindo o ponto de partida

real dos principais teólogos, ou ponto de partida subjetivo, pois estão em relação de

circularidade e dialética com o Jesus histórico que é verdadeiramente o ponto de partida

metodológico.

A autora Bombonatto relata que a cristologia latino-americana não despreza o conteúdo

dogmático, mas prefere começar pela realidade histórica de Jesus, colocando em prática duas

importantes lições do Novo Testamento, isto é, não se pode teologizar a figura de Jesus sem

historicizá-la, sem narrar sua vida, sua prática, seu destino. Ela quis dizer que não se pode

falar teologicamente de Cristo sem voltar ao Jesus histórico, e não se pode historicizar Jesus

sem teologiza-lo, ou seja, sem apresenta-lo como Boa Notícia de Deus e do evangelho. Para

ela a cristologia latino americana não pretende ser uma mera reflexão sobre a vida de Cristo..

Mas ela considera importante a mutua relação entre teologizar historizando e historizar

teologizando, incorporando no próprio labor cristológico58.

Na América Latina se recupera o Jesus Histórico que acontece para que em nome de

Cristo não se possa aceitar, e menos ainda justificar, a coexistência da miseria da realidade na

fé cristã. Ocorre uma diferença discrepante em relação ao seguimento de Jesus entre a

proposta da teologia latinoamericana e da teologia na Europa. Na Europa o Jesus histórico é

objeto de investigação, enquanto na América Latina o critério é de seguimento, ou seja, na

Europa o estudo do Jesus histórico pretende estabelecer as possibilidades e racionalidade do

58 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 202.

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fato de crer ou não crer, enquanto que na América Latina, a apelação ao Jesus histórico

pretende colocar o dilema de converter-se ou não para que sejamos verdadeiramente

seguidores59.

5.1 A Cristologia da América Latina revela aos pobres uma compreensão no

seguimento do Cristo libertador

Em relação a América Latina,relata-se que a cristologia tem o objetivo e a pretensão de

nos oferecer a presença do Cristo como anunciador do Reino de Deus, e através desse

anúncio, apresentar a sua pessoa humana, e busca-lo como plenitude de libertação para que

consigamos uma estrutura pascal através de seguidores de Jesus Cristo que foi morto e

ressuscitado. Esse seguimento inclui primeiro lugar anunciar a utopia do Reino com o sentido

bom e pleno do mundo que Deus oferece a todos. Esse seguimento implica traduzir a utopia

em práticas que na verdade visam mudar esse mundo a nível pessoal, social e cósmico,

fazendo com que a utopia não seja de uma ideologia, mas de uma origem às ideologias

funcionais como orientação de práticas libertadoras.

O seguimento de Jesus não pode ser considerado uma mera imitação, mas supõe dar-se

contra da diferença de situações entre Jesus com seu horizonte apocalíptico de irrupção

eminente do reino e nós, para que a historia tenha futuro, e o advento do reino fique protelado.

O certo é dizer que para Jesus, e para nós, o Deus é futuro e seu reino não chegou totalmente,

mas nesse caso é importante que os povos da América Latina, como seguidores, possam

acreditar nas palavras de Jesus Cristo, principalmente em sua história. A maneira de assunção

de história muda sempre, Jesus não prescreveu um modelo concreto, mas uma maneira

própria de fazer-se presente em cada concreção que está inevitavelmente vinculada à

realidade de cada situação, ou seja, opção pelos injustiçados, renuncia pela vontade de poder e

dominação, solidariedade a tudo que aponta para uma convivência mais participada, fraterna e

aberta ao Pai.

A libertação de Deus aos seus seguidores se resume na libertação que Deus traduz em

um processo de libertação que implica luta e conflitos que devem ser assumidos e

compreendidos à luz do caminho oneroso de Jesus, como amor que tem algumas vezes de

sacrificar-se, como esperança escatológica que tem de passar por esperanças politicas e como

fé que tem de caminhar tateando porque, pelo fato de sermos cristãos, não temos ainda a

59 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 203.

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chave de decifrarmos os problemas políticos e econômicos. A cruz e a ressureição são

paradigmas fundamentais para existência da fé dos seguidores na vida cristã. Seguir Jesus

Cristo é assumir um compromisso que requer prosseguir a sua obra e perseguir a sua causa e

alcançar a sua plenitude.

Diante dessa situação, a cristologia latino-americana reflete a situação do terceiro

mundo, mostrando que há uma dependência de fé, isto é, uma fé cristológica, pensada e vivida

de forma histórica que nos orienta para uma opção da cristologia de libertação e para um certo

tipo de análise, e um compromisso preciso. Cremos que, em nosso contexto, ler o evangelho e

seguir a Jesus de uma forma não libertadora é obrigar-se a colocá-lo de pernas para o ar ou

interpretá-lo continuamente de forma ideológica e em sentido pejorativo60.

Na América Latina, é permitido sonhar com o dia em que a inteligência privilegiada da

teologia europeia se de conta de sua importância no processo de libertação para suas igrejas e

para sua sociedade, pois, por sua posição centrica ajudaria os irmãos de nosso continente a

desencadear o caminho do projeto libertador. Para nos latinoamericanos, a teologia da

libertação é o Jesus Cristo libertador, aquele que representa o grito dolorido dos cristãos, que

batem a porta dos irmãos ricos, pedindo tudo e não pedindo nada. Eles pedem apenas para ser

alguém, ou seja, pessoa, e suplicam ser acolhidos como pessoas e pedem apenas que os

deixem lutar para reconquistar sua liberdade de prisioneiro. Se a Cristologia latinoamericana

conseguir fazer com que essas pessoas alcancem uma ajuda nessa tarefa messiânica, de fato

ela terá cumprido sua digna missão profética, e terá sido digna do sagrado nome de Jesus

Cristo, que não quis outra coisa nesse mundo se não libertar a todos em plenitude61.

5.2 Cristologia: significado, abrangência e relevância do seguimento de Jesus

Bombonatto relata o significado de abrangência, relevância do seguimento de Jesus, que

atravessa a cristologia latino-americana de Jon Sobrino, no intuito de mostrar que a sua

cristologia tem o objetivo de evidenciar e contribuir, oferecendo um resgate dessa categoria

cristológica. Essa questão esteve sempre presente, como um movente propulsor da pesquisa

dessa autora, com o objetivo de provocar desafios para nossa intelecção e como meta, dando a

ele a unidade, a vitalidade e coesão. Segundo a autora, algumas vezes a tal presença foi

implícita com o objetivo de situar a posição do autor Sobrino diante do contexto bíblico e

eclesial; outras vezes, ele explicita, em que respondendo diretamente a questão levantada,

60 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 35. 61 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, Vozes: 2009, p. 37.

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fazendo com que dessa forma ocorra uma processualidade, ou seja, partindo do horizonte

bíblico, passando pela tradição eclesial e, na fé na continuidade da história, ela chega a

produção teológica e cristológica de Jon Sobrino.

Ao longo da pesquisa para descobrir o significado e abrangência e relevância do

seguimento de Jesus, o mais importante é manter-se fiel à definição e delimitação inicial desse

termo, é importante elencar algumas realidades que apontam a questão dinâmica e aberta que

caracteriza a reflexão cristológica do continente da América Latina de Jon Sobrino. Afirma-se

que os conceitos de seguimento atravessam a história do cristianismo como modo de

expressar a realidade pluriforme de uma relação que apresenta uma experiência do cristão

com Jesus Cristo. Ambos os conceitos constituem por assim dizer conseguinte a uma parte

integrante do universo religioso, dos que reconhecem Jesus como o Verbo encarnado, vindo

ao mundo para realizar o projeto salvífico do Pai, na força do Espírito62.

A cada momento histórico, percebe-se de modo singular os desafios e os conflitos de

uma realidade, e agindo sob a ação do Espirito de Jesus e do Pai, interpretar-se de uma forma

diferente o chamado ao seguimento e ao convite à imitação. É elaborado de um modo singular

a própria resposta, privilegiando ora o conceito de seguimento, e de modo especial, às vezes

conceito de imitação, em outras oportunidades, criar-se outros conceitos.

No início do cristianismo, afirma-se que o seguimento e a imitação se entrelaçavam, e

por isso ambos os termos expressavam a realidade pluriforme da fé em Jesus, ou seja, da

continuidade de sua prática e da certeza de sua presença viva e atuante. Durante as

perseguições, o martírio e sofrimento eram considerados a mais autêntica e perfeita expressão

de seguimento e imitação realizada pelos cristãos, e a mais qualificada profissão de fé e mais

radical profecia evangélica numa sociedade idolátrica e corrupta. Os sofrimentos de Cristo e o

seu martírio, presente nas consciências dos cristãos como modelo a ser imitado, davam

coragem para que os cristãos pudessem suportar todos os tipos de sofrimento.

Os autores Pannenberg e também J. Moltmann o eschaton é o futuro e a esperança que

tem um primado. Para eles, em síntese, a Deus pertence o futuro como caráter constituído e o

eschaton na história é ressureição de Cristo porque aponta para o futuro; e o ser humano é a

correlativamente o ser da esperança, não vamos insistir agora nisso mas naquilo em que

Moltmann se distancia da posição de Pannenberg e contribui de si próprio, ou seja, da

realidade da última é o mediador, enquanto deve ser prosseguido, e a mediação, enquanto

62 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 406.

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deve ser construída na história. Ambos os autores criticam e lutam contra o que há de

negativo na história63.

Na história, pode acontecer o escatológico em forma pessoal o que pode se viver já nela

uma ultimidade, porem não só pela realização da abertura transcendental do homem para

Deus, mas também na esperança e no seguimento do ressuscitado. O crente é alguém que tem

esperança com base na ressureição do crucificado, por isso mesmo faz parte da esperança

cristã o escândalo de haver um crucificado e de existir uma história crucificada. É por isso que

a ressureição, por ser a de um crucificado, é a expressão da justiça para as vitimas que são

seguidoras do crucificado, e não só de sobrevivência no além, isso é uma constatação

fundamental na cristologia latinoamericana.

A injustiça que é superada na ressureição não é só um momento de um drama, mas uma

injustiça real e por isso põe o crente diante da história atual de miséria e sofrimento. E faz isso

de uma maneira específica: “o sofrimento pressupõe o amor, quem não ama, não sofre”. A

promessa de plenitude de ressureição de Jesus coloca o ser humano no tempo do amor, numa

vida fraterna com os oprimidos. O que aconteceu com o mediador em sua ressureição, coloca

o crente diante de sua história presente e ao tentar vive-la adequadamente, escatologicamente,

encontra-se com o histórico do mediador, não qualquer vida é ocasião para esperança, mas

esta vida de Jesus que no amor aceitou sobre si mesmo a cruz e a morte64.

Existe dois conceitos, que são o seguimento e a imitação, que guardavam relativa

distinção entre si e total referencia à pessoa de Jesus. Imitar o exemplo do mártir Jesus era

uma decorrência da fidelidade no seguimento radical a ponto de entregar a própria vida.

Encerrando as perseguições, surge a necessidade de buscar novas formas para expressar a

radicalidade do seguimento de Jesus e da imitação de sua paixão e morte. Nasce a vida

monástica, uma espécie de martírio incruento, fundamentado num apaixonado

cristocentrismo. A maior preocupação do monacato é viver radicalmente a proposta de Jesus,

a exemplo dos apóstolos, que deixaram tudo para segui-lo. Os monges são chamados

permanentes a condição escatológica do cristão, que eles devem viver conscientes a

transitoriedade do mundo, sem estabelecer nele morada permanente65.

63 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 176. 64 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 178. 65 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 417.

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5.3 Cristologia: forma e privilégio de explicitar o seguimento de Jesus

Dentro da cristologia latino-americana, afirmar-se que o seguimento de Jesus torna-se

uma forma privilegiada de explicitar a identidade cristã. Na visão de Jon Sobrino, o

seguimento de Jesus nesse aspecto torna-se muito importante para que se adquira um caráter

claramente pertinente e relevante para o contexto da América Latina, caracterizado pela

injustiça e pela opressão. Além de ser uma categoria estruturante de sua cristologia, segundo o

autor o seguimento permite historicizar e atualizar a memoria viva e atuante de Jesus de

Nazaré, evitando assim o perigo da abstração e da manipulação do Cristo.

A autora Bombonatto comenta que no amplo horizonte de compreensão de Jon Sobrino,

e tem como ponto de partida o Jesus histórico, sua dupla relação com o Reino de Deus e com

o Deus do Reino e sua exigência de seguimento, recolocando as questões que constitui objeto

central de como entender a realidade do seguimento de Jesus que atravessa toda a cristologia

de Jon Sobrino. Encontramos uma afirmação que pela sua abrangência e intencionalidade

Cristologia merece ser evidenciada, ou seja, o seguimento de Jesus é a melhor forma de

explicitar a identidade cristã. Estabelecer uma relação direta entre seguimento e identidade

cristã é sem dúvida, uma questão que merece ser aprofundada66.

A história de Jesus em sua totalidade é apresentada de modo especial por meio de uma

leitura histórica-teologica de sua vida em relação as três realidades centrais: o serviço ao

Reino de Deus, a relação com Deus Pai e a morte na cruz. A insistência recai sobre a

dimensão libertadora e da dimensão de Jesus. O objetivo é dúplice, isto é, dar uma relevância

e primazia a vida humana de Jesus e animar os fiéis a ter “olhos fixos em Jesus, autor e

consumador da fé” (cf. Hb 12,2).

A história da fé em Jesus é apresentada por meio de três realidades básicas: a

ressurreição de Jesus analisada sob a perspectiva das vítimas com a correlativa revelação de

Deus como Deus das vítimas e da possibilidade de viver como ressuscitados, nas condições da

existência histórica; os títulos cristologicos considerados desde a perspectiva a lógica de

Deus, manifestada em Jesus; as fórmulas conciliares analisadas na sua dimensão formal que

apresentam a totalidade da realidade e a sua unidade diferencial em relação a Deus e aos seres

humanos, a Deus e ao sofrimento. Essas fórmulas doxológicas exigem um processo de

conhecimento, um caminho histórico, e esse caminho é o seguimento de Jesus que adquire

dimensão epistemológica.

66 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 268.

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Para adentrar no verdadeiro sentido da história de Jesus e da história da fé de Jesus, a

cristologia latino-americana segundo a concepção de Jon Sobrino reafirma a necessidade um

caminho teórico que nos mostre de fato “quem é Jesus”. Entretanto, afirma-se que esse

caminho sozinho não é suficiente, e por isso é necessário percorrer também um caminho

práxico, ou seja, o caminho do seguimento de Jesus67.

6 Conclusão

A Cristologia na perspectiva da América-latina tornou-se uma especialidade de alguns

teólogos que são referências no nosso continente Latino-americano. Partindo-se dessa

reflexão, procuramos elaborar um estudo que tem a finalidade de mostrar quanto a

Cristologia se destacou no nosso continente após o Concílio Vaticano II. A Cristologia

Latino-americana colaborou com as avaliações relacionados às nossas igrejas,

principalmente no que se refere a um olhar a situação das pessoas desfavorescidas.

Somente a partir de uma reflexão sobre Jesus histórico, avaliando todo sua história que

ocorre desde o seu nascimente até sua morte na cruz, podemos partindo-se desse

pensamento elaborar uma cristologia que abrange um contexto social, com identidade, e

olhar na missão que Jesus assumiu, ou seja, o filho que assumiu a ação de libertar os

pobres de sua época, e por isso tornou-se a referência para os excluídos da nossa

realidade.

A Cristologia constata um questionamento que procura abordar os atuais acontecimentos

sociais, como exemplo o elevado grau da violência e da pobreza. Esta Cristologia

colabora no nosso pensamento no que se refere a pensar uma fé, e através desta fé olhar a

situação dos povos sofredores, e ter uma análise teológica de que como os cristrãos se

voltam para a prática da igreja. Assim podemos indicar caminhos alternativos, até mesmo

voltadas às questões políticas, para que ocorram transformações e possíveis mudanças na

vida da sociedade.

67 BOMBONATTO, Vera Ivanise. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a Cristologia de Jon Sobrino. São Paulo, Paulinas: 2007, p. 269.

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CAPÍTULO II - O Reino de Deus na perspectiva da Palestina no século I, na Época de Jesus, e a pregação do Reino de Deus anunciado por Jesus

1 A situação política da Palestina na época de Jesus, sob dominação romana

Nesse capítulo, queremos apresentar o Reino de Deus na perspectiva da Palestina no

século I, na época de Jesus e a pregação do Reino de Deus anunciada pelo mesmo. O Reino

de Deus nesse período era esperado por muitos, principalmente pelos movimentos existenciais

daquela época, eles aguardavam a vinda do novo Messias, que seria o rei de Israel. Entretanto,

haviam alguns movimentos que estavam ligados a Herodes rei, e tinham medo de perder o

poder, e queriam que o reinado continuasse sob domínio de Cesar que era rei de Roma, e por

isso, o Império Romano dominava a Palestina, e esses movimentos.

Buscar o Reino de Deus significava nesse período buscar a justiça, e por isso, várias

pessoas aguardavam essa justiça, principalmente no que tange os grupos injustiçados. Acolher

o reino significava ter atitude autêntica de discípulo que acolhe a justiça. Para Mateus o

encontro com o Reino de Deus acontece como um dom que relativiza os outros aspectos de

nossa vida (cf. Mt 13,44-46). O Reino de Deus que se busca já está presente entre nós, ainda

que, não de maneira plena, mas o faminto começa a ter início de sua totalidade. Os sinais do

reino fala da presença histórica do Rei, e ao mesmo tempo nos abrem para seu futuro68.

1.1 A situação social e econômica da sociedade na Palestina no século I, e como

funciona a pesca, agricultura e o comércio, e o modo de produção, e seus

beneficiários

Em Israel, constata-se que a terra pertence a Deus. Porém esta convicção não dispensa

os homens de se organizarem. Em Israel passou de sistema tribal de nômades do deserto para

o clã sedentário, proprietário de um quinhão de terreno. A estrutura patriarcal (A situação

social que o pai, chefe da família, goza de intensos direitos sobre a família) e as leis de trocas

de mulheres visavam a favorecer a conservação dos bens. Só os filhos de sexo masculino

tinham direito a herança, uma dupla parte cabia ao mais velho. Parece que era provável que as

terras ou ficavam todas com o mais velho ou permaneciam sem divisão. As filhas que

herdavam, quando não havia descendentes masculinos, deviam se casar no clã. Quando não

68 GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da vida. São Paulo, Editora Loyola: 1992, p. 138.

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havia filhos, não se transmitiam a herança para viúva (Exceto em Jerusalém), mas para os

consanguíneos do lado paterno.

O novo casamento das viúvas sem filhos ocorria no clã do defunto. O irmão ou um

parente próximo do morto deve tomar a viúva como esposa e o primeiro filho que nascer, e

esse será, legalmente o filho do que morreu. Cada último de um período de sete anos era

sabático. Os escravos judeus recobravam a liberdade, e deixavam a terra em repouso, seus

produtos eram dos pobres, as dívidas de patrícios eram perdoadas. Cada quinquagésimo era

jubilar. A terra alienada ou vendida, as casas (salvo na cidade) voltavam aos seus primeiros

proprietários. Estas disposições objetivavam fazer de Israel um homem livre e proteger a

propriedade de base do clã, mas, exceto entre as pessoas mais fervorosas, elas permaneceram

letra morta.

Então, a partir do templo de Davi e Salomão, um mecanismo estatal, facilmente

observável I Samuel 8, 11-17, foi implantado em seu lugar. Uma classe dirigente controlava a

produção e apoderavam diretamente dos excedentes. Desde as origens da monarquia até

tempo de Jesus, constituíram-se grandes propriedades privadas. Mas, em nenhum caso,

tinham a extensão dos imensos latifúndios do Brasil. Jeremias escreveu a propósito da

Galiléia: “não somente todo vale superior do Jordão, e provavelmente as margens norte e

noroeste do lago de Genesaré, mas também uma grande parte das montanhas da Galiléia eram

então, latifúndios.”. De maior parte pertencia a proprietários estrangeiros. Na Judéia também

grandes proprietários, mas, em toda a Palestina existiam pequenas propriedades. Em tal

situação sabe-se, normalmente, como se realiza a transferência de terra. Por toda parte se

encontrava grandes números de pessoas arruinadas ou simplesmente sem propriedade privada

desde o nascimento.69

Na época de Jesus na Palestina havia grandes grupos de agentes sociais, definidos como

grupos comuns econômico, político ou ideológico na divisão social no trabalho, mais é

determinante, em última análise, o nível econômico. Nesse período também haviam aldeias

constituídas de pequenos proprietários camponeses que viviam em regime de auto-

subsistência. Desde a conquista por Roma, desenvolveram-se os latifúndios onde trabalhavam

assalariados e escravos. Nas cidades, sobre tudo em Jerusalém havia muitos artesões e

comerciantes. Os latifundiários, os grandes mercadores e arrecadadores de impostos

constituíam aristocracia leiga e sacerdotal e se identificavam com o Estado. Este Estado se

69 MORIN, Émile. Jesus e a estrutura de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1988, p.10

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apropriava. Conforme já dissemos do produto excedente das comunidades camponesas sob a

forma de impostos e dízimos.

Latifundiários, eram durante o reinado de Herodes, o grande e o de seus filhos (37 a C-

39 dC) aumentaram os latifúndios em toda Palestina, sobre tudo na Galiléia, sobre a

influência do escravismo romano. Muitos espertalhões acumularam terras, comprando ao

preço baixo dos camponeses endividados, ou mesmo, tirando-as deles por falta de pagamentos

das dívidas. Também Herodes o grande, despojava os proprietários de terra para favorecer os

seus colaboradores com grandes propriedades. Também eram aquinhoados assim alguns

signatários romanos.

O sistema econômico e político imposto pelos romanos excluíam os pobres dos

benefícios da sociedade ao mesmo tempo em que privilegiava os mais ricos, concentrando a

renda. Estes mesmos eram excluídos do mundo religioso, centrado no sistema de pureza

praticado pelo templo e na prática da lei compreendida pelos Fariseus. Historicamente, Jesus

toma partido nos conflitos da sociedade, não permanecendo alheio a eles. E seu partido é a

favor dos menores e excluídos, pois: por isso ele come com os pecadores, vive no meio deles,

curas doentes, a todos acolhe e diz que tem parte com Deus. Não se trata simplesmente de

uma boa ação ou virtude, mas sim de tomar partido nos conflitos. Afinal, ao mesmo tempo em

que defende esses grupos acusa também os donos do poder, seja do poder religioso, e seus

debates com os Fariseus e Saduceus o demonstram; seja do poder político econômico, e seus

embates com Herodes, o Sinédrio e Pilatos também o demonstram.70

A dominação romana da Palestina judaica começou com uma conquista violenta

seguida de um prolongado período devastador e luta pelo poder. Nessa época, o controle da

área era disputado por facções asmoneias rivais, e pelo Império dos Pontios a leste e até

facções rivais de guerra civil romana, que então assolavam o Mediterrâneo oriental e a Itália.

Depois do governo duramente opressivo dos reis dependentes de Roma (Herodes e seus

filhos) seguiu o governo direto dos governadores do império estrangeiro, algo que os judeus

não tinham experimentado desde a conquista babilônica. Além disso, após meados do século I

depois de Cristo, o comportamento da aristocracia sacerdotal judaica foi predatória.

Para os camponeses desde a dominação de Herodes e Roma, geralmente significava

pesada tributação e, mais do que isso, foram expulsos da terra, significativamente o período

de mais interesses em relação aos movimentos e líderes populares, como Jesus de Nazaré está

enquadrado por rebeliões camponesas de grande escala: as insurreições que seguiram a morte

70 MANZATO in SOUZA, Nei, 2007, p.36-38.

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de Herodes no ano IV a.C.; e a maciça revoltam contra Roma em 66-70 d.C., seguida de uma

segunda grande revolta contra Roma em 132-135 d.C.71

Os latifundiários, comerciantes, arrecadadores de impostos, que não eram sacerdotes,

eles constituíam a aristocracia lega da Palestina nesse período. Eram denominados leigos,

aqueles que eram chefes de famílias nobres de Jerusalém e faziam parte do Sinédrio,

“senadores ou anciãos”.

Em Lucas (19,47) refere-se a eles como chefes do povo. A aristocracia sacerdotal era

composta pelo sumo-sacerdote em função, e pelos que haviam sido sumo sacerdotes

anteriormente. Também faziam parte dela o chefe do templo, os sete vigias e os três

tesoureiros; eram junto com o sumo-sacerdote em função, uma espécie de comissão

permanente do Sinédrio. Os 24 chefes dos turnos semanais dos sacerdotes e os 158 chefes dos

turnos diários também fazem parte da aristocracia sacerdotal.

Normalmente os latifundiários eram comerciantes, e às vezes, arrecadadores de

impostos. Os latifundiários durante o reinado de Herodes, o Grande, e os seus filhos (37 a.C. –

39 d.C.), aumentaram os latifúndios em toda Palestina, sobretudo na Galileia, sob a influência

do escravismo romano. Muitos espertalhões acumularam terras comprando-as preço baixo dos

camponeses endividados, ou mesmo tirando- deles por falta de pagamento das dívidas.

Também Herodes, o grande, despojava os proprietários de terra para favorecer seus

colaboradores com grandes propriedades, e por isso eram aquinhoados assim alguns

dignitários romanos.

Os proprietários rurais também tinham grandes propriedades de gados, eles cultivavam

os campos e tratavam dos gados explorando o trabalho escravo, e dos assalariados que eram

judeus livres. Nas praças dos povoados e cidades haviam muitos camponeses e trabalhadores

braçais, parados e esfomeados, desejosos de vender suas jornadas de trabalho por um

ordenado (Mt 20,4). Esse salário era insuficiente para uma família que tinha acima de dois

filhos.

Alguns proprietários viviam nos povoados e ocupavam-se das terras e dos gados. Outros

moravam nas cidades e entregavam suas propriedades a administradores, que queriam

enriquecer, explorando ainda mais os escravos e enganando o patrão72.

71 HORSLEY, Richard A. & HANSON, John. Bandidos, profetas e messias. São Paulo: Paulus, 1995, p. 47. 72 DOMÍNGUEZ, José & SÁEZ, Juliá. O homem de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1987, pp. 19-20.

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1.2 O funcionamento da Religião e do Templo, e o papel dos sacerdotes, o grande

Sinédrio na Palestina no século I

Em relação a religião e o templo na época de Jesus constata-se que o templo era situado

em Jerusalém, e era o centro religioso e político de Israel. O que Jesus conheceu era o que

Herodes começou a reconstruir no ano 20 aC cujas obras duraram mais ou menos 64 depois

de Cristo. O esplendor no tempo de Herodes era extraordinário. Os portões se achavam

recobertos de ouro e prata, exceto a porta de Nicanor que era de bronze e corinto e superava

em valor as outras portas. Era também de ouro as pontas de agulhas que havia sobre o templo.

A Fachada do santuário, que media 27,5 m2, era toda recoberta de placas de ouro, assim

como a porta entre o vestíbulo, a primeira câmara do santuário, (o Santo); as placas tinham a

espessura de uma moeda. Das vigas do vestíbulo pendiam corrente do mesmo metal. Sobre a

entrada que levava do vestíbulo a primeira câmara, estendiam-se a uma vinha de ouro, que

aumentava continuamente com as doações de sarmentos de ouro, que os sacerdotes se

encarregavam de carregar. Sobre esta entrada, além de outras oferendas muito valiosas,

pendia um espelho de ouro que refletia os raios de sol nascente, doado pela rainha Helena de

Adiabene. Na primeira câmara que continha singulares obras de artes que estavam o

candelabro de sete braços de ouro maciço, de cerca de 70 quilos de ouro e a mesa de Paes da

proposição, de ouro e de maior peso ainda. A segunda câmara (o Santíssimo) era igualmente

recoberto de ouro.

No templo celebrava-se culto diário, que consistia de dois sacrifícios de animais, o da

manhã e o da tarde. Mas os momentos de esplendor e culto eram as grandes festas religiosas e

judaicas, especialmente a da Páscoa, Pentecoste e Tendas (ou Tabernáculos), de que todos os

Judeus, a partir dos 13 anos, tinham que participar em peregrinação. Nestas ocasiões,

Jerusalém que tinham naquela época de 25 a 30 mil habitantes vinha imensamente

multiplicada a sua população. (A população judaica da palestina eram de cerca de meio

milhão de pessoas.)

O templo se sustentava graças às contribuições dos judeus de todo mundo. Todos os

maiores de vinte anos, inclusive os que moravam no estrangeiro, que eram muitos, tinham que

pagar o imposto anual equivalente a dois dias de trabalho (Mateus 17,24).73

Na Palestina os estrangeiro quando chega um mês antes da páscoa coloca-se por todo

país junto com as mesas dos cobradores e, dez dias depois, se instalavam as mesas no templo.

73 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.20.

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Em cada localidade haviam pessoas designadas para cobrar impostos do distrito, embora se

pudesse manda-lo diretamente ao templo. Se não pudesse pagá-lo em moeda legítima, devia

ser pago uma taxa adicional para os cambistas. Para facilitar o transporte dos estrangeiros para

Jerusalém, permitia-se trocar a quantia do imposto em moedas de ouro. A entrega se realizava

em três ocasiões do ano. O imposto procedente da Palestina, quinze dias antes da festa da

Páscoa. Para as comarcas vizinhas, o prazo terminava quinze dias antes da festa de

Pentecostes. O imposto das regiões distantes devia ser entregue quinze dias antes da festa das

Tendas, que se celebrava em setembro. Para esta última festa acorria para Jerusalém o maior

número de estrangeiros e, sob sua proteção, podia se transportar o dinheiro com maior

segurança.

O dinheiro do imposto era depositado no templo, nas câmaras do tesouro. Para

emprega-lo no culto, era retirado antes de cada uma das três grandes festas. O tesouro recebia,

a prata do resgate dos primogênitos e dos votos e promessas, para os quais existia tarifas ou

taxa precisa. Para a manutenção dos clérigos havia a necessidade de pagar ao tesouro 10% dos

frutos da terra (Mt 23,23). Além disso, o templo recebia donativos (Mc 7,11) e abundantes

esmolas, sobre das pessoas ricas (Mc 12,41), e outros dons voluntários que eram aceitos até

quando provenientes de não judeus. Outros recursos procediam do comércio organizado de

animais destinados aos sacrifícios e da troca de moedas estrangeiras consideradas impuras por

trazer a imagem do imperador, pela moeda cunhada no templo (Mc 11,15).

Na reconstrução do templo realizada por Herodes, este havia situado a sala do tesouro

junto do chamado pátio das mulheres. Na fachada exterior deste pátio havia trezes mealheiros,

em forma de funil, onde os fiéis colocavam suas esmolas obrigatórias e voluntárias. Sete

destes mealheiros, onde se lançavam as esmolas obrigatórias possuíam letreiros em aramaicos

indicando sua finalidade. Os reis mealheiros traziam a inscrição “A vontade” especificando a

intenção. O dinheiro dos sete primeiros mealheiros era empregado pelos sacerdotes, que

ofereciam sacrifícios segunda a quantia arredada. Os seis restantes destinavam-se a outros

sacrifícios. Outra parte dos fundos custeava diferentes trabalhos de reparação e conservação

do templo e da cidade. Comprava-se também vinho, azeite e farinha, que se vendiam, com o

lucro para o templo, aos particulares que desejasse em fazer oferendas.

O tesouro do templo funcionava como banco. Nele se depositavam bens de particulares,

principalmente da aristocracia de Jerusalém, em especial das altas famílias Sacerdotais. O

fundo do templo, unidos as suas propriedades em terrenos e sítios, faziam dele a maior

instituição bancária da época. Era por consequente, grande empresa econômica, administrada

pelos Sumos-sacerdotes, que não só detinham o poder político e religioso, mas era ao mesmo

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tempo potência financeira importante. A cidade de Jerusalém vivia praticamente do templo,

que conseguia grandes lucros, principalmente na época de peregrinação, três vezes ao ano,

quando acorriam, além dos judeus da Palestina (João 7,9-10), peregrinos dos estrangeiros

(João 12,20). Deve ter sido tão grande a riqueza do templo, junto com as famílias Sacerdotais

de Jerusalém, que, depois da conquista e destruição da cidade no ano 70 d.C., o preço do ouro

baixou para a metade em toda a província romana da Síria.74

Em relação ao templo. Constata-se que a reconstrução de um deles realizada pelo rei

Salomão em Jerusalém. Eram encarregados de oferecer os sacrifícios no templo, os sacerdotes

e real função deles atender na parte central interna. Cada qual exercia este ministério durante

cinco semanas por ano, e no tempo restante exerciam seus ofícios e atuavam como

conselheiros no tribunal de sua aldeia quando havia caso a julgar que requeriam a presença do

sacerdote.

No templo se considerava principalmente o sistema mácula, ou seja, o puro-impuro, que

com todas as consequências que dai se derivavam para vida prática. O culto é em si mesmo,

vivenciado no templo com um instrumento ideológico, baseado sobre tudo no puro-impuro,

justo-injusto.75

Em relação ao Sacerdote ocorre uma relação com a volta do exílio da Babilônia. A

vida e a organização da sociedade judaica foram determinadas por dois grupos de influência:

Os Sacerdotes e os Letrados. Muito tempo depois da época helenista predominaram os

Sacerdotes, eles organizaram a nova comunidade, e dirigiram tanto nos assuntos espirituais

quanto nos materiais. Depois das guerras de independência empreendidas pelos Macabeus, o

papel dos Letrados em relação ao povo cresceu enormemente, embora isto não puseste a perda

de influência para os sacerdotes, que continuaram dependendo a preminência política e social.

A posição privilegiada do sacerdócio decorria de forma um círculo fechado, que possuía com

exclusividade o direito de oferecer o sacrifício.

Segundo a lei, somente os descendentes de Aarão podiam oficiar no culto sacrifical do

templo (Sacerdócio Hereditário). Além disso, como a vida civil estava ligada em todos os

seus aspectos ao culto religioso, aumentava a importância do sacerdócio. A concentração do

culto em Jerusalém fez da classe Sacerdotal unidade compacta e estritamente unida. Segundo

a concepção tradicional, o sacerdócio, em virtude de suas funções, constituía classe sagrada. É

que para preservar sua dignidade, tinha que se ater certas normas; por exemplo, não podiam

74 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.21-22. 75 DOMINGUES, José, SÁEZ, Júlia . O Homem de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1987, p.37

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casar-se com mulher solteira que não fosse virgem, nem com divorciada. O Sumo-sacerdote

não podia casar-se com mulher viúva.

Pela mesma razão, os sacerdotes tinham que abster-se de todo o contanto com cadáver

considerado impuro. Não podiam entrar em casa onde havia defunto nem tomar parte nos

funerais. Esta proibição que absoluta para os Sumos-sacerdotes, para os outros era dispensada

unicamente em caso de falecimento de parente muito próximo. A santidade sacerdotal incluía,

além disso, ausência de todo defeito físico. Se o sacerdote tivesse alguma enfermidade

corporal, não podia oficiar, embora continuasse cobrando os emolumentos correspondentes ao

seu cargo. Enumeravam-se até cento e quarenta e dois defeitos físicos que desqualificavam

para o exercício do Sacerdócio. Para exercer suas funções cultuais tinha que submeter-se a

inúmeras normas de pureza ritual, que, não fosse cumprida e incapacitavam de atuar no

templo.

O número de sacerdotes eram tão elevados “O clero, sacerdotes e Levitas, eram uns

dezoito mil”, que se estabeleceu um sistema de rotatividade para que se tornassem oficial- no

templo. O corpo Sacerdotal fora dividido em vinte e quatro turnos. Os Levitas e Clérigos

segunda classe eram encarregados das tarefas secundárias: Serviço de polícia e vigilância no

recinto do templo, a degolação de animais para sacrifícios e, em geral, ajuda aos Sacerdotes

em todas suas funções, tanto no culto quanto na administração dos consideráveis ganhos e

propriedades do alto clero. Da mesma forma que os sacerdotes, eles formulavam um círculo

estreito baseado na ascendência familiar; supunha-se que fosse descendência de Levi, embora

não da família de Aarão. Também eles se achavam divididos em turno de serviços para o

culto.76

Em relação ao grande Sinédrio constatar-se que em Jerusalém no século I existia o

grande órgão central destinado ao poder teocrático. No ano 57 aC, o cônsul Aulo Gabínio

preside o Sinédrio ele dá este nome. A composição do grande Sinédrio, na verdade

compunha-se de 71 membros, incluindo o Sumo-sacerdote. Então eram relacionados, o Sumo-

sacerdote. Os Anciãos e Senadores, os Escribas, Doutores da Lei ou Letrados.

Os Sumo-Sacerdotes eram os que estavam exercendo a função, e todos que haviam sido

Sumo Sacerdotes, sendo eles os vinte e quatros chefes das vinte e quatro seções semanais, e

os cento e cinquenta e seis chefes das seções diárias. Em princípios nem todos pertenciam aos

Sinédrios, mas tinham acesso a ele, sendo os três tesoureiros, os setes vigias, e o comandante

76 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.23-24

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do templo. Estes três últimos grupos, junto com o Sumo Sacerdotes em função, formavam

uma comissão de doze, que resolviam permanentemente todas as questões, ao passo que o

grande conselho só se reunia para resolver questões extraordinárias.

1.3 O funcionamento da pequena burguesia, da polícia na Palestina na época de Jesus,

e a situação dos pobres e marginalizados dessa época

Em relação à polícia do templo, era constituída por um grupo de levitas, sobre a ordem

do comandante do templo, segundo em autoridade antes do Sumo-sacerdote, sendo eles

considerado um instrumento repressivo do estado.77

Na Palestina do século I, havia várias classes dominantes, mas para que isso acontecesse

existia dentro desse contexto, um conjunto de classes dominadas, que faziam parte dos

discriminados e marginalizados nesse período. O conceito de pobre não é um conceito

científico, mas é útil e importante para nossa compreensão, que os pobres são aqueles que

padecem com maior rigor a dominação exercida pela aristocracia leiga e sacerdotal. Nesse

período, sabe-se que entre os anos 25 – 35 d.C., a Palestina era constituída de um grupo de

500 mil a um milhão de habitantes. Supondo-se que fossem 500 mil, a distribuição seria a

seguinte: aristocracia (15 mil – 25 mil), pobres (400 mil), pequena burguesia (75 mil)78.

Os camponeses e familiares eram um grupo que tinham que trabalhar como assalariados

nos latifúndios para poderem subsistir. Em relação aos assalariados, era um grupo de

operários que não encontrasse trabalho por vários dias seguidos, ou seja, pessoas que ficavam

na miséria absoluta, fazendo com que eles diante da desocupação que era frequente devido à

cauda da estiagem e da estabilidade política. Outro grupo que estava relacionado à pobreza

era o de escravos, pessoas que ainda não fossem abundantes na Palestina fora da corte real,

muitas famílias ricas deviam tê-los como domésticos. Os latifundiários e criadores de gado

também os usavam, devido a isso era impossível saber o número deles, mesmo

aproximadamente.

Em relação aos artesões de aldeia, era um grupo que só fabricava instrumentos

agrícolas, móveis e coisas necessárias para o lar. Às vezes a mesma pessoa atuava como

carpinteiro, ferreiro, pedreiro, lavrador no campo. Esses artesões cobravam em gêneros,

porque nas aldeias quase não circulava dinheiro, já que vendiam poucos produtos agrícolas ou

77 DOMINGUES, José, SÁEZ, Júlia. O Homem de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1987, p.37-41. 78 DOMÍNGUEZ, José & SÁEZ, Juliá. O homem de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 24.

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animais; e quando faziam, necessitavam do dinheiro para comprar roupas e outros utensílios

domésticos.

Os pescadores eram formados por um grupo que trabalhava organizadamente em

cooperativas, empregando vários barcos. Pedro devia ser o chefe de um grupo de pescadores,

mas não se consta que houvesse armadores ricos em Tiberíades ainda que fosse possível de

acontecer. Em sua maioria, os pescadores eram pessoas que trabalhavam para sua própria

subsistência, e eles eram denominados um grupo de pessoas pobres, e por isso era preciso

colocar muitos rabinos.

É notório que todas as marginalizações entre os judeus tinham razões religiosas,

sobretudo a impureza legal, o que torna as situações, via de regra, irreversíveis. Afirma-se que

Jesus como portador da Boa Nova e de esperança para todos, coloca o máximo empenho em

deixar bem claro sua posição sobre a marginalização e sobre os marginalizados.

No mundo da marginalização, na época de Jesus, tem lugar importante para as crianças,

pois elas também fazem parte do nosso contexto de reflexão sobre os marginalizados na época

de Jesus. Não entendemos bem se não examinarmos no contexto familiar senão estudarmos a

situação da mulher, se a situação da criança era semelhante à da mulher.

Nota-se que a grande virada realizada por Jesus para anunciar o seu reino, seria de

mudar a situação desses pobres e marginalizados que eram excluídos na sociedade da sua

época. Antes da prática de Jesus, os pobres eram condenados, eram considerados impuros,

pecadores, eram reprovados e por isso não tinham direito de participar do Reino. Com a

presença de Jesus, eles se tornaram bem-aventurados; e foram recebidos na comunhão de vida

com Deus e convidados a participar na vida do Reino.

2 O funcionamento e a estrutura do Reino de Deus na Palestina no século I, e os

movimentos políticos da sua época

A expressão Reino de Deus (Malkuta Jahweh, Basileia ou Theou) é uma formulação

apocalíptica tardia, mas a relação de Javé com a realeza aparece várias vezes no Antigo

Testamento, principalmente nos Salmos e na liturgia. Essa terminologia não é original e nem

específica de Israel, mas ela existe em todo o Antigo Oriente. O que Israel fez, com outras

realidades das religiões circundantes, foi simplesmente historizar a noção de Deus-Rei,

segundo sua fé fundamental de que Javé intervém na história. Quando Israel instituiu a

monarquia, originalmente estranha a ele, na verdade assumiu também o símbolo dessa

instituição para expressar sua presença a Deus que o salvou.

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Em relação a essa realeza de Javé, e sua capacidade de intervir na história, foi

apresentada com matizes diversos e em várias dimensões ao longo da história de Israel. No

período Mosaico se acentuou o comando de Javé e no tempo dos juízes, a sua exclusividade.

Durante a monarquia, não sem graves conflitos ideológicos, a realeza de Javé tornou-se

compatível com a do rei de Israel, que é adotado por Javé. É depois do fracasso da monarquia

e após as catástrofes nacionais do exílio, cativeiro e ocupação por potências estrangeiras, que

foi surgindo com mais clareza o que significa o esperado reinado de Deus. Um futuro como

reino de justiça para Israel enquanto povo e no seio do próprio Israel.79

Apocalíptica universalizou essa expectativa estendendo-a inclusive cosmicamente; e,

dado seu pessimismo histórico, a escatologizou, quer dizer, fez coincidir o aparecimento do

reinado de Deus com o final dos tempos em que se dará a renovação definitiva de toda

realidade e a ressurreição dos mortos, pois este mundo atual, tal qual é, não pode receber a

Deus. A condição da realeza de Javé é fundamental para Israel e perpassa toda sua história; e

outra forma de dizer que Deus age na história em favor de Israel. É preciso esclarecer o que se

entende dessa realeza para evitar o mal-entendido que o termo reino poderia sugerir na

atualidade Reino de Deus. Não como uma realidade geográfico-política, embora expresse a

esperança de um povo concreto, do modo como, por exemplo, se entendeu a cristandade

medieval, de tal maneira que a Igreja praticamente coincidia com os limites geográficos que

as separavam dos infiéis.

Não é diretamente uma realidade cultural ascendente, quer dizer que Israel reconhece

que só tem Javé por rei, embora sem duvida nenhuma Israel faça isso como resposta a Javé.

Comenta-se que sobre esse reinado de Deus esperado por Israel é necessário e importante

insistir em três coisas para compreendê-lo e evitar sua tergiversação,fuga ao assunto principal.

A primeira é a sua incidência real na história dos homens, quer dizer que o Reino é uma

realidade histórica, não trans-histórica, e por isso a esperança histórica perpassa o Antigo

Testamento, embora a apocalíptica a escatologize e a ponha no fim dos tempos. Sejam quais

forem as esperanças variáveis e mutáveis de Israel o essencial esta em que lhe é

completamente alheia à resignação que confina Deus no nebuloso para além dos ideais que se

compagina com a imutabilidade do mundo. Israel tem como essencial a sua fé, o fato de Deus

poder tornar a realidade má e justa em boa, e por isso, o reino de Deus corresponde-se com a

esperança histórica.80

79 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p.110. 80 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p.113.

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Para entender bem o significado do Reino de Deus, é preciso ter um destinatário

concreto, por isso, ser essencialmente parcial, é preciso lembrar que o Reino deve oferecer o

amor de Deus a todos, mas não da mesma maneira. Se os destinatários do Reino de Deus na

época de Jesus não tiverem a mentalidade de que o Reino é para todos, não conseguirão a

salvação, nem a mentalidade primariamente antagonizante. Neste caso, o reino deve aparecer

diretamente como algo positivo que leva a pessoa interessa à salvação, e à justiça, e por isso

mesmo que Jesus não impede que as pessoas tivessem em mente um destinatário específico

quando ele anunciava o Reino de Deus. A única coisa que se deduz do que foi dito é que ele

não excluía ninguém da possibilidade de entrar no reino de Deus, mas não excluir não é a

mesma coisa que se dirigir diretamente a certos grupos de pessoas. É por isso, que Jesus

escolheu os grupos dos mais fragilizados.

Do ponto de vista complexo da atitude sociopolítica religiosa, pode-se distinguir do

judaísmo no tempo de Jesus, diversas correntes: Saduceus, Essênios, Zelotes, Herodianos e

Samaritanos. Diversos grupos políticos religiosos ocupavam e disputavam o controle da

religião da época. Os Essênios se opunham a organização do templo, que eram apoiados pelos

Saduceus, os Fariseus apontavam outro caminho para prática religiosa, o da obediência estrita

à lei. A mentalidade apocalíptica imperava não pouco surgiram com intuito de renovar a

religião de Israel, revitalizando-a. Aqui se insere a pregação do Batista, por exemplo, e o

movimento de Jesus. Ele, pelo anúncio do Reino de Deus, aponta para outra forma de

organizar a religião, não baseada na lei ou no tempo, mas prática do amor fraterno, que é o

que cumpre a aliança estabelecida com Deus.

Aponta para outra sociedade, aquela pensada pelos profetas, onde se faça a justiça aos

pobres e desamparados. Pensa uma política ou economia onde não haja exclusões, para usar a

linguagem de hoje, e afirma que o mesmo é possível na sociedade a na prática religiosa, por

isso acolhe pecadores, samaritanos, pagãos e doentes. Inserida em seu contexto, ação de Jesus

é compreendida como anúncio da renovação do mundo, isto é, das pessoas e das estruturas

sociais, e não apenas da espiritualidade. Religião e vida concreta são uma única coisa para os

Judeus da Palestina do século I.81

2.1 A expectativa do Reino de Deus na palestina na época de Jesus

Há um consenso virtualmente unânime de que a noção de Reino de Deus era a

centralidade para o anúncio de Jesus, uma noção cujas implicações políticas deveriam ser 81 MANZATO in SOUZA, Nei, 2007, p.37

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reconhecidas à luz de seu uso na literatura da época, seja ela judaica ou pagã. Entretanto, nem

todo mundo estava preparado para aceitar a ideia de que os escritos apocalípticos constituem

o cenário apropriado para compreender o uso que Jesus fazia dessa imagem. Jesus ao discutir

a relação da noção do Reino de Deus, ele opta por um entendimento sapiencial e não

apocalíptico de sua pregação. O modelo de dominação monárquica que Jesus acolhe em suas

palavras e aforismos é, segundo ele de um reino dos destituídos. Um reino realizado, e não

apenas proclamado82.

A realidade escatológica afirma que o reino de Deus é universal, ou seja, nele podem

entrar todos, embora nem todos de modo igual. Mas mesmo sendo universal, contata-se que o

Reino de Deus na época de Jesus é unicamente dos pobres. E se isso é assim, o Reino é por

essência totalmente parcial. Essa afirmação tão evidente biblicamente, mas tão difícil de

aceita e ver as intermináveis discussões sobre a atual opção pelos pobres. Foi preciso

qualificar como preferência para opção não ser tão radical, e por isso, ela tem suas raízes no

Antigo Testamento, que faz dessa parcialidade algo essencial. Se tantas vezes se argumenta

como no Antigo Testamento para compreender a noção de Jesus, será preciso ver também a

parcialidade que percorre o Antigo Testamento para que possamos compreender que tipo de

Reino Jesus encontra na sua época e depois anuncia a todos.

No acontecimento do Antigo Testamento, o Êxodo mostra que Deus é parcial para com

o povo oprimido, mas não a todos e se revela e liberta. Essa parcialidade é mediação essencial

de sua própria revelação. Deus não se revela, primeiro como Ele é, e depois, se mostra parcial

para com os oprimidos. É antes e através de sua parcialidade para com os oprimidos que Deus

revela sua própria realidade. E isso é mantido durante todo o Antigo Testamento. Deus é pai

dos órfãos e defensor das viúvas, nos profetas Deus chama meu povo não a Israel todo, mas

aos oprimidos de Israel. Javé é defensor de Israel, o Go’el, o que defende os pequenos, e na

medida em que Israel os defender, ele continuará sendo seu Deus83.

A parcialidade do Reino não deveria estranhar. Se apocalipticamente Jesus acentua seu

caráter escatológico e sua vinda iminente, profeticamente sublinha a parcialidade de Deus

como Deus dos pobres. E essa parcialidade de Deus, também em termos de Reino, está

presente na época de Jesus e no Antigo Testamento. Significa que o Rei esperado, a utopia,

não é qualquer rei, mas o rei parcial para com os oprimidos, a justiça do Rei não consiste

primordialmente na emissão de um verídico imparcial, mas na proteção do que se prestar aos

82 FREYNE, Sean. Jesus, um judeu da Galileia – nova leitura da história de Jesus. São Paulo: Paulus, 2008, pp.131-2. 83 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p.129.

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desvalidos, às viúvas e aos órfãos. Era essa forma de expressar a utopia em termos da realeza

em Israel e nos povos vizinhos, distribuir justiça, pois ao mesmo tempo aparece na linguagem

do esperado juiz justo. Quando na história se idealizou a função do juiz ou que se chegou a

chamar juiz, foi exclusivamente para ajudar aqueles que por serem fracos, não podem se

defender, os outros não precisam dele Quando a Bíblia fala de Javé juiz ou do juízo, cujo

sujeito é Javé, pensa precisamente no significado do que vimos na raiz, salvar os oprimidos da

injustiça.

O Reino de Deus é a centralidade da tradição do Antigo Testamento, como uma forma

de exprimir o desígnio de salvação de Deus e a esperança do povo. Israel, de fato, passou por

inúmeras vicissitudes, problemas e tragédias, mas manteve sempre uma esperança baseada em

sua fé. Não confinou Deus a um nebuloso além, mas teve a experiência de sua passagem pela

história, e de uma forma concreta. No Egito Deus escutou os clamores de um povo oprimido e

desceu para libertá-lo, e essa foi a origem de sua confissão de fé e de sua esperança, fazendo

com que fosse formulada sua terminologia de realeza, reinado. Ele vem para reger a terra, Ele

governará o mundo com justiça e os povos com equidade (Sl 96,13).

Quando Deus reina, o mundo se torna o reino de Deus, por isso, antes de reino, é

preciso mencionar o reinado de Deus. Quanto ao conteúdo, esse reinado torna real, antes de

tudo, o ideal anelado de justiça. Deus mostra que reina no mundo pelo fato de ser bom e

misericordioso com todas as suas criaturas (cf. Sl 86,15s;145,9), transforma uma realidade

histórica social injusta em justa, na qual reina a solidariedade e na qual não há pobres (cf. Dt

15,4).O reinado de Deus deve ser compreendido como libertação, não só como ação benéfica

e como parcial, pois os oprimidos estão, por direito, no centro do olhar e da ação de Deus.

Tem uma dimensão histórica, pois trata de opressões objetivas, embora o olhar vá abrindo-se

à transcendência social, pois é libertação e justiça para um povo, ainda que o olhar vá

dirigindo-se ao pessoal. E, como dissemos, é questão teológica, pois Deus revela sua realidade

ao passar, e não de outra maneira pela história84.

Digamos que o reinado de Deus também tem uma dimensão pessoal. Deus reina quando

os seres humanos, feitos à imagem e semelhança de Deus, reproduzem em suas vidas a

bondade e a compaixão de Deus, a justiça e a reconciliação. Deus reina quando o coração de

pedra se transforma em coração de carne (Ezequiel), quando o ser humano chega a conhecer

em intimidade a Javé (Jeremias).

84 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação – pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008, p.122.

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Jesus vinha dessa tradição. Anunciou a chegada iminente desse reino e deu sinais de sua

presença: curas, expulsão de demônios, acolhida de pecadores desprezados, refeições com

eles. É a Boa Nova, a Boa Noticia de Deus, o Evangelho, especialmente para os necessitados.

Colocou-se a serviço deles e os defendeu de seus opressores até seu final na cruz, e mesmo no

meio da escuridão, manteve-se a esperança da vinda do Reino. Pensou que o fim chegaria

depois de sua morte, e que até mesmo sua morte poderia adiantar a chegada dele. Depois de

sua morte, porém seus discípulos reconheceram que em Jesus Deus estava reinando na

história: “Jesus passou fazendo bem e curando todos oprimidos pelo diabo”, o que

interpretaram como uma passagem de Deus: “porque Deus estava com Ele” (At 10,38).

No Evangelho, fica mais explicitado do que no Antigo Testamento o reinado de Deus.

Não sobre um povo, mas sobre as pessoas. Jesus anuncia a Boa Noticia às pessoas bem

concretas e as tornam reais para elas. E exige delas, pessoalmente, uma forma de vida para

que Deus reine em Israel. Exige o seguimento, uma práxis do reino e um configurar-se

segundo a mensagem e a pessoa do próprio Jesus, na linha das parábolas do Samaritano, do

Filho Pródigo, das Bem-Aventuranças. E exige, também, participar de seu destino de

perseguição e cruz, por causa do confronto profético com o mundo opressor.

Finalmente, Jesus convida os seus a chamar a Deus de Abba – como Ele mesmo tinha o

costume de chamar. E exige que eles deixem o Abba ser Deus, mistério não manipulado, que

pode exigir a denúncia profética, a inserção em conflitos, o correr perigos e, também, o não

saber, percorrer caminhos desconhecidos, a disponibilidade até o fim, até o meu Deus, porque

me abandonaste. Isso deverá configurar o modo de ser dos seus, de modo esplendido, que o

desígnio de Deus é que cheguemos a ser filho no Filho. É a forma em que Deus reina sobre as

pessoas85.

2.2 Os grupos políticos e as suas teorias: Saduceus, os Fariseus e os Essênios

E, relação aos Saduceus este grupo aparece apenas umas vez em Marcos, como parte de

uma sequência de grupos em Jerusalém, a qual faz com que os Judeus pudessem exercer uma

série de perguntas antes da paixão (Mc 12, 18-27). O ponto de controvérsia é a rejeição

Saducéia da ressurreição como legítima crença Judaica. A posição dos Saduceus sobre a

ressurreição encontra-se repetidas vezes nas passagens paralelas em Mateus e Lucas e

apresentadas em Atos. Ao defender a ressurreição Jesus coloca-se ao lado dos Fariseus e

85 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação – pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo: Paulinas, 2008, p.124.

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Escriba como o reconhece o Escriba e se impressiona com Jesus por ter respondido bem aos

Saduceus (MC 12, 28).

A mais importante para compreensão exata dos Saduceus é que não ficamos sabendo a

respeito deles. Embora estejam em Jerusalém, não se diz que fossem membros da classe

governante, nem se explicam a natureza de seu grupo nem seu papel social. Marcos, ou a

tradução que se utiliza, pressupõe que os Saduceus é conhecido do leitor. Tendo em vista ao

mal-entendido comum na pesquisa do Novo Testamento, é preciso afirma que nem todos ou a

maioria dos chefes dos Sacerdotes, Anciãos e outros membros da classe governante, eram

Saduceus, mais que somente eles embora sendo poucos em número era em sua maioria

proviam daquela classe. 86

Os Saduceus eram conhecidos como um partido clerical, dirigidos pelos Sumos-

sacerdotes: era um partido hegemônico. Composto pela aristocracia leiga e Sacerdotal:

latifundiários, comerciantes, mercadores e arrendatários de impostos. A sua ideologia e

prática é considerada de uma forma pragmática, ou seja, colaboracionistas para não perder a

posição: Acordo tácito com Roma. E a sua ética: boa vida, hedonismo e eudomonismo, só

admitiam o Pentateuco de Moisés como livro Sagrado.

Eles interpretavam rigidamente a lei, eram um grupo fanático, principalmente no se

referem ao sábado, fazendo com que tivessem vários problemas polêmicos com Jesus Cristo.

Não aceitavam o reformismo farisaico, e eram condescendentes com o Helenismo. Não

aceitavam a tradição dos Escribas e Fariseus, e os costumes populares do culto farisaico, em

nem apocalíptica e a esperança messiânica, e não concordavam com a esperança de um

mediador futuro e de uma nova criação, assim também como discordavam de uma teoria

grega da imortalidade da alma e a ressurreição dos mortos, pois, para eles a única salvação era

terrena.87

Do ponto de vista complexo da atitude sócio político-religiosa podem distinguir o

Judaísmo no tempo de Jesus, os Saduceus como uma forte corrente cheia de conflitos. Eles

receberam este nome de Saduceus, por causa dos Sumos-sacerdotes do Templo de Salomão,

Sadoc, de quem as grandes famílias Sacerdotais pretendiam descender. Constituíam facção

composta pelas duas aristocracias civil e sacerdotal. Representavam, o poder econômico e,

por sua posição no Grande Conselho e no templo, detinham também o poder político e

religioso da nação. Eram muito conservadores no campo religioso (Admitiam a Escritura, mas

86 SALDARINI, Anthony. Fariseus, Escribas E Saduceus. São Paulo: Paulinas, 2005, pp.166-167. 87 DOMINGUES, José, SÁEZ, Júlia. O Homem de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1987, p.42-44.

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não, os desdobramentos das escolas farisaicas) e igualmente no campo político, porém abertos

à influência da cultura Helenística.

Adaptavam-se ao domínio romano; chegaram a uma composição, uma espécie de

acordo não escrito: eles procuravam manter a ordem, ocupando os postos dirigentes, para que

os romanos os deixassem tranquilos. Haviam renunciado a todo ideal que não fosse manter a

situação que se encontravam, onde gozavam de certa margem de liberdade e podiam conduzir

a administração religiosa e política dos pais. Eram materialistas e, como consequência,

politicamente realistas: aceitavam a injustiça da dominação estrangeira contanto que não

ameaçasse sua posição, nem colocasse em perigo o seu poder.

Pretendendo ser fies ao conteúdo original do Antigo Testamento, rejeitavam a doutrina

farisaica da ressurreição dos mortos e os prêmios da vida futura, bem como qualquer tipo de

sobrevivência pessoal; negavam também a existência de anjos e espíritos. Por outro lado,

sustentavam que o bem e o mal dependem exclusivamente da opção do homem e, por

conseguinte, que Deus não exerce influencia alguma sobre as ações humanas, mas é o próprio

homem o causador da sua própria felicidades ou desgraça. Seu horizonte é único e exclusivo

limitado a vida terrena, e por isso procuravam tirar o maior partido possível dela. Sua posição

religiosa nada mais era do que a justificativa da sua situação de poder.88

Em relação aos Fariseus, eles eram considerados um grupo (os separados), pois, eram

constituídos diante de uma facção formada em sua maioria por leigos devotos que, sobre a

direção dos letrados, se propunha levar as práticas religiosas até ultimas minúcias da vida.

Consta-se que no tempo de Jesus eram por volta de seis mil. Buscavam constantemente e com

todas suas forças a maneira de realizar, o ideal proposto pelos letrados: levar vida em tudo

conforme a lei, com toda a complexidade que a interpretação dos letrados havia conferido a

esta durante os séculos de trabalho. Cumpri-la minuciosamente era o princípio e fim de todos

os seus esforços.

Consideravam a lei ou a Tora como instrução divina que ensina ao homem como ele

tem que viver; nesta suposição, só restava ao fiel estudar a lei e pô-la em prática em todos os

setores de sua existência. O ideal que os fariseus se propunham realizar era conseguir que

cada pessoa estivesse regulamentada por disposição ou estatuto divino, encontrado na Lei.

Para o Fariseu entregue a observância de uma lei em que vê plasmada a vontade de Deus,

todo mandamento é importante, pois, cada um expressa a mesma vontade suprema. O

88 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.33-34.

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decisivo é obedecer a Deus, seja o que for; até nos mínimos particulares, tem que ser

exercício desta obediência. A obcessão de ser fiel ao por menor eclipsa a relação pessoal com

Deus: no caso extremo, a observante se relaciona com o texto escrito. A relação homem-Deus

se converte na relação homem-Lei.

A percepção profética que Deus merece estabelecia o grau de importância dos preceitos

e era capaz de passar pelo crivo, os textos das Leis para conservar apenas o que considerava

válido. O ensinamento Farisaico, ao contrário, armazenava tudo e a atribuía vigência perena.

A obcessão Farisaica por alcançar a perfeição pressupunha a responsabilidade individual, não

só a coletiva. Foram Jeremias e Ezequiel, profetas do tempo do exílio, que despertaram esta

ideia em Israel. Ela representou o progresso evidente da consciência; mas os Fariseus nela

acoplaram o conceito de liberdade ilimitada, exacerbou o sentimento de responsabilidade

pessoal. Segundo eles, o homem é bom ou mal simplesmente por que quer; a perfeição lhe é

possível, pois a observância total da Lei esta em seu alcance.

A consequência desta doutrina foi assinalar a separação entre justos e pecadores. Os

observantes da Lei são os justos, porque eles observam as Leis, em contra partida o pecador é

aqueles que não a observam, segundo eles por decisão própria. Cada um é plenamente

responsável pelo seu estado, tanto para o bem como para o mal. O mero estudo ou ignorância

da Lei estabeleciam uma linha divisória, pois não se podia aspirar a perfeição sem o

conhecimento minucioso das normas, o que explica o desprezo que os Fariseus sentiam pelo

povo comum, que não tinham possibilidade a dedicar-se ao estudo de Lei, em tempo para esta

preso a observância de tantos preceitos (Jo 7, 49).89

Os Fariseus naturalmente gozavam de enorme ascendência sobre o povo. Embora por

sua soberba (Lc 16, 15) fossem olhados com grande antipatia, o povo se deixava impressionar

pela aparência de virtude (Santarrões) que eles procuravam aparentar para manter vivo seu

prestígio e influência (Mt 6, 1-2.5.16). Para enfatizar sua piedade, os pingentes com frases do

AT (Ex 13, 1-16;Dt 6, 4-9;11,13-21) que todo Israelita devia usar na fronte ou no braço

durante a oração da manhã (exceto no sábado ou no dia festivo), e os usavam

permanentemente até na rua.

O povo acreditava que para estar bem com Deus, todos deviam fazer como eles. Dada a

impossibilidade prática para a maioria de cumprimento tão minucioso, criavam por isso nos

outros um sentimento de culpa e de inferioridade que lhes permitam dominá-los. Com toda

observância das regras religiosas, eram amigos do dinheiro e exploravam as pessoas simples

89 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.36

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com pretexto de piedade (Mt 23, 25-28;Mc 12, 40;Lc 11, 39;16,14). Sua fidelidade às regras

os levava ao desprezo dos outros (Lc 18,9), que chamavam pecadores, ou seja, descrentes ou

sem religião (Mt 9, 10-11;Lc 15,1-2) ou malditos (Jo 7, 49). Para eles, a lei religiosa tinha que

ser cumprida a risca, mas esta fidelidade deixava brecha para muitas escapatórias (quem fez a

lei fez a cilada) e não evitava a injustiça com os outros; a minúcia das coisas pequenas levava

ao esquecimento do que era realmente importante: a justiça e o direito (Mt 23, 23;Lc 11,42).

Sem individualismo religioso centralizado na observância e na perfeição pessoal, tinha

consequências sociais, pois os leva a se desinteressarem pelos graves problemas existentes na

sociedade de seu tempo. Esperavam a solução para estes problemas e libertação do povo, da

intervenção de Deus, que seriam aceleradas pela prática escrupulosa da Lei. Não tratavam dos

assuntos políticos do ponto de vista secular, mas religioso. Estritamente falando não

constituíam partido religioso: a observância rigorosa da Lei. Contanto que esta não fosse

impedida, aceitavam qualquer tipo de governo. Unicamente quando o poder político interferia

em seu modo de obsevar a Lei, e que se uniam para forma frente comum contra ele. Em

contra posição aos materialistas Saduceus e os Fariseus eram espiritualistas,e não tinham

compromisso com o homem,e com a sua situação histórica.90

Os Fariseus são os principais opositores a Jesus na Galiléia; o chefe dos Sacerdotes,

Escribas e Anciãos são os seus adversários em Jerusalém no tempo de sua morte. Marcos

situa os Fariseus na Galiléia em todas as ocasiões, exceto em uma quando os Fariseus e os

Herodianos são enviados a Jesus a fim de apanhá-lo em armadilha em Jerusalém. Os Fariseus

encontram Jesus em Cafarnaum e em outras cidades rurais (Mc 3, 2.6;7,1.5) em diversos

lugares, muitas vezes indeterminados (Mc 2,18.24;8,11;10,2). Ao contrário de Josefa, que

mostra que os Fariseus muitos ligados aos chefes em Jerusalém, Marcos os vê como ativos

apenas na Galiléia. Não lhes faltam alianças e conexões com outros grupos, pois conspiram

com os Herodianos (Mc 3,6) aliam-se aos Escribas em conflito com Jesus, em entre eles

contam com alguns Escribas (Mc 2, 16). Aparecem em Jerusalém apenas uma vez, mas isto

pode ser em virtude da organização literária de Marcos. Assim, isto não elimina a

possibilidade de que os Fariseus fossem ativos em Jerusalém, mas torna incerto o testemunho

de Marcos.91

Os Fariseus tinham em suas práticas um compromisso com a moral farisaica e por isso

eles eram fanáticos pela Lei, ou seja, cumpriam e multiplicavam as normas de uma forma

90 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.38. 91 SALDARINI, Anthony. Fariseus, Escribas E Saduceus. São Paulo: Paulinas, 2005, pp.160.

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fanática, principalmente no que tange aos sábado e eram fanáticos pela pureza legal e ritual,

principalmente no que se refere a tabus legais e ao jejum. Acreditavam no mérito perante

Deus e para obtê-los faziam muitas obras, como esmolas e orações.

Os Fariseus sabiam distinguir com humor um tanto cruel, os bons e os maus entre eles

mesmos. Existia sete categorias de Fariseus, sendo eles os de costas largas que escrevem suas

ações para que os outros possam admirarem; os proteladores, ou seja, que sobe o pretexto de

cumprirem uma obrigação urgente retardam o pagamento dos operários; os calculistas, que

afirmam, que como já tem muitos méritos acumulados, pode se dar o luxo de cometer algum

delito; os acumuladores, aqueles que se perguntam que coisinha mais podem fazer para

aumentar seus méritos; os escrupulosos, aqueles que interrogam-se sobre os pecados ocultos

cometidos para compensá-los sobre tudo por uma boa ação; os Fariseus do temor, que agiam

como Jô; e os Fariseus do amor que agiam como Abraão, estes são considerados como

autênticos. 92

Em relação aos Essênios eles formavam uma seita que rompera com o sistema político e

religioso. Levavam ao extremo a tendência Farisaica. Os Fariseus eram o partido de oposição

aos Saduceus, mas respeitavam as instituições; os Essênios muitos mais radicais sustentavam

que o culto e o templo não estavam purificados porque o sacerdócio eram ilegítimo; eles

esperavam que Deus os restaurassem. Não participavam da cerimônia do culto nem

colaboravam com a instituição. Apesar disto enviavam donativos para o templo, embora não

oferecessem sacrifícios de animais. Esperavam que Deus pudesse restaurar o sacerdócio e o

templo. Seu integrismo os fazia considerarem-se o único povo de Deus e eles esperavam o

juízo divino que os salvaria e condenaria todos os outros.

Vivam em comunidades e nas cidades; as margens do mar morto encontraram-se as

ruínas de uma espécie de convento Essênio, o de Qumrã não existia entre eles a propriedade

privada; renunciavam aos bens em benefícios da comunidade, que, naturalmente os

capitalizavam. A comunidade cobria a necessidade dos seus membros. Tinham suas

cerimônias particulares, como abluções e banhos rituais e refeição como sinal de fraternidade.

Era comum não se casarem pelo escrúpulos decorrentes das regras de pureza da lei religiosa.

Eram severíssimos na observância da lei, e tinha por princípios o amor aos membros das

comunidades e ódio aos de fora.

Todo candidato adulto, que gostaria de integrar na seita, tinha que passar um ano inteiro

de prova, e, no fim do ano era admitido às abluções rituais. Continuavam depois outro período

92 DOMINGUES, José, SÁEZ, Júlia. O Homem de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1987, p.44-45.

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de prova, que durava dois anos. Somente após passarem este tempo, e depois de pronunciar a

um terrível juramento, era-lhe permitido sentar-se a mesa comum e começar a ser considerado

membro pleno da ordem. Por aquele juramento se comprometia a fraqueza total com os outros

membros da seita e aguardar os segredos com os estranhos sobre a doutrina da ordem. No seio

da comunidade, as faltas eram julgadas por um tribunal composto pelo menos de uma centena

de membros. As transgressões graves eram punidas com expulsão.

Os Essênios superavam ao número de quatro mil pessoas, e constituíam uma

comunidade muito hierarquizada, com organização estrita e uniforme. A frente das

comunidades havia superiores, a quem os membros da seita deviam obediência incondicional.

Embora nos evangelhos não tenha nada sobre os Essênios, eles aludem-se a sua doutrina, por

exemplo, aos princípios do ódio aos inimigos (Mt 5, 43).93

Os Essênios eram monges; e migração e clericalismo. Eles se caracterizavam pela

emigração para fora da sociedade, pelo êxodo retirada e isolamento do sistema vigente. Eram

considerados segregados, santos e puros, eleitos de Deus, ou seja, filhos da luz ou os bons ou

os justos. Os Essênios praticavam o ascetismo rígido, em relação ao matrimônio, jejum,

oração e trabalho. A comunidade eram baseada na regra monástica, no sentido de oração,

trabalho, noviciado, e especialmente no funcionamento da comunidade. Eles participavam de

uma comunidade de puros e de elite com seus votos de pobreza, castidade e obediência a

regra. È o integrismo religioso e político. Eles professavam o messianismo guerreiro e político

e o messianismo sacerdotal. Eles preparavam-se para guerra santa, e eram nacionalista e

fanáticos a lei.94 Diversos grupos políticos religiosos disputavam o controle da religião da

época de Jesus e entre eles estavam os Essênios que se opunham a organização do templo, e

principalmente apoiados pelos Saduceus.95

2.3 Os grupos da insurreição e as suas teorias: Os Zelotes, os Sicários, os Estrangeiros

e os Samaritanos, o movimento Batista e Escravo

Entre os Zelotes havia um grupo de terroristas, armados com punhais (os Sicários), que,

aproveitando as aglomerações do povo nas festas religiosas, assassinavam pelas costas seus

inimigos, isto é, os que colaboravam com o regime Romano. Estes nacionalistas eram

recrutados entre a classe oprimida; sua posição ao senso e aos tributos lhe conquistou a

93 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.39-40. 94 DOMINGUES, José, SÁEZ, Júlia. O Homem de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1987, p.45. 95 MANZATO in SOUZA, Nei, 2007, p.36.

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simpatia dos camponeses e pequenos proprietários, ao passo que os latifundiários

simpatizavam com o governo de Roma. Os Zelotes tinham um programa de redistribuição da

propriedade e, nos princípios da guerra Judaica (ano 66 dC), destruíram os registros dos que

emprestavam dinheiro para libertar os pobres do julgo dos ricos.

Os Zelotes teve sua origem no inverno de 66-68, quando o exército romano estava

começando a conquista a Judéia. Inicialmente a revolta fora um sucesso. A primeira tentativa

de Roma para retonar a Jerusalém tinha que terminar com a derrota do seu exército. Além

disso, os romanos foram expulsos de grande parte da Galiléia, bem como da Judéia Já no

verão ou no outono de 67, tinha subjulgado virtualmente todas as forças da resistência Judaica

na Galiléia. Dominada a Galiléia o General Vespasiano, voltou sua atenção para a Judéia,

agora começando com as áreas da fronteira noroeste.

De todos os grupos rebeldes que participavam da revolta contra Roma, os maiores

desprezados são os Zelotes. Numa escala ascendente de perversidade e criminalidade, nossa

fonte principal clássica os Sicários como muito perversos, o Líder João de Giscala e o

pretendente messiânico Simão Bar Giora como muito prior os Idumeos simplesmente como

sanguinários loucos e, finalmente os Zelotes como grandes vilões da história.

Tenha havido muita confusão em relação aos Zelotes porque, como já foi dito, os

estudiosos modernos esticaram tanto o conceito de Zelotes, que este passou a incluir grupos

que na verdade eram muitos diferentes. Como agora, finalmente vamos abordar grupo que se

chama Zelotes e que segundo o historiador Josefo, diz que se chamava ele mesmo de Zelotes.

Pois isso convém primeiro ter uma ideia em geral da sequência de eventos que eles tiveram

papel importante, para poder entendê-los e compreendê-los melhor.

Os Zelotes surgiram como uma coalizão de grupos salteadores que, vindo do interior,

entrou na cidade no final de 67. Quando, finalmente, os chefes dos bandos espalhados de

salteados cessaram de assaltar a zona rural, uniram as suas forças formando um único bando

de assassinos e infiltraram em Jerusalém. Além disso, os salteadores chegaram a mais de uma

vaga. Novos salteadores da zona rural penetraram na cidade e juntaram-se ao grupo mais

temível que estava dentro, não perdendo nenhuma oportunidade de cometer crimes

hediondos.96

Em relação aos Sicários, a primeira vez que se fala deste grupo operando em Jerusalém

é na década de 50, isto é, meio século depois. O nome deriva da arma que usavam; “Punhais

96 HANSON, Jhon S. & Horsley, Richard A. Bandidos, Profetas e Messias. Movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995, p.186-187-189

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parecidos com as cimitarras” dos persas em tamanho, mais curvas e mais semelhantes as

armas chamadas Sicai pelos romanos. Quando eles (os bandidos sociais) tinham sido

eliminados da zona rural. Um tipo diferente tinha aparecido em Jerusalém, conhecidos como

os Sicários. Os membros destes grupos assassinavam pessoas em pleno dia no meio da cidade.

Misturando-se as multidões, especialmente durante as festas, escondiam pequenos punhais

debaixo das vestes e apunhalavam seus adversários. Quando as vítimas caíam os assassinos se

misturavam com a multidão enfurecida, sem ser identificados por causa da naturalidade da

sua presença. Primeiro que teve o pescoço cortado foi Jonatas, O Sumo-sacerdote, e depois

dele diariamente foram assassinados muitos outros.

É necessário distinguir os Sicários do conceito acadêmico equivocado dos Zelotes, por

um lado, do fenômeno do banditismo social, por outro. De acordo com a ideia de Zelotes

elaborada pelos estudiosos, quase sempre supõe que o termo bandido dos relatos se referem

aos Zelotes. Essa passagem tende um tipo diferente de bandidos, de que então os Zelotes

passaram a fazer agitação em Jerusalém, porque o governador era romano e era o Félix que

tinha suprimido suas atividades no interior do país e que foram chamados de Sicários por

causa da sua nova tática. Mas é óbvio que não tinha nenhuma atividade dos Zelotes naquele

tempo.

Ainda que a tática agressiva dos Sicários fosse totalmente diferente, parece ter havido

algum tipo de continuidade entre eles. Não existe nada escrito, nem mesmo por Josefo, que

houvesse uma ligação entre os Sicários e o partido fundado por Judas e Sadoc cinquenta anos

antes. Todavia deixa bem claro que houve uma continuidade direta de liderança entre os dois

grupos; de Judas da Galiléia, passando por seus filhos Tiago e Simão, crucificado pro Tibério

Alexandre em torno do ano 48, ao seu filho ou neto, o pretendente messiânico Manaém, líder

dos Sicários na eclosão da revolta e até Eliaser Ben Jair, outro descendente de Judas que se

tornou comandante dos Sicários restantes, e deixaram a revolta refugiando no alto da

massada. Além disso, Josefo escreveu que os Sicários eram uma continuação do partido

fundado por Judas no sumário que difama os grupos revolucionários. Deve ter havido alguma

continuidade entre os dois grupos, por mais vaga que isto seja em sua única fonte.

O que era característico e inédito em relação aos sicários era sua nova estratégia. Os

atos agressivos dos Sicários eram fenômenos novos que apareceram pela primeira vez sobre

Félix na década de 50. Mas por que um novo grupo com alguma continuidade com o grupo

mais antigo, ou com o grupo que estivera adormecido por mais de 50 anos – teria subitamente

renascido com uma tática inédita, justamente naquela época constituíam fenômeno claro.

Todavia, talvez um breve exame da agitação sócio econômica de meados do século I depois

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de Cristo pode ajudar enquadrar a nova estratégia dos Sicários no contexto. Com os prodígios

gastos de Herodes, havia pesada tributação Judaica Romana, fazendo com que muito

camponeses acabassem perdendo suas terras. Herodes ampliara a aristocracia Sacerdotal com

família ilegítima e nova nobreza. Depois veio o domínio romano direto. Tudo isso criou

tensões exacerbadas pela fome da década de quarenta que originou ainda mais inquietação e

banditismo e aumentou antagonismo entre Samaritanos e Judeus.97

Em relação aos Samaritanos, eles vivam na Samaria, uma província do centro, que era

habitada por uma população que não podia ser considerada puramente judaica; desde os

tempos da invasão assíria (721 aC), ali se integraram os colonos de outras nações, e as raças e

as crenças se misturaram. Quando recomeçou a reconstrução do templo depois do exílio na

Babilônia, Esdras não permitiu aos Samaritanos colaborar com ela, por não considera-los

verdadeiramente Israelitas (Esd 4,1-3). Ergueram seu próprio templo (Jo 4,20), mas os Judeus

os destruíram antes da era cristã, durante do reinado de João Hircano I (cerca de 29 aC). No

tempo de Jesus a inimizada entre Samaritanos e Judeus era muito grande, sendo perigoso para

os Judeus viajar pela Samaria. Os Judeus, por sua vez, consideravam os samaritanos como

hereges e gentios e não queriam relações com eles (Jo 4,9).98

Em relação ao movimento Batista, João Batista suscitou um movimento popular como

preparação a ele. João aparece no evangelho como homem nada convencional, que, situado no

deserto, fora da sociedade e das instituições judaicas, exorta as pessoas a mudar de vida (Mc

1,4-8). Ele fundamenta sua exortação, afirmando que o reino de Deus era a esperança do povo

Judeu, e que estava as portas (Mt 3,2). Seguindo a linha dos profetas do Antigo Testamento,

proclama a necessidade de mudança de vida para alcançar de Deus o perdão dos pecados. Na

linguagem profética e na de João, o pecado se identifica com a injustiça, ou seja, com tudo

aquilo que contraria ao bem e ao desenvolvimento do homem, impede sua plenitude de vida.

Como consequência, segundo a mensagem de João Batista, o homem alcança o perdão de

Deus, ou em outras palavras restabelece a relação com ele quando está disposto a abandonar

sua condição injusta.

Entre João, o profeta que fala de Deus no deserto, e as instituições Judaicas, estabelece a

distância e a oposição. Segundo a doutrina oficial, as pessoas deveriam ir ao templo para obter

o perdão. João, pelo contrário prescinde do templo e das instituições religiosas e promete o

97 HANSON, Jhon S. & Horsley, Richard A. Bandidos, Profetas e Messias. Movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995, p.177-178 98 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.42-43.

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perdão no deserto. Estar no deserto, o lugar social, significar situar-se em oposição a

sociedade, e a exortação a justiça a denuncia como injustiça. O chamado de João no deserto

convida a romper com esta forma de sociedade, o que significa que ele pretende despertar o

anseio de mudança, fazendo o povo tomar consciência da injustiça existente e suscitando o

desejo de afastar-se dela.99

Sua morte é sinal claro de qualquer proposta de anúncio de justiça, ou seja, daquele que

denuncia os poderosos constituídos, cumpridores da violência para conter todo e qualquer

anseio de mudança. Para Josefo, a prisão e morte de João pode ter sido motivada pelo temor

de Herodes, de que a persuasão de João pudesse contaminar seus sequazes, incitando-os a

rebelião e proporções que fugiriam ao seu controle.

O batismo era um símbolo próprio da comunidade judaica no tempo de Jesus. Tratava-

se de mergulhar na água para expressar uma mudança radical de vida. Era como se morresse

pelo afogamento, todas as formas de pecado e, ao emergir, se nascesse para uma nova vida,

abraçando o judaísmo em detrimento do gentilismo. Deve-se reconhecer que até então havia

um comprometimento do fiel em cumprir com a prática da injustiça presente na sociedade

para, a partir dai ocorresse uma ruptura com o passado, que deveria ser sepultado na água,

para se recomeçar pela nova vida.

Várias pessoas praticavam o batismo exortando o povo e consequente adesão a Tora e a

Javé, tornando-se membro de uma determinada comunidade. Eram quando para muitos o

batismo somente se tornavam definitivos com a repetição de lavagem.100

Em relação aos estrangeiros, esse termo era usado de maneira descuidada e podiam

traduzir classes distintas, como o forasteiro, o estrangeiro propriamente dito e o peregrino. È

difícil distinguir um e outro, mas pode-se dizer que forasteiro era aquele que não pertencia a

casa ou a comunidade onde se encontrava, ou ainda, alguém que ocupava uma posição a que

não tinha direito; o estrangeiro podia se referir a alguém pertencente a outra raça considerado

talvez um inimigo. Adquire um sentido religioso por causa da associação de outras nações

com idolatria101. Dai as diversas proibições de casamento com estes grupos, o peregrino era

aquele que habitava com ou outro povo de maneira temporária era nivelado aos órfãos e as

viúvas como indefesos.

Os Israelitas não deviam oprimi-los, pois Deus era sua própria defesa. Não era obrigado

observar a páscoa, embora pudesse fazê-la mediante a circuncisão e, assim virtualmente, se

99 CAMACHO, Fernando & MATEOS, Juan. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulus, 1992, p.48. 100 BORNKAMN, G., Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1976,p.43 101 DOUGLAS, J. D, ., et Alli. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 1995,p.556.

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nivelar aos Israelitas. No Novo Testamento, o período de maior interesse deste trabalho, o

estrangeiro é descrito como apenas aquele que está distante de sua prática. A recepção dos

estrangeiros é imposta a Pedro pelo Espírito Santo (At 10). Paulo coloca em prática (At 13),

depois o revindica no Concilio de Jerusalém (At 15). Ele afirma em suas epístolas (Rm 10,12;

Gl 3,11).102

Em relação aos escravos afirma-se que desde o século III aC já existia o comércio de

escravo na Palestina. Eles eram encontrados, sobretudo na cidade, mas não em grande

número. Em diversos textos encontram-se os escravos libertos. Já a partir da época Macabaica

era impossível um Judeu de nascimento ser escravo de outro Judeu. Em número maior, há os

diaristas, homens alugados por uma média de uns dinares mais a sua refeição. Era o suficiente

para sua sobrevivência por um período de um dia, o que tornava catastrófica sua situação caso

não se encontrasse trabalho.

Havia também uma grande percentagem da população de Jerusalém que vivia

praticamente de auxílios recebidos, como os escribas, pois eram lhes proibidos de receber

qualquer remuneração pela sua atitude. No tempo de Jesus, Jerusalém era um centro de

mendicância, e as esmolas eram consideradas particularmente meritórias se feitas na cidade

Santa, que mantinha esta mendicância103. Nas portas das cidades, encontravam-se cegos,

surdos, cochos, entre outros, verdadeiros ou simulados, que viviam de esmola, uma vez que

lhes era proibida a entrada na cidade. Os mendigos trabalhavam ao redor do templo. Havia

ainda as pessoas que renunciaram as suas ocupações pessoais para se dedicarem

exclusivamente ao culto pelo voto de consagração.

3 A expressão Reino de Deus no tempo de Jesus, e as suas correntes apocalíptica

Em relação a expressão Reino de Deus no tempo de Jesus, afirma-se que para resolver

esta afirmação, convém não perder de vista que na época de Jesus, entra de cheio o que se

domina (Época Apocaliptica), ou sejas, o tempo que vai do levantamento dos Macabeus no

ano 167 aC até a guerra Judaica no ano 70 dC. É uma época de insegurança religiosa, política

e social, época de angústia.

O povo Judeu suportava vários séculos de dominação estrangeira. Esta situação

contradizia as esperanças messiânicas de libertação. Nessa situação dura e difícil foi surgindo

102 MONLOUBOU, L. e DU BUIT. F.M, Dicionário Bíblico Universal. Petrópolis: Santuário-Vozes, 1997, p.262. 103 JEREMIAS, Goachim, Jerusalem no Tempo de Jesus (Pesquisa de História Econômica-Social no período Neotestametário), São Paulo: Paulinas, 1983,p.166

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e trazendo ao povo uma esperança que deu origem ao movimento Apocalíptico. O sistema, a

situação presente, esta chegando ao seu fim, significando que Deus colocará um final nisso

tudo, fazendo com que possa surgir uma nova situação, com a preparação e a intervenção de

Deus na história, ou seja, do Messias.104

Um elemento importante na motivação dos Judeus que persistiam na devoção a lei foi

provavelmente o seu ardente desejo do cumprimento das antigas promessas de Deus a Israel:

que poderiam viver sem ser molestados na terra prometida, que seriam um grande povo e até

que através deles outros povos receberiam as bênçãos divinas (Is 42,1-7; 49,1-6).

Continuaram na ideia tradicional de que o cumprimento das promessas de Deus estava

condicionado ao cumprimento das disposições da aliança mosaicas da parte deles. Mas

também sabiam que sua falha em guardar a aliança não podia ser a única causa do seu

sofrimento e perseguição.

No decorrer de toda crise eles tinham permanecidos fieis. Contudo, estavam sendo

perseguidos e marginalizados precisamente porque aderiram a Lei, mesmo quando a sua alta

aristocracia Sacerdotal, em aliança com as autoridades Imperiais, a tinham abandonado. Era

necessário encontrar uma interpretação mais transcendente para sua perseguição. Estavam

numa crucial necessidade de uma revelação de sua história, estava se tornando tão

desastrosa.105

3.1 O Genêro Literário e a Literatura apocalíptica e as suas estruturas de Jesus

Enquanto os profetas utilizavam-se das palavras para receber e anunciar as mensagens

divinas, pregando aos ouvintes de seu tempo, Apocalíptica se utilizará de imagens e

parábolas, em obras literárias, para transmitir esta mensagem. Isto irá requerer um

detalhamento de interpretação para objetivo final ser alcançado, mesmo que utilizando como

tática o segredo, o que a torna mais atrativo. E ainda por traz de nomes famosos do passado,

como Henoc, Moises, Daniel e Esdras e entre outros, esconde-se pessoas e grupos anônimos,

os verdadeiros apocalípticos judaicos. Tem como método de utilização de histórias passadas,

como se o homem de Deus tivesse previsto os pormenores.106

104 DOMINGUES, José, SÁEZ, Júlia. O Homem de Nazaré, Petrópolis: Vozes, 1987, p.129. 105 HANSON, Jhon S. & Horsley, Richard A. Bandidos, Profetas e Messias. Movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995, p.33-34. 106 LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 2000 ,p.59.

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As profecias passadas se realizaram, e também se realizarão as futuras relacionadas ao

fim, se crer estar bem próximo. A literatura apocalíptica propriamente dita segue um estilo de

escrita presente no mundo judaico aproximadamente por 350 anos, encerrados por volta do

ano 100 dC, mas retomados continuamente por nós no mundo atual. Além do gênero

apocalíptico, abarca também outros gêneros constitutivos do mesmo ambiente.

A visão apocalíptica era sobrecarregada de sonhos, visões, símbolos, metáforas e

alegorias associadas a fértil imaginação popular. Inclui aspectos cósmicos as visões,

enaltecendo ainda mais o fim dos tempos com imagens de animais chifrudos, dragões que

soltam fogo, nascimento assustadores, além de montanhas, rios e terremotos espetaculares.

Daí, o futuro passou a ser encarado como desafio em que a prosperidade e a liberdade política

poderiam ser finalmente realizadas de maneira radical107. Uma mudança dramática estava

para acontecer e ela somente não ocorreria se a estrutura social não se modificasse em

primeiro lugar. O escrito apocalíptico mais antigo foi transmitido sobre o nome de Daniel.108

3.2 A situação do messianismo e o apocalípticismo

Em relação ao surgimento do Apocalipticismo, com a derrota dos Seleucidas,

promovidas pelos irmãos Macabeus, aconteceu algo na história dos Judeus, esta vitória passou

a ser símbolo do messianismo incorporado pela redenção Judaica, o que arrastou muita gente

para linha revolucionaria. Devido às diversas perseguições políticas, toda a situação vivida

pelos Judeus no exílio da Babilônia, durante a opressão romana, torna compreensiva a

esperança messiânica vivida no primeiro século da nossa era. Uma expectativa válida como

revigoramento para continuar a vida sobre expectativa de uma intervenção divina por meio de

seu enviado, o Messias que irromperia na história.

O Messias esperado surgira para restaurar o tão sonhado estado Judaico, liberar a terra

outrora prometida aos antepassados pelo Deus do povo eleito109. Entretanto, somente antes da

destruição do segundo templo vemos o crescimento do número de pretendentes messiânicos.

Para a comunidade de Qumriam toda história bíblica, era vista como preparação do que viria

que não era outra coisa da comunidade da nova aliança, composta por eles próprios110 e tudo

107 SCARDELAI, Donizete. Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus-Jesus e outros Messias, São Paulo: Paulus, 1998,p.29. 108 LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 2000 ,p.59. 109 SCARDELAI, Donizete. Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus-Jesus e outros Messias, São Paulo: Paulus, 1998,p.30. 110 MARTINEZ, Florentino Garcia e BARRERA, Júlio Treboli. Os Homens de Qumran-Literatura, Estrutura e Concepções Religiosas, Petrópolis: Vozes, 1996,p.90.

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que é justo adere a eles. O Messias descrito nos seus documentos é difícil de ser identificado

como um personagem histórico concreto, sendo no máximo Sacerdote legítimo e concreto.

A esperança apocalíptica representada pelo essenismo aspira pelo cumprimento, bem

diante de uma brusca intervenção divina, num moral atemporal ou meta histórica

(Escatológica), prefixada na lei que prevê a restauração de Israel; a corrente legalista,

representada pelo Farisaísmo, propugna o cumprimento minucioso e fiel, por parte da

comunidade judia, duma moral de realidade intra-histórica contida ou encaminhada pela Lei

de Tora.

Durante todo período intertestamentário muito se especulou sobre a vinda do reino

messiânico que seria inaugurado pelo próprio Deus, ora com ajuda de seus Messias ora sem

ela. A natureza e identidade deste Messias são muito limitadas porque se dá pouca

importância aos Messias. Seu papel era muito limitado, sendo possível considera-lo como

homem mortal. Mas considerando-se a expectativa popular da época presente na Palestina, a

visão que se tinha era de ser um rei guerreiro vitorioso, salvador e libertador do julgo dos

romanos, além de destruidor dos ímpios e suas nações.

3.3 As condições sócio-econômicas do banditismo social judeu na Palestina

A obrigação primária dos camponeses Judeus era o tradicional dízimo. Sustento do

sistema Sacerdotal e do complexo aparato do templo em Jerusalém era entendido como uma

obrigação para com Deus. Praticamente desde os primórdios da civilização no antigo oriente

médio, a terra era vista como propriedade do deus da área específica ou do deus da sociedade

em geral. Os templos eram as casas dos deuses, e os seres humanos, eram o mito Babilônico

da criação.

4 Realidade última e a noção de Jesus sobre o Reino de Deus

Tanto os evangelistas Marcos e Mateus apresentam o começo da missão pública de

Jesus com essas palavras: Jesus foi para a Galiléia e anunciava a Boa-Notícia dizendo:

completou-se o tempo,está próximo o Reino de Deus,convertei-vos e crede no evangelho ( Mc

1,14; Mt 4,17). Em Lucas o começo da vida pública de Jesus ocorre na sinagoga de Nazaré

com o anúncio da Boa-Notícia aos pobres e a libertação dos oprimidos ( Lc 4,18), mas o

próprio Jesus relaciona a Boa Notícia com o Reino,porque foi para isso que Ele foi enviado (

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Lc 4,43; 8,1). Afirma-se que a missão de Jesus relacionado ao Reino equivale a Boa-Notícia

aos pobres, ou seja, a Boa-Notícia do Reino.

A apresentação inaugural de Jesus sobre o Reino de Deus aparece segundo111 nos

sinóticos com a clara intenção de oferecer um sumário programático de sua missão. Por isso,

pelo elevado número de vezes que aparece a expressão nos sinóticos e quase sempre na boca

de Jesus, e porque aparece em contextos muito variados de sua pregação (parábolas, discursos

apocalípticos, exortação, exigências éticas, oração), não se pode duvidar da centralidade da

histórica e teológica do Reino de Deus para Jesus. Jesus proclama o Reino de Deus e não a si

mesmo.

A realidade última para Jesus de fato não foi Ele mesmo, e tão pouca foi a pura

transcendência histórica, o Reino dos céus, naturalmente, não foi a igreja. Mas se isto está

claro e é hoje aceito, é preciso explicitar o que ainda está somente implícito: Jesus não só

pregou a si mesmo, mas também a realidade última para ele não foi simplesmente Deus, e sim

O Reino de Deus, nesse sentido o mais importante é abordar que para Jesus. Deus é visto

dentro de uma totalidade ampla,ou seja o Reino de Deus.

Significa que para Jesus a realidade última está numa dualidade dual ou numa dualidade

unificada. Como realidade última sempre está Deus e algo que não é Deus, ou seja, é preciso

falar de Deus e do seu reino também, ou em outras palavras é preciso falar de Deus e da sua

vontade realizada, que é o Reino de Deus a favor do seu povo. Para Jesus a realidade última

tem uma dimensão transcendente e uma dimensão histórica. Uma dependerá da outra e, por

isso o Reino de Deus dependerá em última instância do que é Deus (assim por exemplo, o

advento do reino é apresentado de modo diferente de João Batista e por isso,Jesus tinha as

noções diferentes de Deus); mas também, inversamente, a compreensão de Deus dependerá

do que é o Reino. O que é preciso acentuar não se relaciona com a história nem a história com

Ele, mas que essa relação é essencial ao próprio Deus.

Jesus fala muitas vezes do Reino de Deus, mas nunca diz concretamente o que é. Jesus jamais

diz expressamente o que é o Reino de Deus. À única coisa que diz é que está próximo. Nem

sequer nas chamadas parábolas do Reino de Deus Jesus define o que é Reino embora acentue

sua novidade, sua exigência, seu escândalo, mas nunca o define, e nem esclarece seu conceito.

O mais importante é que sabemos que Jesus tinha um carisma especial pelos pobres, e

por isso a teologia chama de via de destinatário. Se o anúncio de Jesus aparece uma

correlação entre o Reino e destinatários, então a partir destes poderá saber algo daquele; isto é

111 SOBRINHO, Jon, Jesus Libertador, São Paulo: Vozes, 1994, p.106.

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mais evidente se o Reino de Deus é apresentado não só como verdade, mas como Boa-

Notícia, pois, neste caso o destinatário ilumina intrinsecamente o que na notícia, ocorre de

interessante.

Para Sobrino112 estas reflexões metodológicas sobre como estabelecer o que o Reino de

Deus foi para Jesus não são importantes. Agora o importante é que a teologia moderna,

mesmo a progressista, usa mais a que chamamos moderna de via nocional,acrescentando

algumas a via prática,mas costuma ignorar de fato a via do destinatário, no que insiste a

teologia da libertação.

Em relação à noção de Jesus sobre o Reino de Deus, revela que Jesus tinha uma

solidariedade com a esperança de uma humanidade oprimida. Jesus oferece sua própria visão

do reino. Mas é necessário refletir que o próprio Jesus aparece inserido várias vezes numa

tradição de esperança para a história dos oprimidos, aparece em continuidade com uma

tradição cheia de esperança.

O fato mesmo de existir esta continuidade não costuma ser muito apreciado na

cristologia, ao contrário o costume foi desdenhá-la e procura-se antes de tudo algo específico

de Jesus que mostre diferente dos demais seres humanos para poder afirmar sua

irrepetibilidade. Quer dizer, buscar-se em Jesus aquilo em que Ele aparece em

descontinuidade com o resto dos seres humanos.

A gratuidade do Reino de Deus e ação não se opõem. A vinda do Reino de Deus é algo

que, por um lado, só pode pedir, não forçar; mas,por outro, a vontade de Deus tem que se

realizar aqui na terra. O que está claro é absoluta iniciativa amorosa de Deus, não forçada por

ser desnecessário e impossível pela ação dos homens. Está também claro que esse amor

gratuito de Deus é que gera a necessidade e possibilidade da reação amorosa dos homens.

Nesse caso a conversão do pecador é devido a bondade e a ternura de Deus que movem o

pecador a mudar, ele mesmo, sua conduta. A misericórdia de Deus que se experimenta é, o

pressuposto, a base e o fundamento do comportamento misericordioso, que deve existir entre

os homens. Na linguagem de (1Jo, 6) Se Deus assim nos amou, amemo-nos uns aos outros

(1jo 4,11). No amor gratuito de Deus aparece o conteúdo e a capacitação para que nós

amemos o irmão.113

112 SOBRINHO, Jon, Jesus Libertador, São Paulo: Vozes, 1994, p.110. 113 SOBRINHO, Jon, Jesus Libertador, São Paulo: Vozes, 1994, p.120.

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Para Pagola114 o Reino de Deus é o centro de sua pregação, e o Reino de Deus e o fator

mais importante da sua missão, o centro da sua vida, no qual se dedicou por inteiro, sua

preferência absoluta. Jesus vive sua vida em função do Reino de Deus, e sua verdadeira

paixão, e luta por essa causa, e é perseguido e executado por essa causa. Para Jesus só o Reino

é importante e absoluto, o resto é relativo.

Jesus fala do Pai, e de Deus, mas sua prioridade de fato é o Reino de Deus, por isso,

apresenta o Deus do Reino de paz, compaixão e justiça. Ele não convida as pessoas a fazer

penitência diante de Deus, mas a entrar em seu Reino. Não convida, simplesmente, a buscar o

Reino de Deus, mas a buscar o Reino de Deus e a sua justiça. Quando organiza um

movimento de seguidores, que prolonguem sua missão, não os envia a organizar uma nova

religião, mas anunciar e promover o Reino de Deus.

Infelizmente, o Reino de Deus é às vezes uma realidade esquecida por muitos cristãos.

Não ouviram falar desse projeto de Deus; não sabem que é única tarefa da igreja dos cristãos.

Ignoram que, para olhar a vida com os olhos de Jesus, é preciso olhá-la a partir da perspectiva

do Reino de Deus; para viver como Ele, é preciso viver com sua paixão pelo Reino de Deus.

A partir de Jesus nos seguidores do seu Reino somos convidados e, por isso precisamos amar

a Deus, e ter fome e sede de justiça como Ele teve; seguir Jesus é viver para o Reino de Deus

como Ele viveu;pertencer à Igreja é comprometer-se com um mundo mais justo.115

4.1 A corrente de Deus na vertente apocalíptica

Em relação ao Reino de Deus na perspectiva apocalíptica segundo Moltmann116 a vida

de Jesus Cristo está marcada por sofrimentos não apenas com vistas do fim, mas já à luz de

sua mensagem messiânica. Sua paixão messiânica lhe acarretou a experiência de sofrimentos

apocalípticos. Jesus responde à pergunta pelo Messias com anúncio da paixão e com o

chamado ao discipulado para o sofrimento (Mc 8,27-35). O Reino de Deus, cuja proximidade

anuncia e vive, não revela apenas o aspecto ético no Sermão da Montanha, mas também o

aspecto apocalíptico do fim, e do mundo presente (Mc 13; Mt24.Lc21). Compreendido de

modo apocalíptico, o Reino de Deus acarreta o fim do tempo presente deste mundo, e o

começo de uma nova criação. Devido a esse fato, Jesus analisa as tribulações e tentações

apocalípticas.

114 PAGOLA, José Antonio, Jesus aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2011, p.568. 115 PAGOLA, José Antonio, Jesus aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2011, p.569. 116 MOLTMANN, Jürgem, O caminho de Jesus Cristo – Cristologia em Dimensões Mesianicas, São Paulo: academia Cristã, 2009, p.238.

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Na verdade para o mundo presente elas significam um fim catastrófico, porém são dores

de parto do novo mundo. No caso desse mundo trata-se de tempos do mundo (èones), não do

próprio céu e da terra. A Libertação das amarras ímpias do mundo presente dispõe as pessoas

para o serviço grato, nas criaturas de Deus. È importante salientar que apocalíptica, nada tem

a ver com maniqueísmo, mas com a esperança no criador de uma nova criação. Se esse novo

éon do Reino de Deus entra presente e na mensagem do impotente e pobre Jesus da Galiléia,

então os sofrimentos apocalípticos se revelam em seus conflitos e em seus sofrimentos. Em

conexão com sua mensagem do Reino de Deus, seus sofrimentos não são seus sofrimentos

pessoais, que Ele sofre para si mesmo, mas os sofrimentos apocalípticos que Ele sofre para o

mundo. Mas não são sofrimentos eventuais,e sim necessários,ou seja,não são sofrimentos

infrutíferos,que destroem algo de bom,mas sim sofrimentos frutíferos que,como dores de

parto produzem algo bom.

Quando a mulher está para dar a luz, entristece-se porque sua hora chegou; mas depois

de ter dado a luz, e ter acolhido a criança, ela já não se lembra mais das dores causado pelo

parto,ou seja, não se lembra mais dos sofrimentos,pela alegria de ter vindo um ser humano no

mundo. Assim também agora vós tendes tristeza; mas eu vos verei de novo, e vosso coração

se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria (Jo 16,21-22).

O chamado de Jesus a seu discipulado, leva as pessoas ao rompimento com ligações

existentes e poderes dominantes por amor da nova criação, e por isso para perseguição por

aqueles poderes e para sofrimentos. À luz da nova criação também os sofrimentos dos

seguidores de Jesus são sofrimentos apocalípticos (peirasmos). Na verdade são enviados

como ovelhas para meio de lobos, e, obstante, não é lobos que pertence o futuro da nova

criação, mas ao Cordeiro de Deus ( Mt 10,34, Mc 13;Lc 12)

O próprio Jesus se encontra em uma comunhão traditiva com o Israel sofredor e seus

profetas perseguidos. Como muitos profetas antes dele, João Batista foi assassinado pelos

detentores do poder (Lc 13,34; Mt 23,37-39). Os seguidores de Jesus não foram os primeiros

a sofrer esses sofrimentos apocalípticos por causa da sua mensagem. Já seus predecessores os

sofreram. Os sofrimentos de Cristo têm as características dos sofrimentos de Israel, dos povos

de Deus neste mundo sem Deus.

Um ponto muito interessante em relação a Jesus e seu Reino refere-se a questão apocalíptica,

onde mostra o confronto do Messias do novo mundo com os violentos do mundo em

transição. Jesus evidentemente procurou essas confrontações, ao que se pressupõe, não para

forçar um juízo de Deus, mas certamente para compreender apocalipticamente sua derrota

neste confronto e seu sofrimento por causa da rejeição por parte dos representantes de seu

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povo, e sua morte na cruz dos romanos. Segundo Mc 14,25,a última ceia com os discípulos

une a morte com o Reino de Deus. De acordo com Lc 22,18, Jesus não mais tomará o vinho

doravante, até que venha o Reino de Deus.

O fato dos evangelhos sinóticos apresentarem a morte de Cristo no Gólgota acompanhada de

fenômenos apocalípticos corresponde à ligação entre messianismo e apocalíptica: trevas

cobrem a terra,o véu do templo se rasga,a terra treme,as rochas se fendem,as sepulturas se

abrem,santos ressuscitam e aparecem. ( Mt 27,51-53). À Luz de sua mensagem messiânica a

respeito do Reino de Deus e do novo éon,a contradição que Jesus experimentou e o

sofrimento e a morte que sofreu são interpretados apocalipticamente como resumo e

antecipação dos sofrimentos apocalípticos nos quais o mundo presente perece e o novo mundo

nasce.117

4.2 O pensamento do Reino de Deus na vertente proféticas.

Em relação a vertente proféticas segundo Pagola118 Jesus não se instala em sua casa de

Nazaré, mas dirige-se à região do Lago da Galiléia e começa a viver em Cafarnaum, na casa

de Simão e André,dois irmãos que conheceu no ambiente do Batista. Cafarnaum era um

povoado de 600 a 1.500 habitantes, que se estendia pela margem do lago, no extremo norte da

Galiléia, tocando já no território governado por Filipe. Provavelmente Jesus o escolhe como

lugar estratégico onde pode desenvolver sua atividade de profeta itinerante. Foi uma escolha

acertada, porque Cafarnaum tem boa comunicação tanto com o resto da Galiléia como com o

território vizinho: a tetrarquia de Filipe, as cidades fenícias da costa ou da região da Decápole.

Jesus provinha do povo, em cuja religião existiam diversas tradições sobre Deus,

fazendo que surgissem a tradição Proféticas, onde Deus aparece sendo parcial com os pobres

e os desvalido.Deus é aquele que está claramente contra o pecado histórico que cria situação

de injustiça,e que quer implantar a justiça aqui na terra,e fazer com que ocorra a conversão

interior e pessoal. Suscita a vocação do profeta, de quem exige tudo, inclusive a própria vida,

onde o Deus do conflito toma a causa dos oprimidos, e marginalizados.

Jesus tinha seu lugar preferido, ao chegar ao povoado encontra-se com os vizinhos.

Percorre-se as ruas como em outros tempos, quando trabalhava como artesão. Aproxima-se

das casas desejando a paz às mães e as crianças que se encontram nos pátios e sai ao

117 MOLTMANN, Jürgem, O caminho de Jesus Cristo – Cristologia em Dimensões Mesianicas, São Paulo: academia Cristã, 2009, p.240. 118 PAGOLA, José Antonio, Jesus aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2011, p.109.

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descampado para falar com os camponeses que trabalhavam na terra. Seu lugar era sem

dúvida, a sinagoga ou o espaço onde se reuniam os vizinhos, sobretudo aos sábados. Ali

rezavam, cantavam salmos, discutiam os problemas do povoado ou se informavam dos

acontecimentos mais importantes da vizinhança. No sábado liam-se e comentavam-se as

Escrituras, e orava-se a Deus pedindo a suspirada libertação. Era o melhor contexto para dar a

conhecer a Boa Notícia do Reino.

O povo não precisava sair para o deserto a fim de preparar-se para o juízo iminente de

Deus. Pois, o próprio Jesus que percorre as aldeias convidando todos a entrar no Reino de

Deus que já está irrompendo em suas vidas. Esta mesma terra onde habitam transforma-se

agora no novo cenário para acolher os pobres e a salvação. As parábolas e imagens que Jesus

tira da vida destas aldeias vêm a ser parábolas de Deus. A cura dos enfermos e a libertação

dos endemoninhados são sinal de uma sociedade de homens e mulheres,e por isso são

chamados a desfrutar de uma vida digna dos filhos e filhas de Deus. As refeições abertas a

todos os vizinhos são símbolos de um povo convidado a tomar parte na grande mesa de Deus,

com o pai de todos.

Jesus vê nessas pessoas de aldeia o melhor ponto de partida para iniciar a renovação de

todo o povo. Estes camponeses falam aramaico, como Ele, que se conserva de maneira mais

autêntica a tradição religiosa de Israel. Nas cidades é diferente. Ao lado do aramaico fala-se

também um pouco de grego, uma língua que Jesus não domina; além disso, a cultura helenista

está mais presente.

Provavelmente, existe outra razão mais poderosa em seu coração. Nestas aldeias está o

povo mais pobre e deserdado, despojado de seu direito a desfrutar da terra doada por Deus;

aqui Jesus encontra como em nenhum outro lugar o Israel mais enfermo e maltratado pelos

poderosos; é aqui que Israel sofre com mais rigor os efeitos da opressão. Nas cidades, em

compensação, vivem os que detêm o poder, junto com seus diferentes colaboradores:

dirigentes, grandes latifundiários, arrecadadores de impostos. Eles são os representantes do

povo de Deus, mas seus opressores, os causadores da miséria e da fome destas famílias. A

implantação do Reino de Deus precisa começar, onde o povo está mais humilhado. Estas

pessoas famintas, pobres e aflitas são as ovelhas perdidas, que melhor representam todos os

abatidos de Israel. Jesus tem sido muito claro. O Reino de Deus só pode ser anunciado a partir

do contato direto e estreito com as pessoas mais necessitadas de alívio e libertação. A Boa

Notícia de Deus não pode provir do esplêndido palácio de Antipas em Tiberíades; nem das

suntuosas vilas de Séforis nem do luxuoso bairro residencial das elites sacerdotais de

Jerusalém. A semente do Reino só pode encontrar terra boa entre os pobres da Galiléia.

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A vida itinerante e profética de Jesus no meio deles é símbolo vivo de sua liberdade e de

sua fé no Reino de Deus. Ele não vive do trabalho remunerado; não possui casa nem terra

alguma. Não precisa responder diante de nenhum arrecadador;não leva consigo moeda

alguma com a imagem de Cesar. Abandonou a segurança do sistema para entrar

confiantemente no Reino de Deus. Por outro lado, sua vida itinerante a serviço dos pobres

deixa claro que o Reino de Deus não tem um centro de poder a partir do qual deva ser

controlado. Não é como Império, governado por Tibério a partir de Roma, nem como o

tetrarquia da Galiléia, regida por Antipas a partir de Tiberíades, nem como religião judaica,

vigiada a partir do templo de Jerusalém pelas elites sacerdotais. O Reino de Deus vai se

gestando ali onde ocorrem coisas boas para os pobres, e necessitados.119

Jesus tinha consciência de ser profeta. Entendeu a sua missão dentro das categorias da

religião de Israel e identificou-se com os profetas. Entre Ele e os profetas do Antigo

Testamento, embora havendo diferenças, as semelhanças eram grandes, que Ele atribuiu a si

próprio o titulo de profeta- do mesmo modo que lhe foi atribuído pelo povo.

Jesus sabia que tinha sido enviado pelo Pai como profeta. No povo de Israel, os profetas

eram uma categoria bem conhecida e bem definida. Como profeta podia ser reconhecido e

identificado pelo seu povo. Sem essa identificação, Ele não teria sido nada.

Jesus estava em continuidade com os profetas de Israel. Não somente era profeta

semelhante a eles, mas realizou o modelo, o exemplo perfeito de profeta. Desse modo, como

preparações do papel profético de Jesus. Nessa condição, Jesus inaugurou um novo jeito de

ser profeta- que passa a ser modelo desde então e que perdura até os dias atuais. Jesus está no

centro da história do profetismo. Ninguém foi igual a Ele, mas todos se referiram ou se

referirão como profeta.120

A perspectiva profética, mas a apocalíptica não se explica toda a pregação e ação de

Jesus, simplesmente porque, se a apocalíptica anuncia o Reino como mundo futuro, Jesus

aponta o presente, e o possível agora. A perspectiva, pois, não é apenas cosmológica. Jesus

não apenas aponta para a destruição desse mundo como condição para a chegada do novo, Ele

fala mesmo em conversão, transformação. Aponta para uma mudança no mundo e não apenas

uma mudança de mundo. Há um outro elemento no pensamento de Jesus que precisa ser

119 PAGOLA, José Antonio, Jesus aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2011, p.114. 120 COBLIM, José, A profecia na Igreja, São Paulo: Paulus, 2008, p.53.

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detectado para que a sua apresentação sobre o Reino de Deus seja mais claramente

compreendida. A Ele chamaremos de perspectiva profética.121

4.3 O Reino de Deus na perspectiva do Messianismo

Em relação a vertente do messianismo, com a derrota dos Selêucidas, promovida pelos

irmãos Macabeus, aconteceu algo dos Judeus, ou seja, esta vitória passou a ser símbolo do

messianismo incorporado pela redenção judaica, o que arrastou muita gente para a linha

revolucionária. O mundo greco-romano antigo contribuiu ainda para o desenvolvimento de

um pano de fundo favorável para o estabelecimento de ideais teocráticos judaicos, misturando

esperança nacional, políticas e religiosas num único universo social. Os Judeus do período

pós-exílico desenvolveram a expectativa deste Reino messiânico na terra, o Reino de Deus

fortalecido na verdade e na justiça, ideia que ajudou a impulsionar a expectativa da vinda do

Messias.122

Devido as diversas perseguições políticas, toda a situação vivida pelos judeus no Exílio

da Babilônia, durante a opressão romana, torna compreensível a esperança messiânica vivida

no século I de nossa era. Uma expectativa válida como revigoramento para continuar a vida

sob a expectativa de uma intervenção divina por meio de seu enviado, o Messias, que

irromperia na história. O Messias esperado surgiria para restaurar o tão sonhado estado

judaico, libertar a terra outrora prometida aos antepassados pelo Deus do povo eleito.

Somente antes da destruição do Segundo Templo vemos o crescimento do número de

pretendentes messiânicos.

A esperança apocalíptica representada pelo essenismo, aspira ao cumprimento,

mediante uma brusca intervenção divina, duma moral ou meta-histórica (escatológica),

prefixada na Lei que prevê a restauração de Israel; a corrente legalista,representada pelo

farisaísmo,propugna o cumprimento minucioso e fiel,por parte da comunidade judia, duma

moral de realidade intra-histórica,contida e encaminhada pela Lei ou Tora.123

Durante todo o período intertestamentário muito se especulou sobre a vinda do Reino

messiânico que seria inaugurado pelo próprio Deus, ora com ajuda de seu Messias ora sem

ela. A natureza e a identidade desse Messias são muito limitadas porque se dá pouca

121 MANZATO in SOUZA, Nei, 2007, p.44. 122 SCARDEALAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus – Jesus e outros Messias, São Paulo: Paulus, 1998, p. 30. 123 MARTINEZ Florentino, Garcia e Barreira, Júlio. Trebolle. Os homens de Qumram – Literatura, Estrutura e Concepções Religiosas, Petrópolis: Vozes, 1996, p.90).

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importância ao Messias. Seu papel é muito limitado, sendo possível considerá-lo como

homem mortal. Mas considerando-se a expectativa popular da época presente na Palestina, a

visão que se tinha era de um rei guerreiro vitorioso. Salvador do jugo dos romanos, além de

destruidor dos ímpios e suas nações.

5 Conclusão

Nesse capítulo,foi relatado a importância do Reino de Deus na Palestina no século I,e como

funcionava os sistemas daquela época relacionado as questões políticas,econômicas,e

religiosas.Apresentamos o funcionamento e as estruturas nesse período,e principalmente

destacamos o poder que o Império romano colocava sobre as pessoas,e as lideranças de

Jerusalém. Devido a esse fator, muitos aguardavam a vinda do novo Messias,que era esperado

a muitos séculos pelo povo de Israel,que queria a libertação deles de Cesar e do poder de

Roma. Jesus apresenta o novo modelo de Reino, ou seja,um Reino voltado para as classes dos

mais fracos e necessitados. Contudo Jesus apresenta um Reino,onde todos possam

participar,desde que estejam prontos a partilhar e depositarem sua confiança no Deus da

vida,mesmo que para isso tenham que sacrificar seus próprios objetivos,a exemplo do próprio

Jesus que sacrificou sua vida na cruz.

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CAPÍTULO III

NESSE CAPÍTULO GOSTARIA DE ESCREVER SOBRE O REINO DE

DEUS COMO CENTRALIDADE DA TEOLOGIA DA AMERICA

LATINA, E APRESENTAR AS SITUAÇÕES DOS POBRES, E

EXCLUIDOS DO CONTINENTE LATINO AMERICANO

O Reino de Deus é o centro da teologia da América Latina e nos ajuda a compreender a

importância que Jesus deu aos necessitados Da sua época, e refletir a situação dos fragilizados

do nosso continente, com um olhar de cristãos, semelhante a que Jesus teve naquele período.

O Reino de Deus mostra claramente que a prática de Jesus, e a sua pregação se compreendem

a partir da ideia de Reino. O Reino é o símbolo pela qual Jesus exprimiu seu projeto, pois, sua

vida toda se entende, a partir dessa noção, sua prática só tem sentido a partir dessa realidade, e

compreensão. Ele ocupa o lugar central na vida de Jesus e, por conseguinte, na nossa teologia

que quer mostrar o significado do Reino para o nosso continente.

A ideia de Reino de Deus é antiga em Israel, remontando ao período que antecede a

monarquia. A expressão Reino de Deus parece ser atual, pois, não aparece anteriormente a

Jesus e desaparece depois Dele. È nos evangelhos que aparecem várias vezes citadas a

expressão Reino de Deus, e quase sempre colocada na boca de Jesus. Isso parece comprovar a

centralidade que essa ideia ocupou em sua vida, e como a Escritura no-la ensinou.

A centralidade do Reino de Deus vai ocupar um espaço na elaboração da teologia

latino-americana. É em torno da ideia de Reino de Deus que vai construindo a cristologia da

América latina. Ao longo dos séculos, efetivamente, a ideia de Reino não foi muito elaborada

pela cristologia, que preferiu centrar sua reflexão na pessoa de Jesus. Para as primeiras

comunidades falar de Jesus era falar do Reino, pois, para elas, o discurso sobre Jesus não

ocultava aquele referente ao projeto, como o demonstram os evangelhos e os primeiros textos

cristãos. O Reino de Deus procura revelar uma compreensão a partir da história de Jesus, de

sua ação em favor daqueles que eram excluídos e desprezados e, que viviam no contexto

social da Palestina do século I, buscando a relevância que isso pode ter para nossa atualidade.

A pregação de Jesus revela que toda a sua ação e missão são desenvolvidas a partir da

sua ideia de Reino de Deus, pois, com certeza ela ajudará acreditar que Jesus é o Salvador da

humanidade, porque ela é a chave para compreensão da sua história. A ideia de Reino de

Deus tem significado na época de Jesus, ou seja, ao iludir a ela, Jesus toca um significante que

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tem sentido para seus seguidores, ainda que a isso vá acrescentar sua própria maneira de

compreendê-lo.124

O Reino é uma proximidade enquanto Boa Noticia anunciada aos pobres ( Mt 11,5; Lc

4,16-19;6,20). O que, significa dizer que a extensão da pergunta- o que é o Reino para Jesus-

representaria impreterivelmente em sua parcialidade histórica, um Reino que se aproxima em

primeiro lugar da figura dos necessitados, ou seja, um Reino para eles. Jesus quer ser também

um protagonista a serviço de todos aqueles excluídos, como o primeiro destinatário do Reino.

A proximidade do Reino voltada em primeiro lugar aos excluídos no plano da missão

assumida por Jesus, não tem a pretensão de esgotar a parcialidade do Reino, objetivada pela

prática histórica de Jesus. Essa realidade representaria um grande reducionismo teológico do

que é o Reino para Jesus. A intenção de Jesus não era somente anunciar o Reino aos

necessitados, mas por causa deles, libertá-los de toda opressão, miséria real, ou seja, não foi

projeto de Jesus somente estabelecer uma esperança para esses grupos, proximidade do Reino,

mas, consequentemente, postular uma devida práxis para que a esperança se concretizasse em

práxis de libertação. É nesta linha que se situa a atividade libertária, solidária e de denúncia

das estruturas de pecado promovidas por Jesus.125

CAPÍTULO III - O Reino de Deus é a referência e a centralidade para os Teólogos da América latina

1 O Reino de Deus na cristologia da América latina

A Teologia nos ajuda a refletir a importância da cristologia na nossa realidade atual. E

esta cristologia esta formalmente inserida na corrente moderna: designar algo teológico,

último, o eschaton, como princípio organizador e hierarquizador de todo resto, e designar um

primado na realidade. Na Teologia latino-americana a libertação é compreendida

fundamentalmente como libertação dos excluídos, tem o primado, sem reduzir a totalidade da

realidade a isso, e sim vendo a totalidade a partir disso. E a esse primado corresponde um

exato, a realidade última e escatológica, o Reino de Deus. Este não é deduzido desta ou

daquela afirmação explícita, embora existam, mas da atividade concreta desta teologia,

124 MANZATO in SOUZA, Nei, 2007, p.41. 125 VEDOATO, Pe. Giovani Marinot, Jesus Cristo na América Latina – Introdução à Cristologia da Libertação, Editora Santuário, 2010, p.42-43

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daquilo pelo que mostra mais interesse e analisa mais detalhadamente, daquilo que relaciona

mais frequentemente com que é seu primado.

A teologia da libertação revalorizou claramente o enfoque escatológico da teologia, mas

a serviço de seu problema maior: a libertação e salvação da história; e concluída com o Reino

de Deus como realidade mais adequada para expressar a utopia da libertação, embora o

tratamento do reino não seja realizado numa perspectiva bíblica, mas a partir das afirmações

do Magistério. Não se pode negar que nos escritos cristológicos e eclesiológicos se deu

grande importância ao Reino de Deus e ele tornou-se in actu a realidade central e última, ou

ao menos algo mais central e mais último do que outras realidades teológicas.126

Para Jonh Sobrinho, a cristologia da libertação sempre foi à menina de seus olhos. Seus

escritos cristológicos marcaram as décadas de setenta, oitenta, noventa e os tempos atuais.

Sempre com interesse de apresentar Jesus Cristo a partir das realidades das vítimas deste

mundo, é que o teólogo de EL Salvador articulou temas como Reino de Deus, Deus e os

pobres, Deus da vida, Teologia da cruz e ressurreição e seguimento e prosseguimento de

Jesus. Esses temas nunca se deram aleatoriamente ao Jesus palestinamente e á realidade dos

pobres latino-americanos. Em vias de uma cristologia desde baixo, em perspectiva

antioquiena.Jesus em sua parcialidade histórica no mundo e na igreja dos pobres tornaram-se

o estatuto epistemológico e metodológico de acesso ao Cristo. Eis o caminho trilhado por Jon

sobrinho: ao invés de abordar Jesus como o Cristo, algo importante para a fé cristã, priorizou-

se algo indispensável para mesma fé: o Cristo como Jesus.

Sobre a questão da libertação na história, a grande mérito da cristologia da libertação foi

a não-aceitação do princípio da inércia dos cristãos diante da história de opressão que estão

subjugados milhões de pessoas. Se Jesus histórico é visto a partir da igreja dos necessitados,

por sua vez, essa abordagem não é mera especulação teológica, pelo contrário, ela tem um

princípio ativo. Jesus para ser compreendido em vias de libertação reclama proximidade de

sua causa. Eis em última análise o objetivo da cristologia da libertação: fomentar uma

cristologia do seguimento, que significa no quadro de profissão de fé de muitos no continente

latino-americano e da articulação racional posterior, fazer já na terra aquilo que aconteceu no

céu como diz a oração do Pai Nosso (Mt 6,10). Daí a necessidade dos discípulos de Jesus

Cristo no presente, colocarem-se ativamente diante de Reino que já irrompe nesta história, na

defesa da vida plena para os marginalizados e do entendimento de um Deus que, em sua

126 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 183.

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parcialidade histórica a partir de Jesus, se apresentou como o Deus da vida e contra os ídolos

que promovem a morte. 127

O Reino de Deus é a centro na tradição do antigo Testamento, como forma de exprimir

o desígnio salvifíco de Deus e a esperança do povo. Israel, de fato, passou por inumeráveis

vicissitudes, problemas e tragédias, mas manteve sempre uma esperança baseada em sua fé.

Não confinou Deus a um nebuloso além, mas teve a experiência de sua passagem pela

história, e de forma concreta. No Egito, Deus escutou os clamores de um povo oprimido e

desceu para libertá-lo, e essa foi à origem de sua confissão de fé e esperança. E o formulou

em terminologia de realeza, reinado. Ele vem para reger a terra. Ele governará o mundo com

justiça, e os povos com equidade ( Sl 96,13).

Por último, relata-se que o reinado de Deus tem uma dimensão pessoal. Deus reina

quando os seres humanos, feitos á imagem e semelhança, reproduzem em suas vidas a

bondade e a compaixão de Deus, a justiça e a reconciliação. Deus reina quando o coração de

pedra se transforma em coração de carne. (Ezequiel), quando o ser humano chega a

conhecer,em intimidade, a Javé (Jeremias).

Jesus vinha dessa tradição. Anunciou a chegada iminente do Reino, e deu sinais de sua

presença: curas, expulsão de demônios, acolhida de pecadores e desprezados, refeições com

eles, “Era a Boa Nova, a Boa Noticia de Deus, eu aggelion, especialmente para os que

precisavam naquela época. Colocou-se a serviço deles e os defendeu de seus opressores até o

final na cruz. E mesmo no meio da escuridão, manteve a esperança da vinda do Reino. Pensou

que o fim chegaria depois de sua morte, e que até mesmo sua morte poderia adiantar a

chegada Dele. Depois de sua morte, seus discípulos reconheceram que, em Jesus, Deus estava

reinando na história:” Jesus passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos

pelo diabo, o que interpretaram como a passagem de Deus: Porque Deus estava com Ele (At

10,38).128

Ao anunciar a aproximação do Reino, Jesus trazia esperança, sobretudo aos que mais

precisavam. Começamos sempre querendo saber se ainda no mundo atual, existe esperança

para esses povos necessitados?

A cristologia latina americana surgiu onde existia uma imagem de Cristo visto e amado

como Cristo libertador. Na verdade, a imagem de Cristo Libertador e posteriormente sua

127 VEDOATO, Pe. Giovani Marinot, Jesus Cristo na América Latina – Introdução à Cristologia da Libertação, Editora Santuário, 2010, p.105. 128 SOBRINHO, Jon, Fora dos Pobres não há Salvação – Pequenos ensaios Utópicos-Proféticos, Editora Paulinas, 2008, p.123

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sistematização teórica, cristologia da libertação, não foram frutos de uma mera dedução

teológica abstrata. Elas se deram num primeiro momento, em um lugar determinado

historicamente: na igreja e no mundo dos excluídos. Um lugar real, que determinou e orientou

a produção cristológica numa certa direção, mostrando, que existe uma profunda relação entre

fé realizada e cristologia e o presente interesse a partir de agora, cristologia e história.

A relação existente entre cristologia e história faz com que a primeira, ao falar de Jesus

Cristo, considere interpretativa e substancialmente duas realidades necessárias para que a

vinculação cristologia e história seja eficaz o que o passado falou sobre Jesus Cristo, em

última análise, os textos bíblicos nos quais aparece a revelação, a realidade de Cristo no

presente, sua presença atual na história.

Do ponto de vista da reflexão teológica e histórica, em sua necessidade de articular e

tornar compreensível Cristo com o passado e o presente, parece que efetivou mais a primeira

realidade, o que o passado falou de Jesus Cristo. A segunda realidade, a presença de Cristo na

história atual, continua como um grande desafio a ser trabalhado. Na tentativa de salvaguardar

o passado, e, ao mesmo tempo de abrir á presença de Cristo entre nós no tempo presente,

propõem-se alguns momentos para que a relação cristológica e histórica aconteça a partir de

um lugar social e eclesial, e determinados historicamente.129

1.1 A Hermenêutica da opção pelos pobres

A hermenêutica refere-se ao seguimento de Jesus Cristo que nos remete inicialmente á

ideia de caminhar atrás de alguém, mas nos evangelhos esta palavra adquire a conotação de

seguir alguém como um discípulo segue o seu Mestre. Discipulado e seguimento no contexto

que iremos imprimir são palavras sinônimas.

Alguns dirão que para seguir Jesus basta imitar as suas virtudes, segui-lo consiste em

tomar o seu caminho histórico. A história de Jesus é que mostra o caminho para o Pai e para

os homens. Como a identidade de Jesus de Nazaré lhe é dada por ser e agir histórico, do

mesmo modo a identidade do discípulo lhe é conferida pelo reflexo da história de Jesus em

sua vida.130 Sua história pessoal e seu processo de vida no-lo fazem conhecer melhor que seus

próprios ensinamentos, uma vez que eles só adquirem sentido frente à sua vida, num âmbito

global e coerente.

129 VEDOATO, Pe. Giovani Marinot, Jesus Cristo na América Latina – Introdução à Cristologia da Libertação, Editora Santuário, 2010, p. 26-27. 130 ROCHA,Mateus, O Seguimento de Jesus, Goiania, Quatro Ltda, 1987, p. 23)

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Para comunicar conosco, Deus se humaniza, ou seja, se utiliza das mediações humanas

para nos comunicar, fazendo seu filho nascer de uma mulher, dentro e a partir de um contexto

histórico e definido. O seguimento tem incidência histórica, na continuação do mesmo

caminho. A perspectiva do caminho nos leva a compreender que a ação de Jesus teve

repercussões histórico-sociais. Trata-se, de atualizar não tanto as ações do Mestre, mas a

significação delas.131 Ao assumirmos em nossas ações a construção do Reino de Deus, nos

tornamos verdadeiros seguidores de Jesus.

A partir do contexto latino-americano, em nossa atual situação de opressão, essa

construção do Reino tem que ser libertação, devendo a cristologia oferecer um saber sobre

Cristo que por sua natureza propicie a construção do Reino de Deus. “Y como esse Reino se

hace em contra de La opresion Del antirreno, esse saber de Cristo deve saber de

liberacion”.132

A hermenêutica que devemos compreender deve ser que a opção de Jesus é pelos

excluídos, porque em toda a pregação de Jesus. Ele tinha como a realidade última o Reino de

Deus, e os destinatários do Reino que são esse grupo que não tinha vez, e voz. O próprio Deus

era visto dentro dessa realidade mais ampla. Ele nunca define concretamente o que é o Reino,

mas diz que está próximo, além de acentuar sua novidade, sua exigência, seu escândalo.

Sobrino comenta: Se Jesus o tivesse definido, teria ultrapassado sua própria historicidade e

seu aparecimento na terra não teria sido de maneira humana.133

Não é por isso que o Reino de Deus torna-se uma incógnita insolúvel, descaracterizada

de conteúdo e forma, pois é possível deduzir o que Jesus pensava sobre este reino por meio de

três vias de averiguação proposta pelo próprio Sobrino.134

1) Via nocional: consiste em averiguar a noção de Reino de Deus que Jesus teve,

comparando-a com às noções já existentes em Israel, cujo pressuposto é a

consciência histórica de Jesus.

2) Via do destinatário: ou seja, os pobres. A partir deles se saberá algo do reino.

3) Via da prática de Jesus: a partir de suas palavras e atos, pressupõe-se que o que

Jesus fez estava a serviço do anúncio do Reino.

131 MANZATTO, Antonio. Cristologia,Teologia e Antropologia, Revista cultural Teológica, São Paulo, V19 p. 15, Abril’Junho 1997. 132 Sobrino. Jon. Cristologia Sistemática Jesus Cristo, El Mediador Absoluto Del Reino De Dios, Mysterium Liberationis, San Salvador: UCA EDITORES, 1991, p. 589 133 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 108 134 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 108-109

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Claramente que seguindo essa orientação, a hermenêutica do Reino de Deus de fato se

revela a todas as classes de marginalizados, e que há por pressuposto que Ele é a Boa Notícia,

ou seja, o que é bom para os pobres faz parte da essência desse Reino. A missão de Jesus é

compreendida como sendo dirigida aos desfavorecidos: Fui enviado para anunciar a Boa

Nova aos pobres (Lc4,18). Mas quem são eles? Na linha de Is 61,1s, são os que gemem sob

algum tipo de necessidade básica.

“Assim pobres são os famintos e sedentos, os nus, os forasteiros, os

enfermos, os prisioneiros, os que choram, os que estão oprimidos por um peso

real (Lc 6,20-21;Mt25,35s). Neste sentido, os pobres são os que vivem

curvados (anawim) sob o peso de alguma carga-que Jesus interpretá muitas

vezes como opressão-,aqueles para viver e sobreviver é uma carga duríssima”. 135

São considerados também pobres, os marginalizados, pecadores, publicanos, prostitutas,

os menores abandonados, os de profissões desprezíveis. O Reino de Deus que se a aproxima é

para eles parciais e tem como conteúdo fundamental a vida e a dignidade. Nele, os últimos

serão os primeiros, e se ele é para os pobres, em sua essência, ele tem que ser no mínimo um

Reino de Vida.

Em suas pregações, Jesus defende a vida básica e condena a criação de tradições

humanas que vão contra a vontade de Deus em favor da vida, como nos exemplos de anular a

ajudar aos necessitados ( Mc,8-13) e na proibição de comer espigas em campos e em dia de

sábado ( Mc 2,23-28 par)

“Jesus, por fim, torna central o símbolo primário da

vida:a com a comida e o pão. Jesus come com os publicanos (

Mc 2,15-17),gesto simbólico que não se reduz ao puro

comer,mas que o inclui. Faz pouco caso das abluções rituais

antes da comida ( Mc7,2-5;Mt15,2), sendo aquelas,instituições

humanas,e esta,vontade divina. Multiplica os pães para

sublinhar independentemente da intenção cristológica e

litúrgica do relato-que se deve dar comida ao faminto, e o relato

diz explicitamente que comeram e foram saciados (Mc 6,30-

135 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 125

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44;Mc 8,1-10;Mt 15,32-39). No juízo escatológico (Mt 25,35.40)

quem dá de comer ao faminto encontra Deus.”136

O Reino de Deus oferece no mínimo aquilo que é maximo para os pobres, ou seja,a

vida. Aí observa uma divisão fundamental entre aqueles que já tem à vida e as sobrevivências

garantidas e aqueles aos quais isto não é garantido. O conteúdo religioso da Boa Nova

fundamenta-se necessariamente na libertação material de todo tipo de injustiça. A Boa-

Noticia só se tornará efetivamente boa na medida em que ocorrerem a libertação dos

oprimidos e a justa distribuição dos bens. Boa Notícia de que eles deixarão de ser

empobrecidos.

Assusta a oficialidade religiosa o fato de que este Reino toma partido dos

marginalizados, dos fracos e desprezados e, frente aos que murmuram contra a bondade e a

misericórdia de Deus, Jesus surpreende com uma única resposta possível: Deus é assim.

Existe o perigo de propiciar ou tolerar uma fé alienante, que leva á invasão

irresponsabilidade-, e uma fé infantil, que leva á irrealidade – o docetismo de sempre-,é

recorrente na Igreja. Para superá-lo, é necessário voltar ao seguimento de Jesus.

Jesus não deixou atrás de si uma escola, no estilo dos filósofos gregos, para continuar

aprofundando-se na verdade última da realidade. Tampouco pensou numa instituição dedicada

a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em marcha um movimento de seguidores

que se encarregassem de anunciar e promover seu projeto do Reino de Deus. Daí provém a

igreja de Jesus. Não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da

igreja, o seguimento fiel á pessoa de Jesus. O seguimento de Jesus é a única coisa que nos faz

cristãos.

Embora às vezes o esqueçamos, é essa a opção primeira de um cristão: seguir Jesus.

Esta decisão muda tudo, é como começar a viver de maneira diferente a fé, a vida e a

realidade de cada dia. Encontrar, por fim, o eixo, a verdade, a razão de viver, o caminho. Pode

viver dando um conteúdo real à adesão a Jesus; crer no que Ele creu; viver o que Ele viveu;

dar importância àquilo a que Ele dava importância; interessar-se por aquilo pelo qual Ele se

interessou, tratar as pessoas como Ele as tratou; olhar a vida como Ele a olhava;orar com Ele

orou. Transmitir esperança como Ele transmitia.

136 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 125

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É possível seguir Jesus por caminhos diversos. O seguimento de Francisco de Assis não

é o mesmo que o de Francisco Xavier ou de Teresa de Jesus. São muito dos aspectos e

matizes do serviço de Jesus ao Reino de Deus.

Seguir Jesus implica pôr no centro de nosso olhar e de nossos corações os excluídos.

Situar-nos na perspectiva dos que sofrem. Fazer nossos, seus sofrimentos e aspirações.

Assumir a sua defesa, O seguimento a Jesus requer viver a compaixão, e ajudar a sacudir em

nós a indiferença. Não viver só de abstrações e princípios teóricos, mas aproximarnos das

pessoas em sua situação concreta de seita. Não excluir nem excomungar. Fazer o projeto

integrador e includente de Jesus. Derrubar fronteiras e construir pontes e ajudar a eliminar a

discriminação.

Seguir Jesus Cristo é assumir a crucificação do Reino de Deus. Não deixar de definir-

nos e tomar partido por medo das consequências dolorosas. Carregar o peso do antirreino e

tomar a cruz de cada dia em comunhão com Jesus e os crucificados da terra. É confiar no Pai

de todos, invocar seu nome Santo, pedir a vinda de seu Reino e semear a esperança de Jesus

contra toda esperança.137

H. assman postulou, em seu livro Teologia desde La práxis de La liberación138. No ano

de 1973, a necessidade da teologia levar em conta a situação de fome e desnutrição que

matava anualmente cerca de 30 milhões de latino-americanos, para a partir daí o fazer algo

teológico segundo o ator,seja algo sério e não um ato cínico. Sequer imaginava a questão do

agravamento da pobreza na América latina, e as mudanças que o mundo vem sofrendo

atualmente.

Em termos próprio de teologia em relação ao do seguimento, considerando-se que a

realidade latino-americana com seus altos índices de fome, pobreza, violência, analfabetismo,

apresenta em última instância a cruel lógica da vida e da morte, não como realidade a serem

racionalizadas, mas como realidades diárias para milhões de pessoas. Parece que é oportuno

útil e necessário, a luz do seguimento a Jesus e do prosseguimento de sua causa hoje, retornar

a pergunta: ¨e vós,quem dizeis que eu sou? ( Mc 8,29). Ao que tudo indica, na compreensão

da pergunta estará sempre presente um tipo de seguimento e, consequentemente, um

prosseguimento da causa de Jesus para nossos tempos, ou seja, o seguimento de Jesus e suas

devidas implicações estão profundamente perpassadas pelo conceito, não só teóricos,mas

sobretudo pelo conceito práxico inserido que se tem acerca de Jesus Cristo.

137 PAGOLA, Antonio José. Jesus Aproximação Histórica. Rio de Janeiro, Vozes, 2011, p. 569-570. 138 ASSMAN, H. Teologia desde La práxis de La Liberacion, São Paulo, Ed. Paulinas, 1990, p. 40.

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Atualmente, na América latina, tal processo de exclusão dos pobres é identificado como

neoliberalismo econômico que acaba transformando o pobre num perdedor. Quem não tem

possibilidade de competir no mercado é simplesmente eliminado. È um perdedor quem perde

no mercado total perde tudo e já mais sonha com os direitos humanos. Os pobres perdem seus

valores, e tornam verdadeiros lixos, que não serve mais ao sistema, ou seja, peça

descartável.139

1.2 O Redescobrimento do Reino de Deus como realidade última Escatológica apresentadas pelos principais Teólogos

Para Jon Sobrino, Jesus pregou o Reino de Deus, mas o que surgiu foi a Igreja, fazendo

com que dessa forma se descobrisse que o decisivo para Jesus não foi Ele mesmo nem a

igreja, mas o Reino de Deus. E, como caracterização formal desse Reino, afirmou-se que é a

realidade última, o escatológico. 140

Uma primeira consequência da descoberta foi por em crise a concepção cristã da época

acerca da realidade histórica e da sociedade, pois o Reino de Deus, como realidade última,

põem em crise tudo o que não for último. O maior impacto do descobrimento do Reino de

Deus causado na Alemanha do final do século passado foi seu aspecto de crise.

Jesus não foi um pregador da moral universal que confirma a essência sonhada do

homem. O Reino de Deus que Ele pregou não é a extrapolação de sonhos burgueses, nem a

harmonização de fé e história, como de alguma forma vinha ocorrendo na igreja desde o

constantinismo e o regime de cristandade. Em exemplos mais atuais, ele não é o

fundamentador e justificador da religião civil ou do neo conservadorismo nos Estados Unidos,

ou do nacional-catolicismo da Espanha franquista, ou da nova Europa cristã que agora se

pretende construir. O Reino de Deus não é nada disso, o Reino de Deus julga e critica

positivamente qualquer configuração histórica e social. Expressa, não só a reserva

escatológica- que a sociedade ainda não é o Reino, mas sobretudo a crítica: certamente não é

o reino.

Para sobrino, o último é a relativização e crítica de todo o penúltimo, como

vimos, e por sua natureza leva também consigo a pergunta temporã; quando acontece

o último? Analisar as respostas a esta pergunta é importante não só nem

principalmente para satisfazer curiosidades sempre renovadas em movimentos

139 FERRARO, B, Cristologia em Tempos de Ídolos e Sacrifícios, São Paulo, Paulinas, 1993, p. 72. 140 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 161.

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milenaristas, mas também porque a pergunta aparentemente inocente pelo o que

substancialmente. Quer dizer, para responder ao quando é preciso saber o que é o

Reino de Deus.

O Autor A. Schweitzer pensava que a escatologia que aparece nos sinóticos é coisa do

futuro, e só do futuro. No princípio Jesus pensou que o reino viria durante sua vida (Mt 10,23)

e depois pensou que com sua morte aceleraria sua vinda (Mt 26,29). Foi a comunidade cristã

que, decepcionada sobre a vinda do reino, o localizou no futuro, no final dos tempos (Mc

13,32). Os sinóticos, pois, expressariam uma escatologia temporalmente consequente: a

realidade última acontece realmente no final dos tempos. Ch. Dodd, por sua vez, interpretou

os textos escatológicos dos evangelhos como falando de acontecimentos temporalmente

presentes (contra seu contemporâneo R. Bultmann que os interpretava ético existencialmente).

Segundo esses textos, o reino, mas já aconteceu está por vim na figura de Jesus Cristo. O.

Culmann, por fim, procurou ficar no meio das duas pregações. À pregação de Jesus pertence

as afirmações do presente e do futuro sobre o reino. Ambas são verdadeiras, mas estão numa

relação de tensão que é preciso analisar. Sua resposta é conhecidas, o já ainda não da vinda do

reino. Com a vinda de Jesus já começou o fim dos tempos, o Maligno e o pecado em princípio

já foram vencidos. Mas ainda-não se manifestou o que Cristo é, o que ocorrerá só no final, no

dia do juízo. 141

1.3 A caracterização da sistemática do Reino de Deus na abordagem da América latina.

A sistematização do Reino de Deus na América latina faz parte desse processo, e a

Teologia da Libertação faz com que o Reino de Deus seja anunciado por Jesus, e por isso ela

historiza para o presente pela razão óbvia de que o Reino não chegou no tempo de Jesus e o

presente exige sua historização. Ao fazer isso, esta consciente dos riscos que corre, mas crê

que seria pior, não corrê-los. O evangelho incita a fantasia criadora para elaborar ideologias

nascidas não de uma totalidade a priori, mas da análise e dos desafios de uma situação, em

função de um projeto libertador. Diante disto, concreta com os riscos do fracasso que implica,

decisão essa que pode ser a vinda historicamente do Reino.

Para essa teologia é fundamental, metodológica e sistematicamente estabelecer antes de

tudo a realidade do anti-reino, pois, o presente latino-americano não é só um ainda-não com

respeito ao reino, mas um certamente não, de modo que a utopia do que será estará dirigida

141 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 163

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em primeiro lugar à erradicação do anti-reino. Esta teologia começa, pois, com a constatação

de um gravíssimo pecado da injustiça, opressão e repressão que nega e se opõe à utopia, o que

também fazem Medellín e Puebla.

A salvação que o reino traz- embora não se esgote nisso será então a salvação de males

históricos. Em que consistem os bens do reino é determinado, antes de tudo, pela situação

concreta dos seres humanos oprimidos e não por uma decisão a priori do que deve ser a

salvação. A salvação é sempre de alguém e nesse alguém de algo. A salvação que o reino traz

é histórica.

Em Jesus, o conteúdo da salvação é ditado pela realidade de seus ouvintes e sua prática

(milagres, expulsão de demônios, acolhida aos pecadores) é benéfica porque traz bens ante

esses males concretos.

Esses bens do reino são contradição estrita ao anti-reino e por isso é libertador. Não só

deve produzir bens, mas libertar de males. O anti-reino não é a ausência ou não do reino, mas

sua contradição formal. Construir o reino é destruir o anti-reino, salvar as pessoas é libertá-las

de suas escravidões. É o aspecto libertador da prática de Jesus contra os opressores históricos

(ricos, escribas, fariseus, governantes contra o opressor transcendente, o maligno).

A chegada do Reino está em relação dualística com o anti-reino. Os dois não só são

excludentes, mas age contra o outro, e esta é uma evidência que se impõe em massa na

América latina: o reino não é construído a partir de uma tabula rasa, mas contra o anti-reino, e

como verificação eficaz disso aparece a perseguição contra os atuais mediadores do reino.

Esta perseguição, por sua vez, torna-se um critério de que verdadeiramente se constrói o

Reino. Digamos de passagem que os que propiciam atividades puramente benéficas não são

perseguidos, o que quer dizer que não lutaram contra o anti-reino e, por sua vez, significa que

suas atividades não são, em sentido estrito, sinais do reino, pois, não são atividades de Jesus. 142

Para a Teologia da Libertação, é absolutamente fundamental levar em conta o anti-

reino. Com isso diferencia-se de outras teologias do reino latino-americano, desmascararam-

se visões ingênuas, facilmente cooptáveis e alienantes do reino. E, embora pareça um mínimo,

oferece uma direção para o que deve ser o reino por negação e superação do anti-reino.143

142 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 189 143 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 189

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2 A História e Teologia do Reino de Deus na América latina

Em relação ao conceito de história e teologia do reino de Deus, afirmar-se, que na

verdade a vida é uma realidade que por sua própria natureza está sempre aberta para um mais,

é algo dinâmico que aponta para um desdobramento de si mesma para se realizar em diversos

níveis, com novas possibilidades. A vida pode apontar para o que há de plenificador e de

utópico no reino de Deus, está perpassada de transcendência histórica e teologal. Ilustremos

em primeiro lugar sua transcendência histórica com o que chamamos de fenomenologia do

pão, símbolo da vida.

O Reino de Deus começa com o pão, símbolo da vida e de superação da morte. Mas

esse pão é sempre mais do que pão. Sua própria realidade leva consigo a pergunta pelo como

consegui-lo, com o que se introduz no pão a dimensão práxica do ser humano. E uma vez

conseguido, surge espontaneamente a pergunta pelo compartilhar do pão, e aparece assim,ao

mesmo tempo,a dimensão ética do pão (a exigência de distribuí-lo), sua dimensão comunitária

(o pão enquanto repartido) e sua dimensão celebrativa primária (comer juntos em redor de

uma mesa).

O pão conseguido e partilhado por alguns converte se imediatamente em pergunta pelo

pão para os outros, outros grupos e outras comunidades, definitivamente, o pão para todo

povo. E surge assim a dimensão social e política do pão e a pergunta pela libertação de um

povo, e com isso inumeráveis perguntas sobre como conseguir pão para todos, com que

práticas, ideologias funcionais, teologias, formas de ser igreja.

Nada Disso acontece mecanicamente, mas em cada estágio da realidade do pão aparece

a necessidade de espírito: misericórdia para que as entranhas se remexam diante dos sem-pão,

coragem para lutar por ele, fortaleza para manter-se nos conflitos e perseguições, verdade para

analisar as causas de não haver pão e para analisar os melhores caminhos para superá-las. O

pão mobiliza, então, todas as forças do espírito humano e o confronta, sobretudo com a

pergunta se é ou não capaz de amar, se é capaz ou não do maior amor. E assim o pão propicia

entrega, generosidade, heroísmo e até maior amor da entrega da vida.

A Boa Notícia do pão leva agradecer a Deus que fez ou pode levar a pergunta por que

permite que haja pão e que não seja repartido. Leva a seguir ao Jesus que multiplicou pães

para saciar a fome ou pode levar á pergunta por que a história mata homens como ele. Pode

levar a pergunta se há algo além de pão, se há um pão da palavra, necessário e Boa-Notícia,

inclusive quando não há pão material, se é verdade que no final da história por ele, pois,

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muitas vezes a escuridão permeia tudo, se a esperança de haver pão é mais sábia que a

resignação.

Essa fenomenologia do mais que há no pão, seja qual for a fortuna de sua descrição, só

pretende mostrar como a vida se desdobra sempre mais. A teologia da libertação acentua, por

um lado, o caráter histórico-material do reino de Deus, o pão que é vida e negação da morte, e

tem que falar, por outro lado, de uma libertação integral. Nisso não procura simplesmente

equilibrar somando libertação material e libertação espiritual para evitar acusações de

reducionismo, mas esta sendo fiel ao material primário que é a vida, no que está sempre o

germe da vida.

Cremos que a transcendência histórica, que aqui analisamos a partir do pão, sempre está

presente na teologia,e que cada uma delas desenvolve,explicita ou implicitamente,

fenomenologias análogas á descrita, seja a partir da angústia diante da própria salvação com

um tu ou a partir da experiência transcendental para desdobrar a partir daí a plenitude de vida.

Como se realiza existencialmente em e para cada pessoa esse desdobra-se da vida é coisa

extremamente pessoal. A Teologia da Libertação começa metodologicamente com o que é

primário na vida, mas em honradez e fidelidade a isso, encontra-se na dinâmica do mais. O

Reino de Deus possui sua própria transcendência histórica. E isso é assim porque o pão é

sempre mais do que pão.144

2.1 O conceito popular do Reino de Deus

O Reino de Deus tem essencialmente um caráter popular, tanto o Reino em sua

conotação qualitativa (o povo como as maiorias excluídas) como em sua conotação

quantitativa (as maiorias de pobres). O fato de esta teologia determiná-lo assim, vem de seu

interesse histórico pela libertação das maiorias populares, mas vem também de suas raízes

bíblicas.

A igreja e o Reino de Deus são da sua maioria pobre, ou seja, o povo de Deus,

constituídos de pessoas humildes, e a favor dessas pessoas que Deus se manifesta. É

importante destacar que isso vem já na época do Antigo Testamento, Deus e povo são

correlativos, e a fortiori reino de deus e povo de Deus são correlativos. Haverá reino de Deus

quando houver povo de Deus e na medida em que houver; haverá povo de Deus quando

houver reino de Deus, e na medida em que houver pessoas.

144 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 199

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O Reino de Deus é para o povo e só quando o povo de |Deus estiver constituído é que se

chegou à plenitude do Reino. A primeira afirmação deveria ser evidente pelo que foi dito ao

analisar a prática de Jesus. Embora a salvação (milagres, acolhida aos pecadores) seja muitas

vezes de modo que chega as pessoas concretas, se trata, de sinais do reino que apontam para

uma totalidade maior. E não se deve esquecer a linguagem frequentemente no plural: Jesus

cura multidões, são felizes, os pobres e o ideal do reino como tal, simbolizando nas refeições,

é uma realidade para uma coletividade, para um povo. Não tem sentido repetir, como costuma

ser feito, que o Reino de Deus é um Reino de justiça, e de fraternidade, se for dirigido a uma

coletividade.

Sem o povo de Deus não haveria Reino, embora hipoteticamente pudesse haver

salvações individuais e a soma posterior de todas elas, modelo que, certamente, esteve muito

atuante na história da igreja. Contudo não se descreve assim o ideal do Reino de Deus, mas

como salvação para um povo com relações internas específicas.

Na medida que chega existir o verdadeiro povo de Deus, ali o reino de Deus se faz

presente. Tanto o Reino de Deus definitivo são formulações intercambiáveis da utopia.

Quando a humanidade chega a ser só povo verdadeiro no qual se estabeleçam as relações de

justiça e fraternidade, então terá chegado o reino de Deus.

Esse conceito de reino de Deus na concepção popular na América latina com a sua

expressão tem sua identificação imediata com os mais fracos. Falar do povo popular e a

mesma coisa que falar do reino de Deus, e de modo especial, falar da imensa maioria da

população pobre do campo ou da periferia das cidades, feitas de indígenas, negros

descendentes dos escravos ou dos mestiços.145 Era, e ainda é, uma população muito parecida

com aquelas multidões feitas de ovelhas sem pastor, com as quais Jesus se compadece. Pela

indignação e,ao mesmo tempo,pela compaixão por essa massa abandonada surgiu o grito dos

profetas.

O conceito popular do Reino de Deus, esta ligado ao povo de Deus, que por sua vez,

forneceu a porta de entrada para uma igreja dos pobres ou da libertação, mesmo sendo

necessário enfrentar um conflito entre os outros dois modelos de igreja da época: o da igreja

da cristandade e o da neocristandade. Mas, nos documentos de Medellín se impõe a vocação

de realizar o primeiro, por ser este a realização do povo de Deus, que são os pobres. Não há

nada na Bíblia que seja mais fundamental, mais evidente. Como entender que essa verdade

145 VIGIL, José Maria. (Org) Opção pelos pobres, São Paulo, Paulinas, 1992, p. 39.

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ficou oculta durante tantos séculos, salvo na consciência de alguns profetas aos quais ninguém

prestou atenção no seu tempo? Compreender isso é o grande desafio na América latina.146

A expressão popular Reino de Deus, ligada ao povo de Deus, em nosso continente,

significa o mesmo que não ser nada,que ser marginalizado,explorado e excluído,um objeto

descartável que se usa enquanto se é útil e depois se rejeita quando se torna desnecessário. A

partir desses pobres, Jesus reúne o povo de Deus. Desse povo Deus faz o seu povo e vai

encontrar em Jesus Cristo a esperança de sua total libertação. É a figura da Igreja que mais se

aproxima da doutrina bíblica e da maneira como a igreja se apresentou em seus primórdios. 147

2.2 A ideia de Reino na América latina apresentada como uma nova sociedade.

Essa ideia de Reino ajuda a compreender como está a conjuntura da sociedade dos

povos da América latina. A miséria da maioria do povo aumenta na mesma proporção que a

riqueza de uma minoria. A insensibilidade para com tal situação agrava mais a situação social.

Permanecer assim é negar a fé no Deus da vida, que desde a criação deu ao homem o sopro de

vida. (Gn 2,7).

Para defender a vida com eficácia é preciso ter um mínimo de informações a respeito

das causas e da lógica da morte. Em linhas gerais, é necessário entender o mecanismo

proposto pelo mercado neoliberal no âmbito mundial. Depois, procuraremos compreender

melhor estes mecanismos a partir da realidade brasileira.

A liberdade de mercado significa primeiramente que todas as nações devem abrir seus

mercados para as competições mútuas. Mas nas atuais relações de forças, as nações mais

fracas industrialmente dificilmente terão condições de igualdade nas disputas mundiais, sendo

obrigadas a se subordinar aos interesses das nações poderosas. Os países do chamado Terceiro

Mundo são convocados a realizar ajustes: eliminação de barreiras que possam ser obstáculos á

livre circulação de capitais, dos bens e serviços, ou seja, a liberdade total para os

especuladores; destruição de todos os coletivos que sirvam de defesa aos indivíduos e redução

do Estado á função de polícia para defender a propriedade e os contratos mercadológicos;

privatização dos serviços públicos, pois, tudo deve estar a serviço da ciranda financeira na

criação e de novos capitais.

146 COMBLIM, José. O Povo de Deus. São Paulo, Paulus, 2002, p. 39. 147 COMBLIM, José. O Povo de Deus. São Paulo, Paulus, 2002, p.90-91.

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Redução ou mesmo supressão de qualquer tipo de organização dos trabalhadores

atrapalham a espontaneidade do mercado; desestruturação da família mediante a criação de

camadas de consumidores diferenciados (Homem, Mulher, Jovem, Adulto.) e, por fim, o

modelo imagina que o indivíduo isolado no mercado é realmente livre: vai poder escolher, e

esta escolha seria a verdadeira liberdade.148

Diante desse contexto neoliberal, o Reino apresentado por Jesus existem profundos

conflitos em comparação com a sociedade atual. Cabe a Igreja como aquela que retém a ideia

que ajuda o povo a pensar,mas para que isso aconteça de fato,será preciso a igreja se fazer

presente de maneira eficaz no mundo dos excluídos,agindo,aprendendo,produzindo,sofrendo,

conquistando, se elevando e fazendo o caminho juntos.

Para Comblin a Igreja precisa ser presente no mundo dos excluídos, e dar pistas para

ajudar as pessoas a se comprometerem melhor com os pobres da sociedade. E por isso, ela

precisa anunciar a palavra como testemunho de vida em Cristo, e testemunhar que o Reino de

Deus está presente, na alegria de viver num mundo novo, apesar de todas as circunstâncias

exteriores; uma vida de ressuscitados, apesar dos sinais de morte apesar que infelizmente nem

toda igreja terá a vocação para fazer essa viagem ao mundo dos excluídos. Mas para aqueles

que forem capazes, e gostam, devem apoiar. E reconhecer-se nessa vanguarda e confiar nas

obras do Espírito Santo.149

A miséria se agrava constantemente e deverá continuar a ser enfrentada, mas o outro

problema a ser enfrentado neste século pelos excluídos do Reino de Deus é o mundo da

globalização.

2.3 A plenitude de Reino de Deus, escatologia na luta contra a idolatria da América Latina

A plenitude do reino de Deus relacionado a luta da idolatria da teologia da América

latina,e a análise de Jesus levaram a dar suma importância à realidade concreta do reino de

Deus e do Deus do reino,e analisar como algo absolutamente central o que é que se opõe a

eles. Ao reino se opõem o anti-reino, e ao Deus da vida se opõem as divindades da morte.

Dessa forma- além de clamorosa realidade histórica exigir isso é introdur necessariamente o

tema da idolatria,e acontece desde o início um critério hierarquizador. Se Deus é o Deus da

vida justa, o analogatum príncipes dos ídolos é determinado segundo os que lhes rendem

148 COMBLIM, José. O Neoliberalismo: Ideologia Dominante na Virada do Século, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 23 149 COMBLIM, José. Desafios aos Cristãos do Século XXI, São Paulo, Paulus, 2000, p. 7-270.

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culto, ou seja, seus adoradores acabam sendo vítimas dos ídolos que veneram, mas sua

maldade mais profunda se descobre nas vítimas que produzem nos outros: um mundo dos

pobres, e sujeitos á morte lenta da pobreza e à morte violenta da repressão.

Essas vítimas são produzidas necessariamente, pois, os ídolos necessitam delas para

subsistir por isso os ídolos e vítimas são correlativos. A Teologia latino-americana conhece

várias formas de idolatria e conhece a capacidade transcendental de absolutizar qualquer coisa

criada- daí também sua insistência na espiritualidade,mas leva muito a sério o ídolo

fundamental por causa das suas repercussões humanas e teológicas. A idolatria não é só

perversão ética radical, mas também perversão teologal. Este é o motivo de se falar dos ídolos

em sentido real, não figurado, como divindades da morte. A partir daí recobra o vigor e rigor

teologal,e a atual definição do verdadeiro Deus da vida.150

A partir dessa perspectiva a teologia latino-americana analisa a questão de Deus desde

as origens da atual América latina. Milhões de seres humanos foram crucificados sobre o altar

do ouro e da prata. Ouro e prata se converteram nos novos deuses. L. Boff, ao analisar o que

ocorreu há 500 anos, se pergunta: Porque tanta violência? Só para os cristãos realizarem seu

fim último que é ouro (Libertad Y Liberacion, RLT (1988)). E esta é a tese fundamental do

livro de G. Gutierrez Deus ou ouro nas Índias. Então era chamado ouro, hoje os nomes são

mais sofisticados,mas as consequências são as mesmas;repete-se a mesma história com novos

protagonistas, Mas o fundamento é que os antigos e os novos ídolos produzem vítimas. Nas

palavras simples e atuais de dois bispos panamentos: ¨O Ouro, um deus que gerou vítimas. O

dólar,um deus que causa a morte.

Na América latina se recorda com vigor os deuses esquecidos, e essa lembrança-como

vimos, e observamos significa que é decisiva para a teologia e cristologia refletir. A partir da

perspectiva da idolatria, a fé com que se corresponde a Deus deverá ser, no mínimo,

ativamente antiidolatrica; e a tarefa primária da ilustração não será, a desmitificarão, mas a

desidolatrização de Deus. E, positivamente, Deus será um Deus da vida em favor das vítimas,

e conhecê-lo será propiciar vida.

É necessário entender que a cristologia e a teologia servem para compreender a

conhecer o Deus da vida, mas para isso significa precisamos entender no contexto dos

teólogos do nosso continente. É importante dizer que duas coisas: uma sim e um não. Em

outras palavras, já desde a antiguidade se denunciou a tentação cristã de pensar que alguma

150 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 274.

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coisa é de Deus porque não é deste mundo, mas aqui se dá um passo a mais: a tentação de

pensar que seja de Deus quando pode ser de um ídolo.151

A luta contra idolatria ocupa lugar importante na Bíblia. Ela nos ajuda no sentido

negativo a determinar em que consiste a fé no verdadeiro Deus da vida. Nas Escrituras, a

rejeição é apresentada não como ateísmo, mas como idolatria, isto é, como afirmação de um

falso deus. A nós, pessoas do século XXI, pode parecer que a palavra idolatria, se refira a uma

problemática antiga, para não dizer primitiva, própria de gente não civilizada. Por esse

raciocínio, a idolatria se torna algo superado e nos sentimos salvo de tal risco.

Não obstante a idolatria é percebida na Bíblia como perigo que se apresenta a toda

pessoa religiosa; mas, trata-se de uma tentação permanente. Ela consiste em que o crente

ponha confiança em algo ou alguém que não é Deus ao mesmo tempo em que busque outras

razões de sustentação última. A posição da Bíblia com relação á idolatria é nítida e taxativa.152

3 Seguir Jesus Cristo a partir da situação dos povos excluídos da América latina

A palavra seguimento nos remete inicialmente á ideia de caminhar atrás de alguém, mas

nos evangelhos esta palavra adquire a conotação de seguir alguém como um discípulo segue o

seu mestre. Discipulado e seguimento no contexto que iremos imprimir são palavras

sinônimas.

Jesus não deixou atrás de si escola, no estilo dos filósofos gregos, para continuar

aprofundando-se na verdade última da realidade. Tampouco pensou numa instituição dedicada

a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em marcha um movimento de seguidores

que se encarregassem de anunciar e promover seu projeto do Reino de Deus. Provém a Igreja

de Jesus. Não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da

Igreja, o seguimento fiel à pessoa de Jesus. O seguimento de Jesus é a única coisa que nos faz

cristãos.

É essa a opção primeira de um cristão: seguir Jesus. Esta decisão muda tudo. È como

começar a viver de maneira diferente a fé, a vida e a realidade de cada dia. Encontrar, por fim,

o eixo, a verdade, a razão de viver, o caminho. Poder viver dando um conteúdo real á adesão a

Jesus: crer no que Ele creu; viver o que Ele viveu; dar importância àquilo a que Ele dava

importância; interessar-se por aquilo pelo qual Ele se interessou, tratar as pessoas como Ele as

151 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 276. 152 GUTIÉRREZ, Gustavo. O Deus da Vida, São Paulo, Loyola, 1992, p. 750.

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tratou; olhar a vida como Ele a olhava;orar como Ele orou;transmitir esperança como Ele

transmitiu.

Sei que é possível seguir Jesus por caminho diversos. O seguimento de Francisco de

Assis não é o mesmo de Francisco Xavier ou de Teresa de Jesus. São muitos aspectos e

matizes do serviço de Jesus ao reino de Deus. Mas há traços básicos que não podem faltar

num verdadeiro seguimento de Jesus.

Seguir Jesus implica pôr no centro de nosso olhar e de nosso coração os pobres. Situar-

nos na perspectiva dos que sofrem. Fazer nossos, seus sofrimentos e aspirações. Assumir sua

defesa. Seguir Jesus é viver com compaixão. Sacudir de nós a indiferença. Não viver só de

abstrações e princípios teóricos, mas aproximar-nos das pessoas em uma situação concreta.

Seguir Jesus pode desenvolver a acolhida. Fazer nosso, o projeto integrador de Jesus.

Derrubar fronteiras e construir pontes. Eliminar a discriminação.

Seguir Jesus é assumir a crucificação pelo Reino de Deus. Não deixar de definir-nos e

tomar por medo das consequências dolorosas. Carregar o peso do antirreino, e tomar a cruz de

cada dia em comunhão com Jesus e os crucificados da terra. Seguir Jesus é confiar no Pai de

todos, invocar seu nome santo, pedir de seu reino e semear a esperança de Jesus contra toda

esperança.153

H. Assmann postulou, em seu livro Teologia desde La práxis de La Liberación, no ano

de 1973154, a necessidade da teologia levar em conta a situação de fome e desnutrição que

matava anualmente cerca de 30 milhões de latino-americanos,para a partir daí fazer teológico

como segundo ato,ser algo sério e não um ato cínico. Sequer imaginava a questão do

agravamento da pobreza na América latina e as mudanças que o mundo vem sofrendo

atualmente.

Em termos de teologia do seguimento, considerando que a realidade latino-americana

com seus altos índices de fome, pobreza, violência, analfabetismo, apresenta em última

infância cruel lógica da vida e da morte, não como realidades a serem racionalizadas, mas

como realidades diárias para milhões de pobres. Parece que é oportuno útil e necessário, à luz

do seguimento a Jesus e do prosseguimento de sua causa atual, retornar a pergunta: “E vós,

quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,29). Ao que tudo indica, na compreensão da pergunta estará

presente um tipo de seguimento e, consequentemente, um prosseguimento de Jesus para

nossos tempos, ou seja, o seguimento de Jesus e suas devidas implicações estão

153 PAGOLA, Antonio José. Jesus Aproximação Histórica. Rio de Janeiro, Vozes, 2011, p. 569-570. 154 ASSMAN, H. Teologia desde La práxis de La Liberacion, São Paulo, Ed. Paulinas, 1990, p. 40

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profundamente perpassadas pelo conceito,não só teórico,mas sobretudo pelo conceito práxico

inserido que se tem acerca de Jesus Cristo.

Atualmente na América latina, tal processo de exclusão dos pobres é identificado como

o neoliberalismo econômico que acaba transformando o pobre num perdedor. Quem não tem

possibilidade de competir no mercado é eliminado. È um perdedor. Quem perde no mercado

total, perde tudo e já não pode mais sonhar com direitos humanos. Os pobres tornam-se

excludente, verdadeiros lixos que não servem mais ao sistema. Isto é, peça descartável.155

Para efetivação do que foi postulado acima, no âmbito de uma cristologia da libertação,

parece que alguns passos são necessários quando pensa o seguimento de Jesus diante do

neoliberalismo e do sacrificialismo dos pobres: o primeiro passo a ser dado, indica

indiscutivelmente enquanto realidade de contradições,do avesso desejado pela oração do Pai-

nosso,de uma situação de extrema pobreza. O segundo passo a ser dado, não é o da

indiferença frente a tal realidade, mas o da percepção de um Reino como Reino de Deus, que

irrompe já na história (Mt 12,28), não para a legitimá-la, mas sobretudo para julgá-la e propor

uma nova ordem a partir dessa.

O terceiro passo implica uma práxis na vida cristã, onde a opção de libertar

integralmente e promover a defesa da vida de Deus, vai contra um projeto neoliberal que

vitima vidas e sacrifica os pobres para se manter vigente. E, por fim, o quarto passo, uma

teologia do seguimento e do prosseguimento da causa de Jesus hoje, tem de ter presente uma

leitura mais teológica do que histórica. Movido pela fé, conduzido pelo Espírito Santo que

enche a orbe da Terra, o povo de Deus esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas

exigências e nas aspirações de nossos tempos, em que participam com outros homens, quais

sejam os sinais verdadeiros da presença ou dos desígnios de Deus. Seguir Jesus e prosseguir a

sua causa que é os pobres e marginalizados, e ter esperança e amor com eles.156

3.1 A proposta e o testemunho da igreja a partir da América Latina

Em relação a proposta e do testemunho da Igreja em relação a América Latina a

consciência de Jesus foi mediada por seus conflitos externo na exposição aos detentores do

poder religioso,econômico e político. Jesus se fez homem na história dentro de uma situação

determinada e em relação com ela, situação de pecado real que leva a atividade de Jesus a se

tornar conflituosa a ponto de encerrá-la numa cruz.

155 FERRARO, B, Cristologia em Tempos de Ídolos e Sacrifícios, São Paulo, Paulinas, 1993, p. 72. 156 VEDOATO, Pe. Giovani Marinot, Jesus Cristo na América Latina – Introdução à Cristologia da Libertação, Editora Santuário, 2010, p. 69-97.

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Ao ser condenado por blasfêmia, nos indica que sua concepção de Deus era oposta à da

religião da época. Ele não aceita a submissão do homem em nome da religião e desmascara a

hipocrisia religiosa de seu tempo.,que se utiliza de Deus para não realizar justiça. Jesus prega

Deus da graça e dessacraliza o acesso a ele, cujo,caminho privilegiado se faz através do

serviço ao oprimido. O conflito com os representantes religiosos é inevitável.

Sua condenação também se deve ao fato de ter sido considerado um rebelde político,

porque a compreensão de Deus incluía, essencialmente, o anúncio do Reino de Deus por isso

encontrou-se, necessariamente, em oposição e conflito com o poder político.157

A existência de opressores e oprimidos constatados por Jesus é radicalmente combatida

por Ele, como situação não querida e nem permitida por Deus. Denuncia a riqueza como

causa da pobreza e não aceita que um poder-opressão seja justificado como mediação de

Deus. Nega à divindade do imperador romano e dessacraliza a organização política opressora.

Mostra que Deus somente se manifesta no poder quando este se submete á lei do serviço num

mundo de pecado, pelo amor (sem ele se torna historicamente opressor). Jesus não propugna

um amor despolitizado, desistorizado, desestruturado, mas um amor político, quer dizer,

situado e que tenha repercussões visíveis para o homem.158

Em relação ao testemunho, tudo o que vimos até sobre o Reino de Deus, e a cristologia

latina -americana constitui um complexo e explosivo terreno para a presença e a voz da igreja

no subcontinente. A partir de uma análise estrutural da realidade latino-americana, certos

ambientes cristãos começaram a falar do direito dos pobres. E a partir deles interpretavam a

defesa dos direitos humanos. Não é uma linguagem alternativa, mas uma crítica ao enfoque

liberal, que pressupõe uma igualdade inexistente em nossa sociedade 159, procurando-se evitar

o esquecimento do que realmente está em jogo,ou seja, a miséria e a privação dos mais

pobres,a conflitividade social que se vive na América Latina e as raízes bíblicas da defesa dos

pobres.160

A Igreja não deve se deixar seduzir pela ideia de democracia restrita, em que se

restituem algumas liberdades e direitos individuas, mantendo intacta a desigualdade social e

econômica em vigência no continente. Ela precisa ser testemunha em um sentido bastante

objetivo, ou seja, tomar partido a favor dos excluído.

157 SOBRINHO, Jon, Cristologia a partir da América Latina, Petrópolis, Vozes, 1993, p. 375. 158 SOBRINHO, Jon, Cristologia a partir da América Latina, Petrópolis, Vozes, 1993, p. 376. 159 Sung, Jung Mo. Deus numa economia sem coração - pobreza e neoliberalismo: um desafio á evangelização, São Paulo, Paulus, 1992, p. 94. 160 GUTIÉRREZ, Gustavo. A Força Histórica dos Pobres, Petrópolis, Vozes, 1981, p. 124.

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“Em numerosas formulações do NT, o conteúdo objetivo daquilo

que se deve testemunhar é expresso cristológicamente. Deve ser

testemunhado por Jesus na totalidade de sua vida histórica e sobretudo

em sua ressurreição. Em linguagem estritamente teológica, deve-se dar

testemunho de Jesus Cristo como mediador do Pai.”161

Não é somente a pessoa de Jesus Cristo que devemos testemunhar, mas também a

mediação histórica pela qual Jesus está a serviço. A resposta disso encontramos em (João

10,10); eu vim para que todos tenham vida,e a tenham em abundância. Deve-se testemunhar

propriamente a Palavra de vida encarnado em nosso meio, a vida em sua totalidade.

Diante de um mundo que vive a idolatria do mercado, a missão da Igreja é desmascarar

a absolutização das leis do mercado, que exige continuamente sacrifícios de vidas humanas

em nome da acumulação de riquezas e de consumo sem fim. A raiz de todos os males é o

amor ao dinheiro, pois, invertem-se os valores verdadeiros: ao invés da economia existir em

função da vida das pessoas, sendo que elas vivem em função da economia, com o único

objetivo de acumular sempre mais.

Mais uma vez, é bom citar, que é tarefa e a função da teologia e da Igreja é criticar a

teologia da retribuição, conhecida como teologia da prosperidade, pois, ela sacraliza a

injustiça e legitima a cultura da insensibilidade, além de culpar as vítimas da exclusão de

nossa sociedade. E mais que isso, anunciar a teologia da graça, recuperando os valores da

solidariedade e igualdade, numa sociedade em que todos sejam incluídos.

3.2 Os desafios dos cristãos atuais na América latina

Em relação aos desafios dos cristãos do tempo atual na América latina, consideramos

que é uma questão muito pertinente, por isso é necessário que tenhamos uma Igreja presente

no mundo dos excluídos, ajudando os cristãos a pensar,refletir e discutir as questões que são

desafiadoras na sociedade. A Igreja precisa se fazer presente de maneira eficaz no mundo dos

excluídos, agindo, aprendendo, produzindo, sofrendo, conquistando, e fazendo o caminho

junto. Para que a igreja possa realizar essas ações, ela deverá ser presente no meio do mundo

dos excluídos, e testemunhar, e anunciar a Palavra como testemunho de vida de Cristo,e de

modo especial ensinar o Reino de Deus,anunciar que ele já esta presente,e no mundo

161 SOBRINHO, Jon, Ressurreição da verdadeira Igreja. Os Pobres, lugar teológico da eclesiologia, São Paulo, Loyola, 1992, p. 169.

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novo,apesar de todas as circunstâncias exteriores;uma vida de ressuscitados, apesar dos sinais

de morte.162

Infelizmente que nem toda a Igreja terá a vocação para fazer essa viagem ao mundo dos

excluídos. Mas para os que forem capazes, ela deverá apoiar, reconhecer-se nessa vanguarda e

confiar nas obras do Espírito Santo.

A Igreja é convidada a reconhecer a autonomia dos pobres para viver e crescer na sua

cultura deles, pois, a pobreza se agrava constantemente e deverá continuar a ser enfrentada,

mas é o outro o problema a ser enfrentado neste século em pleno mundo globalizado.

A igreja é chamada sem perder sua espiritualidade, que é componente essencial de sua

identidade, a anunciar o Evangelho em respeito pelo outro e por suas peculiaridades. Para

isso, deve apontar para que aquilo que chamamos de inculturação da fé, e que sem dúvida

corresponde a uma velha experiência da Igreja.163 O grande desafio é levar o diálogo a efeito

sem ocultar ou atenuar as verdades nas quais acreditamos, além das implicações.

A opção preferencial pelos necessitados é hoje um elemento medular da identidade

cristã. Sua referência ao Pai celestial que nos faz o dom de seu reino e de justiça é básica; seu

fundamento cristológico é claro e evidente; ela contém o selo do amor e da liberdade que o

Espírito Santo nos traz. Essa opção constitui um fator de identidade eclesial. Dessa maneira,

contribui, a partir de uma característica da mensagem cristã para que entremos em diálogo

com outras perspectivas no seio da comunidade eclesial e fora dela.

Para dar espaço ao Deus da vida, a solidariedade continuará sendo uma exigência para

todo conjunto social e um compromisso de toda Igreja. Diante de tudo que acontece na

sociedade, e o mundo globalizado, precisamos como igreja apresentar o Deus da vida. A

igreja é chamada a enfrentar os desafios, principalmente no que tange as questões políticas, e

econômicas, e precisa fazer brotar nos corações de todos, o espírito de solidariedade e

cidadania. Esquivar-se disto é renunciar à possibilidade de fazer acontecer o Reino de Deus

para todos.

A igreja e os cristãos precisam estar atentos às questões que ocorre em nossa realidade,

ou seja, conhecer a questão geográfica e política de nossa América; a inversão social, diante

de acumulação individual ou empresarial; o capital humano, diante da lógica estrita do

mercado; a divisão justa, diante da exploração e do enriquecimento desenfreado; crise das

162 COMBLIM, José. Desafios aos Cristãos do Século XXI, São Paulo, Paulus, 2000, p. 7-27. 163 GUTIÉRREZ, Gustavo. Onde dormirão os Pobres?, São Paulo, Paulus, 1998, p. 53.

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igrejas históricas com o surgimento de novos grupos de vida cristã caracterizados pela

ingenuidade social e falta de programação política.

Ao mesmo tempo em que se proclamou melhor os direitos formais da pessoa, nunca

eles foram violados com tanta intensidade como no século passado. E com raízes perigosas

neste início de milênio. Entre tantas interrogações, descobrir o que é preciso fazer para que a

comunidade de irmãos seguidores do Espírito de Jesus mude a parábola vivente e dramática

do rico Epulão e do pobre Lázaro.

O futuro da Igreja do presente dependerá de sua fidelidade ao Espírito, de sua

capacidade de dialogar e buscar a sinceridade da verdade com todos os homens de boa

vontade. Praticamente dois terços da humanidade foram colocados á margem do dinamismo

histórico pela globalização e seu sistema neoliberal, a Igreja é convocada ao seu profetismo e

à sua audácia.

3.3 A resposta da Igreja latina americana na perspectiva Profética e Política

Em relação a questão profética destaca-se que é consenso que atualmente a Igreja

encolheu e pela presença da teologia no Terceiro Mundo. Além do mais,muitos militares da

cidade política e das pastorais de Igreja desanimaram, recuaram, afastando-se de suas antigas

opções. Alguns debandaram, passando para as hostes opostas. 164 Novamente estamos diante

de uma situação provocadora de profecias. A fé cristã exige esse chamado e,no terceiro

milênio,o espírito profético de Deus continua agindo.

Segundo Mary Grey,165 Existem alguns fatores que apontam o caminho da renovação

dos quais a Igreja tanto precisa se quiser ser vista como autêntico seguimento de Jesus:

1) O seguimento comunitário de Cristo apresenta um desafio contracultural à ética do

individualismo e do materialismo competitivo;

2) Este seguimento comunitário hoje aparece rigorosamente entre os pobres das CEBs

na insaciável sede de justiça e nos grupos evangélicos que acentuam a oração, o

seguimento e ação social;

3) O acento se desloca da pessoa de Jesus para a dinâmica redentora que ele põe em

movimento. (As necessidades contextualizadas das comunidades afetam-na

formação de uma cristologia emergente);

4) Reflexão da teologia feminista sobre o ministério das mulheres;

164 LIBANIO, João batista. Crer no Mundo de Muitas Crenças e pouca Libertação, Valencia, Siquen, 2001, p.138. 165 CONCILIUM, Revista. Quem Dizeis Que Eu Sou? 269, Petrópolis, Vozes, 1997 p.143-153.

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5) Contrapeso a uma teologia do pecado estrutural, através das estruturas da igreja;

6) Abertura do Espírito a novas possibilidades e conduzir para um futuro ainda não

traçado. A busca vigorosa de liderança profética, que é compartilhada, que capacita

e fortalece os dons dos outros;

7) Intimamente ligada á profecia, está a mística gerada pelo Espírito, que nos capacita

a ouvir a verdade dos outros.

A profecia implica em duplo gesto: denúncia e anuncia, sem isso, o caráter profético

não acontece e o discurso se esvai pelo ar.

A Igreja em um futuro próximo procura desempenhar um contexto religioso diante da

crise da modernidade. Ela precisa mostrar força do testemunho que de respostas puramente

interior, e espiritualizantes, fundamentalistas e emocionais são um escapismo religioso. Não

há saídas para as realidades complexas. Só o sonho conjunto alicerçados em utopias

libertadoras, pode fazer um povo peregrinar para a Terra Prometida. A Igreja precisa

testemunhar que, no âmbito da fé cristã, não há lugar para a desesperança, pois, a utopia do

Reino é o horizonte permanente para quem busca viver com razão. A resignação ao

pragmatismo do cotidiano, além de torná-la cúmplice de falsas profecias, como a do fim da

história, faz do cristianismo uma religião legitimadora das práticas dos exterminadores do

futuro, dos que hoje não tem nenhum futuro. 166

O livro dos Provérbios 11,14, dizia que sem as profecias, o povo se arruína. Atualmente,

no contexto neoliberal, os profetas têm campo fértil de ação, A exemplo de Jesus, cabe aos

profetas anunciar o Reino e proclamar um Deus Pai, além de denunciar o antíreino e

desmascarar os ídolos. Dessa forma, conseguiremos ir às raízes da opressão, seja econômica,

política, ideológica ou religiosa.

“Nesta práxis, Jesus aparece na linha dos profetas clássicos de Israel, como Amós,

Oséias, Isaías, Jeremias, Miquéias e na dos modernos profetas, como Monsenhor Romero,

Monsenhor Proanõ, Martin Luther King confrontado com o anti-reino e com os ídolos. Sua

mensagem central é a defesa dos oprimidos, a denúncia dos opressores e o desmascaramento

da opressão que se faz passar por boa e se justifica na religião. E esta práxis o assemelhará aos

profetas também em seu destino: o anti-reino reage e mata.”167

A nossa igreja é profética, e além disso acredita na ressurreição, isso é o grande sinal da

vitória. E vale lembrar os exemplos de dois grandes profetas de nossa Igreja de nossa

166 BRIGHENTI, Agenor. A igreja do futuro e o futuro da igreja – Perspectiva para Evangelização na Aurora do Terceiro Milênio, São Paulo, Paulus, 2001, p.46. 167SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 266.

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atualidade, com os quais queremos finalizar essa parte do profetismo que são eles: o saudoso

D. Hélder Câmara e o vigoroso Dom Paulo Evaristo Arns, e outros.

Em relação a igreja Política,antigamente a igreja Latino-

Americana era um escândalo para o resto do mundo pelo fato de se calar frente aos

males sociais existentes no continente. O latifundiário rezava ao lado dos trabalhadores por

ele explorados e de crianças famintas na igreja que ele mesmo construíra. Aos poucos os

cristãos começaram a descobrir que as situações políticas e econômicas podiam ter

importância para o evangelho.

Dom Helder Câmara, o primeiro secretário-geral da CNBB, tinha como um de seus

carismas a convicção de que se a política pertence ao ordenamento da sociedade e, e se a

sociedade pertence a Deus, então a política deve ser tomada a sério.168

Em relação a nossa Igreja no Brasil, verificamos que a Igreja teve um papel decisivo na

abertura política, durante o regime militar ao denunciar o modelo concentrador de rendas e

estimulador de um consumismo sofisticado, em contraste com as carências básicas da

população. Durante as manifestações pelas “Diretas Já” (Obs Movimentos políticos popular

onde milhares de pessoas se dirigiram ás ruas, principalmente nas capitais e grandes cidades,

exigindo a volta da normalidade política do país, através de eleições diretas para presidente do

país em 1984.). Os bispos avaliaram a participação política no poder como uma pré-condição

necessária a uma estruturação econômica menos injusta da sociedade no Brasil.

Quando a abertura política começou a apresentar alguma esperança de

democracia real, muitas CEBs e dioceses começaram um processo de reflexão

sobre o que estava acontecendo e tentaram descobrir seu próprio papel na

nova situação. A CNBB encorajou e promoveu essas reflexões sobre o sentido

do processo político e isso fez com que o processo de reflexão chegasse a todos

os níveis da igreja.¨ 169

Para as eleições parlamentares do Brasil em 1982, foram preparados cerca de mais de

cinquenta cartilhas políticas pelas diversas dioceses e regionais. Prática muito presente como

em algumas eleições anteriores,quando a CNBB lançou a documento n.67, com várias

168 REGAN, David, Igreja para a Libertação. Retrato Pastoral da Igreja no Brasil, São Paulo, Paulinas, 1996, p. 276. 169 REGAN, David, Igreja para a Libertação. Retrato Pastoral da Igreja no Brasil, São Paulo, Paulinas, 1996, p. 282.

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propostas de reflexão sobre eleição para os católicos refletirem. Muitos cristãos se engajaram

nos movimentos e partidos políticos por meio das reflexões propostas ao longo desses anos.

O Autor Clodovis Boff conhecido da América latina,170 A partir do contexto atual, nos

apresenta dois compromissos, a curto prazo e médio prazos como saídas á exclusão:luta

política e a luta social.

A luta política, os poderes públicos em várias direções para que retomem políticas

públicas e programas sociais; estabeleçam políticas econômicas geradoras de empregos;

realizem uma reforma fiscal que obriga os ricos a financiar os custos sociais da maioria

pobres e garantam renda mínima para cada cidadão de forma a sobreviver. Isto se faz possível

por meio da organização da sociedade civil em movimentos populares ou mesmo mediante a

representação parlamentar que possa impor uma democratização do capital, colocando-o a

serviço do bem comum.

O segundo compromisso é a luta social, no qual Boff propõe que a sociedade assuma a

questão dos excluídos, sem ficar somente do Estado. O papel mais importante nesta luta é do

próprio excluído, por meio de suas organizações, mesmo que existam dificuldades. Já surgem

coisas boas como o MST (Movimento sem Terra); a CMP (central dos Movimentos

Populares);o Movimento Nacional dos Meninos e meninas de rua,e os vários sindicatos de

ambulantes,camelôs e de outros trabalhadores independentes.

Como forma de articular tudo isso, a luta deve ser interligada moral e socialmente a

outras lutas no âmbito internacional. Uma vez que o sistema excludente é planetário, também

a luta deve ser planetária, fazendo surgir a nova globalização da inclusão.

4 Na América latina, o seguimento de Jesus a partir da sua proposta de Reino de Deus

Em relação a proposta de Jesus,e o seu seguimento, Leonardo Boff,171 Relata que a vida

humana sob o signo da protelação do advento do Reino escatológico como plenitude possui

uma estrutura pascal que se traduz pelo seguimento de Jesus Cristo morto e ressuscitado.

Este seguimento inclui primeiro anunciar a utopia do Reino, como sentido único e bom

e pleno do mundo que Deus oferece a todos, mas de forma especial aos mais necessitados.

Outro ponto revela que o lugar implica traduzir a utopia em práticas que visem mudar este

mundo a nível pessoal, social e cósmico; a utopia não é uma ideologia, mas dá origem a

ideologia funcionais como orientação de práticas libertadoras. O seguimento de Jesus não é

170 CLODOVIS, Boff. Como Trabalhar com os Excluído, São Paulo, Paulinas, 1998, p. 112-116. 171 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador, Petrópolis, Vozes, 1972, p. 34-350.

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mera imitação, mas supõe dar-se conta da diferença de situações entre Jesus com seu

horizonte apocalíptico de irrupção iminente do Reino e nós, para quem a história tem futuro, e

o advento do reino ficamos protelado. As táticas de organização do amor e da justiça na

sociedade dependem dessas diferenças.

Para Jesus, como também para nós cristãos, Deus é futuro e seu Reino não chegou

totalmente. A maneira de assunção da história muda sempre. Ele não prescreveu um modelo

concreto, mas uma maneira de presente em cada concreção que está inevitavelmente

vinculada à relatividade de cada situação: opção pelos injustiçados, renúncia a vontade de

poder, dominação, solidariedade a tudo o que aponta á uma convivência mais participada,

fraterna e aberta ao Pai.

Outro ponto importante, é que a libertação de Deus se traduz em processo de

libertação,e implica em luta e conflitos que devem ser assumidos e compreendidos à luz do

caminho de Jesus, igual ao amor que tem que sacrificar-se, como esperança escatológica que

passa por esperanças políticas e como fé que tem de caminhar tateando porque,pelo fato de

sermos cristãos,não temos ainda a chave para decifrar os problemas políticos e econômicos. A

cruz e a ressurreição são paradigmas da existência cristã, por isso ser seguidor de Jesus,

significa realizar suas obras, perseguir sua causa e conseguir sua plenitude.

Significa que com todos os limites que possui uma visão, e quer colocar-se a serviço da

causa da libertação de nossos povos oprimidos. Trata-se de uma contribuição ao nível da

expressão teórica que deseja iluminar e enriquecer uma práxis já existente de fé libertadora.

Em nossa situação de terceiro Mundo dependente da fé na cristologia de libertação, para

certo tipo de análise e para um compromisso. Cremos que, em nosso contexto, ler o

Evangelho e seguir Jesus Cristo de uma forma não libertadora é obrigar-se a colocá-lo de

pernas para o ar ou interpretá-lo continuamente de forma ideológica em sentido pejorativo.

Pode-se pregar de muitas maneiras sobre o Evangelho, e o Reino de Deus. Anuncia-lo

como o outro mundo que Deus nos esta preparando que vem posterior a essa vida. Ou pode-se

pregá-lo como sendo a igreja representante e continuadora de Jesus com seu culto, sua

dogmática, suas instituições e sacramentos. Estas duas maneiras colocam entre parêntesis o

compromisso como tarefa de construção do mundo mais justo e participado e alienam o

cristão diante dos problemas da opressão de milhões de nossos irmãos. Mas pode anunciá-lo

como uma utopia de um mundo reconciliado em plenitude que se antecipa, prepara e começa

já na história mediante o compromisso dos homens de boa vontade. Cremos que esta última

interpretação traduz tanto ao nível histórico como no nível teológico a ipsissima intentio

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Jesus. A Cristologia tem sua função na elaboração e formação de uma opção cristã na

sociedade, principalmente com os pobres da América latina.172

4.1 A prática de Jesus diante de uma realidade conflitiva em sua conjuntura social

Em relação a prática de Jesus diante de uma realidade conflitiva, sabe-se que a

conflitividade não é uma característica desejada,porém ela é inevitável,tendo-se em vista toda

prática humana que incida na mudança de uma situação dada,injusta. O conflito não é algo

acidental, mas um processo que Jesus assume de maneira cada vez mais lúcida por causa de

um Deus que ama o pobre e defende seu direito à vida. A fidelidade ao Pai leva Jesus ao

conflito. O que Jesus busca é a causa da vida, não o conflito. Sua análise o faz descobrir e

enfrentar os inimigos do projeto de vida do Pai ( Mc1,23-26.30.31.32.34;2,16;5,2-5;5,34;8,2-

3)173.

A fidelidade ao Reino de Deus mostra que Jesus não somente sofre o conflito,mas

também o provoca: ensina sem autorização ( Mc1,21); tira a autoridade dos escribas (Mc

1,22-27),cura no sábado (Mc 1,21-27,29-31); toca o leproso (Mc1,41) e não se

purifica,assumindo a clandestinidade (Mc1,45;2,1). Além disso, realiza inúmeras ações

proibidas como comer com pecadores; desautorizar o jejum e caminhar e realizar curas no

sábado, dizendo-se Senhor dele, conforme relatos nos capítulos 2e 3 de Marcos.

Todas essas ações conflitavas não são evitadas porque Jesus objetiva mostrar que

importa a Deus a necessidade do homem e não a lei. A maneira de se chegar até Deus é por

meio do cuidado com o irmão (Mc 12,32-33) e não através da observação de ritos legais.

Pela prática de Jesus, Deus oferece ao povo sofredor uma alternativa de vida que,

necessariamente, está contra as pessoas e situações concretas. Com isso, sua prática deve ser

qualificada como subversiva no sentido mais estrito da palavra: mudança realizada a partir de

baixo, da base do povo, a partir da raiz do problema.174

O conflito, explica a cruz e ao mesmo tempo em que implica o discípulo. È interessante

notar o núcleo do conflito está no caráter absoluto conferido ao amor ao irmão, sobretudo aos

marginalizados e espoliados de vida. Sua prática reduz todas as leis de amor ao irmão. Jesus

radicaliza a contradição entre Lei da Aliança e lei da pureza, distanciando-se do pensamento

fariseu, do conservadorismo Saduceu, bem como dos comportamentos rabínicos.

172 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador, Petrópolis, Vozes, 1972, p. 36. 173 SOBRINHO, Jon, Cristologia; Jesus Cristo, El Mediador absoluto Del Reino de Dios, Mysterium Liberationis, San Salvador, UCA EDOTRIS, 1991 p. 589. 174 GALLARDO, Carlos Bravom. Jesus Homem Em Conflito - Um Relato De Marco Na América Latina, São Paulo, Paulinas, 1998, p.308.

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Existem alguns fatores que tornam normativo o conflito, tais como: a causa histórica de

sua morte é o conflito, pois Jesus se posiciona contra uma ideologia que atribui a Deus um

determinismo sociopolítico e religioso, a partir do qual se considera a estrutura existente

imutável, cabendo às pessoas a resignação. Jesus denuncia este exclusivismo como contrário

ao Reino de Deus; outro fator presente na narrativa de Marcos é o fato que o filho de Deus-

Libertador nos é revelado por intermédio da cruz salvífica, cruz consequência da tarefa do

Reino, pois, isso é fundamental para o seguimento.

Além disso, o conflito entre lei da Aliança e lei de Pureza apresenta Jesus como vítima

da lógica histórica de um mundo estruturado de forma contrária ao projeto de Deus. A cruz

nos diz que seu motivo foi a defesa dos direitos do povo ao Reino e a preferência do Pai por

este povo, e a propõe como caminho de seguimento, sem deixar evadir do compromisso.

Marcos faz, pois, uma teologia do conflito de Jesus, e uma teologia

antecipada do conflito cristão. Desde então, não é válida a ideia de que o

verdadeiro cristão vive sem conflitos; não é possível iludi-los. Quem segue

Jesus deve enfrentar os poderes que, como então,continuam configurando

projetos de morte para o povo; e diante disto deverá seguir sendo rebelde,

propondo como corretivo e como norma a necessidade pobre. Por amor ao

povo, de cuja vida é responsável, e por amor a Jesus, cujo seguimento é

caminho para o Reino na história.175

4.2 O mundo conflitivo diante das questões da globalização, e o neoliberalismo que atinge a América latina

Para definir as questões do conflito que existe em nossa sociedade, é necessário

entender que é um fato real, e existente em nosso continente, é que precisa ser trabalhado

pelos cristãos. Precisamos compreender como funciona o sistema neoliberalismo. O

neoliberalismo é uma utopia ou teoria que pretende dar uma explicação total do ser humano e

da sua história em torno da economia. Faz da economia o centro do ser humano a partir do

qual todo o resto se explica.176 Foi adotado pelo capitalismo, sistema social fundado na

influência do capital, por ser a melhor conquista das mentes, em todo mundo, que se

encontrou até então.

175 GALLARDO, Carlos Bravom. Jesus Homem Em Conflito - Um Relato De Marco Na América Latina, São Paulo, Paulinas, 1998, p.308. 176 COMBLIM, José. O Neoliberalismo: Ideologia Dominante na Virada do Século, Petrópolis, Vozes, 1999, p. 150.

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A partir dessa teoria, buscou-se a constituição de um mercado livre que se estendesse

por todo o globo, sem fronteiras, sobretudo as economias. È o esquema da globalização em

que a abertura do mercado mundial colocaria todos os seres humanos em condições iguais

para vender e comprar todos os bens e serviços que desejasse. O mercado apareceria como um

inalienável na busca da realização humana.177 Pelo poder do mercado torna-se possível

satisfazer todos os desejos e, dessa forma o capitalismo tornar-se-ia uma estrutura religiosa

messiânica, produtora de consumação e salvação,178 Em que todos os economistas exercem a

função dos sumos-sacerdotes e são os únicos autorizados a tocar no Santíssimo no templo

globalizado.

O mercado passa a ter um poder de realização que a ação humana não é capaz,

conforme a catequese neoliberal nos ensina. Dessa forma, messiâlisa o mercado. Os efeitos

nefastos provocados por esses três irmãos (capitalismo, neoliberalismo e a globalização (se

veem no empobrecimento, na desigualdade e na exclusão social por parte daqueles que não

podem enfrentar o mercado competidor. No caso latino-americano é a maioria da população.

O neoliberalismo sabe dessas consequências e justifica-as como efeitos não desejados, porém

inevitáveis, na conquista do crescimento econômico da sociedade. Transforma-se de fato, no

sustentáculo ideológico cultural de atividades,comportamentos sociais e medidas políticas que

reforçam a exclusão dos mais fracos,com uma nova auréola de inocência

Para não sejamos cúmplices ou vítimas desse processo avassalador, é urgente nossa

denúncia da visão unilateral, e todas as suas consequências desumanizastes: exclusão dos

menos competitivos;aceitação do inevitável como dogma de fé e,consequentemente,não me

cabe fazer nada,torno-me indiferente,além de possuir tranquila;afinal o pobre é pobre por sua

culpa,transformando tudo e todos em mercadoria de negociação;abandono de esforços

coletivos de solidariedade.

4.3 Seguir Jesus a partir do contexto conflitivo da globalização, capitalismo e neoliberalismo

O comprometer-se com o seguimento de Jesus nessa sociedade globalizada, não é tarefa

fácil. Basta lembrar a recusa do jovem rico que se achou incapaz de segui-lo por causa de seus

bens materiais (Mt 19,16-26.). Atualmente, o envolver no seguimento significa desfazer-se de

determinados padrões de comportamentos individuais e coletivos.

177 ROSSI, Luiz. A. Messianismo e Modernidade - Repensando o Messianismo a partir das Vitimas, São Paulo, Paulinas, 1980, p. 62. 178 ROSSI, Luiz. A. Messianismo e Modernidade - Repensando o Messianismo a partir das Vitimas, São Paulo, Paulinas, 1980, p. 213.

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A mensagem de Jesus está em aguda contradição com a mensagem propagada por toda

parte: Bem- aventurados os competentes! Sua opção de solidariedade com os pobres, os

marginalizados e excluídos o torna atualmente um perturbador da paz, da ordem social,

religiosa e civil.

Os cristãos de nossa atualidade são chamados a dar testemunhas Dele (1 cor 1,6). Para

Edmund Arens179 ele diz que é importante dar testemunho querigmático missionário, pois o

evangelho de Jesus é transmitido com a clara intenção de fazer que seja compartilhado.

Segundo o autor, estas testemunhas devem fazer o evangelho falar por intermédio de sua

prática cristã, levando o objeto de seu testemunho aos seus destinatários, é uma maneira de

mostrar que o testemunho querigmático visa única exclusivamente comunicar a práxis

libertadora do Reino e da justiça de Deus e convidá-los a colaborar na práxis tornada possível

pela ação de Deus. Para o autor a outra forma de testemunho é o diacônico, onde as pessoas se

voltam para os outros, assistindo-os em suas necessidades, sobretudo os oprimidos, e

injustiçados e fracos. A práxis solidária do testemunho diacônico visa minorar os sofrimentos

das pessoas, libertá-las de suas necessidades e aflições de que são vítimas.

Outra forma de testemunho é profético. Ela ocorre quando em nome de Jesus e do Deus

de Jesus Cristo as pessoas protestam contra os poderes do pecado e da morte, tomando partido

de Deus, ou seja, criticam a injustiça, denunciam as condições de dominação e opressão.

Lembrando a libertação prometida por Deus. O que age profeticamente da pessoa e da práxis

de Jesus, voltada contra a injustiça, opressão e exploração, salientando a soberania de Deus,

que quer a vida digna para todos.

Outra maneira de testemunhar é o pático ou do sofrimento, ou seja, trata-se daquela

prática cristã na qual se refletem o sofrer com Cristo e o ser crucificado com Ele. Isto ocorre

quando por causa da fé as pessoas enfrentam perseguições, prisão, tortura e morte. Este

testemunho culmina ao martírio, tornando-se testemunha por excelência. Com seu sofrimento

e morte, as testemunhas páticas dão testemunho de que a paixão de Jesus continua até os dias

atuais. A prática cristã do seguimento se condena no testemunho da entrega de vida. Seguir

Jesus Cristo tem um preço e não todos os cristãos se dispõem a pagá-la por julgá-lo pesado

demais ou por não compreender o verdadeiro sentido do seguimento na edificação do Reino

de Deus.

179 ARENS, Edmund. Que Significa Hoje Morrer e Viver em Cristo, Concílio, p. 139-142.

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5 Jesus para os cristãos na América latina a partir do contexto dos pobres, marginalizados e excluídos.

A situação latino-americana é muito parecida com a situação da Palestina no século I,

na época de Jesus, muita opressão e escravidão. Isso contradiz o projeto salvífico de Deus. O

Jesus histórico nos convida a nos colocar em seu seguimento com o objetivo de transformação

do mundo pecador em Reino de Deus. Mesmo que para isso seja necessário enfrentar o

conflito social que este processo de conversão acarreta.

Esta é a visão de dois teólogos importantes da América Latina, ou seja, Leonardo

Boff,180 E compartilhada por Jon Sobrino181. Sobrino propõe como ponto de partida para

cristologia o Jesus histórico como pessoa, pregação, atividade, atitudes de morte de Jesus de

Nazaré na cruz. Anunciando o Reino de Deus,o convite segue-se para que todos se coloquem

em seu seguimento por um caminho de libertação. È a imagem de um Jesus que reúne os

fraços evangélicos com o dinamismo e o compromisso da Igreja, a qual opta pelos pobres,

pois, Deus está presente nos empobrecidos deste mundo (Mt25).

As vítimas atuais são o lugar do conhecimento de Deus de forma sacramental. Estar ao

pé da cruz de Jesus e estar ao pé das cruzes da história são absolutamente necessário para

conhecer o Deus crucificado182

Na América latina, é urgente acrescentar e insistir junto aos crucificados, de maneira

eficaz, para poder tirá-los da cruz. Em linguagem menos erudita, é mesmo que evitar a fome!

É encarregar-nos dos sofredores com suas angústias e preocupações, almejando soluções

cotidianas que lhes possam nutrir a esperança de vida por mais um dia. Na América Latina

somos convidados a fazer teologia no meio do povo, sem alienarmos a eles, pois, Jesus para

os cristãos latino-americano é assumido com discernimento a partir das próprias raízes

históricas e culturais.

5.1 Jesus apresenta o Reino, a partir dos necessitados e marginalizados da sociedade

O reino de Deus significa a Boa-Notícia, seus destinatários ajudarão essencialmente a

esclarecer seu conteúdo, pois Boa-Notícia é algo por essência relacional, já que nem todo da

notícia da mesma maneira para uns e outros. Para entender bem o que significa o Reino de

Deus ter um destinatário concreto e ser, por isso parcial, é preciso lembrar que Jesus oferece o

180 BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador, Petrópolis, Vozes, 1972, p. 76-112. 181 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 364. 182 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 364.

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amor de Deus a todos, mas não da mesma maneira. Jesus provavelmente não teria toda certeza

a mentalidade sectária de sua época, como se só os que pertencem a um grupo (fariseus,

essênios,zelotes e outros) conseguirão a salvação. Jesus aparece diretamente positivo,

querendo a salvação de todos e desejando que o Reino de Deus se torne de todos.

Significa que Jesus tinha em sua mente um destinatário específico quando anunciava o

Reino de Deus. A única coisa que se deduz do que foi dito foi é que não excluía da

possibilidade de entrar nele. Mas não excluir não é a mesma coisa que se dirigir diretamente a

certos grupos de pessoas, que nas realidades são os pobres.183

Sobrino 184 Diz claramente que o Reino de Deus, pertence aos necessitados, pois, Jesus

compreende sua missão como dirigida a eles: Fui enviado anunciar a Boa- Nova aos pobres

(Lc 4,18). Mostra isso a resposta jubilosa de Jesus aos enviados de João: A Boa-Nova é

enviado e anunciada aos pobres (Lc 7,22; MT 11,5) Segundo Lucas, a primeira bem-

aventuranças de Jesus proclama: Felizes os pobres,porque vosso é o reino de Deus (Lc 6,20).

Essas afirmações são fundamentais para compreender o que é o Reino de Deus para Jesus.

A relação entre o Reino de Deus e pobres se estabelece nos evangelhos como um fato

mais radicalmente, aparece como uma relação de direito, baseada na própria misericórdia de

Deus tal como aparece no AT. Os pobres, mesmo aqueles que passam por qualquer situação

moral, ou pessoal, física ou de miséria que se encontrem, Deus os defende e os amos,e são

aqueles os primeiros destinatários da missão de Jesus.

Os pobres e desprezados são aqueles excluídos pela sociedade, principalmente porque

são considerados indefesos, e pecadores tanto na época de Jesus, como na sociedade atual, e

de modo especial na América latina. Anteriormente os publicanos, prostitutas (Mc 2,16; Mt

11,19;21,32;lc15,1s) os simples,os pequenos os menores, os que exercem profissões

desprezadas (Mt 21,31;lc18,11). Pobres são os marginalizados, aos quais sua ignorância

religiosa e seu comportamento moral, fechavam,segundo a convicção da época, a porta de

acesso para a salvação. Poderia ser dito que são os pobres.185

5.2 Quem são os pobres excluídos da América latina?

Em relação aos pobres da América latina, considerar-se que são aqueles no qual Jesus

sempre teve um carinho especial.Quando falamos de excluídos,estamos nos referindo aos

indivíduos que assim o são em relação a alguma coisa. Neste caso, estamos falando daqueles

183 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 124. 184 SOBRINHO, Jon, Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 124-125. 185 SOBRINHO, Jon. Jesus o libertador – A História de Jesus de Nazaré, Vozes, 1994, p. 1289.

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que estão sofrendo com esse sistema social, ou seja, no qual os excluídos são todos aqueles

que sobraram do sistema formal, nas realidades são aquelas pessoas consideradas pela

sociedade os inúteis e os desnecessários, pois, eles não consomem, e nem vendem, e por isso

não participam do sistema do mercado.

No período de forte crescimento econômico, os pobres tinham alguma esperança de

superar a pobreza convertendo-se e mal assalariados, mas agora as mudanças tecnológicas e o

modelo neoliberal dão a eles e a seus filhos bem pouca oportunidade para romper o círculo

vicioso da exclusão: trabalho, reprodução da exclusão. Neste novo contexto socioeconômico,

a exclusão é um novo nome da pobreza. E a pobreza uma manifestação mais aguda da

exclusão.186

Essa massa enorme e descartável, os sem nada, é o fruto amargo da sociedade moderna,

apesar de tantos avanços em seus vários setores. Em se comparando com os ideais da

Revolução francesa-liberdade, igualdade e fraternidade. Apenas o primeiro foi atingido a

liberdade e chegou a gerar até excessos. Mas quanto aos outros dois ideais (igualdade e

fraternidade) houve uma enorme regressão. Vivemos num mundo nunca antes tão desigual e

tão egoísta,por isso cada vez mais repleto de violência,e de pessoas egoístas.

Segundo Clodovis Boff,187 A exclusão social se dá em vários aspectos, e em sua maioria

são causadores de grandes conflitos sociais e políticos, fazendo com que atinja o nosso

continente latino-americano. O autor comenta que cada vez existe um crescimento de pessoas

desempregadas, e por isso a automação substitui o homem, fazendo com que o problema

adquira uma agudez sem precedentes. Faz parte da dinâmica capitalista e quem continua no

emprego tem cada vez menos garantias trabalhistas.

Clodovis analisa a questão do trabalho informal, ou seja, ele relata uma economia de

sobrevivência cujos componentes básicos são: sonegação, evasão de divisas, mercado de

trabalho subterrâneo, contravenção e crime. Esta economia informal existe no âmbito popular

e no eixo das grandes empresas que se dizem prejudicar povo, por motivo pelo qual praticam

a informalidade e se enriquecem cada vez mais. Para o povo, a economia informal tem função

de resistência, dinâmica e criatividade. No caso das grandes empresas, é roubo e crime.

A miséria é moderna é outro aspecto abordado por Clodoviz Boff e o da exclusão social.

São os lascados que não encontram saídas nem mesmo na economia formal. Formam uma

segunda subcategoria dos excluídos. Nesse lugar, a vida se degrada e as relações sociais se

186 HOP, Paulo N Thai. Pobres e Excluídos-Neoliberalismo e Libertação Dos Pobres, Aparecida, Santuário, 1995, p.100. 187 BOFF, Clodovis. Como Trabalhar Com os Excluídos, São Paulo, Paulinas,1998, p.80-106.

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degeneram chegando aos caos. Entre esses lascados, existem os chamados miseráveis e os

marginais, que vivem da contravenção e do crime armado. Podem estar inseridos na economia

informal e mover milhões de dólares, como no caso do narcotráfico. Os miseráreis só

sobrevivem na dependência alheia. Essa massa tem crescido muito.

A exclusão social também se dá por meio da eliminação física, seja pela morte morrida,

ou pior pela morte matada. Sobretudo os grupos de excluídos da América latina. Existe os

grupos de extermínio que com a convivência da polícia e do exército, parecem treinados para

matar, e se defendem a inovação de pena de morte como solução para o problema da violência

social.

O que a mídia faz é criar a imagem de que o excluído é, real ou potencialmente, um

violento, e por isso um criminoso, um ser perigoso, de que a sociedade deve se proteger,

sendo a solução mais simples e eficaz a eliminação. Eles acabam excluídos também do gênero

humano e excluídos da vida, eliminados como pessoas perigosas ou pestilentas. Afinal,

ninguém perde nada com isso. São indesejáveis. Uns inúteis. É preciso decididamente, limpar

a paisagem social dessa sujeira. 188

Infelizmente existem muitos pobres e excluídos da América latina nessa situação de

misérias que são considerados descartáveis, e por isso são deixados de lado, ou seja, são

desclassificado, os novos restos que incomoda os ricos, e devem ser jogados no lixo. Os ricos

se protegem em seus condomínios fechados e mansões, e os pobres criam associações

comunitárias ou, na pior das hipóteses, formam gangues e quadrilhas para práticas destrutivas

e delinquentes. Essas pessoas marginalizadas são consideradas as excluídas, e os pobres da

América latina.

5.3 Uma Igreja dos excluídos a partir de uma reflexão da Teologia da Libertação

A teologia da Libertação é uma corrente teológica que mais tem referendado a

solidariedade para com os excluídos e oprimidos,189 E essa é uma das maiores contribuições

que nossa igreja Latino-americana tem dado a toda Igreja católica. Diante de um Deus que é

parcial para o lado da justiça, a opção pelos pobres se transforma na bandeira do compromisso

da Igreja latino-americana enquanto o mundo deles se torna o lugar primordial da Teologia da

Libertação em nosso continente. Isto exige praticamente que a reflexão não só nasça dele, mas

188 BOFF, Clodovis. Como Trabalhar Com os Excluídos, São Paulo, Paulinas, 1998, p.82-106. 189 HOP, Paulo N Thai. Pobres e Excluídos-Neoliberalismo e Libertação Dos Pobres, Aparecida, Santuário, 1995, p.188.

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que se dirija decididamente a ele.190 A irrupção do pobre é o fato de maior relevo para a

Teologia da Libertação.

Para o autor José Maria Vigil191 optar pelos pobres significa compromisso com a igreja

latino-americana, e por isso existem alguns critérios, ou seja, renunciar a perspectiva dos

ricos. Ao fazer essa opção nos implicamos ideologicamente,assim como opção pelos

ricos,pois, tanto uma como outra coisa implica a opção por um modelo de análise da realidade

social. Outro ponto interessante de refletir é optar pelos marginalizados significa escolher o

lugar social deles olhar a vida, a sociedade, a história, a liberdade, as próprias possibilidades,

tudo a partir desse lugar, desta perspectiva dos pobres, em função de seus interesses de troca

de sociedade, e não em função de interesses de sustentação e consolidação do sistema que

beneficia aos que têm interesses contrários a esses povos desfavorecidos.

Na verdade optar classes mais fracas não é, pois, em questão de preferências prefiro os

pobres, embora não deixe de optar pelos ricos, mas uma questão de alternativa excludente:

quem opta pela perspectiva e o lugar social dos oprimidos não pode partilhar, por sua vez,a

perspectiva e o lugar social dos opressores.

Optar pelos pobres significa acolher pela pessoa do pobre em si,e não excluir a pessoa

do rico. Optar pelos pobres é acolher uma causa, sua perspectiva, seus interesses, sua forma

de ver a sociedade, tornando-se solidário com ele ao participar de suas lutas e compartilhar da

utopia que os anima em seu compromisso libertador. Optar por esse grupo significa isto sim

excluir a perspectiva dos ricos seus interesses privados e privatizantes, seus projetos de

consolidação do atual sistema que lhes favorece na base da exploração dos pobres. 192

O século XXI pode ser considerados e qualificado como fascinante e cruel. Fascinante

para todos que os que possuem um certo nível social, e que, reúnem condições de participar

dos níveis de ponta do conhecimento tecnológico. Mas cruel para os pobres, para a massa que

sobra, e que se torna descartável no contexto neoliberal. A sorte desses pobres continua sendo

o desafio fundamental da missão evangelizadora da Igreja, em nossos dias. Devemos ressaltar

as perspectivas ecológicas diante das destruições suicidas do meio ambiente. Elas nos tornam

mais sensíveis a todas as dimensões do bom da vida e nos ajudam a ampliar o horizonte da

solidariedade social, que deve compreender um respeitoso vínculo com a natureza.

A opção pelos pobres e sua teologia permanecem firmes e irrevogáveis, tendo

constituído a contribuição de maior destaque de nossa igreja ao conjunto universal das Igrejas.

190 TAVARES, Sinivaldo S. A Cruz de Jesus e o Sofrimento do Mundo, Petrópolis, Vozes, 2002, p.165. 191 VIGIL, José Maria. (Org) Opção pelos pobres, São Paulo, Paulinas, 1992, p. 73-750. 192 VIGIL, José Maria. (Org) Opção pelos pobres, São Paulo, Paulinas, 1992, p. 73-75.

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Talvez, justamente por isso, uma tentativa de domesticação, disciplinarização. A opção que se

faz pelo pobre não é somente teológica, mas teocêntrica, fundamentada no próprio Deus.

Deus a fez em primeiro lugar, de tal forma que é impossível para um cristão perfeito não fazer

a opção pelos pequenos.

O acesso a Jesus mostra suas virtualidades universais em diversas situações históricas.

Na América latina, a Teologia de Libertação foi orientada para o Jesus histórico porque ela

surge de uma experiência e práxis de fé vivida num projeto libertador.

6 Conclusão

Podemos verificar que o Reino de Deus, oferece no mínimo aquilo que é máximo para

os pobres, ou seja, a própria vida. Ai se observa uma divisão fundamental entre aqueles que já

tem a vida e a sobrevivência garantida, e aqueles em que as quais ainda não é garantido. Por

isso o conteúdo religioso da boa nova do Reino de Deus fundamenta-se necessáriamente da

libertação material e todo tipo de injustiça. Afirma-se que a boa nova, só se tornar-a uma boa

notícia quando ela efetivamente ocorrer de fato a libetação daqueles que através dela deixa-se

de ser oprimidos, e vivem a justa distribuição dos bens. Portanto, a boa notícia aos pobres é a

notícia de que eles deixaram de ser pobres.

Assusta a oficialidade religiosa o fato de que este Reino toma partido dos pobres e

marginalizados, dos fracos e desprezados e, frente aos qaue mumuram contra a bondade e a

misericórdia de Deus.

Em toda pregração de Jesus a realidade última para ele sempre foi o Reino de Deus. O

próprio Deus era visto como uma realiadade mais ampla. Entrento, ele nunca define

concretamente o que é o Reino, mas diz que esta próximo, além de acentuar sua novidade, sua

exigência, sua excânda-lo. Por isso, o intuíto de tentar desenvolver neste capítulo a

proximidade do Reino na época de Jesus, com a situação dos marginalizados do continente da

América Latina nesse período, pois, os mesmo que sofreram naquela época, hoje os excluídos

não são tratados de maneiras diferentes do que aquelas pessoas.

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