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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP
KLEBER BISPO DOS SANTOS
Acordo de Leniência na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei
Anticorrupção
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2016
KLEBER BISPO DOS SANTOS
Acordo de Leniência na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei
Anticorrupção
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, com concentração em Direito do Estado, subárea de Direito Administrativo, sob a orientação do Prof. Doutor Ricardo Marcondes Martins.
São Paulo
2016
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou
parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou
eletrônicos.
Assinatura: _______________________________________________________
Data: 19/12/2016
E-mail: [email protected]
S237
Santos, Kleber Bispo dos Santos
Acordo de Leniência na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Anticorrupção / Kleber Bispo dos Santos. – São Paulo: [s.n.], 2016.
225 p. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Marcondes Martins
Dissertação (Mestrado em Direito) -- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, 2016.
Área de Concentração: Direito Administrativo 1. Corrupção. 2. Acordo de Leniência. 3. Improbidade Administrativa. 4.
Lei anticorrupção. 5. Improbidade Empresarial. I. Santos, Kleber Bispo dos. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. III. Título.
CDD 340
KLEBER BISPO DOS SANTOS
Acordo de Leniência na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei
Anticorrupção
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, com concentração em Direito do Estado, subárea de Direito Administrativo, sob orientação do Prof. Doutor Ricardo Marcondes Martins.
Aprovado em: _____________________
Banca Examinadora:
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: __________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: __________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________
Instituição: __________________ Assinatura: __________________________
Aos meus amados pais, ANTONIEL BISPO DOS SANTOS e
MARLENE BISPO DOS SANTOS, por todo amor e por toda entrega
e esmero dispensado em prol da minha formação, sem os quais eu
nada seria.
À minha esposa, ARIANE CRISTINA MINUCELLI BISPO, por todo
amor, dedicação, compreensão, companheirismo e colaboração,
sobretudo durante os desafios do curso de Mestrado e durante a
elaboração deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, primeiramente, por me colocar no seio de uma família
abençoada e que sempre primou pela instrução da prole na construção de uma vida
reta e digna e também por me conceder a oportunidade de concretizar o sonho de
iniciar e concluir um curso de Mestrado em Direito na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Ao meu professor e orientador, Dr. RICARDO MARCONDES MARTINS, pelas
lições de direito e de vida, por me orientar e pelo exemplo de ética, autenticidade,
dedicação e seriedade acadêmica. Foi através dos seus ensinamentos e das suas
obras acadêmicas que pude ter uma maior compreensão da interpretação e
aplicação das normas, tornando possível a elaboração desse trabalho.
Aos meus amigos, colegas de turma e orientação no Mestrado, pelo
companheirismo no enfrentamento aos desafios: ALEXANDRE SALOMÃO JABRA,
FELIPE GONÇALVES FERNANDES, MARCOS PAULO JORGE DE SOUSA e
PEDRO FLÁVIO CARDOSO LUCENA.
Ao amigo RUI DE OLIVEIRA pelos esclarecimentos e apoio em cada uma das
sucessivas etapas do programa de Mestrado.
Aos professores Dr. JOSÉ ROBERTO PIMENTA OLIVEIRA e Dr. SILVIO
LUIS FERREIRA DA ROCHA, pelos ensinamentos, apoio e a confiança de sempre.
Ao professor Dr. JACINTHO ARRUDA CÂMARA, pela rica contribuição e
sugestões para o trabalho e pelas palavras de incentivo proferidas no dia do exame
de qualificação.
À professora Ma. EGLE MONTEIRO pela oportunidade de estágio acadêmico
e aos professores Dr. CLOVIZ BEZNOS, Dr. PAULO DE BARROS CARVALHO, Dr.
ANDRÉ LUIZ FREIRE, Dr. LUCAS GALVÃO DE BRITTO, Dra. NILMA ABE e a Ma.
CHRISTIANNE STROPPA, pelos ensinamentos e dedicação.
Ao meu irmão ANTONIEL BISPO DOS SANTOS FILHO, colega de profissão,
sócio no escritório, grande companheiro e incentivador, pelo apoio incondicional.
Aos meus irmãos SAMUEL BISPO DOS SANTOS, NELMA ROSANA BISPO
BITTENCOURT, pelo incentivo e companheirismo.
À minha sobrinha ANA GIULIA BISPO BITTENCOURT que com o brilho e
alegria da sua infância nos enche de inspiração.
À minha amiga, irmã e colega de escritório KAROLINNE KAMILLA MODESTO
BARBOSA, pelo apoio incondicional, pela irmandade que nos une e pela aprazível
convivência.
Aos meus cunhados MICHELLE DE CARVALHO BISPO, KELLY KAROLINE
MINUCELI REIS, IVAN DA SILVA REIS, TIAGO MINUCELI, PAULA CRUZ
GALLEGO e ERIKA POLLA e aos meus sogros NIVALDO MINUCELI e ROSELY
REIS MINUCELI, pelo inestimável apoio.
A todos vocês, ficam aqui registrados os meus mais sinceros agradecimentos.
Santos, Kleber Bispo dos. Acordo de Leniência na Lei de Improbidade
Administrativa e na Lei Anticorrupção. 2016. 225 p. Dissertação (Mestrado em
Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.
RESUMO
O acordo de leniência, previsto na Lei n. 12.846/2013, conhecida como Lei
Anticorrupção, é instrumento de grande utilidade na prevenção à corrupção por
prever severas sanções administrativas às pessoas jurídicas envolvidas em atos
lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira, sobretudo nos grandes
contratos de obras públicas, infraestrutura e prestação de serviços públicos.
Todavia, antes do advento da Lei Anticorrupção, a Lei de Improbidade
Administrativa, por força do seu artigo terceiro, já previa a responsabilização de
pessoas jurídicas que induzissem, concorressem ou se beneficiassem desses atos
de improbidade administrativa, que em sua tipificação se assemelham e em algumas
hipóteses até mesmo coincidem com os atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção.
Diante desse cenário, em que coexistem os dois sistemas de responsabilização das
pessoas jurídicas, e considerando-se as incertezas e insegurança jurídica que giram
em torno da adoção do instituto do acordo de leniência e que tem acarretado a sua
pouca utilização, o que a nosso ver é uma perda para a coletividade, envidamos
esforços para apresentar uma leitura e interpretação desse valioso instituto jurídico
através da aplicação dos princípios previstos na Constituição Federal, abordando
questões como requisitos para celebração, possibilidade de recusa da proposta,
agentes competentes para celebração, efeitos sobre outras esferas ou sistemas de
responsabilização com enfoque especial no sistema da Lei de Improbidade
Administrativa, e ainda, sobre a possibilidade de celebração do acordo de leniência
pelas pessoas jurídicas no sistema de responsabilização da Lei de Improbidade
Administrativa - Lei n. 8.429/92.
Palavras-chave: Corrupção. Acordo de Leniência. Improbidade Administrativa. Lei
Anticorrupção. Improbidade Empresarial.
Santos, Kleber Bispo dos. Leniency agrements under the Misconduct in Office
Act and under the Anticorruption Act. 2016. 225 p. Dissertação (Mestrado em
Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.
ABSTRACT
The leniency agreement stated by Brazilian Law no. 12.846/2013, also known as
Anticorruption Act, is an extremely useful tool in preventing corruption because it
provides for severe administrative sanctions to legal entities involved in practices that
harm both domestic and foreign Public Administration, particularly in major
agreements involving public works, infrastructure and the rendering of public
services. However, before enactment of the Anticorruption Act, the Misconduct in
Office Act, in Article 3, already provided for the liability of legal entities that induce,
cooperate or benefit from misconduct practices, which are defined by law as being
similar, and sometimes equal to the harmful practices outlined by the Anticorruption
Law. In such a scenario, where two systems defining liability for legal entities coexist,
and in view of the uncertainties and legal insecurity surrounding the adoption of
leniency agreements, which is why this institute is scarcely used, and which in our
view represents a drawback for society, we endeavor to present a reading and an
interpretation of so valuable an institute by applying the principles enshrined in the
Federal Constitution and by approaching issues such as the relevant requirements,
the possibility to refuse a proposal, the agents endowed with competence to enter
into leniency agreements, the effects thereof on other spheres or systems defining
liability, with specific focus on the system under the Misconduct in Office Act, and
also on the possibility that leniency agreements be made by legal entities under the
system defining liability provided for the Misconduct in Office Act– Law no. 8429/92.
Keywords: Corruption. Leniency Agreement. Misconduct in Office. Anticorruption
Act. Corporate Misconduct.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 COMBATE À CORRUPÇÃO .............................................................. 16
1. 1 Tratados internacionais de combate à corrupção e a adesão do Estado
Brasileiro ................................................................................................................ 16
1.1.1 Dos precedentes internacionais............................................................. 16
1.1.2 Da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais aprovada pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE ........ 18
1.1.3 Da Convenção Interamericana contra a Corrupção aprovada pela
Organização dos Estados Americanos (OEA) .................................................... 20
1.1.4 Da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção aprovada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) ............................................................ 22
1.1.5 Desdobramentos da adesão do Estado brasileiro aos tratados
internacionais anticorrupção e a edição da Lei 12.846/2013 .............................. 23
1.2 Da responsabilidade das pessoas jurídicas ................................................. 28
1.2.1 Das teorias sobre o fenômeno da existência e vontade da pessoa jurídica
............................................................................................................................ 28
1.2.2 Da responsabilidade penal da pessoa jurídica .......................................... 33
1.2.3 Da responsabilidade administrativa da pessoa jurídica e a natureza da
responsabilidade imputada às pessoas jurídicas pela Lei de Improbidade
Administrativa e pela Lei Anticorrupção .............................................................. 39
1.2.4 Da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica prevista na Lei
Anticorrupção ...................................................................................................... 46
1.3 Das diferenças e os pontos de intersecção entre a Lei de Improbidade
Administrativa e a Lei Anticorrupção ...................................................................... 55
1.3.1 Da lei de improbidade administrativa e a imputação de sanções às
pessoas jurídicas ................................................................................................ 56
1.3.2 Da Lei Anticorrupção e os pontos de intersecção com a Lei de Improbidade
Administrativa ..................................................................................................... 60
1.3.3 Da conformação legislativa para atribuição de ilícitos e sanções
administrativas .................................................................................................... 65
1.4 Do postulado da proporcionalidade .................................................................. 68
1.5 Do postulado da razoabilidade ......................................................................... 74
1.6 Dos princípios .............................................................................................. 77
1.7 Do princípio do non bis in idem .................................................................... 87
1.8 Da interpretação e aplicação da Lei de Improbidade Administrativa e Lei
Anticorrupção na imputação de sanções às pessoas jurídicas .............................. 89
CAPÍTULO 2 ACORDO DE LENIÊNCIA ................................................................ 100
2.1 Conceito e natureza jurídica .......................................................................... 100
2.2 Fundamentos e origens do instituto ........................................................... 104
2.3 Acordo de Leniência e o interesse público ................................................. 110
2.3.1 Acordo de leniência, vinculação e discricionariedade .............................. 118
2.4 O acordo de leniência na legislação brasileira ............................................... 130
2.5 Dos requisitos para celebração do acordo de leniência na lei anticorrupção . 134
2.6 Rejeição da proposta ..................................................................................... 142
2.7 Descumprimento ............................................................................................ 149
2.8 Acordo de Leniência na Lei Geral de Licitações ............................................ 152
CAPÍTULO 3 ACORDO DE LENIÊNCIA NA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA .................................................................................................. 159
3.1 Efeitos, extensão e limites do acordo de leniência......................................... 159
3.2 Acordo de leniência na lei de improbidade administrativa ............................. 170
3.2.1 Precedentes de acordos de leniência na lei de improbidade administrativa
.......................................................................................................................... 180
3.3 Legitimados para celebrar e participar do acordo de leniência ...................... 184
3.4 Dos mecanismos de integridade e compliance e a relação com o acordo de
leniência e a função social da empresa: .............................................................. 189
3.5 Dos efeitos do acordo de leniência em relação à prescrição ......................... 199
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 202
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 213
12
INTRODUÇÃO
Em razão da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros, da Convenção Interamericana contra a Corrupção, e da
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, firmadas respectivamente com
a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico – OCDE,
Organização dos Estados Americanos – OEA e Organização das Nações Unidas,
todas ratificadas pelo Estado brasileiro, somada a pressão das manifestações
populares deflagradas em junho de 2013, o Congresso Nacional brasileiro aprovou e
a presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou e promulgou a Lei n.
12.846/2013, que passou a ser chamada de Lei Anticorrupção.
O artigo 16 da Lei n.12.846/2013 inseriu no ordenamento jurídico o instituto
do acordo de leniência como ferramenta disponível ao combate e à repressão da
improbidade da pessoa jurídica.
Todavia, antes mesmo do advento da Lei n. 12.846/2013, a Lei n. 8.429/92,
conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, por força da disposição contida
no seu artigo terceiro, já autorizava a responsabilização e aplicações de sanções a
pessoas jurídicas que induzissem, concorressem ou se beneficiassem de atos de
improbidade administrativa tipificados nos artigos 9, 10 e 11 e que muito se
assemelham, e em alguns casos coincidem, com os atos lesivos previstos no artigo
quinto da Lei n. 12.846/2013.
Além da apontada dupla possibilidade de responsabilização da pessoa
jurídica por um mesmo fato típico, outros questionamentos surgiram com o advento
da Lei n. 12.846/2013.
No presente trabalho, são apontadas três questões que surgiram com a
introdução da Lei Anticorrupção no ordenamento jurídico pátrio, as quais se impõem,
e não há como fugir delas, sendo necessário enfrentá-las, quais sejam: a) a
intersecção entre dispositivos da Lei n. 12.846/2013 e da Lei n. 8.429/92 e seus
efeitos práticos; b) a possibilidade jurídica de se falar em acordo de leniência quando
os objetos do procedimento administrativo de investigação, ou mesmo de ação
judicial, sejam os bens e interesses protegidos pela Lei n. 12.846/2013 e pela Lei n.
13
8.429/92, até então blindados de qualquer possibilidade de acordo em decorrência
do dogma da indisponibilidade do interesse público; c) o efetivo alcance do acordo
de leniência também para o sistema de responsabilização da Lei de Improbidade
Administrativa e a ampliação dos agentes públicos participantes da lavratura do
acordo; d) a possibilidade de celebração do acordo de leniência pelas pessoas
jurídicas no âmbito do sistema de responsabilização da Lei de Improbidade
Administrativa, considerando a vedação expressa contida no parágrafo 1.º do art. 17
da Lei 8.429/92.
Com o fito de buscar uma resposta para esses questionamentos, nos
debruçaremos sobre o estudo do instituto do acordo de leniência, investigando sua
natureza jurídica, requisitos para sua celebração, possibilidade de recusa da
proposta apresentada pela pessoa jurídica, seus efeitos e os reflexos em outros
sistemas de responsabilização, especialmente no sistema da Lei de Improbidade
Administrativa.
Por meio de uma análise crítica e científica do questionamento proposto e
considerando as regras e os princípios que estruturam o regime jurídico
administrativo sancionador, traçaremos os contornos do regime jurídico de aplicação
do instituto do acordo de leniência no combate à corrupção das pessoas jurídicas.
Toda essa linha de estudo será desenvolvida sob a corrente doutrinária
denominada neoconstitucionalismo, a fim de se apurar como se dá a ponderação de
valores jurídicos efetuada pelo agente competente para a celebração do acordo de
leniência.
Nossa exposição será dividida em três capítulos: no primeiro capítulo,
discorreremos sobre o combate à corrupção sob uma perspectiva internacional, e
também nacional, abordando como o Brasil acolheu exigências internacionais por
meio da ratificação de convenções com organizações internacionais, incorporando
novos instrumentos de combate à corrupção ao já existente microssistema desse
combate.
Ainda no primeiro capítulo dissertaremos sobre a patente intersecção entre os
dispositivos da Lei n. 12.846/2013 e da Lei n. 8.429/92, fazendo um estudo analítico
e teórico sobre a teoria da responsabilidade da pessoa jurídica, abarcando o
14
conceito e modo de aplicação dos princípios, os postulados da proporcionalidade e
da razoabilidade, a ponderação de princípios e o procedimento de decisão, o
princípio do non bis in idem e, ainda, a segura interpretação e correta aplicação
desses dois diplomas legais na responsabilização das pessoas jurídicas.
No segundo capítulo, discorreremos sobre o acordo de leniência, suas
origens, natureza jurídica e inserção no direito brasileiro. No mesmo capítulo, será
examinado o conceito de interesse público, o princípio da indisponibilidade do
interesse público e, sob esse viés, será enfrentada a questão que surge quanto à
possibilidade da celebração do acordo de leniência considerando-se o dogma da
indisponibilidade do interesse público. Concluindo o capítulo segundo, discorreremos
sobre a aplicação do instituto do acordo de leniência e seus desdobramentos
teóricos, nos processos administrativos, inquéritos civis e ações judiciais que tenham
por objeto interesses e bens jurídicos protegidos pela Lei n. 12.846/2013.
No terceiro e último capítulo, será examinada a possibilidade de celebração
de acordos de leniência nos procedimentos administrativos, inquéritos civis e ações
judiciais que tenham por objeto os interesses e bens jurídicos protegidos e
albergados pela Lei n. 8.429/92. Ainda no terceiro capítulo, trataremos da vedação
expressa à transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade contida no
parágrafo 1.º do art. 17 da Lei n. 8.429/92, bem como será proposta uma
interpretação corretiva do dispositivo à luz dos princípios contidos na Constituição
Federal. Finalizando o terceiro capítulo, abordaremos a relação existente entre os
mecanismos de integridade e compliance com o acordo de leniência e a função
social da empresa.
Em tempos em que a corrupção na administração pública atinge índices
elevadíssimos, acarretando um grande número de demissões de agentes públicos,
um grande número de empresas e associações sem fins lucrativos, declaradas
inidôneas para contratar ou receber verbas do poder público e, ainda, com a
previsão na Lei Anticorrupção de sanções que podem ensejar a suspensão ou a
interdição parcial da pessoa jurídica e até mesmo a sua dissolução compulsória,
uma análise dogmática jurídica do instituto do acordo de leniência na Lei
Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa, isenta de quaisquer paixões,
além de ser necessária, ganha relevo.
15
Esperamos, ao final deste trabalho, ter contribuído com o aprimoramento
científico quanto à aplicação e alcance do instituto do Acordo de Leniência no
combate à improbidade empresarial à luz da Constituição Federal em vigor.
16
CAPÍTULO 1 COMBATE À CORRUPÇÃO
1. 1 Tratados internacionais de combate à corrupção e a adesão do Estado
Brasileiro
1.1.1 Dos precedentes internacionais
Alguns precedentes internacionais, ocorridos a partir da década de 1970,
ensejaram uma luta, com maior intensidade, contra a corrupção. Os casos
Lockheed e Watergate, nos Estados Unidos da América (EUA), foram as molas
propulsoras e propiciadoras da intensificação, naquele país, com reflexos mundiais,
das medidas punitivas em relação aos atos considerados corruptivos envolvendo a
Administração Pública local e estrangeira1.
Marcio Pestana relata que a Lockheed era uma empresa tradicional norte-
americana, fabricante de aviões que, segundo apurações, no período compreendido
entre 1950 e 1970, corrompia dirigentes de determinados países, como Alemanha,
Itália, Holanda e Japão, com a finalidade de vender suas aeronaves, com isso,
competindo artificialmente com as demais concorrentes fabricantes de aviões e,
consequentemente, incrementando seus lucros2.
Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior mencionam que no
caso Lokheed, no período da Guerra Fria, tinham sido repassados, a título de
propina, mais de 20 milhões de dólares para agentes públicos estrangeiros, em
razão da compra de aeronaves e armamentos3.
O escândalo Watergate levou à renúncia do então presidente norte-americano
Richard Nixon e do subcomitê de Corporações Multinacionais do Senado, presidido
1 PESTANA, Márcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP:
Manole, 2016, p. 4-5; PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 22-25; GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à lei de responsabilidade de pessoas jurídicas (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 17-21. 2 PESTANA, Márcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP:
Manole, 2016, p.4-5. 3 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens,
comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 24.
17
pelo Senador Frank Church, e as investigações que o seguiram permitiram que as
autoridades identificassem redes de corrupções mundiais, tendo a Securities and
Exchange Commission – SEC apurado que centenas de companhias norte-
americanas teriam pago milhões de dólares em suborno para ampliar seus negócios
em todo o mundo4.
Como desdobramento desses acontecimentos, em 1977, no mandato do
presidente Jimmy Carter, foi editado o FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, com a
finalidade de aplicar sanções a pessoas físicas e jurídicas norte-americanas que
praticassem atos considerados de corrupção em território americano ou fora dele5.
Petrelluzzi e Rizek Junior esclarecem que a edição dessa legislação decorreu
do entendimento de que o pagamento de propinas a um agente público é algo que
desvirtua a concorrência e viola as leis do mercado, atingindo os fundamentos do
regime capitalista, não se tratando apenas de questão ética ou postura moral, mas,
sobretudo, de manter o sistema saudável e impedir práticas que turbem o mercado6.
Todavia, segundo os mesmos autores, a edição do FCPA deixou as
empresas norte-americanas em desvantagens em relação às empresas de outros
países no mercado internacional, uma vez que tais países não submetiam suas
empresas à legislação semelhante, como o caso da Grã-Bretanha e França, que
além de não punirem o pagamento de propina e o ato de corromper agente públicos
estrangeiros, autorizavam, legalmente, que despesas de tal natureza fossem
legalmente descontadas dos lucros de suas empresas para fins de pagamentos dos
tributos7.
Por conta dessa situação, no intuito de manter a competitividade no mercado,
por parte de suas empresas, os Estados Unidos passaram a pressionar a
comunidade internacional, em particular os países da Europa Ocidental, para que
4 MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiana; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de
1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 18; PESTANA, Márcio. Lei Anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 6. 5 PESTANA, Márcio. Lei Anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP:
Manole, 2016, p. 6. 6 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei Anticorrupção: origens,
comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 25. 7 Ibid., p. 24.
18
adotassem medidas que punissem suas empresas pela corrupção de agentes
públicos estrangeiros8.
Após muita pressão dos Estados Unidos, em 1997, foi, finalmente,
promulgada a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais9.
1.1.2 Da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais aprovadas pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE
A Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada em
1997, dispõe que os países signatários deverão criminalizar a conduta de corromper
agentes públicos estrangeiros e, no campo da responsabilização das pessoas
jurídicas, impõe, no Artigo 2, que: “cada Parte deverá tomar todas as medidas
necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela
corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios
jurídicos”10.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE é
uma organização internacional, formada pela associação de países membros, cuja
missão é a promoção de políticas que proporcionem a melhoria das condições
econômicas das nações e o bem-estar econômico e social das pessoas11.
As suas origens remontam à aplicação do Plano Marshall, após a Segunda
Guerra Mundial, quando surgiu a Organização para a Cooperação Econômica
8 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei Anticorrupção: origens,
comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 25. 9 Segundo relatam Marco Vinicio Petrelluzzi e Runes Naman Rizek Junior: “A OCDE foi o fórum
escolhido pelos Estados Unidos da América do Norte para convencer a comunidade internacional a adotar a responsabilização de seus nacionais em razão de práticas corruptas praticadas no exterior.” Ibid., p. 25. 10
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiana; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 20. 11
Ibid., p. 19.
19
Europeia, que gerava recursos trazidos por este plano e coordenava os esforços de
reconstrução da Europa12.
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a Convenção da OCDE sobre o
Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais por meio do Decreto Legislativo n.º 125, de 14 de junho
de 2000, e o então vice-presidente da República, Marco Maciel, no exercício da
Presidência da República, promulgou a referida Convenção por meio do Decreto n.º
3.678, de 30 de Novembro de 2000.
Para os fins de nossa abordagem, neste trabalho, importante destacar a
expressão “de acordo com seus princípios jurídicos” assentada no artigo segundo da
Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros
em Transações Comerciais Internacionais, uma vez que cada país signatário deve
buscar atender ao escopo da Convenção, não desprezando, todavia, os princípios
jurídicos presentes e fundantes de seus próprios ordenamentos jurídicos.
Considerando que algumas nações não admitem a responsabilização penal
das pessoas jurídicas, estabeleceu-se, na referida Convenção, que essas seriam
submetidas às sanções compatíveis com os princípios jurídicos adotados por cada
país membro, ficando acordado, ainda, que na hipótese de impossibilidade do
sancionamento penal da pessoa jurídica, cada signatário assegurasse que as
pessoas jurídicas estariam sujeitas a sanções não criminais efetivas, proporcionais e
dissuasivas contra a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive sanções
financeiras13.
Modesto Carvalhosa aponta a Convenção sobre o Combate à Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da
OCDE como o mais importante instrumento no combate internacional à corrupção14.
A Convenção da OCDE ensejou avanços na legislação anticorrupção na
União Europeia e em vários países.
12
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens,
comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 25. 13
Previsão do Artigo 3 da Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Disponível em: ˂http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3678.htm>. Acesso em: 28 jun. 2016. 14
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei 12.846/2013. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 110.
20
Dos diplomas legais editados após a Convenção da OCDE cabe destacar o
UK Bribery Act, do Reino Unido, que entrou em vigor em 1.º de julho de 201115.
Tal diploma foi inovador por tratar como ofensa criminal a “Failure of
commercial organisation stop prevent bribery” que, traduzindo, significa: “O fracasso
de organizações comerciais para evitar o suborno e a corrupção” 16.
Em última análise, a lei britânica criminaliza a inobservância do dever de
cuidado que deve ser inerente às organizações de natureza empresarial.
De outra banda, o UK Bribery Act contempla que, na hipótese de a sociedade
comprovar a presença de procedimentos adequados no sentido de prevenção da
corrupção, os chamados programas de compliance, sua conduta poderá não sofrer
qualquer sanção, o que vem estimulando sobremaneira a adoção, por empresas
com atuação no âmbito da União Europeia, de programas de compliance17.
1.1.3 Da Convenção Interamericana contra a Corrupção aprovada pela
Organização dos Estados Americanos (OEA)
Sob a ótica cronológica, a Convenção Interamericana contra a Corrupção,
firmada na esfera de atuação dos países membros da Organização dos Estados
Americanos (OEA), em 29 de março de 1996, em Caracas, Venezuela, com entrada
em vigor em 7 de março de 1997, foi o primeiro instrumento internacional de
combate à corrupção18.
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou a Convenção Interamericana contra
a Corrupção por meio do Decreto Legislativo n.º 152, de 25 de junho de 2002 e, o
então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, promulgou a referida
Convenção por meio do Decreto n.º 4.410, de 7 de Outubro de 2.002.
15
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 27. 16
Ibid. 17
Ibid. 18
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiana; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 23.
21
No seu Artigo II, assentam-se os propósitos desta convenção, quais sejam:
I. promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e II. promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.19
Em linhas gerais, o texto da Convenção tipifica atos de corrupção, elenca
princípios e prevê a implementação de mecanismos contra práticas corruptas, aí
incluída a assistência recíproca entre os países, a criação de sistemas de compras
governamentais comprometidos com a publicidade, equidade e eficiência e,
inclusive, procedimentos de cooperação para a extradição, sequestro de bens,
dentre outros.
Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Júnior, em estudo
comparativo da Convenção da OEA com a Convenção da OCDE, apontam que a
primeira também impõe a criminalização dos atos de corrupção de funcionários
públicos estrangeiros e engloba um grande elenco de práticas corruptas, sendo o
seu alcance bem mais largo que o da segunda, constituindo-se em importante marco
regional da luta contra a corrupção20.
No âmbito desta Convenção, foi criado um mecanismo de acompanhamento
de sua implantação pelos países que ratificaram o texto intitulado: “Mecanismo de
Acompanhamento da Implantação da Convenção Interamericana contra a Corrupção
(MESICIC)” 21.
19
Disponível em: ˂ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4410.htm>. Acesso em: 29 jun. 2.016. 20 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens,
comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 28. 21
Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/faq_resp.htm>. Acesso em: 15 abr. 2016.
22
1.1.4 Da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção aprovada pela
Organização das Nações Unidas (ONU)
Em 31 de julho de 2003, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou o
texto da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. A Convenção é
composta por 71 artigos, divididos em oito capítulos. Os artigos mais importantes
estão reunidos em quatro capítulos que tratam dos seguintes temas: prevenção,
penalização, recuperação de ativos e cooperação internacional. São esses capítulos
que, segundo Fernanda Marinela, exigem maiores adaptações legislativas e/ou
ações concomitantes à aplicação da Convenção em cada país22.
O Brasil assinou a Convenção em 9 de dezembro de 200323, sendo que o
Congresso Nacional aprovou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção
por meio do Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005 e, o então presidente
da República, Luis Inácio Lula da Silva, promulgou a referida Convenção por meio
do Decreto n.º 5.687, de 30 de janeiro de 2006.
Em termos gerais, é ela dirigida, primeiramente, à prevenção e
sancionamento da corrupção no sentido de desvio funcional de agentes públicos
nacionais e estrangeiros, mas também preconiza medidas de comportamento ético
para empresas, a transparência na Administração, o combate à lavagem de valores,
a incriminação do enriquecimento ilícito, a adoção de medidas contra a obstrução da
Justiça e a possível incriminação do chamado “suborno” de agentes não públicos,
além de outras24.
O artigo 2625 dessa Convenção estabelece que cada Estado Parte deve
adotar medidas de responsabilização das pessoas jurídicas por sua participação em
22
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiana; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 24. 23
A Convenção da ONU contra a Corrupção foi assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003, na cidade de Mérida (México) e, por isso, é também conhecida como a Convenção de Mérida. Em virtude da assinatura desta Convenção, no dia 09 de dezembro comemora-se o Dia Internacional de Luta contra Corrupção em todo o mundo. Disponível em: ˂ http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-onu>. Acesso em: 29 jun. 2016. 24
GRECO FILHO, Vicente; RASSI. João Daniel. O combate à corrupção e comentários à lei de responsabilidade de pessoa jurídica (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 41. 25
“Artigo 26. Responsabilidade das pessoas jurídicas – 1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com seus princípios jurídicos, a fim de estabelecer a
23
delitos de corrupção, sem prejuízo da responsabilidade penal que incumba às
pessoas físicas que tenham cometido os delitos.
Os autores Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior26, bem
como Leopoldo Pagotto27, apontam a Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção como o maior instrumento vinculante internacional de combate à
corrupção de funcionários estrangeiros.
1.1.5 Desdobramentos da adesão do Estado brasileiro aos tratados
internacionais anticorrupção e a edição da Lei 12.846/2013
As convenções internacionais mencionadas acima e já incorporadas no
ordenamento jurídico brasileiro possuem mecanismos de acompanhamento e
avaliação previstos nos seus próprios textos.
Apuramos em nossas pesquisas que o mecanismo de acompanhamento da
Convenção da OCDE tem funcionado de modo presente e com rigor, não permitindo
que se esvaiam no tempo os compromissos firmados.
Em decorrência do artigo 12 da Convenção sobre o Combate à Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da
OCDE, o acompanhamento da implantação da mesma fica a cargo de um grupo de
trabalho que tem a missão de examinar a adequação dos signatários aos termos da
Convenção e, em seguida, elaborar relatórios e recomendações28.
responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 2. Sujeito aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser de índole penal, civil ou administrativa. 3. Tal responsabilidade existirá sem prejuízo à responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometidos os delitos. 4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou não-penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente artigo”. 26
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 28. 27
PAGOTTO, Leopoldo. Esforços globais anticorrupção e seus reflexos no Brasil. In: DEBBIO, Alessandra Del (Coord.) et al. Temas de anticorrupção e compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 21-44. 28 Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho narram que: “[...] em agosto de 2004, o
Grupo de Trabalho sobre Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais (“GT”) fez uma primeira avaliação do ordenamento jurídico interno brasileiro apresentando um relatório acerca da
24
Uma boa parte das recomendações do Grupo de Trabalho sobre Corrupção
nas Transações Comerciais Internacionais (“GT”) foi cumprida.
Diante da pressão exercida pelos mecanismos de acompanhamento dos
compromissos internacionais de combate à corrupção, ratificados pelo Brasil, no
mês de fevereiro do ano de 2010, fora encaminhado à Câmara dos Deputados o
anteprojeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, autuado como projeto de lei sob
o n.º 6.826 de 2010, dispondo sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou
estrangeira dispondo sobre várias providências.
Dentre as justificativas que constavam na EMI – Exposição de Motivos
Interministerial29n.º 00011 2009 – CGU/MJ/AGU, que acompanhou o citado projeto
de lei, destaca-se o apontado objetivo de se suprir lacuna existente no sistema
jurídico pátrio no que se refere à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática
implantação da Convenção da OCDE. Em junho de 2007 fora feita uma segunda avaliação no Brasil quanto à implementação da Convenção através de uma visita in loco em Brasília e São Paulo, que teve como proposta estudar a estrutura existente no Brasil para aplicação das leis e regras que implementam a Convenção e avaliar sua aplicação, além de monitorar o cumprimento das práticas, por parte do Brasil, com relação às Recomendações Revisadas. No relatório feito, nessa segunda avaliação, os examinadores recomendam que o Brasil aumente de forma significativa os esforços para conscientizar as empresas quanto à prevenção do suborno estrangeiro, e em relação à responsabilização de pessoas jurídicas, o Grupo de Trabalho recomenda que o governo brasileiro: (i) tome medidas urgentes para estabelecer a responsabilidade direta de pessoas jurídicas pelo delito de suborno de um funcionário público estrangeiro; (ii) crie sanções que sejam efetivas, proporcionais e dissuasivas, incluindo sanções monetárias e confisco; e (iii) assegure que, em relação ao estabelecimento de jurisdição sobre as pessoas jurídicas, uma ampla interpretação da nacionalidade das pessoas jurídicas seja adotada. Em maio de 2014, representantes da OCDE estiveram no Brasil para uma terceira avaliação, e o relatório final da avaliação, publicado em 29 de outubro de 2014 concluiu que o Brasil evoluiu positivamente, destacando a aprovação da Lei nº. 12.846/2013. Consignam os autores que a vigência dessa Lei pôs fim a mais de 14 anos de não conformidade com o art. 2.º da Convenção. Não obstante esse último relatório tenha concluído que o Brasil evoluíra, o mesmo não deixou de fazer mais recomendações, quais sejam, a priorização na publicação do decreto que regulamenta no âmbito federal a Lei nº. 12.846/2013, estipulando prazo de seis meses para que o Brasil apresente um relatório de autoavaliação sobre a aprovação e o conteúdo dessa regulamentação, a propositura de alteração legislativa para estabelecer como sanção a proibição de contratação com o Poder Público, estipulando de forma expressa como penalidade a declaração de inidoneidade na Lei 12.846/2013, a implementação de medidas efetivas para proteger os denunciantes do setor privado, e a consideração dos programas de compliance em decisões sobre
contratações públicas. MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiana; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 19-23. 29
A exposição de motivos interministerial é utilizada quando o assunto tratado envolve o campo de interesse e atuação de mais de um Ministério, caso em que a exposição de motivos deverá ser assinada por todos os Ministros envolvidos. No projeto de lei em análise, a EMI n.º 00011 2009 – CGU/MJ/AGU foi assinada em 23 de outubro de 2009 pelo Ministro da Controladoria Geral da União, pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado Geral da União que tem status de Ministro. Brasil. MENDES, Gilmar Ferreira; FORSTER JÚNIOR, Nestor José. Manual de redação da presidência. 2. ed. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2002, p. 19.
25
de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial, por atos de corrupção e
fraudes em licitações e contratos administrativos.
Outra justificativa que se destaca na EMI é a alegada ausência de meios
específicos para se atingir o patrimônio das pessoas jurídicas e obter o efetivo
ressarcimento dos prejuízos causados por atos que beneficiam ou interessam, direta
ou indiretamente, à pessoa jurídica.
Destaca-se, ainda, na EMI, como justificativa, o atendimento de
compromissos internacionais de combate à corrupção, assumidos pelo Brasil, ao
ratificar a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção, a Convenção
Interamericana de Combate à Corrupção e a Convenção sobre o Combate da
Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Encontra destaque ainda, como justificativa para o citado projeto de lei, a
introdução da responsabilização administrativa da pessoa jurídica, pelo fato de o
direito penal não oferecer mecanismos efetivos ou céleres para punir sociedades
empresárias.
A responsabilidade administrativa seria um meio mais eficaz e capaz de
proporcionar respostas rápidas à sociedade, punindo-se, de modo mais célere e
efetivo, as pessoas jurídicas que, muitas vezes, são as reais interessadas ou
beneficiadas pelo ato de corrupção.
Em síntese: o projeto de lei que introduziu a lei anticorrupção, inicialmente,
visava inserir a responsabilidade administrativa e civil da pessoa jurídica no
ordenamento jurídico nacional buscando atender aos compromissos internacionais
ratificados pelo Brasil.
O projeto de lei, ao ir para o Senado, sofreu alguns ajustes, dentre estes,
destacou-se a previsão da possibilidade de acordo de leniência com pessoas
jurídicas responsáveis pelas infrações previstas, desde que colaborem efetivamente
com as investigações, e cuja colaboração leve à identificação dos demais envolvidos
e à rápida obtenção de documentos e informações que comprovem o ilícito.
26
O projeto da lei anticorrupção30, após aprovado nas duas casas do Congresso
Nacional, foi sancionado pela presidente e publicado no Diário Oficial da União, em
02 de agosto de 2013, como a Lei n. 12.846 de 01/08/2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos
contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.
Como mencionamos em nosso artigo “Das sanções da lei anticorrupção à luz
da ponderação de interesses”31, além da incontestável influência e pressão
internacional, a Lei Anticorrupção teve como mola propulsora de aceleração de sua
tramitação e aprovação, relativamente rápida, do projeto de lei datado de 2010, no
Congresso Nacional, as manifestações populares desencadeadas pelo Movimento
Passe Livre, em junho de 201332 que, no exercício legítimo das prerrogativas e
liberdades individuais referendadas pelo Estado Democrático de Direito, clamavam
30
Para alguns autores, a denominação mais correta da Lei n. 12.846 de 01/08/2013 seria a de Lei de
Improbidade Empresarial e não Lei Anticorrupção, considerando que busca combater a improbidade das pessoas jurídicas e, ainda, fazendo uma análise comparativa com a Lei de Improbidade Administrativa, consideram tais autores, que os focos das duas são diversos, em que pese tenham como escopo o combate à corrupção, de modo que a nomenclatura mais precisa e específica ao diploma legislativo em comento seria a de Lei de Improbidade Empresarial, pois, está focada na responsabilização das pessoas jurídicas já que a Lei de Improbidade Administrativa concentra o foco na responsabilização de agentes públicos. Em entrevista concedida à revista Veja de 20/08/2014, o jurista Fábio Medina Osório assenta que a citada lei tem como fundamento a busca da probidade no meio empresarial. Disponível em: < http://www.medinaosorio.adv.br/probidade-empresarial/>. Acesso em: 27 abr. 2016. Valter Foleto Santin afirma categoricamente que: “Assim, a melhor denominação para a nova lei seria “Lei de Improbidade Empresarial”, por conter condutas administrativas e civis de preservação da probidade de empresa ou pessoa jurídica de qualquer formato jurídico (art. 1º, parágrafo único) em seu relacionamento com a Administração Pública, semelhante ao sistema para servidor público (Lei 8.429/1992).” SANTIN, Valter Foleto. Atos de corrupção - panorama da lei 12.846/2013 em improbidade empresarial. Revista Consultor Jurídico, 04 de agosto de 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-ago-04/valter-santin-lei-pune-improbidade-empresarial-varios-aspectos>. Acesso em: 27 abr. 2016. 31
SANTOS. Kleber Bispo dos. Das sanções da lei anticorrupção à luz da ponderação de interesses. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. Brasília, v. 19, n. 67, p. 117-131, set./dez. 2015. 32
Adriana Coelho Saraiva relata que em seus nove anos de existência, o Movimento Passe Livre (MPL) não havia atraído tanta atenção como ocorreu a partir das manifestações de junho de 2013. A antropóloga e cientista social assenta que, no mês de junho de 2013, o movimento e as manifestações que eclodiram no país de norte a sul – dois fenômenos distintos, porém, intimamente interligados – passaram a ocupar o centro das atenções de intelectuais, políticos, ativistas, mídia e da sociedade em geral. SARAIVA, Adriana Coelho. Movimento passe livre e Black Blocs: quem são os novos atores que emergiram dos protestos de 2013. In: CATTANI, Antônio David (Org.). # protestos: análise das ciências sociais. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014, p. 41. Miguel Pereira Neto em artigo sobre a Lei Anticorrupção, publicado na Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo assenta que a Lei Anticorrupção foi publicada como resposta do Congresso Nacional aos anseios da população brasileira, que se mobilizou por meio de manifestações pelas ruas de todo o país, em junho de 2013, no mais legítimo exercício das prerrogativas e liberdades individuais referendadas pelo Estado Democrático de Direito, uma vez que dentre os pleitos e clamores populares, um estava em evidência nos milhares de cartazes empunhados: exterminar a corrupção do Brasil. NETO, Miguel Pereira. Lei anticorrupção e ética. Revista do Advogado/AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, São Paulo, v. 34, n. 125, p. 84-88, dez., 2014.
27
nas ruas, dentre outros pleitos, pelo fim da corrupção, demonstrando que a
população não mais toleraria desvios de recursos públicos e sua má utilização, bem
como pleiteavam pela redução da carga tributária, demonstrando um inconformismo
com o pagamento de tributos extorsivos sem ter a devida contraprestação e, ainda,
pelo fim da impunidade dos políticos desonestos.
Não obstante a aprovação da Lei Anticorrupção em 2013, bem como a
existência de outros diplomas legais que visam direta ou indiretamente o combate à
corrupção, o Brasil ocupa a 76ª posição no ranking do índice de percepção de
corrupção, referente ao ano de 2015, produzido pela organização Transparency
International33.
Sob o prisma da constitucionalidade, os tratados internacionais anticorrupção,
ratificados pelo Brasil, e a Lei n. 12.846/2013 encontraram terreno fértil, tendo em
vista que a Constituição Federal de 1988, por meio das disposições expressas nos
artigos 14, § 9.º, 37, § 4.º e 85, V, evidencia claramente a preocupação com a
probidade nos atos que envolvem a Administração Pública. Isso sem contar o
conteúdo implícito que se extrai de todo texto constitucional com forte carga de
princípios contrários à improbidade administrativa e à lesão da coisa pública.
No plano infraconstitucional, a Lei n. 12.846/2013 não é a pioneira em prever
a responsabilização da pessoa jurídica envolvida em atos lesivos à Administração
Pública.
Antes dela, a Lei n. 8.429/92, por força do seu artigo terceiro, já previa a
responsabilização da pessoa jurídica caso esta induzisse ou concorresse para a
prática do ato de improbidade, ou ainda, dele se beneficiasse sob qualquer forma,
direta ou indiretamente.
A nosso ver, as infrações definidas na Lei n. 12.846/2013 têm o mesmo
fundamento constitucional das infrações definidas na Lei n. 8.419/92, qual seja, o
artigo 37, § 4.º da Constituição Federal, que prevê os atos de improbidade
administrativa.
33
Disponível em: <http://www.transparency.org/cpi2015?gclid=COexqsbyvcsCFQEEkQodhjwPbA>.
Acesso em: 13 mar. 2016.
28
Outrossim, a Lei n. 12.846/2013 se somou a outras leis, além da Lei n.
8.429/92, que formam, segundo expressões de Juliano Heinen, um “sistema
nacional de combate à corrupção” ou “sistema legal de defesa da moralidade”34.
Eduardo Cambi35 e Nicolao Dino36 adotam a expressão “microssistema de
combate à corrupção” ou “microssistema anticorrupção”.
Neste trabalho, nos debruçaremos sobre o estudo da Lei n. 12.846/2013 e da
Lei n. 8.429/92, no ponto comum que existe entre as mesmas, qual seja, a
responsabilidade das pessoas jurídicas.
Dessa forma, é importante e até mesmo imprescindível, antes mesmo de dar
prosseguimento à análise crítica e comparativa entre a Lei n. 12.846/2013 e a Lei n.
8.429/92, tratar do tema da responsabilidade das pessoas jurídicas, sobretudo como
aferir a volição e como imputar responsabilidades e sanções a esses entes.
1.2 Da responsabilidade das pessoas jurídicas
1.2.1 Das teorias sobre o fenômeno da existência e vontade da pessoa jurídica
O tema da responsabilidade das pessoas jurídicas, que envolve todos os
sistemas de responsabilização37 em que estas estão inseridas, é de grande
34
Juliano Heinen cita as seguintes leis: Lei n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular); Lei n.º 4.737/65 (Código Eleitoral); Código Penal; Lei n.º 1.079/50 e Decreto- Lei n.º 201, de 1967 (Dispões sobre os crimes de responsabilidade); Lei Complementar n.º 64/90 (Lei de Inelegibilidade); Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa); Lei n.º 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União); Lei n.º 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos); Lei n.º 10.520/2002 (Lei do Pregão); Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa); Lei n.º 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações); Lei n.º 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência); Lei n.º 12.813/2013 (Dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de emprego ou cargo público); Lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas). HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 31-32. 35
CAMBI, Eduardo. Dos atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André. (Org.) et al. Lei Anticorrupção. São Paulo: Almedina, 2014, p. 128. 36
DINO, Nicolao. A colaboração premiada na improbidade administrativa: possibilidade e repercussão
probatória. In: SALGADO, Daniel Resende de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.) et al. A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 457-459. 37
Sobre os sistemas de responsabilização, José Roberto Pimenta Oliveira, em sua tese de
doutorado, sustenta a existência de diversos sistemas, esferas ou instâncias de responsabilidade, dentre eles o sistema de responsabilidade por ilícitos penais, o sistema de responsabilidade por danos, o sistema de responsabilidade por ilícitos eleitorais, o sistema de responsabilidade por infrações disciplinares, o sistema de responsabilidade político-constitucional, o sistema de
29
importância para os estudos de nosso tema e para o direcionamento de nossas
conclusões.
Poucos autores brasileiros se dedicaram ao estudo específico da
responsabilidade administrativa da pessoa jurídica ao discorrerem sobre o direito
administrativo sancionador, dentre eles, podemos citar Rafael Munhoz de Mello,
Regis Fernandes de Oliveira, Heraldo Garcia Vitta e Fábio Medina Osório.
A doutrina do direito penal possui estudos avançados sobre a responsabilidade
da pessoa jurídica que podem contribuir para a doutrina da responsabilidade da
pessoa jurídica no âmbito do direito administrativo sancionador38.
Inicialmente, antes mesmo de se falar em atribuição de responsabilidade, há
que se atentar ao fenômeno da volição dos atos das chamadas pessoas jurídicas.
Para tal mister, convém realizar uma breve digressão sobre as teorias que
tratam do fenômeno da própria existência e vontade da pessoa jurídica, quais sejam,
a da ficção e da realidade39.
Segundo a teoria da ficção, criada por Savigny, as pessoas jurídicas têm
existência fictícia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilégio lícito da
autoridade soberana, sendo, portanto, incapazes de delinquir. A realidade de sua
existência se funda sobre as decisões de certo número de representantes que, em
virtude de uma ficção, são consideradas como suas, e uma representação
semelhante, que exclui a vontade propriamente dita, pode ter efeito em matéria civil,
mas nunca em relação à ordem penal40.
responsabilidade por improbidade administrativa. OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.85-86. 38
No Brasil, Luiz Regis Prado e René Ariel Dotti coordenaram a obra intitulada Responsabilidade
Penal da Pessoa Jurídica, onde reuniram estudos e artigos de inúmeros penalistas sobre o tema. PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, passim. 39
Cf. MENOTTI DE FRANCESCO, G. Persona giuridica. Novíssimo digesto italiano. XXII. Turim: Torinese, 1976.p.1.037 et seq. In: PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.130. 40
Cf. MESTRE, A. Las personas Morales y su responsabilidad penal. Tradução Cesar Camargo y
Marin. Madri: Gongora, s/d, p. 39 apud PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.).
30
Já segundo a teoria da realidade, da personalidade real ou orgânica, que tem
como precursor mais ilustre Otto Gierke, a pessoa moral não é um ser artificial,
criado pelo Estado, mas sim, um ente real (vivo e ativo), independentemente dos
indivíduos que a compõem. Do mesmo modo que uma pessoa física, “atua como
indivíduo, ainda que mediante aos procedimentos diferentes, e pode, por
conseguinte, atuar mal, delinquir e ser punida”, a pessoa coletiva tem uma
personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de agir e de praticar
ilícitos penais41.
Pela mesma teoria, o ente corporativo existe, é uma realidade social e um
sujeito de direitos e deveres e, como consequência, é capaz de dupla
responsabilidade: civil e penal. Essa responsabilidade é pessoal, identificando-se
com a da pessoa natural. As pessoas jurídicas aparecem, pois, como seres
coletivos, dotados de vontade real, que podem se exercitar em diversos sentidos, e
nada impede, em princípio, que ela seja dirigida a fins proibidos, especialmente pela
lei penal42.
Francisco Ferrara assenta posição no sentido de que as pessoas jurídicas são
uma realidade, e não uma ficção43.
Todavia, adverte Ferrara que o conceito de realidade é relativo e variável,
presente nos diversos campos do conhecimento:
Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.130. 41
Cf. MESTRE, A. Las personas Morales y su responsabilidad penal. Trad. Cesar Camargo y Marin.
Madri: Gongora, s/d, p. 39 apud PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.131. Sobre a teoria de Gierke vide também: FERRARA, Francisco. Teoría de las personas jurídicas. Traducción de Eduardo Ovejero y Maury. Granada, Comares, 2006, p.139 et seq.; MICHOUD, Léon. La théorie de la personalité morale: première partie. Paris, Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1924, p.128 et seq. 42
Cf. MESTRE, A. Las personas Morales y su responsabilidad penal. Tradução Cesar Camargo y Marin. Madri: Gongora, s/d, p. 39 apud PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.131. Sobre a teoria de Gierke vide também: FERRARA, Francisco. Teoría de las personas jurídicas. Traducción de Eduardo Ovejero y Maury. Granada, Comares, 2006, p.139 et seq.; MICHOUD, Léon. La théorie de la personalité morale: première partie. Paris, Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1924, p.128 et seq. 43
FERRARA, Francisco. Teoría de las personas jurídicas. Traducción de Eduardo Ovejero y Maury. Gramada, Comares, 2006, p. 139 et seq.
31
[...] Las personas jurídicas son una realidad y no una ficción. Pero el concepto de realidad es relativo y variable en los diversos campos del conocimiento. Si por real se entiende todo lo que es perceptible por los sentidos, ciertamente las personas jurídicas no son reales, pero no son reales tampoco los conceptos de las ciencias abstractas y en particular tampoco es real nuestro mundo jurídico. Pero cuando el concepto de real se amplia a todo lo que existe en nuestro pensamiento, en antítesis con lo que es imaginario y fingido, entonces no queda duda que las personas jurídicas son una realidad. Son reales en el mismo sentido y del mismo modo que son reales las demás formas jurídicas, como es real una obligación, una herencia, un contrato. Realidad ideal jurídica, no realidad corporal sensible44.
Luiz Régis Prado consigna que, na atualidade, prepondera na doutrina, o
entendimento de que as pessoas jurídicas não são mera ficção, mas elas têm
realidade própria, entretanto, totalmente diversa das pessoas físicas ou naturais.45
Para Ricardo Marcondes Martins, a teoria orgânica sepultou a teoria da ficção
e, pois, a teoria da representação, de modo que as pessoas jurídicas não são uma
ficção criada pelo direito, uma vez que ele cria suas próprias realidades. 46
Ricardo Marcondes Martins, ao discorrer sobre a liberdade da pessoa jurídica,
assenta que quem age é a pessoa física, a vontade é dela, mas o agir e a vontade
são imputados ao órgão e, consequentemente, à pessoa jurídica que este integra.47
O autor conclui que a pessoa jurídica privada possui liberdade porque a
liberdade das pessoas físicas que integram seus órgãos é a eles imputada e, por
conseguinte, também a ela imputada48.
Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar dos órgãos estatais, leciona que
quando há órgão a vontade não é deste, mas das pessoas que o compõem, e que
tratam-se de duas realidades que se requerem mutuamente, embora não se
44
FERRARA, Francisco. Teoría de las personas jurídicas. Traducción de Eduardo Ovejero y Maury. Gramada, Comares, 2006, p. 139 et seq. 45
PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.131. 46
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade. São Paulo, Contracorrente, 2015, p. 56. 47
Ibid., p. 57. 48
Ibid., p. 58.
32
confundam, os órgãos, enquanto feixes de competências, e as pessoas que os
compõem49.
A lição sobre a relação orgânica, trazida com clareza solar pelo citado jurista,
mutatis mutandis, é estendível a todas as pessoas jurídicas.
Na prática, a teoria orgânica se exterioriza da seguinte forma: a vontade das
pessoas físicas que compõem o órgão da pessoa jurídica é imputada à própria
pessoa jurídica. Assim, a vontade do diretor, a vontade do presidente é imputada às
pessoas jurídicas que estas pessoas físicas integram50.
No caso em que as deliberações são tomadas coletivamente, por órgãos
colegiados, como conselho administrativo, assembleia geral e outros desta natureza,
a decisão colegiada, que é fruto das diversas vontades individuais, é a vontade que
será imputada à pessoa jurídica.
Também entendemos que a teoria da ficção está sepultada, estando em
vigência a teoria orgânica ou da realidade. A pessoa jurídica é uma realidade
jurídica e, no que tange à vontade e à volição, os atos perpetrados pelas pessoas
físicas, praticados com o objetivo de assegurar a organização, o funcionamento ou
os objetivos da pessoa jurídica, são imputados à própria pessoa jurídica.
49
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Apontamentos sobre a teoria dos órgãos públicos. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 4, n. 16, p. 33-34, abr.-jun., 1971. 50
Cf. MICHOUD, Léon: “La personne morale n’a de volonté et d’intelligence que par lui; ce qu’on
appelle sa volonté, ce n’est pás autre chose que la volonté même de l’organe, volonté produite par Le même processus psychologique et psychologique que si l’organe voulait pour lui-même”. MICHOUD, Léon. La théorie de la personnalité morale: première partie. Paris, Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1924, p. 136. Após expor a teoria de Gierke, Francisco Ferrara a critica duramente: a vontade é um fenômeno humano, concernente exclusivamente ao indivíduo e atribuí-la ao órgão é uma ideia mística ou obscura. In verbis: “En realidad, son siempre los asociados los que quieren u obran, individual y colectivamente, siempre se trata de una pluralidad de voluntades de manifestaciones psíquicas de una colectividad de individuos, pero no de una voluntad única que emane de un ente místico”.
50 FERRARA, Francisco. Teoría de las personas jurídicas. Traducción de
Eduardo Ovejero y Maury. Gramada, Comares, 2006, p. 151.
33
1.2.2 Da responsabilidade penal da pessoa jurídica
Luiz Regis Prado, citando farta doutrina estrangeira, assenta não ser possível
a responsabilização penal da pessoa jurídica, pelo fato da mesma não ter
consciência e vontade, e também, pelo fato de ser incapaz de culpabilidade e de
sanção penal.51
Segundo Prado, no direito brasileiro, o princípio da responsabilidade penal
subjetiva tem agasalho constitucional implícito no art.1.º, III (dignidade humana),
corroborado pelo arts. 4.º, II (prevalência dos direitos humanos); 5.º, caput
(inviolabilidade do direito à liberdade), e no art. 5.º, XLVI (individualização da pena),
da Constituição Federal do Brasil de 198852.
Prado assenta que a pretensão de justificar a imposição de pena à pessoa
jurídica, baseada na dificuldade de se identificar o agente do fato delituoso – muitas
vezes porque não se pode provar a autoria – serve, na verdade, para desconfirmá-
la, revelando sua incongruência. E conclui que enquanto não estiver comprovada a
autoria subjetiva, pelo órgão ou representante da pessoa jurídica (pessoa física),
não há como responsabilizá-la em sede criminal53.
Prado apresenta as características dos sistemas de responsabilidade penal
da pessoa jurídica que, para ele, são os principais: o sistema inglês e o sistema
francês54.
No sistema inglês, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica, e
essa responsabilidade tem como fundamento a teoria da identificação, em que é
indispensável uma ação ou omissão do ser humano para se imputar a prática de um
ato punível e o eventual elemento subjetivo (vontade) à pessoa jurídica. Prado
51
GRACIA MARTÍN, L. La cuestión de la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Actualidad penal. Madrid: Actualidad Editorial 39, 1993, p. 604; WEZEL. H. Derecho Penal alemán. Tradução Juan Bustos Ramíres e Sergio Yáñez Pérez. Santiago: Ed. Jurídica do Chile, 1970, p. 53. In: PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.130-162. 52
PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coords.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013p.134. 53
Ibid., p. 137. 54
Ibid., p. 142.
34
assinala que nessa modalidade de responsabilidade o interesse coletivo aparece em
segundo plano55.
No sistema francês, a responsabilidade penal da pessoa jurídica também é
uma realidade no sistema jurídico e, em obediência ao princípio constitucional da
igualdade, todo ente moral pode ser criminalmente responsabilizado, inclusive
sindicatos, fundações, associações e partidos políticos, sendo que a
responsabilidade penal da pessoa jurídica não exclui a das pessoas físicas quando
autores ou partícipes dos mesmos fatos56.
Segundo a exposição de motivos do Código Penal francês, essencialmente
dois foram os fundamentos invocados para justificar a admissão da responsabilidade
penal da pessoa jurídica: em primeiro lugar, a pretendida necessidade de considerar
apenas a pessoa moral responsável por fatos delituosos não imputáveis às pessoas
físicas, evitando-se uma “presunção de responsabilidade penal”, ou mesmo a
responsabilização efetiva dos dirigentes por infrações que, às vezes, ignoram e, em
segundo lugar, afirma-se que a realidade criminológica mostra que as pessoas
jurídicas dispõem de meios poderosos e podem estar na origem de atentados
graves à saúde pública, ao ambiente, à ordem econômica e social, sendo certo que
sua imunidade surge como algo “chocante” no plano da equidade e legalidade57.
Com arrimo na doutrina penal francesa58, Luiz Regis Prado cita duas
condicionantes legais indispensáveis à existência da responsabilidade penal da
55
PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 143-144. 56
Luiz Régis Prado ressalta que no ordenamento jurídico francês, diferentemente de outros, como,
por exemplo, o alemão, o espanhol, o brasileiro, o princípio da culpabilidade não tem valor constitucional. Por outro lado, o autor relata que a doutrina permanece em grande parte reticente quanto ao seu fundamento jurídico, aplicabilidade e eficácia – sobretudo num sistema que se encontra ancorado no princípio da personalidade das penas, a nível constitucional, em sintonia com o nullum crimen sine culpa. Pontua o autor que para esses últimos aspectos, só o futuro poderá dar uma resposta. Ibid., p. 145-147. 57
PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 146. 58
PRADEL, J. Droit Pénal general. Paris. Cujas, 1995, p. 579; LOMBROIS, C. Droit Pénal general. Paris: Hechette, 1995, p. 72; DESPORTES, F; LE GUEHENEC, F. Responsabilité pénale des personnes morales. Juris-Classeurs, I, 1994, p.14; HIDALGO, R. Entreprise et responsabilité pénale. Paris: L.G.D.J., 1994, p. 39; DELMAS-MARTY, M. Les conditions de fond de mise em jeu de responsabilité pénale. Revue des Sociétés, 1993, p. 303 apud PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel
35
pessoa jurídica no sistema francês: a) a infração criminal deve ser praticada por um
órgão ou representante legal da pessoa jurídica; e b) a infração deve ser praticada
por conta da pessoa jurídica (art. 121-2, al.1, CP francês).
Esclarece que o primeiro caso tem o chamado substractum humanus – órgão
(v.g., diretoria, assembleia geral etc.) ou representante (v.g., presidente diretor,
gerente, prefeito) – da responsabilidade do ente coletivo59.
No segundo caso, há uma atuação no interesse ou em proveito exclusivo da
pessoa jurídica. A expressão pour le compte da pessoa jurídica pode variar
segundo a espécie de infração, podendo significar, ao mesmo tempo, uma
aproximação subjetiva (culpa) e objetiva (o proveito obtido ou procurado)60.
Esclarece o autor que a expressão “por conta da pessoa jurídica” tem sido
entendida em sentido amplo, significando que a infração foi praticada no exercício
de atividades, tendo por objeto assegurar a organização, o funcionamento ou os
objetivos da entidade de personalidade moral61.
Explica o autor que se trata da teoria da responsabilidade penal por ricochete,
de empréstimo, subsequente, ou por procuração, que é explicada através do
mecanismo denominado emprunt de criminalité, feito à pessoa física pela pessoa
jurídica, e que tem como suporte obrigatório a intervenção humana. Esclarece ainda
o autor em outras palavras que: “a responsabilidade penal da pessoa moral está
(Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.148. 59
PRADEL, J. Droit Pénal general. Paris. Cujas, 1995, p. 579; LOMBROIS, C. Droit Pénal general. Paris: Hechette, 1995, p. 72; DESPORTES, F; LE GUEHENEC, F. Responsabilité pénale des personnes morales. Juris-Classeurs, I, 1994, p.14; HIDALGO, R. Entreprise et responsabilité pénale. Paris: L.G.D.J., 1994, p. 39; DELMAS-MARTY, M. Les conditions de fond de mise em jeu de responsabilité pénale. Revue des Sociétés, 1993, p. 303 apud PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coords.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.148. 60
Ibid., p.148. 61
PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.148.
36
condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado por uma
pessoa física”62.
Desse caráter subsequente ou de empréstimo, segundo o autor, resulta
importante consequência: “a infração penal imputada a uma pessoa jurídica será
quase sempre igualmente imputável a uma pessoa física.” A responsabilidade da
primeira pressupõe a da segunda63.
Essa simbiose entre a pessoa física e jurídica, segundo esclarece o autor, é o
que legitima o empréstimo de criminalidade. A pessoa física personifica a jurídica
(órgãos ou representantes), é onipresente, como sua consciência e cérebro64.
Ao abordar a teoria da responsabilidade penal por ricochete, Luiz Regis
Prado menciona, em nota de rodapé que, no direito penal holandês, vigora a teoria
da responsabilidade funcional, de origem jurisprudencial que funciona da seguinte
forma: atribui-se a ação delituosa de uma pessoa física a uma pessoa jurídica
quando a conduta real da primeira corresponda à execução de uma função
determinada pela segunda na empresa. Não se trata de uma qualidade direta da
pessoa jurídica. É preciso constatar-se responsabilidades individuais junto às
pessoas físicas para, em seguida, atribui-las à pessoa jurídica. No que toca ao
elemento subjetivo, o dolo presente na pessoa física, ainda que subalterna, pode ser
imputado à pessoa jurídica para qual ela trabalha65.
René Ariel Dotti assenta que a pretensão de atribuir a imputabilidade penal às
pessoas jurídicas não está em harmonia com a Constituição e que a sede do
problema está na circunstância mais fácil e cômoda de se debitar a causalidade do
evento a um ente coletivo ao invés de se proceder às diligências geralmente
penosas para o estabelecimento das responsabilidades individuais66.
62
PRADO, Luiz Regis. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações. In:
PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.148. 63
Ibid., p.149. 64
Ibid., p.149. 65
Ibid., p.148. 66
DOTTI, Réne Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 168-169.
37
Ariel Dotti cita a posição do jurisconsulto Clovis Beviláqua, quando este último
faz as seguintes ponderações sobre a opinião dos autores que atribuíam a
responsabilidade penal às pessoas morais:
Parece-me inadmissível esta opinião. Um abuso criminoso da administração de uma pessoa jurídica não lhe pode ser imputado. Se for uma fundação, porque repugna à própria natureza das coisas que um patrimônio, embora personificado, possa ser considerado agente de um delito. Se for uma corporação, também não se pode afirmar que delinquiu, porque o crime pressupõe intenção de praticar o mal, intenção que lhe não pode ser atribuída em boa razão, porque ao criminoso faltam sentimentos de probidade e de justiça, o que não é lícito afirmar nem negar das pessoas jurídicas [...]. A responsabilidade civil justifica-se porque o dano causado exige satisfação e, desde que ele foi causado pelo órgão legítimo da pessoa jurídica no exercício de suas funções, é a pessoa jurídica quem deve a satisfação. Mas responsabilidade penal pressupõe alguma coisa mais do que o dano, pressupõe uma atividade criminosa determinada por uma vontade anti-social; e essa alguma coisa mais não se encontra nas pessoas jurídicas67.
Com todo respeito que nutrimos ao jurisconsulto Cloviz Beviláqua,
discordamos da posição assentada, pois, entendemos que a pessoa jurídica pode
ter a vontade antissocial, que se traduz na vontade das pessoas físicas que a
representam e agem e decidem em seu nome.
De outra banda, Guilherme de Souza Nucci não apenas sustenta a
constitucionalidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, como a
ampliação da viabilidade de punição, além da hipótese dos delitos ambientais:
Sob outro aspecto, além de estar consagrada expressamente na Constituição Federal (art. 225, § 3.º) a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, nos crimes ambientais, já possuindo lei de regência (Lei 9.605/98) e aceitação dos Tribunais pátrios para tal revisão, somos da opinião de que a Constituição Federal autoriza, igualmente, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes econômicos-financeiros e contra economia popular, conforme dispõe o art. 173, § 5.º: [...]68.
67
BEVILAQUA, Clovis, Teoria geral do direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1955, p. 131 apud DOTTI, Réne Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica. In: PRADO, Luiz Régis; DOTTI, René Ariel (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 164. 68
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.88.
38
O mesmo autor acrescenta ainda que:
Ora, se a pessoa jurídica tem respondido criminalmente por seus delitos ambientais, recebendo sanções compatíveis com sua natureza, é preciso, formalmente, ampliar a viabilização de punição para o cenário penal, envolvendo os crimes de corrupção, que constituem atos lesivos aos cofres públicos e, consequentemente, à ordem econômica e financeira do País69.
Contudo, Guilherme de Souza Nucci chama a atenção para o fato de que
qualquer ato ilícito tem de ser concretizado por uma pessoa física: “entretanto, acima
de tudo, as condutas corruptas, previstas, por exemplo, no art. 5.º desta Lei,
precisam ser concretizadas por uma pessoa física, ainda que atue em nome da
jurídica, possuindo conteúdo visivelmente penal”70.
Renato Silveira também sustenta a constitucionalidade da responsabilidade
penal da pessoa jurídica e defende a ampliação mais significativa da ideia de
responsabilidade das pessoas jurídicas no Brasil, além da hipótese prevista nos
delitos ambientais, consoante a Lei n. 9.605/9871.
Não vemos óbice na responsabilização penal da pessoa jurídica, acolhendo a
posição de Guilherme de Souza Nucci e Renato Silveira, desde que prevista em lei,
e que os ilícitos perpetrados pelas pessoas físicas sejam praticados com o objetivo
de assegurar a organização, o funcionamento ou os objetivos da pessoa jurídica,
devendo, ainda, ser apurado o elemento subjetivo (dolo ou culpa) dessas pessoas
físicas que praticam os atos de volição que serão atribuídos à pessoa jurídica, bem
como aferida a culpabilidade (no sentido de juízo de reprovação) da pessoa jurídica.
Consideramos imprescindível a aplicação da teoria orgânica, não apenas
quanto ao tema da responsabilização penal da pessoa jurídica, mas também no que
concerne à responsabilidade administrativa da pessoa jurídica.
69
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 88. 70
Ibid., p.88-89. 71
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A ideia penal sobre a corrupção no Brasil: da seletividade pretérita à expansão de horizontes atuais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Ed. RT, v. 89, p. 424, mar./abr., 2011.
39
1.2.3 Da responsabilidade administrativa da pessoa jurídica e a natureza da
responsabilidade imputada às pessoas jurídicas pela Lei de Improbidade
Administrativa e pela Lei Anticorrupção
A responsabilidade da pessoa jurídica, no âmbito administrativo, já foi objeto
de estudo dos juristas brasileiros, Régis Fernandes de Oliveira72, Heraldo Garcia
Vitta73 e Fábio Medina Osório74, que sustentaram a sua possibilidade.
Fábio Medina Osório, ao discorrer sobre a responsabilidade administrativa da
pessoa jurídica, faz uma comparação entre esta esfera de responsabilização e a
esfera da responsabilidade penal da pessoa jurídica, concluindo que as duas são
cabíveis no sistema jurídico brasileiro a depender da opção e conformação
legislativa. Todavia, a resposta punitiva mais direta e óbvia se dá pelo Direito
Administrativo Sancionador por dispor de instrumentos mais eficazes e não estar
atrelado ao conteúdo ressocializante do direito penal75.
Medina Osório sustenta que no plano do Direito Administrativo Sancionador, a
culpabilidade da pessoa jurídica remete à evitabilidade do fato e aos deveres de
cuidados objetivos que se apresentam encadeados na relação causal76.
Esclarece o autor que se há obrigações de a pessoa jurídica alcançar
determinados resultados ou evitar certos efeitos ou atos, resulta possível sancionar
as omissões ou ações desses preceitos de forma objetiva, desde que tal perspectiva
derive, implícita ou expressamente, da norma aplicável ao caso concreto77.
Rafael Munhoz de Mello assevera que para atribuir responsabilidade
administrativa à pessoa jurídica há de se investigar se a atuação das pessoas físicas
que integram a pessoa jurídica é dolosa ou culposa. Ou seja, para que se configure
72
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 78-79. 73
VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 48-52. 74
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 397- 406. 75 Ibid., p. 398. 76
Ibid., p. 401. 77
Ibid., p. 402.
40
a infração administrativa, a pessoa física que age em nome da pessoa jurídica deve
praticar a conduta ilícita com dolo ou culpa78.
Esse entendimento de Rafael Munhoz de Mello é acertado e, no que tange à
volição, se alinha com a teoria do órgão, com a teoria da responsabilidade penal por
ricochete, bem como com a teoria holandesa da responsabilidade funcional,
assentada na subseção anterior.
Tal linha de pensamento deve ser aplicada para a imputação de
responsabilidade administrativa às pessoas jurídicas pelas supostas práticas dos
ilícitos previstos na Lei n. 8.429/92 e Lei n. 12.846/13.
Todo o avanço e construção obtidos pela doutrina do direito penal sobre a
responsabilidade da pessoa jurídica no âmbito penal, e também, a doutrina brasileira
sobre a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica tem aplicabilidade no
âmbito da responsabilização da pessoa jurídica com base na Lei de Improbidade
Administrativa e na Lei Anticorrupção, devido à identidade ontológica.
Todavia, ao se aproveitar, para a Lei de Improbidade Administrativa e Lei
Anticorrupção, a doutrina alienígena e nacional sobre a responsabilidade penal da
pessoa jurídica e a doutrina nacional sobre a responsabilidade administrativa da
pessoa jurídica faz-se necessário responder as seguintes questões: i) qual a
natureza da responsabilização das pessoas jurídicas previstas na Lei de
Improbidade Administrativa?; ii) qual a natureza da responsabilização das pessoas
jurídicas previstas na Lei Anticorrupção?
Sobre o tema da natureza da responsabilidade do sistema da Lei de
Improbidade Administrativa, assenta Fábio Medina Osório: “o ilícito da improbidade
administrativa, desenhado na Constituição Federal, tem natureza administrativa,
sendo administrativas suas sanções”79.
Já Wallace Paiva Martins Junior sustenta o seguinte sobre o tema: “em
resumo, as sanções não são penais ou administrativas; as matérias reguladas pela
78
MELLO. Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. São
Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 209. 79
OSÓRIO. Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 234.
41
Lei Federal n. 8.429/92 são a responsabilidade civil por ato de improbidade
administrativa [...]” 80.
Maria Silvia Zanella Di Pietro entende que:
[...] a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter consequências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso), e na esfera administrativa (com perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante), caracteriza um ilícito de natureza civil e política81.
José Roberto Pimenta Oliveira sustenta que:
A improbidade administrativa ganha sua autonomia formal no tratamento jurídico singular dispensado pela Constituição, à luz do valor constitucional eleito, aos componentes do sistema punitivo previsto no art. 37, § 4.º, que autoriza nele encontrar um vínculo inquebrantável entre bem jurídico tutelado, ilícito reprimido, sanções cominadas e instrumental processual, necessário à sua efetivação, inadmissíveis a quaisquer outros82.
Sustenta ainda o mesmo autor que:
A improbidade não é uma reunião de diversas instâncias. O fato de gerar conteúdo restritivo de índole civil, política e administrativa não altera esta realidade normativa. É uma instância própria, ou sistema em si, de sancionamento no descumprimento de deveres funcionais83.
Já no que tange à natureza jurídica dos ilícitos e sanções previstos na Lei n.
12.846/2013, o artigo primeiro desse diploma legal prevê a natureza da
responsabilidade como administrativa e civil nos seguintes termos: “Art. 1.º Esta Lei
dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira”.
80
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 199. 81
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 980-981. 82
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 416. 83
Ibid., p. 416.
42
Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi classificam as infrações e sanções
como administrativas regidas pelo Direito Administrativo Sancionador84.
Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior assentam que na Lei
n. 12.846/2013 a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa são
complementares, atingindo a conduta que implica dano por um lado, e afronta a
princípios da administração pública por outro85.
Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves
Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto entendem que a edição da Lei n.
12.846/2013 decorre do poder de polícia estatal86.
Juliano Heinen sustenta a seguinte posição:
A Lei n. 12.846/2013 disciplina típicos ilícitos administrativos, os quais podem ser resumidos como sendo o descumprimento voluntário de uma regra, prevendo-se, para tanto, uma sanção a ser aplicada por determinada autoridade no exercício de função administrativa. Logo a referida legislação não tem natureza penal. E essa afirmação não demanda maior complexidade87.
O mesmo autor, afirmando que o legislador optou por um regime de expiação
administrativa em lugar do direito penal, conclui que os ilícitos previstos na Lei n.
12.846/2013 possuem natureza de direito coletivo lato sensu, na modalidade de
direito difuso, dado o interesse que é tutelado88.
Guilherme de Souza Nucci sustenta que a Lei n. 12.846/2013 tem natureza
penal, e recebeu outra denominação jurídica propositadamente, no intuito de evitar
questionamentos fundamentados nas maiores garantias previstas na
responsabilização penal89.
84
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à lei de responsabilização de pessoas jurídicas (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 103. 85
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 52-53. 86
DAL POZZO. Antonio Araldo Ferraz; DAL POZZO. Augusto Neves; DAL POZZO, Beatriz Neves;
FACCHINATTO, Renan Marcondes. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei n.º 12.846/2013. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 18. 87
HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 36. 88
Ibid., p. 37. 89
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 88-91.
43
Modesto Carvalhosa também entende que a Lei 12.846/2013 tem natureza
penal, denominando o processo de processo penal-administrativo. São estas as
palavras do autor:
A presente Lei tem nítida natureza penal. Com efeito, as condutas ilícitas tipificadas e os seus efeitos delituosos têm substância penal, na medida em que se justapõem na esfera propriamente penal. [...] Assim, a presente Lei somente se distingue da Lei Penal quanto ao processo e não quanto à sua substância. Em consequência, devem rigorosamente ser observadas as garantias penais, como tem sido reconhecido pelo STJ ao tratar dos processos administrativos sancionatórios90.
O mesmo autor, mais adiante, faz uma distinção entre a defesa da ordem-
pública nas relações entre privados, como é o caso das atividades desenvolvidas no
mercado financeiro e de capitais e no mercado de produção e troca de bens e
serviços, e a defesa da moralidade administrativa ou, em outras palavras, a
moralidade do Estado91.
No primeiro caso, Modesto Carvalhosa sustenta que, diante dos atos ilícitos
praticados nesse universo privado, o Estado se vale do processo administrativo
sancionador, tendo como objeto jurídico a coletividade, e não o Estado92.
Na segunda hipótese, Carvalhosa defende que para proteger a ordem
administrativa, no seu aspecto precipuamente moral, a moralidade do próprio
Estado, este se vale do processo penal-administrativo e que a Lei n. 12.846/2013
trata de matéria penal e não administrativa, em que o legislador institui a
competência administrativa para conduzir o devido processo, bem como institui
regras procedimentais administrativas, sendo penal o delito corruptivo praticado pela
pessoa jurídica em concurso com o agente público, submetido ao crivo processual
administrativo93.
Discordamos de Modesto Carvalhosa quando sustenta a natureza penal da
Lei n. 12.846/2013 sob o argumento de proteção da moralidade do Estado, pois não
há qualquer óbice que, por meio de medidas de natureza administrativa ou por meio
90
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 33. 91
Ibid., p. 347-351. 92
Ibid., p. 347-351. 93
Ibid., p. 347-351.
44
de outros sistemas de responsabilização, o legislador busque a proteção da
moralidade, tal como ocorre com a Lei n. 8.429/92 ou como a lei que regula a ação
popular, Lei n. 4.717/65.
Discordamos também de Guilherme Souza Nucci quando sustenta a natureza
penal da Lei 12.846/2016 sob o fundamento de que esse diploma legislativo só teria
recebido outra denominação, (no caso responsabilidade administrativa e civil)
propositadamente, no intuito de evitar questionamentos fundamentados nas maiores
garantias previstas na responsabilização penal.
Sem olvidar da amplitude das garantias presentes no sistema de
responsabilização penal, entendemos que na função sancionatória administrativa,
restritiva de direitos, as garantias dos administrados são equivalentes as da
responsabilização. Desta forma, para o fim de se assegurar menos garantias, não
surtiria qualquer efeito a troca de um sistema de responsabilização pelo outro.
As posições assentadas pelos autores Fábio Medina Osório, Wallace Paiva
Martins Junior, Maria Silvia Zanella Di Pietro, Vicente Greco Filho, João Daniel
Rassi, Marco Vinicio Petreluzzi, Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves
Dal Pozzo, Beatriz Neves Dal Pozzo, Renan Marcondes Facchinatto e Juliano
Heinen não estão equivocadas, contudo, a nosso ver, são parcialmente corretas. Do
nosso ponto de vista, a posição sustentada por José Roberto Pimenta Oliveira,
quando se refere ao sistema de responsabilização por improbidade administrativa
como um sistema próprio, não obstante gere conteúdo restritivo de natureza civil,
política e administrativa, é a mais acertada.
Cabe aqui assentar nosso entendimento: a Lei n. 8.429/92 consiste em um
sistema autônomo de responsabilização da pessoa jurídica em que as sanções e
restrições têm a natureza administrativa, civil e política. No caso da
responsabilização da pessoa jurídica que induza, concorra ou se beneficie da prática
do ato de improbidade administrativa, excluem-se apenas as sanções de natureza
política e perda da função pública94.
94
Sobre a reparação de danos, vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Sanções administrativas no regime diferenciado de contratações públicas. Revista Brasileira de Infraestrutura, Belo Horizonte, RBINF, v. 4, n. 8, p. 50-51, jul./dez., 2015. O autor sustenta que a reparação de danos da mesma forma que pode configurar sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade imposta pela
45
A Lei n. 12.846/2013 também consiste em um sistema autônomo de
responsabilização da pessoa jurídica em que as sanções e restrições têm natureza
administrativa e civil.
Em ambos os sistemas de responsabilização, entendemos que se admite a
responsabilidade da pessoa jurídica, desde que apurada previamente a
responsabilidade das pessoas físicas que a personifica (órgão ou representante
legal da pessoa jurídica), vale dizer, uma responsabilidade que engloba conceitos
assentados na teoria do órgão e também, na teoria funcional holandesa, com as
adaptações necessárias.
Em síntese, os atos lesivos, previstos na Lei Anticorrupção, e também os atos
previstos na Lei de Improbidade, extensíveis à pessoa jurídica, por força do artigo
terceiro, só podem ser imputados à pessoa jurídica quando pessoas físicas
executem os atos tipificados nestes diplomas legais no exercício de atividades,
tendo por objeto assegurar a organização, o funcionamento ou os objetivos da
pessoa jurídica.
Impõe-se que sejam constatadas as ações dessas pessoas físicas para, em
seguida, atribuir a imputação à pessoa jurídica. Trata-se de um liame, um nexo
necessário entre a pessoa física e a pessoa jurídica, sem o qual não se poder
imputar a responsabilidade à pessoa jurídica.
Esclarecemos que esse nexo entre a ação da pessoa física e a pessoa
jurídica não se confunde com o nexo de causalidade, que é exigido entre o ilícito da
pessoa jurídica e o resultado danoso para que se possa aplicar a sanção.
O nexo e liame de que estamos tratando é aferido em momento anterior ao da
aplicação da sanção, vale dizer, no momento de detecção do elemento volitivo da
pessoa jurídica que permita a imputação de responsabilidade à mesma.
Insistimos que para a imputação de ilícito à pessoa jurídica, exige-se a
comprovação de que o ilícito administrativo, cometido pela pessoa física, traga
jurisdição penal pode configurar sanção administrativa imposta pela autoridade administrativa. Nesse ponto divergimos deste autor, pois, a nosso ver, a reparação de danos configura o restabelecimento do status quo ante e tem como fundamento a vedação ao enriquecimento ilícito.
46
proveitos à pessoa jurídica ou tenha sido praticado no exercício de atividades, tendo
por objeto assegurar a organização, o funcionamento ou os objetivos da mesma.
No que tange ao elemento subjetivo, o dolo presente na conduta da pessoa
física pode ser imputado à pessoa jurídica para a qual ela trabalha, representa ou
age, em seu nome e pelos interesses.
1.2.4 Da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica prevista na Lei
Anticorrupção
A Lei n. 12.846/2013 prevê a possibilidade de responsabilização objetiva da
pessoa jurídica pelos atos lesivos e ilícitos nela tipificados, independentemente da
responsabilização individual das pessoas dos dirigentes ou administradores das
mesmas, ou ainda, de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato
ilícito.
Quanto à responsabilização dos dirigentes e administradores da pessoa
jurídica, a referida lei prevê que estes serão responsabilizados por atos ilícitos na
medida da sua culpabilidade.
Ao tratar do tema, Pedro Estevam Alves Pinto Serrano afasta a
responsabilidade objetiva prevista na Lei n. 12.846/2013 e consigna que as pessoas
no ambiente privado só podem ser condenadas por reparação de ilicitudes
ocasionadas por culpa ou dolo95.
Serrano esclarece que, a partir do momento em que se retira a necessidade
de aferição da culpa, esvazia-se a ideia de due processo of law, uma vez que a
defesa da pessoa jurídica resta limitada a provar a ausência de nexo de
causalidade. Para o autor, a análise da responsabilidade objetiva, à luz do due
processo of law é relevante, uma vez que a empresa, como ente coletivo, é formada
por diversas pessoas, entre as quais se encontram aquelas alheias à prática do
95
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. A responsabilidade objetiva da lei anticorrupção. Revista
do Advogado/AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, São Paulo, v. 34, n. 125, p. 111, dez.2014. O jurista conclui ser inconstitucional o art. 2.º da Lei n. 12.846/2013 por entender que o mesmo desrespeita o princípio constitucional do due process of law (art. 5.º, inciso LIV, da Constituição da República – CR) e da isonomia (art. 5.º, caput, da CR).
47
ilícito e que, portanto, não lhe poderiam ter penas atribuídas em decorrência da
responsabilização objetiva da empresa por um ato de seus funcionários, o que
também ofenderia o princípio da isonomia em seu aspecto formal96.
Guilherme de Souza Nucci, ao se manifestar sobre o tema, assenta
contundente posição contrária à responsabilidade objetiva da Lei n. 12.846/2013,
com a assertiva de que o Estado simplesmente empurra sua obrigação de controlar
a corrupção para as pessoas jurídicas de direito privado, assumindo o papel
(facílimo) de fiscalizador da conduta alheia e distribuidor de punição97.
Ana Cláudia de Paula Albuquerque, que também assenta posição contrária à
responsabilidade objetiva, nos moldes propostos pela Lei n. 12.846/2013, sustenta
que o termo objetivo conferido à responsabilização administrativa da empresa deve
ser entendido como a exigência de critérios objetivos na definição da culpabilidade
da pessoa jurídica, aplicando-se a teoria do defeito por organização98.
Fábio Medina Osório assenta, como perfeitamente admissível, a previsão de
responsabilidade objetiva quanto ao efeito da fixação de responsabilidades
patrimoniais, como ressarcimento do dano moral ou material, ressarcimento ao
erário ou multas contratuais, até mesmo por utilização dos critérios da culpa in
vigilando ou culpa in eligendo, mas adverte que nem sempre a responsabilidade da
pessoa jurídica será objetiva99.
96
SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. A responsabilidade objetiva da lei anticorrupção. Revista do Advogado/AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, São Paulo, v. 34, n. 125, p. 112, dez., 2014. 97
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 106. 98 ALBUQUERQUE, Ana Cláudia de. Aspectos da Responsabilização administrativa da pessoa
jurídica na lei 12.846/13. Dissertação. 2015. 189 p. (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2015, p. 106-123. Elucida a autora que a interpretação conforme a Constituição se mostra adequada para revelar o conteúdo jurídico do termo responsabilidade objetiva administrativa, que seja apto a resguardar as garantias constitucionais fundamentais dos acusados diante do poder punitivo estatal. Aduz, ainda, que é necessário moldar um conceito de responsabilidade objetiva administrativa da pessoa jurídica que englobe a análise do elemento subjetivo da ação, sem que a definição venha a deixar impunes as pessoas jurídicas enfraquecendo a proteção do bem jurídico tutelado. 99
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 404. O autor discorre sobre uma culpabilidade diferenciada à pessoa jurídica em relação à pessoa física e pontua que os critérios de culpa in vigilando ou culpa in eligendo podem ser utilizados, ademais, na fixação de responsabilidades das pessoas jurídicas. Não obstante essa assertiva, o autor assenta também que tais ponderações não afastam a exigência de culpabilidade nas relações tipicamente punitivas.
48
O mesmo autor, ao se referir especificamente à responsabilidade objetiva da
pessoa jurídica, prevista na Lei n. 12.846/2013, sustenta que essa previsão não
inibe a possibilidade de excludentes, posto que a terminologia utilizada pressupõe
nexo causal entre conduta (omissiva ou comissiva da pessoa jurídica) e resultado
lesivo. O autor assenta que a previsão dos mecanismos internos de compliance
pode produzir a ruptura do nexo de causalidade, nos termos do art. 7.º da citada
lei100.
Em outro trabalho, Fabio Medina Osório se manifesta contrário à
responsabilidade objetiva, prevista na Lei Anticorrupção, advertindo que a Lei n.
12.846/2013 ostenta natureza punitiva e deve submeter-se ao regime jurídico do
Direito Administrativo Sancionador e que, neste sentido, não seria cabível falar em
responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas para fins de imposição de
penalidades administrativas, cabendo ao acusador o ônus da prova, que não pode
ser invertido101.
Medina Osório sustenta que, no plano do Direito Administrativo Sancionador,
a culpabilidade, no sentido de princípio da culpabilidade, é uma exigência genérica
de caráter constitucional e, que a culpabilidade da pessoa jurídica remete à
evitabilidade do fato e aos deveres de cuidados objetivos que se apresentam
encadeados na relação causal, diferenciando-se, assim, da culpabilidade da pessoa
física102.
Já nos posicionamos em outra oportunidade e mantemos a posição no
sentido de que a exceção do ressarcimento dos danos ao erário público, a
responsabilidade objetiva é incompatível com o sistema de responsabilização da Lei
n. 12.846/2013103.
100
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 406. 101
OSÓRIO, Fábio Medina. Probidade empresarial - lei anticorrupção dá margem a conceitos perigosos. Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-set-20/lei-anticorrupcao-observar-regime-direito-administrativo-sancionador>. Acesso em: 28 abr. 2016. 102
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 401-402. 103
SANTOS. Kleber Bispo dos. Das sanções da lei anticorrupção à luz da ponderação de interesses. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Brasília, Centro de Estudos Judiciários, v. 19, n. 67, p. 118, set./dez. 2015.
49
A expressão “responsabilidade objetiva”, prevista na Lei n. 12.846/2013, não
guarda identidade com a responsabilidade, independente de dolo ou culpa imputada
às pessoas jurídicas de direito público, por força do artigo 37, § 6.º da Constituição
Federal e que independe do ato ser lícito ou ilícito.
Na responsabilidade objetiva do Estado, prevista no artigo 37, § 6.º da
Constituição Federal, protege-se a coletividade, os usuários do serviço público por
conta da atividade da Administração Pública e, em observância ao princípio da
igualdade, toda a coletividade arca com os riscos da atividade estatal, uma vez que
tal atividade produz benefícios para a sociedade como um todo.
Na responsabilidade objetiva, prevista na Lei Anticorrupção, quase que em
uma inversão, a Administração pública nacional ou estrangeira figura como
protegida pelos atos lesivos praticados pela pessoa jurídica, proteção esta que, em
ultima análise, é da própria coletividade.
Em que pesem estas duas modalidades de responsabilidade objetiva se
diferenciem, em ambas, se prevê a reparação pelos danos, ponto comum entre as
mesmas, e como já assentamos (supra, 1.2.4), não temos objeção na
responsabilização objetiva no que tange à reparação dos danos, uma vez que a
teoria do risco criado já está consolidada no direito brasileiro, estampada no art. 927
do Código Civil e também no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao prever a
responsabilidade do fornecedor.
O que fundamenta a divergência que temos em relação à responsabilidade
objetiva, prevista na Lei n. 12.846/2016, consiste no fato de que esta lei é um
instrumento do direito administrativo sancionador em que o legislador tipificou atos
lesivos à Administração pública nacional e estrangeira, estabelecendo severas
sanções às pessoas jurídicas que neles incidirem, não nos parecendo haver lugar
para responsabilidade objetiva nesse campo.
Excetuada a reparação de danos, a imposição das sanções, previstas na Lei
Anticorrupção, exige a constatação de algum nexo volitivo ou de descuido por parte
da pessoa jurídica para só então justificar uma repreensão.
Não obstante o nexo que deve existir entre a conduta da pessoa física e a
pessoa jurídica a demonstrar que a conduta praticada trouxe proveitos ou fora
50
praticada para assegurar a organização, o funcionamento ou os objetivos da pessoa
jurídica, não basta a presença deste elemento para possibilitar a aplicação das
sanções previstas na Lei Anticorrupção
Como a Lei n. 12.846/2013 é instrumento do direito administrativo
sancionador e sujeito aos seus contornos, impõe-se a análise do elemento subjetivo
(dolo ou culpa) e também a aferição da culpabilidade (no sentido de juízo de
reprovabilidade) da pessoa jurídica.
É importante assentar que os conceitos jurídicos de culpa e culpabilidade não
se confundem.
Segundo Luiz Flávio Gomes, culpa é uma forma de conduta humana e
pertence ao fato típico que se caracteriza pela inobservância do cuidado objetivo
necessário e, por sua vez, culpabilidade é o juízo de reprovação (de censura) que
recai sobre o agente do fato (porque podia se motivar de acordo com a norma penal
e agir de modo diverso, de acordo com o Direito), e conta com três requisitos: i)
imputabilidade; ii) real ou potencial consciência da ilicitude e iii) exigibilidade de
conduta diversa104.
Segundo o mesmo autor, a culpabilidade pressupõe: i) capacidade prática de
se dominar e de dirigir seus impulsos psíquicos; ii) capacidade de se motivar por
valores; iii) liberdade de agir conforme o Direito105.
A culpabilidade tem como objeto de análise o agente do fato típico e do fato
antijurídico, por meio dela é possível aferir se o agente era imputável, se possuía
consciência da ilicitude (ainda que só potencial) e se era exigível que ele se
comportasse conforme o Direito (no caso, o direito penal)106.
Luiz Flávio Gomes assevera que a culpabilidade não pertence ao conceito de
crime, mas cumpre a função dogmática de um dos fundamentos da pena e, portanto,
consiste na ligação entre a teoria do delito (crime) e a teoria da pena, ou seja, a
culpabilidade é fundamento para aplicação de pena ao agente, é o elo entre o fato
104
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120). Salvador: JusPodivm, 2015, p. 423. 105
Ibid., p. 427. 106
Ibid., p. 427.
51
criminoso e a pena. Sua função topográfica, segundo o autor, é a de fazer o elo
entre o crime e a pena107.
A culpa e o dolo são requisitos subjetivos do tipo, elementos da
responsabilidade subjetiva e devem ser aferidos no âmbito do direito administrativo
sancionador.
Conforme os conceitos assentados no artigo 18 do Código Penal, e que têm
aplicabilidade no Direito Administrativo Sancionador, mutatis mutandis, o ilícito
administrativo é doloso quando o agente quis o resultado e assumiu o risco de
produzi-lo e, de outra banda, o ilícito administrativo é culposo quando o agente deu
causa ao resultado por imprudência, negligência e imperícia108.
Voltando-se novamente à Lei n. 12.846/2013, entendemos que a exceção da
conduta de impedir ou perturbar a realização de qualquer ato de procedimento
licitatório público, modalidade que pode ser culposa, todos os atos abusivos e ilícitos
tipificados no art. 5.º da Lei n. 12.846/2013 são condutas dolosas e impossíveis de
concretização por culpa em todas as suas modalidades.
Os atos abusivos ali tipificados são atos planejados, arquitetados e envoltos
por má-fé e desonestidades das pessoas que o praticarem. Em outras palavras, não
são atos que acontecem acidentalmente.
Nessa esteira, adotando-se, quanto à volição, a teoria orgânica, bastaria que
fosse comprovado que as pessoas físicas, que de alguma forma representem ou
atuem em nome da pessoa jurídica, incidissem na prática de quaisquer dos atos
lesivos, assentados no artigo 5.º da Lei n. 12.846/2013, bem como o dano e o nexo
de causalidade entre a conduta imputada à pessoa jurídica e o dano para que a
pessoa jurídica fosse automaticamente submetida às sanções previstas nessa lei.
Todavia, por se tratar do regime do Direito Administrativo Sancionador, não
basta apenas a análise do elemento subjetivo e a comprovação do nexo de
causalidade entre o dano e a conduta da pessoa física, imputada à pessoa jurídica,
107
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Curso de direito penal: parte geral (art. 1º a 120). Salvador: JusPodivm, 2015, p. 72 e 251.
52
para decretar as sanções previstas na Lei Anticorrupção a estas, impondo-se ainda,
a aferição da culpabilidade da pessoa jurídica.
Ocorre que a culpabilidade da pessoa jurídica não tem os mesmos contornos
da culpabilidade da pessoa física. A culpabilidade da pessoa jurídica, no
ordenamento jurídico pátrio, encontra-se em construção doutrinária.
Sobre a culpabilidade da pessoa jurídica assentou Fabio Medina Osório:
No plano do Direito Administrativo Sancionador, pode-se dizer que a culpabilidade é uma exigência genérica, de caráter constitucional, que limita o Estado na imposição de sanções a pessoas físicas. Não se trata de exigência que alcance também as pessoas jurídicas, com o mesmo alcance. Pode-se sinalizar que a culpabilidade das pessoas jurídicas remete à evitabilidade do fato e aos deveres objetivos que se apresentam encadeados da relação causal. É por aí que passa a culpabilidade109.
E continua o autor:
Poder-se-ia dizer, quem sabe, como ponderamos anteriormente, que haveria uma “culpabilidade” distinta para as pessoas jurídicas. Pensamos que o mais correto seria dizer que as decisões das pessoas jurídicas podem se valoradas à luz de critérios objetivos próprios da análise das condutas culposas: atuou razoavelmente a pessoa jurídica, observando todos os deveres objetivos de cuidado? Tal indagação poderia expressar, no fundo, uma exigência de mínima culpabilidade. Trata-se, ademais, de problema que pode ser resolvido, porque não exigiria uma valoração de um ato humano, mas sim de um ato juridicamente praticado e constituído. Será que tal exigência decorre do princípio da culpabilidade? Haverá, invariavelmente, essa exigência, ou será possível uma responsabilidade objetiva ou por risco inerente à atividade da pessoa jurídica? Cremos que, em regra, é exigível que o comportamento da pessoa jurídica seja valorado pelo direito e pelos intérpretes. Parece-nos razoável supor que um ato, ainda que praticado por pessoa jurídica, submeta-se a pautas valorativas. Em tese, a responsabilidade objetiva há de ser excepcional, mesmo fora do campo punitivo. [...] Se há obrigações de a pessoa jurídica alcançar determinados resultados ou evitar certos efeitos ou atos, resulta possível sancionar as omissões ou ações violadoras desses preceitos de forma objetiva, desde que tal perspectiva derive, implícita ou expressamente, da norma aplicável ao caso concreto110.
109
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 401-402.
53
André Amaral Aguiar, ao tratar sobre a responsabilidade objetiva na Lei
Anticorrupção, resolve a lacuna da culpabilidade da pessoa jurídica com a adoção
da teoria da culpabilidade por defeito de organização, segundo a qual as pessoas
jurídicas têm o dever de se organizar corretamente, podendo ser especificamente
responsabilizadas na medida em que deixem de empregar meios de controle
capazes de garantir que sua atividade seja desenvolvida de maneira lícita. Segundo
o autor:
[...] a interpretação sistemática da Lei Anticorrupção permite interpretar esta responsabilidade objetiva à luz da teoria da culpabilidade por defeito de organização, cunhando uma culpabilidade própria da pessoa jurídica, desvinculada dos elementos dolo e culpa, gerando uma responsabilidade objetiva, vez que dissociada destes elementos psicológicos, a qual é compatível com o princípio da culpabilidade e se vincula a elementos normativos consistentes na implantação e efetivo emprego de mecanismos de “compliance” adequados a cada pessoa jurídica111.
Ana Cláudia de Paula Albuquerque assume igual posição, no sentido de que
a responsabilidade objetiva, prevista na Lei n. 12.846/2013, se caracteriza em razão
dos elementos a serem considerados para a determinação do dolo ou a culpa do
agente não se basearem em critérios subjetivos, mas objetivos. De acordo com a
autora:
Ficou assentado que a responsabilidade objetiva referida na nova norma não deve ser entendida como a desnecessidade de se perquirir sobre o dolo ou culpa da pessoa jurídica, no cometimento dos atos infracionais, respeitando-se o princípio da culpabilidade. Caracteriza-se a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica como objetiva, em razão dos elementos a serem considerados para a determinação de o dolo ou a culpa do agente não se basearem em critérios subjetivos, mas objetivos112.
Concordamos, em parte, com os autores André Amaral Aguiar e Ana Cláudia
de Paula Albuquerque, acolhendo a teoria da culpabilidade por defeito de
organização como critério objetivo de aferição da culpabilidade da pessoa jurídica.
111
AGUIAR, André Amaral. Desvendando a responsabilidade objetiva das pessoas jurídica pelas penas previstas na Lei Anticorrupção. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2.ª Região (EMARF), Rio de Janeiro, v. 22, n.1, p. 1-317, maio/out., 2015, p.51. 112
ALBUQUERQUE, Ana Cláudia de. Aspectos da Responsabilização administrativa da pessoa jurídica na lei 12.846/13. Dissertação. 2015. 189 p. (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2015, p. 121.
54
Apenas discordamos quando ambos afastam a teoria do órgão. O fato de a
pessoa ser jurídica não obsta a aferição da culpa ou dolo da pessoa física, que atua
na sua representação, no seu nome e na busca de interesses, elementos da
conduta humana e pertencentes ao fato típico, o que não se confunde com a
aferição da culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena.
Outrossim, é importante destacar que André Amaral Aguiar utiliza tanto a
expressão “princípio da culpabilidade”, no sentido de aferição do elemento subjetivo,
dolo ou culpa, quanto a expressão “culpabilidade” que, como mencionamos nos
parágrafos acima, tem o sentido de juízo de reprovação.
Ana Cláudia de Paula Albuquerque também usa princípio da culpabilidade no
sentido de aferição do elemento subjetivo, dolo ou culpa, e, quando usa a expressão
“elementos a serem considerados para a determinação de o dolo ou a culpa do
agente não se basearem em critérios subjetivos, mas objetivos”, entendemos que se
refere ao que aqui intitulamos como culpabilidade da pessoa jurídica.
Entendemos que a culpa está ligada à conduta do agente que age com
imprudência, negligência ou imperícia e a culpabilidade trata de juízo de
reprovabilidade da conduta, pressuposto de aplicação da pena pelo fato da pessoa
jurídica ser culpável.
A pessoa jurídica é culpável, no sentido de culpabilidade como juízo de
reprovação, quando decide burlar a lei ou quando se estrutura de modo deficiente,
com defeito de organização, na ausência de mecanismos de integridade e/ou
programa de compliance efetivo e funcional, na complacência ou condescendência
com comportamentos suspeitos.
Tal conceito de culpabilidade da pessoa jurídica se aplica tanto na
responsabilização da Lei n. 12.846/2013 como na responsabilização decorrente do
artigo 3.º da Lei n. 8.429/92.
A pessoa jurídica que instala e incorpora políticas de integridade, dedicada à
implementação de programas de prevenção a delitos e à apuração de qualquer ato
suspeito, que demonstre seu compromisso real com ética e com transparência e,
sobretudo, que envida esforços reais em punir atos de corrupção no seio corporativo
pode ser imunizada de sanções decorrentes de atos ilícitos provocados por terceiros
55
e que lhe são imputados, subsistindo tão somente o ônus de reparar os danos, arcar
com os prejuízos e ver sustados ou anulados os benefícios que eventualmente
obteve com o comportamento ilícito do qual não contribuiu.
Nessa hipótese, ora aventada, qualquer sanção com a finalidade de
retribuição ou de prevenção não encontra justificativa pela ausência de
culpabilidade, no sentido de pressuposto de aplicação da pena.
Concluímos que a expressão “responsabilidade objetiva”, prevista no artigo
2.º da Lei n. 12.846/2013, merece interpretação conforme a Constituição em vigor,
admitindo-se a responsabilidade objetiva no que tange à reparação de danos,
todavia, no que tange às demais sanções e deve ser interpretada como
responsabilidade subjetiva da pessoa jurídica, com aferição: i) do elemento subjetivo
baseado na teria orgânica, vale dizer, aferição da conduta das pessoas físicas que
atuam para assegurar a organização, o funcionamento ou os objetivos da pessoa
jurídica; ii) da culpabilidade da pessoa jurídica, baseada na exigência de critérios
objetivos, aplicando-se a teoria do defeito por organização.
1.3 Das diferenças e os pontos de intersecção entre a Lei de Improbidade
Administrativa e a Lei Anticorrupção
Como pontuamos acima, antes mesmo da edição da Lei Anticorrupção, o Brasil
já possuía um amplo leque de leis que tinham por escopo o combate à corrupção e,
para atingir o objetivo de nossos estudos, interessa uma análise comparativa da Lei
n. 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa com a Lei n. 12.846/2013 – Lei
Anticorrupção.
Nas subseções abaixo, faremos uma abordagem da Lei de Improbidade
Administrativa e da Lei Anticorrupção, destacando os pontos de intersecção entre
ambas.
56
1.3.1 Da lei de improbidade administrativa e a imputação de sanções às
pessoas jurídicas
A Lei n. 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, veio
regulamentar e disciplinar disposição contida na Constituição Federal de 1988, que
após prever no caput do art. 37 que a Administração Pública obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,
dispôs no § 4.º do mesmo dispositivo que: “os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função política, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”113.
Pela disposição dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/92, configuram atos de
improbidade administrativa, sujeitos às penalidades previstas no art. 12, os atos dos
agentes públicos que importem enriquecimento ilícito, que causem prejuízos ao
Erário e que atentem contra os princípios da Administração Pública.
As penalidades assentadas nos três incisos do art. 12 da Lei n. 8.429/1992
são: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento
integral do dano; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos;
pagamento de multa civil e, proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, variando somente a
gradação conforme a modalidade de improbidade administrativa.
A responsabilização pela Lei de Improbidade Administrativa exige a
comprovação do elemento subjetivo da conduta (dolo), e ademais disso, como já
defendemos outrora, a configuração de improbidade administrativa exige a presença
de má-fé, desonestidade, deslealdade114.
Nessa mesma esteira, assenta Ricardo Marcondes Martins, ao dispor sobre a
banalização da improbidade: “é de obviedade ululante que só condutas desonestas
113
Cf. JORGE, Flávio Cheim. Os particulares e a improbidade administrativa: um enfoque especial sobre o artigo 3.º da Lei n.º 8.429/1992. In: JORGE, Flávio Cheim et al. Temas de improbidade administrativa. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2010, p. 277. 114
SANTOS, Kleber Bispo dos. Improbidade administrativa e atentado aos princípios da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 139-142.
57
– e a desonestidade pressupõem dolo, má-fé do agente – admitem a qualificação de
ímprobas”.115
A caracterização do ato de improbidade administrativa depende do
envolvimento da Administração Pública direta ou indireta, de um lado, e de pelo
menos um agente público, de outro116.
Ao discorrer sobre os sujeitos do ato de improbidade administrativa, Silvio
Antônio Marques assenta que o erário e outros interesses e direitos materiais
público podem ser violados por agentes públicos e particulares, ou exclusivamente
particulares, mas, no segundo caso, não se configura ato ímprobo. E que, por isso,
se um particular subtrair, sem o auxílio de agente público, um bem material
pertencente ao Estado, cometerá crime de furto, devendo ser investigado pelas
autoridades policiais. Mas que o mesmo fato, em regra, não será objeto de
investigação na esfera administrativa e tampouco representará improbidade
administrativa117.
O mesmo autor esclarece que também não configura ato de improbidade
administrativa quando agentes públicos e particulares violam o patrimônio ou
interesse privado, sem repercussão na órbita administrativa e exemplifica: se um
servidor público subtrair um bem particular, fora do ambiente administrativo,
igualmente comete crime de furto, não se configurando o ato ímprobo118.
Não obstante a Lei de Improbidade Administrativa tenha como foco os atos
atentatórios à Administração Pública direta ou indireta, praticados por agentes
públicos, o seu artigo terceiro prevê que suas disposições são aplicáveis, no que
couber àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a
115
MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 632-653. Segundo este autor, a desonestidade faz parte do núcleo essencial do signo “improbidade”, inscrito no inciso V do art. 15 e no § 4º do art. 37, ambos da CF de 1988 e que a Lei n. 8.429/1992 exige, nesses termos, uma interpretação conforme à Constituição. 116
BUENO, Vera Scarpinella. O art. 37, § 1º, da Constituição Federal, e a Lei de Improbidade Administrativa. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 391; JORGE, Flávio Cheim. Os particulares e a improbidade administrativa: um enfoque especial sobre o artigo 3.º da Lei n.º 8.429/1992. In: JORGE, Flávio Cheim et al. Temas de improbidade administrativa. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2010, p. 277. 117
MARQUES, Silvio Antônio. Improbidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2010, p.41-65. 118
Ibid., p.41-65.
58
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta.
Com supedâneo neste dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa, em
vigor há mais de vinte anos, inúmeras pessoas jurídicas foram inseridas no polo
passivo de ações judiciais ajuizadas na Justiça Federal e Justiças Estaduais,
visando à aplicação das sanções previstas nesta lei, tendo muitas delas sido
condenadas119.
Ou seja, não obstante seja imprescindível a presença de um agente público
para a incidência da Lei de Improbidade Administrativa, o artigo terceiro desse
diploma legal estendeu as sanções nela previstas aos particulares que induzam,
concorram ou se beneficiem do ato de improbidade administrativa, sob qualquer
forma, direta ou indireta.
Todavia, a extensão à pessoa jurídica do ato de improbidade imputado ao
agente público depende necessariamente da identificação da conduta desta pessoa
jurídica, tendo em vista que a individualização de toda e qualquer conduta ímproba
depende não só da indicação de um fato, mas de seu colorido sob a ótica subjetiva
do agente, eis que é exatamente este animus a tônica da improbidade
administrativa120.
Nesse sentido, a doutrina tem interpretado de forma correta afirmando que
não se deve admitir a responsabilidade objetiva, para efeito de condenação por ato
de improbidade121.
119
Em 2007, foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por força da Resolução nº 44, de 20 de novembro de 2007, o Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativo e por ato que implique Inelegibilidade – CNCIAI, que se trata de ferramenta importante no combate à corrupção e na valorização das decisões judiciais dos tribunais brasileiros. O sistema contém informações sobre processos já julgados, que identificam entidades jurídicas ou pessoas físicas que tenham sido condenadas por improbidade, nos termos da Lei nº 8.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Em relatório gerado em 15 de julho de 2016 constam 32.081 condenações nos Tribunais Estaduais e Federais e 24 nos Tribunais Superiores sendo apontados os seguintes registros das condenações: R$ 1.867.992.065,37 em perdas de bens ou valores acrescidos ilicitamente no patrimônio; R$ 112.923.002.413,53 em pagamento de multas; R$ 1.091.404.749.684,33 em ressarcimento integral do dano. O acesso ao CNIA está disponível em: <http://www.cnj.jus.br/improbidade_adm/consultar_requerido.php>. Acesso em: 06 jul. 2016. 120
Cf. JORGE. Flávio Cheim. Os particulares e a improbidade administrativa: um enfoque especial sobre o artigo 3.º da Lei n.º 8.429/1992. In: JORGE, Flávio Cheim et al. Temas de improbidade administrativa. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2010, p. 283. 121
Nesse sentido vide: GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública: o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Malheiros,
59
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça122 já assentou, em inúmeras
oportunidades, o entendimento majoritário no sentido de que a configuração do ato
de improbidade administrativa exige, necessariamente, a presença e prova do
elemento subjetivo, inexistindo a possibilidade da atribuição da responsabilidade
objetiva na esfera da Lei n. 8.429/92, assentando, inclusive, que não é admitida a
responsabilidade objetiva em face do atual sistema brasileiro, principalmente
considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de Improbidade
Administrativa.
Flávio Cheim Jorge aduz que, em se cuidando de ato praticado pelo
particular, a sua responsabilização depende inexoravelmente da comprovação do
dolo ou da má-fé e ainda, sob a ótica do particular, inexistindo conduta e (co)
participação intencional, voluntária, consciente e predeterminada no evento danoso,
afastada está, automaticamente, a sanção por ato de improbidade administrativa123.
Jacintho de Arruda Câmara também defende a necessidade de conduta
dolosa do particular124.
Dessa forma, sintetizamos: é inaceitável condenar-se a pessoa jurídica por
ato de improbidade administrativa sem que a mesma, por meio das pessoas físicas
que atuam em seu nome e proveito, tenham agido com dolo, má-fé ou
desonestidade.
Ademais, deve haver um nexo entre a ação da pessoa física e a pessoa
jurídica, vale dizer, os atos da pessoa física devem trazer proveito à pessoa jurídica
2002, p. 287-288. E ainda: OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 291. 122
Nesse sentido, os seguintes precedentes: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 621.415/MG, Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, em 16/02/2006, DJ de 30.05.2006; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 875.163/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, em 19/05/2009, DJ de 01.07.2009; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 734.984/SP, 1.ª Turma, Rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 16.6.2008; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 658.415/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 604.151/RS, 1.ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 8.6.2006; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 626.034/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 5.6.2006; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 875.425/RJ, 1.ª Turma, Ministra Denise Arruda, DJ de 11.2.2009. 123
JORGE. Flávio Cheim. Os particulares e a improbidade administrativa: um enfoque especial sobre o artigo 3.º da Lei n.º 8.429/1992. In: JORGE, Flávio Cheim et al. Temas de improbidade administrativa. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2010, p. 284. 124
CÂMARA, Jacintho de Arruda. A lei de improbidade administrativa e os contratos Inválidos já executados. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 210-212.
60
ou ser praticados no exercício de atividades que tenham por objeto a organização, o
funcionamento ou os objetivos da mesma.
A aplicação do art. 3.º da Lei n. 8.429/92 pode conduzir a uma sobreposição
de responsabilidades, decorrente da intersecção entre as disposições da Lei de
Improbidade Administrativa e a da Lei Anticorrupção, quando o particular acusado
de envolvimento em ato de improbidade e/ou ato lesivo for uma pessoa jurídica.
1.3.2 Da Lei Anticorrupção e os pontos de intersecção com a Lei de
Improbidade Administrativa
A Lei Anticorrupção, conforme já discorremos, foi introduzida no ordenamento
jurídico como instrumento de responsabilização das pessoas jurídicas por atos
lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira.
Este novo diploma legal prevê a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica
na esfera administrativa e na esfera judicial, incluindo a administração pública
estrangeira e de organizações públicas internacionais, como potenciais vítimas que
passaram a ser tuteladas pela lei.
Existem vários pontos de intersecção entres a Lei Anticorrupção e a Lei de
Improbidade Administrativa, quando em voga a responsabilização da pessoa
jurídica.
Marcelo Certain Toledo e Francisco Otávio de Almeida Prado Filho
vislumbraram esse problema da intersecção entre as duas leis e assentaram que
praticamente todas as infrações previstas na Lei n. 12.846/13 são, também,
tipificadas pela Lei n. 8.429/92125.
125
Na oportunidade em que pese os autores tenham reconhecido a preocupação com a harmonização do sistema expressa no artigo 12 do Decreto nº. 8.420/15, que estipula que “os atos previstos como infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de 2013, serão apurados e julgados conjuntamente”, os mesmos destacam a coincidência de tipificação existente nos dois diplomas legislativos. TOLEDO, Marcelo Certain; FILHO, Francisco Octávio de Almeida Prado. Considerações a respeito do acordo de leniência da lei anticorrupção. Migalhas, 23 de março de 2015. Disponível em:
61
Os autores exemplificam a proximidade entre os tipos previstos como infração
na Lei Anticorrupção e na Lei de Improbidade Administrativa, com a referência que
fazem ao ato de “frustrar a licitude de processo licitatório” (art. 10, VIII, da Lei n.
8.429/92), destacando que se enquadram facilmente nos tipos previstos pelo art. 5º,
IV, “a” e “d”, da Lei n. 12.846/13, que também tratam dos atos de “frustrar ou fraudar
licitação pública”126.
Após esses apontamentos e advertências, os autores alertam para o fato de
que na quase totalidade dos casos, admitida a prática do ilícito para a celebração do
acordo de leniência, a empresa estaria admitindo sua participação em ato de
improbidade administrativa, ficando sujeita às gravíssimas sanções previstas no
artigo 12 da Lei n. 8.429/92127.
Marcelo Certain Toledo e Francisco Otávio de Almeida Prado Filho alertam
ainda que uma vez admitida a participação no ilícito, no acordo de leniência, restaria
ao autor da ação de responsabilização por ato de improbidade apenas a
comprovação do elemento subjetivo da conduta (dolo ou, no caso dos atos
tipificados pelo art. 10 da Lei n. 8.429/92, culpa grave), requisito dispensado pela Lei
n. 12.846/2013, ao prever uma discutível responsabilidade objetiva128.
Compartilhamos a preocupação dos citados juristas e vamos além, no sentido
de que é este o problema, aparentemente intransponível, da superposição entre a
Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade Administrativa que nos conduziram às
pesquisas e reflexões objeto do presente trabalho, sobretudo no que diz respeito à
extensão e alcance do instituto do acordo de leniência como instrumental jurídico de
repressão à corrupção.
O fato é que a coincidência entre a tipificação da Lei Anticorrupção e a da Lei
de Improbidade Administrativa não se limita à questão da frustração da licitude da
licitação. São inúmeros outros pontos de coincidência e intersecção.
Prosseguindo com o nosso cotejo entre as duas leis, assinalamos que o art.
5.º, caput, da Lei n. 12.486/2013 constitui como atos lesivos à Administração
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI217675,4104consideracoes+a+respeito+do+acordo+de+leniencia+da+lei+anticorrupcao>. Acesso em: 27 abr. 2016. 126
Ibid. 127
Ibid. 128
Ibid.
62
Pública, nacional ou estrangeira, aqueles praticados por pessoas jurídicas e que
atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra os princípios da
administração pública ou compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e
arrola nos incisos uma sequência de condutas que define como atos lesivos.
A proteção ao patrimônio público nacional e contra os princípios da
administração pública também são bens jurídicos presentes nos artigos 10 e 11 da
Lei n. 8.429/92, de modo que a conduta da pessoa jurídica que atentar contra o
patrimônio público nacional e contra os princípios da Administração Pública ficará
sujeita à persecução por ambos os sistemas de responsabilização.
A pessoa jurídica somente responderá nos moldes da Lei n. 12.846/2013,
excluída a possibilidade de responder pela Lei n. 8.429/92 nas hipóteses em que o
patrimônio público lesado for estrangeiro ou nas hipóteses em que não houver
agente público envolvido no ato ilícito apurado.
Outra possibilidade de a pessoa jurídica ser enquadrada em ambos os
diplomas legais se dá no cotejo do art. 5.º, inciso I da Lei n. 12.846/13, que tipifica
como ato lesivo a promessa, oferecimento, e a doação direta ou indireta de
vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada, com o
inciso I do artigo 9.º da Lei n. 8.429/92.
O inciso I do artigo 9.º da Lei nº. 8.429/92 prevê como ato de improbidade
administrativa, importando enriquecimento ilícito, o fato de o agente público auferir
qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida decorrente de suas atribuições.
O enriquecimento ilícito a que alude o art. 9º, inciso I, da Lei n. 8.429/92 é
voltado para o agente público. Todavia, quando ele recebe vantagens ilícitas de
pessoas jurídicas de direito privado, estas se inserem no rol do presente dispositivo
legal, por expressa autorização do artigo 3.º da Lei nº. 8.429/92, e passam a
responder também pelas sanções previstas no art. 12.
A pessoa jurídica que oferece, direta ou indiretamente, vantagem indevida ao
agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada, na prática, está enriquecendo
ilicitamente o agente público corrupto. Essa situação é demais conhecida de todos e
está ricamente detalhada no artigo 9.º da Lei n. 8.429/92 e seus incisos. Assim
sendo, o artigo 5º, inciso I, da Lei n. 12.846/13 repete o enriquecimento ilícito de que
63
trata a Lei de Improbidade Administrativa e pode sujeitar a pessoa jurídica a uma
dupla responsabilização.
Demonstramos que tanto a Lei n. 8.429/92, como a Lei n. 12.846/13 se
interseccionam em diversos dispositivos, protegendo um bem jurídico comum nos
atos que importam em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e violação aos
princípios da Administração Pública, gerando grande e preocupante possibilidade de
conflito, capaz de trazer verdadeiras distorções jurídicas se os aplicadores destas
normas não se posicionarem, de modo firme, e comprometidos com a ordem jurídica
e princípios norteadores do Direito Administrativo Sancionador, na ocasião de suas
respectivas atuações.
Em que pesem os inúmeros dispositivos citados nos dois diplomas legislativos
que se sobrepõem, vale frisar, art. 5.º, caput da Lei n. 12.846/2013 com artigos 10 e
11 da Lei n. 8.429/92, art. 5.º, inciso I da Lei n. 12.846/2013 com art. 9º, inciso I, da
Lei n. 8.429/92 e art. 5.º, inciso IV da Lei n. 12.846/2013 com art. 10, inciso VIII da
Lei n. 8.429/92; os pontos de intersecção não se esgotam na tipificação.
Além das coincidências presentes na tipificação, as mesmas também se
vislumbram nas sanções previstas nas leis ora cotejadas.
Na Lei n. 12.846/13, a responsabilização intitulada administrativa prevê duas
sanções (art. 6.º), sendo a primeira a sanção de multa e a segunda a publicação
extraordinária da decisão condenatória.
Já a responsabilização intitulada judicial, que só se dá mediante ação
interposta perante o Poder Judiciário pelas Advocacias Públicas ou órgãos de
representação judicial, ou equivalentes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, e ainda, pelo Ministério Público, visa à aplicação das seguintes
sanções (previstas no art. 19) às pessoas jurídicas infratoras: i) perdimento dos
bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito, direta ou
indiretamente, obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de
boa-fé; ii) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; iii) dissolução
compulsória da pessoa jurídica; iv) proibição de receber incentivos, subsídios,
subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de
64
instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo
mínimo de um e máximo de cinco anos.
Por sua vez, o artigo 12 da Lei n. 8.429/92 prevê as seguintes sanções: i)
perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ii) ressarcimento
integral do dano; iii) perda da função pública; iv) suspensão dos direitos políticos; v)
pagamento de multa civil; e, vi) proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, variando
somente a gradação conforme a modalidade de improbidade administrativa.
Verifica-se que ambas as leis prevêem a sanção de multa diferenciando-se
apenas os parâmetros e base de cálculo.
Observa-se, ainda, que o artigo 19, inciso IV, da Lei n. 12.846/2013 prevê a
sanção de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas
ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco
anos, o que se assemelha, em parte, com a sanção prevista para todas as três
modalidades de improbidade administrativa, variando somente o número de anos
para cada modalidade129, qual seja: proibição de receber benefícios ou incentivos
fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário.
Ademais, todas as três modalidades de sanções previstas na Lei n. 8.429/92
prevêem o ressarcimento integral dos danos, caso os mesmos estejam
configurados.
Do mesmo modo, o parágrafo 3.º do art. 6.º da Lei n. 12.846/2013 dispõe que:
“a aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a
obrigação da reparação integral do dano causado”.
129
Segundo a dicção dos incisos I, II e III do art. 12 da Lei nº. 12.846/2013, para a modalidade de improbidade administrativa do art. 9. º é previsto os efeitos da citada sanção pelo prazo de 10 anos, para a modalidade de improbidade administrativa do art. 10 é previsto os efeitos da sanção pelo prazo de 5 anos, e, para a modalidade de improbidade administrativa do art. 11 é previsto os efeitos da sanção pelo prazo de 3 anos.
65
Diante da patente verificação de que há pontos de intersecção entre o
sistema de responsabilização da Lei n. 8.429/92 e o sistema de responsabilização
da Lei n. 12.846/2013, a questão que se coloca é: pode o legislador no exercício de
sua discricionariedade legislativa atribuir mais de uma sanção administrativa e/ou
civil a uma mesma conduta típica?
A resposta para essa questão será objeto de estudos na subseção seguinte.
1.3.3 Da conformação legislativa para atribuição de ilícitos e sanções
administrativas
A discricionariedade do legislador para concretizar os princípios e comandos
constitucionais é bem mais ampla do que a discricionariedade do administrador.
A margem de discricionariedade do legislador para edição de leis que
atribuam sanções a uma mesma conduta típica já foi objeto de estudo da doutrina
brasileira, sobretudo no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.
Rafael Munhoz de Mello sustenta que não há óbice à atribuição, pela lei
formal, de mais de uma sanção administrativa a uma mesma conduta típica, desde
que as medidas, em conjunto, não se mostrem ofensivas ao princípio da
proporcionalidade130.
Todavia, Munhoz de Mello faz a importante ressalva de que apesar de o
legislador ter a possibilidade de atribuir mais de uma sanção administrativa a uma
mesma conduta, isso não significa que o mesmo tenha poderes ilimitados para criar
sanções administrativas, não podendo, portanto, criar medidas punitivas que se
mostrem excessivas, sob pena de inconstitucionalidade, uma vez que o princípio da
proibição do excesso, corolário do princípio fundamental do Estado de Direito,
aplica-se a todas as manifestações de função estatal, inclusive à função
legislativa131.
130
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 212. 131
Ibid., p. 212.
66
Na mesma esteira, Fabio Medina Osório assevera que é possível ao
legislador escolher as vias mais adequadas, oportunas e idôneas para tutelar
determinados tipos de patologias sociais, esclarecendo, que essa tutela é efetivada
pela perspectiva penal, ou administrativa, ou por ambas e ainda com recursos a
outras modalidades, por se tratar de espaços discricionários legítimos do Poder
Legislativo, desde que respeite os limites das normas constitucionais, dentre as
quais as normas atinentes aos princípios da proporcionalidade e do devido processo
legal (non bis in idem)132.
O mesmo autor frisa que reconhecer a admissibilidade e competência do
legislador, para criar figuras típicas e contemplar sanções, em níveis distintos, para
efeito de tutelar o mesmo bem jurídico, ainda que por vias supostamente
diferenciadas, não vincula o Poder Judiciário ou mesmo as autoridades
administrativas nos casos concretos, onde é possível avaliar especificamente se as
penas ambicionadas pelos órgãos estatais não redundarão, na soma total, em
resposta demasiado agressiva e desproporcional, com ofensa ao devido processo
legal133.
Entendemos da mesma forma que os autores citados, vale dizer, o legislador
de fato detém uma ampla discricionariedade que lhe confere a prerrogativa de
selecionar um mesmo fato como suporte para várias normas jurídicas, cominando-
lhes sanções diferenciadas. Essa prerrogativa decorre de uma soberana escolha
legislativa que está na base dos regimes democráticos fundados na representação
política do povo.
Porém, não se pode radicalizar esse princípio da livre conformação legislativa
dos ilícitos para além de suas fronteiras, como se pudesse sobreviver livre de
limitações.
O âmbito de discricionariedade do legislador, apesar de amplo, sofre
limitações pelos balizamentos constitucionais superiores, vale dizer, o legislador não
pode fazer tábula rasa de determinados núcleos de direitos fundamentais. Por
132
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 140-141. 133
Ibid., p. 209-210.
67
exemplo: o legislador não pode impor penas cruéis, pena de morte, nem tampouco
penas excessivas que desrespeitem ao postulado da proporcionalidade.
O legislador não goza de espaços absolutos, ao condicionar outros Poderes e
Instituições independentes. E ainda que tais órgãos devam ser considerados
integrados no Estado, numa perspectiva solidária de divisão de Poderes, não de
separação, o certo é que o legislador produz a norma no plano abstrato, não sendo
o responsável pela produção da norma no plano fático, uma vez que esta atribuição
é da autoridade prevista na lei como competente e que para aplicação da norma
levará em consideração os princípios e as circunstâncias envolvidas no caso
concreto.
Acerta Fábio Medina Osório quando leciona que as competências do
legislador ficam reduzidas ao campo da produção de dispositivos ou textos,
constitutivos de limites formais e materiais, primariamente estabelecidos aos
operadores jurídicos e, que as instâncias dotadas de competências derradeiras para
a produção das normas, no processo decisório fundamentado e democrático,
balizados pelos textos ou dispositivos postos pelo legislador, são responsáveis,
também, pela interpretação e por sofisticados caminhos de ponderação que
culminam em deliberações comprometidas com os valores do ordenamento
jurídico134.
Isso porque, é a unidade do ordenamento jurídico que pressupõe essa divisão
de competências entre os legisladores e as instâncias produtoras das normas. Esse
contexto já limita, por si só, o que se imagina que seja a liberdade de conformação
legislativa dos ilícitos e das sanções, porquanto a liberdade do legislador encontra
no processo interpretativo seus condicionantes naturais, inclusive a partir da
abertura do sistema constitucional.
Nessas hipóteses de responsabilização da pessoa jurídica, pelo mesmo fato
enquadrado como ilícito e sujeito à responsabilização civil e administrativa, tanto
pela Lei de Improbidade Administrativa como pela Lei Anticorrupção, impõe-se,
obrigatoriamente, uma leitura destes diplomas legais, à luz dos postulados e
princípios que regem o ordenamento jurídico pátrio, visando afastar excessos e
134
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 311.
68
abusos, sobretudo na imposição de sanções às pessoas jurídicas previstas nessas
leis.
Os agentes competentes pela responsabilização da pessoa jurídica incidente
nos ilícitos previstos da Lei de Improbidade Administrativa e Lei Anticorrupção terão
de agir com racionalidade e coerência, lançando mão dos instrumentais normativos
que lhes confere o sistema jurídico, quais sejam, princípios do direito e postulados
normativos sob pena de incorrerem em abusos e excessiva restrição de direitos
fundamentais.
Nas subseções abaixo, melhor explicaremos a função dos princípios e dos
postulados normativos, com ênfase aos postulados normativos da proporcionalidade
e da razoabilidade, no desiderato de nortear a correta interpretação e aplicação dos
diplomas legais cotejados, na persecução estatal das pessoas jurídicas.
Os princípios e postulados normativos devem nortear os agentes
competentes para a aplicação da Lei n.12.846/2013 e da Lei n. 8.429/92, não
apenas na escolha do sistema de responsabilização a ser aplicado, como também
na imputação das sanções e, sobretudo, na celebração do acordo de leniência, foco
dos nossos estudos.
1.4 Do postulado da proporcionalidade
O comumente chamado de princípio da proporcionalidade é um postulado
normativo aplicativo.
Os postulados normativos aplicativos atuam como condições que se aplicam
para solucionar questões que surgem com a aplicação do direito, principalmente
para solucionar conflitos, como os que podem ocorrer quando da responsabilização
das pessoas jurídicas pela violação dos dispositivos assentados na Lei n. 8.429/92 e
na Lei n. 12.846/13135.
Ricardo Marcondes Martins sustenta que a proporcionalidade é um postulado
normativo e que decorre da própria existência no sistema de princípios jurídicos,
135
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 16. ed. São Paulo, Malheiros, 2015, p. 164.
69
pois ela constitui um procedimento de apuração dos princípios jurídicos. O autor
adverte que se a proporcionalidade fosse considerada norma jurídica necessitaria de
positivação e poderia ser revogada136.
Humberto Ávila classifica a proporcionalidade como postulado normativo
aplicativo que funciona como uma estrutura para aplicação de outras normas e se
situa num plano distinto das normas, cuja aplicação se estrutura, razão pela qual
também os denomina de metanormas ou normas de segundo grau137.
Os postulados diferem-se dos princípios, no conceito da terceira fase (infra,
1.6), pois estes últimos são definidos como normas imediatamente finalísticas, já os
primeiros, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso,
estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro lado, não prescrevem
indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação
relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos138.
Ávila aduz, ainda, que os postulados normativos são normas imediatamente
metódicas, que estruturam a interpretação e aplicação dos princípios e regras
136
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 166-167. O autor faz uma abordagem do postulado da proporcionalidade junto com o da razoabilidade e ao classificá-los como postulados normativos esclarece que tratam-se de pressupostos epistemológicos do sistema jurídico que independem de positivação e não podem ser desconsiderados pelo jurista. Esclarece ainda o autor, que os postulados normativos independem de positivação e nem mesmo uma disposição expressa da Constituição Federal podem afastá-los. O autor cita outros exemplos de postulados normativos, quais sejam: unidade da Constituição, justiça, supremacia da Constituição. Consigna o autor que, no Brasil, o conceito de postulados normativos foi inicialmente desenvolvido por Celso Ribeiro Bastos (Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 2. ed., p. 166-167). 137
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 177-181. O autor cita um exemplo bem didático na distinção entre os postulados normativos aplicativos e os princípios: trata-se do caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional lei estadual que determinava a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor por entender que o princípio da livre iniciativa teria sido considerado violado por ter sido restringido de modo desnecessário e desproporcional (STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 855-2-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 1.7.1993, DJU 1.10.1993, p. 20.212). O autor é enfático em afirmar que, nesse caso, não foi a proporcionalidade que foi violada, mas sim o princípio da livre iniciativa, na sua inter-relação horizontal com o princípio da defesa do consumidor. O autor assenta que ao definir-se a proporcionalidade como princípio/regra, confunde-se o objeto de aplicação com o critério de aplicação e usa uma metáfora para melhor explicar: “quem define a proporcionalidade como princípio confunde a balança com os objetos que ela pesa! E, ao fazê-lo, perde-se de vista a diferença entre o que deve ser realizado (princípios/regras) e o que serve de parâmetro para a realização”. Acolhemos a classificação do autor, não especificamente pela nomenclatura que ele adota, mas pela ênfase na distinção que se deve dar para diferentes tipos de exames que competem ao aplicador e intérprete do sistema jurídico. 138
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 177-181.
70
mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações entre elementos com
base em critérios139.
O autor arrola entre os principais postulados normativos: a proporcionalidade,
a razoabilidade e proibição do retrocesso140.
Virgílio Afonso da Silva classifica a proporcionalidade como regra de
aplicação e interpretação dos direitos fundamentais e não como princípio na
classificação de Robert Alexy, vale dizer, mandamentos de otimização. Esclarece o
autor que a proporcionalidade não tem como produzir efeitos em variadas medidas,
já que é aplicável de forma constante, sem variações141.
A maior parte da doutrina enquadra a proporcionalidade na categoria dos
princípios. Todavia, independentemente da classificação e atribuição conferida à
proporcionalidade, o que é importante é a constatação e o reconhecimento de que
sua operacionalidade difere da função dos princípios e regras.
O chamado princípio da proporcionalidade, de fato, não é uma norma jurídica
tal como as regras e princípios, pois, se assim fosse, como regra poderia ser
afastado por outra regra, e como princípio, no conceito da terceira fase (infra, 1.6),
poderia ser afastado pelo princípio que contivesse mais peso na hipótese concreta.
A proporcionalidade é mais do que uma norma, posto que através dela se
aplicam os princípios jurídicos, vale dizer, ela constitui um procedimento de
apuração dos princípios jurídicos.
A proporcionalidade estrutura a aplicação dos princípios, não pode ser
afastada por uma emenda constitucional e é dispensável sua disposição expressa
no texto constitucional.
Por essas razões, acolhemos a classificação da proporcionalidade como
postulado normativo sendo o termo que preferimos utilizar neste trabalho.
139
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 226. 140
Ibid., p. 176. 141
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. RT, São Paulo, v. 91, n. 798, p. 29,
abr. 2002.
71
Os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras.
Primeiro, porque não se situam no mesmo nível: os princípios e as regras são
normas objeto de aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de
outras. Segundo, porque não possuem os mesmos destinatários: os princípios e as
regras são primariamente dirigidos ao Poder Público e aos administrados; os
postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e aplicador do direito.
O postulado da proporcionalidade consiste num procedimento de apuração de
três fases: (i) da adequação, (ii) da necessidade e (iii) da proporcionalidade em
sentido estrito. 142
Cada fase é subsidiária em relação à outra, ou seja, a análise da necessidade
só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da
adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível
se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da
necessidade.
Nessa esteira, a aplicação do postulado da proporcionalidade pode esgotar-
se, em alguns casos, com o simples exame da adequação do ato estatal para a
promoção dos objetivos pretendidos. Em outros casos, pode ser indispensável a
análise de sua necessidade. Por fim, e subsidiariamente, há casos em que impõe-se
a análise da proporcionalidade em sentido estrito.
Na primeira etapa do postulado, verifica-se se a medida visada é adequada
para o fim pretendido, em outras palavras, é apurado se os atos estatais têm aptidão
para atingir o resultado que se pretende143.
Aplicando-se ao objeto de nosso trabalho, o agente competente para
aplicação da Lei Anticorrupção e Lei de Improbidade Administrativa em relação às
pessoas jurídicas, ao exercer sua competência, tem em mira a preservação do erário
público. Ao exercer essa competência, o agente estatal deve agir de modo a atingir
a finalidade. Se o meio utilizado pelo agente competente não for adequado à
concretização do fim pretendido, o ato é considerado inadequado.
142
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 167. 143
Ibid., p. 168.
72
Em alguns casos, os atos da pessoa jurídica não se subsumem ou não
demanda à aplicação da Lei Anticorrupção ou Lei de Improbidade Administrativa,
não se preenchendo a primeira etapa do postulado, como por exemplo: i) quando a
afetação ao bem jurídico protegido é tão remota e mínima que não justifica a
aplicação das sanções previstas nesses diplomas legais, ou quando não estão
presentes os elementos subjetivos e a culpabilidade da pessoa jurídica.
Constatada a adequação do meio, parte-se para a segunda fase do postulado
da proporcionalidade: verifica-se a necessidade do meio. Nessa fase, verifica-se a
existência de meios que sejam alternativos àqueles inicialmente escolhidos pelo
Poder Legislativo ou Poder Executivo, e que possam promover igualmente o fim,
sem restringir na mesma intensidade os direitos fundamentais afetados144.
Se há dois meios adequados para atingir um mesmo fim, deve ser adotado
pelo Estado o que acarrete menor limitação de outros princípios incidentes, ou seja,
o que represente menor sacrifício de interesses privados. Trata-se de um limite
quantitativo imposto ao Estado, que impõe a escolha da medida que assegure a
satisfação do interesse público com o menor prejuízo aos demais interesses
envolvidos.
Se adequada e exigível, passa-se à terceira etapa do postulado da
proporcionalidade em sentido amplo: verifica-se se a medida é proporcional em
sentido estrito. A proporcionalidade em sentido estrito consiste na ponderação dos
princípios incidentes, vale dizer, apura-se o peso dos princípios, decide-se qual será
concretizado e qual o meio da sua realização145.
Na ponderação, vigora a regra de que quanto maior seja o grau de não
satisfação ou afetação de um princípio, maior terá de ser a importância de satisfação
do outro.
O resultado ótimo de um exercício de ponderação não teria de ser a
preponderância esmagadora de um dos princípios, nem sequer no caso concreto,
mas a harmonização de ambos, isto é, a busca de uma solução intermediária.
144
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,
2008, p. 169. 145
Ibid., p. 170.
73
O jurista José Maria Rodrigues Santiago, demonstrando a racionalidade e
método ordenado da ponderação, consigna que a mesma se procede através de
três fases sucessivas146.
Na primeira fase, são identificados os princípios (valores, bens, interesses)
em conflito. É a fase em que se dá a subsunção147.
Nessa primeira etapa, há de se fazer uma investigação e recapitulação dos
interesses potencialmente relevantes e um primeiro juízo dos interesses que se
consideram relevantes para submetê-los à fase seguinte.
Ademais, é nessa fase que se dá a exclusão dos interesses que se
consideram com valor mínimo e não dignos de proteção no caso em que se trata.
Na segunda fase, é atribuído um peso a cada um dos princípios identificados
ou a importância que corresponda em atenção às circunstâncias do caso148.
Esta é a fase, segundo Rodrigues Santiago, que por encontrarem-se os
princípios em colisão, de se formular argumentos sobre o grau de cumprimento de
um princípio e sobre o grau de comprometimento ou prejuízo de seu contrário, para
cada uma das soluções possíveis do conflito149.
O autor adverte que o que são ponderados ou são objetos de ponderação, ou
são os princípios, bens e interesses, protegidos pelas normas do ordenamento
jurídico e que os fatos, as circunstâncias fáticas, só podem ser utilizados para dar
prevalência a um direito ou a um interesse sobre o outro150.
A terceira fase é a etapa de decisão sobre a prevalência de um princípio
sobre os outros151.
Segundo Rodrigues Santiago, essa é a fase em que se dá a decisão de
prevalência, conforme o critério de que quanto maior seja o grau de prejuízo a um
146
Apesar de Rodrigues de Santiago subdividir a ponderação em três fases, ele afirma que elas não são fases estanques ou separadas umas das outras. SANTIAGO, José María Rodrígues de. La ponderación de bienes e intereses en el derecho administrativo. Madrid: Marcial Pons, 2000, p.121-141. 147
Ibid., p.121-130. 148
Ibid., p.130-135. 149
Ibid., p.130-135. 150
SANTIAGO, José María Rodrígues de. La ponderación de bienes e intereses e el derecho administrativo. Madrid: Marcial Pons, 2000, p.130-135. 151
Ibid., p.135-138.
74
dos princípios, maior há de ser a importância de cumprimento do seu contrário. O
autor aduz que da decisão se forma uma regra de prevalência condicionada.
Todavia, deixa consignado que se as circunstâncias forem outras, o peso dos
princípios pode mudar152.
1.5 Do postulado da razoabilidade
Segundo doutrina de Ricardo Marcondes Martins: “razoável é aquilo que a
esmagadora maioria das pessoas considera conforme à razão, decorre do consenso
social”153.
O autor assenta que a razoabilidade fornece importante diretriz ao agente
competente na ponderação, visto que ao apurar o peso de cada princípio, o mesmo
deve visar ao convencimento social e, por isso, deve procurar o peso dado ao
princípio pelo meio social a que a decisão se destina154.
O citado autor sustenta, ainda, que a ponderação deve, como regra, ser
razoável no sentido de aceitável pela coletividade155.
Celso Antônio Bandeira de Mello classifica a razoabilidade como princípio e,
ao discorrer sobre o tema, assenta:
[...] Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício da discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal das pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e
152
Ibid., p.135-138. 153
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 172-173. 154
Ibid., 172-173. 155
Ibid., 172-173.
75
disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada156.
Virgílio Afonso da Silva elucida que a exigência de razoabilidade, baseada no
devido processo legal substancial, traduz-se na exigência de compatibilidade entre o
meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da
legitimidade dos fins157.
Virgílio Afonso da Silva assevera, ainda, que essa configuração da regra da
razoabilidade faz com que fique nítida sua não-identidade com a regra da
proporcionalidade por um simples motivo: “o conceito de razoabilidade, na forma
como exposto, corresponde apenas à primeira das três sub-regras da
proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação”158.
José Roberto Pimenta Oliveira assenta que a aplicação do princípio da
razoabilidade constitui uma exigência procedimentalizada para a correta aplicação
dos princípios e regras informativos do regime jurídico administrativo em que se
depende dos elementos colhidos nas circunstâncias fáticas e jurídicas do problema
de fato, em face da qual permitirá, com a exigência de ponderação instrumental
justificada, identificar qual a solução material a prevalecer na concretização do
direito administrativo159.
José Roberto Pimenta Oliveira, ao esclarecer que a teoria do direito
contemporâneo, reconhece que a categoria dos princípios não é unitária, visto
acolher em seu âmago normas jurídicas com funções diversas no ordenamento
jurídico, na busca do rigor conceitual e terminológico, admite, na forma designada
por Humberto Ávila, a razoabilidade como um postulado normativo nos seguintes
termos:
156
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.111. 157 SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. RT, São Paulo, v. 91, n. 798, p. 33-34, abr.
2002. 158 Ibid., p. 33-34. 159
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 233. José Roberto Pimenta Oliveira assenta que independentemente do sujeito de direito que exerce a atividade administrativa, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são normas a serem servilmente observadas em qualquer manifestação de função administrativa, pois, informam o exercício da competência administrativa, seja vinculada, seja discricionária, devendo comparecer na estrutura de toda e qualquer relação jurídico-administrativa. Ibid., p. 545-546.
76
[...] Desse modo, admite-se que a razoabilidade é o postulado normativo aplicativo indispensável para firmar a legitimidade do processo de concretização funcional do direito administrativo. É um postulado que implica a vinculação da Administração, em face da singularidade do quadro fático e regulativo da ação, a implementar medidas com a intensidade e extensão estritamente compatíveis com a afirmação do interesse público primário impulsionador de sua atuação concreta”160.
Pimenta Oliveira adverte ainda, que a razoabilidade e a proporcionalidade
ostentam fungibilidade material e funcional na ordem jurídica e que a segunda não
esgota o núcleo da primeira, aberto a formulações dinâmicas, aptas a delinear o
controle da legalidade substancial dos atos da Administração Pública161.
O autor aduz ainda, que o elevado grau de abstração da razoabilidade impõe
a tarefa dogmática de delimitar, cada vez mais, o aspecto semântico de sua
positivação para se evitar a sua utilização a singelas menções com a redução da
noção a um topos de argumentação jurídica no que se diferencia da
proporcionalidade, que como produto do desenvolvimento doutrinário e
jurisprudencial, apresenta-se, nos discursos jurídicos, desde o plano do direito
constitucional, como construção racionalizadora do conteúdo da razoabilidade e
assim, com menor fluidez, portanto, estruturada em três subelementos ou
subprincípios que lhe fornecem a especificidade e contornos jurídicos162.
Os autores citados contribuíram muito para dar significação ao postulado da
razoabilidade e impedir a sua utilização por meio apenas de menções e sua redução
há um mero topos, como não raro é utilizada como fundamento de decisões
judiciais163.
Diante de todas as construções doutrinárias já produzidas sobre o tema, com
certas divergências em alguns pontos de entendimento, compreendemos que o
160
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 233-234. 161
Ibid., p. 544. 162
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 545. Quanto à proporcionalidade Pimenta de Oliveira assenta: “A dissecação normativa dos seus escalões normativos e de sua aplicabilidade na atividade administrativa também se insere na função dogmática do estabelecimento de mecanismos jurídicos essenciais à decidibilidade dos embates ocorrentes nas relações jurídico-administrativas.” Ibid., p. 545-546. 163
Carlos Ari Sundfeld faz acertada crítica sobre a utilização de princípios sem motivação e sem
qualquer critério. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 60-84.
77
postulado da razoabilidade decorre da apuração da opinião do consenso social,
afastando decisões absurdas, bizarras, incoerentes, fora de contexto e, caso não
exista o consenso social formado, imputa-se a decisão ao agente competente.
A terceira etapa do postulado da proporcionalidade, vale ressaltar, a
proporcionalidade em sentido estrito ou ponderação, deve observar o postulado da
razoabilidade, não podendo prescindir dele.
Em termos práticos, e no contexto do objeto de nossos estudos, o agente
competente para aplicação da Lei n. 12.846/13 e Lei n. 8.429/92 deve tomar o
postulado da razoabilidade como importante diretriz na fase da ponderação, de
modo que, ao apurar o peso de cada princípio, tenha em mira o convencimento
social, procurando o peso dado ao princípio pelo meio social a que a decisão se
destina164.
1.6 Dos princípios
O conceito de princípios passou por três fases distintas, sendo necessário
fazer a distinção de cada uma delas para possibilitar o correto uso deles como
ferramenta de aplicação de direitos165.
Em uma primeira fase do conceito de princípios, os mesmos eram
considerados as regras básicas e fundamentais de uma disciplina jurídica, seus
aspectos mais importantes, a exemplo da obra Princípios Gerais de Direito
Administrativo, de Osvaldo Aranha Bandeira de Mello166 e da obra Princípios de
Direito Administrativo, de Ruy Cirne Lima167.
Em uma segunda fase do conceito de princípios, eles deixaram de ser
apenas os assuntos mais importantes e fundamentos de uma disciplina jurídica e
164
Nesse sentido Ricardo Marcondes Martins fixou a regra de que a ponderação deve ser razoável no sentido de aceitável pela coletividade. MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 173. 165
Sobre o conceito de princípio e as suas fases vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos
vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 27-33. 166
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo: vol. I –
Introdução. São Paulo: Malheiros, 2007. 167
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 1982.
78
passaram a ser tidos como mandamento nuclear de um sistema, viga mestra e vetor
de interpretação de todas as normas jurídicas extraídas do sistema, mas, ainda
nessa fase, não são normas jurídicas autônomas, em que pese tenham conteúdo
normativo.
Esta segunda fase é marcada pelo conceito de princípios do ilustre professor
Celso Antônio Bandeira de Mello168.
Nos dias atuais, vigora a terceira fase do conceito de princípios jurídicos, em
que eles têm a estrutura lógica de normas jurídicas. Nessa fase vigente, tanto as
regras como os princípios são normas jurídicas, de modo que ambos são passíveis
de aplicação direta.
Essa nova fase sobre o conceito de princípios iniciou-se com Ronald
Dworking169 e consolidou-se com Alexy, sobretudo a partir de seu livro Teoría de los
Derechos Fundamentales170.
A diferença entre as regras e os princípios não é apenas de grau, em que as
regras são consideradas normas menos gerais do que os princípios. O fato, como
leciona Ricardo Marcondes Martins, é que há uma diferença qualitativa no modo de
positivação, vale dizer, os princípios exigem que seja atingido um fim, mas não fixam
o comportamento a ser adotado para que o fim seja atingido, ao contrário das
regras, que fixam o comportamento a ser adotado, como no modo de aplicação, ao
menos num primeiro momento171.
168
Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear
de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes e espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.” (Criação de secretarias municipais: inconstitucionalidade do art. 43 da Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 4, n. 15, p. 284-288, jan./mar. 1971). O conceito é transcrito em seu Curso de Direito Administrativo, cap. I-24, p. 53-54. 169
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36-46. 170
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução Virgílio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 85-179. 171
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 13-56.
79
A compreensão dos princípios como normas autônomas, impositivas de
ponderação, caracteriza a corrente de pensamento chamada
neoconstitucionalismo172.
O advento do neoconstitucionalismo e a adoção e utilização do método
concretista da ponderação se deram pela crise sobrevinda ao Estado Nazista173.
Com o fim do Estado nazista, após a II Guerra Mundial, o constitucionalismo
foi revisto, de modo que se passou mais e mais a defender a positivação, expressa
ou implícita dos valores no texto constitucional, abandonando-se a excessiva
reverência ao legislador, que levada a ferro e a fogo, levou à morte de milhares de
judeus durante o nazismo174.
Nessa esteira, superado o estado nazista, o princípio da legalidade foi
submetido à revisão. Não mais se admitiam leis, com o crivo do parlamento e dos
juristas, e sob o rótulo do “Estado de Direito”, que afrontassem o núcleo de direitos
fundamentais, como as que submeteram os judeus à condição de súditos com
perdas dos direitos civis.
Após a II Guerra Mundial e, consequentemente, após o nazismo, o Tribunal
de Nuremberg, em novembro de 1945, julgou 199 homens, considerados os
principais responsáveis pelo nazismo na Alemanha e o principal argumento de
defesa foi o fiel cumprimento da lei175.
172
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São
Paulo: Malheiros, 2010, p. 29. 173
MARTINS, Ricardo Marcondes. Direito e justiça. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo
Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 67. Nessa obra, Ricardo Marcondes Martins esclarece que os chamados métodos concretistas advieram após a crise do legalismo pós Estado Nazista, em que o positivismo enquanto isenção valorativa absoluta não era mais aceitável. Segundo o autor, quem abriu o método concretista fora Josef Esser, na obra Princípio e norma na elaboração jurisprudencial do direito privado, em que se vinculou a aplicação do direito a critérios de racionalidade fundados numa análise valorativa. Após Esser, vieram Friedrich Muller, com a metódica estruturante, Konrad Hesse, com a concretização constitucional, Peter Haberle com a abertura constitucional, e Robert Alexy, com a ponderação constitucional. 174
A partir do nazismo, a humanidade não mais tolerou o equívoco da absolutização do relativismo valorativo, existe uma moral universalizável. 175
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 80. Em outro trabalho, Ricardo Marcondes Martins ressalta o caso paradigmático das sentinelas do muro de Berlim, que por força do n.º 89 do Regulamento de serviço n.º 30/10 do Ministério da Defesa Nacional da Alemanha Ocidental deveriam abater quem transpassasse ilegalmente a fronteira e que após a queda do muro e a unificação da Alemanha foram acusadas de homicídio e processadas, alegando em sua defesa o cumprimento da lei. MARTINS, Ricardo
80
A partir do fim da II Guerra Mundial empreendeu-se uma revisão do princípio
da legalidade, a Administração não deveria ser apenas mais uma fiel executora das
leis, a humanidade não tinha mais tanta confiança nos Parlamentos, surgindo uma
concepção alemã do princípio da legalidade, que se funda no conceito de princípio
jurídico e parte da seguinte diretriz: a lei deve ser cumprida pela Administração na
medida em que esse cumprimento reflita o cumprimento dos princípios
constitucionais. Ou seja, a concepção alemã manteve o princípio da legalidade, mas
o submeteu a uma complexa concepção principiológica176.
Importante se faz destacar que o neoconstitucionalismo não importou na
renúncia à concepção de princípios como vigas-mestras, mandamento nuclear do
sistema, conceitos aglutinadores do conjunto normativo, mas o fato é que,
atualmente, vige tanto o conceito da segunda fase quanto o da terceira fase, pois em
rigor, ambas as fases se somam177.
Os princípios, na terceira fase, são normas jurídicas autônomas, não servindo
apenas para uma interpretação ou invalidação de normas, mas para regular e
disciplinar condutas, sobretudo, a conduta do agente normativo.
Nessa terceira fase do conceito de princípios, passa a ser possível a edição
de atos administrativos fundados diretamente nos princípios jurídicos, e ainda é
possível exigir que uma lei seja editada, ou caso não tenha sido, que um ato
administrativo seja editado, tudo com base diretamente em um princípio.
A compreensão da natureza dos princípios depende da percepção clara de
que toda regra é a concretização de um principio e este, por sua vez, é norma
autônoma. Ou como esclarece Karl Larenz, ao invocar a teoria do círculo
hermenêutico para a compreensão do sistema jurídico:
Marcondes. Direito e justiça. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 62. 176
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 80-81. 177
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 28-29. Importante transcrever a assertiva do autor: “A Ciência Jurídica exige a manutenção de ambos os conceitos e, pois, a adoção da categoria “princípio-mandamento nuclear” e também da categoria “princípio mandamento de otimização”: sem a primeira não há sistema e, pois, não há Ciência; sem a segunda não há ponderação e, pois, aplicação correta do Direito.” Concordamos com o autor, pois os conceitos não se excluem, mas se completam, e ambos são imprescindíveis para a compreensão do fenômeno jurídico.
81
É decisivo, por outro lado, que o pensamento não procede ‘linearmente’, só num sentido, mas é sempre de sentido duplo: o princípio esclarece-se pelas suas concretizações e estas pela sua união perfeita com o princípio. A formação do ‘sistema interno’ ocorre através de um ‘processo de esclarecimento recíproco’, que identificamos como estrutura hermenêutica fundamental do ‘processo do compreender’, em sentido estrito178.
Trata-se, nas palavras de Canotilho de “um processo bi-unívoco” de
esclarecimento recíproco que compõe o sistema interno do círculo hermenêutico179.
Ricardo Marcondes Martins esclarece que a regra é posta visando a
concretizar um valor que, por sua vez, está positivado num princípio expresso ou
implícito. O mesmo autor assenta como fundamental para compreensão do sistema
jurídico que:
[...] se uma regra sempre é a concretização de um valor, um conflito entre regras é, quase sempre, um conflito de princípios. E, sendo assim, nem sempre a regra exige um cumprimento pleno, pois, efetuando a ponderação entre os princípios colidentes, a regra concretizadora do princípio menos pesado no caso concreto pode ser parcial ou totalmente afastada pela regra concretizadora do princípio mais pesado ou simplesmente afastada por este180.
Neste cenário, toda vez que uma regra é aplicada ou um princípio é aplicado,
ocorre, em última análise, um conflito entre princípios. A maneira mais segura,
racional e transparente de solucionar esse conflito se daria através da ponderação
entre os princípios incidentes, considerando as circunstâncias envolvidas no caso
concreto, devendo, em alguns casos, este processo ser explicitado em um
procedimento de decisão, que contenha os argumentos do agente competente para
aplicar o direito.
Ricardo Marcondes Martins leciona que os princípios jurídicos apresentam-se
comumente como uma norma de estrutura, com dupla estrutura, de forma que cada
princípio apresenta uma estrutura normativa dicotômica, vale dizer, sua incidência
configura-se de duas formas: a primeira forma de incidência do princípio se dá com
178
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 676. 179
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1139. 180
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São
Paulo: Malheiros, 2010, p. 13-56.
82
a edição da regra, impondo-se ao editor o dever de efetuar uma ponderação entre
os princípios relacionados ao caso, apurando o peso de cada um deles e considerar
o princípio incidente, na medida do peso apurado, no conteúdo da norma181.
A segunda forma se dá quando diante de determinadas circunstâncias do
caso concreto, os princípios adquiram peso e exijam a edição de uma regra. Nesse
caso, não é a edição da uma regra que implica a incidência do princípio, mas pelo
contrário, a incidência do princípio é que obriga a edição de uma regra182.
Acolhemos as diretrizes do neoconstitucionalismo neste trabalho, vale dizer, a
compreensão dos princípios como normas autônomas, impositivas de ponderação
por se traduzir, a nosso ver, na forma correta de aplicação do Direito.
Ricardo Marcondes Martins assenta que os princípios se dividem em três
classes: os princípios referentes a direitos individuais, os princípios referentes a
bens coletivos e os princípios formais, estes últimos subdividindo-se em princípios
formais especiais ou princípios formais fundamentais183.
Os princípios formais aumentam no plano abstrato, o peso, a importância de
outros princípios. Eles atribuem uma carga argumentativa em favor de outros
princípios, os princípios referentes a direitos individuais e os princípios referentes a
bens coletivos184.
Os princípios formais especiais atribuem um peso adicional a outro princípio,
mas não possuem a função de garantir a competência dos centros normativos.
Como exemplos de princípios formais especiais, podemos citar o princípio da
supremacia do interesse público sobre o privado, o princípio da função social, o
princípio da boa fé objetiva e o princípio da probidade185.
Os princípios formais fundamentais garantem o respeito às competências
normativas ou, mais precisamente, à discricionariedade e à liberdade. Eles
estabelecem um peso adicional ao valor concretizado pela regra, tendo em vista a
competência para editá-la.
181
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 19. 182
Ibid., p. 19. 183
Ibid., p. 38-39. 184
Ibid., p. 39. 185
Ibid., p. 56.
83
Com base no escólio de Ricardo Marcondes Martins, demonstraremos nos
parágrafos abaixo como se dá a concretização dos valores constitucionais por cada
competência normativa186.
Na concretização do direito há um princípio formal que dá primazia às
ponderações constitucionais (Pfc); outro dá primazia às ponderações legislativas
(Pfl); outro dá primazia às ponderações administrativas (Pfa); e outro dá primazia às
ponderações privadas (Pfd), sendo que não há um princípio formal que dê primazia
às ponderações jurisdicionais, porque na função jurisdicional não há
discricionariedade, ela não se presta, segundo Ricardo Marcondes Martins187, no
que concordamos, a introduzir novas concretizações no sistema, mas verificar o
acerto das concretizações efetuadas pelos agentes normativos e corrigi-las quando
equivocadas.
Segundo afirma Ricardo Marcondes Martins, os valores devem ser
observados pelos particulares, no âmbito de sua liberdade, e pelos agentes públicos,
no exercício da função pública188.
Nessa nova concepção do constitucionalismo, a discricionariedade está muito
presente na concretização das escolhas, vale dizer, na própria concretização do
direito.
É certo que, em muitas hipóteses, a valoração é objetiva, independe da
opinião de cada um, se reduzindo a apenas uma possibilidade, todavia, em muitas
hipóteses, talvez a maioria delas, a valoração é subjetiva, depende da opinião do
agente competente para escolher.
São agentes competentes para efetuar a escolha dos valores, vale dizer, dos
princípios, e concretizar o direito: i) o constituinte originário; ii) o constituinte
derivado; iii) o legislador e; iv) o administrador189.
186
MARTINS, Ricardo Marcondes. Justiça deôntica. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo
Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 205-211. 187
Ibid., p. 207. 188
MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de direito administrativo neoconstitucional. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 14. 189
MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São
Paulo: Malheiros, 2010, p. 40.
84
Um traço básico do neoconstitucionalismo é que todas as normas jurídicas
estão interligadas tendo em vista a concretização dos valores constitucionais190.
O constituinte originário é quem possui maior discricionariedade e introduz
uma nova ordem constitucional, se pautando nos postulados normativos (supra, 1.4
e 1.5), que são pressupostos epistemológicos da própria Constituição, elementos
que fazem parte do sistema jurídico, realizando a primeira ponderação.
Realizada a escolha pelo constituinte, este limitado pelos postulados
normativos, são estabelecidos princípios explícitos e implícitos na Constituição,
alguns com peso maior que outros a uma primeira vista, ou prima facie.
Ao concretizar o princípio P1 pelo meio M1, o constituinte acresce um peso
adicional à “P1” pelo princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações
do constituinte originário (PFco), de forma que as ponderações constitucionais
devem ser respeitadas (P1 + PFco).
O constituinte derivado, reformulador da Constituição, por sua vez, pode
concretizar o valor “P2” pelo meio “M2”, todavia, é limitado por todas as cláusulas
pétreas expressas e implícitas e, ao positivar sua escolha, respeitadas todas as
limitações às suas competências, “P2” é acrescido de um peso adicional dado pelo
princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações do constituinte
derivado (PFd), segundo o qual as ponderações do constituinte reformador devem
ser respeitadas (P2+PFd).
Na sequência, suponha-se que o legislador concretize o princípio “P3” pelo
meio “M3”. O legislador, nessa hipótese, será limitado por todas as normas
constitucionais e, ao positivar sua escolha, respeitadas todas as limitações de sua
competência, “P3” é acrescido de um peso adicional dado pelo princípio formal
fundamental que dá primazia às ponderações do legislador (PFl), segundo o qual as
ponderações do legislador devem ser respeitadas (P3+PFl).
E ainda na sequência, suponha-se que o administrador público concretize o
princípio “P4” pelo meio “M4”. O administrador é limitado por todas as normas
190
MARTINS, Ricardo Marcondes. Justiça deôntica. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo
Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 206.
85
constitucionais e legislativas e, ao positivar sua escolha, respeitadas todas as
limitações às suas competências, “P4” é acrescido de um peso adicional dado pelo
princípio formal fundamental que dá primazia às ponderações do administrador
(PFa), segundo o qual as ponderações do administrador devem ser respeitadas
(P4+PFa).
Segundo o escólio de Ricardo Marcondes Martins, as ponderações jurídicas
devem respeitar os limites impostos ao exercício da competência e o peso dos
princípios formais fundamentais191.
O autor leciona ainda, que toda norma abstrata, quer dizer, toda a
ponderação realizada no plano abstrato é sempre prima facie, o que significa que, se
no caso concreto, um princípio oposto for mais pesado do que o princípio
concretizado pela regra abstrata, acrescida do princípio formal que lhe dá primazia,
o princípio oposto deve prevalecer (exemplo: P4>P3+PFl ou até mesmo
P4>P1+PFco), criando-se uma regra de precedência condicionada, vale dizer, uma
regra que é válida para aquela ocasião, sendo que, em outras circunstâncias, os
princípios podem ter outro peso quando sujeitos à ponderação e a regra de
precedência for alterada192.
Nessas hipóteses em que não há uma objetividade e um consenso social, o
Estado, no caso de nosso estudo, protagonizado pelo agente competente para
aplicar a Lei n. 12.846/2013 e a Lei n. 8.429/92, na responsabilização das pessoas
jurídicas, necessitará justificar a decisão a ser tomada com o fito de obter o
convencimento do endereçado sobre o acerto da decisão, bem como obter a adesão
social, por meio do procedimento de decisão.
Nesse ponto, é importante esclarecermos que, nas hipóteses em que haja
uma objetividade, vinculação, o agente competente não está dispensado da
motivação, mas não necessitará explicitar o procedimento de decisão. Este
esclarecimento é importante para diferenciar a motivação, impositiva a todos os atos
administrativos, da explicitação do procedimento de decisão, impositiva nas
hipóteses em que não se tenha objetividade e consenso social.
191
MARTINS, Ricardo Marcondes. Direito e justiça. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo
Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 71. 192
Ibid., p. 71.
86
Na explicitação do procedimento de decisão, o agente competente para
aplicar a Lei n. 12.846/2013 e a Lei n. 8.429/92, na responsabilização das pessoas
jurídicas, deverá examinar todos os princípios incidentes e apurar o peso de cada
um deles, decidindo sobre a prevalência de um princípio sobre os outros princípios,
considerando o peso dos princípios formais e todas as circunstâncias que envolvem
o caso concreto.
Ricardo Marcondes Martins, em outra obra, adverte que o procedimento de
decisão é uma imposição do Estado Democrático de Direito que visa, em última
análise, justificar a decisão tomada pela Administração, e deve ser enunciado
sempre que houver dúvida, mínima que seja, sobre a necessidade de obtenção de
consenso social, como é o caso da responsabilização da pessoa jurídica pelos
sistemas de responsabilização da Lei n. 12.846/2013 e Lei n. 8.429/92 em virtude de
um único e mesmo fato193.
O autor assinala que nem sempre o procedimento de decisão deverá ser
explicitado pelo agente competente, como ocorre nos casos em que o resultado da
ponderação é óbvio, evidente, inquestionável e, portanto, desnecessária a
enunciação de um procedimento de convencimento do endereçado, pois a obtenção
de um consenso já existe194.
O autor arrola quatro casos em que sustenta que a enunciação do
procedimento de decisão é obrigatória por haver a necessidade de obtenção do
consenso social, quais sejam: i) sempre que houver o afastamento de um princípio
formal, ou seja, o afastamento total ou parcial de uma regra ou a edição de um ato
administrativo não fundado na prévia edição de uma regra abstrata; ii) sempre que a
aplicação da regra abstrata, em decorrência de sua própria textura, exigir a
avaliação do aplicador; iii) sempre que a aplicação da regra abstrata for
questionável, tendo em vista a incidência de princípios opostos; iii) sempre que a
omissão administrativa, apesar da inexistência de uma regra abstrata, for
questionável por força da incidência de princípios opostos195.
193
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p.174-175. 194
Ibid., p.174-175. 195
Ibid., p.174-175.
87
Acolhemos o escólio de Ricardo Marcondes Martins, e fixamos a seguinte
regra com relação à aplicação da Lei Anticorrupção e Lei de Improbidade
Administrativa à pessoa jurídica: sempre que o agente competente para
responsabilizar pessoas jurídicas por fatos que se subsumem tanto ao sistema de
responsabilização da Lei n. 12.846/2013 como ao sistema de responsabilização da
Lei n. 8.429/92 se deparar com os pontos de intersecção, sobreposições e
coincidências entre dispositivos das duas leis, tanto na tipificação dos ilícitos como
nas sanções, deverá enunciar o procedimento de decisão para justificar a decisão a
ser tomada, obter o convencimento do endereçado sobre o acerto da decisão, bem
como obter a adesão social.
1.7 Do princípio do non bis in idem
Fábio Medina Osório, ao discorrer sobre o princípio do non bis in idem, pontua
que a ideia básica contida nele é a de que ninguém pode ser condenado ou
processado duas vezes por um mesmo fato196.
Medina Osório assenta também que o princípio do non bis in idem também
atua em matéria de Direito Administrativo Sancionador e está intimamente ligado
aos princípios da legalidade e da tipicidade, sendo que suas raízes remontam ao
devido processo legal anglo-saxónico197.
O autor assenta ainda, que no sistema brasileiro, o non bis in idem está
constitucionalmente conectado às garantias de legalidade, proporcionalidade e,
fundamentalmente, devido processo legal, portanto, implicitamente presente no texto
da CF/88, em que pese suas consequências e desdobramentos sejam muito tímidas
na jurisprudência e doutrina198.
Rafael Munhoz de Mello se refere ao non bis in idem como princípio corolário
do princípio da proporcionalidade e que veda a cumulação de sanções. Segundo
este autor, se a sanção administrativa, prevista pelo legislador, é a medida
196
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 294. 197
Ibid., p. 293. 198
Ibid., p. 294.
88
adequada e proporcional ao atendimento da finalidade preventiva, sua aplicação
reiterada representa excesso intolerável e, bem por isso, ofensivo ao princípio da
proporcionalidade199.
Rafael Munhoz destaca que, em sentido estrito, o princípio da
proporcionalidade exige que a competência administrativa seja exercida na medida
necessária ao atendimento do interesse público eleito pelo legislador. O autor
adverte que a cumulação de sanções, pela prática de uma mesma conduta
ultrapassa a medida reputada adequada pelo legislador, razão pela qual serve o
princípio da proporcionalidade como fundamento ao princípio do non bis in idem200.
O non bis in idem contém a atuação excessiva do Estado e está imbricado no
postulado da proporcionalidade. Explica-se: o agente estatal, ao iniciar uma
pretensão de punir uma empresa pela prática de um ato lesivo, previsto na Lei
Anticorrupção, pode vir a tomar conhecimento de que a mesma empresa já fora
processada administrativamente pela mesma conduta por agente público de outro
ente estatal que lhe imputou severas sanções. Nessa hipótese, o agente
competente na fase de adequação pode chegar à constatação de que a instauração
e prosseguimento do processo administrativo é inadequada por violação ao non bis
in idem.
Na fase de apuração de necessidade, o mesmo agente competente, tendo
instaurado o procedimento administrativo de responsabilização, pode chegar a
constatação de que a medida menos gravosa à empresa, já condenada por agente
de outro ente à severa pena de multa e reparação dos danos, seria a imposição de
outra sanção excluída as anteriormente imputadas.
Na fase da proporcionalidade, em sentido estrito, o agente competente, ao
efetuar uma ponderação entre os princípios envolvidos e as circunstâncias fáticas,
pode tanto afastar a aplicação de quaisquer sanções à empresa já sancionada 199
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 183. Segundo esse autor, o princípio do non bis in idem e corolário do princípio da proporcionalidade e, o princípio da proporcionalidade, por sua vez, é corolário do Estado de Direito e que impõe ao ente estatal moderação no seu agir, mormente em situações em que a esfera dos particulares seja atingida. Para o autor, o princípio da proporcionalidade tem como corolários os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito e, visa evitar a excessiva ou desproporcional atuação do Estado, pois, quando este ultrapassa os seus limites sua atuação é ilegítima e arbitrária. Ibid., p. 170-171. 200
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 183.
89
severamente por outro ente estatal como pode aplicar outra sanção excluída às
anteriormente imputadas.
O que queremos demonstrar é que se o agente competente para apurar e
aplicar as sanções previstas na Lei Anticorrupção e Lei de Improbidade
Administrativa observar o postulado da proporcionalidade em sentido estrito de
forma séria e rigorosa, afastada estará a possibilidade de ocorrência do bis in idem,
excessiva condenação ou dupla condenação. Por isso, afirmamos que o chamado
princípio do non bis in idem está imbricado ao postulado da proporcionalidade, pois
não restam dúvidas de que o postulado da proporcionalidade, em suas três facetas,
tem como desiderato, dentre outros, o de afastar os excessos que o Estado possa
vir a cometer.
1.8 Da interpretação e aplicação da Lei de Improbidade Administrativa e Lei
Anticorrupção na imputação de sanções às pessoas jurídicas
Não obstante os pontos de intersecção e de sobreposição que demonstramos
existir entre o texto normativo da Lei n. 12.846/2013 e o texto normativo da Lei n.
8.429/92, em alguns tipos e sanções, cabe ao intérprete tornar esse conjunto de
textos normativos um sistema mais perfeito possível201.
Ao discorrer sobre a teoria da interpretação criativa de Ronald Dworkin, o
jurista Ricardo Marcondes Martins assenta que o intérprete deve procurar o sentido
e o alcance do texto normativo, que o faça o “melhor possível”, tendo em vista o
conjunto normativo vigente202.
Nessa esteira, prossegue o autor afirmando que o intérprete deve considerar
o peso dos outros princípios materiais, as competências estabelecidas (os pesos
dos princípios formais), a necessidade de observância do consenso social
(razoabilidade) e a necessidade de observância da justiça, entendida como a busca
201
Sobre o papel do intérprete, sustenta Ricardo Marcondes Martins: “O Intérprete deve adotar a interpretação que torne o conjunto de textos normativos um sistema mais perfeito possível (“mostrar o que é interpretado em sua melhor luz”), mas sem transformá-lo em outros textos. MARTINS, Ricardo Marcondes. Justiça deôntica. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 217. 202
Ibid., p. 218.
90
da solução mais harmônica com o ideal de realização máxima da felicidade de
todos203.
Competia ao legislador, editor da Lei n. 12.846/2013, compor um sistema
racional, único e coerente de justiça e equidade na correta proporção. Tais
desideratos também competem ao agente competente para a aplicação da Lei n.
12.846/2013 e da Lei n. 8.429/92.
A norma que não observa os postulados da proporcionalidade e da
racionalidade é uma norma injusta, inválida e inconstitucional204.
Nossa proposta é construir uma melhor interpretação dos textos legais que
imputam responsabilidade à pessoa jurídica por atos de improbidade e atos lesivos
previstos na Lei n. 8.429/92 e na Lei n. 12.846/13 à luz do conjunto normativo
vigente e contribuir para uma aplicação racional e coerente, pelos agentes
competentes para aplicá-las.
Diante de uma situação concreta em que se apure uma suposta prática de ato
lesivo pela pessoa jurídica que possa ser enquadrada tanto nos tipos previstos no
art. 5º da Lei Anticorrupção como nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de Improbidade
Administrativa, o agente competente pode, após o exame da proporcionalidade com
a ponderação dos princípios incidentes e as circunstâncias envolvidas, afastar a
aplicação da sanção de uma das duas leis.
Marcio Pestana observou a impossibilidade de apenamento cumulativo da
pessoa jurídica face à incidência dos sistemas de responsabilização da Lei n.
12.846/2013 e da Lei n. 8.429/92 sobre um mesmo fato, e assim asseverou:
203
MARTINS, Ricardo Marcondes. Justiça deôntica. In: PIRES, Manuel Fonseca; MARTINS, Ricardo Marcondes. Um diálogo sobre a justiça: a justiça arquétipa e a justiça deôntica. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 218. 204
Após pesquisa no STF, identificamos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5261), cujo
relator é o Ministro Marco Aurélio, ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando ter como objeto os artigos 1º, 2º, 3º, §1º da Lei nº 12.846/2013. A ação foi proposta pelo PSL, em março de 2015, com pedido de liminar para se suspender a eficácia dos dispositivos questionados sob a afirmação de que a urgência se justifica em razão do nível de insegurança jurídica coletiva das empresas brasileiras, sobretudo na manutenção da garantia da atividade econômica dessas pessoas jurídicas. O PSL afirma que a lei, ao adotar a Teoria do Risco Integral, violou os dispositivos constitucionais que estabelecem a não transcendência da pena (artigo 5º, inciso XLV) e asseguram o devido processo legal (inciso LIV do mesmo artigo). Disponível em: ˂http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287385>. Acesso em: 13 set. 2016.
91
Mas a propósito, sem prejuízo do que adiante comentaremos acerca dos atos lesivos continuados, há determinadas sanções que não poderão ser cumuladas. Imagine-se que com uma prática de corrupção, ocorra um dano à Administração Pública e, mais, que a pessoa jurídica tenha auferido um milhão. Neste caso, não poderá, por evidente, ser condenada a ressarcir o dano causado à Administração Pública por cada normativo, nem, em evidente duplicidade, devolver o montante que tenha auferido. Veda-se, por antijurídico, a sobreposição de sanções nas situações acima exemplificadas, ainda que haja duas ou mais condutas que se mostrem desconformes com dois ou mais normativos. A impossibilidade de apenamento cumulativo deverá prevalecer, à evidência, ainda que decisões correspondentes não se encontrem sincronizadas, ou seja, mesmo que proferidas em tempos diversos, devendo, ainda segundo a simulação aqui destacada, serem indicadas pela pessoa jurídica ao julgador do processo subsequente205.
Ao discorrer sobre o bin in idem e a multiplicidade de investigações,
processos sancionatórios e aplicações simultâneas de sanções, Jorge Munhós de
Souza sustenta que talvez o princípio da vedação de bis in idem tenha importância
para autorizar os órgãos com atribuições investigativas e sancionatórias a não
estarem obrigados a instaurar investigações e processos quando constatarem que
as medidas já tomadas por outras instâncias sejam suficientes para o exercício do
ius puniendi estatal de forma suficiente para a tutela dos bens jurídicos
protegidos206.
Contudo, como aponta Munhós de Souza, nesses casos, a decisão pelo não
agir acarretará um pesado ônus argumentativo àquele que pretender dela se usar,
sendo que a decisão deverá, obviamente, estar submetida a alguma espécie de
controle interno ou judicial, nos moldes do art. 28 do CPP207.
Fábio Medina Osório, ao tratar do princípio do non bis in idem, desenha uma
proposta um pouco mais incisiva que a de Munhós de Souza, mas com premissas
semelhantes, que tentaremos sintetizar208.
205
PESTANA, Marcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 184. 206
SOUZA. Jorge Munhós de. Responsabilização administrativa na lei anticorrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo de Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 174-178. 207
Ibid., p. 174-178. 208
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 312-313.
92
O citado autor parte, de um lado, da premissa de que o princípio
constitucional do non bis in idem pode ser reconhecido e validamente deduzido do
sistema constitucional pátrio, no bojo do Estado Democrático de Direito, dentro dos
esquemas normativos inerentes ao devido processo legal.
Segundo o autor, trata-se de um princípio de enorme relevância, já conectado
a valores fundamentais, que demanda processos argumentativos e hermenêuticos e
sua incidência há de paralisar atividades punitivas desproporcionais, potencialmente
contraditórias a partir de limites à duplicidade ou à multiplicação de processos
punitivos em torno de fatos unitários, aqui tomada a identidade normativa em todos
os seus alicerces relevantes209.
Complementa o autor que esse mesmo princípio haverá de interditar,
independentemente de densificação normativa inferior, apenamentos indevidamente
cumulativos, impostos por instâncias distintas. Para tanto, de acordo com o autor, há
que se ampliar a noção de identidade de fatos, sujeitos e fundamentos210.
Medina Osório assevera ainda que:
[...] se ao legislador é licito selecionar um fato e dar-lhe várias dimensões normativas, inclusive do ponto de vista punitivo, aos operadores jurídicos é reservado o controle da conduta do legislador, não em abstrato, mas nas repercussões concretas sobre os direitos fundamentais dos acusados em geral211.
Esclarece o autor, com o que concordamos integralmente, que os operadores
jurídicos podem valorar a resposta punitiva desde uma perspectiva global,
considerando o efetivo impacto nos direitos em jogo. A vedação às repetições e
cumulações abusivas, no plano sancionatório e inclusive processual, é decorrência
lógica da proporcionalidade, mas também de outros valores, princípios, postulados e
regras que integram o sistema constitucional do Estado de Direito brasileiro212.
O autor arremata sua análise sobre o tema, reconhecendo que, de fato, não
se pode operacionalizar o non bis in idem sem critérios. Elucida ainda, que os
209
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, 312-313. 210
Ibid., p. 312-313. 211
Ibid., p. 312-313. 212
Ibid., p. 312-313.
93
critérios podem ser discutíveis ou debatidos concretamente, na busca de coerência
e proporcionalidade, inclusive porque podem perpassar normas legais e
administrativas. E adverte que o que não pode ocorrer é o desprezo por esse
princípio constitucional, ao abrigo da ideia de independência das instâncias, quando
estas são, atualmente, cada vez mais interligadas, numa perspectiva dos direitos
fundamentais e da segurança jurídica213.
Nesse sentido, Medina Osório afirma que:
[...] a eficiência, a unidade, a coerência e a racionalidade preponderam no contexto de instâncias interligadas. A boa gestão pública traduz esse ideário, recomendando respeito à vedação do bis in idem, eis que não será através da violência à proporcionalidade, à segurança jurídica, à racionalidade e à legalidade que os operadores lograrão obter resultados214.
Acolhemos a conclusão de Medina Osório, no sentido de que a eficiência, a
unidade, e os vetores da coerência, segurança, racionalidade e proporcionalidade
devem preponderar no contexto de instâncias do Direito Punitivo interligadas.
As conclusões de Medina Osório só confirmam entendimento que já
sustentamos nesse estudo (supra, 1.3.3), e convém reiterar: compete ao agente
competente pela aplicação das leis, no caso de nossas reflexões, Lei n. 12.846/13 e
Lei n. 8.429/92, ao interpretar e aplicar os textos normativos, compor um sistema
racional, único e coerente, de justiça e equidade na correta proporção.
O Estado, no exercício da sua competência punitiva, tem de agir de modo
legítimo, vale dizer, debaixo de critérios coerentes, unitários, transparentes,
articulados e comprometidos com resultados concretos e não com o
desencadeamento descontrolado e irracional de procedimentos sancionadores, à
custa de um pragmatismo desprovido de legitimidade.
No caso de aplicação da Lei Anticorrupção, entendemos, a depender da
situação no caso concreto, ser perfeitamente possível a não abertura de novos
processos administrativos, inquéritos civis, ou a instauração de novas ações civis
públicas para responsabilização por ato de improbidade em face de pessoas
213
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, 312-313. 214
Ibid., p. 312-313.
94
jurídicas quando se constatar que os ilícitos já foram objeto de sanções ou acordo
de leniência previstos na Lei n. 12.846/2013 aptos a tutelar o bem jurídico protegido.
Entendemos da mesma forma, se a situação for inversa, ou seja, ser
perfeitamente possível a não abertura de processos administrativos e ajuizamento
de ações de responsabilização pelos tipos da Lei Anticorrupção, em face de pessoas
jurídicas, quando se constatar que os ilícitos já foram objeto de sanções ou acordos
de leniência na responsabilização pela Lei n. 8.429/92, aptos a tutelar o bem jurídico
protegido.
Uma questão deveras complicada e delicada é a possibilidade de aplicação
simultânea de sanções por instâncias autônomas que não se comunicam e não
levam em consideração a existência de outras esferas de responsabilização.
A nosso ver, em se tratando da sanção das pessoas jurídicas, essas
instâncias devem se comunicar. Eventual aplicação de sanções similares, quando
não idênticas, por duas esferas ou sistemas diferentes de responsabilização, bem
como a responsabilização da pessoa jurídica duas vezes pelo mesmo fato típico
devem observar rigorosamente o postulado da proporcionalidade sob pena de fatal
configuração de excesso e nulidade no ato administrativo.
Jorge Munhós de Souza não descarta que é possível e até provável que, em
havendo tamanha fragmentação de esferas de responsabilização e de instâncias de
controle, a sanção aplicada em concreto possa ser desproporcional, afetando
direitos fundamentais dos condenados. Contudo, para o citado autor, esse problema
só poderá ser verificado na fase de execução das sanções, momento este que,
segundo ele, poderão ser adotadas medidas para conter excessos e unificar
sanções desproporcionais215.
Sustenta Munhós de Souza que a maior aplicação do princípio do no bis in
idem se dá na fase de execução das sanções. Assenta o autor que:
215
SOUZA. Jorge Munhós de. Responsabilização administrativa na lei anticorrupção. In: SOUZA,
Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo de Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 174-178.
95
Se a essência do princípio é evitar que alguém seja sancionado mais de uma vez pelos mesmos fatos, apenas após a existência de diversos títulos condenatórios por fato único é que seria possível se cogitar da utilização de mecanismos de contenção de excessos216.
Esclarece o autor que a partir do momento em que o legislador cria mais de
uma sanção de multa pela prática de um mesmo fato, o que ele faz é exasperar as
consequências sancionadoras daquela conduta ilícita e exemplifica: se antes da Lei
Anticorrupção a prática de fraudes à licitação poderia ensejar aplicação de multa
decorrente de sentença penal, de improbidade e de sanção administrativa, prevista
na Lei 8.666/93, atualmente, o limite sancionatório da mesma conduta se expandiu.
O autor ainda exemplifica que, caso o acusado venha a ser simultaneamente
condenado a uma pena de multa imposta pelo TCU e uma imposta pela Justiça civil
em ação de improbidade, não há que se falar, prima facie, em compensação de
sanções217.
Todavia, esclarece o autor, que isso não veda a possibilidade de que,
constatada no caso concreto a existência de excesso na imposição de sanções, o
acusado busque a tutela jurisdicional para que se proceda alguma espécie de
unificação de sanções e, de posse dos diversos títulos executivos, o julgador possa
avaliar a pertinência de eventuais compensações e reduções que levam em
consideração o total das penas aplicadas, a interdependência entre elas e a
gravidade das infrações. E que, nesse momento, terá especial destaque a
aplicação do princípio da suficiência da pena para oferecer resposta adequada ao
ilícito que se pretende desencorajar218.
Cita o autor que a questão do bis in idem em relação à execução de sanções
impostas no mesmo âmbito de responsabilização só gera discussões na esfera
extrapenal, uma vez que a interdição de que alguém seja duplamente sancionado
criminalmente pela prática do mesmo fato é ponto pacificado pelas democracias
constitucionais219.
216
SOUZA. Jorge Munhós de. Responsabilização administrativa na lei anticorrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo de Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 176-177. 217
Ibid., p. 177. 218
Ibid., p. 177. 219
Ibid., p. 177.
96
É nesse sentido que indagamos: se na esfera penal está pacificado por que
na esfera das sanções civis e administrativas não? Ontologicamente, as infrações e
sanções são equivalentes, só alterando a autoridade repressora, conforme é
chancelado pela maioria esmagadora da doutrina220.
Munhós de Souza consigna que tende a prevalecer a tese da impossibilidade
da aplicação cumulativa de sanções administrativas previstas em lei221.
O autor assenta que apesar de não estar convicto da possibilidade de
generalização da tese que apontou anteriormente, não há como negar que, em
alguns casos, a própria legislação caminhou naquele sentido. Na seara ambiental,
por exemplo, o legislador se preocupou com eventual incidência cumulativa da multa
por infrações administrativas, estatuindo que “o pagamento da multa imposta pelos
Estados, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese
de incidência” (art. 76 da Lei 9.605/98)222.
Não vemos horizonte favorável à multiplicação indefinida e desmedida de
processos punitivos pelos mesmos fatos, sujeitos e fundamentos, com a finalidade
de gerar sobrecarga acusatória contra os imputados, no afã de reduzir supostos
índices de impunidade.
Conforme já assentamos (supra, 1.3.2), a interpretação da Lei n. 8.429/92 em
conjunto com a Lei n. 12.846/2013, por meio de um exame de subsunção, a ser
realizada pelo agente competente, já afasta o prosseguimento de procedimento de
responsabilização por improbidade administrativa em duas hipóteses, quais sejam:
naqueles casos em que a Administração Pública lesada seja a estrangeira e
naqueles casos em que não forem identificados agentes públicos envolvidos nos
ilícitos.
220
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, Cap. XV-I, p. 865; OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, p. 19; OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 113; FERREIRA. Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 59-62; VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 30. 221
SOUZA. Jorge Munhós de. Responsabilização administrativa na lei anticorrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo de Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 177. 222
SOUZA. Jorge Munhós de. Responsabilização administrativa na lei anticorrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo de Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 178.
97
No primeiro caso, o afastamento do procedimento de responsabilização por
improbidade administrativa se dá pelo fato de que a tutela da administração pública
estrangeira se efetiva pela Lei n. 12.846/13, não sendo, portanto, adequada à Lei n.
8.429/92 para dar supedâneo a qualquer responsabilização.
No segundo caso, o afastamento do procedimento de responsabilização por
improbidade administrativa se dá pelo fato de que desconhecido o agente público,
que participou do ilícito com a pessoa jurídica, não há como utilizar a Lei n. 8.429/92,
que é específica para sanções de agentes públicos e que permite a
responsabilização da pessoa jurídica desde que juntamente com a pessoa do
agente público.
Além do processo de interpretação, o agente competente para
responsabilização das pessoas jurídicas, nos moldes previstos na Lei n. 8.429/92 e
Lei n. 12.846/2013, dispõe do postulado da proporcionalidade, em suas três facetas
(supra, 1.4), como instrumental ao seu alcance para evitar excessos no exercício de
suas competências.
Nos casos em que os difíceis pontos de intersecção entre a Lei de
Improbidade Administrativa e a Lei Anticorrupção não puderem ser sanados pelas
fases da adequação e necessidade, cabe ao agente submeter a situação conflitante
ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, efetuando uma ponderação dos
princípios envolvidos, das circunstâncias fáticas concretas, considerando também o
consenso social (razoabilidade), para então decidir, motivando e fundamentando sua
decisão.
Nas hipóteses em que o problema da intersecção entre tipos e sanções da
Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção não tenha sido objeto de
ponderação e observância do princípio da proporcionalidade pela autoridade
administrativa ou judiciária competentes pela aplicação da sanção, o problema terá
de ser resolvido na fase de execução das sanções, momento que ainda poderão ser
adotadas medidas para conter excessos e unificar sanções desproporcionais, por
meio da incidência do postulado da proporcionalidade na fase de execução.
A valorização do processo como um fim em si mesmo, com enorme carga
aflitiva, é uma distorção que não encontra guarida no ordenamento jurídico.
98
Há que sempre se ter em vista e se buscar uma unidade do Direito punitivo,
regulando a incidência da simultaneidade de processos punitivos em torno de um
mesmo fato, através de critérios técnicos.
Ainda segundo Fábio Medina Osório, a ideia de unidade estatal recomenda
que os órgãos públicos punitivos apareçam perante a cidadania por meio de uma
identidade nítida, sem posturas contraditórias, nebulosas ou incoerentes, despidas
não apenas de boa-fé objetiva, mas da transparência e lealdade que tais relações
exigem223.
O autor assenta que a unidade no Direito Punitivo, numa vertente material, é
corolário lógico da segurança jurídica e da racionalidade do Estado no manejo de
normas que afetam os mais valiosos direitos fundamentais, àqueles submetidos às
relações punitivas e que o papel do princípio do non bis in idem é de limitar e, ao
mesmo tempo, legitimar um Estado que atue debaixo de critérios coerentes,
unitários, transparentes, articulados e comprometidos com resultados concretos, não
com o desencadeamento descontrolado e irracional de procedimentos
sancionatórios, à custa de um pragmatismo desprovido de legitimidade224.
O dever que é imposto aos agentes competentes, pela aplicação da Lei n.
12.846/13 e Lei n. 8.429/92 de interpretar tais textos normativos e compor um
sistema racional, único e coerente, de justiça e equidade na correta proporção, lhe é
outorgado, da mesma maneira, nas duas possibilidades que destacamos: (i) na
hipótese de instauração de procedimentos administrativos e processos judiciais até
seus ulteriores termos com a cominação ou não cominação da sanção cabível; e (ii)
na hipótese de celebração de acordo de leniência.
Todas essas considerações só reforçam o argumento que já assentamos de
que, em que pese o Estado brasileiro busque atender aos compromissos
internacionais em que fora signatário, a adesão não pode redundar na violação dos
princípios e postulados presentes no seu ordenamento jurídico interno, conforme se
extrai de dispositivo da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais aprovadas pela
223
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 309. 224
Ibid., p. 309.
99
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que
dispõe que os países signatários deverão criminalizar a conduta de corromper
agentes públicos estrangeiros e no campo da responsabilização das pessoas
jurídicas, impõe no Artigo 2 que: “cada Parte deverá tomar todas as medidas
necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela
corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios
jurídicos”.
Desta forma, não pode o Estado brasileiro, ao aderir à Convenção da OCDE e
em consequência aprovar a Lei Anticorrupção, que visa à responsabilização
administrativa das pessoas jurídicas, abrir mão de princípios jurídicos que são
retores do ordenamento jurídico interno, impondo-se uma vez mais que a
interpretação e aplicação desta lei se deem à luz dos postulados e princípios
norteadores do ordenamento jurídico brasileiro.
100
CAPÍTULO 2 ACORDO DE LENIÊNCIA
2.1 Conceito e natureza jurídica
A expressão “acordo de leniência”, conforme já ressaltou Mateus Bertoncini, é
formada pela junção de duas palavras que transmitem a ideia de colaboração, de
harmonia e de boa vontade na consecução de objetivos comuns225.
Na dicção dos dicionários Houaiss, Aurélio e Michaelis, acordo significa
concordância, concórdia, conformidade, consonância, composição, combinação,
ajuste, pacto, convenção, concerto, consenso, entendimento recíproco, harmonia,
acomodação, combinação, conciliação, consentimento, permissão, ausência de
problemas, eliminação de oposição ou conflito226.
O termo leniência, por sua vez, deriva do latim, lenitate, que tem o significado
de mansidão ou brandura, cujo antônimo é rigor ou severidade227.
Segundo o dicionário Houaiss leniência ou lenidade é “qualidade do que é
leve, suave, doçura, mansidão”; lenir, de acordo com a mesma fonte, significa
“tornar mais fácil de suportar, aliviar, lenificar, suavizar”228.
Sidney Bittencourt adverte que a expressão está mal empregada pelo fato de
que, em que pese à expressão “leniência” seja derivada do latim leniens e significar
lentidão, suavidade, doçura, mansidão, certo é que o instituto do acordo de leniência
busca, na realidade, incentivar a empresa envolvida em infração a confessar o ilícito,
225
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p.189-220. 226
HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 39; FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2010, p. 44; MICHAELIS: Dicionário Prático da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2010, p.16. 227
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 91; DAL POZZO, Antônio et. al. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 132; NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 178; CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 371. 228
HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2009, p. 1168.
101
pelo que, em contrapartida à cooperação, receberá a suavização da pena em forma
de benefícios, desde que resulte dessa colaboração: (a) a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e (b) a obtenção célere de informações e
documentos que comprovem o ilícito sob apuração229.
Na mesma linha, Guilherme de Souza Nucci, ao discorrer sobre o acordo de
leniência na Lei Anticorrupção, aponta que tal instituto cuida-se de aparente
bondade estatal, mas que, na realidade, não se trata propriamente de leniência, mas
de outros institutos, também camuflados por uma terminologia mais aprazível. O
autor adverte e esclarece que o que se quer, de fato, é a confissão da pessoa
jurídica ou a delação premiada230.
Não obstante a primeira impressão que se tenha da nomenclatura do instituto
seja somente a de concessão de privilégios, suavização e abrandamento da pena,
efetivamente, o instituto é uma via de mão dupla, impondo ônus e exigindo-se o
comprometimento da pessoa jurídica.
Em visita ao Brasil, o consultor norte-americano Harvey Pitt relatou que nos
Estados Unidos da América não se usa a expressão “leniência” nessas modalidades
de acordo, mas sim, acordos de responsabilização, em que a empresa além de
colaborar com as investigações, assume a responsabilidade de adotar programas de
compliance e não reincidir na infração231.
Harvey Pitt deixa claro que a opção pela expressão “responsabilidade” é mais
acertada do que a expressão “leniência”, posto que, na prática, a empresa não está
sendo contemplada pelo Estado com um tratamento manso, doce, suave e lento,
mas sim, tem de colaborar para a repressão e extermínio dos ilícitos e, sobretudo,
tem de assumir sérias responsabilidades na forma de condução de sua gestão232.
229
BITTENCOURT, Sidney. Comentários à lei anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 140. 230
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 178. 231
Disponível em: ˂http://tvcultura.com.br/videos/52856_roda-viva-harvey-pit-07-04-2016.html>. Acesso em: 26 maio 2016. Harvey Pitt é consultor norte-americano especialista em compliance, ex-presidente da SEC (a comissão de valores mobiliários dos investidores dos EUA). No programa Roda Viva, da TV Cultura, veiculado em 07/04/2016, ele falou sobre escândalos financeiros, os cuidados que as empresas precisam adotar para respeitar a legislação e os processos enfrentados pela Petrobrás nos Estados Unidos. 232
Disponível em: ˂http://tvcultura.com.br/videos/52856_roda-viva-harvey-pit-07-04-2016.html>. Acesso em: 26 maio 2016.
102
No Brasil, em que pese à nomenclatura adotada, o real sentido do instituto do
acordo de leniência também é o de impor compromisso e responsabilidades àquelas
pessoas jurídicas que voluntariamente se propõem a romper com o envolvimento
com a prática de condutas ilícitas e adotar medidas para manter suas atividades de
forma ética e sustentável, cumprindo com sua função social.
O compromisso da ruptura com a prática de condutas ilícitas é demonstrado
com a propositura do acordo de leniência e também por meio da adoção de
mecanismos de integridade e compliance em que, em última análise, há uma
colaboração com o Estado no desvendamento de ilícitos, e consequente
responsabilização pelos mesmos.
Em troca desse compromisso, somado à efetiva colaboração que resulte na
identificação dos demais envolvidos na infração e na obtenção célere de
informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração, a pessoa jurídica
é beneficiada com o abrandamento das sanções.
Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior assentam que, na
verdade, os acordos de leniência são espécie de delação premiada, hipótese em
que se oferece a leniência, ante a colaboração de um infrator, para a apuração
dessa mesma infração, sobretudo em relação aos seus autores e partícipes233.
Segundo Modesto Carvalhosa, trata-se de uma promessa pactuada de
diminuição das penalidades vinculada a uma condição resolutiva de resultado, de
forma que somente se cumpre e ser perfaz a promessa de benefícios, na medida em
que das informações e dos documentos fornecidos pela pessoa jurídica pactuante
resultar efetivamente a ampliação das pessoas componentes do concurso delitivo,
sejam outras pessoas jurídicas, sejam outros agentes públicos, ou ambos234.
Observado o sentido etimológico das expressões e considerando as
contribuições da doutrina apontada, é possível afirmar genericamente que o acordo
de leniência pressupõe uma relação de concordância em que as partes interessadas
233
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 91. 234
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 371.
103
compactuam uma avença em que se apresentam dispostas à consecução de fins
comuns e, ao mesmo tempo, protegendo os seus próprios interesses.
O fim comum da administração pública e da pessoa jurídica proponente é a
elucidação dos ilícitos buscando a detecção de autoria e materialidade. De outra
banda, a administração pública busca sempre a preservação do interesse público,
que consiste na descoberta dos envolvidos na prática dos ilícitos, possibilitando a
posterior responsabilização e, por sua vez, o particular proponente busca a obtenção
de favores legais consistentes na isenção ou redução das penalidades que lhe
seriam aplicáveis no processo administrativo e no processo judicial.
Sobre a natureza jurídica do acordo de leniência, Mateus Bertoncini e Juliano
Heinen, ao dissertarem sobre o tema, classificam-no como ato administrativo
bilateral e discricionário235.
Os citados autores apontam que a proposta feita pela pessoa jurídica pode
até ser unilateral, mas não obriga o Poder Público, o que faz com que ela não seja
um direito subjetivo236.
Pontuam, ainda, que superadas as concepções tradicionais do direito
administrativo do século XIX, as balizas normativas, atualmente vigentes, permitem
a possibilidade de se ter uma “competência administrativa negociada”, mesmo no
Direito Administrativo Sancionador, reafirmando, assim, que o acordo de leniência
tem natureza de ato administrativo consensual, em que se ajustam resultados, vale
dizer, reclama um efeito pragmático que é a identificação dos envolvidos237.
A natureza jurídica do acordo de leniência, a nosso ver, é de ato
administrativo consensual, visto que se trata de ato emanado por agente público e
que para ser produzido exigiu-se um consenso, um ajuste de resultados entre o
Poder Público, o particular interessado, devendo, ainda, participar desse ato
administrativo consensual, sempre que possível, outros agentes competentes pelas
235
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 190; HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 233. 236
HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 233. 237
Ibid., p. 234.
104
diversas modalidades de responsabilização decorrente do mesmo ato ilícito, dentre
os quais o Ministério Público, como veremos adiante.
2.2 Fundamentos e origens do instituto
O fundamento do acordo de leniência se encontra na dificuldade que os
órgãos Estatais, responsáveis pela persecução dos infratores da ordem jurídica,
encontram para reunir provas, identificar os responsáveis pelas condutas, e dar
prosseguimento útil às investigações e processos judiciais.
Carlos Henrique da Silva Ayres e Bruno Carneiro Maeda destacam que as
autoridades encontram uma série de obstáculos, decorrentes da própria natureza
das pessoas jurídicas e de estruturas cada vez mais complexas, ao investigarem
condutas cometidas no meio empresarial que, por diversas vezes, torna difícil, se
não impossível, entender os fatos e identificar os responsáveis por atos ilícitos238.
Os autores pontuam que, nesse contexto, a celebração do acordo de
leniência pode ser fundamental na identificação dos envolvidos e na obtenção de
provas relevantes, trazendo ao conhecimento das autoridades elementos e
informações que, de outra maneira, não seriam obtidos239.
Carolina Barros Fidalgo e Rafaela Coutinho Canetti assentam que o acordo
de leniência se fundamenta em uma análise de custo-benefício entre a aplicação
das sanções tradicionais e a viabilização da persecução criminal e administrativa,
considerando, ainda, o real propósito do direito sancionador, ressaltando que a
função sancionatória não é um fim em si mesmo, mas um dos instrumentos para a
pacificação das relações sociais240.
238
AYRES, Carlos Henrique da Silva; MAEDA, Bruno Carneiro. O Acordo de leniência como ferramenta de combate à corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Salvador (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 240. 239
Ibid., p. 240. 240
FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate à corrupção; In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Salvador (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 255. As autoras vislumbram o acordo de leniência como instrumento alternativo à sanção tradicional, mas que se bem disciplinado é apto a concretizar as mesmas finalidades desta última, quais sejam, harmonização das relações sociais e saneamento
105
As autoras pontuam ainda que, em um Estado Democrático de Direito, não se
aplica uma penalidade por se aplicar, mas sim por ela constituir, em determinados
casos, o instrumento mais eficiente e proporcional de regularização de um
desequilíbrio gerado pelo descumprimento de um dever legal241.
Como se extrai da abordagem de Fabio Medina Osório sobre a Teoria do
Processo Sancionador, as atividades instrutórias se tornaram mais difíceis por força
do respeito obrigatório ao princípio da presunção de inocência e da vedação de se
obrigar alguém a produzir provas contra si mesmo242.
Thiago Marrara aponta que tanto pela complexidade das infrações em si,
quanto pelas essenciais garantias processuais, que foram asseguradas ao cidadão,
ao longo das décadas, os custos operacionais das tarefas processuais do Estado
aumentaram e, por reflexo, a improbabilidade de sucesso nos processos
administrativos se elevou profundamente243.
Em recente estudo sobre o sistema brasileiro de defesa da concorrência,
Thiago Marrara assenta, de modo preciso, três justificativas fundamentais para o
acordo de leniência:
[...] Independentemente de maiores implicações do debate para a teoria geral do direito administrativo, o que fica em relação à defesa da concorrência é que existem três justificativas fundamentais para o acordo de leniência. Elas se assentam: (1) nas dificuldades operacionais das autoridades concorrenciais; (2) na complexidade das práticas infrativas e as dificuldades de se prová-las; bem como (3) nos efeitos benéficos do acordo para a função repressiva e preventiva geral. Diante disso, torna-se mais simples aceitar a compatibilidade do acordo de leniência como dois princípios administrativos fundamentais, a saber: o princípio da supremacia do interesse público e o da eficiência (aqui sob a ótica da eficácia e efetividade da ação pública)244.
de irregularidades, com desincentivo a práticas ilícitas e facilitação dos procedimentos de investigação. 241
FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate à corrupção, In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Salvador (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 255. 242
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 407-466. 243
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP-FDRP, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, 2015, p. 510-512. 244
MARRARA, Thiago. Sistema brasileiro de defesa da concorrência: organização, processos e
acordos administrativos. São Paulo: Atlas, 2015, p. 340.
106
De fato, a evolução da tecnologia e o desenvolvimento trouxeram reflexos nos
ilícitos penais e administrativos, tornando os crimes e infrações mais complexos e
mais céleres, e este fator aliado às garantias processuais dos investigados e réus
tornaram, em determinados casos, quase que inócuas e sem efeitos a tradicional
ação unilateral do Estado de persecução dos infratores por meio da instauração de
processos acusatórios, em que se impõe um esforço hercúleo para se levantar
provas a fim de punir os reais infratores.
Diante dessa nova realidade, é que muitos Estados se viram defronte a um
dilema: negociar e punir com base em processos administrativos fortemente
instruídos ou não negociar e aceitar um crescimento da impunidade resultante da
fraqueza probatória de processos acusatórios baseados em técnicas tradicionais de
instrução.
Citando Stephan Albrecht, Thiago Marrara esclarece que, diante da
complexidade das infrações, das essenciais garantias processuais, asseguradas aos
cidadãos, elevação dos custos das tarefas processuais do Estado conducentes à
improbabilidade de sucesso nos processos acusatórios, vários Estados, inclusive o
Brasil, optaram pela via intitulada utilitarista: aceitaram negociar com o infrator com o
objetivo de enriquecer o processo e lograr punir os demais infratores245.
Thiago Marrara faz a ressalva de que a expressão “negociar” não tem o
sentido de beneficiar gratuitamente, nem de dispor de interesses públicos que cabe
ao Estado zelar, tampouco se trata de se omitir na execução das funções
públicas246.
Esclarece o citado autor que a expressão “negociar” é utilizada com o intuito
de obter suporte à execução bem sucedida de processos acusatórios e atingir um
245
ALBRECHT, Stephan. Die Anwendung Von Kronzeugenregelungen bei der BeKämpfung internationaler Kartelle. Baden-Baden: Nomos, 2008, p. 257 apud MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. In: Revista digital de direito administrativo – USP-FDRP, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, 2015, p. 510-512. 246
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP-FDRP, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, 2015, p. 511.
107
grau satisfatório de repressão de práticas ilícitas altamente nocivas que sequer se
descobririam pelos meios persecutórios e fiscalizatórios clássicos247.
Nos Estados Unidos, os acordos no âmbito da FCPA passaram a ser
utilizados pelas autoridades norte-americanas tanto na esfera criminal como nos
casos de natureza cível e, para sua concretização, devem ser observados os
Principles of Federal Prosecution of Business Organizations248, elaborados pelo
Departamento de Justiça do Governo norte-americano.
Também são observadas as regras editadas pela United States Sentencing
Comission do U.S Sentencing Guideline249que determinam que as condutas de
cooperação com a investigação serão consideradas na formulação da acusação
assim como na aplicação das sanções.
Ainda no âmbito da experiência norte-americana, importante citar os
chamados Deferred Prosecution Agreements (DPA), acordos em que as pessoas,
físicas e jurídicas, além de se comprometerem a não reincidir em novas infrações,
concordam, entre outros fatores, a adotar determinadas medidas corretivas e de
compliance. Ao final de determinados períodos, se cumprirem com os termos do
acordo, sanções deixam de ser aplicadas250.
É desse contexto que surge o fundamento tanto do acordo de leniência
quanto da colaboração premiada e colaboração premiada, empregadas no direito
penal.
O foco de nossos estudos é o acordo de leniência, de modo que, em que
pese sejam objetos de citação, não faremos abordagens teóricas sobre a delação e
colaboração premiada.
Todavia, não é despiciendo fazer uma breve análise dogmática entre os três
conceitos (acordo de leniência, colaboração premiada e delação premiada).
247
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP-FDRP, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, 2015, p. 511. 248
Disponível em: ˂http://www.justice.gov/opa/documents/corp-charging-guidelines.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2016. 249
Disponível em: <http: //www.ussc.gov/Guidelines/>. Acesso em: 07 abr. 2016. 250
MARINELA, Fernanda; PAIVA, Fernando; RAMALHO, Tatiany. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1.º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, p. 189-201.
108
A colaboração premiada e a delação premiada se confundem e a opção por
uma terminologia ou outra é opção do legislador, razão pela qual, certos diplomas
legais se valem da expressão colaboração premiada e outros da expressão delação
premiada.
Roldão Simione acredita, quanto ao uso dos comandos verbais, ora
“denunciar”, ora “colaborar”, que o legislador, verificando que a palavra delação
vestia uma roupagem muito pejorativa, confundindo-se com a palavra traição,
procurou substitui-la, usando, então, o verbo colaborar251.
Gustavo dos Reis Gazzola apresenta o seguinte conceito à delação
premiada:
[...] Conceitua-se, portanto, delação premiada como negócio jurídico bilateral consistente em declaração oral, reduzida a escrito, pessoal, expressa e voluntária do investigado ou acusado perante a autoridade a quem informa sobre a responsabilidade de terceiro partícipe ou co-autor na prática de infração penal e, em retribuição, pode receber, mediante decisão judicial, na seara penal, extinção da punibilidade ou abrandamento das sanções, e, na processual penal, a exclusão do processo ou medidas persecutórias mais brandas252.
Gazzola adverte que, embora o instituto da delação premiada guarde relação
de pertinência com o direito material, o mesmo revela aspectos de natureza
processual atinentes aos meios de prova253.
O autor sustenta que a delação premiada carece de previsão unificada no
direito positivo, ao reverso do modelo atual em que aparece com diferentes
roupagens em diversos diplomas legais, e restrita a rol taxativos de crimes,
mormente aqueles ligados à atividade de organizações criminosas.254
251
SIMIONE, Roldão. Delação premiada e sua valoração probatória. 2001. 231 f. Tese (Doutorado em
Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2001, p. 53. 252
GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Delação premiada: natureza jurídica e delimitação segundo o devido processo legal. 2008. 308 p. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2008, p. 59. 253
Ibid., p. 11. 254
O autor sustenta que não há falar em permitir o instituto a investigados e acusados que se
disponham a delatar terceiros, os quais responsáveis por delitos que não contaram com a participação do delator. Ibid., p. 282.
109
Vinícius Gomes de Vasconcellos, referindo-se à Lei 12.529/2011, adverte que
o acordo de leniência trata-se de uma espécie de “delação premiada”, concretizado
a partir de regime jurídico próprio com regulação na legislação antitruste255.
Anna Lamy, também se referindo, na oportunidade, à Lei 12.529/2011,
assenta que a principal diferenciação entre o acordo de leniência e a delação
premiada se atesta pela autoridade legitimada a propor o acordo, que na leniência é
o Ministério da Justiça e não o Ministério Público256.
Apenas consignamos que além da origem comum, advinda do ordenamento
jurídico norte-americano257, não vislumbramos diferença ontológica entre o acordo
de leniência, a colaboração premiada e a delação premiada.
O que diferencia os institutos é a esfera de responsabilização e os agentes
competentes para sua celebração.
O acordo de leniência é instituto adotado na esfera administrativa de
responsabilização e a colaboração premiada e a delação premiada são institutos
adotados na esfera penal de responsabilização.
No plano internacional, o instituto da leniência tem tido largo emprego,
principalmente após a década de 1970. No Brasil, o instituto somente aportou no
ano 2000, a partir da Lei n. 10.149/2000, que instituiu o acordo de leniência, com
aplicabilidade nas infrações de caráter econômico e concorrencial.
255
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCRIM, 2015, p. 113. 256
LAMY, Anna Carolina Pereira Cesarino Faraco. Reflexos do acordo de leniência no processo
penal. A implementação do instituto ao direito penal econômico brasileiro e a necessária adaptação ao regramento constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 47. Ainda sobre o tema dos reflexos do acordo de leniência no processo penal, vide: SALOMI, Maíra Beuchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 127-267. 257
Sobre a influência do direito norte americano na adoção do acordo de leniência no Brasil vide: MARRARA, Thiago. Sistema brasileiro de defesa da concorrência: organização, processos e acordos administrativos. São Paulo: Atlas, 2015, p. 331-341. Sobre a influência do direito norte americano na adoção da delação premiada e colaboração premiado no Brasil vide: GAZZOLA, Gustavo dos Reis. Delação premiada: natureza jurídica e delimitação segundo o devido processo legal. 2008. 308 p. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, 2008, p. 15-68.
110
O acordo de leniência tem expressiva importância na legislação internacional
e a sua realização enseja grande contribuição tanto para as pessoas jurídicas
quanto para o Estado.
No Brasil, em virtude de sua recente implantação no plano normativo, cremos
que muito há que se avançar na aplicação do instituto do acordo de leniência, não
só em termos legislativos, mas principalmente quanto à postura e comportamento
tanto dos agentes estatais competentes para sua celebração, como dos agentes do
setor privado.
Em tempos atrás, seria impensável e absurdo se cogitar que uma autoridade
pública travasse um diálogo com um infrator confesso, responsável por desvios
bilionários de recursos financeiros ou por infrações econômicas com altíssimo
impacto lesivo ao interesse público.
Todavia, nos tempos atuais, cada vez mais, se reconhece que a satisfação
das competências do Estado, por meio de acordos, pode se mostrar mais eficiente
no caso concreto quando em comparação com o modo unilateral imperativo de
ação258.
Eis os fundamentos e origem do instituto do acordo de leniência. Nesse
sentido, pelo fato desse instituto ensejar o abrandamento e até imunidades em
relação a determinadas sanções, esses acordos levantam dúvidas teóricas à luz do
princípio da indisponibilidade do interesse público, da isonomia e até mesmo da
legitimidade.
2.3 Acordo de Leniência e o interesse público
A adoção de uma posição sobre a compatibilidade do instituto do acordo de
leniência com o interesse público impõe, necessariamente, uma definição do que se
entende por interesse público.
258
Sobre sanção e acordo no âmbito de Administração Pública vide: DE PALMA, Juliana Bonacorsi. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: SBDP/Malheiros, 2015.
111
Ricardo Marcondes Martins afirma que o interesse público a ser perseguido
pelo Estado corresponde ao resultado da ponderação, vale dizer, da concretização
do princípio ou princípios que têm maior peso no caso concreto259.
O citado autor distingue a expressão isolada “interesse público” da expressão
“supremacia do interesse público”. Segundo o autor, a expressão “interesse público”
não é um princípio jurídico, mas sim o interesse a ser defendido pelo Estado, e
refere-se ao resultado da ponderação efetuada pelo agente público, ou seja, refere-
se ao princípio cuja concretização é exigida pelo ordenamento jurídico. Já na
expressão “supremacia do interesse público”, o termo “interesse público” refere-se
ao interesse da coletividade em oposição ao interesse do indivíduo, o que o autor
classifica como princípio formal especial da supremacia do interesse público sobre o
privado260.
Em estudo mais recente, Ricardo Marcondes Martins reafirma e consolida seu
entendimento ao sustentar que: “efetuada a ponderação, levando-se em
consideração todos os princípios formais, dentre eles o da supremacia do interesse
público, obtêm-se o interesse público a ser perseguido”261.
Daniel Hachem sustenta uma dupla natureza dos princípios. Segundo o
referido autor, existe o princípio da supremacia em sentido estrito, que atribui maior
259
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 193. 260
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, nota de roda-pé p. 193. O citado autor explica que o interesse público é o interesse dos particulares enquanto partícipes da sociedade e que se na ponderação efetuada preponderar um direito individual, o interesse público consistirá na sua tutela. Esclarece o autor que é incorreto entender o interesse público como conceito contraposto ao interesse particular, e tal equivoco decorre do fato do ser humano ter a tendência a ignorar seus interesses enquanto partícipes da sociedade e buscar a máxima realização de seus interesses privado. Embora lecione ser incorreto falar em “princípio do interesse público”, assenta que com relação ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é expressão correta e demonstra a ambigüidade na utilização da expressão “interesse público”: isoladamente considerada, que consiste no resultado da ponderação efetuada pelo agente, ou seja diz respeito ao princípio que deve, segundo o ordenamento jurídico, ser concretizado; no princípio da supremacia, interesse público refere-se ao interesse da coletividade em oposição ao interesse do indivíduo. Em outra oportunidade, Ricardo Marcondes Martins sustenta que a supremacia do interesse público sobre o privado trata-se de um princípio formal especial que da maior peso aos interesses coletivos do que aos individuais. MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria dos princípios formais. In: FERNANDES, Felipe Gonçalves (Org.) Temas atuais de direito administrativo neoconstitucional. São Paulo: Intelecto Editora, 2016, p. 27-30. 261
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 123-131. Nesse trabalho o referido autor frisa que a supremacia limita-se a atribuir um peso abstrato maior (razão prima facie e não definitiva) aos bens coletivos (na terminologia de Alexy) ou ao interesse geral (na terminologia de Hachem), não significando que o interesse coletivo sempre prevalecerá sobre o interesse individual, uma vez que a definição do interesse público exige considerar o peso de todos os interesses privados em uma ponderação.
112
peso aos bens coletivos do que aos direitos individuais, e a regra da supremacia, ou
interesse público em sentido amplo, que atribui supremacia, privilégio e restrições a
quem deve perseguir o resultado da ponderação estatal262.
Dessa forma, o que Daniel Hachem conceitua como interesse público em
sentido estrito, Ricardo Marcondes Martins conceitua como princípio formal especial
da supremacia do interesse público sobre o privado e reconhece que, de fato, há
uma dupla natureza, vale dizer, há o princípio da supremacia e a regra da
supremacia263.
Emerson Gabardo e Gabriel Morettini e Castella, ao discorrerem sobre a
importância do compliance na Lei Anticorrupção, assentam que o Estado social
típico do século XX, gradativamente, abandonou os princípios liberais de
dissociação entre as esferas pública e privada, visando garantir a maior justiça nas
relações sociais264.
Os autores asseveram que o Estado precisa ser ao mesmo tempo eficiente e
razoável e sua intervenção deve ser sempre proporcional, e ainda, que o
administrador, que antes estava preso a um rígido sistema punitivo ao qual não era
possível ter disposição ou maleabilidade, agora, pode ser “leniente”; ou seja, pode
transacionar; pode negociar as sanções como se um agente privado fosse. Para
tanto, poderá considerar, com alta margem de discricionariedade, se as medidas de
precaução interna adotadas justificam a atenuação (ou mesmo supressão) das
penas265.
Advertem os autores que Estado e sociedade civil estão no mesmo barco,
pois são representações coletivas do mesmo sujeito e ressaltam que, em nível
global, as empresas estão tendo de promover uma junção entre moralidade,
publicidade, legalidade, eficiência, impessoalidade, proporcionalidade e
262
HACHEM, Daniel. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 194-195. 263
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria jurídica da liberdade. São Paulo: Contracorrente, 2015, p.
124-127. Para um maior exame do tema da supremacia do interesse público à luz da teoria dos princípios formais, vide: MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria dos Princípios Formais. In: FERNANDES, Felipe Gonçalves (Org.). Temas atuais de direito administrativo neoconstitucional. São Paulo: Intelecto, 2016, p. 27-30. 264
GABARDO, Emerson; CASTELLA, Gabriel Morettini e. A nova lei anticorrupção e a importância do compliance para as empresas que se relacionam com a Administração Pública. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum, v. 15, n. 60, p. 140, abr./jun.2015. 265
Ibid., p. 140.
113
responsabilidade objetiva, princípios estes tradicionalmente tratados no espectro do
Direito Público e finalizam a abordagem, assentando que tal modificação é resultado
do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado em todas
as relações jurídicas e econômicas266.
Concordamos, em parte, com Emerson Gabardo e Gabriel Morettini e
Castella, sobretudo na adoção pelas empresas de uma postura que deve observar
princípios anteriormente focados para a Administração Pública e com a possibilidade
do administrador ser leniente.
Todavia, fazemos a ressalva e advertência de que o administrador público,
por mais que o direito público seja aproximado do direito privado, nunca pode ser
equiparado ao particular ou agente privado.
O agente público, por exercer função administrativa, todos os seus poderes e
atribuições só lhe são irrogadas para que busque sempre a melhor solução jurídica
para atender aos anseios da coletividade.
O agente público, diferentemente do particular, não possui liberdade no seu
agir, mas somente discricionariedade que deve ser exercida e atrelada ao dever de
atender à finalidade de perseguir e curar pelo interesse público, sempre em busca
da melhor solução para cumprir os anseios da coletividade.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Veras de Freitas lecionam que o
artigo 16 da Lei Anticorrupção, com ideia emprestada da Lei Antitruste (Lei n.
12.529/2011) consigna um acordo substitutivo, ou seja, um ato administrativo
complexo por intermédio do qual a Administração Pública, pautada pelo princípio da
consensualidade, flexibiliza sua conduta imperativa e celebra com o administrado
um acordo, que tem por objeto substituir, em determinada relação administrativa,
uma conduta, primariamente exigível, por outra secundariamente negociável.
266
GABARDO, Emerson; CASTELLA, Gabriel Morettini e. A nova lei anticorrupção e a importância do compliance para as empresas que se relacionam com a Administração Pública. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, Fórum, v. 15, n. 60, p. 140, abr./jun.2015.
114
Segundo as palavras dos autores:
Por meio desta via negocial, a Administração Pública opta por uma atuação consensual, que lhe é aberta em hipóteses legalmente previstas, de sorte a tutelar, de forma mais eficiente, o interesse público primário que está a seu cargo. É relevante destacar-se que, nesses atos, a Administração não dispõe sobre direitos públicos, mas sobre as vias formais para satisfação do interesse público envolvido. De resto, o ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões de acordos substitutivos267.
Os autores deixam bem nítida a distinção entre a “disposição do interesse
público” e “a disposição do uso das vias formais e tradicionais para a satisfação do
interesse público”. Essa distinção é importante, pois, em muitas oportunidades, uma
ponderação entre o princípio que determina a aplicação das vias formais de
apuração de ilícitos e o princípio da eficiência na apuração de provas, consideradas
as circunstâncias do caso concreto, conduzem à prevalência do último, e
consequentemente impondo a utilização da via da consensualização.
De nossa ótica, a consensualização do poder sancionatório, em si, não viola
qualquer princípio constitucional, sobretudo o da indisponibilidade dos interesses
públicos.
É muito simplista e precipitado alegar sem responsabilidade que a celebração
do acordo de leniência contraria o interesse público e, em contrapartida, prestigia o
interesse do particular beneficiário do acordo.
Questão a ser enfrentada é se o acordo de leniência configuraria, em última
análise, a disposição do interesse público pela Administração.
267
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Veras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e interpretações prospectivas. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, v. 14, n. 156, p. 9-20, fev., 2014. Como exemplos de atos reguladores de caráter normativo, instituidores de acordos substitutivos, os autores destacam: a Resolução de Diretoria Colegiada RDC/57, da Agência Nacional de Saúde (ANS), que disciplina o termo de compromisso de ajuste de conduta no âmbito administrativo regulatório setorial daquela autarquia, e a Resolução nº 442/04, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que dispõe sobre o termo de compromisso de ajuste de conduta nas matérias de sua competência deslegalizada, a Resolução nº 33/2008, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que estabelece critérios e procedimentos para celebração de Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta entre esta autarquia e as concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços e instalações de energia elétrica, a Resolução nº 987/2008, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que estabelece o procedimento de fiscalização e aplicação de sanções administrativas neste setor regulado.
115
Entendemos que não. A celebração do acordo de leniência não configura a
disposição do interesse público pela Administração, pelo contrário, a opção pela
celebração do acordo de leniência se traduz na própria realização do interesse
público pelo Estado, vale dizer, traduz-se em ato administrativo consensual, cuja
concretização é exigida pelo ordenamento como resultado de uma prévia
ponderação dos princípios incidentes no caso concreto, bem como das
circunstâncias fáticas, conforme a aplicação do postulado da proporcionalidade
abordado na subseção 1.4.
Argumentos simplistas e superficiais de que o acordo de leniência configura
indevida disposição do interesse público primário pelo Estado não se sustentam.
No caso da Lei Anticorrupção, os principais bens jurídicos protegidos pelos
dispositivos legais que preveem as infrações e consequentes sanções são: i) a
preservação do patrimônio público; ii) os princípios da Administração Pública e iii) os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Ninguém discorda que tais bens jurídicos representam o interesse da
coletividade e que devam ser perseguidos. Porém, nem sempre a persecução de
tais interesses se dará atendendo com prevalência interesses coletivos e
negligenciando interesses privados.
Isso porque, em muitas hipóteses concretas, o atendimento do interesse do
particular se traduz no atendimento do interesse público na exata medida exigida
pelo ordenamento jurídico.
Podemos observar esse fenômeno com bastante clareza no instituto do
acordo de leniência, pois, pelo seu uso, é possível maximizar a produção de provas
pelo Estado em troca da suavização da punição do infrator.
Em casos de infrações sofisticadas e complexas, em que dificilmente o
Estado lograria êxito na identificação precisa das infrações e dos infratores, não há
dúvidas de que o interesse público é atendido com a adoção do instituto do acordo
de leniência, sem que com isso se possa considerar que a suavização na pena do
infrator se configure atentado ao princípio da indisponibilidade do interesse público
pela Administração.
116
Outrossim, como já defendemos em outra oportunidade, a medida mais exata
de atendimento ao interesse púbico na aplicação Lei Anticorrupção é por meio de
uma ponderação de princípios envolvidos no caso concreto, evitando-se que com a
extinção de uma pessoa jurídica sejam fulminados também, princípios como o da
livre iniciativa, livre concorrência e os valores do pleno emprego, desenvolvimento
nacional, erradicação de pobreza e da marginalização, insculpidos nos artigos 1.º,
3.º e 170 da Constituição Federal268.
Por força do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, na
ponderação efetuada pela administração ou pelo Poder Judiciário entre o interesse
de apenas um particular e o interesse de muitos se dá uma primazia aos interesses
de muitos. Todavia, isso não significa que sempre o interesse de muitos irá
prevalecer; o interesse privado pode, diante das circunstâncias, apresentar-se tão
pesado que afaste o interesse coletivo; além disso, a prevalência do interesse
público não deve atentar contra o núcleo essencial dos direitos fundamentais.
Desse modo, verifica-se que a adoção do instituto do acordo de leniência,
pela Administração Pública, em diversas oportunidades, será considerado o
atendimento do interesse público na exata medida exigida pelo ordenamento
jurídico, na forma mais precisa e justa.
Todavia, cabe consignar que a decisão pela celebração do acordo de
leniência não está no campo de liberdade do agente público. Isso porque nem
sempre a Administração Pública pode ser leniente.
Explicaremos melhor: quando o Estado detém as informações e provas da
autoria e materialidade das infrações, não lhe faltando mais elementos e
informações para sua atuação sancionadora, não pode ser leniente com o infrator,
por ausência de justificativa para tanto.
Nesse sentido, sempre que o Estado tiver as informações e elementos
probatórios suficientes para responsabilização da pessoa jurídica pelos ilícitos
previstos na Lei Anticorrupção ou Lei de Improbidade Administrativa deverá
268
SANTOS. Kleber Bispo dos. Das sanções da lei anticorrupção à luz da ponderação de interesses.
Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Brasília, v. 19, n. 67, p. 127-128, set./dez. 2015.
117
prosseguir com os procedimentos administrativos de responsabilização e não
celebrar o acordo de leniência.
Do mesmo modo, mesmo que o Estado não tenha as informações e
elementos probatórios suficientes para a responsabilização da pessoa jurídica pelos
ilícitos previstos na Lei Anticorrupção ou Lei de Improbidade Administrativa, mas for
muito fácil e acessível à obtenção de tais informações e provas, deverá prosseguir
com os procedimentos administrativos de responsabilização e não celebrar o acordo
de leniência.
De outra banda, quando o Estado não tiver os elementos probatórios
suficientes para responsabilização da pessoa jurídica pelos ilícitos previstos na Lei
Anticorrupção ou Lei de Improbidade Administrativa, ao receber e apreciar a
proposta de acordo de leniência, e desde que esta preencha os requisitos e traga
elementos de autoria e materialidade sobre os ilícitos investigados, poderá lançar
mão do acordo de leniência visando atender ao interesse público da maneira mais
eficaz e na exata medida exigida pelo ordenamento jurídico, por meio da realização
da ponderação entre os princípios envolvidos, as circunstâncias fáticas, passando
também pelo crivo do postulado da razoabilidade.
Somente nesse momento, em que a Administração tem plena convicção de
que poderá lançar mão do acordo de leniência, por não ter os elementos para
instauração de instrumentos processuais tradicionais de aplicação de sanções, é
que adentra no campo da discricionariedade inerente ao acordo de leniência.
Todavia, mesmo dentro do acordo de leniência, essa discricionariedade tem
limites e, a depender das circunstâncias e elementos do caso concreto, ela é
totalmente afastada surgindo verdadeira competência vinculada, hipótese que se dá
quando, por exemplo, a pessoa jurídica, de modo incontroverso e objetivo, preenche
todos os requisitos para a celebração do acordo de leniência.
A escolha pela celebração do acordo de leniência longe de se contrapor ao
interesse público, em muitas ocasiões, representa o atendimento do interesse
público na medida mais precisa imposta pelo ordenamento jurídico.
Isso porque, por todos os argumentos assentados acima, é de evidência
ululante que o acordo de leniência, previsto no artigo 16 da Lei Anticorrupção,
118
permite o combate mais eficaz e eficiente da corrupção, porque estimula, mediante
benefícios e sanções positivas, que a pessoa jurídica, autora dos ilícitos do artigo 5,
º revele a verdade, o que vem ao encontro da preservação e proteção dos interesses
da coletividade, dos princípios que governam a Administração Pública e da
finalidade constante do Artigo 1, “a”, da Convenção das Nações Unidas Contra a
Corrupção, de “promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais
eficaz e eficientemente a corrupção”.
2.3.1 Acordo de leniência, vinculação e discricionariedade
O acordo de leniência é um ato administrativo e, assim sendo, os conceitos
de vinculação e discricionariedade não escapam ao mesmo, uma vez que os atos
administrativos são introduzidos no mundo por meio de agentes que exercem ou a
competência vinculada ou discricionária, com o fito de melhor atender ao interesse
público.
Na busca constante pelo atendimento ao interesse público, que resulta da
ponderação dos princípios incidentes na hipótese concreta de atuação, por vezes, o
agente público se encontrará diante de competência vinculada e, por vezes, se
encontrará diante de competência discricionária.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, pode-se concluir que a atuação da
Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei
estabelece a única solução possível diante de determinadas situações de fato; ela
fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar,
sem qualquer margem de apreciação subjetiva269.
Segundo a mesma autora, no que tange ao conceito e abrangência da
discricionariedade, a atuação é discricionária quando a Administração, diante do
caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e
269
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 255.
119
conveniência e escolher uma entre duas ou mais soluções, todas válidas para o
direito270.
Maria Sylvia ilustra, como exemplo de vinculação, o caso de ocorrência de
ilícito administrativo, em que, segundo a autora, a Administração é obrigada a apurá-
lo e a punir os infratores, sob pena de condescendência criminosa (art. 320 do
Código Penal)271.
Como exemplo de discricionariedade, a autora cita o caso em que, realizada
uma licitação, a Administração pode ter de optar entre a celebração do contrato ou a
revogação da licitação, segundo razões de interesse público, devidamente
demonstradas272.
Celso Antônio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre a vinculação, assenta
que a mesma se apresenta acarretando a expedição do ato vinculado, quando a lei
regula dada situação em termos tais que não resta para o administrador margem
alguma de liberdade, posto que a norma a ser implantada prefigura
antecipadamente com rigor e objetividade, absolutos os pressupostos requeridos
para a prática do ato e o conteúdo que este, obrigatoriamente, deverá ter, uma vez
ocorrida a hipótese legalmente prevista273.
Ao discorrer sobre a discricionariedade, Celso Antônio elucida que
reversamente à vinculação, fala-se em discricionariedade quando a disciplina legal
faz remanescer em proveito e a cargo do administrador uma certa esfera de
liberdade, perante o quê caber-lhe-á preencher com seu juízo subjetivo, pessoal, o
campo de indeterminação normativa, a fim de satisfazer, no caso concreto, a
finalidade da lei274.
Sobre a existência de discricionariedade no nível da norma e a
discricionariedade perante o caso concreto assenta, ainda, Celso Antônio Bandeira
de Mello que:
270
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 255. 271
Ibid., p. 256. 272
Ibid., p. 257. 273
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 979-980. 274
Ibid., p. 979-980.
120
A existência de discricionariedade ao nível da norma não significa, pois, que a discricionariedade existirá com a mesma amplitude perante o caso concreto e nem sequer que existirá em face de qualquer situação que ocorra, pois a compostura do caso concreto excluirá obrigatoriamente algumas das soluções admitidas in abstrato na regra e, eventualmente, tornará evidente que uma única medida seria apta a cumprir-lhe a finalidade. Em suma, a discrição suposta na regra de Direito é condição necessária, mas não suficiente, para que exista discrição no caso concreto: vale dizer, na lei se instaura uma possibilidade de discrição, mas não uma certeza de que existirá em todo e qualquer caso abrangido pela dicção da regra275.
José Roberto Pimenta aduz que:
[...] a discricionariedade é a instituição normativa de margens de decisão em favor da Administração Pública para a realização do interesse público. Funda-se na forma de estruturação normativa das competências. Surge no resultado da produção jurídica. Na sua criação, há o implícito dever de satisfação ótima do interesse público em cada situação. No seu desenho, pressupõe-se a prévia indicação das várias soluções jurídicas abertas ao administrador, cuja eleição, todavia, está lógica e juridicamente atrelada às circunstâncias de fato e de direito constatáveis no processo de individualização do direito276.
Adverte ainda José Roberto Pimenta Oliveira:
A situação concreta, fático-jurídica, estabelece a moldura singular de concretização do interesse público. Conjunto de fatos juridicamente relevantes e normas jurídicas casuisticamente imperantes são diferenciais. Inexiste discricionariedade que não seja relativizada – e, em alguns casos, eliminada – no bojo da avaliação das características do problema que a Administração deve resolver. Inexiste discrição senão nos limites de significação e de decisão deixados pelo contexto decisório277.
José Roberto Pimenta Oliveira consigna que a atribuição e o exercício da
discricionariedade administrativa estão submetidos ao princípio constitucional da
segurança jurídica, que incide na estática e na dinâmica da discricionariedade e
275
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 981. 276
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O princípio da segurança jurídica como limite à atribuição e exercício de competências discricionárias pela Administração Pública. In: VALIN, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 411. 277
Ibid. p. 411.
121
impõe o respeito aos ideais de cognocibilidade, confiabilidade e calculabilidade na
atuação administrativa278.
O autor assevera que no contexto de uma compreensão da ordenação
jurídica (por muitos, hoje, nominada de pós-positivistas, pós-moderna), em que no
processo de incidência normativa (isto é, das regras de competência formal), os
elementos axiológicos incorporados aos direitos estão a exigir uma tutela
diferenciada (próprio do Estado Material de Direito, ou Estado Constitucional, ou
Estado Democrático – como o prefigura o artigo 1.º da nossa Constituição); a
circunstancialidade das competências administrativas conduz ou reforça a
necessidade de ponderação balizada na aplicação do direito pelos órgãos
administrativos279.
Nesse sentido, assevera Pimenta Oliveira que:
Instituir discricionariedade e seu correlato dever de otimização na realização da finalidade legal (atividade de subsunção, governada pela correta intelecção literal, histórica, finalística e sistemática da norma aplicada) transmuda-se no irrefragável dever jurídico de, partindo do(s) interesse(s) público(s) que giza(m) a competência, empreender a indispensável ponderação ou sopesamento de valores jurídicos (cristalizados em normas jurídicas ou delas inferidos), que incidem ou estão presentes na atuação jurídico-administrativa280.
Ainda sobre a imposição do agente administrativo competente ter de realizar
uma ponderação de princípios constitucionais, podendo a distinção entre vinculação
e discricionariedade esvaecer-se, assenta Thiago Marrara:
Se o poder de escolha da administração pública, até bem pouco tempo era apresentado pela doutrina especializada como um poder dependente de um mero juízo a ser feito pela autoridade pública quanto à conveniência e à oportunidade do ato (mérito administrativo), hoje, tal concepção não pode prevalecer. No direito administrativo hodierno, “conveniência e oportunidade” deixa de constituir uma mera expressão indeterminada para se consagrar como um método objetivo de escolha, pelo qual, a autoridade pública está obrigada a ponderar princípios constitucionais, direitos
278 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. O princípio da segurança jurídica como limite à atribuição e exercício de competências discricionárias pela Administração Pública. In: VALIN, Rafael; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Tratado sobre o princípio da segurança jurídica no direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 426. 279 Ibid., p. 411. 280 Ibid., p. 412.
122
fundamentais, razoabilidade de ação e interesses secundários da entidade administrativa. Nesse contexto, tamanhas são as restrições normativas e valorativas ao poder de escolha do agente público que a diferença entre discricionariedade e vinculação tende a esvaecer quase por completo em incontáveis situações281.
Thiago Marrara sustenta que a boa-fé da Administração Púbica, sobretudo
como boa-fé objetiva, também opera restrições ao poder de escolha da autoridade
pública no caso concreto, podendo, não raro, aniquilar a discricionariedade282.
Nesse sentido, assevera Thiago Marrara:
[...] a boa-fé imposta ao poder público como norma de conduta derivada, em última instância, da moralidade administrativa, demanda decisões probas, razoáveis e cooperativas, e não meramente legais. Por isso, a necessidade de observância simultânea desses atributos restringirá inevitavelmente o poder de escolha inicialmente conferido por uma regra jurídica ao agente público, ocasionando, não raro, o aniquilamento da discricionariedade administrativa283.
Ricardo Marcondes Martins assevera que na vinculação só há uma solução
juridicamente possível, ou seja, ou a Administração concretizou o princípio Pn de
determinada maneira e cumpriu o Direito, globalmente considerado, ou não o fez, e
violou o Direito284.
Já com relação ao exercício da competência discricionária, o mesmo autor
assenta que há duas ou mais soluções admitidas pelo direito, globalmente
considerado – possibilidade, essa, decorrente do pluralismo285.
Ricardo Marcondes Martins assenta que por força do Preâmbulo da
Constituição e de seu artigo 1.º, V, o pluralismo, no ordenamento jurídico brasileiro,
é – na terminologia utilizada por Canotilho – um princípio estruturante impondo o
281
MARRARA, Thiago. A boa-fé do administrado e do administrador como fator limitativo da discricionariedade administrativa. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 259, p 210, jan./abr. 2012. 282
Thiago Marrara assenta ainda que a boa fé do cidadão, a vinculação da autoridade pública à coisa julgada administrativa, por força do princípio da segurança jurídica e a vinculação da autoridade pública à jurisprudência administrativa, por força do princípio da isonomia, restringem a discricionariedade. Ibid., p. 245. 283
Ibid., p. 245. 284
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 182. 285
Ibid., p. 183.
123
reconhecimento de que cada pessoa tem sua própria concepção de bem, seus
próprios valores, impondo, enfim, a admissão de uma pluralidade de opiniões286.
O citado autor esclarece, ainda, que do pluralismo não decorre, todavia, a
impossibilidade de um consenso social e diz que quando este não existir, o sistema
jurídico opta, em princípio, pela posição do agente competente287.
O autor aponta dois exemplos bem didáticos para evidenciar a convivência do
pluralismo com o consenso social. O primeiro exemplo é do consenso social sobre a
intolerabilidade do sacrifício humano por motivo religioso, pois em relação a esse
tema, a esmagadora maioria das pessoas entende que o direito à vida tem um peso
extremamente maior que o direito ao culto religioso. O segundo exemplo é o tema
do aborto, onde aponta que não existe, ainda, um consenso social, pois há muitos
que são favoráveis e há muitos que são contrários288.
De fato, em muitas hipóteses, a valoração é objetiva, independe da opinião de
cada um e, em muitas outras hipóteses, a valoração é subjetiva, vale dizer, depende
da opinião de cada um.
Quando a valoração for objetiva cessa-se necessariamente a
discricionariedade.
Quando se abre a possibilidade de escolha, quando a valoração não é
objetiva ou redutível, há apenas uma possibilidade, configura-se a
discricionariedade, sendo tanto admissível uma escolha valorativa quanto outra, e o
direito imputa a escolha ao agente competente.
Acertado o entendimento dos doutrinadores acima destacados no sentido de
que a discricionariedade pode se reduzir à estaca zero. Isso porque, a
discricionariedade só surge no plano concreto, jamais no plano abstrato.
Atualmente, está superada a concepção legalista, segundo a qual, somente a
lei é a fonte da discricionariedade. Nesse sentido, a fonte de discricionariedade é o
Direito e não a lei.
286
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 183. 287
Ibid., p. 183. 288
Ibid., p. 183.
124
Dessa forma, Ricardo Marcondes Martins assenta ser equivocado falar em
“discricionariedade no plano abstrato” e em “discricionariedade no plano concreto”,
ressaltando que a regra abstrata pode ser redigida de tal forma que não deixe,
aparentemente, qualquer liberdade à atuação administrativa e, apesar disso, haja
indiscutível discricionariedade e, do mesmo modo, a regra abstrata pode ser redigida
de tal forma que, aparentemente, deixe total liberdade à atuação administrativa e,
apesar disso, haja indiscutível vinculação289.
O agente competente para celebrar o acordo de leniência, quando estiver
diante de um caso em que exista um consenso social, tendo em vista os valores
vigentes sobre o resultado da ponderação administrativa e ela não se mostrar
sensivelmente injusta, estará diante de vinculação e, nesse caso, deve impor o
resultado preconizado pelo consenso social.
Nos casos em que não se tenha o consenso social, nem tampouco uma
solução sensivelmente mais justa, situações em que cada pessoa tem sua própria
opinião, o sistema opta pela posição do agente competente, no caso, do agente
público competente pela celebração do acordo de leniência.
Imaginemos uma hipótese em que os agentes competentes para celebração
do acordo de leniência ou pela responsabilização administrativa ou judicial nos
moldes previstos na Lei n. 12.846/2013, diante de um escândalo de corrupção,
envolvendo uma empresa contratante com o Poder Público, já possuam informações
e provas suficientes, vale dizer, indícios de autoria e materialidade dos ilícitos
tipificados na lei, bastando dar início e/ou prosseguir com o competente processo de
responsabilização, assegurando-se, aos acusados, a garantia da ampla defesa e
contraditório.
Nesta hipótese, há um consenso social pela repressão da corrupção pelos
meios processuais e tradicionais de responsabilização previstos na lei. Não há
necessidade de se lançar mão do acordo de leniência, de uma colaboração
289
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 181. O autor trata do mesmo tema em: Proporcionalidade e boa administração. In: CAMMAROSANO, Flávia; ESTEFAM, Felipe Faiwichow (Org.). Direito Público em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 13-15.
125
premiada, isso porque o Estado já detém as informações suficientes e conteúdo
probatório suficiente para atender o consenso social.
Nesse caso, estamos diante da vinculação, ou melhor, de uma competência
vinculada do agente competente que lhe impõe a conduta de não celebrar o acordo
de leniência. Mesmo que a pessoa jurídica manifeste seu interesse em cooperar
para a apuração do ilícito e protocole proposta de acordo de leniência, o agente
competente deverá rejeitar o acordo de leniência motivando sua decisão no fato de
já possuir anteriormente os itens assentados nos incisos I e II do artigo 16 da Lei
12.846/2013, quais sejam: i) a identificação dos envolvidos na infração; e, ii)
informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
Ressaltamos que, nesta hipótese, há apenas uma empresa envolvida nos
escândalos de corrupção. Diferente seria se houvesse mais empresas envolvidas,
hipótese em que não mais estaríamos diante de vinculação com a rejeição da
proposta do acordo de leniência, e sim de discricionariedade na apreciação da
proposta do acordo de leniência.
Essa discricionariedade pode ser reduzida a zero, a depender das
circunstâncias do caso concreto, dos elementos de provas trazidos pela proponente
em relação às demais pessoas jurídicas envolvidas no caso concreto.
Imaginemos uma outra hipótese, em que diante de especulações sobre um
possível grande escândalo de corrupção, envolvendo empresas contratantes com o
Poder Público, os agentes da Administração Pública, competentes para celebração
do acordo de leniência ou pela responsabilização administrativa ou judicial nos
moldes previstos na Lei n. 12.846/2013, não possuam quaisquer informações
concretas, apenas declarações políticas de parlamentares da bancada de oposição
ao governo da situação e especulações dos meios de imprensa, nenhum documento
ou qualquer outro indício de prova consistente ou robusto, tendo dificuldades até
para traçar, iniciar e executar uma linha de investigação.
Nesta hipótese, diante da imprecisão e vagueza dos elementos probatórios,
não há um consenso social, nem há uma solução sensivelmente mais justa, mas
sim, se trata de uma situação em que cada pessoa tem sua própria opinião, algumas
opiniões provenientes de pessoas com formação jurídica, outras opiniões de
126
pessoas sem formação jurídica, mas com outras experiências sociais, políticas e em
ciências humanas, e ainda, outras opiniões de pessoas sem qualquer formação.
Algumas opiniões totalmente contaminadas por sentimentos como ódio, raiva, ira,
cólera, rancor, preconceito, e outras mais neutras e até desprovidas de quaisquer
contaminações.
Nesta hipótese, diante das incertezas e até mesmo a falta de elementos mais
robustos de prova, o sistema opta pela posição do agente competente, no caso, do
agente público. Assim, o agente público competente, ao receber, mediante protocolo
ou outros meios cabíveis, uma proposta de acordo de leniência por pessoa jurídica
que manifeste expressamente seu interesse em cooperar para a apuração do ilícito,
estará diante da discricionariedade, vale dizer, competência discricionária, devendo
receber a proposta de acordo de leniência, verificar se foram atendidos os requisitos
previstos na lei e no decreto regulamentador e, se for o caso, firmar memorando de
entendimento com a pessoa jurídica proponente para formalizar a proposta e definir
os parâmetros do acordo de leniência e, a depender das circunstâncias do caso
concreto, entendendo haver sido atendido o escopo previsto nos incisos I e II do
artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, celebrar o acordo de leniência ou não, caso entenda
não haverem sido preenchidos os mesmos requisitos.
Nesse caso hipotético, somente entendemos que o agente competente estará
no campo da competência discricionária, pois em virtude dos meros indícios e falta
de maior robustez das denúncias (que se fundamentam inicialmente por
especulações da imprensa e por denúncias de desafeto político), não é possível se
afirmar que há o consenso social. É uma hipótese em que o agente competente não
está nem do lado extremo em que tem certeza de que já tem todos elementos de
autoria e materialidade e está vinculado a não aceitar a proposta do acordo de
leniência, nem tampouco do lado extremo em que tem a certeza de que o
proponente preenche todos os requisitos para a celebração do acordo de leniência,
impondo-se a sua concretização.
Na hipótese ventilada, o agente competente encontra-se em uma zona
intermediária, uma zona cinzenta e deverá reunir os elementos e informações
apresentados com a proposta do acordo de leniência e realizar uma ponderação dos
princípios envolvidos e as circunstâncias envolvidas na hipótese concreta para
127
verificar se atende ao interesse público a celebração ou não celebração do acordo
de leniência e, por meio do procedimento de decisão, explicitar suas ponderações,
imputando-se correta sua decisão.
Há muitas denúncias de corrupção que são meras represálias, fruto da
disputa política e quando desprovidas de quaisquer elementos materiais de provas
não merecem acolhida, nem tampouco, a movimentação de todo aparato repressivo
estatal ou a justificação de um acordo de leniência. De outra banda, há denúncias de
corrupção apresentadas no meio da disputa política que, em que pese não venham
acompanhadas de provas e elementos mais concretos e robustos, possuem indícios
que podem conduzir a outros elementos, informações, pessoas e, a médio ou longo
prazo, podem conduzir a provas robustas e até desmantelar verdadeiras quadrilhas
de larápios do erário público.
Por isso, que há, sim, ainda que nem sempre, um campo de competência
discricionária ao agente competente para celebração ou não celebração do acordo
de leniência, uma vez que compete ao mesmo adotar a solução no atendimento ao
interesse público.
Valendo-nos ainda do mesmo exemplo, a discricionariedade pode ocorrer
após a valoração dos elementos de prova pelo agente competente. Imaginemos
que a pessoa jurídica consiga identificar apenas uma parte (um terço) dos supostos
envolvidos nos ilícitos e, mesmo assim, os elementos levados à autoridade
competente não sejam robustos, mas apenas superficiais e com elevado grau de
incerteza, ou ainda, que o Estado já tenha uma grande parte das informações
trazidas pela pessoa jurídica.
Nessas hipóteses, não é possível se afirmar que haja um consenso social de
que a colaboração da pessoa jurídica atendeu aos objetivos assentados nos incisos
I e II do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, quais sejam: i) a identificação dos demais
envolvidos na infração; e ii) a obtenção célere de informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração.
Diante desse cenário, o agente competente estará diante da decisão de
celebrar ou não o acordo de leniência, tudo a depender da valoração dos elementos
128
e provas trazidos pela empresa proponente e a aferição do seu grau de atendimento
dos objetivos assentados nos incisos I e II do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013.
O agente competente estará diante do campo da competência discricionária,
ressaltando-se que a discricionariedade não importa em liberdade, de modo que
caberá ao mesmo buscar a solução ótima para o fim de atender o interesse público.
Caberá ao agente competente assinalar sua escolha nos memorandos de
entendimento, com o fito de oferecer segurança jurídica e, quando for o caso,
permitir à pessoa jurídica a revelação de sua participação nos ilícitos, e ainda,
competirá ao agente competente fazer a ponderação dos princípios e circunstâncias
envolvidas no caso em análise e explicitar o procedimento de decisão a fim de obter
a adesão social.
Todavia, ressaltamos e advertimos que a discricionariedade do agente
administrativo só surge, de fato, no plano concreto, jamais no plano abstrato. Muitas
situações no plano abstrato se apresentam como hipóteses de vinculação, mas no
caso concreto se verificam como hipóteses de discricionariedade, em que o sistema
jurídico, opta, em princípio, pela posição do agente competente. Do mesmo modo,
há situações que no plano abstrato se apresentam como hipóteses de
discricionariedade, mas que no caso concreto se verificam como hipótese de
vinculação, com uma única resposta para a solução do problema.
Feitas essas ressalvas e advertências, imaginemos a hipótese concreta de
uma empresa contratante com o Poder Público que ao protocolar, perante a
autoridade competente, proposta de celebração de acordo de leniência,
manifestando interesse em cooperar para apuração de ato lesivo, com sua
contribuição atenda, de modo patente e inquestionável, aos anseios e objetivos
assentados nos incisos I e II do artigo 16, bem como preencha também, de modo
inquestionável, os requisitos assentados nos incisos do parágrafo primeiro do
mesmo artigo.
Nessa hipótese, aventada a empresa com a sua colaboração, além de admitir
sua participação, identifica os demais envolvidos na infração administrativa e
apresenta informações e documentos que comprovem de forma patente a infração
sob apuração, ou seja, preencha todos os pressupostos constantes nos incisos I e II
129
do artigo 16, bem como os requisitos juridicamente cabíveis constantes nos incisos I,
II e III do parágrafo primeiro do mesmo artigo da Lei n. 12.846/2013. Evidente que,
nesse exemplo hipotético, estamos diante de uma hipótese de vinculação, desta vez
lhe impondo a conduta de celebrar o acordo de leniência, ou seja, o agente
competente estará vinculado a celebrar o acordo de leniência290.
Ademais, insistimos em ressaltar que a Administração Pública não goza
nunca de liberdade para, ao seu sabor, e por motivos de perseguição ou
favorecimento, rejeitar uma proposta de acordo de leniência, não celebrar acordo de
leniência quando lhe competia celebrar, ou ainda, celebrar acordo de leniência e na
dosimetria das sanções isentar da sanção quando não cabia tal medida, ou também,
manter uma sanção grave quando cabia atenuação da sanção.
A Administração Pública não goza de liberdade, mas sim de
discricionariedade, que visa sempre a busca da solução ótima para o alcance do
interesse público, sujeita inclusive a controle judicial.
Deste modo, toda a decisão do agente competente que recebe a proposta de
acordo de leniência lhe acarreta um forte ônus argumentativo, e deve se dar de
forma motivada e fundamentada após a ponderação dos princípios envolvidos e das
circunstâncias do caso concreto.
Como regra, então, entendemos obrigatória a adoção do procedimento de
decisão, o qual abordamos na subseção 1.6, a partir da apresentação da proposta
de acordo de leniência pela pessoa jurídica interessada.
290
O jurista Mauricio Zockun sustenta que há vinculação quanto à celebração do acordo de leniência se a pessoa jurídica, em desfavor de quem se imputa a prática do ilícito assinalado pela Lei Anticorrupção: (i) identificar os demais infratores que incidiram nestas condutas vedadas ou carrear documentos e informações que permitam identificar esses ilícitos, mas não necessariamente os seus autores; e, (ii) nos dois casos, cessar a prática dessas condutas ilegítimas e implementar ou aperfeiçoar seu programa de integridade. Segundo o autor, se for preenchidos esses requisitos essa entidade faltosa terá direito subjetivo de celebrar acordo de leniência. ZOCKUN, Maurício. Vinculação e Discricionariedade no Acordo de Leniência. Revista Colunistas de Direito do Estado, n. 142, 2016. Disponível em: ˂http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Mauricio-Zockun/vinculacao-e-discricionariedade-no-acordo-de-leniencia>. Acesso em: 25 de ago. 2016.
130
2.4 O acordo de leniência na legislação brasileira
Enquanto ato administrativo consensual o acordo de leniência não é um
instrumento jurídico, com tais contornos, inédito no cenário nacional. Isso porque,
muitas são as legislações em vigor que preveem a possibilidade de se efetivarem
negócios jurídicos similares.
Podemos citar alguns desses negócios jurídicos idênticos ou similares
existentes no direito pátrio: (a) Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) – artigo
5.º, § 6.º, da Lei n. 7.437/85; (b) Termo de Compromisso (TC) que pode ser feito
com a CVM – artigo 11, § 5.º, da Lei n. 6.835/76; (c) Acordos que põem fim a
processos administrativos disciplinares, tal como a figura da Suspensão do Processo
Administrativo Disciplinar – SUSPAD, prevista na Lei Municipal n. 9.310/06, do
município de Belo Horizonte, inspirada na Lei n. 9.099/95, e ainda, na Lei Estadual
n. Lei 1.818, de 23 de agosto de 2007, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores
Públicos Civis do Estado de Tocantins que prevê o termo de compromisso de ajuste
de conduta no processo de apuração de infração administrativa disciplinar; (d)
Termo de compromisso de cessação de prática lesiva à concorrência ou do próprio
acordo de leniência, feitos na seara da ordem econômica – artigos 85 e 86 da Lei n.
12.529/2011, dentre outros291.
Afunilando um pouco, dentre os negócios jurídicos similares acima arrolados,
apenas um adota a denominação acordo de leniência, qual seja, o acordo de
leniência feito na seara da ordem econômica.
291
Além das hipóteses previstas na esfera administrativa, no ordenamento jurídico nacional já há previsão de acordos similares em diversas leis penais, quais sejam: (a) Transação penal ou suspensão condicional do processo, que surgiram a partir da edição da Lei dos Juizados Especiais Criminais – artigos 76 e 89 da Lei n. 9.099/95; (b) Colaboração premiada feita no âmbito dos crimes praticados por organizações criminosas – artigos 4.º e seguintes da Lei n. 12.850/2013; (c) Delação premiada prevista na Lei de Crime Hediondos, que acrescentou ao § 4.º do art. 159 do Código Penal, que trata da extorsão mediante sequestro; (d) Delação premiada prevista na Lei n. 8.137/1990 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, após introduções trazidas pela Lei n. 9.080/1995; (e) Delação premiada prevista no art. 25, § 2.º da Lei n. 7.492/1996, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional; (f) Lei n. 9.613/1998, que cuida dos crimes de “lavagem de dinheiro”, e cujas disposições em seu art. 1.º, § 5.º facultam ao juiz, para além da redução de pena prevista nos outros diplomas, também alterar o regime inicial do cumprimento, substituí-la por restritiva de direito ou mesmo deixar de aplicar a pena, através do instituto do perdão judicial; (g) A previsão de perdão judicial da Lei n. 9.807/1999 - Lei de Proteção à Testemunha.
131
Isso demonstra que, no que tange à responsabilização administrativa, o
acordo de leniência não constitui novidade no direito brasileiro.
O instituto do acordo de leniência, com essa nomenclatura, fora introduzido
pela primeira vez na ordem jurídica brasileira por meio da antiga Lei de Defesa
Econômica, Lei n. 8.884/94, com o acréscimo do artigo 35-B no ano 2000, por meio
da sanção da Lei n. 10.149/2000, dispondo sobre a prevenção e repressão de
infrações à ordem econômica, consistindo na possibilidade de celebração de acordo
entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, representando a União, e a
pessoa física ou jurídica envolvida na prática da infração à ordem econômica, que
confessasse o ilícito e apresentasse provas suficientes para a condenação dos
envolvidos na suposta infração.
No âmbito da persecução penal, o artigo 35-C da Lei n. 8.884/94, tal como o
artigo anterior (artigo 35-B), introduzido pela Lei n. 10.149/2000, também autorizava
a automática extinção da punibilidade no que se refere aos crimes previstos na Lei
de Crimes contra a Ordem Econômica tipificados na Lei n. 8.137/90.
Posteriormente, em 2011, fora sancionada e promulgada a atual Lei de
Defesa Econômica, Lei n. 12.529/2011, que revogou os dispositivos citados da Lei
8.884/94, substituiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico na investigação de
condutas pela Superintendência-Geral do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica), e manteve a possibilidade de acordo de leniência em benefício de
pessoas jurídicas e pessoas físicas (em especial, dirigentes, administradores ou
funcionários) autoras de infrações contra a ordem econômica que colaborem
efetivamente com a investigação e o processo administrativo.
A Lei n.º 12.529/2011 que, entre outras medidas, define as infrações à ordem
econômica, nos artigos 86 e 87, prevê o acordo de leniência a ser celebrado entre o
CADE e a pessoa física ou jurídica acusada de infração à ordem econômica, desde
que colabore efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que
dessa identificação resulte: i) identificação dos demais envolvidos na infração; e, ii) a
obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob
investigação. O benefício outorgado é o mesmo: extinção da ação punitiva pela
Administração Pública ou redução de um a dois terços da penalidade aplicável.
132
No que tange aos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei n.
8.137/90, e aos crimes relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na
Lei n. 8.666/93 e no artigo 288 do Decreto Lei n. 2.848/1940, o artigo 87 da Lei da
Defesa Econômica determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede
o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência, na
hipótese de celebração do acordo de leniência.
Prevê ainda esse dispositivo que, cumprido o acordo de leniência pelo
agente, extingue-se automaticamente a punibilidade de tais crimes.
Inspirado no direito norte-americano e hoje adotado em inúmeros países, o
acordo de leniência tem por objetivo permitir ao infrator, por meio de acordo com o
Poder Público, colaborar na investigação de ilícitos administrativos ou penais,
favorecendo, a um só tempo, o interesse público na investigação das infrações e
responsabilização dos infratores, e o interesse do próprio infrator na obtenção da
extinção da punibilidade ou redução da pena aplicável.
Na Lei n. 12.846/13, o acordo de leniência é previsto nos artigos 16 e 17
apenas com relação às investigações e aos processos administrativos instaurados
pela prática dos atos previstos nessa lei e ainda aos atos ilícitos previstos nos
artigos 86 a 88 da Lei n. 8.666/93, podendo neste último caso levar não apenas a
atenuação de sanções administrativas, mas a própria isenção das mesmas.
Nos termos do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, a autoridade máxima de cada
órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas
jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos na mesma lei e que colaborem
efetivamente com as investigações e o processo administrativo, desde que da
colaboração resulte: i) a identificação dos demais envolvidos na infração, quando
couber; e; ii) a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração.
Apesar de a norma dar competência para celebração do acordo às
autoridades máximas de cada órgão ou entidade pública, a competência é reservada
para a Controladoria Geral da União, quando se tratar de acordo firmado no âmbito
do Poder Executivo Federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a
administração pública estrangeira. (art. 16, § 10).
133
O acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção não isenta a pessoa
jurídica que o celebre de todas as consequências do ilícito praticado, mas apenas
das sanções previstas no inciso II do artigo 6.º (publicação extraordinária da decisão
condenatória), no inciso IV do artigo 19 (proibição de receber incentivos, subsídios,
subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de
instituições financeiras ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um
e máximo de cinco anos), e, acarreta a redução em até dois terços do valor da multa
aplicável.
Como se observa, embora firmado na esfera administrativa, o acordo de
leniência também isenta a pessoa jurídica da pena prevista para a responsabilização
judicial (inciso IV do artigo 19).
Isso não significa que o acordo não produz quaisquer efeitos em relação às
outras penas previstas nos incisos I a III do artigo 19, como medidas de
responsabilização civil, na esfera judicial.
A Lei Anticorrupção prevê que a colaboração do infrator na investigação pode
ser levada em consideração na aplicação das sanções, influindo sobre a dosimetria
da pena de multa, já que o artigo 7.º da lei, ao indicar as circunstâncias a serem
consideradas, prevê “a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das
infrações” (inciso VII).
O acordo de leniência não isenta a pessoa jurídica do dever de reparar
integralmente o dano.
Os benefícios recebidos pela pessoa jurídica, em decorrência do acordo de
leniência, são estendidos também às pessoas jurídicas que integram o mesmo
grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo, em conjunto,
respeitadas as condições nele estabelecidas (art. 16, § 5.º).
Outro efeito do acordo de leniência é o de interromper o prazo prescricional
dos atos ilícitos previstos na lei (art. 16, § 9.º).
Pela redação do parágrafo primeiro do artigo 16, são estabelecidos requisitos
que devem ser cumulativamente preenchidos pela pessoa jurídica que queira
celebrar o acordo de leniência: i) ela deve ser a primeira a se manifestar sobre o seu
134
interesse em cooperar para a apuração do ilícito; ii) deve cessar completamente seu
envolvimento na infração investigada a partir da data da propositura do acordo; e, iii)
deve admitir a sua participação no ilícito e cooperar plena e permanentemente com
as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas,
sempre que solicitada, a todos atos processuais, até o encerramento.
Embora a proposta do acordo de leniência tenha de partir da pessoa jurídica
que praticou o ato danoso, pode ocorrer que o acordo não venha a ser celebrado,
porque rejeitado pela Administração Pública. Nessa hipótese, estabelece o § 7.º do
artigo 16 que a proposta de acordo não importará em reconhecimento da prática do
ato ilícito investigado.
Segundo a lei, a proposta de acordo de leniência somente se tornará pública
após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do
processo administrativo. Eventual divulgação antes da efetivação do acordo deve
ser devidamente justificada.
Após essa síntese, da literalidade, do instituto do acordo de leniência na
legislação brasileira, discorreremos nas subseções seguintes sobre os principais
aspectos do instituto na forma em que fora previsto na Lei n. 12.846/2013,
oportunidade em que faremos uma leitura e interpretação desse valioso instituto
jurídico à luz dos princípios constitucionais.
2.5 Dos requisitos para celebração do acordo de leniência na lei anticorrupção
Não é preciso muito esforço para constatar que os três incisos do parágrafo
1.º do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, Lei Anticorrupção, reproduzem os incisos I, II
e IV do parágrafo primeiro do artigo 86 da Lei n. 12.529/2011, Lei de Defesa
Econômica.
Os autores Sidney Bittencourt, Marco Vinicio Petrelluzzi, Rubens Naman
Rizek Junior e Juliano Heinen assentam que tais requisitos são cumulativos, vale
135
dizer, todos devem estar presentes para que seja admissível a celebração do acordo
de leniência292.
Mateus Bertoncini sustenta que a presença dos requisitos assentados nos
incisos do parágrafo primeiro do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 não garantem a
celebração do acordo de leniência, não sendo suficientes para o aperfeiçoamento
desse ato administrativo convencional e discricionário, celebrado entre a pessoa
jurídica e a administração pública293.
Segundo o mesmo autor, por conta de elementos igualmente localizáveis no
artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, o rol precisa ser ampliado com outros três requisitos
essenciais para celebração e aperfeiçoamento do acordo de leniência, quais sejam:
i) ser celebrado com a autoridade competente; ii) ocorrer a expressa manifestação
da vontade da autoridade; e, iii) que dessa colaboração resulte a efetiva
identificação dos envolvidos e a obtenção de informações e documentos que
comprovem o ilícito294.
O autor Juliano Heinen acrescenta mais dois requisitos aos previstos nos
incisos do parágrafo 1.º do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, quais sejam: i) que o
negócio jurídico seja celebrado por autoridade competente; ii) que esta autoridade
expressamente manifeste esta vontade295.
Modesto Carvalhosa apresenta crítica contundente ao fato de o legislador ter
transcrito os procedimentos próprios do pacto de leniência na área dos cartéis,
constante na Lei n. 12.529/2011 e conclui que os incisos do parágrafo primeiro do
artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 constituem normas não escritas, por serem
292
BITTENCOURT, Sidney. Comentários à lei anticorrupção: Lei 12.846/2013. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 141-142; PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 93; HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 241. 293
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI,
Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 201. 294
Ibid., p. 201. 295
HEINEN, Juliano. Comentários à lei Anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 240. O autor classifica esses dois requisitos como de ordem objetiva, e, os requisitos assentados nos incisos do parágrafo 1.º do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 como de ordem subjetiva.
136
inaplicáveis a todos os delitos corruptivos instituídos na Lei Anticorrupção na medida
que se referem especificamente ao delito de cartel296.
Carvalhosa sustenta que os requisitos previstos nos três incisos do parágrafo
primeiro do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 são incompatíveis e, ao mesmo tempo,
inócuos às finalidades da Lei Anticorrupção, quais sejam, expurgar do Poder Público
os agentes políticos, administrativos e judiciários corruptos, penalizar e tornar
inidônea as pessoas jurídicas que, em concurso com os primeiros, se conduzem
corruptivamente nas suas relações legais e contratuais com o Estado297.
Marcio Pestana denomina o primeiro requisito de pioneirismo e levanta a
questão de que em virtude do sigilo que cerca o procedimento relativo ao acordo de
leniência cria-se um estado de incerteza e insegurança para as pessoas jurídicas,
pois estas não têm como saber se outras pessoas jurídicas também potencialmente
envolvidas no ilícito investigado poderiam já ter iniciado seus respectivos
procedimentos de acordo de leniência, chamando para si a condição de
pioneirismo298.
O autor assenta que a cautela recomenda que a entrega da proposta de
acordo de leniência seja formulada pessoalmente por representantes da pessoa
jurídica em audiência previamente agendada, com a proposta sendo reduzida a
termo a fim de que a proponente possa obter um protocolamento efetivo,
comprobatório da data e hora da entrega, sobretudo no tocante ao conteúdo da
proposição299.
Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho também apontam que
o legislador da Lei Anticorrupção copiou praticamente toda a redação do atual artigo
86 da Lei n. 12.529/2011 e no que tange ao primeiro requisito, o pioneirismo,
consigna que o sistema da Lei Antitrustre foi mais cuidadoso, pois estipulou uma
qualificação da primeira empresa, com respeito à infração noticiada ou sob
investigação, através de circunstância denominada pela SDE como marker system
296
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846 de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 382-386. 297
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846 de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 382-386. 298
PESTANA, Marcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p.163. 299
Ibid., p.163.
137
ou sistema de senhas, em que há a concessão de uma senha, válida por 30 dias,
para proteger a posição daquele que se candidata para a realização do acordo de
leniência300.
Não temos nada contra a extração de artigos de uma lei vigente e inclusão
em posterior projeto de lei, desde que o objeto e as circunstâncias que dão suporte à
prognose legislativa sejam muito semelhantes.
Por exemplo, em casos de leis que necessitem ser editadas, nos diferentes
níveis da federação, como estatutos de servidores públicos, leis das organizações
sociais, leis das parcerias público-privadas, a reprodução na íntegra de diversos
dispositivos da lei federal, quando da edição das leis estaduais e leis municipais, se
justifica em larga medida, pela identidade e similaridade das situações e
circunstâncias, e, uma ponderação entre o princípio da autonomia dos entes
federativos e o princípio da segurança jurídica leva à prevalência deste último.
Agora, no que tange à Lei de Defesa Econômica e à Lei Anticorrupção, não
nos pareceu adequada a reprodução dos requisitos exigidos para a celebração do
acordo de leniência pelo fato de que as circunstâncias práticas, objeto de
regulamentação de cada uma dessas leis, são diversas.
O requisito de a pessoa jurídica ser a primeira a se manifestar sobre seu
interesse em cooperar para apuração do ato ilícito faz todo sentido na lei de defesa
da concorrência, em que os cartéis são sempre constituídos por um grupo de
empresas que se unem para prática de atos ilícitos, de concorrência desleal, e a
denúncia por uma das empresas envolvidas tem o condão de possibilitar o
desvendamento dos ilícitos praticados por todas as demais empresas e sancionar as
demais empresas, não se justificando a celebração de acordo de leniência com
outras empresas além da primeira denunciante, uma vez que o cartel, via de regra, é
um só nessas modalidades de ilícitos.
300
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 194. Segundo tais autores, na Lei Anticorrupção fala-se em primeira a se manifestar, não apontando como se dará tal manifestação e como será apreciada essa ordem de manifestação. Relatam que no âmbito federal, o Decreto n. 8.420/2015 estabelece que a proposta de celebração do acordo poderá ser feita de forma oral ou escrita até a conclusão do relatório a ser elaborado no PAR.
138
Já na Lei Anticorrupção esse requisito não se justifica e não encontra
sustentabilidade.
Os atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, arrolados no
artigo 5.º da Lei Anticorrupção, salvo uma eventual fraude a licitações mediante a
formação de cartel, são praticados por cada pessoa jurídica de forma individual em
concurso com um ou mais agentes públicos, não se justificando condicionar a
celebração de eventual acordo de leniência somente a primeira pessoa jurídica
solicitante.
Condicionar a possibilidade de celebração do acordo de leniência, nas
hipóteses de apuração dos atos lesivos à Administração Pública, nacional ou
estrangeira, somente a primeira pessoa jurídica a manifestar interesse em cooperar
para apuração do ato ilícito é privar toda a sociedade do desvendamento de muitos
ilícitos que jamais seriam descobertos, não fosse a adoção do instituto do acordo de
leniência.
O requisito de a pessoa jurídica cessar completamente seu envolvimento na
infração investigada, a partir da data da propositura do acordo, também copiado da
Lei de Defesa Econômica, é adequado e necessário à Lei Anticorrupção, todavia
beira à obviedade301.
Isso porque, o mínimo que se espera de uma pessoa jurídica, que manifesta
interesse em cooperar para a apuração de atos ilícitos em investigações, é que ela
mesma cesse sua participação ou envolvimento em tais condutas ilícitas objeto da
investigação.
Ademais, observa-se que esse dispositivo é quase que inócuo, salvo nas
hipóteses que permitam condutas continuadas, pois a grande maioria dos atos
lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, assentados no artigo 5.º da
Lei n. 12.846/2013, são atos que se consumam em si mesmo e, por óbvio, terão
ocorrido e se consumado antes da manifestação do interesse no acordo de leniência
pela pessoa jurídica.
301
Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto, ao discorrerem sobre esse requisito ressaltam que seria um contrassenso a pessoa jurídica se dispor a colaborar e continuar com a prática do ilícito, assentando que de qualquer forma a norma tem um efeito pedagógico. DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz et. al. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 136.
139
Dessa forma, é muito provável que na maioria das hipóteses concretas, que
são as hipóteses dos atos lesivos que se consumam por si só, esse dispositivo não
surtirá quaisquer efeitos e será como se não tivesse sido escrito, possibilitando à
pessoa jurídica a celebrar o acordo de leniência desde que preencha os demais
requisitos válidos.
O requisito de a pessoa jurídica admitir sua participação no ilícito e cooperar
plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos
processuais, até seu encerramento, também copiado da Lei de Defesa Econômica,
do nosso ponto de vista, é adequado e necessário.
Para Marcio Pestana, o reconhecimento da participação no ilícito só terá lugar
após a aceitação, por parte da autoridade competente, dos termos e das condições
do acordo a ser celebrado302.
Segundo o mesmo autor, esse requisito do reconhecimento pela pessoa
jurídica de sua participação no ilícito é temporalmente crítico. Assenta Marcio
Pestana que:
[...] Esse requisito, conforme pode-se bem visualizar, temporalmente é crítico e deverá cercar-se de cuidado extremo, tanto por parte da autoridade competente como por parte da pessoa jurídica correspondente. Somente no instante em que houver o entendimento, recíproco, de que o acordo de leniência consulta ao interesse público e à proponente, e tal seja exteriorizado sob o abrigo do princípio da confiança legítima, será então atingido o ponto procedimental ideal para a sua formalização303.
Modesto Carvalhosa critica, contundentemente, esse dispositivo pelo fato dele
exigir a confissão ficta do delito corruptivo pela pessoa jurídica interessada em
celebrar o acordo de leniência, sustentando que a pessoa jurídica pode requerer o
regime de leniência para o fim de, oferecendo provas contra outras pessoas jurídicas
302
PESTANA, Marcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p.167. 303
Ibid., p.167.
140
e outros agentes públicos, demonstrar objetivamente que a conduta corruptiva é das
outras pessoas jurídicas e não dela304.
Os argumentos de Modesto Carvalhosa são bastante contundentes, mas,
com todo respeito que nutrimos pelo citado jurista, discordamos de sua posição.
Isso porque, a nosso ver, o instituto do acordo de leniência é voltado para os
particulares envolvidos em ato ilícito investigado que buscam, por meio de um
acordo com o Poder Público, um benefício em suas sanções (redução ou extinção)
por meio do reconhecimento de sua participação nos ilícitos.
O oferecimento de provas contra outras pessoas jurídicas e outros agentes
públicos, com o intuído de provar a inocência, é conduta afeta à matéria de defesa
no procedimento ou processo administrativo tradicional e não no acordo de
leniência.
Afastar a exigência do reconhecimento de participação no ilícito certamente
distorcerá o escopo do instituto e levará as pessoas jurídicas a optarem por não
reconhecer sua participação no ilícito, mesmo que tenham participado efetivamente
do mesmo. Pergunta-se: qual pessoa jurídica que sabendo poder se valer do
instituto do acordo de leniência, reconhecendo ou não reconhecendo sua
participação no ilícito, optará pela primeira hipótese que lhe é desfavorável em
relação à segunda?
Em matéria de apuração de ilícitos de corrupção, não é possível se presumir
a honestidade dos proponentes do acordo de leniência. Isentar o proponente do
reconhecimento de sua participação no ilícito vai contra os objetivos e características
imanentes do instituto do acordo de leniência.
Se eventual pessoa jurídica estiver sendo acusada da prática de ilícitos e
tenha como sustentar e pleitear sua inocência através de provas contra outras
pessoas jurídicas e outros agentes públicos deve fazê-lo por meio dos instrumentos
de defesa e do exercício do contraditório que lhe são assegurados.
Caso essa mesma pessoa jurídica não esteja sendo acusada, e do mesmo
modo tenha interesse em levar ao conhecimento do Poder Público provas contra
304
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846 de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 385.
141
outras pessoas jurídicas e outros agentes públicos, deverá fazê-lo por meio de
representação às autoridades competentes e ao Ministério Público.
O acordo de leniência além de ser uma forma de trazer benefícios à
sociedade ao propiciar o desvendamento de fatos e obtenção de provas que
dificilmente seriam obtidas pelas vias tradicionais de apuração, consiste em um
instrumento e estratégia de defesa da pessoa jurídica que, voluntariamente e
deliberadamente, se vale do mesmo e opta por manifestar interesse em cooperar
para a apuração do ato ilícito em troca de abrandamento das sanções que lhe
podem ser aplicadas.
Por força do princípio da confiança legítima e da boa-fé na Administração
Pública, a interpretação que acolhemos é a de que o reconhecimento, a admissão
da participação no ilícito, não deve se dar em um primeiro momento, vale dizer, no
momento da apresentação da proposta do acordo de leniência, mas somente após a
aceitação, por parte da autoridade competente, dos termos e das condições do
acordo a ser celebrado.
O parágrafo segundo do artigo 31 do decreto regulamentador da Lei n.
12.846/2013, Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015, dispõe que poderá ser
firmado memorando de entendimento entre a pessoa jurídica proponente e a
Controladoria-Geral da União para formalizar a proposta e definir os parâmetros do
acordo de leniência.
Nesses memorandos de entendimentos, é que deve ser atingido o ponto ideal
de segurança jurídica e confiança legítima entre as partes interessadas no acordo de
leniência. Por meio dos memorandos de entendimentos, serão definidos os
contornos e parâmetros do acordo de leniência, a densidade das provas e
informações que serão prestadas pela pessoa jurídica, bem como a extensão de sua
colaboração e, sobretudo, é a oportunidade em que devem ser definidos os critérios
e parâmetros da redução das sanções, sua extinção e, principalmente, os efeitos do
acordo de leniência sobre outros sistemas de responsabilização.
De um lado, as autoridades competentes, ao aceitarem a celebração do
acordo de leniência com a pessoa jurídica proponente, mediante a efetiva
identificação dos demais envolvidos na infração, a obtenção célere de informações e
142
documentos que comprovem o ilícito sob apuração, a cessação de envolvimento na
infração investigada e a cooperação plena e permanente com as investigações e o
processo administrativo, atestam o direito subjetivo da pessoa jurídica, desde que
esta cumpra todos esses requisitos e compromissos.
Trata-se de um aceite condicionado das autoridades competentes, mas gera
efeitos jurídicos, inclusive direito subjetivo à pessoa jurídica. Esse direito subjetivo
da pessoa jurídica só perderá efeitos, se esta, que é a maior interessada, romper os
compromissos entabulados nos memorandos de entendimentos.
De outro lado, a pessoa jurídica, comprometendo-se ao cumprimento de
todas as obrigações inerentes ao instituto do acordo de leniência, supra analisadas,
e recebendo, por meio dos memorandos de entendimentos, o aceite expresso das
autoridades competentes para celebração, passa a ter direito subjetivo à celebração
do acordo de leniência. A pessoa jurídica somente perderá o direito à celebração do
acordo de leniência se deixar de cumprir o compromisso que firmara na proposta de
acordo e nos memorandos de entendimentos.
A nosso ver, dificilmente uma pessoa jurídica, que alcance esse patamar de
tratativas com as autoridades competentes, venha retroceder, descumprindo os
compromissos firmados. Todavia, caso descumpra, suportará o ônus de seu
inadimplemento.
Caso a proposta de acordo de leniência não amadureça por meio das tratativas
nos memorandos de entendimentos, ficará sem efeito, podendo ser rejeitada
expressamente pela autoridade competente ou simplesmente caracterizar a
desistência da pessoa jurídica proponente.
2.6 Rejeição da proposta
O parágrafo sétimo do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 dispõe que não
importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de
acordo de leniência rejeitada.
143
Esse dispositivo é um dos mais polêmicos da Lei Anticorrupção e pode levar a
muitas contradições, uma vez que conflita diretamente com o inciso III, do § 1.º do
mesmo artigo 16, que impõe à pessoa jurídica a admissão da sua participação no
ilícito como um dos requisitos para a celebração do acordo de leniência.
Ora, como pode uma lei prever, em um primeiro momento, que a pessoa
jurídica deve confessar um ilícito como condição para celebração de um possível
acordo de leniência e, em um momento seguinte, a Administração Pública, munida
por essa confissão e elementos de prova que a confirmam, uma vez frustrada e
rejeitada a proposta de acordo de leniência, simplesmente não reconhecer a prática
do ato ilícito?
Segundo Maria Silvia Zanella Di Pietro, a norma é pelo menos estranha,
tendo em vista que a própria proposta de celebração de acordo já implica o
reconhecimento da prática de ilícito pela pessoa jurídica ou por terceiros, sem o que
a proposta seria inútil305.
Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho assentam que a
aplicação de tal dispositivo é bastante difícil do ponto de vista prático306.
Para Marco Vinicio Petreluzzi e Rubens Naman Rizek Junior, tal dispositivo
somado à previsão da manutenção do sigilo da proposta tratam-se das garantias
essenciais da pessoa jurídica307.
Sidney Bittencourt adverte que, se por um lado, essa regra dá segurança aos
que pretenderem oferecer o acordo, por outro, traz dificuldade prática, pois, se um
dos requisitos para a celebração do acordo de leniência é o reconhecimento da
participação no ilícito, não parece ter sentido que a sua rejeição –
independentemente dos motivos – constitua ato que apague a manifesta
admissão308.
305
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1014. 306
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 197. 307
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 94. 308 BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, p. 147.
144
Guilherme de Souza Nucci considera justo que, rejeitado o acordo, faça-se
letra morta da proposta rejeitada, não podendo mais o Estado utilizá-la como prova
de culpa da pessoa jurídica, pois, do contrário, não valeria a pena tentar o referido
acordo309.
Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves
Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto sustentam que, ocorrendo a rejeição da
proposta, deve pesar sobre a Administração o ônus de demonstrar que dispunha de
meios para ter conhecimentos dos elementos de provas trazidos na proposta de
acordo infrutífero sem depender, exclusivamente, de sua divulgação espontânea por
parte do acusado, caso contrário, a efetividade desta norma restará esvaziada,
bastando que a Administração, obliquamente, retenha cópias dos documentos para
depois alegar que já tinha conhecimento deles, em absoluta quebra do princípio da
boa-fé objetiva310.
Mateus Bertoncini relata que a rejeição do acordo de leniência não importa
em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta
analisada311.
Juliano Heinen aponta que, caso o acusado não aceite o acordo, não se
reputará ser ele confesso, ou seja, não se considerará que ele tenha reconhecido a
acusação feita. O autor consigna que a transação não importará em confissão
quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada,
mesmo quando a proposta de acordo for rejeitada pelas autoridades públicas312.
Modesto Carvalhosa interpreta o dispositivo do parágrafo sétimo do artigo 16
da Lei n. 12.846/2013 no sentido de que, imitando o sistema jurídico norte-
americano no capítulo dos cartéis, declara que a mera proposta de celebração do
pacto de leniência não importa no reconhecimento da prática do ilícito. O autor
reafirma sua posição no sentido de que o reconhecimento da prática corruptiva não
309 NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.
185. 310
DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz et. al. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 139-140. 311
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 215. 312
HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 237.
145
se impõe nem na proposta e tampouco na efetiva celebração do pacto, que não
pode ter como requisito essa confissão313.
Do lado dos interesses da pessoa jurídica, se destaca o patente prejuízo que
lhe advirá se, após admitir e confessar sua participação em eventual ilícito como
requisito impositivo para a celebração do acordo de leniência, inclusive juntando
documentos de prova, for surpreendido por uma rejeição da proposta do acordo de
leniência pela Administração Pública.
Nessa hipótese de rejeição da proposta pela Administração, mesmo havendo
dispositivo da lei dizendo que tal rejeição não importará em reconhecimento da
prática do ato ilícito, quem garantirá que a confissão e os documentos entregues
pela pessoa jurídica não serão utilizados contra ela, seja no processo administrativo
de responsabilização, seja em eventual ação civil pública de responsabilização
judicial, seja em outras instâncias ou sistemas de responsabilidade, tal como
responsabilização criminal dos sócios e dirigentes e/ou eventual ação de
improbidade administrativa, por exemplo?
Basta a extração de cópias de tais documentos e o vazamento ou distribuição
fisicamente ou pelas rápidas vias digitais para o prejuízo da pessoa jurídica estar
consumado.
Nessa hipótese, é inequívoca a situação de vulnerabilidade da pessoa
jurídica. Tal situação se enquadra perfeitamente com a expressão usual “não
adianta chorar pelo leite derramado”, no sentido de que após o leite ser derramado
não há muito mais o que se fazer.
De outra banda, do lado dos interesses da sociedade, indaga-se: a
Administração Pública após recepcionar e estar munida de informações de extrema
relevância para o atendimento do interesse público consistente no combate e
repressão à corrupção poderia abrir mão do reconhecimento da prática do ato ilícito
e das provas até então colhidas, caso ocorra justificada rejeição da proposta de
acordo de leniência?
313
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 392-393.
146
Nessa hipótese, pairam dúvidas bastante razoáveis sobre a possibilidade de a
Administração Pública abrir mão do interesse público coletivo.
A solução para esse conflito de interesses públicos individuais e interesses
públicos coletivos deve se dar por meio da ponderação entre tais interesses,
levando-se em consideração as circunstâncias que envolvem o caso concreto de
modo que deverá prevalecer o princípio que tiver mais peso.
Em regra, no ordenamento jurídico pátrio, no plano abstrato e prima facie, o
peso do interesse público coletivo é maior que o do interesse público individual, de
modo que prevalecerá o primeiro, na hipótese em análise, não podendo a
Administração Pública abrir mão das informações colhidas com a tentativa voluntária
da pessoa jurídica de, por sua conta e risco, manifestar interesse na celebração do
acordo de leniência, pois a busca do interesse público lhe impõe essa postura.
Todavia, no plano concreto, nem sempre o peso do interesse público coletivo
é maior do que o do interesse individual, podendo ocorrer hipóteses em que pelas
circunstâncias específicas do caso concreto, o interesse público individual se
sobreponha aos interesses coletivos, e a Administração Pública tenha, de fato, de
abrir mão do reconhecimento da prática do ato ilícito e de quaisquer elementos de
prova. Exemplo dessa última hipótese se dá quando verificada a presença de má-fé
dos agentes da Administração Pública, ou ainda, nas hipóteses de desvio de
finalidade.
Ademais, insistimos em ressaltar que a Administração Pública não goza
nunca de liberdade para, ao seu sabor, e por motivos de perseguição ou
favorecimento, rejeitar uma proposta de acordo de leniência.
A Administração Pública não goza de liberdade, mas sim de
discricionariedade, que visa sempre à busca da solução ótima para o alcance do
interesse público, sujeita inclusive ao controle judicial.
Deste modo, a rejeição da proposta de acordo de leniência pela
Administração lhe acarreta um forte ônus argumentativo e deve se dar de forma
motivada e fundamentada após a ponderação dos princípios envolvidos e das
circunstâncias do caso concreto.
147
Insistimos que, não obstante a Administração goze de discricionariedade para
a celebração do acordo de leniência, determinadas situações concretas podem levar
essa discricionariedade a uma vinculação, quando, por exemplo, a pessoa jurídica
com sua contribuição atenda de modo patente e inquestionável aos anseios
assentados nos incisos I e II do artigo 16, bem como preencha os requisitos válidos
para a sua celebração.
A nosso ver, o agente público competente só pode rejeitar a proposta de
acordo de leniência nos casos em que não se obtenha a identificação dos
envolvidos na infração, quando não forem obtidas informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração, quando a proponente mantiver seu envolvimento
na infração investigada após a data de propositura do acordo, ou quando a
proponente se recuse a cooperar plena e permanentemente com as investigações e
o processo administrativo.
Em síntese: por força do maior peso dos princípios relativos a bens coletivos
em relação aos princípios relativos a direitos subjetivos a Administração Pública não
pode abrir mão de informações de interesse público importantes ao combate à
corrupção. Por outro lado, afastamos a obrigatoriedade de confissão da pessoa
jurídica como requisito indispensável no momento da propositura. O reconhecimento
de eventual participação no ilícito se dará em um segundo momento, vale dizer,
após a aceitação da celebração do acordo de leniência pela autoridade competente,
na fase de memorandos de entendimentos quando se tiver atingido o ponto ideal de
segurança jurídica e confiança legítima entre as partes interessadas no acordo de
leniência.
Atingido esse ponto ideal de segurança jurídica e confiança legítima entre as
partes interessadas na celebração do acordo de leniência, tendo a pessoa jurídica
interessada admitido sua participação no ilícito, não poderá a proposta de acordo de
leniência ser rejeitada injustificadamente sob pena de responsabilização das
autoridades competentes e do Estado por quebra da confiança legítima, má-fé e
desvio de finalidade.
Nas hipóteses de rejeição da proposta do acordo de leniência por má-fé,
quebra de confiança e desvio de finalidade por parte do agente competente, as
148
informações obtidas pela pessoa jurídica não poderão ser utilizadas em outros
processos de responsabilização.
Insistimos que a proposta de acordo de leniência somente pode ser rejeitada
se não contribuir para a identificação dos envolvidos na infração ou para obtenção
de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração ou quando a
pessoa jurídica proponente mantenha seu envolvimento na infração e/ou se recuse a
cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo
administrativo. A rejeição da proposta de acordo de leniência por qualquer uma
dessas circunstâncias deve ser motivada e fundamentada, para possibilitar o
controle.
Recusada a proposta de acordo de leniência justificadamente e por meio de
motivação e fundamentação válida, a Administração Pública, a princípio, não poderá
desprezar as informações e documentos que obteve para o fim de promover o
interesse público por meio de futuras responsabilizações, a menos que reste
comprovada má-fé e quebra de confiança das autoridades competentes.
Todavia, nessas futuras responsabilizações, a Administração Pública deverá
assegurar aos interessados a ampla defesa e o contraditório.
Isso porque, após a rejeição da proposta de acordo de leniência, não obstante
a Administração Pública não possa desprezar as informações e documentos obtidos,
a confissão da pessoa jurídica, tal como preconiza a regra da confissão prevista no
artigo 197 do CPP, é juris tantum, vale dizer, admitirá prova em contrário por todos
os meios de direitos cabíveis em eventuais futuros procedimentos ou processos de
responsabilização314.
Nas situações em que a pessoa jurídica preenchia todos os requisitos válidos
para a celebração do acordo de leniência, e o agente administrativo por quebra da
confiança legítima, desvio de finalidade ou má-fé não celebrou o acordo de leniência
no intuito de se valer das provas informações e provas obtidas pela pessoa jurídica e
lhe prejudicar com a instauração de procedimentos em diversas esferas de
responsabilização, poderá a pessoa jurídica se valer das medidas judiciais
314
Dispõe o art. 197 do CPP: “Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”.
149
necessárias e cabíveis para assegurar a celebração do acordo de leniência, sem
prejuízo de propor medidas administrativas de responsabilização pessoal do agente
competente para celebração do acordo de leniência.
2.7 Descumprimento
O legislador distinguiu a rejeição da proposta de acordo de leniência, do
descumprimento do acordo de leniência. A rejeição da proposta é decisão que parte
das autoridades públicas competentes antes da celebração do acordo de leniência e
deve ser devidamente motivada e fundamentada.
O descumprimento decorre da pessoa jurídica proponente e ocorre após a
celebração do acordo de leniência.
O parágrafo oitavo do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 dispõe que, em caso de
descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de
celebrar novo acordo pelo prazo de três anos, contados do conhecimento pela
administração do referido descumprimento.
Sidney Bittencourt pontua que a intenção dessa regra é a de forçar que se
cumpra o acordado, evitando-se o desperdício de trabalho de agentes públicos e
recursos da Administração em acordos não cumpridos315.
Mateus Bertoncini assenta que o descumprimento cessa os efeitos do acordo
de leniência, perdendo a pessoa jurídica o direito aos benefícios a que faria jus,
previstos no parágrafo segundo do artigo 16316.
Na hipótese de descumprimento do acordo de leniência, diferentemente da
hipótese de rejeição da proposta do acordo de leniência pela Administração, já não
há que se falar no problema do não reconhecimento da prática no ato ilícito
315
BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, p. 148. 316
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI,
Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 215.
150
investigado, vale dizer, do não reconhecimento da confissão de participação nos
ilícitos e dos elementos de prova que a acompanharam.
O descumprimento do acordo de leniência pela pessoa jurídica lhe acarreta o
ônus de ficar impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de três anos, bem como
de ter as informações, inclusive as decorrentes da eventual admissão de
participação nos ilícitos, oferecidas à Administração Pública, utilizadas no processo
administrativo de responsabilização e na ação judicial de responsabilização, sem
descartar a utilização em outros sistemas de responsabilização.
Guilherme de Souza Nucci destaca que os efeitos da rejeição da proposta são
bem diferentes do descumprimento de um pacto já celebrado, assentando que o
descumprimento do acordo pela pessoa jurídica não vai prejudicá-la, somente no
tocante ao prazo de três anos sem outro acordo, mas vai permitir a utilização das
provas colhidas até ali para puni-la ou começar um processo para sua punição317.
Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho destacam que no
caso de descumprimento, além da pessoa jurídica não usufruir das isenções e
reduções de penas estabelecidas no parágrafo segundo do artigo 16, também não
poderá beneficiar-se da confidencialidade da proposta e a ausência do prejuízo
quanto ao reconhecimento da prática ilícita, que expressamente a lei determina que
ocorrerá quando a proposta for rejeitada318.
Marco Vinicio Petreluzzi e Rubens Naman Rizek Junior asseguram que por
uma análise sistemática legal do dispositivo em exame, o descumprimento de
qualquer dos itens do acordo de leniência e também o não cumprimento de qualquer
dos requisitos elencados no art. 16 implicarão no descumprimento do acordo e
suspensão dos benefícios outorgados à pessoa jurídica beneficiada pelo acordo de
leniência319.
Os autores assentam ainda, que creem que a pessoa jurídica não poderá
beneficiar-se das disposições contidas nos parágrafos sexto e sétimo do artigo 16,
que garantem a confidencialidade da proposta e a ausência de prejuízo quanto ao
317
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 186. 318
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA. Fernanda. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de
1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 201. 319
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95.
151
reconhecimento da prática do ato ilícito apenas na hipótese do acordo de leniência
ser rejeitado pela autoridade ou pelo órgão com atribuição de fazê-lo320.
Modesto Carvalhosa assenta que se pode conceber como efetivo nessa
quebra do ajustado: i) o não fornecimento dos documentos e demais provas
prometidas com respeito à participação das demais pessoas jurídicas e de outros
agentes políticos administrativos ou judiciários; ii) a não colaboração prometida no
ato da pactuação, negando-se durante o curso de inquérito ou do processo penal-
administrativo a colaborar com seus indispensáveis depoimentos, e ainda, abster-se
de outros atos que decorrem do desdobramento do processo321.
O autor ressalta que o dever da pessoa jurídica de cooperar plenamente com
as autoridades encarregadas do devido processo penal-administrativo durante todo
o seu curso instrutório constitui o objeto fundamental do pacto de leniência, tanto
quanto o fornecimento dos documentos que possam indiciar e processar, por este e
por outros meios, as demais pessoas apontadas (pessoas jurídicas e agentes
públicos)322.
Outra implicação do descumprimento do acordo de leniência pela pessoa
jurídica é a inclusão da informação referente a este descumprimento no Cadastro
Nacional de Empresas Punidas – CNEP.
Questão que se levanta é a de se saber se o impedimento da pessoa jurídica
seria restrito à Administração Pública subscritora do ajuste, ou se, transcendendo-a,
impediria que a pessoa jurídica celebrasse novo acordo de leniência com qualquer
outra Administração Pública integrante de outros planos, caso do federal, estadual,
municipal ou distrital.
Marcio Pestana entende que da forma como assentada na Lei Anticorrupção,
especialmente, neste particular, com a inserção e acompanhamento, por parte do
poder público, do acordo de leniência no Cadastro Nacional de Empresas Punidas –
CNEP, a vedação em questão deverá atingir a Administração Pública em todos os
320
Ibid., p. 95. 321
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 391-392. 322
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 391-392.
152
seus planos, não se limitando, portanto, àquela que tenha participado da
formalização do acordo de leniência descumprido323.
Juliano Heinen também sustenta que o impedimento deve ser estendido a
todos os entes federados, e ainda, a inadimplência deverá ser incluída no Cadastro
Nacional de Empresas Punidas – CNEP, fazendo-se constar nesse banco de dados
o respectivo descumprimento324.
Entendemos que o impedimento de celebrar novo acordo pelo prazo de três
anos se estende a todos os entes da federação, pois o próprio dispositivo assenta
que o marco inicial do impedimento é contado do conhecimento pela Administração
Pública do referido descumprimento.
A expressão “administração pública” contida nesse dispositivo, a nosso ver,
compreende a função administrativa exercida nos três poderes no âmbito da União,
Estado, Distrito Federal e Municípios.
Ademais, a inclusão da informação do descumprimento em Cadastro Nacional
de Empresas Punidas – CNEP deixa claro que o impedimento é extensivo a todos
os entes da federação, caso assim não fosse, a lei preveria um cadastro federal e
não nacional, bem como determinaria que na esfera estadual e municipal fossem
criados cadastros próprios.
2.8 Acordo de Leniência na Lei Geral de Licitações
O artigo 17 da Lei n. 12.846/2013 prevê que a Administração Pública poderá
também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática
de ilícitos previstos na Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou
atenuação das sanções administrativas em seus artigos 86 a 88.
Os artigos 86 a 88 da Lei n. 8.666/93 fazem parte da seção que prevê as
sanções administrativas aos contratados pela Administração Pública que incorrerem
323
PESTANA, Márcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 180-181. 324
HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 245.
153
em atraso injustificado na execução do contrato e inexecução total ou parcial do
contrato.
O artigo 86 dispõe que o atraso injustificado na execução do contrato
sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento
convocatório ou no contrato.
O artigo 87 prevê, assegurada a defesa prévia, a imposição pela
Administração ao contratado de pena de advertência, multa na forma prevista no
instrumento convocatório ou no contrato, suspensão temporária de participação em
licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a
2 (dois) anos, ou até declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a
Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição
ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a
penalidade, na hipótese de inexecução total ou parcial do contrato.
O artigo 88, por sua vez, estende a aplicação às sanções previstas no artigo
87 às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos pela Lei n.
8.666/93: i) tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos,
fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos; ii) tenham praticado atos ilícitos
visando a frustrar os objetivos da licitação; iii) demonstrem não possuir idoneidade
para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.
Julio Heinen observa e chama a atenção para a falta de sistematização na Lei
n. 12.846/2013, uma vez que comparando o texto do artigo 17 com o disposto no
artigo 16 verifica-se que enquanto o primeiro permite a isenção da pena, o segundo
apenas atenua325.
Julio Heinen tece crítica ao dispositivo por restringir a possibilidade de se
perfazer acordo de leniência somente a três artigos da Lei Geral de Licitação, dado
vez que se poderia mostrar profícuo um acordo diante de atos ímprobos cometidos
em licitações que são balizadas por outros diplomas normativos que não a Lei n.
8.666/93326.
325
HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 246. 326
Ibid., p. 248.
154
Heinen sustenta a possibilidade de se firmar acordo de leniência aos
contratados pelo Regime Diferenciado de Contratações – RDC disciplinado pela Lei
n. 12.462/2011, na medida em que o artigo 47, § 2.º desta lei autoriza que as
sanções administrativas, criminais e demais regras previstas no Capítulo IV da Lei n.
8.666/93 possam ser aplicadas às licitações e aos contratos regidos pelo RDC327.
Mateus Bertoncini afirma que o legislador não andou bem com essa
disposição, posto que o acordo de leniência só tem efetivamente cabimento nas
hipóteses do artigo 88, incisos II e III da Lei n. 8.666/93, por se amoldarem essas
infrações ao espírito da Lei n. 12.846/2013328.
Esclarece Bertoncini que nas hipóteses dos artigos 86,87 e 88, inciso I,
simplesmente não cabe o acordo de leniência, posto ser inequívoca e evidente a
infração ao contrato administrativo celebrado envolvendo a pessoa jurídica, não
havendo dúvida quanto à identificação da autoria e das informações e documentos
atinentes à prática dessas infrações administrativas329.
Mateus Bertoncini adverte que o acordo de leniência nas hipóteses dos
artigos 86,87 e 88, inciso I da Lei n. 8.666/93, além de ilegal por violar o modelo do
artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, constitui verdadeiro desvio de finalidade gerador da
invalidade da avença e caracterizador, em tese, de ato de improbidade
administrativa do inciso I do artigo 11 da Lei n. 8.429/92, praticado pela autoridade
celebrante e pela empresa beneficiada pelo perdão administrativo, sob a aparente
roupagem de um acordo de leniência330.
Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho entendem possível,
em que pese a omissão legislativa, a extensão dos benefícios do acordo de
leniência às empresas que estejam envolvidas em práticas ilícitas nos demais
diplomas legais que disciplinam as licitações e contratações públicas, como a Lei do
Pregão (art. 7.º da Lei n. 10.520/2002) ou a Lei do Regime Diferenciado de
327
Ibid., p. 248. 328
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 219. 329
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 219. 330
Ibid., p. 220.
155
Contratação – RDC (Lei n. 12.462/2011), desde que observados os requisitos
estipulados no artigo 16 da Lei Anticorrupção331.
Os autores também assentam posição no sentido de que somente no artigo
88 da Lei 8.666/93 seja possível imaginar a possibilidade do acordo de leniência
trazer os benefícios a que se propõem a ambos os lados, quais sejam, a pessoa
jurídica e a Administração Pública, principalmente nas hipóteses previstas no artigo
88 que envolvam condutas que estão em consonância com a Lei Anticorrupção e,
principalmente, envolvam situações em que é possível exigir os requisitos do artigo
16 da Lei n. 12.846/2013332.
Guilherme de Souza Nucci, ao comentar o artigo 17 da Lei Anticorrupção,
assenta que se optou por estender os benefícios do acordo de leniência, cujo foco
seriam apenas as infrações previstas na Lei Anticorrupção, a outros ilícitos,
constantes da Lei de Licitação, aproveitando-se para atingir diversos focos – hábito
do legislador brasileiro, por vezes envolvendo matérias completamente diferentes333.
Sidney Bittencourt aponta falha no texto do artigo 17 da Lei Anticorrupção por
terem sido esquecidas, injustificadamente, a Lei n. 10.520/2002 (Lei do Pregão), a
Lei n. 12.462/2011 (Lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratação – RDC)
e outras que versam sobre licitações públicas, como as leis voltadas para as
concessões, que também registram sanções administrativas nos mesmos moldes da
Lei 8.666/1993334.
Bittencourt sustenta que é inconteste a incidência da interpretação extensiva,
pelo que valerá as regras também para as hipóteses de sanções de outras normas
que versem sobre o mesmo tema335.
De fato, andou mal o legislador ao estender o acordo de leniência às
hipóteses previstas nos artigos 86 e 87 da Lei n. 8.666/93.
331 MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA, Fernando. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de
1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 202. Os autores observam que tal omissão não ocorreu com o Decreto n. 8.420/2015, que expressamente ao citar a Lei n. 8.666/93 (arts. 12, 16, 40 e 28) acrescenta “ou de outras formas de contratos”. 332
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA, Fernando. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 203. 333
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 187. 334
BITTENCOURT, Sidney. Comentários à lei anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 158-159. 335
Ibid., p. 158-159.
156
Isso porque, o espírito e o escopo da Lei n. 12.846/2013, que em seu artigo
16, preveem a hipótese de celebração de acordo de leniência, é o de sancionar atos
lesivos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira, e, ressaltam-se, atos
lesivos no sentido empregado pelo artigo 5.º da citada lei, vale dizer, atos que
atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da
administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo
Brasil, definidos nos incisos I a V do citado artigo e não sancionar o inadimplemento
contratual que se dá nas hipóteses de atraso injustificado na execução do contrato e
inexecução total ou parcial do contrato.
É importante destacar, que as hipóteses de atos lesivos, previstas e
tipificadas nos incisos I a V do artigo 5.º da Lei n. 12.846/2013, ou tratam de atos de
corrupção no sentido de oferecimento de vantagens aos agentes públicos nacionais
ou estrangeiros, ou quando relacionados a licitações e contratos, tratam de atos de
fraude, não havendo em nenhum dos incisos a previsão de inadimplemento
contratual.
O inadimplemento contratual ocorre nas hipóteses de atraso injustificado na
execução do contrato e de inexecução total ou parcial do contrato, não trata de
situação em que o agente administrativo competente se veja diante de dificuldades
para: i) identificar os demais envolvidos na infração; e, ii) obter célere informações e
documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
Segundo a dicção do artigo 16, inciso I e II da Lei n. 12.846/2013, o acordo de
leniência poderá ser celebrado pela autoridade administrativa competente com as
pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos na mesma Lei, desde
que essas pessoas jurídicas colaborem efetivamente com as investigações e o
processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte a identificação dos
demais envolvidos na infração e, ainda, a obtenção célere de informações e
documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
Indaga-se: que identificação de mais envolvidos se faz necessária nas
hipóteses de atraso injustificado na execução do contrato e inexecução total ou
parcial do contrato?
157
Indaga-se ainda: quais informações e documentos precisam ser obtidos com
celeridade e quais ilícitos precisam ser apurados ou comprovados nas hipóteses de
atraso injustificado na execução do contrato e inexecução total ou parcial do
contrato?
Ocorridas as hipóteses de atraso injustificado na execução do contrato e
inexecução total ou parcial do contrato, está-se diante de inadimplementos
contratuais, devendo ser aplicadas as sanções constantes nos artigos 87 e 88 da Lei
n. 8.666/93, depois de assegurado o direito de ampla defesa e contraditório ao
contratado, não havendo que se falar em acordo de leniência nessas hipóteses.
A possibilidade de celebração de acordo de leniência com vistas de isenção
ou atenuação das sanções administrativas às pessoas jurídicas pela prática dos
ilícitos previstos especificamente nos artigos 86 e 87 da Lei n. 8.666/93 considera-se
norma inválida.
Já no que tange ao artigo 88 da Lei n. 8.666/93, entendemos cabível a
extensão da possibilidade de celebração do acordo de leniência somente na
hipótese prevista no inciso II, qual seja, quando as empresas ou os profissionais, em
razão dos contratos regidos por esta Lei, tenham praticado atos ilícitos visando a
frustrar os objetivos da licitação.
Essa hipótese anda em plena sintonia com os atos lesivos tipificados nos
incisos I a V do artigo 5.º da Lei n. 12.846/2013, vale dizer, resguarda-se a
Administração Pública de fraudes na licitação e contratos públicos.
Entendemos que é possível a celebração de acordo de leniência tendo, por
base, dispositivos semelhantes, vale dizer, com o mesmo escopo de repressão à
fraude na licitação, previstos em outros diplomas legais que disciplinam as licitações
e contratações públicas, como a Lei do Pregão (art. 7.º da Lei n. 10.520/2002) ou a
Lei do Regime Diferenciado de Contratação – RDC (Lei n. 12.462/2011), desde que
observados os requisitos estipulados no artigo 16 da Lei Anticorrupção.
A hipótese do inciso I do artigo 88 da Lei n. 8.666/93, vale dizer, quando as
empresas ou os profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei
tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude
fiscal no recolhimento de quaisquer tributos não justifica a celebração de acordo de
158
leniência, pois como o dispositivo mesmo deixa esclarecido, tais sujeitos já foram
condenados definitivamente por seus atos.
Por derradeiro, a hipótese do inciso III do artigo 88 da Lei n. 8.666/93, vale
ressaltar, quando as empresas ou os profissionais que, em razão dos contratos
regidos por esta Lei, demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a
Administração em virtude de atos ilícitos praticados só será hipótese para
celebração de acordo de leniência caso os ilícitos praticados sejam tipificados como
fraude à licitação e contrato, corrupção ou algum outro dos atos lesivos tipificados
nos incisos I a V do artigo 5.º da Lei n. 12.846/2013. Fora dessas hipóteses não se
justifica a celebração de acordo de leniência pelas razões acima já assentadas.
Concordamos com Mateus Bertoncini que a celebração de acordo de
leniência nas hipóteses descabidas, nas hipóteses dos artigos 86, 87 e 88, inciso I
da Lei n. 8.666/93, além de ilegal por violar o modelo do artigo 16 da Lei n.
12.846/2013, constitui verdadeiro desvio de finalidade gerador da invalidade da
avença e pode caracterizar ato de improbidade administrativa.
159
CAPÍTULO 3 ACORDO DE LENIÊNCIA NA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
3.1 Efeitos, extensão e limites do acordo de leniência
Os efeitos que a Lei n. 12.846/2013 atribuem ao acordo de leniência são
aqueles estampados nos parágrafos segundo e nono do artigo 16.
O parágrafo segundo trata de efeitos voltados à pessoa jurídica proponente,
uma vez que o referido parágrafo prevê a isenção das sanções contidas no inciso II
do artigo 6º e no inciso IV do artigo 19, bem como a redução em até dois terços do
valor da multa aplicável.
Por força do parágrafo quinto do mesmo artigo, os efeitos do acordo de
leniência são estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo
econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto.
No parágrafo nono, os efeitos são voltados ao Estado, uma vez que o citado
parágrafo prevê que a celebração do acordo de leniência interrompe o prazo
prescricional para os agentes públicos competentes exercerem os meios cabíveis
para a responsabilização das pessoas jurídicas incidentes nos atos ilícitos previstos
na citada Lei.
Basicamente são estes os efeitos ou consequências práticas do acordo de
leniência que se vislumbram na literalidade da Lei n.12.846/2013.
Todavia, o exame apenas literal dos dispositivos legais que estabelecem os
efeitos do acordo de leniência não é suficiente para trazer soluções, sob o viés da
dogmática jurídica, às inúmeras hipóteses concretas que podem surgir.
Impõe-se um estudo mais aprofundado, alicerçado nos princípios
constitucionais, sobre os efeitos do acordo de leniência analisando-se, sobretudo,
sua extensão e limites.
A extensão do acordo de leniência, bem como os seus limites delimitados
pelos dispositivos da Lei n. 12.846/2013 é tema de grande complexidade e que
160
demanda uma interpretação conforme os princípios constitucionais e a elaboração
de uma teoria consentânea com tais princípios.
As expressões “extensão e limites” são utilizadas, nesse trabalho, com o
sentido de delimitação da abrangência do acordo de leniência tanto em relação aos
benefícios concedidos à pessoa jurídica, proponente do acordo de leniência, como
também em relação à incidência dos efeitos do acordo em outros sistemas de
responsabilização tendo por base o mesmo fato.
Em relação aos benefícios concedidos, faremos uma análise crítica e uma
interpretação do segundo e terceiro parágrafo do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013,
que tem sido objeto de muita inquietação.
Em relação à incidência de efeitos do acordo em outros sistemas de
responsabilização, tendo por base o mesmo fato, faremos a interpretação do artigo
30 da Lei n. 12.846/2013 à luz dos princípios constitucionais.
A redação do parágrafo segundo do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 dispõe
que a celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções
previstas no inciso II do artigo 6.º (publicação extraordinária da decisão
condenatória) e no inciso IV do artigo 19 (proibição de receber incentivos, subsídios,
subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de
instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo
mínimo de um e máximo de cinco anos), mantendo as sanções mais graves, e
reduzirá em até dois terços o valor da multa aplicável.
Já a redação do parágrafo seguinte, parágrafo terceiro do artigo 16, dispõe
que o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar
integralmente o dano causado.
Por sua vez, a redação do parágrafo quinto do mesmo artigo, dispõe que os
efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o
mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo, em
conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.
No último dispositivo do diploma legal em análise, a redação original do artigo
30 prevê que a aplicação das sanções previstas na Lei Anticorrupção não afeta os
161
processos de responsabilização e aplicação de penalidades de ato de improbidade
administrativa, nos termos da Lei n. 8.429/92 e atos ilícitos alcançados pela Lei n.
8.666/93, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública,
inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC
instituído pela Lei n. 12.462/2011.
Em que pese o acordo de leniência seja um instrumento de valiosa
contribuição para o combate à corrupção, no âmbito da Lei Anticorrupção, os tímidos
benefícios à pessoa jurídica proponente, somados a algumas incoerências geram
insegurança jurídica, inibindo e desestimulando a adesão de pessoas jurídicas ao
instituto.
Por força da redação constante no parágrafo segundo do artigo 16 e no artigo
30 da Lei 12.846/2013, a pessoa jurídica proponente e beneficiária do acordo de
leniência não tem sequer a garantia de que ficará isenta de sofrer outras
penalidades, mesmo tendo celebrado o acordo de leniência.
Isso porque, em que pese o parágrafo segundo do artigo 16 da Lei
Anticorrupção isente a pessoa jurídica beneficiária da leniência da sanção
decorrente da responsabilização judicial, prevista no inciso IV do artigo 19 da
mesma Lei, não a isenta das sanções decorrentes da responsabilização judicial
previstas nos incisos I a III do mesmo artigo 19.
E ainda, por força do disposto no artigo 30 da mesma lei, a pessoa jurídica
beneficiária da leniência não fica isenta de responder uma ação de
responsabilização por improbidade administrativa nos moldes da Lei n. 8.429/92.
Ou seja, até a própria pessoa jurídica proponente e beneficiária do acordo de
leniência não tem qualquer segurança ou garantia, de que mesmo tendo assumido
sua participação no ilícito, identificados mais infratores e, ainda, colaborado na
produção de provas, não será ré em uma ação judicial de responsabilização por
improbidade administrativa sujeita a todas as sanções previstas no artigo 12 da Lei
n. 8.429/92336, e ainda, de que não responderá judicialmente pelas sanções
336
É imperioso nesta oportunidade colacionar o artigo 12 da Lei n. 8.429/92: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9°,
162
previstas nos incisos I a III do artigo 19 da própria Lei n. 12.846/2013337, podendo,
por exemplo, ter suspensa ou interditada parcialmente suas atividades, estas
últimas, consideradas penas capitais para uma pessoa jurídica.
Ademais, para a pessoa física representante da pessoa jurídica delatora, a
ideia de propor um acordo de leniência lhe coloca sempre frente à decisão de optar
ou pela preservação da sua liberdade física ou pela minimização das sanções à
pessoa jurídica que representa.
Isso porque, as pessoas jurídicas são geridas e representadas por pessoas
físicas que também respondem pessoalmente por atos ilícitos praticados pela
pessoa jurídica, o que gera bastante insegurança e pouco estímulo para a
propositura de um acordo de leniência, admitindo sua participação em eventual ilícito
em troca dos benefícios previstos na redação original da Lei Anticorrupção.
Um diretor ou representante legal de uma pessoa jurídica sabe que, mesmo
colaborando com o Estado na identificação de demais envolvidos na infração e na
obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob
apuração, certamente será processado criminalmente, podendo ser preso,
seguramente responderá como réu em uma ação de improbidade administrativa, e
perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.” 337
Sobre as sanções decorrentes da responsabilização judicial previstas no inciso I do artigo 19, vale dizer, perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito, direta ou indiretamente, obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé esclarecemos que, a nosso ver, não se trata de sanção, mas sim do restabelecimento do status quo ante. A inserção dessa assertiva é importante nesse contexto, pois no acordo de leniência não se pode mesmo isentar a pessoa jurídica dessa obrigatoriedade. Tal obrigatoriedade decorre do princípio que veda o enriquecimento sem causa. O mesmo já não ocorre com as sanções previstas nos incisos II e III do artigo 19, que ao nosso ver não podem ser impostas à pessoa jurídica beneficiária do acordo de leniência cumprido com êxito.
163
nada lhe garante que sua empresa não será responsabilizada judicialmente nos
moldes do artigo 19 da Lei Anticorrupção, podendo ter as atividades suspensas ou
interditadas parcialmente e, ainda, responsabilizada nos termos da Lei de
Improbidade Administrativa.
A pessoa física representante da pessoa jurídica, caso esta última protocole
uma proposta de acordo de leniência assumindo sua participação nos ilícitos
apurados, por força de disposição restritiva expressa do artigo 30 da citada Lei,
ficará sujeita a responder criminalmente por todos os ilícitos delatados no acordo de
leniência em uma ação criminal em que o Estado já deterá de antemão a confissão
do réu e todas as provas e documentos incontroversos, bastando que os
documentos apresentados na propositura e no desenrolar do acordo de leniência
cheguem às mãos do representante do Ministério Público atuante na área criminal.
Da mesma forma se dará na responsabilização da pessoa física por
improbidade administrativa, basta que os documentos apresentados na propositura
e no desenrolar do acordo de leniência cheguem ao representante do Ministério
Público atuante na área de defesa do patrimônio público para que o representante
da empresa também responda nessa instância, nos moldes da Lei n. 8.429/92.
É exatamente esta a perspectiva da pessoa jurídica em relação aos efeitos
do acordo de leniência com base na literalidade da redação original da Lei n.
12.846/2013.
Abordamos a perspectiva das futuras responsabilizações da pessoa física,
pois entendemos necessária para nossa explanação, todavia, esse não é o foco do
nosso trabalho, de modo que nos debruçaremos sobre a perspectiva e regime
jurídico da pessoa jurídica, deixando uma melhor análise das consequências
relativas à pessoa física representante da pessoa jurídica para outros estudos mais
específicos, sobretudo com uma abordagem também do direito penal e mais
específica dos institutos da colaboração premiada e delação premiada338.
338
Carolina Barros Fidalgo e Rafaela Coutinho Canetti assentam que diferente do modelo vigente no campo antitruste, a celebração do acordo de leniência na lei anticorrupção não implica em imunidade total na esfera administrativa e que a possibilidade de que a confissão realizada no âmbito do acordo de leniência seja utilizada em outras esferas (responsabilização por improbidade administrativa, controle de contas exercido pelo Tribunal de Contas) deverá ser considerada como elemento de risco na sua celebração. Além disso, as autoras ressaltam que outro ponto de desincentivo à celebração
164
Essas distorções no texto legal da Lei n. 12.846/2013, primeiro, quanto aos
mínimos benefícios concedidos à pessoa jurídica delatora, e segundo, quanto à
incidência de efeitos do acordo em outros sistemas de responsabilização desafiam o
princípio da segurança jurídica e impõem uma ponderação dos princípios incidentes
a fim de se obter uma decisão racional e coerente do agente administrativo
competente.
As equivocadas ponderações em abstrato, feitas pelo legislador, não podem
privar a sociedade da fruição do interesse público que é proporcionado quando são
celebrados acordos de leniência, que em uma única oportunidade: i) desvenda
ilícitos de alto potencial lesivo ao patrimônio público; ii) coleta provas robustas,
identifica todos envolvidos e os pune com rigor; iii) oportuniza à pessoa jurídica
delatora a prosseguir suas atividades ao mesmo tempo em que passa a auxiliar o
Estado no controle e combate à corrupção, por meio de programas de integridade,
compliance, código de ética interno, ouvidoria, dentre outros; iv) oportuniza à
sociedade o privilégio de continuar usufruindo dos benefícios de uma pessoa jurídica
nacional produtora de serviços ou bens, geradora de empregos, pagadora de
impostos, dentre outros benefícios.
No que diz respeito aos mínimos benefícios concedidos à pessoa jurídica
delatora, consideramos acertado o entendimento do autor Thiago Marrara quando
afirma que a Lei n. 12.846/2013 padece de um grave vício lógico quando prevê
como benefício do acordo de leniência, no âmbito das sanções previstas para
responsabilização judicial, o afastamento somente da hipótese prevista no inciso IV
do artigo 19, qual seja: “proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções,
doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições
financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um)
e máximo de 5 (cinco) anos, mantendo às sanções mais graves”339.
do acordo de leniência na lei anticorrupção é a ausência de extensão dos benefícios às pessoas físicas, coautoras dos atos ilícitos. FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate à corrupção; In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Salvador (Org.). Lei Anticorrupção. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 273-275. 339
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP-FDRP, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, 2015, p. 522.
165
Com muita precisão indaga Marrara: “de que adianta conceder esse benefício
ao infrator colaborador, se a leniência não impede que o juiz determine a sua
extinção como pessoa jurídica?”340.
E continua assertivamente:
Para que os benefícios sejam reais e efetivos, portanto, é preciso reinterpretar a Lei Anticorrupção. Embora o art. 16 não o diga, a leniência impõe uma imunidade também contra a medida prevista no art. 19, inciso III. Se não for assim, de nada adiantará o benefício quanto ao inciso IV341.
A coerência e racionalidade impõem que eventuais benefícios concedidos a
uma pessoa jurídica, que se comprometa a colaborar com as investigações,
assumam sua participação e auxiliem o Estado por meio da adoção de programa de
integridade e compliance, se deem a partir das penalidades mais graves e severas
trilhando um caminho decrescente.
Não faz sentido e foge à racionalidade possibilitar a concessão, na fase
administrativa, de um benefício a uma pessoa jurídica no acordo de leniência a partir
de uma sanção mais branda e, em momento posterior, em eventual fase de
responsabilização judicial, aplicar-lhe uma sanção mais grave.
Após a celebração do acordo de leniência e não ocorrendo o descumprimento
por parte da pessoa jurídica proponente, não se justifica a fase de responsabilização
judicial.
A correta ponderação entre os princípios envolvidos nessa hipótese conduz à
conclusão assertiva de que o acordo de leniência isenta a pessoa jurídica não
apenas da sanção prevista no inciso IV do artigo 19 da Lei n. 12.846/2013, como,
também, da sanção prevista nos inciso II do mesmo artigo, qual seja, suspensão ou
interdição parcial de suas atividades.
Incide na presente hipótese o postulado da razoabilidade, não sendo razoável
que a pessoa jurídica beneficiária da sanção prevista no inciso IV do artigo 19 da Lei
n. 12.846/2013 sofra, sem que tenha descumprido o acordo de leniência, a aplicação
340
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista digital de direito administrativo – USP-FDRP, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, 2015, p. 522. 341
Ibid., p. 522.
166
da sanção prevista nos inciso II do mesmo artigo, qual seja, suspensão ou interdição
parcial de suas atividades.
Quanto à sanção prevista no inciso I do artigo 19, vale dizer, perdimento dos
bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito, direta ou
indiretamente, obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de
boa-fé, entendemos não como sanção, mas sim como restabelecimento do estado
anterior das coisas, e por tal razão a celebração do acordo de leniência não pode
isentar a pessoa jurídica desse dever.
Quanto à sanção prevista no inciso III do artigo 19, qual seja: “dissolução
compulsória da pessoa jurídica”, determinada nas hipóteses de comprovada
habitualidade para facilitar e promover a prática de atos ilícitos ou comprovação de
ter sido constituída para ocultar ou dissimular ilícitos ou a identidade dos
beneficiários dos atos praticados, entendemos que, antes mesmo de configurar uma
sanção quando tais hipóteses forem comprovadas, configura instrumento protetor de
requisitos que compreendemos indispensáveis para a pessoa jurídica poder propor o
acordo de leniência, mas que não foram redigidos no parágrafo primeiro do artigo
16 devido às limitações do legislador, quais sejam: i) a prova da idoneidade; ii) a
prova da produtividade; iii) cumprimento da função social da pessoa jurídica.
Compete à pessoa jurídica interessada na propositura e celebração do acordo
de leniência, comprovar pelos meios cabíveis que: i) é empresa idônea, produtiva, e
que não tem histórico ou habitualidade em facilitar e promover a prática de atos
ilícitos; ii) fora constituída para produção idônea de bens e serviços e que não fora
constituída para ocultar ou dissimular ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos
atos praticados.
Não obstante esteja envolvida em atos ilícitos, a pessoa jurídica deve
comprovar sua idoneidade, produtividade regular e função social.
Essa prova poderá ser feita por meio de certidões que comprovem sua
idoneidade em cadastros como Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e
Suspensas (CEIS), Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, dentre outros,
e certidões de distribuição criminais e civis tanto da pessoa jurídica como de seus
sócios e/ou diretores, dentre outras provas pertinentes para demonstração de
167
probidade, e ainda, documentos que comprovem a produtividade da empresa,
balanços patrimoniais, número de empregados, certidões negativas de débitos,
declarações de clientes, dentre outros documentos que comprovem que a mesma
desenvolve atividade que reflete em bem estar à coletividade.
Esse momento de comprovação de idoneidade guarda certa similaridade com
a fase de habilitação da licitação e pode ser considerada uma nova oportunidade da
pessoa jurídica demonstrar ao Estado sua idoneidade.
Cabe também ao Estado, por meio das autoridades competentes, exigir da
pessoa jurídica proponente esta comprovação de idoneidade da pessoa jurídica.
A comprovação prévia de idoneidade, produtividade e função social por parte
da pessoa jurídica interessada em celebrar um acordo de leniência é o mínimo que
se espera de uma empresa ou entidade que pretende celebrar ato jurídico
administrativo dessa natureza com o Estado. Somente após fazer essa prova é que
a pessoa jurídica poderá celebrar o acordo de leniência e, aí sim, celebrado o
acordo de leniência não se cogitando, ao menos o princípio, na possibilidade de
posterior sanção da empresa, após a celebração do acordo de leniência, com
fundamento no inciso III do artigo 19 da Lei n. 12.846/2013342.
Definitivamente, o acordo de leniência é instrumento jurídico que visa dentre
outros objetivos restabelecer a probidade e regenerar pessoas jurídicas idôneas,
produtivas e com real função social que em determinado momento de sua trajetória
incidiram em corrupção e não acobertar o crime organizado através de pessoas
jurídicas criadas exclusivamente em função do crime.
Atende muito mais ao interesse público que a pessoa jurídica faça essa prova
ao invés do Estado ter que desvendar tais fatos, razão pela qual entendemos que a
comprovação da idoneidade nos moldes extraídos do inciso III do artigo 19
combinado com os incisos I e II do parágrafo primeiro do artigo 19 da Lei n.
12.846/2013 configura requisito para celebração do acordo de leniência, não
342
Esclarecemos que não estamos sustentando e defendendo uma blindagem e imunização da pessoa jurídica proponente do acordo de leniência. Posteriormente, caso surjam fatos novos e provas que afastem a presunção de legitimidade do acordo de leniência caberá a anulação do mesmo administrativamente, fundamentado no principio de autotutela da Administração Pública ou ainda judicialmente, por meio de pedido de anulação do acordo de leniência pelos legitimamente interessados.
168
obstante, não esteja inserido no parágrafo primeiro do artigo 16, local em que o
legislador optou por arrolar os requisitos para a celebração do acordo de leniência.
Em relação à incidência de efeitos do acordo de leniência em outros sistemas
de responsabilização, entendemos que também desafia a segurança jurídica, a
proporcionalidade, a coerência e a racionalidade, a limitação e a restrição do acordo
somente às sanções previstas na Lei n. 12.846/2013.
Como já externamos no primeiro capítulo deste trabalho, é uma questão muito
complicada e delicada a possibilidade de aplicação simultânea de sanções por
instâncias autônomas que não se comunicam e não levam em consideração a
existência de outras esferas de responsabilização.
Essa preocupação é muito pertinente e calha à fiveleta quanto ao tema da
extensão e limites do acordo de leniência no que tange a outros sistemas de
responsabilização.
A nosso ver, em se tratando da sanção das pessoas jurídicas, as instâncias
devem se comunicar e, indo mais além, em se tratando de acordo de leniência com
a pessoa jurídica delatora, o mesmo deve, se possível, englobar todas as
possibilidades de responsabilizações ou sanções à pessoa jurídica beneficiária,
decorrentes do mesmo fato, podendo inclusive, a depender das circunstâncias do
caso concreto, surtir efeitos às eventuais responsabilizações das pessoas físicas
representantes da pessoa jurídica.
Como já afirmamos nesse trabalho, de nosso ponto de vista, a
responsabilização da pessoa jurídica com a aplicação da mesma sanção por duas
esferas ou sistemas diferentes de responsabilização desafia a correta aplicação do
postulado da proporcionalidade, da razoabilidade e a correta ponderação de
princípios, e sendo assim, havendo a possibilidade de celebração de acordo de
leniência, é este o momento em que o agente competente e o particular tem que
resolver tudo o que diz respeito ao fato objeto do acordo leniência, englobando todas
as esferas de responsabilização decorrentes do mesmo fato.
Apenas dessa maneira irá preponderar a eficiência, a unidade, a coerência e
a racionalidade, e prevalecer o interesse público da coletividade.
169
Todavia, para que seja possível trilhar esse caminho se faz necessária a
participação do Ministério Público, bem como das advocacias públicas dos entes
envolvidos juntamente com os órgãos de controle interno desses entes343.
Em 18 de dezembro de 2015, sob a justificativa de tornar mais célere e ampla
a possibilidade de celebração do acordo de leniência, foi editada a Medida
Provisória 703/2015 que introduziu alterações no acordo de leniência, já previstas na
Lei 12.846/13, Lei Anticorrupção344.
Uma das mudanças introduzidas pela citada Medida Provisória era a
possibilidade de, a um só tempo, participarem do acordo de leniência os órgãos de
controle interno dos entes envolvidos, suas advocacias públicas e o Ministério
Público.
Todavia, a Medida Provisória n. 703/2015 não foi convertida em lei, tendo o
prazo de sua vigência encerrado no dia 29 de maio de 2016.
A participação do Ministério Público nos acordos de leniência é solução
também defendida por Jorge Munhós de Souza345, bem como por Marcelo Certain
Toledo e Francisco Octávio de Almeida Prado Filho346.
343
Nesse sentido tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei autuado nesta Casa sob o nº
3636, de 2015 com autuação de origem no Senado Federal sob o n.º105/2015 de autoria do Senador Ricardo Ferraço do PMDB/ES, apresentado na Câmara dos Deputados em 16/11/2015, e que visa alterar a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para permitir que o Ministério Público e a Advocacia Pública celebrem acordo de leniência, de forma isolada ou em conjunto, no âmbito da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2055350>. Acesso em: 27 abr. 2016. Ademais, por força da Instrução Normativa IN – TCU 74, de 11.02.2015 que dispõe sobre a fiscalização do TCU, com base no art. 3.º da Lei 8.443/1992, quanto à organização do processo de celebração do acordo de leniência pela Administração Pública federal, nos termos da Lei 12.846/2013, publicada no DOU de 18.02.2015, o TCU passou a ser inserido nos processos de acordos de leniência, fiscalizando os que se pretenderem ser celebrados entre pessoas jurídicas e a Administração Pública federal. 344
A Medida Provisória n.º 703, de 18 de dezembro de 2015, teve o prazo de sua vigência encerrado no dia 29 de maio de 2016 por meio do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n.º 27, de 2016. 345
SOUZA, Jorge Munhós de. Responsabilização administrativa na lei anticorrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo de Pinheiro (Org.). Lei Anticorrupção Salvador: Editora JusPODIVM, 2015, nota de rodapé da página 175. 346
TOLEDO, Marcelo Certain; PRADO FILHO, Francisco Octávio de Almeida. Considerações a
respeito do acordo de leniência da lei anticorrupção. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI217675,41046-Consideracoes+a+respeito+do+acordo+de+leniencia+da+lei+anticorrupcao>. Acesso em: 27 abr. 2016.
170
Mauricio Zockun sustenta que a integração do Ministério Público e das
Advocacias Públicas no acordo de leniência é obrigatória, sobretudo se o ilícito
cometido no ambiente da Lei Anticorrupção também puder ser atacado por meio da
ação de improbidade e, ademais, estiverem presentes os pressupostos para
celebração do acordo de leniência, sob pena de uma ilegítima perpetuação de um
conflito jurídico que, segundo a dicção legal, pode ser composto mediante a estrita
obediência de uma pauta objetiva de pressupostos, desaguando na formação de um
acordo de leniência347.
Essa é a posição que sustentamos: para que sejam englobadas todas as
esferas de responsabilização possíveis, devem participar no acordo de leniência
além do órgão de controle interno nos entes envolvidos, suas Advocacias Públicas,
o Tribunal de Contas, e, sobretudo, o Ministério Público, que detém também a
titularidade da ação penal e da ação civil pública de responsabilização por
improbidade administrativa nos moldes da Lei n. 8.429/92348.
Nesse trabalho, nos limitaremos a uma abordagem sobre a extensão dos
efeitos do acordo de leniência, previstos na Lei n. 12.846/2013 ao sistema de
responsabilização previsto na Lei n. 8.429/92, deixando a extensão dos efeitos sobre
outros sistemas para outra oportunidade.
3.2 Acordo de leniência na lei de improbidade administrativa
Conforme assentamos nas subseções anteriores, o fundamento e o
delineamento normativo do acordo de leniência acham-se ligados à efetividade da
persecução estatal e à maximização do atendimento aos interesses da coletividade.
347
ZOCKUN, Mauricio. Vinculação e Discricionariedade no Acordo de Leniência. Revista Colunistas de Direito do Estado, n. 142, 2016. Disponível em: ˂http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Mauricio-Zockun/vinculacao-e-discricionariedade-no-acordo-de-leniencia>. Acesso em: 26 ago. 2016. 348
Nesse sentido, foi editada, em 18 de dezembro de 2015, pela então Presidenta da República, a Medida Provisória n. 703, cujo prazo de vidência foi encerrado no dia 29 de maio de 2016 por meio do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n. 27, de 2016. Disponível em: ˂http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Congresso/adc-027-mpv703.htm>. Acesso em: 09 jun. 2016.
171
Uma questão bastante espinhosa e que quando suscitada causa muita
inquietação é a da possibilidade de celebração de acordo de leniência na
responsabilização pela Lei n. 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, ou ainda,
a possibilidade do acordo de leniência celebrado no âmbito de responsabilização da
Lei n. 12.846/2013 surtir efeito no sistema de responsabilização da Lei n. 8.429/92.
A questão que se coloca é: pode ser celebrado acordo de leniência no
sistema de responsabilização pela Lei n. 8.429/92?
Outra questão que se coloca é: o acordo de leniência pode ser empregado
para efeito de modulação ou não aplicação das reprimendas previstas na Lei de
Improbidade Administrativa?
O primeiro obstáculo que se impõe quando suscitados tais questionamentos é
a disposição contida no art. 17, §1.º, da Lei n. 8.429/92 que pedimos permissão para
colacionar dada a importância para esse estudo:
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
(...)
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.
Uma interpretação literal e isolada desse dispositivo conduz, em um primeiro
momento, à resposta pela vedação ao acordo de leniência para efeito de modulação
ou não aplicação das reprimendas previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Wallace Paiva Martins Junior, ao comentar o artigo 17, §1.º, da Lei n.
8.429/92, sustenta que de regra só admitem composição, acordo ou transação os
interesses privados e disponíveis e que os co-legitimados ativos de tal dispositivo
legal não têm disponibilidade sobre o patrimônio público ou sobre a moralidade
administrativa ressaltando inclusive que não é admissível a desistência da ação
proposta349.
349
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.404-406.
172
Mesmo sustentando essa posição, o mesmo autor reconhece que, de lege
ferenda, seria útil a mais eficiente repressão da improbidade administrativa a
dotação de institutos que, mitigando o princípio da indisponibilidade, favoreçam
autores, beneficiários, cúmplices ou partícipes de atos de improbidade administrativa
que espontaneamente denunciem o fato, seus autores, beneficiários, possibilitando,
assim, com a delação premiada, a redução de sanções ou mesmo instituindo uma
válvula para a inacumulabilidade nessas hipóteses350.
Marcelo Figueiredo, ao comentar o art. 17, §1.º, da Lei n. 8.429/92, assenta
que as condutas tidas por atentatórias ao princípio da moralidade administrativa não
podem sofrer qualquer tipo de transação351.
Todavia, o autor também consigna que se poderia cogitar, se houvesse
previsão na lei, de causas que diminuíssem as penas do agente público que
voluntariamente auxiliasse nas investigações, que oferecesse o ressarcimento
integral do dano a exemplo do que ocorre no Direito norte-americano e no Direito
italiano, relatando os bons resultados da experiência italiana na “operação mãos
limpas”, onde os números de envolvidos cresceram substancialmente quando os
primeiros acusados passaram a confessar e revelar outras irregularidades para
conseguir atenuantes e reduções de penas352.
O autor sugere, de lege ferenda, ao legislador, que passe em revista tais
modelos, não para copiá-los, mas para adaptá-los à realidade nacional, assentando
que é de extrema utilidade que leis anticorrupção reduzam penas, concedam
benefícios e atenuantes às pessoas envolvidas que colaborem com o Estado em
sua ação, de modo que aquele que confessasse, voluntariamente, que apontasse
terceiros corruptos, que, em síntese, colaborasse ativamente no combate à
corrupção, poderia não ser “premiado”, mas, na verdade, ter alguma sorte de
incentivo na redução de sua pena353.
350
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.404-406. 351
FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 262-263. 352
Ibid., p. 262-263. 353
Ibid., p. 262-263.
173
Por fim, após fazer essas considerações, Marcelo Figueiredo assenta que tal
possibilidade não existe, deixando claro que tal impossibilidade se dá por conta da
ausência de lei expressa.
Nicolao Dino afirma que o instituto da colaboração premiada é plenamente
compatível com os institutos destinados à responsabilização civil por atos de
improbidade administrativa, ressaltando que o fundamento de tal assertiva está na
inserção da Lei n.º 8.429/92 no microssistema de combate à corrupção, composto
pelas Leis n. 12.850/2013, Lei n. 12.529/2013 e Lei n. 12.846/2013354.
Nessa esteira, o citado autor assenta que em se tratando de um
microssistema anticorrupção, do qual é parte integrante a Lei n. 8.429/92, é
fundamental garantir-lhe coerência e funcionalidade e que a não permissão da
utilização da colaboração premiada na persecução por improbidade administrativa
vai de encontro ao princípio da confiança legítima corolário do princípio da
segurança jurídica. Eis as palavras do citado jurista:
É importante considerar, nesse passo, que o próprio êxito da colaboração premiada no acordo de leniência firmados no âmbito da persecução penal ou do processo administrativo, pode ficar comprometido se a autoincriminação numa instância, em troca de um benefício, puder implicar responsabilização integral em outra instância, na esfera de improbidade administrativa. Isso iria de encontro, inclusive, ao princípio da proteção da confiança legítima, corolário do princípio da segurança jurídica, o qual preconiza que o cidadão, ao confiar no comportamento do Estado, não pode sofrer prejuízos em consequência direta do crédito a ele atribuído355.
Nicolao Dino sustenta que a previsão do artigo 17, § 1.º, da Lei de
Improbidade Administrativa não constitui obstáculo ao emprego do instituto da
colaboração premiada na seara da responsabilidade administrativa e que a aparente
contradição deve ser removida por meio de uma interpretação corretiva, pois não
seria possível o convívio harmônico de disposições que, de um lado, vão permitir o
uso da colaboração premiada ou do acordo de leniência e, de outro, uma previsão
legal que [aparentemente] os proíbe. Nessa linha, colacionamos importante
assertiva do autor:
354 DINO, Nicolao. A colaboração premiada na improbidade administrativa: possibilidade e
repercussão probatória. In: SALGADO, Daniel Resende de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.) et al. A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. Salvador: Juspodivm, 2015, p.455-459. 355
Ibid., p.455-459.
174
Para superar a aparente incompatibilidade, é importante repisar a ratio do art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92. A finalidade dessa regra, como acima enfatizado, é evitar que haja livre e indevida disposição da ação, em prejuízo à tutela do dever de probidade administrativa. Ao revés, a busca da colaboração de investigados/réus infratores, em troca de benefícios quanto a sanções, não implica abdicar da tutela da probidade, mas sim alcançá-la de modo mais eficiente. Confere-se, por esta via, maior efetividade ao regramento normativo e aos mecanismos de controle da improbidade, com a possibilidade de estender a atuação repressiva do Estado a escalões e estruturas de poder – político ou econômico – outrora considerados inatingíveis, se não houvesse a cooperação de outros envolvidos356.
O autor faz a ressalva de que nos casos em que a concessão de imunidade
for plena, a matéria deve ser submetida à revisão da instância superior do Ministério
Público para homologação, sob o fundamento do artigo nono, parágrafo primeiro da
Lei 7.347/85 e artigo 62, inciso IV da Lei Complementar n. 75/93357.
Nicolau Dino utiliza a teoria da interpretação corretiva de Norberto Bobbio,
formulada como solução para o conflito entre duas normas, para o qual não valham
o critério cronológico, o critério hierárquico ou o critério da especialidade358.
Segundo a citada teoria de Bobbio, é possível conservar no sistema duas
normas incompatíveis, sem ter que se lançar mão do remédio extremo da ab-
rogação, demonstrando que as mesmas não são incompatíveis e que a
incompatibilidade é puramente aparente, vale dizer, que a suposta incompatibilidade
deriva de uma interpretação ruim, unilateral, incompleta ou errada de uma das
normas ou de ambas.
356
DINO, Nicolao. A colaboração premiada na improbidade administrativa: possibilidade e repercussão probatória. In: SALGADO, Daniel Resende de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.) et al. A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. Salvador: Juspodivm, 2015, p.455-459. 357
Ibid., p.455-459. 358 Vide: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: EDIPRO, 2011, p. 100-107. Karl Larenz, se valendo de outros termos, também sustenta a interpretação corretiva das leis visando o alcance da vontade do direito, sobretudo diante de lacunas e contradições. Larenz assenta que os princípios elevados a nível constitucional devem orientar a interpretação, e que o Tribunal Constitucional alemão se serve do método da ponderação de bens no caso concreto para determinar o alcance em cada caso dos direitos fundamentais ou princípios constitucionais que colidam entre si no caso concreto. Segundo Larenz: “[...] A ordem jurídica não existe de forma inteiramente independente do processo do compreender, mas somente no modo como, com base neste processo, se mostra em cada caso na compreensão daqueles que são chamados à sua aplicação e desenvolvimento”. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Conselho Calouste Gulbenkian, 1997, p. 574-575.
175
A nosso ver, o artigo 17, § 1.º da Lei de Improbidade Administrativa deve ser
interpretado de modo a concretizar os princípios constitucionais e atender ao
interesse público da melhor forma possível.
Como já assentamos, o interesse público decorre da correta ponderação dos
princípios incidentes no caso concreto.
A ponderação do legislador, na hipótese em análise, gerou uma regra prima
facie que pode ser afastada, caso constatada no caso concreto, a incidência de
princípio com maior peso, tanto pelos agentes competentes para investigação
destinada a apurar a prática de atos de improbidade previstos na Lei n. 8.419/92,
como pelos agentes competentes para investigação destinada à apuração dos atos
lesivos previstos na Lei n. 12.846/2013, por meio de uma ponderação dos princípios
incidentes no caso concreto, levando em consideração o peso do princípio formal
que dá primazia às ponderações do legislador.
O resultado da ponderação entre os interesses envolvidos faz prevalecer o
interesse público, consistente em uma apuração mais eficiente e concreta dos
ilícitos, aliada à garantia de que mais uma pessoa jurídica passará a colaborar com
o Estado no combate à corrupção através de programas de integridade em
comparação a uma instrução processual morosa, ineficiente e, muitas vezes, inócua.
Trazendo para o plano concreto, se uma determinada pessoa jurídica está
sendo investigada por um ato ilícito que, ao mesmo tempo se enquadra em tipo
previsto no sistema de responsabilização da Lei de Improbidade Administrativa e no
sistema de responsabilização da Lei Anticorrupção, a vedação prevista no parágrafo
primeiro do artigo 17 da Lei n. 8.429/92 não tem peso para obstar a celebração do
acordo de leniência, englobando as sanções cabíveis dos dois sistemas de
responsabilização, sob pena de inviabilizar a plena concretização do interesse
público.
Isso porque o acordo de leniência é um dos meios concebidos pela ordem
jurídica para tutela do interesse público, permitindo não só a identificação do ilícito
ou do seu agente, mas a recondução das práticas da entidade faltosa aos trilhos da
legitimidade, sem prejuízo da recomposição do dano causado.
176
Desse modo, o peso do princípio da eficiência, do princípio que prestigia a
solução pacífica dos conflitos e, sobretudo, o peso do princípio que prestigia a
regeneração da pessoa jurídica com estancamento da situação de ilicitude é maior
do que o peso da regra que veda a transação, acrescido do princípio formal que dá
primazia às ponderações do legislador e, assim, é celebrado o acordo de leniência,
evitando-se a perpetuação de situação de ilicitude e adicionalmente, premiando-se a
solução pacífica de um conflito, sem prejuízo da integral preservação do patrimônio
público.
Pelos mesmos fundamentos, se eventualmente uma pessoa jurídica é
acusada, em inquérito civil ou processo administrativo instaurado pelo ente
interessado, inicialmente, somente pela incidência de ato de improbidade
administrativa não há óbice à celebração do acordo de leniência, englobando a
previsão de abrangência aos demais sistemas de responsabilização evitando-se a
perpetuação de situação de ilicitude e, adicionalmente, premiando-se a solução
pacífica de um conflito, sem prejuízo da integral preservação do patrimônio público.
Ademais, é importante ressaltar que o parágrafo único do artigo 17 da Lei n.
8.429/92, quando dispõe ser vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações
de que trata o caput, proíbe tão somente eventual acordo no âmbito da ação
ajuizada perante o Poder Judiciário, não impedindo ou vedando a realização de
acordo na fase do inquérito civil ou do processo administrativo instaurado no âmbito
dos entes interessados.
Não encontramos nenhum autor que fizesse essa abordagem quanto ao
alcance da vedação prevista no parágrafo único do artigo 17 da Lei n. 8.429/92,
todavia, sustentamos que nunca fora vedada a celebração de acordo na fase do
inquérito civil ou do processo administrativo instaurado no âmbito dos entes
interessados, tendo em vista que a vedação contida no texto legal refere-se
expressamente ao âmbito da ação judicial.
Esta interpretação ganha mais força quando se verifica que o ingresso de
uma ação para responsabilização por atos de improbidade administrativa só pode se
dar quando o Ministério Público ou o ente público interessado tenha colhido robustos
elementos de provas de autoria e materialidade no inquérito civil ou no processo
administrativo prévio.
177
Uma ação de responsabilização por atos de improbidade não pode ser
ajuizada de modo aventureiro e irresponsável, e tanto é assim, que em seu
processamento há a previsão legal de uma defesa prévia, antes mesmo da
contestação, visando evitar-se o prosseguimento de uma ação com tão duras
consequências caso não se tenha justificativa plausível para tanto.
Se o Ministério Público ou a Advocacia Pública do ente público interessado
ajuizou a ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa,
presume-se que o fizeram com seriedade e responsabilidade e que detinham, após
apuração prévia, robustos elementos de provas de autoria e materialidade que
passaram sobre o crivo do contraditório e ampla defesa na esfera judicial.
Quando o Estado tem esses robustos elementos de prova de autoria e
materialidade em mãos, não lhe é permitido, a nosso ver, celebrar o acordo de
leniência, visto que esta via consensual é específica para as hipóteses em que não
se tenham informações suficientes de autoria e materialidade dos ilícitos.
Ademais, é importante ressaltar que o caput do artigo 16 da Lei Anticorrupção
ao prever a celebração do acordo de leniência faz referência à colaboração das
pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos naquela Lei, na fase
de investigações e do processo administrativo, vale dizer, em fases extrajudiciais359.
Esse dispositivo revela o contorno do acordo de leniência como um instituto a
ser, pelos menos a princípio, aplicado na fase pré-processual e extrajudicial.
Desse modo, sustentamos que o acordo de leniência no âmbito da
responsabilização por atos de improbidade administrativa deve se dar na fase
extrajudicial, vale dizer, na fase do inquérito civil, instaurado pelo Ministério Público
ou na fase do processo administrativo instaurado pelo ente público interessado.
Pelas razões já expostas, não entendemos ser cabível o acordo de leniência durante
a tramitação da ação judicial ou após o trânsito em julgado da ação judicial, na fase
de execução.
359
Art. 16, caput, da Lei n.º 12.846/2013: “A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública
poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: [...]”.
178
Não obstante, nossa posição, de lege ferenda, tramita no Congresso Nacional
o Projeto de Lei que prevê que o acordo de leniência celebrado, que conte com a
participação das respectivas Advocacias Públicas impede o ajuizamento ou
o prosseguimento de ação já ajuizada pelos entes celebrantes das ações de
que tratam o artigo 19 desta Lei n. 12.846/2013 e o artigo 17 da Lei n. 8.429/92,
inclusive o prosseguimento de procedimentos oriundos dos tribunais de contas
que guardem relação com o objeto do acordo. Todavia, trata-se apenas de proposta
legislativa e que não altera nossa posição sobre a vedação do acordo de leniência
após o ajuizamento da ação judicial360.
Conforme já consignamos nesse trabalho, em 18 de dezembro de 2015, sob a
justificativa de tornar mais célere e ampla a possibilidade de celebração do acordo
de leniência, foi editada a Medida Provisória n. 703/2015 que introduziu alterações
no acordo de leniência, já previstas na Lei n. 12.846/13, Lei Anticorrupção361.
A Medida Provisória n. 703/15 trazia significativa mudança na Lei n. 8.429/92,
consistente na revogação expressa de dispositivo que vedava a transação, acordo
ou conciliação nas ações destinadas à apuração da prática de ato de improbidade.
Nesse sentido, a Medida Provisória n. 703/15 permitia expressamente que o acordo
de leniência, já previsto na Lei Anticorrupção, englobasse a responsabilização
prevista na Lei de Improbidade Administrativa.
Todavia, a Medida Provisória n. 703/2015 não foi convertida em lei. tendo o
prazo de sua vigência encerrado no dia 29 de maio de 2016.
Não obstante a Medida Provisória n. 703/2015 tenha perdido a vigência por
decurso de prazo, entendemos ser possível a celebração do acordo de leniência no
âmbito da responsabilização da pessoa jurídica no sistema da Lei n. 8.429/92.
360
Projeto de Lei de autoria do Senador Ricardo Ferraço do PMDB/ES, com autuação de origem no Senado Federal sob o n.º 105/2015, apresentado na Câmara dos Deputados em 16/11/2015, e autuado nesta Casa sob o n.º 3636/2015, que visa alterar a Lei n.º 12.846, de 1.º de agosto de 2013, e a Lei n.º 8.42, de 2 de junho de 1992, para permitir que o Ministério Público e a Advocacia Pública celebrem acordo de leniência, de forma isolada ou em conjunto, no âmbito da Lei n.º 12.846, de 1.º de agosto de 2013, e dá outras providências. Disponível em: ˂http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2055350>. Acesso em: 26 ago. 2016. 361
A Medida Provisória n.º 703, de 18 de dezembro de 2015, teve o prazo de sua vigência encerrado no dia 29 de maio de 2016 por meio do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n.º 27, de 2016.
179
A ausência da vedação à celebração de acordo no âmbito extrajudicial,
somada ao advento ao microssistema de combate à corrupção, por meio da Lei n.
12.846/2013, do acordo de leniência como solução consensual e pacífica de um
conflito, impõe a utilização desse instrumento jurídico também no âmbito da
responsabilização por improbidade administrativa da pessoa jurídica, em favor do
interesse público, sempre que preenchidos os requisitos para sua celebração.
Fixa-se a primeira regra: é possível a celebração de acordo de leniência no
âmbito da responsabilização da pessoa jurídica por atos de improbidade
administrativa na fase do inquérito civil ou procedimento administrativo instaurado
pelo ente público interessado, desde que a pessoa jurídica proponente preencha os
mesmos requisitos previstos para a celebração do acordo de leniência, previstos na
Lei n. 12.846/2013, vale dizer, se comprometa com a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber, com a obtenção célere de informações e
documentos que comprovem o ilícito sob apuração, cesse a prática dos ilícitos e se
comprometa a cooperar plena e permanentemente com as investigações e o
processo administrativo, evitando-se, assim, a perpetuação de situação de ilicitude e
adicionalmente, premiando-se a solução pacífica de um conflito, sem prejuízo da
integral preservação do patrimônio público.
Fixa-se a segunda regra: é possível a celebração de acordos de leniência no
âmbito do processo de responsabilização da Lei n. 12.846/2013, empregando-se
efeitos de modulação ou até a não aplicação das reprimendas previstas na Lei n.
8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa.
Em virtude da ausência da previsão específica do acordo de leniência na
redação da Lei n. 8.429/92, essa decisão exigirá um ônus argumentativo maior do
agente competente, e deverá ser devidamente motivada, fundamentada e
explicitada por meio do procedimento de decisão, apontado na subseção 1.4.
180
3.2.1 Precedentes de acordos de leniência na lei de improbidade administrativa
Já existem precedentes de celebração de acordo de leniência com
homologação pelo Ministério Público Federal, alcançando o sistema de
responsabilização por improbidade administrativa previsto na Lei n. 8.429/92.
Os precedentes que encontramos são emanados da 5.ª Câmara de
Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal362.
Esses acordos foram homologados pela câmara específica de combate à
corrupção do Ministério Público Federal, pioneiros nesses acordos de leniência e
produzem efeitos nas sanções previstas na Lei n. 8.429/92.
Na deliberação do processo PR-PR-00030112/2015, após o recebimento do
Ofício nº 6753/2015-PRPR/FT, com solicitação de homologação de Acordo de
Leniência firmado no âmbito da Operação Lava Jato, a 5.ª Câmara de Coordenação
e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal resolveu, com
relação ao parágrafo 4º da cláusula 8ª, não homologar a alternativa consistente na
desistência da ação de improbidade, mas tão somente o compromisso referente ao
reconhecimento declaratório dos atos de improbidade administrativa, sem aplicação
de sanções, por considerar a desistência inapropriada em ação de improbidade
administrativa, mesmo em face do subsistema punitivo acima mencionado363.
É importante consignar que, à época da deliberação no citado processo
(24/08/2015), sequer havia sido editada a Medida Provisória n. 703, de 18 de
dezembro de 2015.
Em sessão realizada no dia 1.º de dezembro de 2014, a 5.ª Câmara de
Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal, ao
362
A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão é dedicada ao combate à corrupção e atua nos feitos relativos aos atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92, nos crimes praticados por funcionário público ou particular (artigos 332, 333 e 335 do Código Penal) contra a administração em geral, inclusive contra a administração pública estrangeira, bem como nos crimes de responsabilidade de prefeitos e de vereadores previstos na Lei de Licitações. Disponível em: ˂ http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5>. Acesso em: 26 ago. 2016. 363
Ata da Octigentésima septuagésima sexta sessão ordinária de agosto de 2015 da 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal, composta pelos Subprocuradores Gerais da República Nicolao Dino Neto (Coordenador), Denise Vince Tulio e Ana Borges Coelho Santos (Membros Titulares), realizada no dia 24 de agosto de 2015, no Edifício-Sede da Procuradoria-Geral da República.
181
apreciar o Ofício n.º 9523/2014/PRPR/FT da Procuradoria da República no Estado
do Paraná, referente à Operação Lava Jato para análise e homologação dos
acordos firmados, decidiu por homologar os acordos de leniência que lhe foram
submetidos sob o seguinte fundamento:
[...] Considerando, além da fundamentação legal apontada no expediente supracitado e no Termo de leniência e nos Termos de Colaboração Premiada, que as disposições da nova Lei 12.846, de 2013, compõem um microssistema sancionatório estabelecendo o acordo de leniência como ferramenta de solução extrajudicial no campo da responsabilização de índole civil, na linha do que já prevê a Lei 12.850, de Agosto de 2013, na esfera penal, e considerando, ainda, a legitimidade do Ministério Público para celebrar termos de ajustamento de conduta, nos termos do Artigo 5º, §6º, da Lei 7.347, de 1985, a Câmara resolve homologar os acordos encaminhados por meio do Ofício 9523/2014/PRPR/FT, apresentados em Mesa364.
É importante consignar que, à época da deliberação no citado processo
(01/12/2014), sequer havia sido editada a Medida Provisória n. 703, de 18 de
dezembro de 2015.
Em sessão realizada no dia 5 de fevereiro de 2015, a 5.ª Câmara de
Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal ao
apreciar o Ofício nº 355/2015 (PR-PR-00002021/2015), encaminhado pelo
procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol, referente à Operação Lava
Jato, para análise e homologação dos acordos firmados, decidiu por homologar
acordos de leniência que lhe foram submetidos e que englobava o sistema de
responsabilização por improbidade administrativa da Lei n. 8.429/92, sob o seguinte
fundamento:
[...] Considerando, além da fundamentação legal apontada no expediente supracitado e nos Termos de Colaboração Premiada, que as disposições da nova Lei 12.846, de 2013, compõem um microssistema sancionatório estabelecendo o acordo de leniência como ferramenta de solução extrajudicial no campo da responsabilização de índole civil, na linha do que já prevê a Lei 12.850, de agosto de 2013, na esfera penal, e considerando, ainda, a legitimidade do Ministério Público para celebrar termos de
364
Ata da Octingentésima quadragésima oitava sessão ordinária dezembro de 2014 da 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal, composta pelos Subprocuradores Gerais da República Nicolao Dino Neto (Coordenador), Denise Vince Tulio (Membro Titular), realizada no dia 1.º de dezembro de 2014, no Edifício-Sede da Procuradoria-Geral da República.
182
ajustamento de conduta, nos termos do artigo 5º, §6º, da Lei 7.347, de 1985, a Câmara resolve homologar, no campo da improbidade administrativa, os acordos encaminhados por meio do Ofício nº 355/2015 (PR-PR-00002021/2015), repercutindo seus efeitos no âmbito da improbidade administrativa, diante da necessidade de não comprometer a efetividade da colaboração premiada, nos termos propostos pelos procuradores oficiantes: a) formulação de pedidos declaratórios de sujeição das condutas praticadas às hipóteses normativas da Lei nº 8429/92; b) abstenção de pleito judicial no tocante às sanções previstas no art. 12 do citado diploma legal, considerando as cominações e as consequências na esfera penal, decorrentes dos acordos de colaboração premiada e das ações penais propostas; c) em caso de quebra do acordo firmado, o MPF pleiteará a aplicação das sanções correspondentes aos atos de improbidade praticados365.
É importante consignar que, à época da deliberação no citado processo
(05/02/2015), sequer havia sido editada a Medida Provisória n. 703, de 18 de
dezembro de 2015.
Ao apreciar o pedido do Ministério Público Federal, em ação de improbidade
administrativa, de apenas declaração de existência da relação jurídica decorrente da
sujeição das condutas dos réus de concorrerem e se beneficiarem com atos
ímprobos, nos termos do art. 4.º do CPC, excluindo-se o pedido de condenação das
sanções do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, o Desembargador
Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, do Tribunal Regional Federal da 4.ª
Região, proferiu decisão monocrática em Agravo de Instrumento onde reconheceu a
possibilidade do acordo de leniência abranger a responsabilização pelo sistema da
Lei n. 8.429/92. Vejamos o trecho da citada decisão em que o Magistrado Federal
reconhece expressamente essa possibilidade do acordo de leniência isentando as
sanções da Lei n. 8.429/92, remanescendo ao Ministério Público Federal o pedido
judicial apenas declaratório, sem pedido da aplicação das sanções previstas no
artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa:
365
Ata da Octingentésima quinquagésima segunda sexta sessão ordinária de fevereiro de 2015 da 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção do Ministério Público Federal, composta pelos Subprocuradores Gerais da República Nicolao Dino Neto (Coordenador), Denise Vince Tulio e Ana Borges Coelho Santos (Membros Titulares), realizada no dia 5 de fevereiro de 2015, no Edifício-Sede da Procuradoria-Geral da República.
183
[...] Diante disso, algumas questões devem ser resolvidas: (1) o acordo de colaboração/leniência pode ser utilizado em ações de improbidade diante da vedação do art. 17, § 1.º, da Lei n. 8.429/92? (2) É possível uma ação declaratória de improbidade sem pedido condenatório? (3) Se sim, essa lide declaratória preenche a condição da ação denominada interesse de agir? 6.1 O art. 17, § 1.º, da Lei n. 8.429/92 veda a 'transação, acordo ou conciliação' nas ações de improbidade administrativa. Se em 1992, época da publicação da Lei, essa vedação até se justificava tendo em vista que estávamos engatinhando na matéria de combate aos atos ímprobos, hoje, em 2015, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira temperada. Isso porque, se o sistema jurídico permite acordo com colaboradores no campo penal, possibilitando a diminuição da pena ou até mesmo o perdão judicial em alguns casos, não haveria motivos pelos quais proibir que o titular da ação de improbidade administrativa, no caso, o MPF pleiteie a aplicação de recurso semelhante na esfera cível. Cabe lembrar que o artigo 12, parágrafo único, da Lei 8.429/92 admite uma espécie de dosimetria da pena para fins de improbidade administrativa, sobretudo levando em conta as questões patrimoniais. Portanto, os acordos firmados entre os réus e o MPF devem ser levados em consideração nesta ação de improbidade administrativa. 6.2. Essa conclusão leva à segunda indagação: como os acordos eximem os Réus das sanções do artigo 12 da LIA, haveria possibilidade de ação declaratória de ato ímprobo, sem as medidas de ressarcimento e as punições de cunho civil (falta de elegibilidade e proibição de contratação com serviço público)? O art. 37, § 4º, da Constituição evidencia os atos de improbidade administrativa, com as suas consequências (perdas dos direitos políticos e da função pública, assim como ressarcimento ao erário). A análise de uma conduta tipificada como ato de improbidade administrativo assemelha-se ao direito penal: pega-se a conduta, verifica-se se ela é subsumível ao tipo sancionador, se houve culpa ou dolo (conforme o caso), verifica-se se há alguma excludente de ilicitude e, por fim, há a dosimetria da pena. O MPF requer que apenas a última fase (da aplicação da pena) não seja verificada nos presentes autos e o faz nos termos do art. 4º, I, do CPC. A ação declaratória visa a certeza jurídica, ou seja, com a presente demanda, sem a aplicação de sanção para alguns réus, o MPF requer apenas que os atos por eles praticados sejam reconhecidos como ímprobos. Assim, não há obrigação no ordenamento jurídico, sobretudo em virtude do parágrafo único do artigo 4º do CPC, de que em casos de lesão a direitos haja sempre o pedido de reparação. Pode haver apenas o pedido de declaração de violação desses direitos. No caso em concreto, pode haver apenas o pedido de declaração que determinados atos foram de improbidade, sem que haja pretensão de reparação judicial de tais atos (mesmo porque já foram alvos de acordo).
184
Ressalto, em arremate, que o NCPC repete a autorização de ações meramente declaratórias em seus artigos 19 e 20, o que justifica a permanência desta demanda após a vigência do novo Código366.
É importante consignar que, à época do proferimento da decisão judicial
supra transcrita (21/01/2016), a Medida Provisória n. 703, de 18 de dezembro de
2015, estava em vigência.
Em recente palestra, Ronaldo Pinheiro de Queiroz afirma que o acordo de
leniência é uma espécie do gênero de colaboração premiada, e o Ministério Público
Federal da 5.ª Região entende que o parágrafo 1.º do artigo 17 da LIA foi derrogado
esses anos com a edição de diversas outras leis que preveem várias espécies de
colaboração premiada367.
Ronaldo Pinheiro de Queiroz afirma que há vários precedentes nesse sentido
no âmbito de abrangência do Ministério Público Federal na 5.ª Região, com vários
acordos de leniência já homologados368.
3.3 Legitimados para celebrar e participar do acordo de leniência
De acordo com o que dispõe o caput do artigo 16 da Lei n. 12.846/213, será a
autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública que poderá celebrar o acordo
de leniência.
No âmbito federal e também nas infrações praticadas contra a Administração
Pública estrangeira, o parágrafo décimo do artigo 16 outorgou expressamente à
366
BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região) Agravo de Instrumento n.º 5053276-81.2015.4.04.0000/PR. Relator: Agravante: Petroleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. Agravado: Ministério Público Federal e Outros. Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle. Porto Alegre, 21 de janeiro de 2016. Disponível em ˂ http://www2.trf4.jus.br/trf4/>. Acesso em: 27 set. 2016. 367
Palestra proferida por Ronaldo Pinheiro de Queiroz, jurista, Procuradora da República e Secretário Executivo da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, no 9º Fórum Brasileiro de Combate à Corrupção na Administração Pública realizado em 12 e 13 de novembro de 2015 no Auditório do Conselho Federal OAB - Brasília / DF, sobre o tema: “Os Diversos Órgãos de Execução do Ministério Público Federal e a Efetividade da Lei Anticorrupção n. 12.846/13”. Disponível em: ˂https://vimeo.com/161654487?from=outro-embed>. Acesso em: 26 ago. 2016. 368
Palestra proferida por Ronaldo Pinheiro de Queiroz, jurista, Procuradora da República e Secretário Executivo da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, no 9º Fórum Brasileiro de Combate à Corrupção na Administração Pública realizado em 12 e 13 de novembro de 2015 no Auditório do Conselho Federal OAB - Brasília / DF, sobre o tema: “Os Diversos Órgãos de Execução do Ministério Público Federal e a Efetividade da Lei Anticorrupção n. 12.846/13”. Disponível em: ˂https://vimeo.com/161654487?from=outro-embed>. Acesso em: 26 ago. 2016.
185
Controladoria-Geral da União - CGU a competência para celebrar os acordos de
leniência.
Vale consignar que por força do parágrafo segundo do artigo 8.º da Lei
Anticorrupção, a CGU é apontada como órgão competente, no âmbito federal, para
instaurar processos administrativos de responsabilização da pessoa jurídica ou
chamar para si (avocar) os processos já instaurados, em outros entes, nesta última
hipótese para examinar a regularidade ou corrigir o andamento, em típica
competência concorrente369.
Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior creem que atendidos
os princípios constitucionais, sobretudo o da impessoalidade, caminhe-se de lege
ferenda para a delegação, no âmbito estadual e municipal, da competência de
celebração de acordos de leniência a órgãos internos da administração, tal como já
ocorre no âmbito federal370.
Modesto Carvalhosa sustenta que deve ser desconsiderado em parte o caput
do artigo 16 para prevalecer a regra contida no seu referido parágrafo décimo
também nos planos estadual e municipal, bem como nos demais Poderes –
Legislativo e Judiciário – nas três instâncias federativas371.
Carvalhosa fundamenta tal assertiva no fato de que as “autoridades máximas”
são susceptíveis e até mesmo naturalmente vocacionadas a serem atingidas pelos
delitos corruptivos praticados pela pessoa jurídica de modo que a competência para
celebração de acordo de leniência é reservada aos órgãos correicionais e
disciplinares dos entes implicados pela presunção legal de independência frente às
“autoridades máximas”, uma vez que investidos de específicas atribuições e funções
investigativas e administrativamente judicantes372.
Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi ao assentarem que o órgão
competente para a celebração do acordo de leniência é a Controladoria Geral da
369
Vide BITTENCOURT, Sidney. Comentários à lei anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 148. 370
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 95. 371
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 390. 372
Ibid., p. 391.
186
União – CGU, órgão competente também para o processo e julgamento das
infrações, sustentam que normas análogas deverão constar de diplomas estaduais e
municipais, mantida a lógica de que quem é competente para punir é também para
transacionar a punição.373
Mateus Bertoncini sustenta que a atribuição da Controladoria Geral da União
– CGU para celebrar o acordo de leniência não é exclusiva, podendo também o
Presidente da República, autoridade máxima do Poder Executivo federal, firmar o
mencionado acordo374.
Segundo o autor, a Controladoria Geral da União – CGU só tem competência
privativa e exclusiva nos casos de atos lesivos praticados contra a Administração
Pública estrangeira, pois nesses casos o Chefe do Poder Executivo da União não é
autoridade máxima na perspectiva do art. 16, dado que o órgão ou entidade lesada é
estrangeiro375.
Bertoncini sustenta, ainda, que quando o dispositivo afirma a atribuição da
Controladoria para firmar acordo de leniência no âmbito do Poder Executivo, deve-
se compreender a expressão como sinônimo de administração direta, excluídas as
entidades da administração indireta, bem como o Poder Judiciário, o Poder
Legislativo nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), o Tribunal de
Contas da União e o Ministério Público da União, representados, no acordo, por
suas respectivas autoridades máxima376.
Quanto à previsão do caput do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, que confere
legitimidade às autoridades máximas de cada órgão ou entidade pública para
celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pelas práticas
373
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à lei de responsabilidade de pessoas jurídicas (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 199. 374
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 216-217. 375
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI,
Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 216-217. 376
Ibid., p. 216-217.
187
dos atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira tipificados na lei,
tem de ser vista cum grano salis.
O acordo de leniência é ato administrativo e, como tal, está sujeito ao regime
jurídico administrativo.
O regime jurídico administrativo é o instrumento e garantia ao cidadão de
atendimento do interesse público pelos gestores da coisa pública e não o
atendimento dos interesses particulares desses últimos.
Sendo assim, não se alinha às imposições do regime jurídico administrativo a
atribuição de legitimidade e competência a autoridade máxima de cada órgão ou
entidade pública para celebração do acordo de leniência.
Isso porque, a experiência comprova que não raras vezes é a autoridade
máxima de cada órgão ou entidade pública, pela concentração de poderes, que
detém e o seu forte potencial de influência política e econômica, que está envolvido
e detém a participação e controle dos maiores escândalos de corrupção e atos
lesivos à Administração Pública.
Não se pode presumir que os agentes públicos, autoridades máximas de cada
órgão ou entidades públicas sejam santos, pois não são; devendo ser priorizadas
interpretações que se traduzam na maior proteção do cidadão.
Parece-nos mais consentânea com os princípios jurídicos que norteiam a
função sancionatória no Estado de Direito vigente no Brasil a ampliação da solução
apresentada no décimo parágrafo do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, que atribui
competência a um órgão específico de controle interno, a Controladoria-Geral da
União – CGU377, para celebrar acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo
Federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração
pública estrangeira.
A ampliação da extensão da solução, apresentada no décimo parágrafo do
artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, deve se dar por meio da regulamentação desta lei
377
A CGU, com a assunção do Presidente Michel Temer após o afastamento da Presidenta Dilma Rousseff, por meio da Medida Provisória 726, de 12 de Maio de2016, foi desvinculada da Presidência da República e subordinada ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, também criado pela mesma Medida Provisória.
188
por Estados e Municípios, que neste ato devem atribuir a legitimidade e competência
para a celebração de acordos de leniências a órgãos de controle interno,
assemelhados à Controladoria Geral de União – CGU.
O município de São Paulo, ao expedir seu decreto regulamentador, Decerto n.
55.107, de 14 de maio de 2014, outorgou de modo acertado no artigo 25 a
legitimidade e competência para a celebração de acordo de leniências à
Controladoria Geral do Município de São Paulo.
Outros entes como o Estado do Paraná378 e Tocantins379 também acertaram
ao atribuir a legitimidade e competência para a celebração de acordos de leniência
aos respectivos órgãos de controle internos.
O mais acertado ainda é que tais órgãos de controle interno tenham seus
quadros formados por servidores públicos concursados e estatutários, por ser esse o
regime jurídico mais seguro para o cidadão, ante as pressões políticas, ameaças e
assédios que podem sofrer tais servidores dotados de atribuições que visam o
combate à corrupção380.
Ademais, tal como ocorre com as agências reguladoras, em que os seus
dirigentes possuem independência em relação ao Poder Público, gozando de
estabilidade com perda de mandado apenas na hipótese de renúncia, de
condenação transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, deveria
se dar em relação aos dirigentes dos órgãos de controle interno dos entes
públicos381.
Essa é, a nosso ver, a leitura correta e aplicável da Lei Anticorrupção no que
tange à legitimidade de competência para a celebração de acordos de leniência.
378
Decreto n. 10.271, de 21 de fevereiro de 2014. 379
Decreto n. 4.954, de 13 de dezembro de 2013. 380
Sobre as disposições constitucionais atinentes ao regime jurídico do servidor, por todos, vide: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. “Servidores públicos: aspectos constitucionais”. Estudos de Direito Público – Revista da Associação dos Advogados da Prefeitura do Município de São Paulo/EDP 8/84, v. 4-5, São Paulo, julho-dezembro/1985 e janeiro-julho/1986. 381
Sobre o tema Silvio Luis Ferreira da Rocha cita o art. 9.º da Lei n. 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências e assenta que as restrições ao poder de livre nomeação e exoneração do dirigente da agencia reguladora pelo chefe do Poder Executivo foram consideradas constitucionais pelo STF no julgamento da medida cautelar pedida na ADI 1.949-0 (rel. Min. Nelson Jobim). ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 171.
189
3.4 Dos mecanismos de integridade e compliance e a relação com o acordo de
leniência e a função social da empresa
O artigo 7.º, inciso VIII da Lei n. 12.846/2013 dispõe que serão levados em
consideração na aplicação das sanções a existência de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da
pessoa jurídica.
Esse dispositivo legal tem como escopo o favorecimento das pessoas
jurídicas que adotam programas efetivos de compliance.
A expressão compliance deriva do verbo inglês “to comply” que significa
cumprir ou satisfazer as regras impostas e, segundo Marco Vinicio Petrelluzzi e
Rubens Naman Rizek Junior, tal expressão poderia ser definida como o conjunto de
medidas adotadas por determinada empresa para garantir o cumprimento de
exigências legais e regulamentares e implementar princípios de ética e integridade
no ambiente negocial382.
Os mesmos autores esclarecem que a Lei n. 12.846/2013 segue uma
tendência mundial, inaugurada pelo Foreign Corrupt Practice Act – FCPA e, mais
recentemente, adotada pelo UK Bribery Act, ao prever a hipótese de se levar em
consideração, quando da aplicação das sanções previstas pela prática de ato lesivo
à Administração Pública, a existência de programas de compliance383.
Juliano Heinen apresenta ilustração precisa quando compara duas empresas
concorrentes no mercado, uma delas atuando em conformidade com as leis
tributárias, sem prejudicar o consumidor ou a concorrência e sem corromper agentes
estatais, e a outra, sem obedecer a quaisquer dessas normas, subsistindo no 382
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 76. 383
Esclarecem Petrelluzzi e Naman Rizek que essa é uma tendência mundial e tem como justificativa o entendimento no sentido de que a existência de programas de compliance teria o condão de melhorar a governança corporativa, implementando padrões éticos à conduta das empresas, o que contribui para um ambiente de negócios mais limpo e conforme as regras éticas e jurídicas que devem pautas as relações negociais. Assentam, ainda, os autores que faz todo o sentido incentivar a existência de programas de compliance, garantindo às empresas que essa circunstância será devidamente levada em consideração na hipótese de a empresa vir a se defrontar com um processo no âmbito judicial ou administrativo. PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 76)
190
mercado a partir de práticas fraudulentas, corruptas ou financiando-se por meio de
sonegação de impostos, e conduz o leitor à conclusão da importância dos
mecanismos de prevenção e repressão à corrupção para se evitar a concorrência
desleal no mercado e o perecimento de companhias com a consequente demissão
dos empregados, criação de monopólios dominados por empresas fraudulentas,
perdas na arrecadação de tributos que eram gerados pela empresa honesta e
aumento do custo dos produtos em prejuízo aos consumidores384.
Heinen assenta que o programa de compliance tornou-se uma verdadeira
exigência no mundo capitalista e tem por meta prevenir, detectar e corrigir eventuais
práticas ilícitas, contrárias também às normas internas da empresa385.
Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi ressaltam que a razão deste
conteúdo ético nas práticas corporativas decorre dos efeitos da atividade
empresarial que, na sociedade moderna, podem provocar consequências que
afetam a comunidade como um todo, e não somente os funcionários e
consumidores, de forma que o combate à fraude e à corrupção por meio de boas
práticas de governança coorporativa (dentre elas o compliance) tem sido associado
à noção de responsabilidade social empresarial386.
Marcio Pestana assevera que o cerne do sucesso do programa de
compliance é a deliberada disposição de, sempre e constantemente, desenvolver
projetos e ativar programas de fiscalização com vistas a ver cumprido o respeito aos
valores e procedimentos estabelecidos pela respectiva pessoa jurídica387.
Ao discorrerem sobre o instituto do compliance, os autores Rodrigo Sánchez
Rios e Caio Antonietto afirmam, com acerto, que a incapacidade do Estado de gerir
a quantidade de riscos sociais a ele submetidos impõe ao particular que se auto-
384
HEINEN, Juliano. Comentários à lei anticorrupção: Lei n. 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 176-177. 385
Ibid., p. 178. 386
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à Lei de Responsabilização de Pessoas Jurídicas (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 72-73. 387
PESTANA, Marcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 85.
191
regule, a fim de evitar condutas lesivas à norma, reservando-se à Administração as
prerrogativas de normatização e fiscalização388.
É importante salientar que, de fato, o programa de compliance não pode ser
apenas formal ou fictício, tem de ser um programa efetivo, e objeto de constante
vigilância, fiscalização e adequação às mudanças do perfil da empresa e alterações
nas áreas de maiores riscos de corrupção.
O parágrafo único do artigo sétimo da Lei n. 12.846/2013 dispõe que os
parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos de compliance seriam
objeto de regulamento do Poder Executivo federal.
Segundo Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, antes da regulamentação
federal, em linhas gerais, os programas de compliance a serem implantados partiam
das orientações do Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act389.
Segundo o Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act, um
programa de compliance deve abarcar basicamente: i) Compromisso e envolvimento
da Alta Administração – Tone at the Top; ii) Aplicação de políticas anticorrupção
claramente articuladas; iii) Código de Ética/Conduta; iv) Políticas e Procedimentos
de Compliance; v) Fiscalização, Autonomia e Recursos para o Compliance Officer;
vi) Risk Assessment – Análise de Risco de Compliance; vii) Due Diligence
anticorrupção em Fusões e Aquisições; ix) Treinamentos e Aconselhamentos
Contínuos; x) Canal confidencial – hotline – e investigações internas; xi)
Monitoramento e revisões e testes periódicos390.
Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho assentam que, no
direito comparado, os programas de compliance se orientam por um Manual da
OCDE, denominado Anti-Corruption Ethics and Compliance Handbook for Business,
388
RIOS, Rodrigo Sánchez; ANTONIETTO, Caio. Criminal Compliance – Prevenção e Minimização de Riscos na Gestão da Atividade Empresarial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 114/2015, p. 341-375, maio, jun.,2015. 389
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à lei de responsabilização de pessoas jurídicas (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 74. Os autores assentam em nota de rodapé que o referido guia fora elaborado pela Criminal Division of the U.S. Department of Justice e pela Enforcement Division da U.S Securities and Exchange Commission e está disponível em: ˂ http://www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/guide.pdf>. Acesso em: 20 set. 2016. 390
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à lei de responsabilização de pessoas jurídicas (Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013). São Paulo: Saraiva, 2015, p. 75.
192
que estabelece parâmetros de boas práticas em controle interno, ética e
compliance391.
Os autores afirmam que a legislação dos países estrangeiros confere aos
programas de compliance uma força muito grande, sendo que, em alguns deles, há
a possibilidade de a pessoa jurídica eximir-se completamente de sanção ou reduzi-la
substancialmente392.
Segundo Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior, o Anti-
Corruption Ethics and Compliance Handbook for Business estabelece parâmetros de
boas práticas em controle interno, ética e compliance e, sobretudo, enfatiza que um
programa efetivo de compliance deve contemplar o comprometimento da alta
direção da empresa com uma clara e transparente política anticorrupção, além de
assegurar, entre os diversos níveis da empresa, autoridade e independência para o
monitoramento do programa393.
Marcio Pestana ressalta que as grandes corporações, sobretudo as
estrangeiras que atuam no país, e também, as pessoas jurídicas contratadas por
essas empresas estrangeiras, que buscaram obedecer às diretrizes e normas
anticorrupção estrangeiras, já contam com sofisticados programas de compliance,
especialmente em razão da edição do Sarbannes-Oxley Act, mas que com o
advento da Lei Anticorrupção, as pessoas jurídicas de médio e pequeno porte foram
atingidas de frente, muitas delas despidas de qualquer procedimento ou política de
boas práticas, e diante do rigor normativo da nova legislação estão tendo que se
adaptar aos novos tempos394.
Pestana assevera, ainda, que com algumas variações, há um consenso de
que o compliance constitui-se dos seguintes elementos: i) envolvimento e
391
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA, Fernando. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 131. 392
Ibid., p. 132. 393
PETRELLUZZI, Marco Vinicio; JUNIOR, Rubens Naman Rizek. Lei anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 76-77. 394
PESTANA, Marcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 80. O autor esclarece que o Sarbannes-Oxley Act é uma lei, que entrou em vigor nos EUA em 2002, voltada para empresas de capital aberto, estabelecendo mecanismos mais apurados de auditoria e segurança das suas operações financeiras que modificando e aprimorando o Securities Exchange Act de 1934 e passou a exigir o registro de diretores, executivos e acionistas perante a SEC, bem como, passou a exigir a verificação do cumprimento das regras e regulamentos estatais (compliance). Ibid., p. 7.
193
comprometimento da alta administração; ii) identificação das áreas de risco;
estabelecimento de políticas e procedimentos; iii) treinamento e intensa divulgação;
iv) diligências constantes; v) veículos eficazes de denúncias; e vi) revisão crítica e
periódica das políticas e procedimentos395.
Seguindo os mesmos parâmetros e diretrizes dos modelos de compliance.
adotados no direito comparado, supra assentados, em 18 de março de 2015, foi
expedido o Decreto n. 8.420/2015, que no artigo 41 disciplina o que a Lei n.
12.846/2013 designou como programa de integridade, sendo o conjunto de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta,
políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes,
irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, nacional ou
estrangeira.
O Decreto, a seu turno, dedica de maneira detalhada, no seu artigo 42, os
parâmetros objetivos da política de integridade das pessoas jurídicas a serem
considerados na dosimetria da pena ou na celebração do acordo de leniência.
Tal dispositivo e seus incisos elencam um rol bastante compreensivo de
mecanismos efetivos de compliance que, se existentes na pessoa jurídica, ou se
impostos como condição para celebração de acordo de leniência, terão o condão de
atenuar as sanções.
Foge do nosso propósito e até seria ocioso elencar todos os incisos previstos
no artigo 42, bastando, a nosso ver, assentar que, na essência, os dispositivos
exigem o comprometimento efetivo da alta direção da pessoa jurídica, treinamentos
periódicos, adoção de mecanismos de controle interno que assegurem a
confiabilidade de relatórios financeiros, canais de denúncia de irregularidades
abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos
destinados à proteção de denunciantes de boa-fé, enfim, diversos mecanismos e
métodos que demonstrem a efetividade dos programas.
395
PESTANA, Marcio. Lei anticorrupção: exame sistematizado da Lei n. 12.846/2013. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 80.
194
Ainda na esfera administrativa da União, vale consignar que a Controladoria
Geral da União – CGU – expediu a Portaria n. 909, de 7 de abril de 2015, que
também se destina a disciplinar a avaliação dos programas de integridade das
pessoas jurídicas sujeitas, eventualmente, a sua jurisdição administrativa.
Por força do artigo 2.º desta Portaria n. 909/2015 da CGU, para que o
programa de integridade seja analisado pela comissão processante, a pessoa
jurídica, necessariamente, deverá apresentar provas que demonstrem que os
parâmetros estipulados foram observados, exigindo-se, para tanto, a apresentação
de dois relatórios: o relatório de perfil e o relatório de conformidade do programa.
O relatório de perfil tem por objeto a colheita e análise das características
subjetivas da pessoa jurídica, vale dizer, setor de atuação, estrutura organizacional,
processo decisório, existência e competências de seus conselhos e diretorias,
descrição das relações estabelecidas com a Administração Pública, demonstração
das participações acionárias de controle, coligação ou consórcio.
O relatório de conformidade do programa deverá informar a estrutura do
programa de integridade existente na empresa, apresentando, necessariamente, a
indicação de quais parâmetros previstos nos incisos do caput do artigo 42 do
Decreto n. 8.420/2015 foram implementados e como se deu tal implementação.
No relatório de conformidade do programa, exige-se que sejam apresentadas
explicações quanto à contribuição dos parâmetros instituídos na empresa para a
diminuição da existência de atos lesivos à Administração Pública, demonstrando o
funcionamento do programa de integridade na rotina prática da pessoa jurídica, com
histórico de dados, estatísticas e casos concretos, além disso, demonstrar a atuação
deste programa na prevenção, detecção e remediação do ato lesivo objeto da
apuração.
Nesse sentido, Fernanda Marinela, Fernando Paiva e Tatiany Ramalho
afirmam que a comprovação da efetividade do programa de integridade é ônus
exclusivo da empresa, que deverá apresentar todas as informações de seu interesse
195
de forma organizada e transparente na forma prevista na Portaria CGU n.
909/2015396.
Em que pese esse dispositivo esteja inserido em artigo que trata de
elementos que influenciam na aplicação e dosimetria das sanções, os mecanismos
de integridade e compliance guardam forte relação com o instituto do acordo de
leniência.
E vamos além, tais mecanismos de integridade e compliance não apenas
guardam relação com o instituto do acordo de leniência, como representam grande
peso e influência positiva para o êxito na celebração do acordo de leniência.
Ademais, não se pode olvidar que a celebração com êxito do acordo de
leniência não deixa de ser um meio de aplicação de sanções.
A essência do acordo de leniência é a redução ou suavização das sanções
desde que a pessoa jurídica proponente, além de colaborar com as investigações,
demonstre que está adotando medidas concretas para evitar o seu envolvimento em
ilícitos.
Ao propor o acordo de leniência, a pessoa jurídica deve demonstrar que todos
os seus colaboradores, desde o nível hierárquico mais baixo até o topo da estrutura
corporativa de poder, mando e decisão, estão envolvidos com programas de
integridade com vista a afastar quaisquer resquícios de corrupção que possam
surgir.
Não basta que a pessoa jurídica apresente apenas formalidades como, por
exemplo, um bem elaborado código de ética ou um projeto aprovado pela diretoria
da empresa, concordando com a adoção de um sistema interno de ouvidoria,
denúncias e apuração de condutas ilícitas no ambiente corporativo. É necessário
que tais documentos e projetos, demonstrados formalmente, estejam em compasso
com a realidade, com o dia a dia da pessoa jurídica.
Em suma: os programas de integridade precisam ter vida, ser reais, e,
sobretudo, estarem enraizados na alma das pessoas que corporificam as atividades
396
MARINELA, Fernanda; RAMALHO, Tatiany; PAIVA, Fernando. Lei anticorrupção: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 138.
196
e interesses das pessoas jurídicas, desde as funções mais simples e menos
complexas da cadeia hierárquica corporativa até as funções de gestão e mando.
As pessoas jurídicas que adotam programas de integridade e compliance
dotados dessas características pautadas pelo perfeito compasso entre os aspectos
formais e a realidade exercem uma função social.
Sobre o conteúdo da expressão função social da empresa, assevera Luiz
Fernando de Camargo Prudente do Amaral:
Logo, a fim de encerrar ao menos a discussão sobre a indubitável
função social atribuída à empresa, para que possamos fazer breve
análise dos textos infraconstitucionais, admitir a função social
existente na sociedade empresária é imprimir ao empresário, ao
menos no que concerne às atividades da empresa que dirige, o
dever (função) de observar todos os princípios elencados no artigo
170 da Constituição Federal397.
Prossegue o raciocínio o mesmo autor:
Destarte, da mesma forma que o Estado brasileiro assegura a livre
iniciativa, a livre concorrência e a propriedade privada, não pode
deixar de atrelar a atividade empresarial ao respeito para com a
soberania nacional, a atenção aos consumidores, a preocupação e
responsabilidade nas questões ambientais. Enfim, ao mesmo tempo
em que se tutela a atividade empresarial, há que se garantir por meio
do texto constitucional, a continuidade de uma sociedade equilibrada,
a fim de que se atinja, por intermédio da ordem econômica, o objetivo
de se dar vida digna a todos os cidadãos brasileiros398.
É indubitável, que aos princípios elencados no artigo 170 da Constituição
Federal somam-se os princípios que vedam a improbidade administrativa e os
princípios que vedam atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira.
As atividades da pessoa jurídica não podem causar danos à sociedade, tal
como os gerados aos cofres públicos com atos lesivos previstos no art. 5.º da Lei n.
12.846/2013 e nos artigos 9 a 11 da Lei n. 8.429/92, impondo-se às mesmas não
apenas a abstenção da prática de tais ilícitos, mas também, a ação positiva
397
AMARAL, Luiz Fernando de Camargo Prudente do. A função social da empresa no direito constitucional econômico brasileiro. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 122. 398
AMARAL, Luiz Fernando de Camargo Prudente do. A função social da empresa no direito constitucional econômico brasileiro. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 123.
197
consistente na adoção de mecanismos de integridade buscando uma concreta
regeneração para de tal forma cumprir sua função social.
O exercício da função social da pessoa jurídica sob esse viés também é uma
das molas propulsoras e legitimadoras da celebração do acordo de leniência em
substituição aos tradicionais métodos de persecução de ilícitos pelo Estado.
Atende muito mais ao interesse da coletividade uma empresa que, uma vez
envolvida com atos ilícitos de corrupção, assume seus erros e fragilidades, pune ou
permite a punição dos responsáveis, se propõe a regenerar-se e mudar de trajetória
e efetivamente concretiza tais desideratos, do que uma empresa que, uma vez
envolvida em corrupção, não assume uma consciência da sua função social, não
adota compromissos de regeneração interna, e prossegue, muitas vezes, por anos,
com uma defesa de cunho protelatório, sendo, ao final, punida com sanções que
inviabilizam a sua própria existência.
Ao tratar do tema da função social da empresa Ana Frazão assevera:
Fala-se em razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que um dos principais desdobramentos da função social da empresa é a preservação da atividade empresarial como geradora de empregos, tributos e riquezas para a comunidade399.
E continua a autora:
Dessa maneira, assim como está cristalizado na doutrina alemã, na harmonização de interesses que se projetam sobre a companhia, deve ser observada primeiramente a existência e a rentabilidade duradoura da empresa, bem como a distribuição de lucros satisfatórios, sem o que não haveria estímulo para o empreendimento e para a manutenção da atividade empresarial400.
A autora conclui o raciocínio nos seguintes termos:
Por essa razão, o princípio da manutenção da empresa restringe consideravelmente a margem de atuação de todos os interessados em relação à companhia, pois nenhum gestor, acionista ou credor pode sobrepor seus interesses ao interesse maior relativo à continuidade da empresa401.
399
FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 430. 400
FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 430. 401
Ibid., p. 430.
198
É por estas razões que em algumas situações, a atitude de uma empresa que
adota atos concretos de regeneração e de mudança de trajetória, somados aos
valores sociais do trabalho e pleno emprego, previstos no inciso IV, do artigo 1.º da
Constituição Federal, bem como aos valores da construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, garantidora do desenvolvimento nacional, pautada pela erradicação
da pobreza e marginalização e, redução das desigualdades sociais e regionais,
assentados no artigo 3.º da Constituição Federal, e ainda, aos valores da ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
conforme previsto no artigo 170, caput, da Constituição Federal impõem um peso
muito maior em favor da celebração do acordo de leniência em alternativa ao
prosseguimento das investigações e processo administrativo pelos meios de
persecução tradicionais, sujeitando às pessoas jurídicas, ao final das apurações e
da tramitação de ações judiciais, as sanções administrativas e judiciais que, por
vezes, podem acarretar a sua própria extinção.
Antes, uma empresa mantida no mercado interno e produzindo riqueza,
ofertando trabalho digno, recolhendo impostos aos cofres públicos e comprometida
com programas de integridade e compliance do que uma empresa ceifada do
mercado, privando a sociedade das benesses e da função social que é exercida por
uma empresa operante e produtiva.
Essa ponderação de interesses conflitantes, observadas as circunstâncias do
caso concreto e, sobretudo, o grau de concretude dos mecanismos de integridade e
compliance, adotados pela pessoa jurídica investigada, será feita pelo agente
competente para a apreciação da proposta de acordo de leniência, recusa ou
celebração do mesmo, dando-se prioridade no caso concreto ao princípio que tiver
maior peso, exercendo-se influência decisiva na celebração ou não do acordo de
leniência.
A decisão demanda um ônus argumentativo e deve ser motivada e explicitada
por meio do procedimento de decisão.
199
3.5 Dos efeitos do acordo de leniência em relação à prescrição
Dispõe o parágrafo nono do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 que a celebração
do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos
nesta lei.
Mateus Bertoncini assenta que o acordo é causa interruptiva da prescrição,
cujo prazo quinquenal conta-se da ciência da infração, ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em essa tiver cessado402.
Bertoncini esclarece que o acordo zera a contagem do prazo prescricional a
partir da sua elaboração, para a pessoa colaboradora e para as demais pessoas
jurídicas envolvidas na prática dos atos lesivos. O autor ressalta que a interrupção
pode se dar na fase de investigação, se celebrado nesse momento, ou durante a
tramitação do processo administrativo403.
Segundo Bertoncini, o legislador poderia ter ampliado os efeitos dessa
interrupção para alcançar também os crimes e os atos de improbidade administrativa
correlacionados com os atos lesivos previstos na Lei n.º 12.846/2013. Assinala o
autor que essa omissão do legislador impõe ao Ministério Público a necessidade de
investigação dos atos e improbidade administrativa, via inquérito civil, e à Polícia, a
obrigação, com base em inquérito policial, de elucidação dos crimes
correspondentes aos atos lesivos, sob pena de prescrição desses ilícitos, não
alcançados pela causa interruptiva em comento404.
Guilherme de Souza Nucci assenta que o legislador optou pela fórmula mais
adequada aos interesses da Administração Pública, que é zerar a prescrição, mas
que o correto seria o legislador ter utilizado o termo suspensão (paralisação no
ponto que se encontra) do prazo prescricional, pois a interrupção faz zerar,
começando a computar novamente405.
402
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 215. 403
Ibid., p. 215. 404
BERTONCINI, Mateus. Do acordo de leniência. Comentários aos artigos 16 e 17. In: CAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (Coord.); BERTONCINI, Mateus (Org.) Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014, p. 216. 405
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 186.
200
O legislador optou pela interrupção do prazo prescricional e não pela
suspensão, dando um peso maior aos interesses coletivos em relação aos
interesses da pessoa jurídica, vale dizer, em sua ponderação priorizou o interesse e
expectativa de toda a sociedade em ter os ilícitos apurados e os responsáveis, no
caso, às pessoas jurídicas, devidamente sancionadas em um maior espaço de
tempo, caso eventual acordo de leniência não logre êxito.
Através de uma interpretação literal do parágrafo nono do artigo 16 da Lei n.
12.846/2013, somente os ilícitos previstos na Lei Anticorrupção têm o prazo
prescricional interrompido na hipótese de celebração de acordo de leniência.
E, em consequência disso, se eventualmente a pessoa jurídica descumpre o
acordo de leniência, o prazo prescricional das sanções relativas à Lei n. 12.846/2013
volta ao estado anterior, todavia, os prazos prescricionais dos ilícitos previstos no
sistema de responsabilização por improbidade administrativa não, nem tampouco os
prazos prescricionais dos ilícitos previstos na lei geral de licitações.
Por meio dessa interpretação literal, somente são interrompidos os prazos
prescricionais relativos às sanções previstas na Lei Anticorrupção, não se
estendendo a outros sistemas de responsabilização pelo mesmo fato, seja o sistema
da responsabilização por improbidade administrativa, seja a responsabilização pelos
ilícitos previstos na lei geral de licitações, seja pelos ilícitos de natureza criminal dos
diretores ou agentes representantes da pessoa jurídica que celebrou o acordo de
leniência.
Essa é uma questão que merece uma reinterpretação, sobretudo quando
reconhecemos que o acordo de leniência previsto na Lei n. 12.846/2013 também
alcança as sanções impostas à pessoa jurídica pela Lei n. 8.429/92, Lei de
Improbidade Administrativa. E ainda, pelo fato de que o próprio artigo 17 da Lei n.
12.846/2013 prevê expressamente que a Administração Pública poderá também
celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de
ilícitos, previstos na Lei n. 8.666/1993, com vistas à isenção ou atenuação das
sanções administrativas estabelecidas em seus artigos 86 a 88.
Se reconhecido que o acordo de leniência previsto na Lei n. 12.846/2013
também alcança as sanções impostas à pessoa jurídica pela Lei n. 8.429/92, Lei de
201
Improbidade Administrativa como afastar, celebrado o acordo de leniência, a
interrupção da prescrição em relação às sanções impostas por esta última lei?
Outrossim, a própria Lei n. 12.846/2013 prevê expressamente a hipótese de
celebração de acordo de leniência pela prática de determinados ilícitos previstos nos
artigos 86 a 88 da Lei n. 8.666/93. Como afastar, celebrado o acordo de leniência
nas hipóteses juridicamente cabíveis, a interrupção da prescrição em tais hipóteses?
Dessa forma, estabelecemos a seguinte regra: a celebração do acordo de
leniência também interrompe os prazos prescricionais dos atos ilícitos previstos às
pessoas jurídicas por força do artigo 3.º da Lei n. 8.429/92 e, ainda, os atos ilícitos
previstos às pessoas jurídicas na Lei n. 8.666/93, nessa última hipótese, quando for
cabível o acordo de leniência.
202
CONCLUSÃO
1. Os tratados internacionais de combate à corrupção, ratificados pelo
Brasil, foram fatores decisivos para a edição no âmbito nacional da Lei de
responsabilização administrativa da pessoa jurídica por atos de corrupção, a Lei n.
12.846/2013.
2. Destacam-se como os principais tratados internacionais ratificados pelo
Brasil, que deram ensejo à edição da Lei n. 12.846/2013: a Convenção sobre o
Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais, aprovada pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE); a Convenção Interamericana contra a
Corrupção, aprovada pela Organização dos Estados Americanos (OEA); e a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada pela Organização das
Nações Unidas (ONU).
3. O artigo 2 da Convenção sobre o Combate à Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais,
aprovada pela OCDE dispõe que: “cada Parte deverá tomar todas as medidas
necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela
corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios
jurídicos”.
4. O artigo 16 da Lei n. 12.846/2013 introduziu o instituto do acordo de
leniência como instrumental jurídico a ser utilizado no combate à corrupção da
pessoa jurídica.
5. Não obstante a Lei n. 12.846/2013 ter sido introduzida no ordenamento
jurídico pátrio como mecanismo de responsabilização administrativa por atos de
corrupção da pessoa jurídica, antes do advento da mesma, a Lei n. 8.429/92 - Lei de
Improbidade Administrativa, por força da previsão contida no seu artigo terceiro, já
previa a responsabilização da pessoa jurídica por atos de improbidade
administrativa, previstos nos artigos 9 a 11 desta lei, que, em última análise, se
confundem em grande medida com os atos lesivos previstos no artigo 5.º da Lei n.
12.846/2013.
6. Desta forma, diversos são os pontos de intersecção entre a Lei n.
12.846/2013 e a Lei n. 8.429/92.
203
7. As infrações definidas na Lei n. 12.846/2013 têm o mesmo
fundamento constitucional das infrações definidas na Lei n. 8.419/92, qual seja, o
artigo 37, § 4.º da Constituição Federal, que prevê os atos de improbidade
administrativa.
8. Admite-se a responsabilidade da pessoa jurídica desde que apurada
previamente a responsabilidade das pessoas físicas que agem para assegurar a
organização, o funcionamento ou os objetivos da pessoa jurídica.
9. Os atos lesivos previstos na Lei 12.846/2013 e também os atos de
improbidade administrativa, com imputação extensiva à pessoa jurídica por força do
artigo 3.º da Lei n. 8.429/92, apenas podem ser imputados à pessoa jurídica quando
pessoas físicas executem os atos tipificados nesses diplomas legais, em função
determinada pela primeira.
10. Impõe-se que sejam constatadas as responsabilidades individuais das
pessoas físicas, para, em seguida, atribuir-se a imputação à pessoa jurídica.
11. Exige-se, ainda, a comprovação de que o ilícito administrativo,
cometido pela pessoa física, traga proveitos à pessoa jurídica ou tenha sido
praticado no exercício de atividades tendo por escopo assegurar a organização, o
funcionamento ou os objetivos da mesma.
12. Desta forma, a responsabilidade objetiva prevista na Lei n. 12.846/2013
não importa em uma responsabilização sem apuração de dolo ou culpa da pessoa
física, e, do mesmo modo que a Lei n. 8.429/92, a responsabilização depende, sim,
da apuração do elemento subjetivo da pessoa física que age para assegurar a
organização, o funcionamento ou os objetivos da pessoa jurídica, e ainda, a
culpabilidade da pessoa jurídica, para posterior imputação de sanções à pessoa
jurídica.
13. A pessoa jurídica é culpável, no sentido de culpabilidade, quando
decide burlar a lei ou quando se estrutura de modo deficiente, com defeito de
organização, na ausência de mecanismos de integridade e/ou programa de
compliance efetivo e funcional, na complacência ou condescendência com
comportamentos suspeitos.
14. A Lei n. 12.846/2013 – Lei Anticorrupção e a Lei n. 8.429/92 - Lei de
Improbidade Administrativa são integrantes do microssistema de combate à
204
corrupção, composto pelo leque de leis editadas com o propósito de dar combate
efetivo à corrupção e à improbidade administrativa.
15. O legislador goza de ampla margem de discricionariedade para edição
de leis, todavia, seu campo de atuação é limitado pelas ponderações do constituinte
e por postulados normativos.
16. Ademais, numa perspectiva solidária de divisão de poderes, não de
separação, o certo é que não será o legislador o responsável final pela produção de
norma na perspectiva concreta, mas sim o agente competente para aplicá-la no caso
concreto, tendo em vista que a existência da norma abstrata é a norma concreta.
17. As competências do legislador se reduzem ao campo da produção de
dispositivos ou textos constitutivos de limites formais e materiais, primariamente
estabelecidos aos operadores jurídicos e, as instâncias dotadas de competências
derradeiras para a produção de normas, vale dizer, os agentes competentes para
aplicação das leis, por meio de processo decisório fundamentado e democrático,
balizado pelos textos ou dispositivos postos pelo legislador, são os responsáveis
pela interpretação e por sofisticados caminhos de ponderação que culminam em
deliberações comprometidas com os valores do ordenamento jurídico.
18. Os agentes competentes pela responsabilização da pessoa jurídica
incidente dos ilícitos previstos na Lei de Improbidade Administrativa e Lei
Anticorrupção terão de agir com racionalidade e coerência, lançando mão dos
instrumentais normativos que lhes confere o sistema jurídico, quais sejam: princípios
do direito e postulados normativos sob pena de incorrerem em abusos e excessiva
restrição de direitos fundamentais.
19. Atualmente, vigora uma terceira fase do conceito de princípios, iniciada
com Ronald Dworkin e consolidada com Alexy, em que os princípios têm estrutura
lógica de normas jurídicas autônomas, impositivas de ponderação. Nessa fase
vigente, tanto as regras como os princípios são normas jurídicas, de modo que
ambas são passíveis de aplicação direta.
20. O agente competente para responsabilização das pessoas jurídicas por
atos de corrupção, ao se deparar com o sistema de responsabilização da Lei
Anticorrupção e da Lei de Improbidade Administrativa, deverá considerar e se
orientar pelos postulados normativos aplicativos, sobretudo o postulado normativo
da proporcionalidade, em suas três fases, e o postulado normativo da razoabilidade,
sobretudo para poder superar os obstáculos das antinomias, pontos de intersecção
205
entre os dois diplomas legais e não incorrer na aplicação de sanções excessivas e
em duplicidade (non bis in idem).
21. O postulado da proporcionalidade consiste num procedimento de
apuração de três fases: (i) da adequação, (ii) da necessidade e (iii) da
proporcionalidade em sentido estrito.
22. Na primeira fase, verifica-se se a medida visada é adequada para o fim
pretendido, na segunda fase, verifica-se a necessidade do meio, vale dizer, a
existência de meios que possam promover igualmente o fim sem restringir, na
mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados.
23. Na terceira fase, verifica-se se a medida é proporcional em sentido
estrito. A proporcionalidade em sentido estrito consiste na ponderação dos princípios
incidentes, vale dizer, mediante a ela, apura-se o peso dos princípios, decide-se qual
será concretizado e qual o meio da sua realização.
24. Na ponderação vigora a regra de que quanto maior seja o grau de não
satisfação ou afetação de um princípio, maior terá de ser a importância de satisfação
do outro. O resultado ótimo de um exercício de ponderação não tem de ser a
preponderância esmagadora de um dos princípios, nem sequer no caso concreto,
mas a harmonização de ambos, isto é, a busca de uma solução intermediária.
25. A ponderação se procede por meio de três fases sucessivas. Na
primeira fase, são identificados os princípios (valores, bens e interesses) em conflito.
Na segunda fase, é atribuído um peso a cada um dos princípios identificados ou a
importância que corresponda em atenção às circunstâncias do caso. Por fim, a
terceira fase é a etapa de decisão sobre a prevalência de um princípio sobre os
outros. Nessa última fase, é que se dá a decisão de prevalência conforme o critério
de que quanto maior for o grau de prejuízo a um dos princípios maior há de ser a
importância de cumprimento do seu contrário.
26. Pela aplicação do postulado da razoabilidade, o agente competente
para responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção, ao se deparar
com o sistema de responsabilização da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade
Administrativa, deverá apurar a opinião do consenso social, afastando decisões
absurdas, bizarras, incoerentes, fora de contexto, e, caso não exista o consenso
social formado, imputa-se a decisão ao agente competente, e essa será tida como
correta.
206
27. O chamado princípio do non bis in idem está imbricado no postulado da
proporcionalidade, uma vez que o postulado da proporcionalidade em suas três
facetas tem como desiderato, dentre outros, o de afastar os excessos que o Estado
possa vir a cometer.
28. A natureza jurídica do acordo de leniência é de ato administrativo
consensual, oriundo de um ajuste de resultados entre o Poder Público e o particular
interessado, devendo ainda participar desse ato administrativo consensual, sempre
que possível, outros agentes competentes pelas diversas modalidades de
responsabilização decorrente do mesmo ato ilícito, sobretudo o Ministério Público.
29. O fundamento do acordo de leniência se encontra na dificuldade que
os órgãos Estatais, responsáveis pela persecução dos infratores da ordem jurídica,
encontram para reunir provas, identificar os responsáveis pelas condutas, e dar
prosseguimento útil às investigações e processos judiciais.
30. A celebração do acordo de leniência não configura a disposição do
interesse público pela Administração, pelo contrário, a opção pela celebração do
acordo de leniência se traduz na própria realização do interesse público pelo Estado,
vale dizer, se traduz em ato administrativo consensual, cuja concretização é exigida
pelo ordenamento como resultado de uma prévia ponderação dos princípios
incidentes no caso concreto, bem como das circunstâncias fáticas, conforme a
aplicação do postulado da proporcionalidade.
31. O interesse público a ser perseguido pelo Estado corresponde ao
resultado da ponderação, vale ressaltar, da concretização do princípio, ou princípios,
que apresentam maior peso no caso concreto.
32. A adoção de instrumentos de consenso no exercício da potestade
sancionatória não viola o princípio da indisponibilidade do interesse público.
33. Em caso de infrações sofisticadas e complexas, em que dificilmente o
Estado lograria êxito na identificação precisa das infrações e infratores, não há
dúvidas de que o interesse público é atendido com a adoção do instituto do acordo
de leniência, sem que com isso se possa considerar que a suavização da pena do
infrator se configure atentado ao princípio da indisponibilidade do interesse público
pela Administração.
34. O acordo de leniência longe de se contrapor ao interesse público, em
muitas ocasiões representa o atendimento do interesse público na medida mais
precisa imposta pelo ordenamento jurídico.
207
35. Nas circunstâncias em que o Estado detenha informações e provas
suficientes, ou seja, indícios de autorias e materialidades dos ilícitos tipificados na lei
em exame, ou ainda nas circunstâncias em que for fácil a obtenção desses
elementos, o agente competente estará diante de uma competência vinculada que
lhe impõe a conduta de não celebrar o acordo de leniência, pois, nessa hipótese há
um consenso social pela repressão da corrupção pelos meios processuais e
tradicionais de responsabilização previstos na lei.
36. Nas circunstâncias em que o Estado não possua quaisquer
informações concretas, tampouco documentos ou qualquer outro indício de prova
consistente e robusto, o agente competente estará diante de uma competência
discricionária e ao receber a proposta de acordo de leniência formulada pela pessoa
jurídica verificará o preenchimento dos requisitos previstos na lei e no decreto
regulamentador, e se for o caso firmar memorando de entendimento definindo os
parâmetros do acordo de leniência e, a depender das circunstâncias do caso
concreto, entendendo haver sido atendido o escopo previsto nos incisos I e II do
artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, celebrar o acordo de leniência ou não, caso entenda
não haverem sido preenchidos os mesmos requisitos.
37. A discricionariedade do agente competente só surge de fato no plano
concreto e não no abstrato, de forma que na hipótese em que a pessoa jurídica,
além de admitir sua participação no ilícito, identifica os demais envolvidos e
apresenta informações e documentos que comprovem de forma patente a infração
sob apuração, ou seja, preencha todos os pressupostos constantes nos incisos I e II
do artigo 16, bem como os pressupostos juridicamente cabíveis, previstos nos
incisos I, II e II do parágrafo primeiro do mesmo artigo da Lei n. 12.846/2013, estará
o agente competente diante de uma hipótese de vinculação, vale dizer, diante de
tais circunstâncias o sistema jurídico lhe impõe a conduta de celebrar o acordo de
leniência.
38. Enquanto ato administrativo consensual, o acordo de leniência não é
um instrumento jurídico, com tais contornos, inéditos no Brasil. O antecederam
outros meios consensuais de solução de conflitos administrativos e até mesmo o
antecedeu o acordo de leniência celebrado na seara econômica (Lei n.
12.529/2011), sem contar os institutos da colaboração premiada e delação premiada
na esfera penal.
208
39. Os três requisitos para celebração do acordo de leniência previstos no
parágrafo primeiro do artigo dezesseis da Lei n. 12.846/2013 são regras “prima
facie”, ou seja: nem sempre atenderá ao interesse público a celebração do acordo
de leniência apenas com a primeira pessoa jurídica delatora, excluindo outras
pessoas jurídicas eventualmente interessadas. E ainda, nem sempre atenderá
plenamente ao interesse público uma confissão desacompanhada, pari passu, de
um compromisso revestido pela boa-fé dos agentes estatais, visto que, em caso de
rejeição da proposta pelo agente competente, ainda que a lei proíba o uso das
informações e provas apresentadas pelo proponente, tal fato contraria o interesse
público.
40. O requisito da cessação do envolvimento da pessoa jurídica
proponente na infração investigada é menos problemático, pois beira a obviedade.
41. O agente competente só poderá rejeitar a proposta de acordo de
leniência nos casos em que não for obtida a identificação dos envolvidos na
infração, quando não forem obtidas as informações e os documentos que
comprovem o ilícito sob apuração, quando a proponente mantiver seu envolvimento
na infração investigada após a data do protocolo da proposta de acordo de leniência,
ou quando a proponente se recuse a cooperar plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo.
42. A autoridade competente não pode, ao seu sabor, recusar-se à
celebração do acordo de leniência.
43. Por força do maior peso, em abstrato, dos princípios relativos a bens
coletivos em relação aos princípios relativos a direitos subjetivos, o Estado não pode
abrir mão, desprezar, fazer “vistas grossas”, de informações de interesse público,
importantes e relevantes para o combate à corrupção. De outra banda, afastamos a
obrigatoriedade de confissão da pessoa jurídica como requisito indispensável na
propositura do acordo de leniência. O reconhecimento de participação no ilícito se
dará na fase de memorandos de entendimentos onde há maior segurança para a
pessoa jurídica.
44. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa
jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo de leniência, com quaisquer entes
da federação, pelo prazo de três anos, além disso, as informações e documentos
entregues ao agente competente serão usados pelo Estado, no processo
administrativo de responsabilização, em eventual ação judicial de responsabilização,
209
e ainda, em outros sistemas de responsabilização. O descumprimento do acordo de
leniência acarretará, ainda, a suspensão de quaisquer benefícios concedidos à
pessoa jurídica e também a inclusão da informação do descumprimento no Cadastro
Nacional de Empresas Punidas – CNEP.
45. Sobre a possibilidade do acordo de leniência em relação aos artigos
86, 87 e 88 da Lei n. 8.666/93, entendemos cabível a extensão da possibilidade de
celebração do acordo de leniência somente na hipótese prevista no inciso II, do
artigo 88, qual seja, quando as empresas ou os profissionais que, em razão dos
contratos regidos por esta Lei, tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os
objetivos da licitação. Nas demais hipóteses, não é possível o acordo de leniência
por fugir à finalidade do instituto.
46. É possível a celebração de acordo de leniência tendo por base
dispositivos semelhantes, vale ressaltar, com o mesmo escopo de repressão à
fraude na licitação, previstos em outros diplomas legais que disciplinam as licitações
e contratações públicas, como a Lei do Pregão (art. 7.º da Lei n. 10.520/2002) ou a
Lei do Regime Diferenciado de Contratação – RDC (Lei n. 12.462/2011), desde que
observados os requisitos estipulados no artigo 16 da Lei Anticorrupção.
47. A celebração de acordo de leniência nas hipóteses descabidas, vale
dizer, nas hipóteses dos artigos 86, 87 e 88, inciso I da Lei n. 8.666/93, além de
ilegal por violar o modelo do artigo 16 da Lei n. 12.846/2013, constitui verdadeiro
desvio de finalidade gerador da invalidade da avença e pode caracterizar ato de
improbidade administrativa.
48. O acordo de leniência isenta a pessoa jurídica não apenas da sanção
advinda da responsabilização judicial prevista no inciso IV, do artigo 19 da Lei n.
12.846/2013, como também, da sanção prevista no inciso II do mesmo artigo, qual
seja, suspensão ou interdição parcial de suas atividades.
49. A sanção prevista no inciso III do artigo 19 da Lei n. 12.846/2013 traz,
a nosso ver, no sentido oposto à conduta reprimida pelo dispositivo, um requisito
para celebração do acordo de leniência, não previsto no parágrafo primeiro do artigo
16 da mesma lei, qual seja, a comprovação de que a pessoa jurídica: i) é empresa
idônea, produtiva, e que não tem histórico ou habitualidade em facilitar e promover a
prática de atos ilícitos; ii) que fora constituída para produção idônea de bens e
serviços e que não fora constituída para ocultar ou dissimular ilícitos ou a identidade
dos beneficiários dos atos praticados.
210
50. Não obstante esteja envolvida em atos ilícitos, a pessoa jurídica deve
comprovar sua idoneidade, produtividade e função social.
51. Para que no pacto de leniência sejam englobadas todas as esferas de
responsabilização possíveis, defendemos a posição no sentido de que devam
participar do acordo de leniência, além do órgão de controle interno nos entes
envolvidos, suas advocacias públicas, o Tribunal de Contas, e, sobretudo, o
Ministério Público, que detém também a titularidade da ação penal e da ação civil
pública de responsabilização por improbidade administrativa nos moldes da Lei n.
8.429/92.
52. No que tange à competência para a celebração do acordo de
leniência, nos demais entes da federação, a solução mais consentânea com os
princípios jurídicos que norteiam a função sancionatória no Estado de Direito vigente
no Brasil é a ampliação da solução apresentada no décimo parágrafo do artigo 16 da
Lei n. 12.846/2013, que atribui competência a um órgão específico de controle
interno, a Controladoria-Geral da União – CGU, para os demais entes da federação
por meio de regulamentação de cada Estado ou Município.
53. O mais acertado ainda é que tais órgãos de controle interno tenham
seus quadros formados por servidores públicos concursados e estatutários, por ser
esse o regime jurídico mais seguro para o cidadão, ante as pressões políticas e
ameaças que podem sofrer tais servidores dotados de atribuições que visam ao
combate à corrupção.
54. A previsão do artigo 17, § 1.º, da Lei de Improbidade Administrativa
não constitui obstáculo ao emprego do instituto do acordo de leniência na seara da
responsabilização das pessoas jurídicas por ato de improbidade administrativa, e, a
aparente contradição deve ser removida por meio de uma interpretação corretiva.
55. Os diplomas normativos relativos à corrupção, organização criminosa
e improbidade administrativa integram um microssistema de combate à corrupção,
ao qual deve ser assegurada interpretação sistemática e corretiva, de modo a
eliminar possíveis antinomias.
56. O instituto do acordo de leniência é plenamente compatível com a
responsabilização da pessoa jurídica por improbidade administrativa, tendo em vista
que é instrumental colocado à disposição do microssistema de combate à corrupção,
da qual a Lei n. 8.429/92 está inserida.
211
57. O parágrafo primeiro do artigo dezessete da Lei n. 8.429/92 veda a
transação, acordo ou conciliação nas ações de responsabilização por improbidade
administrativa e não nos inquéritos civis no âmbito do Ministério Público e nos
processos administrativos no âmbito dos entes públicos interessados. Em outras
palavras, nunca houve óbice à celebração de acordo na esfera extrajudicial de
apuração de indícios de autoria, materialidade e provas da incidência em atos de
improbidade administrativa. A previsão legal proíbe a celebração de acordo nas
ações ajuizadas, a partir da sua distribuição.
58. O acordo de leniência no âmbito de responsabilização por
improbidade administrativa somente pode ser realizado até a propositura da ação,
uma vez que para que ocorra a propositura de ação civil pública de
responsabilização pelos tipos previstos na Lei n. 8.429/92, pelo Ministério Público ou
Advocacia Pública do ente interessado, estes autores devem estar munidos de
elementos suficientes que apontem para a autoria e materialidade dos responsáveis
pelos ilícitos, faltando interesse e sendo vedada a celebração do acordo de leniência
durante a tramitação da ação.
59. É possível a celebração de acordo de leniência no âmbito da
responsabilização da pessoa jurídica por atos de improbidade administrativa na fase
do inquérito civil ou procedimento administrativo instaurado pelo ente público
interessado, desde que a pessoa jurídica proponente preencha os mesmos
requisitos previstos para a celebração do acordo de leniência previsto na Lei n.
12.846/2013, vale dizer, se comprometa com a identificação dos demais envolvidos
na infração, quando couber, com a obtenção célere de informações e documentos
que comprovem o ilícito sob apuração, cesse a prática dos ilícitos e se comprometa
a cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo
administrativo, evitando-se, assim, a perpetuação de situação de ilicitude e
adicionalmente, premiando-se a solução pacífica de um conflito, sem prejuízo da
integral preservação do patrimônio público.
60. É possível a celebração de acordos de leniência no âmbito do processo
de responsabilização da Lei n. 12.846/2013 empregando-se efeitos de modulação
ou até não aplicação das reprimendas previstas na Lei n. 8.429/92 – Lei de
Improbidade Administrativa.
212
61. Em virtude da ausência da previsão específica do acordo de leniência
na redação da Lei n. 8.429/92, essa decisão exigirá um ônus argumentativo maior
do agente competente, e deverá ser devidamente motivada, fundamentada e
explicitada por meio do procedimento de decisão a fim de se justificar a decisão
tomada e obter o convencimento do endereçado sobre o acerto da decisão e a
adesão social.
62. Os programas de integridade e compliance são mecanismos que além
exercerem efeitos na aplicação das sanções guardam forte relação com o instituto
do acordo de leniência, influenciando favoravelmente à celebração deste pacto,
considerando o peso da função social da empresa.
63. Os programas de integridade precisam ser efetivos, ter vida, ser reais,
e, sobretudo, estarem enraizados na alma das pessoas que corporificam as
atividades e interesses das pessoas jurídicas, desde as funções mais simples e
menos complexas da cadeia hierárquica corporativa até as funções de gestão e
mando.
64. Uma ponderação de interesses conflitantes, observadas a
circunstâncias do caso concreto e, sobretudo, o grau de concretude dos
mecanismos de integridade e compliance adotados pela pessoa jurídica investigada,
será feita pelo agente competente para a apreciação da proposta de acordo de
leniência, recusa ou celebração dele, dando-se prioridade no caso concreto ao
princípio que tiver maior peso, exercendo-se influência decisiva na celebração ou
não do acordo de leniência.
65. O legislador optou pela interrupção do prazo prescricional e não pela
suspensão, dando um peso maior aos interesses coletivos em relação aos
interesses da pessoa jurídica, vale dizer, em sua ponderação priorizou o interesse e
expectativa de toda a sociedade em ter os ilícitos apurados e os responsáveis, no
caso as pessoas jurídicas, devidamente sancionadas em um maior espaço de
tempo, caso eventual acordo de leniência não logre êxito.
66. A celebração do acordo de leniência também interrompe os prazos
prescricionais dos atos ilícitos previstos às pessoas jurídicas por força do artigo 3.º
da Lei n. 8.429/92 e, ainda, os atos ilícitos previstos às pessoas jurídicas na Lei n.
8.666/93, nessa última hipótese, quando for cabível o acordo de leniência.
213
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