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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP Tatiana Artioli Moreira O comércio eletrônico e a proteção do consumidor no Direito Brasileiro Dissertação em Direito São Paulo 2016

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Page 1: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP...comércio na Internet. Com efeito, apresenta, primeiramente, o surgimento da sociedade de consumo e a evolução para a sociedade

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC – SP

Tatiana Artioli Moreira

O comércio eletrônico e a proteção do consumidor no

Direito Brasileiro

Dissertação em Direito

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC – SP

Tatiana Artioli Moreira

O comércio eletrônico e a proteção do consumidor no

Direito Brasileiro

Dissertação em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração do Núcleo de Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Gomes Sodré.

SÃO PAULO

2016

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________

____________________________________

____________________________________

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“Na geografia mental criada pela ferrovia, a

humanidade dominou a distância. Na

geografia mental do comércio eletrônico, a

distância foi eliminada. Existe apenas uma

economia e um mercado”.

(Peter F. Drucker)

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Ao meu querido e inesquecível avô

Elpídio Artioli, in memoriam, por todo

incentivo que me deu, ao longo dos anos,

na vida acadêmica, sempre com enorme

carinho e entusiasmo.

Aos meus pais, pela confiança e pelo

amor incondicional.

Ao meu marido, pelo companheirismo ao

longo dessa caminhada.

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A discente foi bolsista em nível de

mestrado pelo período de abril/2015 a

dezembro/2015 pelo Programa de Bolsa

de Estudos CAPES/PROSUP –

modalidade taxa.

Tal ação que visa incentivar a pesquisa

permitiu que a mestranda pudesse

dedicar-se com mais afinco às atividades

acadêmicas necessárias para o bom

desenvolvimento da presente pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Lúcia Helena e Pedro Carlos, pela paciência e pelo incentivo para a

concretização de mais este trabalho.

À minha irmã, Renata, que sempre esteve ao meu lado durante os desafios da vida.

Ao meu marido, Daniel Klein, que sempre me apoio e compreendeu minha ausência

ao longo deste trabalho.

Às minhas avós e familiares, pelos conselhos carinhosos e palavras de estímulo.

Aos Professores, especialmente ao Marcelo Gomes Sodré, meu orientador, por

todos os ensinamentos que contribuíram muito para a elaboração desta dissertação.

Aos funcionários da secretaria do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito

de Direito da PUC-SP, que sempre estiveram presentes para ajudar-me nos

procedimentos burocráticos.

À CAPES/PROSUP, pela bolsa de mestrado que me possibilitou maior dedicação à

pesquisa para elaboração deste trabalho.

E, especialmente a Deus, senhor da minha essência e sabedoria.

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RESUMO

MOREIRA, T. A. O comércio eletrônico e a proteção do consumidor no direito brasileiro. 2016. 214 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. O presente estudo traz como objeto de investigação o comércio eletrônico e a proteção do consumidor no direito brasileiro. Assim, pretende analisar as relações de consumo eletrônicas e os direitos dos consumidores inseridos no ambiente digital, além de, suscintamente, apresentar o estudo do Projeto de Lei do Senado n. 281/2012, que trata da atualização do Código de Defesa do Consumidor no que tange ao comércio eletrônico. Deste modo, este trabalho é um estudo de natureza teórica, centrado na pesquisa bibliográfica e na pesquisa de normas que regem o comércio na Internet. Com efeito, apresenta, primeiramente, o surgimento da sociedade de consumo e a evolução para a sociedade da informação, fruto das transformações tecnológicas dos últimos tempos. A partir da análise da origem da Internet e seu desenvolvimento no Brasil, discorre-se sobre o comércio eletrônico, as formas de contratação no meio digital, as contribuições e controvérsias advindas desse novo modelo de negócio, além das características dos contratos eletrônicos de consumo. Apresenta, ainda, um panorama legislativo de proteção do consumidor no comércio eletrônico, com destaque, no âmbito internacional, para a Lei modelo da UNCITRAL e para a Diretiva Europeia sobre comércio eletrônico; no âmbito nacional, para o Código de Defesa do Consumidor, para o Decreto do Comércio Eletrônico e para o Marco Civil da Internet, diplomas legais que preservam os interesses dos consumidores. À luz disso, o estudo encontra subsídios para discorrer sobre os direitos dos consumidores inseridos no comércio digital, bem como aponta os princípios que devem pautar as ações dos fornecedores atuantes e informa algumas práticas comerciais mais comuns utilizadas no ambiente virtual para manter a comunicação com o consumidor e ofertar produtos e serviços. O resultado da pesquisa aponta que, apesar das normas já existentes para proteger o consumidor e nortear as ações dos fornecedores no comércio eletrônico, vislumbra-se pertinente e necessária a normatização específica para regular as relações de consumo eletrônicas, tendo em vista as particularidades do meio virtual.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade da informação. Comércio eletrônico. Direitos do

consumidor.

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ABSTRACT

MOREIRA, T. A. The electronic commerce and consumer protection under the Brazilian law. 2016. 214 p. Dissertation (Master in Law) – University of Law Direito –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

The subject of this study is to investigate the e-commerce, and the protection of the consumer in the Brazilian law. Thus, it intends to analyze the consumer virtual relationships, and the consumer rights in such digital environment, as well as, briefly discuss, the study of the Project of Law from the Senate, no. 281/2012, that updates the Consumer Defense Code, including e-commerce provisions. Therefore, this work is a study of a theoretical nature and focused on bibliographic research and standards governing trade on the Internet. As an introduction, this work presents the rise of the consumer society and the evolution to the information society, as a result of the technological transformations of the latest decades. From the analysis of the beginning of the Internet and its evolution in Brazil, we evolve to discuss about the e-commerce, the contributions and controversies arising from such business model, and, the traits of the e-commerce consumer contracts. Thereafter, an overview of the consumer protection laws applicable to the e-commerce is presented, with focus on the UNCITRAL and European Directive in the international scale, and in the national scenario, the Brazilian Consumer Code, the E-Commerce Decree and the Internet Civil Mark in Brazil, laws that aim at the protection of the consumers. With such overview, the study finds grounds to discuss about the rights of the consumers inserted in the virtual commerce, the principles that should guide the actions of the suppliers and some commercial practices most commonly used in the virtual environment to reach the consumer and offer products and services. The result of this study points out that, regardless of the existence of rules for protection of consumers and establishment of guidelines for suppliers in the e-commerce environment, it is necessary to provide specific rules to regulate the consumer relations in such environments, in consideration of its specificities. Keywords: Information Society. Eletronic Commerce. Consumer rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12

1 SOCIEDADE DE CONSUMO E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO .......... 16

1.1 ORIGEM DA SOCIEDADE DE CONSUMO ........................................... 16

1.2 SOCIEDADE DE CONSUMO CONTEMPORÂNEA ............................... 22

1.3 SURGIMENTO DAS NORMAS DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA

SOCIEDADE DE CONSUMO .......................................................................

28

1.4 EVOLUÇÃO PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ........................ 31

1.4.1 As origens e o desenvolvimento da Internet .................................. 39

1.4.2 A Internet no Brasil ............................................................................ 46

2 COMÉRCIO ELETRÔNICO ....................................................................... 54

2.1 DEFINIÇÃO E FORMAS DE CONTRATAÇÃO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO ...............................................................................................

54

2.2 CONTRIBUIÇÕES E CONTROVÉRSIAS ADVINDAS DO COMÉRCIO

ELETRÔNICO ...............................................................................................

59

2.3 ESTATÍSTICAS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL ............... 64

2.4 CONTRATOS ELETRÔNICOS DE CONSUMO ..................................... 68

2.4.1 Conceito e principais características dos contratos eletrônicos . 68

2.4.2 Princípios inerentes aos contratos eletrônicos de consumo ........ 75

2.4.3 Validade e eficácia dos contratos celebrados por meio

eletrônico .....................................................................................................

79

3 NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO ..............................................................................................

83

3.1 REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DO COMÉRCIO

ELETRÔNICO – LEI MODELO DA UNCITRAL E UNIÃO EUROPEIA ........

83

3.1.1 Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico .................... 84

3.1.2 Diretiva Europeia 2000/31/CE, de 8 de junho de 2000 .................... 88

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3.2 PANORAMA LEGISLATIVO DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO

COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO ...................................................

91

3.2.1 Proteção do consumidor na Constituição Federal de 1988 ........... 92

3.2.1.1 Proteção do consumidor como direito fundamental .......................... 94

3.2.1.2 Defesa do consumidor como princípio da ordem econômica e

dever do Estado de proteção do consumidor ...............................................

102

3.2.2 Código de Defesa do Consumidor e Comércio Eletrônico ............ 105

3.2.2.1 Sujeitos da relação de consumo no comércio eletrônico .................. 108

3.2.2.2. Consumidor virtual ........................................................................... 108

3.2.2.3 Fornecedor Virtual ............................................................................ 114

3.2.3 Decreto n. 7.962, de 15 de março de 2013 – Decreto do Comércio

Eletrônico ......................................................................................................

118

3.2.4 Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014 – Marco Civil da Internet no

Brasil .............................................................................................................

119

4 DIREITOS DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

BRASILEIRO ................................................................................................

125

4.1 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR VIRTUAL E A CONFIANÇA

NO COMÉRCIO ELETRÔNICO ...................................................................

125

4.2 DIREITO À INFORMAÇÃO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO ................. 130

4.3 OFERTA E PUBLICIDADE NO COMÉRCIO ELETRÔNICO ................. 134

4.3.1 Princípios norteadores da atividade publicitária ............................ 141

4.3.2 Práticas publicitárias e comerciais mais comuns do comércio

eletrônico .....................................................................................................

148

4.4 PROTEÇÃO CONTRA PRÁTICAS ABUSIVAS NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO ...............................................................................................

154

4.5 DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS COMPRAS REALIZADAS

PELA INTERNET ..........................................................................................

157

4.6 DIREITO À QUALIDADE DOS BENS E SERVIÇOS E À ENTREGA

NO PRAZO INFORMADO ............................................................................

167

4.7 ATENDIMENTO FACILITADO AO CONSUMIDOR VIRTUAL ............... 169

4.8 DIREITO DO CONSUMIDOR NOS SITES DE COMPRAS

COLETIVAS ..................................................................................................

173

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4.9 DIREITO À PRIVACIDADE NA INTERNET E FORMAÇÃO DE BANCO

DE DADOS ...................................................................................................

176

4.10 PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL N. 281/2012 – PROJETO

DE ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PARA

O COMÉRCIO ELETRÔNICO ......................................................................

188

CONCLUSÃO ............................................................................................... 202

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 204

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INTRODUÇÃO

O crescente desenvolvimento tecnológico conjugado com o surgimento da Internet

vem transformando as relações humanas e a forma de comercialização de produtos

e serviços ao redor do mundo. Atualmente, a Internet é um importante meio de

comunicação de massa e vem se tornando a principal rede distribuidora de

informações, além de ser um dos mais expressivos canais de divulgação e de

comercialização de bens de consumo.

O uso da Internet como sistema de comunicação e forma de organização se

expandiu expressivamente no século XXI, influenciando diretamente as atividades

econômicas, políticas, culturais e a forma de atuação das empresas no mundo dos

negócios e no relacionamento com os seus consumidores, o que fez surgir o

denominado comércio eletrônico, também conhecido como e-commerce.

O comércio eletrônico é um dos segmentos de negócio de grande destaque nas

empresas atualmente, em razão de seu significativo crescimento no mercado de

consumo ao redor do mundo. E não é diferente no mercado brasileiro, no qual se

observa um constante incremento das vendas pela Internet e demais meios

eletrônicos, o que demonstra o interesse do consumidor por esse novo canal de

comércio, agora virtual. Dessa forma, mostra-se de extrema relevância discutir as

relações jurídicas configuradas nesse ambiente virtual e o arcabouço jurídico que

deve ser observado para a regular prática da atividade comercial no meio eletrônico.

Indiscutível que a Internet e o comércio eletrônico trouxeram diversos avanços para

o desenvolvimento da sociedade no geral, no entanto também nos deparamos com

inúmeros problemas e desafios advindos da expansão do uso da Internet nos mais

diversos setores da economia, bem como do avassalador incremento do comércio

eletrônico. Problemas inéditos surgem com a mudança radical do agir, do pensar, do

socializar e do comercializar. O contato humano foi suprido pelo uso da tecnologia e

das mais diversas máquinas, seja na produção, industrialização ou comercialização

de produtos e de serviços.

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Tendo em vista o dinamismo e as peculiaridades das atividades exercidas na

Internet, em especial no âmbito no comércio eletrônico, surgem também novas

demandas no campo da defesa do consumidor que, a despeito de sentir-se tomado

pelas facilidades que o mercado virtual oferece, tem que conviver também com as

inseguranças e as desconfianças típicas da era da sociedade da informação.

Neste contexto, faz-se necessário o estudo das ferramentas de proteção do

consumidor virtual, aquele inserido no contexto do comércio eletrônico,

especialmente no que se referem às regras do Código de Defesa do Consumidor,

com o objetivo de identificar as garantias e os direitos desse consumidor internauta

vulnerável diante do domínio tecnológico dos fornecedores do comércio eletrônico e

das técnicas de propaganda e marketing cada vez mais agressivas utilizadas pelas

empresas para ofertar e vender produtos e serviços no ambiente virtual.

O trabalho proposto analisa os principais contornos da contratação eletrônica

enquanto atividade humana desenvolvida no ambiente digital, possibilitada pelo

desenvolvimento das novas tecnologias da informação, e a aplicabilidade do Código

de Defesa do Consumidor e suas diretrizes protetivas ao comércio eletrônico. O

enfoque específico do presente projeto se dá, portanto, quanto aos mecanismos de

proteção dos sujeitos das relações de consumo operadas nesse cenário.

O objetivo é analisar o comércio eletrônico em consonância com o ordenamento

jurídico brasileiro, em especial com base nos conceitos e nos princípios do Código

de Defesa do Consumidor e demais legislações aplicáveis ao tema ora em estudo,

com destaque para o recente Decreto n. 7.962/2013, editado para regular as

relações de consumo na Internet e a Lei n. 12.965/2014, conhecida como Marco

Civil da Internet.

Também é a finalidade deste trabalho demonstrar, no que se refere especificamente

ao comércio eletrônico, não obstante todo o regramento já existente no Código de

Defesa do Consumidor para proteger a parte mais frágil da relação de consumo

nesse novo ambiente virtual, que se observa uma necessidade de regulamentar,

com mais precisão, as relações comerciais entre fornecedor e consumidor na

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Internet, prevendo regras específicas para o comércio eletrônico dentro do próprio

Código de Defesa do Consumidor, conforme já sugerido nas propostas de

atualização da atual legislação consumerista.

Assim sendo, inicialmente, faremos uma análise das fases históricas da sociedade

de consumo e do desenvolvimento da Internet, ferramenta de grande destaque na

denominada sociedade da informação ou era digital, bem como do surgimento das

normas de defesa do consumidor para, então, expandir a análise para todo o regime

jurídico brasileiro.

Em seguida, estudaremos a origem e o desenvolvimento do comércio eletrônico,

indicando como o instituto é conceituado pela doutrina e apontando seus princípios

norteadores e as regras que devem ser observadas para que esta nova forma de

desenvolver a atividade comercial, agora via eletrônica, seja realizada em

consonância com as normas de proteção do consumidor na sociedade brasileira.

Neste sentido, pretende-se identificar o arcabouço jurídico existente na legislação

pátria no tocante ao comércio eletrônico, demonstrando, sobretudo, que as

atividades realizadas no ambiente virtual devem estar em consonância com o

Código de Defesa do Consumidor e as leis específicas que regulam o comércio

eletrônico.

Considerando que a realização do comércio, seja ele eletrônico ou físico, está

diretamente relacionada à existência do contrato, uma vez que a aquisição de

produtos e serviços depende da conclusão de um negócio jurídico, faremos um

breve estudo dos contratos eletrônicos.

Em seguida, também serão analisadas algumas disposições e os impactos do

Projeto de Lei do Senado n. 281/2012, que trata especificamente do comércio

eletrônico, o qual surgiu da atuação da comissão de juristas nomeada pelo Senado

Federal para atuarem na a atualização do Código de Defesa do Consumidor.

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Assim, este trabalho proporciona a oportunidade de se estudar os conceitos e as

principais práticas relacionadas ao comércio eletrônico, com o intuito de demonstrar

importância de se realizar a comercialização pela via eletrônica, seguindo as normas

e as regras que já norteiam o mercado consumidor e, sobretudo, respeitando os

direitos dos consumidores internautas.

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1 SOCIEDADE DE CONSUMO E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

A sociedade de consumo moderna é resultado de séculos de profunda mudança

social, econômica e cultural. No entanto, a origem histórica dessa sociedade de

consumo é tema de muitas controvérsias entre os estudiosos do assunto. O

consumo e a comercialização de bens e serviços já existiam desde as sociedades

mais primitivas, no entanto com características muito distintas daquelas que afloram

na sociedade de consumo contemporânea.

1.1 ORIGEM DA SOCIEDADE DE CONSUMO

Ao tratar da sociedade de consumo, Jean Baudrillard afirma que “o consumo surge

como modo activo de relação (não só com os objetos, mas ainda com a coletividade

e o mundo), como modo de atividade sistemática e de resposta global, que serve de

base a todo nosso sistema cultural1”.

Além disso, na visão de Lívia Barbosa, os debates que norteiam as origens da

moderna sociedade de consumo podem ser divididos em duas vertentes: uma

voltada para o quando ocorreram as mudanças na sociedade em relação ao

consumo, ou seja, em que momento histórico e onde surgiram os primeiros indícios

de que uma mudança estava ocorrendo na quantidade de bens da cultura material; e

a outra voltada para o que mudou na forma de consumo, quais eram esses novos

bens de consumo da cultura material e como eles se distribuíam no interior da

sociedade2. Nesse contexto, vamos estudar as transformações na sociedade que

culminaram na sociedade de consumo contemporânea.

O início da denominada sociedade de consumo, de acordo com Grant McCracken,

ocorreu na passagem do século XVI para o XVII, na Inglaterra, como descreve:

Nos últimos vinte e cinco anos do século XVI, ocorreu um espetacular boom de consumo. Os homens nobres da Inglaterra elizabetana começaram a

1 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Arte e Comunicação, 2010, p. 9. 2 BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 14-15.

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gastar com um novo entusiasmo e em uma nova escala. Neste processo, eles transformaram dramaticamente seu mundo de bens e a natureza do consumo ocidental. Reconstruíram seus sítios no campo de acordo com um novo modelo grandioso e começaram a assumir a despesa adicional de manter uma residência em Londres. Do mesmo modo, mudaram também seus padrões de hospitalidade, inflando amplamente seu caráter cerimonial e os custos aí implicados. Os nobres elizabetanos entretiam-se uns aos outros, bem como a seus subordinados e ocasionalmente a sua monarca, às expensas de um gasto arruinador.3

A corte da rainha Elizabeth I no século XVI conquistou um nível de consumo

extremamente elevado para a época, utilizando os bens como um instrumento de

governo e controle social e instigando os nobres a estabelecerem novos padrões de

consumo. Elizabeth I conseguiu persuadir a nobreza a gastar verdadeiras fortunas

com os rituais da corte.

Além disso, o século XVI foi marcado pela competição social entre a nobreza

elizabetana (termo usado por Grant McCracken), ou seja, a busca por status,

posição social e maior relação com a monarca. A nobreza elizabetana passa a

consumir em função de novos objetivos sociais e de acordo com novos valores,

gostos e preferências, marcando uma profunda mudança na forma de consumir.

Essas mudanças de comportamento ocorridas tanto do lado da monarca quanto dos

nobres tiveram fortes impactos para a família e a forma de consumo deste período, o

que vai refletir nos períodos seguintes da história da Inglaterra.

A antropóloga Lívia Barbosa destaca duas principais mudanças comportamentais

que contribuíram para o surgimento de uma sociedade mais direcionada ao

consumo: “a passagem do consumo familiar para o consumo individual e a

transformação do consumo de pátina para o consumo de moda4”.

Podemos vislumbrar tais mudanças, ainda que singelas, já na época da corte

elizabetana, conforme demostrado por Grant McCraken. O nobre elizabetano,

levado pela ansiedade de obter status em meio a uma competição social feroz,

começou a gastar mais por si mesmo e menos em razão da família, convertendo a

unidade de consumo de familiar para o consumo individual. Isso também resultou

3 McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico e as atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010, p. 30. 4 BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 19.

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em uma modificação nas propriedades simbólicas do bem de consumo, passando

do consumo de pátina para o de moda, ou seja, o bem não mais precisa assumir a

pátina decorrente da antiguidade que marcava um bem de valor para a família

nobre.5

Por outro lado, Neil McKendrick defende que a sociedade de consumo nasceu no

século XVIII, época em que ocorria a Revolução Industrial, como informa:

Houve um boom de consumo na Inglaterra durante o século XVIII. Após a metade daquele século, o boom atingiu proporções revolucionárias. Homens e, em especial, mulheres compraram como nunca haviam comprado antes. Até mesmo suas crianças possuíam acesso a um número de bens nunca antes visto. De fato, o final do século XVIII viu uma convulsão de consumismo, uma tamanha erupção de prosperidade e tamanha explosão de novas técnicas de produção e de marketing, que uma parcela da população muito maior do que em qualquer outro tempo ou sociedade na história da humanidade até então pode aproveitar os prazeres de comprar bens de consumo. Eles não compravam apenas bens necessários, mas amenidades e até mesmo luxo.6 (Tradução nossa).

A ascensão do consumo, descrita pelo autor supramencionado, foi conduzida pela

ansiedade da sociedade inglesa do século XVIII em lutar por status a partir do

consumo dos mais variados bens, os quais, na época, tinham a função de

marcadores de status e meios de reivindicar status. Foi, nessa época, portanto, que

5 McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico e dasatividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010, p. 32-33. “O consumo familiar era um assunto coletivo, empreendido por uma corporação que ultrapassava as gerações. Uma geração comprava bens que representariam e aumentariam a honra das precedentes mesmo se tais bens, por outro lado, funcionassem também como fundadores das bases para os esforços de busca pela honra da geração seguinte. As compras eram feitas pelos vivos, mas a unidade de consumo incluía os mortos e os ainda não nascidos. [...] O nobre elizabetano, levado agora por suas novas ansiedades por status em meio a uma competição social excepcionalmente feroz, começou a gastar mais por si mesmo e menos pela corporação. Esta mudança em seu consumo teve várias consequências. Primeiro, ajudou a enfraquecer o contrato recíproco que unia a família. Segundo, transformou a natureza da tomada de decisão. Terceiro, modificou a natureza e a dinâmica da unidade de consumo. Quarto, mudou a natureza dos bens de consumo. Os bens que eram agora comprados em função de demandas imediatas de uma guerra social assumiam qualidades bastante diferentes. Não eram mais construídos com a mesma preocupação com a longevidade. Não eram mais valiosos somente se antigos. Certos bens tornaram-se valiosos não por sua pátina mas por serem novos”. 6 Para conferir credibilidade, segue texto original: “There was a consumer boom in England in the eighteenth century. In the third quarter of the century that boom reached revolutionary proportions. Men, an in particular women, bought as never before. Even their children enjoyed access to a greater number of goods than ever before. In fact, the later eighteenth century saw such a convulsion of getting and spending, such as eruption of new prosperity, and such an explosion of new production and marketing techniques, that a greater proportion of the population than in any previous society in human history was able to enjoy the pleasure of buying consumer goods. They bought not only necessities, but decencies, and even luxuries”. (McKENDRICK, Neil; BREWER, John e PLUMB, J.H. The birth of a consumer society: the commercialization of eighteenth-century England. London: Europa Publications Limited, 1982, p. 9)

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houve uma explosão de bens no mercado de consumo, o que incentivou a

frequência com que os produtos eram comprados e, ainda, o aumento do número de

pessoas que se tornaram aptas a participar da sociedade como consumidoras.

Enquanto o consumo no período da corte elizabetana do século XVI era

predominantemente limitado aos nobres, à medida em que os demais grupos sociais

não participam das atividades mercadológicas, no século XVIII, ocorre a expansão

do consumo para esses grupos sociais até então excluídos da sociedade de

consumo. É justamente essa participação dos diversos grupos sociais no mercado

de consumo que dá origem ao primeiro período do denominado consumo de massa

na tradição ocidental.

Ressaltamos algumas características dessa sociedade do consumo que se

consolida no século XVIII: as compras são realizadas para si e não em função da

família, ou seja, o consumo deixa de ser familiar e passa a ser individual; os bens

passam a ser possuídos por meio da compra pessoal, influenciada pela moda que

era capaz de transformar gostos e preferências, e não mais devido à necessidade. O

consumidor torna-se objeto de práticas comerciais e alvo da atividade publicitária

para incitar desejos e dirigir preferências. Os bens começam a ter outros significados

além do de status social. Ocorre uma explosão de bens no mercado, sendo possível

comprá-los em mais lugares e em mais oportunidades que antes. Observa-se um

maior número de pessoas aptas a comprar e ocorre uma valorização das escolhas

dos consumidores.7

No século XVIII, o consumo começa a se instalar de modo mais frequente na

sociedade, em mais lugares, sob novas influências, desempenhado por novos

grupos, em busca de novos bens e em função de novos propósitos sociais e

culturais.8 Para Neil McKendrick, existe uma importante relação entre a Revolução

Industrial e a Revolução do Consumo, a qual ocorreu baseada na combinação de

diversos fatores, dentre eles, o desenvolvimento industrial e comercial do século

XVIII.

7 McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico e dasatividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010, p. 36-42. 8 McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo: novas abordagens ao caráter simbólico e dasatividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010, p. 43.

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Seja qual for a metáfora popular preferida – seja revolução, decolagem, elevação ou atingimento de massa crítica – a mesma evolução que ocorreu no consumo, aconteceu também na produção. Assim como a Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, marca uma das maiores descontinuidades da história, um dos períodos de maior mudança na história da experiência humana, na minha opinião, a revolução no consumismo também marca. Ocorre que a revolução no consumo foi necessária para que ocorresse a revolução industrial, sendo a convulsão no lado da “demanda” da equação, de forma a igualar a convulsão ocorrida no lado da “oferta”.9 (Tradução nossa)

A Revolução Industrial marca de maneira significativa um novo período em que não

somente a produção importa, mas também o consumo daquilo que estava sendo

produzido em grandes escalas. Portanto, podemos dizer que as evoluções na

produção e na maneira de consumir andaram juntas, havendo, sobretudo, um

interesse pelo novo, deixando para trás as tradições e bens de família. Neste

sentido, vale reproduzir a observação de Silvio Luís Ferreira da Rocha sobre a

transformação da sociedade de consumo com o advento da Revolução Industrial.

A antiga elaboração manual e artesanal dos produtos, restrita ao âmbito familiar ou a um círculo pequeno de pessoas, foi convertida em exceção. O mercado tornou-se o destinatário de uma enormidade de produtos fabricados em série, tipificados e unificados. A cisão entre produção e comercialização foi realizada de modo definitivo. O comerciante perdeu o controle sobre a fabricação do produto e deixou de informar e aconselhar os

seus clientes10.

A Revolução Industrial representou um grande aumento da capacidade produtiva

das empresas, o início da fabricação massificada em série, a perda de controle do

comerciante sobre os bens que estava comercializando e o correlato consumo em

massa, o que modificou completamente os métodos de produção, a forma de

comercialização e consumo então existentes. A produção manual e artesanal feita

de forma personalizada, especialmente para determinado comprador, que prevalecia

9 McKENDRICK, Neil; BREWER, John e PLUMB, J.H. The birth of a consumer society: the commercialization of eighteenth-century England. London: Europa Publications Limited, 1982, p. 9. Para conferir credibilidade, segue texto original: “Whatever popular metaphor is preferred – whether revolution or take-off or lift-off or the achievement of critical mass – the same unmistakable breakthrough occurred in consumption as occurred in production. Just as the Industrial Revolution of the eighteenth century marks one of the great discontinuities in history, one of the great turning points in the history of human experience, so, in my view, does the matching revolution in consumption”. 10 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto do Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 16.

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até então no mercado de consumo, cede lugar à produção em massa, que, por sua

vez, é a propulsora do consumo em massa, que marcou o século XVIII.

Como esclarece Rizzato Nunes, esse novo modelo de mercado, após as

transformações ocorridas na sociedade de consumo, foi marcado pela fabricação de

produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, no intuito

de diminuir custos de produção e, assim, atingir maiores parcelas da população,

com o aumento da oferta e da publicidade dos bens11.

Seguindo no tempo, na visão de McCracken, não houve nenhum boom de consumo

no século XIX. A transformação na forma de consumo, que se iniciou e perpetuou

nos séculos XVI e XVIII, era, no século XIX, um fato social permanente, portanto não

há que se falar em revolução de consumo. Isso não significa, no entanto, ausência

de inovações no mercado da época, que refletiram para a atual sociedade de

consumo.

Destacamos algumas mudanças que ocorrem no século XIX, as quais serão mais

detalhadas no próximo tópico desse trabalho, que refletem no consumo

contemporâneo e são verdadeiras inovações na forma de consumir. Nesse período,

surgem as lojas de departamento, que modificaram drasticamente a forma de

exposição e compra dos bens, a natureza da estética pela qual os bens eram

negociados, bem como a maneira de divulgar referidos bens. As lojas de

departamento mudaram o estilo de vida desses novos consumidores, que,

influenciados, dentre outros fatores, pelas técnicas persuasivas de decoração das

vitrines dessas lojas, deixaram de consumir apenas em razão da necessidade e

passaram a comprar impulsionados, simplesmente, pelo desejo de participar da

atividade de consumo e possuir os bens da moda.

Diante dessa significativa transformação na maneira de expor e comercializar os

bens, o marketing e a publicidade passam a ter um papel fundamental neste novo

modelo de negócio do século XIX. Nesse contexto, a marca surge como um

11 NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Direito Material. São Paulo: Saraiva, 2000, p.70.

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importante elemento de identificação e de conexão entre os fabricantes e os

consumidores, sendo enormemente explorada pelos profissionais de marketing.

Ao refletir sobre a atual sociedade de consumo em que vivemos, na qual os

consumidores são movidos a comprar simplesmente pelo desejo de possuir

determinados bens, Jean Baudrillard afirma que “vivemos o tempo dos objetos”, ou

seja, existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sucessão

permanente dos objetos. Hoje, “somos nós que os vemos nascer, produzir-se e

morrer, ao passo que em todas as civilizações anteriores eram os objetos,

instrumentos ou monumentos perenes, que sobreviviam às gerações humanas”12.

Neste sentido, ressaltando a importância da moda para a decisão do consumo dos

bens na sociedade moderna, em que as aparências se impõem como um fator

determinante na individualização das pessoas, Patrícia Fraga Iglecias Lemos e

Marcelo Gomes Sodré esclarecem que:

Os bens da moda vieram a ter uma função de marcadores sociais e o cotidiano da vida das pessoas passou, em certo momento histórico, a girar em torno desses bens. Com isso, a centralidade deixou de estar na pessoa para se localizar no bem da moda e seus produtos de consumo.13

Diante dos fatos aqui expostos, podemos entender que a formação da sociedade de

consumo desenvolveu-se ao longo de vários séculos, consolidando-se como

característica estrutural da vida social a partir do século XIX, quando, então, surgem

os grandes dilemas entre fornecedores e consumidores, característicos da

sociedade de consumo contemporânea.

1.2 SOCIEDADE DE CONSUMO CONTEMPORÂNEA

Com o objetivo de compreender, ainda melhor, a sociedade de consumo

contemporânea, passaremos a expor as fases da sociedade de consumo dos

12 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Arte e Comunicação, 2010, p.14. 13 LEMOS, Patrícia Faga Iglecias; SODRÉ, Marcelo Gomes. Consumo Sustentável. Brasília: Escola Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, 2013, p. 29.

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séculos XIX e XX, segundo a classificação feita por Gilles Lipovetsky14, em sua obra

“A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo”.

Segundo o autor, a primeira fase da sociedade de consumo contemporânea ocorre

no período de 1880 até 1945, fim da Segunda Guerra Mundial. Essa fase, que

marca o nascimento dos mercados de massa, é descrita a partir das seguintes

características: surgimento de grandes mercados nacionais impulsionados pelas

infraestruturas modernas de transportes e de comunicações; elaboração de

máquinas de fabricação com técnicas de produção contínua; aumento da

produtividade com custos mais baixos, que abre caminho para a produção de

massa; reestruturação das fábricas em função dos princípios da organização

científica do trabalho; possibilidade de baixa dos preços; destaque para o papel o do

marketing na função de democratizar o acesso aos bens de consumo.15

Nesta fase, ainda, o autor destaca, ao lado da produção de massa, o surgimento do

marketing de massa e da marca identificadora dos fabricantes. Como os produtos

estão padronizados, acondicionados em pequenas embalagens e distribuídos no

mercado, assume a marca um papel de extrema relevância para identificação dos

fabricantes desses novos produtos. Neste contexto, as empresas começam a fazer

grandes publicidades em torno de suas marcas, visando seduzir o consumidor

moderno, que passa a depositar suas expectativas e em um nome - a marca.16

O autor aponta, também, que a produção de massa foi impulsionada pelos grandes

magazines e lojas de departamento, que baseados em políticas de venda agressivas

e sedutoras, constituem a primeira revolução comercial moderna, que inaugura a era

da distribuição de massa. Assim, as lojas de departamento surgiram na França na

14 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 26-46. 15 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 26-29. 16 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.30. “Com a tripla invenção da marca, do acondicionamento e da publicidade, apareceu o consumidor dos tempos modernos, comprando o produto sem a intermediação obrigatória do comerciante, julgando os produtos a partir de seu nome mais que a partir de sua composição, comprando uma assinatura no lugar de uma coisa”.

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segunda metade do século XIX, tendo como exemplo o Printemps, fundado em

1865, e o Le Bom Marché, em 1869.17

Os grandes magazines e as lojas de departamento contribuíram para o surgimento

de um comércio baseado na distribuição de massa, com destaque para a rápida

rotação de estoques, aumento da variedade de produtos oferecidos no mercado e a

prática de preços baixos para viabilizar o aumento do volume de negócios e atingir,

não só a elite, como toda a massa de consumidores. A distribuição de massa,

conjugada com a publicidade em grande escala, deu início ao processo, que o autor

denomina, de democratização do desejo, revolucionando a relação com o consumo.

Os grandes magazines utilizam decorações luxuosas e vitrines estonteantes, dentre

outros artifícios, com o intuito de despertar o desejo do consumidor e estimular a

compra como um ato de prazer. Ao destacar a importância dos grandes magazines

para a sociedade de consumo, assim esclarece Gilles Lipovetsky:

O grande magazine não vende apenas mercadorias, consagra-se a estimular a necessidade de consumir, a excitar o gosto pelas novidades e pela moda por meio de estratégias de sedução que prefiguram técnicas modernas do marketing. Impressionar a imaginação, despertar o desejo, apresentar a compra como um prazer, os grandes magazines foram, com a publicidade, os principais instrumentos da elevação do consumo a arte de viver e emblema da felicidade moderna. Enquanto os grandes magazines trabalhavam em desculpabilizar o ato de compra, o shopping, o ‘olhar das vitrines’ tornaram-se uma maneira de ocupar o tempo, um estilo de vida das classes médias18.

A segunda fase que estabelece, de fato, a sociedade de consumo de massa,

ocorreu entre os anos 1950 a 1980. Foi nessa época que o mundo ocidental

presenciou a real edificação da sociedade de massa.

Essa fase é marcada pelo extraordinário crescimento econômico, elevação do nível

de produtividade de trabalho e democratização da compra dos bens duráveis. O

consumo se espalha pelas diferentes camadas da sociedade, produtos tidos como

emblemáticos (automóvel, televisão, aparelhos eletrodomésticos, entre outros)

passam a ser consumidos por um número cada vez maior de pessoas.

17 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 30-31. 18 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 31.

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Nesta segunda fase da sociedade de consumo, predominou a lógica da quantidade,

ou seja, os produtos eram fabricados em enormes quantidades, houve crescimento

de crédito ao consumidor possibilitando acesso a um modo de vida antigamente

associado à elite social, e, ainda, modernização na esfera industrial e na distribuição

dos produtos, na medida em que surgem os supermercados, os autosserviços e os

hipermercados, o que resulta em uma verdadeira revolução comercial. Essa nova

dinâmica de comercialização transformou o consumo mercantil em estilo de vida, em

sonho/desejo de uma massa de consumidores, em novo parâmetro para a

felicidade. Assim, o autor descreve essa fase como sendo a sociedade da

abundância e do desejo.

A terceira fase surge no fim da década de 1970 e permanece até os dias atuais. É a

denominada sociedade do hiperconsumo, fase da mercantilização moderna das

necessidades, movida por uma lógica “desinstitucionalizada” e emocional, centrada

na busca das sensações de maior bem-estar subjetivo. “O consumo ordena-se cada

dia um pouco mais em função de fins, de gostos e de critérios individuais [...] as

motivações privadas superam muito as finalidades distintas”19.

Para Gilles Lipovetsky, nesta fase, “o consumo para si suplantou o consumo para o

outro20”. Em outras palavras, o homo consumericus (termo utilizado pelo autor para

designar o consumidor da sociedade do hiperconsumo) não tem mais, como

primordial motivo para a obtenção de bens, a busca por uma posição social, que até

então predominava na sociedade, mas, agora, ele é movido pela busca da

satisfação emocional, corporal, sensorial, enfim, a busca da felicidade. Assim sendo,

o consumo, para fins de status social, transformou-se em consumo para satisfação

do prazer individual, que o autor denomina de consumo emocional.

Acerca dessa fase do consumo emocional, caracterizada por Gilles Lipovetsky,

Patrícia Faga Iglecias Lemos e Marcelo Gomes Sodré comentam que:

19 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 41. 20 LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 42.

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Nesse universo, os produtos cada vez mais têm uma vida menor. Se o consumo é emocional, nunca cessa o prazer de adquirir produtos e modelos novos, muitos dos quais sequer ainda lançados. Assim, a lógica é primeiramente vender, depois produzir. A cada período, são colocados no mercado linhas novas e sempre existirão razões para o consumidor trocar um produto que tenha adquirido recentemente. O inovacionismo suplantou o produtivismo repetitivo do fordismo.

Nesse contexto, Zygmaunt Bauman também ressalta a transformação da sociedade

de produtores para uma sociedade de consumidores, a qual tem como característica

primordial a perseguição pela satisfação dos desejos humanos. Na sociedade de

produtores, o modelo de produção era estruturado na perspectiva de que adquirir um

amplo volume de bens que assegurava uma maior comodidade e status social.

Apostava no desejo de um ambiente seguro, confiável, ordenado, transparente,

conclamando o consumidor a ter acesso, via aquisição de produtos, a uma vida

resistente ao tempo e segura21.

Atualmente, a cultura do consumo tem como pilar a constante promoção de novas

necessidades, projetando uma incessante remodelação dos desejos por meio de

novos e melhores produtos. Portanto, essa instabilidade dos desejos e a

insaciabilidade das necessidades, atrelado à tendência do consumo instantâneo,

passa a ser entendido por Bauman, como a fase líquida da modernidade, na qual as

formas de satisfação são sempre momentâneas22.

Tem-se, assim, com base na não-satisfação dos indivíduos e na incessante busca

da satisfação dos desejos, que a sociedade de consumo prospera e consegue se

tornar perpétua, pois

A sociedade de consumo tem como base de suas alegações a promessa de satisfazer os desejos humanos em grau que nenhuma sociedade do passado pôde alcançar, ou mesmo sonhar, mas a promessa de satisfação só permanece sedutora enquanto o desejo continua insatisfeito; mais importante ainda, quando o cliente não está “plenamente satisfeito”23

21 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 42 22 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p.45. 23 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 63.

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Com efeito, a formulação do desejo se relaciona com uma economia de mercado

que se sustenta pela promoção, pela desvalorização e pela criação de novos

anseios. Para Zygmunt Bauman24, a ânsia do consumidor pela satisfação de seus

desejos, constitui-se como um dos principais pilares da cultura do consumo.

Tendo em vista essas transformações dos indivíduos em relação às motivações que

os levam a adquirir os bens de consumo, fez-se necessário também um novo tipo de

atuação do mercado publicitário, mais preocupado em criar situações em que o

consumidor possa viver experiências afetivas, imaginárias e sensoriais quando do

consumo do produto. É o que se denomina marketing sensorial ou experimental.

Neste mundo contemporâneo, o mercado não mais funciona com a simples lógica

da produção de massa, mas a produção personalizada de massa que exige agora,

além de uma rapidez frenética, estratégias de diversificação capazes de suprir às

demandas que se apresentam, já que, nessa fase, ocorre uma segmentação dos

grupos consumistas e, portanto, necessidade de uma diversificação de produtos

para atender melhor às demandas individualistas de diferenças.

Os fornecedores estão disponibilizando no mercado produtos cada vez mais

personalizados, visando suprir os anseios individuais dos consumidores. Segundo

ressalta Fabíola Meira de Almeida Santos, “este é o intuito da sociedade de

consumo no mundo contemporâneo – incentivar o consumo individualizado,

customizado, dividir a sociedade em nichos”25.

Portanto, nessa sociedade do hiperconsumo, os consumidores não compram os

produtos por suas funcionalidades, mas pela experiência que eles proporcionam e

pela emoção que despertam. As empresas, por sua vez, buscam atender aos

anseios desses consumidores para lhes dar o que eles desejam obter: satisfação,

prazer e felicidade.

24 BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. 25 SANTOS, Fabiola Meira de Almeida. O Marketing digital e a proteção do consumidor. 2009. 183 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 19.

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1.3 SURGIMENTO DAS NORMAS DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA

SOCIEDADE DE CONSUMO

Diante das transformações na sociedade, desenvolvimento econômico do mercado

de consumo massificado, desequilíbrio de poder, desproporção de forças entre

fornecedores e consumidores e ineficiência do ordenamento jurídico para prestar a

devida tutela aos consumidores, nasce a necessidade da criação de mecanismos

eficientes de defesa do consumidor.

Em decorrência de todas essas transformações na forma de produzir, de ofertar e de

consumidor os bens disponibilizados no mercado de consumo, torna-se visível a

vulnerabilidade do consumidor diante desse modelo de mercado massificado e

impulsionado pelo desejo de consumir. Neste momento, por conseguinte, a relação

de consumo carece de regulação e de proteção.

A nova maneira de produção e consumo em massa refletiu em um maior número de

produtos colocados em circulação, trazendo, com isso, um significativo aumento de

riscos ao consumidor frente ao aparecimento de práticas comerciais lesivas,

impondo a necessidade de o Estado interferir nas relações de consumo, visando

proteger o consumidor que estava sendo massacrado pela nova estrutura de

mercado.

Dessa forma, frente ao desequilíbrio de poder e de desproporção de forças entre

fornecedores e consumidores, diante do desenvolvimento econômico do mercado de

consumo massificado e da ineficiência do ordenamento jurídico para prestar a

devida tutela aos consumidores, nasce a necessidade da criação de mecanismos

eficientes de defesa do consumidor.

Assim, em meados do século XX, surge o Direito do Consumidor, respaldado na

necessidade de restabelecer a igualdade das partes da relação de consumo rompida

pelas transformações socioeconômicas, que cria regras de proteção para os

consumidores contra a parte economicamente mais forte – o fornecedor. Sustenta

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Ada Pellegrini Grinover que a proteção do consumidor é um desafio para a

sociedade e representa, em todo o mundo, um dos temas de grande relevância para

o direito, visto que

O homem do século XX vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo (mass consumption society ou konsumgesellschaft), caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. São esses aspectos que marcaram o nascimento e desenvolvimento do Direito do Consumidor como disciplina autônoma. A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefícios para os seus atores, muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, “dita as regras”. E o Direito não pode ficar alheio a tal fenômeno.26

Frente à insuficiência legislativa dos países industrializados no tocante às normas

que disciplinavam a responsabilidade do fornecedor na sociedade moderna, essas

nações começaram a se movimentar para criar critérios normativos visando uma

tutela adequada ao consumidor. Assim nos ensina Marcelo Gomes Sodré:

Se a sociedade de consumo surgiu entre os éculos XVIII e XIX, as primeiras entidades de defesa dos consumidores aparecem na década de 20 do século XX e as primeiras leis efetivamente de proteção do consumidor depois desta década. Até então existiam apenas alguns julgados que se pautavam por este objetivo. A organização da sociedade é quase sempre lenta em seu nascimento (e o direito é mais lento ainda, pois nasce quando o conflito já existe em grande escala na sociedade). A construção da chamada proteção do consumidor nos países de primeiro mundo foi um processo lento que começou no início do século XX, ganhou impulso após a Segunda Guerra Mundial, com a explosão da chamada sociedade de consumo, e se consolidou somente nas décadas de 70/80.27

Um grande marco para o reconhecimento dos direitos dos consumidores ocorreu no

dia 15 de março de 1962, quando o então presidente dos Estados Unidos da

América, John Kennedy, enviou uma mensagem especial ao Congresso Americano

referente à proteção dos interesses e direitos dos consumidores. "Consumidores

somos todos nós", disse ele nessa mensagem que se tornou o marco fundamental

26 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Vol. I- Direito Material. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 4. 27 SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor: um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009, p. 12-13.

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do nascimento dos chamados direitos dos consumidores e que causou enorme

impacto não só nos Estados Unidos, como no resto do mundo.

Nessa mensagem, foram reconhecidos quatro direitos básicos do consumidor:

direito à segurança ou à proteção contra a comercialização de produtos perigosos à

saúde e à vida; direito à informação, compreendendo os aspectos gerais da

propaganda e a necessidade do fornecimento de informações sobre os produtos e

sua utilização; o direito à escolha, referindo-se aos monopólios e aos oligopólios,

incentivando a concorrência e a competitividade entre fornecedores como fatores

favoráveis ao consumidor; e direito a ser ouvido na elaboração das políticas públicas

que sejam de interesse dos consumidores. Em reconhecimento ao marco histórico

da mensagem do então presidente norte-americano, o dia 15 de março foi instituído

como o Dia Mundial dos Direitos dos Consumidores.

Em abril de 1985, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)

aprovou a Resolução 39/248, com Diretrizes Internacionais de Proteção ao

Consumidor, enfatizando a importância de os governos estabelecerem e manterem

uma estrutura adequada para formular, aplicar e controlar o funcionamento de

políticas públicas de proteção aos direitos do consumidor.

Segundo José Geraldo Brito Filomeno, as principais diretrizes da Resolução 39/248,

que reconheceu o desequilíbrio do consumidor em face da sua capacidade

econômica, nível de negociação e poder de negociação, era proteger o consumidor

quanto a prejuízos à sua saúde e segurança, fomentar e proteger seus interesses

econômicos, fornecer-lhe informações adequadas para que pudesse fazer escolhas

de acordo com as necessidades e desejos individuais, educá-lo, criar possibilidades

de real ressarcimento, garantir a liberdade para formação de grupos de

consumidores e outras organizações de relevância.28

A mencionada Resolução da ONU foi importante à medida que garantiu diretrizes

para que os diversos países, principalmente aqueles em desenvolvimento como o

Brasil, pudessem elaborar ou aperfeiçoar sua legislação de proteção aos direitos do

28 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 6.

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consumidor. Nessa linha, a Resolução 39/248 da ONU pode ser considerada mais

um marco na história para o reconhecimento dos direitos dos consumidores.

A preocupação do constituinte brasileiro com os direitos dos consumidores,

entretanto, apenas teve início com o advento da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, quando então os direitos dos consumidores passaram

a possuir uma tutela constitucional específica revelada por meio da adoção da

defesa dos consumidores como garantia fundamental e também parte dos princípios

norteadores da ordem econômica.

Assim reconhece Cláudia Lima Marques, ao discorrer que a Constituição Federal de

1988, “pela primeira vez na história dos textos constitucionais brasileiros, dispõe

expressamente sobre a proteção dos consumidores, identificando-os como grupo a

ser especialmente tutelado através da ação do Estado (Direitos Fundamentais, art.

5º, XXXII)”29.

Entretanto, foi somente em 11 de setembro de 1990 que surgiu o Código de Defesa

do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, com a promulgação da Lei

Federal n° 8.078/90, que contemplava regras protetivas para o consumidor e com o

objetivo de regular as relações entre os fornecedores e aqueles consumidores

fragilizados pelas práticas comerciais comuns à época.

1.4 EVOLUÇÃO PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

No momento histórico em que vivemos, o qual teve início no fim do século XX e

perdura no século XXI, marcado pela sociedade do hiperconsumo, vislumbra-se

também um crescente avanço tecnológico e uma grande diversidade de meios de

comunicação, especialmente decorrentes do uso da Internet pelos mais variados

29 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 620.

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setores da sociedade e da economia. É a denominada “sociedade da informação”,

ou, como prefere Manuel Castells, “Sociedade Informacional”30.

A base histórica da “sociedade da informação” interliga-se com a história da

sociedade pós-industrial e a revolução da tecnologia da informação, que pode ser

compreendida a partir da convergência dos elementos definidores de uma nova

relação socioeconômica. Na sua obra, “O advento da sociedade pós-industrial”,

Daniel Bell apresenta a ideia de uma sociedade pós-industrial relacionando a

importância da informação e a geração de conhecimento como uma nova força

produtiva, sendo uma obra de referência para o estudo da sociedade da informação.

Segundo Daniel Bell, a sociedade pós-industrial pode ser compreendida a partir de

cinco dimensões, que caracterizam as transformações da sociedade nessa fase: (i)

no setor econômico, a mudança de uma economia de bens para a criação de uma

economia de serviços; (ii) na distribuição ocupacional, um grande aumento de

empregos de natureza profissional ou técnica, funções que exigem maior grau de

educação superior; (iii) centralidade do conhecimento teórico como fonte de

inovação e de formulação política, ou seja, a sociedade passa a ser organizada em

torno do conhecimento e da técnica, a fim de exercer o controle social e a direção

das inovações e mudanças, os progressos vão dependendo cada vez mais da

primazia do trabalho teórico, as indústrias passam a ter mais bases científicas; (iv)

capacidade de planejamento e controle do desenvolvimento tecnológico, a fim de

manter a produtividade e os padrões de vida; e (v) aparecimento de uma nova

tecnologia intelectual, ou seja, criação de regras para soluções de problemas

incorporadas a uma máquina automática ou a um programa de computador, que

resulta na ascensão de novas elites técnicas.31

30 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p. 64-65. “O termo sociedade da informação enfatiza o papel da informação na sociedade. Mas afirmos que informação, em seu sentido mais amplo, por exemplo, como comunicação de conhecimentos, foi crucial a todas as sociedades, inclusive à Europa medieval que era culturalmente estruturada e, até certo ponto, unificada pelo escolasticismo, ou seja, no geral uma infra-estrutura intelectual. Ao contrário, o termo informacional indica o atributo da uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tronam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico.” 31 BELL. Daniel. O advento da sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1973. p. 27-28.

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Nas suas contextualizações do que seria a sociedade pós-industrial, Daniel Bell já

deixava implícita a ideia da denominação Sociedade da Informação. “A sociedade

pós-industrial é uma sociedade de informação, assim como a sociedade industrial é

uma sociedade de produção de bens”32. Ademais, o autor informa ainda que “a

sociedade pós-industrial representa o aparecimento de novas estruturas e princípios

axiais: uma sociedade de bens transformada em uma sociedade de informação, ou

erudita”33.

Deste modo, na década de 1970, no âmbito das discussões envolvendo o que seria

a sociedade pós-industrial, surgiu a expressão Sociedade da Informação. Nesse

momento, a informação assume um papel de extrema importância não apenas em

setores da economia, mas também da vida social, cultural e política, promovendo

uma grande transformação na humanidade e refletindo na sua organização34.

Na visão de Manuel Castells, no final do século XX, vários acontecimentos de

importância histórica transformaram a cultura e a estrutura socioeconômica da

humanidade, resultando em uma verdadeira revolução. Uma revolução ocorrida com

base nas tecnologias da informação que remodelaram a base material da sociedade,

gerando novas formas de relação entre o Estado, a economia e a sociedade35.

No período em que sucede a Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou dividido em

duas forças predominantes que deram origem a Guerra Fria: de um lado, EUA e, de

outro, a União Soviética. Neste contexto, inicia-se a valorização da informação e

vislumbra-se a necessidade de comunicação mais rápida e eficaz entre os países

por meio de novas tecnologias para assegurar a supremacia de poder. Assim, já

começam os primeiros passos de uma revolução tecnológica. Na visão de Armand

Mattelart, “foi somente a partir da Guerra Fria e no rastro da inteligência artificial que

32 BELL, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix. p. 516. 33 BELL, Daniel. O advento da sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix. p. 538. 34OLIVEIRA, Antonio Francisco Maia; BAZI, Rogério Eduardo Rodrigues. Sociedade da informação e inclusão social: a questão da produção de conteúdos. Disponível em: http://www.sbu.unicamp.br/seer/ojs/index.php/rbci/article/view/385/261. Acesso em 20/09/2015. 35 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p.. 39.

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34

toda uma mística do progresso eletrônico passou a saudar a sociedade pós-

industrial ao mesmo tempo que o fim da ideologia, o fim do engajamento, a negação

da política”36.

No campo da economia, também vislumbramos transformações que coadunam com

o surgimento da Sociedade da Informação: crescimento constante da área de bens

de consumo e serviços; valorização do conhecimento e a reestruturação do

capitalismo agora caracterizado pela descentralização das empresas e por sua

organização em redes; individualização e diversificação das relações de trabalho e

aumento da concorrência econômica global. Com o alto custo da produção da era

industrial, a grande quantidade de mão de obra e a necessidade de redução de

preço final dos produtos, passa a ganhar força a capacidade técnica e tecnológica

para o desempenho das atividades e, consequentemente, para o conhecimento,

passa a ter valor agregado nas mais diversas funções. Assim, a técnica associada

ao conhecimento transforma o processo de produção e inicia um novo modelo de

gerenciamento do trabalho nessa nova estrutura do capitalismo37.

Na sociedade pós-industrial, descrita por Daniel Bell, a tecnologia e o conhecimento

assumem o papel de eixos da estrutura social, podendo-se falar em “sociedade do

saber”. Para o autor, a sociedade pós-industrial é uma sociedade do conhecimento,

em dois sentidos: primeiro, as fontes das inovações decorrem cada vez mais da

pesquisa e do desenvolvimento, na medida em existe um novo relacionamento entre

a ciência e a tecnologia, em virtude da centralidade do conhecimento teórico;

segundo, o peso da sociedade incide cada vez mais no campo do conhecimento.38

A informação passa a ter maior valor nessa sociedade pós-industrial que valoriza a

maior produção baseada na técnica e no conhecimento. Nesse processo, a evolução

tecnológica assume papel fundamental, já que criou meios para que determinados

conhecimentos pudessem ser reproduzidos de forma mais rápida. Ademais, um

36 MATTELART, Armand. História da Sociedade da Informação. Trad. Nicolás Nyimi Campanário. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2006, p. 8. 37 OLIVEIRA, Antonio Francisco Maia; BAZI, Rogério Eduardo Rodrigues. Sociedade da informação e inclusão social: a questão da produção de conteúdos. Disponível em: http://www.sbu.unicamp.br/seer/ojs/index.php/rbci/article/view/385/261. Acesso em 20/09/2015. 38 BELL. Daniel. O advento da sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Cultrix, 1963, p. 241.

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35

novo sistema de comunicação cada vez mais digital e universal promove uma

integração global da produção e distribuição das palavras, sons e imagens. As redes

interativas de computadores crescem exponencialmente, “criando novas formas e

canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo sendo moldadas por

ela”39.

Nesse contexto, fica evidente que o desenvolvimento das tecnologias da informação,

criaram novos padrões sociais, conduziram novos comportamentos políticos e de

comunicação, refletiram significativamente na economia e, ainda, impulsionaram a

globalização. Foram transformações de tamanha importância que resultaram em um

novo paradigma que se formou em torno da tecnologia da informação, concretizando

um novo modo de produção, comunicação e vida em sociedade.

Quando na década de 1970 um novo paradigma tecnológico, organizado com base na tecnologia da informação, veio a ser constituído, principalmente nos Estados Unidos, foi um segmento específico da sociedade norte-americana, em interação com a economia global e a geopolítica mundial, que concretizou um novo estilo de produção, comunicação, gerenciamento e vida.40

Esse novo paradigma tecnológico tem, segundo Manuel Castells, as seguintes

características fundamentais: A primeira característica é a informação como sua

matéria-prima. As tecnologias se desenvolvem para que o homem possa agir sobre

a informação, não apenas utilizar a informação para agir sobre as tecnologias, como

era feito no passado. A segunda caraterística apontada refere-se à penetrabilidade

dos efeitos das novas tecnologias, na medida em que a informação é parte

integrante de toda atividade humana, individual ou coletiva. O terceiro aspecto

refere-se ao predomínio da lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de

relações. As novas tecnologias da informação possibilitaram a implantação da rede

nos mais diversos processos e organizações. A quarta característica desse

paradigma é a flexibilidade. A tecnologia da informação permite que processos

sejam reversíveis e organizações e instituições modificadas ou alteradas pela

39 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p. 40. 40 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p. 43.

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36

reorganização de seus componentes. O novo paradigma tecnológico tem

capacidade de reconfiguração, um aspecto de extrema relevância em uma

sociedade caracterizada por constantes mudanças e fluidez organizacional. Por fim,

a quinta caraterística é a crescente convergência de tecnologias, especialmente a

microeletrônica, as telecomunicações, a optoeletrônica e os computadores, que

estão cada vez mais integrados nos sistemas de informação.41

Os avanços tecnológicos transformaram as diversas relações que envolvem a

humanidade, resultando, no que denominou Manuel Castells, de Revolução

Tecnológica. Esta revolução tecnológica que se espalhou pelo mundo tem como

fundamento a aplicação da informação para a geração de conhecimento e a criação

de dispositivos de processamento e comunicação da informação, em um ciclo de

realimentação constante entre a inovação e seu uso. 42

As novas tecnologias da informação foram se expandindo pelo mundo em uma

velocidade indescritível, propiciando uma crescente troca de informações entre

indivíduos de diversos países, com características e realidades diferentes. Esse

progresso tecnológico ou revolução tecnológica, que deu origem à sociedade da

informação, possibilitou armazenar, guardar, modificar, encontrar e comunicar a

informação sem qualquer limite tempo e volume, permitindo uma maior interação

entre os indivíduos e as nações.

Diante dessa revolução tecnológica surge, então, uma nova estrutura social

associada ao novo modo de desenvolvimento, que foi denominado por Manuel

Castells como “informacionalismo”, no qual a fonte de produtividade está no

conhecimento tecnológico e na aplicação da tecnologia para aprimorar a geração do

41 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p. 108. 42 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p. 69. As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da Internet. Há, por conseguinte, uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas). Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo.

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conhecimento e o processamento da informação. “O informacionalismo visa ao

desenvolvimento tecnológico, ou seja, à acumulação de conhecimentos e maiores

níveis de complexidade do processamento da informação”43.

A expressão Sociedade da Informação passou, então, a ser utilizada nos últimos

anos do século XX, como um substituto para o conceito complexo de sociedade pós-

industrial e como forma de transmitir o conteúdo específico desse novo paradigma

tecnológico, decorrente da revolução tecnológica e a disseminação da informação

no mundo cada vez mais globalizado44.

No Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, publicado pelo Ministério da

Ciência e da Tecnologia, define-se a “Sociedade da Informação” como uma nova

era, na qual a informação adquire papel central nas relações e passa a fluir a

velocidade e em quantidades há poucos anos inimagináveis, assumindo valores

sociais e econômicos fundamentais. Representa, assim, uma significativa mudança

na organização da sociedade e da economia, na medida em que a estrutura e a

dinâmica das atividades sociais e econômicas, de alguma forma, são afetadas pela

infraestrutura da informação disponível. Quanto a isso, esclarece Tadao Takahashi:

A sociedade da informação não é um modismo. Representa uma profunda mudança na organização da sociedade e da economia, havendo quem a considere um novo paradigma técnico-econômico. É um fenômeno global, com elevado potencial transformador das atividades sociais e econômicas, uma vez que a estrutura e a dinâmica dessas atividades inevitavelmente serão, em alguma medida, afetadas pela infra-estrutura de informações disponível. É também acentuada sua dimensão político-econômica, decorrente da contribuição da infra-estrutura de informações para que as regiões sejam mais ou menos atraentes em relação aos negócios e empreendimentos. Tem ainda marcante dimensão social, em virtude do seu elevado potencial de promover a integração, ao reduzir as distâncias entre pessoas e aumentar o seu nível de informação.45

Essa transformação da sociedade que tem como base fundamental a informação

pode ser compreendida a partir da relação de três fenômenos que marcam esse

43 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. Atual Jussara Simões. Trad. Roneide Venância Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1: A sociedade em rede, p. 51-54. 44 WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 71-77, maio/ago. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/v29n2/a09v29n2.pdf.> Acesso em: 10 abr. 2015. 45 TAKAHASHI, Tadao (org.). Sociedade da informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000, p. 5.

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processo de transição da sociedade. O primeiro é a convergência da base

tecnológica decorrente da capacidade de se poder representar e processar qualquer

tipo de informação de uma única forma, a digital. Essa convergência impactou

diretamente o processo de globalização da economia, da comunicação social e das

relações comerciais. O segundo fenômeno a ser destacado é a dinâmica da

indústria que tem proporcionado a crescente queda dos preços dos computadores,

celulares, produtos tecnológicos, softwares, permitindo maior acessibilidade à

integração na rede. Por fim, o terceiro aspecto da base dessa revolução é o

exponencial crescimento e a expansão da população mundial com acesso à Internet,

que refle diretamente na evolução da conectividade internacional.46

Com a ascensão da sociedade da informação surge uma nova fase que rompe as

barreiras territoriais, minimizando o tempo do processamento de um volume nunca

antes visto de informações. A sociedade globalizada passa, então, a se comunicar

no que a Pierre Lévy denomina de ciberespaço “o novo meio de comunicação que

surge da interconexão mundial dos computadores”47.

O tema das tecnologias da informação e da comunicação no ciberespaço tem

adquirido notável importância no meio acadêmico e em geral nas sociedades atuais,

particularmente no que diz respeito aos usos e feitos da Internet. Estamos diante de

um novo espaço de comunicação e de interatividade que reflete em uma nova forma

de organização da vida em sociedade.

Em síntese, a sociedade da informação é um fenômeno global, que representa uma

profunda mudança na organização da sociedade e da economia, uma vez que a

estrutura e a dinâmica das atividades sociais e econômicas são diretamente

afetadas pela infraestrutura das informações disponíveis, principalmente, a Internet.

Esse novo cenário socioeconômico diretamente relacionado ao surgimento da

Internet reflete mudanças profundas nas relações humanas e nos hábitos de

consumo. O acesso facilitado a tantas informações, por diversos veículos e de forma

46 TAKAHASHI, Tadao (org.). Sociedade da informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000, p. 3-4. 47 LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3.ed. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 17.

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tão rápida, acaba incentivando o consumo e transformado a forma de

comercialização dos bens e serviços. A Internet passa a ser, o que denomina

Claudia Lima Marques, o “novo espaço de comércio no mundo”48.

1.4.1 As origens e o desenvolvimento da Internet

A Internet49 é uma rede de computadores interconectados mundialmente que

compartilham informações e asseguram a veiculação permanente da comunicação.

A ideia dessa rede é disponibilizar o maior número possível de informações e

serviços com o objetivo de fomentar o comércio, disseminar informações e criar

meios para sua racional exploração econômica50.

A palavra Internet é a abreviação de Interconnected Networks ou Internetwork

System. Advém do fato de ser composta de milhares de redes de computadores

interconectadas, as quais seguem padrões comuns de transmissão de dados,

criando um novo mundo de comunicação, a denominada Galáxia da Internet,

expressão utilizada por Manuel Castells51.

Podemos compreender a Internet sob seu aspecto técnico, inerente à própria

construção da Internet, que se baseia na interligação de computadores por meio da

utilização de protocolos-padrões, conforme a definição citada na Resolução do

Conselho Federal Norte-Americano da Rede (FNC – Federal Networking Council),

editada em 24 de outubro de 1995.

Internet refere-se ao sistema global de informação que (i) é logicamente unido por um endereço único e global, baseado no Protocolo da Internet (IP) ou suas extensões/conexões subsequentes; (ii) é capaz de suportar

48 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 33. 49 Quando se escreve a palavra “internet”, em letras minúsculas, refere-se a uma rede interna de determinada empresa. Quando a intenção é falar sobre a “Grande Rede”, deve sempre ser citada como “Internet”, com a inicial em letra maiúscula. (RESINA, Jane. Desmistificação da Internet para Advogados. In: BLUM, Renato M.S. Opice (Org.). Manual de Direito Eletrônico e Internet. São Paulo: Lex Editora, 2006, p. 27-40) 50 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 21. 51 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 8.

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comunicações utilizando Protocolo de Controle de Transmissão (TCP/IP) seguidas ou extensões/conexões subsequentes, e/ou outros protocolos compatíveis ao IP; e (iii) fornece, usa ou torna acessível, serviços de alto nível, públicos ou privados, baseados na comunicações e relacionadas à estrutura ora descrita52.

Entretanto, o conceito de Internet vai além de seu aspecto técnico, de números e

protocolos, uma vez que também envolve pessoas e conteúdo, tendo consequência

direta na economia, na sociedade, na cultura e na política, influenciando os mais

diversos setores.

Ricardo Lorenzetti ressalta algumas características juridicamente importantes dessa

rede de computadores, na medida em que afirma que a Internet é uma rede aberta,

interativa, internacional, formada por computadores interconectados que possibilita a

comunicação de milhões de pessoas e o acesso a incontáveis informações:

- é uma rede aberta, posto que qualquer um pode acessá-la; - é interativa, já que o usuário gera dados, navega e estabelece relações; - é internacional, no sentido de que permite transcender as barreiras nacionais; - existe uma multiplicidade de operadores; - tem uma configuração de sistema auto-referente, que não tem um centro que possa ser denominado “autoridade”, opera descentralizadamente e constrói a ordem a partir das regras do caos; - tem aptidão para gerar suas próprias regras com base no costume; - apresenta uma aceleração do tempo histórico; permite a comunicação em “tempo real” e uma desterritorialização das relações jurídicas; - diminui drasticamente os custos das transações53.

No Brasil, como veremos mais adiante, o Governo Federal, em maio de 1995, tendo

em vista a necessidade de informar à sociedade a respeito da introdução da Internet

no país, editou uma Nota Conjunta do Ministério das Comunicações e Ministério da

Ciência e Tecnologia que, entre outros assuntos, definiu o que era Internet:

A Internet é um conjunto de redes interligadas, de abrangência mundial. Através da Internet estão disponíveis serviços como correio eletrônico, transferência de arquivos, acesso remoto a computadores, acesso a bases

52 "Internet" refers to the global information system that -- (i) is logically linked together by a globally unique address space based on the Internet Protocol (IP) or its subsequent extensions/follow-ons;(ii) is able to support communications using the Transmission Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) suite or its subsequent extensions/follow-ons, and/or other IP-compatible protocols; and (iii) provides, uses or makes accessible, either publicly or privately, high level services layered on the communications and related infrastructure described herein." The Networking and Information Technology Research and Development (NITRD Program). Definition of Internet. Disponível em https://www.nitrd.gov/fnc/Internet_res.aspx. Acesso um 24 de setembro de 2015. 53 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Comércio Eletrônico. Trad. Fabiano Menke. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 25-26.

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de dados e diversos tipos de serviços de informação, cobrindo praticamente todas as áreas de interesse da Sociedade. A Internet é organizada na forma de espinhas dorsais backbones, que são estruturas de rede capazes de manipular grandes volumes de informações, constituídas basicamente por roteadores de tráfego interligados por circuitos de alta velocidade.54

A Internet se alastrou rapidamente na sociedade, atingindo e modificando o

comportamento de toda uma geração. Portanto, é indiscutível que a Internet trouxe

diversos avanços para o desenvolvimento da sociedade e do comércio,

transformando a maneira de agir e de pensar dos indivíduos de toda uma geração.

Nicholas Carr, em sua obra “A Geração Superficial”, reflete sobre algumas

consequências da Internet e como essa ferramenta influencia decisivamente a

mente e o comportamento das pessoas e transforma toda uma sociedade. É fato

que a Internet trouxe vários benefícios, dentre eles, rápido acesso a uma vastidão de

informações e ferramentas potentes de busca, meio fácil de partilhar suas opiniões.

Mas, por outro lado, tem consequências desastrosas para a mente, na medida em

que pode alterar a capacidade de concentração e forma de recepção das

informações, o que interfere diretamente no modo de pensar e agir dos indivíduos55.

A história da Internet revela uma sequência de acontecimentos relevantes

envolvendo a tecnologia da informação, desde a montagem da ARPANET, na

década de 1960 até a explosão da World Wide Web, na década de 1990, quando a

rede começa efetivamente a se consolidar.

A origem da Internet pode ser encontrada na ARPANET, um sistema de interligação

de redes de computadores criada pela Advanced Research Projects Agency

(ARPA), em setembro de 1969. A ARPA foi formada em 1958 pelo Departamento de

Defesa dos Estados Unidos, com a missão de mobilizar recursos de pesquisas,

especialmente do mundo universitário, com o objetivo de alcançar superioridade

tecnológica militar em relação à União Soviética no acirramento da Guerra Fria56. A

ARPANET, inicialmente interligava centros de pesquisas e tinha por fim proteger e

54 NOTA Conjunta do Ministério das Comunicações e Ministério da Ciência e Tecnologia. Disponível em http://cgi.br/legislacao/notas/nota-conjunta-mct-mc-maio-1995. Acesso em 20 de outubro de 2015. 55 CARR, Nicholas. A geração superficial. Rio de Janeiro: Editora Agir, 2011, p. 20-21. 56 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 13.

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impedir a destruição do sistema norte-americano de comunicações pelos soviéticos,

em caso de um ataque nuclear.

No entanto, as aplicações militares foram secundárias para o projeto. O principal

objetivo, de fato, era financiar as pesquisas voltadas para a ciência da computação

nos Estados Unidos. Foi então que a ARPANET passou a ser utilizada pelas

instituições acadêmicas ao redor do mundo como um sistema de comunicação

visando fomentar as pesquisas científicas. O projeto original de construção da

ARPANET teve como base três princípios segundo os quais a Internet opera ainda

hoje: “uma estrutura de rede descentralizada; poder computacional distribuído

através dos nós da rede; e redundância de funções na rede para diminuir o risco de

desconexão”57.

A ARPANET foi, desde o seu início, difundida no meio acadêmico, sendo uma

importante ferramenta de compartilhamento de informações entre universidade e

outros institutos de pesquisas. Funcionava como um sistema de dados

empacotados, conforme nos ensinam Asa Briggs e Peter Burke. “Qualquer

computador podia se ligar à Net de qualquer lugar, e a informação era trocada

imediatamente, em “fatias” dentro de “pacotes”. O sistema de envio quebrava a

informação em peças codificadas, e o sistema receptor juntava-a novamente, depois

de ter viajado até o seu destino”58.

Um importante avanço ocorreu em 1973, com a criação do Protocolo de Controle de

Transmissão/Protocolo Internet (Transmission Control Protocol – Internet Protocol -

TCP/IP), um sistema que permite a comunicação/conexão entre computadores de

diferentes configurações e sistemas operacionais, que é a base da atual Internet59.

Em seguida, tornou-se possível a conexão da ARPANET com outras redes de

computadores de vários centros de pesquisa, viabilizando a formação de uma rede

de computadores global, o que introduziu um novo conceito para a Internet: uma

57 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 20. 58 BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar Editor, 2004, p. 311. 59 RESINA, Jane. Desmistificação da Internet para Advogados. In: BLUM, Renato M.S. Opice (Org.). Manual de Direito Eletrônico e Internet. São Paulo: Lex Editora, 2006, p. 29.

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rede de redes. Portanto, a partir da adoção dos protocolos TCP-IP pode-se falar em

Internet como sinônimo de rede mundial de computadores.

Na década de 1990, a maioria dos computadores dos Estados Unidos já tinha

capacidade de entrar em redes, o que foi a base para a propagação da interconexão

de redes. Nessa época, a Internet deixa de ser uma ferramenta apenas de uso

acadêmico e militar e começa a ser explorada comercialmente, em âmbito mundial.

Foi a partir daí que a Internet cresceu rapidamente como uma rede global de redes

de computadores e passou a ser objeto de desejo dos mais diversos entes da

sociedade.

Entretanto, o que permitiu a Internet alavancar definitivamente no mundo todo e se

transformar em um fenômeno global e verdadeiro instrumento de informação, como

a que conhecemos, foi o desenvolvimento da World Wide Web (www), em 1991, cuja

autoria é reputada a Tim Berners-Lee60. Trata-se de “um sistema de documentos

interligados que são acessados por meio de navegadores”61, ou seja, uma forma de

compartilhamento de informações em forma de sons, imagens ou textos formatados.

Assim define Cari Mostert:

World Wide Web (www) é um sistema de acesso a hiperlinks baseado em documentos textuais interligados que usam a Internet como ferramenta para acessar páginas da Web. A Internet não deve ser confundida como a World Wide Web”.62

O primeiro navegador comercial disponível na Internet, o Nestscape Navigatior, foi

lançado em outubro de 1994. Logo em seguida, a Microsoft finalmente apostou na

Internet e introduziu seu próprio navegador, o Internet Explorer.

Segundo Asa Briggs e Peter Burke, o grande avanço no desenvolvimento da Internet

ocorreu entre 1993 e 1995, quando uma rede que até então era dedicada à pesquisa

60 Tim Berners-Lee era um programador inglês que trabalhava na CERN, o Laboratório Europeu para a Física de Partículas, com sede em Genebra. 61 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 24. 62 MOSTERT, Cari. Internet Glossary A to Z of terms and acronyms. USA: Copymoz, 2012. “World Wide Web (www) is a hyperlink accessing system based on hypertext interlink documents using the Internet tool to provides access to Web pages. The Internet is not to be confused with the World Wide Web.”

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acadêmica se tornou a rede das redes, aberta a todos. Foi então que a Internet

passou a ser explorada comercialmente, em âmbito mundial, e reconhecida para a

sociedade em geral. Assim também esclarece Manuel Castells:

Embora a Internet tivesse começado na mente dos cientistas da computação no início da década de 1960, uma rede de comunicações por computador tivesse sido formada em 1969, e comunidades dispersas de computação reunindo cientistas e hackers tivessem brotado desde o final da década de 1970, para a maioria das pessoas, para os empresários e para a sociedade em geral, foi em 1995 que ela nasceu.63

A Internet nasceu basicamente da reunião da big Science, representando o papel

das Universidades e Centros de Estudos, da pesquisa militar, representada pela

agência ARPA, vinculada ao Ministério da Defesa Americano, e da cultura libertária,

representada pelos indivíduos atualmente denominados hackers, que eram

estudantes provindos dos campi universitários nos anos 60. Portanto, a Internet não

teve origem no mundo dos negócios. Foi construída inicialmente para pesquisa e

não para o comércio. No entanto, quando a Internet atraiu interesses comerciais e

seu uso começou a se expandir, iniciou-se uma nova fase na história da Internet. A

partir desses novos interesses, ocorreu a origem do comércio eletrônico.

Reconhecendo a importância da Internet na contemporaneidade, Manuel Castells

afirma que a tecnologia da informação significa hoje o que a eletricidade foi na Era

Industrial. Neste sentido, a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica

quanto ao motor elétrico, em razão da sua capacidade de distribuir a informação

para todas as mais diversas atividades da humanidade. A Internet passou a ser a

base tecnológica para a forma organizacional da sociedade da informação, ou seja,

tornou-se a principal rede distribuidora de informações em uma nova forma de

sociedade – a sociedade de rede64.

Manuel Castells ressalta, ainda, que a Internet é um meio de comunicação que

permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento

específico e em escala global, e constitui uma transformação nas mais diversas

63 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 19. 64 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 07

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relações sociais pela utilização de um novo meio de comunicação. O uso da Internet

como sistema de comunicação e forma de organização expandiu expressivamente

nos últimos anos do segundo milênio, influenciando e moldando diretamente as

atividades comerciais, políticas, sociais e culturais65.

De uma forma bastante elucidativa, o autor supramencionado apresenta seis

eventos que tiveram implicações diretas na criação da Internet: a cooperação

característica do comportamento estabelecido entre pesquisadores, estudantes e

profissionais da computação no fim da década de 60 e início da década de 70, que

foi a base do que hoje permite a comunicação global, a qualquer tempo e em

qualquer espaço; a combinação entre ciência, pesquisa militar e cultura libertária da

época; o desenvolvimento da inovação tecnológica impulsionada nas universidades;

a arquitetura aberta dos protocolos de comunicação; a evolução autônoma da rede a

partir da produção e do uso das ferramentas não só por técnicos, mas pelos próprios

usuários; e, por fim, o governo da Internet, que não se deixou sucumbir ao governo

americano nem a uma estrutura descentralizada, mas a uma estabilidade que

caracteriza a Internet, acima de tudo, como uma criação cultural66.

A Internet é uma ferramenta que tem como características básicas o baixo custo,

conexão em tempo real, descentralização, ou seja, ausência de um mecanismo de

controle centralizado ou de um órgão regulador, interatividade, o que facilita a

comunicação e a troca de dados, desumanização e impessoalidade, já que as

transações são realizadas por meio de máquinas e de aparelhos eletrônicos, sem

contato físico entre os agentes.

Na prática, a Internet criou uma revolução nos meios de comunicação global e

alterou drasticamente as possibilidades de se comunicar e transacionar

comercialmente em todo o mundo, consolidando-se como o canal mais eficiente de

interligação entre empresas e consumidores, sejam eles indivíduos ou outras

organizações. O uso da Internet como sistema de comunicação e forma de

organização expandiu expressivamente, influenciando diretamente as atividades

65 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 08. 66 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013, p. 13-32.

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46

econômicas, políticas, culturais e a forma de atuação das empresas no mundo dos

negócios, que refletiram diretamente em transformações na forma de consumo e no

surgimento do comércio eletrônico.

Para elucidar a importância e expansão da Internet, citamos alguns números

impressionantes de usuários ao redor mundo. Atualmente, de acordo com os dados

divulgados pela Internet World Stats67, considera-se uma base de 3.270.490.584

usuários de Internet no mundo. Desse total de usuários, considerando o mundo

divido por regiões, temos que 47,8% estão localizados na Ásia, 18,5% na Europa,

10,2% na América Latina/Oceania, 9,6% na América do Norte, 9,6% na África, 3,5%

no Oriente Médio e 0,8% na Oceania/Austrália.

Entretanto, se considerarmos a penetração da Internet nas diversas regiões do

mundo, o cenário muda um pouco e a América do Norte aparece com a maior

porcentagem de população com acesso à Internet, no total 87,9%, em seguida vem

a Europa com 73,5% de usuários da Internet, seguida pela Oceania/Austrália com

72,9%, América Latina/Caribe com 53,9% e, por fim, Oriente Médio (49%), Ásia

(38,8%) e África (27%).

1.4.2 A Internet no Brasil

No Brasil, as primeiras manifestações de uso da Internet ocorreram no final da

década de 1980, com o surgimento das redes acadêmicas que interligavam grandes

universidades e centros de pesquisa e somente anos depois foi destinada a usuários

domésticos e empresas.

Segundo Maria Eugênia Finkelstein, o início efetivo da Internet no país se deu entre

1988 e 1989, quando a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo

(FAPESP), ligada à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia começou a fazer

contatos e trocar informações com as instituições científicas internacionais. O

objetivo era estabelecer uma rede de comunicação para que pesquisadores e 67 INTERNET Users in the World. Disponível em http://www.internetworldstats.com/stats.htm. Acesso em: 17 out. 2015.

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cientistas pudessem compartilhar dados com fins acadêmicos68. Inicialmente, as

conexões entre as instituições não eram diretas a computadores ligados à rede, mas

à BITNET, abreviatura de because it´s time network (porque é tempo das redes),

uma rede que trocava e-mails pela Internet, tendo sido, portanto, a primeira rede de

computadores utilizada no Brasil.

Em 1989 foi criada a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), pelo Ministério da

Ciência e Tecnologia, órgão acadêmico destinado a integrar as universidades

brasileiras numa rede, ainda sem conexão com a Internet. A RNP criou uma

estrutura física apropriada e eficiente de comunicação entre as instituições de ensino

e entidades governamentais que viabilizou o acesso à Internet. No mesmo ano, foi

fundado o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), com o

objetivo de democratizar o acesso às redes de computadores no país. Foi esse

instituto que colocou no ar o BBS Alternex, primeiro serviço de troca de e-mails e

grupos de discussão conectados à Internet fora do mundo acadêmico. Mas, foi

somente em 1991 que se estabeleceu, de fato, a primeira conexão com a Internet no

Brasil, por meio da FAPESP, que também começou a administrar o domínio “.br”69.

Em 1994, a Internet ultrapassou as fronteiras acadêmicas e começou a chegar aos

mais diversos setores da sociedade brasileira, principalmente, com o início do

funcionamento dos primeiros servidores Web do Brasil. Com a expansão da Internet

além do meio acadêmico, começaram a ser oferecidos correios eletrônicos e redes

de e-mails, surgiram as primeiras páginas pessoais de pesquisadores e estudantes

brasileiros, além de diversos sites brasileiros na Internet.

No entanto, foi somente em 1995 que o provedor de acesso privado foi criado no

Brasil, a partir da publicação de uma Nota Conjunta pelo Ministério das

Comunicações e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação70, tornando possível

o acesso comercial à rede mundial digital e, por conseguinte, a difusão dessa

68 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011. 69 ERCILA, Maria; GRAEFF, Antonio. A Internet. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 46. 70 Por meio da Portaria nº. 148, de 31/05/05, do Ministério das Comunicações, foi aprovada a Norma n. 4/95, que regulou o uso da Rede Pública de Telecomunicações para acesso à Internet, possibilitando aos provedores e usuários a utilização de serviços de conexão à Internet, marcando o nascimento comercial no Brasil.

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ferramenta para os mais variados setores da sociedade, conforme se destaca a

seguir:

[...] 1.4 A participação das empresas e órgãos públicos no provimento de serviços Internet dar-se-á de forma complementar à participação da iniciativa privada, e limitar-se-á às situações em que seja necessária a presença do setor público para estimular ou induzir o surgimento de provedores e usuários; [...] 3.2 Visando estimular o desenvolvimento da Internet no Brasil, será permitido aos provedores comerciais conectarem-se à RNP. Nesta situação a função da RNP será interligar redes regionais, estaduais ou metropolitanas, dando suporte ao tráfego de natureza acadêmica, comercial ou mista; [...] 4.4 Considerando que a prestação de serviços Internet a usuários finais vem sendo realizada pela Embratel, em regime de projeto piloto, esta manterá o serviço até o final do ano, limitando-o às senhas distribuídas até esta data [...].

A partir do acesso à Internet pelo setor privado, possibilitando sua exploração

comercial, o número de computadores brasileiros conectados à Rede aumentou

extraordinariamente, coincidindo com a fase de grande difusão da Internet no

mundo. Em 1995, já existiam mais de 20 provedores de acesso à Internet no Brasil.

Começam a surgir alguns serviços disponíveis para consulta on-line, como a

previsão do tempo e acompanhamento da Bolsa de Valores.

Nesse mesmo ano, foi publicada a Portaria Interministerial nº 147, que instituiu o

Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br), com o objetivo de fomentar o

desenvolvimento da Internet no país e auxiliar a regulação do sistema no

ordenamento jurídico brasileiro. Este órgão, que existe até hoje, é encarregado de

elaborar programas e projetos voltados à inovação e à implantação da Internet no

Brasil. Suas funções básicas incluem estabelecer diretrizes estratégicas

relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil, registro de nomes de

domínio, alocação de endereços IP (Internet Protocol) e administração pertinente ao

domínio de primeiro nível ".br". O CGI também promove estudos e recomenda

procedimentos para a segurança da Internet e propõe programas de pesquisa e

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49

desenvolvimento que permitem a manutenção do nível de qualidade técnica e

inovação no uso da Internet.71

Em meados de 1995, a Internet já tinha integrantes do setor empresarial no Brasil e

novos domínios eram solicitados a todo instante. Entretanto, o grande boom da rede

aconteceu ao longo do ano de 1996, principalmente em razão de sua expansão no

setor privado e abertura para serviços de natureza comercial, surgindo, assim, os

novos provedores de acesso comercial. Ocorre que, nessa época, o Brasil não tinha

uma infraestrutura suficiente para atender à demanda dos novos provedores de

acesso comercial e, principalmente, dos seus usuários. Foi, então, que a Embratel

decidiu implementar a maior infraestrutura de backbone Internet da América Latina,

fazendo decolar de vez o desenvolvimento da Internet no Brasil.

Diante desse avanço tecnológico, a Internet comercial brasileira cresceu

rapidamente, não só em volume de tráfego, mas também em número de usuários e

transações realizadas no comércio eletrônico. Surgiram diversas lojas virtuais,

portais de conteúdo e programas de busca no cenário brasileiro virtual. Nomes como

Booknet, Universo On Line (UOL), Brasil On Line (BOL), Cadê?, entre muitos outros,

colocaram a Internet nas páginas de jornais, de revistas e em programas de

televisão, atraindo, cada vez mais, consumidores que possuíam acesso aos

computadores72.

A partir de 1997, já foi possível entregar a declaração de Imposto de Renda pela

Internet, diversos bancos, lojas e empresas já possuíam sites para transmitir

informação e interagir com os consumidores. Em 1998, foram contabilizados 1,8

milhão de brasileiros que usavam a Internet no país somente nas nove principais

cidades brasileiras, surge o primeiro serviço de acesso via rádio e o primeiro via

cable modem. As transformações resultantes do uso da Internet nas diversas

atividades do cotidiano não param de se manifestar.73

71 COMITÊ Gestor da Internet do Brasil (CGI.br). Sobre o CGI.br Disponível em: <http://www.cgi.br/sobre/>. Acesso em: 15 jan. 2015. 72 CARVALHO, Marcelo Sávio Revoredo Menezes de. A trajetória da Internet no Brasil: do surgimento das redes de computadores à instituição dos mecanismos de governança. 2006. 239 folhas. Dissertação (Mestrado em Ciências de Engenharia de Sistemas e Computação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p. 144. 73 ERCILA, Maria; GRAEFF, Antonio. A Internet. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 104.

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Com a descoberta desse mundo digital conectado em rede e que proporciona uma

interação nunca vivenciada antes, a Internet decola no Brasil em um ritmo

avassalador no final da década de 1990. Os usuários se multiplicam dia a dia, o

capital internacional começa a se interessar pelo marcado brasileiro, os provedores

disponibilizam e-mails gratuitos, surgem os serviços de busca on-line e tantos outros

serviços são oferecidos na Internet que o Brasil ganha logo destaque entre os

países com grande número de usuários da Rede.

O ano de 1999 encontra o país tomado pela febre da Internet. [...] A Internet está em toda a parte: outdoors, campanhas de TV, revistas e jornais. O Brasil já é o sexto país do mundo em número de usuários da Internet. Estréiam sites de leilões, portais verticais e filiais de multinacionais num ritmo muito veloz. [...] Segundo pesquisa Datafolha, o número de usuários da Internet no Brasil atinge 7,6 milhões.74

Com o crescimento da Internet no Brasil, os processos de troca foram facilitados,

fazendo com que empresas, pessoas, governos e demais entes conectados a essa

Rede, pudessem obter informações, adquirir serviços ou produtos sem sair de casa

ou do escritório, alterando drasticamente as relações socioeconômicas no país.75

No século XXI, a Internet não para de crescer no Brasil. As mais variadas

ferramentas digitais utilizadas em outros países também passam a ser aproveitadas

no Brasil. Em 2004, a rede social Orkut se disseminou entre os internautas

brasileiros; em 2005, o Google abre seu escritório no país; em 2006, o Governo

Brasileiro edita a Lei Federal n. 11.419 que informatizou o processo judicial no país,

representando um grande avanço tecnológico para o judiciário brasileiro. Já no ano

de 2008, a rede social Facebook começa a fazer grande sucesso no Brasil e

rapidamente se torna a grande atração da comunicação digital entre os brasileiros,

atingindo o número de 92 milhões de pessoas que acessaram a plataforma todo o

mês no país em 2014, o que corresponde a 45% de toda a população brasileira,

destacando-se ainda o número de 2,1 milhões de pequenas e médias empresas que

74 ERCILA, Maria; GRAEFF, Antonio. A Internet. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 49 e 104. 75 LIMA, Eduardo Weiss Martins de. Proteção do consumidor brasileiro no comércio eletrônico internacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 4.

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anunciaram seus produtos e serviços na plataforma para impulsionar seus negócios

em 201476.

Com o objetivo de coordenar e integrar as atividades realizadas na Internet em

âmbito brasileiro existe o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), conforme

exposto acima, o qual hoje conta com várias subdivisões responsáveis por

demandas específicas. As ações do CGI.br são baseadas em um modelo

multissetorial de governança da Internet, do qual participam membros da sociedade

civil entre representantes do terceiro setor, da comunidade acadêmica, do segmento

empresarial e um representante de notório saber em assuntos de Internet, bem

como integrantes do governo.

O Brasil também conta com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR

(NIC.br), uma entidade civil e sem fins lucrativos, responsável por implementar as

decisões e projetos do CGI.br e dentre suas atribuições estão: o registro e a

manutenção dos nomes de domínios que usam o “.br” por meio do departamento

denominado Registro.br; o tratamento e resposta a incidentes de segurança em

computadores envolvendo redes conectadas à Internet no Brasil, atividades do

CERT.br; projetos que apoiem ou aperfeiçoem a infraestrutura de redes no país, que

ficam a cargo do CEPTRO.br; a produção e divulgação de indicadores, estatísticas

e informações estratégicas sobre o desenvolvimento da Internet no Brasil, sob

responsabilidade do CETIC.br; promover estudos e recomendar procedimentos,

normas e padrões técnicos e operacionais, para a segurança das redes e serviços

de Internet, assim como, para a sua crescente e adequada utilização pela

sociedade; viabilizar a participação da comunidade brasileira no desenvolvimento

global da Web, atividade desenvolvida pelo Ceweb.br; hospedar o Escritório

brasileiro do W3C (World Wide Web Consortium), que tem como principal atribuição

desenvolver protocolos e diretrizes para garantir o crescimento da Web em longo

prazo. O escritório do W3C no Brasil promove atividades locais articuladas junto a

universidades, órgãos governamentais, empresas, centros de pesquisa,

76 45% da população brasileira acessa o Facebook mensalmente. Disponível em https://www.facebook.com/business/news/BR-45-da-populacao-brasileira-acessa-o-Facebook-pelo-menos-uma-vez-ao-mes. Acesso em: 21 out. 2015.

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comunidades de desenvolvedores, usuários e interessados em temas referentes ao

uso e desenvolvimento de tecnologias Web.

Nesse contexto da revolução da tecnologia e predomínio do uso da Internet nos

mais diversos setores da vida social, o governo brasileiro vem desenvolvendo ações

para promover a universalização do acesso e o uso crescente dos meios eletrônicos

de informação, na medida em que reconhece que a sociedade brasileira está

definitivamente inserida na era da tecnologia da informação, dominada pela

Internet77. Assim, também surge a necessidade de aprimoramento do pensamento

jurídico em torno das atividades dominadas pela Internet.

A criação de uma consciência do consumidor e a entrada da Internet nas residências foram essenciais para que pudéssemos construir um pensamento jurídico sustentável, com base em padrões de conduta vivenciados na experiência de problemas práticos e de soluções que já vêm sendo aplicadas, algumas boas e outras a serem ainda aperfeiçoadas.78

No Brasil, atualmente, 57,6% de sua população tem acesso à Internet, o que

representa cerca de 117.6 milhões de usuários. Se compararmos os anos de 2000,

quando tínhamos cerca de 5 milhões de usuários, e 2015, notamos um aumento

exponencial, de aproximadamente 2.253% do número de pessoas com acesso à

Internet no país.79

Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015)80, o hábito de uso da

Internet tem se intensificado constantemente. Dentre a população com acesso à

Internet no país, 76% acessam a Rede todos os dias e ficam conectados, em média,

4h59min por dia durante a semana e 4h24min nos finais de semana, valores

superiores aos obtidos pela televisão. Mais do que as diferenças regionais, são a

escolaridade e a idade dos entrevistados os fatores que impulsionam a frequência e

a intensidade do uso da Internet no Brasil.

77 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 39. 78 PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 2. 79 INTERNET world stats. Top 20 countries with the highest number of internet users. 30 jun. 2015. Disponível em: <http://www.internetworldstats.com/top20.htm>. Acesso em: 20 out. 2015. 80 BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação social. Pesquisa Brasileira de Mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. 2015. Disponível em: <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf >. Acesso em: 20 out. 2015.

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Considerando o recorte por escolaridade, a pesquisa mostra que 87% dos

respondentes com ensino superior acessam a Internet pelo menos uma vez por

semana, enquanto apenas 8% dos entrevistados que estudaram até 4ª série o fazem

com a mesma frequência. Tendo por base a idade dos entrevistados, os dados

mostram que 65% dos jovens na faixa de 16 a 25 se conectam todos os dias. Entre

os que têm acima de 65 anos, esse percentual cai para 4%. Considerando os

motivos que impulsionam o uso da Internet, os resultados apontam que os

internautas estão em busca, principalmente, de informações (67%), diversão e

entretenimento (67%), de uma forma de passar o tempo livre (38%) e de estudo e

aprendizagem (24%).

Por fim, a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 mostra que o uso de aparelhos

celulares como forma de acesso à Internet vem se destacando como uns dos

principais canais de acesso, representando 66% dos usuários, e já compete com o

acesso por meio de computadores ou notebooks, que atinge o número de 71% dos

usuários. Com relação ao uso das redes sociais entre os internautas brasileiros,

conclui-se que as mais utilizadas são o Facebook (83%), o Whatsapp (58%), o

Youtube (17%), o Instagram (12%).

Portanto, é notório o avanço do acesso e a utilização da Internet pela população

brasileira e a importância dessa ferramenta para o desenvolvimento dos mais

diversos setores da economia, impactando diretamente na forma de consumo e

impulsionando o crescimento do comércio eletrônico, conforme veremos no próximo

capítulo deste trabalho.

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2 COMÉRCIO ELETRÔNICO

O desenvolvimento da Internet e as consequentes facilidades trazidas para a

comunicação, agora realizadas no espaço virtual, impactaram sobremaneira os

negócios jurídicos e fomentaram o surgimento do denominado comércio eletrônico,

também conhecido como e-commerce.

2.1 DEFINIÇÃO E FORMAS DE CONTRATAÇÃO NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

As transações comerciais que até então eram realizadas de modo off line, com o

advento da rede de computadores, passam a ser feitas de maneira mais rápida e

instantânea, garantindo aos consumidores o acesso a inúmeros produtos e serviços,

nacionais e estrangeiros, a partir de uma simples transação comercial eletrônica81.

O constante desenvolvimento da tecnologia e o crescimento das redes de

comunicação criaram um mundo digital sem fronteiras, no qual produtos e serviços

podem ser trocados em qualquer parte do mundo de forma prática e rápida, o que

impulsionou o denominado comércio eletrônico. Este comércio virtual ocorre entre

fornecedores e consumidores mediante a celebração de contratos à distância e por

meio eletrônicos, sem a presença física e simultânea das partes envolvidas no local

da transação comercial.

Cláudia Lima Marques define comércio eletrônico sob dois aspectos distintos:

Podemos definir comércio eletrônico de uma maneira estrita, como sendo uma das modalidades de contratação não-presencial ou à distância para a aquisição de produtos e serviços através do meio eletrônico ou via eletrônica. De maneira ampla, podemos visualizar o comércio eletrônico como um novo método de fazer negócios através de sistemas e redes eletrônicas. Lato sensu, pois, o comércio eletrônico abrangeria qualquer forma de transação ou troca de informação comercial ou visando a

81 AMARAL JÚNIOR, Alberto do; VIEIRA, Luciane Klein. As recentes alterações no direito brasileiro sobre o arrependimento nas relações de consumo estabelecidas por meios eletrônicos: legislação atual e norma projetada. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v.22, n.90, p.215-243, nov./dez. 2013, p. 215-243.

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negócios, aquelas baseadas na transmissão de dados sobre redes de comunicação como a Internet, englobando todas as atividades negociais, juridicamente relevantes, prévias e posteriores à venda ou à contratação82.

Rocío de Rosseló Moreno apresenta uma definição de comércio eletrônico em

sentido amplo, demonstrando a abrangência dessa modalidade de negociação.

O comércio eletrônico pode ser definido em sentido amplo como qualquer forma de transação ou troca de informação comercial com base na transmissão de dados em redes de comunicação, como a Internet. Incluem-se aqui todas as atividades anteriores e posteriores à venda, englobando, portanto, todas as fases do negócio empresarial. Estas abarcam a publicidade, a busca de informações sobre produtos, os fornecedores, o atendimento ao cliente antes e depois da venda, a distribuição dos bens e serviços adquiridos e os pagamentos eletrônicos (tradução nossa)83.

Segundo Newton de Lucca, “o comércio eletrônico nada mais é do que o conjunto

das relações jurídicas celebradas no âmbito do espaço virtual que têm por objeto a

produção ou circulação de bens ou de serviços84”.

Assim, para Antônia Espíndola Longoni Klee:

Comércio eletrônico é o termo utilizado para expressar toda e qualquer forma de transação comercial em que as partes interagem eletronicamente, em vez de estabelecer um contato físico direto e simultâneo. Isto é, no comércio eletrônico, as relações entre as partes se desenvolvem a distância por via eletrônica. O comércio eletrônico caracteriza-se pelas operações comerciais que se desenvolvem por meios eletrônicos ou informáticos, ou seja, o conjunto de comunicações eletrônicas realizadas com objetivos publicitários ou contratuais entre as empresas e seus clientes85.

82 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 38-39. “É o comércio clássico de atos negociais entre empresários e clientes para vender produtos ou serviços, agora realizado através de contratação à distância, conduzidas por meios eletrônicos (e-mail, mensagens de texto, etc.), por Internet ou por meios de telecomunicações de massa (telefones fixos, televisão a cabo, telefones celulares, etc)”. (MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.35-36) 83 MORENO, Rocío de Rosselló. El comercio electrónico y la protección de los consumidores. Barcelona: Cedecs, 2001, p. 15-16. “Se puede definir el comercio electrónico em sentido amplio, como cualquier forma de transacción o intercambio de información comercial basada em la transmisión de datos sobre redes de comunicación como Internet. Se incluyen aqui todas las actividades previas y posteriores a la venta, englobando por tanto, todas lãs fases del negocio empresarial. Éstas abarcan, la publicidad, la búsqueda de información sobre productos, provedores, la atención al cliente antes y después de la venta, la distribución de los bienes y servicios adquiridos y los pagos electrónico”. 84 LUCCA, Newton de. Aspectos atuais da proteção aos consumidores no âmbito dos contratos informáticos e telemáticos. In. ______. (Coord.). Direito & Internet: aspectos jurídicos relevantes. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008, p. 48. 85 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 71.

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Na visão de Maria Eugênia Finkelstein, “o comércio eletrônico nada mais é do que

uma modalidade de compra a distância, na qual são recebidas e transmitidas

informações por meio eletrônico”86.

Portanto, podemos entender o comércio eletrônico como um conjunto de transações

comerciais realizadas em um ambiente virtual cujo objeto é a compra e venda de

produtos ou a prestação de serviços. Neste sentido, as relações travadas

virtualmente entre fornecedores e consumidores, por meio de transações eletrônicas

de dados por meio de um computador ou qualquer veículo de comunicação em que

não há contato físico entre as partes, pode ser conceituada como atividade de

comércio eletrônico.

Com efeito, o comércio eletrônico tem sido uma nova maneira de realizar transações

comerciais, de eliminar barreiras geográficas ao comércio e de transformar

completamente os sistemas econômicos, o qual pode ser classificado de diversas

formas, dependendo de quem são as partes envolvidas e qual o objeto que está

sendo contratado.

É justamente da análise do objeto e das partes envolvidas que classificamos o

comércio eletrônico a seguir. As formas mais comuns de comércio eletrônico são:

business to business, business to government, consumers to government, business

to consumers e, ainda, consumer to consumer. Importante, para o nosso estudo,

distinguir, dentre essas facetas do comércio eletrônico, aquela que representa uma

relação de consumo.

A primeira relação comercial conhecida como business to business (B2B) é aquela

que se efetiva entre empresas, na comercialização de produtos e na prestação de

serviços entre fabricantes, fornecedores e comerciantes, sem a participação do

consumidor final. Envolve uma circulação de informações entre duas ou mais

empresas. Portanto, não se trata de relação de consumo, nos termos do Código de

Defesa do Consumidor. Em seguida, podemos citar a relação comercial que ocorre

86 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 38.

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entre comerciante e Estado, denominada internacionalmente como business to

government (B2G) e ainda a relação entre consumidores e o Estado, também

conhecida como consumers to government.

Temos, também, a relação entre empresas e consumidores finais, conhecida como

business to consumer (B2C), e-commerce ou, ainda, comércio eletrônico entre

fornecedor-consumidor. São os negócios efetuados na Internet entre empresas, no

papel de fornecedoras, e o consumidor final, que adquire os produtos para consumo

próprio. Aqui estamos diante de uma relação de consumo, e, portanto, é esta

relação que será objeto de estudo ao longo desse trabalho.

Por fim, podemos citar o comércio eletrônico realizado entre usuários particulares da

Internet, o denominado consumer to consumer (C2C), ou seja, é a uma relação entre

dois consumidores finais, sem a participação de um comerciante intermediário. Os

indivíduos vendem, diretamente em anúncios classificados pessoais, carros,

propriedades residenciais, entre outros. Essa relação entre dois consumidores não

configura uma relação de consumo, nos termos da lei consumerista.

Vale destacar, ainda, a classificação de comércio eletrônico, mencionada por

Antônia Espíndola Longoni Klee, levando em consideração a forma como o negócio

é finalizado e a entrega do produto ou serviço pactuado: o comércio eletrônico

indireto e o comércio eletrônico direto.

No comércio eletrônico indireto, a declaração de vontade para a celebração do

contrato é emitida por meios eletrônicos, no entanto o cumprimento das obrigações

é realizado pelos canais tradicionais, com a entrega física pelos serviços postais ou

pelos serviços privados de entrega. Essa modalidade de comércio eletrônico refere-

se à aquisição eletrônica de bens corpóreos, como livros, CDS, equipamentos

eletrônicos, produtos de beleza, peças de vestuário e demais produtos que serão

entregues fisicamente.

No comércio eletrônico direto, por sua vez, a oferta e a aceitação, o pagamento e a

entrega dos produtos e serviços são feitos on-line, uma vez que o objeto dos

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58

contratos são bens incorpóreos ou a prestação de serviços como download de

software, jogos, música ou filme. Nesse caso, o objeto da relação de consumo é

intangível e pode ser transmitido virtualmente.87

Atualmente, existem diversas formas de ofertar produtos e serviços na Internet, ou

seja, maneiras de divulgar informações e exercer o comércio para o consumidor final

no meio digital. Citamos, rapidamente, as mais conhecidas, a saber:

(i) lojas virtuais: oferta de produtos e serviços por meio dos sites das empresas

diretamente ao consumidor;

(ii) sites de compras coletivas: sites que reúnem ofertas de diversos

estabelecimentos comerciais anunciando descontos vantajosos aos consumidores;

(iii) m-commerce (Mobile commerce): transações comerciais realizadas via telefone

celular;

(iv) leilão virtual: aquisição, via Internet, para quem der o maior lance em

determinado produto;

(v) marketplace: ambiente virtual utilizado por diversos comerciantes para a oferta e

venda de seus produtos e serviços, sem, no entanto, participar diretamente das

transações entre os comerciantes e os usuários do site. Em outros termos, uma

empresa é responsável pela gestão, administração e operação dos sites de

comércio eletrônico e outra empresa anunciará e comercializará seus produtos e

serviços por meio do ambiente de comércio eletrônico desenvolvido pela primeira

empresa.

Conforme apontado, atentar-nos-emos para o estudo da relação comercial entre

empresa e consumidor final (B2C). Assim sendo, passaremos a analisar as

principais características e contribuições desse comércio eletrônico realizado entre a

classe empresária e o consumidor final.

87 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 72.

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59

2.2 CONTRIBUIÇÕES E CONTROVÉRSIAS ADVINDAS DO

COMÉRCIO ELETRÔNICO

O comércio eletrônico trouxe inúmeras contribuições para o desenvolvimento das

relações de consumo nessa sociedade da informação ou na era digital, resultando

em grandes transformações na forma de consumir os produtos e serviços. No

entanto, também nos deparamos com diversos aspectos negativos ou controvertidos

advindos dessa nova forma de contratar sem a presença física dos contraentes.

Dentre as contribuições do comércio eletrônico88, podemos destacar as mudanças

ocorridas no relacionamento e na comunicação entre empresas e consumidores e

na redução de custo para inserção de produtos e serviços nesse ambiente virtual. A

Internet cria uma nova maneira de alcançar os consumidores, proporcionando uma

melhoria na comunicação com os clientes, mais eficiência nas relações de vendas e

mais atratividade para os mercados. Assim sendo, os sistemas de comércio

eletrônico representam um novo canal altamente atraente de vendas e distribuição

para os produtos e serviços, que permitem, ainda, as empresas colocarem no

mercado seus bens com grande economia de custo.

Diante desse novo canal de vendas com amplo acesso via Internet, o comércio

eletrônico também se destaca como um importante instrumento de pesquisa de

preços e produtos e/ou serviços, resultando em uma grande vantagem para o

consumidor, que acaba tendo maior possibilidade de escolha do produto ou mesmo

do serviço de seu interesse, de acordo com seus critérios e necessidades, tendo a

oportunidade de comparar preços e demais condições contratuais com maior

facilidade em um curto espaço de tempo, sem necessidade de se locomover

fisicamente para tanto, já que todo esse processo de pesquisa e de comparação

ocorre de forma instantânea no ambiente virtual.

Tendo em vista o contato direto, rico em troca de informações e interativo com os

consumidores, proporcionado pelo comércio eletrônico, destaca-se como mais um

88 Informações apresentadas de acordo com Alberto Luiz Albertin. (ALBERTIN, Alberto Luiz. Modelo de comércio eletrônico: um estudo no setor bancário. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 39, p. 64-76, jan.-mar., 1999, p. 68)

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60

benefício, o desenvolvimento de ofertas de produtos e serviços direcionadas para

um público mais específico. Assim, é a oportunidade da realização de um marketing

direcionado aos diferentes públicos de um mesmo produto ou serviço, despertando

em cada indivíduo o desejo pelos bem ofertados de acordo com seus anseios e

necessidades específicas.

Além disso, o comércio eletrônico pode representar uma economia direta para as

empresas ao reduzir expressivamente os custos de comercialização, distribuição e

operação dos produtos e serviços disponibilizados aos consumidores, na medida em

que utiliza uma infraestrutura digital pública e compartilhada, como a Internet, ao

invés de usar uma infraestrutura própria. O estabelecimento virtual torna-se menos

oneroso dentre outros fatores, pois as empresas conseguem reduzir custos com a

locação de espaços físicos para exposição dos produtos, atendimento dos

consumidores e manutenção do estoque, que pode ficar armazenado diretamente no

fornecedor responsável por distribuir a mercadoria ao consumidor final, além de

diminuição de mão de obra, já que não existe um atendimento físico ao consumidor.

Atrelado a essa redução de custos de operação no meio virtual, tem-se o custo de

publicidade na Internet, o qual ainda é muito menor do que nos meios de

comunicação tradicionais, como televisão e rádio, por exemplo. Essa redução de

custo das empresas torna-se, também, um grande atrativo para os consumidores,

que muitas vezes são beneficiados com a redução de preço dos produtos no

comércio virtual, resultado da economia proporcionada pelo sistema.

O comércio eletrônico incentiva, ainda, a criação de estratégias competitivas entre

os fornecedores que operam nesse ambiente que exige versatilidade e criatividade

para que possam permanecer inovando e incrementando seus negócios a fim de se

manterem competitivos e atraentes para os consumidores virtuais. No ambiente

eletrônico, tudo acontece em uma velocidade muito acelerada, o que demanda uma

constante inovação por parte daqueles que atuam nesse meio virtual para que

possam acompanhar os avanços da tecnologia da informação e inovar na forma de

negociar.

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61

Na visão de Tarcísio Teixeira, o comércio eletrônico tem promovido o que ele chama

de “democracia comercial”, na medida em que, diante da redução de custos de

transação para se comercializar na Internet, considerando os custos de divulgação,

negociação e distribuição dos bens, os produtos que até então eram considerados

menos expressivos, de marcas ainda não consagradas, passam a ser

comercializados com mais força de venda e penetração no mercado, utilizando-se

da rede mundial de computadores e atingido os mais variados consumidores com os

mais diversificados produtos e marcas89.

O comércio eletrônico possibilita, ainda, a diminuição da cadeia distributiva das

mercadorias, na medida em que os fabricantes e os prestadores de serviços podem

vender diretamente seus produtos e serviços para o consumidor final, não

necessitando obrigatoriamente de intermediários. Além disso, as empresas podem

manter a comercialização dos seus bens em tempo integral, vinte e quatro horas por

dia, sem necessidade de observar as limitações de horário de funcionamento dos

estabelecimentos físicos.

Por fim, outro fator de destaque no comércio eletrônico é a acessão de comerciantes

que atuam somente na intermediação de operações na Internet, como o caso do

Amazon.com, eBay e MercadoLivre, que são utilizados cada vez mais pelos

fabricantes para a distribuição de produtos e prestação de serviços por deterem

know-how de como melhor divulgar e vender os produtos junto aos consumidores, já

que, a todo momento, inovam com a criação de técnicas de venda para atrair cada

vez mais consumidores90.

Nesse contexto, Laura de Toledo Ponzoni Marcondes também destaca alguns

atrativos do comércio eletrônico:

Muitos são os atrativos do comércio eletrônico. Ele permite a concretização dos negócios de maneira mais célere; é inegavelmente mais cômodo, já que o consumidor pode realizar negócios diretamente de sua residência, ou do local que mais lhe aprouver; facilita o acesso a mais opções, a coleta de

89 TEIXEIRA, Tarciso. Comércio eletrônico: conforme o Marco Civil da Internet e a regulamentação do e-commerce no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 30. 90 TEIXEIRA, Tarciso. Comércio eletrônico: conforme o Marco Civil da Internet e a regulamentação do e-commerce no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 31.

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informações e a realização de pesquisas sobre os produtos ou serviços a serem adquiridos; e, em alguns casos, são ofertados preços menores do que os praticados nos estabelecimentos empresariais dos fornecedores, já que ocorre a redução dos custos operacionais91.

Diante de tantas vantagens trazidas pelo comércio eletrônico, atreladas a algumas

das características do novo ambiente empresarial, tais como: globalização,

integração interna e externa das organizações, entre outras, as quais têm

confirmado a tendência de utilização do comércio eletrônico em grande escalada

tanto no cenário mundial quanto no Brasil.

Entretanto, o comércio eletrônico também representa um grande desafio legal para a

sociedade da informação, principalmente no tocante à segurança das negociações e

da proteção do consumidor diante dessas transações agora realizadas no ambiente

virtual. Com o advento do comércio eletrônico, surgem novos modos de contratar

ainda não contemplados nas legislações, o que demanda uma adaptação do cenário

jurídico ao redor do mundo.

Ressalta-se que essa nova forma de contratação por meio da Internet ainda gera

uma grande desconfiança para o consumidor, na medida em que esse ambiente

cibernético possui características que podem transmitir uma sensação de

insegurança. A distância física característica da relação de consumo virtual interfere

na sensação de segurança do consumidor no momento da contratação. Além disso,

a velocidade das transações pode interferir na qualidade das informações que o

consumidor necessita, bem como o desconhecimento técnico das ferramentas da

Internet podem colocar o consumidor em posição de maior vulnerabilidade em

relação ao fornecedor.

Um dos pontos controversos identificados no comércio eletrônico refere-se ao

reconhecimento e à validade dos contratos efetuados no meio digital, bem como da

assinatura digital, cada vez mais presentes nas relações comerciais, uma vez que as

transações eletrônicas efetuadas na Internet se formalizam em documentos

eletrônicos, os quais são utilizados para a comprovação dos negócios jurídicos.

91 MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Aplicação do código de defesa do consumidor ao comércio eletrônico. In: LOPEZ, Teresa Ancona Lopez (Coord.). Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 411.

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Outro aspecto de extrema relevância e preocupação, envolvendo o comércio

eletrônico, está relacionado à tutela do consumidor. Diversas questões legais

abrangendo a proteção do consumidor no ambiente virtual, desde vícios de

informação, privacidade e intimidade, formação de bancos de dados e até fraudes,

estão relacionadas ao comércio eletrônico.

A privacidade e a intimidade são valores assegurados pela Constituição Federal

1988, relacionados ao nome, à imagem, aos dados de caráter pessoal, dentre outros

vários aspectos da vida privada.

No meio eletrônico, surgem diversas ferramentas e aplicativos que recolhem dados

relativos aos consumidores como, por exemplo, suas preferências e interesses em

matéria de consumo, passando tais informações a serem utilizadas pelas empresas

com o objetivo de direcionar e personalizar as ofertas veiculadas, violando a

privacidade dos consumidores92.

Quanto à formação dos bancos de dados dos consumidores usuários da Internet,

surgem grandes divergências e abusos dos fornecedores no tocante à utilização não

autorizada desses dados a terceiros interessados.

Além desses pontos elencados acima, que serão abarcados nesse trabalho,

citamos, apenas para pontuar como outros aspectos controversos do comércio

eletrônico, a tutela da propriedade intelectual, que vem enfrentando difíceis

obstáculos, já que é fácil e pouco custoso copiar e disseminar informações na

Internet, e, ainda, a responsabilidade civil dos provedores de acesso e, por fim, a

jurisdição sobre as transações. Esses são alguns desafios a serem debatidos e

enfrentados pela sociedade.

92 MELLO, Lília Maranhão Leite Ferreira de; VASCONCELOS, Fernando Antônio de. As relações de consumo eletrônicas e a proteção do consumidor virtual sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f87e955fd6b89f89>. Acesso em: 20 jan. 2015.

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2.3 ESTATÍSTICAS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL

Atualmente já são mais de 100 milhões de internautas no Brasil, sendo que, 80%

desses usuários acessam sites de comércio eletrônico regularmente93. Interessante,

ainda, apontar que 70% dos internautas acessam lojas de varejo, 51% acessam

sites de marketplace e 37% acessam sites de comparadores de preço.

De acordo com os dados revelados pela E-Bit94, nos recentes Relatórios

WebShopper95de 2015, apesar das adversidades econômicas vividas pelo Brasil, o

ano de 2014 apresentou resultado bastante positivo para o comércio eletrônico no

Brasil, tendo superado a expectativa inicial. O setor teve um faturamento de R$ 35,8

bilhões em 2014, o que representou um crescimento nominal de 24% em relação ao

ano anterior, quando se vendeu um total de R$ 28,8 bilhões. Já no primeiro

semestre de 2015, apesar da elevação de juros, a disparada da inflação, o aumento

do desemprego e a desaceleração do crédito, o comércio eletrônico manteve sua

ascensão e atingiu um faturamento de R$ 18,6 bilhões, o que representa um

aumento nominal de 16% em relação ao mesmo período de 2014. Apesar de uma

pequena desaceleração no primeiro semestre de 2015, se comparado aos últimos

anos, o comércio eletrônico ainda continua crescendo a taxas elevadas.

Assim como o faturamento das lojas cresceu, também o número de pedidos feitos

pela Internet em 2014 foi 17% maior que registrado no ano anterior, totalizando

103,4 milhões de pedidos. O tíquete médio no período ficou em R$ 347,00, valor 6%

acima do registrado em 2013, período em que a média foi de R$ 327,00. Por outro

lado, no primeiro semestre de 2015, momento de maior instabilidade econômica no

93 IBOPE Media (outubro/2013) – IBOPE e-commerce (Outubro/2014). Disponível em http://www.ibope.com.br/pt-br/ibope/quemsomos/unidadesnegocio/ibopemedia/Paginas/IBOPE-Media.aspx e http://www.ibope.com.br/pt-br/ibope/quemsomos/unidadesnegocio/Paginas/IBOPE-e-commerce.aspx. Acesso em: 13 dez. 2014. 94 E-bit é uma empresa presente no mercado brasileiro desde janeiro de 2000, que acompanha a evolução do comércio eletrônico no país e divulga tendências e estimativas. 95 O Webshoppers é um relatório de iniciativa da E-bit e tem como objetivo difundir informações essenciais para o atendimento do comércio eletrônico no Brasil. O relatório é divulgado semestralmente e analisa a evolução do comércio eletrônico, aponta as estimativas, as mudanças de comportamento e preferências dos consumidores on line, além de procurar indicar tendências, contribuindo para o desenvolvimento do setor. Os dados apontados neste trabalho foram extraídos dos Relatórios Webshoppers de 2015 - 31ª e 32ª edições. Ver em: E-BIT. Webshoppers: o relatório mais sólido e respeitado sobre o comércio eletrônico. Disponível em: < http://www.ebit.com.br/webshoppers>. Acesso em: 20 out. 2015.

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país, houve uma queda de 7% no volume de compras na Internet, se comparado

com o mesmo período de 2014.

Entretanto, foi registrado crescimento de 13% no tíquete médio dos consumidores

nesse início de 2015, um dos fatores responsável por impulsionar o crescimento do

faturamento no comercio brasileiro, atrelado pela alta dos preços dos produtos na

Internet.

Segundo a pesquisa, no decorrer de 2014, foi registrado o ingresso de 10,2 milhões

de novos consumidores no comércio eletrônico no Brasil. Com isso, somaram 51,5

milhões de pessoas que utilizaram a Internet, ao menos uma vez, para adquirir

algum produto ou serviço no ano de 2014. Com base nesses índices, considerando

o total de pedidos e número de consumidores no comércio eletrônico, chega-se a

uma média de duas compras por consumidor.

A pesquisa referente ao desempenho do comércio eletrônico no ano de 2014

também aponta que entre os setores mais vendidos está a categoria de moda e

acessórios, com 17% de participação no volume de pedidos, seguida por cosméticos

e perfumaria/cuidados pessoais/saúde (15%), eletrodomésticos (12%), telefonia e

celular (8%) e livros/assinaturas e revistas (8%).

No primeiro semestre de 2015, a categoria de moda e acessórios continua como

líder em volume de vendas online, porém apresentou 19% de queda se comparado

ao mesmo período de 2014, seguida pelos setores de eletrodomésticos e telefonia e

celular, que tiveram um grande aumento nas vendas em relação a 2014, atingindo

22% e 54%, respectivamente.

Outro fator apontado na pesquisa é o crescimento das transações comerciais

realizadas via mobile commerce (m-commerce), ou seja, vendas efetuadas por meio

de aparelhos móveis. No primeiro semestre de 2014, as transações concluídas por

dispositivos móveis correspondiam a 7% de todas as vendas online. No segundo

semestre, já representava 9,7% das vendas pela Internet no país. Em dezembro, a

maior parte dessas transações realizadas por aparelhos móveis foram originadas de

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smartphones, representando 65% das vendas, tendo superado o uso dos tablets,

que representou 35%, o que mostra uma inversão em relação a janeiro de 2014,

quando este último era responsável por 67% das transações do m-commerce. No

primeiro semestre de 2015, as transações comerciais realizadas por meio de

dispositivos móveis atingiram 10,1% de toda a venda online.

O perfil do consumidor do m-commerce aponta as classes A e B como as que mais

consomem com a plataforma representando 62% de participação, enquanto as

classes C e D possuem 27%. Em relação ao sexo e à idade, as mulheres são quem

mais compram por smartphones ou tablets, representando 56% deste público, sendo

que a faixa etária que mais consome está entre 35 e 49 anos.

Outro dado importante é a adesão do brasileiro às compras internacionais e as

razões são os preços mais baixos, a não disponibilidade do produto buscado em

sites brasileiros e lançamentos que não foram disponibilizados no país. Estudo

realizado no final de 201496 aponta que 4 em cada 10 brasileiros fizeram alguma

compra em site internacional, no último ano. Assim, 38% dos consumidores

brasileiros do comércio eletrônico compraram em sites internacionais em 2014,

chegando a 19,6 milhões. Sites chineses ocuparam um espaço muito significativo

nas compras em sites internacionais, sendo escolhidos por 55% dos entrevistados

em sua última compra.

Em dezembro de 2014, a categoria mais consumida em sites internacionais,

acompanhando a tendência do mercado brasileiro, foi moda e acessórios. O gasto

médio anual em sites internacionais entre janeiro e dezembro baixou de U$ 214,40

para U$ 163,21, queda explicada pela adesão às compras em sites chineses, cujos

produtos levam a tíquetes médios menores. No total, em 2014, as compras feitas por

brasileiros em sites internacionais chegaram a R$ 6,6 bilhões, o que equivale a 18%

do total de faturamento dos sites brasileiros de e-commerce.

96 A E-bit realizou, entre os dias 24 de novembro e 1º de dezembro de 2014, a pesquisa “Cross Border”, que analisou o comportamento de compra de consumidores brasileiros em sites internacionais. As informações se baseiam nas respostas de 1.843 usuários que fizeram pelo menos uma compra online nos 12 meses anteriores à pesquisa, coletadas por meio de um questionário estruturado. Realizamos também uma pesquisa em janeiro de 2014, abordando o mesmo tema, e, assim, o estudo atual compara os dois momentos, trazendo diversas informações sobre o comportamento desse e-consumidor, hábitos de compra e estimativas de faturamento.

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Os relatórios ora em análise divulgam, ainda, um indicador que mensura a

satisfação e a fidelização dos clientes em compras na Internet, o Net Promoter

Score (NPS), refletindo diretamente a qualidade dos serviços prestados pelas lojas

virtuais aos seus consumidores. No balanço geral do ano de 2014, o NPS

apresentou um bom resultado, começando com 49%, em janeiro de 2014 e

terminando em 57% no mês de dezembro de 2014. No balanço realizado em junho

de 2015, o NPS apresentou o melhor resultado desde que a E-bit começou a aplicar

esta metodologia, iniciando o ano com 56,9% e terminando em 65%, em junho/2015.

Diante do cenário de crescimento e desenvolvimento do comércio eletrônico no

Brasil, ressalta o diretor executivo da E-bit, Pedro Guasti:

A cada ano percebemos um amadurecimento maior do setor de e-commerce no Brasil. Tanto as lojas estão melhorando a experiência de navegação e compra em seus sites, como os consumidores estão confiando mais e aproveitando esta praticidade com as diversas vantagens que a compra online oferece, como descontos, variedade de produtos e entrega em casa97.

De acordo com o último relatório divulgado pela E-bit, após um crescimento nominal

considerável no primeiro semestre, a expectativa é que comércio eletrônico continue

em ascensão no segundo semestre de 2015. A previsão é de que o comércio

eletrônico apresente um crescimento nominal de 15% com relação a 2014, com um

faturamento estimado de R$ 41,2 bilhões.

Espera-se, também, que a quantidade de pedidos cresça 5% em relação a 2014,

chegando a alcançar 108,2 milhões de encomendas realizadas no e-commerce em

2105. A expectativa para o fechamento de 2015, ainda, é que o tíquete médio seja

de R$ 381,00, o que representa um crescimento de 10% em relação ao ano de

2014.98 Com efeito, a tendência é o constante e contínuo crescimento do comércio

eletrônico, atraindo cada vez mais consumidores para esse mundo das compras

virtual.

97 E-COMMERCE News. E-bit lança nova edição do relatório WebShoppers. 04 fev. 2015. Disponível em http: <//ecommercenews.com.br/noticias/balancos/e-bit-lanca-nova-edicao-do-relatorio-webshoppers>. Acesso em: 05 fev. 2015. 98 E-BIT. Webshoppers. 32. ed. 1 sem. 2015. Disponível em: < http://img.ebit.com.br/webshoppers/pdf/32_webshoppers.pdf>. Acesso em: 10 out. 2015.,

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Diante do permanente crescimento do comércio eletrônico, mesmo em momento de

crise e de instabilidade econômica pela qual o Brasil está passando, podemos

concluir que o consumidor vislumbra na Internet a possibilidade de continuar

adquirindo seus produtos de forma mais planejada e racional, na medida em que a

Internet permite comparar com grande facilidade preços e produtos antes da decisão

de compra, o que viabiliza a aquisição com melhor custo-benefício.

2.4 CONTRATOS ELETRÔNICOS DE CONSUMO

Antes de iniciarmos o estudo da legislação brasileira de proteção do consumidor

inserido no comércio eletrônico, importante estudar as principais características do

contrato eletrônico, uma vez que a transação comercial, independente do meio em

que é realizada, concretiza-se, de uma forma geral, pela convergência de vontade

das partes e pelo vínculo proveniente da contratação.

2.4.1 Conceito e principais características dos contratos

eletrônicos

Para entendermos os contratos celebrados no comércio eletrônico e a proteção do

consumidor, é necessário entender primeiramente as definições de contrato em

sentido amplo e contrato de adesão de consumo.

O contrato em sentido amplo nada mais é que um acordo de vontades destinado a

produzir efeitos, ou seja, criar, modificar ou extinguir um direito99. Segundo Orlando

Gomes, “contrato é negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à

observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”100.

99 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações – 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5. 100 GOMES, Orlando. Contratos. 26.ed. atual. de acordo com o Código Civil de 2002, por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco de Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2008. Vl. 3, p. 11.

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Portanto, o contrato decorre do acordo de vontades entre as partes contratantes,

que se constitui na fusão de uma oferta com a aceitação, objetivando produzir

efeitos no mundo jurídico, obrigando as partes ao cumprimento do que foi acordado.

O contrato de adesão está previsto no Código Civil de 2002 nos artigos 423 e 424 e

no Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 46, 47 e 51, I, tendo como objeto

os contratos celebrados entre fornecedores e consumidores. Para conceituar o

contrato de adesão, faz-se necessário transcrever o artigo 54 do Código de Defesa

do Consumidor.

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo.

Nos contratos tradicionais, encontra-se presente a autonomia da vontade, ou seja,

há a possibilidade de os contratantes negociarem minuciosamente todas as

cláusulas que serão inseridas em um determinado instrumento contratual. Já nos

contratos de adesão, não existe uma negociação prévia entre as partes, ou seja, as

cláusulas do contrato de adesão devem ter sido estipuladas pela autoridade

competente ou unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços e o

consumidor simplesmente adere ao seu conteúdo. Assim, tem-se que, nos contratos

de adesão, encontra-se, de um lado, o fornecedor e, de outro, o consumidor. Este

somente poderá aderir ao conteúdo posto no contrato.

Entretanto, importante ressaltar que, diante de um contrato de adesão, devem ser

consideradas nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que retratem quaisquer

das práticas contidas no art. 51 e respectivos incisos do Código de Defesa do

Consumidor, bem como cláusulas que vão de encontro a normas de direito público,

de caráter imperativo.

O contrato eletrônico, por sua vez, é definido por Eurípedes Brito Cunha Júnior,

como “o acordo de vontades, celebrado ou executado por via eletrônica, que visa

constituir, modificar, conservar ou extinguir direitos, obrigando os respectivos

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acordantes”101. O autor ainda propõe a subdivisão dos contratos eletrônicos em duas

categorias: contratos eletrônicos stricto sensu, aqueles celebrados eletronicamente,

e os eletrônicos latu sensu, somente executados no meio eletrônico.

O contrato celebrado mediante meios eletrônicos, ou seja, eletrônico na sua formação, pode ser considerado mais eletrônico do que um contrato avençado por modo tradicional, mas com execução eletrônica. Assim, pode afirmar que o contrato celebrado eletronicamente é eletrônico stricto sensu, enquanto o contrato simplesmente executado eletronicamente o é latu sensu. Portanto, as duas categorias estão compreendidas dentro do escopo dos contratos eletrônicos102.

Nesse contexto, Claudia Lima Marques também apresenta uma subdivisão dos

contratos eletrônicos, classificando-os em contratos informáticos, contratos

eletrônicos strictu sensu, negociações e marketing eletrônico.

Os contratos informáticos são aqueles em que o objeto do contato é um produto ou

serviço virtual, portanto, imaterial, os contratos eletrônicos strictu sensu são aqueles

finalizados on line, por meio da Internet, entretanto o seu objeto é um produto ou um

serviço físico, material, sendo o contrato de consumo do tipo tradicional, como, por

exemplo, um contrato de compra e venda ou um contrato de locação de imóvel.

As negociações e o marketing eletrônico, por sua vez, são práticas comerciais

realizadas por meio da Internet, podendo dizer respeito à publicidade de produtos ou

serviços ou mesmo à execução virtual de contratos celebrados presencialmente.103

Dessa forma, o contrato eletrônico não constitui uma nova espécie de contrato

distinto dos já conhecidos, pois o que é verdadeiramente novo é o meio utilizado

para sua celebração ou execução, qual seja, o meio eletrônico. Apresenta, quanto à

capacidade, ao objeto, à causa e aos efeitos, as mesmas regras a serem aplicadas

aos contratos celebrados por meio físico.

101 CUNHA JÚNIOR, Eurípedes Brito. Os contratos eletrônicos e o novo Código Civil. Revista CEJ, Brasília, vol. 6, n. 19, p. 62 – 77, dez. 2002, p.68. 102 CUNHA JÚNIOR, Eurípedes Brito. Os contratos eletrônicos e o novo Código Civil. Revista CEJ, Brasília, vol. 6, n. 19, p. 62 – 77, dez. 2002, p.68. 103 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

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71

O contrato eletrônico diferencia-se, portanto, do contrato tradicional tão somente em

razão do meio utilizado para sua celebração ou execução. Enquanto este é

celebrado por meio físico, o contrato eletrônico é celebrado no ambiente virtual,

motivo pelo qual se aplicam as mesmas regras, quanto à capacidade, ao objeto, à

causa e aos efeitos, em ambos os contratos. Quanto a isso, esclarece Maria

Eugênia Finkelstein:

O contrato eletrônico, por sua vez, é o negócio jurídico bilateral que resulta do encontro de duas declarações de vontade e é celebrado por meio da transmissão eletrônica de dados. Ele geralmente é formado pela aceitação de uma oferta pública disponibilizada na Internet ou de uma proposta enviada a destinatário certo, via correio eletrônico, contendo, no mínimo, a descrição do bem e/ou produto ofertado, preço e condições de pagamento.104

Além disso, Ricardo Lorenzetti afirma que "uma vez constatado que o meio digital é

utilizado para celebrar, cumprir ou executar um acordo, estaremos diante de um

contrato eletrônico”105. Em seguida, o autor especifica sete formas de contratação

eletrônica, ressaltando a importância de precisar a espécie de contrato eletrônico

que está sendo celebrado, principalmente para fins de identificação das regras

aplicáveis.

(i) contrato celebrado com o setor público e privado, ocorre quando o meio eletrônico

é utilizado tanto nos contratos com o Estado, bem como naqueles que são efetuados

entre os particulares;

(ii) contrato entre empresas e consumidores, ocorre quando o meio digital é utilizado

para a comercialização de produtos e serviços para o consumidor final;

(iii) celebração consensual, ocorre quando os contratantes se vinculam mediante um

computador, podem dialogar, trocar propostas, como na contratação tradicional pelo

meio físico, prevalecendo o consenso entre as partes;

(iv) celebração automática, ocorre quando existe uma tecnologia interposta entre a

pessoa física e a declaração, uma vez que as partes programam uma máquina para

tomar certas decisões, como o caso dos caixas eletrônicos e do intercâmbio

eletrônico de dados;

104 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 175. 105 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Comércio Eletrônico. Trad. Fabiano Menke. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 287.

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(v) contratos celebrados por adesão, ocorre quando o contratante simplesmente

adere a condições gerais de contratação predispostas pelo oponente, encontrando-

se nessa categoria o caso dos contratos celebrados com um clique (click

agreements);

(vi) contratos internacionais e nacionais, ocorre quando se observa o local da

contratação;

(vii) contratos submetidos à legislação especial, ocorre quando existem normas

especiais que regulam determinados contratos, sendo necessário observar em que

medida serão afetadas pelo meio digital106.

No contrato eletrônico realizado pela Internet para a comercialização de produtos e

serviços entre empresas e o consumidor final, aplica-se o mesmo regime jurídico a

que estaria submetido caso a negociação se concretizasse no ambiente físico e

presencial. As transações realizadas pela Internet também estão abarcadas pelo

Código Civil Brasileiro, sendo que às relações de consumo aplica-se o Código de

Defesa do Consumidor como lei específica para reger os eventuais conflitos entre as

partes.

O Código Civil Brasileiro, diploma legal que estabelece regras para a formação e

validade dos contratos, prevê que o contrato se formará no momento da

manifestação da vontade de contratar por meio da aceitação da proposta. Nos

contratos eletrônicos, a manifestação da vontade de contratar de uma das partes é

emitida por meio de transferência de dados digitais, mediante a utilização de algum

elemento eletrônico. Assim sendo, a aceitação de oferta divulgada na Internet pode

ocorrer por meio de um simples clique107 no termo aceitar, ou pelo envio de uma

mensagem eletrônica ao ofertante, confirmando a aceitação da oferta e a

concretização do negócio proposto, ou, ainda, pelo preenchimento de formulários

eletrônicos padrões.

106 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Comércio Eletrônico. Trad. Fabiano Menke. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 289-290. 107 “Clique” é o ato materializador da vontade de um consumidor virtual adquirir um determinado produto ou serviço ofertado em um determinado site, cujo ato é executado ao pressionar o botão do "mouse" de um computador, ou seu equivalente em outro meio eletrônico, quando o cursor se encontra sobre o do produto ou serviço.

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Não obstante a similaridade entre os contratos eletrônicos e os contratos

tradicionais, realizados fisicamente, importante analisar alguns aspectos específicos

da contratação eletrônica que impõe desafios para a proteção do consumidor, diante

da desconstrução de relações jurídicas tradicionais, tais como: mobilidade e

dinamismo na forma de contratar; o contrato eletrônico como uma modalidade de

contrato à distância; a despersonalização ou a desumanização das relações

contratuais; a imaterialidade do meio de contratação e da execução à distância; a

desterritorialização do contrato e a atemporalidade da contratação.108

O contrato de consumo eletrônico é entendido como móvel e dinâmico, na medida

em que os meios eletrônicos de contratação estão constantemente migrando para

sistemas móveis de comunicação. Portanto, a celebração do contrato eletrônico não

mais se restringe a computadores localizados em espaços territoriais fixos e

delimitados, podendo ocorrer a finalização de contratos por meio da rede acessada

por meio do aparelho celular, da televisão ou de outros computadores portáteis,

como o notebook.

Ressalta-se, ainda, que os contratos de consumo virtual são considerados contratos

à distância, ou seja, celebrados sem a presença física simultânea do consumidor e

do fornecedor, de forma que a oferta é lançada e a aceitação é confirmada por um

meio de comunicação automatizada que viabiliza a formalização do negócio jurídico.

Importante destacar, no entanto, que existe a possibilidade de a contratação

eletrônica ocorrer entre presentes ou entre ausentes. A contratação à distância entre

presentes não se confunde com a presença física das partes.

Para o comércio eletrônico, estão presentes aqueles que externam a sua declaração

de vontade no momento em que utilizam fisicamente do meio eletrônico de

comunicação quando do aceite da oferta. Por outro lado, fala-se em contratação

entre ausentes quando ocorre uma programação por parte do vendedor ou do

comprador para que o envio da oferta ou da aceitação se dê em um momento

108 Aspectos da contração eletrônica são apresentados por Mello e Vasconcelos. (MELLO, Lília Maranhão Leite Ferreira de; VASCONCELOS, Fernando Antônio de. As relações de consumo eletrônicas e a proteção do consumidor virtual sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f87e955fd6b89f89>. Acesso em: 20 jan. 2015)

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específico, o qual não coincide com presença física da parte diante da máquina

programada para emitir aquele comando.

Dando continuidade às peculiaridades do contrato eletrônico de consumo, merece

destaque a ideia de desumanização do contrato e despersonalização das relações

jurídicas, na medida em que estamos diante de uma relação de compra e venda

totalmente virtual, sem o contato físico entra as partes para que concretizem o

negócio.

Nesse contexto, o fornecedor virtual direciona suas ofertas a um consumidor

massificado, caracterizando a impessoalidade da contratação, que, por sua vez,

caso tenha interesse na contratação do negócio, aceita as condições propostas, sem

a oportunidade, na maioria das vezes, de negociar as cláusulas que lhe são

impostas.

A despersonalização é caracterizada na medida em que, diante de uma contratação

virtual, fica bem mais difícil a identificação ao certo de quem concedeu a declaração

de vontade, mesmo com o uso de senhas e assinatura digital, que, por muitas

vezes, são ainda questionáveis.

No tocante à imaterialidade do comércio eletrônico, é facilmente perceptível ao

considerar o meio virtual de contratação e a forma de execução a distância do

contrato. Além disso, muitas vezes a imaterialidade se verifica em relação ao objeto

do contrato de comércio eletrônico, que poderá ser imaterial quando se referir a

bens incorpóreos ou intangíveis, a exemplo de softwares e hardwares, ou bens

corpóreos que estejam em uma versão digitalizada, como exemplo e-books e

revistas em versão digital.

Já a desterritorialização da contratação eletrônica relaciona-se à incerteza quanto ao

local físico, entende-se aqui território, o local onde acontecem as fases da

contratação eletrônica, a veiculação da oferta e a respectiva aceitação, e, por

conseguinte, a formalização do contrato eletrônico, o que pode causar conflitos em

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relação ao exercício da regulamentação estatal das atividades realizadas na

Internet.

A atemporalidade, por fim, refere-se à incerteza em relação ao o tempo da

contratação, causando transtornos para a definição de quando o contrato foi

definitivamente celebrado ou quando a oferta foi anunciada e considerada válida,

trazendo também impactos jurídicos na relação contratual eletrônica.

Diante dessas particularidades da contratação eletrônica, as questões que se

colocam referem-se, principalmente, à identidade e à capacidade do agente que

está celebrando o contrato, bem como, a consciente manifestação da vontade de

contratar, o que será analisado mais adiante.

2.4.2 Princípios inerentes aos contratos eletrônicos de consumo

As relações contratuais eletrônicas são pautadas em princípios semelhantes aos

que regem as relações contratuais tradicionais. No entanto, devido às peculiaridades

da contratação eletrônica, além dos princípios contratuais tradicionais, alguns

princípios específicos também devem ser observados, visando proporcionar uma

contratação mais equânime entre as partes no comércio realizado no meio digital,

principalmente em se tratando de uma relação de consumo.

No tocante aos princípios clássicos do regime contratual, destacam-se: o princípio

da autonomia da vontade, que diz respeito à autonomia das partes de se sujeitarem

a direitos e a obrigações baseadas em suas vontades; o princípio do

consensualismo, que trata o contrato como um consenso entre as partes; o princípio

da obrigatoriedade, que trata como lei o que foi estabelecido entre as partes – pacta

sunt servanda; o princípio da relatividade subjetiva que diz respeito à eficácia do

contrato entre as partes contratantes; e o princípio da boa-fé subjetiva, segundo o

qual as pessoas que estão sobre sua atuação devem comportar-se segundo as

regras de correção.

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Ocorre que, com as mudanças sociais vivenciadas ao logo do tempo, a concepção

clássica de contrato e os princípios a ele relacionados evoluíram, sobretudo nas

últimas décadas, para se adaptar a essa nova realidade social, visando estabelecer

uma relação mais equânime entre as partes. Nesse contexto, prevalece o princípio

da boa-fé objetiva109, que é o dever dos contratantes de agir com lealdade,

honestidade e segurança nas tratativas comerciais, na celebração e na execução do

contrato, bem como na extinção e no momento após a extinção do contrato. Da

mesma forma, prepondera o princípio da função social do contrato, que “tem por

escopo limitar a autonomia privada, a liberdade de contratar, impondo um

comportamento ético, proporcional aos contratantes, impedindo distorções à ideia de

comutatividade, que deve imperar em toda relação contratual”110.

O acordo de vontade entre as partes contratantes sempre foi um dos pilares para

regular o direito contratual. Portanto, na maior parte do tempo, o estudo dos

contratos era focado para a melhor prática contratual de acordo com a vontade dos

sujeitos envolvidos da relação negocial. Nesse modelo contratual, o contrato era

baseado na liberdade de contratar e na autonomia da vontade.

Ocorre que essa visão estritamente pautada na vontade das partes como alicerce do

contrato foi sendo paulatinamente modificada, dando lugar para a configuração do

contrato como um veículo de satisfação real dos interesses jurídicos dos

contratantes, em que não só o credor tem direitos e o devedor deveres. Assim, as

partes mais fracas vão ganhando novas garantias legais e constitucionais, dando

ensejo à intervenção da ordem pública na celebração e na execução dos contratos.

109 No tocante ao princípio da boa-fé objetiva, orientador das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor prevê a cláusula geral sobre a boa-fé objetiva, consagrando-a nos contratos de consumo. É o que prescreve o art. 51, inciso IV, do CDC: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”. 110 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 168. Ainda, em relação ao tema, esclarece: “Essa função social, portanto, propicia a relação existente entre as partes um procedimento justo, visto que contratações desproporcionais, que acabam por lesar, prejudicar um dos contratantes em detrimento do outro são vedadas. Assim, qualquer cláusula excessiva, abusiva, vexatória não se coaduna com a concepção social do contrato.”

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Nesse modelo contratual, o contrato é pautado na garantia da igualdade entre as

partes, gerando-se uma visão de justiça distributiva.111

No tocante aos princípios contratuais, em estudo realizado por Lília Maranhão de

Melo e Fernando Vasconcelos112, os autores destacaram três princípios básicos que

regem as relações de consumo eletrônicas: princípio da obrigatoriedade, da

liberdade contratual e da boa-fé objetiva. Em primeiro lugar, ressaltaram que o

contrato de consumo eletrônico deve ser regido pelo princípio da obrigatoriedade do

cumprimento das cláusulas estipuladas contratualmente, dessa forma, qualquer

parte poderá exigir o seu cumprimento, inclusive judicialmente, a menos que se

configure uma das hipóteses em que a lei civil ou consumerista admita a revisão ou

a rescisão do contrato.

Entretanto, este princípio básico dos contratos civis pode ser bastante flexibilizado

no tocante ao cumprimento dos contratos de consumo eletrônico, uma vez que são

típicos contratos de adesão, nos quais não existe uma ampla discussão das

cláusulas no momento da contratação, restando ao consumidor apenas a

possibilidade de aderir ao que já está previamente estabelecido pelo fornecedor.

O segundo princípio, mencionado pelos autores, comum às relações de consumo

virtuais e também presentes nas relações físicas diz respeito à liberdade de

contratar, que não se confunde com a possibilidade de discussão e ajuste do

conteúdo do contrato. O referido princípio pressupõe a inexistência de forma

específica de contratar no meio virtual, podendo ocorrer até mesmo verbal, com

exceção das hipóteses em que se exija forma solene e resguardados os requisitos

de validade do negócio jurídico, previstos na legislação brasileira. A liberdade de

contratar também reflete na ampla e facilitada possibilidade de o consumidor

escolher o prestador de serviço ou o fornecedor do produto que melhor se enquadre

de acordo com os seus interesses.

111 MARTINS, Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor Rozatti. Contratos conexos de consumo na Internet: fornecedores de intermediação e sites de compras coletivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 22, n. 85, p. 177-207, jan./fev. 2013, p. 177 – 207. 112 MELLO, Lília Maranhão Leite Ferreira de; VASCONCELOS, Fernando Antônio de. As relações de consumo eletrônicas e a proteção do consumidor virtual sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f87e955fd6b89f89>. Acesso em: 20 jan. 2015.

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Por fim, os autores destacam que o princípio da boa-fé contratual é também

balizador das relações de consumo eletrônicas. Este princípio impõe aos

contratantes virtuais a necessidade de buscarem a verdadeira intenção das partes

no momento da contratação e não o sentido literal da linguagem, conforme dispõe o

art. 422 do Código Civil de 2002 e a art. 4 do Código de Defesa do Consumidor. Nas

relações de consumo eletrônicas, deve sempre prevalecer a boa-fé objetiva das

partes contratantes.

Entretanto, existem aspectos novos e específicos da contratação eletrônica que

impõem a necessidade de proteções mais específicas para as atividades do

comércio eletrônico. Nesse sentido, Maria Eugênia Finkelstein113 elenca cinco

princípios orientadores da contratação eletrônica que devem ser observados quando

da celebração de um contrato no ambiente virtual, quais sejam:

(i) Princípio da identificação: quando ocorre a celebração de um contrato eletrônico,

é fundamental que as partes estejam devidamente identificadas, de modo que

possam se certificar quem é o celebrante e o proponente;

(ii) Princípio da autenticidade: estabelece que as assinaturas digitais devem ser

autenticadas por Autoridade Certificadora, visando garantir a identificação as partes

contratantes;

(iii) Princípio do impedimento da rejeição: as partes não podem alegar invalidade do

contrato eletrônico sob o simples argumento de que foi celebrado por meios

eletrônicos. Um contrato celebrado no mundo virtual possui as mesmas

características e os mesmos efeitos que um contrato comum;

(iv) Princípio da verificação: os contratos eletrônicos devem ficar armazenados

visando a uma futura verificação, se assim necessário; e

(v) Princípio da privacidade: a contratação eletrônica deve preservar os dados das

partes contratantes, além das informações atinentes ao próprio contrato.

Esses princípios também prezam pela segurança e pela proteção do consumidor no

comércio eletrônico, razão pela qual se torna imprescindível a reverência a tais

113 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 178-179.

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princípios na formação do contrato por meio eletrônico, principalmente no que tange

à eficácia e à validade do contrato eletrônico.

2.4.3 Validade e eficácia dos contratos celebrados por meio

eletrônico

O contrato eletrônico, assim como qualquer outro contrato, para ter validade jurídica,

precisa apresentar os requisitos e os pressupostos de validade elencados na

legislação civil brasileira. O artigo 104 do Código Civil Brasileiro114 descreve que a

validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível,

determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

Observa-se, atualmente, no ambiente virtual, certa insegurança dos contratantes,

especialmente por parte dos consumidores, é por isso que se faz necessário

observar os elementos de validade dos contratos, aplicando-se, também, os

mesmos elementos para os contratos eletrônicos.

Quanto à capacidade das partes no contrato eletrônico, a confirmação da mesma

trata-se de uma questão de segurança jurídica e requer especial atenção, tendo em

vista que a verificação deste requisito é dificultada pela característica inerente aos

contratos eletrônicos, de ser a declaração de vontade manifestada sem que as

partes estejam uma perante a outra.

Tal fato poderá facilmente ser solucionado com a utilização de uma assinatura

eletrônica, por meio de sistemas de criptografia como já ocorre nos sistemas

de Internet Banking. Igualmente nos contatos celebrados da forma tradicional,

somente é válido o contrato celebrado por pessoas capazes, nos termos do artigo 3º

e 4º do Código Civil. Por isso, os sites de compras utilizam formulários nos quais se

solicitam certos dados pessoais, como a data de nascimento. Alguns sites, ainda,

advertem que os consumidores devem ter capacidade legal para contratar.

114 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

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Além da capacidade para contratar, é necessário o livre e expresso consentimento

das partes, especialmente no que tange aos contratos de consumo, por serem, em

sua maioria, contratos de adesão, para os quais o Código de Defesa do Consumidor

exige o consentimento informado, ou seja, o conhecimento prévio de todas as

disposições contratuais e a livre manifestação da aceitação do contrato.

O objeto deverá ser lícito, possível, determinado ou determinável. Assim como nos

contratos físicos, não se pode, por exemplo, comercializar drogas ou outros produtos

ilícitos via Internet. Por fim, em relação à forma do contrato eletrônico, com exceção

daqueles em que a lei exige uma forma especial, nos termos do artigo 107 do

Código Civil, qualquer contrato poderá ser realizado pela Internet ou, ainda, por

qualquer outro meio eletrônico.

Além dessas condições essenciais para a existência de um contrato válido

celebrado via eletrônica, necessário se faz analisar a sua segurança jurídica,

especialmente no tocante à possibilidade de se provar a oferta, a aceitação e o

conteúdo do que foi contratado. A validade está relacionada diretamente com a

segurança e estabilidade que se espera dos contratos, ou seja, trata-se da

possibilidade de fazer valer um documento como prova processual ou título

representativo de uma obrigação.

Admitindo-se a contratação por meio eletrônico, devem-se buscar as ferramentas

necessárias para que se possa fazer do documento eletrônico tão seguro e eficaz

quanto o documento físico. Neste sentido, é importante a verificação dos seguintes

requisitos no tocante ao documento eletrônico para que o mesmo tenha validade

perante a sociedade:

(i) autenticidade: é necessário ter a possibilidade de comprovar a anuência das

partes em relação ao documento. Deve-se garantir a autenticidade de um

documento com a identificação das partes e a origem das mensagens. Para que a

manifestação de vontade surta efeito, é fundamental garantir que o meio utilizado

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para a celebração do contrato não esteja suscetível de alteração e, ainda, deve ser

possível a identificação de quem manifestou a vontade de contratar.

(ii) integridade: o documento eletrônico deve ser dotado das ferramentas

necessárias para impedir a adulteração do conteúdo original acordado;

(iii) momento da contratação: deve-se ter um meio de registrar o momento do aceite

do contrato;

(iv) guarda do documento: o documento deve ficar guardado digitalmente, com

possibilidade de comprovação de todas as características acima por prazo suficiente

para ser utilizado como prova se necessário.

A fim de atenderem todos os requisitos acima mencionados e visando a uma

contratação segura, os contratantes podem lançar mão dos serviços de certificação

digital, que devem ser feitos por uma Autoridade Certificadora devidamente

certificada pelo ICP-Brasil que esteja apta a atestar que o documento foi assinado

pelas partes e testemunhas, registrar a data e a hora de assinatura do documento e

gerar o documento com as proteções necessárias para garantir que não foi

adulterado após a assinatura das partes envolvidas.

A assinatura e a certificação digital foram reconhecidas legalmente pela Medida

Provisória n. 2.200-2115, de 24 de agosto de 2001, que assim dispõe:

Art. 1o – Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras. [...] Art. 10 – Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1o – As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil116 presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil117.

115 A Medida Provisória n. 2.200-2 continua em vigor, pois foi editada antes da Emenda Constitucional 32, que institui a regra de invalidação da medida provisória se não convertida em lei no prazo de 60 dias. 116 A certificação digital pode ser feita por empresas privadas devidamente credenciadas. 117 O artigo 219 do Código Civil de 2002 tem o mesmo teor do artigo 131 do Código Civil de 1916: “As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.”

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Cumpre esclarecer que o § 2o da Medida Provisória n. 2.200-2 admite que a

certificação digital seja feita por outras entidades além do ICP-Brasil:

O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Assim, o certificado digital funciona como uma identidade virtual que permite a

identificação segura e inequívoca das partes contratantes, sendo que o documento

eletrônico é gerado e assinado por uma terceira parte confiável, ou seja, uma

autoridade certificadora que, seguindo regras estabelecidas pelo Comitê Gestor da

ICP-Brasil, associa uma entidade (pessoa, processo, servidor) a um par de chaves

criptográficas.

Tal qual a assinatura realizada em papel, o certificado digital constitui um

mecanismo que, além de identificar as partes, garante a autenticidade, a integridade,

a confiabilidade e o não repúdio do documento eletrônico. A assinatura digital fica de

tal modo vinculada ao documento eletrônico que, caso seja feita qualquer alteração

no documento, a assinatura se torna inválida. Dessa forma, essa ferramenta propicia

não apenas a confirmação das partes, mas a imutabilidade de seu conteúdo, pois

qualquer alteração do documento invalida a assinatura.

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3 NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

Frente ao avanço tecnológico e o crescente e dominante uso da Internet para a

realização de transações comerciais entre consumidores e fornecedores ao redor do

planeta, vislumbrou-se a necessidade de uma regulamentação voltada

especificamente para regular as relações jurídicas no ambiente virtual, bem como

proteger o consumidor inserido nesse contexto eletrônico.

Embora muitas atividades realizadas no comércio eletrônico possam estar

abarcadas pelas legislações já existentes tanto no Brasil como nos demais países,

esta modalidade de comércio em ambiente virtual apresenta certas peculiaridades e

nuanças que não se vislumbram nas situações que lhe são correlatas fora do

ambiente virtual.

Assim sendo, diversas nações, incluindo o Brasil, procuraram desenvolver leis

específicas relacionadas ao comércio eletrônico, na tentativa de regular as

transações no meio digital e oferecer uma maior segurança jurídica para as partes

envolvidas.

3.1 REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DO COMÉRCIO

ELETRÔNICO – LEI MODELO DA UNCITRAL E UNIÃO EUROPEIA

A referência de âmbito internacional no tocante ao tema em estudo é a Lei Modelo

da UNCITRAL sobre comércio eletrônico, elaborada pela Comissão das Nações

Unidas para o Direito Comercial Internacional sobre Comércio Eletrônico em 1996,

com o objetivo de estabelecer normas aceitáveis no âmbito internacional que

permitam amenizar os problemas das relações jurídicas estabelecidas na Internet.

Esta Lei Modelo da UNCITRAL é tida como padrão orientador para os países

criarem suas próprias leis.

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Dentro deste contexto, os países da União Europeia, também com vista à

harmonização das normas para o comércio eletrônico, iniciaram uma atividade

legislativa específica sobre o tema, tornando-se precursores no processo de

adaptação e de integração do direito à realidade da sociedade da informação.

Estabeleceram, então, diretivas118 pertinentes ao comércio eletrônico, merecendo

destaque a Diretiva Europeia 2000/31/CE.

3.1.1 Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico

A UNCITRAL (United Nations Comission on International Trade Law)119 é a

Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional, criada pela

Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966. Tem como

função realizar convenções, elaborar normas, leis-modelos e guias legais que visam

à universalização e à harmonização das contratações internacionais para facilitar o

comércio mundial.

Nesse contexto, diante das transformações comerciais advindas com os avanços da

Internet, os países integrantes da Organização das Nações Unidas abriram uma

discussão acerca da importância do comércio eletrônico para promover o

desenvolvimento do comércio global e os inúmeros aspectos legais sobre o tema. A

preocupação inicial era quanto à obrigatoriedade de os documentos serem

assinados fisicamente, por meios baseados apenas no papel, o que atravancava a

comunicação eletrônica no comércio internacional, sendo, então, recomendada a

permissão do uso de meios eletrônicos de autenticação quando fosse apropriado.

Em seguida, tendo em vista a permanente ausência de harmonização das regras

aplicáveis ao comércio internacional, em 14 de julho de 1996, a UNCITRAL elaborou

a Lei Modelo sobre o Comércio Eletrônico (UNCITRAL Model Law on Eletronic

118 Diretivas são fontes formais secundárias do direito comunitário produzidas no âmbito das instituições comunitárias. 119 UNITED Nations Comission on International Trade Law. About UNCITRAL.Disponível em: <http://www.uncitral.org/uncitral/index.html>. Acesso em 10 jan. 2015.

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85

Commerce), com o objetivo de fornecer diretivas para os países desenvolverem

suas próprias leis voltadas a regulamentar o comércio eletrônico em cada nação.

A Lei Modelo da UNCITRAL destina-se às relações resultantes de intercâmbio

eletrônico de dados no contexto de atividades comerciais e inclui, portanto, desde as

formas menos avançadas de comunicação como o fax, por exemplo, até o comércio

eletrônico. Assim, tem-se que a lei não exclui nenhuma técnica de comunicação do

seu âmbito de aplicação, abarcando qualquer forma de mensagem eletrônica em

que se produzam, arquivem ou comuniquem informações.

Segundo Jorge José Lawand120, a Lei Modelo da UNCITRAL pode ser vista como o

primeiro grande texto jurídico que estabelece uma disciplina normativa para o

comércio eletrônico, tendo como base três fundamentos: oferecer aos legisladores a

possibilidade de utilizar a mesma lei nacional e internacionalmente, não modificar as

normas jurídicas de tutela dos consumidores e tratar somente das relações

eletrônicas envolvidas pela área contratual.

Assim sendo, destaca-se, como principal objetivo da Lei Modelo da UNCITRAL,

oferecer aos legisladores nacionais um conjunto de regras internacionalmente

aceitáveis que lhe permitam eliminar alguns obstáculos jurídicos, proporcionando um

ambiente legal confiável para o desenvolvimento mais seguro do comércio

eletrônico, aplicando-se a qualquer tipo de informação na forma de mensagem de

dados usada no contexto de atividades comerciais realizadas no âmbito digital.

Quanto ao seu conteúdo, primeiramente a Lei Modelo regula o comércio eletrônico

de uma forma genérica e, em seguida, disciplina o seu emprego em determinadas

áreas específicas da atividade mercantil, como o transporte de mercadorias. Inicia,

no Capítulo I, determinando o seu âmbito de aplicação e definindo o que seria

mensagem eletrônica; transmissão eletrônica de dados; remetente e destinatário;

intermediário e sistemas de informação.121

120 LAWAND, Jorge José. Teoria geral dos contratos eletrônicos. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2013, p. 66. 121 Artigo 1º - Âmbito de aplicação. Esta Lei aplica-se a qualquer tipo de informação na forma de mensagem de dados usada no contexto de atividades comerciais.

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No seu Capítulo II, a Lei Modelo especifica um importante princípio para pautar as

atividades no comércio eletrônico, o princípio da não-discriminação, disposto no seu

art. 5º, ou seja, determina que não serão negados efeitos jurídicos, validade ou

eficácia à informação na forma de mensagem eletrônica.

Com efeito, a lei enumera diversas regras que definem quais seriam os equivalentes

aos documentos escritos, à assinatura e ao original no meio digital, assim como

apresenta regras quanto à importância das mensagens eletrônicas, à retenção de

dados das mensagens, à formação e à validade dos contratos eletrônicos. Trata-se

de regras que dispõem sobre os requisitos de forma que são aceitáveis no comércio

eletrônico. As regras contidas no Capítulo III da Lei Modelo tratam da formação e da

validade dos contratos eletrônicos, o reconhecimento da eficácia das declarações de

vontade das partes feitas por meio eletrônico e as demais regras aplicáveis ao

reconhecimento das mensagens de dados no meio eletrônico.

A Resolução n. 51/162 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de

dezembro de 1996, publicada em Nova York em 1997, recomenda que todos os

Estados considerem, de maneira favorável, a Lei Modelo quando promulgarem ou

fizerem a revisão de suas leis, tendo em vista a necessidade de promover a

uniformidade do direito aplicável aos métodos de comunicação e de armazenamento

de informações que substituam aqueles que utilizam papel. Integra seu texto o guia

para incorporação ao direito interno da Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio

eletrônico, que tem como objetivo primordial oferecer a orientação aos usuários dos

Artigo 2º – Definições. Para os fins desta Lei: Entende-se por "mensagem eletrônica" a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou por meios similares incluindo, entre outros, "intercâmbio eletrônico de dados" (EDI), correio eletrônico, telegrama, telex e fax; Entende-se por "intercâmbio eletrônico de dados" (EDI) a transferência eletrônica de computador para computador de informações estruturadas de acordo com um padrão estabelecido para tal fim, Entende-se por "remetente" de uma mensagem eletrônica a pessoa pela qual, ou em cujo nome, a referida mensagem eletrônica seja enviada ou gerada antes de seu armazenamento, caso este se efetue, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica; "Destinatário" de uma mensagem eletrônica é a pessoa designada pelo remetente para receber a mensagem eletrônica, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica; "Intermediário", com respeito a uma mensagem eletrônica particular, é a pessoa que em nome de outrem envie, receba ou armazene esta mensagem eletrônica ou preste outros serviços com relação a esta mensagem; "Sistema de Informação" é um sistema para geração, envio, recepção, armazenamento ou outra forma de processamento de mensagens eletrônicas.

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meios eletrônicos de comunicação e aos operadores do direito no tocante aos

aspectos jurídicos provenientes do emprego do comércio eletrônico.

Assim, muitos países têm usado a Lei Modelo da UNCITRAL como parâmetro para

criação de suas próprias leis, uma vez que a consideram satisfatória para as

principais questões relativas ao comércio eletrônico.

Seguindo na linha de regulamentar as atividades na Internet, em 2001, a UNCITRAL

editou a Lei Modelo sobre Assinaturas Eletrônicas (UNCITRAL Model Law on

Eletronic Signature), com o objetivo de conceder um suporte legal aos processos de

certificação e de aplicabilidade das assinaturas digitais e autoridades certificadoras.

Estabeleceu-se que as assinaturas digitais deveriam ser consideradas como

equivalentes às manuscritas e, ainda, devem existir regras básicas de conduta a

serem cumpridas pelas partes envolvidas no processo da assinatura eletrônica.

Além da UNCITRAL, a OECD (Organization for Economic Co-operation and

Decelopment), a OMC (Organização Mundial do Comércio) ou WTO (Word Trade

Organization) e, ainda, a WIPO (World Intellectual Property Organization) têm

contribuído e implementado esforços para disciplinar as atividades realizadas no

âmbito do comércio eletrônico.

A OECD é uma organização internacional que fornece aos governos parâmetros

para discutir, desenvolver e aperfeiçoar a economia e a política social, tendo atuado

fortemente no desenvolvimento de pesquisas referentes aos impactos social e

econômico do comércio eletrônico nas mais diversas nações. A OMC, por sua vez,

está voltada a criar regras a respeito do comércio internacional e, com elas,

assegurar o desenvolvimento de um comércio mais livre entre as nações. Foi, neste

contexto, que a OMC elaborou uma declaração sobre comércio eletrônico, em 1998,

que estabelece diretrizes envolvendo as principais questões apontadas no comércio

eletrônico. Por fim, a WIPO atua na tutela da propriedade intelectual também no

ambiente do comércio eletrônico, contribuindo para a aplicação das leis de

propriedade intelectual nas transações realizadas via Internet.

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3.1.2 Diretiva Europeia 2000/31/CE, de 8 de junho de 2000

Existem várias diretivas adotadas na União Europeia sobre as atividades

desenvolvidas no âmbito eletrônico e a proteção do consumidor no mercado de

consumo. A União Europeia tem uma constante preocupação em manter a

segurança e a adequação do mercado de consumo, assim, utiliza de políticas de

proteção que visam atender o consumidor de forma adequada e satisfatória.

No entanto, foi a Diretiva Europeia 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do

Conselho, datada de 08 de junho de 2000, que cuidou especificamente dos aspectos

legais referentes aos serviços da informação, em especial do comércio eletrônico, no

âmbito da União Europeia, cujos destinatários são seus Estados-membros. Esta

Diretiva tem como premissa a unificação da legislação sobre comércio eletrônico no

âmbito da União Europeia e seus Estados-membros, com a finalidade de

estabelecer um real espaço sem fronteiras internas para os serviços da sociedade

da informação, fato essencial para eliminar as barreiras que dividem os povos

europeus e viabilizar um bom funcionamento do mercado interno.122

Deste modo, prevê o artigo 1º da referida Diretiva 2000/31/CE que seu objetivo é

contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre

circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados-Membros123.

122 Considerandos da Directiva 2000/31/CE: “(5) o desenvolvimento dos serviços da sociedade da informação na Comunidade é entravado por um certo número de obstáculos legais ao bom funcionamento do mercado interno, os quais, pela sua natureza, podem tornar menos atraente o exercício da liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. Esses obstáculos advêm da divergência das legislações, bem como da insegurança jurídica dos regimes nacionais aplicáveis a esses serviços. Na falta de coordenação e de ajustamento das várias legislações nos domínios em causa, há obstáculos que podem ser justificados à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Existe insegurança jurídica quanto à extensão do controlo que cada Estado-Membro pode exercer sobre serviços provenientes de outro Estado-Membro; (6) À luz dos objectivos comunitários, dos artigos 43.o e 49.o do Tratado e do direito comunitário derivado, estes obstáculos devem ser abolidos, através da coordenação de determinadas legislações nacionais e da clarificação, a nível comunitário, de certos conceitos legais, na medida do necessário ao bom funcionamento do mercado interno. A presente directiva, ao tratar apenas de certas questões específicas que levantam problemas ao mercado interno, é plenamente coerente com a necessidade de respeitar o princípio da subsidiariedade, tal como enunciado no artigo 5.o do Tratado.” 123 Artigo 1º da Diretiva 2000/31/CE “A presente directiva tem por objectivo contribuir para o correcto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados-Membros.”

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Essa Diretiva 2000/31/CE estabelece regras claras a serem seguidas pelos Estados-

membros, que buscam garantir a segurança jurídica e a confiança do consumidor no

comércio eletrônico. Inicialmente, em seu Capítulo I, aponta o seu âmbito de

aplicação, passando a dispor, em seguida, as definições dos termos, como

prestador de serviços e consumidor, para efeitos da diretiva, e, ainda, expõe as

medidas a serem tomadas no mercado interno.

No Capítulo II, Seção I, estão inseridos os princípios referentes ao regime de

estabelecimento e de informação. O artigo 4º menciona o princípio da não-

autorização prévia, em que os Estados-membros garantem que o exercício da

atividade de prestador de serviços na Internet não pode estar sujeito à autorização

prévia ou a qualquer outro requisito de efeito permanente.

Merece destaque o artigo 5º, na medida em que estabelece as informações que

deverão ser fornecidas pelos prestadores de serviços atuantes no comércio

eletrônico, ou seja, o fornecedor virtual: nome do prestador; endereço físico em que

o prestador se encontra estabelecido; endereço eletrônico do prestador para contato

imediato; identificação, caso haja, do registro comercial ou público do prestador;

informações relativas à autoridade de controle de atividade registrada e informações

em casos específicos de atividades regulamentadas. Além dos dados associados

aos prestadores de serviços, deverão constar, nos sítios eletrônicos, informações

relacionadas aos preços dos produtos e serviços, indicando, de forma clara e

inequívoca, que inclui as despesas físicas e de entrega.

A Seção II refere-se às comunicações comerciais. O artigo 6º elenca as informações

que devem ser prestadas, o artigo 7º abrange o universo da comunicação comercial

não solicitada e o artigo 8º refere-se às profissões regulamentadas.

A Seção III, por sua vez, trata dos contratos celebrados por meios eletrônicos, o tipo

de regime, as informações a serem prestadas e a ordem de encomenda. Deste

modo, o artigo 10º ressalta as informações a prestar no tocante ao contrato

eletrônico. Assim, os operadores do comércio eletrônico devem prestar informações

exatas e compreensivas sobre as diferentes etapas da celebração do contrato; se o

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contrato celebrado será ou não arquivado e se será acessível ao consumidor; os

meios técnicos que permitem identificar e corrigir os erros relacionados à compra

efetuada pela Internet e as línguas em que o contrato pode ser celebrado.

A última parte do Capítulo II, a Seção IV, prevê a responsabilidade dos prestadores

intermediários de serviços nos casos de simples transporte, armazenagem

temporária, armazenagem em servidor e os casos de ausência de obrigação geral

de vigilância.

Por fim, o Capítulo III refere-se à aplicação da Diretiva. Ressalta a necessidade de

se adotar um código de conduta, menciona a importância de formas de resolução

extrajudiciais de litígios e o uso de ações judiciais em que haja uma célere resolução

da lide, evitando prejuízo das partes interessadas.

Analisando o conjunto de regras elencadas na Diretiva 2000/31/CE, resta evidente

que o legislador europeu se preocupou em assegurar a disponibilidade de diversas

informações ao consumidor inserido no ambiente virtual, com o objetivo de viabilizar

uma relação de confiança entre fornecedor e consumidor do comércio eletrônico, à

medida que a informação é o “espelho da confiança”124.

Apenas a título de informação, além da Diretiva 2000/31/CE, existem outras

importantes Diretivas para a regulação das atividades no ambiente virtual, dentre as

quais destacamos: a Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de

24 de Outubro de 1995, a qual prevê a proteção dos indivíduos no que se refere ao

tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados; a Diretiva

97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997,

relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das

telecomunicações; e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do

Conselho125, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores,

124 VIAL, Sophia Martini. A sociedade da (des)informação e os contrato de comércio eletrônico: do Código Civil às atualizações do Código de Defesa do Consumidor, um necessário diálogo das fontes. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 22, n. 88, p. 229, jul./ago. 2013, p. 243. 125 A Diretiva 2011/83/EU alterou a Diretiva 93/12/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Parlamento e, ainda, revogou a Diretiva 85/577/CEE do Conselho, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos

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incluindo a proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos

estabelecimentos comerciais, bem como a proteção dos consumidores em matéria

de contratos à distância. Tendo em vista a alteração dos modelos de aquisição de

bens e serviços, a desmaterialização das relações de compra e venda e, ainda, a

reconfiguração do espaço e do tempo nas transações comerciais, vislumbrou-se a

necessidade de modernização do quadro normativo europeu. Foi nesse contexto

que surgiu a Diretiva 2011/83/EU.

A aprovação da Diretiva 2011/83/UE, relativa aos direitos dos consumidores para as

contratações a distância, foi mais um avanço na consolidação de uma nova

abordagem à proteção dos direitos e interesses dos consumidores europeus,

mediante a aplicação do princípio da harmonização máxima. Em um contexto de

clara expansão e afirmação do Direito do Consumidor, face ao incremento de

complexas evoluções tecnológicas desencadeadas numa sociedade dominada por

arraigados e intensos hábitos de consumo, urge a necessidade de aumentar o

âmbito de proteção dos consumidores, sobretudo quando estes transacionam cada

vez mais à distância ou fora do estabelecimento comercial.126

3.2 PANORAMA LEGISLATIVO DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

NO COMÉRCIO ELETRÔNICO BRASILEIRO

Não obstante o rápido crescimento do comércio eletrônico no Brasil, sua regulação

ainda é um desafio para o Direito Brasileiro. Entendemos, no entanto, que o

consumidor inserido no ambiente virtual está também amparado pela legislação

existente no ordenamento jurídico pátrio, embora ainda careça de uma proteção

mais ampla para determinados casos típicos do comércio virtual.

comerciais, e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância relativa aos direitos dos consumidores. 126 FRADE, Catarina; ALMEIDA, Mariana Pinheiro de. Análise crítica da directiva dos direitos dos consumidores e da sua transposição. Revista Debater a Europa, n. 11, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/images/n11/cfrade.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2015.

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Passaremos, então, a analisar as principais legislações federais que são aplicadas

para regular a relação de consumo no comércio eletrônico brasileiro e os conflitos

existentes entre os fornecedores virtuais e os consumidores inseridos no meio

digital. Esse trabalho não tem a intenção de estudar todas as normas aplicáveis para

as relações ocorridas na Internet, mas somente aquelas que julgamos de maior

impacto para a relação de consumo.

Atualmente, aplica-se a principiologia da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 e as disposições do Código de Defesa do Consumidor em conjunto

com o recente Decreto n. 7.962/2013 para regular as relações de consumo na

Internet e, ainda, a Lei n. 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet,

dentre outras normas, conforme veremos a seguir.

3.2.1 Proteção do consumidor na Constituição Federal de 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, promulgada em 5 de

outubro de 1988, assegurou diversos princípios fundamentais, bem como direitos

sociais, políticos e econômicos dos cidadãos, tendo como eixo norteador os

princípios de direitos humanos e as proteções específicas para as categorias dos

hipossuficientes no sentido de equipará-las às categorias daqueles mais fortes nas

relações sociais.127

Neste sentido, a Carta Magna de 1988 teve a primazia de contemplar

expressamente o direito de proteção do consumidor. No inciso XXII do art. 5º, dispôs

o legislador constituinte que o Estado promoveria, na forma da lei, a defesa do

consumidor. Não bastasse isso, a Constituição Federal consagrou, no art. 170, V, a

defesa do consumidor como um princípio geral da ordem econômica. Ainda, o art. 48

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou que o Congresso

Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborasse o

Código de Defesa do Consumidor. Vejamos:

127 A preocupação com os direitos do cidadão é claramente uma resposta ao período histórico diretamente anterior ao da promulgação da Constituição Federal no Brasil, marcado pelo regime autoritário ditatorial.

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distribuição de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, á igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor; Atos das disposições Constitucionais Transitórias [...] Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

Como bem ressaltou Marcelo Gomes Sodré128, apesar de esses artigos citados

acima contemplarem a proteção do consumidor, não existem, no texto

constitucional, dispositivos expressos e já sistematizados a respeito dos direitos

básicos do consumidor, assim como ocorre, por exemplo, na Constituição

Argentina.129 Portanto, faz-se necessária uma interpretação extensiva da

Constituição Brasileira para evidenciar a existência de um sistema constitucional de

defesa do consumidor. Esclarece, ainda, o professor quanto aos dispositivos

supramencionados:

Mesmo assim, os três artigos que existem, e que são expressos em relação ao tema, apontam um caminho: o consumidor é a parte mais fraca da relação do consumo, necessitando ser protegido (art. 5, XX-XII); um dos meios de protegê-lo é por intermédio da existência de uma legislação específica neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor (art. 48 das Disposições Transitórias); e devem coabitar no sistema legal princípios que compatibilizam a livre iniciativa e a proteção dos consumidores (art. 170)130.

128 SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor: um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009, p. 247. 129 Articulo 42 – Constitucion de la Nacion Argentina - Los consumidores y usuarios de bienes y servicios tienen derecho, en la relacion de consumo, a la proteccion de su salud, seguridad e intereses economicos; a una informacion adecuada y veraz; a la libertad de eleccion y a condiciones de trato equitativo y digno. Las autoridades proveeran a la proteccion de esos derechos, a la educacion para el consumo, a la defensa de la competencia contra toda forma de distorsion de los mercados, al control de los monopolios naturales y legales, al de la calidad y eficiencia de los servicios publicos, y a la constitucion de asociaciones de consumidores y de usuarios. La legislacion establecera procedimientos eficaces para la prevencion y solucion de conflictos, y los marcos regulatorios de los servicios publicos de competencia nacional, previendo la necesaria participacion de las asociaciones de consumidores y usuarios y de las provincias interesadas, en los organismos de control. 130 SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor: um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009, p. 247.

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Neste contexto, iremos analisar os direitos do consumidor na Carta Magna, não nos

restringindo somente aos três artigos que trazem expressa a proteção do

consumidor, mas analisaremos também alguns direitos implícitos dos consumidores,

consagrados principalmente no artigo 5º do texto constitucional, que serão

importantes para compreender os limites da atuação do mercado em relação aos

consumidores, especialmente na Internet, que é o objeto do nosso estudo.

A Constituição Federal propicia um primeiro arsenal jurídico, de base constitucional,

para o desenvolvimento do comércio eletrônico e os demais negócios na Internet,

estabelecendo princípios e garantias, como a liberdade de expressão, direito à

informação e privacidade das comunicações.

Apesar de não ser objeto de análise no presente estudo, importante citar outros

artigos da Constituição Federal que também auxiliam na proteção constitucional do

consumidor: o artigo 24, inciso VIII, que atribui competência concorrente à União,

Estados e Distrito Federal para legislar sobre responsabilidade por dano ao

consumidor; o artigo 150, § 5º, que determina que a lei estabeleça “medidas para

que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre

mercadorias e serviços”; o artigo 175, parágrafo único, inciso II, determinando à lei

dispor sobre os direitos dos usuários de serviços públicos; as normas do art. 220, §

4º, dispõem sobre a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas,

agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação - imprensa, rádio

e televisão; e o artigo 221 que discorre sobre as diretrizes a serem observadas

quanto à produção e à difusão de programas de rádio e televisão.

3.2.1.1 Proteção do consumidor como direito fundamental

Importante destacar, como assevera Adolfo Mamoru Nishiyama131, que a defesa do

consumidor deve ser interpretada a partir do princípio da dignidade da pessoa

humana, um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, 131 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 120-122.

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conferindo ao consumidor a mais ampla proteção para que tenha uma vida digna,

segundo os ditames da justiça social.

O constituinte brasileiro consagrou a proteção do consumidor como um direito e uma

garantia constitucional, à medida que foi inserido no Art. 5º, inciso XXXII, da Carta

Magna, o qual determina expressamente que “o Estado promoverá, na forma da lei,

a defesa do consumidor”. Fixa-se a determinação constitucional, pois, inserida no

Capítulo I, "Dos direitos e deveres individuais e coletivos", do Título II, "Dos direitos e

garantias fundamentais".

Por se tratar de direito fundamental, a proteção do consumidor prevalece em relação

aos demais direitos infraconstitucionais e, caso ocorra um eventual conflito

normativo, afirma-se sua superioridade. Ademais, como já pacificado na doutrina e

na jurisprudência, a localização do preceito constitucional no rol do artigo 5º da

Constituição Federal o coloca a salvo da possibilidade de reforma pelo poder

constituinte, sendo considerado cláusula pétrea, nos termos do artigo 60, § 4º, inciso

IV da Carta Magna132. Na visão de Bruno Miragem, os direitos fundamentais

constituem a base axiológica e lógica sobre a qual se assenta o ordenamento

jurídico. Por isso, situam-se em posição superior relativamente aos demais preceitos

do ordenamento jurídico.133

Os direitos fundamentais detêm um efeito horizontal134, ou seja, não só devem ser

respeitados pelo Estado, mas também devem ser observados nas relações entre

132 A defesa do consumidor goza da chamada estabilidade constitucional, pois se inscreve nas disposições do artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal, que trata de cláusula pétrea, não pode, pois, ser abolida por emenda ou mesmo revisão constitucional.

133 MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências jurídicas de um conceito. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 43, p. 111 - 133, 2002, p. 3. 134 Neste sentido, julgado do Superior Tribunal Federal que reconhece a eficácia dos direitos fundamentais também entre os particulares, o que a doutrina denomina de eficácia horizontal dos direitos fundamentais: “EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. [...] A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as

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dois iguais ou dois privados, o que se aplica, sobremaneira, ao direito do

consumidor. Portanto, os direitos fundamentais, assegurados pela Constituição

Federal, vinculam diretamente as relações privadas de consumo, incluindo aquelas

travadas no meio eletrônico, estando direcionados à proteção dos consumidores em

face dos fornecedores virtuais.

Ainda no que se refere aos direitos fundamentais, cabe mencionar, brevemente, a

classificação feita pela doutrina, considerando a evolução histórica e as mudanças

culturais e sociais ao longo do tempo. Inicialmente, os direitos fundamentais eram

divididos em três gerações ou dimensões135. Os direitos de primeira geração ou

dimensão são aqueles inerentes à pessoa humana, fundamentados na liberdade, e

representam os direitos civis e políticos. Tiveram origem com as revoluções liberais

francesas e norte-americanas, nas quais a burguesia reivindicava o respeito às

liberdades individuais, com a consequente limitação dos poderes absolutos do

Estado. Para Paulo Bonavides, os direitos de primeira geração ou direitos de

liberdade, como assim também denomina, “são direitos de resistência ou de

restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 201819. Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma. Julgado em 11 out. 2005. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 jun. 2014) 135 A doutrina diverge a respeito da terminologia mais correta para se denominar a evolução histórica dos direitos fundamentais - “gerações” ou “dimensões”. Paulo Bonavides faz referência expressa ao termo gerações dos direitos fundamentais, sendo este posicionamento seguido por vários outros constitucionalistas. Explica Bonavides: “Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo [...].” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 563). Parte da doutrina que defende o uso da expressão “dimensões de direito” fundamenta seu posicionamento no fato de que o termo “gerações” pode passar a falsa ideia de que, conforme os direitos fundamentais fossem evoluindo, ocorreria uma substituição de uma geração por outra, o que jamais poderá acontecer. Assim, tem-se o posicionamento de Ingo Sarlet: “Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à ideia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2012, p. 46).

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oposição perante o Estado”136. Abrangem, especialmente, os direitos à vida, à

liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei (igualdade formal), que remetem

à fase inicial do constitucionalismo ocidental.

Já os direitos de segunda geração ou dimensão referem-se aos direitos econômicos,

sociais e culturais, baseados na igualdade material. Baseia-se na concepção de

direitos fundamentais que contêm garantias institucionais. Surgiram da revolução

industrial e dos impactos sociais e econômicos dela decorrentes, provenientes da

vontade humana de superar a ideia de liberdade e de igualdade meramente formais.

Englobam os direitos de cunho positivo (direitos a prestações estatais, como

assistência social, saúde e educação) e as denominadas liberdades sociais

(liberdade de sindicalização, direito de greve e direitos fundamentais dos

trabalhadores)137.

Os direitos da terceira geração ou dimensão, por sua vez, são aqueles ligados aos

princípios da solidariedade e da fraternidade, são direitos que acompanharam todas

as formações sociais, protegendo grupos humanos (família, povo, nação) e

caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou

difusa, não se destinando especificamente à proteção dos interesses individuais,

mas mostrando uma grande preocupação com as gerações humanas, presentes e

futuras138. São exemplos de direitos da terceira geração: direito ao desenvolvimento

ou progresso, direito ao meio ambiente, direito à paz, direito à comunicação, direito

de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito à proteção do

consumidor139. Assim nos ensina Regina Vera Villas Bôas, em relação aos direitos

de terceira dimensão (denominação utilizada pela autora):

136 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 564. 137 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2012, p. 47-48. 138 Ao fazer referência aos direitos de terceira dimensão, Ingo Sarlet ressalta que “cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2012, p. 48-49). 139 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, 569.

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Essa dimensão dos Direitos se refere às situações jurídicas de grande relevância e abrangência social, reconhecidas pelo Estado Democrático de Direito, alcançando desde o interesse e direito à proteção dos da ordem econômica, do consumidor, da criança e do adolescente, do idoso, do portador de necessidade especial, das minorias de maneira geral, da saúde, do urbanismo e, também, do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado em prol da sadia qualidade de vida140.

Na atualidade, há quem afirme, apesar de ainda não haver consenso na doutrina, a

existência de uma quarta, de uma quinta e até uma sexta dimensão de direitos

fundamentais. Paulo Bonavides defende a existência de uma quarta geração de

direitos fundamentais, que corresponde à fase de institucionalização do Estado

Social. Esta quarta geração de direitos fundamentais é composta pelos direitos à

democracia, à informação e ao pluralismo, direitos estes decorrentes da

globalização política neoliberal. Assim explica Paulo Bonavides:

A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.141

Em relação à quinta geração, Paulo Bonavides menciona o direito à paz no âmbito

da normatividade jurídica, sugerindo sua transladação da terceira para a quinta

geração de direitos fundamentais. Alguns autores defendem, ainda, que a quinta

geração de direitos fundamentais englobaria os direitos referentes à realidade virtual

e à informática, advindos com o desenvolvimento da Internet, e que visam proteger a

honra, a imagem e os demais valores que decorrem da dignidade da pessoa

humana e são afetados no mundo virtual.

Ainda, considerando os dispositivos do artigo 5º da Constituição Federal, importante

analisar alguns direitos implícitos referentes à proteção ao consumidor em toda e

qualquer relação jurídica, o que inclui as relações de consumo firmadas por meio da

140 BÔAS, Regina Vera Villas. Um olhar transverso e difuso aos direitos humanos de terceira dimensão: a solidariedade concretizando o dever de respeito à ecologia e efetivando o postulado da dignidade da condição humana. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 13, n. 51, p. 11-34, jul./ set. 2012, p. 21. 141 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p. 571-572.

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Internet: direito à igualdade; direito à vida privada; direito à intimidade; direito à

imagem e direito à informação.

O direito à igualdade, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal142,

embasa todo o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, tornando-se

um verdadeiro princípio constitucional orientador de todo o sistema jurídico, sendo,

portanto, um dos direitos garantidos ao consumidor, que deve prevalecer em toda e

qualquer relação travada na Internet.

O princípio da igualdade contém duas modalidades: a igualdade formal (igualdade

perante a lei) e a igualdade material (igualdade na lei). A primeira modalidade

consiste em um princípio direcionador de todo o sistema jurídico em que todos

devem ser tratados igualmente perante a lei. A segunda modalidade, a igualdade

material, visa atribuir certos tratamentos desiguais com o objetivo se atingir a

igualdade real, principalmente no tocante às pessoas que se encontram em posição

mais vulnerável, como é caso do consumidor também inserido no ambiente

avassalador da Internet, por ser a parte mais vulnerável das relações de consumo.

Portanto, para que os consumidores possam atingir a igualdade material na relação

de consumo, tornam-se necessários tratamentos desiguais na lei, principalmente em

relação aos fornecedores que detém todo o conhecimento do mercado e maior

poder econômico, a fim de proteger os direitos dos consumidores inseridos nessa

sociedade de consumo contemporânea da era digital143.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar do princípio da igualdade e as hipóteses

em que seria possível um tratamento diferenciado na legislação, ensina que deve

142 Assim preconiza o caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. 143 Conforme nos ensina Luiz Alberto David Araújo, o intérprete e o legislador infraconstitucional devem preservar os valores expressos na carta constitucional que protege o consumidor: “A igualdade material vai vincular o interprete e o legislador infraconstitucional na preservação dos valores contidos nas normas específicas de proteção constitucional. Assim, o legislador infraconstitucional da igualdade material, tratando sempre diferentemente, de forma privilegiada, dentro dos limites constitucionais, o grupo ou o valor protegido. O intérprete, por seu lado, não pode perder de vista a proteção de tais bens, sempre cuidado de aplicar o direito em conformidade com a proteção constitucional adotada”. (ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1994, p. 82)

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100

existir “um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida e a

desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não

seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição”. 144

Portanto, a aparente discriminação existente entre fornecedor e consumidor

encontra fundamento na vulnerabilidade que recai sobre o consumidor, sendo

possível uma norma que estabeleça certa discriminação, a partir do momento em

que pretende igualar os desiguais, a fim de que não haja abuso por parte do mais

forte, o qual, na relação de consumo, é o fornecedor.

Neste sentido, as normas infraconstitucionais voltadas à defesa do consumidor

buscam proporcionar uma igualdade material aos consumidores em face dos

fornecedores. Em se tratando da relação de consumo vivenciada na Internet, o

tratamento legislativo desigual no tocante ao fornecedor e ao consumidor torna-se

ainda mais necessário, na medida em que a vulnerabilidade do consumidor virtual,

em muitos casos, é potencializada frente ao seu desconhecimento das diversas

técnicas empregadas pelos fornecedores nas práticas desenvolvidas na Internet,

conforme veremos com mais detalhes.

O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal prescreve, por sua vez, que “são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação”. Dessa forma, o referido dispositivo constitucional pode ser utilizado pelo

consumidor quando se sentir lesado ou ameaçado em relação à sua vida privada, à

sua intimidade, à sua honra ou até mesmo à sua imagem. Isso pode perfeitamente

ocorrer quando do seu acesso à Internet para fazer uso do comércio eletrônico,

sendo passíveis de reparação por dano moral e material.

No tocante ao direito de informação, este é assegurado pela Constituição Federal no

artigo 5º, incisos XIV e XXXIII. Também é corolário do direito de informação o

parágrafo 5º do artigo 150, e os parágrafos 3º, II e 4º do artigo 220, todos da

Constituição Federal.

144 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 23.

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101

O inciso XIV do artigo 5º dispõe que é assegurado a todos o acesso à informação e

resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional145. Já o

inciso XXXIII do mesmo artigo prescreve que todos têm direito a receber dos órgãos

públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral,

que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas

aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado146.

O acesso à informação é um importante meio para a efetivação da proteção do

consumidor, destacando, inclusive os canais de atendimento ao consumidor, bem

como as informações constantes nos rótulos dos produtos ou nos sites de comércio

eletrônico. Além disso, utilizando-se do seu direito constitucional à informação, é

possível ao consumidor conferir a idoneidade de determinadas empresas antes de

com elas celebrar um contrato físico ou eletrônico, a partir dos dados de

identificação fornecidos pela própria empresa.

Assim, pode-se concluir que é de extrema relevância toda informação prestada no

momento da contratação ou mesmo anterior ao início de qualquer relação, por meio

da oferta ou publicidade, uma vez que a informação constitui componente

necessário e essencial para que o consumidor possa ter acesso aos principais

termos e características dos bens disponíveis no mercado de consumo, seja ele

tradicional ou via eletrônica.

Vale mencionar, ainda, que a Constituição, em seu artigo 150, parágrafo 5º,

assegurou o direito de os consumidores serem esclarecidos acerca dos impostos

que incidam sobre mercadorias e serviços147. Essa medida é mais uma referência ao

pleno direito à informação que deve pautar as relações de consumo. Essa norma

deriva da ideia segundo a qual o consumidor deve estar ciente da carga tributária de

145 Art. 5º, inciso XIV: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. 146 Artigo 5º, inciso XXXIII: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. 147 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] Parágrafo 5º: A Lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

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102

um modo geral que incide sobre os produtos que consome, não obstante a redação

faz referência apenas a impostos.

Cumpre citar também o artigo 220 da Constituição Federal148, que trata da

manifestação de pensamento e publicidade comercial. A partir da leitura do referido

artigo, verifica-se que a propaganda e a publicidade comercial, que são meios de

informar o consumidor, devem atender a alguns requisitos e limites impostos pelas

legislações infraconstitucionais a fim de evitar qualquer tipo de ameaça ou lesão a

direito, como por exemplo, observar os preceitos de adequação, de suficiência e de

veracidade no tocante à propaganda de produtos, de práticas e de serviços que

possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Outra restrição prevista refere-se à propaganda comercial de tabaco, bebidas

alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. É importante que a publicidade

comercial, independente do meio de comunicação no qual seja veiculada, respeite

as restrições legais, bem como os direitos assegurados aos consumidores e se

paute na veracidade e clareza das informações.

3.2.1.2 Defesa do consumidor como princípio da ordem econômica e o

dever do Estado de proteção do consumidor

A Constituição Federal consagra, em seu artigo 170, inciso V, a defesa do

consumidor como um princípio geral da ordem econômica, emparelhando-a com

princípios basilares para o modelo político-econômico brasileiro, como o da

soberania nacional, da propriedade privada, da livre concorrência e outros149.

148 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. [...] § 3º - Compete à lei federal: [...] II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. [...] § 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. 149 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os

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A previsão do princípio da defesa do consumidor como orientador da ordem

econômica revela um compromisso entre as forças políticas liberais e as

reivindicações populares de justiça social no mercado de consumo150. Portanto, a

defesa do consumidor consagra-se como um dos princípios basilares a ser seguido

para o desenvolvimento da atividade econômica, sendo um meio para se atingir a

valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, para que possa assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Com efeito, a realização do princípio constitucional da defesa do consumidor não

elide as demais normas principiológicas do artigo 170 da Constituição Federal, ainda

que, aparentemente, polarizem um conflito inconciliável. Os princípios gerais da

atividade econômica relacionados na Constituição Federal devem coexistir em plena

harmonia, já que, a priori, nenhum pode ser considerado de maior relevância em

relação ao outro. Todos os princípios e fundamentos do artigo 170 da Carta Magna

são importantes e devem ser interpretados harmoniosamente. Concernente a isso,

Fábio Konder Comparato ensina que não há razão para distinguir a defesa do

consumidor, em termos de nível hierárquico, dos demais princípios econômicos

declarados no art. 170 da Constituição Federal151.

Nessa linha de pensamento, cabe destacar que a defesa do consumidor não é

incompatível com a livre iniciativa e o crescimento econômico, uma vez que ambos

seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor. (grifo nosso) 150 Eros Roberto Grau ressalta a importância constitucional da defesa do consumidor: “Princípio constitucional impositivo (Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. No último sentido, assume a feição de diretriz (Dworkin) - norma-objetivo - dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reinvindicação pela realização de políticas públicas (GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 262). Citamos também a contribuição de José Afonso da Silva ao comentar sobre o artigo 170 da Constituição Federal, tendo em vista que “Realça de importância, contudo, sua inserção entre os direitos fundamentais, com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais. Conjugue-se a isso com a consideração do art. 170, V, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. Tudo somado, tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista. Isso naturalmente abre larga brecha na economia de mercado, que se esteia, em boa parte, na liberdade de consumo, que é a outra face da liberdade do tráfico mercantil fundada na pretensa lei da oferta e da procura”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 262-263) 151 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção ao consumidor na Constituição Brasileira. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 80, out./dez. 1990, p. 71.

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estão previstos no artigo 170 da Constituição Federal, sendo determinante a

interpretação harmônica da defesa do consumidor e a livre iniciativa a fim de

assegurar o exercício da atividade econômica de forma compatível com os direitos

do consumidor.

Por fim, destaca-se a lição de Bruno Miragem que considera o direito do consumidor

como direito fundamental e princípio da ordem econômica, na medida em que

“assume no direito brasileiro uma nítida função de ordenação do mercado a partir do

interesse do consumidor. Mais do que exceção imponível à dinâmica da livre

iniciativa econômica, articula-se com esta na formação de um conceito novo de

mercado”152. A defesa do consumidor e a livre concorrência integram-se a partir de

instrumentos jurídicos de efetivação da ordem econômica.

Conforme visto, a Constituição torna matéria constitucional a proteção do

consumidor, deixando, porém, sua regulamentação à lei infraconstitucional. Quanto

a isso, esclarece Bruno Miragem:

Nesse sentido, o art. 5º, XXXII, ao estabelecer pela locução “na forma da lei” um comando específico ao legislador para que realizasse o detalhamento da proteção do constitucional, reconheceu a este a possibilidade de construção das normas próprias de proteção, de forma a otimizar a finalidade específica da disposição constitucional. De outra parte, note-se que a extensão do comando da norma constitucional ao legislador não se restringiu apenas à determinação da feitura da lei, senão, em face da dicção do art. 48 do Ato das Disposições Transitórias, determinou a realização de um Código de Defesa do Consumidor153.

Deste modo, em seu artigo 48 do Ato das Disposições Transitórias, o constituinte

originário atribui ao Congresso Nacional a tarefa de elaborar o Código de Defesa do

Consumidor, na tentativa de harmonizar as relações entre consumidor, de um lado,

e fornecedor, de outro. Para tanto, o constituinte concedeu um prazo de 120 dias da

promulgação da Constituição Federal, para a elaboração desse novo estatuto

legislativo. Este período, no entanto, não foi suficiente. Somente em 11 de setembro

152 MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências jurídicas de um conceito. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 43, p. 111 - 133, 2002, p. 9. 153 MIRAGEM, Bruno. O direito do consumidor como direito fundamental: consequências jurídicas de um conceito. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, vol. 43, p. 111 - 133, 2002, p. 6.

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105

de 1990 foi promulgada a Lei n. 8.078, atual Código de Defesa do Consumidor, com

o objetivo de intervir nas relações de consumo visando à proteção do consumidor,

de modo a garantir um maior equilíbrio e igualdade nas contratações154.

Foi então que veio a consagração do Código de Defesa do Consumidor, um diploma

legislativo voltado especificamente para a solução de conflitos na relação de

consumo, considerando todas as peculiaridades desta relação entre fornecedor e

consumidor, já que este diploma trouxe em seu bojo, conceitos peculiares desta

nova modalidade de relação jurídica.

No entanto, o princípio constitucional da defesa do consumidor não se esgota na

simples elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Torna-se imperiosa a

concretização da defesa do consumidor, o que exige o esforço do operador do

direito na correta interpretação e aplicação do referido diploma legal, em harmonia

com o mandamento constitucional. Logo, também no plano infraconstitucional, serão

relevantes os princípios jurídicos no desenvolvimento de suas funções

fundamentadora e hermenêutica.

Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor contempla, além das normas de

conduta e de organização, os princípios orientadores das relações de consumo

vivenciadas no meio físico ou no meio eletrônico, que serão objeto de análise ao

longo deste trabalho.

3.2.2 Código de Defesa do Consumidor e Comércio Eletrônico

Como primeira norma de grande relevância para pautar qualquer relação de

consumo, destaca-se a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, atual Código de

Defesa do Consumidor, que surgiu pela necessidade de compensar a desigualdade

154 Citamos julgado neste sentido: O Código de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas relações jurídicas. Nenhuma decisão judicial pode amparar o enriquecimento sem justa causa. Toda decisão há de ser justa. (Resp 90366/MG, rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, sexta turma, julgado em 11/06/1996, DJ 02/06/1997, p. 23866)

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técnica e econômica do consumidor frente ao fornecedor de produtos e serviços no

mundo contemporâneo.

A preocupação central do Código de Defesa do Consumidor, como esclarece

Roberto Pfeiffer, é a de proporcionar o equilíbrio da relação de consumo, a partir do

reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, à medida que estabelece normas

protetivas que visam equilibrar a relação de consumo155. Essa busca pelo equilíbrio

da relação entre fornecedores e consumidores deve perdurar também no ambiente

virtual, no qual a vulnerabilidade do consumidor é acentuada.

Embora o texto da lei tenha sido formulado num período em que a Internet já

demonstrava potencial de desenvolvimento, as transações eletrônicas estavam

ainda em estágio embrionário, principalmente no Brasil, razão pela qual deixam de

existir regras especificamente voltadas para o comércio eletrônico. No entanto, não

resta dúvida quanto sua aplicação para pautar as relações de consumo ocorridas no

ambiente digital e tutelar os interesses dos consumidores do comércio eletrônico. Se

houver relação de consumo, seja no ambiente físico ou virtual, aplicar-se-á o Código

de Defesa do Consumidor. Assim esclarece Laura de Toledo Ponzoni Marcondes:

[...] a Internet não cria um espaço livre, alheio ao Direito. Ao contrário, as normas legais aplicam-se aos contratos celebrados pela Internet basicamente da mesma forma que a quaisquer outros negócios jurídicos. Tratando-se de contratos e consumo, são aplicáveis, portanto as normas do Código de Defesa do Consumidor.156

No mesmo sentido, Newton de Lucca defende a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor para as relações no comércio eletrônico entre fornecedor e consumidor:

[...] a aplicação da legislação consumerista às relações jurídicas de consumo celebradas por essa via é plena, conquanto isso não signifique afirmar, absolutamente, seja ela suficiente [...] é certo não haver diferença ontológica e axiologicamente relevante entre o que passa no mundo real e no mundo virtual. A questão da caracterização da relação de consumo, no âmbito da Internet, põe-se exatamente da mesma forma. Aplicar-se-á total

155 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Proteção do consumidor e defesa da concorrência: paralelo entre práticas abusivas e infrações contra a ordem econômica. Revista do Consumidor, São Paulo, vol. 76, p. 131 – 142, out. 2010, p. 131. 156 MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Aplicação do código de defesa do consumidor ao comércio eletrônico. In: LOPEZ, Teresa Ancona Lopez (Coord.). Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 407.

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ou parcialmente o CDC às relações jurídicas, dependendo de serem ou não os sujeitos atuantes nessas relações, fornecedores e consumidores. Identificados como tais, razão nenhuma existe para que lhes sejam criados óbices à plena aplicação da legislação tutelar.157

O Código de Defesa do Consumidor aplica-se às relações de consumo como um

todo, ou seja, àquelas transações realizadas entre um fornecedor e o consumidor

final tendo por objeto a comercialização de um produto ou serviço. Corroborando o

posicionamento da doutrina, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a

incidência do Código de Defesa do Consumidor à exploração comercial da

Internet158.

Civil e Consumidor. Internet. Relação de consumo. Incidência do CDC. Provedor de conteúdo. Fiscalização prévia do conteúdo postado no site pelos usuários. Desnecessidade. Mensagem de cunho ofensivo. Dano moral. Risco inerente ao negócio. Inexistência. Ciência da existência de conteúdo ilícito. Retirada do ar em 24 horas. Dever. Submissão do litígio diretamente ao poder judiciário. [...] 3. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. [...] (REsp 1338214/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2013, DJe 02/12/2013)

O Código de Defesa do Consumidor não se limita a disciplinar determinado contrato

firmado entre fornecedor e consumidor, mas estabelece parâmetros para todos os

contratos de consumo, independente do meio em que se realiza159. Ao ressaltar a

equivalência das relações de consumo existentes no comércio eletrônico e no

comércio tradicional presencial, destaca Camila Candido Emerim:

A configuração da relação de consumo a distância, especialmente no âmbito do comércio eletrônico, dá-se da mesma forma que a relação de consumo tradicional, posto que a distância física entre consumidor e fornecedor não tem o condão de desnaturar as definições basilares trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e interpretadas pela doutrina e pela jurisprudência, as quais têm como telos proteger o sujeito vulnerável da relação de consumo.160

157 LUCCA, Newton de. Aspectos atuais da proteção aos consumidores no âmbito dos contratos informáticos e telemáticos. In. ______ (Coord.). Direito & Internet: aspectos jurídicos relevantes. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008, p. 25-76. 158 Neste sentido, ver também o seguinte julgado: REsp 1.316.921/RJ, julgado em 26.06.2012, rel. Min. Nancy Andrighi. 159 MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Aplicação do código de defesa do consumidor ao comércio eletrônico. In: LOPEZ, Teresa Ancona Lopez (Coord.). Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 414. 160 EMERIM, Camila Candido. Contratos eletrônicos e de consumo: panorama doutrinário, legislativo e jurisprudencial atual. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 23, n. 91, p.367-393, jan./ fev. 2014, p. 380.

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108

A proteção ao consumidor implica reconhecer a existência de sua inerente

vulnerabilidade e hipossuficiência, uma vez que ele se encontra em uma posição de

desvantagem técnica e jurídica frente ao fornecedor. Daí a necessidade de reforçar

os instrumentos de proteção ao consumidor na Internet.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece normas de ordem pública e

interesse social e tem por objetivo o atendimento das necessidades dos

consumidores com respeito à sua dignidade, à sua saúde e à sua segurança,

proteção dos seus interesses econômicos, melhoria da sua qualidade de vida, bem

como a transparência nas transações comerciais, sejam elas realizadas no comércio

tradicional ou por meio eletrônico. Portanto, tem-se que, tendo o Código de Defesa

do Consumidor caráter de verdadeiro microssistema jurídico, é aplicável a toda e

qualquer relação jurídica de consumo, inclusive aos contratos de consumo

celebrados por meios eletrônicos.

3.2.2.1 Sujeitos da relação de consumo no comércio eletrônico

Para que se possa estudar a proteção do consumidor no mercado eletrônico,

necessário identificar os agentes envolvidos na relação jurídica de consumo à

distância. Assim, importante conceituar consumidor e fornecedor para o Código de

Defesa do Consumidor para, em seguida, analisar sua abrangência nas relações de

consumo estabelecidas na Internet.

3.2.2.2 Consumidor Virtual

Por visar amparar todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente nas relações

de consumo, o Código de Defesa do Consumidor apresenta o conceito de

consumidor padrão ou standard e ainda traz o conceito de consumidores por

equiparação: a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis; as vítimas do

acidente de consumo; e aqueles que estiverem expostos às práticas comerciais,

conforme veremos.

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109

Logo no início do Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2°, o legislador se

preocupou em conceituar o que considera como consumidor padrão ou standard:

“toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final”.

De acordo com o dispositivo acima transcrito, qualquer pessoa, física ou jurídica,

poderá ser considerada consumidora, desde que assuma a posição de destinatária

final do produto ou serviço na relação de consumo.

No entanto, conforme bem ressalta Roberto Pfeiffer, existem duas teorias que

dividem a interpretação do conceito de consumidor como destinatário final: a teoria

finalista ou subjetiva e teoria maximalista. O autor ensina que “a teoria finalista

preconiza que o consumidor é apenas aquele que utiliza o produto ou serviço

adquirido para seu uso próprio, sem utilizá-lo com fins econômicos, seja para

revenda, transformação ou como insumo para produção de outros produtos ou

serviços”161.

Neste sentido, também é o posicionamento de José Geraldo de Brito Filomeno, o

qual defende que o conceito de consumidor adotado pelo Código de Defesa do

Consumidor foi exclusivamente de caráter econômico, levando-se em consideração

tão-somente o indivíduo que, no mercado de consumo, adquire bens ou então

contrata prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que, assim,

age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o

desenvolvimento de uma outra atividade negocial162.

Destinatário final para a teoria finalista é, portanto, o consumidor final que retira o

produto do mercado de consumo e, ao mesmo tempo, o retira da cadeia de

produção, ou seja, é aquele que não utiliza o bem adquirido para continuar a

produzir, mas em proveito próprio.

161 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Convenção Coletiva de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 56, p. 347 – 354, out. 2005, p.347. 162 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p.28.

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110

Por outro lado, foi desenvolvida a teoria maximalista, que amplia o conceito de

consumidor. Para essa corrente, o Código de Defesa do Consumidor tem o objetivo

de regular todo o mercado de consumo e não apenas para proteger o consumidor

não profissional, defendendo que a definição de consumidor preconizada no artigo

2° do diploma legal possui um conteúdo objetivo, sendo indiferente se quem o retira

do mercado consome ou não para a realização de uma atividade econômica.

Portanto, o consumidor seria o destinatário final fático do produto ou do serviço,

aquele que o retira do mercado e o consome, ainda que seja para realizar uma

atividade produtiva163. Deste modo, sintetiza Roberto Pfeiffer para explicar a duas

teorias que definem consumidor final para o Código de Defesa do Consumidor:

Para a teoria maximalista haveria relação de consumo, uma vez que o produto é retirado da escala de produção, sendo, assim, o seu adquirente o destinatário fático do produto. Já para a teoria finalista, não haveria relação de consumo, uma vez que os produtos em questão foram adquiridos em razão do desenvolvimento de uma atividade empresarial e, assim, a empresa adquirente não será o seu destinatário econômico164.

Entretanto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, após calorosos debates,

adotou a teoria finalista para pautar suas decisões, permitindo, no entanto, a

extensão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses de

reconhecida vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica no caso concreto, o que

vem sendo denominado de mitigação da teoria finalista165.

No comércio eletrônico, realizado entre fornecedor e consumidor final, quando este

adquire o bem ou serviço pela Internet para seu próprio uso, sem visar a uma

atividade empresarial, tem-se a figura do destinatário final. Portanto, enquadra-se

163 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos administradores de fundos de investimento. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 61, p. 190 – 199 jan., 2007, p. 190. 164 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos administradores de fundos de investimento. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 61, p. 190 – 199 jan., 2007, p. 190. 165 CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. DESTINATÁRIO FINAL. A expressão destinatário final, de que trata o art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor abrange quem adquire mercadorias para fins não econômicos, e também aqueles que, destinando-os a fins econômicos, enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade; espécie em que caminhoneiro reclama a proteção do Código de Defesa do Consumidor porque o veículo adquirido, utilizado para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e a da família, apresentou defeitos de fabricação. Recurso especial não conhecido. (REsp 716.877/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2007, DJ 23/04/2007, p. 257)

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111

perfeitamente no conceito de consumidor para os fins de aplicação do Código de

Defesa do Consumidor.

Nesse sentido, considera-se consumidor virtual a pessoa física ou jurídica que

adquire produtos ou utiliza serviços fornecidos na Internet, como destinatário final.

Como exemplo, podemos citar as compras realizadas em site de comércio eletrônico

de CD's, vídeos, livros, produtos alimentícios, programas de computador,

eletrônicos, sem, no entanto, o intuito de revendê-los, assim como a utilização de

serviços bancários, criação de sites, contratação de seguros e viagens166. O

consumidor virtual é um sujeito à frente de um dispositivo eletrônico, com qualquer

idade, identificável apenas por uma senha, número, assinatura eletrônica ou

impressão biométrica.

O Código de Defesa do Consumidor traz, ainda, os conceitos de consumidores por

equiparação, consubstanciados nos seguintes dispositivos: parágrafo único do artigo

2º, que aborda as pessoas equiparadas a consumidores; artigo 17, que destaca o

consumidor enquanto vítima, ou seja, atingido pelos acidentes de consumo; e artigo

29, que enfatiza o consumidor exposto às práticas comerciais.

Trata-se de consumidor equiparado tal como descrito no parágrafo único do artigo 2º

do Código de Defesa do Consumidor, a coletividade de pessoas que, de alguma

forma, tenha participado nas relações de consumo. Esclarece o parágrafo único do

artigo 2º que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que

indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor amplia o conceito de consumidor,

uma vez que equipara à condição de consumidor a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis, no entanto estabelece a necessidade de que tenham

participado, de alguma forma, na relação de consumo. Conforme ensina Patrícia

Caldeira167, “o ponto de partida da extensão do campo de aplicação do CDC é a

166 BARBIERI, Diovana. A proteção do consumidor no comércio eletrônico: estudo comparado á luz dos ordenamentos jurídicos brasileiro e português. Curitiba: Juruá, 2013, p. 64. 167 CALDEIRA, Patrícia. Caracterização da Relação de Consumo. Conceito de Consumidor/Fornecedor. Teorias Maximalistas e Finalistas. Análise dos artigos 1º a 3º, 17 e 29, do

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observação de que muitas pessoas, mesmo não sendo consumidores stricto sensu,

podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos fornecedores no

mercado”.

Portanto, a coletividade também pode ser tida como consumidor virtual, nos termos

no parágrafo único do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. Tomemos

como exemplo a seguinte hipótese – se um site de um fornecedor divulgar uma

publicidade enganosa ou inserir cookies nos computadores dos usuários, nesses

dois casos, a coletividade, potencialmente consumidora e sujeita a sofrer o dano,

pode ser equiparada a figura do consumidor virtual168.

O artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, equipara à qualidade

de consumidor as vítimas de acidente de consumo, que, mesmo não tendo sido

consumidores diretos, foram atingidos pelo evento danoso. Determina o artigo 17

que “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. Importante

esclarecer que o conceito de consumidor trazido pelo artigo 17 do CDC aplica-se

somente a Seção III do Código que cuida da responsabilidade civil objetiva do

produto ou serviço.

Observa-se que, nesta passagem, o legislador preocupou-se com a

responsabilidade perante terceiros, protegendo os denominados bystanders, ou

seja, aquelas pessoas estranhas à relação de consumo, mas que, no entanto,

sofreram prejuízos em razão dos defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou

serviço169. Dessa forma, o fornecedor de produtos ou serviços também possui

responsabilidade perante terceiros, já que os danos causados por vícios de

qualidade dos bens ou dos serviços não afetam somente o consumidor, mas podem

afetar terceiros estranhos à relação de consumo. Portanto, basta ser vítima de um

produto ou de um serviço para assumir a posição de consumidor legalmente

protegido, nos termos do artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor.

CDC, p. 11 – 33. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; Caldeira, Patrícia (orgs.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Verbatim, 2009, p. 21. 168 BARBIERI, Diovana. A proteção do consumidor no comércio eletrônico: estudo comparado à luz dos ordenamentos jurídicos brasileiro e português. Curitiba: Juruá, 2013, p. 65. 169 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 208.

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113

Assim sendo, os terceiros, vítimas de acidente de consumo, também podem ser

enquadrados como consumidor virtual, como preconiza o artigo 17 do Código de

Defesa do Consumidor. Imaginemos a situação em que um indivíduo utiliza um

provedor de acesso contratado por um membro da sua família e quando da

realização de uma contratação eletrônica há uma interrupção culposa do serviço,

gerando danos patrimoniais ao usuário. Nesse caso, o terceiro, ainda que não

possua vínculo contratual com o fornecedor (provedor), por ser caso de acidente de

consumo, pode ser equiparado ao consumidor, e, portanto, ser ele um consumidor

virtual.

O Código de Defesa do Consumidor determina, ainda, um último conceito de

consumidor por equiparação quando exposto às práticas comerciais, no seu artigo

29, o qual prevê que “equiparam-se aos consumidores todas as pessoas

determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Ressalta-se que o

conceito de consumidor referido no artigo 29 do código consumerista é aplicável

unicamente às situações inseridas nos capítulos "Das Práticas Comerciais" e "Da

Proteção Contratual".

De acordo com o conceito apresentado no dispositivo legal acima citado, basta que

a pessoa esteja exposta às práticas comerciais, dentre elas a publicidade, para ser

enquadrada como consumidor. Portanto, não há necessidade de a pessoa ter

participado efetivamente da relação de consumo ou, ainda, ter sido atingida por

evento danoso, sendo necessário, apenas, estar exposta às práticas comerciais

para receber a tutela concedida pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim,

ensina Patrícia Caldeira em relação ao conceito de consumidor previsto no artigo 29

do Código de Defesa do Consumidor.

Trata-se, portanto, de um conceito difuso de consumidor, na medida em que todas as pessoas são consumidoras por estarem potencialmente expostas a toda e qualquer prática comercial. É, como já dito, o aspecto mais abstrato da definição, que partindo do elemento mais concreto – daquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final – acaba fixando de forma objetiva que se respeite o consumidor potencial. Daí, ter-

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se que dizer que o consumidor protegido pela norma do artigo 29 é uma

potencialidade. Sequer precisa existir170.

Dessa forma, sendo a oferta e a publicidade uma das atividades incluídas nas

práticas comerciais contempladas pelo Código de Defesa do Consumidor, todas as

pessoas expostas a tais práticas, ainda que no meio virtual, são consideradas

consumidoras, de acordo com artigo 29. Assim sendo, os usuários expostos à

publicidade e às ofertas on line, spam's e cláusulas contratuais abusivas podem ser

enquadradas como consumidoras virtuais e fazem jus às proteções do Código de

Defesa do Consumidor.

3.2.2.3 Fornecedor Virtual

O legislador conceitua fornecedor, por sua vez, no artigo 3°, caput, do Código de

Defesa do Consumidor como se vê:

Art. 3º Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Assim sendo, qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que forneça

bens ou preste serviços, mediante remuneração direta ou indireta, desde que o faça

por meio eletrônico, pode ser considerada fornecedora virtual. Destacamos como

exemplos de fornecedores atuantes na Internet as lojas virtuais, sites de leilão e

provedores de acesso e conteúdo.

As lojas virtuais são típico exemplo de fornecedor no comércio eletrônico, sendo

estabelecimentos virtuais que disponibilizam produtos ou prestam serviços por meio

de sites na Internet diretamente ao consumidor final. As lojas virtuais podem ofertar

170 CALDEIRA, Patrícia. Caracterização da Relação de Consumo. Conceito de Consumidor/Fornecedor. Teorias Maximalistas e Finalistas. Análise dos artigos 1º a 3º, 17 e 29, do CDC, p. 11 – 33. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; Caldeira, Patrícia (orgs.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Verbatim, 2009, p. 26.

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os mais diversos produtos e serviços disponíveis no mercado de consumo, sejam

eles tangíveis ou intangíveis.

O site de leilão também é um caso de fornecedor virtual, mas tem suas

peculiaridades. O site possibilita o contato entre os consumidores interessados em

adquirir, vender ou trocar mercadorias e serviços, sem ter que pagar o custo de um

anúncio nos tradicionais meios físicos de comunicação. Assim, o site de leilão

desempenha o papel de fornecedor virtual, na medida em que disponibiliza espaço

virtual para que os interessados possam comprar e vender seus produtos,

recebendo, para tanto, remuneração direta ou indireta como pagamento pelos

serviços disponibilizados. Importante compreender que os sites de leilão não podem

ser vistos como simples página de classificados, pois aqueles participam ativamente

da compra e venda de produtos como intermediadores, recebendo remuneração

quando o negócio é concretizado. Portanto, aplica-se o artigo 7º, parágrafo único do

Código de Defesa do Consumidor171.

171 Nesse sentido, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo e Juizado Especial Cível do Distrito Federa, respectivamente: Prestação de serviços - indenização - compra e venda realizada em site de internet de leilão virtual - furto da senha do vendedor - responsabilidade por danos causados ao mesmo - cabimento. Perfeitamente possível é a responsabilização dos sites da Internet de leilão virtual, pelos prejuízos causados aos seus usuários previamente cadastrados, em decorrência da aquisição e venda dos produtos que ajuda a comercializar. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSOS IMPROVIDOS (Apelação com Revisão nº 9272776-80.2008.8.26.0000, Relator: Emanuel Oliveira, 34ª Câmara de Direito Privado. Data de Julgamento: 12/03/2009) e no mesmo sentido: CIVIL - CONSUMIDOR - COMPRA E VENDA DE APARELHO CELULAR VIA INTERNET-NÃO ENTREGA DE MERCADORIA - DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - SOLIDARIEDADE PASSIVA DO SITE QUE DISPONIBILIZA A REALIZAÇÃO DE NEGÓCIOS E RECEBE UMA COMISSÃO DO VENDEDOR/ANUNCIANTE, QUANDO CONCRETIZADO O NEGÓCIO - 1. Doutrina. "Os contratos de fornecimento de produtos ou de prestação de serviços, dos quais constituem exemplo aqueles celebrados entre provedores de acesso à internet e os seus clientes, encontram-se sujeitos, [...] às mesmas proteções ordinariamente dirigidas à tutela dos consumidores, em relação à eventual aquisição de bens no mundo real. [...] não se pode olvidar que os contratos realizados pela Internet são contratos de adesão, daí porque as limitações na interpretação de tal espécie de contrato são, evidentemente, aplicáveis. Por isso é que devem ser consideradas nulas todas as disposições que alterem o equilíbrio contratual das partes, ou que liberem unilateralmente as partes de suas obrigações legais, como é o caso das cláusulas de não indenizar." (GONÇALVES, Vitor Fernandes. A Responsabilidade Civil na Internet. R. Dout. Jurisp. TJDF 65, pág. 86). 2. O serviço prestado pela ré, de apresentar o produto ao consumidor e intermediar negócio jurídico por meio de seu site e receber comissão quando o negócio se aperfeiçoa, enquadra-se nas normas do Código de Defesa do Consumidor (art. 3º, §2º, da Lei 8078/90). 3. É de se destacar que a recorrente não figura como mera fonte de classificados, e sim, participa da compra e venda como intermediadora, havendo assim, solidariedade passiva entre a recorrente e o anunciante, nos termos do Parágrafo único do art. 7o do Código do Consumidor. 4. Merece confirmação sentença que condenou a intermediadora a indenizar consumidor pelo não recebimento de produto adquirido (aparelho de telefone celular) em site de internet de responsabilidade daquela (intermediadora), aqui recorrente. 5. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. (Acórdão n.186533, 20030310140885ACJ, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 11/02/2004, Publicado no DJU SECAO 3: 20/02/2004. p. 159)

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116

Dentre os fornecedores presentes nas relações jurídicas desenvolvidas na Internet,

identificam-se, ainda, os provedores, os quais viabilizam o acesso à rede mundial de

computadores ou oferecem conteúdo a ser acessado pelos usuários no ambiente

virtual.

Bruno Miragem identifica três formas de provedores na Internet: (i) provedores de

conteúdo: que são os autores, os editores ou outros titulares do direito que

introduzem seu trabalho na Internet, fornecem conteúdo para os consumidores e

estão sujeitos à proteção juntamente com as empresas de software; (ii) provedores

de serviços: englobam os provedores de acesso, que contratam e oferecem o

acesso à rede de computadores, e os provedores de serviços e conteúdo, que

oferecem no ambiente da Internet conteúdo a ser acessado ou prestam serviços a

serem consumidos pela Internet ou a partir desta; e (iii) provedores de rede: que são

aqueles que fornecem a infraestrutura física de acesso, ou seja, as linhas de

comunicação que possibilitam a conexão com a rede, tais como companhias

telefônicas ou as empresas de serviços via cabo172.

Importante observar que o regime de responsabilidade dos provedores de Internet

pode variar quanto à norma aplicável, havendo, portanto, muita discussão em torno

da responsabilidade objetiva dos provedores. Segundo destaca Bruno Miragem, os

provedores de serviços de acesso são fornecedores de serviços nos exatos termos

do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor. No caso dos provedores de

conteúdo, quando realizam atividade mercantil no fornecimento de conteúdo,

também se enquadram no conceito de fornecedor e estão sujeitos às regras de

proteção do consumidor. Enquadrando os provedores de Internet como

fornecedores, no caso de ocorrer danos a usuários ou não da Internet em razão da

atividade desenvolvida pelos eles, incidirá a norma do artigo 17 do Código de

Defesa do Consumidor, a qual equipara a consumidores todas as vítimas do evento

danoso, atraindo a incidência do regime de responsabilidade da legislação

consumerista.

172 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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117

Destaca-se, por fim, que o objeto da relação de consumo deve ser um produto ou

serviço, alvo da negociação entre o fornecedor, que fornece tal objeto, e do

consumidor, quem adquire o mesmo. O Código de Defesa do Consumidor também

define o que seria produto e serviço, objeto da relação de consumo:

Art. 3° [...] § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Observa-se, portanto, uma infinidade de bens e serviços, nos termos da norma

consumerista, que podem ser expostos e adquiridos no comércio eletrônico, desde

bens materiais também disponíveis no comércio físico, até bens imateriais próprios

desse meio eletrônico, como os softwares (programas de computadores). De fato, o

que modifica é simplesmente o meio, físico ou virtual, pelo qual os produtos ou

serviços são disponíveis.

Concluímos, assim, a partir da definição de consumidor e fornecedor, bem como dos

produtos e serviços objetos da relação de consumo, conforme acima expostos, que

o Código de Defesa do Consumidor é perfeitamente aplicável para regular as

práticas comerciais, as publicidades e as compras feitas pela Internet quando o

fornecedor e o consumidor final estão estabelecidos no território brasileiro e aqui

celebram o contrato eletrônico173.

Somente com o intuito de informar o leitor, no caso de contratos eletronicamente

celebrados entre um fornecedor e um consumidor sediados em países diversos,

estaremos diante de um assunto de direito internacional. Portanto, será necessário

observar as regras previstas no Decreto-lei n. 4.657/1942, conhecido como Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cujo artigo 9° caput e § 2° preveem que

se aplique a lei do país onde se constituírem as obrigações. Considera-se local da

constituição da obrigação o lugar sede daquele que estiver ofertando o produto ou

173 Vale observar, portanto, que alguns doutrinadores defendem a ideia de que nem todos os problemas apresentados pela atividade de consumo na Internet podem ser regulamentados pelo Código de Defesa do Consumidor, sobretudo porque o comércio virtual apresenta problemas que não são comuns no mundo real.

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serviço da Internet. Não vamos adentar nesse assunto, pois nosso foco de

concentração é o ordenamento jurídico brasileiro, considerando as relações jurídicas

firmadas entre fornecedores e consumidores sediados em território nacional.

3.2.3 Decreto n. 7.962, de 15 de março de 2013 – Decreto do

Comércio Eletrônico

Em 15 de março de 2013, durante as comemorações do Dia Internacional do

Consumidor, em conjunto com outras medidas que visam fortalecer os órgãos de

defesa do consumidor, o governo brasileiro editou o Decreto n. 7.962/2013, visando

regulamentar o Código de Defesa do Consumidor, no tocante às transações

comerciais realizadas na Internet entre empresas e consumidores finais.

O Decreto n. 7.962/2013, popularmente conhecido como Decreto do Comércio

Eletrônico174, dispõe sobre a contratação no comércio digital, principalmente no que

se refere ao direito de o consumidor ter acesso a informações claras e objetivas a

respeito dos produtos e dos serviços que estão adquirindo, bem como sobre seus

fornecedores. Além disso, a referida norma garante aos consumidores atendimento

facilitado e obriga as lojas virtuais a esclarecerem aos consumidores sobre o direito

de arrependimento nas compras realizadas no meio digital175.

Tal norma tem como objetivo assegurar a efetividade dos direitos do consumidor já

previstos no Código de Defesa do Consumidor para as transações comerciais

efetuadas por meio eletrônico, ou seja, fora do estabelecimento comercial físico, o

que engloba os contratos realizados com consumidores na Internet e os demais

modelos de negócio voltados para a contratação com consumidores nos meios

eletrônicos. Portanto, o Decreto n. 7.962/2013 não se restringe à regulação das

relações comerciais operadas por meio de sites na Internet, abarcando outros meios

174 O Decreto n. 7.962/2013 reproduz, em grande parte, as disposições do Projeto de Lei n. 281/2012, em trâmite no Senado Federal. 175 Art. 1º do Decreto n. 7.962/2013: Este Decreto regulamenta a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos: I – informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; II – atendimento facilitado ao consumidor; e III – respeito ao direito de arrependimento.

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eletrônicos utilizados pelo consumidor para a contração eletrônica. Assim, as regras

dispostas no referido decreto do comércio eletrônico também incidem para os

aplicativos existentes em tablets e smartphones, terminais de compras eletrônicas,

mensagens trocadas por telefones por meio de SMS (Short Message System) e

tantos outros meios digitais que existirem para viabilizar a comunicação entre

fornecedor e consumidor final.

Visando orientar a interpretação e o cumprimento do Decreto n. 7.962/2013, a

Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) divulgou, em 11 de setembro de

2013, a Nota Técnica 40/CGEMM/DPDC/SENACON/2013176 que contém algumas

diretrizes sobre as relações de consumo realizadas por meio eletrônico,

especialmente no tocante ao direito à informação clara por ocasião da oferta,

contratação no meio eletrônico e direito de arrependimento.

Vale esclarecer que, muito antes da edição do Decreto n. 7.962/2013, a sociedade e

órgãos de defesa do consumidor já vinham discutindo o tema do comércio eletrônico

e a proteção do consumidor no ambiente virtual. Foi, então, que o Sistema Nacional

de Defesa do Consumidor, por meio da Escola Nacional de Defesa do Consumidor,

publicou as Diretrizes para o Comércio Eletrônico177, que serviram de base para a

elaboração do referido decreto.

3.2.4 Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014 – Marco Civil da Internet no

Brasil

A Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet,

sancionada pela presidente Dilma Rousseff na Conferência NETMundial, que

176 Nota Técnica é um documento elaborado por técnicos especializados em determinado assunto, sendo emitida quando identificada a necessidade de fundamentação formal ou informação específica da área responsável pela matéria. Nota Técnica 40/CGEMM/DPDC/SENACON/2013. Disponível em http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/SENACON/SENACON_NOTA_TECNICA/Nota%20T%C3%A9cnica%20n%C2%BA%2040%20-%20analise%20Dec%207962.pdf. Acesso em 12 jul. 2014. 177 Diretrizes para o Comércio Eletrônico. Disponível em file:///C:/Users/Windows%207/Downloads/Diretrizes%20do%20Com%C3%A9rcio%20Eletr%C3%B4nico.pdf. Acesso em: 10 ago. 2014.

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120

ocorreu em São Paulo, representa um grande avanço para a regulamentação do uso

da Internet no Brasil, estabelecendo princípios, garantias, diretos e deveres a serem

observados no ambiente digital.

A proposição do Marco Civil nasceu de uma iniciativa da Secretaria de Assuntos

Legislativos do Ministério da Justiça, que, em parceria com o Centro de Tecnologia e

Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro,

estabeleceu um processo aberto, colaborativo e inédito para a formulação de um

marco civil brasileiro para uso da Internet178. Trata-se de uma lei criada de forma

colaborativa entre sociedade e governo, tendo a Internet como ambiente de debate.

O principal elemento de inspiração para o Marco Civil da Internet foi a Resolução de

2009 do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) intitulada “Os princípios para a

governança e uso da Internet” (Resolução CGI.br/RES/2009/003/P)179, a qual

estabelece os seguintes princípios para a Internet no Brasil: liberdade, privacidade e

direitos humanos; governança democrática e colaborativa; universalidade;

diversidade; inovação; neutralidade da rede; inimputabilidade da rede;

funcionalidade, segurança e estabilidade; padronização e interoperabilidade e

ambiente legal e regulatório. Nota-se que diversos princípios já previstos na

Resolução da CGI.br vão aparecer nos fundamentos para uso da Internet elencados

na lei do Marco Civil da Internet.

No atual cenário legislativo brasileiro, o Marco Civil pode ser visto como uma espécie

de “Constituição da Internet”, tendo os seguintes fundamentos para a disciplina da

Internet no Brasil:

(i) o reconhecimento da escala mundial da rede de computadores: a Internet não

deve ser uma rede pertencente a um ou outro país, mas um instrumento mundial;

178 O CGIO.br e o Marco Civil da Internet. 179 COMITE Gestor da Internet no Brasil – CGI.BR. Resolução CGI.br.RES.003. 2009. Disponível em: <http://cgi.br/resolucoes/documento/2009/CGI.br_Resolucao_2009_003.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2014.

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(ii) os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da

cidadania em meios digitais: os direitos humanos devem ser respeitados na Internet

e este ambiente deve disponibilizar meios para o exercício da cidadania;

(iii) a pluralidade e a diversidade: não deve haver discriminação no ambiente

cibernético, no qual deve ser respeitada toda e qualquer diversidade;

(iv) a abertura e a colaboração: a Internet deve ser livre, aberta e colaborativa;

(v) a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor: na Internet, todos

devem ter liberdade de inovar, criar e desenvolver negócios, sempre respeitando as

regras de defesa do consumidor também no ambiente digital; e

(vi) a finalidade social da rede: a Internet, além de um ambiente de comércio,

também é um elemento para transformação social.180

Vale ressaltar a inclusão da defesa do consumidor como um dos fundamentos do

uso da Internet no Brasil, o que significa que a Lei n. 12.965/2014 deve ser aplicada

de acordo com as normas do ordenamento jurídico brasileiro que disciplinam a

proteção do consumidor, dentre elas o Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, considera-se de grande importância a entrada em vigor do Marco Civil da

Internet no Brasil para o reconhecimento dos fundamentos de uso da Internet e a

definição dos direitos e deveres dos internautas, usuários e consumidores da rede

mundial de computadores. Neste sentido, é preciso interpretar a lei de acordo com

os mandamentos constitucionais vigentes de proteção e defesa do consumidor em

relação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade

de expressão, da privacidade, entre outros181.

O artigo 3º da Lei n. 12.965/2014 determina os princípios que devem disciplinar o

uso da Internet no Brasil. São eles: liberdade de expressão, comunicação e

manifestação de pensamento, conforme garantido pela Constituição Federal;

proteção da privacidade; proteção dos dados pessoais; preservação e garantia da

neutralidade da rede; preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da

rede; responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades; preservação

180 JESUS, Damásio de; MILAGRE, José Antonio. Marco Civil da Internet: comentários à Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 19-20. 181 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 286.

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122

da natureza participativa da rede; e liberdade dos modelos de negócios promovidos

na Internet. Nota-se que, de acordo com o parágrafo único do artigo 3º da Lei n.

12.965/2014, a lista de princípios que disciplina a Internet não é exaustiva, ou seja,

aplicam-se os demais princípios que pautam as relações no Brasil, em especial

aqueles que protegem os consumidores usuários da Internet.

A liberdade de expressão garantida no Marco Civil tem por objetivo garantir a

liberdade do usuário, seja ele consumidor ou não, de expressar sua opinião na

Internet como condição para o pleno exercício do direito de acesso à rede mundial

de computadores. A privacidade e os dados pessoais são dois itens muito agredidos

na sociedade da informação em que vivemos atualmente. Por isso, o Marco Civil

busca proteger a privacidade em geral, com ênfase na proteção dos registros de

conexão e o sigilo dos dados pessoais e das comunicações realizadas via Internet.

A neutralidade da rede, por sua vez, além de princípio da Internet, também vem

disciplinado no artigo 9º da Lei n. 12.965/2014, o qual estabelece que o responsável

pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma

isonômica os pacotes de dados na Internet, ou seja, proíbe a alteração de

velocidade de conexão dependendo do conteúdo acessado. A eventual

discriminação ou degradação de tráfego somente poderá ocorrer mediante

regulamentação nos termos das atribuições do Presidente da República, ouvidos o

Comitê Gestor da Internet e a ANATEL, e decorrente de requisitos técnicos

indispensáveis à prestação dos serviços ou à priorização de serviços de

emergência.

Vale destacar, ainda, a previsão de responsabilização direta dos agentes que

causarem dados aos usuários da Internet, não sendo, assim, os provedores de

conexão à Internet responsabilizados civilmente por danos gerados por conteúdos

de terceiros. Esta regulamentação foi de grande importância para os provedores de

acesso ou de conexão.

No tocante ao comércio eletrônico, os maiores impactos do Marco Civil da Internet

estão relacionados ao uso dos dados dos consumidores e às políticas de

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123

privacidade dos sítios eletrônicos, principalmente no tocante aos limites de uso dos

dados coletados de comportamento de navegação e de fornecimento direito pelo

usuário, e, ainda, no que se refere ao direito à exclusão da base de dados após o

usuário deixar de ser cliente do serviço.

Portanto, as lojas virtuais e demais sites de comércio eletrônico precisam se adaptar

às novas regras de privacidade e se atentarem ao lidar com os dados dos seus

consumidores. As empresas que atuam no mercado on-line devem garantir a

privacidade dos dados pessoais e da vida privada de seus clientes e não poderão

usar informações fornecidas pelos consumidores quando da realização de uma

compra virtual para finalidade diversa, sem a devida autorização desses

consumidores.

Recentemente, em 28 de janeiro de 2015, o Ministério da Justiça disponibilizou na

Internet um debate público para a regulamentação do Marco Civil da Internet,

seguindo a trilha de sucesso da participação da sociedade civil nas discussões para

a elaboração da própria Lei n. 12.965/2014. Pretende-se que o processo de

regulamentação do Marco Civil da Internet também seja pautado na participação

aberta e plural em plataforma on-line, ampliando mais uma vez os espaços de

democratização da elaboração de atos normativos ao cidadão brasileiro.182

O debate para a regulamentação do Marco Civil da Internet está pautado em três

eixos principais de discussão:

(i) neutralidade de rede: neste eixo, o objetivo é discutir as exceções específicas ao

princípio da neutralidade de rede;

(ii) privacidade: quanto a esse tema, a finalidade é estabelecer princípios e regras

que devem pautar a privacidade do usuário na Internet, assim como procedimentos

de segurança e de transparência especificados;

182 O processo participativo na regulamentação do Marco Civil. Disponível em http://participacao.mj.gov.br/marcocivil/o-processo-participativo-na-regulamentacao-do-marco-civil/. Acesso em: 02 mar. 2015.

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(iii) registro de acesso: nesse eixo, o objetivo é especificar responsáveis e

procedimentos relacionados à guarda de registros sem, contudo, ferir a privacidade

nem a liberdade de expressão do usuário da Internet.

A regulamentação do Marco Civil da Internet é de grande relevância para a

sociedade, uma vez que visa garantir a segurança jurídica de suas normas e

reforçar os direitos e garantias nele assegurados.

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125

4 DIREITOS DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

BRASILEIRO

Passaremos a analisar importantes direitos dos consumidores no comércio

eletrônico provenientes do Código de Defesa do Consumidor, bem como as

disposições do Decreto n. 7.962/2013 que pautam a relação de consumo no meio

digital e, ainda, a aplicação do Marco Civil da Internet no que tange à proteção dos

dados dos consumidores virtuais.

Dentre os direitos e garantias dos consumidores, vamos nos atentar somente

àqueles que se caracterizam por serem inerentes ao meio virtual e os que julgamos

mais relevantes considerando as demandas existentes em relação ao comércio

eletrônico. Portanto, alguns direitos gerais que são assegurados a todos os

consumidores pelo Código de Defesa do Consumidor ficarão excluídos desse

estudo, o que não significa menor relevância ou ausência de sua aplicabilidade no

meio virtual.

4.1 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR VIRTUAL E CONFIANÇA

NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

Antes de analisarmos os direitos inerentes aos consumidores inseridos no meio

digital, importante destacar a vulnerabilidade desse consumidor virtual e sua relação

de confiança em relação às práticas presentes no comércio eletrônico.

O princípio da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo está inserido

no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Este dispositivo trata da

Política Nacional das Relações de Consumo e apresenta os princípios que

fundamentam as relações de consumo, dando destaque para o reconhecimento da

vulnerabilidade do consumidor183. Este princípio assevera que todos os

183 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia

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consumidores são vulneráveis, independente do fornecedor ou do objeto da relação

de consumo. Portanto, necessário compreender o que significa vulnerabilidade.

Assim, ensina Alexandre David Mafatti:

A vulnerabilidade do consumidor deve ser compreendida como o princípio geral que presume a fraqueza do consumidor no mercado de consumo. Entendo que a vulnerabilidade traduz uma fraqueza geral, tanto técnica como econômica, pois o fornecedor é considerado o detentor do conhecimento técnico (titular da tecnologia que produz os bens e presta os serviços) e possui condições econômicas favoráveis (poder econômico). Os demais princípios acabam, de certa forma, configurando um desdobramento da admissão da vulnerabilidade do consumidor184.

Reconhece-se, portanto, que o consumidor é vulnerável na medida em que é a parte

mais fraca da relação de consumo, uma vez que não tem condições fáticas,

técnicas, jurídicas, econômicas ou de informações para discutir o contrato

apresentado pelo consumidor e dispor sobre suas cláusulas e condições.

A vulnerabilidade do consumidor, para Claudia Lima Marques, é uma presunção

legal absoluta que baliza o Código de Defesa do Consumidor. A autora destaca

alguns tipos vulnerabilidade do consumidor: a vulnerabilidade técnica, a jurídica, a

fática e a informacional. Na vulnerabilidade técnica, o consumidor não possui

conhecimentos específicos sobre o objeto que está comprando e, portanto, pode ser

facilmente enganado no que se refere às características do produto ou do serviço. A

vulnerabilidade jurídica ou científica refere-se à falta de conhecimentos jurídicos, de

conhecimentos na área contábil ou econômica. A vulnerabilidade fática ou

socioeconômica manifesta-se pela posição de monopólio, fático ou jurídico, do

fornecedor, por seu grande poder econômico ou em razão da essencialidade do

serviço, impõe sua superioridade a todos que com ele contratam. Por fim, a

vulnerabilidade informativa caracteriza-se por um déficit de informação do

consumidor, na medida em que o fornecedor tem o controle e manipula a

informação185.

das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; 184 MALFATTI, Alexandre David. Direito da informação no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Alfabético Jurídico, 2003, p. 224. 185 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 324-331.

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Esta vulnerabilidade informativa não deixa, porém, de representar hoje o maior fator de desequilíbrio da relação vis-à-vis dos fornecedores, os quais mais do que experts, são os únicos verdadeiramente detentores da informação. Presumir a vulnerabilidade informacional significa impor ao fornecedor o dever de compensar este novo fator de risco na sociedade186.

No tocante ao comércio eletrônico, apesar de várias vantagens e contribuições

trazidas para a relação entre fornecedor e consumidor, o ambiente virtual também

apresenta inúmeros problemas e desafios para o estabelecimento de uma relação

confiável e pautada nos princípios protetivos do consumidor. A despeito de sentir-se

tomado pelas facilidades que o mercado virtual oferece, o consumidor tem que

conviver também com as inseguranças e as desconfianças típicas do ambiente

digital, ainda em processo de descoberta pelo consumidor.

A Internet, ao mesmo tempo em que facilita a comunicação, aumenta o número de

informações disponíveis aos consumidores, trazendo para esses usuários a

insegurança de não saber com quem contrata e não ter a certeza da veracidade da

informação prestada pelo fornecedor. Portanto, afirma-se que os contratos

eletrônicos, celebrados por meio de computadores, propiciam uma vulnerabilidade

acentuada dos consumidores, principalmente técnica e informacional.187

Segundo Claudia Lima Marques, o comércio eletrônico possui uma “unilateralidade

visível” e uma “bilateralidade escondida”188, o que indica o desafio à correta

compreensão do exercício da liberdade de contratar nas transações realizadas pela

Internet e o surgimento da uma nova vulnerabilidade eletrônica daquele consumidor

virtual.

Como já vimos, a Internet traz diversos benefícios para o consumidor, na medida em

que aumenta sua liberdade de escolha ampliando seu acesso a um maior número

de fornecedores, em um espaço curto de tempo, podendo comparar com mais

facilidade os produtos que pretende adquirir. Por outro lado, a Internet cria uma nova

vulnerabilidade do consumidor, a tecnológica, na qual o fornecedor detém o controle

186 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 336. 187 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 75. 188 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

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informacional, técnico e a capacidade linguística empregada para divulgar seus

produtos; o consumidor, por sua vez, fica à mercê das práticas comerciais

desempenhadas pelo fornecedor no meio virtual, as quais, muitas vezes, não são

facilmente identificadas pelo consumidor. Concernente a isso, esclarece Claudia

Lima Marques:

A importante pergunta que se coloca é se este meio eletrônico realmente aumentou o poder decisório do consumidor/cibernauta. A resposta é novamente pós-moderna, dúbia (claroscuro, em espanhol), porque a Internet traz uma aparência de liberdade, com o fim as discriminações que conhecemos (de cor, sexo, religião etc.) e o fim dos limites do mundo real (fronteiras, línguas diferentes, riscos de viagens etc.), mas a vulnerabilidade do consumidor aumenta. Como usuário da net, sua capacidade de controle fica diminuída, é guiado por links e conexões, em transações ambiguamente coordenadas, recebe as informações que desejam lhe fornecer, tem poucas possibilidades de identificar simulações e "jogos", de proteger sua privacidade e autoria, de importar sua linguagem. Se tem uma ampla capacidade de escolher, sua informação é reduzida (extremo déficit informacional), a complexidade das transações aumenta, sua privacidade diminui, sua segurança e confiança parecem desintegrarem-se em uma ambiguidade básica: pseudo-soberania do indivíduo/sofisticação do controle!189

Sustenta-se, portanto, que o meio virtual acentua a vulnerabilidade do consumidor,

na medida em que ele tem acesso limitado às informações disponibilizadas pelo

fornecedor presente no comércio eletrônico. Quando o consumidor utiliza meios de

contratação à distância e meios de contratação eletrônicos, ele não tem contato

físico com o fornecedor ou seus representantes, tampouco com o produto que está

adquirindo. A relação ocorre por meio de cliques, numa relação impessoal e

silenciosa. O consumidor também não pode sentir os produtos, ou seja, ter a

verdadeira noção das qualidades, dimensões e especificações. Assim sendo, o

consumidor precisa confiar nas informações prestadas pelo fornecedor190.

Nas relações estabelecidas pela Internet, reconhece-se, portanto, o agravamento da

vulnerabilidade técnica do consumidor em relação ao meio, uma vez que, à exceção

dos especialistas em informática, os demais consumidores virtuais ainda não têm

189 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 72. 190 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 244.

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129

domínio sobre os aspectos da contratação eletrônica191. Em outras palavras, a

comunicação e a transação eletrônica realizada pela Internet determinam uma maior

vulnerabilidade do consumidor.

Além disso, no meio eletrônico ainda percebemos uma elevada desconfiança dos

consumidores no momento da contratação, o que, na visão de Claudia Lima

Marques, ocorre em razão das características inerentes ao comércio eletrônico, "a

fluidez, a complexidade, a distância, a simultaneidade ou a atemporalidade,

desterritorialidade e a objetividade ou autonomia", que contribuem para acentuar a

vulnerabilidade do consumidor em um ambiente ainda tomado pela insegurança de

muitos consumidores, em especial aqueles que não nasceram nessa fase de

crescimento avassalador da Internet.

A distância física entre o fornecedor e o consumidor é um fator que causa grande

desconfiança, uma vez que o consumidor não consegue ter acesso a outras

informações, além daquelas selecionadas pelo fornecedor para estarem no meio

eletrônico, tampouco tem acesso ao produto em si para verificar suas

características. Outro fator de insegurança gerado em razão da distância física é o

efetivo envio do produto ou o prazo para recebimento do mesmo, que, muitas vezes,

não são cumpridos pelo fornecedor conforme ofertado. A desmaterialização da

contratação também é um motivo de insegurança, uma vez que, na contratação

eletrônica, o fornecedor não aparece mais materializado por intermédio de um

vendedor. No meio virtual, o fornecedor é identificado apenas por sua marca ou

nome empresarial, não tendo maiores detalhes desse fornecedor virtual.

191 Em sentido contrário, sustenta Fábio Ulhoa Coelho: A vulnerabilidade do consumidor, no comércio eletrônico, é a mesma a que se expõe no físico; e, em alguns casos, é até menor. Compare a situação do consumidor interessado apenas em se informar sobre determinado produto para ponderar se lhe convém a compra. Ao pedir informações na loja, será certamente atendido pelo vendedor, que, ao responder às dúvidas, se esforçará para convencê-lo a adquirir o produto. Para o vendedor comissionado, premido pela necessidade de produzir, quanto menos tempo for gasto com cada consumidor, melhor. Sua tendência será a de apressar a decisão de compra. Agora, pense no mesmo consumidor, em seu computador doméstico, visitando calmamente páginas na internet, para comparar preços e checar informações. Nesse caso, ninguém o força a absolutamente nada. Pode gastar o tempo que quiser; salvar arquivos para voltar a consultá-los no dia seguinte; ouvir a opinião de familiares. A exposição do consumidor a constrangimentos é visivelmente maior no comércio físico do que no eletrônico. Sua vulnerabilidade, nesse sentido, tende a ser um tanto menor neste último ambiente de consumo. (COELHO, Fabio Ulhoa. Direitos do consumidor no comércio eletrônico. 2006. Disponível em http://www.ulhoacoelho.com.br/site/pt/artigos/doutrina/63-direitos-do-consumidor-no-comercio-eletronico. Acesso em: 15 jan. 2015)

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130

Além disso, também se considera elemento de insegurança o próprio complexo

sistema da Internet, no qual o consumidor tem que confiar que funcionará

plenamente, além disso tem que crer que o fornecedor irá cumprir o que foi

contratado, que seus dados pessoais e sua privacidade continuarão protegidos e

que o meio de pagamento eletrônico é seguro e confiável. Nem sempre todos esses

componentes apresentam êxito na contratação eletrônica, por isso ainda o

sentimento de insegurança para realização de transações no meio virtual.

Sendo assim, na contratação eletrônica via Internet, a confiança dos contratantes,

que integra parte do conteúdo substancial da boa-fé deve ser tutelada em face da

especificidade do meio, garantindo uma expectativa legítima da parte sob o ponto de

vista da segurança e da informação. O paradigma da confiança das relações de

consumo eletrônicas pode ser entendido como um princípio norteador das relações

contratuais contemporâneas e um elemento central na sociedade da informação.

4.2 DIREITO À INFORMAÇÃO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O Código de Defesa do Consumidor fixou o princípio da informação como uma de

suas normas fundamentais para disciplinar a relação entre fornecedor e consumidor.

O artigo 4º, inciso IV, trata a informação como um princípio das relações de

consumo e o artigo 6º, inciso III, determina a informação como um direito básico do

consumidor. Vejamos:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto a seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

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131

Verifica-se que o direito à informação está intimamente ligado ao princípio da

transparência, disposto pelo artigo 4º, caput, do Código de Defesa do Consumidor,

ao qual culmina no respeito à dignidade, à saúde, à segurança, à proteção de

interesses econômicos, à melhoria da qualidade de vida do ser humano,

objetivando, assim, a harmonia nas relações de consumo.

Importante frisar que o direito à informação, inserido no âmbito dos direitos dos

consumidores, surge como uma prestação positiva oponível a todos aqueles

prestadores de serviços ou fornecedores no mercado de consumo. A identificação

do fornecedor, a descrição do produto ou serviço e o esclarecimento das condições

do negócio são fundamentais e imprescindíveis para garantir a livre e consciente

escolha do consumidor, sujeito vulnerável da relação de consumo. No comércio

eletrônico, o direito à informação tem especial relevância em razão da ausência de

contato presencial do consumidor com o objeto da contratação e com o fornecedor.

Neste sentido, as informações disponibilizadas pelos fornecedores sobre seus

produtos e serviços devem ser facilmente percebidas, compreendidas e assimiladas

pelo consumidor, bem como devem ser completas e exatas quanto à quantidade,

características, composição, qualidade, preço e riscos dos produtos e serviços.

Necessário, ainda, a mensagem ser ajustada ao destinatário da comunicação, ou

seja, utilizar-se de linguagem adequada conforme o público que se pretende atingir

para que possa ser perfeitamente entendida.

Da leitura do disposto no artigo 6º, inciso III, depreendem-se três requisitos

indispensáveis em relação à informação para assegurar que esta seja prestada de

forma legal e satisfatória para o consumidor: a adequação, a veracidade e a

suficiência. Com relação à adequação, tem-se que a informação deve retratar

exatamente as características e qualidades do produto ou serviço, por exemplo, o

peso informado na embalagem deve ser igual ao conteúdo do produto, o prazo de

validade no produto deve estar claro, permitindo que o consumidor o visualize, a

descrição do serviço deve corresponder às atividades que serão desempenhadas.

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132

A suficiência está ligada à integralidade da informação, ou seja, a informação

prestada pelo fornecedor deve ser completa, sem omissões, para que o consumidor

possa obter todos os dados necessários ao exercício do seu direito de escolha

consciente. O produto ou serviço deve conter a informação completa, com toda sua

composição, conteúdo, garantias, prazos, riscos e pesos. A veracidade, por sua vez,

é um dos requisitos mais importantes no tocante ao dever de informar. Toda oferta

ou publicidade devem ser honestas, verdadeiras, claras e objetivas, para que o

consumidor final não se engane e receba as informações corretas sobre o produto e

o serviço que está adquirindo.

Em complemento à exigência de informação clara, adequada e verdadeira, o Código

de Defesa do Consumidor assegura, ainda, o direito à informação em diversos

outros dispositivos que tratam de temas específicos como a oferta, a publicidade, as

cláusulas abusivas e a responsabilidade do fornecedor, aplicando-se sanções ao

descumprimento do dever de informar. Alguns desses dispositivos serão analisados

mais adiante, ao longo deste trabalho.

Nessa seara, os artigos 8° e 9°, ambos do Código de Defesa do Consumidor192,

estabelecem que sempre que um produto ou um serviço puder acarretar perigo à

saúde ou segurança do consumidor, pelos usos normal ou anormal, o fornecedor

deverá informar os consumidores sobre seus riscos e periculosidades. Esse dever

de informar deverá ser observado mesmo que o fornecedor tome conhecimento dos

riscos à saúde ou à segurança depois que o produto já estiver no mercado.

Os artigos 12 e 14, do mesmo diploma legal, por sua vez, determinam que os

fornecedores de produtos e serviços responderão, respectivamente,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos relativos aos produtos e à prestação dos serviços, bem

como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Na

192 Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Art. 9°. O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

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133

mesma linha, o artigo 18 prevê a responsabilidade solidária dos fornecedores de

produtos duráveis ou não duráveis, no caso de constatação de vícios nos produtos,

o que inclui vícios referentes às informações relacionadas aos produtos.

Ademais, o artigo 52 traz algumas informações específicas que devem ser,

necessariamente, prestadas ao consumidor, quando se trata de outorga de crédito

ou financiamento. Essas informações também devem ser observadas quando da

realização de um contrato de financiamento realizado pela Internet, por exemplo.

A legislação consumerista traz ainda disposições relativas aos crimes que podem

ser praticados no tocante à informação prestada ao consumidor. De acordo com o

artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor, quando se faz afirmação falsa ou

enganosa, ou se omite informação relevante sobre a natureza, característica,

qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de

produtos ou serviços, o fornecedor ou o prestador de serviço poderá ser punido com

pena de detenção de três meses a um ano e multa.

Sendo assim, o dever de informar é crucial no momento de uma transação comercial

entre particulares, seja ela realizada no meio físico ou virtual. Dessa forma, ressalta-

se o dever de o fornecedor informar sobre os produtos e os serviços ofertados no

mercado de consumo, o que inclui toda informação veiculada no comércio

eletrônico. O dever de informar, portanto, é um dever anexo da boa-fé e deve se

apoiar no reconhecimento de um déficit informacional do consumidor perante o

fornecedor, que detém conhecimento especializado acerca de dados de produção e

fornecimento de produtos e serviços.

Nas relações de consumo realizadas na Internet, o direito à informação ganha

especial relevância para o consumidor, especialmente em razão da imaterialidade

do meio de contratação e as características peculiares do contrato a distância, uma

vez que submente o consumidor a uma condição de vulnerabilidade potencializada. .

Considerando a veloz dinâmica do comércio eletrônico, verifica-se que,

frequentemente, os fornecedores não atentam para as informações necessárias que

deveriam ser fornecidas para que os consumidores possam exercer seu direito de

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escolha de forma consciente ou, ainda, buscar uma solução quando da violação de

seus direitos. Assim sendo, na contratação eletrônica, além das informações

referentes aos produtos e aos serviços ofertados, nasce a necessidade de que

sejam disponibilizadas informações sobre o próprio fornecedor, já que o meio

eletrônico representa claro obstáculo de acesso ao fornecedor para o exercício de

qualquer pretensão, seja reclamação por vícios, por prazo de entrega ou por

exercício do arrependimento193.

Outra informação que deve estar disponibilizada nos sites que oferecem bens e

serviços é referente à segurança de navegação nesses sites. Laura de Toledo Martiz

esclarece que a potencial invasão do sistema, bem com as formas de evitá-la

precisam ser esclarecidas aos consumidores que desejam comprar na Internet, para

que eles possam avaliar os riscos envolvido naquela transação on line. “Nesse caso,

o dever de informar não está vinculado somente ao produto ou serviço

comercializado na Internet, mas também aos aspectos de segurança que envolvem

a operação como um todo”.194

O direito à informação direcionado ao comércio eletrônico, que foi regulamentadado

feito pelo Decreto n. 7.962/3023, será analisado a seguir, quando do estudo da

oferta e da publicidade no meio eletrônico.

4.3 OFERTA E PUBLICIDADE NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O Código de Defesa do Consumidor determina quais informações mínimas que os

fornecedores devem disponibilizar quando da oferta e da apresentação dos produtos

e serviços, aplicando-se para as atividades realizadas no meio físico e no virtual,

sem qualquer distinção. Assim estabelece o artigo 31 do referido diploma legal:

193 MIRAGEM, Bruno. Aspectos característicos da disciplina do comércio eletrônico de consumo. Comentários ao Dec. 7.962, de 15.03.2013. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 22, n. 86, p. 287-300 mar./ abr. 2013, p. 293. 194 MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Aplicação do código de defesa do consumidor ao comércio eletrônico. In: LOPEZ, Teresa Ancona Lopez (Coord.). Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 416.

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135

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas claras e precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como, sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Portanto, resta claro que a oferta e a apresentação de produtos e serviços

realizadas na Internet também devem seguir os preceitos estabelecidos no Código

de Defesa do Consumidor. Embora não seja expresso, o artigo 31 do citado diploma

legal também estabelece os requisitos jurídicos para a regularidade de um

estabelecimento virtual destinado ao fornecimento de bens de consumo pela

Internet. É o dever de informação do fornecedor, que deve ser aplicado

independente do meio utilizado para a realização da oferta ou apresentação dos

produtos e serviços.

Diante do dever de informação, previsto no artigo 31 do Código de Defesa do

Consumidor, extraímos alguns deveres aplicáveis aos sites de comércio eletrônico:

necessidade de disponibilizar informações sobre as características essenciais dos

produtos e serviços; preços incluindo impostos, custos de fretes e entrega; prazo de

validade das ofertas; informações sobre garantias; modo de pagamento e de

entrega; política de privacidade e sistemas de segurança dos sites; e identidade e

endereço do fornecedor 195.

Ainda, no que tange à regulamentação das informações que devem constar nos

sites de comércio eletrônicos, o artigo 2º do Decreto n. 7.962/2013 estabelece

algumas regras visando assegurar o direito de informação do consumidor referente

não só às características dos produtos e serviços, mas também no que diz respeito

à identidade dos fornecedores nos sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos

utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo, além de condições da

oferta e precificação.

Neste sentido, o Decreto n. 7.962/2013 prevê a necessidade de fornecer

informações que entende imprescindíveis para a identificação do fornecedor. Assim

195 MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Aplicação do código de defesa do consumidor ao comércio eletrônico. In: LOPEZ, Teresa Ancona Lopez (Coord.). Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 416.

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136

sendo, de acordo o artigo 2º, incisos I e II da referida norma, os sites devem

disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, o nome empresarial e

número de inscrição do fornecedor (CPF ou CNPJ), bem como endereço físico e

eletrônico para viabilizar sua localização.

A identificação dos fornecedores no comércio eletrônicos deve ser clara e realizada

de forma a permitir que o consumidor facilmente o identifique e possa lhe contatar

sem recurso de terceiros ou demais meios, como uma forma de garantir o exercício

dos direitos do consumidor. Em outros termos, o sítio eletrônico deve disponibilizar

as informações referentes à sua localização física e eletrônica em local de destaque

e fácil visualização. No entanto, a pergunta que se faz é: o que seria local de

destaque e fácil visualização?

Segundo entendimento da SENACON, as informações de identificação do

fornecedor deveriam estar visíveis na página principal do sítio eletrônico. “Em não

sendo possível na página principal, caberá ao fornecedor permitir o acesso a tal

informação, facultando ao consumidor a obtenção da informação de forma clara e

intuitiva”196.

Conforme esclarece Bruno Miragem, a necessidade de informações claras sobre a

identidade do fornecedor se justifica na medida em que a imaterialidade do meio de

contratação e a distância física, ao tempo em que submete o consumidor a uma

condição específica de vulnerabilidade, representa claro obstáculo de acesso ao

fornecer para o exercício de qualquer pretensão, seja reclamação por vícios ou o

exercício do direito de arrependimento197.

Ainda no artigo 2º, incisos III ao VI, o Decreto n. 7.962/2013 determina as

informações que devem ser disponibilizadas nos sítios eletrônicos referentes aos

196 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional do Consumidor. Nota Técnica n. 40/CGEMM/DPDC/SENACON/2013. 11 set. 2013. Disponível em: < http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/SENACON/SENACON_NOTA_TECNICA/Nota%20T%C3%A9cnica%20n%C2%BA%2040%20-%20analise%20Dec%207962.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2014. 197 MIRAGEM, Bruno. Aspectos característicos da disciplina do comércio eletrônico de consumo. Comentários ao Dec. 7.962, de 15.03.2013. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 22, n. 86, p. 287-300 mar./ abr. 2013, p. 293.

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produtos e serviços ofertados no comércio eletrônico. Assim sendo, os sites de

compras on line devem informar: as características essenciais e eventuais riscos à

saúde e à segurança, decorrentes dos produtos ou serviços; os preços e demais

despesas acessórias, como valor do frete, seguro, garantia estendida, de forma que

o consumidor consiga identificar cada valor separadamente; as condições da oferta,

tais como formas de pagamento, estoque disponível dos produtos, prazo de entrega

do produto ou execução do serviço; e, ainda, informações claras sobre eventuais

restrições para a fruição da oferta.

No tocante às características dos produtos e dos serviços e às informações da

oferta, estas também devem estar disponíveis para o consumidor de forma facilitada

e completa nos sítios eletrônicos, sem que haja necessidade de buscá-las em outros

meios. Recorde-se que a oferta deve ser correta, clara, precisa, ostensiva e em

língua portuguesa, conforme já foi apresentado.

Quanto aos riscos à saúde e à segurança dos consumidores dos produtos e serviços

comercializados nos sítios eletrônicos, tais riscos devem ser devidamente

destacados para que o consumidor tenha plena consciência. É imprescindível a

informação clara quanto aos riscos, uma vez que o consumidor vai adquirir o produto

sem ter acesso físico à embalagem/rótulo, em que geralmente constam os alertas

referentes aos eventuais riscos, ou sem o tradicional contato físico com o

comerciante, oportunidade em que também poderia ser informado dos riscos dos

produtos e/ou serviços. Assim, entende-se que devem ser fornecidos nos sites de

comércio eletrônico, por exemplo, avisos sobre cuidados a serem tomados, sobre

idade do público a que se destina o produto ou serviço, uma cópia eletrônica do seu

manual ou de informativos relevantes.

As informações referentes ao preço e despesas adicionais ou acessórias também

devem estar em local de destaque, de fácil visualização e, devidamente,

discriminadas, de modo que o consumidor possa identificar o valor do produto ou

serviço e as demais despesas, como, seguro, frete e garantia estendida, desde o

início da sua compra, ainda no momento pré-contratual. Além disso, em respeito ao

princípio da livre escolha do consumidor, quaisquer serviços ou despesas

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acessórias, que não compõem a oferta básica, devem ser selecionados pelo

consumidor e não podem ser pré-selecionados pelo fornecedor como uma forma de

induzir o consumidor a adquirir tais serviços acessórios. Por vezes, encontramos

exemplos de fornecedores que utilizam de técnicas maliciosamente engendradas

para direcionar o consumidor a selecionar uma alternativa que lhe é menos

favorável.

Importante citar, ainda, que o Decreto n. 7.962/2013, em seu artigo 8º, fez constar a

aplicabilidade, para o comércio eletrônico, do disposto nos artigos 2º, 3º e 9º do

Decreto n. 5.903, de 20 de setembro de 2006, que regulamenta a Lei n. 10.962/004,

a qual dispõe sobre a oferta e as formas de afixação de preços de produtos e

serviços para o consumidor.

Assim sendo, conforme estabelece o Decreto n. 5.903/2006, as contratações no

comércio eletrônico devem garantir a discriminação adequada do preço total à vista

e do preço a prazo dos produtos e serviços ofertados, de modo a garantir ao

consumidor a correção, a clareza, a precisão, a ostensividade e a legibilidade das

informações prestadas198.

Portanto, a apresentação dos preços no comércio eletrônico deve seguir os mesmos

preceitos da precificação do comércio tradicional, respeitando o direito do

consumidor à informação correta, clara, precisa, ostensiva e legível. Quanto à forma

de divulgação dos preços, a regra é informar o preço total à vista de forma

destacada. No entanto, caso tenha a opção de pagamento parcelado ou para casos

198 Art. 2º Os preços de produtos e serviços deverão ser informados adequadamente, de modo a garantir ao consumidor a correção, clareza, precisão, ostensividade e legibilidade das informações prestadas. § 1o Para efeito do disposto no caput deste artigo, considera-se: I - correção, a informação verdadeira que não seja capaz de induzir o consumidor em erro; II - clareza, a informação que pode ser entendida de imediato e com facilidade pelo consumidor, sem abreviaturas que dificultem a sua compreensão, e sem a necessidade de qualquer interpretação ou cálculo; III - precisão, a informação que seja exata, definida e que esteja física ou visualmente ligada ao produto a que se refere, sem nenhum embaraço físico ou visual interposto; IV - ostensividade, a informação que seja de fácil percepção, dispensando qualquer esforço na sua assimilação; e V - legibilidade, a informação que seja visível e indelével. Art. 3º O preço de produto ou serviço deverá ser informado discriminando-se o total à vista. Parágrafo único. No caso de outorga de crédito, como nas hipóteses de financiamento ou parcelamento, deverão ser também discriminados: I - o valor total a ser pago com financiamento; II - o número, periodicidade e valor das prestações; III - os juros; e IV - os eventuais acréscimos e encargos que incidirem sobre o valor do financiamento ou parcelamento.

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de financiamento, também deverão ser disponibilizadas as seguintes informações:

valor total a ser pago com o financiamento; número e valor das parcelas; juros e

eventuais encargos incidentes. Na hipótese de haver a apresentação simultânea do

preço à vista e parcelado, é necessário que o preço à vista seja sempre apresentado

de forma ostensiva e destacada, e que as informações do parcelamento sejam

claras, evitando que o consumidor seja induzido a erro sobre o preço à vista do

produto ou serviço ofertado.

Ademais, o artigo 9º do Decreto n. 5.903/2006 prevê algumas condutas contrárias ao

direito do consumidor à informação adequada sobre os preços dos produtos e

serviços, especialmente no tocante ao tamanho e cores das letras, posicionamento

do preço, etc.

Art. 9o Configuram infrações ao direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, sujeitando o infrator às penalidades previstas na Lei nº 8.078, de 1990, as seguintes condutas: I – utilizar letras cujo tamanho não seja uniforme ou dificulte a percepção da informação, considerada a distância normal de visualização do consumidor; II – expor preços com as cores das letras e do fundo idêntico ou semelhante; III – utilizar caracteres apagados, rasurados ou borrados; IV – informar preços apenas em parcelas, obrigando o consumidor ao cálculo do total; V – informar preços em moeda estrangeira, desacompanhados de sua conversão em moeda corrente nacional, em caracteres de igual ou superior destaque; VI – utilizar referência que deixa dúvida quanto à identificação do item ao qual se refere; VII – atribuir preços distintos para o mesmo item; e VIII – expor informação redigida na vertical ou outro ângulo que dificulte a percepção.

Observa-se que o Decreto n. 7.962/2013 do comércio eletrônico procurou assegurar

os mesmos direitos relacionados à precificação no comércio tradicional para o

consumidor inserido no meio digital como forma de evitar abusos por parte dos

fornecedores no tocante à maneira de informar sobre os preços e a forma de

pagamento.

Nota-se, entretanto, que as determinações do Decreto n. 7.962/2013 no tocante às

informações que devem constar nos sites de comércio eletrônico simplesmente

vieram explicitar algumas informações que já deveriam ser disponibilizadas pelos

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fornecedores em qualquer atividade comercial, seja na forma física ou por meio do

comércio eletrônico, em consonância com o direito básico do consumidor à

informação, previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Convém esclarecer, ainda, que o Decreto n. 7.962/2013 estabelece apenas um rol

mínimo informações que considera imprescindível para o consumidor no comércio

eletrônico. Assim sendo, este rol mínimo de informações a serem fornecidas ao

consumidor deverá ser complementado por outras informações que se entenderem

necessárias, considerando a natureza do produto ou serviço ofertado e suas

características, sempre com base na boa-fé objetiva e no princípio da informação.

No tocante à publicidade regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, entende-

se que é uma forma de comunicação social com o objetivo de estimular a aquisição

dos produtos ou a utilização dos produtos e serviços que estão sendo anunciados,

bem como incentivar determinado comportamento na sociedade de consumo. Em

outras palavras, a publicidade tem o poder e, finalidade máxima, de induzir o

consumo.

Em suma, publicidade é toda e qualquer informação dirigida ao público com o

objetivo de promover, direta ou indiretamente, um produto ou serviço disponível no

mercado de consumo. Para Cláudia Lima Marques199, publicidade representa “toda

informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto

aos consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço,

qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”.

A publicidade na Internet faz parte da sua dinâmica e linguagem, portanto, todas as

formas de comunicação originadas no meio virtual, imagens, sons, organização de

dados, visando à venda ou ao comércio de produtos e serviço, podem ser

consideradas formas de publicidade. São exemplos: banners, e-mail marketing,

ícones, marcas, etc.

199 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 829.

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Toda e qualquer publicidade realizada na Internet não está isenta de seguir os

preceitos do Código de Defesa do Consumidor e os princípios norteadores da

atividade publicitária, conforme veremos: princípio da identificação, da vinculação,

da veracidade, da inversão do ônus da prova e da correção do desvio publicitário. É

importante assegurar que a publicidade disparada ao consumidor no meio digital

seja fácil e imediatamente identificada como tal e seu conteúdo seja verdadeiro e

livre de abusividade.

Da análise combinada dos artigos referentes à informação, à oferta e à publicidade

no Código de Defesa do Consumidor, conclui-se que o consumidor virtual tem direito

a informação sobre o fornecedor a distância, sobre produto, serviço e seus riscos,

sobre o preço, orçamento e demais condições, informações claras e precisas e que

não sejam capazes de induzir a erro ou apresentem qualquer sinal de

abusividade200.

4.3.1 Princípios norteadores da atividade publicitária

O Código de Defesa do Consumidor estabelece algumas regras e princípios

relacionados à divulgação de informações e mensagens publicitárias referentes aos

produtos e serviços ofertados no mercado de consumo. As publicidades realizadas

para a divulgação de produtos e serviços, tanto pelas vias tradicionais, como TV,

rádio, revista, jornais, etc., bem como aquelas desenvolvidas nos meios digitais,

voltadas para o comércio eletrônico, devem seguir os princípios previstos na

legislação consumerista. Assim, ensina-nos Claudia Lima Marques:

A publicidade na Internet ou a utilização de marketing on-line perante consumidores deve seguir os mesmos parâmetros de boa-fé do CDC e ter os mesmos efeitos em relação à confiança despertada nos consumidores que a publicidade por outros meios de comunicação de massas201.

200 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 252. 201 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 168.

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Assim sendo, as publicidades veiculadas nas páginas da Internet também devem seguir as

normas e os princípios norteadores da atividade publicitária inseridos no Código de

Defesa do Consumidor, dentre os quais citamos: princípio da identificação da

publicidade (artigo 36 do CDC); princípio da vinculação contratual da publicidade

(art. 30, caput, do CDC); princípio da veracidade (artigo 37, § 1º, do CDC) e princípio

da não abusividade da publicidade (artigo 37, §2º, do CDC); princípio da inversão do

ônus da prova (art. 38 do CDC); e princípio da correção do desvio publicitário (artigo

56, XII e 60 do CDC).

O princípio da identificação da mensagem publicitária é acolhido no artigo 36, caput,

do Código de Defesa do Consumidor,202 o qual estabelece que “a publicidade deve

ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique

como tal”. Conforme preconiza o referido diploma legal, toda e qualquer publicidade

deve ser facilmente identificada pelo consumidor, qualquer que seja sua forma de

veiculação, e tem como objetivo assegurar o direto de o consumidor saber

imediatamente que a mensagem transmitida tem caráter publicitário, ou seja, que

aquela publicidade a que ele está exposto tem como única finalidade vender o

produto ou o serviço anunciado203.

Tal princípio visa impedir as mensagens publicitárias ocultas, dissimuladas, ou que

não sejam distinguidas facilmente como tais pelos consumidores204. Portanto, em

decorrência desse princípio da identificação da publicidade, fica proibida a

publicidade clandestina205, bem como a publicidade subliminar206 ou mesmo

quaisquer práticas prejudiciais aos consumidores.

202 Nesse mesmo sentido, o Código de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) estabeleceu que a atividade publicitária deve ser sempre ostensiva (art. 9º) e que “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação” (art. 28). 203 Segundo Cláudia Lima Marques, “a ideia básica do art. 36 é proteger o consumidor, assegurando-lhe o direito de saber que aqueles dados e informações transmitidas não são gratuitamente e, sim, têm uma finalidade específica que é promover a venda de um produto ou a utilização de um serviço”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 813-814). 204 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 213. 205 Publicidade clandestina pode ser conceituada como uma forma de patrocínio disfarçado, na medida em que se integra ao roteiro de uma situação de uso ou consumo normal de um produto, mas com a exposição de sua marca ou fatores de identificação. Como exemplo, citamos o merchandising. 206 Publicidade subliminar é a técnica de inserir uma informação em uma campanha publicitária, de forma que o consumidor não consiga percebê-las de imediato. Trata-se de mensagens enviadas por um período tão curto, de forma dissimulada, que se torna imperceptível ao estado de consciência,

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143

Esse princípio da identificação da mensagem publicitária é frequentemente ignorado

pelos fornecedores atuantes no comércio eletrônico, que se utilizam das mais

variadas técnicas de marketing para simplesmente mascarar uma publicidade na

Internet.

Outro princípio que deve orientar as atividades publicitárias é o princípio da

vinculação contratual da publicidade, que está previsto nos artigos 30 e 35 do

Código de Defesa do Consumidor, que seguem:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. [...] Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Toda mensagem publicitária integra a oferta e obriga o fornecedor ao seu

cumprimento nos exatos termos das informações veiculadas. Em outras palavras, a

publicidade vincula contratualmente o fornecedor ao consumidor, podendo este

exigir do fornecedor que cumpra o que foi veiculado na mensagem publicitária. De

acordo com José Geraldo Brito Filomeno, “uma vez veiculada uma oferta, ou então

uma mensagem publicitária, o anunciante fica obrigado a contratar com os eventuais

consumidores, exatamente pela maneira e condições ofertadas ou anunciadas”207.

No mesmo sentido, Rafael Tocantins Maltez208 se posiciona:

mas que irão influenciar as escolhas, atitudes e a tomada de decisões posteriores dos consumidores. A mensagem subliminar é dotada de uma arte a mais, a arte da persuasão inconsciente, pois ela age no subconsciente das pessoas. Dessa forma, a publicidade subliminar pode ser entendida como antiética, uma vez que apresenta um conteúdo que não pode ser visto ou percebido de forma consciente e clara e o espectador não pode desfrutar plenamente de seu direito de escolha, uma vez que não está consciente da existência da mensagem publicitária. 207 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.212 208 MALTEZ, Rafael Tocantins. Direito do Consumidor e Publicidade. Curitiba: Juruá, p. 333.

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A publicidade vincula o fornecedor, obrigando-o ao cumprimento dos termos anunciados, integrando toda a informação veiculada, o futuro contrato a ser entabulado. Assim, a publicidade veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Assim sendo, a publicidade veiculada no comércio eletrônico também vincula o

fornecedor com relação às informações divulgadas referente às características dos

produtos e serviços ofertados. Portanto, é importante que o fornecedor disponibilize,

em sua página na Internet, todas as informações relevantes sobre o produto ou

serviço, as quais podem influenciar a decisão de compra do consumidor, de forma

clara, objetiva e veraz, tais como: preço e forma de pagamento, prazo de validade

da oferta, valor do frete e forma de entrega, estoque dos produtos, entre outras. A

publicidade virtual que apresenta informações suficientemente precisas constitui

uma oferta vinculante209.

Nesse sentido, Cláudia Lima Marques esclarece:

No Brasil, toda e qualquer informação suficientemente precisa e – como vimos – as publicidades no meio eletrônico o são, é oferta ex vi art. 30 do CDC e vincula os fornecedores, não só o que a fez veicular como aquele que dela se aproveitar (por exemplo, o concessionário nacional do fabricante internacional de automóveis, cujo link é acessado, quando se faz o click na publicidade do fornecedor em site internacional). Sendo assim, também a publicidade por meio eletrônico que trouxer informações suficientes será considerada oferta e regulada pelo CDC. No mais, os arts. 36, 37 e 38 do CDC aplicam-se, devendo a publicidade, neste caso, ser inserida como tal.210

Destaca-se, ainda, que o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, conforme

acima reproduzido, elenca as consequências decorrentes da recusa pelo fornecedor

do cumprimento da oferta ou da publicidade. O consumidor, diante de tal situação,

poderá optar pela solução que entender mais adequada, ou seja, exigir o

209 Segundo Maria Eugênia Reis Finkelstein, “em se tratando de comércio eletrônico, a oferta nada mais é do que as informações sobre os preços, condições de pagamento, prazos de entrega que aparecem na tela do computador do consumidor quando este acessa o site de comércio eletrônico, sedo que extrema atenção deve ser dada às condições veiculadas no site. [...] Neste sentido, as seguintes providências devem ser tomadas pelo site voltado ao comércio eletrônico: (i) disponibilização de informações objetivas e precisas, evitando interpretação ambígua; (ii) análise cuidadosa de ofertas que serão veiculadas; e (iii) constante revisão e atualização do conteúdo do site. (FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 248 – 249). 210 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 165.

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cumprimento forçado nos exatos termos anunciados, aceitar outro produto ou

serviço equivalente ou, então, rescindir o contrato. O mesmo se aplica para a recusa

do fornecedor ao cumprimento de uma oferta ou para publicidade veiculada na

Internet.

Menciona-se, também, os princípios da veracidade e da não-abusividade da

publicidade, os quais estão consagrados, respectivamente, nos artigos 37, § 1º e §

2° do Código de Defesa do Consumidor, em decorrência da proibição da publicidade

enganosa e abusiva, como se tem a seguir:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva:

§ 1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Por meio do princípio da veracidade, observa-se que as informações veiculadas nas

mensagens publicitárias devem ser verdadeiras, ou seja, retratar a realidade do

produto ou do serviço anunciado. Desta forma, os dados presentes na publicidade

não devem ser capazes de induzir o consumidor em erro, no tocante às

características dos produtos ou serviços objetos da publicidade. Assim, não se

permite qualquer mensagem publicitária inteira ou parcialmente falsa. Nos dizeres

de Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi211, o princípio da veracidade

“implica o afastamento da publicidade enganosa, e é um dos mais relevantes, pois

consiste em evitar a captação da vontade do consumidor baseado na falsidade da

informação”.

O princípio da não-abusividade visa afastar a publicidade abusiva, a qual afeta

valores morais considerados importantes para a sociedade de consumo. Assim, a

publicidade será abusiva quando ofender a ordem pública e a ética, sendo certo que

211 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Algumas Notas Sobre a Publicidade no CDC: Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 227.

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o rol apresentado no artigo 37, § 2°, do Código de Defesa do Consumidor é apenas

exemplificativo.

Em resumo, enquanto na mensagem publicitária abusiva a ilicitude reside,

essencialmente, na afronta a princípios e valores éticos, sociais e culturais, na

enganosa ela se configura por induzir o consumidor ao erro em razão da falsidade

das informações apresentadas ou omissão de informações relevantes.

Ressalta-se que ambas as formas de publicidade ilícitas – enganosa e abusiva -

podem ser encontradas nas práticas comerciais realizadas pela Internet e devem ser

reprimidas, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. A publicidade

enganosa, no comércio eletrônico, é impulsionada pelo desejo do site em atrair os

consumidores on line a qualquer custo. Assim, pode ser visualizada quando o web

designer inclui no site que está desenvolvendo palavras-chave ou expressões

frequentemente utilizadas pelos internautas, de modo que os sites de busca

relacionam aquele site, mesmo não tendo relação direta com o que o internauta de

fato buscava na Internet. Essa prática, no comércio eletrônico, conhecida como

metatags ou associação de palavras, pode caracterizar uma publicidade

enganosa212.

Outro princípio previsto no Código de Defesa do Consumidor trata da distribuição do

ônus da prova. Determina que o ônus da prova da veracidade da mensagem

publicitária é do fornecedor, ou seja, o patrocinador da publicidade, conforme

preconiza artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe que “o ônus da

prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a

quem as patrocina”. Cumpre destacar que a inversão do ônus da prova, em matéria

publicitária, é obrigatória e independe da discricionariedade do magistrado,

diferentemente daquela prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do

Consumidor213.

212 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 241. 213 Art. 6.º - São direitos do consumidor: [...] VIII – a facilitação na defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

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Nos dizeres de Antônio Hermam Benjamin214, a inversão do ônus da prova que

informa a matéria publicitária, ao contrário daquela estabelecida no art. 6º, VIII, do

Código de Defesa do Consumidor, não está na esfera de discricionariedade do juiz,

sendo, por sua vez, obrigatória. Refere-se a dois aspectos: a veracidade e a

correção. A veracidade está diretamente ligada à prova de adequação ao princípio

da veracidade. A correção, diversamente, compreende, a um só tempo, os princípios

da não-abusividade, da identificação da mensagem publicitária e da transparência

da fundamentação publicitária.

O artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, estipula que o ônus

da prova da veracidade e a correção da informação ou a comunicação publicitária

cabe a quem as patrocina. Assim, o Código deixou a cargo do patrocinador, vale

dizer, o verdadeiro anunciante, a obrigação de comprar as informações por ele

divulgadas. E não poderia ser diferente, uma vez que o patrocinador da publicidade

é quem possui as informações e, portanto, somente ele terá condições de

comprovar a veracidade ou não das informações veiculadas acerca do produto ou

do serviço.

O princípio da correção do desvio publicitário, por sua vez, consiste em uma forma

de amenizar os efeitos produzidos por uma publicidade considerada enganosa ou

abusiva. Trata-se da contrapropaganda, prevista nos artigos 56, inciso XII e 60 do

Código de Defesa do Consumidor, como exposto a seguir:

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: [...] XII - imposição de contrapropaganda. [...] Art. 60. A imposição da contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seis parágrafos, sempre às expensas do infrator. Parágrafo Primeiro: A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo

214 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 369.

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veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.

Quando ocorre um desvio publicitário, além de sua reparação civil e repressão

administrativa e penal, necessário que sejam desfeitos o seu impacto sobre os

consumidores, o que pode ser feito por meio da contrapropaganda ou

contrapublicidade (termo mais apropriado considerando a diferenciação doutrinária

entre propaganda e publicidade), que significa veicular outra publicidade, as

expensas do próprio infrator, visando sanar os malefícios causados pela publicidade

originária. Em outros termos, por meio da contrapropaganda, o fornecedor é

obrigado a informar corretamente ao consumidor, desfazendo os erros do anúncio

original.

Portanto, a contrapropaganda, no meio digital, também deve ser aplicada como uma

forma de imposição de uma publicidade obrigatória e adequada em razão da

veiculação de uma publicidade eletrônica enganosa ou abusiva, com o objetivo de

aniquilar a informação inadequada transmitida ao consumidor e passar a informação

correta.

4.3.2 Práticas publicitárias e comerciais mais comuns do comércio

eletrônico

Em princípio, as ofertas e as publicidades realizadas na Internet têm o mesmo apelo

mercadológico das mensagens comerciais e veiculadas nos demais canais de

comunicação, como televisão, rádio, jornal e revista. No entanto, a Internet

proporciona uma interatividade peculiar com o consumidor por meio da

customização das mensagens publicitárias, utilização de áudio e vídeo, páginas com

animações e possibilidade de interação em tempo real, fatores que, para muitos,

justificaria a necessidade de uma regulamentação específica voltada para o meio de

comunicação digital. Analisaremos algumas práticas comerciais específicas

adotadas pelo comércio eletrônico, seja na forma de oferta ou de publicidade, nas

quais, em que pese a interatividade presente na mensagem, defendemos a

aplicação das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor.

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A publicidade realizada na Internet se dá por inúmeros meios e quase pode ser

considerada sinônimo de toda e qualquer informação comercial, comunicação

comercial ou comunicação institucional, gráfica ou de marca, que utilizar o meio

eletrônico visando à venda ou ao comércio de produtos e serviços. Segundo ensina

Claudia Lima Marques, a publicidade na Internet é parte de sua linguagem e

apresenta-se em diversas formas: ícones; marcas; desenhos; banners; marketing

direito, on line ou por e-mail ou spam; comunicações comerciais, em especial a

oferta por meio eletrônico; sponsoring de um provedor gratuito, portal, website,

página, grupo de interesse, chat; e a organização gráfica de lojas virtuais. Tudo é

publicidade na rede215.

Citamos alguns exemplos de linguagem publicitária utilizada na Internet para a

divulgação de produtos ou de serviços ou, simplesmente, interagir com o

consumidor, que são indicados por Eduardo Weiss Martins de Lima:

(i) adverblog: é um blog ou diário pessoal usado para elogiar um produto ou serviço;

(ii) mouseover: uma forma de o usuário interagir com o anúncio ao passar o cursor

sobre ele, sem precisar clicar;

(iii) roadblock ou takeover: o anunciante paga uma determinada quantia por todo o

espaço disponível para publicidade por um dia inteiro na home page de um grande

site, ou em vários sites ao mesmo tempo;

(iv) skycraper ad: publicidade on line no formato vertical, que geralmente fica na

lateral da página do site; e) viral films: pequenos e filmes que são baixados da

Internet;

(v) webisodes: o anunciante produz e divulga uma série de filmes que atraem os

consumidores para o site da marca216.

Deste modo, é importante destacar a dificuldade de se distinguir uma oferta de uma

publicidade realizada na Internet, já que todas as formas de comunicações,

215 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 83-84. 216 LIMA, Eduardo Weiss Martins de. Proteção do consumidor brasileiro no comércio eletrônico internacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 58.

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envolvendo imagens, sons, organização de dados com o objetivo de propiciar a

venda no comércio eletrônico, pode ser considerada publicidade.

Segundo ressalta Maria Eugênia Finkelstein, ao navegar pelos sites, os

consumidores podem se deparar com mensagens publicitárias que não se

identificam como tais, o denominado marketing agressivo e invasivo. Além disso, os

consumidores podem ter seus hábitos de consumo mapeados por cookies e, ainda,

serem vítimas de spams ou se depararem com a publicidade realizada em

banners217.

Prática comercial muito condenável do marketing digital é a utilização de cookies

durante a navegação do internauta nos sites, que permitem obter informações e

dados sobre aquele consumidor. É uma forma de captura de dados do consumidor

usuário, sem o seu conhecimento e consentimento. Não se trata de oferta ou

publicidade, mas uma forma de coleta de dados dos usuários da Internet, sem o seu

consentimento. Quanto a isso, Maria Eugênia Finkelstein ensina que:

Cookies são programas que registram os passos do internauta sem que ele saiba, de modo que o site voltado ao comércio eletrônico possa criar bancos de dados sobre os costumes e preferências do internauta, que passam a ter um valor importante para o marketing. Isto é considerado invasão de privacidade e é uma prática que vem sendo reprimida em muitos países.218

Muito se tem discutido a respeito dos cookies na Internet, na medida em que esta

prática é considerada, por muitos, uma violação ao direito de privacidade do usuário,

que, sem saber, ao simplesmente entrar em um site ou efetuar uma compra em uma

loja virtual, tem seus hábitos de navegação e consumo rastreados. Portanto, os

cookies podem ser considerados uma prática abusiva do mercado eletrônico.

Outra prática muito comum no comércio eletrônico é o denominado spam, envio de

mensagens eletrônicas com anúncios publicitários não solicitadas/autorizadas aos

usuários da Internet. É visto como uma modalidade de abuso do correio eletrônico,

217 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 241. 218 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 243.

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geralmente associada a informes publicitários que não se identificam como tal. No

que tange a isso, conceitua Laura de Toledo Ponzoni Marcondes:

Spam é a correspondência através do correio eletrônico não solicitada pelo usuário. Normalmente está vinculada à oferta de produtos e serviços pela Internet, já que com uma lista de endereços é muito simples enviar mensagens de propagandas para milhares de usuários, e praticamente sem custo. Tal prática, em muitos casos, é abusiva, constituindo um dos grandes problemas enfrentados pelos provedores e usuários da Internet. A publicidade via spam poderá implicar violação ao direito de intimidade/privacidade do consumidor, por isso discute-se a necessidade de prévia autorização, sob pena de configuração da abusividade. Além disso, o remetente da mensagem deverá deixar claro que se trata de um anúncio com fins comerciais, facilitando a identificação pelo consumidor219.

Conforme ensina Cari Mostert, normalmente, o spam tem o formato de publicidade

em massa não solicitada, sendo, muitas vezes, direcionado para o lixo eletrônico da

caixa de entrada do e-mail dos receptores desse tipo de mensagem220.

Os denominados banners, por sua vez, são pequenos anúncios digitais, imagens,

animada ou não, utilizada em sites para efeitos de publicidade, em que há a

possibilidade de o consumidor clicar em um link e ser redirecionado para o site que

está vinculado ao anúncio. Muitos usuários consideram esse tipo de publicidade um

incômodo porque tira a atenção da página e consome parte da banda de conexão.

Cabe citar, ainda, a prática publicitária conhecida como clonagem de páginas ou

cybersquatting, na qual um fornecedor desenvolve uma página na Internet

semelhante a outra página já conhecida pelos internautas ou faz uso de uma marca

que se assemelha a outra difundida, com a finalidade de atrair os internautas

erroneamente. Resumidamente, é o registro de nomes de domínios semelhantes

aos de marcas famosas. Portanto, estamos diante de uma fraude que poderá levar o

consumidor a erro, sendo cabível, portanto, acionar os responsáveis221.

219 MARCONDES, Laura de Toledo Ponzoni. Aplicação do código de defesa do consumidor ao comércio eletrônico. In: LOPEZ, Teresa Ancona Lopez (Coord.). Sociedade de risco e direito privado: desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013, p. 420. 220 MOSTERT, Cari. Internet Glossary A to Z of terms and acronyms. USA: Copymoz, 2012. “Is targeted junk mail to your email inbox. Most commonly, this spam takes the shape of unsolicited bulk advertising or publicity. Spam is also found in the comments section of websites”. 221 MOSTERT, Cari. Internet Glossary A to Z of terms and acronyms. USA: Copymoz, 2012, p. 420-421.

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Também temos o e-mail marketing que é a prática de utilização do e-mail como

ferramenta de marketing direto, respeitando normas e procedimentos pré-definidos.

É essencial ao e-mail marketing o consentimento do cliente. Observamos grande

uso dessa ferramenta pelo marketing, já que é uma forma eficiente e barata para

comunicação, utilizando apenas o correio eletrônico.

Outro exemplo de publicidade realizada na Internet é a denominada janela pop-up,

uma peça publicitária que se destaca do navegador, adentrando no campo visual do

usuário, sem qualquer aviso, trazendo informações comerciais e, geralmente,

possuem um link, que, ao ser clicado, direciona o usuário diretamente para site do

respectivo produto ou serviço que consta na janela pop up.

São diversas as técnicas de marketing digital presentes no comércio eletrônico que

colocam o consumidor em situações de aparente vulnerabilidade e insegurança em

relação aos fornecedores que utilizam desses artifícios para atrair a atenção dos

usuários da Internet e incentivar o comércio eletrônico.

Como exemplo de uma grande ação comercial na Internet, importante lembrarmos

do famoso Black Friday. O nome Black Friday tem origem em promoções realizadas

nos Estados Unidos da América, as quais ocorrem após o Dia de Ação de Graças

(Thanksgiving) e chamam a atenção por envolverem descontos expressivos em um

grande volume de produtos. Várias lojas abrem mais cedo e há uma corrida dos

consumidores para aproveitarem os descontos. Trata-se de verdadeira queima de

estoque das lojas para se prepararem para o Natal.

Considerando os expressivos resultados do Black Friday para as vendas no

comércio norte-americano, os comerciantes brasileiros também começaram a

realizar promoções denominadas Black Friday no Brasil, o que também ocorreu no

comércio eletrônico. Atualmente, o Black Friday é a data que promove um dos

maiores eventos de venda na Internet do Brasil e conta com a presença das maiores

lojas virtuais.

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Da mesma forma como nos Estados Unidos, o Black Friday brasileiro também

acontece anualmente na quarta sexta-feira de novembro. No entanto, nas primeiras

edições da Black Friday no Brasil, pudemos observar diversas reclamações de

consumidores, uma vez que eram atraídos pelo nome da promoção, que remete ao

que ocorre nos Estados Unidos da América, mas, em muitos casos, os descontos

não eram expressivos e há até mesmo casos em que nem sequer havia descontos

reais, mas mera oferta enganosa.

Por essas razões, as autoridades de defesa dos consumidores atuaram e ainda

continuam fiscalizando essas promoções, a fim de averiguar e de punir os

comerciantes que atuam de forma contrária às normas de defesa do consumidor.

Tendo em vista o elevado número de reclamações de consumidores a respeito da

veracidade dos descontos praticados e a falta de estrutura das lojas virtuais, visando

à realização da promoção Black Friday de forma ética e respeitando a boa prática do

comércio eletrônico, a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e.net)

elaborou um Código de Ética do Black Friday 222para as lojas virtuais e, ainda, criou

o Selo Black Friday Legal.

O Código de Ética estabelece normas de conduta e boas práticas para a atuação

das lojas virtuais durante o Black Friday, visando proteger os direitos dos usuários

consumidores, assim como as lojas que atuam de maneira legítima na realização do

Black Friday. Segundo Ludovino Lopes, presidente da Câmara-e.net, “com o Código

de Ética, a Câmara-e.net propõe ao comércio eletrônico a autorregulamentação,

uma tentativa de separar o trigo do joio, destacando quem tem boas práticas"223.

Vale mencionar que o Código de Ética ressalta que as lojas participantes da

promoção Black Friday devem atuar de acordo com os preceitos da moral, boa

conduta e responsabilidade, obedecendo, especialmente, o Código de Defesa do

222 CÂMARA-E.NET. Código de ética do black friday. Disponível em: <http://blackfriday.camara-e.net/sobre/codigo-etica/>. Acesso em: 07 jan. 2015. 223 CÂMARA-E.NET. Black Friday é a data mais expressiva do varejo online, dizem especialistas durante evento promovido pela camara-e.net. 10 nov. 2014. Disponível em http://www.camara-e.net/2014/11/10/black-friday-e-a-data-mais-expressiva-do-varejo-online-dizem-especialistas-durante-evento-promovido-pela-camara-e-net. Acesso em: 07 jan. 2015.

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Consumidor224. Ademais, o Código de Ética estabelece algumas regras a serem

observadas pelos sites participantes do Black Friday, dentre as quais se destacam:

(i) a obrigatoriedade de deixar claro para o consumidor os produtos que estão em

promoção, divulgando ofertas verdadeiras no tocante ao preço e demais encargos;

(ii) o compromisso de não realizar ofertas falsas em relação ao conteúdo ou valor,

ou que tenham conteúdo enganoso, injurioso, malsoante, contrário à lei ou às

exigências da moral e bons costumes geralmente aceitos.

O Selo Black Friday Legal é uma distinção concedida às lojas virtuais participantes

da promoção, que assinaram o Código de Ética do Black Friday Legal,

comprometendo-se com as regras de conduta, entre elas anunciar e praticar ofertas

reais no dia da promoção, e que preencham as avaliações promovidas pela Câmara-

e.net para validação de informações relacionadas aos sites de comércio eletrônico.

O Black Friday já se consolidou como uma das principais datas do comércio

eletrônico no Brasil, sendo o evento mais expressivo do varejo online. Em 2013, o

Black Friday gerou R$ 424 milhões no país em um único dia, representando um

aumento de 95% em relação a 2012. Já em 2014, o Black Friday gerou R$ 1,16

bilhão, representando um grande impacto nas vendas online no Brasil.

4.4 PROTEÇÃO CONTRA PRÁTICAS ABUSIVAS NO COMÉRCIO

ELETRÔNICO

O enquadramento de uma conduta como prática abusiva, segundo ensina Roberto

Pfeiffer, pressupõe que ela ocorra no âmbito de uma relação de consumo, cuja

incidência demanda a existência, em um dos polos, de um consumidor e no outro de

224 Artigo 3º - Todo associado e participante deve se conduzir de acordo com os preceitos da moral, boa conduta e responsabilidade, obedecendo a Constituição Federal do Brasil, a legislação nacional vigente, em especial ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Estatuto da camara-e.net e o presente Código de Ética, resguardando e defendendo o Black Friday, por meio do conceito de parceria e boa-fé inerentes aos relacionamentos comerciais.

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um fornecedor225. Trazemos o conceito de prática abusiva de acordo com Antônio

Herman de Vasconcellos e Benjamin:

São práticas as mais variadas e que, no Direito norte-americano, vêm reputadas como ‘unfair’. [...] Prática abusiva (latu sensu) é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. São – no dizer irretocável de Gabriel A. Stiglitz – ‘condições irregulares de negociação nas relações de consumo’, condições estas que ferem os alicerces da ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes.226

O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor arrola uma série de práticas

comerciais que são abusivas, ou seja, desconformes com a boa-fé, em que o

fornecedor busca obter indevida vantagem, abusando da vulnerabilidade do

consumidor. A redação do caput do artigo 39 deixa absolutamente claro que o rol de

práticas abusivas do Código de Defesa do Consumidor é meramente exemplificativo,

admitindo, assim, outras hipóteses além das expressamente arroladas. Por meio da

prática abusiva, o fornecedor busca extrair uma vantagem indevida, sendo a sua

repressão de grande importância para o bem-estar do consumidor.

Atualmente, existe uma discussão na doutrina e na jurisprudência envolvendo a

prática da diferenciação de preço dos produtos ou dos serviços a depender do meio

utilizado para pagamento. Este problema é frequentemente enfrentado pelos

consumidores do comércio eletrônico, o que também ocorre no comércio físico, no

caso de comercialização de produtos com distinção de preço para pagamento com

cartão de crédito e demais meios de pagamento.

Há o entendimento de que a cobrança de um adicional no valor do produto para

pagamento com cartão de crédito seria uma prática abusiva, nos termos do artigo

39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, por exigir do consumidor

vantagem manifestamente excessiva. Essa corrente entende que pagamento em

cartão de crédito equipara-se ao pagamento à vista, razão pela qual não caberia

qualquer distinção entre o valor cobrado em dinheiro (boleto, por exemplo) ou em

225 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Proteção do consumidor e defesa da concorrência: paralelo entre práticas abusivas e infrações contra a ordem econômica. Revista do Consumidor, São Paulo, vol. 76, p. 131 – 142, out. 2010. 226 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2007, p. 372-373.

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cartão de crédito. Assim sendo, a cobrança de valor diferenciado impõe tratamento

desigual a consumidores em igual situação, gerando aos que pagam com cartões de

créditos o ônus de pagar valores maiores dos que o efetivamente cobrado aos

demais consumidores, o que configuraria prática abusiva, implicando exigência de

vantagem manifestamente excessiva ao consumidor que efetua pagamento com

cartão creditício.

No entanto, a concessão de desconto para pagamentos por meio de boleto, dinheiro

ou cheque é uma prática difundida no comércio, com a qual os consumidores já

estão familiarizados, motivo pelo qual se defende que não haveria prática abusiva,

ou contrária à ordem pública ou aos bons costumes227. Ademais, não há lei que

obrigue o fornecedor a praticar os mesmos preços em todas as suas negociações228.

227 Neste sentido, o Banco Central e a Secretaria de Acompanhamento Econômico também já se posicionaram favoráveis à prática de preço menor nos pagamentos feitos pelos consumidores em dinheiro, sendo pagamento à vista, ou com cartões de crédito. Na avaliação da autoridade monetária, não há por que proibir os fornecedores de darem descontos à clientela quando receberem à vista, conforme segue: “A impossibilidade de discriminar preços pode distorcer a natureza da competição entre os diversos instrumentos de pagamento, fazendo com que os consumidores tenham incentivos para utilizar com maior frequência um determinado instrumento que não seja necessariamente o menos custoso para a sociedade. [...] A supressão da regra do não sobrepreço permitiria que os estabelecimentos sinalizassem, através de seus preços, os custos de cada instrumento de pagamento, promovendo maior eficiência econômica. Além disso, aumentaria o consumo de consumidores que não possuem cartão, já que eles pagariam um preço menor, corrigiria a quantidade de transações realizadas com cartões em direção a um nível socialmente ótimo e aumentaria o número de estabelecimentos que aceitam cartões de pagamento. Em termos de política, seria a forma mais simples de evitar distorções no mercado de cartões. (Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos. Disponível em http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf. Acesso em 28/08/2014). 228 EMENTA: PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - VENDAS COM CARTÃO DE CRÉDITO – PREÇO DIFERENCIADO DA VENDA À VISTA - PRÁTICA QUE NÃO CONFIGURA ABUSIVIDADE - ORDEM CONCEDIDA. 1 - Não há abusividade na prática adotada pelo comerciante de, nas transações com cartões de crédito, não conceder o desconto oferecido para pagamento à vista, pois não estão os preços sob controle e tampouco há lei que o obrigue a praticar os mesmos preços em todas as suas negociações. 2 - Recurso provido. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Apelação Cível n° 1.0024.05.857266-0/001 – Relator Desembargados Edgard Penna Amorim, data do julgamento 07/08/2008) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. SUNAB. MULTA. VENDAS COM CARTÃO DE CRÉDITO. 1. Venda à vista é a que é efetuada em moeda corrente, distinta, portanto, da que é feita no cartão de crédito. 2. Não se configura abuso do poder econômico a venda de mercadoria no cartão de crédito, com acréscimo no preço; nas vendas feitas nessas condições, o pagamento somente pode ocorrer após a fluência de um prazo de, no mínimo, trinta dias. 3. Ausência de lei que referende a exigência da SUNAB, de preço idêntico assim nas vendas à vista como nas vendas à prazo. 4. É inadmissível conferir-se competência legislativa à atividade da administração para, a partir daí, criarem-se obrigações e cominarem-se penas pela eventual desobediência: "Só por lei, alguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. 5. Procedência dos embargos. Apelação improvida.” (Tribunal Regional Federal da 5ª Região - Apelação Cível – 73785 – Processo 9505016808 SE – Relator Desembargador Federal Geraldo Apoliano – data do julgamento: 18/05/1998)

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Vale esclarecer que, no pagamento por meio de boleto bancário ou dinheiro, o

consumidor realiza o pagamento antes do recebimento da mercadoria e,

consequentemente, o fornecedor recebe o valor correspondente efetivamente no ato

da compra e antes mesmo de despachar a mercadoria. Já o consumidor que paga

com cartão de crédito desembolsa o valor correspondente da compra apenas na

data do pagamento da fatura do cartão de crédito e, nesse caso, o fornecedor

somente recebe o preço em média 30 dias após entregar a mercadoria ao

consumidor. Portanto, quando o consumidor utiliza o cartão de crédito para

pagamento de suas compras, o valor só será efetivamente recebido pelo fornecedor

no prazo médio de 30 dias, o que, de fato, não configura venda à vista.

Não obstante, para que a prática de cobrança diferenciada de preço possa ser

considerada regular e não configure vantagem manifestamente excessiva, é

necessário que o consumidor seja informado de forma clara e transparente sobre a

existência das diferentes opções para pagamento e os eventuais descontos

aplicados para cada modalidade. Somente assim o consumidor poderá escolher pela

que lhe for mais conveniente, exercendo seu livre direito de escolha. Dessa forma, a

concessão de desconto para pagamento com um determinado não ofende qualquer

princípio fundamental ou direitos fundamentais, mas, ao contrário, respeita o

princípio da isonomia.

4.5 DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS COMPRAS REALIZADAS

PELA INTERNET

Para compras realizadas fora do estabelecimento comercial, o Código de Defesa do

Consumidor estabeleceu o direito de arrependimento, previsto no artigo 49, como se

tem a seguir:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título,

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durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Portanto, diante de uma compra realizada a distância, ou seja, fora do

estabelecimento comercial do fornecedor, a norma consumerista garantiu o direito

do consumidor de rescindir unilateralmente a contratação realizada, no prazo de

sete dias, contados da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou

serviço. Em outras palavras, estabelece, nas entrelinhas, que o fornecedor deve

assumir os riscos decorrentes dos negócios realizados fora de seu estabelecimento

comercial.

Para exercer seu direito de arrependimento basta que o consumidor comunique o

fornecedor, no prazo legal determinado no artigo 49 do Código de Defesa do

Consumidor, sem a necessidade de apresentar qualquer justificativa para tanto.

Trata-se de um direito incondicionado, podendo ser exercido pelo seu titular sob

quaisquer circunstâncias, sem qualquer ônus, desde que sua intenção seja

comunicada ao fornecedor dentro do prazo legal estabelecido. O direito de

arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor é um direito de ordem

pública, o que significa dizer que ele é irrenunciável, ou seja, seu beneficiário não

poderá renunciar a ele em proveito do fornecedor. Portanto, não existe a

possibilidade de o fornecedor negociar esse prazo de arrependimento com o

consumidor.

A questão que se apresenta refere-se à aplicação do direito de arrependimento às

compras realizadas pela Internet. O estabelecimento virtual estaria inserido no

conceito de estabelecimento comercial, para fins de aplicação do Código de Defesa

do Consumidor?

O estabelecimento virtual caracteriza-se pelo sua inacessibilidade física e

acessibilidade virtual. Nesse ambiente virtual, o consumidor manifesta a aceitação

das ofertas por meio de transmissões eletrônicas de dados, ou seja, não há

deslocamento físico do consumidor ao imóvel onde se encontra a empresa para

adquirir o produto, mas tão somente o acesso ao site por meio da Internet. O

conceito jurídico de estabelecimento empresarial, conforme nos ensina Maria

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Eugênia Reis Finkelstein, “engloba aspectos materiais e imateriais, sendo os

primeiros constituídos pelas mercadorias e pelo local onde está instalada a empresa,

e os segundos constituídos por marcas e patentes, lay-out e know-how, dentre

outros229”.

Portanto, compras realizadas em estabelecimentos virtuais podem ser entendidas

como feitas fora do estabelecimento comercial do fornecedor, restando

caracterizada a fragilidade do consumidor frente às práticas comerciais do meio

digital e a aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor para compras

efetuadas via Internet.

Em que pese a existência de posicionamento diverso em relação à possibilidade de

aplicação do direito de arrependimento no comércio eletrônico, compartilhamos do

entendimento de que o direito de arrependimento é aplicável aos contratos de

consumo realizados pela Internet, já que há uma relação contratual a distância, na

qual o consumidor digital fica exposto a diversas técnicas agressivas de venda.

Quando o consumidor adquire um produto pela Internet, o que ele tem em sua

mente é apenas uma simples imagem do que está comprando, ou seja, não há

como analisar se aquele produto é realmente o que deseja. A tela de um

computador, muitas vezes, pode ser obscura o suficiente para confundir a percepção

do consumidor, não sendo possível definir alguns detalhes quanto ao produto, como

por exemplo, seu tamanho, cor, textura, peso, dentre outras. Portanto, há uma

diferença gritante entre irmos a um estabelecimento comercial ou visitarmos um site

de compras na Internet. Nas palavras de Maria Eugênia Reis Finkelstein:

O Código de Defesa do Consumidor prevê duas hipóteses em que o consumidor goza do direito de arrependimento: na compra por impulso, quando é abordado por vendedores ambulantes fora do estabelecimento comercial, em casa, quando o consumidor está sujeito a técnicas agressivas de vendas, dando-lhe um prazo de reflexão para decidir se realmente quer aquele bem ou serviço que contratou; ou no caso de compras a distância, realizadas pelo telefone, em que o consumidor não tem contato como o bem

229 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 250.

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ou não tem possibilidade de negociar os serviços que deseja. Aqui se enquadram as compras realizadas pela Internet230.

Assim também tem sido o entendimento dos tribunais brasileiros231 e do Superior

Tribunal de Justiça:

Administrativo. Consumidor. Direito de arrependimento. Art. 49 do CDC. [...]. 2. O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem o direito de desistir do negócio em 7 dias ("período de reflexão"), sem qualquer motivação. Trata-se do direito de arrependimento, que assegura o consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo. 3. Exercido o direito de arrependimento, o parágrafo único do art. 49 do CDC especifica que o consumidor terá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas com o serviço postal para a devolução do produto, quantia esta que não pode ser repassada ao consumidor. 4. Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor neste tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (Internet, telefone, domicílio). Aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio tão comum nos dias atuais. 5. Recurso especial provido. (REsp 1340604/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013).

230 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Direito do Comércio Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Elesier, 2011, p. 253. 231 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. COMPRA PELA INTERNET. CANCELAMENTO. CARTÃO DE CRÉDITO. AGRAVO RETIDO. Recurso conhecido, eis que preenchidos os requisitos de admissibilidade. Desprovido, no mérito, para que seja mantida a ordem liminar. LEGITIMIDADE PASSIVA. Conforme a jurisprudência desta Corte, a administradora do cartão de crédito, caracterizando-se como fornecedora, responde objetivamente pelos danos causados à consumidora, nos termos do art. 14 do CDC.DIREITO DE ARREPENDIMENTO. Nos termos do art. 49, do CDC, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar da respectiva assinatura, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial. Deste modo, impõe-se a manutenção da sentença apelada, para que a autora seja reembolsada dos valores que permaneceram sendo descontados nas faturas do seu cartão de crédito. Apelo desprovido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70061954004, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 22/10/2014). APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CONSUMO. AGÊNCIA DE VIAGENS. PACOTE DE TURISMO. NEGOCIAÇÃO PELA INTERNET. CONTRATO À DISTÂNCIA. DIREITO DE ARREPENDIMENTO. APLICABILIDADE. FORMAÇÃO DO CONTRATO. APERFEIÇOAMENTO COM A ACEITAÇÃO. Aplica-se à contratação feita por via de telefone e por meios eletrônicos o art. 49 do CODECON, concedendo-se ao consumidor um período de reflexão e a possibilidade de se arrepender, sem ônus, obtendo a devolução integral de eventuais quantias pagas. O prazo de arrependimento tem início com a formação do contrato ou com a entrega do produto ou serviço. Quando a formação se desdobra em diversas fases, tendo início com tratativas preliminares que resultam em proposta do prestador de serviços, somente com a manifestação de vontade do consumidor, no sentido de aderir à oferta, pode-se iniciar a contagem do prazo. Ausente declaração de aceitação dos termos propostos, considera-se que a aquiescência doconsumidor e, conseqüentemente, o aperfeiçoamento do vínculo, ocorreram com o depósito do sinal.” (TJMG - Apelação Cível n° 1.0024.05.704783-9/002 – Comarca de Belo Horizonte - Rela. Exmª. Srª. Desª. Heloísa Combat. Data de Julgamento: 06/09/2006).

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161

Vale destacar que o Código de Defesa do Consumidor não faz nenhuma ressalva ou

exceção em relação aos produtos que poderiam ser objeto do direito de

arrependimento, levando ao entendimento de que o direito de arrependimento é

aplicado a toda e qualquer compra realizada fora do estabelecimento comercial.

No entanto, diante do crescimento do comércio eletrônico e a variedade de produtos

ofertados na Internet, vem se questionando a aplicação desse direito de

arrependimento sem restrições de qualquer tipo no tocante à aquisição de bens

incorpóreos pela Internet, uma vez que, com um simples click, o consumidor já teria

consumido por completo esses produtos e o fato de se arrepender no prazo de sete

dias causaria enormes prejuízos aos fornecedores. Citamos como exemplo produtos

ou serviços que são acessados e adquiridos pelo consumidor por meio de download,

tais como livros, músicas, filmes, jogos, cursos, dentre outros. Podemos dizer que

nessas ocasiões o consumidor se encontra na mesma posição se a aquisição

acontecesse em um estabelecimento físico, não existindo, portanto, elementos

adicionais que pudessem influenciar na decisão de compra.

O cancelamento da compra decorrente do exercício do direito de arrependimento

pelo consumidor deve implicar o retorno ao status quo ante, de modo que o

fornecedor possa comercializar novamente o produto devolvido. No entanto, o direito

de arrependimento no caso de produtos adquiridos por meio de download, como, por

exemplo, músicas, filmes, livros, jogos, cursos, etc., geraria certo desequilíbrio da

relação de consumo.

Ao fazer o download de uma música, um jogo, um livro, com a finalização do

download, o consumidor já teria consumido por completo o produto, sendo que, ao

final de sete dias, tanto a música, quanto o jogo e o livro já poderiam ter sido

utilizados na sua totalidade e ainda o consumidor teria até a possibilidade de copiar

o arquivo, de modo que, nesse caso, o arrependimento pode ser uma brecha para

que o consumidor fique com o produto e ainda receba seu dinheiro de volta. Assim

sendo, os fornecedores vêm defendendo que não deveria existir a possibilidade de

devolução dos produtos nesses casos como uma forma de flexibilização do direito

de arrependimento, já que o consumo desses produtos é imediato.

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Além disso, os fornecedores desses produtos adquiridos por meio de download

alegam que o consumidor tem pleno acesso a todas as informações de que precisa

antes de adquirir esses produtos, podendo ouvir um trecho da música antes de

baixá-la ou ler a resenha do livro antes de adquiri-lo. De outro modo, não se

justificaria nessas situações o direito de arrependimento. Neste sentido, convém

mencionar o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho.

De um modo geral, o art. 49 do CDC pode ser aplicado ao comércio eletrônico sempre que houver menos informações sobre o produto ou serviço a adquirir nesse canal de venda do que no comércio físico. Quer dizer, não há direito de arrependimento se o consumidor puder ter, por meio da Internet, rigorosamente as mesmas informações sobre o produto ou serviço que teria se o ato de consumo fosse praticado no ambiente físico e não no virtual. Quer dizer, se o site permite ao consumidor ouvir as faixas do CD e apresenta todas as informações constante da capa e contracapa (isto é, franquia rigorosamente tudo a que teria acesso o mesmo consumidor se estivesse examinando o produto numa loja física), então não há razões para reconhecer o direito de arrependimento232.

Além dos casos acima citados, Fábio Ulhoa Coelho entende também, como exceção

ao direito de arrependimento, as operações financeiras realizadas por meio de

Internet-banking, como aplicação em fundo, transferência de numerário ou

contratação de empréstimo. “Não é razoável supor que 7 dias depois o consumidor

pudesse unilateralmente desfazer a operação apenas porque se arrependeu do ato

praticado.”233

No entanto, a verdade é que o Código de Defesa do Consumidor não fez nenhuma

ressalva ou exceção ao direito de arrependimento, sendo, portanto, aplicável para

qualquer produto ou serviço adquirido fora do estabelecimento comercial. Verifica-se

que, apesar de não dispor de forma específica sobre comércio eletrônico, até

mesmo porque, na época de sua elaboração, sequer se cogitava acerca dessas

inúmeras transações via eletrônica. Assim, tem-se que o Código de Proteção e

232 COELHO, Fabio Ulhoa. Direitos do consumidor no comércio eletrônico. 2006. Disponível em http://www.ulhoacoelho.com.br/site/pt/artigos/doutrina/63-direitos-do-consumidor-no-comercio-eletronico. Acesso em: 15 jan. 2015. 233 COELHO, Fabio Ulhoa. Direitos do consumidor no comércio eletrônico. 2006. Disponível em http://www.ulhoacoelho.com.br/site/pt/artigos/doutrina/63-direitos-do-consumidor-no-comercio-eletronico. Acesso em: 15 jan. 2015.

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163

Defesa do Consumidor aplica-se perfeitamente às relações jurídicas de consumo

estabelecidas no ambiente virtual.

Entretanto, visando contemplar as transações eletrônicas, o Decreto n. 7.692/2013,

em seu artigo 5°, também cuidou de regulamentar o direito de arrependimento,

previsto no Código de Defesa do Consumidor, para o comércio eletrônico:

Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. § 1o O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. § 2o O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor. § 3o O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou II – seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. § 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

É necessário destacar que, assim como estabelece o artigo 49 do Código de Defesa

do Consumidor, o prazo de arrependimento para as compras realizadas no comércio

eletrônico também é de sete dias. Período esse concedido aos consumidores como

um prazo de reflexão para as compras realizadas fora dos estabelecimentos

comerciais do fornecedor, conforme já visto neste trabalho.

O Decreto do comércio eletrônico prevê que o fornecedor deve deixar expressa a

forma e os meios dos quais dispõe para que o consumidor possa exercitar seu

direito de arrependimento. Ademais, dispõe que o consumidor sempre deverá ter a

opção de exercer o direito de arrependimento pela mesma ferramenta que utilizou

para a contratação. Portanto, o fornecedor do comércio eletrônico deve disponibilizar

um instrumento para viabilizar o direito de arrependimento nos seus sítios

eletrônicos que possibilitem o consumidor exercer seu direito também pela via

eletrônica.

Além disso, o decreto incorporou o posicionamento da jurisprudência no que diz

respeito à rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor,

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164

quando exercido seu direito de arrependimento em relação ao contrato principal.

Uma vez exercido o direito de arrependimento, implica o dever para o fornecedor de

comunicação imediata do arrependimento à instituição financeira que tenha provido

o meio de pagamento ou a administradora do cartão de crédito, para assegurar a

devolução imediata dos valores pagos, devidamente atualizados, bem como a

devolução os demais valores pagos, sem exceção, incluindo o valor de transporte,

frete de devolução e impostos. O objetivo deste mecanismo é evitar o lançamento da

despesa na fatura do cartão de credito do consumidor ou possibilitar o estorno do

valor já lançado, sem acarretar ônus para o consumidor.

Conforme se depreende da leitura do artigo 5°, já transcrito, os fornecedores que

ofertam produtos e serviços no comércio eletrônico devem informar ostensivamente

os meios adequadas para o consumidor exercer seu direito de arrependimento e

disponibilizar ferramentas eficazes que viabilizem o exercício do direito de

arrependimento oferecendo a possibilidade de uso dos mesmos mecanismos

empregados para a contratação. De outro modo, o fornecedor deve disponibilizar a

opção de cancelamento da compra, em função do direito de arrependimento, pela

mesma ferramenta utilizada para a realização compra, sem prejuízo de outras

formas. Portanto, no caso de venda pela Internet, o cancelamento da compra pela

via eletrônica deve estar disponível caso o consumidor que deseje fazer uso do

direito de arrependimento.

Além disso, a norma prevê que o consumidor deve ser ressarcido de todos os

valores incorridos na contratação, sendo de responsabilidade do fornecedor assumir

os custos da devolução do produto, o que faz parte do risco dos negócios realizados

pela Internet.

Por fim, o decreto estabelece no §4° do artigo ora em análise, a obrigação do

fornecedor confirmar imediatamente ao consumidor o recebimento da manifestação

do direito de arrependimento. Considerando que o consumidor pode exercitar seu

direito de arrependimento por meio eletrônico, a resposta do fornecedor deverá ser

praticamente simultânea, para cumprir o estabelecido na nova regra.

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Conforme resume a Nota Técnica da SENACON, o exercício pelo consumidor do

direito de arrependimento implica: “rescisão do contrato principal e dos acessórios e

conexos; devolução imediata dos valores pagos; a contagem do dies a quo inicia-se

na data que é mais favorável – assinatura ou recebimento do produto;

responsabilidade do fornecedor pelo frete da devolução”234.

Resta importante esclarecer que o consumidor deve devolver os produtos sem uso e

em perfeitas condições que permitam sua revenda posterior, sem perda de valor. O

espírito do artigo 5° do referido Decreto não é de dar a oportunidade ao consumidor

de usar o produto e depois desistir, mas sim de ver o produto de perto, da mesma

forma que ocorre em uma loja física e, se o produto não corresponder ao que

esperava, desistir da compra.

Destaca-se, ainda, que a inobservância das condutas descritas no Decreto

7.692/2013 ensejará aplicação das sanções previstas no artigo 56 do Código de

Defesa do Consumidor, quais sejam: multa; apreensão do produto; cassação do

registro junto ao órgão competente; proibição de fabricação; suspensão temporária

de atividade; revogação de concessão ou permissão de uso; cassação de licença do

estabelecimento ou atividade; interdição, total ou parcial, de estabelecimento, obra

ou atividade; intervenção administrativa ou imposição de contrapropaganda.

Por fim, cumpre destacar que Decreto n. 7.692/2013 reproduz textualmente diversas

disposições do Projeto de Lei do Senado Federal n. 281/2012, que versa sobre os

contratos de consumo na Internet, o qual veremos mais adiante. Segundo Bruno

Miragem, a reprodução pelo Decreto de grande parte do texto do Projeto de Lei n.

281/2012, em primeiro lugar, atesta a necessidade de disciplina de aspectos do

comércio eletrônico de consumo e a ponderação com o qual o legislador deve

234 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional do Consumidor. Nota Técnica n. 40/CGEMM/DPDC/SENACON/2013. 11 set. 2013. Disponível em: < http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/SENACON/SENACON_NOTA_TECNICA/Nota%20T%C3%A9cnica%20n%C2%BA%2040%20-%20analise%20Dec%207962.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2014.

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166

intervir neste domínio de atuais e intensas transformações frentes às inovações

decorrentes da permanente evolução tecnológica235.

Em relação ao direito de arrependimento, merece destaque o prazo adotado a

respeito da matéria na União Europeia. A Diretiva 2011/83/EU, sobre os direitos dos

consumidores, já analisada neste trabalho, prevê no seu artigo 9º, o direito de

retração que permite a rescisão unilateral do contrato celebrado à distância ou fora

do estabelecimento comercial, o qual deve ser exercido no prazo de 14 dias236.

Ressalta-se que não há necessidade de indicação do motivo do arrependimento e o

consumidor não pode ser onerado além dos deveres previstos na diretiva, quando

exercido o seu direito de arrependimento. Além disso, a norma estabelece que o

consumidor responde por eventuais depreciações do bem.

Interessante notar a diferença no prazo para manifestação do direito de

arrependimento previsto na legislação brasileira, qual seja 7 dias, e o previsto na

diretiva europeia, que estabelece o prazo de 14 dias para reflexão do consumidor.

235 MIRAGEM, Bruno. Aspectos característicos da disciplina do comércio eletrônico de consumo. Comentários ao Dec. 7.962, de 15.03.2013. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 22, n. 86, p. 287-300 mar./ abr. 2013, p. 299. 236 Artigo 9, da Diretiva 2011/83/EU: Ressalvando os casos em que se aplicam as exceções previstas no artigo 16.o, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias para exercer o direito de retractação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial, sem necessidade de indicar qualquer motivo, e sem incorrer em quaisquer custos para além dos estabelecidos no artigo 13.o, n.o 2, e no artigo 14.o. 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 10 o,, o prazo de retractação referido no n. o 1 do presente artigo expira 14 dias a contar do: a) Dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços; b) Dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra e venda, ou: i) dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física do último bem, no caso de vários bens encomendados pelo consumidor numa única encomenda e entregues separadamente, ii) dia em que o consumidor ou um terceiro, com excepção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física do último lote ou elemento, no caso da entrega de um bem que consista em diversos lotes ou elementos, iii) dia em que o consumidor ou um terceiro por ele indicado, que não seja o transportador, adquira a posse física do primeiro bem, no caso dos contratos de entrega periódica de bens durante um determinado período: c) Dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de fornecimento de água, gás ou electricidade, caso não sejam postos à venda em volume ou quantidade limitados, de aquecimento urbano ou de conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material.

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167

4.6 DIREITO À QUALIDADE DOS BENS E SERVIÇOS E À ENTREGA

NO PRAZO INFORMADO

O Código de Defesa do Consumidor reservou um capítulo para descrever sobre o

direito à qualidade dos produtos e serviços, à prevenção e à reparação dos danos,

deixando explícitos os direitos e deveres dos consumidores e fornecedores no caso

de constatação de vícios ou defeitos e a responsabilidade de cada ente envolvido na

cadeia de consumo para a efetiva reparação dos danos causados aos

consumidores.

Assim sendo, os artigos 18 e 20 do Código de Defesa do Consumidor estabelecem

que o fornecedor de produto e serviço, respectivamente, responde por vícios de

qualidade ou de quantidade que tornem o produto ou o serviço impróprios ou

inadequados para o consumo ou lhes diminuam o valor, bem como, por aqueles,

decorrentes da disparidade com as indicações fornecidas aos consumidores,

constantes nas embalagens, rotulagens, ofertas ou mensagens publicitárias.

Entende-se, portanto, que os consumidores têm o direito de receber os produtos e

serviços adquiridos com qualidade, sem qualquer vício ou defeito, conforme as

indicações dos fornecedores. Essa expectativa de recebimento do bem adquirido em

perfeitas condições também é legítima nas compras realizadas pela Internet.

Com efeito, ao consumidor digital também é assegurado o direito de receber os

produtos e os serviços próprios e adequados ao consumo, sem qualquer vício ou

defeito, em conformidade com as características informadas, o preço divulgado e o

prazo acordado com o fornecedor quando da aquisição nos sites de comércio

eletrônico.

Um dos grandes problemas enfrentados pelos consumidores no comércio eletrônico

refere-se ao prazo de entrega das mercadorias. Muitas vezes, os fornecedores

informam um determinado prazo para efetuar a entrega, no entanto, este prazo é

rotineiramente descumprido, o que causa enorme frustação no consumidor. Uma

vez informado um prazo para a entrega da mercadoria adquirida no comércio

eletrônico, o fornecedor fica obrigado a cumpri-lo.

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Tendo em vista a grande quantidade de reclamações relacionadas à entrega das

mercadorias adquiridas no comércio eletrônico, alguns estados brasileiros237

editaram normas que visam à implantação da entrega agendada para minimizar os

problemas enfrentados pelos consumidores. Assim sendo, os fornecedores do

comércio eletrônico disponibilizam em seus sites a possibilidade de o consumidor

agendar a entrega de sua compra, marcando a data e o turno em que ela será

efetuada.

Nesse contexto, o Estado de São Paulo editou a Lei n. 13.747/2009, cuja redação

original, assim, estabelecia: “Ficam os fornecedores de bens e serviços localizados

no Estado obrigados a fixar data e turno para realização dos serviços ou entrega dos

produtos aos consumidores”.

O objetivo da mencionada lei foi de propiciar ao consumidor o conforto de não ter

que esperar em sua casa a entrega do produto ou a prestação do serviço, durante

os dias do prazo fixado no ato da contratação. A ideia central, portanto, era de evitar

que o consumidor ficasse impedido de sair de casa por não saber que dia e a que

horas o fornecedor iria à sua casa entregar a mercadoria ou prestar o serviço238.

No entanto, a redação da Lei n. 13.747/2009 não era clara, dando margem a

interpretações diferentes quanto à possibilidade de cobrança de valor de frete

superior para a entrega agendada e, ainda, à eventual vedação de disponibilizar

outra forma de entrega além da agendada.

237 Citamos alguns Estados que possuem Lei da Entrega Agendada: São Paulo (Lei n. 13.747/2009), Rio de Janeiro (Lei n. 3.669/2001), Mato Grosso do Sul (Lei n. 3.903/2010) e Minas Gerais (Lei n. 20.334/2012). 238 Vale transcrever o seguinte trecho da exposição de motivos da Lei n. 13.747/2009 do Estado de São Paulo: Ou seja, não são raras as circunstâncias em que o consumidor depara-se com a livre estipulação dos fornecedores ou prestadores de serviço, vendo-se obrigado a aguardar em sua residência a prestação do serviço ou a entrega do produto adquirido por vários dias consecutivos. Como se não bastasse, quando fixada data, não se estipula hora para a entrega da mercadoria ou execução do serviço. Ou seja, o consumidor fica à disposição durante o informal “horário comercial”; o que o obriga a permanecer em sua residência praticamente durante todo o dia, muitas vezes sem que a entrega se efetive ou, ainda pior, sem que haja qualquer comunicação por parte do estabelecimento comercial. Em virtude dessa prática costumeira - que indubitavelmente afronta a dignidade do consumidor e até mesmo a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor no que tange aos direitos fundamentais – não são raras as vezes em que consumidores deixam de realizar seus afazeres diários por ter assumido o compromisso de permanecerem em suas residências para efetuar o recebimento de mercadoria ou a prestação do serviço.

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Assim sendo, em 02 de fevereiro de 2013, foi editada a Lei n. 14.951/2013, que

alterou o artigo 1º da Lei n. 13.747/2009, o qual passou a vigorar da seguinte forma:

“Ficam os fornecedores de bens e serviços localizados no Estado obrigados a fixar

data e turno para realização dos serviços ou entrega dos produtos aos

consumidores, sem qualquer ônus adicional aos consumidores”.

Portanto, com o advento da Lei n. 14.951/2013, ficou claro que não é permitida

cobrança adicional para a forma agendada de entrega. Além disso, pode-se

depreender que, ao inserir o trecho “sem qualquer ônus adicional aos

consumidores”, a nova lei deixa claro que não há vedação para outras formas de

entrega além da agendada, uma vez que, caso apenas a entrega agendada fosse

permitida, não haveria necessidade de se prever regras sobre eventual

diferenciação de custo entre as modalidades de entrega. A palavra “adicional”

demanda uma referência que, no caso, é a entrega convencional, ou seja, o frete

cobrado para a entrega agendada não pode ser superior ao frete cobrado para a

entrega convencional.

Portanto, a redação que ora vigora prevê que não há proibição em disponibilizar a

entrega não agendada, devendo-se apenas observar a regra de que o agendamento

não deve acarretar o pagamento de frete superior ao da entrega não agendada. O

intuito da lei foi obrigar os fornecedores a também darem ao consumidor a opção da

entrega agendada, para que o consumidor escolha qual a melhor opção, de acordo

com sua conveniência.

4.7 ATENDIMENTO FACILITADO AO CONSUMIDOR VIRTUAL

O Decreto n. 7.692/2013, cujo objetivo é a regulamentação das atividades do

comércio eletrônico, conforme já asseverado neste trabalho, também estabeleceu

algumas regras visando garantir o atendimento facilitado do consumidor, no que se

refere às informações sobre a contratação realizada do meio eletrônico.

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Assim, o artigo 4º do referido diploma legal elenca algumas obrigações para os

fornecedores que atuam no comércio eletrônico quanto ao atendimento facilitado do

consumidor, tais como: apresentação de um sumário do contrato239 antes da

contratação, enfatizando as cláusulas que limitem direitos do consumidor; fornecer a

possibilidade de correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à

finalização da contratação; confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da

oferta; disponibilizar o contrato ao consumidor; manter serviço adequado e eficaz de

atendimento em meio eletrônico que possibilite ao consumidor a resolução de

demandas; confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor

pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e utilizar mecanismos de segurança

eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.

Observa-se uma inovação do trazida pelo Decreto n. 7.692/2013 ao estabelecer a

necessidade da disponibilização de um sumário claro e formado pelas cláusulas e

condições do contrato a ser celebrado no meio eletrônico. Este resumo do contrato

tem o objetivo de reduzir a assimetria informacional entre consumidor e fornecedor e

facilitar a compreensão do que está sendo contratado. Portanto, este resumo deve

ser claro, intuitivo e auxiliar do consumidor durante a negociação eletrônica,

devendo ser apresentado ao consumidor antes de concluída a transação. As

informações disponibilizadas no sumário do contrato devem ser apresentadas em

linguagem simples e clara, além de incluir, com destaque, as cláusulas limitadoras

de direito. A apresentação de um sumário do contrato, para as transações

comerciais no meio eletrônico, não exime o fornecedor da obrigação de

239 Assim esclarece Bruno Miragem: “Embora se compreenda a inteligência do artigo, no sentido de permitir – dada a agilidade que caracterizam as contratações eletrônicas – o conhecimento prévio do consumidor em relação aos aspectos principais do contrato a ser celebrado – deve cuidar-se para que, neste ponto, o decreto não possa ser interpretado como restritivo a direito do consumidor assegurado por lei. Recorde-se que o art. 46 do CDC estabelece: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Não trata aqui de sumário do contrato, mas de todo o contrato. A contrario sensu, consolidou-se entendimento doutrinário no sentido do direito do consumidor ao conhecimento prévio do conteúdo de todo o contrato. Neste caso, o sumério do o contrato pode indicar que não se trata de todo o conteúdo, o que admitiria dúvida, portanto, sobre a observância pelo exercício da competência regular dos estritos limites definidos pelo princípio da legalidade. Interpretação conforme a lei, é que o dever de oferecer o sumário do contrato não afasta o dever de acesso prévio a toso o contrato, de modo a converter-se em opção do consumidor acessar um o outro”. (MIRAGEM, Bruno. Aspectos característicos da disciplina do comércio eletrônico de consumo. Comentários ao Dec. n. 7.962, de 15.03.2013. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 22, n. 86, p. 287-300 mar./ abr. 2013, p. 295-296)

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171

disponibilizar a íntegra do contrato antes da contratação, em conformidade com o

artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo Camila Cândido Emerim, “o art. 4° está diretamente relacionado à boa-fé

objetiva, na medida em que lista obrigações aos fornecedores com o objetivo de

facilitar o atendimento do consumidor no comércio eletrônico240”.

Cabe, ainda, mencionar o prazo de cinco dias para o fornecedor se manifestar

referente às demandas relativas à informação, à dúvida, à reclamação, à suspensão

ou ao cancelamento do contrato, conforme previsto no parágrafo único do artigo 4º,

do Decreto n. 7.692/2013. Esse prazo foi uma inovação do Decreto, uma vez que o

Código de Defesa do Consumidor nada menciona sobre prazo para resposta a

demandas dos consumidores.

Além disso, o Decreto do comércio eletrônico estabelece que o consumidor deve ter

a possibilidade de se comunicar com o fornecedor por meio eletrônico, ou seja, pelo

mesmo meio pelo qual realizou a contratação. Este meio deverá ser apto a

responder as demandas dos consumidores em tempo razoável em relação a

pedidos de informação, dúvida, reclamação ou cancelamento do contrato eletrônico.

Da mesma forma, o atendimento eletrônico não poderá acarretar qualquer custo ao

consumidor, exceto aqueles derivados da contratação dos meios eletrônicos

utilizados pelo consumidor para a contratação eletrônica.

Independente do meio de atendimento disponibilizado pelo fornecedor, e-mail, chat,

Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, presencial, etc., o serviço deverá ser

sempre adequado e eficaz, para atender às necessidades e aos interesses dos

consumidores.

Como mais uma forma de facilitar o atendimento do consumidor e buscar uma

alternativa de solucionar as demandas de consumo, recentemente, o governo

federal implementou o site www.consumidor.gov.br, que é uma plataforma

240 EMERIM, Camila Candido. Contratos eletrônicos e de consumo: panorama doutrinário, legislativo e jurisprudencial atual. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 23, n. 91, p.367-393, jan./ fev. 2014, p 388.

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172

tecnológica de informação, interação e compartilhamento de dados, desenvolvida

para servir como intermediador direto de conflito entre consumidores e fornecedores.

Esse sistema de solução alternativa de conflitos foi instituído pela Portaria do

Ministério da Justiça n. 1.184/2014, com a finalidade de promover a proteção e

defesa do consumidor em todo o território nacional, por meio da interlocução direta

entre consumidores e fornecedores para solução de demandas de consumo241.

O site www.consumidor.gov.br é um novo serviço de utilidade pública para solução

alternativa de conflitos de consumo por meio da Internet, que tem objetivos traçados

no artigo 2º da Portaria do Ministério da Justiça n. 1.184/2014: ampliar o

atendimento ao consumidor; prevenir condutas que violem direitos do consumidor;

promover a transparência nas relações de consumo; fornecer ao Estado

informações essenciais à elaboração e à implementação de políticas públicas de

defesa dos consumidores; e incentivar a competitividade no mercado pela melhoria

da qualidade e do atendimento ao consumidor242.

O objetivo do governo com esse novo canal de reclamação, com ênfase na

interatividade entre consumidores e fornecedores, é a redução de conflitos de

consumo. Resumidamente, o consumidor registra a reclamação e ela vai direto para

a empresa reclamada, desde que esta esteja cadastrada no sistema, a qual tem um

prazo para responder ao consumidor na mesma ferramenta. O cadastro das

empresas no site www.consumidor.gov.br é voluntária, portanto, caso a empresa

não esteja cadastrada, não será possível o consumidor registrar a reclamação no

site243.

241 Insta esclarecer que o serviço disponibilizado na plataforma não constitui um procedimento administrativo e tampouco substitui ou se confunde com o atendimento tradicional prestado pelos Procons. Assim sendo, a utilização dos serviços do Consumidor.gov.br pelos consumidores se dá sem prejuízo ao atendimento realizado pelos canais tradicionais de atendimento do Estado providos pelos Procons Estaduais e Municipais, Defensorias Públicas, Juizados Especiais Cíveis, entre outros órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. 242 Segundo consta do site, o sistema viabiliza, de forma gratuita, o recebimento e tratamento das reclamações de seus consumidores que eventualmente não foram resolvidas por meio dos seus canais tradicionais de atendimento, evitando que se transformem em litígios administrativos e/ou judiciais; a empresa ganha mais uma oportunidade de demonstrar seu empenho na resolução dos conflitos de consumo, por meio dos rankings divulgados nesta plataforma; e, ainda, as informações contidas na base de dados possibilitarão uma análise detalhada dos problemas relativos a seus produtos e serviços, desde a produção, comunicação e distribuição, permitindo a adoção de medidas de aprimoramento e adequação. 243 O atendimento realizado por meio do Consumidor.gov.br ocorre da seguinte forma, conforme consta nos dados obtidos do site www.consumidor.gov.br: Primeiro, o consumidor deve verificar se a

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173

4.8 DIREITO DO CONSUMIDOR NOS SITES DE COMPRAS

COLETIVAS

Os sites de compras coletivas representam um novo modelo de negócio, cujo

objetivo é a venda de cupons para o número máximo de consumidores por oferta.

Nesse modelo de negócio, os fornecedores oferecem seus produtos com grandes

descontos de forma a atrair os consumidores. A oferta é publicada e divulgada por

um site de compra coletiva durante um tempo determinado e se, durante esse

período, o número mínimo estabelecido for alcançado, todos os compradores

recebem um cupom do site dando direito à compra com o desconto.

Este modelo de negócio foi criado nos Estados Unidos por Andrew Mason, quando

lançou o primeiro site do gênero em novembro de 2008, o Groupon. No Brasil, o

pioneiro no ramo de compras coletivas foi o site Peixe Urbano, iniciando suas

atividades em março de 2010. Desde então, a compra coletiva se consolidou entre

os brasileiros, beneficiando tanto as empresas que podem vender suas mercadorias

em maior volume por conta de seu baixo preço, assim como os consumidores, que

podem adquirir bens com consideráveis descontos por estarem realizando uma

compra coletiva.244

A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico define as compras coletivas como “uma

modalidade de e-commerce que tem como objetivo vender produtos e serviços de

empresa contra a qual quer reclamar está cadastrada no sistema. Em seguida, o consumidor deve se identificar adequadamente e registrar sua reclamação no site, comprometendo-se a apresentar todos os dados e informações necessárias relativas à reclamação relatada. A partir do registo da reclamação inicia-se a contagem do prazo para manifestação da empresa. A empresa deverá acompanhar diariamente as reclamações recebidas por meio do site e respondê-las em até 10 dias. O tempo de resposta será contado a partir do registro da reclamação. Durante esse prazo, a empresa tem a oportunidade de interagir com o consumidor e solicitar eventuais informações complementares, por meio da plataforma, antes da postagem de sua resposta final. Após a manifestação da empresa, o consumidor pode comentar a resposta recebida e classificar a demanda como Resolvida ou Não Resolvida, e ainda indicar seu nível de satisfação com o atendimento recebido. 244 Disponível em http://ecommercenews.com.br/glossario/o-que-e-compra-coletiva. Acesso em 29 jan. 2015.

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diversos tipos de estabelecimentos empresariais para um número mínimo pré-

estabelecido de consumidores por oferta”245.

Quanto a isso, ensina Bruno Miragem em relação aos sites de compras coletivas:

Trata-se de um sistema em que fornecedores de produtos e serviços anunciam em um determinado site da Internet determinada oferta cuja contratação deve se dar exclusivamente por meio do provedor, comprometendo-se a assegurar uma vantagem substancial (normalmente desconto no preço), sob a condição de que determinado número de consumidores venham a celebrar o contrato. Os termos do negócio, e especialmente as vantagens oferecidas ao consumidor estarão condicionadas ao atingimento de um determinado número de negócios que sejam celebrados com consumidores interessados dentro de um prazo pré-estabelecido pelo site.246

Ato contínuo, o referido autor apresenta os principais riscos a que o modelo de

oferta coletiva expõe o consumidor: (a) o fato de a oferta ser feita, na sua grande

maioria, por prazo determinado, pode submeter o consumidor à pressão,

prejudicando sua avaliação sobre a conveniência do negócio; (b) a facilitação do

consumo leva o consumidor, muitas vezes, a adquirir produtos e serviços

desnecessários ou de pouca utilidade, estimulando o hiperconsumo; (c) há claro

apelo à vantagem do preço, sem maior atenção à qualidade dos produtos e serviços;

(d) as ofertas anunciadas não divulgam, com o mesmo destaque, as vantagens e as

demais condições do negócio (prazos, horários ou dias específicos para fruição da

oferta), vindo, muitas vezes, a surpreender o consumidor.247

Tendo em vista que se trata de modalidade de negócio típica do comércio eletrônico

e das novas formas de contratação por meio eletrônico, não há nenhuma regra

específica sobre o tema no Código de Defesa do Consumidor, nem poderia existir, já

que a compra coletiva surgiu muito depois na promulgação do código.

Entretanto, o Decreto n. 7.692/2013, acompanhando a evolução do comércio na

Internet, traz alguns regramentos direcionados aos fornecedores que organizam

245 Disponível em: <http://www.camara-e.net/>. Acesso em: 10 jul. 2015. 246 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 491. 247 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 298.

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ofertas em sites de compras coletivas, os quais, em razão das peculiaridades desse

novo modelo de negócio, merecem uma atenção especial para assegurar os direitos

dos consumidores no momento da contratação. Trata-se de norma inédita sobre

oferta de compras coletivas na Internet.

De acordo com o artigo 3° do Decreto n. 7.692/2013, os sites ou os demais meios

eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou de modalidades análogas

de contratação deverão conter, além das informações comuns exigíveis dos

fornecedores que ofertam produtos e serviços no meio digital, as seguintes

especificações: quantidade mínima de consumidores necessária para o

cumprimento da oferta e efetivação do contrato; prazo para que o consumidor possa

usufruir da oferta; e identificação do fornecedor responsável pelo site e do

fornecedor do produto ou serviço ofertado.

A informação quanto ao número mínimo necessário de compradores para a

efetivação da oferta mostra-se necessário para o consumidor analisar a

plausibilidade de a oferta ser efetivamente confirmada com o atingimento mínimo de

compradores nela descritos. Assim sendo, também é de fundamental importância

que o consumidor possa acompanhar a evolução do número de consumidores que

já aderiram a uma oferta de compra coletiva.

Quanto ao prazo para usufruir da oferta, este deve ser estabelecido com base no

princípio da boa-fé e da razoabilidade, levando em consideração a natureza do

produto ou do serviço ofertado. Portanto, o prazo estabelecido não pode ser uma

limitação à fruição da oferta. De acordo com o SENACON, “prazos

desproporcionadamente exíguos ou que contenham restrições excessivas e não

justificadas à fruição da oferta estão em desacordo com a boa-fé objetiva e com a

confiança exigidas por parte do fornecedor nas contratações eletrônicas”248.

248 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional do Consumidor. Nota Técnica n. 40/CGEMM/DPDC/SENACON/2013. 11 set. 2013. Disponível em: < http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/SENACON/SENACON_NOTA_TECNICA/Nota%20T%C3%A9cnica%20n%C2%BA%2040%20-%20analise%20Dec%207962.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2014.

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Além disso, como o site de compras coletivas disponibiliza ofertas de terceiros, o

Decreto n. 7.692/2013 estabelece a necessidade de disponibilizar os dados de

identificação e de localização dos fornecedores dos produtos e serviços que estão

sendo ofertados, bem como os dados dos responsáveis pelo sítio eletrônico.

Importante esclarecer que os sites de compras coletivas ou de modalidades

análogas se enquadram no conceito de fornecedor na relação de consumo, portanto

estão sujeitos à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, especialmente no

tocante à oferta, à informação e à proteção contratual, estando obrigados também a

fornecer as informações descritas nos artigos 2° e 3° do Decreto n. 7.692/2013, no

que tange aos dados dos produtos, às peculiaridades da oferta e à identificação dos

fornecedores.

4.9 DIREITO À PRIVACIDADE NA INTERNET E FORMAÇÃO DE

BANCO DE DADOS

Apesar de todo o progresso social e econômico resultante da evolução tecnológica e

da facilidade de acesso à informação proporcionada pela Internet, não podemos

ignorar que o progresso também causa problemas como, por exemplo, o acesso

quase ilimitado a dados que, muitas vezes, dizem respeito à privacidade e até

mesmo à intimidade dos cidadãos249.

A formação de cadastros de consumo sejam eles autorizados ou à revelia do

consumidor, alavancados pelos avanços da informática e da Internet no mercado de

consumo, é uma questão que vem suscitando crescente preocupação por parte das

empresas e dos órgãos de defesa do consumidor no tocante à preservação da

privacidade dos consumidores internautas. A coleta e a utilização das informações

pessoais dos usuários em meios digitais estão em acelerada expansão nas redes

sociais, empresas privadas, órgãos públicos e organizações da sociedade civil. A

todo o momento, são solicitados dados aos usuários para que possam acessar

249 CARVALHO NETO, Frederico da Costa. Novas Ferramentas e Privacidade. 2013. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=07d34e2419c61216. Acesso em: 20 out. 2014.

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determinado serviço na Internet, finalizar uma compra ou simplesmente ter acesso

às informações. No entanto, desconhecemos a real situação de segurança e o nível

de controle que as instituições possuem para guardar e proteger essas informações.

A obtenção dos dados pessoais do consumidor pela empresa pode ocorrer de

forma voluntária, ou seja, por meio do preenchimento de formulários pelo

consumidor, ou, ainda, de forma indireta, como no caso de empresas de análise e

classificação de risco de operações, que recebem as informações de terceiros.

Esse novo universo de informações na rede gerou e proliferou a formação de

bancos de dados que podem ser transferidos, manipulados, reinventados, por

vezes, sem o conhecimento ou o prévio consentimento do interessado e, se mal

utilizado, poderá gerar ações ilícitas ou constrangedoras de toda ordem, pois

adentra na esfera íntima da pessoa, desvelando-a e tornando-a exposta, sendo

imprescindível compreender esta realidade como produto dos novos tempos, os

dados pessoais nos bancos de dados.

Segundo define Danilo Doneda, os bancos de dados são, em sua acepção

fundamental, “um conjunto de informações estruturado de acordo com uma

determinada lógica – e esta lógica é sempre uma lógica utilitarista, uma lógica que

procura proporcionar a extração do máximo de proveito possível a partir de um

conjunto de informações”250.

Nesse sentido, imperativo analisar as normas que regem o tratamento de dados

pessoais e o compartilhamento de tais informações no cenário brasileiro que

possam servir de sustentáculo e reconhecimento do direito fundamental à

proteção dos dados pessoais dos usuários da Internet.

O Brasil, atualmente, dispõe de uma proteção dispersa e não específica sobre a

proteção de dados, uma vez que ainda não há uma legislação voltada a regular esse

tema no ordenamento jurídico brasileiro. A proteção de dados pessoais, portanto,

advém de um conjunto de normas relacionadas ao direito à informação e à tutela do

250 DONEDA, Danilo. A proteção dos dados pessoais como um direito fundamental. Espaço Jurídico Journal of Law - EJJL, Joaçaba, n. 12, n.2, p. 91-108, jul./dez. 2011. Disponível em http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1315/658. Acesso em: 22 out. 2014.

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direito à privacidade. Podemos extrair alguns dispositivos constitucionais que tratam

de direitos à privacidade e à intimidade, bem como disposições de legislações

infraconstitucionais que são aplicáveis para a garantia da proteção dos dados

pessoais dos consumidores.

Assim se apresenta a regulamentação da proteção à privacidade e a proteção de

dados no Brasil:

(i) Constituição Federal: resguarda a inviolabilidade da intimidade, da vida privada,

da honra e da imagem das pessoas, bem como protege o sigilo da correspondência

e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo,

em último caso, por ordem judicial;

(ii) Código Civil: prevê a inviolabilidade da vida privada;

(iii) Código de Defesa do Consumidor: garante o acesso pelo consumidor às

informações existentes nos cadastros e o direito de ser informado sobre a abertura

de um novo cadastro de dados;

(iv) Portaria n. 5, de 27/08/2002, do Ministério da Justiça: prevê algumas hipóteses

de cláusulas abusivas;

(v) Lei de Cadastro Positivo (Lei n. 12.414/11 e Decreto n. 7.82912): apresenta

conceitos sobre tratamento de dados e regras para análise de informações sobre

adimplemento; e

(vi) Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14): estabelece princípios para utilização

de cadastro de dados no âmbito da Internet.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, estabelece que “são invioláveis a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a

indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Além disso, a Constituição Federal prevê mais algumas regras relacionadas à

proteção dos dados e à privacidade, ao considerar inviolável o sigilo da

correspondência e das comunicações telegráficas, telefônicas ou de dados (art. 5º,

inciso XII); instituir a ação de habeas data, que assegura o direito de acesso às

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informações que constam dos bancos de dados e, ainda, direito de retificação dos

dados pessoais (Art. 5º, LXXII); e proibir a invasão de domicílio (art. 5º, inciso XI)251.

O Código Civil estabelece, em seu artigo 21, que a vida privada da pessoa é

inviolável, e o juiz, a requerimento de qualquer interessado, poderá adotar as

providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário às normas

previstas.

Já, o Código de Defesa do Consumidor destinou uma seção específica ao

regramento do funcionamento dos bancos de dados e cadastros de consumidores -

Seção VI – Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores (artigos 43 e 44).

Estabelece o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor que o consumidor “terá

acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e

de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes”

(artigo 43, caput) e, ainda, que “os cadastros e dados de consumidores devem ser

objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo

conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos (artigo 43, §

1°)”. O parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal, determina, por sua vez, que

“a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser

comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”, sendo

entendido também que a transferência de dados a um terceiro constituiria a abertura

de um novo cadastro.

Vale destacar, também, a Portaria n. 5, de 27 de agosto de 2002, do Ministério da

Justiça, que estabelece ser abusiva qualquer cláusula inserida nos contratos de

fornecimento de produtos e serviços que: “imponha ao consumidor, nos contratos de

adesão, a obrigação de manifestar-se contra a transferência, onerosa ou não, para

251 Constituição Federal: Art. 5º, inciso XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Art. 5º, inciso LXXII: conceder-se-á "habeas-data": a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Art. 5º, inciso XI: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

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terceiros, dos dados cadastrais confiados ao fornecedor” ou que “autorize o

fornecedor a investigar a vida privada do consumidor”.

Destaca-se, ainda, a Lei n. 12.414/2011, que disciplina a formação e consulta a

bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de

pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, conhecida como “Lei do

Cadastro Positivo”. Esta norma é aplicada em conjunto com o Código de Defesa do

Consumidor, conforme expresso no seu artigo primeiro.

Deste modo, a Lei n. 12.414/2011 regula a formação de banco de dados referente

ao adimplemento dos consumidores, ou seja, é voltada para análise de crédito dos

consumidores, e disciplina a necessidade de autorização prévia do consumidor para

a abertura desse cadastro. Assim dispõe o artigo 4º da mencionada norma: “a

abertura de cadastro requer autorização prévia do potencial cadastrado mediante

consentimento informado por meio de assinatura em instrumento específico ou em

cláusula apartada”.

Nota-se claramente a preocupação do legislador brasileiro com o direito do

consumidor à informação sobre a captação de seus dados para a abertura e

formação de cadastro e/ou banco de dados.

Por fim, destacamos a Lei n. 12.965/14, Marco Civil da Internet, que define os

princípios para uso da rede, os direitos e os deveres de usuários e de provedores de

serviços de conexão e aplicativos na Internet, bem como traz regras específicas

para o tratamento dos dados pessoais coletados na Internet, conforme veremos.

O Marco Civil da Internet prevê, no seu artigo 3º, inciso III, como princípios do uso

da Internet no Brasil, a “proteção da privacidade” e a “proteção dos dados pessoais,

nos termos da lei”, o que demostra, mais uma vez, a preocupação constante do

legislador com o tema. Em seguida, o artigo 7º do Marco Civil da Internet prevê

alguns direitos que são assegurados aos usuários no tocante ao tratamento dos

dados pessoais, os quais devem ser observados em toda relação jurídica ocorrida

no meio digital.

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Os primeiros direitos assegurados aos internautas referem-se à inviolabilidade da

intimidade e da vida privada do usuário, bem como sua proteção e indenização pelo

dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 7º, inciso I); e a

inviolabilidade e sigilo das comunicações privadas realizadas no mundo virtual,

devendo ser reveladas somente mediante ordem judicial (artigo 7º, inciso IIII).

Também, destaca-se a vedação de fornecimento a terceiros de dados pessoais e

registros eletrônicos dos usuários, incluindo registros de conexão e de acesso a

aplicações de Internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado do

próprio usuário (artigo 7º, inciso VII). Os dados pessoais dos usuários devem ser

mantidos em sigilo e somente poderão ser transmitidos a terceiros mediante prévia

autorização.

Outro direito assegurado aos usuários decorre da obrigação dos prestadores de

serviços na Internet e de sites de comércio eletrônico fornecerem informações claras

e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus

dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que justifiquem

sua coleta, não sejam vedadas pela legislação, e estejam especificadas nos

contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de Internet

(artigo 7º, inciso VIII).

Vale destacar, ainda, a necessidade de obter consentimento expresso dos usuários

sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de seus dados pessoais, o que

deverá estar de forma destacada das demais cláusulas inseridas nos termos de uso

dos sites ou nos contratuais realizados no meio virtual (artigo 7º, inciso IX).

O Marco Civil da Internet prevê, também, que os usuários terão o direito à exclusão

definitiva dos seus dados pessoais fornecidos à determinada aplicação da Internet,

após o término da relação entre as partes, salvo hipóteses de guarda obrigatória

previstas em Lei (artigo7º, inciso X). A guarda e a disponibilização dos registros

eletrônicos dos usuários bem como de dados pessoais e do conteúdo de

comunicações privadas devem atender à preservação da intimidade, da vida

privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas na

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relação virtual (artigo 10). Além disso, é vedada a guarda de dados pessoais que

sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo

seu titular (artigo 16, inciso II).

Pelas regras acima descritas, fica claro que a coleta de dados pessoais e o uso que

se fará dos dados precisam ser informados previamente ao usuário e os dados

coletados só poderão ser utilizados para aquele fim informado e não poderão ser

repassados a terceiros sem o prévio consentimento do usuário.

Passaremos a analisar alguns casos específicos referentes ao cadastro dos

consumidores e à utilização dos dados coletados. A coleta de dados pessoais para

formação de cadastros, fichas, registros e dados pessoais e/ou de consumo deve

ser regida pela garantia de informação ao consumidor, conforme previsão do

Código de Defesa do Consumidor. Portanto, os consumidores devem ser

devidamente informados sempre que houver a criação de registro de seus dados

ou captação de informações referentes às atividades desenvolvidas por ele.

A questão da utilização de dados do consumidor para a formação de cadastros com

seus hábitos de consumo para utilização em estratégias de marketing tem sido muito

discutida, especialmente por conta das inovações tecnológicas que permitem aos

fornecedores obterem e armazenarem esses dados sem conhecimento dos clientes.

Há muitos que defendem que não há qualquer problema em se usar os dados

referentes a hábitos de consumo de um cliente para oferecer a ele promoções e

vantagens, sendo que esse tipo de ação beneficiaria tanto o fornecedor, como o

próprio consumidor.

No entanto, as autoridades de defesa do consumidor, de uma maneira geral, ainda

são avessas a esse tipo de prática e defendem que qualquer cadastro de

consumidor só pode ser efetuado com o seu conhecimento. Esse entendimento está

baseado no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, artigo 43, § 2º do Código de

Defesa do Consumidor e artigo 7º, IX da Lei nº 12.965/2014, bem como na

percepção de que a transferência de dados pode afetar a segurança do consumidor,

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pois pode acabar resultando no seu uso indevido, além de estimular o consumo

excessivo e o endividamento.

O monitoramento dos hábitos de consumo, embora seja realmente uma prática

bastante comum, é considerada pelas autoridades de defesa do consumidor como

uma prática abusiva, a não ser que haja a ciência prévia do consumidor acerca da

formação do cadastro e sua utilidade. Além disso, há a interpretação de que, mesmo

autorizado o cadastro, ele só poderia ser utilizado em um contexto de pertinência

com o propósito para o qual ele foi efetuado, sendo vedada sua transferência a

terceiros, pois isso equivaleria a uma nova abertura de cadastro.

Cumpre ressaltar que, de acordo com o artigo 43, § 2º do Código de Defesa do

Consumidor, o consumidor tem que concordar com a inscrição de seus dados no

cadastro da empresa, porém, mais do que isso, o consumidor tem que ter clara

ciência da razão da abertura do cadastro e de sua destinação, devendo concordar

expressamente com elas. Assim, aquele que divulgar o cadastro de dados de

consumidor sem a anuência deste para tanto responderá por eventuais danos

morais ou materiais.

O jurista Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim destacou a nocividade do

fornecimento desregrado dos cadastros dos consumidores, ao declarar que:

[...] o mau funcionamento dos arquivos de consumo ameaça, primeiramente, o direito à privacidade, por que cada indivíduo pode clamar, na esteira da elaboração mais ampla dos direitos da personalidade. Tanto mais quanto às instituições financeiras, em que avulta a questão do sigilo bancário, ainda não enfrentada adequadamente em relação a esses arquivos. Tais serviços funcionam pelo fornecimento de dados de consumidores a terceiros, participantes ou não da operação creditícia, toda ela normalmente coberta pelo sigilo constitucional.252

Outra questão que se apresenta é o compartilhamento de dados com terceiros e

empresas do mesmo grupo econômico. Qualquer utilização diversa daquela

inicialmente informada dos dados dos consumidores deve ser devidamente

informada ao titular dessas informações de acordo com os princípios

252 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 417.

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constitucionais e basilares da defesa do consumidor. Assim, ao disponibilizar

qualquer tipo de serviço ou de aplicação, as empresas deverão informar o

consumidor de forma adequada, clara e inequívoca acerca do uso que fará das

informações obtidas, incluindo se pretende compartilhar tal informação com

terceiros, de forma transparente, dando-se ao consumidor a oportunidade de

aceitar ou não o uso e compartilhamento desses dados, o que vem sendo feito por

meio do uso da ferramenta do opt-in.

O ato de transferir, de forma onerosa ou não, os dados do consumidor para

fornecedor distinto daquele para quem os dados foram confiados equivale à abertura

de um novo cadastro, devendo o consumidor ser comunicado por escrito (artigo 43,

§ 2º). Apesar de o Código de Defesa do Consumidor estabelecer a necessidade de

simples informação, sem necessidade de anuência, a interpretação que se faz

atualmente é de que não basta informar, é necessário que se tenha um

consentimento expresso. Importante frisar que não é permitido condicionar a relação

de consumo à autorização (eventualmente, por meio de cláusula em contrato de

adesão) para intercâmbio dos dados fornecidos pelo consumidor.

O compartilhamento entre empresas de um mesmo grupo econômico é um tema

delicado e gera divergência. No entanto, defendemos ser possível, pois há

entendimento de que o compartilhamento, neste caso, não configura transferência

do banco de dados a terceiros. Por outro lado, o compartilhamento da base de

dados com terceiros que não fazem parte do mesmo grupo econômico deve ser

devidamente informado ao consumidor, pois esse tipo de transferência de dados

deve necessariamente ser previamente autorizada por ele.

O PROCON/SP já manifestou o seguinte entendimento com relação ao

armazenamento e ao compartilhamento de dados dos consumidores:

Os fornecedores podem armazenar e compartilhar dados a meu respeito sem meu conhecimento? Não. Você deve ser comunicado, por escrito, sobre o armazenamento de informações a seu respeito. O responsável pelo arquivo deve assegurar o seu acesso às informações armazenadas e permitir a retificação de dados incorretos e/ou a supressão daqueles que se mostrem excessivos considerando as finalidades para as quais foi constituído o arquivo. O compartilhamento de dados com terceiros somente pode ser admitido quando atender à finalidade de uma relação concreta de

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consumo (cessão de dados pelos serviços de proteção ao crédito para balizar a contratação de produto ou serviço pelo consumidor, cessão de dados para empresa responsável pela entrega de produtos ao consumidor). A cessão de dados para empresas alheias à relação de consumo deve ocorrer somente com a expressa autorização do consumidor253.

Neste sentido, o fornecedor responde pela coleta e pela conservação das

informações armazenadas, devendo, assim, restringir a coleta aos dados que se

mostrem pertinentes ao contexto da relação de consumo e manter o arquivo

protegido do acesso de terceiros.

Outro caso concreto que destacamos refere-se à possibilidade de o fornecedor

virtual enviar diretamente ao consumidor informações e publicidade sobre seus

produtos e serviços. Qualquer fornecedor somente pode enviar ao consumidor

informações de uma oferta, desde que referido consumidor tenha autorizado

previamente o envio de correspondência e/ou publicidade. Esta regra também deve

ser observada no meio eletrônico.

Dessa forma, considerando as peculiaridades do ambiente digital e visando obter o

consentimento do consumidor para o envio de informações e publicidades

direcionadas, os sites de comércio eletrônico estão utilizando o formato opt in para

criação de cadastro de dados e envio de ofertas para o consumidor. O objetivo do

opt in é o de comunicar previamente ao consumidor e obter o seu consentimento

expresso.

No tocante à comunicação com o consumidor para oferta de produtos e serviços,

importante lembrar que alguns estados brasileiros possuem legislação referente ao

cadastro para bloqueio de recebimento de ligações de telemarketing, a exemplo do

Estado de São Paulo – Lei n. 13.226/2008 e Decreto n. 53.921/2008.

Assim sendo, para os casos de contato via telemarketing, os fornecedores devem

verificar previamente se os consumidores efetuaram o bloqueio dos seus números

de telefone (fixo e/ou celular) para o recebimento de ligações de telemarketing. Caso

consumidor tenha efetuado o bloqueio, as empresas de telemarketing, os

253 Disponível em: <https://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=765>. Acesso em: 7 nov. 2014.

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estabelecimentos que se utilizarem desse serviço ou as pessoas físicas contratadas

com tal propósito não poderão efetuar ligações telefônicas direcionadas ao

correspondente número, salvo se comprovarem a existência de prévia autorização

do titular da linha.

Por fim, ressalta-se que a proteção de dados pessoais é objeto de vários projetos de

lei em trâmite no Congresso Nacional, uma vez que é um tema de extrema

relevância para a proteção da privacidade e constantes debates na sociedade.

Destacamos o Projeto de Lei do Senado n. 281/2012, que trata da reforma do

Código de Defesa do Consumidor e o Anteprojeto de Lei para a Proteção de Dados

Pessoais do Ministério da Justiça.

O Projeto de Lei do Senado n. 281/2012 acrescenta no rol dos direitos básicos dos

consumidores, previsto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, “a

privacidade e a segurança das informações e dados pessoais prestados ou

coletados, por qualquer meio, inclusive o eletrônico, assim como o acesso gratuito

ao consumidor a estes e suas fontes”. Além disso, o referido projeto de lei

estabelece algumas regras específicas quanto ao tratamento dos dados pessoais

dos consumidores, que serão analisadas mais adiante, juntamente com os demais

dispositivos desse projeto de reforma do Código de Defesa do Consumidor.

O Anteprojeto de Lei sobre Proteção de Dados Pessoais, de iniciativa do Ministério

da Justiça, tem por objetivo estabelecer um marco regulatório adequado para a

proteção de dados pessoais no ordenamento jurídico brasileiro. Assim estabelece o

artigo 1º do Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais:

Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade, intimidade e privacidade da pessoa natural.

Assim como acontece em relação à regulamentação do Marco Civil da Internet, o

Ministério da Justiça também disponibilizou um debate público sobre o anteprojeto

de lei de proteção de dados pessoais. O texto apresentado para discussão é

resultado de um debate público promovido pelo Ministério da Justiça, em parceria

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187

com o Observatório Brasileiro de Políticas Digitais do Comitê Gestor da Internet no

Brasil254.

Destacamos os princípios previstos no texto anteprojeto de lei de proteção de dados

pessoais, como norteadores para coleta e uso de dados pessoais nos meios

eletrônicos:

(i) princípio da finalidade: a coleta de dados pessoais e o tratamento devem ser

restritos às finalidades determinadas, explícitas e conhecidas do titular;

(ii) princípio da adequação: o tratamento dos dados deve ser compatível finalidades

almejadas e com as legítimas expectativas do titular, de acordo com o contexto do

tratamento;

(iii) princípio da necessidade: o tratamento dos dados deve ser limitado ao mínimo

necessário para a realização das finalidades informadas;

(iv) princípio do livre acesso: deve ser garantida a consulta facilitada e gratuita, pelo

titular, sobre as modalidades de tratamento e integridade de seus dados pessoais;

(v) princípio da qualidade dos dados: deve ser garantida a exatidão e clareza dos

dados pessoais objeto de tratamento, e atualização realizada segundo a

periodicidade necessária para o cumprimento da finalidade de seu tratamento;

(vi) princípio da transparência: deve ser garantido ao titular informações claras e

adequadas sobre o tratamento;

(vii) princípio da segurança: o responsável pelo tratamento de dados deve utilizar

medidas técnicas e administrativas proporcionais e aptas a proteger os dados

pessoais de perda, situações acidentais ou ilícitas, ou do acesso não autorizado;

(viii) princípio prevenção: devem ser adotadas medidas capazes de prevenir a

ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais; e

(ix) princípio da não discriminação: o tratamento não pode ser realizado para fins

discriminatórios.

O texto ainda destaca que o tratamento de dados pessoais somente poderá ocorrer

após o consentimento livre, expresso e informado do titular, que poderá ser dado por

254 Debate público e texto do anteprojeto de lei da proteção de dados pessoais disponíveis em http://participacao.mj.gov.br/dadospessoais/texto-em-debate/anteprojeto-de-lei-para-a-protecao-de-dados-pessoais/. Acesso em: 02 mar. 2015.

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escrito ou por outro meio que o certifique. Ademais, segue especificando as

informações a serem prestadas aos titulares e as regras para o tratamento dos

dados pessoais coletados. Quem utilizar os dados pessoais de um usuário não

poderá destiná-los a qualquer fim que não esteja explícito em contrato. A permissão

para outros tipos de uso terá que estar explícita ao titular dos dados. Será vedado o

uso de dados pessoais obtidos por erro, dolo, coação e lesão.

Assim, verifica-se que existe uma tendência de vir a ser editada legislação que

consolidará o entendimento majoritário já existente de que:

(i) O consumidor deve ser informado da abertura de cadastro com seus dados

pessoais, bem como de qual isso será feito desse cadastro;

(ii) para que se use os dados pessoais para fins comerciais, deverá haver prévia e

expressa autorização do consumidor (opt in), sendo que, a qualquer momento, o

consumidor pode solicitar que o fornecedor cesse o envio das comunicações;

(iii) o compartilhamento dos dados do consumidor só é permitido entre empresas do

mesmo grupo econômico, sendo vedada a transferência gratuita ou onerosa a

terceiros, a não ser mediante prévia e expressa autorização do titular dos dados.

4.10 PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL N. 281/2012 –

PROJETO DE ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR PARA O COMÉRCIO ELETRÔNICO

Tendo em vista as mudanças ocorridas no cenário brasileiro, após a edição do

Código de Defesa do Consumidor em 1990, especialmente no tocante às novas

técnicas de contratação por meios eletrônicos e os problemas surgidos nas relações

modernas de consumo, o Senado Federal nomeou, em dezembro de 2010, uma

comissão de juristas para atuarem na atualização do Código de Defesa do

Consumidor. Dentre os temas inseridos nas propostas de atualização, destaca-se o

comércio eletrônico.

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A comissão de juristas foi formada por cinco respeitados especialistas em Direito do

Consumidor no Brasil, tendo sido presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de

Justiça Antônio Herman Benjamin, um dos mais ativos redatores da versão original

do Código de Defesa do Consumidor, e, tendo como membros, Claudia Lima

Marques, Ada Pellegrini Grinover, Leonardo Roscoe Bessa, Roberto Pfeiffer e Kazuo

Watanabe.

As atualizações do Código de Defesa do Consumidor, propostas pela comissão de

juristas, tratavam sobre três temas específicos e, por conseguinte, foram

transformadas em três projetos de lei, no Senado Federal: Projeto Lei n. 281/2012, o

qual trata do comércio eletrônico; Projeto Lei n. 282/2012, que regulamenta as ações

coletivas; e o Projeto Lei n. 283/2012, que aborda o tema do superendividamento.

Segundo o Relatório de Atualização do Código de Defesa do Consumidor elaborado

pela comissão de juristas255, foram três os principais fundamentos teórico-práticos

que serviram de orientação para a atualização do Código de Defesa do Consumidor:

(i) as mudanças recentes e profundas na sociedade brasileira, principalmente

considerando as novas técnicas de contratação, como o comércio eletrônico, acesso

ao crédito por camadas da população que antes estavam excluídas e novos desafios

de acesso à justiça;

(ii) proibição do retrocesso, na medida em que, sendo a defesa do consumidor um

direito fundamental, garantido constitucionalmente, necessita ser mantida com a

proteção do princípio do retrocesso; por fim,

(iii) evitar a fragmentação normativa e garantir a centralidade do Código de Defesa

do Consumidor como microssistema unificado, razão pela qual a comissão de

juristas decidiu por sugerir alterações no próprio texto do Código de Defesa do

Consumidor, de forma mais genérica e, sobretudo, principiológica.

No que se refere especificamente ao comércio eletrônico, não obstante todo o

regramento já existente no Código de Defesa do Consumidor para proteger a parte

255 BRASIL. Senado Federal. Relatório-Geral: Comissão de juristas de Atualização do Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado Federal, 2012. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/codconsumidor/pdf/extrato_relatorio_final.pdf. Acesso em: 25 maio. 2014.

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mais frágil da relação de consumo, observa-se uma necessidade de regulamentar,

com mais precisão, as relações comerciais entre fornecedor e consumidor na

Internet, prevendo regras específicas para a proteção dos consumidores no âmbito

do comércio eletrônico dentro do próprio Código de Defesa do Consumidor, em

razão da expressiva utilização do ambiente virtual. Se, à época da promulgação do

Código de Defesa do Consumidor, o comércio eletrônico nem sequer existia,

atualmente é o meio de fornecimento a distância mais utilizado pela sociedade

consumerista. Portanto, sendo aprovado o Projeto de Lei n. 281/2012, será

acrescida ao Código de Defesa do Consumidor, no Capítulo V, a Seção VII – Do

Comércio Eletrônico.

Assim sendo, passaremos a analisar algumas disposições e os impactos do Projeto

de Lei n. 281/2012256, que trata do objeto do nosso estudo: o comércio eletrônico. A

“Seção VII – Do Comércio Eletrônico”, acrescenta os artigos 44-A, 44-B, 44-C, 44-D,

44-E, 44-F e 44-G, e, ainda, altera o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

O primeiro artigo da “Seção VII – Do Comércio Eletrônico”, previsto no Projeto de Lei

281/2012, estabelece os objetivos da nova regulamentação, como se vê:

Art. 44-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico e à distância, visando fortalecer a sua confiança e assegurar a tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais.

Conforme se depreende da redação do artigo em comento, a nova seção inserida no

Código de Defesa do Consumidor não se aplica somente ao comércio eletrônico,

mas também a todos os fornecedores que utilizarem o comércio a distância para

oferta, comunicação, prestação ou fornecimento de seus produtos e serviços.

As novas regras para o comércio eletrônico e a distância têm por objetivo primordial

fortalecer a confiança do consumidor para a realização de suas compras por meio

256 Como referência, utilizamos o texto do Projeto Lei 281/2012, extraído do Relatório do Senador Ricardo Ferraço, que passa a constituir o Parecer da CCJ favorável ao Projeto Lei 281/2012, nos termos da Emenda n° 36-CCJ (Substitutivo), aprovado em 02 set. 2015, disponível em http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=177853&tp=1. Acesso em 20 out. 2015.

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eletrônico, por meio de transações transparentes e seguras, e assegurar a tutela

efetiva do consumidor, na medida em que prevê que o fornecimento de produtos e

serviços no ambiente virtual deverá ser desenvolvido observando os seguintes

aspectos: diminuição da disparidade de informações entre fornecedor e consumidor

no que se refere às informações dos produtos e serviços; segurança nas transações

comerciais, garantido a proteção de dados dos consumidores; respeito à

autodeterminação do consumidor no tocante à disponibilização e uso de suas

informações pessoas; e respeito à privacidade do consumidor.

O artigo 44-B257 do Projeto Lei n. 281/2014 impõe o reforço do dever de informação

do fornecedor ao especificar as informações que os fornecedores devem

disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, nos sítios eletrônicos ou

nos demais meios utilizados para a oferta ou a conclusão do contrato de consumo,

assim como nas comunicações remetidas aos consumidores, para que estes

possam encontrar e localizar o fornecedor com facilidade, caso deseje ou precise

entrar em contato com ele.

Este artigo traz praticamente as mesmas disposições previstas no artigo 2° do

Decreto n. 7.962/2013, já analisadas acima, no tocante à disponibilização das

informações referentes à identificação do fornecedor, como CNPJ e endereço para

sua localização, bem como informações sobre as características dos produtos e

serviços, o que inclui preço, forma de pagamento, entrega e disponibilidade de

estoque. A única inovação refere-se à determinação de o fornecedor informar o

prazo de validade da oferta e do preço anunciado nos meios eletrônicos.

257 Art. 44‐B. Sem prejuízo do disposto neste Código, os sítios eletrônicos, demais meios eletrônicos ou as comunicações remetidas ao consumidor, utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, dentre outras, as seguintes informações: I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; II – endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; III – discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega; IV – condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto ou serviço; V – características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à

segurança dos consumidores; VI – prazo da validade da oferta, inclusive do preço; VII ‐ informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.

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Conforme já explanado neste trabalho, a ampla informação é fundamental nas

contratações efetuadas pela Internet, para que o consumidor possa ter acesso aos

dados essenciais do produto ou do serviço e, assim, fazer sua opção de compra

consciente. É uma forma de garantir maior transparência e equilíbrio às relações

comerciais entre fornecedor e consumidor virtual. Segundo esclarece Antonia

Espíndola Longoni Klee, “o artigo 44-B tem como inspiração a cláusula geral da boa-

fé e o dever de informar do fornecedor. É a informação qualificada que o fornecedor

deve prestar ao consumidor, para dar segurança ao negócio que será firmado entre

as partes”.258

Em seguida, o projeto de lei traz, em seu artigo 44-C259, regras específicas para

ofertas de compras coletivas nos sítios eletrônicos e demais meios eletrônicos. Este

dispositivo continua impondo ao fornecedor que atua no meio eletrônico e similar

diversas obrigações no tocante às informações que devem ser apresentadas sobre

os produtos e serviços ofertados. Neste aspecto, também encontramos similaridade

com as disposições previstas no artigo 3°, do Decreto n. 7.962/201 quanto à

necessidade de informar: a quantidade mínima de consumidores para a efetivação

do negócio; o prazo para utilizar a oferta pelo consumidor; e a identificação do

fornecedor responsável pelo sítio eletrônicos e do fornecedor do produto ou serviço

ofertado.

A novidade prevista no Projeto Lei n. 281/2012 está, entretanto, no parágrafo único

do artigo 44-C, que assim determina: “O fornecedor de compras coletivas, como

intermediador legal do fornecedor responsável pela oferta do produto ou serviço,

responde solidariamente pela veracidade das informações publicadas e por

eventuais danos causados ao consumidor”. Essa previsão da responsabilidade

solidária entre o fornecedor de compras coletivas e o fornecedor responsável pela

258 KLEE, Antonia Espíndola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 264. 259 Art. 44-C. Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação deverão conter, além das informações previstas no art. 44-B, as seguintes: I - quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato; II - prazo para utilização da oferta pelo consumidor; III - identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado. Parágrafo único. O fornecedor de compras coletivas, como intermediador legal do fornecedor responsável pela oferta do produto ou serviço, responde solidariamente pela veracidade das informações publicadas e por eventuais danos causados ao consumidor.

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oferta do produto ou serviço, vai além do previsto no artigo 3° do Decreto n.

7.962/2013 e representa um grande avanço para regulamentar o setor. A

responsabilidade solidária, na hipótese prevista, recai sobre a veracidade das

informações publicadas nos sites de compras coletivas e por eventuais danos

causados ao consumidor em razão das informações veiculadas.

Neste sentido, a responsabilidade solidária será importante para impor ao site

intermediador o interesse em somente anunciar os produtos e serviços de forma

veraz, confrontando o fornecedor caso observe alguma incoerência nas informações

fornecidas. É mais uma forma de proteger o consumidor contra práticas enganosas

e abusivas e, ainda, contra produtos e serviços nocivos e perigosos à saúde.

Continuando a análise das disposições do projeto de lei referente ao comércio

eletrônico, o artigo 44-D prevê algumas regras referentes à contratação no meio

digital e as informações que os fornecedores devem disponibilizar para facilitar o

atendimento do consumidor, evidenciando a proteção da confiança no comércio

eletrônico.

Novamente identificamos a proximidade das redações dos incisos do artigo 44-D260,

do Projeto Lei n. 281/2012 com as disposições do artigo 4°, do Decreto n.

7.962/2013. Observa-se como principais obrigações do fornecer no meio eletrônico,

impostas pela proposta do artigo 44-D do Projeto Lei n. 281/2012, a necessidade de

apresentação do sumário do contrato; manter serviço de atendimento ao

260 Art. 44-D. É obrigação do fornecedor que utilizar o meio eletrônico ou similar: I – apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, destacadas as cláusulas que limitem direitos; II – manter disponível serviço adequado, facilitado e eficaz de atendimento, tal como o meio eletrônico ou telefônico, que possibilite ao consumidor enviar e receber comunicações, inclusive notificações, reclamações e demais informações necessárias à efetiva proteção dos seus direitos; III – confirmar imediatamente o recebimento de comunicações relevantes, como a manifestação de arrependimento e cancelamento do contrato, utilizando o mesmo meio empregado pelo consumidor ou outros costumeiros; IV – assegurar ao consumidor os meios técnicos adequados, eficazes e facilmente acessíveis que permitam a identificação e correção de eventuais erros na contratação, antes de finalizá-la, sem prejuízo do posterior exercício do direito de arrependimento; V – utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor; VI – informar aos órgãos de defesa do consumidor e ao Ministério Público, sempre que requisitado, o nome e endereço eletrônico e demais dados que possibilitem o contato do provedor de hospedagem, bem como dos seus prestadores de serviços financeiros e de pagamento; VII – informar imediatamente às autoridades competentes e ao consumidor sobre o vazamento de dados ou comprometimento, mesmo que parcial, da segurança do sistema.

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consumidor; assegurar meios técnicos adequados para identificação e correção de

eventuais erros na contratação, antes de finalizá-la, sem prejuízo do posterior

exercício do direito de arrependimento; utilizar mecanismos de segurança eficazes

para pagamento e tratamento de dados dos consumidores; informar aos órgãos de

defesa do consumidor e ao Ministério Público, sempre que requisitado, dados do

provedor de hospedagem, bem como dos seus prestadores de serviços financeiros e

de pagamento; informar às autoridades e aos consumidores eventuais falhas no

sistema de segurança de dados, o que reflete a preocupação do legislador de

proteger o consumidor em sua segurança e a proteção da integridade das

informações do consumidor.

O artigo 44-E261 do Projeto Lei 281/2012, na mesma linha do artigo antecedente,

prevê uma série de deveres de informação do fornecedor que oferece produtos e

serviços a distância, por meios eletrônicos e similares, no que se refere ao momento

da contratação. Assim, impõe que o fornecedor deve enviar ao consumidor os

seguintes documentos, que ofereçam as garantias de fidedignidade, de

inteligibilidade e de conservação dos dados contratuais: uma via do contrato, em

momento prévio à contratação; confirmação imediata do recebimento da aceitação

da oferta; uma via do contrato em suporte duradouro; e formulário ou link facilitado e

específico para o preenchimento do consumidor em caso de exercício do direito de

arrependimento.

O envio do contrato ao consumidor, em momento prévio a contratação, é uma forma

de assegurar o acesso do consumidor às informações necessárias sobre o produto

ou serviço que está contratado, para que possa fazer uma compra consciente. Uma

das novidades do projeto de lei, neste artigo ora em análise, refere-se ao formulário

ou link facilitado que deve ser enviado ao consumidor, como uma forma de

261 Art. 44‐E. Na contratação por meio eletrônico ou similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor: I – em momento prévio à contratação, o contrato, em língua portuguesa, em linguagem acessível e com fácil visualização em sua página; II – confirmação imediata do recebimento da aceitação da oferta; III – via do contrato em suporte duradouro, assim entendido qualquer instrumento, inclusive eletrônico, que ofereça as garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação dos dados contratuais, permitindo ainda a facilidade de sua reprodução; IV – formulário ou link facilitado e específico para preenchimento do consumidor em caso de exercício do direito de arrependimento. Parágrafo único. Caso a confirmação e o formulário previstos nos incisos II e IV não tenham sido enviados pelo fornecedor, o prazo previsto no caput do art. 49 deverá ser ampliado por mais quatorze dias.

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assegurar o exercício do direito de arrependimento. Encontramos muitas

reclamações de consumidores que não conseguem ter acesso, nos sites de

comércio eletrônico, às informações necessárias para exercer seu direito de

arrependimento. Essa alteração inserida no artigo 44-E pretende justamente garantir

o efetivo exercício do direito de arrependimento pelo consumidor do meio digital.

Outra grande inovação trazida pelo Projeto Lei 281/2012 está prevista no artigo 44-

F, o qual abarca a prática conhecida como spam, que consiste na conduta de enviar

mensagens não solicitadas, geralmente publicitárias, por correio eletrônico, a

diversos destinatários, conforme já mencionada neste estudo. O artigo 44-F do

referido projeto de lei proíbe expressamente o envio de mensagem eletrônica não

solicitada em determinados casos específicos e, ainda, estipula algumas regras para

o regular envio de mensagens publicitárias aos consumidores, conforme se

depreende a leitura do mencionado dispositivo.

Art. 44-F. É vedado ao fornecedor de produto ou serviço enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que: I – não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio e expresso em recebê-la; II – esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta; III – tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la. § 1º Se houver prévia relação de consumo entre o remetente e o destinatário, admite-se o envio de mensagem não solicitada, desde que o consumidor tenha tido oportunidade de recusá-la. § 2º O fornecedor deve informar ao destinatário, em cada mensagem enviada: I – o meio adequado, simplificado, seguro e eficaz que lhe permita, a qualquer momento, recusar, sem ônus, o envio de novas mensagens eletrônicas não solicitadas; II – o modo como obteve os dados do consumidor. § 3º O fornecedor deve cessar imediatamente o envio de ofertas e comunicações eletrônicas ou de dados a consumidor que manifestou a sua recusa em recebê-las. § 4º Para os fins desta seção, entende-se por mensagem eletrônica não solicitada a relacionada à oferta ou publicidade de produto ou serviço e enviada por correio eletrônico ou meio similar. § 5º É também vedado: I – remeter mensagem que oculte, dissimule ou não permita de forma imediata e fácil a identificação da pessoa em nome de quem é efetuada a comunicação e a sua natureza publicitária; II – veicular, exibir, licenciar, alienar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular. § 6º Na hipótese de o consumidor manter relação de consumo com fornecedor que integre um conglomerado econômico, o envio de mensagens por qualquer sociedade que o integre não se insere nas vedações do caput do presente artigo, desde que o consumidor tenha tido oportunidade de recusá-la e não esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta.

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§ 7º A vedação prevista no inciso II, do § 5º, não se aplica aos fornecedores que integrem um mesmo conglomerado econômico.

Observa-se uma nítida intenção de preservar o consumidor dos abusos publicitários

empregados pelos fornecedores que, constantemente, enviam dezenas de e-mails

ou mensagens via aparelho celular aos consumidores com informações meramente

comerciais ou promocionais, causando grande incômodo aos seus receptores.

O regramento do Projeto de Lei 281/2012 consagra como, regra geral, o sistema opt

in para envio de mensagem, na medida em que parte do pressuposto de que é

vedado o envio de mensagens eletrônicas sem o consentimento ou a solicitação

prévia do consumidor, fazendo algumas ressalvas. Conforme nos ensina Fabiano

Menke, de acordo com o sistema opt in, “o envio de mensagens eletrônicas só é

permitido se o consumidor expressamente optar por recebê-las”262. Portanto, o

consumidor somente poderá receber a mensagem eletrônica quando solicitar ou

autorizar expressamente, ou ainda, se houver prévia relação de consumo entre o

remetente e o destinatário e o consumidor tenha tido oportunidade de recusar a

mensagem eletrônica.

O artigo também determina, dentre outras obrigações expressas, que o fornecedor

deve interromper imediatamente o envio de ofertas e de comunicações eletrônicas

ou de dados quando o consumidor manifestar a sua recusa em recebê-las a

qualquer momento.

O §4º do mencionado artigo traz o conceito de mensagem eletrônica para fins de

aplicação das regras previstas. Segundo Fernando Menke, este dispositivo tem o

intuito de evitar exageros, a fim de que não seja considerada spam mensagem com

conteúdo que não tenha relação com publicidade ou oferta de produto ou serviço,

como no caso de mensagens que alertem sobre eventuais fraudes de segurança ou

262 MENKE, Fabiano. Apontamentos sobre o comércio eletrônico no direito brasileiro. In: COELHO, Fábio Ulhoa (Coord.). Questões de direito comercial no Brasil e em Portugal. São Paulo: Saraiva: 2014, p. 359.

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sobre outras informações relevantes, por exemplo garantia de produto ou serviço,

havendo ou não relação anterior entre fornecedor e destinatário263.

Por sua vez, o §5º do mencionado dispositivo proíbe o fornecedor das seguintes

ações, a saber, (i) remeter mensagem que oculte ou dificulte a identificação da

empresa anunciante, bem como da natureza publicitária da mesma, ou seja, o

consumidor deve ser capaz de entender que se trata de uma mensagem publicitária

e em nome de que pessoa é efetuada; e (ii) divulgar, de qualquer forma,

informações e dados pessoais dos consumidores, sem a expressa autorização e

consentimento informado do seu titular.

O artigo 44-G264 determina que o fornecedor somente poderá exigir do consumidor

informações indispensáveis para a conclusão do contrato eletrônico. Qualquer outra

informação terá o caráter facultativo e o fornecedor assim deverá informar

previamente o consumidor. Por informações indispensáveis, podemos entender

somente aquelas necessárias para identificação do consumidor, local de entrega da

mercadoria adquirida ou do serviço a ser prestado e dados referentes ao

pagamento.

Por fim, citaremos brevemente, as significativas mudanças previstas nas alterações

propostas para o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor que prevê o direito

do arrependimento. O Projeto de Lei n. 281/2012 amplia o direito de arrependimento

pelo consumidor para contemplar os contratos celebrados à distância, entendidos

como aqueles celebrados sem a presença física simultânea do consumidor e

fornecedor, incluindo contratos em domicílio, por telefone, reembolso postal, por

meio eletrônico ou similar. E, ainda, contempla a contratação que embora realizada

no estabelecimento, o consumidor não teve a oportunidade de conhecer

previamente o produto ou serviço, ou seja, como o consumidor não pôde testar,

263 MENKE, Fabiano. Apontamentos sobre o comércio eletrônico no direito brasileiro. In: COELHO, Fábio Ulhoa (Coord.). Questões de direito comercial no Brasil e em Portugal. São Paulo: Saraiva: 2014, p. 360. 264 Art. 44-G. Na oferta de produto ou serviço por meio da rede mundial de computadores (internet) ou qualquer modalidade de comércio eletrônico, somente será exigida do consumidor, para a aquisição do produto ou serviço ofertado, a prestação das informações indispensáveis à conclusão do contrato. Parágrafo único. Quaisquer outras informações, além das indispensáveis, terão caráter facultativo, devendo o consumidor ser previamente avisado dessa condição.

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verificar, apreciar pessoalmente o produto, poderá também exercer o direito de

arrependimento.

Art. 49. O consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceitação da oferta, do recebimento ou da disponibilidade do produto ou serviço, o que ocorrer por último. § 1º [...] § 2º Por contratação a distância entende-se aquela efetivada fora do estabelecimento, ou sem a presença física simultânea do consumidor e fornecedor, especialmente em domicílio, por telefone, reembolso postal, por meio eletrônico ou similar. § 3º Equipara-se à modalidade de contratação prevista no § 2º deste artigo aquela em que, embora realizada no estabelecimento, o consumidor não teve a prévia oportunidade de conhecer o produto ou serviço, por não se encontrar em exposição ou pela impossibilidade ou dificuldade de acesso a seu conteúdo. § 4º A desistência formalizada dentro do prazo previsto no caput implica na devolução do produto com todos os acessórios recebidos pelo consumidor e nota fiscal. § 5º Caso o consumidor exerça o direito de arrependimento, incluindo retirada de recursos ou transação de financiamento, os contratos acessórios de crédito são automaticamente rescindidos, devendo ser devolvido ao fornecedor do crédito o valor total financiado ou concedido que lhe foi entregue, acrescido de eventuais juros incidentes até a data da efetiva devolução, tributos e tarifas, sendo estas cobradas somente quando aplicável. § 6º Sem prejuízo da iniciativa do consumidor, o fornecedor deve comunicar de modo imediato a manifestação do exercício de arrependimento à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, a fim de que: I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; II – seja efetivado o estorno do valor, caso a fatura já tenha sido emitida no momento da comunicação; III – caso o preço já tenha sido total ou parcialmente pago, seja lançado o crédito do respectivo valor na fatura a ser emitida posteriormente à comunicação. § 7º Se o fornecedor de produtos ou serviços descumprir o disposto no § 1º ou no § 6º, o valor pago será devolvido em dobro. § 8º O fornecedor deve informar, de forma prévia, clara e ostensiva, os meios adequados, facilitados e eficazes disponíveis para o exercício do direito de arrependimento do consumidor, que devem contemplar, ao menos, o mesmo modo utilizado para a contratação. § 9º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação individualizada e imediata do recebimento da manifestação de arrependimento. Art. 49-A. Sem prejuízo do direito de rescisão do contrato de transporte aéreo antes de iniciada a viagem (art. 740, § 3º do Código Civil), o exercício do direito de arrependimento do consumidor de passagens aéreas poderá ter seu prazo diferenciado, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma fundamentada das agências reguladoras. Parágrafo único. A regulamentação prevista no caput deverá ser realizada no prazo máximo de cento e oitenta dias após a entrada em vigor desta Lei.

Nessas alterações propostas no Projeto Lei n. 281/2912, também observamos

diversas similaridades com as disposições do artigo 5º do Decreto n. 7.692/2013.

Destaca-se que o cancelamento da compra decorrente do exercício do direito de

arrependimento pelo consumidor deve implicar o retorno ao status quo ante, de

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modo que o consumidor deve ter o seu dinheiro de volta, acrescido de eventuais

juros, e o fornecedor, por sua vez, deve ter o seu produto de volta nas mesmas

condições em que foi entregue ao consumidor, com todos os acessórios e nota

fiscal. O prazo de reflexão pelo consumidor permanece de sete dias, assim como já

previsto na atual redação do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, destaca-se a inserção do artigo 49-A, prevendo que as agências

reguladoras de transporte área poderão determinar, por meio de norma

fundamentada, prazo diferenciado para o exercício do direito de arrependimento do

consumidor de passagens aéreas.

As alterações propostas no Projeto de Lei n. 281/2012 têm como objetivo primordial

a efetiva proteção do consumidor no comércio eletrônico, abarcando alguns dos

principais entraves da relação de consumo via eletrônica. Tomado dessa finalidade,

acrescenta no capítulo das sanções do Código de Defesa do Consumidor alguns

atos que são considerados infrações relacionadas ao comércio eletrônico e a

proteção de dados pessoais dos usuários e, consequentemente, sanções a serem

aplicadas aos fornecedores, conforme segue abaixo. O projeto acrescenta outros

dispositivos e alterações referentes às sanções, entretanto fizemos a opção de

reproduzir somente aqueles relacionados diretamente ao comércio eletrônico.

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: [...] XIII – suspensão temporária ou proibição de oferta e de comércio eletrônico. Art. 59 [...] § 4º Caso o fornecedor por meio eletrônico ou similar descumpra a pena de suspensão ou de proibição de oferta e de comércio eletrônico, sem prejuízo de outras medidas administrativas ou judiciais de prevenção de danos, o Poder Judiciário poderá determinar, no limite estritamente necessário para a garantia da efetividade da sanção, que os prestadores de serviços financeiros e de pagamento utilizados pelo fornecedor, de forma alternativa ou conjunta, sob pena de pagamento de multa diária: I – suspendam os pagamentos e transferências financeiras para o fornecedor de comércio eletrônico; II – bloqueiem as contas bancárias do fornecedor. Art. 72-A. Veicular, exibir, licenciar, alienar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem a expressa autorização de seu titular e consentimento informado. Pena – Detenção, de três meses a um ano, e multa.

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Parágrafo único. Não constitui crime a prática dos atos previstos no caput: I - entre fornecedores que integrem um mesmo conglomerado econômico; II – em razão de determinação, requisição ou solicitação de órgão público.

Enquadrar determinados atos atrelados ao comércio eletrônico como infração às

normas de defesa do consumidor e estabelecer medidas restritivas para reprimi-los

representa um importante avanço para fazer com que os fornecedores respeitem os

consumidores internautas e tenham o espaço virtual como uma se fosse uma

extensão de seus negócios no que se refere aos deveres para com os

consumidores.

Ressalta-se, ainda, que o Projeto de Lei n. 281/2012 faz algumas outras alterações

no Código de Defesa do Consumidor, visando ampliar a proteção do consumidor.

Durante a tramitação do projeto, decidiu-se destacar o papel da proteção ao meio

ambiente e o desenvolvimento do consumo sustentável, acrescentando-se

dispositivos nesse sentido no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, com o objetivo de fortalecer a Política Nacional das Relações de

Consumo, foi proposta a inclusão dos incisos VI e VII ao artigo 5º do Código de

Defesa do Consumidor, visando equilibrar a relação de consumo, que estabelecem,

respectivamente, o conhecimento de ofício pelo Poder Judiciário de violação a

normas de defesa do consumidor e a instituição de Câmaras de Conciliação das

Relações de Consumo de Serviços Públicos.

Destaca-se a inclusão dos incisos XI, XII, XIII ao artigo 6º do Código de Defesa do

Consumidor, os quais tratam do direito à segurança, à privacidade e à proteção de

dados pessoais na sociedade de consumo, bem como do direito à informação

ambiental veraz e útil, como forma de proteção do meio ambiente na sociedade de

consumo. Tendo em vista a relevância do tema, reproduzimos as propostas de

redação desses dispositivos.

Art. 6º [...] XI – a privacidade e a segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, por qualquer meio, inclusive o eletrônico, assim como o acesso gratuito ao consumidor a estes e suas fontes; XII – a liberdade de escolha, em especial frente a novas tecnologias e redes de dados, sendo vedada qualquer forma de discriminação e assédio de consumo; XIII – a informação ambiental veraz e útil, observados os

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requisitos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010).

Observa-se que o Projeto de Lei se preocupa, também, com a privacidade, a

segurança e a proteção dos dados dos consumidores nos meios eletrônicos, bem

como com a liberdade de escolha e a liberdade de expressão do consumidor na

Internet. Se esses dispositivos forem aprovados, deverão ser aplicados para as

relações reguladas pela Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet.

Com vista, ainda, à proteção do meio ambiente nas relações de consumo, o Projeto

de Lei 281/2012, acrescenta mais dois artigos referentes ao tema, os quais

mencionam o princípio da precaução: artigo 10-A, que estabelece que as regras

preventivas e precautórias previstas no código aplicam-se também os riscos

provenientes de impactos ambientais decorrentes de produtos e serviços

disponibilizados no mercado de consumo; e inciso XIV, do artigo 39, o qual

acrescenta no rol das práticas abusivas, ofertar produtos ou serviços com potencial

impacto ambiental negativo, sem tomar as medidas preventivas e precautórias

necessárias.

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CONCLUSÃO

O crescente desenvolvimento tecnológico, impulsionado pelo surgimento da Internet,

modificou, e ainda continua modificando, as relações humanas e nelas as relações

de consumo. O uso dos computadores e demais meios eletrônicos de comunicação

tornou-se, nos últimos anos, imperativo na sociedade globalizada e furtar-se disso é

negar o cenário atual e buscar algo utópico, já que a tecnologia é inevitável para

todos os setores da sociedade.

Nesse contexto de avanços tecnológicos, a Internet rapidamente se alastrou na

sociedade, atingindo e modificando a forma organizacional de toda uma geração e

impactando diretamente na forma do convívio social e realização do comércio a

partir da viabilização do comércio eletrônico, que passou a integrar a economia das

nações ao redor do mudo.

Seguindo a tendência mundial, o comércio eletrônico tem sido cada vez mais uma

realidade no Brasil. Diante de várias vantagens apresentadas por essa modalidade

de compra e venda por meio digital, tanto fornecedores quanto consumidores estão

aderindo progressivamente aos contratos eletrônicos e transações concretizadas por

meios eletrônicos. Assim, justifica-se a crescente preocupação com interpretação

das normas já existentes no ordenamento jurídico brasileiro para regular as

atividades desenvolvidas no ambiente virtual, bem como a criação de novas

regulamentações visando contemplar as peculiaridades desse ambiente

caracterizado pela distância física e pelas impessoalidades das relações.

A despeito de já existirem as regras do Código de Defesa do Consumidor,

perfeitamente aplicáveis às transações de consumo realizadas na Internet, e, ainda,

o Decreto n. 7.962/2013 que dispõe, de forma específica, sobre as contratações no

comércio eletrônicos, além de outras normas dispersas no ordenamento brasileiro

que também disciplinam as atividades ocorridas nos meios eletrônicos, entendemos

necessárias e oportunas as atualizações propostas no Projeto de Lei do Senado

n.282/2012, como uma forma de assegurar e de preservar os direitos dos

consumidores no ambiente virtual de forma mais imperativa.

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A evolução do comércio eletrônico, se, por um lado, trouxe inúmeros benefícios para

os entes da relação de consumo; por outro, ampliou a vulnerabilidade do

consumidor, que agora se encontra distante do estabelecimento comercial do

fornecedor, sem a oportunidade de ter um contato físico com os produtos

comercializados. Assim, torna-se essencial a elaboração de normas que,

efetivamente, ampliem a proteção desse consumidor virtual atuante no comércio

eletrônico, a fim de que a evolução tecnológica alcance os objetivos que todos

desejam: o desenvolvimento social e econômico, o aperfeiçoamento das relações de

consumo e a prevenção de litígios.

Ressalta-se, assim, a relevância do tema abordado neste trabalho para as

discussões jurídicas na atualidade, devido às inúmeras infrações e abusos aos

direitos dos usuários da rede mundial de computadores, que se encontram, muitas

vezes, desprovidos de assistência normativa diante da disparidade dos envolvidos

na relação de consumo virtual. Portanto, é de extrema importância os constantes

debates em torno das novas tecnologias da informação, as consequentes inovações

na forma de consumo, bem como os impactos dessas transformações para a

sociedade contemporânea.

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