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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Giovana Kreuz Autonomia decisória do idoso com câncer. Percepções do idoso, da família e da equipe de saúde Doutorado em Psicologia Clínica São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Giovana Kreuz

Autonomia decisória do idoso com câncer. Percepções do idoso, da família e da equipe de saúde

Doutorado em Psicologia Clínica

São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Giovana Kreuz

Doutorado em Psicologia Clínica

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Psicologia Clínica, área de concentração Família e Comunidade, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco.

São Paulo 2016

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Ficha Catalográfica

KREUZ, G. Autonomia decisória do idoso com câncer. Percepções do idoso, da família e da equipe de saúde. São Paulo: 2017, 151p.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

Área de concentração: Pós-Graduação em Psicologia Clínica.

Orientadora: Professora Doutora Maria Helena Pereira Franco.

Palavras-chave: Idoso. Câncer. Autonomia Pessoal. Tomada de Decisão.

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Banca Examinadora

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Dedico aos idosos com câncer participantes desta pesquisa pela generosidade e também a todos os idosos ao longo da história da humanidade, que, encarnando a representação persistente e irrefutável do tempo e da morte, dão a cada um deles múltiplos signifcados. Como na fábula de La Fontaine, “O velho e a morte”:

Um miserável velho se afligia Com um feixe de lenha que trazia: Jogou com ele ao chão, já de cansado, E chamou pela Morte, agoniado. Aparecendo-lhe esta, perguntava Com que fim tão solícito a chamava. “Rogo-te – disse o velho, de mãos postas – Que me ajudes a pôr o feixe nas costas”.

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Agradecimentos ao CNPq – Conselho Nacional de Pesquisa/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo incentivo financeiro na realização desta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão ao universo regido por Deus, que permitiu cada passo da trajetória deste estudo, aproximando as pessoas certas nos momentos necessários; trouxe para mim e fez-me perceber que o Doutorado poderia ser uma saída significativa para o meu luto. Encorajou-me a desbravar uma nova etapa e forneceu os recursos necessários para eu me (re)construir, seguindo em frente.

Agradecimentos a todos que participaram à sua maneira da feitura deste sonho, especialmente e com amor infinito: aos meus pais amados, Ciro e Lurdes, por fornecerem base segura para todos os planos da minha vida; à minha irmã, Gircelly Kreuz, que sempre e incondicionalmente está ao meu lado como uma brava-irmã-guerreira; ao meu amor, Marcio Frizzo, sem o qual este doutorado não seria concreto – concreto, mas também recoberto de afeto, cumplicidade, parceria, compartilhamento diante de muitas batalhas. Estou feliz por, dia a dia, insistirmos em construir/desconstruir e ressignificar nossa relação, almejando o melhor para ambos.

Aos familiares todos, Patrícia, Cleber, Otávio, Laerton, Neuza, Gabriel e Dudu, e também aos familiares escolhidos por Deus: meu compadre Jurandir e minha afilhada Juliana Parzianello, minha Jujubets – minha família é a sua família.

Quero também agradecer a Juliana Marteli Fais Feriato, por ser uma incentivadora constante da importância deste título, assim, não esquecerei jamais que a primeira pessoa a verbalmente expressar essa certeza foi você – testemunhada pela Margot.

Obrigada, querida Augusta Renata Sacramento, confiando em mim sem me conhecer, abriu sua casa e seu coração em São Paulo, ofereceu-me um lar provisório e uma amizade eterna para minhas idas e vindas, tornando-se, assim, minha irmã para sempre.

Minhas amadas Gabriella Pessoa e Daniele Reis, sem vocês este doutorado não teria o mesmo sentido: aprendi e me diverti, senti-me amada e amparada, chorei e dei muitas gargalhas ao lado das minhas amoras favoritas. Assim, obrigada aos colegas de turma por todas as aventuras e atividades em sala de aula, organização e participação em congressos.

Aos meus colegas-amigos do curso do Instituto de Psicologia 4 Estações, junto de nossas mestras apreendemos a amparar pessoas em situação de luto, mas também nos amparamos em abraços apertados e orações, mesmo cada um morando em uma parte deste Brasil.

Aos meus amigos, ex-alunos, alunos e parceiros, obrigada pela força e energia, pela crença de que “um dia termina”, “vai dar tudo certo no final”, e, assim, aprenderam também a não perguntar mais: “e a tese?”. Não quero esquecer ninguém, mas fatalmente alguém ficará de fora, então, sintam-se representados através do meu carinho por vocês, Raquel Antoniassi, Zeca Grigoleto, Bruna Dantas, Jaqueline Oliveira – presenças constantes ao longo dos últimos 4 anos, suportando minhas ausências ou presenças parciais.

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Para minhas queridas amigas Carol Camotti Dolfini e Simone Fernandes, pela aposta no trabalho e na amizade, permitindo que eu atenda seus preciosos pacientes e engaje, mesmo com minha agenda sem tempo, no belo projeto do Instituto Longevidade.

Gratidão aos idosos participantes da pesquisa por compartilharem comigo suas histórias de vida e a trajetória de suas doenças, confirmando suas esperanças na vida e seus enfrentamentos para o envelhecimento. Nestes agradecimentos, penso também nos familiares entrevistados que se encarregam dos cuidados com o idoso e aos receptivos membros da equipe de saúde – todos me acolheram como se eu ainda fizesse parte daquele contexto e isso encheu meu coração de ternura.

Cabe mencionar que a pesquisa se concretizou com a autorização do Hospital do Câncer de Cascavel UOPECCAN, por isso, meu agradecimento à instituição por abrir suas portas, permitir e incentivar a pesquisa. Simone Buttner e Maria Inês, vocês representam meus agradecimentos a todos na UOPECCAN, pois são minhas referências de “constância no tempo”, e ao Pedro – apenas por existir.

Minha gratidão às Doutoras Naira de Fátima Dutra Lemos e Fernanda Alves da Cruz Gouveia Paulino pela atenta leitura e pelas considerações importantes na banca de qualificação, pois seus apontamentos fizeram a tese aflorar.

Meus agradecimentos à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao LELu – Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, pela estrutura de ensino, comportando um Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia Clínica de alto nível nas figuras de seu corpo docente, aqui representadas pelas Doutoras Rosane Mantilla de Souza, Ida Kublikowiski, Mathilde Neder – presentes nas disciplinas desta tese.

Meu carinho, gratidão, amizade e amor de pupila para minha orientadora, Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco. Palavras não são suficientes para expressar todo o aprendizado que esta grande Mestra compartilha com seus alunos, generosamente. Generosidade, aliás, é virtude dos grandes sábios. Sua orientação sempre foi muito além dos ensinamentos teóricos necessários para o bom andamento da tese; foram palavras, olhares, abraços e vivências fundamentais naqueles momentos em que precisávamos de continente para tantos conteúdos desconcertantes, de colo para as carências, de foco para as ideias dispersas, de aprovação e incentivo para assegurar que estávamos no caminho certo. Desejo que muitos outros projetos possam ser construídos em conjunto contigo – obrigada por tudo, estará para sempre no meu coração.

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A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer. A barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer. Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer. Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer. Não quero morrer, pois quero ver como será que deve ser envelhecer. Eu quero é viver pra ver qual é. E dizer venha pra o que vai acontecer. [...]. Eu quero estar no meio do ciclone pra poder aproveitar. E quando eu esquecer meu próprio nome. Que me chamem de velho gagá. [...]. Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não para de crescer. Não sei por que essa gente vira a cara pro presente e esquece de aprender que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr

Arnaldo Antunes, Marcelo Jeneci e Ortinho

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RESUMO

KREUZ, G. Autonomia decisória do idoso com câncer. Percepções do idoso, da família e da equipe de saúde. 2017. 150p. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Núcleo de Família e Comunidade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

Considerando o envelhecimento populacional e sua associação às estimativas de aumento de câncer no Brasil nos anos de 2016 e 2017, sendo os idosos os mais suscetíveis à doença, configura-se a necessidade de se repensar as percepções sobre velhice e autonomia. A proposta deste trabalho foi analisar a percepção da participação de pacientes idosos com câncer nas decisões sobre seus tratamentos, sob a ótica dos pacientes, de seus familiares e da equipe de saúde que os assiste, dando ênfase à análise dos aspectos intervenientes na participação do idoso com câncer na decisão de seus tratamentos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com 5 idosos com câncer em tratamento oncológico, 3 familiares e 4 profissionais da saúde, durante o período de internação hospitalar. A análise de conteúdo e interpretação foram desenvolvidas com base nos fundamentos teóricos para pesquisas qualitativas de Bardin (2011) e Strauss e Corbin (2008), permitindo a construção das seguintes categorias: autonomia, abordando a autonomia compartilhada e a delegação da autonomia; perda da autonomia, abordando a dependência; a saúde e a doença na velhice, abordando as percepções entre doença e envelhecimento e as terminologias usadas para designar o velho e a velhice; autonomia e finitude, abordando as Diretivas Antecipadas de Vontade e a relação do idoso com a equipe. Na categoria autonomia, considerando-se a diversidade e heterogeneidade da velhice e aceitando-se a interlocução de vários saberes, os resultados obtidos indicam que os idosos percebem a autonomia como a possibilidade de gerir aspectos da sua vida, indicando que suas escolhas são reconhecidas e respeitadas. Os familiares posicionam-se de maneira a respeitar as decisões dos idosos, permitindo que mantenham a autonomia, embora a idade seja apontada pelos profissionais da saúde como um argumento da família para a exclusão do idoso da tomada de decisão. Os profissionais da saúde afirmam que a autonomia deve ser mantida independentemente da idade, embora apontem critérios como cognição e ausência de transtorno mental grave para determinar sua manutenção. O relato de que a equipe às vezes comunica a família e exclui o idoso do processo decisório foi contraponto na entrevista de uma familiar. A categoria perda da autonomia configura a dependência como um fator impeditivo de exercer a autonomia, sendo temida pela maioria dos pacientes e percebida como diferente do fato de precisar ou pedir ajuda, ou seja, revela a mudança de um status. Quanto à categoria saúde e doença na velhice, o câncer não está associado à idade na percepção dos idosos entrevistados, mas aparece comoum fator importante na concepção de familiares. O uso da nomenclatura “velho” indica algo negativo e pejorativo, enquanto “idoso” apresenta respeito e dignidade para com a pessoa. A categoria autonomia e finitude revelou que os pacientes e seus familiares desconhecem as Diretivas Antecipadas de Vontade, e o conhecimento da equipe de saúde é parcial, portanto, o dispositivo não é utilizado nesta instituição de saúde. Este estudo revela nuances entrea efetivação da autonomia do idoso e a percepção ideal apresentada pelos participantes da pesquisa; podendo a autonomia configurar-se de maneira autocentrada, compartilhada ou delegada, conforme contexto e necessidades.

Palavras-chave: Idoso. Câncer. Autonomia Pessoal. Tomada de Decisão.

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ABSTRACT

KREUZ, G. Decision-making autonomy of elderly person with cancer. Perceptions of elderly, the family, and the health team. 2017. 150p. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Núcleo de Família e Comunidade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

Considering the population aging and its association with the estimation of grow cases of cancer in Brazil for the 2016 and 2017 years, being the elderly as the most susceptible to that disease, emerge the need to rethink the perceptions about old age and autonomy. This work proposes to analyze the perception of participation of elderly patients with cancer in decisions on their treatments, from patients, relatives, and health care team points of view, and more specifically analyzes intervenient aspects in the participation of elderly person with cancer in decisions about their own treatments. Data were collected through semi-structured interviews with 5 older patients under cancer treatment, 3 family members and 4 health professionals during the hospital stay. Content analysis and interpretation was developed based on the theoretical foundations for qualitative research of Bardin (2011) and Strauss and Corbin (2008), allowing the elaboration of the categories: autonomy, which addresses shared autonomy and the delegation of autonomy; loss of autonomy, approaching dependence; health and disease in old age, approaching the perceptions between disease and aging and the terminologies used to designate the elderly and the old age; autonomy and finitude, approaching the Advance Healthcare Directives and the relationship between the elderly and the health team. In the autonomy category, considering the diversity and heterogeneity of old age, and accepting the interlocution of various knowledge, the results indicate that the elderly perceive autonomy as a possibility to manage aspects of their own life, indicating that their choices are recognized and respected. The relatives position themselves to respect the decisions of the elderly, allowing them to maintain autonomy, although age is pointed by health professionals as a family argument for the exclusion of the elderly from decision making. Health professionals affirm that autonomy should be maintained regardless of age, although they point cognition and absence of severe mental disorder as criteria for determine its maintenance. The report that the health team excludes the elderly from the decision-making process, when communicating with the family, established a counterpoint in an interview with a relative. Loss of autonomy category indicates the dependence as an obstacle to exercise autonomy, being feared by the majority of patients and perceived as different from needing or asking for help, revealing a changing status. Regarding health and illness in old age, the interviewed elderly did not associate cancer with age, but in family conception it was perceived as an important factor. In Portuguese, the word “velho” has negative and pejorative connotation, and “idoso” indicates respect and dignity towards the person. The autonomy and finitude category revealed that patients and their families are unaware of Advance Healthcare Directives, and the health team has a partial knowledge about it, so this alternative is not used in that health center. This study reveals nuances between the effectiveness of the elderly autonomy and the ideal perception presented by the participants of the research; autonomy can be configured in a self-centered, shared way or delegated, according to context and needs. Keywords: The elderly. Cancer. Personal autonomy. Decision-making.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Dados sociodemográficos e perfil dos pacientes oncológicos idosos......

Quadro 2 – Dados dos familiares cuidadores entrevistados........................................

Quadro 3 – Dados dos profissionais da saúde entrevistados no hospital....................

Quadro 4 – Construção das categorias de análise..........................................................

77

79

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LISTA DE SIGLAS

AACN American Association of Critical-Care Nurses

AGA Avaliação Geriátrica Ampla

AVD Atividades da Vida Diária

CFM Conselho Federal de Medicina

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CTI Centros de Tratamentos Intensivos

DAV Diretivas Antecipadas de Vontade

GIAP Grupo Interdisciplinar de Atendimento Paliativo

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMC Índice de Massa Corpórea

INCA Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LNH Linfoma Não Hodgkin

MEC Ministério da Educação e Cultura

MS Ministério da Saúde

OEA Organização dos Estados Americanos

OMS Organização Mundial de Saúde

ONA Organização Nacional da Acreditação

ONU Organização das Nações Unidas

SUS Sistema único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TD Tomada de Decisão

TV Testamento Vital

UOPECCAN União Oeste Paranaense de Estudos e Combate ao Câncer

UTI Unidade de Terapia Intensiva

WHO World Health Organization

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 14

1 OBJETIVOS................................................................................................................... 18

1.1 OBJETIVO GERAL..................................................................................................... 18

1.1.1 Objetivo específico................................................................................................... 18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................ 19

2.1 O IDOSO E O ENVELHECIMENTO – SER VELHO............................................... 19

2.2 A FAMÍLIA CUIDADORA E O IDOSO.................................................................... 38

2.3 O IDOSO E O CÂNCER.............................................................................................. 46

2.4 O IDOSO COM CÂNCER E A AUTONOMIA DECISÓRIA.................................... 50

3 PERCURSO METODOLÓGICO................................................................................ 59

3.1 MODALIDADE DA PESQUISA – MÉTODOS, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS..............................................................................................................

59

3.2 CAMPO DE PESQUISA.............................................................................................. 61

3.3 PARTICIPANTES........................................................................................................ 62

3.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS........................................................ 63

3.5 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS................................................................................. 67

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................................... 69

4.1 DIÁRIO DE PESQUISA – BREVE HISTÓRIA DE CADA CASO........................... 69

4.1.1 Dom........................................................................................................................... 69

4.1.2 Irene.......................................................................................................................... 71

4.1.3 Aura.......................................................................................................................... 71

4.1.4 Nereu......................................................................................................................... 72

4.1.5 Valmor e Aristo........................................................................................................ 74

4.1.5.1 Valmor.................................................................................................................... 74

4.1.5.2 Aristo....................................................................................................................... 74

4.2 DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS E PERFIL DOS ENTREVISTADOS................ 77

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5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS................................................................... 83

5.1 SOBRE A AUTONOMIA............................................................................................ 85

5.1.1 Autonomia compartilhada...................................................................................... 90

5.1.2 Delegar decisões pode ser diferente de se submeter a elas................................... 95

5.2 PERDA DA AUTONOMIA......................................................................................... 97

5.2.1 Dependência como perda de autonomia................................................................ 101

5.2.2 Medo da dependência.............................................................................................. 103

5.3 SOBRE A SAÚDE E A DOENÇA NA VELHICE.................................................... 104

5.3.1 A doença versus a velhice........................................................................................ 105

5.3.2 Sobre velhos e velhice.............................................................................................. 110

5.4 AUTONOMIA E FINITUDE....................................................................................... 115

5.4.1 Diretivas Antecipadas de Vontade......................................................................... 115

5.4.2 Relação entre profissionais e idosos....................................................................... 119

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 121

REFERÊNCIAS................................................................................................................ 127

APÊNDICE A – Roteiro da Entrevista com o Idoso.......................................................... 138

APÊNDICE B  –  Roteiro  da  Entrevista  com  o  Familiar.............................................................. 141

APÊNDICE C  –  Roteiro da Entrevista com o Profissional................................................ 144

APÊNDICE D  –  Termo  de  Consentimento  Livre  e  Esclarecido  (participante:  paciente  idoso).......................................................................................... 146

APÊNDICE E  –  Termo  de  Consentimento  Livre  e  Esclarecido  (participante:  familiar/cuidador)........................................................................................... 148

APÊNDICE F  –  Termo  de  Consentimento  Livre  e  Esclarecido  (participante: profissional)................................................................................................. 150

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INTRODUÇÃO

O trabalho da pesquisadora com pacientes oncológicos ao longo de 10 anos,

desenvolvido por meio de atendimentos de apoio e intervenção psicológica em hospitais,

justifica o interesse pela investigação dos aspectos emocionais de sujeitos em situações de

crise e sofrimento, pois diante do quadro de envelhecimento populacional e alargamento

da expectativa de vida que culmina no desenvolvimento de doenças do idoso, sendo o câncer

uma das mais frequentes, a pesquisa é, sem dúvida, permeada por este percurso afetivo,

acadêmico e profissional.

O idoso e a definição de idoso, na atualidade, revestem-se de novos conceitos e

multidefinições para abarcar a abrangência de modelos e suas diferenças marcantes na

trajetória do desenvolvimento humano.

A velhice, segundo D’Andrea (2000, p. 143), foi definida como “o período que se

inicia na década dos cinquenta anos, após o indivíduo ter atingido e vivenciado aquele platô

de realizações pessoais chamado de maturidade”. No entanto, apesar de o autor delimitar

a velhice iniciada aos 50 anos, admite e considera que velhice é um conceito controvertido.

Na teoria das crises psicossociais de Erikson (1998), a fase da vida denominada

velhice está apresentada na oitava crise psicossocial, chamada de Integridade do ego versus

Desespero. Para o autor, o sujeito em maturidade avançada encontra-se diante da tarefa de

avaliar sua trajetória de vida e diante dela realizar uma profunda reflexão sobre as conquistas,

os valores, as vivências que realizou ou deixou de realizar e os efeitos disso sobre sua vida,

resultando na síntese de uma vida: a integridade do ego ou a sensação de integridade,

de missão cumprida, plenitude e vigor para continuar investindo, nesse sentido, a qualidade

do ego resulta na sabedoria. No chamado “desespero”, resulta a síntese de uma sensação

desesperadora de que o tempo está por findar-se e o sujeito ainda não conseguiu realizar-se

em suas intenções de vida ou não lhe resta mais tempo para tal, amargando uma sensação

de vazio e desintegração.

No Brasil, a esperança de vida versava em torno dos 67 anos, com a expectativa

de que chegasse aos 74 anos em 2025 (ZIMERMAM, 2000). No entanto, a expectativa de

vida sobe para 75,2 anos em 2014 (PORTAL BRASIL, 2016), e estimativas do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) apontam que até 2025 o Brasil será o sexto

país do mundo com o maior número de pessoas idosas, com 29,4% de pessoas nesta faixa

etária. Esse cenário indica a necessidade de repensar questões relativas ao manejo de

pessoas idosas nas áreas da saúde e ampliar a visão da sociedade sobre a pessoa que

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envelhece, pois o sujeito idoso parece não se enquadrar em muitas das características

ou estereotipias reservadas ao envelhecer; surgindo, então, novas configurações subjetivas

e sociais para as chamadas terceira e quarta idades.

Como definição jurídica e legal de idoso, o Estatuto do Idoso instituído pela Lei

número 10.741 de 1º de outubro de 2003, nas suas disposições preliminares, deixa claro em

seu artigo 1º que: “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos

assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, o que delimita

uma idade para a velhice (BRASIL, 2003). Tal definição está baseada no que preconiza a

Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação à faixa etária para países em

desenvolvimento (WHO, 2002).

A nomenclatura que define a pessoa velha passa por transformações. Nem todas

as pessoas gostam de ser chamados pelos termos “terceira idade”, “melhor idade”,

“segunda juventude”, e assim por diante, nem tampouco todos sentem-se à vontade na figura

de vovós e vovôs; afinal, o exercício de avós não é o único papel ou função possível para

quem atinge idade avançada – tampouco todos os sujeitos em idade reprodutiva estão

escolhendo o exercício da maternidade/paternidade; portanto, muitos dos velhos de hoje não

têm nem terão netos. Não é uníssona a concepção do próprio idoso em admitir que aos

60 anos todos sejam realmente “idosos”, recusando-se a usufruir do todo ou de parte dos

seus direitos de velho, uma vez que a desvantagem do estigma parece ser sempre mais forte.

Isso devido ao fato de que muitas pessoas, aos 60 anos, estarem plenas em atividade física

e intelectual, desenvolvendo tarefas laborais e recreativas, usufruindo de suas dinâmicas

afetiva e sexual, fazendo planos, enquanto a sociedade ainda oscila entre a superproteção,

a negligência e a negação do velho e da velhice.

Na literatura e no senso comum, é corrente que a velhice avançada seja associada à

morte, sendo a etapa de vida em que a pessoa já cumpriu uma jornada e estaria pronta para

morrer (BOEMER; ZANETTI; VALLE, 1991). Contudo, a velhice vem se configurando num

período que também apresenta idosos vigorosos com uma expectativa de vida que se prolonga

cada vez mais; idosos que passam a enfrentar doenças crônicas e recidivas, pois com maior

frequência as doenças antes fatais são agora controláveis, como alguns tipos de câncer.

Diante desse quadro, compreender de que maneira os idosos percebem e aplicam a sua

autonomia para decidir sobre suas questões de vida, morte, doença/tratamentos parece uma

questão importante. Se o idoso está revestido de características contemporâneas, um novo

jeito de ser velho, então, como os familiares e as equipes de saúde percebem e lidam com a

autonomia (ou a falta dela) do idoso oncológico em tratamento?

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Esta pesquisa inclina-se ao estudo dos aspectos do envelhecimento no autoconceito

do chamado idoso e, ainda, da autonomia do idoso oncológico, suas considerações para a

autonomia decisória diante do envelhecimento, da doença, dos tratamentos, da finitude.

Esse panorama exige profissionais e serviços de saúde que manejem condutas cada vez mais

adaptadas para o cuidado de pessoas idosas, permitindo qualidade e autonomia na tomada de

decisões sobre o envelhecimento, a doença e seus tratamentos e, em última instância,

sobre o processo de vida e morte. Assim, a reflexão sobre a autonomia na tomada de

decisão de pacientes idosos com câncer acerca de seus tratamentos constitui um campo a

ser explorado.

Nessa linha de raciocínio, é possível pensar que sujeitos idosos e adoecidos estariam

mais propensos ao estigma social da perda de autonomia, por serem velhos e por estarem

doentes, assim, o idoso com câncer estaria duplamente estigmatizado pela própria condição

de envelhecimento e por portar uma doença potencialmente fatal, agravada pelas condições da

idade. Diante desse estigma, o idoso atual percebe-se como um agente participativo diante

das decisões sobre seus tratamentos oncológicos?

Uma vez que a longevidade aumentada é uma conquista, mas interpõe desafios

importantes, visto que o câncer é uma doença associada ao envelhecimento populacional e a

estimativa para o Brasil no biênio 2016-2017 aponta a ocorrência de cerca de 600 mil casos

novos (INCA, 2015), com incidência onze vezes maior entre as pessoas com mais de 60 anos

(KARNAKIS, 2011), justifica-se a pesquisa acerca das questões envolvidas na autonomia do

idoso com câncer.

São estas as questões refletidas e avaliadas no curso desta pesquisa e, por isso,

o estudo está organizado de maneira a teorizar, por meio de pesquisa bibliográfica e de

literatura, sobre os aspectos relativos ao conceito e à definição do idoso na literatura científica

e pincelando algumas notícias na mídia (meios de comunicação de massa) para traçar pontos

de interligação com os movimentos do envelhecimento atual. A escolha pela inclusão de

saberes advindos de várias áreas distintas complementa a discussão e permite uma

interlocução entre idoso, ciência, mídia e, ainda, senso comum e sociedade, assim articulados

para dar significações específicas do contexto, conforme destaca Debert (2012) sobre as

novas configurações para o espaço social, o tempo, o curso da vida, o corpo e a saúde.

Dessa maneira, busca-se contextualizar pontos de referência para sustentar a pesquisa de

campo em relação ao idoso e à sua autonomia decisória diante dos tratamentos oncológicos,

percepção ampliada pela ótica do próprio idoso, sua família e equipe de saúde.

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Na pesquisa da literatura científica sobre o câncer no idoso, fundamentou-se parte das

questões levantadas junto a idosos com câncer sobre sua percepção com relação à gravidade

da doença, aspectos subjetivos para a percepção do corpo doente e possível aproximação

dessas noções com a perspectiva da morte e do morrer e da tomada de decisões acerca dos

tratamentos disponíveis. Diante do material apresentado no discurso dos idosos, familiares

e equipe de saúde participantes da pesquisa de campo, buscou-se a construção de sentidos

para uma compreensão e um manejo mais adequados das questões do idoso em relação

ao envelhecimento, a autonomia, a doença e a finitude.

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1 OBJETIVOS

1.1 OBJETIVO GERAL

Objetiva-se analisar a percepção da participação de pacientes idosos com câncer

nas decisões sobre seus tratamentos, sob a ótica dos pacientes, seus familiares e equipe de

saúde que os assiste.

1.1.1 Objetivo específico

Intenta-se analisar os aspectos intervenientes na participação do idoso com câncer na

decisão de seus tratamentos.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O IDOSO E O ENVELHECIMENTO – SER VELHO

São inúmeras e significativas as mudanças na representação social que temos do

envelhecimento e da pessoa velha hoje, no entanto, os escritos de Beauvoir (1990) nos

surpreendem por serem tão absolutamente atuais e ainda presentes quando comparamos os

velhos de antes e os velhos de agora, mesmo que sua obra retrate a velhice nos anos de 1970

na França com base no resgate da história de como os povos de diferentes sociedades antigas

tratavam de seus velhos e de como compreendiam o papel e o valor do envelhecimento na

sociedade de sua época. Nesse trajeto histórico, inicialmente, os velhos passaram a figurar

no pensamento científico de forma mais frequente e aprofundada quando gradativamente

se comprovou que as pessoas estavam vivendo por mais tempo; o que se constata hoje é que

a longevidade aumentou, a expectativa de vida de fato melhorou devido às condições de

acesso a tecnologias de saúde e suporte social, bem como ao avanço das ciências que

permitem que o ser humano viva mais tempo, considerado um cenário moderno.

Nas sociedades mais primitivas, os velhos representavam um peso a ser carregado

pela família, não eram mais produtivos e não podiam trabalhar, pois a degradação do corpo

era inevitável e feroz, os velhos perdiam as forças, os dentes, a saúde e acabavam relegados

ao abandono. Quanto mais precárias eram as condições de subsistência daquelas tribos,

aldeias ou sociedades, tanto mais cruel era o fim da vida dos velhos. Muitos deles eram

abandonados à própria sorte para que morressem de fome ou fossem devorados por feras.

Nas sociedades em que havia uma provisão de alimentos, algumas dividiam-se entre

alimentar os velhos anciãos e outras em manter o suprimento alimentar para os jovens e

produtivos que seriam responsáveis pela sobrevivência da aldeia (BEAUVOIR, 1990).

Nesse contexto primitivo, sobressaem-se a desvalorização da experiência dos mais velhos,

os maus-tratos, o abandono e a constatação da importância do laço social, ou seja, em tais

sociedades, havia um cuidado precário em relação às crianças, e estas, por sua vez, quando

cresciam, abandonavam os pais envelhecidos à míngua (MUCIDA, 2006).

Para Papaléo Netto (1999), no entanto, as sociedades primitivas valorizavam os velhos

por sua sabedoria e os jovens recorriam a eles para conselhos e delegação de decisões

financeiras importantes. Esse ponto contraditório pode ser entendido quando Beauvoir (1990)

esclarece que o lugar social do velho nas sociedades da Idade Média estava associado ao

patrimônio que este acumulara ao longo da vida, ao poder que detinha frente às decisões

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e a submissão dos mais jovens à sua vontade. Ter posses, ser proprietário de terras, fazia com

que o velho ocupasse um lugar de destaque no seio familiar e mantivesse também seu status

social, proporcionava o respeito dos entes familiares que o tratavam de forma amistosa para

manter a reciprocidade (pois dependiam do velho ou esperavam sua morte para herdar seus

bens). Então, aos velhos pobres restava a precariedade de uma sobrevivência sem recursos,

vivendo na solidão, da caridade de algumas entidades religiosas ou da esmola dos adultos

mais abastados, sem nenhum tipo de assistência planejada. O ancião deveria portar o saber

sobre os rituais mais importantes para seu povo, caso contrário, não lhe restaria nenhuma

função na velhice.

Envelhecer trazia uma irreparável, irremediável e dolorosa decadência do corpo:

os dentes apodrecidos não permitiam a mastigação adequada, o corpo franzino, fraco,

pouco alimentado e envergado não permitia a continuidade laboral, as doenças eram

fatalmente o fim do velho, pois o acesso a recursos terapêuticos era absolutamente escasso.

Poucas pessoas atingiam uma idade avançada e a expectativa de vida nessa época não passava

dos 40 anos de idade, portanto, envelhecer era um momento do ciclo vital visto com descaso,

medo e repugnância. Cabe lembrar que, até 1930, a medicina ocupava-se de conhecer a

velhice a tentar solucionar os problemas aparentes em uma população crescente de velhos.

Nos Estados Unidos, o número de pessoas idosas havia duplicado entre 1900 e 1930,

e isso impulsionou o surgimento de trabalhos nas áreas da biologia, da psicologia e da

sociologia. No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, os trabalhos e pesquisam

diminuíram. Quando a guerra acabou, os trabalhos foram retomados e nos Estados Unidos

foi criada, em 1945, a Sociedade de Gerontologia; em 1946, editou-se o segundo periódico

dedicado ao tema da velhice. A gerontologia se desenvolveu nos planos biológico,

psicológico e social, atendendo ao posicionamento positivista de descrever os fenômenos,

ou seja, não se tratava de explicar como ou por quais motivos os fenômenos ocorriam

(BEAUVOIR, 1990).

Nesse plano de compreensão sobre o idoso, as detalhadas descrições sobre como o

envelhecimento tomava conta do corpo, a forma como se fazia aparente na pessoa e de que

modo ao velho restava ser aprisionado pela doença eram pontos de destaque. A velhice era

descrita apenas em seu viés degenerativo, aquela que degrada órgãos e tecidos, faz com que a

pessoa esteja mais propensa a acidentes pela diminuição da percepção e da atenção

(locomovem-se com dificuldade, enxergam mal, diminuem o ritmo) e com vistas a suas

incapacidades acabam relegadas à solidão, pois, muitas vezes, recusam-se a sair de casa.

Estudos sobre velhos vigorosos, na época, foram associados ao estímulo constante de

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atividades, que podem prolongar a vida mesmo num estado avançado de deterioração

(BEAUVOIR, 1990). Ainda hoje, a velhice, no plano biológico, está vinculada à decrepitude.

As pessoas velhas sentem e reclamam de vários declínios próprios do envelhecimento,

que atingem a memória, a visão, o vigor, a agilidade, assim como as “mudanças nos papéis

sociais e a desvalorização estética do corpo sinalizam decadência e finitude” (KAUFMAN,

2012, p. 39), o que pode gerar impacto na autoimagem e culminar em sofrimento.

A velhice já foi um tema esquecido, pouco falado, restrito às descrições biológicas

e aparentes da decadência do corpo e da decrepitude, às prescrições higiênicas e

médico-preventivas, mas, na atualidade, falar sobre velhice torna-se gradativamente uma

maneira de incluir a sociedade na reflexão sobre sua própria condição futura.

É possível que o esquecimento deste tema ou mesmo a negação da velhice como um

processo inerente a todo ser humano esteja atrelado às dificuldades de aceitação desta

condição. Ao longo do processo de envelhecimento, ficam compreensíveis os motivos pelos

quais é tão difícil lidar com as perdas que se sucedem, pois elas significam que algo

de si mesmo se modifica. Quando o corpo envelhece, então, algo de muito importante vai se

modificando e se perdendo, morrendo aos poucos para dar espaço a um novo corpo:

talvez menos vigoroso, mais frágil e propenso ao aparecimento de doenças e da senilidade.

A aparência se transforma; em algumas pessoas, com mais severidade, em outras, com menos

desfiguração do que se foi; o corpo fica menos firme, as rugas revelam parte do tempo vivido.

Essa constatação implica em um luto e ele vai se configurar conforme o que é apregoado

em cada cultura ou sociedade, ou seja, de acordo com o lugar que o velho ocupa e o que

significa ser/estar velho naquele lugar onde se vive (MUCIDA, 2006; PARKES, 1998).

Assim, além de enfrentar as perdas advindas do envelhecimento, o idoso precisa adaptar-se às

perdas financeiras, sociais, fisiológicas e psicológicas (BROMBERG, 2000). Por isso,

o envelhecimento pode causar horror e mal-estar cultural, culminando na segregação do velho

no discurso social e também na convivência, afinal, o abandono pode estar presente também

de forma velada.

A preocupação com o envelhecimento não é um tema recente. Ao longo da história,

existiram esforços para a realização de inúmeras estratégias que garantissem a manutenção

da juventude e da vida, visto que envelhecer significa que o caminho progressivo para a

morte traça o seu curso natural.

O aumento da longevidade configura um desejo humano desde os primórdios da

civilização, mas no século XX se produziu uma verdadeira revolução da longevidade humana

e estima-se que este seja ainda mais significativo no século XXI. Há uma transformação

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demográfica que cresce em ritmo acelerado e, junto disso, é preciso que ocorram profundas

transformações socioeconômicas que permitam melhorar a qualidade de vida e, assim,

promover o envelhecimento ativo (PAPALÉO NETTO; YUASO; KITADAI, 2006).

O envelhecimento faz parte do processo natural de desenvolvimento humano que se

inicia na concepção e finaliza-se com a morte. Durante todo o ciclo vital, são sucessivas

etapas com diferentes características principais que definem as idades cronológicas e as

aquisições necessárias para a continuidade da vida, mas, para a demarcação exata da velhice

como fase, não há um consenso único. Envelhecer se faz ao longo da vida.

A sociedade trata do idoso com atitude ambígua, afinal, a velhice não configura uma

fase da idade nitidamente marcada. É interessante verificar que Beauvoir defendia que,

para a entrada do adolescente no mundo dos adultos, havia ritos de passagem que permitiam

tal promoção. No entanto, “o momento em que começa a velhice é mal definido, varia de

acordo com as épocas e lugares. Não se encontram em parte alguma ‘ritos de passagem’

que estabeleçam um novo estatuto” (BEAUVOIR, 1990, p. 9). Se antes parecia clara a

distinção entre esse momento do ciclo vital, na sociedade atual, os ritos de passagem parecem

estar dissolvidos e não fica exatamente demarcado o momento em que o adolescente se faz

adulto e muito menos quando o adulto passa a ser velho.

O idoso é o velho, aquele que envelhece e atinge uma idade e um padrão de

características que o distingue dos demais.

Segundo Stuart-Hamilton (2002), há uma série de métodos para descrever a idade de

uma pessoa: o envelhecimento pode ser descrito com base nos processos que afetam a pessoa,

apontando para envelhecimentos de ordens distintas, como o envelhecimento primário que

engloba as mudanças corporais da idade, o envelhecimento secundário que abrange mudanças

ocorridas com frequência, mas que nem sempre acompanham o processo, e o envelhecimento

terciário, que aponta para as mudanças rápidas ocorridas antes da morte.

De acordo com o conceito de envelhecimento biológico, é possível mensurar a idade

anatômica, a idade carpal (ossos) e a idade fisiológica. Envelhecer, do ponto de vista

biológico, atinge e declina o corpo como um todo, o sistema nervoso, os sistemas sensoriais

(STUART-HAMILTOM, 2002).

No século XXI, são muitas configurações distintas para aqueles que chamamos de

idosos. A estruturação do Estatuto do Idoso passou a destacar a condição do idoso na história

e no cotidiano, trazendo importantes reflexões no âmbito das ciências da saúde e sociais aqui

no Brasil.

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Desde então, existem indagações que perpassam a idade que define o idoso:

as condições que configuram um idoso, a autodefinição do idoso para sua condição, as

representações sociais do idoso para ele próprio e para a sociedade. O aspecto cronológico

do envelhecimento, a idade, é um dado concreto e inevitável em muitas culturas.

Segundo a legislação brasileira, é o que demarca a categoria ou o status de cidadão.

Consta da lei brasileira a regulamentação sobre os sujeitos com 60 anos ou mais, e estes

devem ser considerados e tratados com direitos e privilégios que competem aos assim

chamados idosos. Portanto, em nossa cultura, há uma demarcação jurídica para a condição de

velho, porém, o velho se configura também para além do aspecto objetivo-legal, estendendo a

compreensão para os aspectos cultural, social, coletivo e subjetivo. A aparência dos sujeitos

quando envelhecidos ou que denotam uma vestimenta ou uma forma usualmente típica de

comportar-se ou de ser velho pode disparar a noção de que para aquele sujeito há o enquadre

independentemente da idade que tenha ou da maneira como realmente se sente diante do

próprio envelhecimento.

Embora o processo de envelhecimento tenha sido considerado historicamente por

meio de duas fortes e opostas perspectivas, uma que o reconhece como a etapa final da vida,

a fase do declínio que culmina na morte, e outra que o concebe como a fase da sabedoria,

da maturidade e da serenidade (OLIVEIRA; PASIAN; JACQUEMIN, 2001), muitos autores,

como Camarano et al (1999), Debert (2012), Freitas et al (2011), Mercadante (2005)

reconhecem que as características de desenvolvimento, tradicionalmente preconizadas, já não

cabem mais ao idoso atual.

Definir o idoso pela idade, pela condição de envelhecimento do corpo ou pelo

enquadre em características apenas físicas, torna-se reducionista. O uso da idade para

definição de idoso pode culminar na criação de expectativas em relação aos papéis sociais

daqueles que ocupam o status de idoso e na coerção para que os papéis se cumpram,

não importando as caraterísticas individuais desses sujeitos. O critério da idade atribui o

status de idoso a indivíduos com determinada soma de anos ainda que estes não apresentem

características de dependência ou senilidade associadas à velhice e mesmo àqueles que

rejeitam esse status; em síntese, a ideia de um “idoso único” torna-se obsoleta (CAMARANO

et al, 1999, p. 4).

Contudo, é certo pensar que a velhice ou o processo de envelhecimento passa, em

parte, pela idade cronológica e pelo corpo e, em função dele, coexiste a necessidade de rever

formas de adaptação no mundo, afinal, não é possível desvincular ou negar a passagem do

tempo e suas consequências.

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A velhice, se analisada somente como uma questão biológica, não revela o seu lado

social. Ela, além de sua especificidade biológica, localiza-se em uma história e insere-se num

sistema de relações sociais (MERCADANTE, 2005). Assim, uma tentativa de se definir um

indivíduo como idoso poderá estar ligada somente aos argumentos de caráter biológico; dessa

forma, a noção biológica de velhice ou, mais precisamente, de senilidade, seria suficiente para

demarcar, por meio do padrão de declínio de determinadas características físicas, o momento

a partir do qual o indivíduo poderia ser, ou não, considerado velho. Dessa maneira, esse

momento no tempo

quando semelhante em termos de tempo de vida entre diversos indivíduos, permite o uso da idade como critério de demarcação da velhice. Nesta lógica, idoso é aquele que tem a idade correspondente à idade típica de um “velho”. O problema de classificação torna-se aparentemente simples, demandando apenas que se estabeleça a idade-limite que separa a velhice da não-velhice para separar os idosos dos não-idosos (CAMARANO et al, 1999, p. 3).

Para Mercadante (2005) a vivência primeira da velhice se dá no corpo. O corpo por si

só não revela como atributo a velhice, mas, uma vez que ela, como estigma, instala-se no

corpo, ela passa a inquietar o idoso. A avaliação de que o corpo torna-se imperfeito,

em declínio, enfraquecido e enrugado, amplia-se para além do corpo: sobre a personalidade,

o poder econômico e os meios social e cultural do idoso.

Decorrente da noção de envelhecimento como degradação, aparecem as correlações

com o pouco tempo de vida, o tempo que passou e, assim, nada mais há de se esperar do

sujeito que envelhece a não ser o declínio e o preparo para a morte (MERCADANTE, 2005).

Para Abud e Zimmermann (2012), algum desespero é inevitável nesta fase, pois as

pessoas precisam lamentar não apenas seus próprios infortúnios por chances perdidas, mas

pela vulnerabilidade e transitoriedade da condição humana. Isso ocorre no início da terceira

idade, por volta dos 60 ou 70 anos, que tem características diferentes daquelas da oitava

década de vida, em que o sujeito estaria mais resignado.

Uma das tarefas da velhice ou da idade avançada é justamente o balanço ou a reflexão

sobre os aspectos de sua trajetória. Nesse sentido, “os adultos mais velhos precisam avaliar,

resumir e aceitar sua vida para poder aceitar a aproximação da morte. Porém, nesse ‘balanço’

da vida, muitos podem concluir que deixaram de realizar a maior parte de seus sonhos,

arrependerem-se de ter feito certas coisas” (ABUD; ZIMMERMANN, 2012, p. 283).

A visão estereotipada da velhice não abrange todas as formas de ser idoso ou de estar

velho ou na velhice.

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Com o grande crescimento da faixa etária constituída por idosos, devido à melhoria do

saneamento básico, da tecnologia e da medicina, a longevidade da população tem sido cada

vez mais extensa, obrigando a sociedade a adaptar-se à nova realidade e a incluir o idoso na

rede social como pessoa produtiva e saudável. A maior longevidade requer da sociedade uma

nova ordem social. Isso implica dizer que aquela representação social única, absolutamente

estereotipada da figura do velhinho cansado, isolado e improdutivo não corresponde à

multiplicidade de modelos atuais (ABUD; ZIMMERMANN, 2012). Nesse sentido, a terceira

idade como um prolongamento da vida adulta e a existência de uma quarta idade já são

realidade nos Estados Unidos e na Europa. Como o aumento da longevidade tem ocorrido de

forma social e espacialmente diferenciada, torna-se cada vez mais difícil estabelecer um

limite que permita, com total propriedade, definir “o idoso” (CAMARANO et al, 1999, p. 2).

Dessa maneira, constata-se um senso social que considera a existência de velhos

com idade cronológica avançada e de velhos com idades variadas: são aqueles chamados

“velhos de espírito”, aqueles que agem como velhos ou se sentem velhos, parecem velhos

perante a sociedade e outras versões possíveis. Nessa construção de novos parâmetros,

observam-se também os velhos com idades avançadas que possuem aparência preservada e

não se parecem envelhecidos, aqueles que são vigorosos, os que contam com memória

otimizada, aqueles que preservam a vivacidade e aludem à juventude: na verdade, um jeito

novo de se fazer velho.

Dessa maneira, comparar as caraterísticas de velhos e jovens é um conceito arraigado

e não responde à construção de uma ideia livre de preconceitos. O velho não precisa se

parecer jovem para se sentir bem e para manter sua continuidade existencial íntegra e digna.

A construção de um conceito atual de velhice consiste justamente em respeitar o

envelhecimento como um processo natural, normal, possível e que tem ou que deveria

ter espaço e lugar na sociedade de hoje.

Curiosamente, o Dicionário de sinônimos, antônimos & ideias semelhantes por ordem

de ideias, de Florenzano (1970, p. 116) definia a palavra “idade” como “velhice, anciania,

ancianidade, idade avançada, senilidade, senectude, cabelos brancos, cãs, decrepitude,

segunda infância, caduquice, gagatismo, longevidade, gerontologia”, enquanto o Dicionário

Michaelis (2009) define idade da seguinte maneira: “tempo decorrido desde o nascimento

até à morte do indivíduo; número de anos de alguém ou de alguma coisa; espaço de tempo

a contar do nascimento ou a partir de certa data; espaço de tempo; época, período; vida;

época histórica”. A idade era definida na década de 1970 como sendo apenas ligada à

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decrepitude e à velhice; a atualização dos modelos de velhice trouxe definições de idade

ligadas à passagem do tempo em todas as etapas da vida e isso aponta uma importante

evolução, ainda que da mesma definição conste terceira idade como “idade acima dos

cinquenta anos”. Essas definições constituem registros de como os conceitos são construídos

ao longo do tempo, culminando na noção de idadismo, idosismo e etarismo, que, consciente

ou inconscientemente, compartilhamos no meio social. Idosismo é um termo cunhado por

Butler em 1975 (apud AGICH, 2008, p. 110), sendo um processo que envolve “estereotipação

e a discriminação sistemáticas de pessoas apenas porque são idosas”.

Nesse mesmo campo, é possível pensar nas várias nomenclaturas utilizadas, como

velho, terceira idade, idoso, melhor idade, segunda juventude, entre outras, quando nenhuma

parece corresponder adequadamente ou satisfazer completamente a grande heterogeneidade

que se apresenta entre os idosos em todos os seus aspectos (PAPALÉO NETTO, 2011).

Mesmo com o resgate do termo “velho”, usado por alguns autores nas áreas da gerontologia

e geriatria (FREITAS et al, 2011), nota-se que tal palavra pode estar associada ao lado

negativo do envelhecimento, trazer ambiguidade, apontando para o pejorativo, ofensivo,

antigo, ou seja, considerando o velho como aquele desatualizado, o caótico, o ultrapassado,

o caduco, configurando o lugar que ninguém quer ocupar, resgatando a figura do velho

sentado na cadeira de balanço, um sem-lugar à espera da morte. E esse é um lugar rechaçado

na contemporaneidade.

Beauvoir (1990) refere-se a essa dicotomia que se estabelece ao relatar sobre os velhos.

Para a autora, de um lado estaria “a imagem sublimada que lhes é proposta, como a do sábio

aureolado de cabelos brancos, rico de experiência e venerável, que domina de muito alto a

condição humana” (BEAUVOIR, 1990, p. 10) e, por outro lado, “quando dessa imagem se

afastam, caem no outro extremo: a imagem que se opõe à primeira é a do velho louco

que caduca e delira e de quem as crianças zombam” (BEAUVOIR, 1990, p. 10).

A autora menciona, ainda, o uso em seu livro dos termos: “velhos, anciãos, idosos” para

se referir às pessoas com mais de 65 anos de idade em diante (BEAUVOIR, 1990, p. 20).

Nesse mesmo raciocínio, Neri e Freire (2000) afirmam que o uso de designações fantasiosas

para abordar tudo o que pertence à esfera do envelhecimento é um sinal da existência de

preconceitos positivos ou negativos, ou seja, tanto a velhice supervalorizada quanto a

denegrida denotam ser noções ilusórias do ponto de vista da realidade, por isso, para as

autoras, é melhor usar os termos velho ou idoso para designar pessoas idosas, velhice para

falar da última fase do ciclo vital, e envelhecimento para tratar do processo de mudanças

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físicas, psicológicas e sociais. Para Zimerman (2000), velho é aquele que tem várias idades:

a idade do seu corpo, da sua história genética, de sua parte psicológica e da ligação com sua

sociedade. Em outros termos, é a mesma pessoa que sempre foi.

Para Camarano et al (1999, p. 5), a distinção que se faz entre terceira e quarta idades

“é uma tentativa de ajustamento classificatório entre circunstâncias sociais, culturais,

psicológicas e biológicas particulares das sociedades ocidentais”, visto que a longevidade

e a qualidade de vida de seus membros fazem com que o critério da terceira idade não seja

suficiente para classificar e enquadrar indivíduos que não estão mais na idade laboral

(ou segunda idade) e, ao mesmo tempo, não apresentam sinais de senilidade e decrepitude.

Um texto interessante, de autoria de Palacios (2004), apresenta os resultados de

pesquisa de corpus realizada com 247 anúncios publicitários de cosméticos em revistas

femininas de grande circulação dos anos 90, em que a autora analisa os termos Velhice e

Terceira Idade. A interpretação de velho está associada à decrepitude, época sombria, temores

da morte e das doenças, enquanto os anúncios de cosméticos apresentam seus efeitos

antitempo, antienvelhecimento, antissinais. Assim, a autora verifica que o universo discursivo

da publicidade de cosméticos anuncia que velho não consome mais, então, a velhice o

consome. Uma pessoa na terceira idade, no entanto, estaria plenamente apta para continuar

consumindo, pois inaugura a terceira etapa de sua vida.

Essa visão sobre o envelhecimento possibilita uma reflexão sobre o velho da pós-

modernidade, ou seja, aquele capaz de usufruir e consumir os produtos e as concepções

voltadas para a sua idade: cosméticos, cursos, viagens e outras ofertas, desde que não se sinta

um ser para morte. No entanto, apesar de todos os esforços da sociedade ocidental em

procurar recursos da ciência para prolongar a vida e evitar doenças, esta ainda não oferece

um lugar de destaque aos seus idosos.

Portanto, configurar a velhice depende de uma conjunção de muitos fatores que

precisam estar ajustados entre si e em concordância com uma forma social de existência:

ser velho ou estar velho muda conforme os moldes culturais. Existem parâmetros ligados

a idade cronológica, aposentadoria, produtividade, validez e invalidez, aparência física,

comportamentos específicos, vestimenta, atitudes joviais ou atitudes antiquadas; conceitos

ligados até a representação do espírito jovem que se espera que as pessoas tenham e

mantenham, seja lá o que isso de fato represente. Para Schneider e Irigaray (2008), embora

os indivíduos envelheçam, não querem parecer velhos, pois na sociedade brasileira o idoso

carece de maior valorização.

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Talvez o que seja mais relevante em relação à preocupação com o envelhecimento se

relacione ao estudo do velho como pessoa. Pensar no velho como pessoa implica em pensar

em medidas de proteção contra o próprio envelhecimento, na garantia de acessos aos recursos

tecnológicos de saúde, na manutenção de uma posição social e laboral, na discussão de seu

papel na família e na sociedade, mas também em refletir sobre aspectos que envolvem a

construção de um conceito para o “novo” velho.

A habilidade pessoal de se envolver, de encontrar significado para viver, provavelmente influencia as transformações biológicas e de saúde que ocorrem no tempo da velhice. […]. O papel social dos idosos é um fator importante no significado do envelhecimento, pois o mesmo depende da forma de vida que as pessoas tenham levado, como das condições atuais que se encontram (MENDES, et al, 2005, p. 423).

Paradoxalmente, o “novo velho” é um velho, mas é um velho diferente do velho de

antigamente. É um ser humano que envelhece numa sociedade atual e traça uma expectativa e

uma concepção atualizadas para a sua imagem e a sua forma de fazer-se velho hoje. Por isso,

é importante a adoção de medidas que permitam uma abordagem mais precisa do que o

conceito único de idoso. Para Camarano (1999), a primeira medida é a diferenciação espacial,

pois várias características culturais são compartilhadas por indivíduos de uma mesma zona

geográfica; a segunda é a diferenciação de grupos sociais, pois a partir de determinadas

características, como rendimentos, forma de inserção na família, raça, sexo e nível

educacional, é possível um grau de diferenciação, assim como “reconhecer que o

estabelecimento de uma idade-limite única que separa os indivíduos entre idosos e não-idosos

é uma terceira medida importante”, pois com a “divisão dos idosos em subpopulações de

idades específicas é possível distinguir com mais clareza fenômenos restritos a fases mais

ou menos avançadas do ciclo de vida social” (CAMARANO, 1999, p. 4).

O aumento da população idosa em todo o mundo tem sido confirmado em diversos

estudos demográficos e epidemiológicos, e apontam que o fenômeno também ocorre no Brasil.

Uma projeção de crescimento exponencial estima que em 2025 o número de indivíduos

brasileiros com idade igual ou superior a 60 anos será de aproximadamente 32 milhões,

e cerca de 21% da população mundial será de idosos em 2050 (PAPALÉO NETTO; YUASO;

KITADAI, 2006).

Essa preocupação em estabelecer limites e estudos para o envelhecimento

populacional coloca questões importantes na agenda política do país, confirmada nas

considerações sobre a formalização de parte deste percurso. No Brasil, comemora-se o

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Dia do Idoso na mesma data do Dia Internacional do Idoso, estabelecido pela Organização

das Nações Unidas (ONU) na Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em

1982, na Áustria. Foi a Lei nº 11.443, de 28 de dezembro de 2006, que instituiu no Brasil

o dia 1º de outubro para as comemorações, além de determinar que os órgãos públicos sejam

os responsáveis pela coordenação e implementação da Política Nacional do Idoso, a

realização e a divulgação de eventos que valorizem a pessoa idosa na sociedade (IBGE, 2012).

De acordo com pesquisas apresentadas pelo IBGE (2013), o Censo Demográfico 2010

revelava um aumento da população com 65 anos ou mais, que era de 4,8% em 1991, passando

a 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010. A região Norte, apesar do contínuo

envelhecimento observado nas duas últimas décadas, ainda apresenta uma população bastante

jovem, devido aos altos níveis de fecundidade no passado. Já as regiões Sudeste e Sul são

as que apresentam as maiores proporções de idosos na população total, mantendo-se como as

duas regiões mais envelhecidas do país. Ambas tinham, em 2010, 8,1% da população formada

por idosos com 65 anos ou mais (IBGE, 2013).

Conforme as sinopses de pesquisas do IBGE (2011) demonstravam, 7,6% da

população eram crianças com idade de até 5 anos, número menor que os registrados pelo

levantamento de 2000 (9,8%) e de 1991 (11,5%). Na outra ponta, a população de idosos,

acima de 65 anos, crescia. Em 1991, os idosos representavam 4,8% da população, em 2000,

5,8%, e em 2004 chegam a 7,4%. Do total de 190.755.799 da população brasileira,

14.081.480 tinham 65 anos ou mais. De acordo com o levantamento apresentado, o IBGE

dividiu os idosos em quatro faixas etárias: de 65 a 69 anos, de 70 a 74 anos, de 75 a 79 anos e

acima de 80 anos. Desses grupos, o que possuía a maior população era a da primeira faixa,

com 4.840.810 pessoas com idade entre 65 e 69 anos. Entre os Estados com mais idosos,

o IBGE listou o Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro, o Distrito Federal e São Paulo,

considerados os mais envelhecidos do país.

No meio da pirâmide, observava-se também uma redução na população com idade

de até 25 anos. O motivo, segundo o IBGE (2011), é o contínuo declínio dos níveis de

fecundidade observados no Brasil e, em menor parte, a queda da mortalidade nas últimas

décadas. Esses dados são extremamente representativos para a compreensão acerca do

crescimento da população de idosos no Brasil. Baseando-se nos dados do IBGE (2011),

as mulheres representavam 55,5% da população idosa brasileira e 61% do contingente de

idosos acima de 80 anos, e esses resultados estão fundamentados no fato de que, em média,

a expectativa de vida feminina é 8 vezes maior, pois acidentes fatais ocorrem mais

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frequentemente com homens jovens e as mulheres são mais adeptas ao acompanhamento

médico ao longo de suas vidas (KÜCHEMANN, 2012).

No entanto, é preciso mencionar que, além da feminilização da velhice, existem

algumas outras peculiaridades do fenômeno do envelhecimento populacional e apontar que

o contexto do envelhecimento no Brasil é tecido entre as defasagens socioeconômicas

e a ausência de investimento efetivo na educação, resultando em uma somatória de problemas

por falta de recursos:

Este é, portanto, o esboço de nosso envelhecimento populacional: permeado pela profunda desigualdade social que caracteriza a estrutura socioeconômica brasileira e, consequentemente, artificial, desvinculado de uma consciência social que garanta ao indivíduo em processo de “envelhecer” condições de uma existência digna, cercada de bem-estar social, psicológico e de uma boa qualidade de vida assegurada (DUARTE; SANTOS, 2004, p. 3).

Os idosos configuram uma representação social muito diferente em relação ao lugar,

à função e aos papéis que ocuparam até agora, pois é possível verificar que, no âmbito social,

educacional, laboral, familiar e conjugal, o lugar do idoso vem ocupando uma importante

variação. Portanto, o crescimento do número de idosos no Brasil e no mundo é um fator

expressivo e aponta para uma constatação interessante, pois além de serem mais numerosos

(no sentido de sobreviverem por mais tempo), eles podem ser agora também diferentes no que

tange a suas escolhas, autonomia para decisões e expressão social de suas vontades.

Idosos têm se apoderado de cargos e funções de relevância e destaque de uma maneira

produtiva, que fornece a continuidade de seus planos de trabalho concomitantemente a outros

projetos de vida que ainda se iniciam em idades avançadas. Nesses casos, a aposentadoria se

torna uma escolha a ser ponderada e não uma consequência compulsória ligada à idade.

Mesmo assim, o contexto previdenciário no Brasil é um tema preocupante, pois as estimativas

apontam que em 2060 os idosos serão um em cada três brasileiros, implicando em urgência

no replanejamento do sistema previdenciário atual, de acordo com a pesquisa de Paiva et al

(2016) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2016). Nesse sentido, afirmam

Camarano e Fernandes (2016, p. 290) “o perfil do sistema previdenciário construído hoje

influirá na distribuição futura da renda das famílias”, por isso, o financiamento da previdência

social é um desafio que inclui repensar, dentre muitas questões, também as aposentadorias

por idade, ampliando a discussão acerca da capacidade de produtividade versus a idade,

da adaptação às mudanças tecnológicas e organizacionais e do trabalho informal.

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Assim, proporcionalmente, uma gama de serviços vem sendo aprimorados para

atender as necessidades e os desejos dessa população idosa crescente. No que se refere

às necessidades, temos as adaptações e os serviços de privilégio, preferencialidade

(colocando-nos a refletir sobre aspectos da “preferencial idade”) ou exclusividade que visam

a assegurar direitos (como em bancos, comércios, transporte público). Quanto ao que se

entende por satisfação ou manutenção dos desejos (que também não deixam de ser

necessidades), estão os serviços ligados ao acesso à educação privada ou pública nas

universidades da terceira idade (e também na educação em geral), pacotes de turismo

especializados, academias públicas ou privadas da terceira idade e treinamentos desportivos,

cuidados médicos, nutricionais, psicológicos, fisioterapêuticos e de reabilitação, enfim, de

toda a área da saúde voltada ao idoso, serviços que a cada dia percebem a importância de

integrar a gerontologia aos saberes já consolidados. Idosos necessitam de cuidados específicos

que precisam ser pensados para atender essa população que cresce rápida e significativamente.

No entanto, quando se trata de apontar questões relativas aos serviços de saúde e

asseguramento de direitos aos idosos, apesar de o Estado prover serviços básicos de saúde

para essa população, estes estão aquém de atender as necessidades e a demanda crescente de

idosos, ficando mais restritos aos que são capazes de custear serviços (KÜCHEMANN, 2012).

Observando a representação que se faz do idoso em vários segmentos, destaca-se

que o idoso não é só um sobrevivente do ciclo de vida, mas um ser atuante em busca de

lugar e espaço na sociedade. Para Silva (2015), instrumentos midiáticos têm grande influência

no imaginário da população e significativa interferência acerca de comportamentos e

costumes ao expor estereótipos, assim, um exemplo interessante de como o tema está em foco

no cotidiano dos meios de comunicação de massa é o especial chamado Doce de Mãe,

homônimo do filme em 2012, apresentado pela rede Globo de Televisão no ano de 2014,

com a atriz Fernanda Montenegro como protagonista de uma história que retrata uma idosa na

quarta idade, que mora sozinha, é independente, ativa, participativa na vida da comunidade

e que, por isso, é vista pelos filhos como sendo excêntrica, pois eles esperavam dela um

comportamento de idosa recatada, passiva, que envelhece cuidando da casa e da comida,

fazendo bordados, e fugir deste padrão comportamental provoca estranheza. Por esse

trabalho, Fernanda Montenegro, aos 84 anos, ganhou o Emmy Internacional (41a edição)

de melhor atriz.

Verificou-se, igualmente na mídia, que as comemorações referentes ao Dia do Idoso

foram marcadas pela pontuação das insatisfações que os velhos apresentam. O Dia Mundial

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do Idoso é comemorado em 1º de outubro e as notícias telejornalísticas de diversas redes

no Brasil, naquele ano de 2013, tomado aqui como exemplo, versaram sobre as atividades

recreativas e comemorativas empreendidas no país, mas também sobre a estatística de cerca

de 24 milhões de brasileiros idosos e o quanto as queixas dessa população se referem ainda a

dificuldades de acesso a direitos implementados pelo Estatuto do Idoso.

Os idosos relatam, de forma geral, que a situação de uso dos serviços médicos ainda

é precária e que necessitariam de atendimento privilegiado, indicam que os planos de saúde

privado são abusivos quando se ultrapassa os 65 anos de idade, pois dobram os valores

ou simplesmente recusam-se a aceitar idosos em seus programas. O uso de assentos

preferencias nos ônibus ainda gera discussão por parte da população, que não respeita o

direito do idoso e não os trata com a devida educação ou o respeito que julgam merecer.

Uma pesquisa recente realizada por Silva (2015) com idosos sobre seus direitos e outros

temas demonstra que os idosos brasileiros apontam problemas e dificuldades gerais, sendo a

precária infraestrutura uma de suas principais queixas, o que causa intenso impacto em

pessoas consideradas mais vulneráveis, enquanto os direitos do idoso podem ser interpretados

como privilégios, gerando preconceito social.

No Dia Mundial do Idoso comemorado no ano de 2013, tomado também como

exemplo, foi veiculada uma notícia sobre os resultados de uma pesquisa realizada pelo Global

AgeWatch Index, endossada pela ONU, sobre o melhor lugar do mundo para envelhecer

ou qual o melhor país para se viver a velhice. Em um ranking com 91 países, a Suécia ocupou

o primeiro lugar e o Afeganistão o último. A pesquisa localizou o Brasil como sendo o

trigésimo primeiro em qualidade de vida para os idosos. Dentre os aspectos levantados,

a classificação envolveu o bem-estar social e econômico dos idosos nos países pesquisados

comparando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências globais sobre

renda, saúde, educação, emprego e entorno dos idosos. Existem países onde os recursos não

são tão escassos e a divisão deles permite oferecer boa qualidade de vida para qualquer pessoa

viver bem e, certamente, envelhecer em lugares assim parece uma boa alternativa.

Idosos, como tema e população específica, tornam-se destaque em discussões sobre

o tempo em que a vida vem se ampliando, mas também sobre a preocupação crescente com

a qualidade de vida para os de agora e os que ainda viverão a chamada quarta idade.

Diante das notícias apresentadas, pode-se dizer que é uma realidade a participação de idosos

mais atuantes, reivindicando direitos, usufruindo de condições de independência e autonomia

para a tomada de suas decisões.

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O fenômeno da quarta idade é um fenômeno recente, cunhado nos anos de 1990

para suprir a necessidade de mencionar aqueles que estavam vivendo além dos sessenta anos,

ou seja, a chamada terceira idade, cunhada nos anos de 1940-50. O termo quarta idade

é cada vez mais usado e é cada vez mais comum mencionar que as pessoas estão vivendo

mais tempo. O grupo de pessoas centenárias aumenta significativamente no mundo a cada

ano e no Brasil, apesar de desatualizados, pode-se afirmar que esses números só crescem.

Segundo o IBGE (2002), as projeções estimavam que o número de pessoas com 100 anos de

idade ou mais aumentaria 15 vezes, passando de 145.000 pessoas em 1999 para 2,2 milhões

em 2050. Os centenários, no Brasil, somavam 13.865 em 1991, e já em 2000 chegaram a

24.576 pessoas, ou seja, o número de habitantes com 100 anos ou mais aumentou 77%,

enquanto a população total cresceu 15,6%. As inovações no processo de envelhecimento

e o número significativo de pessoas cada vez mais velhas mobilizaram uma necessidade

importante de redefinição do ciclo vital, que gerou acolhimento e críticas. A definição

numérica empreendida por Laslett, traduzida e discutida por Silva (2008, p. 803), redefine as

idades em função do advento da terceira idade:

A redefinição de todo o ciclo da vida em função do surgimento da noção de terceira idade transforma a infância em primeira idade, a idade adulta em segunda idade, o novo período que surge em terceira idade; e a velhice nas etapas mais tardias,em quarta idade. Neste esquema, a divisão entre as diferentes etapas da vida não se dá por meio de datas de aniversário ou outros critérios biológicos, mas por meio de atividades e características específicas.

Essa concepção numérica não é suficiente para explanar a questão das idades

avançadas, mas ilustra bem o aparecimento de novas idades nos processos de

desenvolvimento humano.

A possibilidade de convivência entre as gerações é um dos desafios que surgem

quando pensamos na longevidade estendida, o que exige compreensão da representação

dessas diferentes idades e formas de existir para que se faça uma integração de recursos,

dos mais jovens e dos mais velhos, visando a uma efetiva comunicação, uma transmissão

intergeracional que transforme a forma de ver os velhos. As sociedades precisam estar

preparadas para conviver com os velhos e replanejar o meio urbano e social, assim como

permitir acesso aos recursos disponíveis para que eles se mantenham saudáveis e produtivos.

O fato de se discutir tanto sobre a velhice na atualidade vem ao encontro do número

crescente de pessoas que conseguem chegar a terceira e quarta idades, comprovando que

a vida média do ser humano, de fato, está se prolongando. Há uma procura por produtos

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e atividades nas mais diversas áreas neste novo nicho de mercado, os profissionais vêm sendo

requisitados pelo público idoso ao passo que também envelhecem na ativa, pois, para todos,

a aposentadoria fica cada vez mais postergada (GALIÁS, 2012). Assim, devemos esperar que,

cada vez mais, os velhos sejam os usuários dos mais diversos tipos de serviços, não só de

saúde, mas de todos os gêneros.

Pensando no velho de antigamente e no velho de hoje, Galiás (2012) reflete que os

velhos fazem parte de um fenômeno recente e, por isso, não temos conhecimento aprofundado

nem muitos conceitos exatos. Antes, os velhos ou velhas representavam uma categoria de

pessoas com seus cabelos brancos, afastados da vida profissional, que se distraíam com seus

netos ou bisnetos, estavam à margem da família ou eram cuidados por estas. Hoje, o velho ou

a velha estão na ativa, trabalham, passeiam, viajam, estão atuantes profissionalmente,

namoram e têm vida sexual ativa, às vezes, são os responsáveis pela manutenção financeira

de suas famílias, ou seja, “produzem e consomem” (GALIÁS, 2012, p. 22).

Basta atentar-se para os significativos índices brasileiros que apresentam cada vez

mais idosos responsáveis pelos domicílios, um ligeiro aumento de idosos alfabetizados

e um aumento de idosos que moram sozinhos (IBGE, 2002). O perfil do idoso vem

gradativamente sendo modificado pelas práticas sociais (acesso educacional e saúde,

assistência e universalização da seguridade social), possibilitando algumas escolhas:

“[...] o aumento da proporção de idosos vivendo sozinhos traz à tona questões sobre as

condições que devem ser oferecidas a esses idosos, com tendência de vida cada vez mais

autônoma e integrada” (IBGE, 2002, n.p.).

Quando o idoso escolhe não viver na casa dos filhos, optando por morar sozinho

ou em instituição de longa permanência, pode-se pensar em outras possibilidades que não só o

abandono. Idosos que optam por viver sozinhos podem indicar que possuem condições de

arcarem com suas próprias despesas, desejam manter sua privacidade, sua casa, sua história

de vida e seus pertences pessoais, marcando, dessa maneira, uma identidade. Estudo realizado

na Inglaterra, Escócia, no País de Gales e na Irlanda do Norte em 2011 aponta que a maior

parte da população idosa não é dependente de cuidados para sobreviver. Considerando as

diferenças regionais e as desigualdades socioeconômicas, o Brasil apresenta idosos ativos,

que querem permanecer no mundo do trabalho, aprimorar suas capacidades profissionais,

manter ou ampliar seus empreendimentos individuais ou coletivos e também não necessitam

de cuidados (WHO, s.d.). Mas existem diversas outras variações: o idoso pode ter necessidade

de um cuidador ou de ajuda financeira nas contas mensais e, mesmo assim, manter-se

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participativo e respeitado em suas decisões. A autonomia é uma atitude atrelada à congruência

de muitos fatores (independência, respeito, interlocução, postura pessoal versus família versus

sociedade) e, por isso, configura-se como um tema complexo.

A ideia de que a pessoa após certa idade deixa de desejar e automaticamente perde sua

autonomia está ainda muito presente no senso comum, persistindo a noção de que os velhos

detêm uma sabedoria especial e isso, apenas isso, os sustentaria para enfrentar os percalços

do envelhecimento, assim, resquícios da concepção de que os velhos são sábios, que portam

algo da experiência que os jovens não possuem, fazem-nos olhar para a velhice como uma

entidade à parte. Essa visão moral de serenização e sabedoria dos idosos se estendia a todos

os âmbitos do envelhecimento, inclusive aos desejos, aos sonhos e às fantasias, nas

expectativas de vida, do trabalho e dos projetos e também no campo da sexualidade.

Aos velhos restava a conformidade aos moldes sociais, que enquadravam as pessoas velhas

como aquelas já cansadas, sem libido, estagnadas, sem planos para o futuro e, por isso,

incapazes de transformações internas.

Nesse quesito, na obra As novas sessentonas (POMPEU; FIGUEIREDO, 2013), as

autoras apontam suas verdades sobre como envelhecer de uma maneira nova: consideram-se

as novas sessentonas ou as novas anciãs, aquelas que descobriram novas potencialidades

depois dos 60 anos e continuaram a investir em seus projetos ou se permitiram criar novos

projetos. A inovação, tradicionalmente, não é vista como uma característica necessariamente

ligada ao envelhecimento, uma vez que a própria terminologia “senescência” ou “senilidade”

indicam a gradativa perda, o declínio e não a ação nova ou a criação. Essas autoras reuniram

suas crônicas de vida e apresentam novos modelos não estanques para a construção de uma

nova forma de se fazer velho no mundo. Elas ilustram uma representação social atual do

velho e isso significa dizer que a experiência e a sabedoria adquiridas ao longo da trajetória

de vida são, de fato, significativas, mas não exatamente serenizam a pessoa para o passar do

tempo. Nos relatos dessas idosas, há sexualidade, vitalidade, desejos, trabalho e vínculos

ativos. As crônicas das novas sessentonas refletem bem o pensamento preconizado por Laslett

em sua obra A Fresh Map of Life: the emergence of the third age1, escrita em 1989

(apud SILVA, 2008), que trabalha exatamente a noção de que não existe um role model,

ou modelo ideal, para se viver a velhice, seja a terceira ou a quarta idade, afinal, os mais

velhos de hoje não experimentaram muitos modelos vivos que os antecederam e, por isso,

                                                                                                               1 Cf. LASLETT, P. A. Fresh Map of Life. The Emergence of the Third Age. United States of America: Harvard University Press, 1989.

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sua principal característica é justamente a possibilidade de invenção. Assim, Silva (2008,

p. 804) destaca que “a experiência, as perspectivas e as suposições de seus pais e avós não

podem constituir-se como guias apropriados para seu comportamento como sujeitos que

vivem a terceira idade”, uma vez que contextos sociais foram profundamente modificados

e as condições concretas de existência, como menor expectativa de vida na época, faziam

as vivências extremamente diferentes das atuais. Vistos dessa maneira, a inovação, criação

ou invenção de maneiras de viver a velhice constitui-se em algo desafiador e estimulante

não só do ponto de vista individual, mas também da perspectiva de uma construção coletiva

da imagem e da representação do idoso.

De fato, para manter-se ativo, o velho necessita ocupar um lugar acrescido de valor na

teia social: envelhecer faz parte do ciclo vital, mas é uma etapa ainda carente de novas e

múltiplas representações que configurem diversas formas de envelhecer e de ser velho.

As diferentes representações permitem ao velho não perder a conexão com o mundo de hoje.

Assim, o valor do velho não fica atrelado somente ao seu passado, àquilo que foi um dia,

ao seu legado de vida, à memória de seus atos, à construção já edificada de experiência,

mas também à possibilidade de participar e acessar o presente, colocar-se diante do que está

por vir e fazer suas escolhas.

Então, essas idosas de hoje apontadas na obra das novas sessentonas fazem um

contraponto com a obra de Beauvoir, pois destacam como foram pioneiras geracionais desses

tempos modernos, em que podem desfrutar de serem filhas, mães e avós ao mesmo tempo,

pois muitas delas têm seus pais ainda vivos e puderam compreender o funcionamento das três

gerações. A isso contrapõem que “casar é opcional, ser mãe não é obrigação, ser avó não é

mais imprescindível” (POMPEU, 2013, p. 22). Nesse aspecto, resgatam a história, mas não

se acomodam a ela, defendem o envelhecimento e a liberdade feminina com a sabedoria de

quem já atravessou a ditadura, a repressão da sexualidade num universo machista-patriarcal,

lutou pela escolha de se casar por amor e de se aventurar no mercado de trabalho em várias

de suas idades.

Na descoberta desse novo jeito de se perceber como velho ou velha, cabe o relato de

como algumas pessoas idosas ainda se sentem iguais, não são outras pessoas, são as mesmas

de antes. A idade chega para todas, ficam perplexas, mas se adaptam ao novo de tudo

para permanecerem elas mesmas. É possível verificar que ao envelhecer, muitas pessoas,

várias vezes oscilam entre sentirem a idade e não se perceberem velhas, tendem a remontar

suas imagens conforme uma eterna juventude, sentem-se ora velhas ora novas, assim, negam

a velhice como um marco definitivo em suas existências, preferem cultivar em si todas as

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idades (menina, mulher, anciã). Às vezes, zombam de como as crianças e os velhos gozam

de vantagens e prerrogativas (meia-entrada, atendimento prioritário na fila ou filas exclusivas,

sentar nos bancos reservados, estacionar em vagas privativas), talvez porque a sociedade

considere que devem pagar meia por não serem pessoas inteiras (POMPEU, 2013).

Um novo modelo de velhice foi sendo construído a partir das experimentações das

pessoas que estavam vivendo mais tempo e necessitando ora se adaptar a uma sociedade

constituída ora fazer inserções inovadoras nessa mesma sociedade. Dessa forma, para Silva

(2008), antes as imagens retratavam o envelhecimento articulado somente ao descanso,

à quietude e à inatividade, agora surge um modelo identitário que inclui, em sua definição,

o estímulo à atividade, à aprendizagem, à flexibilidade, ao aumento da satisfação pessoal

e à formação de vínculos afetivos inéditos.

Assim, na mesma linha de pensamento, é evidente que as pessoas continuem a se

desenvolver e a buscar a realização de seus projetos durante toda a vida, pois o processo de

individuação não cessa senão com a morte (GALIÁS, 2012).

A articulação entre os textos de autores que retratam a velhice em épocas distintas,

agrupando conhecimentos que representam o velho de antigamente e o velho contemporâneo,

aponta que existem configurações sociais que permanecem no imaginário e no senso comum

à espera de serem rompidas. A leitura da obra de Simone de Beauvoir serviu na época, e serve

ainda hoje, justamente para quebrar a conspiração do silêncio e perturbar a tranquilidade

numa “sociedade de consumo onde o velho estava condenado à miséria, à solidão,

às deficiências, ao desespero” (BEAUVOIR, 1990, p. 8). A velhice não estava e não está

demarcada exatamente na cronologia, a idade não caracteriza a velhice por si só, não existem

rituais de passagem que sejam claros e forneçam fronteiras exatas para a entrada na velhice.

Dessa maneira, é importante resgatar o pensamento e recortes dos tempos históricos que

tratavam do envelhecimento para compreender a posterior aproximação teórica entre

domínios da psicologia, gerontologia, filosofia, sociologia. Simone de Beauvoir é ícone

representativo do aprofundamento filosófico nos campos do feminino, da família,

do envelhecimento, e nos faz pensar em como nos são atuais as pontuações construídas

em 1970. Entrelaçar combinações teóricas sobre o velho de antes e o velho de hoje,

contando com o arcabouço também dos pensadores contemporâneos, permite-nos uma

percepção da situação do velho, mas também nos indica de que forma evoluímos em relação

ao envelhecer atual.

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2.2 A FAMÍLIA CUIDADORA E O IDOSO

Cuidar dos idosos significa, antes de tudo, entrar

em contato com o nosso próprio processo

de envelhecimento. Trata-se de sentirmos a

dimensão do tempo, a realidade nos constituindo

como ser e estarmos conscientes dos movimentos

do ciclo da vida.

Leo Pessini e José Eduardo Siqueira

A família é considerada a célula principal da sociedade, representando e transmitindo

valores, princípios éticos e consensuais que imperam na sociedade na qual está inserida

e mudando de configuração e arranjo conforme são transformados os valores sociais e

culturais vigentes. A família, portanto, representa uma história cultural e abriga a história

pessoal e particular de seus membros. Quando algo muda na sociedade, a família,

por consequência, absorve parte da mudança e se transforma ao longo do tempo para abrigar

novas formas de configuração possível. Assim acontece com os casamentos múltiplos,

om as famílias-mosaico, com as adoções, com as uniões homoafetivas, com o acolhimento

de agregados não consanguíneos e tantas outras possibilidades. A instituição familiar perdura

ao longo da trajetória do tempo histórico da humanidade, resistindo em sua estrutura,

mas modificando-se em seus arranjos. Prova disso são as inserções e configurações

contemporâneas, sendo questões impensáveis em épocas anteriores da história e

absolutamente comuns na atualidade.

Dessen (2010, p. 211) destaca que as abordagens contemporâneas no estudo da família

têm definido suas premissas pensando que são diversos os tipos e as possibilidades de família

nos tempos atuais. Para a autora, existem vários arranjos familiares: as pessoas solteiras que

vivem sozinhas, cônjuges não casados que habitam a mesma casa, o casamento experimental

ou a convivência temporária antes da tomada de decisão de oficializar o casamento, os casais

homossexuais, as famílias recasadas, os cônjuges que moram em casas diferentes e as pessoas

que vivem com parentes que exigem cuidados, e todas essas formas são construções baseadas

nos sentimentos subjetivos nutridos pelas pessoas envolvidas.

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Assim, uma definição contemporânea e abrangente de família deve estar baseada na

opinião de seus membros, considerando a afetividade e a proximidade com os entes queridos

como critério para a composição de família. É por isso que variáveis como consanguinidade,

continuidade ao longo da vida, relacionamento heterossexual, divisão da mesma casa, por si

só, não definem o que seja família. Dessa maneira, uma definição possível aponta que

“os familiares são aqueles com os quais mantemos um vínculo baseado na intimidade e nas

relações intergeracionais” (DESSEN, 2010, p. 211). Vislumbrando tais fatores, uma pessoa

pode ser considerada como parte da família mesmo sem ter qualquer tipo de laço jurídico ou

consanguinidade: pode ser alguém que ocupa um papel de cuidador ou um amigo presente.

A família, em seus inúmeros arranjos, reflete a forma como o idoso é tratado no seio

da sociedade, pois “a família exerce papel fundamental no bem-estar de seus membros”

(CAMARANO; KANSO, 2011, p. 64) e quando os membros envelhecem ou adoecem,

os papéis familiares flutuam, de acordo com diferentes momentos do ciclo de vida familiar e a

necessidade de cuidados específicos. Para Franco (2008, p. 358) “o importante ao se tratar

uma família com câncer é identificar quem é a família daquele paciente, quem ele define

como sua família”, ou seja, o círculo com o qual a pessoa doente troca informações, sente-se

segura e ligada por fortes vínculos – pessoais, recíprocos ou obrigatórios.

Zimerman (2000) menciona que algumas famílias apresentam características

importantes, as quais, para a autora, são classificadas em categorias específicas, mas que na

prática podem dificultar o relacionamento e o cuidado com os seus idosos, assim como com

os cuidadores remunerados ou profissionais da saúde. Nesse raciocínio, as famílias podem

se apresentar com um funcionamento interessante diante da necessidade de seus idosos.

Existem aquelas que supervalorizam a parte médica e acabam correndo o risco de

medicalização do velho; há também as famílias depressivas, que são pessimistas ao extremo e

correm o risco de pesar o clima familiar, colocando o velho numa posição de desânimo

e pouca ou nenhuma estimulação; verifica-se, ainda, as famílias intelectualizadas, que usam

da racionalização como um mecanismo de compreensão e, na realização do cuidado, acabam

tendo muita dificuldade de sentir as necessidades reais do velho; ou, ainda, as famílias

ressentidas, que agem com agressividade ou indiferença diante das necessidades do velho,

como uma forma de vingança ou punição pelos atos do passado. As famílias denominadas

como complicadas carregam um relacionamento muito conturbado entre os membros, e isso

se reflete nos cuidados com o velho; as famílias obsessivas exigem a perfeição, a organização

e a ordem, que devem prevalecer mesmo com risco de não promoverem o bem-estar do idoso.

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As famílias classificadas como histéricas demonstram reações extremamente exageradas

diante de qualquer acontecimento, essa desproporção gera cuidados inseguros, ansiedade e

desconforto no velho. As famílias impermeáveis possuem resistências em aceitar qualquer

tipo de interferência na forma de cuidado que praticaram durante toda a vida, mesmo que o

velho necessite de inovações no manejo. As famílias fechadas podem esconder algum tipo de

segredo ou sentem vergonha por algo que não pode ser compartilhado, e as famílias

paranoides temem perder seus papéis ou funções e acreditam que as interferências podem

desestabilizar o sistema ou que serão submetidos a algum tipo de controle externo e podem

boicotar as informações ou prescrições da equipe de saúde. As famílias de aparência mantêm

um esmero e cuidado adequado ao velho diante da comunidade, porém, quando estão livres

de qualquer tipo de vigilância, acabam colocando o velho em situação de abandono ou

negligência. As famílias que esperam o impossível depositam na figura do cuidador

profissional uma gama de expectativas inatingíveis, exigindo que todos os problemas do

velho e de toda a família sejam sanados mesmo diante de condições irrealizáveis.

Tais classificações são ilustrativas para a percepção de múltiplas facetas, necessidades e tipos

de funcionamento familiar, não sendo jamais uma relação linear e simples que se estabelece

na realização dos cuidados familiares com os idosos.

Em geral, as famílias estão envolvidas com a doença de seus membros desde antes

do estabelecimento do diagnóstico, pois podem participar da percepção dos sintomas,

da indicação de consulta médica ou mesmo ser consultada diante da necessidade de decisões

acerca das condutas. Na confirmação diagnóstica, a família necessita de ajustes em sua

dinâmica emocional e reorganização de papéis e funções, inclusive, desenvolve mecanismos

para identificar ou escolher um cuidador entre seus membros (FRANCO, 2008).

Quando idosos necessitam de cuidados devido ao envelhecimento gradativo ou em

casos de doenças ou estados críticos, são os familiares, como cônjuges, filhos e mesmo

amigos, que passam a ocupar a posição de cuidadores. De acordo com Born (2010), não só no

Brasil, mas também em países mais ricos, cerca de 95% dos idosos são cuidados pela família,

sendo este um papel assumido devido às circunstâncias e não às escolhas de carreira. Hardin

(2012) destaca, em relação aos cuidadores, que os cônjuges também podem ser idosos e, por

isso, não conseguirem executar os cuidados necessários, que os filhos ou as crianças podem

estar vivendo distantemente e, assim, fornecerem cuidados alternativos, como as informações

e os dados familiares, e os parentes podem viver em localidades distantes e, então, os amigos

podem ser acionados como cuidadores.

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Além disso, são familiares do sexo feminino, na maioria das vezes, as responsáveis

pelos cuidados com os idosos e doentes (AGICH, 2008; MORAES, 2012; PY, 2004),

configurando um cuidado denominado de primário, não remunerado e informal (MATA et al,

2013), desenvolvido através da prestação de um tipo de cuidado que engloba a execução de

tarefas higiênicas, ministração de medicamentos, realização de procedimentos como curativos

e manobras de mobilização ou imobilização, vigilância e permanência realizada em forma

de companhia e apoio e, consequentemente, responsabilização, partilhada ou absoluta,

em questões pontuais ou integrais, com interferência parcial ou completa, dependendo das

condições de dependência parcial ou total em que o paciente se encontra, pela tomada

de decisões que envolvem o cuidado ou mesmo a rotina de vida da pessoa idosa, doente

ou dependente.

O conceito de cuidador informal obteve nos últimos anos particular relevo, quer ao

nível da literatura, quer ao nível da investigação em gerontologia (MATA et al, 2013),

e, como já dito, são exercidos majoritariamente por mulheres. No Brasil, o perfil dos

cuidadores de idosos, segundo estudos de Araújo e Fernandes (2015), apresenta-se como

composto por mulheres (85%), sendo filhas ou cônjuges com idades que variam de 26 a 86

anos (média de 50 anos), cerca de 50% delas possui apenas o ensino básico, aproximadamente

55% são casadas, a grande maioria (95%) é cuidadora informal e não são remuneradas pelo

ato do cuidar, sendo que mais de 80% delas exerce a função de cuidadora por mais de 2 anos.

Segundo a pesquisa de Puig (2015) sobre os cuidadores informais de idosos

dependentes do Programa de Atenção Domiciliar da Catalunha (Barcelona, Espanha),

a maioria desses cuidadores também é composta por mulheres, mas estas são idosas e

apresentam uma ou mais condições crônicas, têm um déficit de autocuidado, expressaram

pouca vida social e pessoal, sentem sobrecarga e sentimentos contraditórios quanto ao

cuidado desempenhado.

Mesmo diante das inúmeras mudanças no arranjo familiar devido à crescente inserção

das mulheres no mercado de trabalho, ao crescente número de mulheres responsáveis

integralmente ou parcialmente pela provisão dos recursos financeiros para a família e, ainda,

ao intensivo questionamento das feministas acerca dos papéis tradicionais de gênero, ainda

assim, segue basicamente hegemônica a compreensão de que o trabalho doméstico,

a socialização das crianças e o cuidado com pessoas idosas e doentes são de responsabilidade

quase que exclusiva das mulheres (KÜCHEMANN, 2012; OMS, 2005).

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Para Agich (2008), os idosos, quando com necessidades de cuidados, também

preferem que estes sejam realizados pela família, ou seja, por pessoas com as quais possuem

laços de afeição, não importando o quão bem treinadas ou qualificadas sejam, pois entregam

parte do seu eu ao provedor de cuidados e não apenas uma parte de seu corpo. Essa relação,

quando se estabelece de maneira confiável e segura, permitindo que o idoso expresse

suas crenças e valores, assegura que as decisões possam ser tomadas pela família “sem

uma usurpação da autonomia do idoso dependente”, e assim, “poderiam ser feitas com a

aprovação do idoso dependente que se coloca voluntariamente nas mãos das pessoas amadas”

(AGICH, 2008, p. 155).

Por isso, cuidar de pessoas idosas requer disponibilidade e a percepção acurada das

necessidades do velho e também o conhecimento dos próprios limites do cuidador, visto que

é uma tarefa trabalhosa, dedicada, que exige tolerância extrema e discernimento dos

diferentes momentos e das diferentes capacidades para, assim, verificar até onde se deve

estimular o velho ao autocuidado, “deixando-o fazer” por si mesmo, ou orientá-lo ao cuidado

e “fazer com ele”, na intenção de supervisionar um cuidado acompanhado ou, ainda, perceber

o momento de “fazer por ele”, assumindo as tarefas que o idoso simplesmente não consegue

realizar. Todo esse processo requer sensibilidade, respeito, abdicação e, certamente, causa um

enorme impacto também na vida do cuidador:

[…] o trabalho do cuidado aos/às idosos/as deve ser encarado tanto do ponto de vista da pessoa que recebe cuidados, como da pessoa que cuida. Deve contemplar não somente a qualidade dos serviços oferecidos aos/às idosos/as por seus familiares, como também o impacto que as tarefas do cuidado têm na qualidade de vida dos/as cuidadores/as familiares (KÜCHEMANN, 2012, p.169).

Hardin (2012) afirma que as famílias e os próprios pacientes podem se beneficiar

muito do desenvolvimento de certas características, que são classificadas dentro de um

modelo sinérgico de assistência (Synergy Model) compilado pela American Association

of Critical-Care Nurses (AACN), com foco na importância da participação dos familiares no

cuidado de pacientes idosos. Aquelas famílias que possuem membros com habilidades para

serem cuidadores voluntários devem incentivá-los. O cuidador familiar que ativamente se faz

presente pode aprender procedimentos simples junto da equipe hospitalar para posteriormente

realizá-los no domicílio quando for necessário, mas, principalmente, facilitar a comunicação

entre os membros familiares e a equipe, relatar aos demais familiares as ocorrências e a rotina

do idoso no hospital para compartilhamento de cuidados e percepções e, assim, promover

melhor comunicação e confiança entre todos os envolvidos (HARDIN, 2012).

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Para Hardin (2012), a participação da família no cuidado pode ser o último presente

que é dado na vida de um paciente mais velho. Essa é uma importante contribuição quando

pensamos nas necessidades de idosos hospitalizados com câncer, pois a interação entre

os profissionais e os cuidadores familiares permite que se conheça mais intimamente o

paciente como uma pessoa, evitando a prática comum de infantilização e despersonalização

(AGICH, 2008), favorecendo o atendimento individualizado e respeitando a intimidade

daquele paciente. Equipes de saúde dependem da história relatada por membros da família

para estabelecer seus protocolos quando o paciente está gravemente enfermo e não pode

comunicar-se por si mesmo.

Silva (2015) compreende que mesmo o cuidador melhor intencionado se depara

com desafios em diferentes graus, como identificar e reportar sintomas, acionar e dialogar

com os profissionais de saúde, ministrar medicações nos horários e nas posologias corretas,

observar os efeitos dos tratamentos e fármacos, lidar com a resistência e a aderência do

paciente ao tratamento, auxiliar desde as atividades básicas até as mais sofisticadas, ocupar-se

do idoso acamado e disponibilizar atenção especial junto ao leito, e atender a expectativa

de idosos, da comunidade e do Estado quanto ao cumprimento dessas multitarefas, pois

“devem ser executadas ainda respeitando a autonomia do idoso, coordenando interesses dele,

de sua família e dos profissionais envolvidos, com afeto e diligência” (SILVA, 2015, p. 119).

Nesse sentido, é a qualidade dos vínculos (BOWLBY, 2006) que são estabelecidos

ao longo da vida, ou seja, a criação e o reconhecimento dos laços de parentalidade que

definem o tipo de cuidado que será prestado ao idoso, mesmo numa sociedade em que quase

todos precisam trabalhar e cuidar de suas próprias necessidades, restando poucos membros

para uma dedicação mais efetiva ao velho. Quem irá cuidar do idoso, do velho com

dificuldades ou condições especiais, do velho com as “envelhescências” esperadas, do velho

com doença, do velho com câncer? Com ou sem doença, os velhos, por sua condição natural

de degradação, necessitam/necessitarão de cuidados em algum momento de suas vidas.

Essa configuração vem sendo modelada ao longo dos anos e tem efeitos importantes

não só no perfil da população, mas também no tipo de serviços e políticas públicas, bases

necessárias para a promoção de qualidade de vida para o idoso. Ocorre, com base na situação

econômica, uma constatação de que as famílias têm enfrentado a diminuição no número

de membros por conta das dificuldades de subsistência e que também os idosos enfrentam

o alargamento no tempo de vida com sérias restrições orçamentárias, assim:

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Em um país em vias de desenvolvimento, regulado por um modelo econômico ineficiente e injusto, o alto custo proveniente da maternidade e criação dos filhos faz com que ocorra uma redução da natalidade na maioria das famílias brasileiras. Por outro lado, uma situação precária de subsistência básica, associada a um trabalho quase escravizante e mal recompensado, faz dos idosos subjugados a essas condições verdadeiros heróis da sobrevivência (DUARTE; SANTOS, 2004, p. 3).

Com menos filhos, a sociedade segue seu curso de envelhecimento, não podendo

contar com abundância de membros cuidadores no futuro. Ocorre que o corpo envelhece e as

atividades antes desempenhadas por aquele sujeito passariam a ser encarnadas e exercidas

por algum familiar mais jovem. Diante da necessidade gradativa de que outras pessoas

assumam algumas atividades, surge, em muitos casos, a necessidade de que a pessoa velha

seja também cuidada. Nesse momento, ocorre uma transição entre papéis muito significativos

para a condição humana: o de ser-cuidador e o de ser-cuidado. Para Chaimowicz e Camargos

(2011), essa constatação pode representar uma perspectiva sombria para o futuro, já que

existe uma prevalência de fatores de risco para o desenvolvimento de doenças, alto índice de

desemprego e capacidade reduzida de poupar.

[...] com a “explosão demográfica da terceira e quarta idades” surgirá uma população de idosos mais dependentes, com menos recursos próprios e que receberá, mantidas as atuais tendências, precário suporte formal do governo e informal de suas famílias (CHAIMOWICZ; CAMARGOS, 2011, p. 96).

A preocupação com o abandono de idosos e o desafio social em oferecer uma

sociedade digna para quem envelhece não é um tema recente. Beauvoir (1990) apresentava,

já na década de 1970, as questões de Robert E. Burger a respeito da preocupação, na época,

sobre quem e de que maneira os idosos seriam cuidados. No apêndice “Quem cuida das

pessoas idosas?”, Burger traz ao texto a questão do envelhecimento terceirizado às

instituições públicas ou privadas de saúde para o cuidado aos velhos. Os mais abastados

pagam por serviços de melhor qualidade e os velhos desprovidos ficam à mercê do sistema,

embora, de forma geral, todos acabem por receber atendimento insuficiente, pois ficam

ociosos e sem estimulação necessária, condenados à espera.

As preocupações de Beauvoir e Burger sobre a institucionalização continuam

absolutamente atuais por corresponderem à realidade social de muitos idosos hoje.

Outra maneira de avaliar a questão do idoso a ser cuidado, segundo Camarano e Kanso (2011),

é considerar a dependência em relação ao chefe de família, ou seja, quando se estabelece a

relação denominada pelos autores de “parente ou agregado” do idoso que, por falta de renda

ou autonomia física ou mental, vai morar com os filhos ou outros parentes. Nesse contexto,

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a falta de autonomia para lidar com as atividades básicas do cotidiano, a perda da capacidade

laborativa e a consequente falta de rendimento são os principais determinantes de

dependência, configurando uma forma de vulnerabilidade (CAMARANO; KANSO, 2011).

Por isso, para exercer a função de cuidar bem, é preciso, para além de dispor de

recursos, deter habilidades que proporcionem um afeto seguro e a manutenção das

necessidades básicas de sobrevivência e coerência. Para que os sujeitos sintam-se bem

cuidados por alguém, também se estabelecem rotinas de cuidados que promovam o bem-estar

e a segurança afetiva dos membros. Essas rotinas demandam investimento de tempo,

sentimento e uma técnica razoável a ser desenvolvida. Há que se pensar que, para ambas as

funções, é preciso dispor, então, de tempo, vinculação afetiva, sensibilidade para a percepção

das necessidades recíprocas, condições ou infraestrutura para subsistência e satisfação das

necessidades de sobrevivência, saúde, lazer e dignidade asseguradas. Küchemann (2012)

menciona que, para cuidar, é preciso que competências específicas e boas condições de saúde

estejam presentes por parte de quem cuida, uma vez que cuidar não é só uma atividade

humanitária e ética, e sim uma atividade que exige um “encontro dialógico entre o ser que

cuida e o ser que é cuidado” (KÜCHEMANN, 2012, p. 167).

Ao retratar a questão do envelhecimento feminino e refletir sobre o cuidado como uma

função, Duarte e Santos (2004) apontam para essa transição de papéis e funções, destacando a

importância que o cuidar ocupa em nossa sociedade, principalmente para a mulher, pois seu

papel representa uma forte associação entre mulher-mãe-cuidadora e, uma vez que envelhece,

passaria a não ter mais função reconhecida, visto que já exerceu o cuidado com os filhos e o

marido, não teria mais utilidade, o que exigiria um remodelamento em seu papel de provedora

de cuidados e um redimensionamento do próprio existir; “além disso, as alterações naturais

advindas do envelhecimento vão aos poucos restringindo sua autonomia para as mais diversas

atividades” (DUARTE; SANTOS, 2004, p. 4).

A pessoa que foi cuidadora ou provedora durante toda a sua vida, com o

envelhecimento, torna-se aos poucos alguém a ser cuidado, invertendo a condição de controle,

manutenção, decisão e ritmo individual e familiar. Assim, diante do próprio envelhecimento,

no caso feminino, devemos considerar o impacto que essa inversão-transição pode causar.

A consciência dessa nova realidade principia com a percepção de que é chegado o momento de olharem para si mesmas e perceberem que agora são elas que se ressentem da falta de cuidados por parte do outro. Hora de voltarem-se para si mesmas, muitas vezes com certa estranheza e perplexidade, e reconhecer suas próprias necessidades de afetos, de cuidados físicos ou amparo institucional. Ou, por outro lado, é o momento dolorido de perceberem-se sós, incapazes de responderem para si próprias à indagação: “E agora… de quem cuidarei?” (DUARTE; SANTOS, 2004, p. 4).

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No entanto, existem diferenças individuais que variam para cada pessoa que envelhece

e esta é uma prerrogativa importante para que não se agrave o risco de generalizar a noção de

cuidado, pensando que, uma vez atingida certa idade, esse sujeito estará fadado à perda de

autonomia (física, social, financeira). Muitos idosos mantêm suas condições físicas e mentais

estáveis, contornando problemas de saúde e administrando com certa ordem o próprio

envelhecimento funcional e, assim, conseguem estabelecer novas regras e limites, fazendo de

sua rotina uma continuidade nos afazeres da vida.

Nesta pesquisa, o cuidador é entendido como aquele familiar não remunerado,

responsável pelos cuidados e pela presença junto do idoso com câncer durante o período de

internação, podendo estender ou não seus cuidados para o período após a alta hospitalar.

2.3 O IDOSO E O CÂNCER

Câncer, definido por Love (1999), era um termo genérico utilizado para descrever

mais de 200 doenças individuais. Para o autor, essas doenças progridem de forma diferente,

mas têm em comum certas características, como o crescimento em qualquer tecido de células

anormais do hospedeiro, proliferam-se localmente, invadem e atravessam as barreiras

tissulares normais, reproduzindo-se indefinidamente. As massas de células anormais

disseminam-se pelo organismo e levam o hospedeiro à morte se não forem erradicadas

(LOVE, 1999).

Atualmente, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2014), câncer é

o nome dado a um conjunto de mais de 100 tipos diferentes de doenças que têm em comum o

crescimento desordenado de células anormais com potencial invasivo. Além disso, sua origem

se dá por condições multifatoriais. Esses fatores causais, carcinogênicos, podem agir em

conjunto ou em sequência para iniciar ou promover o câncer.

De acordo com estimativas do INCA (2012), no Brasil, dados para o ano de 2012

e 2013 apontavam a ocorrência de aproximadamente 518.510 novos casos de câncer,

incluindo os casos de pele não melanoma, reforçando a magnitude do problema do câncer no

país. Sem os casos de câncer da pele não melanoma, estimava-se um total de 385 mil casos

novos. Os tipos mais incidentes são os cânceres de pele não melanoma, próstata, pulmão,

cólon e reto e estômago para o sexo masculino, e os cânceres de pele não melanoma, mama,

colo do útero, cólon e reto e glândula tireoide para o sexo feminino.

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No entanto, o perfil demográfico do Brasil vem sofrendo importantes mudanças

decorrentes da urbanização, da industrialização e dos avanços tecnológicos e científicos.

O envelhecimento da população, atrelado ao processo de transformação nas relações entre as

pessoas e seu ambiente, alterou o perfil de morbimortalidade, “diminuindo a ocorrência das

doenças infectocontagiosas e colocando as doenças crônico-degenerativas como novo centro

de atenção dos problemas de doença e morte da população brasileira” (INCA, 2014, p.25),

assim, as estimativas para os anos de 2014 e 2015 foram de aproximadamente 576 mil casos

novos (INCA, 2014), e de 600 mil novos casos por ano estimados para o biênio 2016-2017

(INCA, 2015; JEMAL et al, 2014), sendo essa doença considerada a segunda causa de morte

na população brasileira, responsável pela morte de 225 mil indivíduos anualmente, o que

representa cerca de 15% do total de mortes.

O câncer é uma das mais importantes causas de morte no mundo, com um número

total de casos aumentando, em parte, pelo crescimento do envelhecimento populacional

(GEOVANINI, 2011). A associação entre envelhecimento/avanço da idade e o maior risco

de doenças como o câncer pode ser corroborada com base nos dados estatísticos do INCA

(2012, 2014, 2015), que define vários fatores de risco para o desenvolvimento do câncer:

entre eles, estão os fatores hereditários e os fatores ambientais, com um aumento significativo

na probabilidade e na incidência do câncer conforme a idade avança.

É possível mencionar, por exemplo, que o “único fator de risco bem estabelecido para

o desenvolvimento do câncer da próstata é a idade” (INCA, 2015, p. 31). Aproximadamente

62% dos casos de câncer da próstata diagnosticados no mundo acometem homens com

65 anos ou mais. Com o crescimento da expectativa de vida mundial, é esperado que o

número de casos novos aumente em cerca de 60% até o ano de 2015. Além disso, a raça/etnia

e o histórico familiar da doença também são consideradas fatores de risco para esse tipo

de neoplasia.

Em relação ao câncer de esôfago, os fatores de risco relacionados são a idade, história

familiar e fatores extrínsecos, como álcool, fumo (fumado, mascado ou aspirado), infecções

orais por fungos, agentes infecciosos (como o HPV), deficiência de riboflavina e vitamina A,

contaminação de produtos alimentícios por microtoxina fumonisina e ingestão excessiva em

temperatura elevada de erva-mate, muito comum no sul do Brasil, na Argentina e no Uruguai

(INCA, 2012).

Nos cânceres de mama, embora seja uma doença heterogênea com relação à clínica e à

morfologia, “a idade continua sendo o principal fator de risco” (INCA, 2015, p.33). As taxas

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de incidência aumentam rapidamente até os 50 anos e, posteriormente, esse aumento ocorre

de forma mais lenta, sendo que o câncer de mama observado em mulheres jovens apresenta

características clínicas e epidemiológicas bem diferentes daquelas observadas em mulheres

mais velhas (INCA, 2015).

Ainda com relação à idade, a incidência do câncer do colo do útero manifesta-se a

partir da faixa etária dos 20 aos 29 anos, aumentando seu risco rapidamente até atingir o pico

etário entre 50 e 60 anos (INCA, 2012), salientando que “o principal fator de risco para o

desenvolvimento do câncer do colo do útero é a infecção pelo papiloma vírus humano (HPV)”

(INCA, 2015, p.39).

Para os linfomas, o INCA (2012) aponta que, como a maioria dos cânceres, o risco

para o desenvolvimento do Linfoma Não Hodgkin (LNH) aumenta com a idade. Os homens

têm um risco duas vezes maior do que as mulheres. Na maior parte dos casos, a etiologia para

LNH é desconhecida, embora exista uma associação com a função imune alterada. A idade

também é considerada um fator de risco para o câncer de colón e reto, uma vez que tanto a

incidência como a mortalidade aumentam com a idade (INCA, 2015).

Para Teixeira (2007) foi a partir de meados do século XX, com tratamentos mais

eficazes, que as expectativas em relação à prevenção e cura do câncer começaram a mudar.

Antes, o câncer era uma doença pouco conhecida em termos médicos e sociais, fazendo parte

de um grande rol de doenças e mazelas que impingiam sofrimento e morte. Assim, o maior

conhecimento sobre a doença e alguma esperança no tratamento ampliaram também a

compreensão da extensão do mal e a “limitada capacidade da medicina em domá-lo,

intensificando com isso o temor da sociedade, que passou a ver o câncer como flagelo da

modernidade” (TEIXEIRA, 2007, p. 13).

A correlação entre câncer e envelhecimento estabelece uma apreensão e uma certeza:

quanto mais a população envelhece mais aumenta o risco de desenvolver câncer, ou seja,

muitos dos idosos padecerão de câncer ou mesmo morrerão da doença. A associação entre

câncer e envelhecimento pode sugerir que muitos idosos, assim como suas famílias e

profissionais de saúde que os atendem, serão confrontados com a realidade dessa doença

e necessitarão programar alternativas para seus tratamentos e refletir sobre as ações e decisões

acerca dos procedimentos a serem realizados, uma vez que o envelhecimento “envolve

alguma perda funcional, que é expressa por diminuição de vigor, força, prontidão, velocidade

de reação sistêmica e eficiência metabólica” (OLIVEIRA et al, 2016, p. 13).

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Por isso o idoso com câncer precisa ser compreendido em suas particularidades, ou

seja, especificidades que envolvem o adoecimento por uma doença grave nesta etapa da vida

e também as questões em torno da progressão do câncer que acomete uma pessoa idosa.

A doença oncológica apresenta grande incidência entre os idosos. Na verdade,

observa-se uma ocorrência 11 vezes maior nesse grupo, que responde por mais de 60% dos

diagnósticos de câncer, doença que representa 70% da mortalidade em indivíduos acima de 65

anos, sendo esta uma população heterogênea em relação a vários aspectos, o que gera dúvidas

quanto às decisões oncológicas (KARNAKIS, 2011).

Há fatores como imunidade, metabolismo, velocidade de progressão da doença,

respostas aos tratamentos convencionais e invasivos, intensidade das reações colaterais e

toxicidade, presença de comorbidades que exigem atenção específica para os idosos com

câncer. Todos estes fatores não podem ser definidos somente segundo a idade cronológica,

pois esta, quando analisada isoladamente, não deve ser uma barreira para a indicação do

tratamento, mas deve ser relacionada ao conceito de fragilidade e às comorbidades que o

idoso apresente ou não (MIRANDA et al, 2008; FRANÇA, 2013).

A idade deixa de ser contraindicação para tratamento oncológico curativo. No entanto, avaliar adequadamente o paciente para definir sua melhor forma de tratamento é fundamental. A devida atenção às alterações fisiológicas e psicossociais decorrentes do envelhecimento permite que se detectem problemas previamente desconhecidos ou subdiagnosticados, que podem comprometer a segurança e a eficácia do tratamento oncológico (KARNAKIS, 2011, p. 8).

No que se refere à degradação que o envelhecimento provoca e a associação entre

velhice e doença, há, ainda, a dificuldade em distinguir os fatores próprios do envelhecimento

bem como aqueles ligados ao aparecimento de doenças em idosos. Considerando essa

dificuldade diagnóstica com idosos e atentando-se para a valorização da autonomia do

paciente, Noronha (2012) observa que com o uso da avaliação funcional, instrumento

fundamental para o trabalho multi e interdisciplinar com idosos, procura-se estruturar um

ambiente que facilite a atuação do indivíduo com o máximo de autonomia. Neste mesmo

raciocínio, Karnakis (2011) propõe o uso da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) como um

importante recurso para abordar o idoso com câncer de forma integral, considerando sua

expectativa de vida, sua reserva funcional, a qualidade do suporte social e as decisões

pessoais; já Moraes (2012, p. 24) destaca a avaliação multidimensional que “busca descortinar

problemas que até então eram atribuídos ao processo de envelhecimento per si ‘da idade’”,

visto que este tipo de avaliação reconhece a demanda psicossocial, incluindo os valores, as

crenças, os sentimentos e as preferências do idoso para o cuidado.

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Portanto, os tratamentos oncológicos para idosos com câncer, ou oncogeriátricos,

devem considerar um quadro complexo. Segundo Fabrício (2011), o idoso pode apresentar

baixo Índice de Massa Corpórea (IMC); perda de peso excessiva; força, mobilidade e

atividade física reduzidas; fadiga; e pouca tolerância ao tratamento – o que o configura como

um idoso frágil. Além do mais, pode ter comorbidades que influenciam a sobrevida e as

decisões terapêuticas, afetando o resultado final do tratamento. A idade também pode

interferir na interação entre a droga e o corpo em relação a absorção, distribuição,

metabolismo e excreção. Também as reservas hematopoiéticas e de células progenitoras

podem ser comprometidas com o envelhecimento, aumentando a toxicidade hematológica.

Há maior risco de neutropenia, levando a infecções com maior risco de mortalidade.

Esse panorama geral confere um minucioso campo a ser investigado pelo oncologista para

oferecer ao paciente propostas de tratamentos curativos, adjuvantes ou paliativos, que sejam

mais adequados ao seu caso específico (FABRÍCIO, 2011).

2.4 O IDOSO COM CÂNCER E A AUTONOMIA DECISÓRIA

O idoso está na última fase ou etapa do ciclo vital. Nesse conceito, estão inseridos

desde os idosos de 60 anos até os longevos de 100 anos. O processo de envelhecimento de seu

corpo é gradativo, inevitável e progressivo em direção à morte, e de acordo com as próprias

condições do envelhecimento e o conceito social de idoso, este estaria mais propenso a aceitar

sua finitude. Embora não se saiba quando começa a velhice ou qual a idade exata que a

configure, nem tampouco se consiga estabelecer critérios absolutos para que uma pessoa seja

considerada de fato velha ou idosa, é possível que cada sujeito coloque-se ou sinta-se como

um idoso diante de seus autoconceitos sobre o envelhecer. Assim, defende Silva (2015),

os critérios cronológicos, funcionais e biológicos não são inteiramente fiáveis, mas servem

para dar parâmetros e regramentos gerais, pois não seria viável a avaliação de cada idoso em

seu processo de envelhecimento individual, sendo o caso a caso de cada necessidade algo

improvável para fins de promoção ou proteção do idoso como categoria.

Para Mosca Filho (2006), essa heterogeneidade abarca além do biológico, do

cronológico e do funcional, pois inclui o desempenho social, ou seja, existem representantes

de diferentes categorias de idosos, que, de acordo com suas escolhas e condições sociais,

financeiras, intelectuais, mentais, físicas e ambientais, demonstram que o envelhecimento,

mesmo sendo universal, incide de maneira diferente em cada grupo. Nesse sentido, para o

autor, pensar nessas configurações ajuda a esclarecer a questão da autonomia do idoso.

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Assim, cabe distinguir que uma parcela da população conseguirá manter uma produção

valorizada até a idade avançada e isso lhes permitiria ditar regras e manter a preservação da

autonomia diante de diversas questões da vida, inclusive em situações de extrema

dependência física. Mosca Filho (2006, p. 154) define tal categoria como “velhos virtuosos”,

que, em função de seu status social, intelectual ou financeiro, podem obter cuidados

privilegiados. Outra parcela de idosos compreende aqueles que perdem a capacidade

competitiva, mas não aceitam a condição de velho no sentido excludente, por isso persistem.

Tal categoria, chamada de “velhos teimosos”, valoriza uma autonomia que é questionada

socialmente, ou seja, podem tornar-se vítimas da exploração do mercado de consumo e do

sistema de saúde. No entanto, uma pequena parcela de idosos, que definiu de “velhos

solidários”, construiu relacionamentos cooperativos ao longo da vida e poderá desfrutar de

uma autonomia respeitada e valorizada no grupo de pares que compartilham de regras e

objetivos em comum. No entanto, para o autor, uma grande parte dos idosos acaba por abraçar

um padrão estereotipado de velhice, são os chamados “velhos conformados”, em que se

observa uma dependência precipitada que ocorre antes mesmo do decaimento físico e social,

e neste contexto o idoso transfere sua autonomia para o seio familiar. Essas categorias

de Mosca Filho (2006) não são definitivas, mas servem para ilustrar a multiplicidade de

experiências e de modelos de envelhecimento, apontando para a variedade de manejos

da autonomia pela pessoa velha.

Se existem dificuldades para configurar quem é o idoso, ainda mais complexo seria

debruçar-se sobre a pergunta que Prade e Santos (2012, p. 135) colocam: “Quem é o idoso

com câncer?”

De todas as doenças, o câncer, durante muito tempo, figurou entre as que possuíam o

mais intenso impacto psicológico, não apenas pelo desfecho da morte, mas pelo temor da

aproximação progressiva e dolorosa do fim, e pelas mutilações – naturais ou pós-terapêuticas

–, que a doença acarretava. Por isso os oncologistas reconheciam que o risco de morte súbita

da doença cardiovascular era menos assustador assim como o era o risco da doença infecciosa

ou do diabetes, certo ou errado, parecia mais controlável, pois o corpo com ou sem auxílio de

tratamento poderia superá-los. No entanto, é a percepção da incurabilidade do câncer, ao lado

do temor de que a terapêutica radical leve a alterações corpóreas, que ocasiona o terror

(SHERMAN JR.,1999).

Mesmo com todos os avanços em relação aos tratamentos disponíveis e ao prognóstico

de cura para doenças detectadas e tratadas precocemente, no imaginário social, o câncer ainda

representa, tanto para muitos profissionais médicos quanto para o doente e sua família, uma

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das doenças que carrega forte impacto emocional, estigma social de morte e sofrimento,

sendo sua evolução permeada por sacrifícios, desagregação familiar, mutilação e dor.

Nos casos mais extremos, o diagnóstico de câncer é visto como uma sentença de morte

(CHIATTONE, 2002; DE PAULA, 2003; GEOVANINI, 2011). Dessa maneira,

O câncer encerra em sua história um estranho paradoxo relacionado ao fato que, à medida que a medicina foi alargando os conhecimentos e desenvolvendo tecnologias cada vez mais poderosas contra seus nefastos efeitos, o pavor das populações em relação a ele também se ampliou (TEIXEIRA, 2007, p. 13).

No entanto, cabe salientar que o intenso desenvolvimento de tratamentos médicos a

partir da metade do século XX e a implementação de pesquisas, protocolos medicamentosos

e associação entre quimioterapia, radioterapia e cirurgia trouxeram uma nova perspectiva para

os doentes de câncer, ampliando os casos tratados com sucesso; fatores como estes levaram

a uma mudança gradativa de comportamento dos médicos em relação a informar seus

pacientes sobre a doença, deixando de reter a informação ou informando apenas a família

como “conduta caridosa” (VEIT; CARVALHO, 2008, p. 17).

Esta inaceitabilidade social do câncer pode ser atribuída a muitas causas, das quais a

mais relevante se refere ao medo de todos os indivíduos ao prolongado sofrimento no decorrer

do tratamento e nas etapas da doença. O impacto emocional diante do diagnóstico positivo

para câncer está associado a todas as perdas gradativas às quais a pessoa doente se submete

e ao terror do estigma que passa a carregar. A palavra “estigma” possui uma série de

interpretações e sentidos, mas, na definição de Goffman (1988, p. 13), é tomada como um

“tipo especial de relação entre atributo e estereótipo”, levando-se em consideração que alguns

atributos são indesejáveis quando existe incongruência entre eles e o estereótipo que criamos

para um determinado tipo de indivíduo. O idoso com câncer pode sofrer o impacto desse

atributo ao ser considerado incapaz de gerir sua própria vida; insuficiente para tomar suas

decisões no que diz respeito à doença, aos tratamentos e ao curso de sua vida; ser considerado

como alguém com melhores condições de aceitar a finitude e a morte e, assim, não receber os

cuidados necessários, enfim, ser estigmatizado pela condição de envelhecimento (inevitável)

e de adoecimento (visto como crônico e/ou incurável).

Por isso as dúvidas e os posicionamentos no sentido de “contar ou não contar”, ou seja,

fazer a revelação diagnóstica do câncer a uma pessoa velha é tema de muitas discussões

(GEOVANINI, 2011; GOMES; SILVA; MOTA, 2009; SILVA; ZAGO, 2005; VISENTIN;

LABRONICI; LENARDT, 2007;) que apresentam as intenções de preservação, proteção,

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cuidado, paternalismo, ou seja, não comunicar o diagnóstico de câncer para um idoso era uma

maneira de poupá-lo do impacto, resguardando-o de uma notícia desesperadora e geradora de

grande ansiedade. Tais posições gradativamente foram sendo questionadas e substituídas pelo

incremento da maneira de comunicar más noticias, contando com o estabelecimento de um

vínculo de confiança entre paciente-equipe-família e estratégias para diminuir os danos e o

impacto, preservando o direito dos pacientes em conhecerem suas doenças.

Quando a comunicação sobre o diagnóstico não é feita ao paciente idoso, a possibilidade de participar do seu tratamento e tomar suas decisões confronta-se com um dos principais princípios da ética: o da autonomia (VISENTIN; LABRONICI; LENARDT, 2007, p. 510).

O avanço da idade traz a vivência das inúmeras perdas ora mencionadas e, entre elas,

está o desenvolvimento ou agravamento de doenças. Nesse processo, pode ocorrer o que

Kovács e Vaiciunas (2008, p. 100) denominam “perda de si”, ou seja, aspecto associado ao

adoecimento, principalmente ligado a doenças graves (como nos casos de câncer) e gradativa

percepção de “aniquilamento e castração”.

Essa “perda de si” refere-se ao senso de controle ou de gestão da própria vida.

Para Papaléo Netto (2011, p. 12), a autonomia pode ser definida como “a capacidade de

decisão, de comando”, ou seja, “o estado de ser capaz de estabelecer e seguir as próprias

regras” (EVANS, 19842 apud PAPALÉO NETTO, 2011, p. 12), sendo a autonomia para um

idoso considerada como mais importante que a independência devido à possibilidade

de restauração completa. Assim, os conceitos de dependência e independência devem

ser entendidos como “estados que só podem existir em relação a alguma outra coisa”

(PAPALÉO NETTO, 2011, p. 12), ou seja, um idoso pode ser dependente financeiramente,

por exemplo, mas absolutamente independente em relação a mobilidade e tarefas diárias,

portanto, interferindo no manejo de algumas esferas da vida e mantendo inteiramente

autônomas outras. Para Moraes (2012), a independência refere-se à capacidade de realizar

algo com os próprios meios, e em relação à dependência, esta varia conforme as

Atividades de Vida Diária (AVD) que o idoso consegue desenvolver, sendo classificada

da seguinte maneira:

                                                                                                               2 Cf. EVANS, J. G. Prevention age-associated loss of autonomy: epidemiological approaches. J. Chron Dis, n. 37, v. 5, p. 353-361,1984.

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Independência: realiza todas as atividades básicas de vida diária de forma independente. Semidependência: representa o comprometimento de, pelo menos, uma das funções influenciadas pela cultura e aprendizado (banhar-se e/ou vestir-se e/ou uso do banheiro). Dependência incompleta: apresenta comprometimento de uma das funções vegetativas simples (transferência e/ou continência), além de, obviamente, ser dependente para banhar-se, vestir-se e usar o banheiro. A presença isolada de incontinência urinaria não deve ser considerada, pois é uma função e não uma atividade. Dependência completa: apresenta comprometimento de todas as AVDs inclusive para se alimentar. Representa o grau máximo de dependência funcional (MORAES, 2012, p. 12).

A autonomia está ligada à capacidade individual de decisão e comando sobre as ações,

estabelecendo e seguindo as próprias regras. A autonomia e a independência fazem parte da

funcionalidade global, ou seja, a capacidade de funcionar sozinho ou de gerir a própria vida e cuidar

de si mesmo, e esta capacidade remete à percepção de saúde por parte do idoso (MORAES, 2012).

Assim, o manejo da vida diária implica na necessidade de que o idoso, assim como

qualquer outra pessoa, faça escolhas e decida sobre questões que variam desde as mais

simples até as mais complexas. Todas as escolhas geram algum tipo de consequência ou risco,

e estas não são necessariamente previsíveis em todos os casos, mesmo que exista uma boa

bagagem de experiência pessoal, um legado ou um conhecimento prévio sobre determinados

desfechos. No tangente à definição, a Tomada de Decisão (TD) é considerada parte das

funções executivas, é complexa e multidimensional, envolve processos cognitivos superiores,

incluindo afeto, e consiste na escolha entre opções disponíveis de acordo com análise e a

previsão de consequências que se possa considerar. Para que uma pessoa seja capaz de ter

competência para tomar uma decisão adaptativa, esta deve fazer uso de suas habilidades de

compreensão, análise, avaliação e deliberação. Com o envelhecimento, ocorrem perdas

cognitivas que afetam o “desempenho ideal das atividades de vida diária, inclusive a

capacidade de tomada de decisão” (RUTZ; HAMDAN, 2013, p. 130), mas isso não impede

que idosos mantenham tal competência preservada cognitiva e afetivamente; e, em termos

legais, a competência para a tomada de decisão é presumida, ou seja, o ordenamento jurídico

Brasileiro assegura o direito básico à autodeterminação, a menos que provas cabais sejam

demonstradas em contrário (RUTZ; HAMDAN, 2013).

No entanto, o envelhecimento, a doença grave estigmatizada e a situação de

frequente hospitalização podem culminar na exacerbação da passividade, impotência e

despersonalização: o idoso passa a ser tratado de forma infantilizada e suas vontades não

sendo expressas ou respeitadas. A autonomia deve ser preservada em todas as fases do

desenvolvimento, principalmente quando está ameaçada – como é o caso dos idosos,

especialmente quando estão doentes (KOVÁCS; VAICIUNAS, 2008).

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Conforme pesquisas de Bredemeier et al (2012) com idosos, a percepção de autonomia

desses participantes ocupa três categorias, sendo elas: autonomia relacionada à independência

física, autonomia relacionada à capacidade de decisão, autonomia relacionada à não

dependência de outrem no seu cotidiano e autonomia relacionada à responsabilidade, assim,

“encerra em si o desejo, a vontade de agir, a liberdade individual, ou seja, requer um

comportamento proativo” (BREDEMEIER et al, 2012, p. 382).

No conceito liberal de autonomia, conforme esclarecido por Agich (2008), os valores

podem ser ordenados, quantificados e maximizados, e a tomada de decisão é considerada

um processo racional. Pode ser tomado como um conceito prático, em que “a escolha consiste

na avaliação de valores e preferências que os indivíduos têm” (AGICH, 2008, p. 92).

Nesse sentido, as pessoas autônomas podem tomar suas decisões de cuidado de saúde por si

mesmas, estando livres de influências ou limitações indevidas. Quanto àqueles que não

possuem as qualidades da autonomia (gravemente dependentes, enfermos ou debilitados),

estes estarão sujeitos “a decisões tomadas em seu nome por tomadores de decisão delegados”

(AGICH, 2008, p. 93). De acordo com o conceito de autonomia liberal, a tomada de decisões

delegadas implicam em liberdade negativa, ou seja, a autonomia deixa de ser plena e passa

a ser limitada.

No entanto, tanto decisões delegadas quanto decisões compartilhadas podem fazer parte

de outro tipo de conceito sobre autonomia. A autonomia efetiva, segundo Agich (2008), envolve

um conjunto de identificações, pois há uma visão de que as pessoas são interdependentes e, como

agentes, desenvolvem técnicas de adaptação e estratégias de enfrentamento que possibilitam fazer

adesão à rotina, ou seja, tomar decisões também em conjunto.

Vasconcellos-Silva e Nolasco (2009) ao analisar os conflitos entre cirurgiões e seus

pacientes oncológicos, tecem considerações importantes acerca do que consideram como a

autonomia do equilíbrio. A construção desse tipo de autonomia engloba aspectos técnicos

relacionados especificamente ao tipo de doença e seu manejo, como localização, estadiamento,

ressecabilidade, tendo como premissa curar o paciente ou fazer o melhor possível para a

preservação da vida e, em contrapartida, ponderar os benefícios e a qualidade de vida após

cirurgia mutiladora, o quadro de dor, a extensão das sequelas e a expectativa que o paciente

tem em relação ao “depois”. Segundo esse esclarecimento diagnóstico e prognóstico, o foco

na autonomia de equilíbrios tenta a aproximação entre médico e paciente, buscando simetria

relacional para incitar diálogos com foco nas ações a serem desenvolvidas e na tomada de

decisões de maneira participativa, compartilhada, apesar das variáveis como tempo disponível,

escolaridade dos pacientes, assimetrias acerca do conhecimento técnico.

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À medida que as conversações evoluem, a dialética dos discursos expõe convergências e divergências quanto à ressecabilidade informada. Ora se assume um papel de tutor, ora de conselheiro, algumas vezes até se apresentando como paradoxos passíveis de ricas interpretações – os mesmos profissionais que antes descreviam atitudes de distanciamento em sua prática, passam a se ressentir da falta de espaços para interação nos quais poderiam oferecer bem mais do que a perícia cirúrgica (VASCONCELLOS-SILVA; NOLASCO, 2009, p. 843).

Para a preservação da autonomia de pessoas idosas e a devida proteção em relação às

vulnerabilidades deste grupo, a Convenção Interamericana sobre a proteção de Direitos

Humanos de Idosos, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi assinada

pelos Estados, inclusive Brasil, em junho de 2015, estabelecendo o combate à vulnerabilidade

como um incremento à autonomia. Esse reconhecimento da autonomia fica regulamentado no

direito do idoso em decidir sobre seu projeto de vida, sua autorrealização e desenvolvimento

de uma vida independente, sendo garantida sua liberdade de escolha até os últimos momentos

de vida, tomando decisões sobre “aceitar ou recusar, voluntariamente e sem coerção,

tratamentos, intervenções ou experimentos médicos ou científicos de natureza física ou

psíquica”, podendo se negar a receber ou interromper tratamentos (SILVA, 2015, p. 131).

Lembrando que estão assegurados também o direito a não-infantilização e a todo tipo de

discriminação em relação a idade (etarismo/idadismo/idosismo) pelo Estatuto do Idoso.

Embora toda autonomia seja parcial e limitada juridicamente, para Fabbro (1999),

a autonomia engloba a vontade e o direito de se autogovernar, ou seja, o princípio do respeito

à autonomia das pessoas. Dessa maneira, à pessoa é assegurado que participe ativamente das

decisões e dos cuidados relativos à sua vida, seja na escolha ou no ato. No caso de

hospitalização ou de tomada de decisões sobre procedimentos e tratamentos, então,

as vontades, crenças e valores da pessoa (ou de seu representante) serão levavas em

consideração e respeitadas, preservando sua autonomia. Para que isso ocorra, é necessário o

compartilhamento de informações pertinentes ao caso por parte da equipe de saúde que detém

o conhecimento para o paciente, em linguagem clara e acessível, garantindo-se a competência

necessária para que as decisões sejam tomadas. Muitas vezes, a relação entre paciente

e equipe de saúde é assimétrica, ou seja, é uma relação polarizada, em que o médico ou o

profissional da saúde encontram-se no poder, enquanto o paciente resigna-se à submissão

– a autonomia pressupõe uma relação simétrica (KOVÁCS, 2003).

Para ampliar a abrangência da autonomia e garantir que as vontades das pessoas serão

respeitadas em qualquer momento de sua hospitalização, a Resolução 1995/2012 do Conselho

Federal de Medicina (CFM) dispõe sobre as chamadas Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV),

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privilegiando a expressão sobre os tipos de tratamentos, procedimentos e medidas que o

paciente deseja dos profissionais de saúde e dos cuidadores quando estiver inconsciente ou

em estágio terminal de vida. As DAV são um gênero de documentos que englobam duas

espécies: o Testamento Vital e o mandato duradouro, sendo que o primeiro é um documento

redigido pela pessoa em pleno gozo de suas faculdades mentais, e o segundo trata da

nomeação de um tutor, ou seja, pessoa de confiança que será responsável por fazer valer as

decisões, sendo, assim, um conhecedor das vontades do paciente, que poderá ser acionado

quando necessário na tomada de decisões ou diretivas a serem seguidas. O Testamento Vital

é um documento ou registro das vontades ou instruções prévias da pessoa e pode ser redigido

a punho ou registrado em cartório, anexado em prontuário ou guardado por alguém indicado

pelo paciente.

As DAV são vistas como dispositivos asseguradores de autonomia e empoderamento

dos pacientes para suas decisões acerca dos tratamentos e procedimentos, e mesmo não sendo

tão recentes no Brasil, ainda são desconhecidas de uma parcela considerável dos profissionais

da saúde e, principalmente, da maioria dos pacientes (ALVES; FERNANDES; GOLDIM,

2012; DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013; GRINBERG; CHEHAIBAR, 2012;

ROSSINI; OLIVEIRA; FUMIS, 2013). No estudo de Hausseler (2014), foram entrevistados

75 pacientes idosos hospitalizados e 22 acompanhantes, e apenas um acompanhante conhecia

o termo e parte de seu significado. No estudo de Rossini, Oliveira e Fumis (2013) foram

entrevistados 81 profissionais da saúde, entre médicos, residentes e enfermeiros, sobre o

conhecimento sobre as Diretivas Antecipadas, e os resultados demonstraram que havia

precário conhecimento: 60 profissionais não tinham conhecimento da resolução e de seu

conteúdo. Esses dados corroboram as afirmações de Freitas (2014), que verificou em sua

pesquisa que a maioria das decisões acerca dos procedimentos realizados pela equipe dos

Centros de Tratamentos Intensivos (CTI) em idosos são tomadas de maneira autoritária,

sem discussão ou consulta prévia, conduta esta que precisa ser urgentemente revista e

revertida com base no conhecimento dos desejos prévios dos pacientes. No entanto, diante

do desconhecimento, cabe destacar a importância de estabelecer nas diretivas não

necessariamente os meios a serem empregados, mas, sim, os fins almejados, como por

exemplo, a não manutenção do sofrimento desnecessário ou inútil em relação à

impossibilidade de cura ou sobrevida com qualidade, ou seja, a equipe médica conhecedora

dos melhores meios a serem utilizados para cada situação específica não deve ser cerceada

de buscar condições para atender aos desejos dos pacientes. Segundo Forte (2016), é preciso

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esclarecimento para que nas diretivas antecipadas sejam definidas as finalidades pretendidas,

em vez de uma determinação de procedimentos, pois estes podem ser variáveis no tempo e de

acordo com as necessidades de cada situação especificamente.

Nesse sentido, as decisões de final de vida são muito mais que simples escolhas

técnicas, elas envolvem uma complexa interação entre médicos conhecedores dos tratamentos

adequados, pacientes com suas biografias, necessidades e desejos únicos e suas famílias

(FORTE, 2011).

A autonomia da pessoa velha perpassa pela discussão desses conceitos, por isso,

de acordo com Debert (2012), a transformação da velhice é o resultado de um duplo

movimento. De um lado, caminha para uma socialização progressiva da gestão da velhice,

tornando-a uma questão de saúde pública, antes resignada à esfera privada familiar ou

filantrópica e, de outro, reprivatiza a velhice, tornando-a uma responsabilidade individual.

Assim, a imagem de velhice decadente modifica-se para a velhice bem-sucedida e, neste novo

modelo, não cabem situações de dependência e abandono. Essas situações passam a ser vistas

como o resultado da “falta de envolvimento em atividades motivadoras ou da adoção de

formas de consumo e estilos de vida inadequados” (DEBERT, 2012, p. 15), ou seja, a nova

imagem do idoso revela também a precariedade de mecanismos para lidar com a velhice

tardia e não garante o exercício pleno dos diretos de cidadania e o reconhecimento do idoso

como um ser autônomo. “A autonomia decisória é a capacidade de tomar decisões sem

restrição ou coerção externa. A autonomia executiva é a capacidade e liberdade de agir com

base na autonomia decisória” (COLLOPY, 19983 apud AGICH, 2008, p. 129).

De acordo com o pensamento de Agich (2008), mesmo que, para a maioria das

pessoas, a autonomia decisória e a executiva andem juntas, para idosos fragilizados

ou institucionalizados, pode haver a carência da capacidade ou da liberdade de executar as

decisões. Se a autonomia for definida pela execução, então, idosos fragilizados ou confusos,

serão, por definição, considerados não autônomos. No entanto, se for compreendida de

maneira mais abrangente, então, a autonomia pode ser preservada, respeitada e até mantida

intacta quando a autonomia executiva é apoiada pelo Estado, pela família, pelos cuidadores,

sem incrementar a dependência.

3 Cf. COLLOPY, B. J. Autonomy and long term care: some crucial distictions. Gerontologist 28, Suppl. (jun.) 10-17.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

A pesquisa de campo qualitativa foi delineada pelo método de estudo de casos

múltiplos, com coleta de informações por meio da aplicação de entrevistas individuais do tipo

semiestruturada aos participantes e posterior análise do conteúdo (BARDIN, 2011) e

interpretação dos sentidos preconizada por Minayo (1998, 2008, 2011).

3.1 MODALIDADE DA PESQUISA – MÉTODOS, TÉCNICAS E INSTRUMENTOS

A pesquisa se enquadra no modelo qualitativo, uma vez que atende aos critérios

das investigações sociais e considera o “sujeito de estudo: gente, em determinada condição

social, pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores e

significados” (MINAYO, 1998, p. 22), e por isso mesmo, complexo, inacabado e em

permanente transformação.

Nessa concepção dinâmica, Minayo (2008, p. 40) confirma a importância de

“compreender o local e o global das respostas”, uma vez que o idoso fala sobre si mesmo,

mas ao mesmo tempo constrói e representa a condição humana de envelhecimento e suas

adaptações frente aos processos, pois o ser humano é o autor das instituições, leis, visões de

mundo que, em ritmos diferentes, são todas provisórias, passageiras, trazendo em si mesmas

as sementes da transformação, noção que estimula a exploração de questões que, mesmo já

vistas ou pesquisadas várias vezes, sempre suscitam novas interpretações, ou seja, consiste na

observação de fatos e fenômenos em busca de descobrir novos fenômenos ou novas relações

entre eles (LAKATOS, 2006; MINAYO, 2008).

Para a escolha do método, inicialmente, optou-se pelo estudo de caso. Os métodos são

procedimentos reconhecidos voltados para a produção de dados e explicações e, dentre eles,

encontra-se o estudo de caso, que é descrito por Yin (2001) como uma modalidade de

pesquisa nas ciências sociais, utilizado quando o foco se dirige a um fenômeno

contemporâneo em um contexto para o qual o pesquisador tem pouco controle. O estudo de

caso pode “ser eleito para retratar uma realidade, como também revelar a multiplicidade de

aspectos de uma determinada situação” (SOUZA; MATOS, 2004, p. 222), servindo para

compreender o sujeito como um todo, seus vínculos passados e presentes, sua interação com o

contexto no qual se insere. As etapas de um estudo de caso não se dão em sequência rígida,

seu planejamento pode ser mais flexível, mas é possível mencionar etapas que definem um

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estudo de caso, mesmo que não ocorram necessariamente nesta ordem: formulação das

questões de pesquisa, definição das unidades-caso, seleção dos casos, elaboração do protocolo,

coleta de dados, análise e interpretação dos dados, redação do relatório (GIL, 2010).

As técnicas são procedimentos mais focalizados que operacionalizam os métodos

mediante instrumentos apropriados, dentre os quais estão as entrevistas. Estas foram

escolhidas por serem estratégias das mais usadas em pesquisas de campo, entendidas como

“conversas com finalidade”, ou seja, tem como fim construir informações pertinentes para um

objeto de pesquisa e, à abordagem pelo entrevistador, de temas pertinentes (MINAYO, 2011,

p. 64) e por permitirem a obtenção de informações quanto aos estímulos ou experiências,

percepções, crenças, sentimentos, motivações, previsões ou planos da pessoa, ainda, maneiras

de pensar, sentir, atuar, que são obtidas através da contribuição da pessoa, pois constituem sua

representação da realidade: o participante faz narrativa de suas práticas e oportuniza ao

pesquisador a observação da situação total da entrevista (MINAYO, 2011; SELLTIZ;

JAHODA; DEUTSCH; COOK, 1974).

Especificamente, a entrevista semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas,

permitindo que o entrevistado discorra sobre o tema em questão sem necessariamente ficar

preso à indagação formulada. Uma modalidade que serve bem ao mesmo propósito é a

entrevista por pautas, pois são “orientadas por uma relação de pontos de interesse que o

entrevistador vai explorando ao longo de seu curso” (GIL, 2010, p. 120).

Para este estudo, foram elaborados três roteiros de entrevistas, sendo uma para o

paciente idoso (APÊNDICE A), uma para seu familiar (APÊNDICE B) e uma para o

profissional da saúde que assiste o paciente (APÊNDICE C), que foram aplicadas

individualmente, com tempo previsto de uma hora para cada participante, respeitando-se que

o participante idoso seja o primeiro a ser entrevistado, pois ele deverá indicar os demais

participantes. O tempo previsto para as entrevistas foi flexibilizado conforme necessidade dos

participantes ou mesmo fracionado em dias alternados para não comprometer o desempenho

(tempo, disponibilidade, cansaço, procedimentos e medicamentos, entre outros motivos).

Os estudos de caso, para Gil (2010), podem se beneficiar da coleta de dados através de

entrevistas, observação e análise de documentos. A consulta de fontes documentais é

imprescindível para a obtenção de informações pertinentes ao caso e, por serem registros

disponíveis, no caso dos prontuários, podem tanto dispensar as interrogações quanto

confrontá-las, caso seja necessário. Assim, a verificação dos prontuários hospitalares dos

idosos com câncer participantes desta pesquisa foi realizada a fim de obter informações sobre

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diagnóstico, prognóstico e tratamentos realizados – clarificando a situação real de saúde dos

participantes, sendo estas associadas à percepção que cada idoso construiu sobre si mesmo e

sobre sua doença.

Nas pesquisas qualitativas, o emprego do termo “dados” abrange o uso de todas as

informações acerca dos participantes, bem como o conteúdo de seus relatos. Todo esse

conjunto material objetivo e subjetivo será chamado de informações para não confundir-se

com o uso dos dados no sentido quantitativo, empregado em algumas pesquisas.

3.2 CAMPO DE PESQUISA

O campo da pesquisa localizou-se na cidade de Cascavel, no Paraná, com população

estimada pelo IBGE em cerca de 305.615 habitantes, sendo 25,66% de idosos. A coleta de

informações com idosos com câncer, familiares e equipe de saúde foi realizada na unidade de

internamento do Sistema Único de Saúde (SUS), após concordância da instituição e aceite dos

participantes, no Hospital do Câncer de Cascavel União Oeste Paranaense de Estudos e

Combate ao Câncer de Cascavel Paraná (UOPECCAN). A UOPECCAN é uma entidade

filantrópica, beneficente, assistencial, sem fins lucrativos, destinada à prevenção, ao

diagnóstico precoce e ao tratamento do câncer, conta com 110 profissionais no corpo clínico,

550 funcionários e realiza cerca de 9.000 atendimentos ao mês.

O complexo hospitalar da UOPECCAN compreende alas de internamento clínico e

cirúrgico, oncopediatria, transplante de medula óssea, 5 salas de cirurgia amplamente

equipadas, UTI com 8 leitos, 125 leitos de internamento, no total, alas de quimioterapia

ambulatorial adulta e infantil, serviço de radioterapia, inclusive com braquiterapia de alta taxa

de dose. Possui também uma casa de apoio com 60 leitos destinados ao paciente em

tratamento e seu familiar, e um núcleo Solidário com atividades e bazar permanente

em caráter social e assistencial.

A UOPECCAN é creditada pelo Ministério da Saúde como Centro de Referência em

Oncologia, é o único hospital oncológico do Paraná a receber o selo da Organização Nacional

da Acreditação (ONA) em 2016, e está credenciada pelo Ministério da Educação e Cultura

(MEC) como hospital-escola para a residência médica de oncologistas clínicos e cirúrgicos.

É um hospital credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas também atende outros

convênios e particulares, abrangendo todos os segmentos da população que necessitam

de tratamento oncológico. Inaugurou em 2016 mais um hospital na cidade de Umuarama,

região Noroeste do Paraná.

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3.3 PARTICIPANTES

Os participantes deste estudo foram, inicialmente, 6 idosos (no entanto, uma entrevista

foi invalidada por problemas técnicos) com diagnóstico de câncer em tratamento oncológico,

internados, incluídos de acordo com os seguintes critérios:

• idoso com diagnóstico de câncer e em tratamento oncológico;

• não ter diagnóstico de câncer em estágio avançado de terminalidade;

• ter condições físicas e mentais preservadas que permitam, minimamente,

a participação voluntária nas entrevistas;

• idade igual ou superior a 60 anos.

Considerou-se como critério a condição física e mental preservada, sendo esta

verificada junto da equipe de enfermagem quanto à possibilidade de que o paciente pudesse

comunicar-se com clareza e não tivesse comprometimentos neurológicos evidentes que

impedissem a exposição ou o relato de suas posições.

Foram também participantes da pesquisa 3 familiares e 4 profissionais da saúde que

assistem os pacientes, nos seguintes critérios:

• 1 (um) cuidador familiar nomeado pelo próprio paciente para participar do estudo;

• 1 (um) profissional da saúde responsável pela assistência do paciente (indicado

pelo paciente entre a equipe de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e

psicólogos);

• caso os participantes se recusassem a participar, o idoso poderia indicar outros

membros da família ou equipe que estivessem disponíveis.

O critério acerca do cuidador familiar foi elaborado de acordo com a configuração

abrangente de família, envolvendo elementos como uma instituição com valores e

características próprias, pessoas ligadas por grau de parentesco, grupo com relações

interdependentes, unidade básica de desenvolvimento (CARVALHO, 2015). Dessa maneira,

considerou-se como cuidador familiar aqueles membros familiares que coabitam ou têm

relação frequente, que estabelecem laços e vínculos significativos e que, no contexto da

doença, exercem cuidados no período de internação durante o processo de tratamento, cura,

reabilitação ou morte, também representando um elo entre o paciente e a equipe de saúde.

O critério da nomeação ou indicação de familiares e profissionais feitas pelo paciente

esboçava, inicialmente, o respeito em considerar que a entrevista se daria com aqueles de sua

escolha ou preferência, intentando-se preservar sua escolha por afinidade, intimidade ou

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confiança para a coleta sobre informações que dizem respeito à sua história. No entanto, nem

todos os pacientes idosos dispõem de familiares na internação, e nem todos os idosos

indicaram por nome um profissional específico, alterando a configuração da pesquisa.

Por isso, os profissionais foram escolhidos pela pesquisadora por indicação de suas funções,

disponibilidade e acesso no momento das entrevistas.

Não se fez uma previsão fixa do número de entrevistados para a conclusão da pesquisa,

pois pretendeu-se uma variedade de respostas que permitissem a descrição de valores, crenças

e atitudes diante do fenômeno autonomia e decisões acerca do tratamento, assim,

contemplando associações mais profundas em detrimento de grande amplitude ou extenso

número de entrevistados. Por isso, o número de participantes, por inclusão progressiva,

foi interrompido pelo critério de saturação, quando concepções, explicações e sentidos

atribuídos começarem a ter regularidade de apresentação (MINAYO, 2011).

3.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

De acordo com as leituras de Gomes (2011) e Minayo (1998, 2008), embora nas

pesquisas qualitativas não exista uma demarcação exatamente clara entre as fronteiras de

coleta, análise e interpretação das informações, e uma vez que ocorrem ao longo de todo o

processo, estas etapas permitiram caminhos úteis para o tratamento das informações obtidas.

Para a análise das informações, foi escolhida a análise de conteúdo de Bardin (2011),

em sua versão atualizada, e também as adaptações à obra feitas por Deslandes, Gomes

e Minayo (2011), que pressupõem que a análise vai além do conteúdo manifesto. A análise de

conteúdo trabalha a fala, ou seja, “a prática da língua realizada por emissores identificáveis”,

levando em conta essencialmente as significações, no intuito de conhecer aquilo que está por

trás das palavras, sendo, portanto, “uma busca de outras realidades por meio das mensagens”

(BARDIN, 2011, p. 49-50).

Na análise de conteúdo, a leitura dessas informações foi aprofundada por meio da

decomposição das partes e da busca de uma relação entre elas. Diante do material, analisou-se

o conteúdo das falas de idosos com câncer, familiares e profissionais que os assistem para

a formulação de novas categorias, surgidas através de pontos de semelhança e pontos

de diferença ou inovação entre as falas. Segundo Gomes (2011), a análise de conteúdo se

desdobra em um conjunto de técnicas de análise, sendo elas: análise representacional,

de expressão, de enunciação ou temática. A análise temática foi escolhida, pois comporta um

feixe de relações em que o conceito central é o tema e consiste na descoberta de núcleos

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de sentido que compõem a comunicação e podem significar algo para o objetivo da análise.

Bardin (2011) destaca que o tema é geralmente utilizado como unidade de registro para

estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, assim,

as respostas a questões abertas e as entrevistas podem ser analisadas tendo o tema por base.

Quando o método foi construído, pretendia-se que cada tríade (paciente-familiar-profissional)

se constituísse como uma unidade de análise da qual se partiria para a interpretação do

material na busca de sentido acerca das falas dos participantes para se chegar a uma

compreensão das crenças, atitudes, construções e representações destes aspectos da autonomia,

percepção da participação do idoso na tomada de decisões e funcionamento dinâmico deste

processo na família e na equipe, pois são informações privilegiadas que envolvem a

construção de sentidos por parte dos envolvidos. No entanto, o estudo de caso múltiplo não

foi possível devido à realidade da configuração, já que muitos dos idosos se internavam

sem familiares, assim como nem todos conseguiram indicar os profissionais de saúde

nominalmente, por isso, entendemos que a realidade das entrevistas inviabilizou a construção

das tríades de caso.

As informações foram confrontadas com as leituras e delas surgiram articulações

teóricas para fundamentar as práticas e, neste aspecto, foram usados como base também

os pressupostos teóricos de vários autores: a escolha se fez entendendo a necessidade de

compreender o processo de construção social e ressignificação da velhice no Brasil,

discutindo sentidos e representações acerca da velhice e dos velhos, indagando os padrões

tradicionais, admitindo uma diversidade e heterogeneidade da velhice e aceitando a

interlocução de vários saberes, uma vez que admite o Estado, a medicina, a mídia, a sociedade

de consumo, a família, as instituições e o próprio idoso como protagonistas. Assim, parece

interessante localizar as falas destes idosos como fios condutores na interpretação desta

pesquisa, fazendo contraponto à discussão sobre velhice no Brasil.

Vale destacar, no entanto, que diante deste processo de interpretação surgiram

informações pontuais e específicas, novas percepções, que, por não estarem necessariamente

previstas no desenvolvimento da fundamentação teórica, exigiram o acréscimo de novas

leituras para a produção de uma cuidadosa compreensão do material (GOMES, 2011), e estas

foram costuradas no texto de acordo com a narrativa dos participantes entrevistados.

Analisar o conteúdo das entrevistas requer um exercício concentrado de separação

entre as crenças do pesquisador, suas tendências e representações e aquilo que o entrevistado,

de fato, nos quis apresentar ou fazer representar. O uso de procedimentos, ferramentas

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e técnicas analíticas visam a facilitar tal tarefa, permitindo ao pesquisador construir uma

teoria criativa de maneira sensível, flexível e ancorada nas teorias já estabelecidas

(STRAUSS; CORBIN, 2008).

Strauss e Corbin (2008) alertam que é mais fácil falar sobre separar crenças e

perspectivas em relação aos dados do que, necessariamente, fazer; no entanto, manter um

diário da experiência de pesquisa é uma forma considerada útil para acompanhar o que o

pesquisador está pensando durante a coleta e a análise de dados e, assim, gerar fluxo de ideias,

providenciar interpretações alternativas e estimular o pensamento. Os autores também

sugerem que o analista faça anotações e transcreva suas análises imediatamente em

memorandos que servirão de base para a codificação e o agrupamento de conceitos.

Observando as instruções dos autores, foram realizadas anotações em diários de pesquisa

e estes também serviram para a construção de uma das categorias de análise justamente pela

riqueza que tais impressões podem sugerir na compreensão do fenômeno em questão.

O conteúdo das entrevistas dos idosos remete aos seus valores e crenças; são relatos

que, embora pontuais, remontam à imagem da família, dos relacionamentos, da identidade,

à história da doença e seu enfrentamento; eu as nomearia como reconhecimento, pertença,

familiaridade e herança, mas as histórias vão muito além; e a análise instrumentada deve

permitir elencar, através das categorias, parte deste fenômeno do envelhecimento,

adoecimento e autonomia, para, assim, tratar das heranças geracionais e da quebra de tabus

que os velhos vêm imprimindo com seus (novos) modelos de ser velho no mundo.

As entrevistas foram realizadas entre julho de 2015 e janeiro 2016, com pacientes

idosos com câncer durante o período de internação hospitalar e, na sequência, com seu

familiar e, ainda depois, com um representante da equipe de saúde. No entanto, nem todos os

pacientes idosos contavam com a presença de um familiar ou acompanhante, e este fato

também consta como uma informação a ser discutida. As entrevistas com os profissionais

foram realizadas em uma data subsequente, agendada conforme a disponibilidade dos mesmos.

E assim como a questão da presença do familiar permitiu indicar novas configurações

familiares diante das necessidades extra-hospitalares de familiares e idosos, a abordagem com

os profissionais permitiu extrair considerações acerca da configuração das relações entre

profissionais e seus pacientes idosos, uma vez que nem todos os pacientes sabiam apontar

com exatidão os nomes de seus médicos, e os médicos, por sua vez, não conheciam

intimamente seus pacientes.

Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para resguardar a precisão

do conteúdo relatado. Os nomes dos entrevistados foram alterados para manter o sigilo sobre

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suas identidades. Esse processo ocorreu após a leitura do material e a análise dos diários

de pesquisa. As anotações no diário de pesquisa foram realizadas no dia da entrevista e as

memórias remanescentes foram adicionadas assim que surgia alguma associação ou

percepção considerada importante para a pesquisadora.

Fez-se, em um primeiro momento, a sistematização dos tipos de comunicação

seguindo os critérios de quantidade de pessoas na comunicação e a natureza do código e

suporte, de acordo com Bardin (2011). Desse modo, a aplicação foi feita a partir de um

código e suporte linguístico oral decorrente da comunicação dual (diálogo) obtida por meio

das entrevistas.

Didaticamente, o procedimento de pré-análise consistiu na leitura flutuante do

documento inteiro repetidas vezes para conhecer e perceber o texto e, na sequência, uma

leitura atenta que possibilitou posteriormente a análise preliminar “linha por linha” e “oração

por oração” no intuito de que este recurso permitisse gerar categorias, segundo instruções de

Strauss e Corbin (2008, p. 119) e Bardin (2011).

A fase de exploração do material ou codificação para a definição de categorias

representa o período em que se fez o trabalho de classificação, por diferenciação, dos

elementos que compõem o texto, reagrupando-os posteriormente segundo suas semelhanças.

Esta é a fase que permitiu a gradativa formulação de categorias – que são os conceitos que

representam o fenômeno, ou seja, servindo, segundo Chizzotti (2013), para dispor os

elementos do conteúdo segundo um critério de classificação. É nesta etapa que o pesquisador

fica imerso no texto para identificar fragmentos, palavras, temas ou questões significativas.

Da elaboração e definição das categorias, surgiram também algumas subcategorias, que são

conceitos que pertencem à categoria, dando esclarecimentos e especificações adicionais.

Por isso, a análise dos dados ou informações, na pesquisa qualitativa, permite que

perguntas e comparações sejam utilizadas para uma averiguação das propriedades e

dimensões dos objetos, ou seja, conhecer o mundo através daquilo que é similar e daquilo que

é diferente em cada fato ou objeto, com suas características e possíveis significados.

Dessa maneira, baseamo-nos nas propriedades do que sabemos para fazer comparações e

perceber novos detalhes em um incidente, fato ou entrevista. Para sermos capazes de definir o

significado de uma experiência, temos que declarar, através deste meio de exame, as

propriedades dos dados. As propriedades podem ser características de uma categoria, dando a

ela significado e definição e as dimensões dizem respeito ao “âmbito ao longo do qual as

propriedades gerais de uma categoria variam” (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 103).

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3.5 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS

Este estudo seguiu os princípios éticos propostos pelo Conselho Nacional de

Saúde (CNS), disposto na resolução 466/2012 CNS (BRASIL, 2012), que trata de

pesquisa referente a seres humanos, e a Resolução 16/2000 do Conselho Federal de

Psicologia. O projeto foi submetido à avaliação e aprovação na Plataforma Brasil

com o registro CAAE 43823315.5.0000.5482 e no Comitê de Ética em Pesquisa –

CEP da PUC-SP, tendo sido autorizado pela instituição hospitalar e pela instituição

de ensino, conforme parecer do comitê de ética. Os participantes da pesquisa

receberam as instruções sobre sua participação, constando os Termos de

Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), conforme modelos apresentados para os

idosos (APÊNDICE D), seus familiares (APÊNDICE E) e equipe de saúde

(APÊNDICE F), os quais foram devidamente assinados pelos participantes.

Instrumentalmente, os seguintes passos foram observados:

• solicitação formal à instituição hospitalar para a realização da pesquisa

com os pacientes Idosos portadores de câncer, com os familiares e com

equipe de saúde;

• preenchimento e submissão do projeto na Plataforma Brasil;

• encaminhamento do projeto para o Comitê de Ética em Pesquisa da

PUC-SP;

• consulta de prontuários para levantamento dos critérios de inclusão dos

pacientes: diagnósticos, idades, prognósticos. Após estabelecida essa

etapa, buscou-se meios de entrar em contato com os pacientes em questão

(através de contato direto durante o internamento);

• foram apresentados aos participantes os objetivos e termos gerais da

pesquisa, bem como explanado o TCLE e abertura de tempo para a

reflexão, dúvidas e possível aceite;

• uma vez cientes e de acordo com participar da pesquisa; pacientes,

familiares e equipe cientes foram convidados a agendar horários para a

entrevista (individualmente).

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Tal qual preconiza Cozby (2006), foram asseguradas as medidas que

mantiveram sob sigilo as fontes da pesquisa, ou seja, os nomes dos participantes

entrevistados, assim como seus dados de identificação contidos em seus prontuários.

No caso dos idosos portadores de câncer, tanto a duração quanto abordagem das

entrevistas foram pensadas para a atenuação do estresse ou dano psicológico que

porventura sua aplicação pudesse causar aos participantes. Não é previsto o estresse

ou dano psicológico nesta pesquisa, mas, visto que “o estresse psicológico é mais

comum que o estresse físico” (COZBY, 2006, p. 54), foram disponibilizadas aos

participantes, no TCLE, alternativas viáveis, como o atendimento psicológico de

esclarecimento e suporte, caso se fizesse necessário.

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4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.1 DIÁRIO DE PESQUISA – BREVE HISTÓRIA DE CADA CASO

O tema da velhice coloca em cena um ritmo

próprio de contar, escutar e enlaçar as marcas e

lembranças da memória.

Ângela Mucida

As anotações do diário de pesquisa estão escritas em primeira pessoa como é

caraterístico deste tipo de instrumento, que contempla o registro de pensamentos, percepções,

análises e interpretações iniciais, questões no campo subjetivo que surgiram no decorrer dos

contatos com a equipe de saúde, durante ou após a coleta de dados com os idosos e sua

família, ou posteriormente, ao pensar sobre a experiência e sentir o quanto algumas delas

reverberam em mim. Neste movimento, em que reverberar significa “refletir luz e calor”

ou “fazer eco”, menciono a percepção de que o diário de pesquisa seria o documento mais

puro e mais fidedigno das minhas primeiras impressões, aquele que reflete as tentativas pela

busca de um sentido para as inquietações que permaneciam ecoando. Assim, o texto foi

organizado para descrever apenas os aspectos mais relevantes de cada entrevista e contar não

mais do que um fragmento de cada experiência para contextualizar um pouco da história

subjetiva que nem sempre pode ser contemplada na análise de categorias e que, de alguma

maneira, subsidiou a análise deste material, contextualizando brevemente a história destes

idosos. Dessa maneira, é uma escrita que segue o fluxo livre de algumas lembranças, não

padronizado e não formal – formato este, permitido aos diários de campo.

4.1.1 Dom

Contatei a equipe no posto de enfermagem da ala de internamento para pacientes em

quimioterapia e solicitei informações sobre o paciente mais velho naquele dia de internação;

este foi o primeiro dia das entrevistas e senti necessidade de explicar também à equipe

os objetivos e o contorno da pesquisa, para promover uma aproximação inicial com

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as enfermeiras e técnicas que estavam trabalhando naquele plantão – procedimento que adotei

e realizei a cada nova coleta no hospital. A equipe indicou o quarto e dirigi-me até o local.

Ao entrar no quarto, deparei-me com dois pacientes do sexo masculino e uma cuidadora familiar.

Um paciente estava visivelmente debilitado, muito emagrecido, ictérico, com olhar

muito saliente e projetado; era sobre ele que a cuidadora se atentava – tinha na faixa dos 45

anos. No contexto de muita debilidade apresentada por este paciente, que, por conta de seu

câncer, tinha uma cor amarelo-esverdeada, o hospital permitira a presença constante de um

familiar e, por isso, a esposa estava com ele. Pareceu interessar-se pela pesquisa e perguntava

sobre o tema – mesmo sabendo que ele era jovem para participar, dediquei-me a contar mais.

No entanto, o outro paciente eu chamei de Dom, pensando em uma versão de “dom”,

significando dádiva, presente, merecimento, mérito, dote natural, talento, prenda, aptidão,

faculdade, capacidade, habilidade especial para ou, ainda, título honorífico que precede os

nomes próprios masculinos em certas categorias sociais, mas hoje desusado no Brasil

(MICHAELIS, 2009); devido ao seu talento ou habilidade especial para a comunicação, Dom

fez da entrevista um momento agradável, permeado por sua capacidade de interagir. O idoso

com 68 anos estava em quimioterapia para seu câncer de retossigmoide, ativo, lúcido, sem dor.

Conversei com todos os presentes no quarto, apresentei-me e expliquei a pesquisa e o critério

no tocante aos idosos. O paciente Dom aceitou participar e nos dirigimos até a sala reservada.

Esse paciente, embora sua idade permitisse acompanhante, opta por realizar seus tratamentos

sozinho e por internar-se sem familiares, já que julgava não necessitar de nenhuma ajuda para

os cuidados ou para suas tarefas. Na entrevista, ele explica como compreende sua autonomia

plena para decidir seu tratamento e revela o significado que o uso do bigode tem como

herança familiar.

Retornei no dia seguinte para outra entrevista no hospital e, ao me ver, Dom fez

questão de me cumprimentar e falar um pouco sobre seu dia e o presente que havia ganhado

do grupo de voluntários da instituição. Esse reencontro me fez refletir sobre o compromisso

que firmamos com os participantes de nossa pesquisa no momento da assinatura dos TCLEs,

um compromisso ético de colher seus relatos, mas também de acolher. Questionei-me se, no

item em que deixamos claro que a qualquer dúvida ou desconforto, o participante pode nos

contatar, de fato algum deles o faria realmente. Entendi que retornaria aos quartos dos

pacientes internados nos dias subsequentes da pesquisa para certificar-me desta questão.

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4.1.2 Irene

Na entrevista realizada com a paciente e, em seguida, com sua filha V., que estava

como acompanhante durante a internação, destaca-se a dedicada abdicação da própria vida, da

casa e da família para prestar cuidados no hospital e na casa dos pais nos dias que a alta

permite. A filha relata sobre a conversa particular que teve com a médica sobre o avanço da

doença, a agressividade com que a doença recidivou e o pouco tempo de vida que talvez

restasse à mãe, embora este item tenha sido parcialmente esclarecido à paciente, pois parece

querer saber apenas o mínimo suficiente sobre seu prognóstico.

A filha é a responsável por comunicar a família sobre as explicações médicas e, ao

tempo que considerou ideal, contou para a mãe sobre o quadro: é a porta-voz das notícias. É a

cuidadora principal e também a guardiã das conversas mais difíceis.

Para esta paciente idosa, foi escolhido o nome Irene, que significa paz; a que traz a

paz; pacificadora.

4.1.3 Aura

A entrevista foi realizada com a paciente e, na sequência, com sua familiar, porém,

posteriormente, ao organizar o material, percebi que não havia gravado a entrevista da

paciente. Ela relatou independência para executar as atividades diárias, incluindo ir à igreja e

cuidar do filho viúvo e do neto, que vieram morar com ela após a perda e necessitaram de seu

apoio para viver o luto, e autonomia para decidir sobre a própria vida e o tratamento. Foi uma

bela entrevista de cerca de 40 minutos, em que a idosa revelou aspectos entusiasmados sobre

viver a vida e confiar nas pessoas. Eu senti muito por não ter realizado a gravação

corretamente e ter perdido este conteúdo precioso.

Para a filha L., sendo uma pessoa de poucas palavras e respostas breves, a velhice é

assustadora e temida, embora a mãe seja uma pessoa que lhe apresente uma imagem muito

positiva do envelhecimento e uma crença religiosa amparadora diante da doença. Neste

contexto, a filha teme envelhecer, adoecer e, quando questionada, refere que não conversam

em família sobre a doença, pois teme, acima de tudo, perder a mãe.

O contato foi amigável, mas a conversa precisou ser instigada, a filha não desenvolveu

e não aprofundou o tema, apenas respondia pontualmente. Demonstrou não questionar as

ocorrências da vida e da doença, não ter visto ninguém curar nunca do câncer e, por isso, não

pergunta nada ao médico, pois teme falar sobre o assunto perto da mãe e relata ter outra irmã

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“mais esperta”, que conversa com a equipe. Temendo perder a mãe, ela e os irmãos

compactuam do silêncio doloroso que abriga uma perspectiva assustadora. Chora durante a

entrevista, o que sinaliza em mim a sua necessidade de endereçar essa dor e ser ouvida.

4.1.4 Nereu

Solicitei à equipe de enfermagem da ala de internamento cirúrgico informação sobre o

paciente mais velho daquela ala naquele dia de internamento e fui orientada a seguir para o

quarto indicado. Entrei na enfermaria do SUS, onde estavam três pacientes do sexo masculino

internados e uma familiar do sexo feminino. Estou contextualizando, para destacar que não

foi possível, através da verificação pela aparência, apontar quem era, de fato, o paciente mais

velho daquele quarto. Fui informada que um paciente deveria ter 77 anos e os outros dois

estavam na faixa dos 50 anos.

Naquele momento, fiz como habitualmente e conversei com todos os presentes,

apresentei-me e falei rapidamente sobre a pesquisa e o critério de inclusão inicial como sendo

o enquadre na idade que configura um idoso no Brasil. Todos estavam interagindo comigo, no

entanto, um dos pacientes certificou-me que tinha 77 anos e poderia perfeitamente participar.

Estava deitado, mas rapidamente sentou-se e pediu ajuda à filha para vestir os chinelos e

seguir comigo à sala mais reservada para a nossa conversa. O paciente estava pós-operado de

um tumor de intestino, havia colocado bolsa de colostomia, estava sem dor, comunicativo,

ativo, lúcido. A filha era a única cuidadora daquele quarto e ocupava-se de todos os pacientes

com disponibilidade.

Este recorte me pareceu importante, pois nele aparecem muitos fatores relevantes

sobre os significados da idade. Os pacientes eram todos mais jovens que aquele incluído para

a pesquisa, não tinham a idade que configurava a velhice propriamente dita, no entanto,

confundiam-se com o mais velho na aparência e encontravam-se muito mais degradados pela

doença. Um deles estava acamado e necessitava de ajuda para quase todas suas necessidades

fisiológicas, incluindo comer, defecar e movimentar-se na cama, pois tinha comorbidades e

sequelas do Acidente Vascular Cerebral (AVC), somadas ao câncer. O outro paciente estava

traqueostomizado e muito emagrecido, parecia cansado e escancarava a debilidade da doença

no corpo. O paciente mais velho, pós-operado, usando bolsa de colostomia, dreno e soro, no

entanto, estava com aparência tranquila, muito solícito; ávido para conversar, aceitou

participar da entrevista.

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A filha do paciente mais velho cuidava dos mais novos, uma vez que a idade

não permitia para estes a presença constante de um familiar. Esta filha, G., foi entrevistada

na sequência.

O paciente com traqueostomia chama particular atenção do paciente entrevistado, que

faz uma interessante associação entre a aparência muito doente e abatida deste paciente e

menciona que parecia ser inclusive mais “acabadinho” que ele. Na associação que faz entre

câncer e fumo, ressente-se de o filho mais velho, de 54 anos, idade muito similar a deste

companheiro de enfermaria traqueostomizado, também ser fumante.

A questão da idade/idadismo/ageism/etarismo se destaca nas representações sociais e,

inclusive, médicas para a aproximação entre avanço do tempo versus incidência de doenças e

degradação, configurando o uso de um padrão estanque para se representar a velhice.

O paciente entrevistado, no entanto, indica que câncer não se associa à idade ou velhice e, sim,

a comportamentos de saúde e escolhas para a vida. Ele se sente, inclusive, mais jovem,

vigoroso e em melhor estado de saúde que os mais jovens daquele quarto, sendo essas as

impressões registradas em meu diário de experiências em pesquisa para o paciente Nereu,

77 anos, que tinha câncer de próstata e intestino. Assim, na pesquisa, passei a chamá-lo de

Nereu, em referência ao velho do mar. Na mitologia Grega, Nereu é representado por um

velho deus marinho, mais antigo que Poseidon, pacato, sábio, benévolo e justo, representava a

calma e a serenidade do mar, tinha o dom da profecia e a capacidade de mudar tanto a sua

aparência quanto a de quem assim lhe pedia.

Reiniciei as demais entrevistas na ala de internamento clínico e, inevitavelmente,

toquei no assunto que se refere ao andamento do tratamento da enfermeira-chefe desta

unidade, pois esta se encontra em tratamento oncológico para câncer de intestino. Perguntar e

inteirar-me sobre o estado de saúde desta profissional vai, para mim, muito além de uma

simples preocupação formal, visto que fomos colegas de trabalho e mantivemos durante os 10

anos no hospital uma proximidade afetiva significativa. A notícia de sua doença não era uma

novidade para mim, mas hoje pude conversar com a equipe e saber um pouco mais,

entendendo inclusive o clima e a ausência que provoca na equipe; nesse sentido, temem que

ela não consiga retornar ao trabalho em março, como previa; a notícia de um câncer em

alguém do nosso convívio desorganiza nossa ilusão de proteção, assombra-nos de fato.

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4.1.5 Valmor e Aristo

Entrevistei dois pacientes internados que, curiosamente, defendem princípios muito

parecidos em suas diferentes histórias de vida e de doença. O idoso Valmor tem 69 anos,

completa 70 anos em um mês, trata de sua leucemia crônica há 8 anos. O idoso Aristo tem 72

anos e trata de uma doença no intestino que evoluiu para o fígado. Ambos em quimioterapia,

ambos apoiam-se na fé em Deus e nos preceitos religiosos, ambos serviram o exército e

defendem a volta da ditadura como uma solução para a situação atual do país e das pessoas,

especialmente os jovens. Comparam os dias de hoje com o tempo passado, remetem suas

lembranças àqueles tempos em que a força, o corpo e as coisas eram diferentes. Cada qual, à

própria maneira, conta sobre as dificuldades da trajetória, as crenças na vida e a certeza da

morte.

4.1.5.1 Valmor

Ao entrar no quarto deste paciente, ainda procurando verificar se estava no quarto

correto e se o nome escrito no prontuário correspondia ao nome do paciente, fui surpreendida

com uma pergunta-afirmação: – “Você é professora?!”, – “Eu?, hum… tenho cara de

professora?”, – “Com esse monte de livro na mão só pode ser professora!”, – “Então o senhor

acertou… posso entrar?”. Eu carregava os prontuários em mãos, eram apenas dois, mas

volumosos. E Valmor se pôs a falar sobre professoras e métodos “do seu tempo”. Contou que

está internado desde o dia 21 de dezembro, que sempre fica sozinho, não necessita de

cuidadores junto. Sobre a acompanhante (a senhora da pensão, remunerada para a tarefa), que

as filhas conseguiram para ficar com ele durante os internamentos, não quis, mandou embora,

pode cuidar-se sozinho. Relata o quanto gosta de ler de tudo: revista, livro, qualquer coisa.

Acostumou-se à solidão dos livros, embora goste muito de conversar sobre diversos assuntos.

Para este idoso, o nome Valmor foi escolhido por significar governante; aquele que sabe

governar.

4.1.5.2 Aristo

Conta sua história de militar aposentado, seu enfrentamento de uma vida de policial

que lhe rendeu um certo endurecimento nas atitudes, uma rigidez com as novidades dos

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tempos. Sempre fazia a ronda sozinho e teve que dar conta de tudo; hoje, fica sem entender

quando alguém defende bandido ou critica a ditadura. Depois de tantos desafios e um olho de

vidro (após um tiro em combate), converteu-se a pastor evangélico. Para ele, policiar e

pastorear, tanto um como o outro, são profissões que lidam com gente, ele se sente realizado

em ambas. Revela que sente necessidade de ter um familiar para as horas de precisão, contou-

me que na noite anterior teve diarreia, usa bolsa de colostomia e, justamente ontem, não tinha

o genro para lhe ajudar. Custou a limpar a bolsa e conseguir dormir, já eram quase 4 da

manhã quando pegou no sono. Recebe visitas e tem sempre algum familiar para revezar os

cuidados, mas gosta mesmo quando o genro vem; tem mais intimidade e sente-se mais à

vontade. Fica em média 2 dias internado para a quimioterapia, depois vai embora. Relata a

perda dos 3 filhos (de 4) e de como maneja a saudade e a ausência. Sua rigidez se desfaz

quando menciona que os netos são como filhos, ou melhor, que vê neles os seus próprios

filhos tal e qual. A saudade reativa a memória em todos os “Dezembros” (os dois filhos

morreram neste mês), então, nesta época fica mais difícil lidar com a ausência. A esposa,

agora com 80 anos, foi a mais prejudicada por perder os filhos, pois o paciente idoso

compreende que a doença de Alzheimer da companheira de 50 anos de casamento é fruto

deste sofrimento. Mas, dezembro também representa o nascimento de Jesus, e Aristo se alegra

pelo verdadeiro significado do Natal, que, para ele, tem conexão com a descoberta de sua

conversão a pastor evangélico. Para este idoso, escolhi o nome Aristo, o nobre.

As informações contidas no diário de pesquisa permitiram a construção de uma

estrutura para contextualizar as histórias de cada idoso entrevistado, e para muito além das

tríades paciente-familiar-profissional, os idosos, por si mesmos, puderam ser configurados e

compreendidos como aqueles que possuem suas histórias de vida. Por isso, a opção pelo

desmembramento dos relatos de cada entrevista para compor as categorias de análise parece a

maneira mais adequada de tratar os dados.

Além disso, voltar aos quartos dos pacientes idosos internados foi uma escolha que me

fez perguntar e refletir sobre a repetição de algumas questões que julguei importantes: senti a

necessidade de retornar e ter certeza de que a escuta poderia ser empreendida mais uma vez,

assim, detectei de pronto que a necessidade de retornar era minha, eu estava em falta com o

hospital, ou melhor, eu sentia falta dos atendimentos como psicóloga hospitalar. Retornar aos

quartos e rever os pacientes, saber como se sentiam e se estavam confortáveis me fazia bem.

Essa questão foi apresentada em orientação e trabalhada em análise por uma insistência minha,

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pois acreditava tratar-se de algo “estranho ou fora do lugar”. No amparo das escutas, na

orientação acadêmica e na análise, compreendi que deveria falar abertamente sobre tal

constatação no corpo do meu texto e no corpo da minha prática clínico-hospitalar. Eu estava

no lugar certo.

Elaborando essa questão, pude perceber que a preocupação em certificar-me sobre o

“depois” destes pacientes encontrava respaldo no cuidado ético que estabelecemos como

nossos participantes-sujeitos de pesquisa, calcado no compromisso que firmamos no ato dos

esclarecimentos, aceites e assinaturas dos TCLEs que fazemos junto dos entrevistados, visto

que deste documento consta um item sobre desconforto, dúvida ou suporte e sabendo do

momento delicado em que se encontram, então, não podemos esperar que os participantes

sintam-se encorajados em acionar ao número de telefone que consta do termo em caso de

necessidade. A entrevista devolutiva seria uma alternativa vantajosa nestes casos, mas

pensando em idosos com câncer hospitalizados não tive garantias quanto ao prazo de que

poderia remarcar futuros contatos. Amadurecendo e aceitando este movimento de retorno,

compreendi que os contatos posteriores com os idosos e suas famílias permitiram-me a

avaliação dos contextos e foi um passo importante para a validação daquelas falas, eles

estavam ávidos para serem vistos e, assim, terem a oportunidade de falar mais sobre várias

situações de cotidiano hospitalar, ventilando questões acerca de si mesmos, assim, na fala

estavam legitimando um lugar de expressão.

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4.2 DaDos socioDemográficos e perfil Dos ENTREVISTADOS

Quadro 1 – Dados sociodemográficos e perfil dos pacientes oncológicos idososN

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A partir do levantamento dos dados sociodemográficos, foi possível configurar um

breve perfil dos entrevistados para visualização de suas principais características.

A população idosa estudada foi composta por seis pacientes entrevistados, em tratamento

oncológico, internados no Hospital do Câncer, sendo quatro do sexo masculino e duas do sexo

feminino; no entanto, a entrevista de uma paciente do sexo feminino não foi devidamente

gravada e seus dados foram perdidos (consta no Quadro como Aura*, pois a entrevista da

filha foi mantida), tendo restado o conteúdo de cinco entrevistas na íntegra para a análise.

As idades dos pacientes idosos variaram entre 62 e 77 anos. Todos são alfabetizados (entre a

1ª e a 5ª séries) e aposentados.

Sobre as questões que envolvem contar ou não contar ao paciente idoso sobre sua

doença, preservando-o do impacto de uma notícia difícil (GEOVANINI, 2011; GOMES;

SILVA; MOTA, 2009; SILVA; ZAGO, 2005; VEIT; CARVALHO; 2008; VISENTIN;

LABRONICI; LENARDT, 2007), constatou-se que, neste estudo, a revelação diagnóstica

apoia-se na mudança de paradigma, pois todos os idosos entrevistados possuem conhecimento

sobre seus diagnósticos, os quais são relatados pelos próprios pacientes como sendo: parte

intestinal, câncer de retossigmoide, leucemia no sangue, câncer na próstata e intestino,

leucemia aguda, câncer de intestino e fígado, e todos compreendem dentro de suas

possibilidades e abrangências intelectuais que possuem uma doença designada como câncer.

Nesse sentido, vale destacar que o conhecimento do diagnóstico e da evolução da

doença é um direito do paciente e permite que medidas sejam consideradas e os envolvidos

se preparem para os diversos eventos – tratamentos, condutas, procedimentos ou, até mesmo,

a morte, ou seja, “a não revelação da verdade pode impedir o paciente de tomar decisões

importantes sobre o seu tratamento e sua vida pessoal” (VISENTIN; LABRONICI;

LENARDT, 2007, p. 509), sendo este quesito respeitado de acordo com o relato dos pacientes

entrevistados na pesquisa:

[...] aí fui fazer um exame e constou que eu tinha câncer na próstata. [...] “Despois” que eu fiz novos exames, uns 4 ou 5, aí constou que tinha esse tumor [no intestino]. (Nereu, 77 anos). [...] fazendo quimioterapia, fez uma cirurgia de câncer da parte intestinal, retossigmoide. (Dom, 68 anos). [o médico falou] sabe o que tem a sua mãe, menina a sua mãe está com leucemia no sangue, ela nem tem sangue mais e nem plaquetas. [...]. É aguda com anemia junto, que ela (a médica) disse que deu. O outro nome eu não sei não. (Irene, 62 anos). [...] acontece o seguinte, que a leucemia, ela... se evoluiu. [...] é uma doença assim [...] tá no sangue, né. E no sangue não dói. (Valmor, 69 anos).

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[...] eu fiz cirurgia de câncer de intestino em janeiro do ano passado, e... aí.. [...] último exame deu problema no fígado. Então tô fazendo quimioterapia (Aristo, 72 anos).

Como se pode verificar pelos relatos, os idosos estão de acordo com os tratamentos,

as condutas e os procedimentos que estão realizando, como as cirurgias, as quimioterapias,

e entendem a necessidade de internação para a realização destes, pois demonstram terem sido

comunicados sobre cada passo do tratamento e estarem de acordo em realizá-los. As doenças

apresentadas por estes pacientes, no momento de suas entrevistas, não os impedia de manter a

independência para a manutenção das atividades diárias e tarefas de autocuidado básico.

No decorrer da apresentação dos resultados desta pesquisa, optou-se por localizar os

nomes, idades e diagnósticos dos pacientes após a transcrição de cada fala, na intenção de

esclarecer e conectar os conteúdos, dando ao leitor uma dimensão do contexto

idoso/idade/doença como referência, mas jamais como redução da pessoa ao seu diagnóstico.

Quadro 2 – Dados dos familiares cuidadores entrevistados

Familiar Idade Estado civil Escolaridade Religião Profissão V.

(filha de Irene, 62 anos)

41 Solteira 2º grau Congregação

Cristã do Brasil

Antes babá e agora cuidadora

da mãe desde 2014 L.

(filha de Aura, 69 anos)

46 Casada 2º grau Católica Do lar/ Agricultora

G. (filha de Nereu,

77 anos) 52 Casada 2º grau Católica

Serviços gerais (servidora pública).

O Quadro 2 apresenta os dados sociodemográficos dos familiares ou cuidadores

indicados pelos pacientes para a entrevista, sendo estes presentes no período de internação

hospitalar dos idosos entrevistados. Foram três familiares do sexo feminino entrevistadas;

os demais pacientes (três) não internam com familiares ou cuidadores.

Embora não seja possível mencionar os motivos pelos quais os demais familiares não

acompanharam o período de internação dos idosos, pois não estavam presentes, é possível

inferir que existem situações financeiras que impedem ou dificultam um deslocamento

frequente, há os impeditivos relacionados ao trabalho, os cuidados com outros membros

(no caso de crianças e mais de um membro com necessidade de cuidados constantes),

as questões pertinentes ao funcionamento de cada família e laços afetivos construídos

ao longo da história de cada um destes idosos.

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Para os pacientes com familiares, a presença do sexo feminino representado pelas

filhas foi predominante, não havendo presença de familiares do sexo masculino para nenhum

destes pacientes entrevistados. A predominância de cuidadoras do sexo feminino é referida na

literatura, ou seja, o cuidado primário, não profissional ou não remunerado é frequentemente

exercido por um membro familiar do sexo feminino, dado este que se confirma também em

outros estudos sobre cuidadores de idosos (ARAUJO; FERNANDES, 2015; CARVALHO, 2015;

KARSCH, 2013; KÜCHEMANN, 2012; MATA et al, 2013; PUIG, 2015).

As três filhas cuidadoras entrevistadas se revezam entre a rotina habitual, incluindo as

tarefas domésticas da própria casa e os cuidados com os pais idosos em tratamento. A familiar

entrevistada V., de 41 anos (filha de Irene, de 62 anos), é a filha mais velha entre as mulheres,

é solteira e mora em sua própria casa com a filha de 18 anos, cuida dos afazeres da própria

casa junto com a filha, mas abdicou completamente da profissão anterior de babá para se

dedicar integralmente aos cuidados com a mãe, assim, passa o dia no hospital quando a mãe

interna, e quando a mãe retorna para a casa, V. dorme na casa dos pais para cuidar de ambos.

A filha L., de 46 anos (filha de Aura, de 69 anos), é casada, não tem filhos, mora com

o esposo, trabalha na agricultura familiar e cuida da própria casa. Durante o período de

internações da mãe, cuida no hospital revezando-se com as irmãs.

A entrevistada G., de 52 anos (filha de Nereu, de 77 anos), é casada, mora em um sítio

que fica a cerca de 7 km da casa dos pais, com o esposo e 2 filhos de 17 e 14 anos, trabalha

como concursada na prefeitura da cidade, executando serviços gerais, e reveza-se com as suas

irmãs nos cuidados com o pai durante o período de internação.

Estudos (ANJOS; ZAGO, 2014; NASCIMENTO; MORAES; VELOSO; SILVA;

VALE, 2008; CARVALHO, 2008) apontam que os cuidadores de idosos, função

majoritariamente exercida pelo sexo feminino, enfrentam muitas vezes a sobrecarga física e

emocional diante da exigência de cuidados que recaem sobre um membro familiar

especificamente, necessitando, muitas vezes, ressignificar o cuidado e as questões que

envolvem a relação entre os familiares. É ilustrativo na fala da familiar entrevistada, em que é

possível verificar que todas as tarefas do cuidado ficam sob sua responsabilidade, assim,

monitorar a paciente e seus tratamentos, agendar consultas, fazer companhia, ajudar nas

atividades diárias são um trabalho cansativo e que, para esta familiar, não podem ser

compartilhados com os demais membros por questões que vão desde a distância da irmã que

mora em outro país até a não disponibilidade ou adaptação dos demais membros em relação

ao ambiente hospitalar. Dessa maneira, V. (filha de Irene, 62 anos) abdica do trabalho e passa

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a cuidar exclusivamente dos pais e desdobra-se entre a mãe internada no hospital e o pai no

domicílio. Sendo assim, sua filha e sua casa ficam em segundo plano e, consequentemente,

sua filha assume as tarefas da casa na sua ausência. Na fala desta familiar V.; fica claro seu

papel como cuidadora:

[Sobre ser a cuidadora preferencial] É, sempre foi. Até quando ela ficava assim, quando ela não podia fazê... eu sempre... porque eu trabalhava só meio período... aí na parte da manhã eu vinha, ajudava ela... a fazê almoço, a limpá uma casa, né... [Pesquisadora: Uhum] Mesmo não tando morando junto, né. [...] Fica pra mim mesmo... fica pra mim mesmo [...]. Cansá, cansa, né... [...]. (V., filha de Irene, 62 anos).

No contexto de algumas famílias contemporâneas, há o enfrentamento de uma

realidade que vem sendo cada vez mais comum: a diminuição no número de membros, ou seja,

um número cada vez mais reduzido de filhos implica em cada vez menos condições de

revezamento para os cuidados com aqueles membros que envelhecem e adoecem. No caso

de V. (filha de Irene, 62 anos), mesmo dispondo de outras familiares, como irmãs e noras,

o cuidado acaba recaindo sobre um membro familiar com exclusividade ou preferência, seja

por disponibilidade de tempo, proximidade afetiva, questões de adaptabilidade deste membro

ou, ainda, dificuldades de deslocamento ou tempo de outros familiares para o cuidado.

Da cuidadora exige-se a companhia com presença constante, claramente colocado:

“Já tá falando acompanhante, é pra acompanhá, né, não é pra ficá passeando, né”, e, ainda,

verifica-se uma desvalorização de seu papel: “É que o povo lá fora acha que você tá aqui

como acompanhante, que você não faz nada”.

[Sobre quem cuida da paciente] só eu e uma irmã minha, que também tá trabalhando, que trabalha, e outra que mora na Espanha. Depois eu tenho cunhada, só que as nora não querem cuidá... Cê entendeu? Porque como tem que ser mulher, porque é na ala feminino, não tem como meus irmãos vim cuidá. [...] Mas as nora não se adaptam ao hospital. [...]. Quando eu tô... quando eu tô ali no quarto, assim, que eu tô muito, muito cansada... porque às vezes também cansa de ficá parada, aí saio lá fora, né, ando um pouco, [...]. porque como ela é tem mais de 62 anos eu não posso... ficá lá fora. Tem que ficá de apoio, mas eu tenho que ficá só aqui dentro pra cuidá dela, né. [...]. Já tá falando acompanhante, é pra acompanhá, né, [risos] não é pra ficá passeando, né. [...] É que o povo lá fora acha que você tá aqui como acompanhante que você não faz nada. Pra você chamá uma enfermeira quando for preciso... quando um medicamento acabô, chamá...se precisá ir no banheiro e o paciente não aguentá, você levá. Você também vê como eles tão... é tudo isso. Quando ela vai embora você tem que agendá consulta... Eu agendo consulta, a gente vai de apoio... (V., filha de Irene, 62 anos).

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Quadro 3 – Dados dos profissionais da saúde entrevistados no hospital

Identificação Profissional Idade Sexo Religião Tempo de assistência no Hospital do Câncer

C. Técnica de Enfermagem

46 F Católica 3 anos

Dr. A. Oncologista Clínico

47 M Católico 16 anos

Dr. D. Oncologista Clínico

35 M Humanista 4 anos

S. Assistente Social

34 F Luterana 12 anos

No que se refere à indicação do nome de um profissional, de preferência ou referência

no hospital, três idosos não nomearam seus profissionais, apresentando uma informação

relevante sobre como se estabelecem as relações de cuidado entre profissionais e pacientes,

e indicaram possibilidades de interpretação para as questões decisórias neste contexto

hospitalar, que engendra envelhecimento, adoecimento e autonomia. Os idosos entrevistados

não indicaram por nome um profissional em específico, com exceção de dois entrevistados,

e tal variável não prevista, redirecionou as entrevistas com profissionais, escolhidos a partir

da disponibilidade e acesso durante o período da pesquisa de campo.

Assim, foram entrevistados dois médicos oncologistas clínicos, uma técnica de

enfermagem e uma assistente social, pois estes profissionais realizam, ou realizaram em

algum momento, atendimentos aos pacientes idosos entrevistados.

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5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Da leitura e análise inicial dos temas recorrentes nas entrevistas com detalhada

descrição das etapas da análise e interpretação dos dados (no subcapítulo 3.4) e da

apresentação e análise dos dados (no capítulo 4), foram construídas as categorias de análise

seguindo um movimento de codificação aberta, segundo Strauss e Corbin (2008).

A construção do Quadro 4 apresenta este movimento crescente que se inicia com os temas e

culmina na construção das categorias.

De acordo com os autores, o pesquisador deve verificar quais informações, atributos

ou conceitos “podem ser agrupados sob um conceito mais abstrato, de ordem mais alta,

baseado em sua capacidade de explicar o que está acontecendo” (STRAUSS; CORBIN, 2008,

p. 114), e, assim, após as leituras, realizou-se um processo inicial de visualização dos temas

aparentes no discurso dos entrevistados, ou seja, foram elencados os dados que, na percepção

da pesquisadora, pertencem à temática central do estudo.

A partir dos temas aparentes foi possível a contextualização dos fatos ou fenômenos

e a classificação positiva, indicada pelo sinal (+), ou negativa, indicada pelo sinal (–),

conforme a conotação apresentada pelo entrevistado. O uso indicativo de sinais (+ ou –),

ou outro código apropriado, são ferramentas apresentadas por Bardin (2011) para assinalar

a codificação do contexto referido pelo entrevistado. De maneira explicativa, na unidade

de contexto, por exemplo, aparece o sinal (+/–) diante da frase “sem cuidadores familiares”,

indicando que na fala daqueles idosos entrevistados que internam sem familiares, este fato

representa a categoria da autonomia, no entanto, indica uma conotação positiva para dois

dos entrevistados, visto que não necessitam de ajuda para o autocuidado e sentem-se bem

em internar sozinhos, e negativa para outro entrevistado, no sentido de que não precisa de

ajuda para o autocuidado, mas afetivamente ressente-se de não ter um familiar presente.

Assim, sucessivamente, os sinais (+ ou –) são representativos da conotação que os

entrevistados atribuíram ao contexto em suas falas.

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Quadro 4 – Construção das categorias de análise

Temas Unidade de contexto Categoria Tomar decisões Cuidar das próprias coisas Realizar as escolhas Internar sem familiar Morar sozinho Informações médicas

Poder escolher e poder fazer: (+) Na vida e na rotina (ligado ao conceito de independência/mobilidade, condições de autogerir-se, finanças e ajudar os filhos) (+) Nos tratamentos (internar ou não, fazer ou não o tratamento) (+/–) Sem cuidadores familiares (+) Tomada de decisão

AUTONOMIA

Autonomia compartilhada

- Delegar decisões

Delegar as decisões Ser cuidado Aceitar cuidados

(+) Construção de uma interdependência/ compartilhamento (+) Delegação de decisões aos médicos ou familiares (–) Impossibilidade de ter um cuidador familiar (+) Morar na casa dos filhos/companhia (+) Médicos e família sabem o que é melhor

Depender das pessoas Morar na casa dos outros

(–) Medo (–) Morar com os filhos (noras) (–) Ouvir reclamações, não ser aceito; morar no asilo (–) Tomada de decisão prejudicada

PERDA DA AUTONOMIA

- Dependência como perda de autonomia

- Medo da dependência

Crianças também tem câncer Pacientes com menos idade com câncer avançado

(+) Idade e velhice não são sinônimos de doença/ a doença não depende da idade

A SAÚDE E A DOENÇA NA VELHICE

- A doença x a velhice

- Velho e Velhice

Peregrinação nos serviços de saúde

(–) As queixas não são consideradas efetivamente: doenças da idade? (–) Perdas do envelhecimento

Nomenclatura e seus diferentes sentidos

(–) Velho (+) Idoso/terceira idade/melhor idade/Coroa (+/–) Atributos do velho e da velhice

Relação com equipe Relação com familiares

(–) Desconhecimento acerca da resolução ou aplicação das DAV (–) Testamento vital confundido com testamento patrimonial e testamento bíblico (+) Conversa sobre patrimônio e vontades com os familiares

AUTONOMIA E FINITUDE

- Diretivas antecipadas

- Relação entre profissionais e idosos

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5.1 SOBRE A AUTONOMIA

Se antigamente a velhice estava fortemente “associada à dependência e à perda do

controle sobre a própria vida, mesmo para atos corriqueiros e banais de sobrevivência”

(PASCHOAL, 1999, p. 313), atualmente uma ampla gama de variações nos conceitos

e modelos de velhice demonstra que o controle da própria vida é uma das tarefas prezadas e

desempenhadas pelos velhos.

De acordo com este conceito, aparece nos relatos a autonomia baseada no conceito

liberal, em que a pessoa se sente apta a fazer a tomada de suas decisões autonomamente,

ou seja, cuidar de si mesmo e de suas atribuições conforme suas possibilidades de maneira

absolutamente independente e centralizada. Nas falas, destaca-se a autonomia para a tomada

de decisão acerca das questões cotidianas e sobre os tratamentos oncológicos:

Eu, das minhas coisas eu cuido. Faço compra e pago as coisa, né, farmácia… (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Eu que fez todas as decisão. Eles falaram, oh, pai se o senhor tá com vontade de fazer a casinha faz, porque vocês são de idade e a casinha é mais quentinha e bem forradinha, que aquela uma era uma casa velha, né, não era forrada e quando dá frio, casa de madeira é muito frio, se sabe, né. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). [sobre os tratamentos] Eu mesmo decido. [...]. Não. Meus filhos nunca se intrometeram. Nem essa aqui, a minha filha [que acompanha na internação]. [...] Sim, eu comunico. Eu comunico tudo que eu vou fazer, eu comunico com eles. Tudo, tudo. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). [sobre a demora em internar e a justificativa de que o hospital estava lotado] – É, diz eles que tava (lotado). E daí fazer a limpeza e tal, né, mas não é tanto isso aí não, tem outras coisas que eu não posso… (…). Às vezes é má vontade de alguns funcionários. (…). Daí quando eu ameacei que eu ia ir embora, que eu não ia fazer a quimioterapia, daí me internaram. (…). E eu posso fazer isso aí. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). As decisão são minhas. Porque de acordo com minha idade esse tratamento faz se eu quero, se eu não quero não faço, né. Mas eu... enquanto há vida há esperança, vamo vê, né... Não é fácil, mas... se é pra cura tem que tentar, né? (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). Eu creio que seu eu tomasse uma decisão dessa (de desistir do tratamento caso não tenha resultados), era triste mas... é... é que eu sempre fui uma pessoa assim, eu nunca.... a minha vida, né, sempre eu decidi por mim, eu tenho responsabilidade e, né, e eu além de ser tudo isso que falei pra ocê, eu exerci uma profissão outra... pastor evangélico, mais de 32 anos. Consegui..., né... porque o pastor não é só pregar, ele ensina, orienta, é o chefe de uma...uma grande família, né? (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). [...] quem decide sou eu mesmo. (os filhos) aceitam. (os filhos discutem essa questão?) Não, não, de jeito nenhum. Os filhos não, ainda bem, graças a Deus. Do jeito que eu entendo eles estão de acordo. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

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Tem... tem pacientes que muitas...é...o familiar, já teve situações dos familiares não quererem que o paciente faça o tratamento... e o paciente querer. Aqui no consultório... veio com esse bate boca... “Mãe, tu vai querer fazer mesmo o tratamento quimioterápico? É quimioterapia mãe, vai cair o cabelo...” “Minha fia, o que que tem, não me importo...” Mas mãe, tu já tem 70...70 e pouco anos, tu tem certeza? E vai que essa químio te mata?”. O paciente começa a discutir aqui na frente, eu fico ouvindo, né... muitas vezes, né. Aí chega no processo o paciente fala... ou a gente fala assim: “Tem certeza e convicção?”, Dou um esclarecimento a mais e o paciente faz... (Dr. D., Oncologista Clínico). [...] Porque aí o que prevalece é o desejo dele (do paciente), desde passar sonda, até ficar hospitalizado ou não... essas decisões, é... sempre se volta pro paciente, no caso idoso, né. (S., Assistente Social). É ele que decide. (G., filha de Nereu, 77 anos).

Na fala do profissional de saúde, o respeito às decisões do paciente devem ser

ampliadas à certeza de que não haverá abandono, ou seja, o paciente independentemente

daquilo que escolha em relação ao tratamento oncológico, deve estar assegurado de que a

equipe continuará a prestar-lhe todo tipo de assistência.

Só que, tu tem que falar pro paciente assim ó: “Olha Seu fulano, dona fulana... eu compreendo totalmente a... a sua... aceito a sua decisão... eu não concordo... mas quem sou eu pra concordar porque a doença é sua, não é minha. Eu já lhe expliquei os benefícios, os prós e contras e a senhora me parece muito ciente de tudo isso... e é uma opção sua... cabe a mim respeitar e aceitar ela, e é importante a senhora decidir, definir uma coisa... eu acho que o mais importante de tudo não é isso só, não só isso... é que você não está sozinha, você vai poder contar conosco no hospital...dizer que a senhora não vai fazer o tratamento quimioterápico, ou cirúrgico ou radioterápico, não quer dizer que você não vai fazer acompanhamento e seguimento... as portas estão abertas pra senhora...a senhora vai continuar conosco aqui [...]. aqui vai ser suas consultas...” e a gente não... não... você não precisa... ficar... porque muitas vezes o paciente diz que não e ele fica um pouco meio... meio fechado, meio.. ele meio que se fecha, achando que a gente vai falar: “Não vai, então vai embora, nunca mais volta!” (Dr. D., Oncologista Clínico).

Tal concepção de autonomia, relatada por estes idosos entrevistados, está ligada à

preservação das condições necessárias para a tomada e a execução de decisões. Assim,

remetendo à definição de autonomia como “capacidade individual de decisão e comando

sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias regras”, conceito este que inclui

“privacidade, livre escolha, autogoverno e regulação, independência moral e liberdade

individual para satisfazer as próprias necessidades e sentimentos”, e à definição de

independência funcional referindo-se à capacidade de execução, ou seja, “realizar algo pelos

próprios meios”, assim, o idoso não necessita de ajuda para a execução das atividades básicas

e instrumentais de vida diária (MORAES et al, 2008, p. 70). A referida concepção de

autonomia permeia a fala da entrevistada:

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Porque... a autonomia a gente entende que ela tem que tá baseada em princípios, né... bem claros, né, de entendimento, clareza [...] sobre a situação, né, um... uma plena possibilidade de tomada de decisão e de manter essa decisão porque isso... tá consistente, satisfatório pra ela [pessoa idosa], não que ela não possa mudar de decisão, pode! Mas assim... alguns critérios precisam estar estabelecidos, pra que ela tome uma decisão de fato autônoma, né. Será que existe mesmo essa autonomia, né? Assim... (S., Assistente Social).

Assim, o item referente à presença de familiar ou cuidador durante o período de

internação merece destaque por apresentar três idosos que permanecem internados sozinhos,

ou seja, sem a presença de terceiros. Certamente, a questão da internação sem familiares

revela que os idosos estão decidindo autonomamente e possuem condições para a realização

de suas atividades de vida diária preservadas, no entanto, os motivos variam entre eles e tem

significados que os afetam de maneiras distintas. Outro ponto é o fato de que dos 6 idosos

entrevistados inicialmente, nenhum apresentava dependência para as Atividades de Vida

Diária (ADV), ou seja, todos tinham condições preservadas para a realização de suas

atividades de autocuidado, incluindo alimentação, deslocamento, higiene. Dessa forma, Dom

(68 anos, câncer de retossigmoide) interna sem familiares e refere sentir-se em plenas

condições para isso, está satisfeito em cuidar-se e não precisa de ajuda durante o período

hospitalar ou no domicílio. Valmor (69 anos, leucemia) também interna sem familiares, seus

filhos moram longe e conseguiram uma cuidadora remunerada para ficar com o paciente

durante a hospitalização, no entanto, ele a despediu, pois refere sentir-se bem e em condições

para cuidar-se, não quer a presença de alguém, pois isso o deixa desconfortável. Aristo

(72 anos, câncer de intestino e metástase em fígado), por sua vez, apresenta um quadro

diferente. Ele gostaria de ter a presença dos familiares, sente-se muito bem cuidado por eles,

no entanto, como trabalham, suas atividades impedem permanência no hospital, revezando-se

em algumas noites quando podem e no restante do tempo o paciente fica sozinho.

A escolha referida por Dom (68 anos) em morar e internar sozinho, e levada ao

extremo de despedir a cuidadora remunerada, por Valmor (69 anos), revela um significado

sobre cuidar de si mesmo de maneira autônoma e independente que está condicionado

também às possibilidades sociais, financeiras e de identidade: revela um senso de capacidade

material e pessoal, indicando algo como “eu posso dispor das minhas vontades”. No entanto,

também está atrelado às condições de saúde no que se refere à autogestão de cuidados e

cognição, incluindo memória, lucidez e, ainda, mobilidade, como áreas preservadas.

Este perfil compartilhado por Dom e Valmor é contraditado pelo relato de Aristo.

Este paciente aponta claramente o desejo e a necessidade de ter seus familiares durante

os períodos de hospitalização, tanto no que se refere aos cuidados práticos quanto à sensação

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de presença, companhia e segurança que sente ao tê-los durante o internamento. O trabalho,

as atividades rotineiras e as próprias famílias de seus filhos impedem a permanência deles.

[...]. Agora eu venho sozinho e volto sozinho [da internação hospitalar]. Eu meus filhos claro que brigam comigo, né. Eu moro sozinho. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). [Pesquisadora: Nenhum desses dias... ficou acompanhante durante o dia ou durante a noite?] Não. Ficou uma vez só. [Pesquisadora: Só?] Mas eu falei pra ela: “Não precisa senhora” [Pesquisadora: Ah, tá.] Eu sei me locomovê sozinho. Por exemplo... eu tô aqui sentando, deitado, né... [...] Eu tenho vontade de fazê minha necessidade superior... [...]. Eu levanto, vô ali, faço minha necessidade, volto, me deito. [...]. Não, é. Eu sô assim. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica). Às vezes eu converso com alguém... porque é a primeira vez que eu tô sozinho, sempre teve alguém junto. Dessa vez tô sozinho mesmo. Gozado, vô falar uma coisa pra você, eu tô falando sobre fé. Antes de vir... pra vim agora... eu pensei que uma pessoa boa vai lá ficar comigo pra mim poder conversa, se não, né... mas é a primeira vez que fiquei sozinho. [...]. Aí se eu tava sozinho e precisava de alguma coisa, eles faziam... então, e agora... ficou sem ninguém. É outra experiência agora. (Aristo, 72 anos, câncer de intestino e metástase em fígado).

Ainda, para os idosos entrevistados, a questão da autonomia se desdobra,

demonstrando estar também ligada à independência financeira, ou seja, constatam que não

precisar da ajuda financeira para sustentar-se ou ser responsável por sustentar a família é

considerado como uma maneira de gerir a própria vida. Este dado encontra respaldo nas

propostas de envelhecimento ativo, preconizadas pela Organização Mundial da Saúde,

segundo a qual “a maioria das pessoas mais velhas em todos os países continua a representar

um recurso vital para as famílias e comunidades. Muitas deles continuam a trabalhar tanto no

mercado formal de trabalho quanto no informal” (WHO, s.d., p. 10), ou seja, idosos como

responsáveis por uma contribuição importante na renda das famílias nas quais estão inseridos,

seja através da aposentadoria ou do desempenho de seu trabalho, é uma constatação que tem

crescido ao longo do tempo (LIMA-COSTA; CAMARANO, 2008; WHO, s.d.). Este papel

familiar econômico também foi verificado na pesquisa de Dias (2014) como um dos sentidos

atribuídos aos velhos, sendo estes os responsáveis, no contexto atual, pelo provimento com

suas pensões ou representarem uma despesa que ultrapassa a renda familiar. Nesse sentido,

a autonomia dos idosos entrevistados perpassa pela questão da independência econômica,

pois representa a percepção do papel que ocupam na sociedade e na família:

(…) eu vivo da aposentadoria só. Que os meus filhos eles estão começando a vida deles, né. Eles me ajudam conforme podem, né, mas no caso eu não tenho necessidade ainda de precisar deles, né. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). Vivo [da aposentadoria]. [...]. É, eu não preciso, né [de ajuda financeira], hoje em dia não... é...sou do razoável, né, não é pouco nem muito, é... tem que equilibrar, né, se não...quantia nenhuma dá, né. [...]. E posso ajudar eles [filha, netos]. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado).

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Realizar as atividades rotineiras, ter condições para o autocuidado e desenvolver

os afazeres domésticos é mencionado como uma forma de autonomia e independência

considerada muito importante nesta etapa da vida, pois representa a manutenção daquelas

atividades consideradas importantes.

Eu mesmo faço. […]. Sim. O cabo do rodo é comprido, não precisa baixar e pra lavar roupa eu jogo na máquina lá e a máquina lava, né. E eu fico lá… (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). Ele [o pai] anda de bicicleta. Até agora. Ele anda, de vez em quando ele vai pra cidade de bicicleta. Aí quando é coisa do posto de saúde ou pegar remédio na farmácia e pra missa, que ele vem sábado a noite é sagrado, os dois [pai e mãe] tem que vir pra missa, aí eles vem de táxi, aí ele liga o táxi busca. (G., filha de Nereu, 77 anos).

Nas entrevistas, aparece também a questão de morar com o cônjuge ou sozinho, não

necessitando morar com os filhos ou ser cuidado por eles. Assim, o chamado “envelhecer no

lugar”, ou aging in place, é um dos conceitos associados à manutenção de uma vida autônoma

e independente – tendência de envelhecimento desejada no século XXI, que desafia médicos,

governantes e cidadãos comuns, e movimenta novas politicas e negócios voltados aos

longevos que têm como principal objetivo conseguir permanecer em sua própria casa o maior

tempo possível, já que preferem morar sozinhos e tomar suas próprias decisões

(ALLEGRETTI, 2016). Ainda, escolher morar sozinho ou escolher com quem morar permite

que o velho conviva com suas memórias acumuladas, num lugar conhecido e realizando as

atividades costumeiras (CERVENY; MARQUES, 2015). Assim, de acordo com os dados do

IBGE (2002), há um significativo aumento da proporção de idosos vivendo sozinhos e com

uma tendência de vida cada vez mais autônoma e integrada.

[...]. Eu moro sozinho. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). Na casa só nós dois [ele e a esposa]. [...]. O duro, o duro de tudo de ser idoso é morar com os filhos, a nora, isso aí que eu acho mais duro. Entendeu? (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Vivo [com a esposa]. O ano que vem, agora, não agora esse ano... em fevereiro eu faço 50 ano de casado. (Aristo, 72 anos, câncer de intestino e metástase em fígado).

Segundo Bredemeier et al (2012), a percepção de autonomia dos idosos pode estar

relacionada à independência física, à capacidade de decisão, à não dependência de outrem no

seu cotidiano e à responsabilidade por suas escolhas.

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Os profissionais da saúde entrevistados reconhecem que a autonomia do paciente deve

ser respeitada e mantida, concordando que a tomada de decisão dos idosos deve ser priorizada

até que esta não seja mais possível devido ao comprometimento da capacidade mental.

A menção do entrevistado ao desconhecimento dos próprios direitos por parte dos pacientes é

vista como de responsabilidade de um sistema educacional ineficiente, dificultando ou

impedindo, com isso, o exercício da autonomia no sentido “de autogoverno, autodeterminação

da pessoa em tomar decisões relacionadas a sua vida, sua saúde, sua integridade físico-

psíquica e suas relações sociais”, como confirma Torres (2007, p. 2), aqui pressupondo

a existência de opções de tratamento, a liberdade de escolha entre as alternativas oferecidas e

explicadas e, ainda, a capacidade deste indivíduo em agir de acordo com as deliberações feitas.

Pra tomar a decisão, sempre o paciente vai ser a melhor pessoa. Independente da sua idade. [...] o idoso é [responsável por si] até que se prove o contrário mentalmente falando, né... de suas faculdades mentais (S. Assistente Social).

É o paciente. É sempre o paciente, sempre. Independente do fator cultural e do fator idade... independente. Isso a gente sabe. Quem vai fazer o tratamento é o paciente, quem tá doente é o paciente. (Dr. D., Oncologista Clínico).

Uma pessoa suponhamos... de 70 anos... é, ela pode acho responder por ela ainda. Acho que ela tem... se ela é lúcida, ela tá consciente do que tá acontecendo, se ela tá ciente do que tá acontecendo com ela eu acho que ela pode tomar decisões pra ela mesmo, por enquanto. [...]. Dele mesmo (referindo que as decisões devem ser do paciente). (C., Técnica de Enfermagem).

... muitos pacientes... muitos pacientes tem o direito, tem autonomia e simplesmente eles não fazem o uso disso. 80% da... do direito da... da palavra autonomia no nosso país... digamos no nosso país não... de toda a América Latina, é porque a gente não tem educação direito. [...] Mas as pessoas em nosso país, a maioria delas não sabem que elas tem direito porque elas não tem educação. A educação não ensinou nada de base pra elas, essas pessoas não sabem nem o que que elas podem e o que elas não podem (Dr. D., Oncologista Clínico).

De acordo com as falas destes profissionais, o paciente é a melhor pessoa para tomar

suas próprias decisões, embora, para isso, deva existir preservação cognitiva e compreensão,

asseguradas por meio da educação da abrangência de direitos que englobam autonomia e

gerência sobre a própria vida.

5.1.1 Autonomia compartilhada

A escolha por formular uma subcategoria neste tema, com suas propriedades

específicas, deu-se devido ao desmembramento daquele conceito de autonomia, antes vista

como liberal e centrada, que evoluiu para o agregamento de outros conceitos e culminou

numa abrangência mais realista do senso de controle da própria vida.

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As falas dos entrevistados evoluem para uma adaptabilidade no conceito de autonomia,

ou seja, trata-se daquela autonomia que se constrói na relação com o outro, está baseada na

permeabilidade em que as decisões são compartilhadas, na medida em que podem ser

necessárias e úteis para os envolvidos, portanto, aceita e também se beneficia da ajuda alheia

(dos filhos, da equipe, dos cuidadores, do cônjuge), ancorada na confiança. Agich (2008)

chamou este tipo de autonomia compartilhada de autonomia efetiva, pois leva em conta o

contexto e o cotidiano, assim, o idoso e seu entorno, principalmente aqueles envolvidos no

cuidado, são partes legítimas para a implementação de melhores alternativas no que tange às

decisões e às escolhas.

Nesse sentido, quando questionados sobre a maneira como tomam as decisões de

saúde e/ou tratamento, os idosos mencionam que conversam com seus familiares e com

a equipe de saúde – estes atuam como referência e fonte de informações necessárias para a

tomada de decisão.

[Pesquisadora: E de que maneira o senhor toma essas decisões? [...] faz compartilhado com a equipe, médico, com a família...?] Ah eu... é... com o médico, médico e... e com a família, né. Mas a decisão é minha. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado).

O exercício da autonomia efetiva ou compartilhada engloba a interação do idoso com

o meio e não apenas a tomada de decisões centradas no indivíduo, sendo mais flexibilizada.

Nesse sentido, para “exercer autonomia são indispensáveis pré-condições, como informação,

avaliação, comunicação, decisão e capacidade para gerir sua própria vida” (BREDEMEIER

et al, 2011, p. 382), e as informações podem ser obtidas através da família e da equipe de

profissionais da saúde.

Na fala dos oncologistas clínicos entrevistados (Dr. A e Dr. D.), surge uma

constatação de autonomia de decisão, em que se verifica que, para os pacientes com a

capacidade funcional preservada, as decisões são tomadas e respeitadas, enquanto para

aqueles que a capacidade funcional não permite a tomada de decisão, estas são feitas pela

família ou mesmo pelo médico responsável. Há compartilhamento da tarefa de decidir quando

o paciente expressa sua vontade e a família passa a considerá-la, aplicá-la ou acatá-la – de

acordo com a fala do profissional entrevistado. E, nesse sentido, o compartilhamento das

decisões não deve limitar o respeito às vontades e às necessidades do paciente, entendendo

que nestes casos também há uma autonomia que funciona de maneira efetiva (AGICH, 2008;

MORAES, 2012; SILVA, 2015).

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O compartilhamento somente é possível se o paciente conhece seu diagnóstico e

encontra na equipe de saúde e na família ressonância para suas decisões.

Eu acho assim... que depende do...do que você fala de idoso. Aquele paciente que tem uma autonomia é.... que é forte, que tem um estado clínico muito bom...que tem a capacidade funcional, de decisão, tudo...é o chefe da família, por exemplo...esse daí... ele decide por ele, eu acho que ele decide por ele. [...]. Claro que tem um ou outro paciente que diz: “Não, não quero fazer!” e a família acata o que... ou: “Eu quero fazer!” e a família acata o que o paciente quer fazer. [...] a gente acaba falando, né... quando não fala na primeira consulta nas outras consultas acaba falando, pro paciente... é... mas os pacientes mais jovens e que tem um... um...estado clínico muito bom, um estado funcional bom, normalmente eles decidem o que fazer. (Dr. A., Oncologista Clínico).

Ah, informação é difícil porque ele passa tudo, né... [Pesquisadora: Ele passa?] Passa... ele conversa, tem...um bom diálogo, né. Então a gente tá consciente pra fazer..., né... (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado).

[...] do problema o médico já falou, eu que vim junto pra trazer a biópsia, né e daí ele já falou [...] deu câncer e o senhor vai ter que fazer a cirurgia e já falou pra ele. Ele tá consciente do que aconteceu. [...] Ele sabe, ele conta pras pessoas que deu tumor no intestino, vou ter que tirar, ele fala assim. (G., filha de Nereu, 77anos).

[Sobre a tomada de decisão, segundo a filha, a paciente] Participa, participa. [...]. Então ela participa, daí ela falou: “Se as quimioterapia não tá fazendo efeito, o único... o única coisa é o transplante mesmo, que vai tê que fazê”. [...]. a Dra. jáexplicô pra nós (V., filha de Irene, 62 anos).

[Sobre a doença] Conhece, conhece. Porque sempre os médicos são... bem claro, né... Sempre que ela pergunta eles explicam pra ela. [...]. aqui os médico, não... aqui os médico, nunca... O que têm pra dizê, chega no quarto e fala... “Você tem tantos dias de vida, a sua situação não tem mais jeito, é assim, assim...” Eles falam assim. E ela já falô que ela não qué morrê enganada. O dia que o médico falá pra ela: “olha o tempo de vida é tanto e é... você tem pouca chance de vida...” é pra falar pra ela. (V., filha de Irene, 62 anos).

Eu falei: doutora, eu quero saber porque eu não quero morrer enganada, né. [...] Eu quero saber como é que eu tô, e ela disse: não, tá tudo sob controle, deu alteraçãozinha no sangue mas está sob controle, tem que continuar o tratamento. E eu tô de acordo pra continuar o tratamento. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

[Pesquisadora: O médico conversa diretamente com o senhor?] Conversa [...]. Vai consultar, porque tem que fazê cada vez, né... o dia que ocê interna ocê faz uma consulta. Faz um dia antes o exame... o exame de laboratório e... ali cê conversa com ele. (Aristo, 72 anos, CA de intestino e metástase em fígado). [...] grande parte dos pacientes são idosos no GIAP [Grupo Interdisciplinar de Atendimento Paliativo], 80 e poucos por cento... sendo que a oncologia quase... 70 % dela, vamos dizer uns 60% dela é... paciente... geriátrico, né, que tá na faixa de geriatria. E... o paciente dizê que não quer fazer um tratamento hoje em dia é muito bem visto, ao menos por nós aqui no hospital... sabe, porque... só que o paciente tem que tá bem ciente, tu tem que sentir isso. Há muitos pacientesque entram como paciente e o familiar aqui dentro dizendo que não querem fazer quimioterapia, muitas vezes mudam de opinião porque a gente explica. Porque não tem... não é por causa, não é de autonomia é por ignorância, né... (Dr. D., Oncologista Clínico).

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Nesta questão do compartilhamento, um passo importante é a explicação técnica

mediada pelo profissional de saúde na intenção de que o paciente compreenda amplamente a

doença e suas alternativas de tratamento, para então, fazer suas escolhas ciente do processo.

Assim, sentidos que envolvem o “conversar”, “explicar”, “passar informação”, “saber” estão

associados ao aprofundamento da relação entre o paciente e sua família/equipe de saúde na

tomada compartilhada de decisão. Diante das falas dos entrevistados, também decorre que

“estar ciente”, “não ser enganado” correlaciona-se com a percepção ou “o sentir” que a

relação de reciprocidade está sendo construída com respeito à autonomia daquele paciente.

O paciente pra gente dizer que tem autonomia plena tu tem que sentir o paciente... eu respeito muito quando eu vejo que o paciente entendeu... Agora quando eu vejo que ele não entendeu nada e tá naquela pessoa na ignorância dizendo que: “Não vô, não vô, não vô, não vô”, por motivo de preconceito, coisa e tal, a gente tenta trabalhar... dá uma segunda, terceira oportunidade... Passa no psicólogo, volta de novo... “Seu fulano você vai pra casa, pensa, volta aqui de novo, a gente volta a conversar”, na hora que volta a gente explica de novo mais alguma coisa, uma segunda, terceira...e pra vê o que que vai ser, né...e sentir o paciente, né. Porque eu acho que o mais importante é a conversa, não é a assinatura em papel... que tem que ter também, mas eu acho que...não adianta, eu... (Dr. D., Oncologista clínico). Respaldado com certeza. E a partir de agora informado também, né, sobre tudo. [...] “Então agora eu tenho toda informação, então agora eu também posso dizer o que eu quero, né?” (S., Assistente Social).

Diante das falas apresentadas, há no compartilhamento da autonomia uma possível

identificação mútua entre aquele que fornece a informação e aquele que recebe a informação,

tendo em vista o jogo que envolve uma espécie de perspectiva de comunicação permeada

pela ética e apoiada na partilha intersubjetiva, como afirmam Vasconcellos-Silva e Nolasco

(2009, p. 844), isso para que juntos consigam identificar valores e definir as prioridades

de cada um – metas profissionais que devem atingir a explanação da doença almejando a

efetividade de tratamentos que culminem em resultados de cura ou qualidade de vida versus

expectativas do próprio paciente em relação à sua doença, tendo em vista a cura e/ou

manutenção da vida dentro de seus conceitos subjetivos de qualidade; expectativas estas

confrontadas com as exigências que os tratamentos oncológicos estabelecem. Nesse sentido,

a fala da profissional de saúde (S., Assistente Social) destaca que a construção desta decisão

compartilhada entre equipe-família-paciente é um processo que demanda tempo, postura ética,

constituída na relação, de acordo com a conjunção de múltiplos fatores.

Eu acho que tem muita coisa envolvida. Desde, é... profissionais que estão atendendo, desde demanda que é atendida, desde o tempo que você se dedica àquele idoso, junto com sua família. [...]. Como que você consegue fazer com que a bola fique no centro, todo discutem, todos cheguem... isso demanda de muito

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desgaste, muito tempo... pra você conseguir fazer isso, pra você chegar num nível de entendimento tanto por parte da família, quanto do paciente, quanto da equipe, da melhor decisão que está sendo tomada. (S., Assistente Social). Requer um... um tempo e que depende de cada família, conforme as informações que cada família também tem... da doença, né. [...] E que muitas vezes não são muitas, são bem poucas, e aí... então, isso.... exige uma postura de equipe, de serviços de saúde que eu acho que... estamos longe. (S., Assistente Social).

Os idosos sentem que, devido ao acometimento pela doença, ou mesmo com o avanço

das perdas do envelhecimento, algumas de suas tarefas diárias podem sofrer danos e

necessitar de complemento ou compartilhamento para a realização, ou, ainda, a transferência

completa para ser realizada por outra pessoa. No entanto, essa percepção de que a ajuda pode

ser algo bem-vindo, celebrado como um ato amoroso, permitido na intimidade da relação

construída entre idoso e familiar destaca-se no conteúdo das seguintes falas:

[os filhos] Ajudam. Ajudam na roça, ajudam se precisar de dinheiro eles ajudam. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino]. É, minha tarefa. A roupa eu ponho na máquina, sou eu que lavo também. Ela [a esposa] limpa a casa, a maior parte eu que faço. Mexo com porquinho e umas 20 galinhas caipira. […]. Ah eu ajudo. Ela [a esposa] tem uma dor nas costas e ela não aguenta lavar muita roupa, aí de vez em quando a filha vai lá e lava, a nora. Que nem agora mesmo tem uma lá lavando a roupa. Porque eu vou ficar uns 60 dias sem poder mexer [devido à cirurgia no intestino]. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). [Pesquisadora: … me parece que os filhos não interferem muito na vida do senhor…] Nada, nada, eles [os filhos] me ajudam e eles fazem de tudo. Que eu passei uns 20 dias lá quase na casa deles, pra mim voltar e dormir na minha casa, eu tive que quase me ajoelhar pra eles e prometer que eu ia ligar todo dia pra eles, duas, três vezes pra contar como é que eu tô, né. Porque como o cantinho da gente não tem. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). [...] a gente que já tem uma certa idade... e com esse problema aqui... é muito difícil, porque isso aqui... se você começar, é... lavar, ela desgruda [se referindo à bolsa de colostomia]. E... aí, eu não sei colocar, depende de uma pessoa, eu faço a limpeza, se vier, né, então quem faz pra mim é meu genro...aqui no hospital eles fazem. Mas sabe como é que é, né... aquela pessoa mais íntima é mais ajeitada, das coisas, né. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado).

Receber ajuda ou cuidados não impede que o idoso continue desempenhando outras

tarefas de seu cotidiano e mantenha sua condição autônoma: nesse sentido, faz-se claro que a

autonomia também é um conceito relativo e parcial, assim como a dependência/independência.

Sendo assim, é necessário compreender que o produto das interações entre aspectos

biológicos, psicológicos e sociais resulta na experiência interna do idoso, e qualquer alteração

em algum dos sistemas promove mudanças em todo o sistema, interativamente, ou seja, “do

ponto de vista psicossocial, os resultados do processo de envelhecimento ocorrem a partir da

interação contínua do indivíduo e do seu ambiente social” (RUTZ; HAMDAN, 2013, p. 128).

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5.1.2 Delegar decisões pode ser diferente de se submeter a elas

Delegar as decisões consideradas mais complexas no que diz respeito aos tratamentos

oncológicos apareceu como uma subcategoria na questão da autonomia, pois engloba a

perspectiva de delegar a outrem a avaliação ou a indicação daquilo que deve ser realizado.

Assim, o idoso deixa a cargo de um outro de sua confiança aquela decisão, entendendo que o

médico ou alguém da família possua melhor preparo, discernimento ou conhecimento sobre a

questão do tratamento e, então, acata aquela decisão como sendo a melhor possível para seu

caso, e de alguma maneira, sentindo-se partícipe da decisão, pois a autorizou conscientemente.

Nesse sentido, a percepção de que delegar decisões pode ser diferente de submeter-se

a elas inaugurou uma espécie de conceito in vivo, ou seja, conceitos trazidos pelos

entrevistados de maneira a estimular o analista a ouvir “o quê” os idosos, suas famílias e

profissionais estão dizendo e “como” interpretando algum fenômeno ou fato e, principalmente,

levando o analista a evitar “conclusões teóricas precipitadas” e fazendo-o “considerar

explicações alternativas” (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 72).

Algumas decisões envolvem confiar plenamente na orientação médica e tornar-se

colaborativo de maneira integral. Para o idoso Don (68 anos), o saber médico é tomado como

garantia dos tratamentos, e a condução fica totalmente voltada para aquilo que “eles mandam

fazer”, pois nesse tipo de delegação autônoma, o paciente se sente seguro de que está fazendo

sua parte para “voltar a viver”, assim como, para a paciente Irene (62 anos), a presença da

filha confirma o tratamento e fornece segurança à paciente idosa.

[Pesquisadora: O senhor sempre faz tudo sozinho?] Sozinho. Toda vida sozinho. [Pesquisadora: Então isso quer dizer que o senhor vem aqui, assina os papéis, faz a cirurgia, o senhor que decide sozinho o que vai fazer de tratamento ou o senhor conversa com alguém pra tomar essas decisões assim?] Alguém sem ser de médico não, só o médico que eu… o que eles passarem pra mim eu faço. [Pesquisadora: Uhum. Mas faz tudo ou… ] Faço tudo. […]. Eu faço tudo conforme mandam e tô… quero voltar a viver, porque eu já tive um passo e meio na cova, né. E agora então eu quero voltar a viver porque eu tenho muita coisa ainda pra mim fazer nesse mundinho que é nosso, né (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide).

É, porque me dá confiança, (mesmo que não precisasse) eu vinha com ela [filha]. [...] Me sinto mais segura. Ela é minha mão direita, é ela, cuida da minha casa, faz o serviço dela lá [...]. Ela fica comigo, fiquei 45 dias e ela ficou, dormia na cadeira, depois fiquei mais 24 dias e ela ficou junto, aí depois vim de novo, semana passada fiquei 5 dias e ela ficou junto e agora de novo. Eu tô esperando que a minha imunidade subir pra nós ir embora. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

Diante de outro tipo de delegação, o relato da paciente Irene (62 anos, leucemia

aguda) demonstra que prefere acatar a orientação familiar e abdica das tarefas habituais,

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sentindo-se confortável com a escolha e reconhecendo neste ato uma espécie muito

satisfatória de cuidado. Nesse tipo de percepção, destaca-se a consideração de Agich (2008)

sobre os idosos que estabelecem relação de confiança e sentem-se seguros, entregando ao

provedor de cuidados não só parte de seu corpo, mas também parte do seu eu, assim, os

cuidadores podem tomar as decisões “sem uma usurpação da autonomia do idoso dependente”,

e com a “aprovação do idoso dependente que se coloca voluntariamente nas mãos das pessoas

amadas” (AGICH, 2008, p. 155).

[os filhos dizem] a mãe já trabalhou e agora mãe tá doente, vai ficar de repouso. Eles não quer que eu faço nada, os filhos tudo ajudam, marido ajuda, todo mundo ajuda. Não é uma benção? É uma benção de Deus. [...]. Eu ia no mercado comprar verdura, que eu gosto de comprar minha verdurinha, [agora a filha] vai lá e compra. [...]. E ela [filha] quem tá cuidando da minha casa, tá cuidando [...]. Uma beleza. Glória a Deus que tem quem cuide, né. Uma benção. (Irene, 62 anos, Leucemia aguda). É, eu aceito bem. [...]. Aceito. Tudo que eles falam eu aceito. (Irene, 62 anos, leucemia aguda). [...] quando é pra gente tomá uma decisão, a gente junta a família, os que tão aí... a... a minha irmã, mora tudo por perto, a gente chama tudo e vê se todos concordam e ela também pra depois a gente tomá a decisão, né. [...]. Aí ela concordando e toda a família junto...a gente... [Pesquisadora: Tem horas que ela não concorda?] Não, não num teve nada que ela não concorda não. Tudo pra ela é: “Vamo tratar?” Ela fala: “O que for bom pra mim, eu vô!” (V., filha de Irene, 62 anos).

Assim, também é possível destacar a fala da familiar entrevistada (L., filha de aura, 69

anos) que reconhece tanto a delegação de uma escolha quanto a capacidade da mãe em decidir

sobre sua rotina, em participar do grupo da terceira idade, ir aos bailes, frequentar a missa,

cuidar da casa e pagar as contas. No entanto, mesmo que a familiar entenda que as decisões

são da paciente, cabe aos familiares indicarem o pedido e à paciente realizá-lo com

obediência, pois este tipo de “autonomia delegada envolve a aceitação ou autorização de

ações e decisões para si feitas e tomadas por outros” (AGICH, 2008, p. 102).

É assim mesmo. É sempre obediente, né, quando a gente pede uma coisa ela sempre faz, né. [...]. Bem independente, é. [...]. Sempre foi batalhadora, né. [...] ela faz tudo. [...]. Uma decisão dela. (L., filha de Aura, 69 anos).

Sentir-se cuidado e ter confiança na figura do médico ou da família confirma para

alguns idosos que estarão seguros e serão alvo das melhores decisões sobre sua saúde.

É também fator promotor de tal segurança a percepção, por parte dos idosos, de que nenhum

código ou princípio que lhe é importante está sendo violado. De alguma maneira, a delegação

da tomada de decisão não vai contra nada daquilo que ele mesmo faria ou consideraria como

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primordial. Nesse sentido, a autonomia não é renunciada, pois a pessoa escolhida deve agir no

melhor interesse, ou seja, respeitando a independência e o julgamento pessoal do idoso.

Este melhor interesse não precisa ser paternalista, mas pode ser o que Agich (2008, p. 103)

chamou de “parentalista”, ou seja, o “provedor de cuidado afetivamente interessado luta para

aumentar o bem-estar, que inclui a autonomia, de outro indivíduo dependente”, assim, o provedor

de cuidados não causa e não sustenta a dependência por meio de nenhum tipo de coerção.

Quando as pessoas procuram um atendimento em saúde o fazem com base quase que exclusivamente na confiança de que o profissional vai tratá-lo da melhor forma possível, com base na farmacologia existente, nas intervenções cirúrgicas e toda a sorte de procedimentos na área da saúde. O usuário/paciente não possui conhecimentos suficientes sobre o assunto para questionar a expertise do profissional de saúde. A esse fenômeno a economia dá o nome de assimetria de informação (OLIVEIRA et al, 2016, p. 24).

Essa delegação se difere da categoria de autonomia efetiva no sentido de que aqui não

há necessariamente um compartilhamento da decisão, um suporte no processo ou uma

discussão que permita a tomada de decisão por parte do idoso. Para Agich (2008, p. 168),

alguns indivíduos podem prezar o bem-estar acima das decisões, ou seja, desejam “o alívio

das decisões difíceis associadas à autonomia”, assim, escolher poderia ser um fardo. Nesses

casos, a decisão é, de fato, inteiramente ou parcialmente delegada a outra pessoa.

5.2 PERDA DA AUTONOMIA

Nos casos de pacientes com câncer em nome dos quais a família toma todas as

decisões, excluindo o velho do processo, é representativo o seguinte fragmento:

[...]. Mas a grande maioria não é assim. Eu acho assim, os pacientes com mais de...70 anos, ou até mais de 80 anos, grande parte das decisões são tomadas pela família. [...]. Mas como... muitos pacientes que a gente atende são limitados funcionalmente... tão debilitados, e eu acho que fica comprometida a capacidade... de decisão, e acaba sendo a família mesmo que decide, né... e o paciente acaba... indo... muitos não queriam até que o paciente soubesse da... da doença... que tivesse câncer. Mas a gente acaba falando, né... quando não fala na primeira consulta nas outras consultas acaba falando, pro paciente... é... mas os pacientes mais jovens e que tem um... um... estado clínico muito bom, um estado funcional bom, normalmente eles decidem o que fazer (Dr. A., Médico Oncologista Clínico).

Esta fala do profissional trata justamente de como ele percebe o funcionamento

familiar ao impor decisões sem considerar o idoso que se encontra debilitado ou

funcionalmente incapacitado, remetendo à necessidade de proteger o paciente, reforçando o

tabu do câncer de que o diagnóstico da doença não deve ser mencionado aos pacientes,

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desacreditando assim, qualquer autonomia partilhada e reforçando um duplo estigma: velho e

doente. Na fala da familiar entrevistada, verifica-se a posição definitiva diante da doença,

sendo o tratamento tomado como uma prerrogativa necessária e absoluta, não havendo espaço

para opiniões ou consideração acerca da posição da paciente idosa: “Não, não tem decisão,

tem que fazer o tratamento e pronto, né. [...]. Não tem opinião de ninguém, não.” (L., filha

de Aura, 69 anos).

Dessa maneira, o esclarecimento em torno da doença não é uma temática desenvolvida,

e as decisões ficam à cargo de quem conhece a doença, ou seja, a figura do médico representa

o saber e o poder de decisão sobre a doença e os tratamentos.

É, o médico que define. Ele que sabe, né, não é nóis [risos]. [Pesquisadora: O que você conhece sobre a doença dela?] Muito pouco. Sei que é assustadora, né, mas é pouco. [...] Dá medo de perguntar perto da mãe, né. Mas... é complicado. Eu tenho uma irmã que é bastante esperta, né, ela mexe bastante no computador e pesquisa bastante, ela sabe mais, né. (L., filha de Aura, 69 anos).

A mesma concepção é apresentada pela profissional Assistente Social ao afirmar que a

família frequentemente tenta preservar o paciente idoso, deixando-o à parte das decisões

sobre a sua doença e, consequentemente, dos tratamentos oncológicos.

A autonomia do paciente idoso dentro da oncologia...é...assim é um... uma questão bem delicada... eu vejo partindo das famílias que tentam... deixar ele a parte do que está acontecendo e... e tomar todas as decisões por ele, isso é muiiito frequente, muito frequente. De dizer o que é melhor para o seu pai, pra sua mãe, para a pessoa idosa da sua família. [...] “Eu sei o que é melhor.” Isso é... nossa, essa frase a gente ouve muito aqui. “Porque ele já tá de idade”, então assim... eu sei o que é melhor pra ele. (S. Assistente Social). [...] os familiares muitas vezes apoiam e a resposta sempre é do familiar, sabe qual é? “O fulano tá com mais idade, tá velhinha... tem 84 anos, se passar por uma situação horrorosa e desagradável como essa... que é furar a veia, tê que tá fazendo remédio toda hora, tê que tá fazendo exame... Ah, eu gostaria que minha mãe morresse tranquila... com a doença, deixasse por Deus, como as coisas deveriam acontecer...” E... então essa é uma resposta muito que eu escuto do ponto de vista do familiar. (Dr. D., Oncologista Clínico).

Indica-se, assim, que as famílias dos pacientes idosos tomam para si a

responsabilidade pelas decisões de tratamento, apresentando a idade, as condições de saúde e

o resguardo ou repouso exigido pelos tratamentos como representações concretas do cuidado.

Dessa forma, a consciência de deter ou conhecer o que é melhor para o idoso se torna uma

prerrogativa que cabe aos familiares.

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Eles [família] ligam pra mim: mãe, como é que a mãe tá? Mãe tem que fazer o tratamento. Meu esposo e tudo, eles querem que eu faça o tratamento, né. [...] Agora eu não faço mais nada, não faço nada, nada em casa. Fico só de repouso. A filha que tá cuidando da minha casa, elas não me deixam fazer nada, mandam eu se cuidar: mãe, se cuida mãe, que a senhora tá fazendo tratamento. Eles dizem pra se cuidar. [...]. Eu gosto de trabalhar, né... se acha que eu vou ficar assim em paz... falei, ah, eu sinto tanta vontade de trabalhar, mas elas falam: a mãe tá doente, a mãe sabe que não vai trabalhar. (Irene, 62 anos, leucemia aguda). Ah, eu acho que a família influencia bastante neles. Acho que eles vão bastante pelo que a família pede. (C., Técnica de Enfermagem).

Pela heterogeneidade de pessoas que compõem a chamada categoria de idosos,

há aqueles que em relação à funcionalidade apresentam debilidades, limitações funcionais e

comprometimento da capacidade de decisão, então, a autonomia para decisão, dentro de uma

concepção liberal, fica prejudicada ou inviável. Para estabelecer com clareza os níveis de

apreensão, incluindo comorbidades, capacidades e a funcionalidade dos idosos, os autores

destacam as avaliações multidimensionais, geriátricas amplas e de funcionalidade como

fundamentais neste processo (KARNAKIS, 2011; MORAES, 2012; NORONHA, 2012),

mesmo assim, abstrair os idosos do processo decisório, mesmo quando a capacidade está

limitada, é privá-lo de exercer alguma autonomia, mesmo que restrita, em relação ao conteúdo

de sua doença e tratamentos dela decorrentes. Assim, as pessoas com muita idade são

consideradas velhas demais para suportarem a condução de seus tratamentos, de acordo com o

que as famílias apresentam na percepção dos profissionais (S., Assistente Social, e Dr. D.,

Oncologista Clínico), sendo bastante influenciadas pelas decisões familiares (C., Técnica de

Enfermagem) e mesmo abdicando de decidir ou realizar as tarefas rotineiras (Irene, 62 anos).

Nas palavras do oncologista clínico entrevistado (Dr. D.), a autonomia do paciente,

incluindo a preservação de seus direitos de conhecer o diagnóstico e conversar abertamente

sobre a doença tendo suas decisões respeitadas, é um dever do médico e dos profissionais

da saúde, devendo ser assegurada ao paciente independentemente da idade e da posição

dos familiares.

Porque muitas vezes eu acho que não é nem um direito do paciente, é um dever..., né, do... do profissional passar isso, e hoje em dia a minha conversa com o paciente independente de idade e do familiar, que não entra um, entra uns quantos, esses um bilhete entra junto. Eles escrevem em casa e vem colocar: “Por favor, minha mãe está muito deprimida. Não diga o diagnóstico da doença, não diga que ela tem câncer, pois vai fazer muito mal.” E quando eles não mentem, ainda colocam junto que é um parecer do psiquiatra. Aí eles entram aqui eu explico que simplesmente...o paciente tem a doença, eu pergunto qual é o nome do hospital do paciente, né... eles falam UOPECCAN. UOPECCAN é hospital do quê? É o Hospital do Câncer. Você acha que tem o quê? Então começo essa abordagem. [...]. Mas, é... eu costumo dizer pra todo mundo sim, sabe... mas tem jeitos e jeitos. E tem que ver até onde o paciente quer saber. E ainda pergunto se o paciente quer saber...

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E sobre autonomia, é...de referente ao tratamento, é... é sempre é... a gente sempre pergunta, bom, eu...vou dizer por mim... “O senhor tem essa doença, é tal... tá na fase tal... tem chance tal de cura... ou não tem chance tal de cura... a doença não vai curar [...]. Eu costumo conversar bem. (Dr. D., Oncologista Clínico). Não gosto de fazer isso. Não converso com o familiar isolado, sem meu paciente... até converso com familiar isolado, não converso com o familiar isolado sem o paciente saber da sua situação. Acho completamente errado. No Brasil, a gente não tem dificuldade de aceitar isso, é uma coisa muito comum, é quase uma coisa cultural. (Dr. D., Oncologista Clínico). Primeiro que, dificilmente, o idoso vai chegar aqui sozinho, né, ele sempre vai vir com alguém da família. Mas, na grande maioria das vezes, vem só a família... pra gente atender. (S., Assistente Social).

Há dois posicionamentos profissionais antagônicos nas falas da Assistente Social

e do Oncologista Clínico entrevistados. Enquanto a fala do Oncologista define uma prática

de compartilhamento, em que familiares não são incentivados a omitir a participação do

paciente nas consultas, a fala da Assistente Social revela que a autonomia pode ser

negligenciada naqueles casos em que os familiares conduzem parte dos atendimentos sem a

presença do paciente idoso. Nesse sentido, Albuquerque e Araújo (2011), objetivando

pesquisar se os médicos informam aos seus pacientes o que levam em consideração no

processo de informar e a quem fornecem a informação, ao entrevistarem 145 médicos

oncologistas, concluíram que, destes, 81% responderam que informavam o diagnóstico,

o tratamento e o prognóstico aos seus pacientes; entretanto, 73% relataram que, em grande

parte dos casos, o paciente já tem conhecimento da sua doença e, ainda, a informação

é fornecida ao paciente e à sua família em conjunto por 81% dos médicos entrevistados.

Para os autores, a revelação diagnóstica e mesmo todo o encaminhamento sobre os

tratamentos e a doença ocorrem junto da família, pois “muitos pacientes se apresentam para a

consulta acompanhados de algum membro da família”, assim, a equipe entende que o

paciente está autorizando que as informações sejam prestadas na frente do acompanhante,

mesmo sem se certificar se os princípios da confidencialidade e da privacidade estão sendo

respeitados. Além disso, há também aqueles pacientes que deixam a família tomar todas as

decisões, mesmo sendo plenamente capazes (ALBUQUERQUE, ARAÚJO, 2011, p. 150).

Assim, de acordo com as falas apresentadas, quando os familiares chegam para as consultas

sem o idoso, estariam automaticamente autorizados a consultarem e darem seguimento aos

tratamentos sem a presença do paciente.

Na fala da familiar entrevistada, destaca-se uma conduta que contradiz a defesa

preconizada na fala da equipe, de que o paciente deva conhecer todo o processo de sua doença,

pois na prática a questão da comunicação pode ocorrer de maneira a excluir o doente.

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[Pesquisadora: Então faz 2 semanas que o médico conversou com quem?] Comigo. [Pesquisadora: Só com você?] Só comigo. [Pesquisadora: Não quis chamar ela junto?] Não, não quis chamar ela junto não. [Pesquisadora: Mas quem não quis? Você? O médico?] Não, a médica mesmo achou melhor meio que segurar, porque ela é muito ansiosa, né... [...] viu como ela é, ansiosa, ela quer tudo pra, pra logo, né. [...] a doença voltô. Ela tava novamente mais agressiva. Aí a médica na hora que consultô então não quis falá pra ela e pra mim, aí depois que ela internou, que tava fazendo a quimio, a médica me chamô e falô: “A situação dela tá delicada, a doença voltô, e voltô mais agressiva do que era antes”, a gente viu que tava mesmo, né, ela tava piorando. “A gente vai aplicar a quimio, mas a gente não tem certeza se vai dá tudo certo, ela tem pouco prazo de vida” ela falou, né? (V., filha de Irene, 62 anos).

[Pesquisadora: A Dra. não chegou então a conversar nem com ela e nem com o resto da família sobre isso?] Não, não chegô a conversa não... eu perguntei pra ela se precisava ela disse que não, porque..., né... quando você vem pra cá, você já tá quase... mais ou menos ciente que a situação é essa, cê já vem... (V., filha de Irene, 62 anos).

Assim, a perda da autonomia acontece quando o paciente é impedido de conhecer sua

doença e os tratamentos disponíveis, não restando nenhuma participação na tomada de

decisões. Isso pode acontecer quando a equipe considera que não há condições

cognitivas/mentais suficientes para que o paciente compreenda as explicações sobre seu

quadro clínico ou quando a família passa a tomar todas as decisões sem consultar o paciente

ou permitir que ele participe da história de sua doença, não podendo fazer escolhas.

Na concepção dos profissionais, há a percepção de que os familiares podem interferir na

conduta fazendo os pacientes idosos perderem a autonomia diante da percepção de que as

pessoas velhas devem ser preservadas das decisões, poupadas do sofrimento. No entanto, a

conduta da equipe de saúde, apresentada na fala da filha V., reforça a percepção de que a

paciente, por ser ansiosa, deve ser excluída do processo.

5.2.1 Dependência como perda de autonomia

A dependência não é um conceito negativo per se, os seres humanos nascem

absolutamente dependentes de alguém que lhes forneça os cuidados adequados para a

sobrevivência e a criação de laços. Os vínculos estabelecidos entre o bebê e sua mãe/pai

(cuidadores substitutos) devem efetivar o desenvolvimento de um processo de apego –

disparado pelo choro do bebê que necessita de atenção às suas necessidades e é percebido e

acolhido de maneira funcional por alguém tocado por aquilo que o bebê nele suscita.

No entanto, a instalação de doenças e quadros patológicos em idosos até então

independentes, altera parcial ou radicalmente sua vida funcional, implantando a necessidade

de um cuidador familiar/informal ou profissional, em caráter temporário ou definitivo,

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trazendo à tona a condição de dependência. Para Braz e Ciosak (2009), a doença em seu

período crítico pode exigir uma internação hospitalar de duração variável, mas, após alguma

estabilização, é dada a alta hospitalar e o idoso passa a receber cuidados e necessitar de

terceiros para o atendimento contínuo de suas necessidades básicas no domicílio.

A dependência pode se configurar de várias maneiras, não apenas quando o idoso

necessita de cuidados para a sua saúde ou necessidades básicas, mas em situações como

morar com os filhos, não dispor mais do próprio dinheiro, submeter-se ao ritmo e à estrutura

de uma moradia na qual não se reconhece como pertencente. Conviver em uma casa como se

fosse um hóspede e não um residente-domiciliado, participante das decisões e contribuinte no

funcionamento do lar, faz muita diferença na confirmação de uma estadia que provoca

incômodo e, de alguma forma, atrapalha as rotinas, confirmando a condição conflituosa de

uma dependência que afeta profundamente o senso de autonomia. O mesmo se confirma nos

estudos de Camarano e Kanso (2011, p. 62), ou seja, quando o idoso se sente como um

“parente ou agregado”, de acordo com a definição dos autores, na relação que se estabelece

por necessidade de morar com os filhos ou outros parentes diante da renda insuficiente ou por

perda da independência física ou mental, então, nesse sentido, o “morar junto” representa que

a autonomia é percebida como desconsiderada ou cerceada, assim, a falta de autonomia para

lidar com as atividades básicas do cotidiano, a perda da capacidade laborativa e a consequente

falta de rendimento são os principais determinantes de dependência, configurando uma

forma de vulnerabilidade.

[...] O duro, o duro de tudo de ser idoso é morar com os filhos, a nora, isso aí que eu acho mais duro. Entendeu? (…) Ah é duro, porque talvez uma nora goste, mas a outra já não gosta. Filho gosta, mas chega lá a nora, já começa a falar… E por você na casa dos idoso lá, na casa de apoio também é duro, não é fácil, né. (…) Eu acho que pra minha natureza é ruim. Você vai fazer uma coisa e não gosta, vai tomar banho e já ficam falando ah mas você toma banho todo dia e não sei o que lá… já vi um “causo” desses aí, tinha uma nora que não queria que o sogro fosse tomar banho sempre não, pra não gastar água… deve ser, né. E agora com essa cirurgia que eu fiz vou ficar mais ou menos uns 60 dias sem mexer, né (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). É por causa que quando a mulher tem um namorado que toca dele ficar doente, e elas precisam cuidar, aí elas reclamam muito e agora eu não tive essa passagem pra elas reclamar, porque nenhuma reclamou, porque eu não tinha nenhuma, né (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). Ah, que vai assim, sei lá, vai ficando mais dependente da gente, né. Vai perdendo as forças, né... e vai precisando de ajuda. (G., filha de Nereu, 77anos).

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Nesse sentido, a percepção de preservação da autonomia pode estar associada a não

necessidade de receber ajuda para a realização das tarefas e decisões, e estender-se para

a não necessidade de receber cuidados. Para Cerveny e Marques (2015, p. 159), a oferta

de ajuda feita pelos filhos pode soar como “alerta de incapacidade, de menos-valia, de

insegurança”, pois estes desejam a continuidade de seus papéis e temem a inversão da

parentalidade, ou seja, de posição.

5.2.2 Medo da dependência

Para Agich (2008, p. 142), a visão de que os idosos padecem não apenas das doenças

das quais também padecem membros mais jovens, “mas também da doença prevalecente de

viver uma vida longa, isto é, de ser velho”, considerando-se “o ser velho como um tipo

de doença reflete e reforça a ideia de que a dependência é problemática”, causando não só

medo, mas também aversão à possibilidade de dependência absoluta. Assim, quando a velhice

é caracterizada pela perda de capacidade, a eliminação da autonomia dos idosos é resultante

do processo de desvalorização empreendido pelos pressupostos sociais sobre o que significa

ser velho.

Nos estudos de Py (2004, p. 38), com pacientes com Esclerose Lateral Aminiotrófica

(ELA) e seus familiares cuidadores, o “medo da condição humilhante de dependência integral”

é um fator presente devido à gravidade e ao potencial degenerativo que a doença impõe; no

entanto, a autora destaca que em contraponto com a dependência está a reivindicação dos

pacientes pelo direito de decidir sobre a própria vida.

Nesse sentido, o conceito de independência é concebido como capacidade de decisão,

de comando; capacidade de realizar algo por seus próprios meios. Por isso, nas palavras

do idoso que faz comparativos entre morar em sua própria casa e morar na casa dos filhos

ou noras, como sendo “duro, dureza, não é fácil” (Nereu, 77 anos) destacando a

vulnerabilidade que a dependência, mesmo que parcial, interpõe ao idoso. Assim, mesmo

que os idosos entrevistados não dependam de terceiros para a realização de sua rotina diária

de autocuidado, há menção acerca do temor ou receio em depender das pessoas para outras

finalidades, como a necessidade de moradia e a expectativa recebimento de cuidados no

pós-operatório (Nereu, 77 anos), ou, ainda, o sentido atribuído ao “ficar doente” e necessitar

de cuidados, culminando em desagrado ou “reclamação das namoradas”, na concepção do

idoso Dom (68 anos).

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Depender de alguém pode englobar a necessidade de cuidados, morar em uma casa

que não pode ser considerada como sua, ter que contar com a boa vontade alheia para a

manutenção da sobrevivência financeira, mas também física e afetiva. Nesse sentido,

independência e autonomia, na prática, tornam-se conceitos interdependentes.

Assim, dar trabalho, causar incômodo, não ter autonomia para fazer as coisas de que

gosta ou manter os hábitos: morar na casa dos filhos interfere na dinâmica e no ritmo, há uma

percepção clara de que este não é o desejo dos pacientes entrevistados.

O medo da dependência também está a serviço de garantir que se o velho estiver

independente e puder dar conta das suas atividades cotidianas estaria, de alguma maneira,

seguro contra a violência familiar. O medo da dependência também revela a perda da

autonomia. Não precisar de ninguém para cuidar de suas necessidades os mantém livres

da reclamação, mas também da violência velada ou indireta que há no fato de não ser quisto

ou amado, não poder escolher a quantidade de banhos diários é uma interdição da autonomia,

atrapalhar as outras pessoas em suas casas, ou seja, deixar de existir em suas vontades e

passar a depender.

5.3 SOBRE A SAÚDE E A DOENÇA NA VELHICE

O conceito de saúde, redefinido pelo estado de bem-estar e não apenas pela ausência

de doença ou enfermidade, permite ampliar ao velho a possibilidade de sentir-se como um ser

saudável, apesar de sua doença. Nas palavras de Paschoal (1999, p. 313) “significa que um

indivíduo, mesmo portador de uma doença, poderá sentir-se saudável, desde que seja capaz de

desempenhar funções (...), podendo realizar-se como ser humano”.

A sensação de estar bem confere ao idoso confiança para realizar suas atividades sem

necessidade de ajuda externa, permitindo que a presença de seus cuidadores/acompanhantes

seja transferida para outros pacientes com necessidades mais aparentes.

[Pesquisadora: E o senhor, depois que começou a fazer os tratamentos e tudo, achou que precisava de ajuda de alguém pra cuidar do senhor ou o senhor meio que se vira sozinho?] Não, eu mesmo que me virava. [Pesquisadora: A filha fica aqui no hospital, mas pelo que eu vejo, ela tava ajudando outro?] É, ela ajuda, porque eles não têm companhia. Que lá ele (outro paciente na mesma enfermaria) não tem acompanhante, né. Mora em Missal e ele é paralítico, né, e já deu essa doença. Se é que é câncer, né. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino).

Comparado ao outro paciente mais jovem da enfermaria, o entrevistado acredita estar

em condições muito melhores, tanto no quesito aparência quando na saúde.

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Sim, tu viu, né. Eu não quis falar, mas ele (o outro paciente) não é muito velho, ele tem cinquenta e poucos anos… então o câncer, a maior parte é a bebida e o cigarro. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Eu me considero um homem de idade, né... Mas na plena consciência, né... Eu senti um pouquinho o peso da idade agora com a enfermidade. Era um homem muito forte, ia no posto de saúde sabe... ficava na fila esperando. Aí depois as enfermeira chamava: Fulano, quantos anos cê tem? E falavam: 58, 49 e eu: “Jesus, muito obrigada”, eu já tava com quase 70 naquela época, né... e... eu perto deles era jovem, né. E eu: “Opaaa!” Só que agora com essa enfermidade me judiou. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado).

5.3.1 A doença versus a velhice

O câncer é mencionado como uma doença que pode acometer pessoas em qualquer

idade, não estando, na percepção desses entrevistados, associada diretamente ao

envelhecimento. Assim, gente nova, recém-nascido, bebê, criança e adulto podem,

indiscriminadamente, ter a doença e cada um reage conforme a agressividade de cada câncer.

[Pesquisadora: E o senhor acha que a doença do câncer tem a ver com envelhecimento…?] Ah acho que não tem não porque eu conheço gente nova que tem o câncer. Eu acho que quem fuma muito o câncer pega a pessoa novo, novo. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Não. Ele (o câncer) pode dar em novo, recém-nascido... é... mas ela (a doença) judia da... da pessoa, de uma maneira, que mexe com o corpo físico. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). A leucemia, câncer, leucemia, ela ataca todo mundo. Ela ataca bebê, ataca adulto, ataca de tudo. Não ataca só adulto, nem...né. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica). Não, não tem. Não. Não tem nada a ver com a idade porque você viu os bebezinhos desse tamanho sem cabelo e doente, com tudo quanto é enfermidade e a pessoa que já tá numa idade dessa, né, quer dizer que já... 62 anos e agora é que eu vim ficar doente viu minha fia. (Irene, 62 anos, leucemia aguda). Ah, pelo que eu vejo pelo hospital, o câncer... não tem muita interferência não, porque tanto faz em criança como em... né? Na verdade... não sei se ela te falô, nós éramos em 6 (pacientes em tratamento no hospital), é, acho que é seis que a gente conhecia, todos mais novos do que ela já se foram, né, só tem dois e... o dela e outro rapaz. Os outro já foram tudo, todos mais novos. Então não tem idade. Depende de agressividade da doença, né. (V., filha de Irene, 62 anos). [Pesquisadora: Você acha que o câncer tem a ver com idade?] Eu acho que não. Tá pegando meio que parelho, né? (L., filha de Aura, 69 anos).

No entanto, para as familiares entrevistadas (G. e L.) a doença e a idade estão

diretamente relacionadas, pois a idade vai enfraquecendo as células, ou, ainda, a leucemia nas

crianças parece ter melhores índices de cura em comparação a quem tem mais idade.

Tal concepção encontra respaldo nos dados estatísticos do INCA (2012), que atualizados

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(2014; 2015) mantêm a associação entre envelhecimento/avanço da idade e maior risco para

doenças como o câncer, ainda, definindo vários fatores de risco para o desenvolvimento do

câncer como os fatores hereditários e os fatores ambientais, com um aumento significativo

na probabilidade e incidência do câncer conforme a idade avança, ou seja, como consta

no manual ABC do Câncer (INCA, 2012), o envelhecimento natural do ser humano traz

mudanças nas células, que aumentam a sua suscetibilidade à transformação maligna, sendo

a idade considerada um fator de risco não modificável.

Nesse sentido, também se confirma o pensamento de que a doença vem da idade,

o que de acordo com Santos e Moreira (2015), está relacionado ao significado atribuído ao

envelhecimento e à velhice, tratados muitas vezes como sinônimos e, velhice, por usa vez,

como intimamente associada à doença.

Eu acho a doença da própria idade. [...]. Eu acho que sim também, né, acho que sei lá se as células vão enfraquecendo. Também, sim. Acho que é por causa da idade mesmo, né, porque a alimentação dele sempre teve uma vida bem... creio que não foi também algo da alimentação. Mais é a idade mesmo. (G., Filha de Nereu, 77 anos). É o próprio nome, né, da doença. [...]. É leucemia, né. [...]. Eu vejo bastante criança que cura, né, os pequeninhos acho que tem cura, mas já de idade eu não sei. (L., filha de Aura, 69 anos).

Algum grau de dependência e necessidade de que outras pessoas que lhes prestem

cuidados, condição esta que pode sugerir que a doença é o que realmente limita, configurando

a mais temida e rechaçada das situações que podem acometer um velho. Apesar da incidência

do câncer não estar associado unicamente à idade, embora consista em fator de

vulnerabilidade maior (INCA, 2016), e também não ser, por si só, contraindicação para

o tratamento oncológico; na percepção dos idosos entrevistados, ela interpõe, em alguns

casos mais avançados ou limitantes, um desgaste maior. A doença, somada às perdas

do envelhecimento, pode implementar as dificuldades enfrentadas durante os períodos de

tratamento oncológico, visto que nos idosos as reações colaterais podem estar intensificadas

pelo quadro de saúde global e comorbidades (OLIVEIRA et al, 2016; MIRANDA et al, 2008;

FRANÇA, 2013), Nesse sentido, aparece nos relatos a figura do idoso fragilizado. Um pouco a idade e agora a doença, né. A doença judiou, né. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). E o tratamento, o tratamento é muito forte. Um dia cê tá com frio, segundo cê tá com calor. Hoje não tô. Tem dia que... tem que tomar um comprimido por causa dos pés que fica...doem... é...já tenho problema de vista, minha vista fica meia turva no outro dia... aí eu quero pegar as coisas e não consigo; então tem várias coisas que

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acontecem e tudo por causa do... medicamento, e eu sei disso, então nada disso me assusta, eu sei... eu... (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). A doença é... eu não preocupo não, se um dia tem que morrer morre, né. E a doença se não vem de um jeito é de outro, você sabe disso aí. (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Hoje em dia eu tô com as perna tudo arrebentada de varize, fazendo força, fiz muita força. As veia abriu, circula sangue muito pouco. Fiz tratamento, deu... furô aqui, furô aqui (mostrando o local). Fiz tratamento. Agora tá sarando. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica). Enquanto isso, vai tratando, né. Que ela tem...bastante idade, a pessoa quando tem mais idade é mais frágil... é tudo mais difícil, né. Mas ela tem muita vontade. [...]. A Dra. falô...a dar falô que no caso do transplante, é só até os 65. Igual eu te expliquei, o transplante corre risco de vida e quanto mais idade mais frágil fica, né. (V., filha de Irene, 62 anos). Ah é diferente, né, uma pessoa mais frágil, né, ah ixi muita diferença, né. [...].Tem que ter mais cuidado, né, desde cair, desde, nossa, tem tudo, né. (L., filha de Aura, 69 anos).

Ao mesmo tempo em que reconhece a fragilidade agravada pela idade, a familiar V.

(filha da paciente Irene) aponta que há particularidades no enfrentamento da doença, e sente

que as pessoas mais velhas podem ser mais fortes para suportar a doença e a medicação

devido ao fato de ter mais experiência. Nas palavras da entrevistada:

Não. Isso ela é forte, ela é mais forte que nóis. Eu falo pra ela que se fosse pra mim mesmo... Deus me livre, mas se fosse pra mim uma doença dessa, eu acho que eu não taria mais aqui... né. Eu acho que as pessoa mais velha é mais forte do que nós, né?! Eles tem mais fortaleza, são mais forte, né... [...]. Assim, tê mais... é... pra suportá as doenças, medicação assim, sabe. [...]. Isso, eu acho, né, tem mais experiência, né (V. filha de Irene, 62 anos).

A concepção de que as pessoas mais velhas detêm maior acúmulo de experiências ao

longo da vida e por isso, estão mais fortes, sábias e preparadas para os desafios, consta nos

estudos de Beauvoir (1990), Meneses et al (2013), Papaléo Netto (1999), Torres et al (2015).

A representação social do idoso como alguém que possui características de sabedoria,

amadurecimento e experiência também aparece nas entrevistas sobre a velhice na concepção

de adolescentes, adultos e idosos, no estudo transversal de Martins, Camargo e Biasus (2009),

assim reconhecendo a velhice como a fase da sabedoria, da maturidade e da serenidade

(OLIVEIRA; PASIAN; JACQUEMIN, 2001). Na pesquisa de Dias (2014), um sentido

atribuído à velhice é a experiência, quando não há danos cognitivos.

A doença ganha destaque no relato dos entrevistados em relação à peregrinação para

acesso ao sistema de saúde de forma integral e efetiva, mencionada pelos pacientes quando

recorrem aos serviços para expor suas múltiplas queixas e recebem um atendimento parcial

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até conseguirem a definição do diagnóstico e, portanto, serem encaminhados para um serviço

de especialidade, neste caso, de alta complexidade para o tratamento oncológico. Dias (2014),

contextualizando a fala de seus participantes de pesquisa, revela que os idosos percebem que

são sempre os que esperam na fila, ou seja, aqueles que são consultados por último, não no

sentido de prioridade de fila no sistema de saúde, mas no sentido de despertar um olhar de

genuíno interesse.

De acordo com a fala de Dom (68 anos), a demora em internar é interpretada pelo

paciente como má vontade por parte de alguns funcionários, que neste caso é driblada

pela recusa em realizar o tratamento, reforçando, assim, o mecanismo de ameaça em ir

embora, que a aciona e faz funcionar o sistema.

Agora de ontem então, eu cheguei aqui pra se internar meio-dia, meio dia e pouquinho era pra eu estar internado, né, quando consegui o quarto, eles conseguiram pra mim, era seis horas da tarde. […] Às vezes é má vontade de alguns funcionários. […] Daí quando eu ameacei que eu ia ir embora, que eu não ia fazer a quimioterapia, daí me internaram. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide).

O Relato na íntegra da idosa Irene (62 anos) revela sintomas como fraqueza, dor,

vômitos, sangramentos no nariz, dor no estômago e nas pernas e descreve a forma como foi

(sub)tratada em todas as vezes que procurou o serviço de saúde de sua cidade de origem até

ser encaminhada para um serviço de especialidade. Os idosos encontram serviços fechados,

serviços morosos, que atrasam os tratamentos, o uso de remédios fortes, que não funcionam e

pioram o quadro, diagnósticos “só de olhar”, sangramentos decorrentes “da gripe”, apontando

que o quadro clínico de pacientes idosos podem ser confundidos ou tratados como

vulnerabilidades da idade.

[...] começou a dor nas pernas, “ai meu Deus do céu misericórdia, que dor é essa nas minhas pernas, que dor é essa”, [...] não estou com vontade de comer”. Aí eu, como tinha operado da hemorroida tinha um ano e pouco, aí começou a doer e saiu tudo pra fora, daí eu fui no médico, cheguei lá e ele disse assim “é hemorroida, a senhora vai ter que operar de novo”, aí me passou um remédio forte, forte, forte, forte mesmo, muito forte, aí comecei tomar e eu fiquei foi ruim, foi piorando, e eu tava muito amarela, aí quem falou que eu aguentei? Tomava o remédio e não comia, era um buraco no estômago que eu não aguentava, comia e vomitava, aí quando foi um dia deu sangramento no nariz, eu falei “doutor, eu vim aqui doutor porque o meu nariz tá saindo sangue”, aí ele falou assim “ah isso não é nada não, é da gripe, tá saindo sangue é da gripe” (Irene, 62 anos, leucemia aguda). [...]. Aí quando ela (a filha) chega no Hospital SP, ela (a filha) parou o carro, aí eu sentei no chão que eu não aguentava mais ficar em pé, sentei no chão, aí o guarda falou “não, não, aperta a campainha e vai direto porque a senhora não tá bem” , [...] o doutor chegou, né, era um doutor ortopedista, nem doutor de nada era, de câncer e nem de nada, era ortopedista, o doutor deu uma olhada assim pra mim, aí ele falou “sabe o que tem a sua mãe, menina a sua mãe está com leucemia no

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sangue, ela nem tem sangue mais e nem plaquetas”. [...] eu não conhecia mais ninguém, aí fui pra UTI, fiquei 4 dias, aí tive que esperar o SAMU, esperar a vaga que não tinha vaga e tive que ir de SAMU. Esse SAMU corria tanto comigo, tanto, eu não lembro de nada. Aí eu cheguei aqui e fiquei na fralda, aí deram banho em mim, eu não conhecia ninguém mais, só ficava quieta. (Irene, 62 anos, leucemia aguda). Mas aí você sabe como que é esses posto, né, aí eu fui lá, é a E., uma japonesa que toma conta lá, né, aí falei: [...] o povo tá achando eu amarela, dá uma olhada. Aí ela (a profissional do posto): não, você não tá amarela não, de jeito nenhum. E lá era começo, né, se eu tivesse cuidado logo, né. Mas você não tá amarela de jeito nenhum, eu falei: não? Não. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

As taxas de cura para doenças oncológicas são melhores quando são realizados

diagnósticos mais precoces e ações terapêuticas especializadas, no entanto, tanto a

peregrinação quanto quadros subtratados são frequentes na população idosa, que parece ter as

queixas interpretadas como coisas da idade ou doenças da velhice, ou seja, as queixas são

descredibilizadas e vistas como repetitivas, chegando a não mais serem ouvidas pelos

profissionais da saúde. De acordo com Mosca Filho (2006, p. 156), o que ocorre com a

“população idosa é diferente, coleciona patologias degenerativas, resistentes à ação

terapêutica e causas de queixas persistentes, em grau variável, muitas vezes confundidas com

a própria senescência”. Assim, o velho, confundido com a própria velhice, desaparece e o

espaço de interlocução fica prejudicado a ponto de ser diagnosticado “só de olhar”, ou seja,

“em razão de sua sintomatologia crônica, o idoso necessita e procura assiduamente consulta

médica, mas, recebe em troca, assistência técnica que, absolutamente, não satisfaz sua

necessidade” (MOSCA FILHO, 2006, p. 156). As queixas confundidas com a própria velhice

revelam parte do descaso no atendimento e dificuldades de acesso aos serviços de saúde,

amplamente relatado pela paciente Irene (62 anos).

Vale destacar que mesmo que o câncer não seja mencionado nos relatos destes idosos

como uma doença da idade, o envelhecimento comporta o campo propício para o

desenvolvimento de uma temida doença da velhice, o Alzheimer. Na fala do paciente idoso,

aparece como uma doença que “dá em velho”, uma doença do esquecimento.

Porque cê sabe filha que a doença da velhice, cê sabe quais são os nome delas, né?! Não sabe, professora? [...]. Que que é o Mal de Alzheimer? Explica pra mim o que que é o Mal de Alzheimer... Sabe me respondê? [...]. Dá em velho também, no novo um pouquinho. Maioria, dá em velho. A pessoa entra em esquecimento. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica).

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5.3.2 Sobre velhos e velhice Os atributos da pessoa velha ou idosa podem englobar uma variedade enorme de

sentidos construídos a partir daquilo que é percebido por si mesma em relação à velhice, em

relação ao olhar do outro acerca do envelhecimento e, em relação às particularidades de cada

velho em seu modo de ser e existir.

Para Dias (2014), ao velho podem ser atribuídos, entre muitos aspectos, a admiração,

quando visto como mantenedor de relações estáveis e detentor de histórias longas e

detalhadas. Nesse sentido, para os idosos entrevistados, as falas apresentadas evocam a pessoa

idosa como aquele que vive bem, tem seu currículo de vida e, ao se comparar aos outros

entende que tem atributos positivos. Diante das mudanças ao longo dos tempos, os idosos de

hoje adaptaram-se e reinventam-se como mais civilizados, ou seja, continuam trabalhando,

preocupados com a aparência; sentem as dificuldades do envelhecimento, mas reconhecem

que estar vivo e envelhecendo é um motivo de contentamento.

Ah, uma pessoa idosa é, eu acho que viver bem, sempre ter o dinheirinho dele da aposentadoria. O duro, o duro de tudo de ser idoso é morar com os filhos, a nora, isso aí que eu acho mais duro. Entendeu? […] (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Não tem diferença de um jovem, basta a educação, criação, né, por causa que a pessoa idosa, e eu tenho me comparado com outros idosos, que não tem a cultura nenhuma, então ele é considerado uma pessoa sem valores, agora tudo é… eu pra eu, ele pra ele, né, cada um tem que ter o seu currículo de vida, né. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). Mudou bastante. […]. Mudou agora a civilização, né, os idosos de hoje eles estão mais civilizados. Eles tem mais, mesmo aqueles um que não tinham cultura aprenderam.[…]. Estão ampliando, cada um com um sistema, mas eles estão se adequando mesmo pra vida, né. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). [Antes] muitos idosos que costumavam não trabalhar as vezes, né, ou trabalhar pouco, agora já tão trabalhando, tão se… as mulheres se maquiando pra se aparecer mais bonitas, né, então tudo isso aí faz parte da educação, né. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). Ah eu sinto que já passou mesmo a idade, chegou a idade, né, a gente não vai mais trabalhar igual a gente trabalhava, né, não consegue fazer os serviços que nem fazia de primeira, né, aí tem que ficar contente porque é a idade, a gente... no Eclesiastes está escrito que a gente tem que se preparar, primeiro pra mocidade e depois pra velhice, porque tem que chegar a idade. O meu pai falava que quem não morre de novo de velho não passa, então... ele falava direto pra nós. Eu já tive mocidade, já criei tudo meus filhos e agora tô na terceira idade. E tô bem. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

A pessoa velha ou idosa é aquela que, no estudo de Dias (2014, p. 97), é apresentada

com múltiplos sentidos, assim, aparece de um lado com postura benevolente por parte de

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quem os descreve, sendo infantilizados no discurso de “bonitinho”, “remedinho”; e de outro,

como alguém que porta estereótipos negativos relacionados à “dementes”, “sofrimento”,

assim, quanto mais velho pior de saúde, dependente e submetido à vontade e decisões dos

familiares, portanto, perdendo a autonomia.

Nas nossas entrevistas com os idosos, familiares e equipe de saúde, os velhos ou

idosos são apresentados num sentido negativo quando associados à decadência (Valmor,

69 anos), pois a velhice concretiza o declínio progressivo até a morte, e à dependência

(C., Técnica de enfermagem), assim, envelhecer pode ser algo assustador, humilhante e que

torna a pessoa alvo mais vulnerável para a violência (L., filha de Aura). A concepção de

velhice associada à decadência, degradação, dependência e morte é amplamente abordada na

literatura (BEAUVOIR, 1990; PY, 2004; FREITAS et al, 2006) e mesmo com a atualização

de modelos e novas maneiras de expressão da velhice na sociedade, a visão acerca da velhice,

a exemplo da concepção relatada pela profissional de enfermagem (C., Técnica de

Enfermagem), revela a associação entre velhice e doença, ou seja, uma pessoa acamada, que

necessita totalmente do outro, dependente, assim, aquele que consegue manter independência,

fazer suas atividades sem precisar de ajuda, não é considerado velho. Para o Oncologista

Clínico Dr. A., há uma distinção relativa à atitude, em que pessoas velhas e idosas podem

variar no aspecto físico e emocional, comportando-se como velhas ou jovens a depender de

suas exigências, pensamentos e necessidades.

O idoso... no meu modo de pensar, na terceira idade, depois que a gente chega na terceira idade a gente entra numa decadência. Mesma coisa que uma nave sobe no espaço. [Faz o som da nave subindo]. Tá em órbita. Chega lá encima ela, perde a gravidade, a tendência é só descê... até encostá aqui na terra novamente, né? Assim é a vida., né? (Valmor, 69 anos, leucemia crônica). Ah, velho eu acho que é quando uma pessoa é acamada que precisa totalmente de você, daí ela é uma pessoa velha. Enquanto a pessoa consegue se virá sozinha ela não é considerada uma pessoa velha. [...] da dependência. [...]. Uhum. Porque uma pessoa, velha, de idade, que consegue se virá sozinha ela não é uma pessoa velha. (C.; Técnica de enfermagem). Eu acho assustador, meio humilhante, assustador, né. [...]. É o que a gente vê, né, nesse mundão de hoje em dia, né, é filho judiando de mãe, né, batendo, as vezes te mata, né, tipo assustador, né, num geral, né, não quer dizer que é a minha mãe, né. (L., filha de Aura, 69 anos). Agora, tem pessoas que são velhas, são... pessoas velhas no aspecto emocional, né, que são jovens, teoricamente, fisicamente jovens, mas são velhas no aspecto emocional, o pensamento, as... as exigências, as necessidades são de velhos e... pessoas idosas que... que são pessoas jovens no... emocionalmente jovens, né, modernas, mais ou menos assim (Dr. A., Oncologista clínico).

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Por sua vez, a questão da nomenclatura indica os termos com os quais os entrevistados

se referem às pessoas com idade avançada, sendo que, na escolha e uso destes termos, estão

contidos os conceitos e atributos da velhice. A terminologia usada engloba idoso, velho,

melhor idade, e até uma menção ao termo “coroa” – expondo uma clara concepção de que

este uso se refere a um pensamento de gente velha, ou seja: “Então nessa parte eu sou meio

coroa, né... assim... mais velho nisso aí, né.” (Aristo, 72 anos), e a menção ao papel ou função

associada a quem envelhece como aquele que ocupa o lugar de “vô”, na fala da filha G.

(do paciente Nereu, 77 anos) e de “veia”, como aparece na fala da paciente Irene (62 anos).

Ao mencionar a maneira como as outras pessoas se referem a ela, sendo uma senhora velha.

Não vou brigar, mas não concordo, eu não concordo com essas coisas [como a política recente, a homossexualidade]. Então nessa parte eu sou meio coroa, né... assim... mais velho nisso aí, né. [risos]. [Depois da entrevista, o idoso pergunta] Mas tem a ideia do velho, agora, né, o que achou do velho? Como é que tá a ideia do velho, será que tá normal? [risos] Boa? (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado).

Sei lá, a gente chama de vô. [...]. É. Geralmente chama de vô, né. Até o pai e a mãe as vezes a gente fala vô. Antes eu chamava ele de papai e a mãe de mãe, mas agora depois que veio as filhas a gente as vezes se pega fala vô pra ele e vó pra ela. (G., filha de Nereu, 77 anos).

[Em relação à discriminação] os outros chama a gente de veia, eu não tô nem aí, eu não ligo não. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

Dias (2014, p. 132) aponta que aos idosos são atribuídos, muito frequentemente,

papéis familiares em virtude da idade, assim, aparecem no agrupamento familiar “o avô”,

“a avó”, o “vovozinho”, a “vozinha”, o “vovô” e a “vovó”, sendo, nesse sentido, configurado

pelos familiares como um tratamento não pejorativo e relacionado à questão cultural-afetiva.

Para além de palavras que designam o ser velho, há a concepção que cada termo

empregado suscita para os entrevistados. Nesse sentido, vale o destaque para a fala da

paciente Irene (62 anos) a respeito da palavra “veia”. Assim, o termo “velho” ganha, para

alguns entrevistados, um contorno pejorativo, agressivo, decadente, com envelhecimento

físico evidente e até de pobreza ou precariedade, seja de recursos financeiros ou morais,

enquanto o termo “idoso” ou “terceira idade” e “melhor idade” indicam variações que

permitem uma ampla gama de autoidentificações, de associações com as mais variadas idades

cronológicas e funcionais, e, ainda, com escolhas pessoais, dentre as quais aparecem a

possibilidade de continuar trabalhando, viver agora o que não viveu antes, ou, ainda, aquilo

que depende da atitude de cada um.

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Eu falo idoso, é idoso. Lá nas reuniões falam terceira idade, né, mas eu não, eu falo aquela pessoa é idosa, ela tá doente, é assim que eu falo (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Pra ser velho é só não ser caprichado. […]. Não tomar banho, ficar enchendo a cara de cachaça, brigando nos botecos, esse aí daí é o capricho, né, isso aí claro que não se deve fazer, né. Isso aí é feio e muito ruim. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). Eu sou da melhor idade. Agora as duas primeiras que você falou, velho e idoso… velho é pobre, idoso é rico. […]. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). Mas... [...] Bom, a terceira... é... ou seja, o idoso, a terceira idade, uns 55 anos pra cima já é, né. Tem uns que podem trabalhar, né, outros... segundo a lei é 60 anos, 65... então, depende de cada um. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). Eu conheço muita gente que fala que fica discriminado chamar a pessoa de idoso... Eu não ligo não. Eu pra mim tanto faz. Ah quem não gostar também vai ficar velho, eu falo desse jeito. (Irene, 62 anos, leucemia aguda). Ahh, melhor idade... eu acho que é uma [...] uma idade boa, uma idade que... olha o que eles não viveram no passado acho que ele podem viver... lá quando eles tem seus 60, 70 anos. (C., Técnica de Enfermagem). Terceira idade, terceira idade seria 60 anos, acima de 60 anos, né. Mas, é... hoje você vê pessoas com 60 anos que... parece 50 anos, então... É... eu acho que idoso e velho eu considero a mesma coisa. [...] Agora terceira idade, você pode... em que fase da terceira idade ele tá? 60-70, 70-80, 80-90, entendeu? [...]. Ah... então, porque o velho indica uma coisa... porque assim, ele pode ser idoso, mas acho que velho é uma coisa mais... física, mais física [...]. o idoso... ele pode ser um idoso não velho, fisicamente assim, entendeu? (Dr. A., Oncologista Clínico).

Estudos sobre as nomenclaturas classificatórias apresentam resultados que corroboram

os relatos dos idosos entrevistados em nossa pesquisa. Nestes estudos, o termo “velho”

carrega uma conotação negativa, usado para designar pessoas velhas com mais idade,

pertencentes às camadas mais populares, com traços nítidos de envelhecimento, assim,

considerado como sinônimo de decadência, pobreza, passividade. O termo “ancião” designa o

doente, isolado, abandonado e dependente do Estado. Os termos “idoso” e “terceira idade”

são percebidos como mais respeitosos, estão associados a pessoas ativas, produtivas, que

enfrentam desafios e estigmas, tendo recursos financeiros disponíveis para acesso à saúde,

inclusive estética, sendo considerados como consumidores (DEBERT, 2012; PEIXOTO,

2009; ROZENDO; JUSTO, 2011).

Embora não exista nenhuma terminologia ou nomenclatura que seja considerada

impecável para a definição do resultado final deste complexo processo de envelhecimento

heterogêneo, e sendo até considerado como ideal “eliminarmos as nomenclaturas relativas às

idades”, de acordo com Fuentes, Mercadante, Moreira (2015, p. 42), estudiosos nas áreas da

gerontologia indicam o uso de “velho” e “idoso” como bons termos, entendendo-se que não

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existe velho, mas, sim, velhos; não existe velhice, mas, velhices, e ainda assim, a dicotomia

entre as concepções opostas de supervalorização da velhice ou apresentando uma imagem

completamente denegrida persistem (PAPÉLO NETTO, 2006; PAPALÉO NETTO, 2011;

MOTTA, 2006; NERI, 2006; NERI, FREIRE, 2000). Dessa maneira, os idosos, familiares e

profissionais entrevistados apresentaram a percepção e o significado que os termos suscitam,

associando-os a atributos positivos ou negativos, de forma que tais relatos representam as

imagens construídas acerca do fenômeno biossocial e subjetivo que configura

velho/velhice/envelhecimento para este grupo de pessoas no ambiente hospitalar, diante das

decisões acerca dos tratamentos e no meio social onde convivem.

O paciente entrevistado Dom (68 anos) faz um apontamento absolutamente importante

acerca do abandono vivido pelos idosos, ou, melhor, para ele, configurado em sua própria

definição de velho. Ele menciona o enforcamento de um amigo que, embora não tenha a idade

compatível com a definição de idoso, parece ser considerado por ele como sendo uma pessoa

que vive as agruras da condição de velho, ou seja, é uma pessoa abandonada pela família,

alcoólatra e sem expectativas. Era seu amigo, mas não intimamente, pois “sempre falava as

abobrinhas dele lá, sempre bêbado, né, então daí como é que você vai trocar uma ideia com

um bêbado, ele que sabe demais, ele que é isso, ele que é aquilo” (Dom, 68 anos).

[Pesquisadora: E isso é coisa diferente de velho?] De velho… porque o velho mesmo ele não faz isso, o velho ele tá lá abandonado, começa pela família, aí entra no mundo da bebida, e aí ele se sente jogado e como eu te disse, quantos lá na vila que eu moro lá que morreu assim. Agora faz o que, um mês, um senhor lá que até, como é que posso dizer, ele não é parente meu mas é parente de uma prima minha, né, se enforcou-se no pé da cama, um cara mais ou menos de uns 50 anos, né, ele era alcoólatra, né, e ninguém da família aceitava ele e ele acabou se enforcando. Faz o que uns 20 dias que ele se enforcou. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). [Pesquisadora: O senhor já perdeu bastante pessoas assim?] Bastante. Não tenho números, né, mas eu perdi muitas pessoas amigas minhas que a gente era amigo e nunca brigou e nunca teve nada de errado, né.[Pesquisadora: E isso mexe com o senhor de alguma forma? Faz o senhor pensar na questão da doença ou da velhice de um jeito diferente?] Não… não me faz eu… sei que as pessoas que foram, né, por causa que se elas estivessem aqui estavam bem vindas, né, mas no caso foram… (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide).

O suicídio entre pessoas idosas é considerado como um problema de saúde pública.

Estudos epidemiológicos confirmam taxas mais elevadas em homens idosos, sendo os idosos

mais velhos considerados os mais vulneráveis (BOTEGA, 2014; MINAYO; CAVALCANTE,

2013). Da fala do paciente entrevistado decorrem questões como abandono, alcoolismo,

desvalorização sistemática da velhice, inaceitação familiar e social. A pesquisa de revisão da

literatura sobre as principais questões associadas às tentativas de suicídio em pessoas idosas

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no período de 2002 a 2013, realizada por Minayo e Cavalcante (2015), elencou os principais

fatores predisponentes como sendo: doenças físicas incapacitantes, enfermidades mentais, abuso de álcool e outras drogas e problemas de ordem familiar e socioeconômicos. [...]. depressão em diversos graus, outros distúrbios psiquiátricos, doenças degenerativas que causam dependência ou sofrimentos físicos insuportáveis, perda da autonomia e isolamento social (MINAYO; CAVALCANTE, 2015, p. 1.752).

5.4 AUTONOMIA E FINITUDE

5.4.1 Diretivas Antecipadas de Vontade

Os pacientes idosos, ao serem questionados sobre o conhecimento das assim chamadas

Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) ou Testamento Vital (TV) mencionaram que: Não. De jeito nenhum eu paro pra pensar. (Irene, 62 anos, leucemia aguda). Não. Esse documento a pessoa tem que fazer os bens? (Nereu, 77 anos, CA de próstata e intestino). Eu tenho uns vizinhos lá que fizeram testamento das terras… (Nereu, 77 anos, CA próstata e intestino). Eu sei, o vital eu ouvi falar, mas não tenho conhecimento daquilo lá. Não tenho conhecimento. (Dom, 68 anos, CA de retossigmóide). Uma escritura da terra, né. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica). Uma conversa assim, assim fazer uma coisa antecipada, sabendo, né, em que situação mais ou menos, fazê o testamento. [Pesquisadora: Mas referente ao quê?] Aos bens, às coisas, né... pra família e tal... eu creio que seja isso, né. [...]. Ah, a gente falado isso aí, essa... essa palavra: testamento vital, é... nunca me passou pela cabeça. Passou assim... deixar minhas coisa pra família assim... não baseado nisso. [...] .ah, nós conversamo bastante sobre... a enfermidade, sobre... o tratamento, sobre o futuro, né... vamos supor se eu... falecê, com é que vão ficar as coisa, tudo isso nós conversamo certinho. (Aristo, 72 anos, câncer de intestino e metástase em fígado). Nada... É do que ele deixa, é isso? [...] Não, não sei. [...]. É, nós não conversamos sobre isso também, nunca falamos sobre as terras. (G., filha de Nereu, 77 anos). Não. [...] Nunca ouvi. (L., filha de Aura, 69 anos).

O termo Testamento Vital é tomado no sentido de Testamento Patrimonial para os

pacientes idosos em questão. O termo Testamento Vital já foi questionado por não ser o mais

adequado para definir o documento que explicita as Diretivas Antecipadas de Vontade,

justamente pela possibilidade de confusão com outros tipos de testamento existentes e pela

diferença de ser aplicado em vida. No entanto, é o termo mais frequentemente utilizado

(DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013).

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No relato do paciente Aristo (72 anos), sendo ele um pastor evangélico, aparece a

associação com Testamento bíblico. Nesse sentido, a fala do paciente Valmor (69 anos)

também considera uma representação sobre Testamento e religiões.

Do... do...vital, o primeiro testamento...como assim...a questão do testamento? [...]. Tem o testamento dos evangélicos... [risos]. É testamento ué... [risos]. (Aristo, 72 anos, câncer de intestino e metástase em fígado). Testamento? [Pesquisadora: É. Vital.] Vital? Bom, testamento... eu já ouvi falá isso aí, mas por esse nome vital... Hoje em dia... existe muitas religiões. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica).

O reconhecimento da autonomia da pessoa é visto como o principal ganho que as

Diretivas Antecipadas proporcionaram, assim como engendra uma profunda reflexão sobre

o papel ativo dos pacientes e uma significativa mudança no relacionamento profissional

com estes (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012; DADALTO; TUPINAMBÁS;

GRECO, 2013). Testamento Vital é um instrumento ético/jurídico que permite reforçar a autonomia da pessoa, podendo ser completado com a nomeação de um procurador de cuidados de saúde ou mesmo um conjunto de instruções médicas tomadas previamente com o consentimento do doente (NUNES, 2016, p.114).

No entanto, as diretivas ainda são desconhecidas de uma grande parcela de leigos,

e nem todos os profissionais da saúde conhecem ou apresentam as diretivas aos seus pacientes

(ROSSINI; OLIVEIRA; FUMIS, 2013). Na fala dos profissionais entrevistados:

Não... De vontade dele... assinar um papel, dizendo que é isso aqui... que é isso, que... [...]. Não, não... a gente conversa com... com a família, com o paciente, procura fazer a vontade dele, mas... não assina nada não. (Dr. A., Oncologista Clínico). Eu já ouvi falá... mas eu não tenho conhecimento enquanto... é... legalidade disso assim. Porque eu sei que a pessoa tem o direito de... deixar, né... para os cuidadores, enfim, familiares, os seus desejos. Mas eu... eu... acredito que não precisa ser algo... registrado em cartório, algo... qual o peso legal disso?! Se a família, é... acata, ou se ela não acata o que acontece com essa família? Eu não sei do ponto de vista legal qual a implicação dessas diretivas pros cuidadores, enfim. (S., Assistente Social). Olha, é... Eu, eu não sei te dizer assim com... sobre todas essas diretrizes, eu parti do nível da ignorância, tu tá entendendo. Na minha formação o que eu tive, eu tive de bioética, que eu sei que nem todo mundo... é... não existe o curso de é... a disciplina de bioética na maior parte das faculdade de medicina, isso não existe... bioética é um assunto ainda tratado meio como um tabu em muitas faculdades. Eu tive um semestre de bioética, certo?! E que ainda foi contado como uma cadeira de pontuação a mais. Então, é... a aplicabilidade de todas essas diretrizes eu não sei se eu aplico todas elas, eu não sei se eu aplico bem elas... sinceramente. Eu acho que essa é minha resposta que eu tenho pra te dar. (Dr. D., Oncologista Clínico).

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Não é conversado... ninguém conversa sobre diretrizes antecipadas com nenhum paciente. (Dr. D., Oncologista clínico).

A experiência do uso das DAV, também conhecidas como instruções prévias, com a

população idosa na Espanha merece ser mencionada como exemplo, pois o estudo indica que

a estratégia mais eficaz para a construção das DAV inclui discussão, participação e decisões

compartilhadas entre paciente, família e equipe, num modelo de assistência planejada.

O mesmo é discutido quanto à implantação de um modelo brasileiro, que inclui questões

subjetivas que podem ser contempladas num documento não padronizado (BARRIO

CANTALEJO et al, 2008; BARRIO CANTALEJO et al, 2006; DADALTO; TUPINAMBÁS;

GRECO, 2013;), o que implica a necessidade de conhecimento por parte do profissional e a

flexibilização do instrumento junto de pacientes e seus familiares.

Os profissionais entrevistados relatam que não há um movimento na instituição em

que trabalham, nem entre os profissionais da equipe para a discussão sobre as Diretivas, o que

indica que em última instância quem acaba realizando a tomada de decisão ou melhor conduta

diante de um caso em que o paciente não possa se comunicar é a equipe plantonista que

atende durante as emergências ou faz o recebimento daquele paciente na UTI, ou, então,

o familiar que está no acompanhamento do paciente assume o compartilhamento da decisão

com a equipe.

Não há uma discussão desse protocolo ou desse fluxo. [Pesquisadora: Então, quem toma a decisão...] É a equipe. Em uma situação como essa sim. É... se a gente for parar pra pensar no...no tamanho da equipe e na possibilidade que ela teve de discutir, né, tudo isso e de registar, e de todas as equipes acompanharem essa decisão... não sei. Vai, vai muito do... do familiar que o está acompanhando. Que vai... vai nortear... (S., Assistente Social). [...] no GIAP (Grupo Interdisciplinar de Atendimento Paliativo) todos sabem que tem a doença, que vão morrer... né... quando, não se sabe, mas eles sabem que não tem cura porque é o que eu costumo dizer pra eles. Isso seria muito interessante de conversar com eles: “O senhor tem pensando sobre como é que vão ser suas situações? As suas condições clínicas diante de situações de emergência e urgência, diante da morte?” Isso não é abordado, se é isso que você queria saber. (Dr. D., Oncologista Clínico).

Assim, mesmo que formalmente não se realizem a escrita de suas vontades e

desconheçam o recurso das Diretivas Antecipadas, alguns dos pacientes idosos entrevistados

conversam com suas famílias comunicando aqueles desejos ou situações em que expressam

suas preferências, mas não somente as relativas ao tratamento. No entanto, especificamente na

fala do idoso Dom (68 anos, CA de retossigmoide) está claramente colocada sua vontade,

já comunicada ao filho, de que ele deve ser enterrado usando bigode. Ao temer que a

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quimioterapia possa causar a queda de seus cabelos, pelos e bigode, faz ao filho o pedido de

que, caso na ocasião de sua morte esteja desprovido do bigode, este providencie um em

alguma loja e o cole na face do pai, mantendo assim a tradição familiar dos homens honrados,

em que a garantia da palavra se estabelecia no “fio do bigode”. O bigode tem para ele o

significado, a representação e uma mensagem de herança e pertencimento familiar, faz parte

de sua identidade no mundo e não pode ser descaracterizada.

[...] Só a única coisa que eu pedi, naqueles dias que eu tava bem ruim, que eu pedi lá pros meus filhos, que talvez ia cair meu cabelo e meu bigode, aí disse que pelo menos quando eu morrer vocês deem um jeito de coloca meu bigode e enterrem eu de bigode, né. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide). Por causa que o meu pai ele morreu com 82 anos e nunca cortou o bigode. Aí eu quando tava com 22 anos, aí um dia eu fui dar uma emparelhada no bigode e errei com a gilete, né e tirei o canto, daí tirei o resto, quando eu entrei na sala eu apanhei da minha mãe, eu com 22 anos levei uns tabefes da minha mãe, porque ela falou “você não é homem? O teu pai nunca cortou o bigode e homem que tem bigode tem que criar ele e ter pra sempre” […]. Tem coisas que vem de herança dos pais, né, que o pai usou e a mãe exigiu que o filho… ah inclusive agora há um ano e pouco atrás, uma mulher namorou comigo só por causa que eu tinha bigode, ela não achava homem com bigode, né. (Dom, 68 anos, CA de retossigmoide).

No auge de seus 68 anos, o paciente revela suas crenças e o quanto um fato

aparentemente simples pode ser importante e significativo na vida de cada um dos pacientes

em tratamento. O uso do bigode, aqui, serve como representação de um pertencimento

familiar, uma herança geracional que ativa a marca daquela família e confere senso de

identidade aos membros. Ficar sem o bigode significa muito além do uso estético, mesmo que

também apresente valor para o paciente, já que foi através desse acessório de masculinidade

que ele empreendeu um namoro (“ela não achava homem com bigode, né”); mas o bigode é

coisa que “vem de herança dos pais”, ser homem está intimamente ligado ao que o pai um dia

fora (“morreu com 82 anos e nunca cortou o bigode”), afinal, já dizia sua mãe: “você não é

homem? O teu pai nunca cortou o bigode e homem que tem bigode tem que criar ele e ter pra

sempre”. Podemos associar esse pedido ao filho como uma aceitação de que a morte não pode

ser negada sempre: Dom (68 anos) está velho e doente, então, como ficar sem o bigode e

morrer desnudado, desprovido, aniquilado de sua identidade? A construção das Diretivas

Antecipadas de Vontade são meios eficientes de esclarecer as vontades e manter o senso de

autonomia da pessoa intacto, ou seja, certificar a pessoa de que seus desejos, sejam eles quais

forem, serão cumpridos.

Nesse sentido, as diretivas mais eficientes são aquelas construídas em conjunto com os

pacientes, familiares e equipe de saúde, pois visam a tecer um documento que leva em

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consideração os diferentes conhecimentos e desejos primordiais que, gradativamente, tornam-

se mais palatáveis para os envolvidos. Dadalto, Tupinambás e Greco (2013) explicam que a

subjetividade do paciente precisa ser um item comtemplado neste tipo de documento, pois é

justamente a subjetividade que vai dar um aspecto particular, abrangente e único a cada

diretiva, já que as diretivas de modelos padronizados costumam não ser tão eficientes.

Dessa maneira, especificamente,

a autonomia não está definida unicamente por seus aspectos instrumentais ou implementação de atividades, mas também como a capacidade de lidar com e tomar decisões pessoais sobre como viver de acordo com suas próprias preferências. Este é precisamente o objetivo de um Testamento Vital: aumentar o controle sobre decisões de saúde no fim da vida” (BARRIO CANTALEJO et al, 2008, p. 69).

Pensando nos aspectos subjetivos de cada paciente, é possível construir diretivas que

tragam a autenticidade de vontades como as do entrevistado Dom (68 anos), que se

angustiava com a possibilidade de ser enterrado desprovido de sua marca de identidade no

mundo, e, uma vez certificado de que o filho fará sua vontade na morte, ele segue tranquilo

por ter sua autonomia preservada em vida.

5.4.2 Relação entre profissionais e idosos

Nem todos os idosos entrevistados sabem exatamente os nomes dos profissionais

que os atendem, e os médicos entrevistados não conseguem identificar por nome os pacientes

em atendimento, sugerem acessá-los via sistema de prontuário eletrônico hospitalar,

de acordo com o caso ou o nome repassado. Esta informação indica que há uma relação

estabelecida entre equipe e paciente, mas ela é pontual e encarnada pelo profissional que está

disponível ou escalado no plantão daquele dia, assim, o que há é uma espécie de relação

construída com rodízio de profissionais e a relação de continuidade e profundidade não se

estabelece completamente.

[Pesquisadora: Então quer dizer que se o médico vem aqui e conversa sobre um procedimento, é com o senhor que ele conversa, não é com a família?] É comigo. É comigo. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica).

É o doutor... agora no momento eu esqueci. Ele é muito legal ele, um alto. [...]. Mas a enfermeira aí sabe bem o nome dele. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica).

Elas vêm, medica, faz medicamento na gente, dá uma olhada e tal, e volta. Vê como é que a gente tá... né? A gente se convive assim. [Pesquisadora: O senhor tem conversado mais intimamente com alguém aqui dentro do

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hospital sobre o tratamento?] Não, o tratamento é esse mesmo. (Valmor, 69 anos, leucemia crônica).

O idoso Aristo (72 anos) reconhece e apresenta o nome do médico responsável pelas

visitas hospitalares, assim, sendo, este idoso entrevistado e a idosa Irene (62 anos) foram os

únicos pacientes a fazerem uma referência direta aos nomes dos profissionais que os atendem.

Mas aqui ocê passa por vários médicos. Eu fiz cirurgia com um... nem o nome eu sei. [risos]. É... mas o mais que é... quem vem aqui é o Dr. D. (Aristo, 72 anos, CA de Intestino e metástase em fígado). Ah, ela conhece, né, toda minha enfermidade, eu comecei com ela, com a doutora M., aí agora passou pro doutor R., passou pra outro médico. (Irene, 62 anos, leucemia aguda).

Agich (2008) faz um apontamento sobre a dificuldade no conhecimento do nome do

profissional por quem se é atendido. Segundo ele, alguns idosos são tão indiferenciadores a

respeito dos funcionários quanto alguns funcionários o são em relação aos idosos, ou seja, os

idosos pareciam ser “incapazes ou desinteressados de fazer distinções entre os diferentes

funcionários que cuidavam deles” (LIDZ; FISCHER; ARNOLD, 19904 apud AGICH, 2008,

p. 147). Especificamente no caso dos idosos entrevistados, este quesito pode revelar, em parte,

a alta inconstância que o próprio tratamento oncológico abrange, ou seja, equipes com

inúmeros especialistas, cada qual responsável por um tratamento em particular. Os pacientes

fazem distinções entre os profissionais, mas iniciam com um e acabam passando por vários

profissionais, tendo ou não um profissional com o qual se vinculam a ponto de saber o nome e

ter uma relação mais estreita. Além da especialidade, há o rodízio de profissionais por plantão,

a alta rotatividade e a participação de residentes. Por isso, o estabelecimento da relação entre

profissionais e estes pacientes idosos se desenvolve pontualmente, ou seja, não há

aprofundamento e intimidade, embora exista vínculo e confiança, a aproximação se constrói

em função do lugar que a equipe ocupa e da necessidade dos pacientes.

                                                                                                               4 LIDZ, C. W.; FISCHER, L.; ARNOLD, R. M. Na ethnografhic study of the erosion of autonomy in long-term care. A final report to the retirement reserch foundation, Chicago, IL.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto

a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É

para isso que servem os caminhos, para nos

fazerem parentes do futuro.

Mia Couto

Esta tese de doutorado foi construída, inicialmente, apresentando as concepções acerca

do envelhecimento, da velhice e do velho como modelos de transformação. Traçou um

percurso envolvendo a delimitação teórica do campo de pesquisa e a configuração das

diversas velhices, para, então, propor a questão deste estudo, circunscrevendo a autonomia

decisória do idoso com câncer.

A primeira parte deste estudo foi preenchida pelo entrelaçamento dos conceitos

de velhice, vinculando e discutindo o manejo do idoso em relação às questões que envolvem

o adoecimento por câncer e seus tratamentos oncológicos, assim, evoluindo para a

contextualização teórica da autonomia que o idoso articula diante da tomada de decisão.

Na segunda parte, as entrevistas realizadas com pacientes oncológicos idosos e,

na sequência, seus familiares e sua equipe de saúde compuseram o conteúdo para a análise e

interpretação das percepções destes envolvidos em relação à autonomia dos pacientes idosos

oncológicos no que se refere a seus tratamentos e questões agregadas ao tema da decisão.

É importante destacar que foram realizados ajustes no método, que, inicialmente, foi

delineada a construção de casos em tríades, pois pretendia-se uma unidade de casos-respostas,

envolvendo paciente-família-equipe. No entanto, sem prejudicar o andamento da pesquisa, derivou-

se para a análise do conteúdo das entrevistas como entidades autônomas, para, só depois da

depuração das categorias, apresentar as percepções de cada um dos entrevistados. Nesse sentido,

a alteração do método funcionou para não desprezar nenhuma entrevista, permitindo a apresentação

de múltiplas percepções acerca do tema. A necessidade de alteração do método se deu devido ao

fato de os idosos internarem sem a presença de familiares e, também, devido ao fato de nem todos

nomearem um profissional especificamente pelo nome para as entrevistas, denotando a existência

de uma relação de confiança, no entanto, sem estreitamento dos laços personalíssimos entre estes

pacientes idosos e seus profissionais. Assim, o método escolhido mostrou-se suficiente para a

realização do projeto, permitindo a construção de um panorama ampliado.

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Neste contexto, são revelados os conteúdos subjetivos de 5 idosos entrevistados

(lembrando que a entrevista com uma participante idosa não foi devidamente gravada,

por isso, excluída), 3 de seus familiares e 4 profissionais de saúde.

Daqueles 6 idosos inicialmente entrevistados durante o período de internação para

tratamentos oncológicos, apenas 3 estavam acompanhados de cuidadores familiares, sendo

que todas eram as filhas dos pacientes. Nesse quesito, tanto é notável o fato de que os idosos

sem familiares para a internação são independentes em suas Atividades de Vida Diária (AVD)

e mencionam não haver necessidade de cuidadores. No entanto, não foi possível considerar

junto dos demais familiares a disponibilidade para o cuidado, pois não estavam presentes na

internação. Assim, infere-se que nem todos os membros da família conseguem ou escolhem,

por algum motivo especial, desenvolver as tarefas de cuidado junto de seus familiares

idosos hospitalizados.

Verificou-se que, na percepção dos idosos desta pesquisa, sua autonomia de decisão é

reconhecida e respeitada pelos familiares e pela equipe de saúde. Os idosos entrevistados

estão cientes de seus diagnósticos, compreendem seus tratamentos oncológicos e afirmam

receber informações sobre sua doença e decidir diante das alternativas oferecidas pela equipe

de saúde, especialmente na figura do médico, sobre as condutas acerca dos procedimentos e

tratamentos a serem realizados.

Em relação à percepção de autonomia dos idosos, o ato decisório pode estar relacionado

às condições necessárias para cuidar das próprias coisas, como as tarefas consigo mesmo,

os afazeres domésticos, a execução laboral, as próprias finanças. Assim, o ato de realizar escolhas

pode estar associado ao fato de viver a experiência de uma internação sem acompanhante, morar

sozinho ou com os cônjuges, mas mantendo a chefia ou liderança do lar, ou seja, sem depender

dos outros. Desse contexto decorre também a percepção de se sentir autônomo diante das decisões

no que concerne à doença, realizando suas escolhas pertinentes ao tratamento.

Para aqueles idosos que percebem a autonomia de maneira centralizada, definida na

literatura como liberal (AGICH, 2008), a tomada de decisão é uma prerrogativa individual

que depende do próprio idoso, devendo ser respeitada pela equipe e pela família.

Para os idosos que percebem a autonomia como efetiva (AGICH, 2008), então, as

alternativas são discutidas em família e/ou com o médico e, então, o procedimento é decidido

de maneira compartilhada, ou seja, existe consistência relacional para a construção de uma

interdependência na tomada de decisões seja sobre a vida ou sobre os tratamentos, e esse

compartilhamento não é visto como perda de autonomia.

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Na percepção de familiares e profissionais, a autonomia da pessoa deve ser mantida

independentemente da idade. No entanto, quanto à tomada de decisão, os profissionais

apontam limites relacionados às perdas do envelhecimento como impeditivos para a garantia

de uma autonomia centralizada no idoso. Portanto, a cognição preservada é mencionada como

um divisor de águas na manutenção da autonomia de decisão, e não a idade. Contudo,

os profissionais percebem que os familiares referem à idade como um importante fator

impeditivo para a tomada de decisão, entendendo o envelhecimento como vulnerabilização da

pessoa, que passaria a ser protegida, preservada, poupada da tomada de decisão sobre os

tratamentos assumida pela família. Todavia, observa-se que houve a repetição deste modelo

de exclusão do idoso no relato de um único familiar, quando uma médica optou por

comunicar o quando de avanço da doença apenas ao familiar.

A questão da dependência também está atrelada a não mobilidade, ao fato de

depender dos outros para moradia ou cuidados, não dispondo de espaço subjetivo para tomar

as próprias decisões, mesmo aquelas tão simples como escolher horários e frequência dos

banhos e, assim, gerir a vida conforme necessidades e desejos dentro e fora do hospital.

Não dispor de autonomia ocupa a representação de uma menos-valia, ou seja, indica a não

condução da própria vida.

Os idosos entrevistados não associam a doença à idade, portanto, o câncer é uma

doença que pode acometer pessoas de todas as faixas etárias e o envelhecimento não é

percebido por eles como uma ameaça, mesmo reconhecendo que as perdas do envelhecimento

gradativamente são perceptíveis e causam prejuízos importantes. Dessa forma, para os idosos,

a idade não é sinônimo de doença e a doença não depende exclusivamente da idade.

Contudo, para duas das familiares entrevistadas, o câncer é uma doença diretamente associada

à idade, confirmando a relação entre envelhecimento e doença, em consonância com a

literatura cientifica de que “o risco da maioria dos cânceres aumenta com a idade e, por esse

motivo, eles ocorrem mais frequentemente no grupo de pessoas com idade avançada”

(INCA, 2012, p. 56).

Somados ao risco de adoecimento aumentado com a idade, verifica-se que pacientes

idosos sofrem pela assistência deficitária em relação à saúde. O adoecimento pode estar

associado, no senso comum e na saúde primária, à degradação própria da idade, ou seja,

do processo de envelhecimento. Assim, a espera nas filas e a peregrinação em busca

de atendimento atrasa tratamentos e a efetivação de melhores condições de qualidade de vida

e de prognósticos.

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Quanto à percepção da nomenclatura utilizada, os idosos entrevistados apresentam

suas concepções sobre o uso do termo velho como sendo algo, ainda em parte, pejorativo.

Para estes, a maneira social de expressar os atributos negativos do envelhecimento

e da velhice estão atrelados à palavra velho. É justamente ao abrir espaço para a escolha

da nomenclatura de preferência que surge, na fala de um dos entrevistados, a questão do

suicídio de idosos, quando relata que seu colega da comunidade havia se enforcado.

Na expressão linguística “velho”, está contido o sentido, revelando-se toda a sistemática

desvalorização da pessoa que envelhece e fica relegada à morte social.

Os atributos positivos do envelhecimento e da velhice se sobressaíram no uso

das terminologias “idoso”, “terceira idade”, “melhor idade”, sendo essas palavras mais

aceitáveis nas falas dos participantes, apresentando o sentido de respeito e dignidade no trato

com a pessoa que envelhece.

Na percepção dos familiares, os pacientes idosos são considerados como aqueles que

sofrem as degradações da idade, como fraqueza e necessidade de cuidados, mas também

são aqueles que possuem experiência para enfrentar situações mais difíceis na vida, sendo

a doença uma delas.

Quanto à percepção acerca da finitude e da autonomia, destacando-se o uso das

Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) como um instrumento garantidor da autonomia dos

pacientes, verificou-se que o dispositivo é desconhecido de todos os pacientes e familiares

entrevistados, sendo pouco conhecido por parte dos profissionais participantes desta pesquisa.

A garantia de que as vontades prévias dos pacientes sejam reafirmadas no momento em que

estes não estiverem conscientes para a decisão, não é praticada em formato de um registro

formal entre estes profissionais, embora exista a prerrogativa, relatada nas entrevistas, de

ouvir os pacientes e respeitar suas decisões. Das entrevistas com os idosos e familiares,

verificou-se que o termo Testamento Vital é confundido por quatro participantes com

testamento patrimonial e, por dois deles, com testamento bíblico.

De acordo com os apontamentos deste estudo, vários desdobramentos podem ser

sugeridos para o aprofundamento das temáticas sobre envelhecimento, velho e velhice,

visto que as pessoas que estão envelhecendo podem ser beneficiadas por um processo

de mudança no modelo paternalista ainda vigente em nossa sociedade, atingindo o

funcionamento familiar e de muitos serviços de saúde. A transição deste protecionismo

exacerbado em relação aos velhos, que os cerceia do exercício de sua autonomia, para um

modelo solidário e compartilhado requer a realização de novas pesquisas.

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Ainda no que se refere às sugestões para a continuidade da pesquisa, a revelação

do desconhecimento sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade abre um campo para a

pesquisa-ação. O desenvolvimento de um programa de esclarecimento e implantação das

DAVs nas instituições hospitalares beneficiaria amplamente todos os pacientes, não só idosos;

bem como possibilitaria familiares e equipes de saúde na adoção da melhor conduta do

cuidado, de acordo com a vontade antecipada e expressa do paciente.

Diante das percepções destes entrevistados, é possível afirmar que os objetivos

desta pesquisa foram alcançados, visto que englobam a análise da percepção da

participação de pacientes idosos com câncer nas decisões sobre seus tratamentos,

sob a ótica dos pacientes, seus familiares e equipe de saúde que os assiste, com

especificidade para os aspectos intervenientes na participação do idoso com câncer

na decisão de seus tratamentos.

Nesse sentido, o estudo ampliou as concepções de “velhice”, “envelhecimento” e de

“velho” como sujeito autônomo e participante de seu processo decisório em relação às

escolhas sobre tratamentos oncológicos. Por isso, é evidente a necessidade urgente de

mudanças na postura e concepção da autonomia na velhice, afinal, deve-se buscar cada vez

mais o aprimoramento do manejo de questões que envolvem pacientes, profissionais da saúde

e familiares, no intento de ampliar a autonomia das pessoas. Conforme aponta Gracia (2014)

permitir que as pessoas façam uma autogestão não só da vida, mas também do adoecimento,

incluindo decidir sobre a morte e o processo de morrer. O controle sobre a própria vida é uma

forma de definir autonomia, no entanto, não podemos engessar a concepção de autonomia

para uma espécie de controle centralizado, pois para os idosos entrevistados várias nuances

de autonomia se interpõem.

O reconhecimento do idoso como um ser autônomo passa pela desconstrução do

conceito de autonomia compreendida apenas por meio de um viés absoluto, centrado

na lógica tradicional e liberal, segundo a qual existe autonomia apenas quando esta pode ser

exercida de maneira plena, concreta e racional. A autonomia se constrói por meio de

relacionamentos humanos, de modo que “o exercício da autonomia requer relacionamentos

de apoio ao longo de toda a vida” (AGICH, 2008, p. 106). Partindo desse pensamento,

ser autônomo não significa independência absoluta, mas envolve uma liberdade situada ou

contextual, incluindo a tomada de decisões efetivamente, mas também os relacionamentos

estabelecidos, as rotinas diárias, os estilos de provisão de cuidados como sendo fatores que

promovem ou contrariam a autonomia.

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Considerando-se o conceito de autonomia efetiva ou compartilhada, ou seja,

que verdadeiramente respeita os idosos como indivíduos, e diante da identificação

das condições concretas, encoraja-os ao enfrentamento das adversidades de maneira

compartilhada. Os idosos entrevistados apresentam adaptação na tomada de decisões,

realizando discussões prévias com a família e a equipe médica e, então, fazendo valer

suas decisões quanto aos tratamentos oncológicos. Assim, o conceito de autonomia

compartilhada pode abranger, além da capacidade de decidir por si mesmo após a

discussão das melhores alternativas para todos os envolvidos, também a possibilidade

de delegar as decisões ou necessitar de ajuda para executar as decisões tomadas, sem perder

o senso de autodeterminação.

Concluir uma tese exige um término, mesmo que provisório. Fazer representar as falas

dos velhos em registro escrito, transformar em texto para manter vivo aquilo que o tempo

varreria da memória, ou seja, fazer na palavra o esconderijo do tempo.

Sou um menino que envelheceu logo à nascença. Dizem que, por isso, me é proibido contar minha própria história. Quando terminar o relato eu estarei morto. Ou, quem sabe, não? Será mesmo verdadeira esta condenação? Mesmo assim me intento, faço na palavra o esconderijo do tempo (COUTO, 1991, p. 26).

Certamente a escuta às falas destes idosos é particular, singular e remete à história e à

percepção que cada um deles dá ao processo de envelhecimento, adoecimento, enfrentamento

e tomada de decisão. Cada velho, ao falar de sua velhice, imerso em universo que parte

do pessoal, subjetivo, íntimo, fala para além dela, pois fala daquilo que sempre foi,

que permanece. O velho não é um produto da velhice, mas certamente constituído por

todas as suas vivências familiares, banhadas pela cultural e tudo que a representa, é ainda um

ser em transição. Portanto, a fala destes idosos pode ser tomada como algo atrelado à sua

percepção, mas pode também ser pensada abrangendo o que afeta a todos os idosos, seres

humanos em progressão cronológica e social. Os modelos são construídos a partir da

interlocução entre o subjetivo e o social, o particular e o coletivo, numa constante

reelaboração entre o que parece estático e o movimento. A autonomia na tomada de decisão,

a partir da construção deste estudo, assume um viés pluralizado, desdobrando-se em

autonomias. Autonomias que são ajustáveis às necessidades e às vontades de autogerência

por parte destes idosos.

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Rubem Alves (1995, p. 167), ao descrever a odisseia por meio da qual uma lagarta se

converte em borboleta, apresenta a trajetória daquela que deve abandonar as folhas verdes

e construir, “com matéria tirada do seu próprio corpo”, a caixa perfeita, a mortalha onde

ocorrem as transformações. Aquilo que ele mesmo imaginava como um túmulo era, na

verdade, um útero. E, então, a lagarta se transforma em borboleta, confirmando que no casulo

algo a esperava.

À espera estão nossos velhos. À espera está o velho dentro de cada um de nós,

gestando o tempo, fazendo a viagem por dentro, pois “velhice não é isso que acontece quando

as marcas do tempo enrugam a superfície do corpo”, velhice é algo que vai crescendo por

dentro (ALVES, 1995, p. 62). Mesmo que exista uma “velhice que é uma entidade do mundo

exterior e que pode ser medida por calendários, relógios e decadência do corpo: geriátrica”

(ALVES, 1995, p. 61); há uma outra velhice... cabe a nós a metamorfose.

O processo de envelhecimento marca um laço com o futuro, com o que está por vir,

construído diariamente, gestado de acordo com o que é permitido pela cultura, atravessado

pela realidade das condições sociais e do corpo e, por fim, ciclicamente, ressignificado pela

vivência singular de quem envelhece. Por isso, manter a autonomia é desejo e desafio; exige

preparar-se para a longevidade, flexibilizar-se, manejar relações afetivas para poder contar

com uma rede de apoio respeitosa, dispor de equipes de saúde preparadas, ter em quem

confiar para as tomadas de decisão ao longo da estrada.

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APÊNDICE A – Roteiro da Entrevista com o Idoso

Permissão para gravar a entrevista: ( ) sim ( ) não

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado: ( ) sim.

1. Dados sobre o sujeito Idoso

1.2 - Dados demográficos:

Nome/sexo:

Idade:

Escolaridade:

Profissão:

Religião:

Estado conjugal:

Número de Filhos vivos e suas idades:

Situação econômica familiar:

Cidade de origem:

1.2 - Configuração e organização familiar/doméstica:

- Com quem mora (quem são e quantas pessoas são na casa);

- Idade do cônjuge ou companheiro;

- Configurações recentes: Há quanto tempo mora com os membros (cônjuge, filhos, novo

companheiro);

2 - Situação de dependência/independência e autonomia:

Questão norteadora 1: Sabe-se que ter um diagnóstico de câncer provoca mudanças na vida

das pessoas. Gostaria de ouvir um pouco sobre sua experiência a esse respeito

Questão norteadora 2: As vezes as pessoas que estão doentes necessitam de cuidadores.

Gostaria de ouvir como funciona isso para você

Conteúdo a ser observado:

* Rotina antes da doença e agora

* Atividades diárias (independente para alimentação, tarefas domésticas, higiene);

* Atividades laborais;

* Atividades físicas;

* Socialização (igreja, clube, visitas familiares, deslocamento e mobilidade);

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* Finanças (aposentado, manutenção da conta bancária e pagamento de contas, outras fontes

de renda);

* Afetividade/sexualidade;

* Atividades que não mais consegue executar;

3 - Concepções sobre a Velhice e a doença

Questão norteadora 1: Conte como é uma pessoa Idosa ou velha na sua concepção

Questão norteadora 2: Como você era antes da doença/ sente que algo mudou em sua

maneira de pensar ou agir?

Conteúdo a ser observado:

* Terminologia usada (Idoso, velho, terceira idade, quarta idade, melhor idade, outro);

* Características que definem uma pessoa Idosa ou velha (se existem diferenças entre ser

Idoso ou velho, perdas do envelhecimento, se o participante se considera uma pessoa Idosa ou

velha, autonomia na velhice);

* Percepções e autoavaliação do participante na história de sua vida (Satisfação ou

Insatisfação com a vida e o envelhecimento);

* Idade/envelhecimento X câncer;

4 - Autonomia frente a doença e tratamentos

Questão norteadora 1: O câncer afeta as pessoas de maneiras diferentes. Gostaria de saber

como é sua doença e como foram tomadas as principais decisões sobre os

tratamentos/procedimentos (era diferente antes da doença?)

Questão norteadora 2: Quando você toma uma decisão sobre o tratamento; o que

pensa/sente acerca da família e da equipe respeitarem essa atitude

Questão norteadora 3: Nas conversas entre você e sua família e/ou equipe sobre a doença,

você sente necessidade de participar? Conte como é sua participação

Conteúdo a ser observado:

* Conhecimentos sobre a própria doença (nome da doença/diagnóstico, prognóstico,

localização, sintomas observados, tempo de tratamento, tratamentos já realizados e

representações);

* Percepção do participante sobre a concepção familiar acerca da doença e da possibilidade

do participante decidir (a decisão está a cargo de qual membro da família ou da equipe?);

* Referente ao processo decisório antes de adoecer;

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5 - Concepções acerca da morte:

Questão norteadora: Algumas pessoas depois que adoecem, passam a refletir ainda mais

sobre a vida e sobre o futuro. Conte se algo mudou em sua concepção sobre o envelhecimento

ou sobre a morte

Conteúdo a ser observado:

* Sentidos da morte/morrer para o participante;

* Percepção após o adoecimento de que algo mudou em sua concepção sobre o

envelhecimento ou sobre a morte;

* Tomada de medidas ou decisões/ ou algum pensamento sobre a questão da morte (incluindo

testamento, conversa com familiares, ajustes, preparo espiritual, emocional, outros);

6 - Aspecto a ser investigado caso não seja abordado ao longo da entrevista pelo

participante – Diante de tudo que foi conversado na entrevista, conte como é sua percepção

da própria autonomia diante da família/doença/vida; como se sente para tomar suas próprias

decisões e se sente que são respeitadas.

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APÊNDICE B – Roteiro da Entrevista com o Familiar

Permissão para gravar a entrevista: ( ) sim ( ) não

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado: ( ) sim.

1. Dados sobre o FAMILIA/CUIDADOR

1.2 - Dados demográficos:

Nome/sexo:

Idade:

Escolaridade:

Profissão:

Religião:

Estado conjugal:

Número de Filhos e suas idades:

Situação econômica familiar:

Cidade de origem:

Grau de parentesco ou vínculo com o paciente:

Mora com o paciente?/como realiza os cuidados:

2. - Situação de dependência/independência e autonomia:

Questão norteadora 1: Como o idoso se comporta em relação ao autocuidado aqui no

hospital e no domicilio?

Conteúdo a ser observado:

* Atividades diárias (autonomia para alimentação, tarefas domésticas, higiene);

* Atividades laborais;

* Atividades físicas;

* Socialização (igreja, clube, visitas familiares, deslocamento e mobilidade);

* Finanças (aposentado, manutenção da conta bancária e pagamento de contas, outras fontes

de renda);

* Afetividade/sexualidade;

* Atividades que não mais consegue executar;

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3 - Concepções sobre a Velhice

Questão norteadora 1: Conte o que é uma pessoa Idosa ou velha na sua concepção

Questão norteadora 2: Conte como era o idoso antes da doença/ e mesmo ao longo da vida

(antes de ser idoso)

Conteúdo a ser observado:

* Terminologia usada (Idoso, velho, terceira idade, quarta idade, melhor idade, outro);

* Características que definem uma pessoa Idosa ou velha (se existem diferenças entre ser

Idoso ou velho, perdas do envelhecimento, autonomia na velhice);

* Mudanças significativas ao longo da vida na maneira de agir ou pensar depois que a pessoa

envelheceu/adoeceu;

4 - Autonomia frente a doença e tratamentos

Questão norteadora 1: Quem toma as decisões acerca da doença/tratamento? Conte como

funciona (sempre foi assim?)

Conteúdo a ser observado:

* Conhecimentos sobre a doença do idoso (nome da doença/diagnóstico, prognóstico,

localização, sintomas observados, tempo de tratamento, tratamentos já realizados e

representações);

* Percepção do familiar sobre a concepção que o idoso possui acerca da doença e da

possibilidade de tomada de decisão;

4.1– Fontes e crenças sobre a doença:

Questão norteadora1: O que os médicos explicaram à você sobre a doença do idoso?

Questão norteadora 2: O que você pensa sobre o curso dessa doença? O idoso participa das

conversas ou decisões? Conte como funciona

Conteúdo a ser observado:

*Percepções sobre a idade do idoso X doença;

*Conversas entre familiares e equipe tem a participação do idoso?

5 - Concepções acerca da morte:

Questão norteadora 1: Depois que o idoso adoeceu, algo mudou em sua (do familiar)

concepção sobre o envelhecimento ou sobre a morte?

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Questão norteadora 2: Percebe se o idoso manifesta a necessidade de tomar algumas

medidas ou decisões/ ou algum pensamento sobre a questão da morte (incluindo testamento,

conversa com familiares, ajustes, preparo espiritual, emocional, outros)?

6 – Aspecto a ser investigado caso não seja abordado ao longo da entrevista pelo participante:

Diante de tudo que foi conversado na entrevista, conte como você percebe a autonomia do paciente

diante da família/doença/tratamentos/vida; e, acredita que as decisões dele sejam respeitadas?

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APÊNDICE C – Roteiro da Entrevista com o Profissional

Permissão para gravar a entrevista: ( ) sim ( ) não

Termo de consentimento livre e esclarecido assinado: ( ) sim.

1. Dados sobre o PROFISSIONAL

1.2 - Dados demográficos:

Nome/sexo:

Idade:

Escolaridade:

Profissão:

Religião:

Tempo e Tipo de assistência prestada ao paciente:

2 - Situação de dependência/independência e autonomia:

Questão norteadora: Como o idoso se comporta em relação ao autocuidado aqui no hospital ?

Conteúdo a ser observado:

* Atividades diárias (autonomia para alimentação, tarefas domésticas, higiene);

* Atividades laborais;

* Atividades físicas;

* Socialização (igreja, clube, visitas familiares, deslocamento e mobilidade);

* Finanças (aposentado, manutenção da conta bancária e pagamento de contas, outras fontes

de renda);

* Afetividade/sexualidade;

* Atividades que não mais consegue executar;

3 - Concepções sobre a Velhice

Questão norteadora: Conte o que é uma pessoa Idosa ou velha na sua concepção

Conteúdo a ser observado:

* Terminologia usada (Idoso, velho, terceira idade, quarta idade, melhor idade, outro);

* Características que definem uma pessoa Idosa ou velha (se existem diferenças entre ser

Idoso ou velho, perdas do envelhecimento, autonomia na velhice);

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4 - Autonomia frente a doença e tratamentos

Questões norteadoras:

- Quem toma as decisões acerca da doença/tratamento? Conte como funciona:

- Conte como você percebe a autonomia decisória do paciente em relação ao processo de

tomada de decisões sobre a doença/o tratamento/ procedimentos:

- Quem está melhor preparado para decidir o que é melhor para o paciente? A decisão é

tomada com base em quais parâmetros?

- Os idosos, em geral, são autorizados pela equipe, familiares e por eles mesmos a tomarem

decisões importantes sobre seus tratamentos?

- Você conversa com os familiares alguns assuntos quando o paciente não está presente?

Como funciona?

- A família admite que o idoso participe de todas as decisões sobre o tratamento? Conte como

funciona:

- A idade do paciente interfere ou tem algum peso na tomada de decisão? Existem critérios?

Quais? Explique:

5 - Concepções acerca da morte:

Questão norteadora 1: Percebe se o paciente manifesta a necessidade de tomar algumas

medidas ou decisões/ ou algum pensamento sobre a questão da morte (incluindo testamento,

conversa com familiares, ajustes, preparo espiritual, emocional, outros)? Ele falou sobre isso

com você?

6 – Aspecto a ser investigado caso não seja abordado ao longo da entrevista pelo

participante: Diante de tudo que foi conversado na entrevista, conte como você percebe a

autonomia do paciente diante da família/doença/tratamentos/vida; e, acredita que as decisões

dele sejam de fato respeitadas?

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APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (participante: paciente idoso)

Eu, Giovana Kreuz, aluna do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), venho convidá-lo (a) a participar da minha pesquisa de Doutorado em Psicologia Clínica, orientada pela Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, intitulada “Autonomia decisória do idoso com câncer – percepções do idoso, família e equipe de saúde”. A pesquisa de campo qualitativa delineada como estudo de casos múltiplos, realizará a coleta de informações por meio da aplicação de entrevistas individuais do tipo semiestruturada aos participantes (paciente idoso com câncer; familiar, equipe que o assiste) e consulta aos prontuários médicos para informações sobre o diagnóstico e o tratamento. A pesquisa tem por Objetivo Geral - Analisar a percepção da participação de pacientes idosos com câncer nas decisões sobre seus tratamentos, sob a ótica dos pacientes, seus familiares e equipe de saúde que os assiste; e por Objetivo Específico - Analisar os aspectos intervenientes na participação do idoso com câncer na decisão de seus tratamentos. Desta maneira, a percepção desta unidade de análise poderá permitir a compreensão do processo de tomada de decisão e autonomia decisória de pessoas idosas com câncer, permitindo a ampliação de estudos e intervenções futuras no campo do envelhecimento, oncologia, psicologia e humanização. * Fui informado que a pesquisa tem o intuito de fornecer dados para a elaboração da tese de doutorado e visa construir fundamentos teóricos para o melhor manejo de situações relacionadas ao Idoso e suas concepções diante do envelhecimento, autonomia, doença e finitude. * Aceito participar por vontade própria, sem receber qualquer incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. * Fui esclarecido de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, e dado o caráter privado e possivelmente íntimo dessas informações, este termo assegura o sigilo quanto à minha identidade. * Estou ciente de que todo procedimento de pesquisa oferece baixo risco, mas no caso de apresentar qualquer tipo de desconforto de ordem emocional e/ou física, serei encaminhado para atendimento psicológico ou avaliação médica ambulatorial, através de contato já firmado entre pesquisadora e hospital. * Fui informado que as entrevistas serão sigilosas preservando minha identidade, assim como, de meus familiares, caso sejam solicitados. * Estou ciente de que as entrevistas somente serão gravadas com o meu consentimento; e que serão reveladas, divulgadas ou publicadas quanto ao conteúdo pertinente à pesquisa, sendo mantida sob sigilo a fonte. O conteúdo será transcrito a fim de possibilitar a apreciação fiel do material, mas as gravações serão inutilizadas após a transcrição. * Estou ciente de que tenho a garantia de esclarecimentos, antes e durante o desenvolvimento da pesquisa e possuo a liberdade de recusar-me a participar ou retirar meu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem sofrer penalização ou prejuízo algum. * Estou ciente que a minha recusa ou eventual desistência não interferirá em nenhum dos tratamentos que estou realizando; estando assegurada a continuidade dos mesmos no hospital. * Afirmo estar informado de que não assumo despesas ou ônus ao participar da pesquisa, e as despesas com coleta e dados e afins serão custeados pela pesquisadora. * A pesquisadora estará a disposição para quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa, comprometendo-se a informar seus resultados após a publicação do trabalho. O relatório da pesquisa ficará disponível, após a defesa pública, na Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri, PUC-

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SP, Campus Monte Alegre. Os resultados do estudo poderão ser divulgados para fins científicos ou acadêmicos. * Dúvidas e denúncias relativas às questões éticas desta pesquisa poderão ser esclarecidas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) por meio dos seguintes contatos: CEP – Sede Campus Monte Alegre. Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – SP. 05015-001. Edifício Reitor Bandeira de Mello - sala 63C – térreo. Tel./FAX (11)3670-8466. e-mail: [email protected] * Afirmo estar ciente de que em caso de dúvidas ou necessidade de contato com o entrevistador/pesquisador responsável: Psicóloga Giovana Kreuz (CRP 08/07196-1, (45)99495499, Email: [email protected] ), poderei entrar em contato a qualquer tempo, assim como com sua Orientadora: Dra. Maria Helena Pereira Franco (Docente PUC-SP, Email: [email protected]). Eu, _______________________________________, portador(a) do RG ____________-___, declaro: - Haver compreendido o objetivo da pesquisa; - Haver compreendido as informações acerca de riscos e eventual necessidade de intervenção; - Concordar com a gravação em áudio dos procedimentos de pesquisa, assegurado o compromisso do pesquisador em inutilizar as gravações após concluído o trabalho; - Autorizar a publicação do conteúdo do trabalho para fins de ensino e pesquisa, garantido o sigilo da minha identidade; - Que o presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi a mim apresentado em 2 (duas) vias, uma delas permanecendo em meu poder. ______________________________ ______________________________ Nome do(a) participante Assinatura do(a) participante RG: ______________________ Endereço: ________________________________________ _____________________________ ___________________________ Giovana Kreuz Assinatura da pesquisadora RG: 65618176 Tel: (045) 91369538 _________________________________ ______________________________ Testemunha Testemunha Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco ____________________________________________ Assinatura da Pesquisadora

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APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (participante: familiar/cuidador) Eu, Giovana Kreuz, aluna do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), venho convidá-lo (a) a participar da minha pesquisa de Doutorado em Psicologia Clínica, orientada pela Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, intitulada “Autonomia decisória do idoso com câncer – percepções do idoso, família e equipe de saúde”. A pesquisa de campo qualitativa delineada como estudo de casos múltiplos, realizará a coleta de informações por meio da aplicação de entrevistas individuais do tipo semiestruturada aos participantes (paciente idoso com câncer; familiar, equipe que o assiste) e consulta aos prontuários médicos para informações sobre o diagnóstico e o tratamento. A pesquisa tem por Objetivo Geral - Analisar a percepção da participação de pacientes idosos com câncer nas decisões sobre seus tratamentos, sob a ótica dos pacientes, seus familiares e equipe de saúde que os assiste; e por Objetivo Específico - Analisar os aspectos intervenientes na participação do idoso com câncer na decisão de seus tratamentos. Desta maneira, a percepção desta unidade de análise poderá permitir a compreensão do processo de tomada de decisão e autonomia decisória de pessoas idosas com câncer, permitindo a ampliação de estudos e intervenções futuras no campo do envelhecimento, oncologia, psicologia e humanização. * Fui informado que a pesquisa tem o intuito de fornecer dados para a elaboração da tese de doutorado e visa construir fundamentos teóricos para o melhor manejo de situações relacionadas ao Idoso e suas concepções diante do envelhecimento, autonomia, doença e finitude. * Aceito participar por vontade própria, sem receber qualquer incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. * Fui esclarecido de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, e dado o caráter privado e possivelmente íntimo dessas informações, este termo assegura o sigilo quanto à minha identidade. * Estou ciente de que todo procedimento de pesquisa oferece baixo risco, mas no caso de apresentar qualquer tipo de desconforto de ordem emocional e/ou física, serei encaminhado para atendimento psicológico ou avaliação médica ambulatorial, através de contato já firmado entre pesquisadora e hospital. * Fui informado que as entrevistas serão sigilosas preservando minha identidade. * Estou ciente de que as entrevistas somente serão gravadas com o meu consentimento; e que serão reveladas, divulgadas ou publicadas quanto ao conteúdo pertinente à pesquisa, sendo mantida sob sigilo a fonte. O conteúdo será transcrito a fim de possibilitar a apreciação fiel do material, mas as gravações serão inutilizadas após a transcrição. * Afirmo estar informado de que não assumo despesas ou ônus ao participar da pesquisa, e as despesas com coleta e dados e afins serão custeados pela pesquisadora. * Estou ciente de que tenho a garantia de esclarecimentos, antes e durante o desenvolvimento da pesquisa e possuo a liberdade de recusar-me a participar ou retirar meu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem sofrer penalização ou prejuízo algum. * Estou ciente que a minha recusa ou eventual desistência não interferirá em nenhum dos tratamentos referentes ao paciente; estando assegurada a continuidade dos mesmos no hospital. * A pesquisadora estará a disposição para quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa, comprometendo-se a informar seus resultados após a publicação do trabalho. O relatório da pesquisa ficará disponível, após a defesa pública, na Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri, PUC-SP, Campus Monte Alegre. Os resultados do estudo poderão ser divulgados para fins científicos ou acadêmicos.

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* Dúvidas e denúncias relativas às questões éticas desta pesquisa poderão ser esclarecidaspelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) por meio dos seguintes contatos: CEP – Sede Campus Monte Alegre. Rua Ministro Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – SP. 05015-001. Edifício Reitor Bandeira de Mello - sala 63C – térreo. Tel./FAX (11)3670-8466. e-mail: [email protected] * Afirmo estar ciente de que em caso de dúvidas ou necessidade de contato com oentrevistador/pesquisador responsável: Psicóloga Giovana Kreuz (CRP 08/07196-1, (45)99495499, Email: [email protected] ), poderei entrar em contato a qualquer tempo, assim como com sua Orientadora: Dra. Maria Helena Pereira Franco (Docente PUC-SP, Email: [email protected]).

Eu, _______________________________________, portador(a) do RG ____________-___, declaro: - Haver compreendido o objetivo da pesquisa; - Haver compreendido as informações acerca de riscos e eventual necessidade de intervenção; - Concordar com a gravação em áudio dos procedimentos de pesquisa, assegurado o compromisso do pesquisador em inutilizar as gravações após concluído o trabalho; - Autorizar a publicação do conteúdo do trabalho para fins de ensino e pesquisa, garantido o sigilo da minha identidade; - Que o presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi a mim apresentado em 2 (duas) vias, uma delas permanecendo em meu poder.

______________________________ ______________________________ Nome do(a) participante Assinatura do(a) participante

RG:______________________ Endereço: _________________________________________

_____________________________ ___________________________ Giovana Kreuz Assinatura da pesquisadora RG: 65618176 Tel: (045) 91369538

_________________________________ ______________________________ Testemunha Testemunha

Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco

____________________________________________ Assinatura da Pesquisadora

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APÊNDICE F – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (participante: profissional) Eu, Giovana Kreuz, aluna do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), venho convidá-lo (a) a participar da minha pesquisa de Doutorado em Psicologia Clínica, orientada pela Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, intitulada “Autonomia decisória do idoso com câncer – percepções do idoso, família e equipe de saúde”. A pesquisa de campo qualitativa delineada como estudo de casos múltiplos, realizará a coleta de informações por meio da aplicação de entrevistas individuais do tipo semiestruturada aos participantes (paciente idoso com câncer; familiar, equipe que o assiste) e consulta aos prontuários médicos para informações sobre o diagnóstico e o tratamento. A pesquisa tem por Objetivo Geral - Analisar a percepção da participação de pacientes idosos com câncer nas decisões sobre seus tratamentos, sob a ótica dos pacientes, seus familiares e equipe de saúde que os assiste; e por Objetivo Específico - Analisar os aspectos intervenientes na participação do idoso com câncer na decisão de seus tratamentos. Desta maneira, a percepção desta unidade de análise poderá permitir a compreensão do processo de tomada de decisão e autonomia decisória de pessoas idosas com câncer, permitindo a ampliação de estudos e intervenções futuras no campo do envelhecimento, oncologia, psicologia e humanização. * Fui informado que a pesquisa tem o intuito de fornecer dados para a elaboração da tese de doutorado e visa construir fundamentos teóricos para o melhor manejo de situações relacionadas ao Idoso e suas concepções diante do envelhecimento, autonomia, doença e finitude. * Aceito participar por vontade própria, sem receber qualquer incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. * Fui esclarecido de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, e dado o caráter privado e possivelmente íntimo dessas informações, este termo assegura o sigilo quanto à minha identidade. * Fui informado que as entrevistas serão sigilosas preservando minha identidade. * O procedimento de pesquisa oferece baixo risco, mas em caso de desconforto emocional ou físico serei avaliado no ambulatório do hospital, conforme contato já formado entre instituição e pesquisadora. * Estou ciente de que as entrevistas somente serão gravadas com o meu consentimento; e que serão reveladas, divulgadas ou publicadas quanto ao conteúdo pertinente à pesquisa, sendo mantida sob sigilo a fonte. O conteúdo será transcrito a fim de possibilitar a apreciação fiel do material, mas as gravações serão inutilizadas após a transcrição. * Estou ciente de que tenho a garantia de esclarecimentos, antes e durante o desenvolvimento da pesquisa e possuo a liberdade de recusar-me a participar ou retirar meu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem sofrer penalização ou prejuízo algum. * Afirmo estar informado de que não assumo despesas ou ônus ao participar da pesquisa, e as despesas com coleta e dados e afins serão custeados pela pesquisadora. * A pesquisadora estará a disposição para quaisquer esclarecimentos acerca da pesquisa, comprometendo-se a informar seus resultados após a publicação do trabalho. O relatório da pesquisa ficará disponível, após a defesa pública, na Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri, PUC-SP, Campus Monte Alegre. Os resultados do estudo poderão ser divulgados para fins científicos ou acadêmicos. * Dúvidas e denúncias relativas às questões éticas desta pesquisa poderão ser esclarecidas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) por meio dos seguintes contatos: CEP – Sede Campus Monte Alegre. Rua Ministro

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Godói, 969 – Perdizes – São Paulo – SP. 05015-001. Edifício Reitor Bandeira de Mello - sala 63C – térreo. Tel./FAX (11)3670-8466. e-mail: [email protected] * Afirmo estar ciente de que em caso de dúvidas ou necessidade de contato com oentrevistador/pesquisador responsável: Psicóloga Giovana Kreuz (CRP 08/07196-1, (45)99495499, Email: [email protected] ), poderei entrar em contato a qualquer tempo, assim como com sua Orientadora: Dra. Maria Helena Pereira Franco (Docente PUC-SP, Email: [email protected]).

Eu, _______________________________________, portador(a) do RG ____________-___, declaro: - Haver compreendido o objetivo da pesquisa; - Haver compreendido as informações acerca de riscos e eventual necessidade de intervenção; - Concordar com a gravação em áudio dos procedimentos de pesquisa, assegurado o compromisso do pesquisador em inutilizar as gravações após concluído o trabalho; - Autorizar a publicação do conteúdo do trabalho para fins de ensino e pesquisa, garantido o sigilo da minha identidade; - Que o presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi a mim apresentado em 2 (duas) vias, uma delas permanecendo em meu poder.

______________________________ ______________________________ Nome do(a) participante Assinatura do(a) participante

RG:______________________ Endereço: _________________________________________

_____________________________ ___________________________ Giovana Kreuz Assinatura da pesquisadora RG: 65618176 Tel: (045) 91369538

_________________________________ ______________________________ Testemunha Testemunha

Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco

____________________________________________ Assinatura da Pesquisadora