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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social – Interações Midiáticas SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno Cláudia Vieira Tanure Belo Horizonte 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social –

Interações Midiáticas

SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA

SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno

Cláudia Vieira Tanure

Belo Horizonte

2010

Cláudia Vieira Tanure

SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA

SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre em Comunicação. Área de concentração: Interações Midiáticas Orientadora: Profa. Dra. Ivone de Lourdes Oliveira Belo Horizonte

2010

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Tanure, Cláudia Vieira

T169s Sujeitos da interação mediad pelo discurso da sustentabilidade: Samarco e comunidade do entorno / Cláudia Vieira Tanure. Belo Horizonte, 2010.

139f. : il.

Orientador: Ivone de Lourdes Oliveira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Comunicação. 2. Discurso. 3. Significação. 4. Interação social. 5. Estratégia. I. Tanure, Cláudia Vieira. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 659.3

Cláudia Vieira Tanure

SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA

SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de mestre em comunicação.

____________________________________________________ Prof. Dra. Ivone de Lourdes Oliveira - PUC Minas (orientadora)

____________________________________________________ Prof. Dr. Júlio César Machado Pinto - PUC Minas

____________________________________________________ Prof. Márcio Simeone Henriques - UFMG

Belo Horizonte, 8 de julho de 2010.

Para Robson e Valentina, meus amores.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai, por ser o grande incentivador aos estudos desde

sempre e ser minha inspiração, quando, aos 48 anos, casado e com quatro filhos,

iniciou a Faculdade de Direito.

A minha mãe eu agradeço a alegria que me ilumina e que me foi transmitida

geneticamente, ajudando-me a enfrentar os dias difíceis de minha vida.

As minhas irmãs, Maria Helena e Raquel, pela disponibilidade de me ouvir e

compartilhar comigo as dificuldades e alegrias, sempre me dando uma palavra de

ânimo. E ao meu irmão, Paulo Amim pode ter acreditado em mim quando investiu na

minha pós-graduação.

À Ivone, primeiro por ter a consciência que foi ela que me conduziu a essa

aventura, que é o mestrado, sendo muitas vezes uma referência para mim, motivo

de admiração. E depois pela orientação feita de carinho e de confiança que me

fortaleceu e me encorajou a seguir em diante.

Ao Júlio, por me dar a passagem para a viagem do conhecimento, alargando

a minha consciência, trazendo-me algo novo, instigador. Agradeço a sua inteligência

bem-humorada, que desenferrujou a minha. Não desprezando nunca a experiência

vivida por mim, minhas inferências, nem sempre assertivas.

À queridíssima Terezinha, por sua solidariedade, generosidade e amparo nas

dúvidas, nas consultas, nas críticas, nos caminhos sugeridos.

A todos os outros professores, em especial a Dedé, pela paciência comigo e

minha ignorância traduzida pela vontade de aprender. Agradeço pela competência e

humanidade que eles me conduziram ao aprendizado.

À colega Cida, por me acolher, incentivar-me quando ainda nem éramos

amigas e por apresentar-me à Raquel e à Fernanda que me acolheram e se

transformaram em amigas verdadeiras. Agradeço à Fernanda, por inúmeras trocas,

indicações, por me ouvir e me atender sempre e se tornar uma amiga querida,

dividindo comigo os momentos de aflição, e me encorajar, sempre me emprestando

a sua maturidade.

Agradeço à Fábia, já que, sem o apoio incondicional dela, eu não teria

chegado até aqui. Ela me indicou o norte e iluminou meu caminho acadêmico com

sua lucidez, seu conhecimento e sua compaixão.

Aos colegas da Press Comunicação, em especial à Cristiane José, que

enfrentaram a minha ausência sem deixar “a peteca cair”. Só foi possível me

ausentar do trabalho para estudar em função do comprometimento deles.

Aos meus amigos, pela compreensão nos momentos de ausência, pela

paciência com meus permanentes “nãos”. Ao Alencar da Quixote, amigo fiel e

livreiro de todas as horas; à Claudinha, minha irmã de coração; ao Roiz, sempre me

provocando a pensar, em repentes filosóficos.

Meu eterno obrigada à Valentina e ao Robson, pelo companheirismo, pela

compreensão nas ausências e tolerância nos momentos de estresse. Pelo amor

incondicional que me dedicam, possibilitando-me superar meus limites.

E, finalmente, obrigado a Deus, a quem dedico minha fé, que me curou,

permitindo-me chegar até aqui.

RESUMO

Fazer uma análise sobre a relação comunicativa da organização, neste caso a

Samarco, com a comunidade do seu entorno, comunidade de Antônio Pereira, em

Ouro Preto, Minas Gerais, por meio do discurso da sustentabilidade foi o objetivo

deste trabalho. Partimos de uma contextualização histórica que mostra as mudanças

que remodelaram as organizações, observando que, a cada período, cresce a sua

força social, colocando-as cada vez mais na centralidade da sociedade

contemporânea. Posteriormente, mostramos como a comunidade se transformou a

partir da organização, pontuando três fases que marcam essa reconfiguração – a

pós-industrial, que a transforma em massa trabalhadora, a tentativa de recriação

comunitária artificial e a comunidade do entorno, problematizando esse conceito.

Conclui-se aqui a caracterização dos sujeitos em questão, para, então, partir para a

temática principal que se inscreve nas análises da interação pelo discurso da

sustentabilidade. O estudo se volta para a compreensão do discurso, sua gênese e

arquitetura. Entendido como um operador da relação entre a Samarco e a

comunidade de Antônio Pereira, esse atua como um dispositivo de interação e

poder, na medida em que se torna um discurso ordenador da relação. O trabalho

discute como a Samarco o utiliza e suas estratégias, tentando perceber o processo

comunicativo pela perspectiva relacional do fenômeno. Feita essa radiografia do

discurso e suas implicações, partimos para entender como ele desencadeia o

processo comunicativo, mediante a apropriação, a refutação e a produção de

sentidos por parte da comunidade. Finalmente, apresentamos os resultados da

análise, que tentou enfatizar a construção de sentidos por parte da comunidade, os

seus reflexos para a Samarco e as implicações contextuais que perpassam o

processo comunicativo.

Palavras-chave: Comunicação. Discurso. Construção de sentidos. Interação.

Estratégia.

ABSTRACT

This study aimed at analyzing the relation between Samarco’s communication and

the Antonio Pereira community, which is located in the surroundings of the industrial

plant, trouch the discourse of sustainability. It starts with a historical contextualization

that shows the changes that reshape the organizations observing that at every period

of time its social power emerges and puts it even more in the centre of the

contemporaneous society. Therefore, to show how the community has changed

since the organization, made its presence felty, by scoring three phases that remark

this reconfiguration. The post industrial stage, the attempt of the artificial community

recreation and the surrounding community, problematizes this concept. We can

conclude here the characterization of the focused subjects to advance to the main

theme inserted at the analysis of the interaction heading to the sustainability

discurse. The study moves on to the comprehension of the discourse, its genesis and

architecture. Accepted as an operator of the relation between Samarco and the

Antonio Pereira community, it acts as an interactive device of power, once it

becomes a discourse that means ordination of the relationship. The study discusses

how the discourse is used by Samarco and how the strategies are implemented

seeking to the communicative process through the relational perspective of the

phenomenon. Once the radiography of the discourse and its implications is made, we

go further to understand how it triggers the communicative process trough the

appropriation, refutation and the production of meanings by the community. Finally,

we present the results of the analysis that gave emphasis to the construction of

meanings by the community, its reflections on the Samarco and the contextual

implications which run though the communicative process.

Key-words: Communication. Enunciation. Discourse. Sense-making. Interaction;

strategies. Production of meaning.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Divisão acionária da Samarco.............................................. 90 FIGURA 2

Mapa das comunidades do entorno da Samarco.................

92

FIGURA 3

Organograma de públicos da Samarco................................

92

FIGURA 4

Balanço da Central de Atendimento da Samarco.................

93

FIGURA 5

Igreja Queimada de Antônio Pereira....................................

95

FIGURA 6

Bordadeiras da Associação Arte, Mãos e Flores..................

97

FIGURA 7

Banda de Música da Associação Nossa Senhora da Conceição da Lapa...............................................................

99 FIGURA 8

Pacto Global.........................................................................

109

FIGURA 9

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio............................

110

FIGURA 10

Organograma da Gerência de Sustentabilidade da Samarco................................................................................

113 FIGURA 11

Quadro comparativo com os discursos da Missão, Visão e Valores..................................................................................

115

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABERJE – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial

BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

MG – Minas Gerais

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo

ONU – Organização das Nações Unidas

PIB – Produto Interno Bruto

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

RSE – Responsabilidade Social Empresarial

TV – Televisão

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................... 11

2

OS SUJEITOS...................................................................................

14

2.1 A comunicação das organizações com as comunidades do entorno: sujeitos da interação........................................................

14

2.1.1 O contexto social contemporâneo (re)configurando as organizações.....................................................................................

16

2.2 A comunidade do entorno remodelada pelas transformações contemporâneas...............................................................................

30

2.2.1 A comunidade do entorno: conceituação e trajetória.................. 33 2.2.2 A comunidade do entorno pela perspectiva da mobilização

social mediatizada............................................................................ 42

3

OS DISCURSOS................................................................................

48

3.1 A arquitetura do discurso................................................................ 48 3.2 As estratégias discursivas como fonte de legitimação na

dimensão do contexto organizacional........................................... 56

3.2.1 O campo comunicacional conformando o campo organizacional e sua estratégia discursiva...................................

61

3.2.2 O discurso da sustentabilidade como estratégia de legitimação.........................................................................................

68

3.3 O discurso da sustentabilidade como resposta social................. 73

4

O DISCURSO DOS SUJEITOS..........................................................

85

4.1 Procedimentos metodológicos........................................................ 85 4.1.1 O Estudo de Caso e os instrumentos de análise........................... 87 4.2 A Samarco......................................................................................... 90 4.3 Antônio Pereira.................................................................................. 93 4.4 O discurso da sustentabilidade: estratégias, produção de

sentidos e circularidade................................................................... 99

4.4.1 Análise do discurso da Samarco..................................................... 102 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................

123

REFERÊNCIAS................................................................................................. 127

APÊNDICE........................................................................................................ 136

11

1 INTRODUÇÃO

Este estudo foi motivado pelo interesse de compreender o processo

comunicativo de uma organização, com seus interlocutores e sua implicação na

construção de sentidos. Ressaltamos que aqui a organização é entendida para além

de sua condição de produzir bens e serviços, mas como um espaço de interação

social, “fronteira de percepções” que estabelece a zona de contato entre os sujeitos.

A especificidade desta pesquisa está no fato de analisar os processos interacionais

valendo-se de um contexto próprio, o organizacional, pela perspectiva da

comunicação no momento em que analisa um processo discursivo específico, ou

seja, como as organizações se relacionam com seus interlocutores e em especial

com a comunidade do seu entorno.

São diversos os critérios que podem estabelecer esse lugar, o entorno,

determinado a partir da organização, a saber: o geográfico, o territorial, os impactos

ou até mesmo a zona de influência. Poderíamos chamá-la também de “comunidade

vizinha”, mas o nosso objetivo de adotar tal conceito, “comunidade do entorno”, tem

este propósito: problematizar a centralidade das organizações na sociedade

contemporânea e os impactos gerados por esse fenômeno.

Condições que justificam a escolha do nosso objeto empírico, isto é, a

Samarco Mineração, que, pela natureza de seu negócio, gera grandes impactos

socioeconômicos e ambientais, principalmente nas comunidades do entorno, mais

sujeitas a eles. Motivo pelo qual elegemos a comunidade de Antônio Pereira, distrito

de Ouro Preto (MG), a mais próxima geograficamente da mineradora. Pesquisamos,

portanto, o processo comunicativo entre esses sujeitos, por meio do estudo da

interação estabelecida entre eles, através de um discurso em especial, o da

sustentabilidade, concebendo a linguagem como mediação e fonte de sentidos.

Isso porque entendemos que a adoção do discurso da sustentabilidade pela

organização se apresenta como enunciado que tenta justificar as suas ações, nos

mais diversos campos, como o social, o ambiental, o econômico e o político, e

principalmente legitimá-las perante seus interlocutores. Fato que representa uma

nova estratégia de enfrentamento das dificuldades na relação da organização com a

comunidade do entorno.

12

Para analisar tal situação, usamos um arcabouço teórico e metodológico que

tenta dar conta da complexidade dessa relação interativa marcada por conflitos e

dissensos entre os sujeitos, circunstâncias nas quais se inscreve a problematização

da pesquisa. E, para entender a complexidade presente nessa relação, buscamos

contextualizar os fenômenos sociais que instituíram os sujeitos: organização e

comunidade do entorno. Portanto, com base na contextualização histórica, cultural,

social e econômica, caracterizamos tanto a organização como a comunidade na

contemporaneidade, observando como as mudanças redesenharam o seu modo de

ser e o lugar que ocupam na sociedade.

No entanto, o cerne da questão que se apresenta é como o discurso da

sustentabilidade enunciado pela organização e compreendido como resposta à

sociedade às questões socioambientais que emergem na contemporaneidade é

apropriado, e/ou refutado, e/ou ressignificado pela comunidade, e que sentidos são

construídos tendo em vista sua enunciação.

Esta dissertação consta de quatro capítulos, excetuando-se esta introdução.

No primeiro capítulo, analisamos como os fenômenos sociais e as mudanças que

ocorreram nas diversas esferas sociais reconfiguraram as organizações e as

colocaram em uma posição de centralidade na sociedade. Fenômeno que funda

uma nova maneira de a organização se relacionar com seus interlocutores, por meio

de discursos estrategicamente elaborados que buscam a interação, mas

principalmente a legitimação perante os outros. Nesse cenário, a comunicação teve

papel fundamental, sendo o fio condutor que atravessa todas as mudanças, a ponto

de ser considerada conformadora da própria organização. Por isso mesmo, um dos

fenômenos sociais tratados com relevância na pesquisa é a mediatização, tendo

como base a “teoria dos campos” de Rodrigues (1990), que revela o esforço dos

sujeitos em busca de legitimação social e institucionalização. O campo mediático

torna-se, assim, elemento de conexão e interação social.

Interessou-nos conhecer, então, como e de que forma, a partir da ocupação

desse novo ethos que expande as suas fronteiras físicas e subjetivas, as

organizações passaram a se comunicar com as comunidades que vivem em seu

entorno, tão impactadas por suas atividades.

Portanto, partimos para conhecer e caracterizar esse sujeito assumido por

nós como a “comunidade do entorno”. Assim, iniciamos nosso trajeto por um viés

histórico na intenção de conhecer de onde surgiu esse sujeito e como isso

13

aconteceu, para então entender como ele se institui na contemporaneidade valendo-

nos de uma perspectiva relacional. Começamos por pesquisar a formação de

identidade, problematizando a questão da cidadania e os impactos da mediatização

sobre ela na contemporaneidade.

Ao percorrer esse trajeto, observamos que as comunidades, estando

invariavelmente conectadas à organização, utilizam-se tanto da mediatização como

da mobilização social como suportes à interlocução com a organização em busca de

uma negociação.

Desta forma, no segundo capítulo, apresentamos os discursos como meio de

comunicação entre esses sujeitos e a fonte de estratégias de legitimação e poder.

Apresentando sua arquitetura, de que se compõem e como os sujeitos os utilizam de

forma estratégica na busca dos seus interesses. Para, então, apresentar o discurso

da sustentabilidade utilizado como resposta às exigências da sociedade,

principalmente no que diz respeito à responsabilidade social e à preservação do

meio ambiente, bem como dispositivo de poder por parte da organização.

Assim, no terceiro capítulo, descrevermos nosso percurso metodológico,

ancorado no estudo de caso e seus diversos instrumentos de análise, voltando

nosso foco para analisar a interação entre os sujeitos. O material coletado foi

submetido aos seguintes procedimentos: contextualização histórica, sociocultural,

econômica da Samarco, enunciadora do discurso da sustentabilidade e do distrito de

Antônio Pereira. Descrição do material utilizado pela organização – Relatório Social,

jornal da comunidade, cartilhas, etc.; análise do material coletado de acordo com as

categorias metodológicas eleitas para a análise dos discursos e análise comparativa

entre o discurso enunciado pela organização e os sentidos que surgem a partir de

sua recepção pela comunidade. Isso, na intenção de perceber os pontos

convergentes e divergentes para, então, identificar os sentidos construídos.

Posteriormente, seguimos para o quarto capítulo com as considerações finais da

pesquisa.

14

2 OS SUJEITOS

Propomos, neste primeiro capítulo, apresentar os dois sujeitos em questão, a

organização e a comunidade do entorno dentro do contexto contemporâneo onde se

inscrevem. Para tal, fez-se necessário constituir um percurso histórico social que

explica a posição desses e sua caracterização na atualidade.

2.1 A comunicação das organizações com as comunidades do entorno:

sujeitos da interação

O contexto social contemporâneo, marcado principalmente pela globalização

e pelas novas tecnologias, modificou as organizações em vários aspectos,

colocando-as em um lugar nunca antes ocupado, a ponto de Drucker (1999) afirmar

que a sociedade transformou-se em uma sociedade de organizações. O autor

acrescenta que quase todas as tarefas necessárias ao funcionamento da sociedade,

atualmente, são feitas por organizações empresariais, governamentais ou do

terceiro setor, estando essas cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas.

Conceituando-as como sujeitos sociais coletivos ou, no entender de Putnam

(1983, p. 45), como “relacionamentos sociais concebidos como um sistema

complexo de significados”, as organizações influenciam a sociedade e são

influenciadas por ela, afetando e sendo afetadas pelos diversos campos como

político, social, ambiental, econômico e cultural.

Nesse movimento de afetação recíproca, não só as organizações, mas

também seus interlocutores foram transformados em sujeitos.1 São consumidores,

organizações não governamentais, comunidades, funcionários, imprensa, políticos,

entre outros. É na relação que estabelecem com as organizações que esses atores

se instituem como sujeitos. É a partir, portanto, da interação estabelecida com a

sociedade que se passou a exigir destes sujeitos sociais – entre eles, as

1 Adotamos a perspectiva de que um sujeito se constitui no âmbito da ação. É uma determinada ação que constitui o sujeito (FRANÇA, 2006).

15

organizações e as comunidades – uma concepção atual de comunicação para que

enfrentem a nova realidade que se apresenta.

Assim, defendendo que o contexto social contemporâneo reconfigura o

contexto organizacional, faz-se necessário reconhecê-lo em toda a sua

complexidade. Para tanto, apresentamos o contexto social como propulsor de

mudanças nas organizações e nas comunidades. Entendendo as organizações não

só como parte integrante do tecido social, mas também como ordenadoras e

direcionadoras de interação comunicativa, refletimos sobre a sua relação com a

sociedade na contemporaneidade.

Compreendendo que essas mudanças não aconteceram de forma

homogênea, absoluta, mas, sim, processual, mostra-se a passagem de uma

comunicação organizacional, caracterizada por princípios autoritários pela

transmissão de informações, por discursos monológicos, para uma comunicação

relacional, em que o outro com quem se relaciona é considerado um interlocutor tão

importante quanto aquele que, tradicionalmente, ocupava o papel de emissor.

Do ponto de vista dos estudos da comunicação, percebemos como reflexo

desse fenômeno, que o paradigma funcionalista que considerava o processo

comunicativo como uma instância de transmissão linear de mensagem de um

emissor para um receptor não dá mais conta de subsidiar teoricamente uma reflexão

sobre a relação entre as organizações e os seus interlocutores. As reflexões da área

comunicacional também passaram a considerar esse fenômeno a partir da ordem da

relação ou, mais especificamente, da interação. Mais adequado para nos ajudar a

refletir sobre o modo de vida atual, influenciado pelos princípios democráticos, esse

modelo de comunicação baseia-se na “inter-ação” social, ou seja, pressupõe-se que,

em toda relação comunicativa, os interlocutores estão necessariamente implicados e

se afetam mutuamente (FRANÇA, 2006).

E, para entender como se comportam as organizações na relação com seus

interlocutores, em especial com a comunidade do entorno, esforço que se

empreende neste primeiro capítulo, buscamos caracterizá-los mostrando como as

mudanças socioeconômicas e culturais também influenciaram na sua conformação

atual. Assim, procuramos aprofundar no conhecimento de cada sujeito –

organização e comunidade do entorno –, bem como nas estratégias discursivas e

nas práticas comunicacionais utilizadas na tentativa de alcançar seus objetivos.

16

2.1.1 O contexto social contemporâneo (re)configurando as organizações

Defendemos que as organizações estão no epicentro das mudanças na

sociedade em seus diversos campos. Entendidas como sujeitos sociais coletivos, as

organizações são consideradas um espaço de interação social, que influencia e é

influenciado pelos sistemas culturais, sociais, políticos e econômicos, modificando a

sociedade e sendo modificado por ela. Dessa forma, tanto configuram como são

configuradas pelos contextos sociais. Sendo assim, procuramos compreender como

se processa esse fenômeno de afetação observando como as organizações foram

se remodelando a partir de sua interação com a sociedade. Para isso, é preciso

entender e caracterizar o contexto social onde estão inseridas e pelo qual foram

reconfiguradas.

Portanto, analisamos o contexto social contemporâneo pela perspectiva das

mudanças que as organizações ajudaram a promover e que as reconfiguraram nos

diversos aspectos de sua natureza. O objetivo é de, mais à frente, compreender a

influência desse contexto na dinâmica de interação comunicativa que elas

estabelecem com a sociedade e seus interlocutores, bem como a construção de

suas estratégias discursivas e a produção de sentidos gerados nessa interação.

Assim, na esteira da globalização e do desenvolvimento de tecnologias da

informação conformadores de um novo contexto social, a sociedade contemporânea

tem sido descrita por diversos autores – entre os quais, Lipovetsky (2004), Bauman

(2003), Kumar (1997) – como mutatis mutandis. Cada um desses autores,

naturalmente, nomeia esse fenômeno de forma diferenciada, mas todos concordam

no estabelecimento de um caráter distinto entre a modernidade e o estado de coisas

que a sucede. Para entender esse processo, faz-se indispensável mostrar de forma

aprofundada essa perspectiva teórica e a passagem histórica do período da

modernidade ao que chamaremos inicialmente de “pós-modernidade”, conscientes

das diversas nuances teóricas em torno da ideia (modernidade tardia,

hipermodernidade, modernidade líquida, neobarroco, etc.), acentuando os impactos

desse fenômeno na construção dos sujeitos em questão, na organização e na

comunidade que vive em seu entorno.

Se a modernidade e suas correntes teóricas foram marcadas pela ênfase na

racionalidade e no poder da ciência, a passagem para o que chamaremos de “pós-

17

modernidade” se dá justamente em função de um desencanto da sociedade com os

valores e os ideais da modernidade. Assim, essa fase da modernidade é, então,

marcada pelo avanço do capitalismo, pelo consequente esvaziamento do Estado,

pela emergência da comunicação de massa, pelo individualismo, pelo consumismo,

pela incerteza e pela fragmentação do sujeito.

Para os estudiosos, a existência da pós-modernidade é uma discussão

polêmica, que parece não ter chegado ao fim e talvez seja impossível e infértil tentar

enquadrar a complexidade da vida atual a um só tipo de conceito ou modelo. Mas,

para o propósito de compreender as mudanças que configuram o contexto social e

sua influência no modo de vida dos diversos sujeitos sociais, pode ser fecundo

buscar o conhecimento e seus pressupostos teóricos. O objetivo não é defender ou

adotar determinada teoria, mas dar um alinhamento aos seus pressupostos e, a

partir da compreensão de suas características e distinções, situar histórica, social e

politicamente as questões que permeiam as mudanças de comportamento das

organizações na sociedade. Portanto, a fim de seguir o percurso analítico proposto,

começamos por apresentar a modernidade utilizando essa descrição como forma de

ordenar as mudanças que se apresentam. Vários estudiosos, nas décadas de 1960

e 1970, dedicaram-se a interpretar a sociedade moderna, começando por rotulá-la

de sociedade “pós-industrial”.

O mais eminente representante dessa perspectiva foi o sociólogo Daniel Bell,

que lançou, em 1973, o livro The coming of post-industrial society. A ideia ganha

força e circulação com o livro de Peter Drucker lançado em 1969 – The age of

discontinuity – e o de Alvin Toffler lançado em 1970 e intitulado O choque do futuro.

O conteúdo dessas obras aponta para uma só direção: o nascimento de uma nova

sociedade, tão diferente da sociedade industrial quanto foi antes a sociedade agrária

(KUMAR, 1997).

O ambiente daquele momento era de intensas discussões sobre a validade

dessa formulação, baseada na ideia do fim da sociedade industrial. O choque do

petróleo, crise internacional desencadeada em 1973, quando a Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (OPEP) quadruplicou o preço do barril e anunciou

que a produção estaria se aproximando de sua capacidade instalada, indicou uma

mudança radical nos rumos da economia mundial. Tais acontecimentos fizeram com

que os debates sobre os limites do crescimento pelo industrialismo e o esgotamento

de seu potencial ganhassem força, contribuindo com a teoria de que a sociedade

18

adentrava numa era pós-industrial. Como nos narra Kumar (1997, p. 14), “o

industrialismo clássico, o tipo de sociedade analisada por Marx, Weber e Durkheim,

o tipo de sociedade habitada pela maioria dos ocidentais no último século e meio

não mais existia”.

No Brasil, em especial, essa situação provocou grande impacto,

interrompendo um ciclo de crescimento conhecido como o “milagre brasileiro” ou o

“milagre econômico”. O País exibia alta taxa de crescimento, propiciado por vários

fatores, entre eles: a situação externa favorável e a capacidade de absorção de mão

de obra ociosa, possibilitada pelas reformas promovidas pelo regime militar e pelos

investimentos feitos no então período de 1968 a 1973. De forma geral, instalou-se

um estado de espírito de crise substituindo o otimismo da década de 1960).

Pela perspectiva de Kumar (1997), a sociedade contemporânea, ou pós-

industrial, pode ser compreendida com base em três enfoques como: a sociedade da

informação, o pós-fordismo e a pós-modernidade. É importante, porém, ressaltar

que acreditamos ser nas entrâncias, feitas de convergências e até mesmo de

imbricações desses períodos, que estão as explicações e a representação dos

diversos aspectos da contemporaneidade.

Portanto, caracterizamos a sociedade da informação, considerada uma

extensão da própria teoria pós-industrial, que já preconizava ser o conhecimento, e a

informação, a fonte de crescimento, o motor propulsor da sociedade do futuro. Desta

forma, a tecnologia capitaneada pelo computador, em conjunto com o

desenvolvimento das telecomunicações, foi decisiva para concretizar a sociedade da

informação. Demonstrando a importância desse fato para a mudança da sociedade,

a tecnologia do computador é considerada para a era da informação o que a

mecanização foi para a Revolução Industrial (KUMAR, 1997).

A questão da tecnologia da informação é tão definidora nas mudanças

ocasionadas na sociedade contemporânea que ela passou a ser caracterizada por

seus métodos de acessar, processar e distribuir informações. Esse acesso às

informações, pela combinação de diversos dispositivos como satélites, televisão,

telefones celulares, computadores e internet, produziu o aumento da conexão entre

sujeitos individuais ou coletivos como as organizações, quebrando barreiras como a

distância e a língua, e diminuindo fronteiras geográficas, sociais e humanas. Em

outros termos, a tecnologia da informação permitiu conectar o mundo em um

19

sistema unificado de conhecimento, propiciando o compartilhamento de

informações.

A escrita, o som, a imagem e os dados estão hoje onipresentes e dão a volta ao mundo em menos de um segundo. Todo mundo, ou quase, vê tudo, sabe de tudo sobre o mundo. Isto constitui uma ruptura considerável na história da humanidade, cujas conseqüências ainda não conseguimos avaliar (WOLTON, 2006, p. 9).

Mas Wolton (2006) também nos lembra que, apesar de tantas maneiras de se

comunicar, de se conhecer e se conectar ao outro, isso não representa

necessariamente a garantia de compreensão mútua e de entendimento universal.

Ressaltamos, como exemplo, a complexidade da relação das organizações com a

comunidade que vive em seu entorno. Apesar de as organizações possuírem

dispositivos capazes de propiciar contatos cada vez mais diretos e próximos, como

sites, e-mails e centrais telefônicas de atendimento, essa relação é marcada, na

maioria das vezes, por divergências, falta de equivalência discursiva,

incompatibilidade de interesses e ausência de diálogo.

Não obstante essa ambiguidade, não se pode eliminar a importância da

tecnologia da informação e seus dispositivos como geradores de interconexão entre

sujeitos e diversas possibilidades de interação, que, para Kumar (1997), tornaram a

sociedade mais mutável e flexível e ampliaram a aspiração de liberdade individual.

O acesso veloz e abrangente às informações, a comunicação de massa, a

tecnologia que gera o encurtamento do tempo e espaço são alterações que

influenciaram o modo de o homem estar no mundo e, consequentemente, trouxeram

novas implicações éticas e morais para a sociedade (KUMAR, 1997; WOLTON,

2006; DRUCKER, 1999; LIPOVETSKY, 2004).

Assim, a abrangência desses fenômenos e seu poder de transformação

geraram uma reestruturação dentro do contexto organizacional, por meio da

mudança de comportamento dos sujeitos sociais.

Estamos começando a rejeitar as hierarquias, que funcionaram na era industrial, centralizada. Em seu lugar, estamos colocando o modelo de rede de organização e comunicação, que tem raízes na formação espontânea, igualitária, e natural de grupos de pessoas de mentes semelhantes. As redes reestruturarão o poder e o fluxo de comunicação dentro da empresa, de vertical para horizontal [...] (NAISBITT2 apud KUMAR, 1997, p. 26).

2 NAISBITT, J. Megatrends: The new direction transforming our lives. New York: Warner Books, 1984.

20

Entretanto, no mundo conectado, o que é um dispositivo de informação é

também um dispositivo de vigilância e de poder. Para Fausto Neto (2008, p. 42),

“seriam ações de vigilância sobre os efeitos de outras ações, o que na prática seria

a informação intervindo na informação”. No que diz respeito às organizações, reflete

o autor, essa vigilância via informação serve a um desejo de regulação e de controle

do ambiente e sua dinâmica, reorganizando a estrutura de interação na

contemporaneidade.

Mas, se por um lado as organizações dispõem de muito mais informações

para alavancar os seus negócios, por outro esse fenômeno implicou mais cobrança

da sociedade por transparência, por fornecer e compartilhar essas informações.

Todavia, Fausto Neto (2008) nos lembra que a proliferação desse “conexismo” não

assegura por si só a transparência. Atentas a essa questão e pressionadas pela

sociedade, as organizações precisaram estabelecer relação de prestação de contas,

não mais apenas aos acionistas, mas a todos os sujeitos que, de alguma forma,

estão interligados a ela.

As próprias organizações, na década de 1990, procurando institucionalizar

maneiras de prestar contas à sociedade inauguram o sistema de “governança

corporativa” e “accountability” a fim de dar uma resposta ao clamor da sociedade por

informação e ética na conduta dos seus negócios. Mas quais significados esses

termos carregam? E como a sua chegada impactou a relação entre organizações e

seus interlocutores? Tentando jogar luz a essa reflexão, por entender que ela é

relevante para perceber a mudança de postura das organizações, explicamos que

um sistema de governança corporativa3 é um conjunto de regulamentos e

convenções culturais que vão reger justamente a relação entre a empresa, os

acionistas e os diversos atores sociais, que, de alguma maneira, estão conectados a

ela.

Oito princípios sustentam a governança corporativa, sendo eles: estado de

direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e

inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de conta (accountability). Fazendo

parte desse sistema, a accountability fornece importante aparato para o controle das

ações das organizações e sua divulgação para a sociedade. O termo accountability

vem da língua inglesa e não tem tradução exata para o português, já que o seu

3 Governança corporativa – Disponível em:< http://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=17 >. Acesso em: 28 maio 2009.

21

sentido mais comum nos remete à obrigação de membros de uma organização

pública ou privada prestar contas de suas ações a instâncias controladoras ou a

seus representantes. Na ausência de tal tradução, outro termo usado numa possível

versão portuguesa é responsabilização, que é frequentemente usado em

circunstâncias que denotam responsabilidade social, imputabilidade, obrigações e

prestação de contas.

No entanto, essa questão não é meramente linguística; a nosso ver, traz em

si outro sentido, o de que no Brasil as organizações não se preocupavam em prestar

contas de seus atos à sociedade, e mesmo hoje muitas transformam isso em um

discurso em busca de aceitação social. Em consonância com essa premissa,

Campos (1990, p. 1), autora do emblemático artigo intitulado “Accountability.

Quando poderemos traduzi-la para o português?”, diz que: “[...] Ao longo dos anos

foi entendido que faltava aos brasileiros não precisamente a palavra, ausente tanto

na linguagem comum como nos dicionários. Na verdade, o que nos falta é o próprio

conceito, razão pela qual não dispomos da palavra em nosso vocabulário”.

A autora nos fornece a noção de que a accountability envolve três dimensões

– informação, justificação e punição –, podendo ou não essas estar juntas para que

existam os atos de accountability. Sendo um sistema de informação e controle das

ações de organizações, pode ser implementado em políticas públicas, em questões

administrativas, profissionais, financeiras, morais, legais e constitucionais em esferas

públicas e privadas.

Cada um desses três campos da accountability apresenta diferentes

mecanismos e objetivos específicos para o controle, a vigilância e a busca de

transparência das ações das organizações. Apesar da recente presença do conceito

da accountability no Brasil, ela representa importante mudança de paradigmas na

relação comunicativa entre as organizações e a sociedade. Tanto que a

accountability não se enquadra apenas na caracterização da sociedade da

informação, mas também nas demais correntes que percorrem a descrição do

contexto atual, sendo decorrência das mudanças contemporâneas.

Fatos como esse nos levam a observar que, na sociedade da informação, a

comunicação adquiriu papel preponderante, impulsionando inclusive os teóricos da

comunicação organizacional a buscar estudos que deem conta de refletir essa nova

realidade. Autores como Putnam et al. (2004), Deetz (1992) e Mumby (2006)

suscitaram questões que colocam a comunicação na centralidade das organizações.

22

Pinto (1996) chega a afirmar que a sociedade contemporânea deveria ser

rotulada de “sociedade da comunicação”, e não “da informação”. Lançando mão da

perspectiva semiótica, o autor vai argumentar sobre a distinção entre informação e

comunicação por meio do que chama de “duas faces do processo”. A primeira é que

a informação que nos vem no signo chega sempre incompleta, mais ou menos vaga,

em um movimento constante de “tornar-se”. Argumento que nos faz lembrar, como

exemplo, a questão da accountability, acreditando que o seu entendimento pela

sociedade é um processo de construção de sentidos, prova de que a informação não

é estática. A segunda face é a maneira como nos apropriamos da informação,

também imprecisa, ou seja, “nunca percebemos o signo de maneira cabal”, o que

nos leva a entender que esse processo de interagir com o signo, com a informação,

conduz-nos a algo mais, isto é, à comunicação. Entendida como um processo de

manipulação dessa abstração e virtualidade, que é a informação, a comunicação é

capaz de alterar a realidade (PINTO, 1996).

Desta forma, surgiram abordagens mais ecumênicas sobre a comunicação no

contexto das organizações, nas quais as teorias passam a considerar que as

relações humanas e a interação comunicativa entre os sujeitos são o que determina

não só a comunicação, mas também a própria organização. Enfática, Putnam (2004,

p. 79) conclui que a comunicação produz a organização, a organização, por sua vez,

produz a comunicação ou reciprocamente elas se coproduzem.

Retomando a perspectiva de Kumar (1997), de que a sociedade

contemporânea pode ser compreendida com base não apenas no enfoque da

sociedade da informação, mas também no pós-fordismo e na pós-modernidade,

passamos a apresentar o que os estudiosos entenderam como formulação de uma

teoria pós-fordista.

Se a teoria da sociedade da informação enfatiza as forças de produção, a

pós-fordista dá mais destaque às relações de produção (KUMAR, 1997). Para

entender o modelo pós-fordista, é necessário que se observe antes o modelo

fordista. Inspirado no emblemático empresário Henry Ford, este modelo é

caracterizado pelos princípios da administração cientifica desenvolvidos por

Frederick Taylor no início do século XX. Taylor (1990) propôs uma série de

princípios para organizar o trabalho de forma racional, com o objetivo de aumentar a

produtividade, a prosperidade dos trabalhadores e da organização. Entre esses

princípios, o mais conhecido e que mais caracteriza o taylorismo é a padronização

23

dos métodos de trabalho e de máquinas, que foram responsáveis pela produção em

massa e pelos bens padronizados. Atualmente, esse modelo é amplamente criticado

por ser considerado mecanicista, reduzindo o trabalho a um conjunto simples,

repetitivo e desumano de atividades, não cumprindo seu objetivo principal, ou seja,

de aumentar a produtividade em longo prazo.

Numa visão mais alargada, Lipovetsky (2007, p. 33) caracteriza o sistema

fordista como um movimento marcado pela “exploração das economias de escala,

métodos científicos de gestão e de organização do trabalho, divisão intensiva de

tarefas, volume de vendas elevado, preços mais baixos possíveis, margem de ganho

fraca, rotação rápida de mercadorias”. No período em que esses princípios foram

desenvolvidos e por muito tempo ainda, quando foram amplamente incorporados

pelas empresas, as organizações baseavam-se na ideia de que o importante era

produzir em massa para consumidores em massa. Havia aparente estabilidade, já

que a produção encontrava escoamento pela demanda do mercado, gerando certo

equilíbrio no processo produtivo e uma sensação de controle sobre as relações

comerciais, trabalhistas e sociais. Ao longo dessa fase, surge, então, a “sociedade

de consumo de massa” (LIPOVETSKY, 2007).

Entretanto, o autor mostra que várias mudanças sociais estavam em

andamento, criando outros modos de vida, apresentando um consumidor mais

consciente, individual nas suas demandas e ávido por novidades. Assim, o mercado

de massa se fragmenta em uma grande diversidade de grupos de consumidores,

cada um deles querendo coisas diferentes, completa Kumar (1997). Nesse contexto,

a demanda muda de forma significativa, sendo ditada por fatores ligados à moda e

por esses novos e diversificados estilos de vida marcados por inovações

tecnológicas ininterruptas.

Dessa forma, quando o sistema de produção do período fordista mostrou-se

obsoleto para dar conta das mudanças sociais, configura-se o período conhecido

como “pós-fordismo”, baseado no modelo de produção nomeado de especialização

flexível. A produção, ao contrário da do período fordista, é especializada, feita em

menores quantidades, adaptada aos desejos e gosto do consumidor em um estado

de mudança constante, caracterizado por permanente busca do novo. Condições

que formam um conjunto de fenômenos na esfera econômica, que caracterizam o

pós-fordismo, entre eles:

24

[...] o surgimento do mercado global e de empresas globais e o declínio das empresas nacionais e das nações–estado como unidades eficientes de produção e controle; especialização flexível e dispersão e descentralização da produção, substituindo o marketing e a produção de massa; hierarquias mais niveladas nas empresas e ênfase em comunicação, e não em comando: desintegração vertical e horizontal e aumento de terceirização, franquias, marketing interno entre empresas e extinção de funções; aumento do número de trabalhadores em tempo flexível, parcial, temporário, autônomos ou que trabalham em casa (KUMAR, 1997, p. 64).

Na esteira dessas mudanças econômicas, vieram transformações nas esferas

políticas, industriais, culturais e ideológicas. Na esfera social, destaca-se o declínio

do sindicalismo e dos partidos políticos; a fragmentação das classes sociais; o

esfacelamento da previdência social, representante de benefícios padronizados e

coletivos; e o surgimento de movimentos e redes sociais. Baseados em raça, sexo,

religião, ou em temas únicos, como os ecológicos ou a pobreza, esses movimentos

se alastraram por todo o mundo. E muitos deles se transformaram em organizações

não governamentais e grupos de pressão, dispostos a cobrar mais ética e

responsabilidade social sobre os atos das organizações.

Desta maneira, esses dois conceitos passaram a fazer parte do vocabulário

do mundo dos negócios e chamou a atenção de pesquisadores. Para Trasferetti

(2006), o princípio fundamental que constitui a ética é o outro, que deve ser

considerado um sujeito de direitos, e sua vida deve ser tão digna quanto a nossa.

Dentro dessa perspectiva, Ashley (2005) conceitua como responsabilidade social de

uma organização: atitudes éticas e moralmente corretas, respeito aos padrões

universais de direitos humanos e cidadania e ao meio ambiente, contribuição para a

sua sustentabilidade e envolvimento social, cultural e político com as comunidades

em que está inserida.

Buscamos a última das dimensões históricas de Kumar (1997), que contribui

para entender a sociedade contemporânea, nomeada por ele de pós-modernidade.

Para abordar esse conceito, é preciso melhor situar o que compreendemos por

“modernidade”. Os principais discursos que formam nossa noção de modernidade

giram em torno da ideia de história e progresso, verdade e liberdade, razão e

revolução, ciência e industrialismo. Para o autor, o principal marco histórico do

nascimento da modernidade foi a Revolução Francesa, de 1789, e seus ideais

iluministas, levando o mundo para uma nova era da humanidade.

25

Contudo, se por um lado a Revolução Francesa deu à modernidade sua

forma e consciência, assentadas nos ideais de racionalidade e liberdade, foi a

Revolução Industrial que propiciou a sua materialização.

No entanto, na medida em que as grandes expectativas criadas pela

modernidade – em que o uso amplo da racionalidade garantiria uma sociedade

estável, democrática, e o domínio científico afastaria a sociedade de infortúnios

naturais – não puderam se realizar efetivamente, surgem as frustrações e o niilismo,

que demarcam a condição de “pós-modernidade”.

Um dos principais processos de mudança que marcam essa passagem,

segundo Kumar (1997), é que, na sociedade moderna, se separaram os diversos

“reinos”, como o político, o cultural, o econômico e o social, diferenciando-os e

permitindo relativa autonomia de cada campo; já na teoria pós-moderna, essas

fronteiras se dissolvem, fundindo esses “reinos”. Todavia, tal entranhamento dos

campos não significa o fim do pluralismo e da diversidade na sociedade; ao

contrário, esses fenômenos sociais são os pilares da pós-modernidade. Como

exemplo, podemos citar a própria globalização, que, a partir do campo da economia,

foi se instalando e dando novos contornos aos outros campos, como o político, o

cultural e o social, em um processo de imbricação que tornou indemarcável as

fronteiras de cada um.

Entretanto, a pós-modernidade vai muito além disso na sua complexidade. Na

tentativa de defini-la, tomamos emprestado o conceito de Jencks(1997), considerado

um dos seus grandes defensores:

A era pós-moderna é um tempo de opção incessante. É uma era em que nenhuma ortodoxia pode ser adotada sem constrangimento e ironia, porque todas as tradições aparentemente têm alguma validade. Esse fato é em parte conseqüência do que se denomina explosão de informações, o advento do conhecimento organizado, das comunicações mundiais e da cibernética. [...] O pluralismo, o ‘ismo’ de nossa época, é, ao mesmo tempo, o grande problema e a grande oportunidade: quando todo homem se torna cosmopolita e toda mulher, um indivíduo liberado, a confusão e a ansiedade passam a ser estados dominantes de espírito (JENCKS4 apud KUMAR, 1997, p. 115-116).

Essa definição conceitual da pós-modernidade permite algumas reflexões,

mas, antes, faz-se necessário explicar que, a partir deste ponto, adotamos o termo

“contemporâneo” para nomear esse fenômeno da modernidade de forma a não

4 JENCKS, C. The language of Post-Modern Architecture. Londres: Academy Editions, 1977.

26

caracterizar a preferência por um ou outro conceito. Dito isso, elegemos refletir,

entre os “ismos” citados pelo autor, o consumismo, fenômeno tão marcante da

contemporaneidade e importante na transformação dos sujeitos na sociedade.

Para alguns autores como Bauman (2003) e Lipovetsky (2004), que também

refletem sobre a contemporaneidade e seus vários aspectos, o consumismo merece

atenção especial no contexto social, a ponto de esses terem dedicado livros

específicos sobre o assunto. Entre eles, A felicidade paradoxal – Ensaio sobre a

sociedade de hiperconsumo, de Lipovetsky (2004), e Vida para o consumo, de

Bauman (2003). Isso porque, para ambos, não se pode entender o consumismo,

fenômeno que permeia todas as três correntes teóricas – “sociedade da informação”,

“pós-fordismo” e “pós-modernidade” – como um fator restrito ao campo da economia;

aliás, percepção que enfatiza a ideia de imbricação dos “reinos” na pós-

modernidade, assim como defende Kumar (1997). Estando em seu ápice na

atualidade, o consumismo modifica o modo de vida da sociedade, o seu gosto, as

relações sociais, o comportamento dos indivíduos e sua forma de participação na

esfera pública.

Concordando com esse postulado, Canclini (2005) mostra que as mudanças

na maneira de consumir alteraram inclusive as formas de os sujeitos exercerem a

cidadania. O consumo sempre foi entendido pela capacidade do sujeito de adquirir

bens e do modo como ele os utilizava, mas, imaginava-se, o que compensava as

diferenças entre aqueles que tinham menos acesso ao consumo era a igualdade de

direitos propostos pela democracia, que se materializava no voto. No entanto, em

função da degradação da política e do desencanto com as instituições, fenômeno

situado na contemporaneidade, outros meios de participação em questões públicas

foram surgindo. Muitas das perguntas típicas de cidadãos, como “quem representa

meus interesses?”, “quais são os meus direitos?”, são respondidas pelo consumo de

bens e suas regras e pelos meios de comunicação de massa, mais do que pela

participação coletiva na esfera pública.

Canclini(2005) fornece a seguinte formulação:

Num tempo em que as campanhas eleitorais se mudam dos comícios para a televisão, das polêmicas doutrinárias para o confronto de imagens e de persuasão ideológica para as pesquisas de marketing, é coerente nos sentirmos convocados como consumidores ainda quando se nos interpela como cidadãos. Se a burocratização técnica das decisões e a uniformidade internacional impostas pelos neoliberais na economia reduzem o que está

27

sujeito a debate das sociedades, pareceria que estas são planejadas desde instâncias globais inalcançáveis e que a única coisa acessível são os bens e as mensagens que chegam a nossa própria casa e que usamos ‘como achamos melhor’ (CANCLINI, 2005, p. 29-30).

Adotando ponto de vista semelhante, Lipovetsky(2004)mostra que a

configuração no campo político, social e econômico aponta para uma nova fase da

modernidade caracterizada pelo foco no mercado, na eficiência e no indivíduo:

O Estado recua, a religião e a família se privatizam, a sociedade de mercado se impõe: para a disputa resta apenas o culto a concorrência econômica e democrática, a ambição técnica, os direitos do indivíduo. Eleva-se uma segunda modernidade, desregulamentadora e globalizada, sem contrários, absolutamente moderna, alicerçando-se em três axiomas constitutivos da própria modernidade anterior:5 o mercado, a eficiência técnica, o indivíduo (LIPOVETSKY, 2004, p. 54).

Também em Deetz(2003), podemos perceber a atenção ao recuo do Estado e

ao deslocamento de muitas das suas funções para as organizações empresariais.

Praticamente todas as decisões empreendedoras em relação ao uso de recursos naturais, o desenvolvimento de produtos, a distribuição de renda, as relações de trabalho, e até mesmo a educação e práticas educativas da infância são agora tomadas em lugares comerciais (DEETZ, 2003, p. 81).

Essa constatação da presença das organizações na pós-modernidade, dando

ênfase ao mercado e ao consumo, ancora a perspectiva de Canclini (2005), a de

que temos um consumidor cidadão, que, assim como no pós-fordismo, vem

ocupando espaço nas discussões da esfera pública. E esse sujeito, individual ou

coletivo, por meio da mídia ou usando diferentes recursos, participa, critica, cobra

das organizações uma atuação ética, não só em relação aos produtos e serviços

que são consumidos, mas também em outra dimensão social (CANCLINI, 2005;

ASHLEY, 2006).

No entanto, assim como nas outras teorias, a pós-modernidade tem também

seus críticos. Jameson (1992), por exemplo, não reconhece a pós-modernidade

como uma ruptura, um novo modelo de organização social, mas, sim, como um

“moderno tardio” ou mesmo a face cultural do “capitalismo tardio” na era do

consumo de massa. Para justificar, o autor caracteriza o “capitalismo tardio” pela

5 O autor, além de caracterizar a modernidade, acredita que já se está vivendo uma nova modernidade, para além da pós-modernidade. Ver mais nos livros: Os tempos hipermodernos (LIPOVETSKY, 2004) e Metamorfoses da cultura liberal (LIPOVETSKY, 2004).

28

presença das empresas transnacionais, a nova divisão internacional do trabalho,

novas maneiras de inter-relacionamento da mídia, inchaço das atividades bancárias

e da Bolsa de Valores e a profusão de mercadorias.

Lipovetsky (2004), como visto, apesar de compartilhar dos principais

pressupostos da pós-modernidade, refere-se a essa teoria no passado e manifesta

um tom crítico: “O neologismo pós-moderno tinha um mérito [...]”, “A expressão pós-

moderna era ambígua [...]”, frases que parecem decretar o fim desse período, que

ele entende como uma modernidade de novo gênero, e não uma superação da

anterior, assim como Habermas (1981). Justificando sua posição, o autor diz que “no

momento em que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal e os direitos

humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade

de exprimir o mundo que se anuncia”. No seu lugar, estaria então a

“hipermodernidade”, profetizada por ele como o mundo do superlativo, onde tudo é

excessivo (LIPOVETSKY, 2004, p. 52, grifo nosso).

Observamos, ao longo do nosso percurso, que, em todas as fases

apresentadas, as organizações estão no epicentro das mudanças, e a comunicação

é propulsora delas. Compilamos as principais alterações em cada fase e

constatamos que, na sociedade da informação, a comunicação, como seu principal

fenômeno, democratizou as informações, mudando a dinâmica de interação de as

organizações se relacionarem com a sociedade, obrigando-as a prestar contas de

suas ações. Circunstâncias que mudaram a própria organização, diminuindo a

hierarquia e reestruturando as formas de poder.

Na fase pós-fordista, a comunicação continua a ser um dínamo propulsor de

mudança nas organizações. A sociedade cada vez mais informada apresenta um

consumidor, interlocutor mais exigente com relação aos seus desejos, mas também

aos seus direitos. O mercado se abre, as fronteiras comerciais se dissolvem,

mobilizando toda a organização, que passa a mudar o seu modo de produção, de

gestão e de relação de poder para dar conta dessa realidade.

E, na terceira e última fase, a pós-modernidade, para nós

“contemporaneidade”, todas essas características não só permanecem, como são

potencializadas. A comunicação e as informações circulam em quantidade e

velocidade estratosféricas, o consumismo se exacerba, dando novos contornos e

poderes ao consumidor. As organizações, nesta sociedade de mercado, passam a

29

ter cada vez mais espaço e importância na vida da sociedade e com isso novas

responsabilidades, novos papéis, mais poderes.

Podemos concluir, então, que todo esse arcabouço teórico apresentado, com

mais convergências e coincidências do que divergências, mostra que as

organizações na sociedade contemporânea foram remodeladas, reconfiguradas nos

seus diversos aspectos, como o produtivo, político, ambiental, social, econômico,

antropológico, obtendo papel preponderante dentro dessa realidade posta. Em

função desses fenômenos, podemos dizer que as organizações ocupam lugar

central também na conformação social, tanto na sociedade da informação como na

sociedade pós-fordista e na contemporânea. Ao longo desses processos de

mudança, percebemos como as organizações privadas, paulatinamente, foram

adquirindo posição de centralidade na sociedade. Imbricando as duas perspectivas

em relação à ocupação social das organizações, tanto sendo conformada como

conformando a sociedade. Em concordância com essa premissa, Mattelart (1994, p.

246-247) conclui que:

[...] não somente a empresa se converteu em um ator social de pleno direito, exprimindo-se cada vez mais em público e agindo politicamente sobre o conjunto dos problemas da sociedade, mas também suas regras de funcionamento, sua escala de valores e suas maneiras de comunicar foram, progressivamente, impregnando todo o corpo social. A lógica gerencial instituiu-se como norma de gestão das relações sociais. Estado, coletividades territoriais e associações foram penetradas pelos esquemas de comunicação já experimentados por esse protagonista do mercado. A carteira de ofertas de serviços de comunicação profissional enriqueceu-se com novos clientes e novas competências. E a própria definição de comunicação ganhou um novo segmento de problemáticas.

Desta forma, as organizações que antes atuavam essencialmente na esfera

econômica, tendo como maior preocupação e função propiciar lucros para os seus

acionistas, dentro dessa nova perspectiva social, viram-se pressionadas a se

reorganizar tendo em vista outra lógica, não mais só a do lucro. Assim, as

organizações são convocadas pela sociedade a exercer também um papel social,

político, cultural e muitas vezes a preencher lacunas de funções originalmente do

Estado.

Diante disso, como vimos, as organizações mudaram desde seus métodos

produtivos, tecnologias e processos, até (e principalmente) a sua maneira de se

relacionar com a sociedade, passando a considerar, por necessidade de

sobrevivência, a existência do outro. Agora não apenas como um receptor passivo

30

de suas ações e informações, mas como sujeitos que também se transformaram

nessa nova realidade e devem ser considerados como sujeitos de ação. A ideia de

um receptor passivo é substituída pela noção de interlocutor, ou seja, a organização

é vista como interlocutora tanto quanto os demais sujeitos com os quais se relaciona

(como fornecedores, consumidores, funcionários, comunidade), e ambos participam

ativamente da interação estabelecida (OLIVEIRA, 2007). Assim, tanto as

organizações impactaram no desenvolvimento da sociedade, gerando mudanças

sociais, quanto foram impactadas pelo contexto que ajudaram a transformar e pela

ação dos demais sujeitos sociais.

Surgem, então, os desafios para as organizações diante desse modo de ser e

de ocupar esse novo ethos. Como se situar diante de tantos papéis sociais? Como

se relacionar com a sociedade? Como se relacionar com os interlocutores diretos?

Assim, avançando na reflexão proposta neste capítulo, buscamos conhecer as

comunidades do entorno, entendidas por nós como os interlocutores mais próximos

geograficamente da organização e, por isso mesmo, mais impactados pelas ações

dessa.

2.2 A comunidade do entorno remodelada pelas transformações

contemporâneas

Da mesma forma como descrevemos as mudanças sociais que remodelaram

as organizações e que compõem o contexto social, também se faz importante situar

a comunidade nesse contexto contemporâneo, observando aquilo que alterou o seu

modo de ser e de se constituir. Entendemos que, de todos os fenômenos que

mudaram a sociedade e os seus sujeitos, entre eles a comunidade do entorno, o

mais significativo foi o consumo. A lógica do consumo pode ser observada

interferindo nas múltiplas instâncias da sociedade (LIPOVETSKY, 2007; HALL,

1997; BAUMAN, 2008; CANCLINI, 2005), social, cultural, política, ambiental,

identitária, entre outras.

Sobretudo, interessa-nos inicialmente refletir como o consumo interferiu no

comportamento social modificando a forma de os sujeitos serem cidadãos, de

construírem a identidade individual e coletiva para, então, entendermos como se

31

instituiu e conformou a comunidade e, mais especificamente, a comunidade do

entorno nomeada e conceituada na perspectiva da organização.

Vejamos o que tem a dizer Lipovetsky (2007):

Enquanto triunfa o capitalismo globalizado, o assalariado, os sindicatos e o Estado passaram para segundo plano, suplantados que são, daí em diante, pelo poder dos mercados financeiros e dos mercados de consumo. A nova economia–mundo não se define apenas pela soberania da lógica financeira: é também inseparável da expansão de uma ‘economia do comprador’ [...] ‘A essa ordem econômica, em que consumidor se impõe como senhor do tempo, corresponde uma profunda revolução dos comportamentos e do imaginário do consumo’ (LIPOVETSKY, 2007, p. 13-14).

Reforçando essa premissa, Deetz (2003) afirma que praticamente todas as

decisões empreendedoras sobre aspectos ambientais, educação, trabalho,

distribuição de renda, entre outras questões, são agora tomadas em lugares

comerciais pelas organizações privadas. Essa mudança de paradigma levou a

participação social a se reconfigurar exercendo a cidadania pelo viés do consumo.

Se antes essa era configurada na esfera pública, na participação do sujeito nas

questões políticas, hoje a cidadania se manifesta valendo-se das relações de

consumo, menos nas praças públicas e mais pelos mecanismos midiáticos. Se para

Deetz (2003), na atualidade, há mais consumidores que cidadãos, para Canclini

(2005) existem consumidores cidadãos. Canclini(2005) acredita que o consumo não

aniquilou a cidadania, mas propiciou a ela novos contornos. No seu ponto de vista, o

consumo deixa de ser mero ato de compra para se tornar um conjunto de processos

socioculturais que se realizam na apropriação, na escolha e uso de produtos, nas

ideias, nos serviços e nas informações.

Esses processos que se dão entre produtores e consumidores, entre

emissores e receptores revelam que o consumo pode ser compreendido para além

de sua racionalidade econômica, manifestando-se também como uma racionalidade

sociopolítica interativa. Dessa forma, não se pode pensar que o consumidor é um

sujeito irracional, movido apenas por impulsos consumistas tampouco que o cidadão

só se constitui e atua com base em princípios ideológicos e políticos.

Contudo, todo esse deslocamento cultural, do público para o privado, levou os

sujeitos a uma crise identitária. As identidades culturais, de classe, gênero, etnia,

raça, nacionalidade, que encaixavam os sujeitos socialmente, fragmentaram-se

nesse contexto, tornando essas fronteiras mais fluidas e indeterminadas (HALL,

32

1997). No entanto, isso não determina o fim da cidadania, do enraizamento dos

sujeitos nem da busca por identidade.

Ser cidadão não tem a ver apenas com direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também com as práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem que se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas semelhantes de organização e de satisfação das necessidades (CANCLINI, 2005, p. 35).

Dentro dessa perspectiva, o consumidor é também cidadão, buscando suas

respostas para questões como “quem representa os seus direitos”, “a que lugar ele

pertence”, mais pelo consumo de bens e pelos meios de comunicação, elemento

decisivo nesse processo, do que pelas instituições políticas ou pelas regras da

democracia. Nesse cenário, surgem outras formas de cidadania, propiciando novas

e múltiplas identidades aos sujeitos.

Um exemplo dessa diversificação identitária são as comunidades do entorno

como uma nova condição de ser, formada por moradores, cidadãos, trabalhadores,

que, pelo fato de residirem tão próximo geograficamente da organização, ganham

mais essa identidade.

A nossa atenção se volta para uma comunidade específica, a comunidade do

distrito de Antônio Pereira, que vive muito próxima da Samarco e sua relação

comunicativa. Assim, diante do cenário social contemporâneo, podemos afirmar que,

se um dia as questões que permeavam a relação entre esses sujeitos foram

território de decisões unilaterais, no nosso caso, advindas das organizações, hoje

são um campo de interação, no qual emissores e receptores se intercambiam

nesses papéis e precisam se seduzir e justificar-se racionalmente. Desta maneira,

defendemos neste segundo capítulo que isso acontece por meio de um enunciado

discursivo, em especial, a sustentabilidade, que, como veremos, tanto seduz pelos

significados que carrega como empresta racionalidade e justifica o comportamento

da organização perante as comunidades e toda a sociedade.

33

2.2.1 A comunidade do entorno: conceituação e trajetória

Para descortinar o significado de comunidade do entorno e posteriormente

discutir a comunicação entre ela e as organizações, é necessário antes

compreender como se dá a formação de identidade na contemporaneidade, como o

sujeito individual ou coletivo se transformou. Os efeitos das mudanças na sociedade

contemporânea, entre eles a comunicação de massa e a lógica do consumo e suas

interfaces com os processos sociais, alteraram a maneira de ser do sujeito,

fragmentando-o e fazendo surgir outras identidades. Para Hall (1997), se no

passado as definições de classe, raça, gênero e nacionalidade localizavam os

indivíduos sociais de maneira sólida, hoje essas mudanças interferiram na

identidade pessoal e na forma de o sujeito se localizar na sociedade. Numa

perspectiva histórica, tomamos como base as três concepções de identidade

propostas por Hall (1997), o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito

pós-moderno, com o objetivo de localizar onde se encaixa a comunidade,

compreender o processo de mudança identitário que a instituiu e identificar como ela

é atualmente.

O sujeito do iluminismo era centrado na racionalidade, era unificado e dotado

de um núcleo interior. Esse núcleo que surgia com o seu nascimento permanecia

estável por toda a sua vida. A identidade era essencial, era o centro do eu; por isso

o sujeito do iluminismo é também considerado individualista.

Já o sujeito sociológico, diferentemente do sujeito do iluminismo, não tem

núcleo autônomo e autossuficiente. Ele é influenciado pela complexidade que

caracteriza a “modernidade”. Seu núcleo interior se forma com base na interação, na

relação com a sociedade. Essa relação mediava a troca de valores, sentidos e

símbolos que formavam a cultura que o identificava. Ainda assim, esse sujeito ainda

tem o seu núcleo, seu eu; porém, já não é tão estável e vai se modificando a partir

do diálogo com o mundo cultural exterior. A identidade nessa concepção sociológica

transita entre o interior, o “eu” pessoal e o exterior, o “eu” público. Essa projeção

exterior, além de promover a internacionalização dos valores e significados da

identidade cultural do exterior, contribuiu para estabilizar os sentimentos subjetivos

com os lugares objetivos que esse sujeito ocupa. “A identidade então, costura [...] o

sujeito a sua estrutura” (HALL, 1997, p. 12), possibilitando certa unificação.

34

O que se vê, contudo, a partir da metade do século XX, é um colapso nessa

forma de identidade, pautado pelas transformações de ordem social e econômica. O

sujeito se torna fragmentado, composto de muitas identidades que tornam o seu

núcleo móvel. Assim se caracteriza o sujeito pós-moderno, ou seja, contemporâneo,

assumindo diversas identidades, em diferentes momentos, sem unificação nem

alinhamento a um só núcleo. A estrutura da identidade – ou das identidades – deste

sujeito está sempre aberta, o que possibilita articulação em torno da formação de

outras fisionomias e do surgimento de múltiplos sujeitos.

Como bem lembra Hall(1997):

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. [...] A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia (HALL, 1997, p. 13-14).

Por meio de uma perspectiva socioeconômica, vários autores, como

Lipovetsky (2007), Bauman (2003) e Canclini (2005), caracterizam esse sujeito a

partir da lógica do consumo, do mercado e da individualização. O consumo, a que se

referem os autores, não se trata apenas do ato de compra, mas de todo um arranjo

social que institui e conduz a formação de múltiplas identidades aos sujeitos. Se por

um lado esse sujeito consumidor contemporâneo, para Lipovetsky (2007, p. 14), “[...]

é desajustado, instável, flexível, amplamente liberto das antigas culturas de classe

[...]”, por outro é mais exigente, informado e consciente dos seus direitos. Para o

autor, o consumo não retirou a capacidade do sujeito contemporâneo de ser

transcendente, reflexivo e crítico, mas transformou a sua maneira de criar identidade

pessoal, coletiva e pública. A própria esfera pública, locus da cidadania, uma das

identidades mais afetadas na contemporaneidade, é reconstituída pela sociedade

contemporânea.

Para entender esse fenômeno, é preciso voltar, ainda que de maneira sucinta,

às origens dos termos “público”, “privado” e “esfera pública”. Habermas (1984)

relaciona o surgimento da esfera pública à democracia grega, considerando o

modelo helênico. E, na perspectiva semântica grega, o uso dessas expressões se

dá na contraposição entre a esfera da pólis (cidade) e a esfera da óikos (casa),

35

diferenciando e ao mesmo tempo articulando aquilo que é comum a todos (Koiné), o

público ao privado considerado aquilo que é individual ou próprio de cada um (ídia).

Nesse período, segundo Rodrigues (1990), a vida pública, o biós politikós,

manifestava-se nas praças públicas, na ágora, por meio da publicização pela palavra

(lexis) e pela ação (práxis), assim como na guerra (polemos) e como na luta

(agonia). Todavia, Habermas (1984, p. 15) considera que, somente no século XVIII,

essa expressão passa a ser aplicada, a partir de determinada formação social – a

burguesia –, estabelecendo o modelo burguês de pensar a esfera pública. Tal

modelo se apresentava restrito a aqueles que frequentavam os salões e cafés da

burguesia, limitando o debate sobre as questões comuns à sociedade entre os que

dominavam a leitura e a escrita.

Em função dessa situação, de acordo com Canclini (2005), até meados do

século XX, mulheres, operários, camponeses eram excluídos da esfera pública

burguesa, só podendo participar das deliberações de interesse de todos à medida

que fossem dominando a cultura letrada. O que mudou esse contexto de maneira

mais contundente, remodelando a esfera pública e democratizando a forma de ser

do cidadão, na opinião de vários estudiosos, entre eles Habermas (1984), Maia

(2008), Hall (1997), Gomes (2008) e Canclini (2005), foi, além do consumo, a

comunicação de massa. Uma das razões é a sua capacidade de transpor a

comunicação face a face reduzida a determinadas arenas para redes comunicativas

capazes de disponibilizar informação em uma nova escala espaço-temporal para

uma amplitude enorme de pessoas, com conteúdos vindos de diversos setores da

sociedade.

Podemos observar esse fenômeno na reação das comunidades do entorno,

que, desiludidas com a burocracia das instituições governamentais, recorrem às

emissoras de TV, rádios e, mais recentemente, à internet para denunciar os seus

problemas com as organizações, comumente de ordem socioambiental. Como, por

exemplo, poeira, barulho, poluição e impactos sociais trazidos pela instalação de

organizações empresariais e industriais na proximidade de seu bairro ou de sua

cidade.

Apesar da premência do uso da mídia como uma nova forma de exercício da

cidadania, ela não substitui outras práticas. Peruzzo (2007) nos lembra que a

cidadania é construída pelos próprios cidadãos na interação com as outras forças

constitutivas da sociedade. Caminhando na mesma direção, Canclini (2005) observa

36

que as mudanças na esfera pública não foram apenas funcionais ou uma

substituição dos partidos políticos, dos sindicatos e das instituições pelos meios de

comunicação, entendidos também como meios de consumo de ideias, de padrões e

de produtos.

Este autor, porém, destaca que os efeitos desse fenômeno são mais

profundos e causaram reestruturação geral na articulação entre o público e o

privado, propiciando, a nosso ver, entre outras coisas, mais visibilidade e poder às

organizações empresariais, do terceiro setor e comunitárias. Além disso, reordenou

a vida urbana, redimensionou o papel do Estado e reorganizou as funções políticas

dos sujeitos sociais e a maneira de se formar as comunidades. Assim, a

comunicação de massa modificou as condições de fazer política, alterou a forma de

se construir identidades, tanto no nível individual quanto no coletivo, e produziu

outras esferas públicas.

Entretanto, para Rodrigues (1997), na constituição do espaço público

contemporâneo, a ruptura mais significativa se deu na diluição da fronteira que

definia claramente o espaço da comunidade do dos demais. Discursivamente se

separava a comunidade designada como “nós” do mundo lá fora, formado por

pessoas sem identidade definida, consideradas os “de fora” aqueles que estavam

além do território comum. O autor apresenta as origens desse fato nos romanos, que

os designavam de hostis ou servus, e os que estavam dentro eram considerados

civis.

Os homens civis pertenciam ao território comum, partilhado por aqueles que

tinham suas marcas distintivas de identidade geradas pelo nascimento e pela família

(sobrenome) que os permitiam se mover legitimamente no seu território, desde que

observadas as regras de convivência daquele grupo. Nessas sociedades, não havia

uma divisão e especialização funcional principalmente no trabalho, mas uma

coexistência que se apresentava sob a forma de solidariedade social, de

compartilhamento. É essa consciência comum que fortalece os laços que prendem o

indivíduo ao grupo. Todavia, essa conformação de comunidade sofreu

transformação nas suas características essenciais, na contemporaneidade. Essa

comunidade que remete a sensação de segurança, de aconchego e pertencimento,

formada por um grupo coeso, homogêneo, não existe mais, decreta Bauman(2003);

ela é, hoje, um paraíso perdido para o qual gostaríamos de voltar.

37

Quem não gostaria de viver entre pessoas amigáveis e bem intencionadas nas quais pudessem confiar e de cujas palavras e atos se apoiarem? Para nós em particular – que vivemos em tempos implacáveis, tempos de competição e desprezo pelos mais fracos, quando as pessoas em volta escondem o jogo e poucos se interessam em ajudar-nos, quando em resposta a nossos pedidos de ajuda ouvimos advertências para que fiquemos por nossa própria conta, quando só os bancos ansiosos por hipotecar nossas posses sorriem desejando dizer ‘sim’ e mesmo eles, apenas nos comerciais e nunca em seus escritórios – a palavra comunidade soa como música aos nossos ouvidos (BAUMAN, 2003, p. 8-9).

Em uma perspectiva histórica, tanto Rodrigues (1990) quanto Bauman (2003)

defendem que foi no século XIX, com a Revolução Industrial, considerado um

período de grandes deslocamentos, desencaixes e desenraizamentos sociais, que

se desencadearam essas mudanças na formação comunitária. Os autores,

compartilhando da mesma visão, destacam dois fenômenos que contribuíram e

enfatizaram a divisão e fragmentação do tecido social: a urbanização e a

transformação nos métodos de trabalho. A urbanização, com o consequente êxodo

rural, levou a um crescimento vertiginoso das cidades. Basta ver alguns números,

ainda que restritos a um período, para se ter a noção da dimensão desse

crescimento: “A população urbana do mundo, entre 1920 e 1960, aumentou 73% e

nos países industrializados, no mesmo período, houve crescimento de 54%. Mas foi

nos países do Terceiro Mundo que este aumento foi o mais elevado: 150% entre

1920 e 1960 [...]” (RODRIGUES, 1990, p. 34).

Essa crescente população emigrada do campo estava habituada a uma vida

comunitária, onde todas as pessoas se conheciam pelo nome, onde havia cultura

própria, preservada pela coesão dos seus moradores, sentimento de pertencimento,

e a solidariedade garantia a sobrevivência e a segurança de todos. Quando essas

pessoas chegaram às grandes cidades, elas se depararam com a ausência de

referências culturais, em que o sistema de solidariedade não era natural, e os

padrões e as regras sociais estavam lá, prontos, sem a participação deles. Além das

questões socioculturais, a arquitetura das cidades, pensadas de forma funcionalista,

classificando e ordenando as funções e os serviços em espaços e prédios próprios,

contribui com o esfacelamento do sentido de comunidade.

Pela ótica do trabalho, as comunidades foram tiradas da sua rotina de

interação comunitária, dos trabalhos artesanais feitos em casa e ordenados pelo

hábito, para outra rotina, a do “chão de fábrica”, onde o trabalho é mecanizado,

separado em funções rígidas e governado pelo desempenho de tarefas. Para que

38

esses sujeitos pudessem se adaptar a essa nova vida, “a guerra contra a

comunidade foi declarada em nome da libertação do indivíduo da inércia da massa”

(BAUMAN, 2003, p. 30). Desprovidos de seu direito de criar os próprios padrões e

papéis na comunidade e assim privados da sua individualidade, aconteceu o

contrário do que a recente elite industrial pregava, isto é, as comunidades foram

condensadas em massas trabalhadoras.

Ao longo do século XX, esse movimento promovido pela industrialização e

pelo capitalismo exacerbado fortaleceu a classe empresarial emergente, que,

novamente, em nome da luta contra o atraso da sociedade camponesa e artesã,

contribuiu para desmantelar essa comunidade. Temendo que, mesmo depois de

deslocadas para uma nova força de trabalho e desenraizadas dos seus locais de

origem, essas comunidades pudessem se rebelar, os donos e os gerentes das

fábricas trataram de sufocar e de vigiar essa massa trabalhadora para que não

houvesse nenhuma manifestação de liberdade (BAUMAN, 2003).

Desta maneira, concluímos que o desenvolvimento das organizações se deu,

por muito tempo, pelo pan-óptico, que consegue a disciplina pela vigilância contínua,

não só com seus empregados, mas também com os diversos interlocutores com

quem se relacionam. Um exemplo dessa manobra pode ser visto na medida em que

a comunicação com a sociedade é pensada pelas organizações de forma

estratégica, coberta de intencionalidade, demonstrando comportamento discursivo

de controle, com o intuito de gerir a relação com seus interlocutores a partir de

significados cristalizados. Nessa perspectiva, o discurso passa a ser um dispositivo

de poder, um instrumento de controle.

Buscamos uma explicação para esse fenômeno em Foucault (2000) e

Deleuze (1990), que, contribuindo com uma visão alargada, definem o dispositivo

como um “conjunto de instituições, de processos de subjetivação e de regras ao seio

do qual as relações de poder se concretizam” (FOUCAULT6 apud DELEUZE, 1990,

p. 155). Nomeando-o também como instrumento, Foucault (apud DELEUZE 1990, p.

158) reafirma sua posição dizendo que “o instrumento tem assim uma função

estratégica dominante”. Função estratégica que se inscreve em relações de poder,

saber e subjetividade. Em consonância com essa premissa, Fausto Neto (2008)

utiliza a metáfora do radar, como o pan-óptico, que se presta a proteger o

6 FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

39

funcionamento das organizações, por meio da captura, do processamento, da

análise e da disseminação das informações que emite e recebe. Isso na esperança

de garantir o controle e a regulação da relação discursiva com aqueles que, de

alguma forma, possam oferecer perigo ou restrição aos seus objetivos.

Esse modelo gerencial baseado na vigilância teve seu apogeu no período

fordista, já caracterizado no primeiro capítulo (item 1.1.1). Para Bauman (2003), em

uma visada sociológica, o fordismo fortaleceu a impessoalidade e a mecanização

das relações de trabalho, tirando o espaço para a cooperação, desvalorizando os

laços sociais, modificando o ritmo do trabalho. As organizações acabaram por criar

um ambiente frio, coercitivo, oposto ao ambiente comunitário em que se inscrevia o

trabalho antes da industrialização.

Desta forma, em busca de fortalecer ainda mais o seu poder pela vigilância e

garantir coesão comunitária, agora dentro de uma nova ordem social, muitas

organizações construíram cidades-modelo no seu entorno, na tentativa de recriar

artificialmente comunidades aos moldes das anteriores ao processo industrial.

Casas iguais, capelas, escolas, hospitais, tinham a tarefa de recriar uma atmosfera

amigável, de vizinhança, mais humanizada e principalmente garantir a permanência

dos trabalhadores na fábrica. A Samarco foi uma dessas organizações, que produziu

uma comunidade, chamada ainda hoje de “Vila Samarco”, ao lado da sua mina, na

década de 1970, quando iniciou suas operações. Entretanto, na década de 1990,

essa foi “desativada” ou “desprivatizada”, as casas foram postas à venda, e as

cancelas que a separavam do resto do distrito, abertas.

Atualmente, essa afetação sobre a comunidade se dá de forma diferente, mas

não menos impactante. Algumas organizações, por razões estratégicas, como

espaço, proximidade dos meios de escoação de sua produção, condições de

infraestrutura ou localização das matérias-primas, vão se instalando em cidades ou

regiões que dispõem dessas condições estruturantes e com isso vão modificando a

vida daquelas comunidades. Estas, estando ali estabelecidas e enraizadas, tendo

construído os próprios padrões formadores de sua cultura, veem-se invadidas por

novos modos de vida, por pessoas “estranhas”, “de fora”, interferindo assim no seu

cotidiano. Observando esse processo arquitetado pelas organizações, entendemos

que o termo “comunidades do entorno” parte da lógica de que as organizações, nas

duas circunstâncias, tanto na criação da cidade-modelo ou instalando-se em

pequenas cidades, passam a ocupar lugar de centralidade geográfica e social e

40

colocam a comunidade como parte do seu entorno. Desta forma, os sujeitos,

moradores vizinhos e trabalhadores, passam a gravitar ao seu redor, situação que

deixa a organização como ordenadora da relação. Portanto, o sucesso ou fracasso

daquela comunidade depende de suas ações.

De qualquer maneira, as duas estratégias utilizadas pelas organizações, tanto

na dimensão anticomunitária como na que tenta recriá-la artificialmente, parecem

não atender mais aos seus propósitos na contemporaneidade. Temos, então, o que

aparenta ser uma terceira dimensão comunitária, na perspectiva das organizações,

ou seja, a comunidade do entorno. Diferentemente, porém, das circunstâncias que

se inscreviam as comunidades “organizacionais” anteriores, tal comunidade sofre

suas interferências de modo bem diferente. A globalização e os seus efeitos sociais,

como as incertezas, a insegurança no emprego, a mobilidade das posições sociais,

a desregulamentação de quase tudo na sociedade, contribuíram para romper com

esse processo manipulatório por parte das organizações.

Por essas mesmas razões, o pan-óptico também se mostra insuficiente para

fazer calar os sujeitos insatisfeitos ou mesmo garantir que apenas o discurso

produzido pela organização seja consumido. Isso apesar de as organizações ainda

tentarem manter a regulação, agora por meio da comunicação, “apoiando-se em

operações de coleta, classificação, avaliação e circulação de informações” (FAUSTO

NETO, 2008, p. 42).

Contudo, esse dispositivo de controle também se mostra ineficaz na

contemporaneidade, apresentando pontos de fuga que tomam o lugar dos processos

de regulação. Um exemplo desse fenômeno são ações reativas da comunidade do

entorno, que, não satisfeita com as respostas dadas as suas questões, por meio de

jornais da comunidade, relatórios sociais, entre outros dispositivos produzidos pela

organização e que apresentam seu discurso sobre os fatos que lhe interessam, cria

os próprios discursos, produzindo sentidos que se manifestam na comunicação

informal.

Na visão de muitas organizações, demonstrando uma intenção

“transmissional”, esses discursos não oficiais, esses sentidos recriados pelos

sujeitos são considerados “ruídos”, erros no recebimento de sua mensagem,

resultantes de uma falha na comunicação. Vale salientar que essa dimensão não

permite que haja troca ou criação de outros significados. Os processos discursivos

verbais e não verbais são apenas “portadores passivos de sentido”.

41

Defendendo ser o ruído constituinte do processo comunicacional e

confirmando ser justamente nele que está a produção de novos sentidos, incluindo

as errâncias e os tropeços, Pinto (2008, p. 86) nos revela que “não existe nada sem

ruído. É uma questão imanente ao signo, exatamente constituído de opacidade [...].

Não há garantias na produção da mensagem, não há garantias na mensagem, não

há garantias na sua recepção”. E o autor ainda conclui que “pretender viver sem

equívocos é sucumbir a uma enfermidade muito comum em nosso meio, id est, é

pretender que as significações sejam sempre unívocas e puramente referenciais”

(PINTO, 2008, p. 3).

Entendemos que é assim que acontece com a comunidade de moradores do

entorno das organizações; ao interagir com os discursos por elas produzidos, essa

lança mão de seu repertório cultural, dos valores e das crenças para interpretá-los e

gerar outros sentidos, num processo de semiose incessante.

Nesse ambiente de complexidades que se apresenta, no qual o capitalismo

“derrete todos os sólidos” e traz o tempo do desengajamento, da

desregulamentação, as organizações e as instâncias de poder não precisam mais

do manejo da vigilância e obediência; o próprio estado de insegurança, de mudança

permanente, de incerteza sobre o futuro se incube de diminuir a resistência, os

movimentos organizados e a solidariedade comunitária (BAUMAN, 2003).

No entanto, paradoxalmente, muitos dos fenômenos sociais, muitas vezes

perversos, que colocaram as organizações em um lugar privilegiado, propiciaram

também aos sujeitos interlocutores mais autonomia e condições de criar os próprios

sentidos perante os discursos organizacionais. Em função disso, coube à

organização adotar outra postura, encarar os seus interlocutores e essa comunidade

vizinha que vive em seu entorno como um sujeito de ação com quem ela tem de

reaprender a se relacionar. Segundo Baldissera (2008, p. 156), “[...] sujeito pensado

como força em tensão de diálogo e, portanto, também como propositor e criador do

mundo. Deslocado de um lugar de passividade, afirma-se que, recursivamente, é

construtor da teia social que o constrói”.

Afinal, onde está circunscrita a comunidade contemporânea? Adotamos como

resposta a perspectiva de Bauman (2003, p. 46), “onde nada dura tanto tempo, e

nada dura o suficiente para ser absorvido, tornar-se familiar e transformar-se no que

as pessoas ávidas por comunidade e lar procuravam e esperavam”. No entanto,

como vimos, nesse quadro social, o comunitarismo não se dissolve, mas se

42

reconfigura, alterando suas características e formações. Bem diferente das

comunidades da era pré-industrial e pós-industrial, a comunidade contemporânea é

heterogênea, móvel, fragmentada, plural, marcada por conflitos internos e se forma

valendo-se de interesses comuns ou fronteiras geográficas, elementos que

caracterizam, como exemplo, a comunidade do entorno. Mais uma vez, observamos

que as organizações são fortes elementos de reconfiguração social.

2.2.2 A comunidade do entorno pela perspectiva da mobilização social

mediatizada

A princípio, essa caracterização da comunidade contemporânea pode nos

remeter à fragilidade, à falta de coesão suficiente para que ela lute pelos seus

interesses, mas não é bem isso que acontece. Tal reconfiguração, remodelação da

comunidade, trouxe novas maneiras de ela se manifestar, agir e de buscar o diálogo.

Entre elas, a articulação entre as formas de socialização, por meio da mobilização

social e da mediatização, as duas suportadas por um sistema de redes sociais. Esse

sistema foi fortalecido pelas tecnologias da informação e comunicação das redes

sociais, propiciando encadeamento de pessoas e ações, assim como ONGs e

comunidades, criando e recriando conexões.

Na sua concepção, Capra (2002, p. 119) entende que esses sistemas de rede

são “vivos” no sentido de se autogerar e explica: “Cada comunicação gera

pensamentos e um significado, os quais dão origem a novas comunicações”. Para

entender essa articulação a que nos referimos, faz-se importante conhecer a forma

de mobilização social e em seguida a mediatização, para, então, compreender como

esses dois fenômenos conformaram e ou colaboraram com as comunidades do

entorno na contemporaneidade. Simeone (2004) define a mobilização social como:

“[...] a reunião de sujeitos que definem objetivos e compartilham sentimentos,

conhecimentos, responsabilidades para a transformação de uma dada realidade

movidos por um acordo em relação à determinada causa de interesse público

(SIMEONE, 2004, p. 36).

Com base nesse conceito, entendemos que a comunidade do entorno se

mobiliza em pequenos grupos que se formam a partir de uma causa ou objetivo em

43

comum. Seus discursos estão ligados a questões de ordem cotidiana que a afetam.

Portanto, concordamos com Simeone (2010), quando ele diz que a mobilização

social é um suporte à interlocução e à cooperação entre organizações e

comunidades. Apesar de essa comunidade não ser uma associação formal nem se

configurar como um tipo de movimento social, ela possui lideranças e algumas

vezes se institucionaliza. A nosso ver, um exemplo de formalização na comunidade

do entorno são os projetos sociais. Entendemos ser essa uma maneira de

mobilização social de grupos comunitários em busca do apoio financeiro e técnico

da organização para as suas atividades e necessidades em diversas áreas, como

trabalho, educação, geração de renda, desenvolvimento cultural, entre outras. No

caso da Samarco, há até a exigência que esses projetos da comunidade se

institucionalizem, transformando-se em associações para que possam receber esse

apoio.

A exemplo dos movimentos sociais, as comunidades do entorno também se

utilizam dos meios de comunicação em busca de visibilidade e atenção para suas

causas. Podemos dizer que as comunidades se mobilizam socialmente de forma

mediatizada, ou seja, lançam mão da mediatização como dispositivo de mobilização.

Isso porque a mídia ocupa a mente e os palcos simbólicos dos sujeitos com seus

programas, temas e conteúdos produzidos por ela própria, colocando-se como

mediadora entre a realidade e os sujeitos. Esses meios se autorreferenciam,

naturalizando-se e se identificando com a realidade, e se colocam como instrumento

a serviço da sociedade, com sua “imparcialidade” sobre os fatos apresentados.

Entretanto, tais meios negam paradoxalmente seu poder de agenciamento das

discussões da sociedade, assumindo um discurso de meios “democráticos” que dão

ao público o que ele deseja (VIZER, 2007).

Apesar de também reconhecer a face perversa da mídia, Gomes (2008, p.

118) admite que “não há espaço de exposição, exibição, visibilidade, [...] de

discurso, discussão e debate que se compare em volume, importância e

disseminação e universalidade com o sistema de comunicação de massa”. Por isso

mesmo, é um forte aparato de mobilização social que serve a todos aqueles grupos

ou mesmo indivíduos que buscam visibilidade e legitimidade para as suas causas.

A comunidade do entorno é um desses sujeitos coletivos que vêm se

utilizando da mídia para colocar suas discussões na esfera pública, dar visibilidade

aos seus objetivos e buscar atenção para as suas causas em relação às

44

organizações. Essa força, esse poder da mídia é explicado por Rodrigues (1990) e

sua “teoria dos campos” de forma mais alargada. Na sua perspectiva, a

mediatização é um campo social, isto é, o campo dos media, que no presente é um

campo forte, capaz de inculcar nos demais a sua axiologia. Relativamente

autônomo, porém de ordem vicária, esse campo depende da legitimação dos outros

campos sociais para instituir-se; campos esses, por exemplo, o organizacional, o

dos movimentos sociais, o econômico, o político, que, por meio da sociedade civil,

delegam intencionalmente ao campo dos media poderes e funções para a colocação

de suas questões na esfera pública.

Todavia, o autor distingue o termo “media” da mass media. Enquanto, para

ele, a mass media ou a comunicação de massa designa o conjunto dos meios de

comunicação (televisão, rádio, cinema, internet, etc.), o campo dos media é a

designação de uma instituição de mediação, formada por um conjunto de

dispositivos, organizados ou não, que se assentam na “[...] elaboração, na gestão,

na inculcação e na sanção dos valores de representação, de transparência, e de

legibilidade do mundo da experiência [...]” (RODRIGUES, 1990, p. 155). Sem perder

de vista a perspectiva sociológica da mediação e também a tratando como campo,

Vizer (2007, p. 24) colabora com essa conceitualização adicionando uma visada

cultural, quando define a mediatização “como nova forma de organização da

produção, da circulação e do consumo cultural”. Essa mediação é capitaneada pela

tecnologia, que, por seu turno, é mediada pelas formas de organização social, pela

produção de bens culturais e simbólicos, uma se alimentando da outra, em uma

espécie de sistema autopoiético.

O campo midiático (e sua crescente concentração corporativa e transnacional) foi transformando-se de um campo de poder simbólico subordinado em um ‘político’ e econômico, capaz de definir para todos os públicos, o que devia ser considerado importante, a ‘verdade e a objetividade’, a visibilidade e a noticiabilidade dos fatos sociais (VIZER, 2007, p. 27).

O autor lembra que os meios se transformaram no espaço privilegiado das

mediações públicas, articulando o público e o privado, e que seu poder emerge de

sua capacidade de criar dispositivos de regulação simbólica dos espaços sociais.

Podemos dizer, então, que a mídia7 é um tipo, entre outros, de mediação mais

7 Optamos por usar o termo “mídia” como sinônimo dos meios de comunicação de massa.

45

relacionado aos processos informacionais e a dispositivos tecnológicos. Sodré

(2002, p. 8) converge essas ideias dizendo que “a midiatização, por sua vez, é a

articulação do funcionamento das instituições sociais com a mídia”. O autor, em sua

conhecida obra Antropológica do espelho, insere nos estudos sobre a mídia o

conceito de ethos midiatizado. Entendendo o ethos como uma atmosfera afetiva, um

locus dos sentimentos, atitudes e emoções, Sodré(2002) caracteriza o ethos

midiatizado como um novo modo de vida, um lugar simbólico, um bios, criado pela

articulação dos meios de comunicação com a vida social.

Braga (2006) acrescenta que não existe dualidade entre mídia e sociedade,

em que um assume o papel ativo de emissor de mensagens, e o outro, papel

passivo de receptor. Segundo ele, “desde as primeiras interações midiatizadas, a

sociedade age e produz não só com os meios de comunicação, ao desenvolvê-lo e

atribuir-lhes objetivos e processos, mas sobre os seus produtos, redirecionando-os e

atribuindo-lhes sentido social” (p. 22).

Portanto, há uma mecânica de mútua afetação entre sociedade e mídia, um

entranhamento que reordenou o modo de vida do homem. Para Simeone (2002),

referindo-se aos movimentos sociais, as lutas por reconhecimento se transformaram

em luta por visibilidade. Isso porque a mídia funciona como esfera pública, espaço

privilegiado onde são colocadas as reivindicações e causas dos movimentos sociais,

servindo de suporte à mobilização, ampliando-o para aqueles que não ocupam o

mesmo espaço temporal.

Reforçando essa premissa e entendendo que a mobilização social demanda

acordos em torno de causas pelas quais se vai lutar e deve possuir sujeitos

interessados em mudar determinada realidade, e que esses acordos partem de

processos comunicativos, Mafra (2006, p. 34) defende que “a mobilização como

prática social constitui-se, eminentemente, pela comunicação”. E conclui que tanto

os acordos advindos de debates e discussões quanto o processo de mobilização

são processos comunicativos.

Dentro dessa realidade, observamos que a mídia também vem sofrendo

alterações paradigmáticas, mudando não somente seu aspecto qualitativo, como

também o quantitativo. No aspecto qualitativo, destacam-se as novas tecnologias de

comunicação, materializadas por dispositivos como a internet, os celulares e os

satélites, que fizeram emergir uma nova maneira de organização das atividades

humanas, criando uma estrutura social baseada no sistema de rede. Inserida nesse

46

contexto, a comunidade do entorno, quando se mobiliza e se arma em redes

sociotécnicas, amplia exponencialmente a sua extensão e capacidade de

interatividade e de troca com as organizações.

A comunidade do entorno, com sua estrutura social informal, permite uma

rede de comunicações fluidas e flutuantes, incluindo “discursos não verbais de

engajamento mútuo em empreendimentos comuns, troca informal de habilidades e

compartilhamento de conhecimento tácito” (CAPRA, 2008, p. 26). Por vezes, tal

movimento das comunidades pode ganhar força e se transformar em uma

associação comunitária, organização não governamental ou em um projeto

sociocultural institucionalizado.

No aspecto quantitativo, destaca-se o grande número de dispositivos

midiáticos atuais e a velocidade de seu processamento. O sujeito individual ou

coletivo, morador do entorno de uma indústria, que, insatisfeito com a poluição

produzida por ela, coloque seu discurso na internet ou convide a televisão e seus

programas jornalísticos para ouvir e ver de perto a situação denunciada, vê seu

pronunciamento sendo imediatamente compartilhado por milhares de pessoas,

quase em tempo “real”. Já a organização, pressionada pela força dessa rede

midiática e social, capaz de gerar grandes estragos nos seus negócios e em sua

imagem institucional em nível global, sente-se compelida a dar o seu

posicionamento e explicações à comunidade e à própria sociedade, utilizando-se

dos mesmos recursos midiáticos.

Entretanto, apesar de a midiatização ser muito utilizada por esses sujeitos,

Braga (2006) nos chama a atenção para o seu caráter de produzir interações

diferidas e difusas, características inerentes à própria natureza. As mensagens são

espalhadas sem contornos definidos, a qualquer telespectador, leitor ou ouvinte,

sendo recortadas e remontadas considerando os interesses do próprio meio,

normalmente dirigido por grandes conglomerados empresariais de comunicação

(TV, rádio, revistas, jornais, sites, etc.).

Apesar dessas características, os sujeitos não deixam de criar os próprios

sentidos valendo-se da veiculação e circulação da mensagem. Como exemplo desse

processo comunicativo, podemos citar a circulação do discurso da sustentabilidade

emitido pela organização, que, ao ser perpassado por várias mídias, vai ganhando

contornos diferentes a partir da releitura ou reinterpretação da recepção,

47

multiplicando-se na circulação constante de novos sentidos que ele é capaz de

gerar.

É importante ressaltar que, na perspectiva da mediação social, entendemos

ser o próprio discurso a mediação que funciona como uma ponte que liga os sujeitos

em questão. Nesse processo de circularidade, porém, quando se trata de valores

simbólicos de discursos, o consumo não que dizer o fim de um ciclo, no sentido de

usar ou gastar, mas, sim, um recomeçar discursivo, com reintegração de novos

sentidos. Na concepção de Verón, a circulação se define justamente na defasagem

entre a condição de produção do discurso e a leitura feita na recepção.

Vejamos:

Se a noção de circulação surge como a mais ‘evanescente’ (circulação não deixa traços nos discursos), ela é ao mesmo tempo aquela que dá ao modelo sua dinâmica: designa o modo como o trabalho social de investimento de sentido nas matérias significantes se transforma no tempo (VERÓN, 2004, p. 54).

Portanto, na circulação, o que interessa é o que o sujeito receptor faz com o

discurso depois de enunciado, quais sentidos constrói. Assim, observamos a

circulação do discurso da sustentabilidade com base em pelo menos dois sentidos.

Primeiro, considerando a sua circulação na comunidade do entorno como um

processo de semiose constante que passa a gerar outros sentidos baseados no

contexto onde se instaura essa enunciação. E, segundo, como resposta às

cobranças da sociedade.

Em relação às organizações, as cobranças são por ações de preservação dos

recursos naturais, e seu uso racional, por condições melhores de vida nas diversas

esferas, econômica, política, ambiental, social, para todos, e não apenas para um

grupo privilegiado, demonstrando principalmente a preocupação com o porvir das

gerações futuras. Sentidos muito presentes na conceituação da sustentabilidade.

48

3 OS DISCURSOS

Neste segundo capítulo, o que se pretende é apresentar como se configura o

discurso, de que maneira ele se institui na qualidade de mediador da relação da

organização e das comunidades do seu entorno, para, então, refletir como esse é

utilizado estrategicamente e de que modo funciona na operação comunicativa.

3.1 A arquitetura do discurso

Segundo Charaudeau (2007), o discurso é instituído pela fala, pelo texto e

pela linguagem, que permite o homem pensar, agir e viver em sociedade. Nesse

sentido, a linguagem não se reduz ao uso das regras gramaticais e das palavras do

dicionário, mas entendida em outra dimensão, “[...] se desdobra no teatro da vida

social, cuja encenação resulta de vários componentes, cada um exigindo um ‘savoir-

faire’, o que é chamado de competência” (CHARAUDEAU, 2007, p. 7).

Para o autor, três competências são essenciais ao processo da linguagem. A

competência situacional, que considera a situação em que a linguagem foi

produzida, verificando sua finalidade e a identidade daqueles sujeitos envolvidos na

interação; a competência semiolinguística, que organiza a encenação do ato de

linguagem com base nas seguintes visadas: enunciativa, descritiva, narrativa e

argumentativa, e a competência semântica, que consiste em saber construir

sentidos recorrendo às ferramentas gramaticais e lexicais e também aos saberes e

crenças disponíveis na sociedade. Esse conjunto (é que) produz a competência

discursiva que, finalmente, produz os atos de linguagem portadores de sentidos e os

vínculos sociais.

Além disso, a formação discursiva depende de fatores externos, como o

contexto social, cultural, político e econômico, em que os sujeitos enunciadores e

interpretantes estão inseridos. Não se trata apenas de situar o contexto, o ambiente

onde se dão as interações, mas tentar compreender como esses fenômenos

contribuem para conformar os enunciados discursivos, construir sentidos e

influenciar os atos de linguagem.

49

Para entender essa complexa tarefa de desvendar os sentidos produzidos

baseando-se na enunciação da sustentabilidade, é contributivo voltar, ainda que de

forma sucinta, às raízes dos conceitos de ato, sujeito e enunciado por serem

conformadores da enunciação. Em Bakhtin8 (apud BRAIT, 2008), o ato não é

apenas uma ação física, mas uma ação que está vinculada ao agir humano, ação

física praticada pelo sujeito, que imediatamente a atribui sentidos. O autor cria uma

distinção na qual a ação em si é considerada o dado (ação física), por exemplo, a

produção e a recepção com significados dados, e o postulado (o proposto pelo

sujeito) que cria significados, troca com o outro e constrói sentidos.

Transpondo essa questão para o nosso objeto empírico, observamos que a

Samarco produz e emite o enunciado da sustentabilidade como um ato

caracterizado como dado, em que os significados são cristalizados e

estrategicamente enunciados. A partir daí, quando a comunidade recebe esse

discurso, recria tais significados e produz os próprios sentidos sobre a

sustentabilidade, dá-se, então, o ato postulado.

Em um movimento seguinte, na interação entre organização e comunidade,

esses atos se revezam, quando a comunidade emite seus sentidos de volta para a

Samarco, e essa também os postula em um processo dialógico permanente de

construção e reconstrução de sentidos. Independentemente do tipo, o ato trata-se,

portanto, de ação concreta, intencional, praticada por alguém situado, que traz um

sentido de sujeito participativo e responsável. Assim, o agir do sujeito tanto se utiliza

da realidade dada do mundo quanto o postula, cria-o, traz novos significados,

conformando a concepção relacional. Perspectiva em que ancoramos as nossas

análises comunicativas entre a Samarco e a comunidade de Antônio Pereira.

O sujeito concebido nessa arquitetura relacional, bakhtiniana, segundo Sobral

(2008) é um sujeito composto da tríade “eu-para-mim”, “eu-para-o-outro” e “o-outro-

para-mim”. Podemos dizer que o “eu-para-mim” cria a condição de formação de

identidade subjetiva, e o “eu-para-o-outro” cria a condição de inserção dessa

identidade construída no plano relacional responsável, que lhe dá sentido.

Reforçando a perspectiva de Charaudeau (2007), esse sujeito bakhtiniano

deve ser pensado, então, considerando dois importantes aspectos: o contexto onde

está inserido, em que age conformado pelos elementos históricos, sociais, culturais,

8 BAKHTIN, M.(1929) Marxismo e filosofia da linguagem. Trad.M.lahud e Y.F.Vieira. São Paulo: Hucitec,1979.

50

etc., e o princípio dialógico, que permite a troca discursiva, a interdiscursividade e a

presença de várias vozes nos discursos. Em síntese, esse sujeito deixa de ser

apenas um ser biológico para ser um sujeito de ação, presente tanto nos atos não

discursivos como nos discursivos, em que é o agente da transformação, da

ressignificação dos enunciados discursivos. Portanto, tanto a Samarco quanto a

comunidade são analisados como sujeitos de ação, participantes de um processo de

troca comunicativa, enunciadores e destinatários de diversas formas de enunciado,

podendo esses ser verbais, não verbais, textuais.

Buscamos pensar, conceituar e diferenciar o enunciado pela perspectiva de

Bakhtin (apud BRAIT, 2008), entendendo-o como signo, palavra, discurso, texto,

linguagem em ação. Estando na esfera da produção, circulação e recepção, tudo

isso pode ser considerado um enunciado ou mesmo dar sentido a um enunciado.

Brait e Melo(2008) dão-nos um depoimento a respeito:

As noções enunciado/enunciação têm papel central na concepção de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos (BRAIT; MELO, 2008, p. 65).

Devemos, no entanto, lembrar que o conceito de enunciado, tão usado nos

estudos de linguagem, não tem consenso entre seus estudiosos; ao contrário,

apresenta uma polissemia de definições e usos. Adotaremos, porém, o conceito de

Bakhtin (apud BRAIT, 2008), trabalhado por Charaudeau (2007), principalmente na

perspectiva da interação, da subjetividade, no sentido dialógico do processo

comunicativo e conformador do discurso. Portanto, ao adotar o termo “discurso”,

estamos nos referindo a ele em uma dimensão capaz de abarcar os demais

sentidos, implicado um processo interativo, social, histórico e cultural.

Bakhtin (apud BRAIT, 2008, p. 22). sublinha que “só me torno eu, entre outros

eus”, e que o sujeito, mesmo sendo definido a partir do outro, também o define. É o

‘outro’ do outro. Perspectiva essa que aponta para a importância das trocas

comunicativas, da análise dos contextos que atravessam a comunicação da

Samarco com a comunidade de Antônio Pereira e dos atos de linguagem que

produzem as práticas discursivas realizadas entre eles.

Esses sujeitos utilizam o seu repertório interpretativo, tornando-se agentes

organizadores de discursos, que, a partir da troca e da interação entre os “eus”,

51

criam um processo de significação e de reconstrução de sentidos que foi analisado a

partir da metodologia proposta. Os papéis se intercalam, ou seja, ora a Samarco é

enunciadora/emissora, ora é interpretante/receptora, o mesmo acontecendo com a

comunidade do seu entorno, que também assume tais papéis.

Nas práticas discursivas, a construção de sentidos é um processo social, historicamente localizado, que implica na mediação de vozes que se alternam entre instâncias de produção, circulação e consumo, por meio de repertórios interpretativos, que na dinâmica da alternância, atribuem significações àquilo que se apresenta (OLIVEIRA, 2008, p. 95).

Assim, entendemos que o sentido é construído na troca, na

interdiscursividade que se estabelece entre o produtor/emissor. No entanto,

ressalvamos que, apesar desse movimento, não há equivalência discursiva entre os

sujeitos. A Samarco, na qualidade de enunciadora, controladora de um grande poder

econômico, detém maior peso discursivo nessa troca.

Retomando a questão do “sentido”, Charaudeau (2007) afirma que falar de

comunicação humana é também falar do sentido construído, pois a linguagem cria

sentido. O sentido determina o modo de existência dos sujeitos interlocutores e sua

representação sobre o mundo.

[...] o sentido se constrói sobre a teatralização generalizada da vida comunitária, jogo cotidiano dos simulacros, conscientemente ou inconscientemente assumidos, a partilha de papéis, a metaforização e a figuração de nossas palavras (PARRET9 apud CHARAUDEAU, 2008, p. 13).

o, no mais simples ato

discursivo, um turbilhão de sentidos.

Portanto, é na confluência entre o dito e o não dito, no explícito, que se

apresenta como atividade estrutural, remetendo à realidade a nossa volta, por

exemplo, o significado dado por um dicionário. É no implícito que acontece a

subjetivação, e o discurso depende do contexto no qual o ato de linguagem foi

produzido e no qual se produz o sentido que nasce da relação entre eles – explícito

e implícito. Por exemplo, na dimensão explícita, “sustentabilidade” é algo duradouro,

que se sustenta, perene. Já na dimensão implícita, “sustentabilidade” é proteger o

meio ambiente, é ser uma empresa preocupada com as questões sociais,

economicamente viável, duradoura. Assim, há, a todo moment

9 PARRET, Herman. A comunicação e os fundamentos da pragmática. Nancy: Presses Universitaires, 1989.

52

Um elemento que compõe o discurso e influencia a sua construção é o

contexto social, em que os sujeitos estão inseridos, e suas especificidades apontam

a existência de um quadro de referência, lugar simbólico onde são constituídas

normas e convenções de determinada comunidade e, ao mesmo tempo, são

estabelecidas, tacitamente, restrições (CHARAUDEAU, 2007).

Como os sujeitos poderiam trocar palavras, influenciar-se, agredir-se, seduzir-se, se não existisse um quadro de referência? Como atribuiriam valor a seus atos de linguagem, como construiriam sentido, se não existisse um lugar ao qual referir as falas que emitem um lugar cujos dados permitissem avaliar o teor de cada fala? (CHARAUDEAU, 2007, p. 65).

Dentro dessa perspectiva, tornou-se imprescindível observar e reconhecer as

especificidades do contexto onde estão inseridas a Samarco e a comunidade de

Antônio Pereira – contexto cultural, social, político e econômico. Também foram

observadas as restrições, conformadoras desse contexto próprio que referencia os

atos discursivos da Samarco e das comunidades em suas trocas comunicativas.

Tanto no papel de enunciador como no de destinatário, elas devem ter consciência

dessas restrições, o que as torna ligadas por um tipo de acordo prévio sobre os

dados que compõem esse quadro de referência. O reconhecimento recíproco dos

sujeitos, envolvidos em uma interação comunicativa, o conhecimento e aceitação

das restrições e a influência do contexto onde se dão as trocas resulta em um

“contrato de comunicação”.

Entendemos que o próprio discurso da sustentabilidade e seus

desdobramentos de significado são elementos essenciais presentes no quadro de

referências que ancoram o contrato de comunicação que se estabeleceu entre a

Samarco e a comunidade. É com base nele que se estabelece a interação, e tudo

que, de certa forma, não estiver previsto no significado da sustentabilidade se

configura em restrição nesse relacionamento.

Segundo o modelo de Charaudeau (2007), esse contrato se compõe de

dados externos, que apresentam características da própria troca, e dados internos

por meio das características discursivas, sendo elas o modo de organização do

discurso. Os dados externos são aqueles constituídos por regularidades

comportamentais dos sujeitos que efetuam a troca e pela estabilidade dessas trocas

por um período de tempo, chamada de constantes pelo autor. Essas regularidades

são confirmadas pelos discursos de representação, determinando o quadro

53

convencional, o quadro de referência no qual os atos de linguagem fazem sentido.

Observamos uma regularidade na interpretação da “sustentabilidade”; por exemplo,

um senso sobre meio ambiente, ecologia, preservação, duração, algo que se

sustenta para o futuro. No entanto, é imprescindível observar que as regularidades

não configuram um significado, mas elementos que permitem a criação de sentidos.

Esses dados são compostos de quatro categorias que indicam um tipo de

condição de enunciação da produção linguageira. São elas: condição de identidade,

condição de finalidade, condição de propósito e condição de dispositivo. A

identidade é definida pelas características como idade, sexo, etnia, etc.; os dados

identitários são informações que sinalizam o status social, econômico e cultural, que

indicam a natureza dos sujeitos envolvidos na troca comunicativa. Eles certamente

interferem na comunicação, já que dão pertinência ao ato de linguagem. Por

exemplo, o fato de um sujeito morador de Antônio Pereira participar de uma reunião

com a Samarco é um traço de pertinência que faz sentido, por esse morar no

entorno da organização e ser impactado por ela. Por outro lado, ser de Antônio

Pereira (dado identitário) não terá pertinência quando esse morador estiver, por

exemplo, pedindo informação sobre um endereço a uma pessoa.

Assim, a organização e a comunidade do seu entorno mostram que se

conhecem, compartilham saberes, têm conhecimento das normas que regulam o

comportamento social no contexto onde ambos estão inseridos. Portanto, Antônio

Pereira é um contexto, no qual os sujeitos conseguem estabelecer uma

intercompreensão, um diálogo. Reforçamos que isso não implica que os discursos

de cada um tenham o mesmo poder, ou “peso”, mas que possuem relação

comunicativa, a partir daí.

Já a finalidade (intencionalidade) diz respeito ao objetivo do ato discursivo. A

expectativa da construção de sentidos que se tem a partir da troca. “Estamos aqui

para dizer o quê? A princípio, o objetivo da comunicação da parte de cada um é

fazer com que o outro incorpore a sua intenção. É uma luta discursiva, uma luta pela

influência, metaforicamente um jogo de xadrez.

Charaudeau (2007) classifica quatro tipos de operação discursiva que os

sujeitos lançam mão para tentar alcançar seus objetivos: a prescritiva, em que um

sujeito quer levar o outro a fazer o que ele pretende; a informativa, que consiste em

querer fazer saber, transmitir informações que julga que o outro não sabe; a

54

iniciativa, que é levar o outro a acreditar que o que ele está dizendo é a verdade, e

finalmente o páthos, que consiste em fazer sentir, causar emoções no outro.

Considerando que, na troca comunicativa, a Samarco e a comunidade de

Antônio Pereira se intercalam nos papéis de destinatário/emissor e

interlocutor/receptor, somos capazes de inferir, a priori, que os dois sujeitos se

utilizam dessa operação discursiva, que pode até ser combinada entre si, como

adoção de estratégias na tentativa de “vencer” o jogo discursivo. O autor, porém,

lembra que, para cada ação de influência, existe uma ação de contrainfluência, o

que confirma a teoria de Rodrigues (1990), na qual o jogo discursivo não tem fim,

portanto, não tem vencedor nem perdedor.

Propósito é a terceira condição para a realização da troca linguageira, em que

o ato de comunicação acontece a partir do domínio do saber. É a troca baseada em

temas discursivos, preestabelecidos pelos sujeitos envolvidos ou por uma das partes

interessadas na temática, sob pena de atuarem fora de propósito. Pela perspectiva

da pesquisa, a sustentabilidade e tudo aquilo que ela representa enquanto

enunciado são utilizados como um tema discursivo gerador de propósito na

conversação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira.

A quarta condição, linguageira é a do dispositivo, que, na concepção de

Charaudeau (2007, p. 68), requer que a comunicação se construa segundo

circunstâncias materiais em que se desenvolve. “Em que ambiente se inscreve o ato

de comunicação, que lugares físicos são ocupados pelos parceiros, que canal de

comunicação é utilizado?” O autor entende que o dispositivo é o operador que

possibilita a interação, determinando variáveis e restrições no contrato comunicativo.

Todavia, vale a pena repetir que Foucault (2007) entende “dispositivo”,

diferentemente de Charaudeau (2007), como um instrumento de poder e controle.

Nós entendemos que o dispositivo funciona nas duas dimensões, tanto como um

operador como um instrumento direcionador das interações.

Já os dados internos do contrato de comunicação dizem respeito exatamente

aos dados discursivos que compõem a situação de troca e da interação pela

linguagem. É o “como dizer”. Os dados internos devem apresentar a maneira de

falar dos sujeitos, as formas verbais que eles empregam, os papéis linguageiros que

cada um assume dentro do “contrato de comunicação” de acordo com as instruções

contidas nas restrições situacionais. O comportamento linguageiro é separado em

55

três espaços, sendo eles: espaço de locução, espaço de relação e espaço de

tematização.

No espaço de locução, o sujeito toma a palavra e deve justificar por que a

tomou para impor-se como sujeito falante (emissor) e ao mesmo tempo identificar o

interlocutor (receptor) a que se dirige. Ele precisa conquistar seu direito de

comunicar. No espaço de relação, o sujeito falante, após ter construído a própria

identidade e a identidade de seu interlocutor definida no espaço de locução,

estabelece as relações de força ou de aliança ou de exclusão ou de inclusão com o

interlocutor. Já o espaço de tematização, onde é organizado o domínio do saber,

são determinados os temas da troca que podem ser introduzidos pelos sujeitos na

relação ou estar presentes nas “instruções” contidas no contrato de comunicação.

Aqui, assim como nos dados externos, a sustentabilidade aparece como o tema

discursivo predominante no contrato de comunicação, estabelecido tacitamente pela

Samarco com a comunidade de Antônio Pereira e materializado tanto na forma

verbal como textual. É no espaço de tematização que estão presentes os modos

discursivos (descritivo, narrativo e argumentativo).

Ao detalharmos as condições discursivas propostas por Charaudeau (2007) e

utilizarmos a filosofia da linguagem bakhtiniana, bem como observarmos a teoria de

contrato de leitura de Verón (2004), buscamos abrir horizontes para entender o

discurso e seu funcionamento.

Mas é em Halliday (1987), pela sua pesquisa dentro do campo da

comunicação organizacional, que procuramos, juntamente com a contribuição dos

outros autores citados, entender de forma mais específica os discursos

organizacionais. Assim, apesar de concordar com a perspectiva desses autores, ou

seja, o discurso é que conecta os sujeitos e possibilita a interação, Halliday (1987)

nos mostra que as organizações têm um problema a resolver para que isso

aconteça, problema de ordem discursiva. Há um hiato entre a maneira como são

percebidas, entendidas pela sociedade, e a maneira percebida e pretendida por

elas, percepção que forma a imagem que gostariam de ter. Essa distinção reside na

produção de sentidos entre os discursos que são emitidos por elas e como são

interpretados pelos seus interlocutores. “Assim a relação entre as [...] organizações

e a sociedade nunca é livre de tensões” (HALLIDAY, 1987, p. 12).

Cientes disso, as organizações fazem uso estrategicamente do discurso,

utilizando-se consciente ou inconscientemente das condições discursivas mostradas

56

por Charaudeau (2007) para legitimar-se e diminuir tal diferença. A autora observa

que a dimensão discursiva entre as organizações e o seu ambiente externo abrange

o universo simbólico, caracterizado por palavras, textos e imagens, calcados em

valores, e que isso acontece em resposta às exigências da própria sociedade.

Baseado nessa teoria, Halliday (1987) desenvolveu um método de análise,

categorizando os tipos de discurso que as organizações lançam mão em busca

dessa legitimação. Método este que será utilizado para analisar os discursos sobre

sustentabilidade produzidos pela Samarco e endereçados à sociedade e a seus

interlocutores.

3.2 As estratégias discursivas como fonte de legitimação na dimensão do

contexto organizacional

Para entender a dinâmica discursiva das organizações, utilizamos a analogia

proposta por Rodrigues (1990) do jogo de xadrez, tradicionalmente conhecido como

“um jogo de estratégias”. Apesar de ter suas regras predefinidas, é no desenrolar do

jogo, no qual a oportunidade gerada por uma jogada precedente determina a jogada

subsequente e cada lance altera a configuração do jogo e cria outras probabilidades

e escolhas, que se estabelecem as estratégias. Assim também acontece com o

discurso, criado e recriado com base nos movimentos dos seus interlocutores. O

autor, porém, pontua duas importantes distinções entre o jogo de xadrez e o

discurso.

Primeiro, o xadrez estabelece dois mundos, representados simbolicamente

por pedras brancas e pedras pretas, configurando uma relação binária

comparativamente entre emissor e receptor, com alvo definido e estratégia de como

chegar ao outro e vencê-lo. Comutando essa metáfora para os paradigmas

comunicacionais, podemos inferir que o jogo de xadrez se identifica com a

comunicação funcionalista, transmissional, enquanto o discurso, por possibilitar uma

multiplicidade de mundos, de regras, peças e participantes, identifica-se com uma

comunicação relacional.

O discurso se diferencia por potencializar incontáveis probabilidades,

representadas por uma relação reticular com inúmeros nós, que, para Rodrigues

57

(1990), são ao mesmo tempo ponto de chegada, ponto de partida e ponto de

passagem de uma rede com diversas possibilidades combinatórias e dimensão

distinta. Por isso, a teia social que se forma leva o homem contemporâneo a

perguntar-se: para onde vou? Como vou? Nada é previamente definido, não há alvo

certo. Por sua característica aberta, abrangente, a perspectiva discursiva é

constituinte da comunicação relacional, em que é na troca, na partilha entre muitos

sujeitos, que se estabelece o jogo, e a estratégia é direcionada para conseguir

conectar-se ao outro, promover a interação num contexto de imprevisibilidade.

Percebemos que a comunicação entre as organizações e seus interlocutores

é perpassada por estas duas perspectivas, transmissional e relacional. Ora se tem

um discurso unilateral, interessado apenas em fornecer informações, ora se tem um

discurso dialógico, que reconhece e ouve o outro. E, por fim, a outra diferença

fundamental é que no xadrez se estabelece um fim com o xeque-mate, ao contrário

do discurso no qual não existe fim à sucessão de lances estratégicos (RODRIGUES,

1990, p. 17). Essa analogia nos ajuda a compreender a dimensão do discurso, a sua

capacidade de criar mundos, conectar sujeitos, mediar e elaborar sentidos,

(re)configurar relações, ser uma fonte de legitimação.

Barichello (2005) afirma que, cada vez mais, a legitimação se dá pelas

práticas da linguagem e da interação comunicacional, que propiciam a consequente

produção de sentido, fato que torna ainda mais relevante pensar a relação discursiva

das organizações com a sociedade como forma de legitimação. Essa legitimação

acontece como resultado do embate de estratégias comunicacionais travado dentro

e fora da organização, uma vez que a relação compartilhada pressupõe a

participação dos interlocutores, que também se armam de estratégias discursivas

para essa relação.

Para efetivar essa interação, as organizações buscam na legitimação e na

visibilidade os elementos estratégicos discursivos de suporte para obter

aceitabilidade e concretizar o relacionamento com a sociedade. O significado de

legitimação organizacional, segundo Halliday (1987), é o processo no qual as

organizações constroem simbolicamente as condições que justificam a sua

existência e de suas atividades, em termos aceitáveis perante as esferas públicas.

Sem um sentido de contrapor, mas de acrescentar, buscamos a percepção de

Rodrigues (1990), para quem essa legitimação está intimamente ligada à instituição

da esfera pública, responsável por estabelecer as regularidades que determinam as

58

normas da linguagem e das ações; esfera que dita o estatuto e os papéis dos

sujeitos na convivência social. “A esfera pública é, por conseguinte, a cena em que o

jogo das interações sociais e o movimento dos atores ganham visibilidade social”

(RODRIGUES, 1990, p. 141).

Assim, dentro da esfera pública, se tem a esfera da comunicação, que, na

contemporaneidade, passa a ter papel de centralidade social, remodelando a própria

esfera pública e as demais esferas que se utilizam dela para se legitimarem. Gomes

exemplifica esse fenômeno dizendo que:

[...] uma esfera pública, não importa se segundo o modelo helênico ou burguês, deve ser compreendida como aquele âmbito da vida social em que interesses vontades e pretensões que comportam conseqüências concernentes à comunidade política se apresentam na forma de argumentação ou discussão. Essas discussões devem ser abertas à participação de todos os cidadãos e conduzidas por meio de uma troca pública de razões. O primeiro requisito da esfera pública é a palavra, a comunicação: interesses, vontades e pretensões dos cidadãos podem ser levados em consideração apenas quando ganham expressão em enunciados (GOMES, 2008, p. 35, grifo nosso).

Portanto, a construção legitimadora das organizações se dá pela

comunicação, que emerge por meio da criação de estratégias discursivas,

atualmente mais fluidas e plurais, fruto da própria complexidade contemporânea.

Nesse ambiente de centralidade da comunicação, as organizações, como sujeitos

da enunciação, deixam de ser apenas emissores, passando a sediar um espaço de

trocas, que Merleau-Ponty,10 citado por Duarte (2003), chama de “encontro de

fronteiras perceptivas”. Perceber o mundo direciona a consciência para o outro,

criando assim uma fronteira, uma “zona de contato” onde acontecem as trocas de

sentidos, onde se é ao mesmo tempo emissor e receptor. É nesse processo de

tomada de consciência de si mesmo como sujeito social e da consciência da

existência do outro que se institui a relação.

O sentimento de partilha é o que define a comunicação, é construir com o outro um entendimento comum sobre algo. É o fenômeno perceptivo no qual duas consciências partilham na fronteira. O entendimento comum não quer dizer concordância total com os enunciados envolvidos na troca. O entendimento pode ser a conclusão das consciências que discordam dos enunciados uma da outra (MERLEAU-PONTY apud DUARTE, 2003, p. 47).

10 MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Éditions Gallimard, 1945. p. 407.

59

A linguagem surge nesse processo de interação como objeto cultural de

percepção do outro e conformadora do discurso. Pelas Ciências Humanas, pensa-se

a linguagem como “o dispositivo que permite o homem pensar, agir e viver em

sociedade (CHARAUDEAU, 2008, p. 7) ou como “o cimento, algo sem o qual nada

se constrói, individual ou socialmente” (PINTO, 1996, p. 1). Ou ainda por um viés

biológico.

Estamos na linguagem, movendo-nos nela, numa forma peculiar de conversação – num diálogo imaginado. Toda reflexão, inclusive a que se faz sobre os fundamentos do conhecer humano, ocorre necessariamente na linguagem, que é nossa maneira particular de ser humanos e estar no fazer humano. Por isso, a linguagem é também nosso ponto de partida, nosso instrumento cognitivo [...] (MATURANA; VARELA, 2007 p. 32).

Conceitos que têm em comum a valorização da linguagem na interação

discursiva, que trazem a percepção de que a linguagem é algo fluido, movediço,

capaz de se adaptar, de transformar, de construir relações num constante

movimento de criar e recriar sentidos, de aproximar e afastar, de dizer algo, mesmo

sem que haja palavras, seguindo sempre em busca do outro. Confirmando essa

percepção, Charaudeau (2008, p. 7) conclui que “sem a linguagem, o sujeito não

entraria em contato com o outro, não estabeleceria vínculos psicológicos e sociais

com esse ‘outro’ que é ao mesmo tempo semelhante e diferente”. Desta forma, a

linguagem como direcionadora do diálogo faz emergir uma zona de encontro entre

os sujeitos.

Por esse raciocínio, podemos inferir que o contexto organizacional é uma

“zona de contato”, um lugar de empiria, no qual acontecem trocas comunicativas

entre os sujeitos sociais. A organização é, então, uma “fronteira de percepções”,

segundo Merleau-Ponty (apud DUARTE, 2003), onde o “eu” e o “outro” se

comunicam, criando movimentos de troca, e onde cada sujeito “perde algo de si”

para o outro.

Reforçando essa premissa, buscamos a perspectiva de Deleuze (1997) para

pensar as organizações e seus interlocutores como territórios a que, estando

presentes nessa fronteira, a cada momento de encontro, os sujeitos são arrastados

para uma reterritorialização. Visão, a nosso ver, compartilhada por Habermas

(1998), para quem é através dos atos de fala que os sujeitos se comunicam, e a

60

intersubjetividade do mundo vivido não é gerada isoladamente, mas, sim, no

compartilhamento, na troca.

No entanto, Rodrigues (1990) e Charaudeau (2007) lembram que esses atos

de fala estão inscritos em um quadro de referência que instituem regras e

sancionam a relação discursiva que lhes fornece sentido.

É tanto o resultado da elaboração dos falantes na sua prática discursiva, como condição prévia absoluta para que cada um dos atos de fala tenha sentido e signifique realmente o que cada um pretende expressar. Qualquer ato de comunicação inscreve-se, por isso, para além da relação observável entre os interlocutores dos atos concretos de comunicação, dando assim sentido àquilo que dizem ou fazem e significação às mensagens e às ações trocadas (RODRIGUES, 1990, p. 69).

Portanto, podemos entender que o sujeito social coletivo considerado como

elemento ativo, no caso as organizações, conforma a relação através dos seus atos

de linguagem, que, por sua vez, são conformados por um quadro de referências

inserido no contexto social que promove a construção de sentidos e as leva a

interagir com o mundo. Esse processo, porém, não se dá de forma linear ou mesmo

sem tensões, já que é permeado por contradições, imperfeições, fraturas

constituintes das próprias relações sociais e humanas. No caso da relação entre a

organização e os seus interlocutores, praticada em um contexto próprio, isto é, o

organizacional, percebemos essa complexidade.

A organização é, na maioria das vezes, ordenadora dos sentidos com a

intenção de controlar os significados institucionalizados por ela e expostos em seus

discursos. No entanto, isso não se concretiza, apesar das regularidades que são

estabelecidas em função de um contexto próprio; a simples presença do outro abre

brechas para ressignificações, rupturas com o discurso institucionalizado e criação

de outros sentidos.

Vejamos o que Oliveira e Paula(2008) dizem a respeito:

[...] nas práticas discursivas, a construção de sentidos é um processo social, historicamente localizado, que implica na mediação de vozes que se alternam entre as instâncias de produção, circulação e consumo, por meio de repertórios interpretativos, que, na dinâmica da alternância, atribuem significações àquilo que se apresenta (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 94).

É nesse complexo processo comunicacional que acontecem os discursos

possíveis, intencionais, não verbais, permitidos e necessários para que se

61

estabeleçam as condições de negociação e de interação entre as organizações e os

seus interlocutores.

3.2.1 O campo comunicacional conformando o campo organizacional e sua

estratégia discursiva

Convencidos de que a comunicação é o caminho utilizado pelas organizações

em busca de legitimidade perante a sociedade e que é dela que emergem as

estratégias discursivas, faz-se necessário conhecer como esse processo

comunicacional acontece.

De acordo com Barichello (2005),

[...] a problemática comunicacional ocupa um lugar de destaque na atualidade, quando os dispositivos de comunicação constituem-se em locus privilegiado de visibilidade das ações humanas e servem para legitimar atores coletivos e individuais (BARICHELLO, 2005, p. 18).

Essa autonomia e força do campo da comunicação, detentora de uma ordem

axiológica própria, têm sido alvo de muitos estudos em função da sua capacidade de

mediação entre os demais campos sociais e do seu poder de modificar as

estratégias de sociabilidade e proporcionar novo formato às instituições. O campo da

comunicação na contemporaneidade é tão definidor que deixa de ser um fio do

tecido social para se tornar seu marco estrutural, reconfigurando a sociedade, a

maneira de se construir identidades, organizações e o conjunto dos processos

sociais.

Para compreender como a autonomização do campo da comunicação afetou

as organizações e a maneira de se socializarem, é importante observar que essa

transformação não se deu de forma isolada. Como mostram Kumar (1997) e

Rodrigues (1990), aconteceu por meio dos vários fenômenos inseridos no contexto

social contemporâneo, que trouxeram uma multiplicidade de campos sociais e, ao

mesmo tempo em que os imbricou, deu a eles autonomia.

Para Rodrigues (1990), a autonomização dos campos se deve,

primeiramente, à fragmentação dos campos sociais em busca de mais eficiência na

62

realização de seus objetivos e paradoxalmente no seu entranhamento circunstancial.

Em segundo lugar, pela luta empreendida pelos movimentos sociais por

reconhecimento e institucionalização, escapando da coação que uma determinada

esfera exerce e por seus esforços em se impor como fontes legitimadoras para criar

e sancionar uma ordem axiológica própria. As ONGs e as comunidades do entorno

das organizações são exemplo desse fenômeno no momento em que se utilizam da

esfera ambiental e social para se legitimarem e cobrarem das organizações atitudes

mais éticas e socialmente corretas.

Portanto, com base na teoria dos “campos sociais” formulada por Rodrigues

(1990), ancoramos a nossa perspectiva de que as organizações também formam um

campo social. O nosso principal propósito com essa formulação é situar o quadro de

referência, lócus que determina as convenções e as normas linguageiras que

ordenam os discursos, por meio de regularidades e restrições discursivas

(CHARAUDEAU, 2007). Esse quadro de referência é determinado pelas questões

culturais, políticas, de linguagem, crenças e valores específicos. Assim, o campo

organizacional tem as próprias condições linguageiras, ou seja, o quadro de

referências que vai permitir e conformar a interação da organização com seus

interlocutores e possibilitar a construção de sentidos.

Entretanto, é importante entendermos o que determina e caracteriza um

campo social. Para Rodrigues (1990), um campo social é definido como uma

instituição e uma esfera de legitimidade. Como exemplo, cita-se o campo

econômico, o religioso, o militar, a família, o político e o ambiental. O que define a

existência de um campo é exatamente a legitimidade conquistada por meio dos atos

de linguagem, discursos e práticas conformadas por um domínio de competência.

Uma das maneiras de se reconhecer a legitimidade de um campo é pelo seu poder

de ocupar o lugar do sujeito de enunciação. Por exemplo: enunciados como “a

empresa quer”, “a religião determina”, “a política impõe”, “o meio ambiente precisa”

dão vida própria às instituições, colocando-as em condições de realizar, ou mesmo

“impor”, segundo Rodrigues (1990), algo ao tecido social. Outra maneira de

reconhecer um campo é o seu “domínio de competência”, capaz de gerar um

consenso, uma axiologia própria, isto é, um conjunto de valores que criam vínculos

entre os sujeitos.

Essas formulações justificam o nosso postulado de que as organizações

formam um campo próprio – o campo organizacional. Tendo em vista a teoria de

63

Rodrigues (1990), o campo organizacional cumpre, assim, os critérios essenciais a

sua constituição: ser um campo institucionalizado, formal, detentor de suas

competências e orientado pela própria axiologia. O conjunto desses fatores institui

ao campo organizacional um corpo social, que lhe propicia visibilidade e

legitimidade; critérios essenciais para a sua existência perante a sociedade.

Os campos sociais, apesar de serem autônomos, estão entrelaçados,

interligados entre si dentro do tecido social, afetando-se mutuamente. Essas

afetações geradas ao atravessar um campo são nomeadas pelo autor de

“dimensões”. No campo organizacional, por exemplo, podemos encontrar dimensões

culturais, comunicativas, antropológicas, artísticas, políticas, comunitárias. Tal

entrelaçamento se dá por parte de outro campo, o campo dos media, em função do

seu poder de mediar os demais. Ressaltamos que os media são aqui entendidos

não só como dispositivos tecnológicos, mas essencialmente na sua condição de

produzir discursos de vários gêneros por meio da linguagem, nas características do

processo de produção e circulação de informações e na própria reconfiguração

social criada pela presença dessa mediação (FRANÇA, 2001). Atrás dessa aparente

objetividade, a mediatização também se desdobra em várias dimensões, como

técnica, política, econômica, social, etc.

Diferentemente dos demais campos, a legitimidade dos media é delegada

pelos outros campos, como o organizacional, que dele se utiliza para se fortalecer,

para alcançar a visibilidade necessária a sua aceitação social, para assegurar as

estratégias discursivas que vão redefinir as formas de sociabilidade. A legitimação

específica do campo dos media está, então, assentada na “elaboração, na gestão,

na inculcação e na sanção dos valores de representação, de transparência e de

legibilidade” (RODRIGUES, 1990, p. 155). Valores que dão sentido às estratégias

das organizações ao se articularem ao campo dos media em busca de

sociabilização, de apelo à opinião pública, de publicizar os seus discursos, de

legitimar seu poder instituído conquanto campo autônomo.

Ao relacionar os processos de comunicação através do campo dos media

com as formas de sociabilizar, Rodrigues (apud BARICHELLO, 2005) propõe três

modelos comunicacionais, a saber: tradicional; moderno e reticular. O que se

pretende com a utilização desses modelos é refletir sobre as práticas comunicativas

exercidas pelas organizações com seus interlocutores e as estratégias discursivas

que adotam para tal. Entretanto, observamos que os modelos não são excludentes

64

entre si, tampouco seguem uma escala de valor. São formas diferentes de tratar a

comunicação e são utilizados de acordo com a necessidade estratégica da

organização. Dito isso, passamos a caracterizar cada um dos três modelos

propostos, valendo-nos da análise de Barichello (2005).

O modelo da comunicação tradicional de Rodrigues (1990) é baseado na

oralidade e tende a demarcar simbolicamente as fronteiras que permitem a inclusão

e a exclusão dos membros de uma comunidade por meio de um enraizamento

territorial, de regras de legitimidade e de uma identidade coletiva. Entendemos o

modelo tradicional como um modelo informacional, em que os sujeitos envolvidos no

processo comunicacional são divididos entre os emissores, com a função de

produzir, codificar e emitir, e os receptores, com a função de receber, decodificar e

consumir. As organizações, como emissoras, conduzem a sua relação comunicativa

se utilizando também desse modelo. Instaladas na instância da produção, detêm o

controle sobre o discurso enunciativo e decidem “o que falar”, “como falar” “quando

falar”, de acordo com seus interesses e finalidades. O receptor, no caso, os vários

interlocutores individuais ou coletivos envolvidos direta ou indiretamente com a

organização, é tratado de maneira homogeneizada, relegado a um papel passivo.

O uso dessa estratégia informacional, estabelecida por mecanismos de

regulação, presta-se a tentativa de manter o controle sobre a comunicação da

organização, buscando a garantia de que a mensagem transmitida por intermédio

dos seus discursos será recebida sem “ruídos” – perturbações que prejudicam o

sistema de controle e vigilância da comunicação (FAUSTO NETO, 2008). Quando se

utilizam desse modelo, o objetivo das organizações é transmitir o significado

institucionalizado, acreditando ser o suficiente para que os receptores adotem tal

ideia ou comportamento.

Se referindo as organizações, Oliveira e Paula(2008) apresentam uma

formulação a respeito:

[...] a grande maioria pauta-se no paradigma funcionalista, onde a idéia de sistema e subsistema é tão harmoniosamente engrenada e administrada que considerar o imprevisto e o não habitual é algo contrário à lógica do negócio. Na perspectiva da gestão é um contra-senso pensar em movimentos de oposições e de posicionamentos diferenciados, já que seus princípios pressupõem o controle e aperfeiçoamento dos processos para se obterem os resultados maximizadores (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 92).

65

Esse modelo de desenho linear, formado por emissor, mensagem e receptor,

é caracterizado por um processo monológico e unidirecional que apresenta

concepção estritamente transmissiva.

O segundo modelo de comunicação proposto por Rodrigues (1990) é o

moderno, marcado pela ruptura com o modelo tradicional e sua caracterização.

Neste modelo, a ênfase recai sobre a concepção da linguagem como processo

interacional, gerador de relações e dotado de uma força operatória imanente capaz

de produzir transformações sociais. Entendemos esse modelo também pela

perspectiva do modelo relacional determinado por:

[...] três dimensões básicas: o quadro relacional (relação dos interlocutores); a produção de sentidos (as práticas discursivas); a situação sócio-cultural (contexto). Trata-se, portanto, o processo comunicativo, de algo vivo, dinâmico, instituidor de sentidos e de relações; lugar não apenas onde os sujeitos dizem, mas também assumem papéis e se constroem socialmente; espaço de realização e renovação da cultura (FRANÇA, 2002, p. 13-29).

Nesse segundo modelo, a fala da organização não é a única, ou seja, as

organizações e seus interlocutores dividem o espaço de fala; o discurso é

compartilhado e recriado a partir do entendimento do outro e das estratégias

discursivas de cada um. Paradigma que nos lembra a arquitetura bakhtiniana, que

se assenta no dialogismo, na polifonia, no sujeito de ação (BAKHTIN11 apud

SOBRAL, 2008). Nesse modelo, os papéis, emissor e receptor, são intercambiados,

o que leva a um processo mais relacional, que permite a construção de sentidos

baseando-se no repertório sociocultural de cada sujeito e do contexto ou quadro de

referências em que está inserido.

Sem ignorar o desejo do controle enunciativo da organização na qualidade de

emissora, bem como as tensões advindas das negociações discursivas necessárias

para o relacionamento com seus interlocutores, Fausto Neto (2008) nos lembra que:

[...] a comunicação não é um ato de atribuição de sentidos, que se realiza automaticamente ente produtor e receptor. Mas, pelo contrário, um jogo no qual a questão dos sentidos se engendra em meio às disputas de estratégias e de operações de enunciação (FAUSTO NETO, 2008, p. 54).

11 BAKHTIN, M. (década de 1930-1965). L´oeuvre de françois Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et sous la Renaissance. Trad. Andrée Robel. Paris: Gallimard, 1970.

66

O terceiro e último modelo de comunicação proposto por Rodrigues (1990) é

o reticular, constituído por inúmeras redes interligadas, onde cada rede é formada

por linhas e pontos dispostos para criar nós e conexões. Esse sistema de rede

possibilita a desterritorialização, criando uma sensação de multipresencialidade. O

modelo de comunicação reticular, permitido principalmente pelo avanço das

tecnologias da informação, promoveu nova forma de organização das atividades

humanas e ampliou as possibilidades de relacionamento das organizações com

seus interlocutores para um nível global.

Vejamos a opinião de Duarte, Quandt e Souza(2008):

Grandes empresas já perceberam a importância das redes na gestão dos fluxos de informação e na geração de novos conhecimentos. Consultores especializados em análise de redes sociais oferecem serviços de mapeamento e mensuração dos relacionamentos entre pessoas, grupos, organizações, ou qualquer outro meio no qual informações e conhecimentos são processados. O mapeamento de uma rede social intra-organizacional permite, entre outras análises, a visualização e identificação de grupos de trabalho, divisões internas, contatos primários externos e atores centrais nos fluxos de comunicação (DUARTE; QUANDT; SOUZA, 2008, p. 15).

Desta forma, o modelo reticular de comunicação permite mais velocidade e

circularidade das informações. Barichello (2005) confirma essa situação quando

reforça que os dispositivos reticulares – redes de comunicação e informação –

modificaram a lógica dos processos comunicacionais, aumentando

exponencialmente os fluxos de informação e a interatividade à distância.

Acrescentamos que esses são também um forte dispositivo de articulação e

cobrança dos grupos de pressão, organizações não governamentais, comunidades,

entre outros interlocutores da organização.

No entanto, Pinto (2008, p. 7) chama a atenção para o fato de essas redes

serem necessariamente precárias e instáveis, porque, assim como na linguagem, os

signos nunca dão conta das coisas a que se referem, e os sentidos ficam

incompletos. Assim também nas estruturações reticulares, não há exatamente um

significado. Viés que caracteriza o modelo de comunicação reticular por ter uma

constante brecha para ressignificações, compartilhamento do outro, em uma

ilimitada formação de novos sentidos e possibilidades, algo sempre em andamento.

Barichello (2005), ao recorrer aos três modelos de comunicação tipificados

por Rodrigues (1990), acrescenta que, apesar de suas diferenças, eles coexistem

em um mesmo território e não devem ser considerados de forma evolutiva ou

67

pensados como etapas sucessivas. Eles não são incompatíveis e, na verdade,

convivem entre si, podendo ser utilizados separadamente ou em conjunto. Nas

próprias organizações, observamos esse fenômeno, isto é, o modelo de

comunicação tradicional, materializado nos discursos transmissivos (orais ou

textuais) e nos dispositivos discursivos de poder, convive com o modelo da

comunicação moderna apresentado no esforço material e subjetivo de diálogo com

os interlocutores, bem como o modelo reticular presente nas redes de comunicação

e relacionamento, tecidas na interação com os sujeitos sociais. A articulação desses

modelos de comunicação com as formas de sociabilidade define os modos de

concretização do campo organizacional e seu engendramento estratégico discursivo.

Independentemente de qual desses modelos de comunicação se caracterize

ou se insira a forma de comunicação de uma organização, na perspectiva de

Halliday (1987), a materialização dos seus discursos, em busca de legitimidade, dá-

se principalmente pela declaração de seus objetivos, entendidos como justificativas

socialmente aceitas para a sua existência.

Antes de seguirmos pela perspectiva da declaração de objetivos como

discursos organizacionais, ressalvamos que compreendemos que os discursos são

“verdades” modeladas de acordo com o interesse do emissor que o produz, já que

há uma intencionalidade que o ordena, estando essa carregada de poderes e

significados. Defendemos também que o receptor nunca é apenas o alvo ideal

visado pelo emissor como uma caixa vazia. Ele reinterpreta os significados que lhes

são dados e produz novos sentidos a partir de seu repertório interpretativo.

Apoiando a nossa percepção, Oliveira e Paula (2008) confirmam que, por mais que

exista a intencionalidade planejada pela instância da produção, no caso as

organizações, e mesmo que sejam reconhecidos os repertórios interpretativos da

instância da recepção compondo um contrato de comunicação entre eles, há sempre

algo que escapa.

Portanto, há uma grande distância entre o efeito visado pelo produtor do

discurso e o efeito produzido no receptor (CHARAUDEAU, 2007; VERÓN, 2004;

FOUCAULT, 1996).

Neste sentido, Verón (2004) nos fornece uma pista de como isso acontece:

[...] a estrutura dos discursos sempre é um fenômeno interdiscursivo. Se a análise dos discursos é uma análise das diferenças, é porque os discursos sociais são sempre produzidos (e recebidos) dentro de uma rede de

68

indeterminações. A noção de relações interdiscursivas é essencial em todos os níveis do funcionamento do sistema produtivo do sentido. Tanto entre as condições de produção quanto entre as de reconhecimento de um discurso, há outros discursos. [...] A produção e o reconhecimento, portanto, como ‘polos’ do sistema produtivo, implicam ambos, redes de relações interdiscursivas (VERÓN, 2004, p. 69).

Dito isso, voltamos à perspectiva de Halliday (1987) por entendermos ser

essa um instrumento didático de compreensão das enunciações adotadas pelas

organizações e sua derivação em busca de legitimidade. Em vista disso, optamos

por adotar sua tipologia para analisar o discurso da sustentabilidade e os sentidos

produzidos sobre ele pela Samarco Mineração e a comunidade de Antônio Pereira.

Para a autora, a definição desses objetivos, estrategicamente concebidos, vai

delinear o relacionamento da organização com seus interlocutores. Dentro do seu

modelo, as organizações constroem simbolicamente a sua legitimidade em torno de

três grandes temas discursivos: a utilidade, a compatibilidade e a transcendência.

No desenvolvimento desses discursos, as organizações assumem papéis,

denominados pela autora de persona, sendo: a parceira, a compatriota/Irmã em

humanidade e a encarregada de uma grande missão.

3.2.2 O discurso da sustentabilidade como estratégia de legitimação

Diante de uma sociedade mais exigente e bem informada e tentando justificar

sua existência para além dos lucros, muitas organizações adotam o discurso da

sustentabilidade. O conceito de “sustentabilidade” na perspectiva organizacional

ancora-se na capacidade de atender às necessidades das gerações atuais, sem

comprometer a vida das gerações futuras, considerando um equilíbrio entre os

campos econômico, político, social, cultural e ambiental. Esse enunciado encabeça

o repertório discursivo da maioria das organizações atuais, não por acaso. Afinal, as

mudanças que caracterizam a contemporaneidade, marcada principalmente pelo

excesso de consumo em todos os seus aspectos e possibilidades, como refletem,

entre outros, Lipovetsky (2007) e Bauman (2003), suscitaram na sociedade

preocupações com o porvir, levantando principalmente questões ambientais e de

sobrevivência do planeta.

69

Observamos que o discurso da sustentabilidade se encaixa nos três temas

discursivos propostos por Halliday (1987). O discurso da utilidade, por exemplo, é

uma exigência básica de justificativa da existência jurídica da organização e está

assentado em dois focos. Na perspectiva da utilidade, como capacidade de a

organização ser vantajosa para a sociedade ao produzir bens e serviços, consumir,

empregar mão de obra, gerar capital e tecnologias. E o segundo foco, entendido

como ajuda à sociedade, significa “contribuir para”, “promover o progresso” entre

outros enunciados. Esse caráter de ajuda aparece nos objetivos sociais como o

desenvolvimento econômico, o bem-estar social, a preservação do meio ambiente e

da cultura nacional.

Podemos considerar como exemplos dessa artimanha estratégica o

deslocamento dos discursos organizacionais, que, na contemporaneidade, diante

dos novos desafios advindos da complexidade social, deixaram de ser apenas

focados no produto, no negócio e no mercado (foco vantajoso) para fortalecer os

discursos nas questões sociais e no bem-estar público (foco da ajuda). Na variação

“ajuda” do modelo, quando traz como significado o comprometimento da

organização com a preservação da vida, a organização está produzindo

humanização a sua imagem. Afinal, só quem pode ajudar são as pessoas. Assim se

estabelece a noção de empresa parceira da sociedade, que implica ser competente,

ter o espírito de cooperação, ter ética e responsabilidade, atributos humanos.

Também essa categoria estratégica inclui a confiança, fator preponderante para a

legitimação organizacional (HALLIDAY, 1987). O discurso da sustentabilidade,

porém, não se resume a estratégia da utilidade com foco na ajuda, também se

encaixa nos outros temas como a compatibilidade e a transcendência.

A compatibilidade significa harmonizar os valores da organização com os

valores da sociedade, criando uma identificação entre ambos. Essa identificação é

uma tática discursiva da organização, que pretende construir associações positivas

com seus interlocutores. A explicar, identificação “[...] é um processo simbólico de

união através de semelhanças (de afiliação, idéias, passado comum, gostos, metas)

entre comunicador e cada membro do público, individualmente” (HALLIDAY, 1987,

p. 39).

Nesses casos, as organizações recorrem ao discurso da identificação como

elo corretivo, capaz de restabelecer a união com seus públicos de interesse. As

organizações conhecem bem o poder negativo dessa divisão, ou melhor, a

70

sociedade a acusa de ser a materialização do capitalismo, de se preocupar somente

com os lucros, de ser responsável pela destruição do meio ambiente e de não se

importar com as questões sociais. Diante disso, a organização põe em cena o

discurso da sustentabilidade com a tentativa de mudar tal percepção da sociedade a

seu respeito e dar uma resposta a esses questionamentos.

No entanto, apesar dessa tentativa, na maioria dos casos, a relação entre as

organizações e seus interlocutores é de desconfiança, tensão e muitas vezes de

conflito. Nessas circunstâncias, a estratégia discursiva de identificação passa a ser

imprescindível, em que as organizações se colocam discursivamente em bases de

igualdade de interesses com o outro. Como exemplos, citamos as máximas

“queremos a preservação das florestas”, “a água é essencial para nossa

sobrevivência”, “o desenvolvimento das pessoas é nosso maior interesse”, aspectos

ligados principalmente aos sentidos da sustentabilidade.

Para Halliday (1987), as empresas criam em seus discursos uma comunhão

de propósitos e interesses com seus públicos – o tipo de compatibilidade

legitimadora das organizações. Pela sua perspectiva teórica, o tema da

compatibilidade é desenvolvido pelo personagem compatriota/irmã em humanidade,

papel retórico talhado para dar a impressão de que “somos do mesmo tipo” ou

“estamos no mesmo barco”. O enunciado da sustentabilidade pretende

principalmente, no seu aspecto ambiental, criar compatibilidade com seus

interlocutores quando tenta levar o significado que para a sua sobrevivência

empresarial, e a sobrevivência do outro, todos precisam preservar “nossas” riquezas

naturais.

E o terceiro grande tema da estratégia discursiva organizacional é a

transcendência. Podemos entender que a transcendência está relacionada com um

ser divino, que ultrapassa a realidade com a qual mantém uma relação de

soberania, de superioridade em função de sua perfeição. Essa perspectiva está

presente na dialética que as organizações enfrentam, quais sejam: a imanência

caracterizada pela autoinclusão na sociedade e sua concretude existencial a partir

de um funcionamento interno; ela está na sociedade, ela é parte da sociedade, e sua

transcendência identificada pela sua relação com forças externas a ela e que a

fazem ir além do seu ser organizacional participando de um ambiente maior, o

cosmos (HALLIDAY, 1987).

71

Tal estratégia discursiva da transcendência aparece nos discursos das

organizações quando essas invocam nomes, crenças ou valores para justificar suas

ações. Por exemplo, a invocação da lei, da autoridade, da idade, dos métodos

científicos. A dialética aparece no momento em que as organizações empresariais

justificam suas ações, que implicam muitas vezes a destruição do meio ambiente, a

exploração dos recursos naturais em detrimento de toda uma comunidade, a

exploração da força de trabalho, em nome de: progresso, geração de riquezas para

a sociedade, do bem comum, e de um futuro melhor para a humanidade em um

discurso transcendente. Mantêm discursos como “nossa maior preocupação é a vida

no planeta”, “contribuímos com a escola e a banda de música da cidade – educação

e cultura são nossas prioridades”, “difundimos a educação ambiental”.

Dessa maneira, as organizações empresariais tentam minimizar a

ambiguidade, as dúvidas e as desconfianças dos seus interlocutores, buscando

reforçar a sua legitimidade. Podemos generalizar que o discurso da transcendência

surge toda vez que as organizações tentam afirmar que são mais que fornecedoras

de produtos e serviços. A transcendência, como tema discursivo, aparece também

nas alegações de utilidade e compatibilidade, quando as organizações ultrapassam

a própria natureza de negócios e apresentam nobres objetivos, como proteger o

meio ambiente, ajudar a comunidade, o planeta, assumindo, então, a persona

“encarregada de uma grande missão”, no caso da própria transcendência.

Nesse tema discursivo, observamos três tipos de transcendência: primeiro as

organizações transcendem o próprio ramo de negócios, como, por exemplo: “A

Samarco é muito mais que uma mineradora”; segundo, as organizações

transcendem seus objetivos egocêntricos, como “nossa missão é contribuir com o

desenvolvimento do Brasil”, e terceiro, transcendem o tempo, “trabalhamos

garantindo o futuro”.

Em síntese, percebemos, pelo modelo de Halliday (1987), que a legitimação

organizacional opera em vários níveis. O primeiro nível é a “legitimidade jurídica”,

que está baseada no tema discursivo da utilidade da organização empresarial

encarnando a personalidade, a imagem da parceira, mostrando-se companheira,

competente e cooperativa. Credenciais que tornam a organização persona grata à

sociedade. Esse tema discursivo, porém, não é suficiente para legitimá-la em outros

setores da sociedade, que não o jurídico; assim, ela precisa de temas discursivos

complementares.

72

O segundo nível é ocupado pela compatibilidade, esforço empreendido pelas

organizações para associar seus valores e crenças aos da sociedade. E, no terceiro

nível, vem a transcendência, relacionada às grandes invocações – o planeta, as

crianças, o futuro, enunciados ligados à ordem social e econômica da qual a

organização faz parte.

Assim, articulando os temas discursivos aos personagens assumidos pela

organização, chamados por Halliday (1987) de persona e entendidos por nós como

a “imagem pretendida”, vemos que as organizações empresariais assumem, ao

projetarem seus discursos em causa própria, ora uma personalidade/imagem da

parceira, ora uma “compatriota/irmã da humanidade”, ora “encarregada de uma

grande missão”, sempre com o objetivo de se legitimar diante da sociedade e dos

interlocutores conectados direta ou indiretamente a ela.

Todo esse conjunto de procedimentos e manobras enunciativas operado

pelas organizações afeta em particular a um grupo de sujeitos interlocutores, ou

seja, as comunidades que vivem em seu entorno. Isso acontece por duas razões.

Primeiramente, pela proximidade geográfica que engendra a vida das organizações

com a das comunidades, processo que promove um apagamento de fronteiras. Em

segundo lugar, e por consequência, essas comunidades são impactadas

diretamente pelas decisões da organização, tomadas em diversos campos, como

ambiental, trabalhista, sociocultural, político e econômico.

Todavia, considerando sempre a perspectiva que um discurso só se

concretiza na articulação entre a instância da produção e a da recepção (FAUSTO

NETO, 1992), a comunidade também afeta as organizações. Assim, pela lógica da

sociedade de consumo, tão presente na nossa contextualização social

contemporânea, podemos dizer que as organizações também são consumidoras de

discursos. A organização consome o discurso da mídia, que, por sua vez, consome

o da organização, que consome o das ONGs, que, por seu turno, consomem o das

comunidades, criando uma ciranda discursiva. Fato que evidencia a mudança de

lugar do discurso das organizações pertencentes ao tecido social na

contemporaneidade.

Sendo assim, nosso empenho é refletir sobre este sujeito social chamado

“comunidade”; como ele afeta discursivamente as organizações, e é afetado por ela,

como reconstrói os discursos das organizações, gerando novos sentidos, isso com

base na análise de um enunciado discursivo, em especial, a sustentabilidade.

73

3.3 O discurso da sustentabilidade como resposta à sociedade

Defendemos que o discurso da sustentabilidade é um discurso de resposta

social, tanto no sentido processual da midiatização como uma estratégia de

legitimação por parte das organizações através de uma “resposta” à sociedade

sobre o seu comportamento. Por essa razão, achamos relevante compreender como

esse enunciado surgiu na contemporaneidade. Para tanto, exploramos duas

perspectivas: a histórica por meio da análise do contexto socioeconômico cultural e

a discursiva por meio da análise comunicacional.

Iniciando pela perspectiva histórica, observamos que, até o início do século

XX, cabia às organizações, inclusive perante a legislação vigente, como seu único

propósito, a realização de lucros para seus acionistas; porém, após a Segunda

Guerra Mundial (1939-1945), essa ideia começa a mudar. Em um momento de

franca expansão do capitalismo e crescimento das grandes organizações, que

ampliou seu poder na sociedade, diversas decisões judiciais americanas foram

favoráveis às empresas que fizeram investimentos em ações filantrópicas em outras

organizações, contrariando os interesses de grupos de acionistas. Um caso

emblemático foi à ação litigiosa da P. Smit Manufacturing Company contra Barlow,

em 1953, que, para Ashley (2006), fez surgir o debate público sobre a

responsabilidade social das organizações. O pivô da discussão foi uma doação do

presidente da empresa para a Universidade de Princeton, contrariando os interesses

dos acionistas. A interpretação da Suprema Corte de Nova Jersey foi favorável à

doação, considerando que uma organização pode buscar o desenvolvimento social,

estabelecendo, inclusive, leis que permitissem a filantropia.

Já para Duarte e Torres (2005), o discurso da responsabilidade social veio à

tona com a publicação do livro Social responsabilites of the businessman, de

Howard Bowen, de 1953. E, a partir da década de 1970, quando surgem

associações de profissionais interessados no tema, como Accouting Association e

American Institute of Certified Public Accountants, foi que o assunto ganha força e

se torna um campo de estudo.

A partir de então, considerando o contexto socioeconômico, e independente

do marco histórico, surgem na esfera pública defensores da ética e da

responsabilidade social nas organizações. O argumento foi que outras ações

74

sociais, além da filantropia, considerada como a doação e ajuda de caráter

assistencialista, seriam também legítimas, e que produtos ou atitudes nocivas ao

meio ambiente e ao homem deveriam ser modificados, independentemente dos

retornos financeiros aos acionistas.

No entanto, o discurso da responsabilidade social das organizações não

encontrou unanimidade na sociedade, ou seja, é um discurso caracterizado por uma

polifonia de vozes. Há os que são abertamente contra, como Milton

Friedman,(MACHADO,2006) ícone do neoliberalismo, doutrina econômica que

defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal

sobre a economia. Essa doutrina apóia ideias de individualismo, competição,

eficiência, privatização, abertura de mercados, desregulamentação e espírito

empresarial. Em seu célebre artigo publicado no The New York Times Magazine, em

13 de setembro de 1970, Friedman, declara que a única responsabilidade social das

organizações é maximizar os lucros para os acionistas e ter obediência às leis.

Existem os críticos como Roman (2004), que defendem que a responsabilidade com

o campo social é, a priori, do setor público. E afirma que foi o esvaziamento do papel

do Estado promovido pelo neoliberalismo que o desobrigou da responsabilidade de

programas sociais, empurrando essa obrigação para os setores privados, como as

organizações empresariais.

Os governos nacionais, instâncias representativas da sociedade, desobrigaram-se da responsabilidade pela implementação de programas sociais, até mesmo por falta de condições políticas, financeiras e técnicas, reafirmando a pregação neoliberal da incompetência estatal. A Responsabilidade Social deve ser compreendida como parte da articulação das forças econômicas neoliberais que buscam amenizar os flagelos que elas mesmas criaram. RS é, portanto, em um primeiro momento, alívio para a consciência pesada das empresas. Em um segundo momento, porém, deve ser incorporada às estratégias das empresas e aos seus valores organizacionais, pois é uma das possibilidades de sobrevivência do capitalismo em sua versão contemporânea (ROMAN, 2004, p. 37).

Esses, entre outros defensores da visão clássica da responsabilidade social,

são conscientes da importância dos empregados, dos consumidores, entre outros

sujeitos para os negócios; o que negam é o fato de as organizações serem

moralmente obrigadas a agir ou deixar de agir em função dos impactos que causam

à sociedade. No entanto, essa visão se mostra ultrapassada e insuficiente para dar

conta da relação das organizações com a sociedade na atualidade, e o que não

faltam são críticas à posição de Friedman. Em uma perspectiva contemporânea,

75

entendemos que, como sujeitos sociais, as organizações estão inseridas na

sociedade, conectadas aos seus problemas, em um movimento de recíproca

afetação; portanto, tem suas responsabilidades com as questões sociais em um

sentido de compartilhamento e interação, e não só por causalidade, em função das

suas operações e dos efeitos advindos delas.

A partir dos anos 1990, vários fatores incrementaram a discussão sobre a

ética e a responsabilidade social das organizações, empurrando o discurso para

uma direção menos econômica e mais antropológica. Por pressão da sociedade, as

organizações saíram de um papel paternalista e filantrópico em relação às questões

socioculturais, tendo que se deslocar para uma posição de interação discursiva com

a sociedade e suas questões, não só objetivas, mas também subjetivas. Um dos

efeitos dessas mudanças foi a criação do Instituto Ethos de Empresas e

Responsabilidade Social, considerado um marco histórico no debate sobre a

responsabilidade social no Brasil.

Organização não governamental, o Instituto Ethos declara ter por objetivo a

ampliação do movimento de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) na

sociedade brasileira, o aprofundamento das práticas sociais e a criação de

indicadores para sua avaliação. Entre suas competências, estão: a publicação de

produtos mediáticos como balanços sociais e de sustentabilidade, o

desenvolvimento de critérios de investimentos socialmente responsáveis, a criação e

articulação do movimento de responsabilidade social com políticas públicas e o

desenvolvimento de regulamentações legais.

Outro fato relevante que denota a necessidade de mudança de

comportamento das organizações foi a introdução, em 1999, pela Bolsa de Valores

de São Paulo (Bovespa) do discurso da governança corporativa, isto é, um conjunto

de normas de conduta para as empresas com o objetivo de melhorar sua relação

com os investidores e consequentemente com o mercado. Foram criados dois níveis

de governança, de acordo com o comprometimento da organização. No nível um, as

organizações se comprometem com a melhor prestação de contas ao mercado; no

nível dois, além de cumprir as exigências do nível um, adotam práticas de

governança e direitos adicionais para acionistas minoritários.

Como bem disse Drucker (1999):

76

A sociedade de organizações, a sociedade do conhecimento, exige uma organização baseada na responsabilidade. [...] As organizações precisam assumir a responsabilidade pelo limite do seu poder, isto é, pelo ponto no qual o exercício de suas funções deixa de ser legitimo. As organizações precisam assumir a ‘responsabilidade social’ (DRUCKER, 1999, p. 87).

Assim, temos alguns significados do enunciado da responsabilidade social e

da ética nas organizações, acreditando que um está interligado ao outro, uma vez

que a ética é um elemento imprescindível para a existência da responsabilidade

social. O conceito de ética é complexo e se estende para várias situações,

dependendo na maioria das vezes dos aspectos culturais nos quais o sujeito está

inserido. Escolhemos o ponto de vista de Trasferetti (2006), em que o princípio

fundamental que constitui a ética é o outro, um sujeito de direitos que deve ter sua

vida tão digna quanto a nossa deve ser, por entender que esse princípio deve ser

norteador da relação entre as organizações e a sociedade. No entanto, Duarte e

Torres (2005, p. 30) nos lembram que “[...] a ética empresarial não consiste somente

no conhecimento da ética, mas em sua prática. E esse praticar concretiza-se no

campo da atuação diária e não apenas em ocasiões geradoras de conflitos de

valores”.

Tanto o enunciado da ética como o da responsabilidade social, como

discursos organizacionais, carregam vários sentidos e dependem de várias

condições e atitudes para que ganhem legitimidade perante a sociedade. Para que

seja considerada responsável socialmente, a organização deve, por exemplo,

defender e praticar a liberdade de expressão, dar cristalinidade as suas informações,

praticar a ética na conduta do negócio, preservar o meio ambiente e os recursos

naturais, fornecer condições ideais de trabalho para os funcionários, buscar

excelência na fabricação de produtos.

Segundo Duarte e Torres (2005, p. 29):

A responsabilidade social surge como resgate da função social da empresa, cujo objetivo principal é promover o desenvolvimento humano sustentável, que atualmente transcende o aspecto ambiental e se estende por outras áreas (social, cultural, econômica, política), e tentar superar a distância entre o social e o econômico, obrigando as empresas a repensar seu papel e a forma de conduzir seus negócios.

É bom reforçar que as organizações resolveram aderir ao discurso da

responsabilidade social e da ética muito em função da pressão da sociedade através

dos consumidores, cada vez mais cidadãos nas suas escolhas, da pressão de

77

ONGs, de movimentos sociais, tanto em âmbito local como global. E também por

perceberem que, se não aderissem, os prejuízos seriam enormes não só para a sua

reputação, mas também para os seus negócios. No entanto, é importante ressaltar

que essa postura não foi, e ainda não é, linear, homogênea. Existem muitas

organizações que se utilizam de práticas discursivas monológicas, materializadas

em ações de doação e patrocínio, caracterizando a intenção unidirecional e

transmissiva no seu processo comunicacional com a sociedade.

Entretanto, o tema da responsabilidade social ganha espaço nas

universidades, e estudiosos dos campos da administração e estudos organizacionais

desenvolvem alguns modelos na intenção de criar condições de análise para se

pensar a responsabilidade social. Destacamos o de Logsdon & Yuthas,12 citado por

Ashley (2006), cujo modelo é centrado nos estágios em que cada organização está

em relação à responsabilidade social. Tal modelo propõe três tipos de abordagem

para uma análise da responsabilidade social e da ética nas organizações: a pré-

convencional, a convencional e a pós-convencional.

A ênfase da abordagem pré-convencional está no próprio sujeito, ou melhor,

na própria organização. Nesse estágio, a organização apresenta uma gestão voltada

apenas para os lucros. Os “outros” são apenas um instrumento para a organização

chegar aonde deseja e obter mais resultados.

Na abordagem convencional, o foco são as “obrigações” para com os outros,

voltados essencialmente para os públicos externos restritos ao mercado, como

acionistas, sistemas financeiros, clientes e empregados. A relação com os sujeitos é

baseada apenas no que a lei exige.

Já na abordagem pós-convencional, internaliza-se o respeito pelos outros e a

obrigação de gerar bem-estar; abre-se a faixa de públicos de interesse da

organização a ser atendidos, como, por exemplo, as comunidades vizinhas, os

grupos ambientalistas, as agências governamentais. Em vez de um controle social

que varia de ambiente para ambiente, os princípios éticos utilizados no processo

decisório são universais. “[...] este conceito de responsabilidade social requer, como

premissa [...] um novo conceito de empresa e, assim um novo modelo mental de

relações sociais, econômicas e políticas” (ASHLEY, 2006, p. 55).

12 LOGSDON, Jeanne M.; YUTHAS, Krist. Corporate social performance, stakeholder orientation and organizational moral development. Journal of Business Ethics, Dordrecht, v. 16, n. 2-13, p. 1213-1226, Sept. 1997.

78

Por essa perspectiva, observamos que as organizações estão em estágios

diferentes, muitas se utilizam estrategicamente do discurso da responsabilidade

social como instrumento de promoção de sua imagem e busca de legitimidade

social; outras ainda confundem “responsabilidade social” com “caridade” e

“filantropia”. Para essas, a ética serve apenas como instrumento de regulação, para

conduzir a relação da organização com seus funcionários. Um enunciado que expõe

esse comportamento normatizador e autoritarista das organizações é o “manda

quem pode, obedece quem tem juízo”, muito utilizado por funcionários que se

sentem coagidos.

No entanto, apesar das diferenças de estágios, a responsabilidade social

ocupou a agenda das organizações e se tornou uma exigência da sociedade. Na

esteira das cobranças sociais, ganha força as preocupações ambientais. O consumo

exacerbado, impulsionado pelo “turbocapitalismo”, trouxe severos impactos sobre a

natureza, como o desgaste dos recursos naturais; o aumento da poluição, que

ocasiona o aquecimento global; a escassez de água, entre outras questões de

ordem da sobrevivência planetária. “[...] a degradação ambiental se manifesta como

sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido

pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da

natureza” (LEFF, 2001, p. 8).

É nesse ambiente que surge o discurso da sustentabilidade. Alguns autores,

entre eles Capra (2005), Kunsch (2007) e Baldissera (2009), dizem que o termo

surgiu na década de 1970, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente, realizada em junho de 1972, em Estocolmo, Suécia. À época, porém, o

enunciado guardava significado estritamente ambiental. Tal como é conhecido hoje,

o conceito de “sustentabilidade”13 como a preocupação com a perenidade dos

13 Define-se por “sustentabilidade” um modelo econômico, político, social, cultural e ambiental equilibrado, que satisfaça às necessidades das gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as próprias necessidades:

Sustentabilidade Ecológica – o uso dos recursos naturais deve minimizar danos aos sistemas de sustentação da vida: redução dos resíduos tóxicos e da poluição, reciclagem de materiais e energia, conservação, tecnologias limpas e de maior eficiência e regras para uma adequada proteção ambiental;

Sustentabilidade Cultural – respeito aos diferentes valores entre os povos e incentivo a processos de mudança que acolham as especificidades locais;

Sustentabilidade Espacial – equilíbrio entre o rural e o urbano, equilíbrio de migrações, desconcentração das metrópoles, adoção de práticas agrícolas mais inteligentes e não agressivas à saúde e ao ambiente, manejo sustentado das florestas e industrialização descentralizada;

Sustentabilidade Política – no caso do Brasil, a evolução da democracia representativa para sistemas descentralizados e participativos, construção de espaços públicos comunitários, maior autonomia dos governos locais e descentralização da gestão de recursos;

79

recursos naturais para as gerações futuras, considerando as esferas sociais,

econômicas e ambientais, só foi disseminado depois da publicação do relatório

“Nosso Futuro Comum” pela Comissão para Meio Ambiente da Organização das

Nações Unidas (ONU), em 1987. O documento foi batizado por “Relatório

Brundtland” em homenagem à sua coordenadora e ex- primeira ministra da

Noruega, Gro Brundtland.

Também contribuíram para a disseminação do conceito, a agenda 21,

documento consensual para o qual contribuíram governos e instituições da

sociedade civil de 179 países num processo preparatório que durou dois anos e

culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida por

ECO-92. A criação da consultoria SustainAbility, na Inglaterra também é considerada

um marco importante na divulgação deste conceito(GAZETA MERCANTIL,

22/4/2008). Dessa maneira, o discurso da sustentabilidade expandiu o discurso da

responsabilidade social organizacional, agregando outros sentidos a ele. Sendo o

principal deles a preocupação com a manutenção dos ecossistemas, que preservam

as principais condições de vida para o presente e para as gerações futuras do

homem e do planeta.

Assim, em meados do século XX, a sustentabilidade ganha força discursiva e

passa a ocupar a agenda dos meios de comunicação, das organizações, do campo

político e da esfera pública – bares, praças, permitindo uma polissemia. Para Leff

(2001), o termo apresenta dois significados, porém, numa mesma perspectiva, a

econômica. Um que considera as condições ecológicas do processo econômico, e o

outro, que implica dar durabilidade ao processo econômico. Nesse sentido, o autor

conclui que a sustentabilidade ecológica constitui uma condição da sustentabilidade

econômica.

Diferentemente, Capra (2005), abrindo a percepção para outros aspectos do

enunciado e considerando a sua interdisciplinaridade, já que a sustentabilidade

abarca vários campos de conhecimento, como o biológico, o cultural, o ecológico, o

cognitivo e o social, desenvolve um pensamento sistêmico que integra todas essas

dimensões. No entendimento do autor, há uma conexão entre todas as formas de

Sustentabilidade Ambiental – conservação geográfica, equilíbrio de ecossistemas, erradicação da pobreza e da exclusão, respeito aos direitos humanos e integração social. Abarca todas as dimensões anteriores através de processos complexos.

80

vida, desde as células mais primitivas até as sociedades humanas com suas

empresas, estados e economias e demonstra que há um padrão nessas formas de

organização, o padrão em rede. Todos são moradores da “casa-Terra”, e os

homens, assim como os demais moradores, os animais, as plantas e os

microorganismos, têm de cuidar dela, afinal formam a “teia da vida”. A definição de

“sociedade sustentável” conhecida como a que tem capacidade de satisfazer suas

necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras

de Brown14 citado por CAPRA (2005) para o autor não ajuda muito a nos dizer como

construí-la e aponta uma saída.

A chave de uma definição operativa de sustentabilidade ecológica é a percepção de que nós não precisamos inventar comunidades humanas sustentáveis a partir do nada; podemos moldá-las segundo os ecossistemas naturais, que são comunidades sustentáveis vegetais, animais e de microorganismos. Como a característica mais marcante da ‘casa-Terra’ é a sua capacidade intrínseca de sustentar a vida, uma comunidade humana sustentável tem de ser feita de tal maneira que seus modos de vida, negócios, economia, estruturas físicas e tecnologia não prejudiquem a capacidade da natureza de sustentar a vida (CAPRA, 2005, p. 238).

As “comunidades sustentáveis” desenvolvem seu estilo de vida na interação

contínua com os outros sistemas vivos, conectados em rede, perspectiva que nos

leva a crer que a sustentabilidade é móvel, construída dia após dia, por meio de um

processo dinâmico de coevolução entre esses sistemas.

Partindo para a perspectiva comunicacional discursiva do enunciado da

sustentabilidade, defendemos que ela é tão importante quanto a perspectiva

conceitual histórica, uma vez que a comunicação apresenta-se fundante na

construção de sentidos nas redes sociais de significação. Há uma explicação: para

que possa ser adotado e vivido pela sociedade, o discurso da sustentabilidade em

sua complexidade deve ser apropriado e/ou ressignificado ou mesmo refutado,

considerando os sistemas de interpretação de cada sujeito individual e coletivo com

os seus devidos quadros referenciais, para ser, então, reconhecido como algo que

possa ser colocado em prática.

Nessa perspectiva conceitual discursiva, Baldissera (2009, p. 5) observa que

há um deslizamento do paradigma econômico consumista para o comunicacional

discursivo da sustentabilidade. No entanto, acrescentamos à sua percepção a

14 BROWN, Lester. Building a sustainable society. Norton: New York, 1981.

81

importância da perspectiva comunicacional na construção de sentidos do termo,

independentemente em qual paradigma se assente. Assim, questionamos: qual a

teia de sentidos emerge do discurso da sustentabilidade? Quais os sentidos

pretendidos pela organização? E, para a comunidade, quais os sentidos por ela

construídos?

No começo, o discurso da sustentabilidade, assim como o da

responsabilidade social, era visto pelas organizações como utópico, ingênuo e

divergente da lógica do lucro empresarial. Hoje, no entanto, as organizações

recorrem a ele para conferir legitimidade as suas atividades, para cuidar da sua

reputação, gerar capital simbólico, neutralizar os questionamentos sociais e dar

outro significado aos seus negócios. Isso porque o mercado está muito mais

competitivo e é regulado por critérios cada vez menos financeiros e mais subjetivos.

Pela perspectiva da relação das organizações com as comunidades do seu

entorno, entendemos que o discurso da sustentabilidade é um dispositivo com dupla

finalidade: de interação,15 já que ele propicia um espaço para o diálogo entre os

sujeitos, na medida em que serve a questionamentos, cobranças e gera

possibilidades de encontros e trocas. E de poder, usado para inculcar e manipular o

receptor através de um significado preconcebido pelas organizações e também é um

dispositivo que promove saber e subjetividade. Contudo, essas finalidades não estão

em polos diferentes, seguindo caminhos paralelos; elas se entrecruzam, imbricam-se

e se separam num movimento discursivo flexível, poroso, comandado pelos

interesses estratégicos de cada um.

Antes de aprofundarmos nas duas finalidades e seus efeitos, é preciso

entender o que é “dispositivo”. Para isso, buscamos por afinidade o conceito de

Deleuze (1990), que compara o dispositivo a um novelo composto de muitas linhas

de natureza diferente. Todavia, essas linhas não incluem linearmente os sistemas

como o objeto, o sujeito e a linguagem, mas seguem direção diferente, formando

processos em desequilíbrio, aproximando e se afastando uma da outra. Segundo o

autor, “os objetos visíveis, as enunciações formuláveis, as forças em exercício, os

sujeitos numa determinada posição, são como vetores ou tensores” (DELEUZE,

1990, p.155). Os dispositivos têm como componentes linhas de força, linhas de

visibilidade, de subjetivação, linhas de enunciação, linhas de fissura, de fratura que

15 É importante ressaltar que a interação a que nos referimos não pressupõe, a priori, o entendimento entre os sujeitos envolvidos, mas promove as condições para uma negociação discursiva.

82

se cruzam e se misturam. Percebemos essas linhas, muito presentes no discurso da

sustentabilidade, que permeia a relação entre as organizações e a comunidade do

entorno, compondo um sistema relacional reticular.

O discurso da sustentabilidade, como dispositivo de interação entre

comunidades e organizações, exige pensar a interação como um tipo de relação

social que passa a ser uma chave que abre a perspectiva de troca, de entendimento

ou no mínimo de negociação entre esses sujeitos.

Para Mead (1934),16 a interação é um processo de ação reciprocamente

referenciado. Ao mostrar a sociedade formada por um conjunto de interação, o autor

chama a atenção para essa dinâmica e o movimento da realidade social nos

momentos em que os sujeitos entram em interação, em comunicação. Bakhtin (apud

BRAIT, 2008) parece exemplificar esse conceito, quando diz que “só me torno eu,

entre outros eus” e que o sujeito, mesmo sendo definido a partir do outro, também o

define. É o “outro” do outro. Essa noção bakhtiniana17 de sujeito implica pensar

também o contexto onde se dá a interação, considerando tanto o princípio dialógico,

que segue a direção do interdiscurso, constitutivo do discurso, como os elementos

sociais, históricos, culturais que configuram esse “lugar” onde estão inseridos. Os

sujeitos não são fantoches das relações sociais, mas agentes organizadores de

discursos, e é na troca, nas interações entre os “eus” que nascem e são construídos

os sentidos.

Já a sustentabilidade como dispositivo de poder nos permite dividir o

enunciado em duas medidas. Uma, no sentido coercitivo, em que a organização

fornece um significado fechado, na intenção de inculcá-lo e manipulá-lo, com o

objetivo de obter o controle da relação com as comunidades do entorno. Outra

medida é o enunciado ser gerador de saberes e de novos discursos, que

consequentemente propiciam a interação, promovendo aí o entrelaçamento da sua

finalidade na estratégia discursiva das organizações e comunidades do entorno.

Apesar da tentativa da organização de determinar o significado, isso não se efetiva,

visto que a comunidade recria e ressignifica os sentidos da sustentabilidade,

tornando-o, entre outras manobras enunciativas, um instrumento estratégico de

negociação discursiva.

16 G. H. Mead, nascido em 1863, Massachusetts, estudou filosofia nos EUA e na Alemanha. Iniciou sua carreira acadêmica como professor na Universidade de Michigan, em 1891, transferindo-se em 1894 para a recém-criada Universidade de Chicago, onde permaneceu até a sua morte (1931).

83

Fausto Neto (1992) lembra que não há garantias sobre o que a recepção faz

com os discursos que lhe são endereçados, como ela vai se apropriar deles. E que

os efeitos de sentido não estão no discurso em si, mas justamente na articulação

entre a emissão e a recepção. Portanto “[...] a recepção não é apenas uma

elaboração sociológica. Ela é construída já no interior do próprio processo

discursivo, através de múltiplas operações articuladas através de processos da

própria linguagem” (FAUSTO NETO, 1992, p. 61).

Essa articulação, no caso da relação entre organizações e comunidades, dá-

se principalmente pela tensão e interação, que, mediadas pela linguagem, instauram

um processo comunicativo. A comunidade ou se apropria do discurso elaborado pela

organização, ou o aproveita ou ainda o refuta de acordo com seus interesses e

necessidades, utilizando-o de diversas maneiras. Se a organização está gerando

poluição, do ar ou sonora ou da água, na sua cidade ou bairro, ela questiona ou

refuta o fato de a organização se “vender” como sustentável. Se ela precisa de apoio

e recursos para implantação de ações, eventos, seja de cunho social, seja de cunho

cultural, ela retira do discurso da sustentabilidade o apelo à equidade social, o

desenvolvimento humano, entre outros sentidos. O reconhecimento recíproco dos

sujeitos – Samarco e comunidade do seu entorno –, envolvidos nessa interação

comunicativa e dos elementos que a compõem, juntamente com o contexto onde se

realiza, resulta em um “contrato de comunicação” entre eles (CHARAUDEAU, 2007).

Esses dispositivos de interação e poder que constituem o discurso são

influenciados diretamente pelo contexto onde são produzidos. Assim, para

entendermos como o discurso da sustentabilidade institui-se como uma conexão

entre os sujeitos, é essencial considerarmos também o contexto onde se dá essa

interação, a priori, em Antônio Pereira. Conformado por um sistema de valores

próprios, culturais, históricos, sociais e políticos, ele influencia de forma

determinante a produção discursiva. Pinto (2008, p. 83) até ressalta que “o processo

interpretativo tem que levar em conta aonde o sentido irá se produzir, porque ele é

um ser do futuro, um vir-a-ser [...] O significado produzido em um contexto é um

sentido”.

Charaudeau (2006) também acredita que o contexto, com suas

especificidades, influencia definitivamente na construção do discurso e aponta a

existência de um quadro de referência, que pode ser entendido como um lugar

simbólico, em que são constituídas normas e convenções do comportamento

84

linguageiro de determinada comunidade e, ao mesmo tempo, onde são

estabelecidas, tacitamente, restrições. Presentes nas relações humanas, no tempo,

e até mesmo no uso das palavras, essas restrições, entre outros componentes,

conformam um contexto próprio, que referencia os atos discursivos dos sujeitos e

suas trocas comunicativas e podem caracterizar também a relação entre a

organização e a comunidade do entorno.

Portanto, essa reciprocidade que se dá a partir de uma vinculação

incondicional entre esses dois sujeitos nos leva a crer que existe um “contrato de

comunicação” entre eles, e que o processo de interação estabelecido é mediado

pelo discurso da sustentabilidade.

Assim, nossa missão no terceiro capítulo é analisar a interação destes dois

sujeitos, específicos, a Samarco e a comunidade do seu entorno, localizada em

Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, em Minas Gerais. E, a partir daí, avaliar qual

o contrato de comunicação foi instituído por eles, como o enunciado da

sustentabilidade media e suas relações, quais os sentidos mobilizados por cada

sujeito. Como produzem os seus discursos? Em que circunstâncias? De que forma

se utilizam desses dispositivos para se interagir? Quais os sentidos criados pela

recepção? Essas são perguntas que nos movem em direção a análise de discursos.

85

4 O DISCURSO DOS SUJEITOS

Tendo em mão o material coletado, partimos para o terceiro passo da

dissertação, ou seja, analisar esse, observando como foi construído o discurso da

sustentabilidade e os diversos sentidos produzidos pelos sujeitos. Pretendemos

perceber como os moradores da comunidade de Antônio Pereira, entrevistados,

constroem sentido a partir de uma enunciação emitida pela organização, qual seja: a

sustentabilidade. Para tal, apresentamos neste capítulo a metodologia que nos

serviu de instrumento analítico e os resultados das análises.

Entendendo que o contexto no qual estão inseridos os sujeitos em relação é

um componente essencial na construção de sentidos, apresentamos um breve

histórico da Samarco e do distrito de Antônio Pereira para, em seguida,

conhecermos as estratégias enunciativas da organização em torno da

sustentabilidade e os sentidos que são produzidos pela comunidade tendo em vista

sua recepção.

Portanto, o objeto empírico deste estudo se constitui pela análise dos

processos comunicacionais, pautados pelo discurso da sustentabilidade e os

sentidos que estão inseridos neles. Desta forma, é importante percebermos como

esse discurso, tão presente na contemporaneidade, é talhado estrategicamente pela

organização e como ele funciona na interlocução com a comunidade. Do mesmo

modo, pretendemos verificar como esse grupo de interlocutores recebe tal discurso

e o que faz com ele a partir daí.

4.1 Procedimentos metodológicos

No desenvolvimento da pesquisa, adotamos um conjunto de procedimentos

metodológicos na busca de garantir organicidade e consistência científica às suas

diversas fases de produção. Percebemos que seria a articulação dos procedimentos

que iriam nos auxiliar a cumprir nosso objetivo de investigar os fenômenos de

apropriação, refutação e ressignificação constituintes da construção de sentidos no

86

processo comunicativo estabelecido entre a Samarco Mineração e a comunidade de

Antônio Pereira, com base na análise da enunciação discursiva da sustentabilidade.

Alicerçadas no método do Estudo de Caso, as análises nos permitiram traçar

perspectivas acadêmicas acerca das noções do discurso organizacional da

sustentabilidade e a construção de sentido que é gerado a partir dele. Considerando

que o Estudo de Caso foi a bússola que orientou todo o percurso metodológico, e a

análise de discurso foi a técnica utilizada para analisar o material coletado, achamos

relevante descrever de forma breve o método e como utilizamos suas técnicas de

análise. Apresentamos, portanto, algumas definições do Estudo de Caso que

justificam a nossa escolha e as bases metodológicas para a análise de discurso.

Para isso, descrevemos, com base no modelo de Charaudeau (2007), como o

discurso é constituído, quais os elementos que o compõem, como esses elementos

internos e externos, como, por exemplo, o contexto no qual estão inseridos esses dois

sujeitos sociais, interferem na interpretação e na produção de sentidos e instituem o

“contrato” que se estabelece entre eles e o modo de organização do discurso.

Contribuindo com essa perspectiva, Verón (2004, p. 217) esclarece que o dispositivo

da enunciação comporta tanto o “lugar” do enunciador, no caso a Samarco, quanto o

“lugar” do destinatário (maneira como o enunciador define seu interlocutor), a

comunidade do entorno, neste estudo os moradores do distrito de Antônio Pereira.

Esse dispositivo ainda promove a relação entre eles, definida como um tipo de

contrato proposto no e pelo discurso.

Na visão de Charaudeau (2007), esse contrato é estabelecido também pela

situação de comunicação e de lugares onde enunciadores e destinatários se

reportam, referenciam-se. Tal quadro de referências é onde se determinam as

condições da troca linguageira que compõe esse “acordo prévio”, que é o contrato de

comunicação que as partes estabelecem tacitamente entre si. Esse ambiente em que

se travam os jogos discursivos, baseado nesse quadro referencial e o “contrato”, é da

ordem do simbólico e fornece material linguístico e ideológico dos discursos nele

desenvolvidos.

Partiremos da análise do discurso da sustentabilidade da organização,

elemento importante no contrato comunicacional estabelecido entre os sujeitos,

utilizando o modelo proposto por Halliday (1987), explicado no segundo capítulo.

Posteriormente, analisaremos os sentidos que a comunidade cria a partir dele,

87

observando os pontos de encontro e desencontro que compõem esse jogo discursivo

presente na interação entre eles.

4.1.1 O Estudo de Caso e os instrumentos de análise

O método proposto para esta pesquisa, dada a sua natureza exploratória e a

singularidade do objeto, dos sujeitos e sua interação discursiva, é o Estudo de caso,

que conjugou diversos procedimentos metodológicos, como pesquisa bibliográfica e

documental, observação não participante, entrevista em profundidade e a análise de

discurso usada para a avaliação do material coletado.

O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas (YIN apud DUARTE,18 2005, p. 216).

Esse método, muito utilizado nas Ciências Sociais, foi o escolhido por ter

características que atendem a algumas premissas básicas da investigação e análise

do objeto de pesquisa, entre elas sua natureza qualitativa. É um sistema aberto e

flexível de pesquisa, pertinente para o estudo em um contexto real e de

complexidade, e também fornece um bom conjunto de recursos instrumentais para

uma investigação de campo.

Portanto, adotamos tal método por entendermos que o Estudo de Caso é

capaz de lidar com uma grande variedade de evidências; assim, foi constituído um

corpus composto de: observação direta na Samarco e na comunidade, entrevistas

em profundidade, análises de documentos, registros em arquivos. O primeiro passo

metodológico se deu pela observação direta e teve como objetivo obter informações,

impressões, ou seja, direcionamento para o estudo da comunidade de Antônio

Pereira e o discurso da sustentabilidade enunciado pela organização. Também nos

ajudou a buscar uma caracterização do contexto sociocultural onde estão inseridos

os sujeitos.

18 YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

88

Esse instrumento foi relevante no processo metodológico da pesquisa, já que

o Estudo de Caso propõe-se à análise de uma realidade específica. Lopes (2005, p.

42) reconhece que as operações envolvidas nessa fase visam à “reconstrução

empírica da realidade, isto é, visam coletar e reunir evidências concretas capazes de

reproduzir os fenômenos em estudo no que eles têm de essenciais”.

A autora chama a atenção para o fato de que o momento da observação é

justamente a fase em que a ruptura epistemológica deve ser realizada na prática e

faz um alerta:

A realidade não é suscetível de apreensão imediata, e sua reprodução exige atividades intelectuais complexas; o importante não é o que se vê, mas o que se vê com método, pois o investigador pode ver muito e identificar pouco e pode ver apenas o que confirma suas concepções (LOPES, 2005, p. 143).

Assim, fizemos dez visitas ao distrito de Antônio Pereira, no período de julho

de 2009 a junho de 2010, observando o modo de vida da comunidade, as suas

relações, crenças, linguagem, etc. Nesse total, inclui uma visita a diversos setores

da Samarco, o que nos permitiu tecer algumas percepções da realidade da

organização. Esses dados foram fundamentais para a construção da realidade

empírica pesquisada, tendo como base o corpus teórico definido para esta análise.

Em um segundo passo, associamos as visitas às entrevistas em

profundidade. Realizamos, por meio de roteiros previamente elaborados, 28

entrevistas individuais, divididas em dois grupos para efeito de análise. As lideranças

e os moradores da comunidade formaram um grupo, e os participantes de dois

projetos sociais – Associação Arte Mãos e Flores e Associação Musical Nossa

Senhora da Conceição – constituíram um segundo grupo.

Essa distinção procurou obter a diversidade de fontes com diferentes vínculos

à organização. O objetivo foi avaliar a percepção de diferentes grupos da

comunidade, os quais possuem relação distinta com a organização, justamente para

podermos avaliar como os sentidos são produzidos tendo em vista contextos e

realidades diferentes em relação à mesma organização.

No que diz respeito à organização, entrevistamos a analista de

Relacionamento com a Comunidade, Ana Clímaco Heineck, e analisamos os

Relatórios Sociais de 2007 e de 2008 produzidos pela organização, material

bastante rico de informação.

89

A documentação e a coleta de informações foram feitas a partir do

levantamento de registros em arquivos, levantamento de relatórios, projetos,

reuniões e outros tipos de documento que registraram o histórico da Samarco

Mineração no distrito de Antônio Pereira, mantendo o foco no discurso da

sustentabilidade e os significados que lhes são atribuídos pela organização.

De acordo com Duarte (2005, p. 230), “o uso de informações documentais é

essencial para confirmar e valorizar as evidências encontradas em outras fontes,

como conferir nomes, datas, fazer inferências, confrontar dados contraditórios”.

Utilizando a fonte citada, foi-nos possível coletar dados sobre os projetos sociais

desenvolvidos pela comunidade (planejamento e ações), pesquisas realizadas com

esse segmento que respaldam o processo, além de outras formas de registro que se

mostraram relevantes para avaliação.

Os documentos escolhidos para análise do discurso da sustentabilidade

enunciado pela Samarco foram o Relatório Social de 2007 e de 2008; três edições

do jornal Lado a Lado, direcionado para a comunidade; e o website institucional da

organização. Também foram examinados os projetos elaborados pela Associação

Arte Mãos e Flores e pela Associação Musical Nossa Senhora da Conceição com o

intuito de buscar patrocínio na Samarco por consideramos que eles apresentam

importante discurso dirigido à organização, instrumento de interlocução entre os dois

sujeitos. Esse número de entrevistas mostrou-se suficiente, já que o objetivo

proposto com a pesquisa é a identificação de um padrão de percepção e leitura que

as pessoas da comunidade fazem baseando-se no discurso elaborado pela

organização, e não “testar hipóteses, dar tratamento estatístico às informações,

definir a amplitude ou quantidade de um fenômeno” (DUARTE; BARROS, 2005, p.

63). A maior parte das entrevistas foi gravada, e algumas delas foram selecionadas,

tendo partes transcritas por sua relevante contribuição.

Depois de realizados esses procedimentos, em um terceiro passo, foram

feitas análises das estratégias do discurso da organização, tendo como base o

modelo de Halliday (1987), que analisa comparativamente o discurso emitido pela

organização e sua recepção pela comunidade. Isso possibilita-nos observar a

diferença de sentido estabelecido, os pontos em comum, as estratégias discursivas

utilizadas, os encontros e desencontros existentes em um contrato de comunicação.

Entendemos que o discurso não é composto apenas de signos, mas também

de sistemas de valores que comandam o uso desses em circunstâncias específicas

90

presentes em um contexto conformador do discurso, bem como é elemento definidor

na construção de sentido. Assim, no próximo item, apresentamos a Samarco,

enunciador do discurso da sustentabilidade e, em seguida, o distrito de Antônio

Pereira, onde se insere o nosso receptor, isto é, a comunidade.

4.2 A Samarco

A Samarco é uma organização empresarial de capital fechado, inaugurada

em 1977, que atua com mineração de minério de ferro e seu beneficiamento.

Presidida por José Tadeu de Moraes desde 2003, possui dois acionistas, a BHP

Billiton, empresa de origem anglo-australiana, considerada a maior mineradora do

mundo, e a Vale, de origem brasileira, considerada líder mundial de produção e

exportação de minério de ferro, cada uma com 50% das ações da Samarco. Com

sede em Belo Horizonte, a Samarco opera tanto em Minas Gerais – Mina Germano

e Complexo Alegria, no município de Ouro Preto – quanto no Espírito Santo – Mina

de Ubu, Estado onde também mantém um escritório.

Figura 1: Divisão acionária da Samarco (SAMARCO, 2007)

Podemos afirmar que a Samarco é uma empresa de grande porte e de perfil

globalizado. Os números são indicadores dessa realidade, a saber: a organização é

formada por duas usinas de concentração nas Minas de Germano e Alegria, dois

minerodutos, três usinas de pelotização. No Espírito Santo, mantém um terminal

marítimo em Ponta Ubu, utilizado para exportação de toda a sua produção, em torno

91

de 22 milhões de pelotas de minério de ferro por ano. Possui ainda duas usinas

hidrelétricas – Muniz Freire, no Espírito Santo, e Guilman-Amorim, em Minas Gerais

– e dois escritórios internacionais de vendas – um em Amsterdã, na Holanda, e outro

em Hong Kong, na China.

Esse aparato estrutural e tecnológico, segundo a organização, tem o objetivo

de garantir um processo unificado, uma operação integrada, que vai desde as

atividades de lavra, beneficiamento, transporte, pelotização até a exportação do

minério em forma de pelotas, seu principal produto. Toda essa operação gera 2.032

empregos diretos.

Dentro de uma dimensão econômica, a Samarco registrou no seu balanço

financeiro um faturamento de R$ 4,25 bilhões em 2008, resultado 84% superior ao

de 2007. Crescimento explicado pela expansão do mercado de mineração, que

impulsionou a criação da terceira usina de pelotização, aumentando sua capacidade

de produção em 54%. Segundo a Samarco, a partir desse desempenho, a

organização lançou novos projetos. Entre eles, a incorporação de novas áreas, a de

Operações e a de Sustentabilidade, que se transformaram em Diretoria de

Operações e Sustentabilidade. Tal fato é justificado no discurso do presidente da

organização, José Tadeu de Morais, como forma de associar o desenvolvimento

sustentável à eficiência empresarial.

Essa nova diretoria se incumbiu de definir, portanto, o significado de

“sustentabilidade” para a Samarco. Isso foi registrado como:

[...] a geração de valor, pautada pela ética, confiança, proatividade e visão sistêmica, por meio de ações e parcerias que assegurem o equilíbrio entre dimensões econômica, sociocultural e ambiental, respeitando as gerações atuais e contribuindo para o desenvolvimento das futuras (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 7).

Desdobrando esse conceito, apresentamos as informações sobre a

percepção da organização em relação aos sujeitos ligados as suas operações e

conformadores da própria sociedade, em especial as comunidades do seu entorno.

No quesito social, a Samarco apresenta, no seu Relatório Social 2008, o mapa das

comunidades do seu entorno, que são impactadas pelas suas operações. São 79

comunidades, o que contabiliza mais de 200 mil pessoas. Tendo em vista este

mapa, segundo a organização, são desenvolvidas diversas ações.

92

Figura 2: Mapa das comunidades do entorno da Samarco (SAMARCO, 2008)

Dentro do organograma de públicos da organização, podemos ver, na Figura

3, a presença da comunidade.

Figura 3: Organograma de públicos da Samarco (SAMARCO, 2008)

Segundo a Samarco, a empresa “investe” em iniciativas de diálogo

permanente com a comunidade do seu entorno e em projetos que colaboram com o

seu desenvolvimento. A organização definiu a sua contribuição por meio de

iniciativas focadas em geração de renda, educação e cultura. Além disso, incentiva a

autossustentabilidade das comunidades vizinhas às suas unidades industriais e

daquelas por onde passam os minerodutos. Dados da organização apontam um

investimento de R$ 4 milhões nessas três áreas, junto a 27 comunidades

93

espalhadas por 27 municípios por onde passa seu mineroduto. Assim, a Samarco

calcula que, de Minas Gerais ao Espírito Santo, mais de 650 mil pessoas estão

ligadas às operações da empresa.

Entre os meios de comunicação com a comunidade apresentados pela

Samarco, estão a Central de Relacionamento, pelo telefone 0800 031 2303; o site

www.samarco.com, por meio da seção Fale Conosco; e o informativo Lado a Lado,

jornal bimestral. Ademais, a organização promove encontros com as comunidades,

comitês de relacionamento, programas de visitas.

Podemos observar, na Figura 4, a descrição e balanço das atividades dessa

Central em benefício da comunidade:

Figura 4: Balanço da Central de Atendimento da Samarco (SAMARCO, 2008)

4.3 Antônio Pereira

Assim como descrevemos de forma geral a Samarco, dando mais enfoque as

questões que permeiam a sustentabilidade, faz-se importante retratar o distrito de

Antônio Pereira, onde está localizada a comunidade analisada no nosso objeto

empírico. Isso porque o contexto onde estão inseridos os sujeitos é fundamental na

construção dos sentidos que se dá a partir da relação entre eles.

94

Portanto, numa posição geopolítica, Antônio Pereira é um distrito de Ouro

Preto, situado no Quadrilátero Ferrífero da Zona Metalúrgica de Minas Gerais. A sua

população, segundo dados do IBGE, era de 3.935 habitantes no Censo realizado em

2000; porém, o distrito tem uma população flutuante em função das obras de

expansão contratadas pelas mineradoras, que atraem muitos trabalhadores. Há

dados que falam de 5.00019 habitantes. Segundo o IBGE, 70% da população é

alfabetizada; 20%, semialfabetizada, a maioria completa a 8a série do ensino médio,

e o índice de entrada nas universidades é baixíssimo.

Nas suas características geográficas, observa-se o relevo acidentado,

montanhoso, que chega a atingir 1.680 metros de altitude. O clima é tropical úmido,

apresentando temperatura de 6oC a 12oC no inverno e de 25oC a 30oC no verão. O

rio Antônio Pereira e a sub-bacia do rio das Velhas são os principais afluentes do rio

São Francisco, estando hoje muito assoreados e poluídos, uma vez que recebem o

esgoto do distrito. Já a sua vegetação é caracterizada pelo cerrado.

Podemos observar que, desde sua criação até os dias de hoje, o distrito está

vinculado à mineração. Sua trajetória histórica confirma esse fato, quando se inicia

em torno de 1700-1701, com a chegada do bandeirante português Antônio Pereira

Machado, natural de São João das Caldas, Portugal, que, estando no Brasil, segue

para o norte, chegando ao lugar a que deu o nome de Bonfim do Mato Dentro. Dois

anos mais tarde, porém, em 1703, não se adptando ao lugarejo em função dos

animais ferozes e da dificuldade em obter comida, volta à vila do Carmo. Mais tarde,

em torno de 1819-1820, outros bandeirantes dirigiram-se para lá em busca de ouro,

entre eles, Antônio Mateus Leme, Antônio Pompeu Taques e o Padre João de

Inhaia. Assim, em Bonfim do Mato Dentro, foram fundadas diversas minas, como as

do Romão, Mata-Mata, Macacos, Manoel Teixeira, Capitão Simão; as fazendas do

Barbaçal, Mateus das Moças e da Rocinha. Ali era encontrado ouro de melhor

quilate da região, o que propiciou a muitos exploradores que para lá se dirigiram

construir casarões e sobrados, muitos dos quais ainda permanecem intactos na

parte histórica do distrito.

Mas não é só esse fato que caracteriza Antônio Pereira. A religiosidade de

seu povo também é marcante. Consta nos seus registros históricos que, em 1716,

foi dada a autorização para fundação da primeira igreja do lugarejo. Estruturada em

19 Dado fornecido pelo livro Aspectos Folclóricos III: Histórias de Antônio Pereira, publicado em 1993 pela Universidade Federal de Ouro Preto.

95

pedra de canga, foi construída em louvor a Nossa Senhora da Conceição, fato

importante por caracterizar a influência religiosa na formação cultural do distrito,

assim como em muitos outros em Minas Gerais. Todavia, por volta de 1800, a

imponente matriz é destruída por um incêndio; as causas desse incêndio nunca

foram esclarecidas, o que fez surgir muitas versões por parte da população. A mais

curiosa diz ter sido um baiano que se escondeu na igreja, após a missa, para roubar

o seu rico acervo e que, depois disso, ateou fogo na matriz. Hoje os moradores a

chamam de “Igreja Queimada”.

A Figura 5 nos dá uma noção de como esse monumento se encontra hoje.

Figura 5: Igreja Queimada de Antônio Pereira (PREFEITURA DE OURO PRETO, 2010)

Mais tarde, não se tem registro exato da data, foi construída uma capela em

homenagem a Nossa Senhora das Mercês, onde se realizavam os ofícios religiosos

e as festas dedicadas não só a ela, mas também a São Sebastião e a Nossa

Senhora do Rosário. No entanto, a maior devoção do distrito continuou sendo a

Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Segundo a lenda, crianças do local, ao

passear pelos arredores, encontraram numa gruta a imagem da Virgem de

Conceição. A imagem foi levada para a igreja; contudo, a cada vez que se levava a

santa, ela era encontrada na gruta novamente. Então, respeitando a vontade da

96

santa, construíram um altar na gruta, que permanece até hoje como ponto turístico e

religioso. Depois que entronizaram a imagem, a Lapa passou a receber romeiros de

todas as regiões de Minas Gerais.

Nessa época, entra em declínio a mineração do ouro, trazendo a decadência

econômica para a região. Somente por volta de 1950 teve início o novo ciclo de

mineração, agora do ferro, que perdurou até a década de 1970. Mas foi em 1984,

quando se descobriu que Antônio Pereira estava assentado em grandes jazidas de

minério, que três grandes empresas se instalaram no local: Samarco, Samitri e a

então Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale. A chegada dessas empresas trouxe

importantes mudanças sociais, econômicas, culturais entre outras.

Economicamente, o distrito passa a experimentar um novo ciclo de

desenvolvimento; porém, culturalmente, alguns historiadores e até moradores mais

antigos do lugar reclamam que muitos dos costumes e das tradições foram se

perdendo, à medida que o distrito foi se urbanizando. Segundo informações contidas

no site de Ouro Preto, será instalado um polo industrial em Antônio Pereira para

atrair indústrias de pequeno e médio portes na tentativa de sanar parte dos

problemas da área mais pobre da região. A fonte de trabalho e renda da maioria da

população está ligada às empresas mineradoras e empresas terceirizadas para

fornecimento de produtos e serviços a elas. Sua economia é baseada na extração

de ferro pelas empresas Vale e Samarco Mineração e por garimpeiros, que extraem

o ouro manualmente (ouro de aluvião), e por um pequeno garimpo de topázio.

A presença das organizações é tão marcante na formação da história recente

do distrito que esse foi dividido por historiadores em dois núcleos sociais. Um,

denominado “Vila Residencial Antônio Pereira”, ex-Vila Residencial da Samarco

Mineradora. Instalada em 1977 pela empresa, a vila possui excelente infraestrutura,

ou seja, é urbanizada, tem saneamento básico, casas, ruas calçadas, clubes, igreja

e é habitada por um público de classe média e alta. Mas, desde 1994, a vila foi

desprivatizada, ficando a sua administração por conta da Prefeitura de Outro Preto;

contudo, as condições privilegiadas em relação à qualidade de vida continuam. E o

outro núcleo é a parte histórica de Antônio Pereira, constituída por um público de

baixa renda, que padece da falta de emprego, de problemas sociais, como o avanço

das drogas e do alcoolismo, problemas de educação, de desnutrição, entre outros.

Culturalmente a região tem a tradição do artesanato. Assim como Ouro Preto

é conhecida pelo artesanato em pedra-sabão, Antônio Pereira tem a tradição dos

97

trabalhos em crochê e bordado. Em 2005, algumas crocheteiras se juntaram e

resolveram montar uma associação, apostando no desenvolvimento a partir da

organização do seu trabalho. Assim nasceu a Associação das Artesãs Arte, Mãos e

Flores, com o apoio técnico e financeiro da Samarco e da Igreja católica, através do

apoio da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, atualmente com 22 associadas.

Essas expandiram suas técnicas com novas aplicações, como patchwork, fuxico e

favo de mel em produtos artesanais, que são vendidos sob encomenda, em feiras e

na própria loja. Entre os produtos, destacam-se as colchas com aplicação em crochê

e poesia bordada, bolsas, almofadas e capas de agenda feitas de patchwork,

característicos da associação.

Figura 6: Bordadeiras da Associação Arte, Mãos e Flores (ARQUIVO DA ENTIDADE, 2010)

Além de gerar aumento na renda familiar dessas mulheres, a associação é

responsável por manter uma das tradições e da identidade cultural de Antônio

Pereira.

O mesmo acontece com a Associação Musical Nossa Senhora da Conceição

da Lapa, que acolhe a banda de música do distrito. Fundada em 1827, foi

desativada em 1970. Em 1990, alguns habitantes, liderados pela moradora Maria de

98

Carvalho Ferreira, conhecida por todos como “Dona Dunga”, inconformados com

esse desfecho para algo tão representativo para a comunidade, foram, então, em

busca de apoio. Segundo Dona Dunga, após uma assembleia com a comunidade,

foram enviadas mais de 17 cartas às organizações pedindo o apoio financeiro para o

renascimento da banda de música. Conseguiram R$ 4 mil de patrocínio com a

Samarco e, assim, reativaram a associação, inicialmente com 15 jovens aprendizes

de música; hoje, já conta com 37 músicos e faz apresentações por toda a região,

nas festas religiosas e folclóricas.

Figura 7: Banda de Música da Associação Nossa Senhora da Conceição da Lapa (ARQUIVO DA

ENTIDADE, 2010)

Descrevemos essas duas associações por duas razões: por entendermos que

caracterizam culturalmente o contexto e por fazerem parte da nossa pesquisa, já

que são patrocinados pela Samarco.

99

4.4 O discurso da sustentabilidade: estratégias, produção de sentidos e

circularidade

Partimos do pressuposto de que não existe discurso sem intencionalidade e

que o mesmo enunciado pode ter vários sentidos (polissemia) ou sentidos próximos

(sinonímia), ou ter vários valores (polidiscursividade). Portanto, comunicar é uma

questão de escolha, não só de formas e meios adequados às normas linguageiras

de determinado contexto, mas de conteúdos a transmitir e efeitos de sentidos que se

busca para influenciar o outro (CHARAUDEAU, 2007). Dito de outra maneira,

comunicar e informar pressupõem escolhas de estratégias discursivas.

Dessa forma, entendemos que o discurso da sustentabilidade adotado pela

Samarco é estratégico, e, no jogo discursivo que engendra com a sociedade, ela se

utiliza de recursos em busca de interação, reconhecimento e legitimação social, já

que, sendo uma organização transnacional e estando no setor de mineração,

padece de desconfiança e críticas por parte da sociedade. Percebemos também que

o recurso ao uso do argumento da sustentabilidade representa uma inovação ou

renovação no repertório discursivo das organizações de modo geral.

Concordamos com Halliday (1987), quando diz que enunciações como

progresso, modernização, crescimento econômico, avanço tecnológico não são mais

vistos na contemporaneidade como benefícios inquestionáveis e desejados a

qualquer preço. A autora alerta que, na maioria das vezes, esses discursos se

transformam em percepção muito negativa e deslegitimante, ao implicarem alto

custo ambiental, social para toda a sociedade. Por exemplo, causar a degradação

dos recursos naturais, como destruir florestas, poluir as águas, o ar e gerar

desigualdade e exclusão social. Esse tipo de ônus é percebido pela comunidade do

entorno, que sente de modo mais evidente esses efeitos na sua vida, em função da

proximidade geográfica e da dependência econômica que passa a ter com a

presença da organização.

Segundo Halliday (1987), por essa razão o discurso organizacional vem se

deslocando da ênfase na qualidade de seus produtos, na autorreferência que a

empresa faz , muitas vezes grandiosa, como nas falas “somos a maior empresa de”,

“a melhor em” para a valorização de suas ações direcionadas à sociedade. Nesse

sentido, é ilustrativa a visão do presidente da Samarco, José Tadeu de Moraes, ao

100

se referir em seu discurso de apresentação do Relatório Social de 2007 sobre a

mudança do texto da missão, visão e valores. Ele observou que, antes os

compromissos da organização estavam relacionados principalmente à excelência

operacional, estando, agora, de forma ampliada, focados na excelência empresarial,

tornando o negócio mais sustentável, segundo ele. Assim percebemos que a

organização está fazendo esse deslocamento. A própria renovação da missão, visão

e valores deflagra a estratégia de mudança de direcionamento discursivo.

No entanto, no âmbito desta pesquisa, interessa-nos apreender como a

comunidade, no papel de receptora/destinatária, apreende os discursos da Samarco:

ela os aceita? Ela os refuta? Que sentidos constrói? Afinal, a significação é posta em

um discurso específico pelo jogo do dito e do não dito, do implícito e do explícito,

questões que pretendemos analisar no decorrer deste capítulo. Intencionamos

adotar a postura epistemológica sugerida por Charaudeau (2007) para quem “[...] o

papel do analista é o de observar a distância, para tentar compreender e explicar

como funciona a máquina de fabricar sentido social, engajando-se em interpretações

cuja relatividade deverá aceitar e evidenciar” (CHARAUDEAU, 2007, p. 29).

Dito isso, vamos operar essa análise da seguinte maneira: analisando o

discurso da sustentabilidade enunciado pela Samarco em dois momentos.

Primeiramente, com base no modelo proposto por Halliday (1987), já visto no

segundo capítulo, chamado por ela, como temas legitimadores de, a utilidade, a

compatibilidade e a transcendência. A partir deste ponto, porém, no lugar de tema,

chamaremos de ato, por duas razões. Uma, por considerar mais coerente com a

arquitetura discursiva que defendemos, em que ato se trata de ação concreta,

intencional, descrito detalhadamente também no segundo capitulo. E a outra, por

entender, por meio de Charaudeau (2008), que o discurso se desdobra no teatro da

vida social, na qual a encenação se divide em atos.

Para tornar isso possível, fizemos um recorte analítico, identificando e

analisando essas estratégias nos discursos da missão, visão e valores, por

compreender que esses conceitos passam a constituir a essência da Samarco,

aquilo que ela pretende ser conquanto organização. É também, a nosso ver, um

discurso direcionador da relação interativa que desenvolve com seus interlocutores e

um forte indicador de como a empresa quer ser percebida por eles. E nos discursos

101

do presidente, José Tadeu de Moraes,20 presentes nos Relatórios Sociais de 2007 e

de 2008, por entendermos que esses são um posicionamento público da

organização, emitido pelo seu principal líder, a respeito dos vários aspectos que

perpassam as suas atividades, por isso mesmo repleto de sentidos. Portanto, esse

recorte foi feito considerando por critério o alto grau de relevância desses discursos.

Entendemos que, juntos, missão, visão e valores, bem como os discursos do

presidente, formam a estrutura discursiva da Samarco, norteadora das suas ações,

configurando-se em elementos de caracterização da organização e formadores de

sua identidade.

E, no segundo momento, adotando a perspectiva de Verón (2004), para quem

a análise de discurso deve ser sempre comparativa, será feita uma comparação

entre os discursos da Samarco que evocam a sustentabilidade, em específico, e sua

recepção por parte da comunidade do entorno. Será observado se essas estratégias

organizacionais, categorizadas pela Halliday (1987), concretizam-se na sua

intencionalidade ou não, e que sentidos são criados ou recriados a partir da sua

recepção.

Para tal, foram feitas 28 entrevistas em profundidade aplicadas em membros

da comunidade. Dividimos os entrevistados em dois grupos: um deles, de moradores

que estão vinculados a projetos sociais patrocinados pela Samarco, e o outro, de

moradores sem esse vínculo. A amostragem da pesquisa não se destacou pela

divisão de gênero, idade ou mesmo padrão social. Buscamos exatamente a

diversidade para obter visão diversa que pudesse abranger ou mesmo representar a

comunidade de Antônio Pereira. E, para preservar a identidade desses cidadãos,

optamos por citá-los como “moradores”, numerando-os pela ordem das entrevistas

dadas.

O resultado desta pesquisa apresenta os discursos da comunidade de

Antônio Pereira, que foram comparados com os da organização, apontando-nos a

forma como circulam, a maneira como são “lidos” pelos seus destinatários (a

comunidade), que contrato foi estabelecido tacitamente entre eles, sua aceitação,

refutação e os sentidos gerados. Isso porque, mesmo afirmando que uma análise de

enunciação é a análise na produção do discurso, Verón (2004) afirma que o contrato

só se cumpre na recepção.

20 Ressaltamos que usamos esse recurso material por não termos conseguido entrevistar o presidente da empresa. Isso, após mais de um ano de incessantes tentativas.

102

4.4.1 Análise do discurso da Samarco

Iniciamos nosso processo pela análise da missão, visão e valores descritos

pela Samarco, complementando ou contrapondo com o discurso do presidente dos

Relatórios Sociais de 2007 e de 2008. Posteriormente, analisaremos a sua recepção

pela comunidade do entorno, representada pelos moradores entrevistados.

A missão, entendida no seu sentido mais usual como “um dever a cumprir por

parte da organização”, é assim descrita:

Somos uma empresa brasileira, fornecedora de minério de ferro de alta qualidade para a indústria siderúrgica mundial. Buscamos contribuir para melhorar as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento social, econômico e ambiental, por meio da utilização responsável dos recursos naturais e da construção de relacionamentos duradouros baseados na geração de valor (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3).

Percebemos nessa declaração alguns elementos importantes a serem

analisados. A necessidade de a organização se localizar geograficamente e valorizar

a sua nacionalidade; a presença dos principais elementos que compõem o conceito

de sustentabilidade; a demonstração de interesse pelo “outro”, aquele que está além

da organização, como a própria sociedade, promovendo alargamento do seu papel

como organização empresarial.

A visão, que comumente apresenta uma perspectiva futura, lugar onde a

organização quer estar, é enunciada como: “Ser a empresa de mineração líder em

pelotização e reconhecida como uma organização de classe mundial” (RELATÓRIO

SOCIAL, 2008, p. 3). Aqui, ela se volta para sua vocação original, ser uma

organização de negócios, e se coloca no quadro de referências do próprio campo

organizacional, quando, implicitamente, fala de competitividade, de liderança, além

de deixar claro o seu desejo de reconhecimento público.

Já os valores, entendidos como “o conjunto de princípios que rege a

organização e norteia as suas relações com seus interlocutores”, são declarados por

meio da seguinte enunciação:

103

Nossas ações são orientadas por princípios de justiça, valorização da vida, bem-estar coletivo, respeito às pessoas, comprometimento e superação na entrega de resultados. Estabelecemos relações claras e duradouras, fundamentadas na ética e orientadas para a geração de valor a todas as partes de interesse. A criatividade, associada a uma contínua busca pelo desenvolvimento tecnológico, proporciona a oferta de qualidade e confiabilidade em produtos e serviços, atributos necessários a nossa perenidade (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3).

Observamos nesse discurso uma fusão de elementos da missão e da visão

apresentados sob a forma de valores. Percebemos essa articulação quando são

mostrados os princípios como justiça, valorização da vida, sentidos presentes na

missão e, na sequência, a superação na entrega de resultados ou o

desenvolvimento tecnológico, qualidade em produtos, elementos próprios do mundo

dos negócios e presentes no discurso da visão.

Observamos que os três discursos – missão, visão e valores – estão

alinhados entre si e demonstram a oferta de significados e elementos estruturantes

para o contrato de comunicação com seus interlocutores. Vejamos a relação entre

esses discursos, com o pronunciado pelo presidente da Samarco, pela análise de

alguns trechos mais significativos.

A sustentabilidade é um dos pilares da gestão da Samarco e direciona os nossos profissionais na condução do negócio e das relações com os diversos públicos. Para nós, orientar nossas atividades por esse conceito, mesmo que ainda esteja em evolução, significa gerar valor não só para a empresa, mas também para as partes interessadas [...]. Nossa posição, entre as principais empresas do setor de extração de minérios, nos confere maior responsabilidade em relação à preservação do meio ambiente, ao desenvolvimento econômico das comunidades no entorno de nossas unidades e, sobretudo, ao respeito às pessoas. A valorização da vida, tanto do ponto de vista físico – somos referência em saúde e segurança laborais –, como sob a ótica do bem-estar emocional e intelectual, está em nossa declaração de valores e compõe elemento-chave da cultura da nossa empresa [...]. A construção de um mundo mais igualitário e de mais oportunidades tem como base relações de cooperação, que agreguem valor a toda a sociedade [...] (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 4, grifo nosso).

Destacamos esse trecho do discurso por entender que ele traz significados

importantes para a nossa análise. O fato de o presidente afirmar que a organização

se move pelo conceito da sustentabilidade e admitir que esse está em andamento,

abre brechas para podermos interpretar alguns sentidos. Primeiro, o presidente

percebe que ações pretendidas no conceito da sustentabilidade ainda não são

praticadas de forma suficiente para autodefinir a organização como “sustentável”. E,

104

segundo, que a intenção é avançar nessas práticas, quando ele afirma a importância

para a geração de valor não só para a empresa, como também para os seus

públicos. O sentido nos dois casos é de incompletude, porém, percebemos de forma

implícita a intenção de melhoria.

No momento em que o presidente da Samarco diz, de forma explícita, nesse

mesmo discurso, que a escolha pelo caminho da sustentabilidade é fundamental

para a estratégia da organização e que a sua integração com a sociedade permite

prever um futuro bem-sucedido para a organização e para os públicos ligados a ela,

ele demonstra, mais uma vez, o alinhamento discursivo entre missão, visão e valor

com o seu discurso. Coincide na sua enunciação, a presença de elementos

discursivos como relacionamentos duradouros baseados em geração de valor para

todos, responsabilidade com desenvolvimento social, econômico e ambiental da

sociedade, estar orientados para a valorização da vida e o bem coletivo. O elemento

novo, entre os discursos, é exatamente o uso do termo “sustentabilidade”, mas a

maneira como o presidente coloca parece amalgamar todos os outros elementos

explícitos na missão, na visão e nos valores da organização. Dito de outra forma,

“sustentabilidade”, na sua perspectiva é a tradução dos demais discursos.

Contudo, apesar dessa percepção inicial, o que nos interessa, neste primeiro

momento da análise, é tentar revelar o que a organização pretende com tais

discursos. Qual a intenção dessa escolha discursiva? Quais são as estratégias

postas em jogo? O que há de implícito neles e que sentidos produzem? Para isso,

iluminamos esses discursos utilizando o modelo proposto por Halliday (1987).

Inicialmente, percebemos a presença nos discursos recortados, como efeito

visado, o ato da utilidade, descrito pela autora como a capacidade de uma pessoa,

ação ou coisa para satisfazer ou gratificar as necessidades, os desejos do outro ou

da humanidade como um todo. Em um nível mais elementar, teria o sentido da

serventia, da capacidade de servir e ser vantajoso, partindo daquilo que resulta em

proveito, ajuda. Assim, esse ato discursivo da utilidade vai a duas direções: a

vantagem, em que no caso a Samarco é apresentada como um benefício à

sociedade, como uma organização vantajosa por um sentido mais econômico,

através da geração de emprego, desenvolvimento de tecnologia e geração do

próprio capital, apresentando vantagens na sua existência.

Como nos enunciados nos quais a empresa manifesta “empregar mais de

dois mil funcionários diretos” ou que “a Samarco está entre as principais empresas

105

do setor de extração de minérios de alta qualidade” e o próprio discurso da visão,

em que ela explicita a busca de reconhecimento dos seus atributos econômicos. A

organização se coloca em uma posição de eficiência, de grandeza, portanto, de

utilidade, na variação vantajosa com a intenção de justificar a sua existência para a

sociedade.

E, em um nível mais profundo, emerge a variação ajuda, na qual a Samarco

se apresenta, por outro sentido da utilidade, como benéfica, altruísta, isto é,

justificando a sua existência para além dos seus objetivos econômicos. Até mesmo,

na sua missão, ela deixa isso claro, quando enuncia “[...] buscamos contribuir para

melhorar as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento

social, econômico e ambiental [...]” (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3). Isso é

complementado pelo discurso do presidente da Samarco, quando ele adiciona a

esse tripé, que define prioritariamente o conceito tradicional de “sustentabilidade”, o

desenvolvimento econômico das comunidades no entorno da organização. Nesses

enunciados, é realçada a perspectiva humana da organização.

No modelo de Halliday (1987), para cada ato discursivo, existe uma persona

correspondente, que traduzimos como a personalidade, o “eu social”, ou melhor, o

personagem que incorpora a imagem que a organização assume e deseja ser

percebida no momento da adoção de um ou mais atos discursivos. Dessa forma, a

partir deste ponto, adotaremos o termo “imagem”, por entendermos que é mais

apropriado ao quadro de referências organizacional. Portanto, no caso da utilidade,

a imagem pretendida pela organização é a de “parceira”, credenciada pelo discurso

da competência, da cooperação, da responsabilidade social, da confiança,

ingredientes vitais para a sua legitimação social. Nas duas variações – vantagem e

ajuda –, a Samarco apresenta discursivamente o seu privilégio de existir para além

da própria perpetuação, de seus lucros e a sua utilidade para a sociedade.

Nos discursos da Samarco, observamos também o uso do segundo ato

discursivo formulado por Halliday (1987), a compatibilidade, que, para a autora,

significa ser capaz de viver em harmonia com o outro, ser compatível com os valores

desse outro. Transpondo essa ideia para o campo organizacional, representa a

busca de identificação entre as atividades da organização e seus objetivos e os

valores e os objetivos da sociedade. Logo, a identificação é uma tática discursiva, na

qual a organização, por meio de um processo simbólico de associações positivas,

busca um tipo de conexão, união com seus interlocutores. A identificação serve para

106

sanar as divisões humanas, lugar de origem, religião e estilo de vida (HALLIDAY,

1987).

Essa ideia pode ser percebida na missão da Samarco, que declara, logo no

início, ser uma empresa brasileira. Chama a nossa atenção, porém, o fato de a

própria Samarco apresentar sua formação acionária como metade de capital

nacional, detido pela Vale, e os outros 50% de origem anglo-australiana da empresa

BHP Billiton. Podemos inferir, então, que, quando se coloca como uma organização

brasileira, a Samarco busca a identificação com o povo brasileiro, dizendo, em

outras palavras, “somos do mesmo lugar”, “somos compatíveis”, “somos

compatriotas e podemos viver em harmonia”. A nosso ver, faz parte dessa estratégia

discursiva tentar minimizar a rejeição histórica por empresas estrangeiras ou

transnacionais, que são vistas como a personificação do capitalismo, exploradoras

das riquezas nacionais, que deixam para trás a destruição e levam os lucros para os

países de origem. Aliás, percepção confirmada por um morador de Antônio Pereira,

em uma de nossas entrevistas, que apresentaremos mais à frente.

Nesse sentido, entendemos que a informação fornecida no Relatório Social

de 2008 da Samarco, de que toda a sua produção de minério de ferro é exportada

para atender os seus clientes, parece abrir fissuras, brechas nesse discurso da

compatibilidade, já que, a priori, as riquezas naturais não renováveis como o minério

são retiradas do nosso país para produzir aço em outro país.

O discurso da compatibilidade tem também o sentido da

“consubstancialidade”, ou melhor, ser da mesma substância do outro, ou mesmo,

“estar no mesmo barco”. Nessa perspectiva, observamos a presença da estratégia

de legitimação pela compatibilidade da Samarco em sua missão, quando ela se

mostra interessada em contribuir para melhorar as condições de vida e o bem-estar

das pessoas. Essa condição discursiva é reafirmada na declaração de seus valores,

de forma quase idêntica, a nosso ver não por acaso, mas com o intuito de reforçar,

de cristalizar esse sentido, quando discursa sobre a organização se orientar por

princípios de justiça, valorização da vida, bem-estar coletivo.

No caso do uso da compatibilidade, a imagem que a organização busca é a

de compatriota/irmã em humanidade. Ressalvamos que Halliday (1987) justifica o

fato de ter colocado esse nome duplo, porque, neste caso específico, a organização

aglutina esses dois papéis. Portanto, quando a Samarco proclama ser uma

organização brasileira e assume missões desenvolvimentistas e humanitárias,

107

parece-nos que ela quer ser reconhecida como “uma organização compatriota e

irmã dos seus pares”, justamente para dissipar as dúvidas sobre sua legitimidade.

O ato discursivo da transcendência, que, pelo ponto de vista lexical, significa

algo que ultrapassa a realidade, de forma divina, superior e soberana, é também

percebido de forma clara nos discursos da Samarco e parece convergir nos demais

atos. Comutando o conceito, observamos que a transcendência acontece quando, a

partir do enfretamento da dualidade contemporânea vivida pela organização, em que

ser uma prestadora de serviços e/ou fabricante de produtos, ou seja, voltada para

seu funcionamento e questões internas, já não basta. Ela é impelida pela sociedade

a ir além, ultrapassar sua imanência em direção aos ambientes a sua volta,

integrando-se à sociedade, como explicamos extensivamente no primeiro capítulo.

Desta forma, essa estratégia discursiva é usada quando a organização invoca

nomes, crenças, leis, valores que justifiquem suas ações. Na nossa análise, a

Samarco se utiliza da estratégia da transcendência quando se coloca em um

“quadro de referências” mais largo, utilizando um novo repertório discursivo que

inclui termos como “comunidade”, “nação”, “meio ambiente”, “planeta”, entre outros.

Isso pode ser percebido na descrição de seus valores, quando a empresa diz que

“[...] nossas ações são orientadas por princípios de justiça, valorização da vida, bem-

estar coletivo [...] (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3).

Em consonância com esse discurso e se referindo a tais valores pela

perspectiva da sustentabilidade, o presidente relata em seu discurso que “a

valorização da vida, tanto do ponto de vista físico [...], como sob a ótica do bem-

estar emocional e intelectual, [...] compõe elemento-chave da cultura de nossa

empresa” (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 5).

Esses enunciados nos levam a concluir que a Samarco utiliza desse ato

discursivo para se legitimar como uma organização que transcende suas obrigações

legais, sua imanência, na qualidade de uma organização mineradora, buscando

tornar-se, por meio do discurso, uma organização preocupada com o mundo, com a

natureza, com o bem-estar dos sujeitos que estão ao seu redor, extrapolando,

assim, sua função primária.

Confirmando o alinhamento discursivo da organização, podemos vislumbrar o

mesmo argumento transcendente nas narrativas grandiosas, presentes no discurso

do presidente, no momento em que ele afirma:

108

[...] A construção de um mundo mais igualitário e de mais oportunidades tem como base relações de cooperação, que agreguem valor a toda a sociedade. Por isso, a Samarco é signatária do Pacto Global e apóia os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, iniciativas da ONU que promovem um mundo mais justo e digno (RELATÓRIO SOCIAL , 2008 p. 5).

O Pacto Global, que tem como objetivo mobilizar a comunidade empresarial

para a adoção de práticas nos negócios baseadas em valores fundamentais e os

Objetivos do Milênio, definidos na Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em reunião

promovida pela ONU, em 2000 como oito jeitos de mudar o mundo. Vejamos como

são descritos pela ONU:

Figura 8: Pacto Global (ONU, 2010)

109

Figura 9: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ONU, 2000)

Ao adotar desafios de tal extensão, de magnitude global, parece-nos que a

imagem que a Samarco deseja projetar à sociedade, quando transcende

discursivamente, é a de “encarregada-de-uma-grande-missão”.

Entretanto, observamos dois fenômenos que criam duas condições de uso

para essas estratégias enunciativas. Uma, quando a Samarco elege dentro desse

repertório, de modo intencional, os discursos que representam melhor seus

objetivos, em dada ocasião. E outra, no momento em que ela promove um

amálgama com a utilidade, a compatibilidade e a transcendência, com o objetivo de

dar potência aos seus discursos, pensados como dispositivos de poder e

direcionadores da interação com a comunidade.

Portanto, podemos observar, tanto no discurso do presidente quanto na

missão, visão e valores, a busca de legitimação e reconhecimento pela utilidade,

pela compatibilidade e pela transcendência, imbricados no momento em que se

110

identificam com os grandes problemas da humanidade. Assim como na construção

de sua identidade, a Samarco se vale da imagem de “parceira”, de “compatriota/irmã

em humanidade” e da “encarregada-de-uma-grande-missão”, variando de acordo

com seus objetivos e destinatários. No entanto, em todos os casos, a organização

busca cristalizar os discursos, em sentidos previamente determinados, para que

esses sejam reconhecidos por seus interlocutores e possam ser adotados por eles.

Quando a Samarco, produtora e enunciadora do discurso, utiliza dessas

estratégias discursivas, ela está, na verdade, propondo um “lugar” de interpretação

ao destinatário, no caso do nosso estudo, à comunidade do seu entorno. O que não

quer dizer que, ela – comunidade –, ao aceitar esse lugar ou “quadro de

referências”, conformador do contrato de comunicação, adote o discurso da

organização sem se envolver na aceitação, refutação ou produção de outros

sentidos. Portanto, não há um “assujeitamento” da comunidade, uma vez que é na

relação entre os sujeitos que se formalizam os contratos por meio de operadores

discursivos. Ao aceitar esse contrato, a comunidade está, estrategicamente, em

busca de negociação. Fato que fica evidenciado no depoimento dos moradores de

Antônio Pereira.

Assim, começamos o nosso roteiro de entrevistas perguntando o que eles

acham da relação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira; a maioria diz

que é muito boa, como explicitado nestes depoimentos:

Em minha opinião, acho superlegal a parceria que ela tem com a gente aqui. É tudo de bom, ela é a mãe da gente (Moradora 2).

É boa, ela está sempre nos ajudando. Não é ruim não (Moradora 5).

A Samarco é uma gracinha. A relação da Samarco com a comunidade é muito boa (Moradora 10).

Entretanto, outros depoimentos mostram que essa relação é boa em parte,

demonstrando certa insatisfação, vinda de uma percepção diferente. A Moradora 5,

por exemplo, considera a relação boa, mas que deveria haver mais diálogo. Ou,

como nos fala o Morador 13: “Eu acho que a Samarco é uma boa vizinha, sempre

participa da nossa comunidade, ajuda. Só que eu acho um pouco tímido pela

riqueza que extrai daqui da nossa região. Eu acho que ela poderia ajudar muito

mais” (Morador, 13).

111

E, para apenas um dos entrevistados, isto é, o Morador 14, a relação não é

boa. Ele justifica sua percepção, dizendo que não vê melhorias para Antônio Pereira

e seus moradores e queixa da falta de diálogo. Observamos que o sentido que este

entrevistado manifesta em relação à nossa pergunta é que “relacionar” está

entrelaçado com “trazer benefícios para a comunidade”. É importante ressaltar que

ele não está vinculado a nenhum projeto social patrocinado, e que essa percepção

se configura na pesquisa como uma exceção.

É interessante observarmos as contradições que surgem nas entrevistas,

entendidas por nós como processo inerente ao próprio discurso, como nos revela o

pensamento de Foucault (1996), para quem processos discursivos não acontecem

em série homogênea, mas em momentos descontínuos que apresentam cesuras,

isto é, fissuras, brechas que colocam o sujeito em uma pluralidade de posição, e

que, portanto, essa relação de pensamento não é da ordem da sucessão.

Apesar de acharem a relação com a organização muito boa, ao perguntarmos

se eles conseguiam conversar com a empresa, não houve concordância da maioria.

Muitos, após parar e pensar, responderam afirmativamente, porém de forma

titubeante. Entre estes, muitos disseram que conseguiam falar com a Samarco

quando a organização ia até eles; o caso mais enfático foi no grupo que tem

vínculos de patrocínio. “Quando é do interesse dela, ela vem até a comunidade e aí

a gente tem diálogo, né?, mas muitas das nossas perguntas ficam sem respostas”

(Moradora 5).

Outros disseram que não conseguem falar com a Samarco, como no caso do

Morador 25, que acha que a organização não abriu as portas para eles, ou, como a

Moradora 2, vinculada a um projeto patrocinado pela Samarco, que disse, rindo, não

ter acesso a ela. Para nós, esse sorriso é um discurso, não dito, que interpretamos

como uma forma de ironia, uma incredulidade da parte dela. Pois, mesmo tendo um

vínculo com a Samarco, ela não consegue estabelecer contato quando quer.

O fato de a comunidade reconhecer que a Samarco vai até as lideranças

comunitárias sistematicamente, não só até os representantes dos projetos, a nosso

ver, está associado diretamente à razão de a organização considerar tal

relacionamento relevante. Isso pode ser atestado pela observação de seu

organograma: existe uma gerência encarregada do relacionamento com as

comunidades do seu entorno. Nessa gerência, encontra-se a analista de

Relacionamento com a Comunidade da Samarco, Ana Clímaco, que tem por

112

formação acadêmica o Jornalismo e as Relações Públicas. No cargo há dois anos e

meio, ela explicou que essa área se transformou em uma gerência, subordinada à

Gerência Geral de Desenvolvimento Sustentável. Vejamos no organograma abaixo:

Figura 10: Organograma da Gerência de Sustentabilidade da Samarco (SAMARCO, 2008).

Segundo a analista de Relacionamento com a Comunidade, constam das

suas atribuições: articular o processo de comunicação com as comunidades das

áreas de influência da Samarco e estruturar a política de investimentos sociais, que

organiza a liberação de patrocínios e estimula os empregados a participar de ações

de voluntariado. Ela resumiu a área da seguinte maneira: “A gente atua em três

frentes: diálogo social, investimento social e engajamento interno”. A materialização

do programa de diálogo social se dá pelas visitas que essa profissional faz

sistematicamente à comunidade por intermédio de encontros com os grupos

patrocinados e com lideranças, em periodicidade que varia de semestral a anual, e

de visitas de convidados da comunidade às instalações da Samarco.

A política de investimento social é orientada por uma cartilha com uma série

de quesitos que o sujeito solicitante tem de atender por meio de editais públicos de

seleção de projetos. Numa perspectiva discursiva, essa cartilha, com 61 páginas,

parece-nos um dispositivo de gestão e controle discursivo que insere os moradores

113

da comunidade no universo da organização, no seu quadro de referências. É um

código de conduta com “instruções” discursivas que pretende orientar a comunidade

sobre como relacionar-se com a organização, como conseguir dela apoio financeiro

para os seus projetos via adoção desse discurso. Ao analisarmos o projeto enviado

à Samarco pela Associação Arte, Mãos e Flores, confirmamos tal perspectiva.

Apesar desse viés direcionador, percebemos a instituição de um

departamento específico para o relacionamento com a comunidade como uma ação

inovadora. A maioria das grandes organizações não tem um departamento próprio

para estabelecer relação institucional com a comunidade de seu entorno.

Normalmente, há um empregado que cuida dessa relação, estando esse vinculado

ao Departamento de Comunicação Institucional. Entretanto, como veremos ao longo

da nossa análise, isso não garante por si só a legitimação da organização perante

os moradores de Antônio Pereira.

Podemos verificar esse fato quando, após apresentarmos a declaração da

missão aos nossos entrevistados, perguntamos: “Você acha que a Samarco cumpre

a sua missão? A maioria respondeu que sim, com algumas ressalvas importantes.

Vejamos alguns depoimentos:

Cumpre. Porque ela tá mandando sempre curso aqui para nós. Já ajuda, né? A gente vai fazendo alguma coisa e vai passando para frente (Moradora 5).

Sim. Aqui é um lugar que tem muitos empregados dela. Isto é muito importante pra nós. Porque antes dela, aqui as pessoas não conseguiam emprego, não conseguiam nada. Hoje conseguem curso, conseguem emprego (Moradora 3).

Em parte, sim. Por exemplo, nós estamos precisando de investimento na juventude, no esporte, principalmente porque o esporte é saúde, educação e tira as crianças da rua. Acho que o investimento da Samarco é muito pouco (Morador 13).

Há, porém, depoimentos nos quais os moradores não acreditam que a

Samarco cumpre a sua missão. “Eu acho que não. Porque uma empresa, por lei,

tem que aplicar certa porcentagem na comunidade. E ela não aplica o que poderia.

É muito pouco” (Moradora 5).

É válido observar que os depoimentos mais favoráveis à realização da missão

por parte da Samarco são de moradores vinculados a projetos patrocinados pela

organização. Percebemos, pela resposta, um sentido de gratidão à ajuda dada. Por

outro lado, os moradores que dão depoimento negativo são aqueles não vinculados

114

a ela; eles transmitem um ressentimento por não terem conseguido receber verbas

para os seus projetos, o que parece interferir na sua percepção. E há aqueles que,

mesmo recebendo patrocínio da Samarco, entendem que a empresa cumpre apenas

em parte a sua missão, por considerar que ela poderia fazer muito mais, tanto no

aspecto econômico como no ambiental e, principalmente, no social. É o caso destes

depoimentos:

As pessoas de Antônio Pereira estão sentadas em cima de um monte de ‘ouro’ e o pessoal tá passando fome (Morador 28).

Para nós, tá ficando só o buraco. O minério tá indo todo embora (Morador 27).

Compilamos a percepção dos moradores sobre os três discursos da Samarco

– missão, visão e valores – na Figura 11.

Samarco Missão Somos uma empresa brasileira, fornecedora de minério de ferro de alta qualidade para a indústria siderúrgica mundial. Buscamos contribuir para melhorar as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento social, econômico e ambiental, por meio da utilização responsável dos recursos naturais e da construção de relacionamentos duradouros, baseados na geração de valor.

Moradores de Antônio Pereira entrevistados

A comunidade reconhece que a organização contribui com a melhoria de vida da comunidade do entorno. Ela entende, porém, que é muito pequena essa contribuição. Os moradores consideram que, pela riqueza que a Samarco extrai, pelos impactos que causa, ela deveria dar uma contrapartida muito maior e melhor.

Visão Ser a empresa de mineração líder em pelotização e reconhecida como uma organização de classe mundial.

A comunidade reconhece a grandiosidade da organização. Mas isso traz para os moradores a percepção de que, por isso mesmo, ela poderia contribuir mais com a comunidade.

Valores Nossas ações são orientadas por princípios de justiça, valorização da vida, bem-estar coletivo, respeito às pessoas, comprometimento e

A comunidade concorda em parte, principalmente no que diz respeito a “manter relações claras”. A maioria, apesar de reconhecer um esforço da

115

superação na entrega de resultados. Estabelecemos relações claras e duradouras, fundamentadas na ética e orientadas para a geração de valor a todas as partes de interesse. A criatividade, associada a uma contínua busca pelo desenvolvimento tecnológico, proporciona a oferta de qualidade e confiabilidade em produtos e serviços, atributos necessários a nossa perenidade.

organização em relacionar com os moradores, acredita que poderia haver mais diálogo. E, sobre questões típicas do negócio de mineração, eles parecem não se interessar, não conhecer para poder opinar.

FIGURA 11: Quadro comparativo com os discursos emitidos e recebidos pelos sujeitos (SAMARCO, 2008)

Assim, após conversarmos sobre a missão, introduzimos a questão da

“sustentabilidade”, apresentando aos moradores entrevistados parte do discurso do

presidente da organização, no qual afirma ser a sustentabilidade um dos pilares da

gestão da Samarco, entendida pela organização como a geração de valor e

parcerias, que asseguram o equilíbrio entre a dimensão econômica, sociocultural e

ambiental, não só para a organização, mas para toda a sociedade. Em seguida,

indagamos: “Você acha que a Samarco é sustentável? A empresa consegue por em

prática o seu conceito de sustentabilidade?” E, mais uma vez, a maioria respondeu

afirmativamente, porém apresentando razões muitos diferentes, o que caracteriza

polissemia de sentidos.

Investir nos nativos, né? Também se tem um funcionário dela que não tem formação, tem nível técnico e vai fazer Engenharia, ela dá o direito dele sair no horário de trabalho para estudar (Moradora 1).

A forma dela ser sustentável é fazendo os projetos com a comunidade (Moradora 9).

Vemos, no entanto, com base em alguns depoimentos que boa parte dos

entrevistados vê, com certa desconfiança, o discurso da sustentabilidade empregado

pela Samarco, quando afirma que a organização cumpre essa “promessa”

parcialmente.

É, em parte, porque ela gera emprego na nossa região, é uma boa parceira. Mas precisa investir mais, né? (Moradora, 3).

A empresa tem participação nas questões sociais, mas acho que devia fazer muito mais para ser sustentável (Morador 28).

Existem leis específicas para isto, né? Ela tem obrigações a cumprir. Acho que ela cumpre. Acredito que, dentro deste contexto, ela é sustentável (Morador 11).

116

Desta forma, podemos afirmar que os moradores reconhecem que a Samarco

realiza parte de seu discurso sobre a sustentabilidade, principalmente no que diz

respeito a aspectos sociais, delimitados por eles como patrocínio em projetos sociais

e geração de emprego. Mas fica clara a sensação de incompletude, ao

demonstrarem a insuficiência dessas ações.

Entretanto, quando questionamos os moradores entrevistados de Antônio

Pereira o que eles entendem por “sustentabilidade”, a maioria não conseguiu dar um

significado para o termo. Todavia, foi capaz de identificá-lo, direta ou indiretamente,

quando mencionamos alguns discursos ou ações da Samarco. Apresentamos este

depoimento como exemplo: “Sustentabilidade, hum, vou ficar devendo, no momento

não sei o que é” (Moradora 3). Mas, quando lemos o trecho do discurso do

presidente no qual ele fala de geração de valor para as partes interessadas,

explicando que a comunidade está inserida ali, uma entrevistada admite que a

empresa propicia ações de sustentabilidade, justificando: “Porque a Samarco dá

valor às pessoas e ajuda a comunidade” (Moradora 3).

Assim, percebemos que os moradores vinculados a projetos patrocinados

pela Samarco articulam o discurso da sustentabilidade com a organização,

afirmando ouvir esse termo nas reuniões das quais eles participam .

O que eu entendo por sustentabilidade é... a gente mesmo gerar renda né, pras famílias de Antônio Pereira, e a Associação Arte, Mãos e Flores tá caminhando, mas precisa de mais... Assim porque a gente recebe pouco por mês aqui (Moradora 2).

Para mim ela (organização) tá aplicando a sustentabilidade para alguns grupos da comunidade, para que a própria comunidade se torne sustentável independente dela (Moradora 5).

É você preservar o meio ambiente. É tirar o minério sem agredir o meio ambiente a ponto do homem não poder viver (Morador 28).

Analisamos esse fenômeno por duas perspectivas, que, embora não sejam

distintas, se complementam. Primeiro, inferindo sobre o pensamento de Foucault

(1996) sobre a heterogeneidade nos discursos e processos de irregularidade e de

descontinuidade, que, em nossa opinião, permite ao sujeito transitar por diversas

posições. Essas irregularidades não polarizam o posicionamento do sujeito entre

rejeição e aceitação de forma contínua; no entanto, mesmo dentro dessas séries

descontínuas, é possível encontrar regularidades que lhe dão sentido, nexo ao

discurso.

117

Dito de outra maneira e utilizando a percepção de Fausto Neto (1992), o

discurso é um espaço habitado por muitos sujeitos; “lê-lo” significa colocá-lo em

movimento, podendo ir mais para um lado ou para outro, refutá-lo em alguns

momentos e aceitá-lo em outros, sem com isso perder a regularidade que fornece

conexão entre os sujeitos.

Tal fenômeno aconteceu no momento em que, primeiramente, perguntamos

aos moradores entrevistados se a Samarco seria sustentável, oferecendo a eles

uma chave interpretativa, por meio de trechos do discurso do presidente. A maioria

respondeu de forma positiva, ou seja, que a Samarco seria uma organização

sustentável. Em seguida, indagamos, de forma direta, o que eles entendiam por

sustentabilidade, e a maioria disse não saber o que isso seria. Em nossa análise, tal

contradição representa uma descontinuidade, brecha para uma possível reflexão.

Visto por outra perspectiva, observamos que esse engendramento entre o

termo “sustentabilidade” e a Samarco, por parte dos moradores entrevistados,

confirma o poder da organização, pela sua centralidade econômica, social e cultural,

enquanto emissora do discurso. Esse fato também nos leva a crer que a

organização introduziu tal termo no quadro de referências dos moradores de Antônio

Pereira e que ele faz parte do contrato de comunicação estabelecido entre eles. É

importante ressaltar que esse contrato parte da Samarco, para, então, ser

apropriado pela comunidade. Fausto Neto (1992) confirma teoricamente nossa

análise, ao dizer que os contratos de leitura são um conjunto de regras e instruções

produzido pelo emissor para ser seguido pelo campo da recepção, que, ao aceitá-lo,

se insere no sistema interativo.

Apesar de termos a consciência de que o discurso da sustentabilidade está

exposto por toda a mídia e podermos até dizer que está na “moda”, principalmente

no vocabulário organizacional, a maioria dos moradores de Antônio Pereira

entrevistados o conhece e o define tendo em vista o discurso da Samarco. Fato que

confirma que a organização o utiliza para direcionar a relação com a comunidade,

como dispositivo de poder e de interação.

Entretanto, percebemos que a relação de poder da Samarco, como emissora

que regula e estrutura o discurso da sustentabilidade, e o fato de a comunidade se

apropriar desse discurso proposto, aceitando as “instruções” de leitura presentes no

contrato, não significa um apagamento da sua condição de sujeito da interpretação

ou a sua condição de refutar o sentido. Vejamos esta afirmação do Morador 15:

118

“Somos muito úteis para a legitimação do discurso de sustentabilidade – e de

responsabilidade social – da organização. Mas falar com ela, Samarco, nos ajuda a

dar conta de onde estamos”.

Esse depoimento não só vem confirmar que a comunidade continua sendo

um sujeito de ação, que tanto se utiliza da realidade dada, quanto a postula;

portanto, não há um apagamento do sujeito e que existe uma tensão constituída na

interação, que se apresenta sinuosa, já que tanto a comunidade de Antônio Pereira

como a Samarco se complementam discursivamente.

Ajudando-nos a compreender esse fenômeno, Canclini (2003) observa que há

na interação a presença de uma necessidade recíproca entre os sujeitos, “ambos se

vinculam mediante um jogo de usos do outro nas duas direções” (CANCLINI, 2003,

p. 277). Por essa perspectiva, a Samarco precisa da existência de uma comunidade

com alguma autonomia para concretizar seus objetivos discursivos. Quando

perguntamos à analista de Relacionamento com a Comunidade da Samarco se o

programa “Diálogo Social” era uma forma de mobilização da organização para

mobilizar a comunidade, ela confirmou e informou ser o objetivo mobilizar e envolver

a comunidade nos programas propostos. Segundo ela, “se a comunidade não se

mobiliza, a Samarco não consegue o engajamento da comunidade e não conclui seu

objetivo”.

Essa afirmação pode ser analisada por duas vertentes. Uma, que confirma

nossa premissa da interdependência entre os sujeitos em discurso; e outra, que a

Samarco parece estar consciente de que as políticas que propõem mudanças com

uma perspectiva maniqueísta, omitindo os compromissos mútuos, tendem a

fracassar. Aproveitando a opinião de Canclini (2003, p. 278-279), podemos afirmar

que a interação entre a Samarco e a comunidade de Antônio Pereira é palco de luta,

onde o confronto, instituído discursivamente, é um modo de encenar tanto a

desigualdade no embate usado para defender a especificidade de cada um, como

para defender a diferença, pensando em si mesmo, no caso a comunidade; porém,

através daquele que desafia, a Samarco. Mas esse mesmo palco da interação é

também o lugar onde a comunidade dramatiza as experiências da alteridade e do

reconhecimento. Portanto, mesmo se apropriando do discurso da Samarco, a

comunidade abre brechas e produz a reconstrução de sentidos, como nos mostra os

seguintes depoimentos:

119

Sustentabilidade é você gerar seu próprio sustento, sua própria geração de renda (Morador 26).

É cuidar do lugar que a gente vive. Sustentar significa cuidar, preservar, garantir, segurar, né, a palavra já diz tudo (Moradora 1).

Sustentabilidade é ter renda fixa (Moradora 24).

Estamos em busca de sustentabilidade, né? Eu só sei que a Samarco não é de todo sustentável (Morador 27).

Dando continuidade a nossa pesquisa, percebemos, então, que o sentido de

“sustentabilidade” para a comunidade de Antônio Pereira está muito relacionado

com projetos sociais. Para entender essa relação, perguntamos aos moradores

entrevistados o que eles achavam dos projetos sociais patrocinados pela Samarco

no distrito, se a organização havia mudado a vida de Antônio Pereira e se isso a

tornaria uma empresa (mais) sustentável. Analisamos essas questões em conjunto

por entender que estão intimamente ligadas. Desta forma, concluímos que, sobre o

benefício dos projetos patrocinados e a melhoria de vida da comunidade em função

de sua presença, houve aceitação unânime. Todos os entrevistados veem com

“bons olhos”, como positivo, os projetos sociais patrocinados pela Samarco e

afirmam que ela melhorou direta e indiretamente as condições de vida no distrito.

Em contrapartida, muitos dos entrevistados acham que o apoio aos projetos

sociais não credenciam a organização a ser (mais) sustentável.

Quando ela fala nestes investimentos, para ela é ótimo, né? É o marketing dela. Então ela fica mais forte assim, faz pouco e divulga muito (Morador 14).

Eu acho que ela é participativa, agora, para ser sustentável, precisa de investir mais (Morador 13).

Antônio Pereira não tem lazer, não tem praças, os jovens não têm nada para fazer. A riqueza que eles tiram daqui é muito maior do que a que eles devolvem (Morador 27).

Por intermédio desses depoimentos, observamos a refutação do discurso da

Samarco no que diz respeito aos moradores entrevistados. Tal refutação promove

não uma simples negação do que foi enunciado, mas um novo discurso, de ordem

crítica, que mostra espaços de escape da coerção da parte do emissor. Essa crítica

por parte da comunidade causa uma rarefação no discurso da Samarco e abre

“buracos” no tecido da sua legitimação organizacional.

Faltava, então, abordar a questão dos impactos, dos possíveis malefícios que

a presença da organização gera à comunidade de seu entorno. Sendo assim,

120

perguntamos aos nossos entrevistados se a Samarco causava impactos na região

e/ou na comunidade e, se positivo, quais seriam esses impactos. Alguns não

souberam responder, mas a maioria disse que ocasionava problemas ambientais e

sociais. A Moradora 2, por exemplo, disse que, como o processo é de escavação,

causa uma agressão à natureza. Outros justificaram a sua afirmação dizendo que a

empresa causa impacto no trânsito, poluição sonora, degradação dos rios e das

montanhas. A Moradora 11 nos levou ao seu quintal e nos mostrou várias árvores

frutíferas com o tronco encoberto por um pó cinza, que, segundo ela, era trazido

pelo vento, oriundo das operações da Samarco. Ela afirmou que esse pó estava

adoecendo as árvores, e, por isso, não davam mais frutos.

O impacto mais citado por todos os entrevistados, porém, foi o aumento da

violência, da criminalidade e da prostituição infantil. Eles alegam que,

principalmente as empresas terceirizadas para fazer obras na mineradora, as

empreiteiras, trazem muitos homens para o distrito, modificando a rotina e os

costumes da comunidade. Além do que, quando as obras acabam, muitos desses

trabalhadores ficam desempregados e, mesmo assim, não abandonam o distrito,

aumentando as estatísticas dos grandes problemas sociais.

A maioria dos impactos é negativa. Porque ela vem, retira sua riqueza, tem seu lucro e a comunidade fica aí, com a área devastada e vários problemas sociais, [...] porque junto com ela vêm as empreiteiras, e essas, sim, causam os maiores danos à comunidade. São vidas que são destruídas, entre pás (Moradora 5).

A analista de Relacionamento com a Comunidade, responsável pela

interlocução com eles e entrevistada após os moradores, reconhece esses

impactos negativos: “Isso é uma queixa deles, é um assunto abordado em todas

as reuniões que a gente realiza na comunidade”. Segundo ela, a Samarco tem

tentado fazer um trabalho de conscientização da população principalmente sobre

a questão da prostituição infantil, por meio de parceria com as escolas, na

tentativa de atingir pais e filhos. Segundo a analista, a comunidade de Antônio

Pereira é a que vive mais próxima das operações da Samarco e a caracteriza da

seguinte forma: “É uma comunidade muito carente, com baixo poder aquisitivo e

com baixa escolaridade também”. No entanto, comparando com outras

comunidades ligadas à Samarco, ela observa que os moradores de Antônio

121

Pereira são mais “articulados”. Isso porque, segundo ela, essa é a comunidade

mais urbana de todas as outras do entorno da organização.

Em tese, essa posição propicia a comunidade de Antônio Pereira mais

informação, mais troca de conhecimento com a sociedade e consequentemente

mais consciência dos seus direitos. Podemos inferir, então, que nesse sentido, a

comunidade é capaz de realizar sua alteridade e que coloca em jogo o embate e

a interdependência discursiva.

Sendo assim, procuramos saber dos moradores entrevistados se existia

compensação por parte da organização para tais impactos negativos. A maioria

diz que a contrapartida é insuficiente em relação aos impactos negativos gerados.

A contrapartida que tem deve ser uns gatos pingados de empregos. Eu não tenho noção de quantos moradores trabalham na mina Germano, mas sei que é muito pouco (Morador 14).

Eu acho muito tímida. [...] Não só ela como as outras grandes mineradoras precisam investir mais no nosso povo (Morador 13).

Não é suficiente. Se eu falar que é suficiente, eu tô mentindo, né? Poderia tá dando muito mais retorno (Moradora 2).

A analista de Relacionamento com a Comunidade entende que esses

impactos são minimizados pela Samarco mediante projetos sociais e geração de

emprego. Contudo, não conseguimos de nenhuma forma saber qual o número de

empregados da empresa que é efetivamente morador de Antônio Pereira.

Podemos concluir que, nesse caso, os dois sujeitos concordam inicialmente

que haja impactos negativos, já que tanto a Samarco quanto a comunidade afirmam

isso. Mas, quando a questão evolui para a compensação e a contrapartida, o

movimento discursivo da comunidade é de refutação ao discurso da Samarco.

Assim, como afirmou Halliday (1987), o discurso da geração de emprego a qualquer

custo não é mais aceito pela sociedade na contemporaneidade. Neste caso, o

sentido percebido nos discursos dos moradores, ao refutar, é muito claro, é de

negação e de contestação baseados em argumentos sólidos.

Percebemos que nesse momento a comunidade está construindo o próprio

discurso, e não apenas recriando sentidos valendo-se do discurso da organização,

porque este é um discurso opaco, um tema deslegitimador para a Samarco,

portanto, não faz parte de seu repertório discursivo com a comunidade. Ilustra esse

fato a ausência, nos Relatórios Sociais de 2007 e de 2008, dos impactos negativos

122

advindos de suas operações, conforme declarado pelos moradores de Antônio

Pereira.

No entanto, como sujeitos da ação, produtores do discurso, a comunidade

traz a tona, faz emergir, questões que são caras a sua cultura, ao seu quadro de

valores, colocando a Samarco na posição de receptora. Mais uma vez, ficam

evidentes as diferenças, a reconstrução de sentidos, que interferem nas estratégias

discursivas da organização, seja pela utilidade, seja pela compatibilidade, seja ainda

pela transcendência.

Parafraseando Verón (2005), esses são fragmentos discursivos de um tecido

composto de muitas tramas, como o trabalho de patchwork, tão presente no

artesanato de Antônio Pereira. Trama constituída de múltiplos sujeitos, que se

intercalam na produção e na recepção de discursos. Discursos esses que só podem

materializar-se sob a forma de produção de sentidos, advindos do espaço de

defasagem que é gerado pela própria interdiscursividade. Essa ciranda faz parte da

gênese do discurso, formado por esses movimentos de circularidade de sentidos, de

posição e de ideologia tão reveladores na nossa análise dos discursos da Samarco

e da comunidade de Antônio Pereira.

123

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas nossas análises e no referencial teórico que nos serviu de

suporte, podemos afirmar que a adoção do discurso da sustentabilidade por parte da

Samarco Mineração serve a alguns propósitos, sendo o principal deles a sua

legitimação social. A escolha desse discurso por parte da organização se dá a partir

da evocação de valores da cultura contemporânea, como preservação,

solidariedade, ecologia, equidade, inclusão, entre outros.

Fica evidente o deslocamento na contemporaneidade do discurso

organizacional focado no progresso, em que as questões numéricas eram sempre

mais importantes, como quantos empregos são gerados, quanto do PIB a

organização representa, quantos milhões foram investidos nos negócios. Prova

disso é que o balanço financeiro, que até há pouco tempo era o principal documento

da organização disponibilizado para a sociedade, por meio de publicação em jornais

de grande circulação, vem perdendo lugar para o Relatório Social, documento com

informações sobre as ações econômicas, sociais e ambientais da empresa.

Lembramos que isso não significa que um substituiu o outro, mas que o Relatório

Social ganhou mais visibilidade e valoração na atualidade em detrimento do balanço

financeiro.

Nossa análise apontou que esse fenômeno comunicativo se deve à pressão

da sociedade contemporânea, que exige das organizações maior participação nas

questões sociais, educacionais, ambientais, entre outros, visto que os

sujeitos/cidadãos estão mais informados e conscientes dos seus direitos. Assim,

outro propósito para a escolha pelo discurso da sustentabilidade por parte da

Samarco é dar uma resposta a essas exigências da sociedade.

Por essa perspectiva, o discurso da sustentabilidade passa, então, a ser um

ordenador da relação comunicativa com a comunidade do entorno da Samarco, fato

percebido nas pesquisas com a comunidade de Antônio Pereira. A Samarco o

inseriu no quadro de referências, em que são propostos percursos de interpretação

e onde os dois sujeitos se reportam para buscar afinidades e atribuir valores. É ele

que institui e conforma o “contrato de comunicação”. Portanto, observamos pela

pesquisa que tudo que fizer parte do conceito impregnado na sustentabilidade e sua

derivação de sentidos forma a base desse contrato de comunicação entre a

124

Samarco e a comunidade de Antônio Pereira, e tudo que não estiver pertinente a

esse tema é tratado como restrição.

Instituído a princípio pela Samarco como um guia de instruções para o

relacionamento, percebemos que tal contrato é aceito pela comunidade. Estando em

uma posição privilegiada e tendo inicialmente o controle sobre os significados, esse

discurso emitido pela Samarco chega até a comunidade carregado de poder. Esse é

um fenômeno comunicacional muito importante revelado pela pesquisa, ou seja, a

comunidade de Antônio Pereira aceita esse lugar discursivo proposto pela Samarco

e se apropria do discurso da sustentabilidade, confirmando que ele é o operador da

mediação entre os sujeitos em questão. Ainda que não saibam o que significa a

palavra em si, como nos revelou a pesquisa em profundidade, a comunidade

conhece os significados emitidos pela organização.

Todavia, a comunidade se apropria do discurso não de forma ingênua, num

processo de “assujeitamento”, mas como estratégia de interação com a organização

em busca de negociação para as suas questões. E, como afirma Foucault (1996), o

discurso não é um processo serial homogêneo, ele apresenta rachaduras,

mudanças de direção a todo o momento; ao mesmo tempo em que a comunidade se

apropria e se referencia nos significados dados, ela também cria outros sentidos

para a sustentabilidade.

Observamos que a comunidade retira de seu repertório cultural, do seu modo

de vida, os sentidos que atribui à sustentabilidade. E, de maneira aparentemente

trivial, ela traz para a sua realidade, para o seu cotidiano, o sentido da

sustentabilidade, que torna o discurso inteligível para ela, sentido, na maioria das

vezes, diferente dos emitidos pela organização. Circunstância que vem confirmar a

importância do contexto social dos sujeitos na produção de seus discursos. Portanto,

é a partir da vivência daquela realidade, é pela experiência do mundo vivido que a

comunidade produz os sentidos a respeito da sustentabilidade. E, por essas

mesmas razões, ela percebe mais rapidamente os buracos no discurso emitido pela

Samarco, ao contrário de outros interlocutores que interpretam o discurso da

organização por meio da mídia e não possuem experiências que os ajudem a ter um

posicionamento próprio.

Esse fato também revela que, além de produzir os próprios sentidos, a

comunidade de Antônio Pereira tem capacidade de refutá-los em vários momentos,

discordando, ou melhor, escapando dos significados cristalizados. Principalmente,

125

quando a Samarco revela suas ações e práticas ambientalmente corretas,

socialmente justas e economicamente viáveis que eles não conseguem perceber ou

reconhecem apenas em parte.

Portanto, esses movimentos de apropriação, ressignificação e refutação que

se intercambiam no processo relacional da comunidade de Antônio Pereira com a

Samarco provam também uma questão subjetiva implícita na nossa pesquisa, isto é,

que o discurso é poroso, é móvel. Apesar de a Samarco traçar alguns caminhos, ou

colocar regularidades, isso não impede a comunidade de se aventurar por outras

trilhas, em zonas menos explícitas, permitindo manobras de informação, sedução e

negociação por meio de uma reconstrução permanente de sentidos. A pesquisa

confirma essa premissa quando observamos que a comunidade de Antônio Pereira

apresenta movimentos discursivos irregulares, ora apropriando, ora rejeitando, mas

o tempo todo dando a própria interpretação sobre a sustentabilidade.

Por outro lado, não obstante, exercendo seu poder de influência, não só

discursiva, mas econômica, social e política, reconhecemos pela pesquisa que a

Samarco vem se colocando em uma posição de diálogo, em uma comunicação

assentada na perspectiva relacional. Observamos que a organização se mostra

disposta a ouvir, abrindo canais materiais e subjetivos para a interação. O que fica

em questão é isto: a quantidade e a qualidade dessa troca comunicativa que, para a

comunidade, está longe de ser suficiente ou ideal.

Consideramos ser muito proveitoso, seguindo uma sugestão de Verón (2004),

que o emissor, no caso a Samarco, se preocupasse mais com o que o receptor, aqui

a comunidade de Antônio Pereira, faz com o discurso recebido do que apenas

garantir ser ele recebido. Certamente, a organização iria compreender melhor como

a comunidade a percebe.

Desta forma, podemos concluir que as estratégias discursivas promovidas

pela organização em busca de legitimação, como a da utilidade, da compatibilidade

e da transcendência, por meio do uso do discurso da sustentabilidade, concretizam-

se, em parte, analisando pelo ponto de vista da comunidade de Antônio Pereira.

Alguns depoimentos são bastante reveladores nesse sentido como o de algumas

moradoras que, no primeiro momento, disseram ser a organização “uma mãe para

elas”. Cumpre-se aí a imagem da parceira, imbricada com a encarregada de uma

grande missão. E, entendendo a pátria pelo sentido de mãe, institui-se também a

imagem compatriota/irmã em humanidade. O que pode ser melhor do que ser

126

identificado como uma mãe? Essa metáfora vem recoberta por sentidos positivos,

como amor incondicional, proteção e amparo. Mas, mesmo assim, tal percepção não

é unânime, tampouco suficiente para concretizar completamente o discurso de

representação da Samarco em direção a sua legitimação e imagem institucional.

Observamos, ao longo de outros depoimentos, que a comunidade discorda,

nega, critica esses discursos da organização. Isso mostra que as estratégias

organizacionais não conseguem o apagamento do sujeito ou o seu convencimento

por completo.

Aliás, todo o processo interacional discursivo pesquisado foi atravessado por

incompletudes, rasuras, fissuras, incoerências, que nos remetem ao fato de que a

comunicação é da ordem do humano, portanto, beneficamente imperfeita.

Por fim, realçamos que esta pesquisa nos proporcionou olhar a relação

comunicativa das organizações com as comunidades do entorno por uma

perspectiva diferente, a nosso ver, pouco explorada – a do discurso. Fato que nos

alertou para a multiplicidade das formas que podemos ter para pesquisar a

comunicação no contexto organizacional, campo carente de pesquisas. Fica também

a percepção de que ainda se tem muito a explorar sobre a comunicação das

organizações com as comunidades, uma vez que, mesmo percorrendo o processo

da pesquisa com empenho e dedicação, sentimos que há muito a aprofundar.

127

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APÊNDICE

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A COMUNIDADE

Nome:

Idade:

Profissão:

1. A quanto tempo você mora em Antônio Pereira? O que você acha daqui?

2. Você trabalha ou tem parentes que trabalham ou trabalharam na Samarco?

3. Na sua opinião, como é a relação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira ?

4. Na missão da Samarco está escrito “[...] Buscamos contribuir para melhorar as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento social, econômico e ambiental [...]. O que você acha desta disso?

5. “A sustentabilidade é um dos pilares da gestão da Samarco. Para nós orientar nossas atividades por este conceito, mesmo que ainda esteja em evolução, significa gerar valor não só para empresa, mas também para as partes interessadas? Aí está a comunidade. O que você pensa sobre isso?

6. O que você entende por sustentabilidade?

7. Para você a Samarco é uma empresa sustentável? Por quê?

8. Como você vê as obras sociais que a empresa apóia na comunidade? E os

patrocínios? Qual sua opinião sobre eles?

9. Você acha que a Samarco mudou a vida da comunidade de Antônio Pereira? Se sim, de que forma?

10. As obras sociais, patrocínios que a empresa apóia na comunidade faz dela

uma empresa (mais) sustentável?

11. A empresa causa impactos na região ou/e na comunidade? Se sim quais são eles?

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12. Você percebe os benefícios da sua presença e as contrapartidas dadas pela empresa em função dos impactos gerados? Como?

13. Você consegue conversar com a empresa? Através de que canal?

14. Em sua opinião a adoção do tema da sustentabilidade torna mais fácil a

relação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira?

15. Por ser uma mineradora, quais os impactos ambientais que ela causa na região ou/e na comunidade? Ainda assim, em função dos impactos gerados, você considera as contrapartidas dadas pela empresa positivas?

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ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA A RESPONSÁVEL PELO RELACIONAMENTO DA SAMARCO COM A COMUNIDADE

Nome: Cargo: Formação e sua trajetória na empresa:

1. Quais são suas atribuições como representante do relacionamento da Samarco com a Comunidade?

2. Há quanto tempo está no cargo? Esse cargo existe desde quando?

3. Seu trabalho é específico com a comunidade de Antônio Pereira? Qual a sua visão sobre essa comunidade? Qual sua percepção sobre semelhanças e diferenças entre a comunidade de Antônio Pereira e demais comunidades do entorno da Samarco?

4. O que você entende por sustentabilidade?

5. Você acha que a Samarco é uma empresa sustentável? Por quê?

6. A Sustentabilidade é um discurso que a empresa emprega sistematicamente

nos seus materiais e nas suas relações comunicativas. Você acha que a comunidade de Antônio Pereira percebe este discurso? Se sim como?

7. Você acha que todos os discursos da organização estão alinhados com o da

sustentabilidade?

8. Quais os meios utilizados pela empresa para relacionar com a comunidade? Quais os meios disponíveis para a comunidade falar com a empresa?

9. Qual o modelo de relacionamento utilizado com a comunidade?

10. Em 2008, a empresa investiu mais de três milhões em Investimento Social, 1

milhão em educação e 600 mil em Diálogo social. O que é Dialogo Social e aonde foram investidos estes recursos?

11. Deste total de investimentos quanto foi para comunidade de Antônio Pereira?

12. A Samarco está presente em 29 municípios, 79 comunidades, sendo 207 mil

impactadas diretamente por suas operações ( dados do balanço social) . Interessa-nos observar os impactos na comunidade de Antônio Pereira. Quais

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são os principais impactos e como a empresa lida com eles para minimizá-los ou compensá-los?

13. Você acha que a Samarco mudou a vida da comunidade de Antonio Pereira? Se sim de que forma?

14. Quantos funcionários de Antônio Pereira estão empregados na Samarco?

15. O discurso da sustentabilidade propicia uma interlocução melhor da empresa

com a comunidade e vice-versa? Ou não interfere?

16. Qual a importância de uma boa relação comunicativa entre a Samarco e a comunidade de Antonio Pereira?