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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO RODRIGO HENRIQUE COLNAGO O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RODRIGO HENRIQUE COLNAGO

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RODRIGO HENRIQUE COLNAGO

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de DOUTOR em

Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Claudio José

Langroiva Pereira.

SÃO PAULO

2013

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FOLHA DE APROVAÇÃO

RODRIGO HENRIQUE COLNAGO

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO

PRESSUPOSTO DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de DOUTOR em

Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Claudio José

Langroiva Pereira.

Aprovado em: _____________

Banca Examinadora

Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira (orientador)

Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. Dr._________________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

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DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à minha esposa, Simone, pelo carinho, companheirismo e presença

constante.

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AGRADECIMENTO

Agradeço aos docentes da PUC-SP pelos ensinamentos e contribuições

valiosas para que este trabalho pudesse ser concluído, em especial, ao meu orientador,

Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira, pela compreensão e orientações precisas.

.

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RESUMO

O presente trabalho traz uma análise crítica sobre a situação do sistema penitenciário

nacional frente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Abordaremos a evolução

da teoria da pena, desde quando a pena era sinônimo de punição corporal, ao

entendimento mais recente de sua finalidade, que é o da ressocialização. Observaremos

a divergência de aplicabilidade nos tratamentos intramuros. Serão considerados,

precipuamente, um momento em que os direitos do homem e sua integridade estão

monitorados de forma global. E desse processo, a participação mais ativa da sociedade,

não como um ente separado do Estado, porém integrante ao Estado. Nosso estudo

aborda a gestão pública, que trata o homem como “coisa”, à gestão particular, que

melhor possui meios para atender aos direitos dos presos. Delimitaremos a atuação tanto

do Estado como do particular, e demonstraremos o resultado de uma convergência entre

os direitos atualmente protegidos e declarados constitucionalmente, o Estado

Democrático de Direito e a nova política de gestão compartilhada, na qual a sociedade

tem uma participação mais ativa sobre os serviços públicos.

Palavras-chave: Dignidade Humana. Privatização. Estado Democrático de Direito.

Sistema Prisional.

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ABSTRACT

This work aims at analyzing the penitentiary system of Brazil in the light of the

principle of human dignity, human rights and the right of integrity of its internees. As

part of this study, it was mentioned some relevant theories of penalty adopted in

penitentiaries throughout the history, from the concept of corporal punishment to the

most recent theory of ressocialization. According to the data collected, the existing

public infrastructure and services of the penitentiaries is far from providing means to

ressocialize the prisoners. In a comparison made between public and private models, it

was observed that most public penitentiaries deal with the internees as a human thing,

contrary to the private models, in which the internees have the human being rights

mostly respected. Although the privatization of services in the penitentiaries has been

more effective than the public ones, not all services can be privatized. Under these

circumstances, the Author proposes some changes in the present model of privatization,

restructuring the management of the penitentiaries, implementing the theory of

ressocialization in this system in line with the principles protected in the Constitution.

Keywords: Penitentiary System. Privatization. Public Model.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 SOCIEDADE, ESTADO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 15

2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 21

2.1 Histórico: origem e evolução 21

2.2 Conceito e delineamentos 22

2.3 Eficácia e Conteúdo Mínimo 26

2.4 Dignidade Humana e Direito Constitucional à Liberdade 27

2.5 Pena Alternativa e a Dignidade da Pessoa Humana 28

2.6 Dignidade humana e sistema prisional no Brasil 31

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORIENTADORES DO PODER

PUNITIVO DO ESTADO 42

3.1 Princípio da legalidade 44

3.2 Princípio da Isonomia 46

3.3 Devido Processo Legal 47

3.4 Princípio da proporcionalidade 48

3.5 Princípio da humanidade 50

4 TEORIAS DA PENA E SUA FINALIDADE 53

4.1 Teoria retributiva ou absoluta 54

4.2 Teoria preventiva ou relativa 55

4.2.1 Prevenção geral 56

4.2.2 Prevenção especial 57

4.3 Teorias mistas ou unificadoras 57

4.4 Finalidade da pena no direito penal brasileiro 58

5 DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E

DIREITO PENITENCIÁRIO NO BRASIL 60

5.1 Direito Penal e Processual Penal no Estado Democrático de Direito 60

5.2 O Direito Penitenciário 62

5.3 Lei de Execução Penal 64

5.3.1 A inclusão de Atividades Laborais no cumprimento da pena 68

5.3.2 O trabalho e a ressocialização 69

5.4 O Penitenciarismo e a sua Evolução Histórica 70

5.5 Conceito de Sistema Penitenciário 75

5.5.1 O sistema pensilvânico 76

5.5.2 O Sistema Auburniano 78

5.5.3 Os sistemas progressivos 80

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5.6 Sistema Penitenciário Brasileiro 82

6 SISTEMA PENITENCIÁRIO E PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL 87

6.1 Conceito de Privatização 87

6.2 Fundamentos da Política Privatizante 89

6.3 Privatização do sistema penitenciário 91

6.4 Privatização do Sistema Penitenciário e as experiências internacionais 97

6.4.1 Estados Unidos da América (EUA) 98

6.4.2 Inglaterra 101

6.4.3 França 102

6.4.4 As experiências internacionais e a realidade brasileira 105

6.5 Obstáculos e soluções da política privatizante 107

6.6 Limites à privatização prisional 112

7 EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E MODELOS ADOTADOS 115

7.1 Parceria Público-Privada 115

7.1.1 Minas Gerais

7.1.2 Pernambuco

7.1.3 Ceará

7.1.4 São Paulo

7.1.5 Mato Grosso

7.1.6 Goiás

7.2 Terceirização das Atividades Acessórias, Instrumentais ou

Complementares 123

7.2.1 Paraná

7.2.2 Ceará

7.2.3 Bahia

7.2.4 Amazonas

7.2.5 Santa Catarina

7.2.6 Espírito Santo

7.2.7 Goiás

7.2.8 Tocantins

7.2.9 Alagoas

7.2.10 Sergipe

7.2.11 Rio de Janeiro

7.2.12 São Paulo

7.2.13 Outros Estados

7.2.14 Penitenciárias Federais

8 COMPARATIVO: UNIDADES PRISIONAIS PRIVATIZADAS

E UNIDADES INTEGRALMENTE PÚBLICAS 146

9 SISTEMA PRISONAL PRIVATIZADO: UMA PROPOSTA

TOTALIZANTE 151

CONCLUSÃO 154

REFERÊNCIAS

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10

INTRODUÇÃO (...) demonstrando que o Direito acima de tudo era um

fenômeno social e não somente produto do monopólio

estatal.

Norberto Bobbio1

A maioria das penitenciárias brasileiras continua abarrotada,

oferecendo tratamento desumano aos detentos, faltando-lhes com assistências

jurídica e médica.

Com o intuito de dirimir as variadas situações precárias das quais

os detentos são submetidos, há pouco mais de dez anos, o Brasil iniciou o sistema

de cogestão prisional com empresas privadas em algumas penitenciárias.

O investimento do Estado apresentou resultados positivos em sua

grande maioria, tais como a melhoria no tratamento humano dos detentos e na

alimentação, a assistência jurídica e médica, a diminuição de motins e de

reincidência criminal, entre outros fatores que proporcionaram aos prisioneiros

maior respeito à dignidade da pessoa humana.

Durante nosso estudo, confirmamos que o sistema de cogestão

prisional brasileiro é a forma de gestão que melhor atende aos direitos decorrentes

da dignidade humana dos detentos.

Nosso trabalho tem como objeto a privatização do sistema prisional

brasileiro, em congruência com o princípio da dignidade da pessoa humana no

Estado democrático de direito e a atual teoria da finalidade da pena no Estado

contemporâneo.

A dignidade humana foi, pela primeira vez no Brasil, positivada na

Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do Estado brasileiro.

Apresenta-se como um parâmetro de análise da constitucionalidade do atual

sistema penitenciário nacional e impõe uma tomada de posição ativa do poder

público.

1 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UNB, 1999, p. 125.

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Simultaneamente, demonstraremos a ineficiência do Estado quanto

à Administração Pública centralizada para prover as condições mínimas

suficientes à efetivação dos princípios constitucionais orientadores do poder

punitivo, ou que possibilitem a consecução das finalidades pena, segundo as

diretrizes do Estado democrático de direito.

A privatização do sistema prisional torna-se, portanto, um meio

eficaz de ordem constitucional, que apresenta soluções jurídicas, sociais e

econômicas viáveis.

Pelo enfoque conferido ao princípio da dignidade da pessoa

humana e ao Estado democrático de direito, discorreremos sobre os aspectos

histórico e filosófico desses temas. Preliminarmente, estudaremos a gênese da

sociedade civil e do Estado moderno, chegando, por último, ao atual conceito de

Estado democrático de direito e suas irradiações necessárias.

Em seguida, abordaremos a dignidade da pessoa humana como

pressuposto da razão de existir do direito, em todas as suas manifestações, e em

especial, ao direito penitenciário.

Sob as irradiações da dignidade humana, manejaremos o direito

constitucional à liberdade, bem como os princípios constitucionais orientadores do

poder punitivo estatal, a saber, os princípios da legalidade, da isonomia, do devido

processo legal, da proporcionalidade e da humanidade.

Ao abordarmos a tutela da dignidade humana no Estado

democrático de direito, serão ventiladas as concepções filosóficas que buscaram

tracejar a finalidade ou os objetivos da pena, para ao final concluir que a

finalidade da pena deve ser dirigida precipuamente à reabilitação e à

ressocialização do preso, e de forma secundária, cumprir a sua função preventiva

geral, isto é, dirigida à coletividade.

Na sequência, antes do estudo do Direito e do sistema Penitenciário

fizeram-se obrigatórias algumas considerações sobre o Direito Penal e o Direito

Processual Penal em conformidade aos preceitos norteadores do Estado

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democrático de direito e sob as balizas do valor supremo da dignidade da pessoa

humana.

O direito penitenciário será, então, alvo de nossas investigações,

com o intuito de delinear a peculiaridade das normas referentes à execução da

pena privativa de liberdade, sendo logo em seguida, estudada a Lei de Execução

Penal, por ser o âmbito geral de operabilidade daquele primeiro conjunto

normativo.

No fluxo da nossa pesquisa, o trabalho dará início à sua

convergência para o objeto de estudo, identificando os fatores histórico e

filosófico do penitenciarismo, que deram origem aos sistemas penitenciários

(pensilvânico, auburniano, e sistemas progressivos).

Adentrando ao penitenciarismo e ao estudo dos sistemas

penitenciários, percorreremos a história do sistema prisional pátrio. Desde as

casas de custódias dos tempos das ordenações portuguesas, passando pela criação

da Casa de Correção do século XIX2, que adotava o sistema auburniano, até o

atual estágio da progressividade, assimilado pelo Código Penal de 1940.

De posse de todo o arcabouço teórico construído até então, o

trabalho chegará ao tema principal da privatização do sistema prisional. A

primeira abordagem que daremos é a do Direito Administrativo.

Destas conclusões, partiremos para o estudo da privatização de

penitenciárias na conformidade das técnicas privatizantes compatíveis com o setor

prisional, ou seja, a privatização por meio de parceria público-privada (concessão

administrativa) ou por terceirização de atividades acessórias, instrumentais ou

complementares.

Quanto a essas técnicas privatizantes do setor prisional, foram

colhidos extensos e detalhados dados provenientes, sobretudo, de relatório de

órgãos governamentais e de empresas privadas parceiras no empreendimento

prisional.

2 GOULART, Henny. A individualização da pena no direito brasileiro. São Paulo: Brasileira de Direito,

1975.

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Nesse ponto, cumpre destacar a dificuldade enfrentada na obtenção

de dados atualizados. Constatou-se um grande desrespeito à publicidade de dados

da gestão prisional, mesmo com o advento da recente Lei de Acesso à Informação

(Lei n. 12. 527/2011).

Mesmo assim coletamos material suficiente a evidenciar a situação

mais atual dos presídios privatizados.

Sob a técnica parceria público-privada, constatamos a presença

desta modalidade nos seguintes Estados: Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, São

Paulo, Mato Grosso e Goiás. A única em funcionamento é a de Minas Gerais; as

demais estão em fase de estudo, licitação ou de contratação.

No regime de terceirização3 de atividades acessórias, instrumentais

ou complementares, um grande número de Estados realiza trespasse de serviços,

variando entre a privatização do simples fornecimento de alimentos e a

terceirização de todos os serviços concernentes à hotelaria (alimentação,

vestuário, limpeza), manutenção das instalações físicas, etc.

A par de todos os dados colhidos, será, então, possível traçarmos

um comparativo entre as unidades prisionais que sofreram algum tipo de

privatização e aquelas que permaneceram sob a administração exclusivamente

pública.

Neste momento, serão demonstradas empiricamente as melhores

condições em que se apresentaram as penitenciárias que operaram em regime

privatizado, ao menos num panorama geral.

Como a privatização do setor prisional teve início em países

estrangeiros, traçaremos uma linha comparativa do sistema penitenciário,

principalmente, mencionando os Estados Unidos da América, da Inglaterra e da

França.

Ao final do trabalho, será exposto que a atual ordem constitucional,

fundamentada na dignidade da pessoa humana, urge por uma melhoria de estado

das nossas prisões contra a situação alarmante em que estas se encontram.

3 Conforme veremos no item 6.3 (Privatização do Sistema Penitenciário), entendemos que somente haverá

privatização da unidade prisional quando a participação do parceiro privado se der pelo regime de cogestão.

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14

Assim, diante do Estado Democrático de Direito brasileiro,

apresentaremos como necessária a formulação de um novo sistema prisional, em

conformidade com os valores sociais e democráticos, e principalmente, à

dignidade da pessoa humana.

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15

1 SOCIEDADE, ESTADO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A atual sociedade civil4 é uma criação humana lastreada

principalmente na conveniência entre os seus membros. Ela surge quando o

homem descobre a necessidade de viver com outros, criando agrupamentos

voluntários de relações intersubjetivas.5

As pessoas se reúnem em função das necessidades humanas, do

medo, e constituem relações de utilidade recíproca6. Assim como o homem possui

uma tendência para se associar aos seus semelhantes de forma a desenvolver suas

capacidades naturais, ele tende a se isolar, possui uma qualidade antissocial de

centralizar tudo para o seu próprio interesse7.

É dessa tendência para a dissociação que deflagra o bellum omnia

omnes8, a guerra de todos contra todos, necessitando que o agrupamento

voluntário renuncie à parcela de sua liberdade, ampla e irrestrita, como forma de

cessar esse estado permanente de insegurança no convívio social. Transita-se do

estado de natureza do homem para o pacto ou contrato social9.

Surge o Estado10

enquanto ente regente das relações

intersubjetivas; aquele que passa a figurar como mediador, fiscal e controlador da

sociedade civil, detentor, por toda medida, dos meios de controle social. Cresce e

avoluma-se o Leviatã, tornando-se soberano e dotado de poder absoluto.

4 Cumpre esclarecer que aqui se faz um corte epistemológico para apenas assimilar teorias mecanicistas

(associação de vontades para consecução de um fim comum, que isolados dos indivíduos seria impossível de

se obter). Para Paulo Bonavides, as teses contratualistas colocam o “assentimento” como base da Sociedade,

e não o “princípio da autoridade” (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

61), tal como o faz as teorias organicistas.

5 FERGUSON, Adam. An Essay on the History of Civil Society. New York: Cambridge, 2003.

6 HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 29.

7 KANT, Immanuel. Duas Introduções à Crítica do Juízo. São Paulo: Iluminuras, 1995.

8 Esta situação de guerra de todos contra todos não é unânime nos contratualistas, sendo peculiaridade das

doutrinas formuladas por Hobbes e Spinoza. Para Locke e Rousseau, a condição do homem anterior à

Sociedade era de paz e felicidade, respectivamente. Contudo, importante que para os Contratualistas, o

estado de natureza (situação humana anterior ao estado de sociedade) é de pouco interesse, com exceção de

Rousseau. (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de

Política.Trad.: FERREIRA, João (coord.). Brasília: UnB, 1998, p. 273).

9 Cf. doutrina contratualista com nascimento desde os sofistas, mas conhecida a partir dos filósofos

modernos dos séculos XVII e XVIII: Hobbes, Locke e Rousseau.

10 O surgimento a que nos referimos é o conceito moderno de Estado, pois como nos alerta Paulo Bonavides

(BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2011, p.63), o conceito de Estado, como

ordem político da Sociedade, surge já na Antiguidade, com a polis dos gregos e a civitas e a res publica dos

romanos.

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Maquiavel foi o primeiro a mencionar o Estado como um ente que

exerce domínio sobre os homens na forma de repúblicas ou principados.11

Essa forma de organização jurídica de um povo, fixado em um

território, estabelece tanto um poder supremo, em âmbito interno, como um poder

soberano no plano internacional. 12

A primeira expressão dessa figura jurídica é o Estado absolutista,

centrada na pessoa do soberano, um poder unipessoal, legitimado por um

fundamento mítico-religioso. Ao exceder sua finalidade em buscar o bem comum,

começa a cometer arbitrariedades.

Nesse contexto, consolida-se o constitucionalismo moderno que

abriga os ideais de contraposição àqueles arbítrios estatais, havendo a necessidade

de uma lei suprema, Lex Mater, que se consolidou em forma de constituição, a

qual até mesmo o poder soberano estatal está adstrito. A esta condição de

supremacia da legalidade13

foi dada a denominação de Estado de Direito.

As Constituições, nesse primeiro momento14

cumpriam a pretensão

de limitar o poder estatal, que deveria se abster de interferir na vida privada dos

indivíduos. A Lei Fundamental, nesse período, assume posição de garantia das

liberdades individuais, que eram severamente agredidas além do pacto

inicialmente formulado.

Contudo, a visão liberal pautada no abstencionismo estatal

provocou uma defasagem no âmbito social. Descobriu-se que a igualdade formal

de todos ao redor da lei gerava, em verdade, disparidades sociais que irradiavam

conflitos intersubjetivos insuperáveis. Era necessário que o Estado assumisse

serviços imprescindíveis à existência humana. Surge nesse momento, o Estado

Social.

Com efeito, sob a influência do constitucionalismo alemão

(Constituição de Weimar, em 1919), o próprio constitucionalismo brasileiro, com

11 MACHIAVELLI, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.3.

12 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 78.

13 Ou The Rule of Law, para o direito inglês; État Legal, para o direito francês; e, Rechtsstaat, para o direito

alemão. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.5).

14 É o constitucionalismo liberal clássico que teve influências de Locke, Montesquieu e Rousseau.

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a Constituição de 1934, assimila ideais sociais que buscaram suprir a crise social

causada pelo abstencionismo do Estado de Direito.15

São exemplos dessa inovação constitucional a subordinação do

direito de propriedade ao interesse social ou coletivo, a colocação da família, da

educação e da cultura debaixo da proteção especial do Estado, a criação da Justiça

do Trabalho, o salário mínimo, o amparo à maternidade e à infância e a ajuda às

famílias com muitos filhos.16

Na política do bem-estar social, o aparelho estatal cresceu

incontidamente, gerando uma nova realidade na qual o Estado, por meio de

instrumentos diretos e indiretos passou a monopolizar todas as formas de controle

social.

Essa maximização do Estado e sua consequente ineficácia, o

insustentável aparelho burocrático, os gastos excessivos e a corrupção causaram a

falência do Estado.

O Estado ganhou, por volta de 1945, suas feições atuais. Da

falência estatal somada às atrocidades vivenciadas pelos governos autoritários,

surgiu a necessidade de se realizar uma leitura crítica do direito positivo, centrada

na dignidade da pessoa humana, com proteção e promoção dos direitos

fundamentais. Desta reformulação dos ideários concernentes à concepção estatal,

originou-se o Estado Democrático de Direito.

Por decorrência desse momento histórico, surge também o

neoconstitucionalismo, que tem como marco filosófico o pós-positivismo. Em

resposta à crise do pensamento positivista, ele propõe uma aproximação entre o

direito e a moral, uma reunião entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.17

15 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 368.

16 Id.,Ibid., p.369.

17 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucinalização do direito (o triunfo tardio do

direito constitucional no Brasil).” Revista Forense. v.384. mar-abr.2007, p. 74.

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18

Neste período pós-positivismo, retornaram os valores ao Direito

por meio de uma teoria da justiça e o desenvolvimento da teoria dos direitos

fundamentais, com fundamento na dignidade humana.18

Dentro desse conjunto heterogêneo de ideias, citamos a

consagração dos princípios como normas jurídicas e o estabelecimento de uma

nova hermenêutica constitucional.

O pós-positivismo é, assim, a base filosófica na qual se fundamenta

a atual concepção do Estado. Nessa fase, o Estado brasileiro busca materializar o

valor supremo da dignidade da pessoa humana tornando-a o verdadeiro epicentro

de valores do Estado Democrático de Direito.

Para Paulo Bonavides19

, os princípios estão acima da lei, norteando

e direcionando as normas constitucionais. José Afonso da Silva20

afirma que o

Estado atual reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito

como uma nova formação conceitual, em vez de simples justaposição de valores.

As conquistas sociais levadas à responsabilidade estatal

permanecem, de modo que o Estado tem o dever constitucional de prestigiar

ativamente os direitos sociais21

concebidos no período que lhe foi anterior, o

Estado Social.

Do período liberal do Estado de Direito, destacam-se as seguintes

premissas: primazia da lei, tripartição das funções estatais típicas (legislativa,

executiva e jurisdicional), reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais

até então positivados, observância obrigatória da legalidade pelos agentes estatais

e preservação da segurança jurídica.22

Soma-se ao modelo atual a pretensão democrática, com eleições

livres, periódicas, com um governo do povo e pelo povo, bem como o respeito das

18 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro:

pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista da Academia Brasileira de Direito

Constitucional. Curitiba, v. 1, n. 1, 2001, p.43.

19 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.237.

20 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 112.

21 Colocamos nessa categoria os direitos sociais previstos no art. 6º (direitos sociais universais) e no art. 7º

(direitos sociais dos trabalhadores), todos da Constituição Federal de 1988.

22 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.5; SILVA, José Afonso da.

O estado democrático de direito. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 45.

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19

autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, principalmente aqueles

diretamente relacionados à dignidade da pessoa humana.

Nesse novo conceito, os valores do Estado de Direito permanecem

como diretrizes de índole liberal, destacando-se o império da lei (legalidade

formal), a tripartição das funções estatais (Legislativa, Executiva e Jurisdicional) e

a garantia dos direitos individuais.23

Incorporada a essa concepção abstencionista e individualista,

perpassando pelas experiências totalitárias do Estado Social, que nega ou ignora o

regramento igualitário das leis, está o princípio da soberania popular24

.

A soberania popular é definida como o respeito e a garantia dos

direitos e liberdades fundamentais, o pluralismo de expressão e organização

política, que se direcionam à plena democracia nos planos social, cultural e

política25

.

Dessa junção ideológica surge um ente formatado a buscar a justiça

social, proteger e se abster de ofender os direitos individuais, sempre com base no

princípio democrático e ingerência popular nas políticas públicas.26

Em suma, o Estado Democrático de Direito reúne os seguintes

princípios, que se apresentam destacadamente: princípio da constitucionalidade27

,

princípio democrático28

, sistema de direitos fundamentais, justiça social,

igualdade, divisão de poderes, legalidade, liberdade e segurança jurídica.

A par dessas considerações é possível traçarmos um parâmetro de

abordagem das diretrizes atinentes ao sistema prisional brasileiro, posto que este

deverá se conformar com os ideais do Estado Democrático de Direito numa

23 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.113.

24 MORAES, Alexandre de., Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2009, p.5; SILVA, José Afonso da.

O estado democrático de direito. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 45.

25 A Constituição portuguesa introduziu uma democracia bem mais totalizante, incluindo-se aí o plano

econômico, dando ao Estado português o objetivo de transição para o socialismo. (art. 2º, Constituição

portuguesa).

26 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.120.

27 Cf. J. J. Gomes CANOTILHO: “Qualquer que seja o conceito e a justificação do Estado – e existem

vários conceitos e várias justificações – o Estado só se concebe hoje como Estado constitucional”. Direito

constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 87.

28 Nos termos do art. 1º, da Constituição Federal de 1988, a democracia é representativa e de participação

direta, pluralista, garantindo, ainda, a efetividade dos direitos fundamentais.

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ingerência harmônica e permanente entre os poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário, que sempre devem ser atuantes nas esferas do sistema penitenciário.

Por fim, a preservação dos direitos individuais, que são

indisponíveis e devem ser observados pelo princípio fundante de toda a ordem

jurídica: o princípio da dignidade humana.

Com a Constituição de 1988, materializou-se o princípio da

dignidade da pessoa humana. Voltam-se, assim, nossas atenções aos valores

pertinentes para enfrentar o tema da privatização das unidades prisionais. Desta

maneira, é imprescindível cuidar do direito constitucional à liberdade, dos

princípios orientadores do direito de punir estatal, e da finalidade da pena

conforme os ditames do Estado Democrático de Direito e o fundamental princípio

da dignidade da pessoa humana.

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2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 Histórico: Origem e Evolução

A dignidade humana, na atual acepção, aparece primeiro como um

valor bíblico, de origem judaico-cristã29

. É decorrência de ser o homem criado à

imagem e semelhança de Deus. Com a Era da Razão ou Iluminismo, movimento

cultural do século XVIII, esse valor passa ser objeto de estudo da Filosofia30

.

Ao longo do século XX, a dignidade se torna objetivo político,

havendo menção a respeito em algumas Constituições. Na sua primeira metade,

citamos a Constituição do México (1917) e a Constituição Alemã de Weimar

(1919).

Somente após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) a dignidade da

pessoa humana passa a ganhar contornos mais efetivos e concretos, em resposta às

barbáries nazistas e fascistas testemunhadas pela comunidade mundial. Nesse

momento, esse postulado passa a integrar diversos documentos internacionais e

Constituições de Estados democráticos, como a Carta das Nações Unidas (1945),

a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), as Regras Mínimas para o

Tratamento de Prisioneiros (1955), a Constituição Alemã (Lei Fundamental de

Bonn, 1949), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1978), e a

Convenção contra a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou

degradantes (1984).

Atualmente, a discussão jurídica em torno do tema da dignidade

humana assume uma dimensão transnacional, havendo muitas decisões que fazem

referência a julgados de outros países.31

29 V. ALVES, Cleber Francisco. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: O Enfoque da

Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

30 Exemplo: Immanuel Kant (1724-1804).

31 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.29.

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22

2.2 Conceito e Delineamentos

O conceito de dignidade humana deve ser pensado como um

conceito aberto32

, dinâmico e de construção permanente33

. Nada impede, porém,

que lhe sejam traçados delineamentos e conteúdos mínimos, sob pena de total

inutilidade e ineficácia do postulado.

A dignidade é tradicionalmente conceituada como um atributo

intrínseco da pessoa, da essência do ser humano34

; sendo, pois, irrenunciável e

inalienável. Abstraindo essa característica da pessoa humana, perder-se-á sua

própria humanidade.

Este atributo está relacionado à integridade física, psíquica e

emocional da pessoa. A integridade corporal, mais especificamente, é o elemento

mínimo de sua dignidade. Quando este espaço de identidade é destruído, o seu

valor como membro da família humana é também perdido.35

Assim, em obediência a esse princípio, torna-se inadmissível os

antigos castigos corporais e penas de mortes, ainda hoje praticadas em alguns

estados norte-americanos. A pena privativa de liberdade, atualmente existente em

nosso ordenamento jurídico penal, impõe o dever de fornecer assistência à saúde

física, psíquica e religiosa.36

Do mesmo modo, esse postulado representa o fundamento da

sociedade, sem o qual perderia sua justificação de existência.37

Afinal, as pessoas

se unem com o intuito de juntar forças para a realização de objetivos pessoais de

felicidade e satisfação, que individualmente são incapazes de atingir.

32 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p.72.

33ANTUNES, Cármem Lúcia Rocha. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.

Revista Interesse Público, v. 1, n. 4, p. 23-48, out-dez 1999. p.24.

34 SILVA, José Afonso da. Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana. Revista da PGR, n. 9, 1996, p.91.

35 FLEINER, Thomas. O que são Direitos Humanos? São Paulo: Max Limonad, 2003, p.13.

36 Constituição Federal, art. 5º, inciso XLIX, é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

Código Penal, “Art. 38. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-

se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”

37 SILVA, Marco Antônio Marques da. Cidadania e Democracia: instrumentos para a efetivação da

dignidade humana. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio Marques da. (Org. ). Tratado luso-

brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.224-236.

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23

Nesse contexto, Ingo Wolfgang Sarlet38

relaciona de maneira

íntima e vinculada os conceitos de dignidade, vida e intimidade.

Para Cármen Lúcia Antunes Rocha39

, a dignidade tornou-se um

axioma jurídico, um verdadeiro princípio matricial do constitucionalismo

contemporâneo. Já nas palavras de Jorge Miranda, é um limite transcendente do

poder constituinte, um metaprincípio40

, ou, como preferiu Luiz Antônio Rizzatto

Nunes41

,um supraprincípio.

Sendo elementar à condição humana, este valor é inerente à pessoa,

em toda e qualquer circunstância, sendo de responsabilidade do Estado a proteção

e a promoção de sua existência.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de

10 de dezembro de 1948, em seu artigo XXII, reconheceu à toda pessoa humana o

direito de realizar direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua

dignidade e ao desenvolvimento de sua personalidade.

Immanuel Kant (1724-1804) estabeleceu as raízes da significação

da dignidade humana. Na base do seu pensamento está a ideia de que o homem é

um fim em si mesmo.

Para esse filósofo, o humano se distingue dos demais seres pela sua

atribuição a um determinado preço. Assim, enquanto a coisa é sempre passível de

valoração econômica, o homem é imensurável em valores.

O ser humano, segundo uma visão kantiana, nunca poderá ser

reduzido à condição de meio42

porque isso seria coisificar o homem, transformá-lo

em uma coisa ou objeto.

38 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p.26.

39 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.

Revista Interesse Público, v.1, n. 4, p. 23, out-dez, 1999.

40 MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio Marques da (Org.) Tratado luso-brasileiro da dignidade

humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 170

41 Nunes, Luiz Antônio Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São

Paulo: Saraiva, 2002, p. 50.

42 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Coleção Os pensadores. Textos

Selecionados / Immanuel Kant. Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí; tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 139.

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24

Sob outro aspecto, Kant verifica uma relação entre o conteúdo da

dignidade e o direito de autodeterminação como fundamento da dignidade da

natureza humana.43

Em síntese, todo ser humano teria, ao menos potencialmente, a

aptidão de pautar suas escolhas mediante sua própria e íntima convicção. A

liberdade moral de se dirigir por suas próprias leis é uma das dimensões daquele

valor inato atribuído à pessoa. Tirar-lhe essa capacidade é abstrair sua própria

humanidade.

A dignidade também funciona como limitação àquelas condutas

possivelmente violadoras desse núcleo intangível da pessoa.

Anota José Joaquim Gomes Canotilho que o homem deve servir de

limite e fundamento do domínio político da República44

, posto que a razão última

de existência de Estado é o indivíduo, e não o contrário.

Em todo momento, constata-se que a dignidade da pessoa repudia

todo o processo de coisificação, afastando a possibilidade de o ser humano se

voluntariar a condições vis e degradantes, colocando a si próprio em situações

subumanas e perversas. Nessas circunstâncias, o Estado, guardião dos valores

fundamentais da sociedade, em determinado tempo e espaço, deve intervir. É sua

tarefa, sua missão precípua, é seu dever contratual45

, sob pena de perder seu

fundamento de existência e validade.

Por esse motivo é que o Estado censura os atos que coloquem os

seres humanos à condição análoga a de escravo, mesmo que tal submissão seja

voluntária46

.

43 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Coleção Os pensadores. Textos

Selecionados / Immanuel Kant. Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí; tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 141.

44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Livraria Almedina, 2003, p. 225.

45 Conforme a concepção moderna de Estado, este seria formado por meio de um pacto firmado por

indivíduos que abdicam de parcela de suas liberdades para formar uma comunidade orientada ao bem

comum de todos.

46 Em verdade, como esclarece Marco Antonio Marques da Silva, de voluntário nada há, uma vez que a

pessoa que se submete a tal condição é vítima de “ardis e fraudes”, e acrescenta, “explora-se a minoria e o

desespero do indivíduo desempregado e sem meios de subsistência própria através da promessa de uma

melhor condição de vida”. (SILVA, Marco Antonio Marques da. Trabalho escravo e dignidade humana.

Tráfico de pessoas, por Laerte I. MARZAGÃO JÚNIOR, 193-217. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 199)

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25

Marco Antonio Marques da Silva defende a eliminação do trabalho

escravo como uma condição fundamental para a existência do Estado

Democrático de Direito; todos os esforços devem ser empreendidos para evitar a

escravidão e o tráfico de pessoas47

. Ademais, segundo o autor, o trabalho salubre e

livre de qualquer elemento degradante é necessidade intrínseca, isto é, uma faceta

imanente daquele primado fundamental.

Infere-se dessa discussão inúmeros princípios fundamentais, quais

sejam, a igualdade, a liberdade48

, a integridade física e moral, a segurança, bem

como os direitos individuais e sociais, entre eles, a saúde, o trabalho digno, a

educação, e todos que propiciam ao ser humano sobreviver e ter uma existência

digna.

Se dissemos que há numa das dimensões possíveis da dignidade a

aptidão inata de todo ser humano de se autodeterminar, como, então, poderá o

Estado em algumas situações, tal qual a da vida laboral análoga a de escravo,

interferir de modo ativo nessa relação?

O Estado tem a função primordial de proteger a dignidade de seus

internos e, concomitantemente, de promovê-la. Assim, o homem reduzido a uma

situação notoriamente ofensiva de sua dignidade, há de merecer a proteção do

Estado. Toda vez que uma pessoa, por algum indício objetivo (ofensa a princípio

fundamental ou a direito individual), mostrar-se em situação de comprometimento

daquele caráter de autodeterminação, o Estado deverá atuar como promotor da

dignidade humana.

Trata-se de um vetor de abrangência irrestrita, incidente em todos

os seguimentos de regulação da vida social, principalmente naqueles referentes

aos direitos fundamentais, uma vez que estes encontram seu fundamento primeiro

e último naquele metaprincípio, além de auxiliar em decisões envolvendo

questões moralmente complexas49

.

47 SILVA, Marco Antonio Marques da. Trabalho escravo e dignidade humana.Tráfico de pessoas. por

Laerte I. MARZAGÃO JÚNIOR, 193-217. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 206.

48 Liberdade em sentido amplo, e não somente aquela relativa ao direito de ir e vir.

49BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: a

construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 11.

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2.3 Eficácia e Conteúdo Mínimo

O princípio da dignidade humana, apesar de possuir uma função

inspiradora e um tanto distante da realidade, tem uma aplicabilidade concreta e

constante imposta pela Constituição de 1988. Luiz Antônio Rizzatto Nunes afirma

que é dever de todos os operadores do Direito torná-la eficaz. 50

Essa elevada carga de abstração é possível uma vez que todo

princípio tem um núcleo que irradia comandos concretos.51

Podemos citar a

vedação do nepotismo na Administração Pública, que foi considerada pelo

Supremo Tribunal Federal (STF) como uma decorrência dos princípios da

impessoalidade e da moralidade administrativa.52

Outro exemplo é a vedação da autoincriminação que, implícito no

direito positivo brasileiro, poderá ser extraído do núcleo essencial da dignidade.

Assim, se de um lado o metaprincípio da dignidade humana coloca

toda pessoa em uma redoma de proteção de sua integridade, de outro, haverá uma

imposição ao Estado, principalmente, para que consolide esse postulado por meio

de prestações positivas.

A dignidade humana, integralmente reconhecida, exige que os

direitos fundamentais sociais (saúde, trabalho, educação, etc.) sejam perseguidos

como uma meta permanente, com precedência sobre qualquer outro interesse

político dos governos locais, regionais ou nacional.

Desta forma, apesar de o detento sofrer restrições da liberdade e

dos seus direitos políticos, entre outros, a dignidade humana ainda lhe é atributo

inafastável; ele necessariamente deverá receber do Estado e da sociedade todos os

meios necessários a lhes resguardar a dignidade.

50 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São

Paulo: Saraiva, 2002, p. 51 e ss.

51 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa

humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 67-70.

52 ADC nº 12, Rel. Min. Carlos Ayres Britto; RE nº 579.951-RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; e

Súmula Vinculante nº 13.

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27

2.4 Dignidade Humana e Direito Constitucional à Liberdade

O valor supremo da dignidade humana é o pressuposto de todos os

demais princípios. Nesse passo, faremos uma análise detida de sua abrangência,

tanto filosófica, quanto jurídico normativa, bem como a sua relação com o

essencial direito constitucional à liberdade.

O direito de liberdade e a dignidade humana são atributos

intrínsecos da pessoa, da essência do ser humano53

; indissociáveis e inalienáveis

de qualquer assunto que envolva o ser humano e o seu aprisionamento.

A liberdade é o princípio regra no sistema; sua exceção, proibição

ou restrição, deve estar expressa em lei de forma indubitável. 54

Não há que se falar em direito à liberdade sem menção ao art. 5º,

inciso II, da Constituição de 1988, que estabelece que somente em virtude da lei

alguém se obriga ou se desobriga de fazer algo55

.

A relevância do dispositivo no ordenamento jurídico nacional é de

introduzir no sistema dois princípios que formam o núcleo essencial de um Estado

Democrático de Direito: o princípio da legalidade e o princípio da liberdade geral

ou da liberdade de ação.

Dessa conexão estabelecida pela norma constitucional, depreende-

se que a liberdade só poderá sofrer limitações em virtude de lei, ou como anota

José Afonso da Silva, excepcionais restrições somente serão possíveis na

existência de normas jurídicas que impõem uma conduta positiva ou proibitiva,

proveniente do Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento previsto

na Constituição56

. Para esse autor, a liberdade, para ser condicionada, depende de

um sistema de legalidade legítima57

.

53 SILVA, José Afonso da. Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana. Revista da PGR, n. 9, 1996, p. 91.

54 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio

de Janeiro: Typ. Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & Cia, 1957, p. 382.

55 A norma foi introduzida somente na Constituição de 1934, sendo afastada nas Cartas de 1937 e1946, e

reintroduzida na Constituição de 1967.

56 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 236.

57 Id. Ibid., p.236.

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São formas de expressão desse direito constitucional: as liberdades

da pessoa física, de pensamento, de expressão coletiva, de ação profissional e de

conteúdo econômico e social.58

Contudo, será dada atenção apenas à liberdade da pessoa física

relativa à proteção ao direito de ir, vir e permanecer, chamada por alguns de

liberdade individual59

.

O direito à liberdade é a materialização da dignidade da pessoa

humana, numa compreensão kantiana, quando se refere a este valor supremo

como a capacidade racional e inafastável de autodeterminação, vislumbrando em

todo o ser humano a aptidão para pautar suas escolhas mediante sua própria e

íntima convicção.

Assim, aos integrantes de uma comunidade, e principalmente ao

Estado, é lhes negado agir e omitir de forma a ofender a liberdade de alguém, de

forma ilegal ou arbitrária.

Toda restrição à liberdade da pessoa física só poderá ocorrer

quando houver lei excepcional, segundo o sistema punitivo constitucional. A regra

é a prevalência do status de autodeterminação.

Tocar o direito à liberdade é afetar diretamente a dignidade

humana. Mais do que isso, sua restrição deverá ocorrer sempre na medida em que

menos reduza a esfera de autogoverno do sentenciado, de forma que a sua

dignidade se mantenha incólume. Mesmo sendo legítima a privação da liberdade

nos casos em que a lei determina, segundo os valores constitucionais, a dignidade

humana é valor que será sempre intangível.

2.5 Pena Alternativa e a Dignidade da Pessoa Humana

Há muito protesto pela promoção da dignidade por meio de

políticas públicas de índole assistencialista, mas o Estado Democrático de Direito,

58 Id.,Ibid., p.235.

59 Para José Afonso da Silva, a expressão “liberdade individual” é imprópria, já que todas as formas de

liberdade o são.

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compreendido de uma forma global deverá, diante daquele ideal supremo,

fornecer tanto as condições de subsistência material como propiciar um ambiente

harmonioso e pacífico entre os conviventes.

Independentemente do crime praticado, o sujeito antissocial deve

ser visto primordialmente como um paciente, ao qual o Estado visa recuperar e

reintegrar ao convívio social.

Transita-se, assim, entre o pensamento arcaico de concepção

vingativa e primitiva da pena à ideia de respeito ao homem e à sua integridade.

Consideramos que a realidade normativa ou factual é construída

pela linguagem, que se utiliza da capacidade humana de apreender e criar

conceitos. Com efeito, Paulo de Barros Carvalho menciona que a realidade é um

dado que existe por meio do contexto da linguagem, sendo esta a única

responsável pelo seu aparecimento60

.

Por essa análise, a dignidade é o esteio da existência dos homens ao

qual o próprio sistema penal está vinculado. Assim, a execução da pena, e todos

os fenômenos que dela decorrem, devem ser determinados com base neste

princípio. Desta forma, as soluções buscadas pelos diferentes povos para

resolverem a criminalidade local não deve ser necessariamente a privação de

liberdade.

Na criminologia, um pequeno percentual de criminosos intramuros

é formado por pessoas cruéis e psicopatas. A maior parte dessa população, ou

seja, aqueles que compõem a área interna das penitenciárias, é de pessoas que, por

um lapso, uma situação de desespero ou um episódio de descontrole emocional,

infringiram uma única norma jurídica. São pessoas comuns que serão

drasticamente violentadas pelo sistema criminal, que lhes ofendem inúmeros

direitos, sobretudo a norma-vetor da dignidade humana.

A comunidade mundial há muito se mobiliza para investigar

alternativas e soluções mais efetivas que, sem prejuízo da dignidade dos seus

sentenciados, promova a recuperação e a ressocialização. O que verificamos hoje

60 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2009,

p.170.

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é o aumento da criminalidade em números muito superiores ao crescimento

vegetativo.

No retrato atual, as pesquisas demonstram que os detentos

primários ingressam no sistema criminal e os antigos reincidem ou praticam

novos delitos. A consequência disso é o complexo e insolúvel problema da

superlotação carcerária.

Ainda que nosso tema se dirija à execução criminal pelo

encarceramento, concordamos com Evandro Lins e Silva61

, para quem a prisão só

pode ser aplicada em última hipótese, visto que é uma fábrica de reincidência. E,

uma vez que há resistência para eliminar o encarceramento do sistema, seria ideal

conservá-la para os casos em que ela é indispensável. No mesmo sentido, René

Dotti62

considera que a prisão deverá ser imposta somente em relação aos crimes

graves e aos delinquentes de intensa periculosidade.

Ademais, pela subsidiariedade tanto da prisão como do próprio

sistema criminal, argumenta Claus Roxin63

que o direito penal deve ser um meio

último de punição.

Portanto, se atualmente a pena privativa de liberdade ainda é

necessária para os casos mais graves – nos quais o preso demonstra um elevado

nível de antissociabilidade – carece, pois, de um tratamento especial e de

profissionais competentes para atuar na reclusão intramuros.

Nos demais casos, conforme defendemos64

, será conveniente

desenvolver e, principalmente, aplicar penas alternativas à prisão.

Assim, seguindo a tendência mundial de oposição às penas

segregadoras e de caráter punitivo, existe hoje, em muitos países, a preocupação

para criar novas modalidades de penas que substituam a privação de liberdade por

medidas que privilegiem o caráter educativo das penas, mais humanas e que

envolvam toda a comunidade nos problemas decorrentes da criminalidade.

61 SILVA, Evandro Lins. Sistema penal para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 33-34.

62 DOTTI, René. Bases alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Saraiva, 1998, p.178.

63 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986, p.28.

64 COLNAGO, Rodrigo Henrique. Crime e Política Penal: crise do sistema prisional e alternativas às

prisões. São Paulo: 2006. Dissertação (Mestrado em Direito Processual Penal) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo.

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31

Quando desnecessário o encarceramento, as penas alternativas –

sanções modernas e inovadoras da estrutura clássica – garantem ao criminoso a

possibilidade de redenção pelos seus erros sem a necessidade de prisão. Assim,

apresentam-se como alternativas penais: a reparação do prejuízo causado, a

restrição parcial dos direitos do criminoso e a prestação de serviços gratuitos à

comunidade. São maneiras pedagógicas de fazer o detento se conscientizar do mal

praticado e das suas consequências para a sociedade.

Além de permitir a integração do criminoso ao grupo social, as

penas alternativas são benéficas aos cofres do Estado, na medida em que a prisão

é dispendiosa para a sociedade. O gasto mensal do Estado com um preso é maior

que o custo de um estudante universitário para o mesmo período.

Conforme afirmamos, nossa ideia nesta pesquisa é investigar a

viabilidade da privatização de presídios, na atual conjuntura socioeconômica

brasileira, e a legitimidade dessa prática neoliberal a partir da ordem

constitucional vigente.

Não obstante, diante da primazia da dignidade humana, julgamos

pertinente esta breve ressalva, sob pena de uma leitura simplista.

Ressaltamos que a política criminal que melhor irá resguardar os

direitos individuais dos presos, em vários casos, será a pena alternativa. Todavia,

naquelas situações em que a prisão é necessária, ela deve ocorrer com base no

respeito ao valor supremo da dignidade humana. A presença e a obediência a este

princípio é imprescindível em toda e qualquer circunstância.

2.6 Dignidade humana e sistema prisional no Brasil

Corroborando com a primazia do tratamento dedicado à pessoa na

Constituição – e confirmando o seu papel central no ordenamento – está o

princípio da prevalência dos direito humanos, o vetor orientador para o Estado

brasileiro nas relações internacionais.

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32

A Constituição assegura, entre os objetivos fundamentais da

República, a solidariedade, a justiça, a proibição de quaisquer formas de

discriminação; todos valores que emanam diretamente da digna condição humana.

A dignidade, como direito intrínseco ao homem, se insere no

direito penal como um objetivo a ser protegido e cumprido, estando o sujeito em

liberdade ou sob a tutela do Estado.

Os postulados de elevado grau axiológico compõem os

fundamentos de um Estado e devem permear toda a atividade hermenêutica

normativa como um parâmetro valorativo65

. Eles conferem unidade semântica a

todo o direito positivo. Este valor supremo66

atribuído ao homem assume uma

posição de destaque no ordenamento, que deverá reger toda a atividade de criação,

interpretação e aplicação de normas no ordenamento jurídico.

A ordem constitucional atual exige abandonar de vez o pensamento

desumano e ultrapassado de que a perda da liberdade para o preso acarreta

necessariamente a supressão de seus direitos fundamentais.67

O legislador ordinário respeita esses mesmos preceitos ao

mencionar que o detento preserva todos os direitos que não tiverem sido atingidos

pela perda da liberdade, sendo impositiva às autoridades o respeito à sua

integridade física e moral (art. 38 do Código Penal)68

.

Esses direitos representam o núcleo protetivo mínimo da dignidade

humana do preso. Desrespeitá-los é ofender diretamente à Lei Maior. Negar-lhe

efetividade máxima significa dar fim à razão de existir do Estado.

Essa positivação do princípio da humanidade é uma conquista do

movimento humanista iniciado nos séculos XVIII e XIX. Contudo, conforme

argumenta Cármen Lúcia Antunes Rocha, por mais que a normatização seja

imprescindível, ainda assim é insuficiente69

.

65 BENDA, Ernest. Manual de derecho constitucional. Madrid: Marcial Pons, 2001, p.121.

66 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

67 FRAGOSO, Heleno Cláudio; CATÃO, Yolanda; SUSSEKIND, Elisabeth. Direito dos presos. Rio de

Janeiro: Forense, 1980.

68 Igualmente o art. 3º c/c art. 40 da Lei de Execução Penal.

69 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.

Revista Interesse Público, v.1, n. 4, p. 23-48, out-dez, 1999, p. 25.

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Ainda que louvável a introdução no ordenamento de preceitos que

valorizam e efetivam a dignidade do sentenciado, a situação atual de nossas

penitenciárias apresenta-se em total discrepância com os valores

constitucionalmente protegidos. Delas, testemunhamos a presença ínfima de

concretude quanto à defesa e a proteção do princípio da dignidade. Analisemos

alguns números que demonstram essa realidade.

No Brasil, em março de 2012, existiam 2.892 estabelecimentos

penais70

, com capacidade para 335.301 presos71

. Conforme informações do

Conselho Nacional de Justiça, o número total de presos era 504.686, o que

configura um déficit de vagas da ordem de 169.385.

Ao concluirmos esta tese, o mesmo site informou um aumento no

número de estabelecimentos para mais de 2.900, com capacidade total para

343.574 presos. Em janeiro de 2013, 515.379 detentos eram albergados, o que

representa um déficit de 171.805 vagas.

Os números demonstram a dificuldade em solucionar a questão, ao

menos aparentemente, a respeito da superpopulação carcerária, que há muito é a

realidade do nosso sistema prisional.

Como exemplo, citamos o Presídio Central de Porto Alegre, no Rio

Grande do Sul, que conta com 1.986 vagas para detentos, mas abriga o

impressionante número de 4.470 presos; logo, uma superlotação de 2.484 presos

(125% além da sua real capacidade).

Citemos outros exemplos dessa situação de calamidade relativa à

superlotação, constatados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema

Carcerário. Em São Paulo, o Centro de Detenção Provisória I, de Pinheiros,

custodiava 1.026 homens em uma infraestrutura para, no máximo, 504 pessoas;

em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, havia 1.500 presos em uma unidade

prisional com lotação para 500.

70 Entre penitenciárias; colônias agrícolas, industriais ou similares; casas de albergado; cadeias públicas,

casas de detenção ou similares; hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico; delegacias.

71 Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais – Resolução n. 47. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/geo-cnj-presidios/?w=1366&h=768&pular=false>. Acesso em: 03 mar. 2012.

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A Colônia Agrícola de Mato Grosso do Sul, projetada para

acomodar 80 presos em regime semiaberto, possuía o exorbitante número de 680

reeducandos, muitos deles morando em barracas improvisadas. E, por fim, numa

situação grotesca e desumana, a cadeia pública de Contagem, em Minas Gerais.

Em uma de suas celas havia 70 presos amontoados, enquanto sua capacidade

máxima era para apenas 12 homens.

Para melhor compreendermos nosso relato, vejamos a tabela que

mapeia a situação consolidada72

dos sistemas prisionais, em todo o país:

UF

População do

Sistema

Penitenciário

Vagas do

Sistema

Penitenciário

Situação D/F

ACRE 3.421 1.833 -1.588

ALAGOAS 1.978 1.941 -37

AMAPA 1.812 994 -818

AMAZONAS 3.875 2.297 -1.578

BAHIA 8.220 10.945 2.725

CEARÁ 12.872 9.946 -2.926

DISTRITO

FEDERAL 8.157 6.550 -1.607

ESPÍRITO

SANTO 8.036 7.818 -218

GOIÁS 9.870 6.367 -3.503

MARANHÃO 3.425 2.733 -692

MATO

GROSSO 11.061 5.235 -5.826

MATO

GROSSO DO

SUL

9.641 5.670 -3.971

MINAS 35.121 23.199 -11.922

72 Dados de 2008, publicados no último relatório expedido pelo Departamento Penitenciário Nacional.

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GERAIS

PARÁ 8.736 6.115 -2.621

PARAÍBA 8.524 5.313 -3.211

PARANÁ 22.166 22.633 467

PERNAMBUCO 21.041 9.675 -11.366

PIAUÍ 2.591 2.105 -486

RIO DE

JANEIRO 23.158 23.832 674

RIO GRANDE

DO NORTE 3.775 3.356 -419

RIO GRANDE

DO SUL 28.750 18.010 -10.740

RONDÔNIA 6.986 4.103 -2.883

RORAIMA 1.651 538 -1.113

SANTA

CATARINA 13.340 7.591 -5.749

SÃO PAULO 154.515 101.774 -52.741

SERGIPE 2.742 2.007 -735

Tabela 01. Fonte: Departamento Penitenciário Nacional

A superpopulação carcerária agride diretamente a integridade física

e moral do preso73

e afeta de forma manifesta o direito do detento à integridade

física e psíquica, a ter uma alimentação digna, a vestir-se adequadamente e de

privacidade, visto que está restrito ao espaço mínimo de 6m² da cela, que segundo

a legislação, deveria ser individual74

.

73 Lei de Execução Penal, art. 85. “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua

estrutura e finalidade.”

74 Lei de Execução Penal, art. 88 “o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,

aparelho sanitário e lavatório”. A cela individual evita violência e abusos sexuais intracelular. Nesse sentido

já dispôs o Conselho Econômico e Social da ONU: “Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes

devem ser ocupados por reclusos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem

alojados nestas condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo

de estabelecimento prisional em causa”. (Regras Mínimas de Tratamento de Presos, adotadas pelo 1º

Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado em

Genebra, em 1955).

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Assim, são frequentes as notícias de revolta, motins, homicídios

entre internos, e outras condutas de detentos que reagem contra às agruras

psicológicas causadas pelo excesso populacional. A propósito, a Comissão

Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário – cujo relatório foi publicado em

2009 – concluiu o que por muitos anos observamos: faltam em muitos

estabelecimentos as instalações apropriadas para albergar os presos, não há

condições mínimas de acomodação75

.

Outras circunstâncias demonstram de forma incontestável a

deplorável situação das prisões brasileiras. A Câmara dos Deputados, na CPI do

Sistema Carcerário relatou, em 2009, que o ambiente carcerário nacional,

representava uma realidade cruel e ilegal, na qual os presos são tratados de forma

desumana. Foram observadas situações de repressão, torturas e violências, que se

estendiam, inclusive, para os parentes, por ocasião da visita76

.

O relatório apontou ainda que os detentos estavam seminus, sem

roupas adequadas, ainda que este seja um direito previsto pelo art. 12 da resolução

nº 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Este artigo

adveio da norma nº 17.1 das Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de

Presos que prevê a todo preso sem condições de vestir suas próprias roupas,

receber vestimentas apropriadas ao clima e em quantidade suficiente para se

manter em boa saúde, não podendo, de forma alguma, ser degradantes ou

humilhantes”.77

Em inspeção realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito

(CPI) do Sistema Carcerário, ficou evidenciada, de forma flagrante, a transgressão

a um dos direitos mais elementares do preso; na cadeia pública de Contagem, em

Minas Gerais, 70 presos (repita-se, em ambiente para apenas 12 pessoas), além de

estarem praticamente empilhados, estavam em estado de seminudez por falta de

vestimenta adequada e limpa.

75 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema

Carcerário. CPI sistema carcerário. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. p. 194.

76 Id., Ibid., p.192.

77 ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Regras mínimas de Tratamento de Presos. 1º Congresso das

Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes. Genebra, 1955.

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Conforme o levantamento das CPI, verificou-se que, na grande

maioria das unidades federadas, fornecer uniforme aos reclusos é uma exceção

(Tabela 2).

Estado Uniforme

AC NÃO

AL NÃO

AM 02 unidades

CE 03 unidades

DF NÃO

GO NÃO

MA 02 unidades

MS 01 unidade

MT 01 unidade

PA 04 unidades

PB NÃO

PI NÃO

PR SIM

RJ NÃO

RO NÃO

RR NÃO

RS NÃO

SC 02 unidades

SE 02 unidades

SP NEM TODOS

TO 01 unidade

FEDERAL SIM

Tabela 2. Fonte: Relatório da CPI (2009)

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A alimentação, outro direito elementar, também estava em estado

deplorável, faltando com o mínimo de dignidade ao preso. Isto porque, segundo a

determinação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

(CNPCP) (art. 13, Resolução nº 14) deve ser preparada com higiene adequada e

dieta controlada por nutricionista.

A Câmara dos Deputados constatou que tais preceitos eram

desrespeitados e a realidade estava muito longe de ser a ideal. O relatório da CPI,

neste contexto, conteve o exemplo alarmante do Instituto Penal de Paulo Sarasate,

no município de Aquiraz, Estado do Ceará, que fornece a alimentação dos presos

em sacos plásticos. Os detentos ainda são obrigados a se alimentar com as mãos

porque não recebem meios para fazê-lo dignamente.

Outro direito do sujeito, na condição de ser humano, é à educação,

um elemento vital para a reinserção do preso à sociedade.78

O Projeto de Lei sobre a execução das penas na Alemanha,

apresentado em 1971 e em vigor desde 1973, previa o direito de o detento sair das

unidades prisionais para assistir às aulas79

.

Na Constituição brasileira, esse mesmo direito é fundamental, além

de obrigatória e gratuita a educação básica (ensino infantil, fundamental e médio),

como um direito público subjetivo (art. 208, §1º).

Por ser obrigatória, gratuita e um dever do Estado, seria

desnecessária essa observação pelo preceito constitucional. Mas, por certo,

reforça a sua obrigação e resta claro que a educação básica pode ser exigida da

autoridade competente, que será responsabilizada em caso de descumprimento

(art. 208, §2º). Os direitos fundamentais do sentenciado são afetados somente nos

termos da condenação. Uma vez que a educação básica é direito fundamental, ao

preso também lhe é assegurado esse mesmo direito.

78 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei 7.210, de 11-07-84. São Paulo: Atlas,

1992, p. 73.

79 DOTTI, René Ariel. As Novas Dimensões na Execução da Penal. Curitiba, 1975, p.73.

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Observamos que a situação verificada na realidade das

penitenciárias nacionais encontra-se em divergência aos desígnios constitucionais

e legais em vigor.

O relatório de diligências empreendidas por ocasião da CPI do

Sistema Carcerário apontou que, em média, apenas 13,23% dos presos estão

inseridos no sistema educacional obrigatório; 65% dos presos nem chegaram a

completar o ensino fundamental.

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, os presos

se dividem quanto à escolaridade: fundamental incompleto (46%), fundamental

completo (12%), médio incompleto (11%), médio completo (7%), superior

incompleto (1%), superior completo (0,4%) e acima do ensino superior (0,1%).80

Em relação à saúde dos presos, mais uma vez as diligências da CPI

do Sistema Carcerário constataram o verdadeiro descaso das autoridades.

Em São Paulo, no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros,

vários presos com tuberculose permaneciam juntos aos demais em situação de

superlotação.

No Maranhão, na Penitenciária de Pedrinhas, havia presos com

gangrena nas pernas. No Rio de Janeiro, Presídio Vicente Piragibe havia um

detento com uma bolsa de colostomia sem nenhuma previsão para a intervenção

cirúrgica. Em Porto Velho, um preso com gangrena, depois de muito reclamar de

dores, foi levado ao hospital, onde recebeu a notícia que seu pé seria amputado.

Ainda sob essas condições visíveis, foi informado de que o hospital não tinha

vagas para detentos naquele momento; com dores, retornou ao presídio. Foi nesse

momento que a Comissão Parlamentar visitou o estabelecimento penal.

Os exemplos oferecidos pelo relatório da CPI do Sistema

Carcerário continuam demonstrando que o preso, quando ingressa em uma

instituição penal, além da liberdade perde, mesmo que paulatinamente, a

dignidade. Conforme mencionamos, há a coisificação do detento devido ao

sentimento de vingança social e de descaso estatal.

80 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em: 01 ago. 2012.

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Notamos o descaso do Estado quanto ao fornecimento de adequada

assistência judiciária aos presos, inclusive aos provisórios que aguardam o

julgamento definitivo. Esse dado foi verificado pelo ex-Diretor do Departamento

de Execução Penal (DEPNS), Maurício Kuehne, que informou à CPI do Sistema

Carcerário que, aproximadamente, 30% dos presos brasileiros deveriam estar fora

da prisão. Há cerca de 151.405 presos indevidamente. O livramento desse

contingente reduziria o déficit carcerário para 17.979 presos.

Ademais, uma boa prestação de assistência judiciária assegura os

demais direitos e evita abusos e descasos por parte da direção da penitenciária.

Assim, o defensor poderá exigir o cumprimento dos deveres do Estado e noticiar

eventuais ofensas à dignidade do preso.

Em verdade, enxergamos na inércia estatal em fornecer o adequado

serviço assistencial uma situação de conveniência ao alto escalão da gestão

penitenciária, uma vez que o preso sem advogado restará indefeso e em total

estado de sujeição aos arbítrios perpetrados pelas autoridades responsáveis.

Essa carência assistencial se materializa nos milhares de presos

provisórios sem julgamento, são sentenciados que tiveram suas penas

integralmente cumpridas ou que tem direito a progressão de regime; todos em

situação de indevido aprisionamento e em condições de extrema degradação.

Desta forma, observamos um enorme dispêndio do Estado em

relação ao sistema prisional adotado na medida em que alberga aqueles que

deveriam estar em liberdade, dentro de complexos com superpopulação.

Os fatos nos induzem a concluir que, embora o ordenamento

positivo ofereça normas que se espalham pelo sistema carcerário a fim de

defender e garantir o valor supremo da dignidade do preso, a realidade da

execução penal demonstra desrespeito às determinações constitucionais, legais e

infralegais.

Reiteramos que ignorar o primado constitucional da dignidade

retira o fundamento existencial do próprio Estado, enquanto ente personificado da

união de soberanias individuais abdicadas por um ideal comum e histórico. A

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perpetuação dessa agressão aos elementos fundantes do Estado representa uma

situação de grave entropia da ordem jurídica interna.

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3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORIENTADORES DO PODER

PUNITIVO DO ESTADO

O direito de punir é o direito do Estado de aplicar a pena cominada

na norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão nela

descrita, causando um dano ou lesão jurídica, de maneira reprovável.81

Na Idade Antiga ou Antiguidade, o jus puniendi, direito de punir,

pertencia, num primeiro momento, ao próprio ofendido, sem qualquer ingerência

do Estado. É a fase da vingança privada. Neste estágio primitivo, a figura do

Estado ainda era inexistente (ordenamento político de uma comunidade). Os

agrupamentos de pessoas eram fundados em laços de parentescos ou em

comunidades oriundas da reunião de várias famílias.

Aquele que causasse algum dano a alguém era alvo da vingança da

própria vítima ou da sua família. Se alguém desse causa à morte de uma pessoa, a

família da vítima poderia tirar-lhe a vida, sem qualquer responsabilização, haja

vista se tratar de exercício de um direito; o direito de punir.82

Mais tarde, o fundamento da pena deixa de ser o sentimento de

retribuição, de cunho eminentemente emotivo e passional, e passa a ser um

sentimento religioso. A punição nesse estágio serviria para fazer valer a justiça

divina.

A pena passa a ter como fundamento uma entidade superior,

assimilando, contudo, a mesma índole vingativa de outrora. A diferença reside na

origem da ira que deve ser aplacada. Na fase da vingança privada, a necessidade

de retribuição partia do próprio ofendido ou de seus familiares; neste segundo

estágio, a vingança era divina.83

Porém, mais do que o mero sabor da vontade do ofensor, é inserida

na punição a finalidade expiatória da alma do delinquente, sob o argumento de

que a pena tinha o condão de purificá-la.

81 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. I. São Paulo: Millenium,

2007, p. 3.

82 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

83 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 8.

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Com o surgimento do Estado, politicamente organizado, há uma

centralização de poderes repassados pelos vários integrantes da sociedade civil. O

que motivou essa transferência do direito de aplicar a punição foi a necessidade de

o poder soberano avocar atividades que eram manifestação de controle social. A

pulverização do direito de punir não era conveniente, posto que enfraquecia a

noção de Estado dotado de soberania.84

Mas, não foi porque a punição deixou de ser decorrência das

animosidades imanentes do desejo de vingança é que perdeu sua crueldade, que à

época parecia ser sinônimo de pena.

Gilberto Ferreira85

arrola uma série de exemplos das atrocidades

cometidas na execução penal dessas primeiras civilizações. Na Grécia, vigorava a

pena de morte; em Esparta, o açoitamento, as mutilações, as ofensas físicas e o

desterro; Em Roma, também a pena capital era obtida por meio de decapitação,

crucificação e outros meios degradantes e humilhantes.

Em todos esses momentos históricos, a pena era um exercício para

o desenvolvimento da criatividade mórbida da mente desviada dos executores que

representavam o Estado.

A humanização das penas só é pensada a partir do século XVIII,

por inspirações racionais iluministas, que davam ideias reformistas a escritores

como Cesare Beccaria, com a obra Dos Delitos e das Penas. O seu pensamento

era tão contrário aos ideais absolutistas que sua primeira publicação, em 1764, foi

feita sem autoria explícita.

Anos depois, essa mesma obra influenciaria a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França.86

. Os artigos 7° e 8° dessa

declaração determinavam que ninguém poderia ser acusado, preso ou detido,

senão nos casos determinados por lei anterior ao fato; esta deveria, ainda, estipular

pena somente quando estrita e evidentemente necessárias.

84 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 9.

85 Id., Ibid., p.9.

86 Id., Ibid., p.10.

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Com o surgimento do Estado Democrático de Direito e o notável

desenvolvimento humanitário das penas, surgem princípios do Direito Penal

especialmente voltados para promover a dignidade humana: o princípio da

legalidade, do devido processo legal, da proporcionalidade e da humanidade.

Tamanha a relevância destes valores que todos servem como

orientação à atual concepção do direito de punir estatal. Assim, o dever-poder do

Estado, de aplicar o Direito Penal ao caso concreto, é sempre regido por esses

princípios.

3.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade repercute de formas diferenciadas

conforme o ramo didático do Direito. Para este trabalho, tem pertinência o seu

estudo no campo penal, processual penal e administrativo.

No direito processual penal, surge para a autoridade policial, nos

crimes de ação penal pública, a obrigatoriedade de dar início ao inquérito e, ao

Ministério Público, de oferecer a respectiva denúncia, caso constate ao menos a

aparência do fato criminoso.87

Antonio Scarance Fernandes identifica uma tendência no direito

processual penal em romper com essa obrigatoriedade da ação penal. Isso se

verifica nas constantes inovações legislativas que introduzem alternativas

procedimentais que estimulam realizar acordos entre o Ministério Público e o

réu.88

O autor aponta, também, que a vítima ganha relevância no processo

penal constitucional na medida em que há um aumento do rol dos crimes

dependentes de representação.

Reduzir a obrigatoriedade da ação penal parece ser um reflexo de

uma ponderação entre o princípio da legalidade e o princípio da dignidade

humana da vítima.

87 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 77.

88 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: RT, 2000, p. 21.

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Na perspectiva do direito penal, o princípio da legalidade é uma

garantia individual de limitação ao poder do Estado. Cumpre a função de impedir

o exercício desse poder de forma arbitrária. Sendo o direito de punir uma

manifestação desse poder estatal, deverá sempre respeitar os limites legais. Essa

constante representa o cerne do Estado de Direito; afinal, diz-se “de Direito”

justamente porque o Estado está sempre integralmente submetido ao “império da

lei”.

O dispositivo constitucional (art. 5º, inciso II) que juridiciza o valor

“liberdade de ação” é também a normatização do princípio da legalidade. São

princípios entrelaçados e complementares, isto é, têm coexistência necessária.

A liberdade do indivíduo situado no tempo e no espaço sob um

Estado Democrático de Direito no qual é permitido fazer tudo o que a lei não lhe

vede, está atrelada à sua exceção, qual seja, a necessidade de haver lei

formalmente válida que restrinja as condutas desembaraçadas.

O princípio da legalidade se realiza pela elaboração de espécie

normativa em conformidade com o processo legislativo constitucional (lei em

sentido amplo). Contudo, a Constituição, em determinadas hipóteses, exige a lei

oriunda de manifestação típica do Poder Legislativo (lei em sentido estrito). Nesta

última situação, surge um caso específico de legalidade denominado “reserva

legal”.

Enquanto na esfera dos interesses privados vige a regra da

autonomia da vontade, quando há um interesse público a regra passa a ser a

vontade geral contida na lei. Na atuação administrativa pública, é imprescindível a

norma jurídica ordenar ou autorizar a ação ou a omissão estatal.

Na Constituição Federal de 1988 inexiste previsão expressa do

princípio da legalidade administrativa. No entanto, uma vez que o Estado é

democrático, busca-se, por meio da lei, a vontade dos representados e não

daqueles que o representam.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o Direito Administrativo

surge com a origem do Estado de Direito é, portanto, consequência dele. É o fruto

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da submissão do Estado à lei, sendo a atividade administrativa, segundo o autor,

uma atividade sublegal, infralegal.89

O direito de punir estatal é um dever-poder que está sob a regência

de um corpo normativo chamado direito penal objetivo. Aplica-se, neste

momento, o Princípio da Reserva Legal, haja vista a Constituição determinar que

não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal90

. Portanto, no âmbito material de definição de infração penal é sempre

imprescindível a existência de lei formal anterior em sentido estrito.

É o que concluímos ser a lei, em sentido amplo (legalidade) ou

estrito (reserva legal); o veículo sempre necessário para criar tipos incriminadores,

para a atuação do dever-poder de punir e para a própria execução da pena.

3.2 Princípio da Isonomia

O direito de igualdade ou de isonomia constitui, segundo José

Afonso da Silva, o signo fundamental da democracia91

.

Para Cármen Lúcia Antunes Rocha, a igualdade constitucional é

um modo justo de se viver em sociedade, um pilar de sustentação e de direção

interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico

fundamental.92

A igualdade é estabelecida, também, no art. 1º da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão que diz que os homens nascem e vivem livres e

iguais em direitos, e que as diferenças sociais só podem ser fundamentadas no

interesse comum. Esse documento revolucionário francês teve por objetivo evitar

a política de privilégio das classes dominantes. Entretanto, o ideal de igualdade

parece ter trazido mais disparidades socioeconômicas entre as pessoas.

89 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p.

100.

90 BRASIL. Constituição Federal (1988), art. 5º, inc. XXXIX.

91 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 211.

92 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990,

p. 118.

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O vigente ordenamento constitucional brasileiro assimilou as

conquistas do século XVIII numa Carta Democrática, ao associar o ideal

individualista de igualdade aos padrões sociais vigentes na época. A isonomia

passou a ser compreendida como algo substancial ou material, um necessário

equilíbrio perante os bens da vida. O objetivo era igualar os desiguais por meio da

concessão de direitos sociais.

Ao garantir os direitos fundamentais, o Estado deve atuar de forma

positiva e concreta, dar condições às classes economicamente desprestigiadas para

que possam ter igualdade de condições de desenvolvimento humano. Assim é que

a Constituição Federal de 1988 tanto consagra a igualdade formal em seu art. 5º,

como também os direitos sociais (art. 6º e seguintes.) e, por fim, no art. 3º, inciso

III, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil reduzir as

desigualdades sociais e regionais.

No âmbito do exercício do dever-poder de punir, ao executar a

pena, o Estado deve garantir a igualdade material elaborando ações afirmativas

que minimizem o efeito negativo da pena privativa de liberdade93

. Os primados da

proporcionalidade e da humanidade impõem o exercício do direito de punir, pela

sua natureza excepcional, realizado de modo a afetar minimamente a esfera de

direitos individuais do sentenciado.

3.3 Devido Processo Legal

O exercício do dever-poder de punir dirigido à privação de direitos

e à liberdade de ação (principalmente à liberdade de locomoção) deve ser

acompanhado de um processo legal cujo pressuposto é a existência de uma

atividade legiferante pautada nos ditames do Estado Democrático de Direito.

93 Esse é o conceito do princípio do nihil nocere, a ser abordado posteriormente, que fundamentado no

princípio da humanidade, preza por um sistema prisional que diminua os efeitos negativos próprios do

encarceramento.

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Nessa direção, a Constituição brasileira de 1988 estabelece que

ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal.94

O princípio do devido processo legal, originário do direito

constitucional estadunidense, tem duas acepções: uma de ordem procedimental

(procedural due process of law); outra, de ordem material (substantive due

process of law).

O devido processo legal material impede a edição de normas

jurídicas e de atos do Poder Público injustos, irracionais ou desproporcionais,

sendo atos ou normas assim considerados passíveis de declaração de

inconstitucionalidade95

. O princípio limita a discricionariedade do administrador,

julgador, ou até mesmo do legislador, na execução da sanção penal.

Este princípio será mais do que orientador; deverá ser propulsor do

sistema prisional justo, racional e proporcional. Será, por conseguinte,

fundamento de privatização quando esta prática se coadunar com os valores da

dignidade humana e do Estado Democrático de Direito.

3.4 Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade não está previsto expressamente

na Constituição brasileira de 1988. No entanto, a doutrina nacional traz duas

teorias a seu respeito. Parte dela96

, assentindo ao entendimento consagrado no

direito estadunidense, compreende que ele pode ser extraído do devido processo

legal substantivo. Outros, contudo, consideram a proporcionalidade implícita ao

ordenamento nacional como um princípio não positivado, decorrente do Estado de

94 BRASIL. Constituição Federal (1988), art. 5º, inciso LIV.

95 Nesse sentido, decidiu o STF: “A essência do substantive due process of law reside na necessidade de

proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele

opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da

perspectiva da extensão da teoria do desvio do poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este

não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando com o

seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos

fins que regem o desempenho da função estatal” (ADI n. 1158-8/AM).

96 Por todos: BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional

brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista da Academia Brasileira de Direito

Constitucional. Curitiba, v.1, n.1, 2001, p. 227.

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Direito97

. Este último entendimento é o que vem sendo adotado pelo Supremo

Tribunal Federal.98

O princípio da proporcionalidade exprime três máximas essenciais

que devem ser consideradas para a sua correta aferição: adequação (a norma ou o

ato deve ser apto a alcançar o objetivo almejado), necessidade (menor

onerosidade possível) e proporcionalidade em sentido estrito (postulado de

ponderação; verificação da relação custo/benefício entre os danos potenciais e os

resultados desejados).99

Ademais, podemos mencionar como subprincípios da

proporcionalidade os princípios da individualização da pena, da personalidade da

pena, da necessidade da pena e da suficiência da pena alternativa.

Por ser um princípio abstraído do devido processo legal

substantivo, podemos automaticamente inferir à proporcionalidade o caráter

limitador da discricionariedade, tal como funciona o substantive due process. São

vedados eventuais excessos do poder público e do legislador. A proporcionalidade

ainda traz consigo a proibição da insuficiência, pois impõe ao Estado ações

afirmativas dos direitos fundamentais.100

Neste estudo, entendemos o princípio da proporcionalidade como o

princípio orientador do poder de punir, pois essa função estatal é restritiva de

direitos fundamentais. Por conseguinte, deverá respeitar os três elementos da

proporcionalidade arrolados.

Neste sentido, o dever-poder de punir conferido ao poder público,

no Estado Democrático de Direito, deverá respeitar os limites impostos pelo

equilíbrio entre a adequação, a necessidade e a proporcionalidade da medida

sancionatória penal. Perpassa por essa análise converter a pena privativa de

liberdade em restritiva de direitos, ou aplicar regime disciplinar diferenciado.

97 Por todos: MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1990, p.

43.

98 ADI (MC) 2.667/DF, rel. Min. Celso de Mello; RE (AgR) 200.844, rel. Min. Celso de Mello (DJ

16.08.2002).

99 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales,

2001, p. 111.

100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Livraria Almedina, 2003, p.271.

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Aliás, bem por essa aproximação de institutos ao redor do princípio

da proporcionalidade, da igualdade e do devido processo substancial, é que

julgamos oportuna a menção, ainda que brevemente, da pena alternativa de direito

e do regime disciplinar diferenciado, mesmo estando ambos indiretamente

relacionados ao tema da privatização prisional.

Noutra perspectiva, o princípio da proporcionalidade segue a trilha

do próprio Estado de Direito, quando a figura estatal deixou de ser o Estado

Absolutista e passou a acompanhar a evolução da defesa dos direitos humanos101

.

Conceitualmente, o princípio da proporcionalidade constitui uma

garantia do Estado Democrático de Direito; ele cumpre a função deôntica de

proteger a liberdade genérica de ação e a de instrumento de concretização dos

direitos fundamentais. O preceito principiológico exige, ainda, a maior

preservação possível dos valores constitucionais, dentre os quais o da

humanidade.102

3.5 Princípio da Humanidade

O movimento de humanização das penas tem suas raízes fincadas

no Iluminismo do século XVIII, por meio de seus maiores expoentes: Voltaire,

Montesquieu e Rousseau.103

Seguindo ideais reformistas do pensamento sobre as

sanções corporais, surgem grandes reformadores da teoria das penas, de quem

cuidaremos em capítulo próprio, entre eles, Cesare Beccaria, John Howard e

Jeremy Bentham.

Cesare Bonesana, marquês de Cesare Beccaria, apregoava a

aplicação racional dos castigos e repudiava a crueldade da penas então vigentes,

opinando por penas mais brandas e menos rigorosas104

. Defendia essa mesma

linha, ao mencionar que a pena, por na época ser um modo punitivo ao corpo e à

101 BRANCO, Luiz Carlos. Equidade, proporcionalidade e razoabilidade. São Paulo: RCS, 2006, p. 137.

102 Id., Ibid., p.139.

103 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte geral, volume 1. São Paulo: Saraiva,

2006. p. 48.

104 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Nélson Jahr Garcia. Ridendo Castigat Mores,

2001, p. 89.

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pessoa, deveria ser também equilibrada entre a sua eficácia e a crueldade no corpo

do culpado105

.

O princípio da humanidade possui dois conteúdos conexos, e

valores imprescindíveis. Há um aspecto positivo e outro negativo a partir deste

preceito abstrato. Neste último estão materializadas as vedações constitucionais da

pena de morte, de penas perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e

daquelas consideradas cruéis106

. Já a vertente positiva é a proteção e a promoção

da dignidade da pessoa, em especial, daqueles que estão em estabelecimentos

penais.

Conceitualmente, portanto, entende-se que o princípio acima

oferece uma limitação ao excesso contra a dignidade da pessoa humana, bem

como um comando programático de proteção e afirmação desse mesmo

metaprincípio. Em outras palavras, o primado da humanidade impede que penas

degradantes e desarrazoadas sejam criadas ou impostas e, principalmente, exige

ao Estado que efetive o fim ressocializador da pena.

Alberto Silva Franco107

, ao aderir ao conteúdo bipolar do princípio

da humanidade, afirma que o modelo ressocializador a que estamos subordinados

deve conter um “programa básico” ou “mínimo ético”, fundamentado em dois

vetores: o princípio de atenuação ou compensação de um lado e, do outro, o

princípio do nihil nocere, do qual se entende que o procedimento prisional deve

evitar penas degradantes e reduzir os efeitos da dessocialização.

Por nihil nocere entende-se a pena, a partir de uma compreensão

concretista do princípio da humanidade; é a ideia de diminuir os efeitos deletérios,

principalmente o efeito criminógeno, próprios da internação forçada e trocá-los

por um procedimento prisional que reduza o perigo de dessocialização.108

Pelos efeitos da atenuação ou compensação, o Estado se torna

automaticamente responsável por fornecer os outros direitos intangíveis à

105 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Nélson Jahr Garcia. Ridendo Castigat Mores,

2001, p. 85.

106 BRASIL. Constituição Federal (1988), art.5º, inciso XLVIII.

107 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: RT, 2005, p. 65.

108 Id., Ibid., p.65.

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condenação (educação, saúde, alimentação, boas condições de estadia), de modo a

possibilitar a reintegração do preso à sociedade.

Além da Constituição (art. 5º, inc. XLVII), Guilherme de Souza

Nucci109

arrola outros preceitos constitucionais regentes da execução penal,

relacionados diretamente ao princípio da humanidade, do qual se extrai que o

cumprimento da pena se realiza em estabelecimentos distintos, de acordo com a

natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII); o direito do

detento à integridade física e moral (art. 5º, XLIX); e o direito de as presidiárias

permanecerem com os seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, L).

Em legislação infraconstitucional, o Código Penal, conforme

redação no art. 38, constante também na Lei de Execução Penal, art. 3º, declara

que o detento conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade.

Em termos de positivação, portanto, o Estado Brasileiro tem

normas próprias que guarnecem e propiciam a efetivação do prestigiado princípio

da humanidade.

O poder-dever de punir é exercido em sua plenitude, mas não sem

negar, reduzir, e por vezes afrontar os princípios que deveriam servir de vetores

para a sua manifestação. Afinal, são os princípios as diretrizes essenciais para se

atingir a finalidade da pena dentro do atual Estado democrático.

109 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006, p.

949.

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4 TEORIAS DA PENA E SUA FINALIDADE

A finalidade ou objetivo da pena é sempre fruto de uma concepção

filosófica, que será determinada pelo contexto histórico, social e político de uma

sociedade, situada num dado marco de espaço e tempo.

Historicamente, a pena tinha por finalidade o sofrimento físico do

detento, a privação quanto a seu patrimônio, a expulsão para país estrangeiro,

como por exemplo, os ingleses, que encaminhavam seus detentos para a Austrália,

onde lá permaneciam os presos até o cumprimento de sua sentença.110

Não é coincidência que a evolução do direito penitenciário siga a

mutação conceitual da finalidade que os povos atribuem às penas. Tal concepção

finalística, por sua vez, advém do pensamento filosófico que busca definir o

fundamento do Estado e do próprio direito penal.

Ao investigarmos essa concepção filosófica, encontramos no

constitucionalismo moderno a razão de existir do Estado e, por conseguinte, do

direito penal. Observamos que o surgimento da Constituição foi, em um primeiro

momento, o documento próprio de limitação e contenção dos arbítrios estatais.

Neste sentido, de modo unânime, a ciência do direito entende que

o direito penal contemporâneo é essencialmente garantístico das liberdades

individuais, na medida em que configura uma verdadeira limitação ao poder

estatal, freando os arbítrios historicamente conhecidos.

Essa característica protetiva advém do constitucionalismo

moderno, que segundo José Joaquim Gomes Canotilho, “é uma teoria (ou

ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos

direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma

comunidade”. E continua, “nesse sentido, o constitucionalismo moderno

representará uma técnica específica de limitação do poder com fins

garantísticos.”111

110 FUNES, Mariano Ruiz. A Crise nas Prisões. Tradução de Hilário Veiga Carvalho. São Paulo:

Saraiva,1953, p. 63.

111 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra:

Livraria Almedina, 2003, p. 51.

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Não pode ser desprezado o fato de a Constituição Federal de 1988

trazer em seu título, sobre os direitos e garantias fundamentais, várias normas de

natureza penal assecuratórias de direitos individuais: princípio do juiz natural (art.

5º, XXXVII), princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX), princípio da

irretroatividade da lei penal (art. 5º, XL), vedação de penas de morte (exceto em

tempos de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de

banimento e de penas cruéis (art. 5º, XLVII).

Ademais, a Carta Constitucional brasileira define, ainda, as

diretrizes do nosso direito penitenciário, determinando que “a pena será cumprida

em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o

sexo do apenado” (art. 5º, XLVIII), assegurado aos presos “o respeito à

integridade física e moral” (art. 5º, XLIX), e especificamente às presidiárias, que

“serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos

durante o período de amamentação” (art. 5º, XLX).

Tudo isso demonstra a concepção filosófica que a Constituição

brasileira delineia ao tratar de matéria penal, ou seja, o seu aspecto afirmador dos

direitos individuais. Essa carga principiológica, aliás, é substrato hermenêutico

para a compreensão de todo o ordenamento jurídico, de tal sorte que não poderia

ser diversa a imanência desses valores à definição da finalidade última da pena.

Traçadas essas premissas, resta investigar quais são as teorias

formuladas para determinar a finalidade da pena.

4.1 Teoria Retributiva ou Absoluta

Conforme mencionamos, os povos embasaram o direito de punir

estatal em fundamentos diversos através dos diferentes contextos históricos. Deste

modo, num primeiro momento, considerava-se que a pena se esgotava na ideia de

pura retribuição, satisfazendo, assim, os desejos de justiça da sociedade.

A teoria retributiva também é chamada de teoria absoluta pois

identifica a pena com um valor em si mesma, servindo unicamente como um

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instrumento estatal responsável pela retribuição do mal cometido por um

indivíduo contra outro ou contra o Estado.112

A função preponderantemente retributiva da pena está presente em

vários países islâmicos, que atendem a ordem do Alcorão ao infligir sanções

dirigidas à punição e expiação do cometimento de uma conduta que afronte a sua

divindade. É retribuição por razões religiosas113

; muito mais que éticas e jurídicas.

Cite-se, ainda, os EUA, um dos poucos países democráticos a

adotar a teoria absoluta ao prever a pena de morte em alguns de seus estados.

O princípio retributivista pode ser associado à proporcionalidade

entre o delito e a pena. Nesse sentido, há resquícios da teoria retributiva nas

legislações que determinam o grau de severidade da pena de acordo com a

gravidade da conduta criminosa.

A atual concepção de Estado Democrático de Direito é

incompatível com a teoria absoluta, pois admitir penas sem ponderar suas

consequências sociais equivaleria aceitar arbitrariedades estatais, pois

legitimariam a imposição de sanções sem a promoção da dignidade humana do

apenado.114

4.2 Teoria Preventiva ou Relativa

Em oposição à finalidade acima apresentada, as teorias preventivas

atribuem à pena uma utilidade. A punição de delinquente passa a cumprir a

missão de evitar que, no futuro, comentam novos crimes. É a denominada função

utilitarista da pena.

112 HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la Criminología y al Derecho

Penal. Valencia: Tirant ló blanch, 1989.

113 MIR PUIG, Santiago. El sistema de Derecho Penal em La Europa actual. SILVA, Sánchez, Jusús-Maria

(ed.) Fundamentos de um sistema europeo del Derecho Penal: libro-homenaje a Claus Roxin.

Barcelona: Bosch, 1995, p. 25-36.

114 VON HIRSCH, Andrew. Retribución y prevención como elementos de justificación de la pena.

ZAPATERO, Luis Arroyo; NEUMANN, Ulfrid; MARTÍN, Adán Nieto. Critica y Justificación Del

Derecho Penal em El Cambio de Siglo: El análisis crítico de la Escuela de Frankfurt. Cuenca:

Universidad de Castilla-la Mancha, 2003, p. 125-146.

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As teorias preventivas não negam que a pena se traduz em um mal

para o condenado. Mas a necessidade desse mal apenas se justifica quando houver

algum benefício à sociedade e/ou ao condenado, superando a ideia de simples

retribuição do mal praticado.

Assim, a pena deve se utilizar do mal imputado ao apenado para

atingir a finalidade precípua de toda política criminal, precisamente a erradicação

do crime.

Adeptos da teoria absoluta criticam a ideia da prevenção por

utilizar o homem como um instrumento de profilaxia criminal, o que configura

ofensa à dignidade do preso. Essa crítica se baseia na ideia kantiana de que o

homem é um fim em si mesmo e, por isso, não pode ser utilizado como uma coisa

ou um meio para a obtenção de fins socialmente úteis.

A teoria relativa pode subdividir-se em teoria preventiva especial e

teoria preventiva geral.

4.2.1 Prevenção geral

A prevenção geral focaliza a finalidade da pena na generalidade

dos cidadãos, de modo a incutir no seio social dois possíveis efeitos: um de

intimidação e outro de afirmação da ordem jurídica.

Assim, visando intimidar e neutralizar eventuais condutas

criminosas, a pena se apresenta como um instrumento de política criminal

destinado a atuar psicologicamente sobre os demais membros da comunidade e

funciona como um exemplo negativo aos demais indivíduos. É a prevenção geral

negativa.

De outro lado, a pena cumpre a finalidade de afirmar a ordem

jurídica, de tal forma que reforce na mente dos membros da comunidade a ideia de

validade e vigência das normas do ordenamento jurídico-penal. Assim, se o crime

representa uma negação da norma penal, a pena configura a sua afirmação. É a

prevenção geral positiva.

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4.2.2 Prevenção especial

A prevenção especial, diversamente da prevenção geral, tem seu

foco na pessoa do condenado.

Nesta perspectiva, a pena serve como um instrumento de atuação

preventiva sobre o apenado, com a finalidade de evitar que ele cometa novos

crimes ou que reincida nas mesmas infrações que o levaram à condenação.

Pela prevenção especial, busca-se evitar a reincidência, seja pela

ressocialização (prevenção especial positiva) ou por meio da intimidação do preso

(prevenção especial negativa).

A prevenção positiva introduz a ideia da pena como uma via de

tratamento do apenado, com o objetivo de corrigir e o propósito de atingir a sua

personalidade corroída pela vontade de delinquir.

A prevenção especial negativa coloca a pena como uma via de

intimidação do preso, reservando à pena a finalidade de neutralizar a indesejável

reincidência. A sanção seria um mal suficiente a extirpar da mente do infrator

qualquer desejo por condutas criminosas, em razão do medo de nova condenação.

4.3 Teorias Mistas ou Unificadoras

A teoria mista ou unificadora busca assimilar a teoria retributiva e

as teorias preventivas. A retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são

agrupadas para legitimar o mesmo fenômeno, que é a pena.115

Para os adeptos desta teoria, as concepções que formatam apenas

uma finalidade para a pena desconsideram a complexidade dos fenômenos sociais

que afetam o direito penal. A pena deve assumir uma pluralidade funcional que

contenha a retribuição, a intimidação e a ressocialização.

115 MIR PUIG, Santiago. El derecho penal em El Estado Social y democrático. Barcelona: Ariel

Derecho, 1994, p. 56.

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4.4 Finalidade da Pena no Direito Penal Brasileiro

No Brasil, o Código Penal116

adota uma teoria mista sobre a

finalidade da pena. Ela reúne simultaneamente a ideia da pena como um

instrumento para retribuir o mal praticado (reprovação), impedir a prática de

novos crimes pelo condenado e coagir seus pares a evitarem o desvio social

(prevenção negativa).117

Contudo, encontramos na legislação interna diversas finalidades. A

Lei de Execução Penal (LEP) estabelece a ressocialização como uma delas

(prevenção especial positiva), enquanto a Lei dos Crimes Hediondos prestigia a

intimidação da população geral (prevenção geral negativa). A Lei dos Juizados

Especiais Criminais (JECRIM), por outro lado, traz a finalidade de reparar o dano,

que significa retribuição.

Concordamos com o pensamento de Gustavo Junqueira. Segundo

ele, diante de uma concepção liberal de Estado, a indeterminação finalística deve

ser desconsiderada porque implica o arbítrio descontrolado por quem tem o poder

jurisdicional. A despeito dessa grave deficiência, a doutrina nacional nada

acrescenta. Esta ausência repercute no direito positivo e deixa uma lacuna quanto

à sistematização das normas penais. O resultado é que as penas acabam sendo

introduzidas no sistema normativo com diferentes finalidades. 118

Pelo exposto, concluímos que a finalidade da pena deve ser

preponderante e bem sistematizada. Pelos valores vinculativos da ordem

constitucional a que estamos submetidos, são elevados os princípios da primazia

116 O art. 59 do Código Penal Brasileiro é expresso sobre o critério para fixação da pena: “O juiz, atendendo

à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias

e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e

suficiente para reprovação e prevenção do crime” (grifo nosso).

117 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena. Barueri: Manole, 2004. p. 116.

118 Id., Ibid., p.129.

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do indivíduo, a sua integridade física e moral e a sua dignidade 119

, centro de

direitos individuais secularmente conquistados.

Assim, delineada essa premissa filosófica, entendemos, por

inferência lógica necessária, que a finalidade da pena deve ser dirigida

precipuamente à reabilitação e à ressocialização do preso, e de forma secundária,

a pena deve cumprir a sua função preventiva geral, isto é, dirigida à coletividade.

A sanção penal, nesse sentido, é uma forma de retribuição à quebra do pacto

social, mas tal como pondera Lyra, não será “o fim da pena, mas propriedade

desta e condição necessária para a sua conformidade ao fim”.120

A pena privativa de liberdade, por ser atualmente a pena por

excelência, ou em outras palavras, por integrar a classe “penas”, respeita a

finalidade traçada para as penas em geral. Assim, a prisão tem primeiro a

finalidade ressocializadora (prevenção especial positiva) e, em seguida, de forma

secundária, os objetivos de afirmar a validade e a vigência da norma penal

(prevenção geral positiva), de intimidação do corpo social (prevenção geral

negativa), e por último, a de retribuir o apenado pelo mal praticado.

119 Tal é a pertinência e a importância da dignidade humana ao tema proposto que será objeto de estudo em

capítulo próprio.

120 LYRA, R. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942, p. 28. Segundo o autor, a

retribuição é propriedade garantidora, inclusive, deve ser limitada à culpabilidade do criminoso.

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5 DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO

PENITENCIÁRIO NO BRASIL

Antes de iniciarmos o estudo do Direito Penitenciário e do sistema

penitenciário, faremos algumas considerações sobre o Direito Penal e o Direito

Processual Penal em conformidade com os preceitos norteadores do Estado

Democrático de Direito e sob as balizas do valor supremo da Dignidade da Pessoa

Humana.

O Direito de Execução Penal121

é o âmbito geral que opera o

Direito Penitenciário, com campo amplo e relativo ao cumprimento da sentença

penal condenatória. Julgamos imprescindível algumas anotações, mesmo que

sintéticas, sobre essa norma.

5.1 Direito Penal e Processual Penal no Estado Democrático de Direito

As primeiras construções científicas122

sobre a natureza e a missão

do direito penal deram origem à Escola Clássica123

. Dentre outras características

dessa corrente de pensamento, está a de conceber a pena como uma retribuição ao

delito, com o intuito premente de reestabelecer a ordem social abalada por ocasião

da infração124

.

A Escola Positiva, posterior à Escola Clássica, colocava a pena e o

direito penal como um instrumento de defesa social, com função eminentemente

preventiva125

. São idealizadores desse pensamento filosófico, Cesar Lombroso,

Enrico Ferri e Rafael Garofalo.

121 Tal como proposto na Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal (itens 8 e 9).

122 Assim compreendidas em um conjunto de ideias estruturadas de forma sistemática e conforme

determinados princípios fundamentais. Luiz Regis Prado, citando ROMAGNOSI (1956), esclarece que

„escola penal‟ é “o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre

a natureza do delito e sobre o fim das sanções”. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 1999, p.

45.

123 Conforme Luiz Regis Prado, a expressão „escola clássica‟ foi cunhada pelos positivistas com sentido

negativo.

124 PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 1999, p. 46.

125 Id., Ibid., p.49.

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Os adeptos da escola positiva absorviam estudos e conceitos vindos

de outras áreas do conhecimento, como a antropologia e a sociologia.

Em resposta à necessidade de uma separação metodológica causada

pela escola positiva, surge o tecnicismo jurídico-penal. O Direito Penal afasta a

influência de classes não-jurídicas na formulação de seus conceitos (natureza do

crime, legitimidade do direito de punir e finalidade que deva ser conferida à pena).

Consagra-se o direito positivo penal como o único objeto de estudo da ciência

penal.

Assim, com o direito penal contemporâneo, o Estado Democrático

de Direito tem o dever estatal de proteger os bens jurídicos estabelecidos pelo

sistema jurídico-penal, e ao mesmo tempo, respeitar as esferas intangíveis da

dignidade humana.

Para Claudio José Langroiva Pereira, muito mais do que regular a

conduta do homem e aplicar-lhe sanções, o Direito Penal tem uma função

essencialmente direcionada a assegurar a garantir a segurança jurídica no Estado

Democrático de Direito126

.

A primazia dos direitos fundamentais no atual estágio do Direito

Penal impõe-lhe um caráter precipuamente subsidiário na ordem constitucional

democrática. Daí conferir-lhe a condição de última alternativa legal na

configuração da proteção jurídico-penal.

O direito penal, portanto, compõe uma verdadeira fonte de estímulo

à efetividade e à concreção dos princípios orientadores do Estado Democrático de

Direito, a saber, os princípios da legalidade, da isonomia, do devido processo

legal, da proporcionalidade e da humanidade.

126 PEREIRA, Claudio José Langroiva; Pedro Luiz Ricardo GAGLIARDI. Comunicação social e a tutela

jurídica da dignidade humana. Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. In: MIRANDA, Jorge;

SILVA, Marco Antonio Marques da (Coords.). 40-54. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 46.

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5.2 O Direito Penitenciário

A discussão sobre a melhoria no sistema penitenciário advém de

tempos remotos. As primeiras ideias datam de 1841, em Florença127

, como uma

ciência penitenciária.

Accioly Carneiro128

discorreu sobre o sistema penitenciário de

alguns países e seus variados modelos adotado nos anos 20. Mencionou sobre o

isolamento dos detentos em prisão celular, os reflexos da adoção dos sistemas

auburniano, pensilvânico e progressivos adotados à época, conforme veremos

mais adiante.

Como ciência penitenciária, o livro incluía a criminologia por meio

da qual discutia as formas físicas das pessoas como propensão ao crime, conforme

as teorias dos criminologistas Cesare Lombroso e Rafael Garofalo que também,

estudavam o retorno do detento à sociedade, após o cumprimento das suas penas.

Revelou ainda que, em 1930, o sistema penitenciário brasileiro

adotava o trabalho obrigatório e o isolamento celular, sistema em que os detentos

ficavam isolados da sociedade.129

Manuel Lopez-Rey130

relata que os detentos eram considerados um

grupo à parte, que merecia apenas a punição e a privação aos direitos humanos e

tinham responsabilidades sociais.

Em meio a todas essas observações, a discussão sobre a forma de

cumprimento de pena começava a ganhar uma nova preocupação: a

ressocialização do detento.

127 MIOTTO, Armida Bergamini. Curso de Direito Penitenciário. V.1. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 37.

128 CARNEIRO, Augusto Accioly. Os Penitenciários. 1.ed. Henrique Velho & Cia. Ltda. Rio de Janeiro,

1930.

129 Id., Ibid., p.28.

130 LOPEZ-REY, Manuel. Some Considerations on the Character and Organization of Prison Labour.

Journal of Correctional Work. IV Issue, 1957. Publicação: The Government Jail Training School,

Lucknow, Uttar Pradesh, Índia.

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Importantes observações surgiram desses estudos. De um total

isolamento à sociedade, os detentos passaram a trabalhar e a ter contato uns com

os outros. Começou-se a falar em humanização do sistema penitenciário.

Augusto Accioly Carneiro131

dizia que a condenação tinha o

objetivo de regenerar o detento, resultado este inalcançado com os presídios que

possuíam infraestrutura precária.

Armida Bergamini Miotto132

narra que a ciência penitenciária

tornou-se reconhecidamente Direito Penitenciário no X Congresso Penitenciário

Internacional, em Praga, em 1930. A autora, que defendia a existência de um

direito penitenciário, descrevia esta área de estudo como um conjunto de normas

legislativas que regulavam as relações entre o Estado e o detento desde a sentença

condenatória até o fim da execução penal.

Assim, Direito Penitenciário é o conjunto de normas que define o

tratamento e o modo de execução das penas privativas de liberdade. É

sistematicamente constituído por normas do Direito Penal, Processual Penal,

Administrativo e do Trabalho, além da contribuição das Ciências Criminológicas,

sob os princípios da proteção do direito do preso, da legalidade, da

jurisdicionalidade da execução penal133

, sobretudo da dignidade humana.

Contudo, o conjunto de normas tidas como um ramo autônomo de

direito é o Direito da Execução Penal, conforme a rubrica adotada na Exposição

de Motivos da Lei 7.210/1984.

Pela precisão terminológica que a linguagem jurídica exige,

Guilherme de Souza Nucci adverte que a expressão “Direito Penitenciário”

diminui o significado das normas, uma vez que a Lei de Execução Penal é muito

mais abrangente que o mero disciplinamento da execução das penas privativas de

131 CARNEIRO, Augusto Accioly. Os Penitenciários. 1.ed. Henrique Velho & Cia. Ltda. Rio de Janeiro,

1930, p. 173.

132 MIOTTO, Armida Bergamini. Curso de Direito Penitenciário. V.1. São Paulo: Saraiva, 1975.

133 No Brasil, a execução penal tem natureza jurídica mista ou complexa, sendo em parte uma atividade

jurisdicional típica; e noutra, atividade administrativa.

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liberdade em presídios. Portanto, segundo o autor, é mais adequada a expressão

anterior. 134

Com efeito, a Lei de Execução Penal, além de regrar a pena

privativa de liberdade também o faz em relação à medida de segurança. Esta

última, embora seja uma espécie de sanção penal135

, é distinta da pena e tem como

fundamento a culpabilidade do agente; já a medida de segurança se baseia na

periculosidade do autor inimputável ou semi-imputável e sua finalidade é

exclusivamente preventiva136

.

Trataremos, portanto, apenas do Direito de Execução Penal 137

naquilo que diz respeito ao cumprimento de penas que retiram a liberdade

ambulatória dos sentenciados. Trata-se de um corte, uma escolha epistemológica

meramente didática. Isto, porque, o direito é um sistema indivisível138

, e sua

compressão ultrapassa os limites da falsa autonomia conferida às diversas

locuções dos diferentes ramos do direito.

5.3 Lei de Execução Penal139

A Lei n. 7.210, de 11 julho de 1984, que instituiu a Lei de

Execução Penal no Brasil, rege a fase processual penal de execução da sentença

penal condenatória, que poderá impor penas privativas de liberdade, restritiva de

direito ou multa.

A execução penal é uma atividade complexa140

; viabiliza-se por

norma individual e concreta, estruturada na sentença penal (atividade

134 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006. p.

948.

135 Sanção penal seria o gênero do qual são espécies as penas e medidas de segurança (RIBEIRO, Bruno de

Morais. Medidas de Segurança. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998).

136 CAPEZ, Fernando. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 203.

137 Trata-se de corte epistemológico com fins meramente didático, pois, na verdade, o direito é um sistema

uno. Sua compressão transborda os limites dessa falsa autonomia conferida às diversas locuções conferidas

aos ramos de direito.

138 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010,

p. 150.

139 Conforme a escolha epistemológica deste trabalho, trataremos somente das regras relativas à pena

privativa de liberdade.

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jurisdicional), e se materializa sob a gestão de ordem político-institucional

(atividade administrativa). A primeira atividade cabe ao Poder Judiciário; a

segunda, ao Poder Executivo. Ambos, no exercício de suas funções típicas,

conforme estabelecidas pela Constituição.

A própria exposição de motivos da Lei de Execução Penal (LEP)

estabelece que a o direito regulador da execução se submete a outros domínios,

além do Direito Penal e do Direito Processual Penal141

.

Assim, é inviável analisar a execução penal na ordem jurídica

vigente, sem a ingerência permanente dos Poderes Judiciário e Executivo142

.

É importante ter em perspectiva o princípio da inafastabilidade da

jurisdição (art. 5º, XXXV, CF). Assim, por mais intensa que seja a atividade

administrativa na execução penal, qualquer incidente que lhe seja afeto pode e

deve estar submetido à apreciação judicial.143

Em que pese essa previsão constitucional, na prática, as decisões

proferidas pelo órgão administrativo jamais são questionadas ou levadas ao

conhecimento da autoridade judiciária. A previsão de controle e fiscalização pelo

Ministério Público, ou pelo Poder Judiciário, não acontece na prática.

A exemplo dessa situação, o inciso VII, do art. 66, da LEP, é

constantemente ignorado pelos juízos executivos penais. Rege o dispositivo que o

juiz da execução deve determinar a inspeção mensal da unidade prisional,

“tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando

for o caso, a apuração de responsabilidade”.

A LEP traz um importante programa de participação cooperativa da

comunidade durante a execução das penas.144

A integração da comunidade traz

140 GRINOVER, Ada Pellegrini (coord). Execução Penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência

e súmulas. São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 7

141 Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal n. 7.210/1984, item 10.

142 Nesse sentido: Sidnei Agostinho Beneti. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 6-7.

143 Nesse sentido: Renato Marcão. Curso de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 2.

144 LEP, art. 4º: “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena

e da medida de segurança”.

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maior probabilidade de reabilitar o condenado, facilitando a recolocação do

egresso no mercado de trabalho.145

Quanto à competência para legislar em matéria de execução penal é

preciso fazer uma distinção. Quando a norma for relativa ao direito penal ou

processo penal, a competência é defina pelo art. 22, inc. I, da Constituição, ou

seja, privativa da União. Quando a matéria versar sobre a organização e o

funcionamento do estabelecimento prisional, órgãos auxiliares da execução penal

ou a assistência ao preso ou egresso, a competência pertencerá de forma

concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos do art. 24, inc.

I, da Lei Máxima.

A Lei de Execução Penal, em respeito ao princípio constitucional

da humanidade, dispõe como um dever do Estado, com fins de prevenção do

crime e de recuperação do condenado ou internado a assistência material146

, à

saúde, além das assistências jurídica, educacional, social e religiosa.

Quanto ao egresso, o Estado deverá, nos termos do art. 25, fornecer

orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade. No mesmo dispositivo

está previsto um alojamento, em estabelecimento adequado, por 2 meses.

Norma de substancial importância é a que se refere ao trabalho do

preso (art.28 e seguintes). Seja interno ou externo, o trabalho é fundamental para a

ressocialização do preso. Não é coincidência o fato de os estudos relativos à

finalidade da pena sempre se referirem ao trabalho para fortalecer no condenado o

senso de responsabilidade e de dignidade pessoal.

Alfredo Issa Ássaly, defendia, em 1944, que o trabalho era um dos

objetivos fundamentais do sistema penitenciário e que compunha um dos

elementos básicos da política criminal147

.

A Organização da Nações Unidas editou, em 1955, no primeiro

Congresso das Nações Unidas para a prevenção do crime e para o tratamento de

delinquente, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. É um conjunto

145 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 954.

146 A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e

instalações higiênicas (art. 12, LEP).

147 ÁSSALY, Alfredo Issa. O trabalho penitenciário. São Paulo: Martins Fontes, 1944.

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de normas internacionais que orientam a legislação e as práticas dos países

membros em relação à matéria penitenciária.

Com base nestas normas, o Brasil aboliu o trabalho sem

remuneração e vedou o trabalho obrigatório na Constituição de 1988. Por meio da

Lei 6.416/77, a remuneração do recluso também se tornou obrigatória. Dispõe o

art. 33 dessa mesma lei, que a jornada normal de trabalho não será inferior a seis

nem superior a oito horas, com descanso aos domingos e feriados, com

possibilidade de flexibilização.

O trabalho externo passou a ser permitido pelo diretor da unidade

prisional, desde que o preso houvesse cumprido, ao menos, um sexto da pena,

dependendo, ainda, da aptidão, disciplina e responsabilidade do pretendente148

.

Esta modalidade é destinada aos condenados ao regime fechado, somente em

serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou

Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas para evitar fugas e

em favor da disciplina149

.

Em relação à educação, o art.18 da Lei de Execução Penal (LEP)

resguarda expressamente somente o ensino fundamental como obrigatório.

Contudo, tal preceito normativo deve ser interpretado nos termos da Constituição,

que afirma como obrigatória toda a educação básica, inclusive o ensino médio.

Por outro lado, em decorrência direta da função da pena (ressocialização), o art.

19 da LEP ordena que “o ensino profissional será ministrado em nível de

iniciação ou de aperfeiçoamento técnico”.

Noutro plano, a Lei de Execução Penal, ao tratar da assistência à

saúde em seu art. 14, dispõe que “a assistência à saúde do preso e do internado, de

caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e

odontológico”. E, conforme a determinação do §2° do mesmo artigo, “quando o

estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica

necessária, esta será prestada em outro local, mediante a autorização da direção do

estabelecimento”.

148 BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei 7.210/1984 (art. 37).

149 BRASIL. Lei de Execução Penal Lei 7.210/1984 (art. 36).

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Conclui-se, portanto, que a LEP se manteve fiel ao progresso

humanizador das penas, assegurando os direitos inerentes à pessoa humana

independentemente de sua condenação, como a garantia de assistência material à

saúde, assistência jurídica, educacional, social e religiosa (art. 12), o direito à

integridade física e moral (art. 40), além de alimentação suficiente e vestuário, de

atribuição de trabalho e remuneração devida, entre outros integrantes do rol não

taxativo do art. 41.

Há, contudo, a necessidade urgente de tirar essas normas do plano

normativo abstrato e conferir-lhes efetividade.

5.3.1 A inclusão de atividades laborais no cumprimento da pena

O trabalho foi introduzido nas penitenciárias como forma de

cumprimento de pena com a primeira Casa de Correição de Bridwell, em 1555, na

cidade de Londres, Inglaterra150

.

Sanches afirma que esse sistema se desenvolveu na Holanda, ao

ser utilizada a mão de obra dos detentos de forma útil.

Manuel Lopez-Rey151

discorreu em seu trabalho sobre a evolução

da prisão laboral que, em um primeiro momento, os detentos eram vistos pela

sociedade como merecedores de punição e privação aos direitos humanos. Num

segundo período, as organizações trabalhistas não aceitavam que as atividades

desenvolvidas pelos prisioneiros fossem classificadas como trabalho.

Em 1895, durante o V Congresso Penal e Penitenciário

Internacional em Paris (França) foi declarado que o detento não tinha direito a

receber salário. E, em 1913, no Texas (EUA), foi declarado inconstitucional

qualquer remuneração ao detento, sob a alegação de que o indivíduo, quando

150 RIOS, Rodrigo Sanches. Ponto de Partida. Prisão e Trabalho. Uma análise comparativa do sistema

penitenciário italiano e do sistema brasileiro. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1994, p.17.

151 LOPEZ-REY, Manuel. Some Considerations on the Character and Organization of Prison Labour.

Journal of Correctional Work. IV Issue, 1957. Publicação: The Government Jail Training School,

Lucknow, Uttar Pradesh, Índia.

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condenado, perdia, além da liberdade, o direito sobre os produtos advindos de seu

trabalho.152

Para Manuel Lopez-Rey, o trabalho, além de ser parte do

tratamento do detento, é algo intrínseco à vida na penitenciária. Menciona o autor

que, se concordamos que os detentos devem viver uma vida comum dentro da

penitenciária, eles devem trabalhar153

.

Em conformidade ao referido autor, Rodrigo Sanchez Rios alerta

sobre a possibilidade de as empresas privadas absorverem a mão de obra dos

detentos como uma forma de ressocialização. O autor afirma que o trabalho deve

ser visto como uma real alternativa da pena, em face da superlotação e das

impossibilidade de se oferecer trabalho para todos os detentos, enquanto

estiverem sob a tutela integral do Estado.

5.3.2 O trabalho e a ressocialização

A ressocialização do detento não é resultado unicamente das

atividades laborais realizadas durante o cumprimento de pena.

Gustavo de Almeida, em sua tese de doutorado, A inaplicabilidade

da Lei de Execução Penal e seus reflexos nos reclusos e egressos do cárcere em

Sorocaba 154

menciona que 53 % dos egressos voltam a delinquir. Observa ainda

que o detento, ao tornar-se egresso, é entregue à própria sorte e enfrenta o

preconceito da sociedade.155

152 LOPEZ-REY, Manuel. Some Considerations on the Character and Organization of Prison Labour.

Journal of Correctional Work. IV Issue, 1957. Publicação: The Government Jail Training School,

Lucknow, Uttar Pradesh, Índia. p.3.

153 Id., Ibid., p.24. “If it is agreed that prison life, as far as possible should reflect normal life, the prisoners

should work.”

154 ALMEIDA, Gustavo Portela Barata de. A inaplicabilidade da Lei de Execução Penal e seus reflexos

nos reclusos e egressos do cárcere em Sorocaba. Biblioteca Digital da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo.

155 Id., Ibid., p.172.

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Milton Carvalho Filho, em sua tese de doutorado em Ciências

Sociais, Do Cárcere à Rua156

,observa que o trabalho, por si só, é uma das

ferramentas de ressocialização.

Há um processo ao qual o detento deve ser submetido durante o

cumprimento da sentença para que a sua adaptação à sociedade evite o

deslocamento do egresso ao retornar ao meio social como se fosse um sujeito

„estranho‟ ao meio. Essa transitoriedade deve ter uma aceitação maior pela

sociedade e intensa reflexiva a respeito dessa condição.

Oswaldo Henrique Duek

Marques157

explica que a teoria

socializadora se tornou mais notável no século XX, visando sempre reintegrar o

detento à sociedade.

Observa o autor que a Lei da Execução Penal (LEP) adotou essa

teoria ao proporcionar mais que um programa mínimo de socialização158

ao

detendo, prevendo assistência educacional e social aos presos.

O antigo pensamento de que, em primeiro lugar, a sociedade

deveria oferecer condições mínimas aos menos favorecidos começa a ser afastada.

E a ressocialização passa a ter como objeto e intuito o desenvolvimento do

indivíduo por meios construtivos.159

5.4 O Penitenciarismo e a sua Evolução Histórica

Por ser objeto do Direito Penitenciário, o regramento referente às

penitenciárias – assim entendidas como locais institucionalizados que recebem os

condenados à pena privativa de liberdade – e o estudo de sua evolução perpassam

a evolução da própria pena de encarceramento.

156 CARVALHO FILHO, Milton Júlio De. Do Cárcere à Rua. Um estudo sobre homens que saem da

prisão. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006. Biblioteca digital.

157 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. São Paulo: Martins Fontes, São Paulo.

2008, p.149-161.

158 Id.,Ibid., p.150.

159.Id.,Ibid., p.161.

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71

Assim, como qualquer outro elemento cultural160

, o

estabelecimento penal, como existe atualmente, percorreu uma escalada evolutiva

no decorrer da história. Conforme veremos adiante, tal jornada está intimamente

relacionada à evolução histórica da pena privativa de liberdade como uma sanção

penal.

Nessa investigação de cunho histórico, o escritor especialista em

história da Antiguidade Latina, Christian Matthias Theodor Mommsen161

, em

trabalho sobre o direito romano, relata que na ordem jurídica da Antiga República,

a prisão era tida apenas como um meio coercitivo do Estado162

. Ela somente viria

a ser considerada pena, isto é, reprimenda de origem estatal por infringência à

norma de relevância qualificada, a partir do Direito Canônico.163

Esse conjunto normativo vem da Antiga Igreja Romana, com

origem na Idade Média quando introduz a pena de prisão. Mas, conforme alerta

Romeu Falconi, naquela ocasião, ela não cumpria o objetivo da atual sanção penal

privativa de liberdade.164

Referiam-se à reclusão em mosteiros e eram destinadas

àqueles clérigos que infringissem as normas eclesiásticas ou aos condenados por

crime de heresia.

Historicamente, as reclusões do direito penal canônico ganham

relevância quantitativa a partir da Inquisição, um dos instrumentos de repressão às

doutrinas consideradas heréticas pela Igreja Romana. Em que pese serem mais

conhecidas as penas de morte, os Tribunais de Inquisição tinham a possibilidade

de impor outras espécies de penas, como o confisco e a pena privativa de

liberdade.

A prisão eclesiástica foi a precursora do sistema penitenciário

moderno e, também, a fonte de fundamento à pena privativa de liberdade, ambos

160 Objeto cultural, enquanto locução técnica, entendida como qualquer objeto “constituído pelo homem

para alcançar determinada finalidade” (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do

Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 86)

161 Prêmio Nobel de Literatura, em 1902, por História de Roma.

162 Igualmente nesse sentido: GUZMAN, Luis Garrido. Manual de Ciencia Penitenciária. Madrid: Edersa,

1983.

163 MOMMSEN, Christian Matthias Theodor. Derecho penal romano. Tradução de Pedro de Garcia

Dorado Montero. Bogotá: Editorial Temias, 1976, p. 559.

164 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone, 1998, p.55.

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nos aspectos material e lógico165

, dando-lhe um contorno humanizado de punição.

O termo “penitenciária” está etimologicamente vinculado à palavra “penitência”,

que denota justamente ao sacramento da Igreja Romana para remissão dos

pecados confessados.

Com efeito, foi no sistema penitencial canônico que surgiu o

isolamento celular, que oferecia ao recluso a possibilidade de se arrepender e de

buscar expiação para os pecados cometidos.

Na Idade Moderna, segundo Heleno Cláudio Fragoso166

, o sistema

prisional remonta às chamadas Houses of Corrections (Casas de Correção), de

1575, que por sua vez teve sua unidade pioneira no castelo abandonado de

Birdwell, em 1552, na Inglaterra.167

Segundo Max Grünhut, as Casas de Correções britânicas eram

destinadas às pessoas que viviam em ócio habitual, forçadas a trabalhar para que

pudessem ser novamente inseridas na sociedade.168

Na sequência, ainda na Inglaterra, em 1697, surge a primeira

Workhouse, ou Casa de Trabalho169

. Em que pese assumirem alcunha diversa das

Casas de Correção, as Casas de Trabalho traduzem a mesmo ideologia destas

últimas, isto é, a reabilitação do recluso por meio da atividade laboral, que foi

igualmente implantado na Holanda, em 1596 e 1597, para homens e mulheres,

respectivamente. Assim como foram adotadas na Inglaterra, as casas de correções

holandesas era destinadas apenas àqueles que cometeram delitos de menor

gravidade.170

Diante desse resumido processo evolutivo da pena privativa de

liberdade, depreendemos que o encarceramento institucionalizado passou de uma

165 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.12.

166 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Sistema do duplo binário: vida e morte. Vol. III. Studi in memoria di

Giacomo Delitala , A., 1984.

167 É importante registrar que a origem aqui relatada não é pacífica entre os pesquisadores, sendo que

Valdés (1982) vincula o início das prisões à Holanda, por volta do ano de 1600.

168 GRÜNHUT, Max. Penal reform. New York: Claredon Press, 1948. p.15.

169 VALDÉS, Carlos García. El nacimiento de la pena privativa de libertad. Cuadernos de Política

Criminal, 1977, p. 43-44.

170 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.17.

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finalidade estritamente de custódia para a de sanção penal, a partir do direito

canônico da Idade Média.

Em sua escalada evolutiva, noutro plano, a pena privativa de

liberdade passou a ter, em meados do século XVI, na Inglaterra e na Holanda,

uma íntima relação com os trabalhos forçados por parte dos reclusos, o que para

Foucault171

, Dario Melossi e Massimo Pavarini172

, passava a ser um considerável

coeficiente de reforço aos índices produtivos, seja em benefício do Estado ou de

particulares, fortalecendo, assim, o então incipiente sistema de produção

capitalista .

Na segunda metade do século XVIII, surge um movimento de

oposição à crueldade da legislação penal então vigente, que em detrimento da

dignidade do homem173

, acabara por se tornar um instrumento de dominação em

posse das classes mais abastadas. Essas insurgências provocaram a reforma do

sistema punitivo, que teve Cesare Beccaria174

, John Howard e Jeremy Bentham

entre os seus principais expoentes.

Cesare Beccaria (1738-1795), diante de uma concepção

nitidamente contratualista, extravaza a necessidade de impedir a crueldade das

penas, sobretudo, as de morte e de castigos corporais, em defesa de uma visão

utilitarista da pena.

Suas ideias sobre a prisão contribuíram para o processo de

humanização e de racionalização da pena privativa de liberdade que, segundo ele,

deveria possibilitar ao detento o preparo para retornar ao convívio da social para

que ele deixasse de cometer crimes.175

Estas finalidades da pena são chamadas de

prevenção especial e geral.

John Howard (1726-1790), contemporâneo de Beccaria, e

conhecedor das obras deste último, diferencia-se em sua pesquisa e escritos por

171 FOUCAULT, Michel. A história da loucura: na idade clássica. Tradução: José Teixeira Coelho Neto.

São Paulo: Perspectiva, 2009.

172 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcel y fábrica: los orígenes del sistema penitenciario.

México: Siglo XXI ed., 1985.

173 Expressão utilizada à época, muito embora seja preferível „dignidade da pessoa humana‟.

174 Na verdade, Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria.

175 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad.: Nélson Jahr Garcia. Ridendo Castigat Mores,

2001.

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ser notoriamente mais pragmático. Impulsionado por convições religiosas

(calvinista) e humanistas, percorreu grande parte da Europa visitando diversas

prisões e constatou, de modo alarmante, suas deploráveis condições.

Sua maior militância era pela humanização das prisões, que ele

entendia ser apropriadas à função essencial de reabilitação. Defendia o isolamento

noturno, o trabalho obrigatório, a separação entre homens e mulheres e por faixas

etárias, e foi precursor de uma classificação elementar de pessoas submetidas ao

encarceramento: processados, condenados e devedores.176

John Howard defendia ainda a presença permanente do controle

jurisdicional para impedir abusos por parte dos carcereiros 177

, muito comum nas

prisões da época.

Em 1787, Jeremy Bentham, nascido em Londres, encaminhou

cartas de Crecheff (Rússia), à Inglaterra para “uma pessoa em particular, tendo em

vista um estabelecimento particular” 178

, que, mais tarde, reunidas, tomaram a

forma de O Panóptico179

.

O escritor sugere ao destinatário das cartas um modelo de casa de

inspeção penitenciária, de forma que o estabelecimento fosse melhor

supervisionado e o propósito do local, alcançado.

Esse modelo apresenta uma torre central (que seria o centro da

circunferência) com celas posicionadas às margens do círculo, divididas e

fragmentadas por raios. Desta forma, cada detento ficaria isolado visualmente um

do outro mas o supervisor poderia ter uma ampla visão de todos eles ao seu redor.

A finalidade do modelo também tinha cunho econômico. Jeremy

Bentham falava sobre a economia que seria gerada com a sua implantação, sugeria

que a administração fosse realizada por meio de contratos com os interessados em

administrá-los, vencendo aquele que oferecesse o menor preço.

176 BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 42.

177 SCHAFER, Stephen. Introduction to criminology. USA: Reton Publishing Company, 1976. p.215-

216.

178 BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Trad. Guacira Lopes Louro; M.D. Magno; Tomaz Tadeu da Silva.

Belo Horizonte: Autêntica. 2000, p.15.

179 Id., Ibid., p.15.

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Mariano Ruiz Funes nos informa que, apesar de o modelo panótico

ter sido aprovado pelo parlamento inglês, nada foi feito. Entretanto, a arquitetura

acabou sendo adotada no mundo inteiro.180

Para o filósofo e jurista inglês, o estabelecimento penitenciário

deveria ser o símbolo de uma situação malquista pelos demais cidadãos, fazendo

com que estes evitassem cometer novos delitos.

O panóptico, por outro lado, é mais do que uma concepção

meramente arquitetônica; revela o prestígio que Jeremy Bentham conferia à

segurança e à dominação sobre os reclusos. Para o autor, o trabalho era

fundamental para a reabilitação; condenava, entretanto, as atividades penosas e

inúteis.

Estes são, portanto, os precedentes históricos e filosóficos que

determinaram, e ainda determinam, o processo evolutivo das penas e, por

conseguinte, das penitenciárias, conforme veremos nas linhas seguintes que

tratarão dos três grandes sistemas penitenciários: sistema pensilvânico ou celular,

sistema auburniano e sistemas progressivos.

5.5 Conceito de Sistema Penitenciário

Assimilando os pressupostos teóricos que traçamos até o momento,

podemos conceituar o sistema penitenciário como o conjunto de normas

(princípios e regras) que se relacionam e se aglutinam para a consecução das

finalidades da pena. Historicamente, os fins atribuídos à sanção penal apresentam

certa dinâmica em relação ao decorrer do tempo. Vale dizer: os sistemas

penitenciários são tão mutáveis quanto o foram os vários matizes finalísticos que

se atribuiu à pena.

Para a ordem interna, podemos inferir que o sistema penitenciário

brasileiro é o conjunto de normas (princípios e regras) que se relacionam e se

aglutinam para as finalidades da pena constitucionalmente programadas, alinhadas

180 FUNES, Mariano Ruiz. A Crise nas Prisões. Tradução de Hilário Veiga Carvalho. São Paulo:

Saraiva,1953, p. 69.

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aos pressupostos do Estado Democrático de Direito e do princípio fundante da

dignidade humana.

A par dessa delimitação teórico-conceitual, passemos ao estudo

histórico-jurídico dos diversos sistemas penitenciários concebidos até hoje.

5.5.1 O sistema pensilvânico

O sistema pensilvânico leva esse nome por ter surgido na Colônia

da Pensilvânia, atual Estado da Pensilvânia, no nordeste dos Estados Unidos da

América. A primeira prisão foi a Walnut Street Jail (1776)181

, construída na

Filadélfia182

. O sistema celular, onde eram mantidos os condenados mais

perigosos, era uma de suas mais importantes características. Os demais ficavam

em celas comuns.

Seguindo a tendência histórica de ingerência das convicções

religiosas na forma de execução penal, o sistema filadélfico assimilou o

isolamento e a rigorosa regra do silêncio183

, como formas de transcendência por

meio da meditação interior, ideias essas advindas das doutrinas da Religious

Society of Friends, Sociedade Religiosa de Amigos, do grupo de protestantes

Quakers. Os conceitos aplicados no sistema também tiveram forte influência de

John Howard e Cesare Beccaria.184

Em poucos anos, contudo, o sistema celular foi insuficiente para

suportar um problema que passaria a ser comum em todas as penitenciárias do

mundo: a superpopulação carcerária. Por esse motivo, foram criados dois

estabelecimentos prisionais: a Western Penitenciary, (1818) e a Eastern

Penitenciary, (1829). A primeira seguiu o modelo panótico de Bentham, com

isolamento absoluto, sem possibilidade de trabalho intracelular, o que se mostrou

181 FRAGOSO, Heleno Cláudio; CATÃO, Yolanda; SUSSEKIND, Elisabeth. Direito dos presos. Rio de

Janeiro, 1980, p.299.

182 Por esta razão, o sistema também é conhecido como filadélfico.

183 GILLIN, John Lewis. Criminology and penology. New York London: D. Appleton-Century company,

inc, 1945, p.276.

184 MORRIS, Norval. El futuro de las prisiones. México: Siglo XXI, 1978.

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impraticável, forçando, em 1829, uma alteração para possibilitar a atividade

laboral, assim como era praticada na penitenciária oriental.185

Mesmo com o trabalho dentro da unidade de isolamento, os efeitos

negativos continuavam a ser constados no decorrer dos anos. O escritor inglês

Charles Dickens, visitante da penitenciária oriental186

, aterrorizado pelo silêncio

que ali pairava, declarou que tal prática constituía um dos piores métodos de

tortura, com efeitos mais nefastos que os castigos corporais de outrora187

.

Enrico Ferri, também criticando o sistema de isolamento absoluto,

definiu a penitenciária pensilvânica como atroz, desumana, demasiadamente

custosa e inábil ao intuito ressocializador, uma vez que aliena o recluso e o torna

ainda mais inapto ao convívio com seus pares188

. Enrico Ferri observa, ainda, que

o sistema pensilvânico causava uma especial forma de alienação mental,

denominada pela psiquiatria de “loucura penitenciária”189

.

Por todas as severas críticas que sofreu o sistema pensilvânico ou

celular, este modelo foi paulatinamente substituído por outras formas menos

danosas e mais eficazes à reabilitação do condenado, mas ainda continua a servir

outros ideais de modo excepcional190

.

As severas críticas dirigidas a esse sistema levou à necessidade de

criar um substitutivo que superasse as limitações do sistema celular.

185 Por este motivo, o início do sistema pensilvânico para Hans von Hentig, se deu em 1829 (La pena.

Madrid: Espasa-Calpe, 1967. v.1.)

186 Visita relatada por Hans von Hentig, La pena. Madrid: Espasa-Calpe, 1967. v.1. p. 225.

187 GILLIN, J. L. Criminology and penology. New York London: D. Appleton-Century Company, inc,

1945. p.285.

188 FERRI, Enrico. Sociologia criminal. Trad.: Antonio Soto e Hernandes. Madrid: Reus, 1908. v. II.

189 Id., Ibid., p.317.

190 No Brasil, a Lei nº 10.792/03 estabeleceu a possibilidade de recolhimento em cela individual, por no

máximo 360 dias. Tal regime tem índole eminentemente disciplinar e é chamado Regime Disciplinar

Diferenciado (RDD).

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5.5.2 O sistema auburniano

Nesse contexto surge o Sistema Auburniano, com origem também

nos EUA, em 1818191

. Segundo Hans Von Hentig192

, aparece como uma solução

aos infelizes resultados do sistema celular (loucura penitenciária, alienação e

mortes). Além disso, despertava maior interesse por razões econômicas; além de

ser menos custoso, oferecia mão de obra barata ao Estado.

O sistema de Auburn, embora pretendesse corrigir as agruras

psicológicas sofridas pelos reclusos em razão do isolamento, baseava-se em uma

disciplina e rigidez extremas. Para alguns autores193

, foi uma característica

imposta pelos seus idealizadores, como Elam Lynds, um capitão do regimento

nova-iorquino, que dirigiu a prisão de Auburn entre 1822 e 1825194

e se mostrava

incrédulo quanto à reabilitação dos presos além de se preocupar exclusivamente

em manter a ordem, a segurança e a disciplina.

Como o maior de seus elementos disciplinares está a regra do

silêncio absoluto, que consiste em proibir um preso de se comunicar com o outro.

Segundo Michel Foucault, era mais um instrumento de controle e poder sobre os

condenados. A regra foi tão peculiar a este sistema que o fez conhecido como

silent system, o sistema do silêncio.

Diferentemente do sistema pensilvânico, em que os detentos mais

perigosos eram mantidos em celas isoladas, nesse sistema, o auburiano, eles eram

mantidos em contato físico. Entretanto, a regra do silêncio era comum em ambos

os sistemas.

A atividade laboral, conforme vimos anteriormente, é um dos

pilares do “sistema do silêncio”. Ela encontrou uma forte resistência da sociedade

estadunidense, principalmente pelos sindicatos, que não queriam competir com

uma oferta de mão de obra tão barata quanto a carcerária.

191 FALCONI, Romeu. Sistema presidial: reinserção social? São Paulo: Ícone. 1998, p.60.

192 HENTIG, Hans Von. La pena. Madrid: Espasa-Calpe, v. I, 1967, p.227.

193 GILLIN, John Lewis. Criminology and penology. New York London: D. Appleton-Century Company,

inc, 1945, p.179.

194 GRABER, Jennifer. The Furnace of Affliction: Prisons & Religion in Antebellum America. North

Carolina: University of North Carolina Press, 2011, p. 73–102.

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Os operários nutriam, ainda, um forte preconceito em relação à

possibilidade de trabalhar ao lado de um condenado criminal, ou de alguém que

houvesse cumprido uma pena.

O preconceito persiste até hoje e é um dos maiores problemas a

serem enfrentados no difícil processo de ressocialização. É um fenômeno social

extremamente danoso, chamado por Cezar Roberto Bitencourt195

de “estigma

carcerário”.

No seu trabalho O cárcere e a fábrica (Cárcel y fábrica), Dario

Melossi e Massimo Pavarini196

defendem que o sistema auburniano utilizava o

trabalho como um instrumento de dominação da mão de obra carcerária por meio

do poder econômico das indústrias.

Porém, a produtividade que se esperava de Auburn foi menor do

que a desejada, fato que pode ser imputado às inúmeras deficiências técnicas e

administrativas de um penitenciarismo preocupado apenas em manter os presos

obedientes e cativos.

Em que pese todo esse rigor disciplinar resvalado para um

“militaritarismo” irracional, a desordem imperava na primeira prisão auburniana,

a San Quintin197

. Juntamente com o fracasso do sistema pensilvânico, demonstra-

se que o rigor disciplinar exacerbado e sem direção finalística adequada são

insuficientes para gerar a ordem e a segurança e, tampouco, reabilitar ou

ressocializar indivíduos.

Assim, surgem no final do século XIX, algumas inovações que

fortaleceram o penitenciarismo como um sistema próprio e planejado, para, além

de punir quem cometesse ilícito penal, propiciar a tão almejada reabilitação do

condenado.

São modelos penitenciários que enxergam no delinquente mais do

que o seu erro social, mas a possibilidade de reafirmá-lo apto ao convívio social;

195 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. São Paulo: Saraiva, 2001.

196 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcel y fábrica: los orígenes del sistema penitenciario.

México: Siglo XXI, 1985.

197 HENTIG, Hans Von. La Peña. Madrid: Espasa-Calpe, v. I, 1967, p.229.

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são ideologias que transcendem a necessidade de disciplinar, moldar ou

estabelecer uma relação de dominação.

5.5.3 Os sistemas progressivos

Trata-se de uma adequação do sistema penal aos anseios

humanitários. Os sistemas progressivos consideram o recluso como um sujeito de

conteúdo ainda volitivo, concedendo-lhe a opção da autodeterminação e da

dignidade por meio de um sistema meritocrático.

Tudo isso se materializa nos sistemas progressivos. A progressão,

nesses termos, dar-se-á de um regime mais rigoroso e isolador para outros cada

vez mais liberais e pautados pela autodisciplina.

O primeiro sistema progressivo sobre o qual temos notícia é o

sistema progressivo inglês, ou mark system. A duração da pena era determinada

pela demonstração de trabalho e de boa conduta durante o seu cumprimento;

assim, enquanto o recluso fosse acumulando marcas em seu prontuário, a sua pena

iria sendo cumprida. A quantidade de marcas para permitir a liberação era

diretamente proporcional à gravidade do delito. Pela má conduta, o recluso era

multado e perdia a marca anterior.

Similar ao sistema auburniano, o progressivo inglês foi idealizado

por um militar, o capitão Alexander Maconochie. Diversamente de Elam Lynds,

que estabeleceu um rígido e cego regime disciplinar militarizado, Maconochie

prestigiou a boa conduta dos presos. Essa tese reforça a ideia de que é mais eficaz

criar um sistema premial para reforçar as condutas adequadas à punição pelas

condutas inadequadas. Esta é a ideologia do sistema de Maconochie.

A progressividade do sistema inglês se refere aos estágios ou

períodos aos quais são submetidos os condenados, partindo-se do mais rígido,

com isolamento total cumulado com o trabalho obrigatório, para depois ingressar

no mais ameno, com trabalho em comum, sob total silêncio e isolamento apenas

no período noturno. Em um terceiro momento, o condenado passa a cumprir o

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restante da pena em liberdade, mas sujeito a determinadas proibições e

obrigações. Caso não houvesse a revogação dessa liberdade condicional, o

condenado obtinha definitivamente a sua liberdade.

Ao adotar o ideal meritocrático do sistema inglês, o diretor de

prisão Walter Crofton implantou o sistema progressivo na Irlanda, com algumas

modificações, por entender necessária uma prisão intermediária198

entre a reclusão

e a liberdade sob algumas condições. O objetivo era reinserir o condenado ao

convívio social da maneira menos traumática possível.

Este período intermediário foi a grande inovação do sistema

progressivo irlandês. Nele, o preso cumpria parte da pena em estabelecimentos

especiais, trabalhava ao ar livre e exercitava seu senso de autodisciplina, por meio

de atividades rurais e industriais. Neste tipo de atividade externa, o apenado fazia

os primeiros contatos com a população extramuros. Isto, segundo Elias

Neuman199

, renovava a esperança do preso em ser recebido pela sociedade que o

condenou e diminuía o estigma carcerário, tão nefasto à recuperação de uma

pessoa condenada à privação de liberdade.

Em paralelo ao sistema progressivo irlandês, na Espanha foi

implantado outro, mais humanitário e voltado à ressocialização do condenado: o

Sistema de Montesinos, assim nomeado em função do seu idealizador, coronel

Manuel Montesinos e Molina, ferrenho defensor da ideia de que o objetivo maior

do sistema carcerário era desenvolver e reformar seu senso moral por meio do

trabalho em vez de punir o preso sem qualquer reflexão.

Manuel Montesinos foi um teórico pragmático imbuído de um

evoluído senso humanitário que trouxe ao penitenciarismo o equilíbrio entre o

exercício da autoridade e a atitude pedagógica que permitia a correção do

recluso200

. Sua preocupação em resguardar a dignidade dos presos é notável e

revolucionária para a época.

198 GUZMAN, Luis Garrido. Manual de Ciência Penitenciária. Madrid: Edersa, 1983, p.136.

199 NEUMAN, Elias. Evolucion de la Pena Privativa de Libertad y Regimenes Penitenciários. Buenos

Aires: Pannedille, 1971.

200 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 90.

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A atividade laboral, mais do que nos sistemas progressivos,

assumia uma importância primordial; o mais notável era que Montesinos

demonstrou ciência sobre a influência do poderio econômico na atividade

produtiva intramuros, mencionando que o benefício moral do apenado era o

objetivo a que a lei se propunha201

.

Desta forma, ele sustentava que o trabalho do recluso deveria ser

remunerado, por se mostrar fórmula justa e adequada a estimular o interesse pela

atividade produtiva. O trabalho, portanto, passou a ter motivação correta e

pedagógica, ao contrário do que aconteceu no sistema auburniano, que teve no

déficit de mão de obra o seu principal motor.

Outros grandes legados de Montesino foram a inovadora ideia de

prisão aberta e o conceito de convívio de condenados com diferentes classes de

periculosidade como um fator propiciador à reforma moral.

5.6 Sistema Penitenciário Brasileiro

Do mesmo modo que na Europa, até a promulgação do Código

Criminal de 1830, a prisão cumpriu um papel eminentemente de custódia de

presos provisórios que aguardavam julgamento definitivo, ou de condenados que

esperavam a execução de sua pena, principalmente a de morte202

. Isto porque as

Ordenações Filipinas prescreviam a pena capital ou a de castigos corporais para a

maior parte dos crimes203

.

Na época do Império, o desenvolvimento de um sistema

penitenciário voltado à reabilitação do sentenciado ainda não existia. Os

estabelecimentos penais chamavam a atenção pela ausência de qualquer princípio

de ordem, higiene e moralização. Assim, os presos provisórios ou definitivos,

políticos ou não, por qualquer motivo (ou sem qualquer motivação), eram

201 MONTESINOS, Manuel. Bases en las que se apoya mi sistema penal. Valencia: Imprenta del

Presidio, REP, 1962, p. 291.

202 GOULART, Henny. A individualização da pena no direito brasileiro. São Paulo: Brasileira de Direito

Ltda., 1975.

203 Id., Ibid., p.67.

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„armazenados‟ na „Cadeia Velha‟, na do Arsenal da Marinha e nas fortalezas de

Santa Cruz e São João (Rio de Janeiro), nas prisões da Fortaleza de São José da

Ilha das Cobras e de Santa Bárbara, ambas localizadas na Baía de Guanabara, ou

no presídio central do Império, em Fernando de Noronha204

.

O penitenciarismo brasileiro, com regulamentação própria,

preocupação sistêmica e funcional, surgiu no século XIX, com as Casas de

Correções, inspiradas nas Houses of Corrections britânicas.

A Casa de Correção do Rio de Janeiro, inaugurada em 1850, tinha

oficinas de trabalho. Embora Henny Goulart informe que essas oficinas nunca

tenham funcionado205

, a orientação para o trabalho é um forte indício de um

incipiente sistema penitenciário brasileiro.

Alguns anos após a instituição da Casa de Correção do Rio de

Janeiro, foi implantado no Brasil o sistema auburniano, que adota o isolamento

nas celas durante à noite e o trabalho em comum, de dia, em absoluto silêncio206

.

Contudo, nos relata Henny Goulart que o regulamento não foi

efetivado. A gestão desses estabelecimentos penais ficou ao arbítrio das

autoridades policiais, sem qualquer controle jurisdicional, configurando uma das

causas do mau regime penitenciário brasileiro.

A partir do Código Penal republicano (1890), o ordenamento

passou a prever quatro modalidades de penas privativas de liberdade: a prisão

celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório e a prisão disciplinar. Para a

execução dessas espécies de pena, foi adotado um sistema misto.

Antônio José da Costa e Silva207

relata que, para penas de prisão

celular superiores a 6 anos, foi adotado o sistema progressivo, com o isolamento

pleno na primeira fase, seguida de outra, que previa trabalhos em comum durante

o dia, mas em silêncio absoluto. Após esses dois períodos, o preso poderia,

204 MORAES, Evaristo de. Prisões e Instituições no Brasil. Rio de Janeiro: Cândido de Oliveira, 1923.

205 GOULART, Henny. Penologia I. São Paulo: Brasileira de Direito, 197-. p.69.

206 Art. 2º do Decreto nº 8386, de 14 de janeiro de 1882.

207 SILVA, Antonio José da Costa e. Código penal dos Estados Unidos do Brasil comentado. São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1938, p.103.

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mediante determinadas condições, cumprir o restante da pena em uma colônia

agrícola e, finalmente, obter o livramento condicional.

O sistema auburniano, por outro lado, foi aplicado às penas de

prisão celular inferiores a 6 anos. Quanto às penas de reclusão e de prisão com

trabalho obrigatório, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil nada

mencionou a respeito dos regimes para executá-las.208

Com exceção de São Paulo, que conseguiu efetivar ao menos em

parte esse sistema pluralístico, o modelo penitenciário previsto pelo Código Penal

de 1890 não foi obedecido pelas demais unidades federativas, principalmente por

falta de aparelhagem que garantisse aos condenados o exercício laboral no

cumprimento de suas penas. No caso de ausência de penitenciárias agrícolas, o

sentenciado deveria cumprir a pena em uma prisão simples.

A partir do Código Penal de 1940, o direito penitenciário brasileiro

adotou exclusivamente o sistema progressivo209

. Segundo Roberto Lyra,

integrante da comissão revisora do projeto de Alcântara Machado, o Brasil

assimilou os princípios basilares da progressividade, mas com características

próprias à realidade nacional.210

A progressividade do sistema brasileiro do Código Penal de 1940

traz as mesmas quatro fases do sistema irlandês: isolamento total211

, isolamento

noturno com trabalho coletivo durante o dia; trabalhos em colônias agrícolas em

regime de semiliberdade e, finalmente, a liberdade condicional.

Contudo, conforme salienta Henny Goulart, o sistema progressivo

pátrio era mais flexível às condições pessoais do sentenciado, ao contrário do

sistema rígido de Crofton. Outra característica, que afasta bem o sistema

208 SILVA, Antonio José da Costa e. Código penal dos Estados Unidos do Brasil comentado. São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1938. p. 103.

209 Discordamos de Henny Goulart para quem o sistema contido no código de 1940 seria dual, um sistema

progressivo para os apenados com reclusão, e outro não progressivo, para os apenados com detenção. Para

nós, o sistema para os detentos é progressivo, ainda que ausente a primeira fase da reclusão (isolamento),

pois de um sistema mais rígido (trabalho em comum com isolamento noturno) passa, em seguida, para outros

menos rígidos, quais sejam a colônia agrícola e o livramento condicional.

210 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942.

211 Se as condições pessoais do recluso permitirem, e por tempo que não ultrapasse três meses (redação

original do art. 30, caput, do Código Penal de 1940).

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progressivo brasileiro dos demais, é a de ter abolido a regra do silêncio absoluto

durante o trabalho em comum.212

Sem novidade, Henny Goulart, em um levantamento sumário sobre

a situação das penitenciárias e os estabelecimentos penais agrícolas, em meados

dos anos 70, constata que a notória melhoria legislativa introduzida pelo

ordenamento penal não era materializada na mesma proporção, e demonstrava

diversos problemas que até hoje são aparentemente incontornáveis.

A autora assinala ainda que, apesar da tendência moderna para

implantar estabelecimentos prisionais abertos (sem grades ou cadeados), a

tendência da política penitenciária era construir presídios de máxima segurança.

As diversas esferas do governo, bem como juristas e integrantes do

Poder Judiciário, visualizavam os fracassos na implantação das medidas

ressocializadoras do novo código. Diversas foram as manifestações visando

reavaliar o modelo penitenciário adotado.

O projeto de reforma do sistema de penas do Código Penal de

1969, que nunca vigorou, propunha somente serem reservados às prisões fechadas

os criminosos de maior periculosidade.

Igualmente foi a manifestação do I Encontro Nacional dos

Secretários de Justiça e Presidentes de Conselhos Penitenciários, realizado em

março de 1972, conhecido como Moção de Nova Friburgo. Em 11 de julho de

1984, com a reforma da parte geral do Código Penal de 1940, algumas normas do

sistema penitenciário passaram à recém-criada Lei de Execuções Penais (nº 7.210,

de 11 de julho 1984).

A mais importante inovação trazida pelos dois diplomas foi o

afastamento da possibilidade de isolamento total do início do cumprimento da

pena em regime fechado. A partir desse momento, só seria possível o isolamento

durante o repouso noturno213

, ou como espécie de sanção disciplinar214

. Quanto ao

212 GOULART, Henny. Penologia I. São Paulo: Brasileira de Direito, 197-. p.72.

213 BRASIL. Código Penal. Art. 34, com redação dada pela Lei nº 7.209/84.

214 BRASIL. Lei de Execuções Penais. Art. 53, inc. IV, de 1984.

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último aspecto, foi introduzido o regime disciplinar diferenciado215

, que permite o

recolhimento do preso em cela individual, por até 360 dias.

Atualmente, o isolamento total é medida excepcional, de natureza

disciplinar, e resultado de um processo administrativo que necessariamente deve

ser aberto para averiguar a infração disciplinar. Durante esse processo, é

assegurado ao preso o direito à ampla defesa 216

.

Em um primeiro momento, a pena perde o seu aspecto

exclusivamente punitivo e vingativo, com a gradativa extinção das penas capitais

e daquelas essencialmente degradantes e cruéis. Posteriormente e, por

consequência, constatamos a notória humanização dos sistemas penitenciários,

com o afastamento de medidas incompatíveis à reabilitação do preso, como o

isolamento pleno e o silêncio absoluto.

Diante dessas considerações histórico-dogmáticas sobre a evolução

do direito penitenciário, é possível verificar que essa escalada evolutiva das penas

e do penitenciarismo se destinam a uma proteção cada vez maior do indivíduo em

face dos arbítrios estatais. Com efeito, a humanização das penas e dos sistemas

penitenciários tem íntima relação com a importância atribuída à dignidade

humana, como um elemento determinante do Estado Democrático de Direito

Brasileiro.

215 Regime introduzido na LEP pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003.

216 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006.p.

963.

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6 SISTEMA PENITENCIÁRIO E PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL

6.1 Conceito de Privatização

Conceituar “privatização” exige grande cautela visto que definições

e conceitos são emprestadas de outras áreas do conhecimento, como a Ciência

Política e a Econômica.

Em sentido amplo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro conceitua a

privatização como um conjunto de medidas adotadas pelo Estado que visem

diminuir o aparelhamento administrativo que o compõe217

. Seu pensamento está

intimamente ligado ao neoliberalismo218

, que procura atribuir às funções

econômicas estatais o mínimo imprescindível.

Salienta a autora, ao justificar a utilização de um conceito amplo,

que a palavra privatização traz a ideia de gestão por pessoas privadas e por

métodos do setor privado219

.

Diante desse conceito aberto de privatização, a autora aponta

medidas que podem se alocar conforme a rubrica aqui estudada. Assim, são

consideradas técnicas de privatização220

a desregulação (redução do

intervencionismo estatal na economia); a desmonopolização, desnacionalização

ou desestatização (a venda de ações de empresas estatais ao setor privado); a

concessão de serviços públicos; contracting out (convênios e os contratos de

obras e prestação de serviços). Conforme salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

é nesta última espécie que se enquadra o instituto da terceirização221

.

217 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006. p. 23.

218 Expressão utilizada sem o rigor técnico das ciências econômicas. Na verdade, o termo é criticado pelos

liberais, por considerá-lo pejorativo. Em que pese tal crítica, usamos a expressão „neoliberal‟ para designar

um momento posterior ao liberalismo clássico de John Locke e Adam Smith, posto que intercalados pelo

ideário do welfare state.

219 Id., Ibid., p.26.

220 Conforme terminologia utilizada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

221 Id., Ibid., p.24.

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Para Francisco Villar Rojas, privatização é a retirada do Estado das

atividades de produção e de distribuição de bens e serviços, por meio da

transferência dessa função para a iniciativa privada.222

Emanuel S. Savas entende a privatização como um termo que

expressa muito mais do que uma manobra financeira ou administrativa; significa

uma postura filosófica concernente ao papel e à relação entre a iniciativa privada e

o governo. Para esse autor, a privatização é o ato de reduzir o papel do governo ou

de aumentar o papel das instituições privadas para satisfazer às necessidades das

pessoas, ao confiar mais na atuação do setor privado e menos na do governo223

.

Entendemos o termo privatização como a vertente material e

pragmática de uma política do estado neoliberal; é uma política que determina a

assunção de algumas funções socioeconômicas pela iniciativa privada, em

decorrência do princípio da eficiência. Satisfaz, portanto, os imperativos definidos

pela Lei Maior do Estado.

Em síntese, privatização é a passagem de atividades, inicialmente

exercidas pelo Estado, à iniciativa privada por razões de eficiência. O que

fundamenta esse trespasse é o melhor desempenho do modo privado de gestão.224

O Decreto Federal n. 2.271/1997, em seu artigo 1°, apresenta um

rol exemplificativo de atividades terceirizáveis: atividades de conservação,

limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, recepção, reprografia,

telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações.

Consideramos necessário distinguir duas categorias: a privatização

em sentidos amplo e estrito. A primeira espécie se insere no conceito aberto

trazido por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com suas subclassificações quanto às

técnicas utilizadas; a segunda, de sentido fechado, é o conceito mais comum e

significa a venda de ações e a transferência do controle acionário aos entes

privados (desestatização).

222 ROJAS, Francisco José Villar. Privatización de servicios públicos. Madri: Tecnos, 1992, p. 101.

223 SAVAS, Emanuel S.. Privatization in the City: Successes, Failures, Lessons. Washington: CQ Press,

2005, p. 16.

224 A aplicação desse conceito ao sistema prisional será apresentado no item 5.

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6.2 Fundamentos da Política Privatizante

A privatização, conforme apresentada, surgiu de a necessidade do

governo atuar de forma mais eficiente ao prestar serviços essenciais à

sobrevivência do Estado nacional.

Para melhor compreender essa diminuição das atividades típicas do

Estado, é preciso retornar às origens do Estado Social de Direito, também

conhecido como Estado do Bem-Estar, Estado Providência, Estado do

Desenvolvimento, entre outras expressões. Todas buscam assimilar o espírito

surgido após a Segunda Guerra Mundial, que corrigia os efeitos nefastos da

Economia de Mercado ou do liberalismo econômico.

Assim, com o Estado Liberal, no final do século XVIII, e as

aspirações de limitações do poder estatal, retirou-se o intervencionismo do cenário

econômico. Acreditava-se que o interesse de cada indivíduo em adquirir e

acumular riquezas levaria a uma vida econômica equilibrada225

.

O pensamento econômico liberal considera o indivíduo o centro da

existência social. Até então, vigia o ideário mercantilista, sob a égide dos Estados

Absolutistas, que viam na figura dos reis e imperadores uma governabilidade

intangível.

No século XIX, entretanto, houve uma forte reação ao fracasso do

pensamento liberal, que não conseguia suprir as necessidades da economia de

mercado. O resultado foi desastroso nas áreas econômica e social, com uma

camada social majoritária vivendo em limites inaceitáveis de pobreza.

Era a insatisfeita e miserável classe do proletariado226

, que via

como insuficientes as ideologias da liberdade e da igualdade política. Era

necessário que o Estado interviesse nessa calamitosa situação de desigualdade

social emanada do então sistema econômico.

225 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Lisboa: Fundação Calou-te Gulbenkian, 1997, p. 376.

226 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006, p. 26.

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Na análise de Reinhold Zippelius227

, o liberalismo era perfeito

como teoria, pois assegurava aos operários a possibilidade de contratar segundo os

seus interesses. Mas o poderio econômico dos empresários subjugava o

proletariado, deixando como única escolha a de trabalhar sob condições

indignas228

. Do contrário, morreriam de fome.

Surge o Estado Social, com fundamento no pensamento filosófico,

que atribuiu à figura estatal a função de corrigir a exploração desumana

perpetrada por uma economia que prestigiava a produção e o acúmulo de riquezas

nas mãos de uns poucos detentores de capital, em detrimento do mínimo

necessário a uma vida digna ao operariado.

Diante do clamor pelo intervencionismo, o Estado de Bem-Estar

Social, Welfare State, passa a avocar a responsabilidade de diminuir as

desigualdades sociais surgidas no liberalismo. Então, para suprir as demandas,

cria empresas estatais e fundações que prestam serviços públicos essenciais.

Noutro plano, com o intuito de assumir certa ingerência no domínio econômico,

cria também empresas públicas e sociedades de economia mista.

Maria Sylvia Zanella di Pietro arrola, ainda nessa nova roupagem

estatal intervencionista, outras hipóteses de intervenção estatal: atividade

administrativa do fomente; auxílio de conteúdo honorífico (prêmios, recompensas,

títulos e menções honrosas); auxílio jurídico (outorga de privilégios do Poder

Público); auxílio econômico (subvenções, financiamentos, isenções fiscais,

etc.)229

, concedido à iniciativa privada para desempenhar certas atividades de

interesse público.

Com a hipertrofia do Estado, o efeito esperado não ocorreu. Isto

porque, com o crescimento das inúmeras obrigações funcionais que o Estado

227 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Lisboa: Fundação Calou-te Gulbenkian, 1997, p. 377.

228 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006,

p.379.

229 Id.Ibid., p.28.

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acumula, a burocratização230

– criada para a prestação de serviços públicos e de

outras atividades – mostrou-se ineficiente do ponto de vista administrativo.

O Estado Social de Direito caiu em descrédito e não conseguiu

realizar a correção socioeconômica a que se dispôs.

A diminuição das funções estatais, inicialmente mencionada, é

decorrência, portanto, da falência do Estado administrador neoliberal, que

acumulou de forma ineficiente uma série de obrigações com a sociedade.

A premissa de que a iniciativa privada é mais eficiente na gestão

negocial será o principal fundamento da política privatizante, iniciada no governo

do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), e intensificada com

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-

2011).

A própria Constituição Federal assimila o princípio da eficiência

como um valor norteador da Administração Pública231

, configurando uma

verdadeira norma programática constitucional.

6.3 Privatização do sistema penitenciário

A desestatização é, por certo, o mais corriqueiro método de

privatização no histórico brasileiro. É a transferência do controle acionário de

gigantescas estatais o berço da guinada privatística nacional. Dentre diversos

exemplos de privatização citemos a Usiminas, a Companhia Vale do Rio Doce, a

Telebrás e a Eletropaulo.

A privatização em sentido amplo está relacionada à transferência

de uma atividade econômica do Estado a um ente da iniciativa privada, por meio

de técnicas específicas. Saber qual é a mais adequada exige um esforço

investigativo mínimo. Com esse objetivo, analisaremos cada uma delas, arroladas

230 Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona que o gigantismo estatal foi tão elevado que houve quem

falasse em “burocratização do mundo” (In: Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006, p.

30).

231 Art. 37, caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência (...)”

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por Maria Sylvia Zanella di Pietro232

, para verificar em qual vislumbramos a

privatização das prisões.

A modalidade de venda de ações (desestatização ou

desnacionalização) será descartada, uma vez que as prisões nunca foram

organizadas como empresa, tampouco divididas em ações. De imediato,

descartamos esta técnica privatística.

A desregulação é a modalidade privatizante em que o Estado se

abstém de exercer a sua prerrogativa constitucional regulatória. Em seu artigo

174, caput, a Constituição de 1988 atribui ao Estado as funções de agente

normativo e regulador da atividade econômica. Cabe ao Estado exercer, conforme

a legislação, as funções de fiscalizar, incentivar e planejar, sendo esta última

determinante para o setor público e indicativo ao setor privado.

Contudo, com a desregulação, o Estado diminui sua intervenção

sobre o domínio econômico (controle de abastecimento, tabelamento de preços,

criação de agências reguladoras) e prevalece o laissez-faire, garantindo assim que

o setor privado obtenha mais liberdade de determinação econômica.

Essa técnica não é apropriada à privatização das unidades

prisionais, pela simples constatação de que a desregulação pressupõe a existência

de um setor que domine a iniciativa privada, o que não ocorre com as

penitenciárias.

A terceira modalidade privatizante é a desmonopolização de

atividades econômicas, bastante apropriada em relação à atual ordem econômica

constitucional brasileira. A Constituição confere ao valor iniciativa privada o

status de fundamento da República Federativa (art. 1º, IV), e à livre concorrência,

o de princípio da ordem econômica (art. 170, IV).

A Constituição prevê os casos em que o monopólio estatal é

permitido233

. Esse modelo, que é estritamente artificial, sob uma timbragem

232 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006.

233 Como exemplo, o art. 177 da Constituição: “Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra

das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou

estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades

previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de

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eminentemente legal, deixou de vigorar como prática ordinária, por ser

incompatível com o princípio da livre concorrência. O Estado brasileiro também

vem se desfazendo dos monopólios estabelecidos no texto constitucional

original.234

O conceito de monopólio está intimamente entrelaçado ao valor

econômico da ausência do elemento concorrencial na estrutura de mercado, de

sorte que o monopólio só existe quando o seu objeto é a atividade econômica. Sob

a análise desses argumentos, não há que se falar em monopólio; muito menos em

desmonopolização de unidades prisionais.

Quanto à concessão de serviços públicos, verificaremos se as

atividades relacionadas ao sistema penitenciário podem ser classificadas como

serviços públicos. A definição ontológica para a locução serviços públicos é

entendida como todas as atividades que a vontade estatal assim o determinar,

desde que por intermédio de lei, sob as diretrizes constitucionais.

Constitucionalmente, para que o Estado atue na exploração direta

de atividade econômica é necessário haver imperativos da segurança nacional, ou

seja, um ato de relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.

Afora o que não pode ser definido como serviço público, este

poderá ser qualquer atividade diferente da econômica que confira uma utilidade

ou comodidade material orientada à satisfação da coletividade, cujo usuário final

seja identificável.235

Essa materialidade ainda é insuficiente para definir o conceito. Isto

porque, há uma compreensão geral de que certas atividades não podem ficar à

derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo

bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o

reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com

exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de

permissão, conforme as alíneas 'b' e 'c' do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.”

234 De modo exemplificativo, podemos citar a Emenda Constitucional nº 9 de 1995, que flexibilizou o

monopólio relacionado ao petróleo e ao gás natural, passando a permitir a sua exploração por empresas

privadas, sob o regime de contratação.

235 Desta feita, exclui-se desse conceito, todas as prestações estatais uti universi, isto é, que não se possa

identificar com precisão o seu destinatário. Para estas, preferimos a expressão “prestações administrativas”

em geral, tal como salientado por Celso Antônio Bandeira de Mello, que são, inclusive, remuneradas por

meio de impostos, conforme reiterados entendimentos de nossos tribunais de superposição.

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mercê do determinismo econômico. O Estado deve cingi-los de uma peculiar

proteção, qual seja, o regime jurídico de direito público.

Em que pese a definição do conceito, o que nos interessa, por ora, é

o seu aspecto material, ou seja, o conjunto de atividades prestadas à coletividade.

As atividades penitenciárias, ou parte destas, poderão configurar

serviço público, porque proporcionam utilidade ou comodidade passível de

utilização direta, mesmo que seja exclusivamente por uma coletividade formada

por presos. Neles estão incluídos os serviços de hotelaria, alimentação, assistência

hospitalar e educação.

Há, contudo, algumas atividades que não podem ser classificadas

como utilidade ou comodidade material oferecida à coletividade intramuros. Estão

nessa classe as atividades concernentes ao exercício do jus imperii, mais

especificamente aquelas a que Carlos Ari Sundfeld236

chama atividade

ordenadora, ou conforme denomina o legislador nacional, o poder de polícia.

As atividades ordenadoras condicionam os direitos individuais, as

garantias e os princípios constitucionais em vez de comodidade material. Estarão

nessa classe, aqueles setores da prisão ligados à segurança, à disciplina e à

vigilância dos internos237

.

À primeira vista, considerando o perfeito enquadramento das

atividades prisionais administrativas não ordenadoras na classe de serviços

públicos, poder-se-ia concluir que a técnica privatística adequada às

penitenciárias, não seria outra senão a via das concessões comuns, 238

previstas na

Lei nº 8.987/95239

.

Contudo, algumas peculiaridades factuais comprometem o uso

dessa modalidade de trespasse de atividades prestacionais do Estado. Dentre elas,

236 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003.

237 Destacamos a vigilância dos internos, pois algumas unidades prisionais terceirizam essa atividade.

Entendemos que isso seria incompatível com o nosso ordenamento jurídico.

238 A denominação „concessão comum‟ é utilizada pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que

institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, no âmbito da administração

pública.

239 Trata-se de lei que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos,

previstos no art. 175 da Constituição.

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citamos o fato da remuneração pela cobrança do uso do serviço exigível ao

usuário ser incompatível com a situação prisional.

A Lei 8.987/95 prevê no artigo 11 a possibilidade de “receitas

alternativas” a serem previstas no edital de licitação como “complementares,

acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a

favorecer a modicidade das tarifas”. Logo, fica evidente o aspecto complementar

dessas receitas em que o ente privado seja remunerado exclusivamente por meio

de tarifação.

A Lei nº 11.079/2004 introduziu no direito pátrio, sob forte

influência do direito estrangeiro240

, a Parceria Público-Privada (PPP). As

modalidades privatizantes já mencionadas colocam o ente privado nesta posição

sintática de parceria, de convocar o ente privado a participar das atividades

estatais delegáveis.

A lei aponta duas formas especiais de concessão relativas à PPP: 1)

de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerado mediante tarifa

e contraprestação estatal (concessão patrocinada); 2) de serviço prestado direta ou

indiretamente ao Estado, com ou sem obra pública, mediante exclusiva

remuneração estatal (concessão administrativa).

Descartamos desde logo a primeira modalidade de PPP, pelos

mesmos motivos que envolvem a concessão comum ou ordinária.

A concessão administrativa, por seu turno, contém os elementos

perfeitamente compatíveis com os imperativos necessários à privatização dos

serviços penitenciários delegáveis, mas com algumas dificuldades de índole

negocial.

Assim, em que pese a remuneração feita com exclusiva

participação do parceiro público – o que se mostra viável às circunstâncias que o

evento privatizante em tela requer – a Lei nº 11.079/04, em seu art. 2º, parágrafo

4º, inciso I, estabelece o valor mínimo do objeto da contratação para estabelecer a

parceria público-privada (R$ 20 milhões), relegando a PPP aos projetos de

240 DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006, p. 158. A autora

defende que o instituto teve origem no direito inglês, o que nos remete ao sistema do common law.

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proporções incomuns, ao menos quando referente à prestação de serviço público.

Assim, mesmo que a lei de regência estabeleça garantias prestadas pelo parceiro

público ao privado, o piso desses empreendimentos praticamente desqualifica

aqueles serviços materiais passíveis de concessão, exceto quando o contrato prevê

a própria construção da penitenciária.

Portanto, temos que a concessão administrativa é a técnica mais

adequada à privatização das penitenciárias, desde que inclua na licitação e na

contratação do parceiro privado, a realização de obra pública (construção do

estabelecimento prisional). Sem isso, dificilmente seria atingido o mínimo

definido em lei para firmar tais contratos públicos.

Por fim, examinaremos a última técnica de privatização conforme a

metodologia que adotamos nesta pesquisa: o contracting out, ou contratações de

terceiros (toda forma de arranjo assumido pela Administração Pública para obter

colaboração do setor privado).241

Maria Zanella Di Pietro considera nessa

modalidade os contratos de terceirização de prestação de serviço.

Conforme a autora, terceirizar é contratar com empresa interposta,

para o desempenho de atividade-meio (acessória, instrumental ou complementar),

mediante empreitada de obra e serviços, bem como de fornecimento de bens,

incidindo na lei de licitações (Lei nº 8.666/93) na modalidade de execução

indireta (art. 6º, inc. VIII, e art. 10)242

. Ela se vale da dicotomia entre atividade-

meio e atividade-fim, recaindo neste último qualificativo as atividades relativas ao

exercício das atribuições legais conferidas a determinado órgão ou entidade da

administração pública.243

A contratação é realizada com empresa interposta, com quadro

próprio de funcionários, sem vínculo empregatício com a entidade terceirizante.

Daí a lei de licitações se referir à empreitada ou à tarefa como regimes de

execução indireta. Não há que se falar em terceirização para fornecer mão de obra,

241 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006, p. 24.

242 Id., Ibid., p.319.

243 Dora Maria de Oliveira Ramos, em sentido oposto, considera que a terceirização na Administração

Pública prescinde da noção de atividade-meio e atividade-fim, pois seria possível a delegação de parcela da

atividade principal da terceirizante. (RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na administração

pública. São Paulo: LTr, 2001, p. 25)

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pois essa prática configuraria flagrante ofensa à regra constitucional de concurso

para contratar servidores públicos em geral.

Adicionamos aos delineamentos desta última técnica privatizante

que – diversamente do regime de concessão de serviços públicos – o Estado,

quando firma contrato de terceirização, realiza o trespasse único da execução de

serviços públicos, mas permanece com as atividades jurisdicionais ou que

envolvam o poder de polícia.

Do exposto, concluímos que a privatização em sentido amplo, isto

é, o conjunto de variados arranjos feitos pelo Estado com o intuito de diminuir

suas atribuições serviçais e econômicas, por meio de transferência dessas

atividades a um ente privado, será efetivada no âmbito do sistema penitenciário

brasileiro pela Parceria Público-Privada (concessão administrativa).

Uma das condições para realizar as PPPs é que o contrato tenha

valor mínimo de 20 milhões de reais, conforme previsto pelo art. 2° § 4° da Lei

11.079/2004, considerados, assim, os projetos de grande vulto.

A privatização do sistema penitenciário é discutida e adotada por

vários países. Ela é fonte de inspiração ao modelo brasileiro, e por isso,

consideramos necessário sua abordagem.

6.4 Privatização do Sistema Penitenciário e as Experiências Internacionais

A crise do sistema penitenciário atinge vários países, inclusive os

desenvolvidos, como os Estados Unidos da América (EUA), a Inglaterra e a

França. Em que pese o elevado nível socioeconômico dessas nações, as suas

penitenciárias também sofrem com a superlotação, a incapacidade para

ressocializar os detentos, o alto índice de reincidência e as graves denúncias de

ofensa aos direitos individuais dos presos.

Historicamente, o sistema penitenciário britânico utilizava, desde a

colonização dos continentes norte-americano e australiano, as companhias

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privadas britânicas para o transporte marítimo de presos244

. No entanto, a origem

da privatização vem dos EUA , desde os anos 80, com o objetivo de livrar o setor

público das despesas relativas à construção de penitenciárias, além de inserir no

setor carcerário as técnicas de gestão empresarial. Era uma alternativa às penas de

morte, há muito tempo questionadas pelos movimentos iluministas.

Desde então, o movimento privatizante de cárceres foi se

alastrando e alcançou Austrália, Portugal, Itália, França, Canadá, os Países

Baixos, Nova Zelândia e a África do Sul.

Em decorrência da importância e do pioneirismo, analisaremos

apenas as experiências dos EUA, da Inglaterra e da França.

6.4.1 Estados Unidos da América (EUA)

A privatização de presídios nos EUA começou no século XIX e

repercutiu de forma bastante negativa a ponto de ter unidades prisionais

federativas abolidas. Foi o caso de Nova Iorque que, em 1842, editou uma lei

proibindo a criação de prisões industriais privadas.

Na gestão de Franklin Delano Roosevelt, em 1935, foi editado o

Hawes-Cooper Act, que autorizava os Estados a proibir a entrada de bens

produzidos em prisões de outros Estados.

Edmundo Oliveira245

menciona que os EUA iniciaram a

privatização por volta de 1985. Um exemplo foi a prisão de Kyle, nos EUA,

administrada pela empresa Wachenhut. A administração oferecia a guarda de

segurança do presídio e o comando sob esses funcionários. Na época, em 1985, o

governo dos EUA pagava US$ 25 (vinte e cinco dólares) por dia e por detento,

contra US$ 50 (cinquenta dólares) que o governo despendia com os detentos que

ficavam sob a administração e a vigília pública. O bem maior era a ressocialização

do detento.

244 United States of America. U.S. Department of Justice. Emerging Issues on Privatized Prisons.

Washington DC: Bureau of Justice Assistance, 2001, p. 19.

245 OLIVEIRA, Edmundo. A Privatização das Prisões. 1992, p.10.

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Foi, contudo, com o presidente Ronald Reagan, com a Reforma 88

e sob a ideologia liberal que a privatização das penitenciárias se estruturou de

forma globalizada, com trespasse total dos serviços acessórios (alimentação e

tratamento hospitalar), além da administração geral e do controle disciplinar dos

presos.

Os primeiros estabelecimentos penais privatizados nesse modelo

estavam relacionados à detenção de imigrantes ilegais até a sua deportação. Mas

logo o governo compreendeu que poderia utilizar essa sistemática para reduzir o

fluxo de despesas ao entregar os demais estabelecimentos para o setor privado.

Diante disto, surgem no sistema norte-americano de privatização, três técnicas: o

arrendamento das prisões, a administração privada das penitenciárias e a

contratação de serviços específicos por particulares.

Pelo arrendamento, as empresas privadas financiam a construção

dos estabelecimentos penais para arrendá-los, mais tarde, ao governo. Passam a

ser definitivamente propriedade privada somente após certo período. A gestão e os

demais serviços continuam sob a responsabilidade estatal.

Esta modalidade privatizante surge em decorrência da dificuldade

enfrentada pelas diversas esferas de governo norte-americano em relação aos

custos envolvidos. Ao se verem impedidos de afetar as receitas destinadas ao

custo operacional do sistema, os americanos foram obrigados a emitir títulos da

dívida pública aprovados pelo Poder Legislativo cuja emissão foi limitada a certo

montante.

Na segunda técnica adotada pelo modelo estadunidense, além de

construir a penitenciária, coube ao setor privado administrá-la. Segundo Marcelo

de Figueiredo Freire, a participação do parceiro privado era permitida nas

Halfway Houses (estabelecimentos destinados a presos em fase final de

cumprimento da pena), nas instituições para delinquentes juvenis e nos

estabelecimentos destinados a recolher imigrantes ilegais.246

246 ARAUJO JUNIOR, João Marcello. (Coord. ). Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995, p.99.

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A privatização de presídios, conforme o modelo adotado nos EUA,

poderia ser basicamente a contratação de serviços acessórios (fornecer

alimentação, serviços de hotelaria e assistência médica). Nessa categoria estão

mais conhecidas prisões privatizadas, as prisões industriais. Esse é o motivo para

as empresas privadas contemplarem tal oportunidade. Nesses estabelecimentos

penais, o parceiro privado se compromete a abrigar, alimentar, vestir e dar

assistência médica aos detentos. Em troca, é permitido explorar o trabalho desses

presos.

A Corrections Corporation of America (Corporação de Correção

da América- CCA), foi a empresa privada pioneira no promissor negócio de

gestão de prisões. Fundada em 1983, atualmente opera com capacidade acima de

80 mil presos, em 66 unidades nos EUA.

A CCA implementou junto ao poder público um sistema de

privatização total. Ela constrói e administra as penitenciárias. O Estado apenas

paga pela estadia do preso, sem qualquer ingerência na direção do

estabelecimento e se restringe a fiscalizar a atuação do parceiro privado.

O federalismo estadunidense é descentralizado. Suas unidades

federadas têm muita autonomia, o que significa que suas competências

legislativas são mais amplas que as do Brasil. Por isso, o panorama de modelos

privatizantes no setor prisional pode ser demasiadamente heterogêneo. Na maior

parte dos estados, os EUA adotaram esse modelo de privatização.

Tem-se que 32 estados dentre 50 adotaram a privatização do

sistema penitenciário247

. Assim como no Brasil, a privatização das penitenciárias

custa mais aos cofres públicos.

Em estudo comparativo de custas operacionais e qualidade de

serviço oferecido248

, dentre 5 estados verificados – Texas, Novo México,

Califórnia, Tennessee e Washington – apenas no Texas houve uma economia

247 Disponível em: http://www.businessinsider.com/new-hampshire-plans-to-privatise-prisons-2012-8

Acesso em: 10 set. 2012.

248 Report to the Subcommittee on Crime. Private and Public Prisons. Studies Comparing Operational Costs

and/or Quality of Service. Agosto, 1996.

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substancial de 14% a 15% em relação ao setor público. Em Washington, a

economia apresentada foi aproximadamente 7%.

Uma das discussões sobre a privatização das penitenciárias ou

gerência pelo setor privado é se as empreiteiras, como contribuintes, conseguem

operar com custo menor e o mínimo de qualidade. Apesar do estudo ter se

voltado mais para uma análise comparativa entre as penitenciárias privatizadas (e

não com as públicas), verificou-se que em locais privatizados havia mais

assistentes jurídicos à disposição dos detentos em comparação às unidades

públicas.

Ao comparar a qualidade das prisões públicas e privadas nos EUA

em 2002249

, foi relatado que nas unidades privatizadas houve menos fugas e

motins, melhor segurança, ordem e melhores programas educacionais. Também,

em unidades privadas houve melhor monitoramento e uso de tecnologia do que

nas unidades públicas. Do total, 44% das unidades privatizadas receberam o selo

da Associação Correcional Americana (ACA) por atenderem ao mínimo de

qualidade exigida dentro dos complexos prisionais, contra 10% das unidades

públicas. De forma geral, as unidades privatizadas apresentaram significativas

melhorias nos EUA.

6.4.2 Inglaterra

A Inglaterra já usava empresas privadas para transportar presos às

colônias da América do Norte e da Austrália. Ambas faziam isso em troca da

outorga do direito de comercializar os seus serviços obrigatórios.250

Contudo, a privatização das prisões surgiu apenas em 1984, a partir

da proposta do Instituto Adam Smith. Em 1985, McConville e Willians, dois

acadêmicos britânicos, lançaram uma proposta privatizante semelhante.

249 Disponível em:< http://www.burnetcountytexas.org/docs/6-Segal-Commission-on-PrisonAbuse.pdf>

Acesso em: 01 nov. 2012.

250 UNITED STATES OF AMERICA. U.S. Department of Justice. Emerging Issues on Privatized

Prisons. Washington DC: Bureau of Justice Assistance, 2001, p. 19.

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Em 1986, o parlamento britânico, pressionado a resolver o

problema da superlotação em suas penitenciárias, formou um comitê para

examinar os presídios privados estadunidenses. O comitê inglês, presidido por Sir

Edward Gardner, recomendou construir e administrar prisões pela iniciativa

privada251

, que inicialmente era dirigida apenas aos presos provisórios.

O sistema carcerário britânico foi gradualmente sendo oferecido

aos entes privados, com um leque cada vez mais amplo de serviços a serem

prestados ao Estado. Nessa escalada privatizante, foi editado um Ato pela Corte

de Justiça Criminal, que regulava as relações entre o Estado e os parceiros

privados, e estabelecia a forma de organização administrativa, a obrigação de

prestação de contas, os direitos dos presos e o seu controle252

Influenciada pelo modelo estadunidense, a Grã-Bretanha adotou a

privatização total, com o trespasse dos serviços acessórios e da administração

geral.

Marcelo de Figueiredo Freire, ao comparar os modelos inglês e

norte-americano, afirma que a privatização inglesa foi pautada pela ideologia

liberal do laissez-faire, e não na incapacidade financeira de construir e manter o

sistema prisional, tal como os EUA. Neste país, as receitas para construir

penitenciárias eram arrecadadas por meio de títulos da dívida pública, que

deveriam ser necessariamente autorizados pelo Poder Legislativo. Na Inglaterra,

por sua vez, o financiamento do sistema penitenciário é custeado pelos impostos e

por empréstimos ao mercado.

Portanto, a Inglaterra, apesar da maior facilidade em angariar

fundos para construir suas penitenciárias, assimilou a privatização prisional com o

intuito de se conformar ao ideário liberal da mínima participação do Estado.

6.4.3 França

251 McDONALD, Douglas C. Public imprisonment by private means: the re-emergence of private

prisons and fails. Oxford University Press, p. 33.

252 ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT,1995, p.104.

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Em meados do século XIX, as leis francesas previam

estabelecimentos para menores infratores, que poderiam ser fundados e dirigidos

por particulares, mediante a autorização e a fiscalização estatal. Embora não

possamos registrar como uma atividade prisional privada, podemos citar esta

prática como um precedente da privatização de prisões na França.253

Somente em 1986, em meio à crise do sistema penitenciário francês

(superpopulação carcerária, aumento da taxa de criminalidade, cárceres insalubres

e tratamento penal subumano), e por significativa influência das penitenciárias

privadas dos EUA foi levado ao parlamento francês o Projeto 15 mil, que

pretendia criar 15 mil vagas no sistema penitenciário.

O projeto visava reduzir o déficit do sistema penitenciário, que

tinha 51mil presos para uma capacidade estimada de 32.500254

; logo, um

excedente de 18.500.

Por esse projeto, 15mil vagas seriam entregues ao setor privado

para a construção e administração de penitenciárias em terrenos públicos ou

privados. Nesta última hipótese, ao final da construção, a unidade prisional seria

entregue ao Estado.

O modelo estadunidense serviu apenas como uma inspiração. A

privatização integral255

, uma das intenções do projeto, foi repudiada pelo

parlamento francês, que após vários debates entre parlamentares e juristas256

,

aprovou um modelo de cogestão ou de dupla responsabilidade. Cabia ao Estado e

ao parceiro privado a gestão e a direção conjunta da unidade prisional. Havia um

período probatório de 5 anos, no qual o Estado francês impôs expressiva

fiscalização sobre a unidade penal privatizada.

253 Nesse sentido: ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; SANTOS, Eliane Costa dos; BORGES,

Rosângela Maria Sá. O modelo de privatização francês. in ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. (Coord.)

Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995, p. 67-88.

254 F. BOULAN (dir.) Les prisons dites « privées »: une solution à la crise pénitentiaire?, Actes du

colloque d’Aix-en-Provence, Presses Universitaires d‟Aix-Marseille, 23-24 janvier, 1987.

255 No modelo estadunidense de privatização são entregues ao ente privado, além da construção da

penitenciária, os poderes de gestão e direção prisional, inclusive os serviços de vigilância e segurança.

256 F. BOULAN (dir.) Les prisons dites « privées »: une solution à la crise pénitentiaire?, Actes du

colloque d’Aix-en-Provence, Presses Universitaires d‟Aix-Marseille, 23-24, Janvier, 1987.

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Neste contexto, foi aprovada na França a Lei 87/432, de 22 de

junho de 1987, que autorizava o trespasse de atividades acessórias (hotelaria,

assistência médica, oficinas, organização do trabalho e atividades de lazer) e a

responsabilidade quanto a assistência social, jurídica, espiritual e relativa à saúde

física e mental dos presos. Ao Estado, competiam as atividades de poder de

polícia e relativas ao núcleo da execução penal.

As atividades consideradas indelegáveis permaneciam sob a

responsabilidade do Diretor da prisão, nomeado pelo Estado. Também eram

ressalvadas ao Estado as funções de segurança e vigilância da população

intramuros257

exercidas por agentes nomeados pelo parceiro público.

Esta lei ficou conhecida como “lei de compromisso”258

pois a

despeito do Ministério da Justiça querer executar o projeto, e realizar licitação

para contratar as empresas que dariam início à construção das penitenciárias, ele

não foi implementado devido às eleições presidenciais de 1988.

Com uma nova configuração (Partido Socialista), o projeto foi

alterado para oferecer 13mil vagas e passou a se chamar Projeto 13mil. Segundo

João Marcello de Araújo Júnior, a proposta nada tem de privatizante259

.

Em janeiro de 2011, a França tinha 49 estabelecimentos em regime

privado, seja com terceirização de serviços ou em parceria público-privada260

.

Segundo o Ministério da Justiça francês, a direção e a vigilância dessas unidades

prisionais continuam sob a responsabilidade do Estado261

.

257 Art. 2º, Lei 87/432: “O Estado pode confiar a uma pessoa de direito público ou privado ou a um grupo

de pessoas de direito público ou privado uma missão versando ao mesmo tempo sobre a construção e a

adaptação de estabelecimentos penitenciários. A execução desta missão resulta de uma convenção assinada

entre o Estado e a pessoa ou grupo de pessoas segundo um rol de obrigações aprovado por decreto. Estas,

pessoas, ou grupos, são designadas ao final de um processo licitatório. Nos estabelecimentos penitenciários,

as funções outras que de direção, cartório, vigilância, podem ser confiadas a pessoas jurídicas de direito

público ou privado segundo uma habilitação definida por decreto. Estas pessoas podem ser escolhidas em

processo licitatório na forma prevista na alínea precedente.”

258 LÉUTÉ, Jacques. Les prisons. Paris: Presses universitaires de France, 1989.

259 ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995 p. 86.

260 Em 2009, foi inaugurada a Centre de détention de Roanne; considerada a primeira unidade prisional

construída e operada em regime de parceria público-privada. Construída em uma área de 27 mil m², com

capacidade para 600 presos, divididos em duas partes de 240 células para homens e 90 para mulheres,

incluindo 30 vagas para os recém-chegados, uma ala de segregação de 12 vagas, e uma área disciplinar de

14.

261 Disponível em <http://www.justice.gouv.fr/prison-et-reinsertion-10036/les-chiffres-clefs-

10041/ladministration-penitentiaire-en-chiffres-au-1er-janvier-2011-17322.html>. Acesso em: 31 ago. 2012.

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6.4.4 As experiências internacionais e a realidade brasileira

Ao comparar os países mencionados, verificamos (conforme

demonstrou o relatório de uma organização mundial não-governamental de

Direitos Humanos, a Human Rights Watch)262

, que os pontos negativos se

convergiam: superlotação, falta de assistência médica e jurídica, falta de higiene e

de condições humanas nos ambientes penitenciários.

Com a privatização, as penitenciárias passaram a oferecer melhores

condições aos detentos em relação à educação, higiene e resguardo aos direitos

humanos, que em tempos remotos eram negligenciados.

Os mesmos resultados positivos foram encontrados nos sistemas

prisionais privatizados no Brasil. Os relatórios emitidos pelo Conselho Nacional

Penitenciário mostraram que nas unidades privatizadas havia mais médicos,

atendimentos odontológicos, jurídicos, colchão, melhor alimentação e empresas

privadas interessadas em qualificar e/ou absorver a mão de obra de detentos

quando comparadas às penitenciárias públicas.

Sob a análise econômica, não há como afirmar que os gastos com

as unidades públicas são menores em relação às privadas e/ou terceirizadas. De

forma geral, tanto no Brasil como nos países apontados neste estudo, não existe

uma metodologia para especificar o destino dos numerários e os gastos

envolvidos.

No Brasil, os relatórios disponíveis no site do Ministério da Justiça

seguem diferentes metodologias de coleta de dados. As planilhas de custos não

especificam o quanto as penitenciárias privadas e públicas receberam por cada

serviço prestado.

Importante mencionar que as penitenciárias que promovem

trabalho remunerado detêm até 20 % da remuneração mensal de cada mão de obra

em favor do complexo, para a sua manutenção.

262 THE HUMAN RIGHTS WATCH. Global Report On Prisons. Junho, 1993.

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Considerando que a maioria das penitenciárias que trabalham em

parceria com as empresas privadas para absorver mão de obra são privadas, sob o

aspecto econômico, as empresas terceirizadas são mais vantajosas ao Estado.

Enquanto as unidades públicas gastam com os detentos e com a estrutura predial,

as unidades terceirizadas promovem atividade remunerada aos detentos e recebem

taxa de manutenção predial.

É falacioso dizer ou demonstrar, apenas em números absolutos,

que os gastos penitenciários sob a administração privada são maiores do que em

gestão pública sem especificar os valores reais em cada setor.

O mesmo argumento poderia ser rebatido ao mencionarmos que o

Estado deixa de servir aos detentos em suas necessidades básicas as quais os

terceirizados cumprem ao prestarem serviços.

Durante o período de coleta de dados e valores, ao tentarmos por

meio de contato telefônico questionar sobre os gastos da administração particular

por detento, ou mesmo quanto o Estado reembolsava a administração privada por

detento, as respostas foram que estas informações eram sigilosas.

Um dos motivos que visualizamos para as empresas

administradoras não revelarem os valores envolvidos é que normalmente, em

processos de licitação para contratar empresas que desejam trabalhar no sistema

de cogestão, a análise das propostas é feita pelo critério do menor preço. E, uma

vez que os processos de licitação concorrem pelo menor preço, as empresas não

têm interesse em divulgá-lo.

A falta de transparência nesse quesito e o destino do dinheiro

também ocorre em outros países. O mesmo fato foi observado nos relatórios

comparativos entre o sistema privado prisional da Austrália e dos EUA. Um dos

principais problemas apontados ao se tentar comparar as unidades públicas e

privadas foi a falta de especificação no relatório financeiro dos serviços com os

gastos realizados no setor público263

.

263Disponível em: <http://epublications.bond.edu.au/cgi/viewcontent.cgi?article=1200&context=blr&sei-

redir=1&referer=http%3A%2F%2Fwww.google.com.br%2Furl%3Fsa%3Dt%26rct%3Dj%26q%3Dprivatiza

tion%2520prisons%2520comparative%2520uk%26source%3Dweb%26cd%3D9%26ved%3D0CIEBEBYw

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Excluído o uso de valores como parâmetro para adotar a

terceirização nos setores penitenciários, a pesquisa demonstrou que nas unidades

terceirizadas há mais respeito à dignidade humana, ainda que minimamente, e

melhores condições nas quais os detentos se encontram.

A terceirização oferece mais higiene, melhor alimentação,

vestuário, banhos, melhor tratamento entre os funcionários da penitenciária e os

detentos, diminuindo o índice de reincidência quando aos cuidados do

terceirizado, entre outros aspectos positivos.

6.5 Obstáculos e soluções da política privatizante

O fenômeno privatizante comporta inúmeras e severas críticas

vindas dos diversos campos do conhecimento humano. Do ponto de vista

econômico, os críticos afirmam que os resultados esperados, ou seja, a redução

dos custos do Estado com o sistema prisional, não é significativo ou relevante.

Para a sociologia, o pensamento capitalista voltado

primordialmente à obtenção de lucro é incompatível com o objetivo

ressocializador da pena. A criminologia, por seu turno, fazendo uso de certas

estatísticas, conclui que a entrega das prisões aos entes privados leva a um

incremento do fator criminógeno das prisões.

Em âmbito jurídico, afirma-se que a privatização de presídios é

inconstitucional por ofender a indelegabilidade de atividade exclusivamente

estatal, uma vez que a execução penal é corolário do monopólio da violência pelo

Estado de Direito; e mesmo que assim não fosse, alega-se a incompatibilidade

com o arcabouço legislativo pátrio, que ainda não prevê delegação de atividades

integrantes da execução penal brasileira.

Laurindo Dias Minhoto, valendo-se da experiência estadunidense,

assevera que a economia dos EUA não foi condizente com aquela estimada pelo

CA%26url%3Dhttp%253A%252F%252Fepublications.bond.edu.au%252Fcgi%252Fviewcontent.cgi%253F

article%253D1200%2526context%253Dblr%26ei%3DhqqzUPWqMIWa8gS2_ID4BQ%26usg%3DAFQjC

NENZq172CjfD6Z1iXwF7AcXSGCZ_Q#search=%22privatization%20prisons%20comparative%20uk%22

>. Acesso em: 23 nov.2012.

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governo. Por vezes, segundo o autor, alguns cenários de administração privada se

converteram em prejuízo aos cofres públicos, pois houve necessidade de

aditamento contratual para restabelecer o equilíbrio econômico.264

O autor vai além, ao relatar que naquele país, se há sérias dúvidas

em relação à redução de custos na gestão e operacionalização dos presídios, há

relatos significativos demonstrando que o setor privado não tem compensado tais

encargos financeiros com a administração eficiente e humanitária que se espera

dele.265

Assim, para o autor, diante desses fatos, não há motivação

econômica para uma manobra tão complexa e tão polêmica. Desta forma, o

Estado deveria assumir essa função estatal de primordial importância.

Contudo, a realidade brasileira de privatização, tanto na

modalidade de parceria público-privada, quanto na qualidade de terceirização de

presídios, é muito diferente daquela vivenciada pelos EUA. Não é possível

comparar as ordens jurídicas, tampouco suas realidades socioeconômicas.

No Brasil, ao contrário dos EUA266

, o que se verifica é que a

privatização do sistema prisional, principalmente por meio da terceirização de

serviços acessórios, melhora a qualidade do tratamento dedicado aos presos267

.

Esse salto de eficiência obtido somente com um modelo privado de

gestão demonstra que os gastos com operacionalização, acompanhada ou não da

infraestrutura, são mais baixos que os gastos do poder público. As assertivas serão

demonstradas ao apresentarmos os principais exemplos brasileiros de privatização

de presídios.

Do ponto de vista sociológico, afirma-se que o ideário capitalista

transforma o preso em mero elemento material dos meios de produção. Desta

forma, na medida em que a pessoa é condenada, ela deixa de ser tratada como

indivíduo, centro de valores, e passa a ser uma mercadoria.

264 MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad,

2000, p. 82-83.

265 Id., Ibid., p. 84-85.

266 Conforme item 6.4.1

267 V. item 8.

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Conforme relatado pelo penitenciarismo, o nascimento das penas

privativas de liberdade como sanção penal autônoma, e os centros prisionais como

elementos estruturais dessa clausura, têm íntima relação com o capitalismo

industrial do século XVII. Em que pese essa gênese do sistema prisional, não é de

se negar que as crescentes conquistas dos constitucionalismos moderno e

contemporâneo elevaram a penologia a patamares de humanização268

que afastam

tal mecanização pretendida pelo empresário privado.

Para os opositores do fenômeno privatizante no setor prisional,

trata-se de um silogismo simplista, uma incompatibilidade ideológica entre a

finalidade imanente da pena (preponderantemente reabilitadora), e o objetivo

último do empresário (ao exercer uma atividade lucrativa). Afirma-se que, se o

objetivo da prisão é combater a criminalidade, o objetivo da empresa é somente

obter lucro diretamente proporcional à quantidade de presos sob sua guarda.

Então, não haverá qualquer interesse do parceiro privado em perseguir aquela

finalidade primeira269

.

O silogismo tem uma falha lógica ao considerar equivocadamente o

lucro e o combate à criminalidade ou objetivo ressocializador da pena como

elementos excludentes entre si. Em verdade, é desnecessário, nas atuais

circunstâncias, que o parceiro privado se esforce muito para ter um contingente

carcerário que lhe seja financeiramente rentável. Aliás, o problema da

superpopulação intramuros é uma das questões as quais a privatização se propõe a

resolver.

Ademais, a inaptidão do sistema prisional para atuar como fator

preventivo do crime não é falha que possa ser atribuída ao estabelecimento

penitenciário. Esta função é atributo da pena.

Reiteramos que o modelo privatizante adotado no Brasil não efetua

o trespasse do controle da pena, da progressão de regime ou do aumento ou

268 Ver item 2.1.

269 Nesse sentido: ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995, p.

20.

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unificação de penas. Essas avaliações estão sob o crivo permanente do Poder

Judiciário por serem exercício típico de jurisdição.

Desta maneira, não haverá o risco do gestor privado imputar

infrações que agravem a pena do sentenciado e o faça permanecer mais tempo

recluso, conferindo assim maiores lucros ao ente privado. Entretanto, os

opositores do sistema erram ao equiparar modelos estrangeiros com o brasileiro.

Outra crítica que se faz é na área da criminologia. A privatização,

segundo os opositores, elevaria o fator criminógeno do encarceramento. Atribuem

tal característica ao fato de que nas prisões privatizadas os funcionários são

despreparados, mal treinados e recebem salários baixos. Atualmente, o panorama

descrito parece retratar o setor público. Tal argumento se mostra, portanto,

infundado.

As técnicas privatizantes que o Brasil tem levado a efeito não

transferem a parte substancial da segurança presidial aos cuidados do parceiro

privado. Salvo em alguns casos de vigilância interna, na totalidade dos casos, a

segurança e a vigilância de muralhas é feita por agentes públicos.

Juridicamente, afirma-se que a privatização de prisões no Brasil

não é admitida pela atual ordem jurídica porque o poder de coação investido pelo

Estado é indelegável. Afirma-se que não seria válido uma pessoa exercer sobre

outra qualquer forma de poder que se manifeste pelo uso da força270

. Qualquer

proposta que vise ao trespasse desse monopólio da violência seria, portanto,

inconstitucional271

. Acrescentam os opositores que a imposição do domínio de um

particular em relação ao outro ofende o princípio da igualdade, pois coloca o

parceiro privado em situação de prestígio em relação a seu igual.

Concordamos com este último posicionamento. Nossa proposta é

que a privatização no Brasil seja controlada pelo Poder Judiciário, com rígida

fiscalização do Poder Executivo. Isto porque, os poderes estatais que envolvam

parcela do monopólio do uso da força devem ser preservados para prestigiar o

270 ARAUJO JUNIOR, João Marcello de. Privatização de prisões. São Paulo: RT, 1995. p. 12.

271 MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad,

2000, p. 87.

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atual estágio do Estado Democrático de Direito (de índole garantista, concretista

dos valores atinentes à dignidade humana, e eminentemente contratualista).

Contudo, a preservação desse núcleo indelegável de poderes não

impede o movimento privatístico das políticas neoliberais. Conforme situações de

fato abordadas neste estudo, o exercício do poder coercitivo permanece sempre

com o Estado. Não há que se falar, portanto, em relação de domínio de um

particular em relação ao outro, mesmo porque o ente privado irá gerir somente as

atividades acessórias.

Ademais, conforme esclarece Ada Pellegrini Grinover, a execução

penal no Brasil é uma atividade complexa, desenvolvida nos planos jurisdicional e

executivo272

. Segundo a processualista, são atividades administrativas aquelas

voltadas ao cumprimento da pena por meio da vida penitenciária do condenado,

ou de sua vigilância, observação cautelar e de proteção273

. Noutro lado, estão

afetos à indelegável função jurisdicional os incidentes da execução, tais como a

concessão de livramento condicional, a progressão de regime, o indulto, a

comutação de pena e a remição de pena, entre outros.274

Novamente, não se aplicam as críticas pressupostas, pois todas

consideram exemplos estrangeiros. Os EUA, em detrimento dos valores e

primados constitucionais, trespassam integralmente a direção prisional. Até as

sanções disciplinares poderão ser aplicadas pelo diretor do estabelecimento penal.

Nesse sistema, até o diretor penitenciário pertence aos quadros da administração

privada. Reiteramos que estas características não foram e não poderão ser

assimiladas pela ordem jurídica brasileira.

Outro argumento contrário à implementação de práticas

privatísticas do setor penitenciário no Brasil seria a ausência de legislação

específica a respeito. A nosso ver, o direito positivo brasileiro já contém normas

272 GRINOVER, Ada Pellegrini. Natureza Jurídica da Execução Penal. GRINOVER, Ada Pellegrini

(coord). Execução Penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência e súmulas. São Paulo: Max

Limonad, 1987, p.7.

273 Id., Ibid., p.10.

274 No mesmo sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São

Paulo: RT, 2006. p. 948.

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que legitimam a privatização de prisões. A privatização comporta, dentre outras,

técnicas da parceria público-privada e a terceirização.

Para o primeiro caso, há a Lei 11.079/04, que institui normas gerais

para a licitação e a contratação de parceria público-privada no âmbito da

administração pública; para a segunda modalidade, o direito positivo brasileiro há

tempos admite a contratação de pessoa jurídica estranha à sua intimidade para a

execução indireta de serviços acessórios, instrumentais e complementares. Em

outras palavras, o Estado poderá delegar a um ente privado os serviços que não

pertençam às suas atribuições centrais, assim entendidas aquelas determinadas em

lei.

Ao fim da breve exposição sobre as críticas e posicionamentos

contrários à privatização do sistema prisional, é necessário destacarmos que o

modelo nacional deve considerar todas essas reflexões para não incorrer nos

mesmos equívocos cometidos pelas privatizações estrangeiras.

A par dessas críticas, passaremos a delinear um modelo de

privatização de prisões constitucionalmente adequado, principalmente no que diz

respeito ao metaprincípio da dignidade humana e às finalidades essenciais da pena

privativa de liberdade.

6.6 Limites à privatização prisional

Em que pese o objetivo de efetivar os efeitos do princípio da

dignidade humana no sistema penitenciário brasileiro, há obstáculos a serem

superados para, só então, verificar as vantagens proporcionadas pela privatização.

Muitas dessas barreiras podem alertar o Poder Público quanto à sistematização de

suas políticas privatizantes.

Há riscos na atividade privatizante do sistema penitenciário que

envolvem questões éticas, sociais e jurídicas de substancial magnitude no Estado

Democrático Brasileiro. Contudo, o medo de enfrentá-las não pode impedir o

fortalecimento da persecução dos direitos relativos à proteção da dignidade

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humana. Afinal, outro fator igualmente inegável é a falência do atual sistema

prisional público, como demonstramos anteriormente.

Eventualmente, pode ser considerada inaceitável a ideia de um

indivíduo exercer domínio sobre outro, e ainda auferir vantagem econômica dessa

relação.

Numa acepção contratualista, o Estado surge quando o grupo social

abdica de parcelas das suas liberdades individuais. Isso só acontece por meio de

um contrato social que coloque sob a responsabilidade de um ente soberano a

defesa do bem-estar e da segurança de todos.

Esse fim ético, inerente à concepção moderna de Estado, leva ao

entendimento consagrado de monopólio do uso legítimo da força, que nunca

poderá ser objeto de usurpação a um só ou a um grupo de indivíduos.

Esse obstáculo deve ser mantido em constante perspectiva no

fenômeno privatizante. Não se quer negar a sua existência; antes, reforçá-la. Tal

se faz necessário para não ocorrer o erro cometido por alguns Estados estrangeiros

que ignoraram essa premissa intrínseca ao Estado Democrático de Direito,

conferindo ao parceiro privado, setores próprios da manifestação do poder

punitivo estatal.

Ao lado do direito de punir, que se manifesta em algumas

atividades penitenciárias, destaca-se o poder jurisdicional. Desnecessário reiterar

o monopólio dessa atividade visto que, pelo princípio da jurisdição una275

brasileira, cabe exclusivamente ao Poder Judiciário outorgar a norma individual e

concreta de maneira definitiva.

A execução penal é, em parte, exercício típico do poder

jurisdicional. E os ramos de expressão dessa função jurisdicional não poderão ser

executados por particulares.

A atividade penitenciária envolve algo além da judicante. Entre as

atribuições para o cumprimento da sentença penal condenatória há aquelas de

275 Em oposição ao sistema francês ou do contencioso administrativo.

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natureza jurisdicional (indelegáveis) e administrativas (legitimamente passíveis de

trespasse ao setor privado).

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7 EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E MODELOS ADOTADOS

7.1 Parceria Público-Privada

As parcerias público-privadas são uma modalidade especial de

concessão. Foi instituída pela Lei nº 11.079/2004, com o claro objetivo de gerar

compromissos financeiros estatais e de longo prazo276

, bem como atrair o setor

privado para atuar em projetos de grande vulto, ou seja, contratos acima de 20

milhões de reais, cujos recursos extrapolam a capacidade financeira do Estado.

O custo de um empreendimento da complexidade de um presídio é

enorme. Isto porque, a estrutura deve comportar as necessidades do nosso sistema

penitenciário atual e conceder meios físicos que garantam o mínimo de dignidade

às pessoas que irão permanecer ali por um tempo razoável.

Os projetos de parcerias público-privadas podem envolver a

construção, a manutenção, a operação e/ou o financiamento de toda a

infraestrutura. Conforme a Lei nº 11.079/04, devem ter as seguintes

características: a) o valor mínimo do contrato deve ser igual ou maior a R$ 20

milhões b) o período de prestação do serviço deverá estar entre 5 e 35 anos; c) o

objeto deverá ser sempre a prestação de serviços, não necessariamente qualificado

como público, precedido ou não de obra, pública ou fornecimento e instalação de

equipamentos; d) a remuneração advém exclusivamente do parceiro público277

,

sempre subordinada à avaliação de desempenho; e) repartição de riscos entre as

partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe278

e

álea econômica extraordinária.

Além das características essenciais de um projeto de parceria

público-privada, antes da celebração do contrato de concessão, deverá ser

constituída a sociedade de propósito específico (SPE), responsável pela

implantação e gestão da parceria (art. 9º, da Lei nº 11.079/04).

276 SUNDFELD, Carlos Ari. (Coord.).Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 23.

277 Ao contrário do que acontece com a concessão comum (Lei nº 8987/95) e com a patrocinada (art. 2º,

§1º, Lei nº 11.079/04), na administrativa não cabe a cobrança de tarifa.

278 Quando uma determinação estatal (criação de tributo, p. ex.), sem relação direta com o contrato

administrativo, o atinge de forma indireta, tornando sua execução exageradamente onerosa ou impossível.

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Nesse ponto, é interessante notar que a pessoa jurídica empresária

poderá assumir as feições de uma sociedade anônima de capital aberto (art. 9º,

§2º). Ela poderá negociar seus ativos acionários em mercado de valores

mobiliários, o que deve ser visto com reservas quando se tratar de um sistema

prisional. Isto porque esses projetos afetam vetores constitucionais relacionados à

dignidade humana, ao exercício do poder estatal, bem como à atividade

jurisdicional própria da execução penal.

Assim, em que pese a lei vedar a concessão das funções de

regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades

exclusivas do Estado, mostra-se que a gestão das atividades, mesmo acessórias,

relativas à manutenção do sistema prisional, deva receber mais atenção quanto ao

controle do parceiro privado por parte da Administração.

Vários países adotaram os programas de parceria público- privadas

para a gestão de penitenciárias locais, seja pela prestação de serviços

exclusivamente acessórios como pelos modelos de arrendamento, em que o

parceiro privado financia, projeta e constrói o complexo e, após concluí-lo,

fornece ao Estado em forma de arrendamento.279

No Brasil, as licitações para PPPs destinadas às penitenciárias

ocorreram pelo modelo de DBOT (desenha o projeto, constrói, opera e transfere

ao governo).

O instituto da parceria público-privada é um caminho possível para

implantar novas e adequadas unidades prisionais. Mas a possibilidade deve ser

analisada separadamente da viabilidade (aptidão para obedecer a Constituição

quanto à economia e a eficiência). O primeiro preceito será respeitado quando a

implantação do projeto penitenciário e os serviços contratados demandarem o

menor custo possível; a eficiência será cumprida na medida em que os recursos

empregados na execução do contrato forem os menores possíveis.

Ora, se o fundamento maior para que o Estado privatize certos

setores da execução penal é de ordem econômico-orçamentária, pode-se inferir

279 GUIMARÃES. Fernando Vernalha. PPP Parceria Público-Privada. São Paulo: Saraiva, 2012, p.250.

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que somente poderá prevalecer a privatização de presídios nessa modalidade

especial de concessão, se houver possibilidades reais, do ponto de vista da

economia e da eficiência, para implantar e executar o contrato de parceria público-

privado conforme os ditames constitucionais. Todavia, essas condições só podem

ser verificadas caso a caso. Passaremos agora a analisar poucas das situações em

que a privatização de presídios se concretizou no Brasil.

7.1.1 Minas Gerais

Com a assinatura do contrato administrativo, em 16 de junho de

2009, o Estado de Minas Gerais foi pioneiro ao realizar licitação e contratação

para implementar a parceria público-privada no âmbito do sistema prisional. Até

então, só existiam exemplos de privatização por meio de terceirização de serviços.

O edital de concorrência nº 01/2008 foi realizado de acordo com as

Leis nº 11.079/04 (Federal) e nº 14.868/03 (Estadual) para a construção e a gestão

da penitenciária.

De acordo com o governo mineiro280

, o Complexo Penal de

Ribeirão das Neves irá durar 27 anos; exigiu um investimento privado de R$ 180

milhões, sem custo inicial para o concedente.

O governo de Minas Gerais firmou parceria com o consórcio de

empresas Gestores Prisionais Associados (GPA)281

, na submodalidade Design

Build Operate Transfer (DBOT)282

que significa desenhar o projeto arquitetônico,

construí-lo, operá-lo e transferi-lo, ao fim do contrato, ao Estado. O Complexo

Penal terá 5 unidades283

, 3.040 vagas entre regime fechado e semiaberto (1.824

vagas para o primeiro e 1.216, para o segundo).

280 Disponível em: < http://www.ppp.mg.gov.br>. Acesso em: 04 abr.2012.

281 Consórcio formado pelas empresas CCI – Construções S/A, Construtora Augusto Velloso S/A, Empresa

Tejofran de saneamento e Serviços, F.F Motta Construções e Comércio e o Instituto Nacional de

Administração Prisional (INAP).

282 DBOT significa elaborar o projeto arquitetônico, construir o complexo, operacionalizar e, após o

término do contrato, repassar todo o complexo e sua administração ao setor público.

283 Serão 608 vagas em cada unidade prisional; são 4 presos por cela, em regime fechado, e 6, no

semiaberto.

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O Estado de Minas Gerais pagará R$74,63 284

por dia e por detento,

o equivalente a R$ 2.100 ao mês por detento. Segundo a Secretaria de Estado de

Defesa Social, este valor é 25% menor que o custo atual de manutenção dos

presos.

Conforme o prospecto de apresentação da “PPP – Complexo Penal

– Unidade PPP”, todos os serviços de vigilância interna e assistenciais, a

manutenção da infraestrutura e os demais aspectos da operação serão prestados

pelo parceiro privado. Os serviços de segurança externa e das muralhas, além da

movimentação de internos, continuarão sob a gestão governamental.

A contraprestação estatal285

começa somente após a implantação da

infraestrutura, ou seja, quando já for possível ocupar as vagas. O pagamento

público será composto por parcelas referentes às vagas ocupadas e disponíveis. É

previsto em contrato que 20% do pagamento mensal será submetido à avaliação

periódica de desempenho286

para cumprir o que determina a lei. O poder público

deve, ainda, garantir uma demanda mínima de 90% da capacidade do complexo

penal, durante todo o contrato de concessão administrativa.

Em respeito a outras determinações legais, o Estado mineiro

garantiu o pagamento mensal na forma de penhor sobre bens de sua propriedade:

direitos creditórios de contratos de abertura de créditos do Banco de

Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG); debêntures simples, da espécie

quirografária, não conversíveis em ações e títulos da dívida federal.

O parceiro privado, por sua vez, para cumprir as obrigações

assumidas, irá garantir a execução do contrato, no valor de 5% do custo

contratado.

284 Contrato de Concessão Administrativa – Publicado em Minas Gerai, em 24 jun. 2009, p.47.

285 Segundo informações da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (SEDE)

– Unidade Parceria Público-Privada, cada preso nesse modelo de cogestão custará ao Estado R$

2.100,00/mês, valor esse que abarca a construção e a operacionalização. Conforme o SEDE, se o Estado

assumisse esse projeto, iria gastar com cada preso o valor de R$ 2.400/mês. Atualmente, o estado mineiro

gasta R$1.700,00 com cada preso, ao mês, mas somente com operacionalização. Disponível em <

http://www.ppp.mg.gov.br/projetos-ppp/projetos-celebrados/complexo%20penal/noticias/consulta-publica/>.

Acesso em: 16 abril. 2012.

286 Conforme o contrato, são indicadores para avaliar o desempenho: avaliação quantitativa dos serviços

assistenciais e de segurança (porcentagem de presos trabalhando, p. ex.), avaliação qualitativa dos serviços

assistenciais (qualidade da educação aos presos, p. ex.), avaliação de manutenção de infraestrutura (e.g.

permanente atendimento dos equipamentos aos padrões contratuais).

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Conforme notícia veiculada no site do governo do Estado de Minas

Gerais, a prioridade no modelo de gestão apresentado pela concessionária

(Consórcio GPA) será a ressocialização, a ser efetivada por meio do

estabelecimento de atividades educativas, artísticas e culturais. Além disso, estão

previstos cursos profissionalizantes com o objetivo de capacitar os presos para o

mercado de trabalho, quando do seu reingresso na sociedade, conforme as

exigências da Lei de Execução Penal.

O Estado de Minas Gerais não pretende (e nem poderia) realizar o

trespasse da gestão da segurança para o concessionário. Ele mantém titularidade

exclusiva da função constitucional neste setor, cuidando da disciplina e do

cumprimento das penas, acompanhando sua execução junto ao Tribunal de

Justiça, ao Ministério Público e à Defensoria Pública.

Em decorrência da indelegabilidade das funções de ordenação das

unidades prisionais, o poder público nomeará um agente público como diretor de

segurança, para cada uma das cinco unidades do complexo. Eles ficarão

encarregados da coordenação e das medidas de segurança. O Estado ainda poderá

intervir em situação de crise, confronto ou rebelião, por meio de agentes

penitenciários dos seus quadros funcionais.

Conforme notícia veiculada no jornal Folha de S.Paulo, de 18 de

janeiro de 2013, o Complexo Penal Ribeirão da Neves recebeu nesse mesmo dia

os seus primeiros 75 presos.287

7.1.2 Pernambuco

O Governo do Estado de Pernambuco, em 28 de novembro de

2008, após realizar uma concorrência pública, atribuiu a um consórcio de

empresas (que apresentou um projeto de parceria público-privada, na modalidade

concessão administrativa) a construção do Centro Integrado de Ressocialização de

Itaquitinga (CIR Itaquitinga).

287 Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1217184-presos-sao-transferidos-para-1-

presidio-publico-privado-do-pais.shtml>. Acesso em: 21 de jan. 2013.

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A sociedade de propósito específico foi formada pelas empresas

Advance Construções e Participações Ltda. e Yumatã Empreendimentos e

Serviços de Manutenção Ltda. O valor do contrato foi R$ 1.953.324.301,44 (um

bilhão, novecentos e cinquenta e três milhões, trezentos e vinte e quatro mil,

trezentos e um reais e quarenta e quatro centavos)288

, por 33 anos de parceria e

incluiu a construção das instalações prisionais.

O contrato prevê a concessão administrativa para explorar o Centro

Integrado de Ressocialização de Itaquitinga (CRI Itaquitinga) e construir o

complexo penal289

, mediante execução, gestão e fiscalização dos serviços

delegados; o apoio na execução dos não delegados, a gestão e a fiscalização dos

complementares.

O prazo estimado para a concessão administrativa é 33 anos, e pode

ser prorrogado, no máximo até 35 anos, para assegurar o prazo mínimo de

exploração econômica de 30 anos, a contar do início das operações.

O CIR Itaquitinga está sendo construído em uma área de 98

hectares, com capacidade estimada para 3.126 apenados, o que equivale a quase

20% da população do município. Dessa vagas, 1.200 serão destinadas aos

condenados em regime semiaberto, divididas em 2 unidades. As demais 2126

vagas comportarão o regime fechado, divididas em 3 grandes unidades.

A remuneração paga pelo parceiro público, denominada

Contraprestação da Concedente para Ressocialização (CCR), deverá ser suficiente

para cobrir os custos de amortização e os juros de financiamentos, relativos às

obras de construção.

Ademais, a contraprestação estatal deverá ser suficiente para a

parceira privada cumprir as obrigações tributárias e atender às condições

operacionais mínimas do complexo penal. A exigência decorre do necessário

equilíbrio econômico-financeiro que deve constar nos contratos administrativos.

288 Conforme termo de homologação e adjudicação na Concorrência Pública Nº 001/2008, do governo

estadual de Pernambuco.

289 O custo total da construção do CIR Itaquitinga é estimado em R$ 240 milhões, sob a responsabilidade

integral do parceiro privado.

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A contraprestação a que fará jus o parceiro privado será

influenciada pelo seu desempenho, uma nota atribuída a partir do Quadro de

Indicadores de Desempenho.

A sociedade de propósito específico (SPE) tem permissão para

explorar fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias, ou de

projetos associados à concessão, desde que respeite os padrões de qualidade do

serviço sem comprometê-los. O governo pernambucano estima um custo

aproximado de pouco mais que R$ 2 mil por preso, por mês.

A fiscalização da concessão administrativa (abrangendo as

atividades da parceira privada, durante a vigência do contrato), será executada

pelo Comitê Gestor do Programa de Parceria Público-Privada de Pernambuco

(CGPE) e por um Verificador Independente. Esta última é a empresa a ser

contratada pelo concedente para monitorar permanentemente o desempenho da

concessionária, nos termos previstos no edital.

7.1.3 Ceará

Em 09 de dezembro de 2011, o Estado publicou um edital para a

elaboração de um estudo de viabilidade com o objetivo de construir uma

penitenciária de Alta Segurança, em Aquiraz, na modalidade parceria público-

privada, na submodalidade Design Build Operate Transfer (DBOT), ou seja,

desenhar, construir, operar e transferir. As exigências eram as mesmas feitas para

a construção da penitenciária em Minas Gerais.

O objetivo era construir duas penitenciárias, com 100 e 650 vagas,

respectivamente, incluindo o orçamento das construções e todos os custos com

pessoal de atividade meio, veículos, mobiliários, equipamentos eletroeletrônicos,

médico hospitalares, de segurança e de tecnologia da informação, materiais

permanentes e de consumo.

Até 9 de novembro de 2012, nenhuma informação foi divulgada

sobre o andamento do projeto.

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7.1.4 São Paulo

Em 3 de março de 2012, o Diário Oficial do Poder Executivo

chamou empresas privadas interessadas em concorrer, na modalidade parceria

público-privada, para apresentar estudos técnicos e de modelagem de uma

penitenciária.

O edital informava que a construção, a operação e a manutenção

seriam em cogestão. Não há notícia sobre a continuidade do projeto.

7.1.5 Mato Grosso

O Estado de Mato Grosso publicou, em 31 de janeiro de 2012, no

Diário Oficial, o processo para chamar empresas interessadas em concorrer – na

forma de parceria público-privada – à construção de 5 unidades penais, em um

complexo penitenciário na região metropolitana de Cuiabá, para 3 mil detentos.

A concessão é por 25 anos; a construção deve ser entregue em 18 meses.

Em 21 de agosto de 2012, o Diário Oficial anunciou a suspensão da

audiência pública para readequar o projeto. Após esta data, nada foi publicado

sobre a iniciativa.

7.1.6 Goiás

Em matéria publicada no jornal Estado de Goiás, entre 24 e 26 de

agosto de 2011290

, o governador Marconi Perillo anunciou a construção de uma

penitenciária nos moldes de parceria público-privada após ter visitado, na

Inglaterra, unidades que a adotavam. Entretanto, nenhum edital de convocação

foi publicado para discutir o projeto.

290 Disponível em: <http://www.jornalestadodegoias.com.br/admin/images/87577300_1314191695.pdf>.

Acesso em: 09 set. 2012.

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O site da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal291

publicou uma nota na qual afirma ter visitado o Complexo Penitenciário Antônio

Jacintho Filho, em Sergipe, para estudar a viabilidade de uma penitenciária em

parceria, na modalidade privada, no Estado.

7.2 Terceirização das Atividades Acessórias, Instrumentais ou

Complementares

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, terceirização seria toda a

contratação de serviços de terceiro para o desempenho de atividade-meio. O

objetivo é buscar maior eficiência tendo em vista o nível de especialização da

empresa contratada, que pode assumir variadas formas (empreitada de obra e de

serviços, locação de serviços e mão de obra) e a franquia.292

Na amplitude que a autora confere ao termo, poder-se-ia considerar

privatizada a unidade que tivesse terceirizado apenas o serviço de fornecimento de

alimentos, por exemplo. Nesses termos, todas as prisões brasileiras seriam

privatizadas.

Contudo, para o referencial neste estudo, temos que a privatização

implica contratar empresa para desempenhar atividades-meio (acessória,

instrumental ou complementar) em regime de cogestão ou gestão compartilhada.

É necessário, portanto, que além da execução dos serviços, a própria

administração dos serviços terceirizáveis seja atribuída ao parceiro privado.

Por meio do enunciado nº 331, com redação dada pela Resolução

nº 96/2000, o Tribunal Superior do Trabalho se pronunciou. A terceirização para

fornecer mão de obra só será lícita em caráter temporário (Lei nº 6.019/74), para

serviços de vigilância (Lei 7.102/83), para contratar serviços de conservação e

limpeza e outros especializados ligados à atividade-meio do tomador. Não deve

existir a pessoalidade nem a subordinação direta.

291 Disponível em: < http://www.agsep.go.gov.br/destaques/26/10/2012/agsep-conhece-administracao-

prisional-mantida-por-ppp-em-sergipe> Acesso em: 9 nov. 2012.

292 Nesse sentido: DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2006, p.

229.

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124

A sanção pelo descumprimento dessa normativa é a formação de

vínculo empregatício entre o empregado e a empresa tomadora de serviços, salvo

quando esta for a Administração Pública. O vínculo empregatício caracterizaria

ofensa à regra constitucional de concurso público.

Recentemente, os ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior

do Trabalho (TST) condenaram a Centrais Elétricas de Rondônia S.A (CERON)

ao pagamento de R$ 50 mil por dano moral coletivo. A instituição contratou

profissionais para executar a atividade-fim da empresa, por meio de terceirização,

sem realizar concurso público.

De acordo com os Ministros, a distribuidora de energia elétrica

ofendeu mais do que direitos individuais; trata-se, em verdade, de lesão que atinge

todos os possíveis candidatos que, submetidos ao concurso público, concorreriam

ao emprego em igualdade de condições.

No caso da Administração Pública, a contratação para fornecer mão

de obra é juridicamente impossível, ainda que temporariamente. Isto porque a

Constituição (art.37, inc.II) exige que a investidura em cargos, empregos e

funções públicas se dê por meio de concurso público.

A contratação por tempo determinado só é admitida pela Carta para

atender necessidade temporária de excepcional interesse público293

. Mesmo

assim, por ser norma de eficácia limitada, cuja aplicabilidade é mediata, indireta e

reduzida, depende de normatividade futura.

Conforme a Constituição, a contratação excepcionalíssima por

tempo determinado não poderá ser para cargo ou função permanente nos quadros

da Administração, sob pena de fraude à Carta Magna. Essa previsão está no artigo

2º do Decreto nº 2.271/97, que proíbe que o objeto de execução indireta das

atividades inerentes às categorias funcionais sejam abrangidas pelo plano de

cargos do órgão ou entidade. Isto só será possível se houver expressa disposição

legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no

âmbito do quadro geral de pessoal.

293 BRASIL. Constituição Federal (1988), art. 37, inc. IX: “a lei estabelecerá os casos de contratação por

tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

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Portanto, o direito positivo brasileiro há muito admite contratar

pessoa jurídica estranha ao Poder Público para a execução indireta de serviços

acessórios, instrumentais e complementares. O Estado poderá delegar a um ente

privado os serviços que não pertençam legalmente às suas atribuições centrais.

No sistema prisional, admite-se a terceirização das atividades de

hotelaria, alimentação, assistência hospitalar, limpeza, lazer e educação. Mas, não

poderão ser objeto desses contratos de prestação de serviços as atividades ligadas

à segurança externa e de muralhas, à supervisão disciplinar, nem que envolvam

funções de direção da unidade prisional (a não ser aquelas relativas às formas de

execução do serviço contratado).

O mesmo impedimento de trespasse de atividades indelegáveis

cabe em relação à concessão administrativa. A escolha entre essas duas

modalidades de privatização faz parte da discricionariedade estatal. O valor

mínimo para a parceria público-privada afasta contratos de pequeno e médio

vulto. Assim, para as contratações envolvendo o desenho e a construção da

infraestrutura prisional, só resta ao poder público a concessão administrativa.

7.2.1 Paraná

Segundo informações do Departamento Penitenciário do Paraná,

por meio da Secretaria da Justiça, Cidadania e dos Direitos Humanos294

, a

Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), com capacidade para 240 presos em

regime fechado, foi construída com recursos dos governos federal e estadual, e

inaugurada em 12 de novembro de 1999. É a primeira penitenciária industrial do

país.

O custo total (projeto, obra e circuito televisivo) foi de R$

5.323.360,00 (cinco milhões, trezentos e vinte e três mil trezentos e sessenta

reais). Destes, 80% vieram de convênio com o Ministério da Justiça; 20%, do

Estado.

294 Disponível em: <http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=36>. Acesso

em: 17 ago. 2012.

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126

Além do necessário objetivo ressocializador, a PIG materializou

uma das principais metas instituídas pelo governo paranaense. Isto é, o preso

deve, sempre que possível, estar próximo da sua família e/ou local de origem.

Conforme as informações do site do governo paranaense, o poder

público implantou seu projeto arquitetônico em um terreno de 35 mil m², com

7.177,42m² de área construída.

Para viabilizar a reintegração e a profissionalização do apenado,

instalou-se uma fábrica de calçados na penitenciária, com mais de 1.800m².

Atualmente, funciona com 70% dos internos, em três turnos de seis horas, que

recebem um salário-mínimo (75%, que equivalem a R$ 466,50 são entregues ao

preso); o restante é retido ao Fundo Penitenciário do Paraná como taxa de

administração.

A penitenciária foi divida em cinco galerias. São 120 celas, dois

refeitórios, cinco pátios, doze quartos para visita íntima, um consultório médico e

um odontológico, três salas de aula, seis para atendimento técnico, uma

lavanderia, uma biblioteca, uma cozinha e cinco canteiros de trabalho.

A parceria firmada entre o Estado do Paraná e o ente privado

Instituto Nacional de Administração Prisional (INAP) durou até 2006. A partir

daí, o governo paranaense resolveu reverter o processo de privatização de prisões.

Afirma-se que, no caso das penitenciárias do Paraná, a “reestatização” das

penitenciárias foi uma idiossincrasia do governador, que se opunha

idelogicamente à privatização do sistema prisional.

Os custos por detento nas unidades terceirizadas variam entre R$

894 e R$1.649. Na média mensal, isso equivale a R$ 1.266 por interno. Na mesma

metodologia, para unidades exclusivamente públicas o custo médio mensal, por

preso, era R$ 1.387, ou seja, um valor 10% superior.295

O índice de reincidência na Penitenciária Industrial de Guarapuava

chegou a apenas 6% (contra 70% da média nacional), o que demonstra maior

295 CABRAL, Sandro; Lazzarini, Sergio G. Impactos da participação privada no Sistema Prisional:

evidências a partir da Terceirização de prisões no Paraná. In: Revista de Administração Contemporânea.

V. 14, n. 3, Mai/Jun, 2010, p. 402.

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eficiência desse modelo privatizado em relação à ressocialização.

Foi observado, ainda, que o percentual de internos que trabalham

na unidade contribui para a redução dos óbitos, indicando a pertinência das

atividades laborais no sistema prisional.296

Constatou-se que as chances de ocorrência de óbito nas prisões

privatizadas foram 41% menores em relação à unidade integralmente pública num

mesmo período; da mesma forma, a chance de fugas nas unidades de gestão

compartilhada foram 99% menores.297

A segunda penitenciária industrial construída no Paraná foi a

Penitenciária Industrial de Cascavel298

, inaugurada em 22 de fevereiro de 2002,

nos mesmos padrões da Penitenciária Industrial de Guarapuava. O custo foi de

R$5.118.990,03 e o local tinha capacidade para 345 detentos. Inicialmente os

detentos trabalharam para a empresa Anjos Estofados, de Capitão Leônidas

Marques.

O trabalho dos detentos variava entre a indústria moveleira e

serviços de cozinha, lavanderia, limpeza e padaria. A administração

compartilhada ficou a cargo do INAP, a mesma empresa que administrava a

Penitenciária de Guarapuava.

Em 14 de fevereiro de 2010, o jornal A Gazeta do Povo (veículo de

maior circulação do Paraná) publicou uma reportagem sobre a superlotação

carcerária. O texto mencionava que o retorno ao poder público das seis

penitenciárias administradas por empresas terceirizadas, segundo o Secretário de

Estado da Justiça e Cidadania, Jair Ramos Braga, foi uma decisão do governador

Roberto Requião de que o Estado não deveria ter empresas terceirizadas.299

Com exceção da unidade Penitenciária Industrial de Guarapuava,

que subcontratou uma empresa de alimentação, todas as outras unidades

296 CABRAL, Sandro; Lazzarini, Sergio G. Impactos da participação privada no Sistema Prisional:

evidências a partir da Terceirização de prisões no Paraná. In: Revista de Administração Contemporânea.

V. 14, n. 3, Mai/Jun, 2010, p. 406.

297 Id., Ibid., p. 407.

298 Disponível em: < http://www.estadao.com.br/arquivo/cidades/2002/not20020222p15694.htm> Acesso

EM: 03 mar. de 2010.

299Disponível em:<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=973662&tit=PPPs-

-Presidios-Publicos-ou-Privados>. Acesso: 04 mar. de 2012.

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preparavam a alimentação e distribuíam-na por meio dos presos.300

O setor de alimentação passou a ser terceirizado para todas as

unidades em decorrência de uma rebelião na Penitenciária Central do Estado em

que os presos destruíram a cozinha dessa unidade penal. Era mais barato pedir que

as empresas particulares fornecessem os alimentos em marmitas do que as

penitenciárias terem equipamentos de cozinha. Em caráter emergencial, foi

autorizada a compra de fornecimento de alimentos em forma de marmita para os

detentos (processo integrado no. 5.048.373-8) e a distribuição de almoço e jantar,

por R$ 2,50 cada refeição, pela empresa Risotolândia Ind. e Com. de Alimentos

Ltda.

7.2.2 Ceará

Inaugurada em 17 de novembro de 2000, a Penitenciária Industrial

Regional do Cariri (PIRC), em Juazeiro do Norte (CE), tem 15mil m², 66 celas

coletivas para 5 presos, 117 celas para dois e oferece 549 vagas. É mais um

exemplo da privatização por meio da terceirização de serviços acessórios.

Assim como nos demais casos de privatização de unidades

prisionais no Brasil, o gerenciamento da PIRC continua sendo feito pela

administração pública, por intermédio do quadro funcional da Secretaria da

Justiça. Cabe à entidade privada Humanitas Administração Prisional S/C

(posteriormente, Companhia Nacional de Administração Prisional – Conap),

fornecer alimentos, manutenção, limpeza, vestimenta e material de higiene para os

detentos.

A parceira privada ficou responsável pela segurança e pelo

monitoramento das áreas de vivência, atendimento médico, odontológico,

psicológico, social e jurídico. A supervisão das rotinas internas das oficinas de

300 MARTINS, Vanessa Chrisostomo. A evolução do processo de fornecimento da alimentação aos presos

no Sistema penitenciário do Estado do Paraná entre 1990 e 2005. Curitiba. Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, 2005.

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trabalho e as atividades de educação física dos detentos também são atribuições da

empresa administradora.

Um dos aspectos inovadores do modelo de Cariri foi a parceria

com um fabricante de joias. Ao preso era permitido fabricar bijuterias, brincos,

colares, broches e anéis e receber 75% do salário mínimo pela atividade.

Além deste ofício, o interno poderia trabalhar na cozinha industrial,

na padaria, na horta e com a limpeza do prédio. Assim, garantia seu direito à

redução do cumprimento da pena por meio do instituto da remição, que a partir da

Lei 12.433/2011, passa a considerar também o tempo de estudo do preso para o

abatimento das pena imposta.

A Conap ficou responsável pela assistência psicológica, orientação

social e sexual. No tocante à saúde dos presos, a assistência é prestada por uma

equipe composta de um médico, um psiquiatra, dois psicólogos, um dentista, dois

enfermeiros e três assistentes sociais.

A infraestrutura do núcleo de saúde é composta por uma enfermaria

e um centro cirúrgico onde são feitos procedimentos de baixa e média

complexidade. A assistência educacional, por sua vez, se dá por meio de um

centro de ensino fundamental e médio no qual os internos recebem a instrução

escolar.

Em 2005, o Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados

do Brasil (Seção do Estado do Ceará), propuseram uma ação civil pública301

em

face da Companhia Nacional de Administração Prisional (Conap) e do Estado do

Ceará. Naquela ocasião, foi deferida, em sede de antecipação da tutela, suspender

o vínculo contratual entre o Estado do Ceará e a Conap, e de mais outras duas

penitenciárias privatizadas sob o mesmo regime de cogestão. A alegação era que a

relação jurídica material não encontrava respaldo legal e ofendia a

indelegabilidade de função estatal típica.

A decisão foi revertida por Agravo de Instrumento (nº 81.428-C

E1), em acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª

301 JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DA 5ª REGIÃO. Ação Civil Pública n.

2005.810.0015026-0, Seção Judiciária do Ceará – 3ª Vara Federal.

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Região, que entendeu não haver legitimação ativa dos postulantes e ser caso de

incompetência da Justiça Federal para julgá-lo. O resultado foi a extinção da ação

civil pública sem a solução do mérito.

7.2.3 Bahia

Em 27 de novembro de 2002302

, foi inaugurada, em Valença, a

primeira penitenciária privatizada da Bahia e a terceira, no Brasil. Administrada

pela empresa Yumatã Empreendimentos e Serviços de Manutenção, tem

capacidade para 268 detentos.

Nesses complexos, os diretores geral e adjunto e o coordenador de

segurança continuam sendo nomeados pelo poder público. O restante da equipe é

formada por funcionários do setor terceirizado.

Sandro Cabral, em sua tese de doutorado303

, comparou duas

penitenciárias entre 2003 e 2004: não privatizada (Conjunto Penal Teixeira de

Fretais), e outra privatizada (Conjunto Penal de Valença), ambos na Bahia. O

autor adotou parâmetros e metodologia relacionados à estrutura do prédio, sua

capacidade para abrigar detentos, perfil do crime cometido, valores financeiros

despendidos, segurança e ordem e serviços terceirizados para a administração da

penitenciária.

Os dados demonstraram que, no período analisado, o setor

terceirizado gastou muito mais com a estrutura do complexo penitenciário. Em

compensação, ofereceu mais e melhor qualidade e serviços quando comparado ao

setor público.

302 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/arquivo/cidades/2002/not20021126p21391.htm>. Acesso

em: 04 de abril de 2012.

303 CABRAL, Sandro. Além das Grades: Uma análise comparada das modalidades de gestão do

sistema prisional. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administração. Originalmente apresentada

como tese de doutorado. Salvador, Bahia, 2006.

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Em 2006, de acordo com o relatório, 31 presos fugiram de unidades

de administração pública contra 12 das unidades em cogestão. A guarda da

muralha é realizada, em ambos os casos, pela polícia militar304

.

O relatório Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado da

Bahia, de novembro de 2007, indica que o estado tem 5 estabelecimentos penais

em cogestão com a iniciativa privada: Conjunto Penal de Juazeiro, Conjunto Penal

da Serrinha e Conjunto Penal de Valença (Empresa Reviver305

); Conjunto Penal

de Lauro de Freitas e Penal de Itabuna (Yumatã).

O relatório do Ministério da Justiça, publicado em novembro de

2007, indica que o custo de cada detento era R$ 1.500 contra R$ 1.300, por

detento, em unidades com gestão pública integral. Os diretores geral e adjunto e o

coordenador de segurança são servidores públicos. Os demais são contratados

pela gestora.

Em 1º de setembro de 2008306

, a empresa Reviver, em contínuo

sistema de cogestão, passou a administrar também as penitenciárias do Conjunto

Penal de Juazeiro. As de Serrinha e Valença já estavam sob a sua

responsabilidade.

7.2.4 Amazonas

A terceirização começou em 2003, em caráter emergencial, pela

falta de servidores públicos e ocorrência simultânea de várias rebeliões nas

penitenciárias do Estado307

.

Em dezembro de 2007, dos 390 agentes penitenciários do Estado,

294 trabalhavam nas unidades terceirizadas. A equipe operacional foi contratada

pelo regime da CLT por meio da Companhia Nacional de Administração

304 MOURA, Viviane Braga de. As parcerias público-privadas no sistema penitenciário brasileiro. Brasília,

2011.

305 Disponível em: < http://www.reviverepossivel.com> Acesso em: 03 mar.2012.

306 Disponível em: <http://www.reviverepossivel.com/site/unidades-administradas/cpj-juazeiroba>. Acesso

em: 01 jul. de 2012.

307 Disponível em: <http://www.mjornal.com.br/sindeprestem/integra.asp?Codigo=17909> Acesso em: 01

jul. de 2012.

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Penitenciária (Conap). Nessas unidades, o Estado repassa para as empresas

terceirizadas entre R$ 1.348308

e R$ 1.430, por preso. Nos presídios não-

terceirizados, cada preso custa, em média, R$ 1.200 ao Estado.

Nessa época, trabalhavam com prestação de serviços terceirizados,

nas unidades de Manaus, 10 assistentes jurídicos e 6 estagiários de Direito em

face de 10 assistentes jurídicos e 10 estagiários, em unidades não-terceirizadas.

De acordo com o Plano Diretor do Sistema Penitenciário do

Amazonas, de fevereiro de 2008, havia 3 estabelecimentos penais terceirizados: a

unidade masculina de regime fechado do Complexo Penitenciário Anísio Jobim

(Compaj), inaugurada em 1999309

, o Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT) e a

Unidade Prisional do Puraquequara (UPP). Estas continuam sendo as únicas

privatizadas no Estado, administradas pela Companhia Nacional de

Administração Prisional (Conap), registrada sob a razão social Empresa

Auxílio310

.

O estudo do Conselho Nacional de Justiça de 2010 apontou déficit

de vagas em todas as unidades não terceirizadas311

como um dos problemas das

penitenciárias geridas integralmente pelo Poder Público.

Entre os aspectos negativos nas terceirizadas, observou-se que os

detentos não trabalham na cozinha, lavanderia ou limpeza. Isto pode ser um

desestímulo para projetos como o „Começar de Novo‟, do Conselho Nacional de

Justiça, que pretende reinserir o egresso à sociedade por meio de capacitação,

educação e oferta de trabalho para ex-detentos312

.

308 CPI Sistema Carcerário. 2009. Disponível em:<

http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf?sequence=> Acesso

em: 30 out. 2012.

309 MARTINS, Maria Aparecida da Silva. Reciclando para a Liberdade: A reciclagem dos Resíduos Sólidos

de Plástico no Regime Fechado do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Instituto de Ciências

Humanas e Letras Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Universidade Federal

do Amazonas, Manaus, 2009.

310 Disponível em:< http://www.mjornal.com.br/sideprestem/integra.asp?Codigo=19909>. Acesso em: 02

fev. 2012.

311II MUTIRÃO CARCERÁRIO DO AMAZONAS. Disponível em: <http://acritica.uol.com.br/

manaus/relatorio-cnj-amazonas_acrfil20111125_0001.pdf >. Acesso em: 29 out. 2012.

312 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/13856-divulgacao-do-projeto-comecar-de-

novo-ao-empresariado-do-polo-industrial-de-manaus.> Acesso em: 29 out. 2012.

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Há duas unidades no Complexo Penitenciário Anísio Jobim. É

terceirizada apenas a unidade de regime fechado masculina, com capacidade para

450 detentos.

Em 2011, o relatório de visitas do Ministério da Justiça apontou

735 detentos somente nessa unidade.

No Compaj, os detentos representam mão de obra barata para as

empresas, uma vez que não são admitidos pela lei trabalhista brasileira, a CLT.

Assim, não há pagamento de férias, nem 13º salário ou depósito de fundo de

garantia.313

Em pesquisa feita por Maria Aparecida da Silva Martins, da

Universidade Federal do Amazonas314

, observou-se que os detentos trabalhavam

com artesanatos. Quando questionados se o trabalho no presídio colaborava para

ressocializar o interno e prepará-los para o mercado de trabalho, a resposta entre

os detentos foi unânime, qual seja, que o trabalho os faz pessoas melhores e

capazes de vislumbrar dias diferentes.315

Em 2010, o jornal O Globo publicou uma reportagem sobre as

bolsas ecológicas, um trabalho desenvolvido pelos detentos desta unidade, que

garantia a renda para as suas famílias 316

.

Nas unidades terceirizadas da capital trabalhavam, em 2010, 10

assistentes jurídicos e 6 estagiários de Direito; nas unidades não-terceirizadas, 10

assistentes jurídicos e 10 estagiários.

A penitenciária Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT) recebe

presos provisórios do sexo masculino e tem capacidade para 496 detentos. Com a

313 MARTINS, Maria Aparecida da Silva. Reciclando para a Liberdade: A reciclagem dos Resíduos

Sólidos de Plástico no Regime Fechado do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Instituto de

Ciências Humanas e Letras Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia. Universidade

Federal do Amazonas, Manaus, 2009.

314 Id.,Ibid., 2009.

315 Id., Ibid., p.20.

316 Disponível em:

<http://portalamazonia.globo.com/newstructure/view/scripts/noticias/noticia.php?id=105853 >. Acesso em:

04 abr. 2012.

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terceirização, apenas 5 cargos (até fevereiro de 2011), eram ocupados por agentes

do Estado317

. A segurança externa do muro é feita por funcionários públicos.

Em 2010, o relatório do Conselho Nacional de Justiça apontou que

a Penitenciária de Puraquequara tem uma boa estrutura e oferece aos detentos

serviços de enfermaria, odontologia, alimentação e panificadora própria.

Em fevereiro de 2012318

, foram veiculadas reportagens nos

principais jornais do Brasil sobre a entrada de bebidas alcoólicas, petiscos e

televisão na prisão cujas imagens circularam amplamente pelas redes sociais.319

Em 2007, houve uma rebelião noticiada em todo o país. De acordo

com o jornal O Estado de S.Paulo, os detentos exigiam maior rapidez na

tramitação de seus processos, mais tempo para visitas e banhos de sol e melhorias

quanto à alimentação e as condições de higiene.320

Eles321

atearam fogo nos colchões e destruíram a estrutura interna

do presídio que ainda não foi reerguida. O principal empecilho é a discussão se a

responsabilidade é do Estado ou da empresa. Até a conclusão do relatório não

havia nenhuma contratação prevista.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça do Estado do Amazonas

relatou algumas observações sobre o presídio 322

. Segundo o documento, a

terceirização é feita pela empresa Auxílio e inclui serviços médicos, psicológicos,

psiquiátricos, de enfermagem, assistência social e odontológico. Não há

superlotação; ao contrário, sobravam vagas.

A higiene nas celas e dependências externas (áreas de visita,

administração e serviços) eram excelentes. Todos os detentos tinham camas

317 CONSELHO Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Relatório de visitas (fev.2011). Disponível

em: <

http://portal.mj.gov.br/main.asp?ViewID=%7BE9614C8C%2DC25C%2D4BF3%2DA238%2D98576348F0

B6%7D&params=itemID=%7BA5701978%2D080B%2D47B7%2D98B6%2D90E484B49285%7D;&UIPar

tUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D> Acesso em: 05 abr. 2012

318 Disponível em: <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/03/presos-que-participaram-de-farra-

em-cadeia-de-manaus-sao-tranferidos.html>. Acesso em: 28 out. 2012.

319 Disponível em: < http://s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2012/03/27/presos300.jpg >. Acesso em: 28 out.

320 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,pelo-menos-duas-pessoas-morrem-

durante-rebeliao-em-manaus,56567,0.htm> . Acesso em: 28 de outubro de 2012

321 Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,rebeliao-de-manaus-termina-apos-refens-

serem-libertados,56576,0.htm> . Acesso em: 28 de outubro de 2012

322 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. II Mutirão Carcerário do Amazonas. 28 de outubro de 2012

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individuais, colchões, uniformes, roupas de cama, artigos de higiene, toalhas de

banho e atendimentos jurídico e religioso. São oferecidos 4 advogados e 2

estagiários aos detentos; a alimentação é terceirizada e de boa qualidade. Apenas

alguns presos trabalham com artesanatos, sem receber remição de pena. A

segurança externa é responsabilidade da Polícia Militar e há atividades

desportivas com professores de educação física323

.

O Conselho Nacional de Justiça de 2010 apontou que a

Penitenciária de Puraquequara tem boa estrutura, além de oferecer serviços de

enfermaria, odontologia, alimentação e panificadora própria.

7.2.5 Santa Catarina

Há duas unidades em sistema de cogestão: Penitenciária Industrial

Jucemar Cesconetto, conhecida como Penitenciária Industrial de Joinville, e o

Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí324

.

A Penitenciária Industrial Jucemar Cesconetto foi inaugurada no

início de agosto de 2005325

e começou a funcionar em sistema de cogestão com a

empresa Montesinos Sistema de Administração Prisional.

De acordo com o Plano Diretor de 2008, até aquele ano havia 354

detentos em regime fechado, semiaberto e provisório; a direção da penitenciária

era gerida pelo Departamento de Administração Prisional do estado, mas os

funcionários eram contratados pela empresa cogestora.

São várias as conveniadas que pagam pelas atividades realizadas

pelos detentos que aprendem novas profissões e se qualificam no presídio. Entre

elas: Ciser (90 presos em atividade); Tigre (38), Caribor (26); Panificado

Ramaykon (15); Nutribem (13), Montesinos (13), Nova Aliança Construtora e

Incorporadora (10) , First Line (9), Artbor (7), Plasnor (7) e Schulz (5)326

.

323 Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado do Amazonas.

324 Disponível em <http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/6206-complexo-penitenciario-do-vale-do-

itajai-comeca-a-receber-detentos.html>. Acesso em: 05 mai. de 2012.

325 Disponível em <http://www.aids.gov.br/es/node/19651> . Acesso em 01 mar.2012.

326 Fonte: DEAP Santa Catarina (nov.2010)

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136

Em novembro de 2010, os detentos recebiam R$ 510 327

mensais,

em média, pela atividade realizada. Cada detento custa R$ 3.060 ao Estado.

Para os internos, outro benefício da atividade é a remição da pena,

conforme o art. 126 e parágrafos da Lei da Execução Penal. Quanto menos tempo

o detento ficar sob guarda do Estado, menos gastos para mantê-lo.

A Penitenciária Industrial de Joinville já foi bastante elogiada em

função do tratamento e das condições humanas oferecidas aos detentos328

. A

Ordem dos Advogados de Santa Catarina329

visitou o presídio e verificou as

condições diferenciadas destes detentos em comparação a outras geridas

integralmente pelo Estado.

A Revista Brasileira de Administração330

observou que não havia

grades enferrujadas e que a manutenção do complexo penitenciário era excelente.

De acordo com a Secretaria do Estado de Segurança Pública e

Defesa do Cidadão331

, da inauguração até julho de 2010, entre 643 detentos

liberados, apenas 65 cometiam novos delitos. Uma porcentagem de 10,10% de

reincidência.

A segurança interna é terceirizada e a externa é feita, por policiais

militares.332

Outra unidade em sistema de cogestão é o Complexo Penitenciário

do Vale do Itajaí333

, inaugurada em março de 2012. O Diário Oficial do Estado de

Santa Catarina publicou, em 15 de fevereiro de 2012, uma dispensa de licitação e

327 Disponível em:

<http://www.acij.com.br/uploads/banco_conhecimento/76667ff63ff78e3d60d20e5d4ff76c88.pdf> . Acesso

em: 06. Jul. 2012.

328 Disponível em:

<http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_423608.shtml> Acesso em: 06 jul

de 2012.

329 Disponível em:

<http://oabbnu.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=2393:&catid=16:&Itemid=27>

Acesso em: 06 jul. 2012

330Disponível em:

<http://www.sinsap.com.br/imgs/dbf9e56f8fb196bc0114ce6c7b38c00b.Administrando%20o%20caos%20do

%20sistema%20prisional.pdf > Acesso em: jul /ago 2009.

331 Disponível em:

<http://www.acij.com.br/uploads/banco_conhecimento/76667ff63ff78e3d60d20e5d4ff76c88.pdf > Acesso

em: 01 de out. de 2012

332 Relatório de Inspeção de 2010 do Ministério da Justiça.

333 Disponível em:< http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/6206-complexo-penitenciario-do-vale-do-

itajai-comeca-a-receber-detentos.html> Acesso em: 05 jul. de 2012.

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137

concedeu à mesma empresa que administra a Penitenciária Industrial de Joinville

a gestão do Complexo Penitenciário Vale do Itajaí.

Na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, ainda que o trabalho

não seja em cogestão, os alimentos e a prestação de serviços são terceirizados,

como a Intelbrás, Bejo e Pintando a Liberdade334

, por meio de oficina de bolas,

serigrafia e montagem de grampos.

7.2.6 Espírito Santo

Há três estabelecimentos penais terceirizados: a Penitenciária de

Segurança Máxima I, a Penitenciária de Segurança Média de Colatina e o Centro

de Detenção Provisória de Guarapari335

, todos administrados pelo Instituto

Nacional de Administração Prisional336

(Inap).

Não são terceirizados a direção da unidade prisional, o diretor,

diretor adjunto, chefe de segurança e a guarda armada nas muralhas cujas tarefas e

funções são realizadas pelos agentes e servidores estaduais337

.

Fábio Maia Ostermann338

mencionou em seu artigo que o Instituto

Nacional de Administração de Penitenciária (INAP) recebe do governo R$ 598

mil por mês pela administração da Penitenciária de Segurança Média de Colatina.

Ao entrarem na penitenciária, os detentos recebem roupas de verão

e inverno, sapatos, meias, cuecas, aparelhos de barbear, sabão, sabonete, escova

334 DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Manual de Boas Práticas do Sistema

Penitenciário Nacional. 2009.

335 Disponível em < http://www.metropolitana.com.br/blog/grupo-metropolitana/inap/page/3/ > Acesso em:

09 mar. 2012.

336 CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICAS CRIMINAL E PENITENCIÁRIA. Relatório sobre

inspeção feita em estabelecimentos penais do Estado do Espírito Santo. Realizado em 12 e 13 de janeiro de

2012.

337 SOUZA, Cláudio Alencar Soares de. As Parcerias Público-Privadas Aplicadas ao Sistema

Penitenciário do Brasil. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Candido Mendes. Rio de

Janeiro, 2011.

338 OSTERMANN, Fábio Maia. Privatização de presídios como alternativa ao caos prisional.

Disponível em < http://www6.ufrgs.br/ressevera/wp-content/uploads/2010/08/v02-n01-artigo02-

privatizacao.pdf>. Acesso em: 06 de mai. de 2012.

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138

de dente e creme dental.339

O tratamento ao detento, os objetos de higiene e as

roupas são melhores que em outras penitenciárias. O Plano Diretor informa uma

média salarial dos agentes terceirizados em torno de R$ 900. Há 1,8 detentos por

agente terceirizado.

O Relatório Penitenciário de 2012340

do Ministério da Justiça

aponta que, em 12 de janeiro de 2012 (data da inspeção), havia 264 detentos na

penitenciária de segurança média de Colatina, cuja capacidade máxima é de 265

detentos (4 detentos em cada cela). A penitenciária é terceirizada desde 2005341

. A

alimentação é feita no próprio presídio; há auxílio psicológico e assistência social

aos detentos, ainda que os profissionais sejam insuficientes.

O Estado repassa R$ 600 mil por mês à empresa. Cada detento

custa, em média, R$ 2.040. Segundo o secretário estadual de Justiça, Ângelo

Roncalli, nas unidades exclusivamente públicas esse custo é, em média, R$ 2.300.

A Penitenciária de Segurança Máxima I, terceirizada desde

setembro de 2007, abriga presos de alta periculosidade342

e tem administração

terceirizada, gerida pelo INAP. Em 13 de janeiro de 2012, havia 510 detentos para

uma penitenciária com capacidade para 505. Nesta unidade, a alimentação é

quarteirizada, ou seja, é contratada pela empresa terceirizada.

No Centro de Detenção Provisória de Colatina, a alimentação é

terceirizada. Em 12 de janeiro de 2012, havia no presídio 496 detentos, abaixo da

capacidade máxima, que é de 572 presos.

No Centro Prisional Feminino de Colatina, na Penitenciária

Regional de Colatina e no Centro de Detenção Provisória de Vianna II, a

339 OSTERMANN, Fábio Maia. Privatização de presídios como alternativa ao caos prisional.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em < http://www6.ufrgs.br/ressevera/wp-

content/uploads/2010/08/v02-n01-artigo02-privatizacao.pdf>. Acesso em: 06 de mai. de 2012.

340 CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICAS CRIMINAL E PENITENCIÁRIA. Relatório sobre

inspeção feita em estabelecimentos penais do Estado do Espírito Santo. Realizado em 12 e 13 de janeiro de

2012. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={E9614C8C-C25C-4BF3-A238-

98576348F0B6}&BrowserType=NN&LangID=pt-

br&params=itemID%3D%7BA5701978%2D080B%2D47B7%2D98B6%2D90E484B49285%7D%3B&UIP

artUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D > Acesso em: 06 de

novembro de 2012

341 OSTERMANN, Fábio Maia. Privatização de presídios como alternativa ao caos prisional.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em < http://www6.ufrgs.br/ressevera/wp-

content/uploads/2010/08/v02-n01-artigo02-privatizacao.pdf>. Acesso em: 06 de mai. de 2012.

342 DUTRA, Domingos. Relatório final da CPI do Sistema Carcerário (2008).

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alimentação é terceirizada, bem como parte dos serviços de saúde. Nas unidades

terceirizadas, a alimentação é de boa qualidade, mas bastante inadequada nas

públicas. Por fim, até 2011, não havia registro de fugas, rebeliões ou superlotação.

A administradora das penitenciárias terceirizadas do Espírito Santo

custeia a instalação e a manutenção de equipamentos de segurança, os uniformes

dos seus funcionários, colchões, roupas de cama, kits de higiene, alimentação e

serviços de apoio à cozinha, instalação de estrutura para atendimento médico,

odontológico e enfermaria, além de oferecer trabalho e educação para os internos.

7.2.7 Goiás

Até março de 2008 não havia terceirização de administração

penitenciária em Goiás343

. No entanto, em algumas unidades há detentos que

fazem cursos profissionalizantes em corte e costura para as empresas que

confeccionam os seus uniformes.

De acordo com o Relatório de Visita de Inspeção Prisional,

elaborado em Goiás, em 5 e 6 de março de 2012344

, a única menção à

terceirização é no Centro de Inserção Social de Jataí. Lá, os detentos que

trabalham recebem por peça produzida. Não há notícia sobre a terceirização de

atividade meio em penitenciárias de Goiás.

7.2.8 Tocantins

O Diário Oficial de Tocantins publicou, em 2 de dezembro de

2011, o contrato nº 028/201,1 firmado por licitação345

, em 1 de dezembro de 2011,

entre a Secretaria Estadual da Justiça e dos Direitos Humanos e a empresa

343 DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado

de Goiás. Março 2008.

344 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Relatório de

Visita de Inspeção Prisional no Estado de Goiás, 5 e 6 de março de 2012.

345 Disponível em <http://www.portalct.com.br/estado/2011/12/08/39707-embora-privatizado-nao-ha-data-

prevista-para-a-entrega-do-presidio-barra-da-grota-diz-secretario >Acesso em: 03 mar. de 2012.

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Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda. O objetivo é administrar a Casa de

Prisão Provisória de Palmas e o Presídio Barra da Grota.

A proposta do edital era a aquisição de serviços de

operacionalização da Casa de Prisão Provisória de Palmas e da penitenciária Barra

da Grota em Araguaína, compreendendo serviços técnicos e assistenciais, serviços

de segurança, identificação, prontuário e movimentações, administrativos e de

alimentação, com custo total de R$ 25 milhões e 29 mil.

Em 27 de março de 2012, a Secretaria da Justiça e dos Direitos

Humanos346

publicou uma nota de inspeção, feita em 26 de março de 2012,

mencionando que desde a terceirização (5 de dezembro de 2011), foi construída

uma cozinha industrial e realizada uma reforma parcial na estrutura do prédio.

Além das melhorias quanto à estrutura e a limpeza da área externa, houve 671

atendimentos de enfermagem, 452 atendimentos médicos, 245 pedagógicos, 476

psicológicas e 343 odontológicos347

.

7.2.9 Alagoas

Alagoas é um dos estados com menos documentos. Para sua

avaliação, nos valemos de artigos e notícias veiculadas pela mídia.

De acordo com o boletim interno nº 082/2012 de Maceió,

publicado em 03 de maio de 2012, foram contratadas empresas terceirizadas para

fornecer alimentos.

Estima-se 348

que aproximadamente 845 agentes estão trabalhando

de forma terceirizada para as penitenciárias de Maceió. O fato gerou uma ação

civil pública349

, em 2010.

346 Disponível em < http://sejudh.to.gov.br/noticia/2012/3/27/governo-apresenta-melhorias-na-casa-de-

prisao-provisoria-de-palmas/>. Acesso em: 04 abril de 2012

347 Disponível em http://sejudh.to.gov.br/noticia/2012/3/27/governo-apresenta-melhorias-na-casa-de-prisao-

provisoria-de-palmas/. Acesso em: 04 abril de 2012

348 Disponível em < http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=195915 >. Acesso em: 05

mai. de 2012

349 Disponível em

<http://www.maceioagora.com.br/noticia/2012/7/9/mp_recomenda_demissao_de_900_agentes_penitenciario

s> Acesso em: 17 ago. de 2012

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Em julho de 2012, o Ministério Público Estadual recomendou a

demissão de quase 900 agentes terceirizados. Entre eles há médicos, psicólogos,

motoristas, cozinheiros e técnicos, além de outros profissionais. Até o fim de

outubro, não houve informações sobre a demissão de novos terceirizados.

7.2.10 Sergipe

Oficialmente, até fevereiro de 2008, não havia estabelecimento

penal terceirizado no Estado350

.

Pelo relatório da inspeção feita entre 17 e 18 de janeiro de 2011, há

apenas uma penitenciária em regime de cogestão: O Complexo Penitenciário

Advogado Antônio Jacinto Filho.

O local abriga detentos provisórios e os que cumprem penas em

regime fechado. O serviço de segurança e guarda interna da penitenciária são

feitos pelo setor privado e a guarda externa, pelo poder público.

O Complexo Penitenciário, em funcionamento desde 2009, teve

parceria em cogestão com a empresa Reviver desde 01 de abril de 2009351

. Abriga

detentos de alta periculosidade, assim classificados de acordo com o crime

cometido e o comportamento apresentado. A empresa terceirizada oferece

colchão, objetos para higiene pessoal, uniforme, lençol e um par de sandálias para

cada detento; além de serviços psicológicos, médicos e assistência jurídica. A

alimentação é feita pelos detentos, na prisão.

Da inauguração até outubro de 2012, não houve notícia sobre

tentativa de fuga. O Estado mantém expectativas quanto à licitação de nova

penitenciária na modalidade de parceria pública-privada que talvez seja

implantada em Messias, com 1.800 vagas e conclusão prevista para 2014.352

350 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Plano Diretor Penitenciário.

351 Disponível em

<http://www.reviverepossivel.com/portal/sede/index.php?option=com_content&view=article&id=60&Itemi

d=66&lang> Acesso: 17 ago. 2012.

352 Disponível em http://www.salvealagoas.com/2012/10/novo-presidio-em-alagoas-sera.html>. Acesso em:

05 de novembro de 2012

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142

7.2.11 Rio de Janeiro

Até novembro de 2007, não havia unidades penais terceirizadas no

Rio de Janeiro, de acordo com o Plano Diretor do Ministério da Justiça.

Em relatório de 2011, emitido pelo Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária353

, a terceirização foi encontrada nas atividades meio. Em

Carceragem das Neves, Carceragem de Magê Feminina, Carceragem de Nova

Iguaçú Masculina e Carceragem Duque de Caxias a alimentação é terceirizada

(três refeições ao dia para cada detento).

No Presídio Bandeira Stampa, a alimentação e o serviço de

limpeza são terceirizados pela empresa Premier.

Na Cadeia Pública Jorge Santana, a situação é um pouco melhor

quanto à terceirização dos alimentos. Nela, cada detento recebe quatro refeições

diárias. No Presídio Ary Franco, há uma empresa terceirizada que usa a cozinha

do complexo para preparar as refeições.

7.2.12 São Paulo

No relatório final da CPI do Sistema Carcerário (julho de 2008)

consta que São Paulo tinha 5 estabelecimentos penais terceirizados, mas não

citava os nomes. Segundo o documento, à época, havia 7 estados brasileiros com

estabelecimentos terceirizados.

Em 2008, a alimentação na Penitenciária Feminina de Santana era

feita pelas próprias detentas. A terceirização na alimentação ocorria no Centro de

Detenção Provisória I de Pinheiros, servida três vezes ao dia, por um custo diário

de R$ 18. 354

Em pesquisa aos noticiários de 2012, não se sabe de unidade

penitenciária terceirizada em sistema de cogestão ou terceirização em São Paulo.

353RELATÓRIO de visitas a carceragens e cadeias públicas do Rio de Janeiro. 11 e 12 de julho 2011.

Ministério da Justiça Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

354 CPI do Sistema Carcerário de julho de 2011.

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143

Em 2011, foram verificados 9 complexos penitenciários em 28 de

fevereiro, 1º de março, 16 e 17 de maio: Cadeia Pública de Batatais (masculina);

Centro de Detenção Provisória de Franca; Cadeia Pública de Franca (feminina);

Centro de Detenção Provisória de Ribeirão Preto, Penitenciária de Ribeirão Preto,

Centros de Detenção Provisória de Pinheiros I e II, Penitenciária Feminina de

Sant´Ana e Centros de Detenção Provisória de Belém I e II e Alas de Progressão I

e II.

Foram apontadas terceirização na alimentação na Cadeia Pública

de Franca Feminina, Belém II e Penitenciária Feminina de Santana. Outro serviço

terceirizado355

é o de nutrição.

7.2.13 Outros Estados

A terceirização é mais tímida em outros Estados. De acordo com os

relatórios de inspeção prisional no site do Ministério da Justiça356

, é voltada, em

sua maioria, para o setor de alimentação. Citemos alguns exemplos.

No Acre, ocorre em duas unidades penais, no fornecimento e

preparo da alimentação: Complexo Penitenciário do Rio Branco e Núcleo de

Execução Penal Feminino, em Cruzeiro do Sul. A visita foi realizada em 29 de

fevereiro de 2012.

No Piauí, não há notícia de qualquer tipo de terceirização.

No Mato Grosso, há penitenciárias que terceirizam o fornecimento

de alimentação, mas seus nomes não foram divulgados.

Em Rondônia, a inspeção aconteceu em outubro de 2011. Todas as

unidades penais do Estado recebiam alimentação terceirizada.

355 Disponível em: < http://www.cadterc.sp.gov.br/precos-referenciais/lereferencia.php?id=200998>.

Acesso em: 12 nov. 2012.

356 Disponível em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={E9614C8C-C25C-4BF3-A238-

98576348F0B6}&BrowserType=NN&LangID=pt-

br&params=itemID%3D%7BA5701978%2D080B%2D47B7%2D98B6%2D90E484B49285%7D%3B&UIP

artUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D.> Acesso em: 10 out.

2012.

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Em Mato Grosso do Sul, em visita realizada em outubro de 2011

no Estabelecimento Penal Feminino de Ponta Porã, foi verificado que o alimento

fornecido era terceirizado. Na Unidade Penal Ricardo Brandão, em Ponta Porã,

também havia uma empresa terceirizada que preparava os alimentos.

Em Fortaleza, no Instituto Penal Paulo Sarasate, em 2009,

verificou-se que a alimentação era feita por terceiros. Segundo o relatório, as

unidades terceirizadas haviam retornado ao governo para que a contratação fosse

feita por meio de concurso público.

No Maranhão, o relatório de visita mais recente é de 14 e 15 de

junho de 2008. A terceirização dos alimentos acontecia na Penitenciária de

Pedrinhas.

Em Minas Gerais, não há estabelecimentos penais terceirizados. O

Plano Diretor de outubro de 2007 apontava esse sistema apenas para contratar

nutricionistas, por meio de licitação.

7.2.14 Penitenciárias federais

O Brasil possui 5 estabelecimentos penais federais em 5 estados:

Rondônia (Porto Velho), Rio Grande do Norte (Mossoró), Mato Grosso do Sul

(Campo Grande), Distrito Federal (Brasília) e Paraná (Catanduvas). Todos

projetados para 208 presos.357

O sistema penitenciário federal foi concebido para ser um

instrumento contributivo no contexto nacional da segurança pública, a partir do

momento em que isola os presos considerados mais perigosos do país. São todos

estabelecimentos de segurança máxima.

Nos termos do Decreto nº 6.049, de 27 de fevereiro de 2007, que

aprovou o Regulamento Penitenciário Federal, os estabelecimentos penais

federais têm por finalidade promover a execução administrativa das medidas

357 Disponível em <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7B887A0EF2-F514-4852-8FA9-

D728D1CFC6A1%7D&Team=&params=itemID=%7B5AC72BD6-09F6-49AE-BDB0-

9A5A1D5A28B9%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso

em: 14 nov. 2012.

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145

restritivas de liberdade dos presos, provisórios ou condenados, cuja inclusão se

justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso. Além disso,

recebe presos, provisórios ou condenados, sujeitos ao regime disciplinar

diferenciado (RDD), previsto pelo art. 1º da Lei no 10.792, de 1 de dezembro de

2003.

O Ministério Público Federal emitiu uma recomendação em 2010

solicitando que o serviço de limpeza da Penitenciária Federal de Mossoró, Rio

Grande do Norte, fosse feita por empresa terceirizada e não por detentos, tal qual

ocorre em todas as outras unidades prisionais federais do Brasil. Segundo o

Procurador da República, Fernando Rocha de Andrade, o objetivo seria evitar

fugas dos detentos e melhorar a segurança dos agentes públicos durante o

trabalho. 358

Houve, então, a contratação do serviço de lavanderia359

por meio de

licitação, modalidade pregão, apoio administrativo360

e manutenção predial361

.

A Penitenciária de Catanduvas (Paraná), inaugurada em 23 de

junho de 2012, adota a terceirização nas áreas de manutenção362

, limpeza e

conservação, antes realizada pelos detentos, e na área de apoio administrativo. Em

Campo Grande (Mato Grosso do Sul)363

nos setores de alimentação, limpeza,

administração e manutenção predial; em Porto Velho, no serviço de

lavanderia364

,apoio administrativo365

e manutenção predial. No Distrito Federal,

até 2008, nas áreas de suporte operacional, apoio administrativo e tecnologia da

informação366

.

358 Disponível em: < http://www.prrn.mpf.gov.br/grupo-asscom/noticias-internet/mpf-rn-limpeza-em-

presidio-federal-nao-deve-ser-feita-por-detentos>. Acesso em: 05 mai. de 2012.

359 Processo nº: 08016.007325/2012-06. Contrato 020/2012

360 Processo nº: 08016.009375/2011-39. Contrato 006/2012.

361 SSO nº: 08016.010848/2011-41 Contrato 001/2012.

362 Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jun-29/penitenciaria-federal-catanduvas-completa-seis-

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363 Disponível em: <http://www.sinprfmt.com.br/TNX/conteudo.php?sid=44&cid=1491> Acesso em: 05

mai. 2012.

364 Processo nº: 08016.005496/2012-92. Contrato 019/2012.

365 Processo nº: 08016.009375/2011-39. Contrato 005/2012.

366 RELATÓRIO de Auditoria Anual de Contas. Brasília, 2008.

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146

8 COMPARATIVO: UNIDADES PRISIONAIS PRIVATIZADAS E

UNIDADES INTEGRALMENTE PÚBLICAS

Atualmente, a maioria das penitenciárias brasileiras é de gestão

pública e carecem de boa estrutura e qualidade. Em 13 de novembro de 2012, o

Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou durante uma reunião entre

empresários que talvez preferisse morrer a passar anos num presídio brasileiro367

.

Em carta publicada no jornal Folha de S.Paulo, avaliou que as celas abarrotadas, a

violência, a degradação, as ofensas aos direitos humanos não condizem com o

meio de reinserção social dos detentos. Escreveu, ainda, que os estabelecimentos

penais intramuros se transformaram em escolas de criminalidade.368

Os recentes relatórios de inspeção prisional (no site do Ministério

da Justiça) apontam que, nos estados nos quais não ocorre a terceirização da

administração penitenciária, as condições nas unidades penitenciárias são ruins ou

péssimas.

Em Rondônia (estado em que não há informação sobre

terceirização em unidade penitenciária), em relatório de 22 outubro 2010, foi

mencionado insalubridade, alimentação ruim e falta de atividade laboral dentro

das penitenciárias visitadas369

.

Em geral, os gastos por detento, em penitenciárias de administração

pública, são maiores em relação aos valores repassados às empresas terceirizadas.

Conforme dados fornecidos pelos relatórios oficiais dos estados, pudemos

verificar que nos cinco estados que informaram seus custos médios mensais

(Minas Gerais, Bahia, Amazonas, Espírito Santo e Paraná), a média de custo

mensal por preso era aproximadamente R$ 1.660 nas unidades de gestão

compartilhada, contra R$ 1.720 das unidades integralmente públicas.

367 Disponível em:< http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/11/ministro-da-justica-diz-que-preferia-

morrer-ficar-preso-por-anos-no-pais.html>. Acesso em: 28 de novembro de 2012.

368 CARDOZO, José Eduardo Martins. Opinião. Folha de S.Paulo. 8 nov.2012.

369Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BE9614C8C-C25C-4BF3-A238-

98576348F0B6%7D&BrowserType=NN&LangID=pt-

br&params=itemID%3D%7BA5701978%2D080B%2D47B7%2D98B6%2D90E484B49285%7D%3B&UIP

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de 2012.

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147

Sandro Cabral, ao analisar o sistema prisional do Estado do Paraná,

demonstra que “as unidades prisionais terceirizadas não somente apresentam

menores custos como também exibem melhor desempenho em aspectos de

qualidade, em relação às prisões públicas tradicionais.370

As penitenciárias que foram e continuam sendo administradas em

sistemas de cogestão apresentam resultados excelentes em sua grande maioria.

O Ministério da Justiça aponta em visitas às unidades prisionais

que aquelas com serviços e/ou administração terceirizada têm melhores estruturas,

limpeza, higiene, tratamento aos detentos e menor índice de reincidência no

decorrer dos anos.

Nelas, os detentos recebem mais assistência jurídica de advogados

e estagiários371

, o que coopera para que recebam seus alvarás de soltura assim que

encerram o cumprimento das penas. E quanto menos tempo o detento permanecer

sob a tutela do Estado, menos custo representa ao poder público.

A terceirização oferece aos detentos melhores condições e

atendimento à dignidade humana, o que inclui melhor assistência médica,

odontológica e psicológica. Em unidades terceirizadas, os detentos têm direito ao

banho de sol diário; nas públicas, entre uma e três vezes por semana.

Segundo o governo de Santa Catarina, a reincidência diminuiu 372

e

chegou a 10,10%. O mesmo aconteceu no Paraná, com redução a 6%373

. A média

nacional, conforme o site do Supremo Tribunal Federal, varia entre 60% e 70%374

.

As unidades terceirizadas mantêm convênios com empresas

privadas e qualificam os detentos para exercerem trabalhos manuais e

370 CABRAL, Sandro; Lazzarini, Sergio G. Impactos da participação privada no Sistema Prisional:

evidências a partir da Terceirização de prisões no Paraná. In: Revista de Administração Contemporânea.

V. 14, n. 3, Mai/Jun, 2010, p.396.

371 Com exceção do Estado do Paraná, em que o indicador relativo à qualidade do serviço de assistência

jurídica sinaliza uma semelhança entre as unidades privatizadas e as integralmente públicas.

372 Disponível em:

<http://www.acij.com.br/uploads/banco_conhecimento/76667ff63ff78e3d60d20e5d4ff76c88.pdf >. Acesso

em: 30 de maio de 2012

373 Disponível em: < http://www.policiaeseguranca.com.br/empresa.htm> . Acesso em: 30 mai. de 2012.

374 Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116383> .

Acesso em : 30 de maio de 2012. Em igual sentido: NUNES, Adelino. A realidade das prisões brasileiras.

Recife: Nossa Livraria: 2005, p.364.

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148

industriais375

, o que coopera para a remição da pena e a reinserção social do

detento. O tema foi explorado em pesquisa desenvolvida por Maria Aparecida da

Silva Martins, na Universidade Federal do Amazonas.376

É imprescindível anotarmos a análise e os resultados do estudo

elaborado por Sandro Cabral e Sergio G. Lazzarini, intitulado Impactos da

participação privada no Sistema Prisional: evidências a partir da Terceirização

de prisões no Paraná, publicado na Revista de Administração Contemporânea de

Curitiba.377

Os autores utilizaram dois grupos de indicadores: de custo (mão de

obra, energia, materiais de consumo e outros itens administrativos e financeiros);

e de qualidade dos serviço prestados (reincidência criminal, segurança e ordem do

estabelecimento378

, serviços oferecidos aos internos379

).

Foram obtidos resultados particulares a partir da análise de

penitenciárias distintas (13 unidades de regime fechado) numa base territorial

específica (Estado do Paraná), em 2004.

A base de dados utilizada foi construída por meio de relatórios do

DEPEN-PR; contratos firmados com empresas privadas; 11 entrevistas junto aos

gestores das unidades públicas e terceirizadas.

Os pesquisadores constataram que quase todos os indicadores de

qualidade analisados (fugas, mortos, assistência médica) sinalizaram o melhor

desempenho das unidades que têm participação de empresas privadas. A exceção

fica por conta da assistência jurídica, em que foram registrados valores muito

próximos380

.

375 Segundo o portal do Ministério da Justiça, 32.666 presos trabalham em empresas privadas parceiras, o

que configura 6% de toda população carcerária do país.

376 MARTINS, Maria Aparecida da Silva. Reciclando para a Liberdade. A Reciclagem dos Resíduos

Sólidos de Plástico no Regime Fechado do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj).

Universidade Federal do Amazonas. Instituto de Ciências Humanas e Letras. Programa de pós-graduação

Sociedade e Cultura na Amazônia. 2009.

377 CABRAL, Sandro; Lazzarini, Sergio G. Impactos da participação privada no Sistema Prisional:

evidências a partir da Terceirização de prisões no Paraná in Revista de Administração Contemporânea. V.

14, n. 3, Mai/Jun, 2010.

378 Fugas, rebeliões, mortos agressões sexuais.

379 Assistência médica, jurídica, social, psicológica.

380 Explicam os autores que a boa qualidade da assistência jurídica nas unidades integralmente públicas se

deve ao fato de que, no Paraná, a prestação desse serviço é feita por advogados de carreira do próprio

Departamento Penitenciário. Isso faz com que esses profissionais sejam mais especializados e acumulem

experiência no setor prisional. Diferentemente, nos demais estados essa função cabe às Defensorias Públicas.

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149

Anotamos que na análise foram incluídas variáveis de controle381

,

afastando alegações de que os resultados favoreciam as prisões terceirizadas

porque são voltadas aos presos de menor grau de periculosidade e, por isso, mais

fáceis de administrar. Outra variável considerada foi a quantidade de anos de

operação, já que as unidades privatizadas são mais recentes.

Foi observado, ainda, que o percentual de internos que trabalham

na unidade contribui para a redução dos óbitos, indicando a pertinência das

atividades laborais no sistema prisional.

Constatou-se que as chances de óbito nas prisões privatizadas

foram 41% menores em relação às unidades integralmente públicas; no mesmo

sentido, a chance de fugas nas unidades de gestão compartilhada foram 99%

menores.

Do exposto, fica demonstrado que as unidades prisionais

terceirizadas apresentam indicadores (de custos e de qualidades) mais favoráveis

em comparação às prisões de gestão pública exclusiva. Com exceção do serviço

de assistência jurídica, que em ambos os modelos apresentaram resultados

semelhantes.382

Cabral e Lazzarini explicam os motivos dessa diferença entre os

dois modos de gestão.383

A primeira razão apontada foi a dificuldade de fiscalizar

a gestão penitenciária, que é maior nas unidades integralmente públicas. Isto,

porque, no setor público, os mecanismos de incentivo e punição dos serviços

prisionais prestados são inflexíveis, pois sempre atrelados à legalidade

administrativa. Assim, para o desligamento de um servidor público, é necessário

um procedimento administrativo; para promoção, é necessário que a lei consagre

um quadro de carreira.

381 Variáveis que procuraram afastar resultados falsos ou adulterados. Ex.: número de internos (média

anual), quantidade de anos de funcionamento, fração de superpopulação, fração de internos que trabalham,

fração de internos considerados de fácil convivência.

382 Para maior aprofundamento: The modes of provision of prison services in compartive perspective. In:

Brazilian Administration Review (BAR). Curitiba, v. 5, n. 1, Jan/Mar, 2008, p. 53-69.

383 Ver também CABRAL, Sandro; Lazzarini, Sergio G. Impactos da participação privada no Sistema

Prisional: envidências a partir da Terceirização de prisões no Paraná. In: Revista de Administração

Contemporânea. Curitiba, v. 14, n. 3, Mai/Jun, 2010, 407-410.

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Ainda associado à fiscalização da atividade prisional, soma-se ao

fato de que na gestão compartilhada há uma separação entre os quadros da

parceira privada e da Administração Pública. Salientam os autores que a

separação formal entre a operação e a gestão facilita a efetivação de sanções no

caso de descumprimento contratual, na medida em que o diretor da unidade pode

simplesmente não autorizar o pagamento da fatura de serviços não prestados384

.

O parceiro público poderá, dessa forma, se preocupar

principalmente em controlar e fiscalizar a atividade do parceiro privado, tornando

os serviços mais eficientes.

Outro motivo dos melhores índices sinalizados nas unidades

terceirizadas é o de que as empresas privadas são operadoras do setor econômico.

Essa característica coloca os seus gestores em situação de constate preocupação

com a imagem institucional, já que é sua pretensão aumentar a participação no

mercado, participar de novas licitações e contratações.

Concluem os autores com um alerta. O monitoramento das

unidades terceirizadas pelo Estado deve ser constante e efetivo. Isso porque, se a

gestão privada tem permanente interesse em reduzir custos, o controle público

garante a elevação dos níveis de qualidade na prestação dos serviços.

Pelo comparativo acima é possível afirmar que as unidades

privatizadas apresentam melhor desempenho. Destaque-se os baixos níveis de

reincidência e óbito, e da qualidade de infraestrutura comprovadas por visitas

oficiais de órgãos como o Ministério Público. Salientamos que o baixo índice de

reincidência sinaliza a capacidade de ressocialização dessas unidades.

384 CABRAL, Sandro; Lazzarini, Sergio G. Impactos da participação privada no Sistema Prisional:

envidências a partir da Terceirização de prisões no Paraná. In: Revista de Administração Contemporânea.

Curitiba, v. 14, n. 3, Mai/Jun, 2010, p. 408.

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9 SISTEMA PRISONAL PRIVATIZADO: UMA PROPOSTA

TOTALIZANTE

A complexidade do tema não permite conclusões simples nem

definitivas. Proposições categóricas seriam temerárias e sem a seriedade científica

que o assunto merece.

A crise no sistema prisional brasileiro vem se acentuando com o

decorrer do tempo. A mídia divulga eventos e fatos desumanos; a velocidade e a

facilidade de acesso à informação dificulta aos governos camuflarem a degradante

situação dos estabelecimentos prisionais em todo o país.

Cada vez mais, há exposição sobre a superlotação nas

penitenciárias e as condições degradantes pelas quais os detentos são submetidos.

São poucos os casos na realidade prisional brasileira nos quais o número de vagas

supre, de forma adequada, a quantidade de presos. Segundo os últimos dados do

Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), de 2008, os únicos Estados-

membros que possuem uma situação superavitária na relação vagas

estimadas/presos sentenciados são o Paraná e o Rio de Janeiro.

A superpopulação carcerária no Brasil fica ainda mais grave em

função da incapacidade e das inaptidão do sistema penitenciário em promover os

prestigiados fins da ressocialização e da reabilitação.

Encontramos, ainda na atualidade, resquícios de aplicabilidade do

pensamento arcaico, em que o preso pagava pelo crime com o próprio corpo. Esse

pensamento evoluiu, principalmente, com a promoção da dignidade humana.

Há a necessidade de readaptar e readequar as penitenciárias e os

tratamentos oferecidos aos detentos para que estejam em convergência com a

própria evolução da finalidade da pena, qual seja, reintegrar o detento à sociedade

em vez de excluí-lo do meio para o qual, após o cumprimento da pena, ele

retornará.

A necessidade de reintegrar o preso à sociedade é tão necessária

que julgamos ser o índice de reincidência um dos indicadores mais importantes

para a avaliação das unidades prisionais privadas.

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A deficiência do atual sistema penitenciário em promover a

socialização adequada dos presos transforma as prisões em verdadeiras

recrutadoras de indivíduos que passam a vivenciar a criminalidade habitual de

maneira irreversível.

O Estado Democrático de Direito brasileiro, fundamentado na

dignidade humana, não admite a continuidade dessa situação deplorável em que se

encontram as nossas prisões.385

Demonstramos que as unidades prisionais que operam em regime

de gestão compartilhada apresentam melhores indicadores de custos e qualidade

de serviços prestados aos internos.386

Assim, com base nos elementos constitucionais, situação política e

socioeconômica do Brasil, o cenário compatível com a ordem constitucional

vigente é o da adoção desse modelo compartilhado de gestão (público e privado)

em todo o sistema penitenciário brasileiro.

Atualmente, o Brasil opera nos dois modelos de gestão de unidades

prisionais: compartilhada e integralmente pública.

A opção por uma delas depende da discricionariedade do governo

de cada estado, o que torna o sistema penitenciário heterogêneo. Isto porque, na

ausência de uma sistematização de cunho nacional, cada estado pode privatizar

em maior ou menor grau, segundo suas escolhas político-estratégicas.

Para generalizar a adoção do modelo de cogestão prisional,

propomos a criação de uma lei geral387

do sistema penitenciário brasileiro.

A lei deverá estabelecer os serviços que serão terceirizados, os

parâmetros de controle de qualidade dessa prestação, mecanismos de incentivo e

punição (multa, intervenção, retomada etc.) do parceiro privado, e a adoção da

PPP para as novas unidades.

385 Ver item 2.5, no qual foi afirmada a inconstitucionalidade do sistema penitenciário brasileiro, diante dos

princípios orientadores do direito de punir e dos valores do Estado Democrático de Direito fundado na

dignidade humana como seu pressuposto de existência.

386 Ver comparativo exposto no item 5.

387 O direito penitenciário, nos termos do art. 24, inciso I, da CF/88, é de competência concorrente da

União, dos Estados e do Distrito Federal, cabendo à União legislar sobre normas gerais.

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153

Já mencionamos que a execução penal é composta por uma parte

administrativa e outra jurisdicional. O que propomos com a criação dessa lei geral

é a absorção de toda a parte administrativa que atualmente compõe a execução

penal.

Assim, a nova lei do sistema penitenciário regerá a prestação de

assistência ao preso e ao egresso, a disciplina geral do trabalho e da educação

obrigatórios, a organização e o funcionamento das unidades prisionais e os

requisitos mínimos para o funcionamento desses serviços.

Permanecerão na lei de execução penal as normas relativas à

execução das penas e da medida de segurança, aos incidentes de execução, os

procedimentos de punição disciplinar que contenham elevada carga punitiva,388

etc. Em suma, toda matéria que diga respeito ao poder jurisdicional estatal.

A regulação, a fiscalização e o controle do poder público nesse

novo sistema são imprescindíveis. Desta forma, propomos ainda, que a lei crie

uma autarquia de regime especial para exercer esse papel.

Cada Estado, contudo, deverá legislar segundo as suas

peculiaridades regionais, de modo a regulamentar as normas gerais estabelecidas

pela União. Assim, os Estados deverão estipular a remuneração do parceiro

privado, as formas de participação na sociedade, os requisitos especiais das

unidades prisionais, os parâmetros nutricionais, as áreas de trabalho apropriadas à

região e outros quesitos.

388 Regime disciplinar diferenciado que supere 60 dias.

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154

10 CONCLUSÃO

A crise do sistema prisional, pela sua complexidade, exige uma

solução igualmente complexa. A privatização então se mostra como uma

possibilidade para encontrarmos um alento à sofrível realidade carcerária.

Os ideais do Estado Democrático de Direito, implantado na atual

ordem constitucional brasileira, impõem os padrões aos quais o sistema prisional

deve se conformar. O respeito às leis, a participação permanente dos poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário, a preservação dos direitos individuais, foram

parâmetros de abordagem deste trabalho.

A dignidade humana, adotada como metaprincípio da ordem

jurídica nacional, configura um atributo que não pode ser afastado do ser humano,

fundamento de existência da sociedade e do estado brasileiro. O postulado é mais

que fonte de inspiração e interpretação; é também uma norma jurídica, fonte de

irradiação de efeitos próprios e concretos. Daí afirmarmos a necessidade, por

imperativo constitucional, de sua concretização.

Concretizar a dignidade da pessoa presa, conforme os contornos

conferidos neste estudo, significa proteger seus direitos fundamentais não

atingidos pela condenação. Mais do que isso, significa também adotar prestações

positivas na direção da existência digna do preso, tais como, assistência jurídica e

religiosa, a formação educacional e profissional, e outras que resguardem a sua

integridade física, psíquica e emocional.

Assim, a reformulação do sistema prisional brasileiro é um

comando obrigatório se colidirmos a dignidade humana com a situação alarmante

de nossas unidades prisionais.

Somada à falta de recursos financeiros, constantemente noticiada

pelos governos estaduais e federal, a privatização de todo o sistema prisional

apresenta-se como uma imposição do Estado Democrático de Direito pautado pela

concretização da dignidade humana.

Demonstramos que a privatização, por meio das técnicas da

parceria público-privada (PPP) e da terceirização de serviços acessórios, são

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compatíveis com a Constituição, inclusive por meio das normas que asseguram o

legítimo ingresso do setor privado no âmbito do sistema penitenciário.

Ademais, a privatização não apenas é constitucional e legal, mas

também viável, isto é, propicia na prática os objetivos constitucionais da

economia e da eficiência.

Os comparativos demonstraram que o setor privado propiciou

melhores condições para consagrar os objetivos penais (finalidades da pena),

apesar de, numa primeira análise e, ainda, superficialmente, os custos não serem

menores quando comparados ao dispêndio público.

A privatização de algumas unidades prisionais, em especial,

daquelas que carecem de investimento de vultoso orçamento é uma solução

plausível aos problemas da superpopulação carcerária e da total falta de condições

das unidades penitenciárias existentes.

O metaprincípio da dignidade humana deve integrar a construção

semântica de toda e qualquer norma que componha o direito positivo brasileiro.

Assim, mesmo que as privatizações não apresentassem melhor economia (se

comparada à frágil atuação negocial do Estado), em favor do prestígio à dignidade

humana, o Estado ainda assim estaria obrigado constitucionalmente a permitir ao

ente privado construir e gerir parcialmente o sistema prisional, mesmo com custo

mais alto, mas sempre pautado pelos princípios da razoabilidade e da eficiência.

A privatização não se torna, neste discurso, uma palavra irracional

e irrefletida a validar todo e qualquer fenômeno que se pretenda adotá-la, a

pretexto de permitir a ausência estatal no setor penitenciário (modelo de

privatização integral). Seria, além da patente inconformidade com a ordem

constitucional, o mesmo equívoco – assim por nós considerado – que alguns

países389

têm cometido, sob a forte influência estadunidense.

Temos , então, que esta tese concebeu duas premissas importantes:

389 Austrália e Inglaterra.

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(1) o Estado Democrático de Direito brasileiro, fundamentado na

dignidade humana, não admite a continuidade dessa situação

deplorável em que se encontram as nossas prisões.

(2) as unidades prisionais que operam em regime de gestão

compartilhada apresentam melhores indicadores de custos e

qualidade de serviços prestados aos internos.390

Diante dessas premissas concebeu-se uma proposta para o novo

sistema penitenciário brasileiro391

. Isso porque a privatização é o único cenário

compatível com a ordem constitucional vigente.

Propomos, assim, um processo gradual de inserção de todas as

unidades prisionais no modelo privatizado, trazendo uniformidade ao sistema

penitenciário. A cogestão seria um padrão a ser adotado pelo sistema prisional

estadual e federal.

Dessa forma haverá a conformação do sistema prisional aos valores

democráticos e sociais do Estado brasileiro. Um modelo de gestão prisional que se

propõe a desenvolver prisões dignas e aptas à ressocialização das pessoas presas;

um modelo que convoque à participação da sociedade; um modelo democrático,

constitucional, eficiente e, principalmente, humano.

390 Ver comparativo exposto no item 5.

391 Sobre o novo sistema penitenciário ver item 9 (Sistema prisional privatizado: uma proposta totalizante).

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