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0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA MARCO AURÉLIO FERREIRA COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS: UM ESTUDO SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA SÃO PAULO 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

MARCO AURÉLIO FERREIRA

COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS:

UM ESTUDO SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

MARCO AURÉLIO FERREIRA

COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS:

UM ESTUDO SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora, em atendimento à exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP), sob orientação do Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho. Área de Concentração do Programa: Signo e significação nos processos comunicacionais. Linha de Pesquisa: Dimensões políticas na comunicação.

SÃO PAULO

2018

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Tese de Doutorado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. Assinatura_______________________________ Data____________________________________ e-mail ___________________________________

383

Ferreira, Marco Aurélio. Comunicação em rede e alternativas

democráticas: um estudo sobre junho de 2013 e novas formas de atuação política / Marco Aurélio Ferreira. – São Paulo, 2018.

105f.; 30cm.

Orientador: Prof. Dr. Eugênio RondiniTrivinho.

Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) -- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, jun 2018.

Área de concentração: Dimensões Políticas na Comunicação.

1. Comunicação. 2. Redes. 3. Junho de 2013. I. Trivinho, Eugênio Rondini. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. III. Comunicação em rede e alternativas democráticas.

CDD ......

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MARCO AURÉLIO FERREIRA

COMUNICAÇÃO EM REDE E ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS: UM ESTUDO

SOBRE JUNHO DE 2013 E NOVAS FORMAS DE ATUAÇÃO POLÍTICA.

Tese apresentada à Banca Examinadora, em atendimento à exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS/PUC-SP).

Aprovado em: ___ /___ /___

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Presidente da Banca - Profº Drº Eugênio Rondini Trivinho

_________________________________________________

Membro Interno - Profª Drª Christine Pires Nelson de Mello

__________________________________________________

Membro Interno – Profª Drª Helena Tania Katz

__________________________________________________

Membro Externo - Profª Drª Ângela Pintor dos Reis

__________________________________________________

Membro Externo- Profº Drº Luciel Henrique de Oliveira

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DEDICATÓRIA

À minha esposa Rebeca.

Às minhas filhas Camila,

Lívia e Laura.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que me concedeu o dom da Vida e me proporcionou

capacidade física e mental de chegar até este momento, com saúde, lucidez e muita

perseverança para vencer todos os obstáculos.

À minha família, especialmente à minha amada esposa Rebeca, que esteve

ao meu lado cada segundo dessa caminhada, dando-me força e coragem, me

proporcionando esperança de vitória e que tudo daria certo. E às minhas filhas

Camila, Lívia e Laura que, com seus olhares e carinhos, me fortaleceram na jornada

do estudo, leitura e escrita da Tese.

À minha mãe Irene, guerreira e vencedora, que lutou muito para nossa

formação; que abriu mão de sua própria vida em prol dos filhos. A meu pai Júlio que,

mesmo ausente do plano material, tenho a certeza de que está a meu lado em todos

os momentos. Aos meus queridos irmãos Júlio, Carlos Henrique e Sérgio Eduardo,

que sempre torceram por mim. Pelas minhas cunhadas, sobrinhos e sobrinhas. À

minha sogra Vera Lúcia, que sempre esteve presente nos momentos necessários de

ajuda.

Ao Instituto de Pesquisas Econômicas - IPEFAE, que me auxiliou no decorrer

desse caminho. Em especial aos diretores: professores Luís Evaristo e José

Antônio, que Deus levou antes de eu terminar meus estudos. Aos amigos de

trabalho Bruna Stremel, Maríucia Franco e Raul Valim, serei eternamente grato por

estarem ao meu lado nos momentos em que necessitei.

Ao Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino - FAE, a todos

os colaboradores, professores e à Reitoria, em especial ao nosso Reitor Prof. Dr.

Francisco Arten, a quem devo meu total respeito e agradecimento.

A meu orientador, Professor Eugênio Trivinho, um ser humano ímpar, de uma

capacidade e sabedoria inigualável, dando subsídios e orientações no decorrer de

toda a construção desta Tese. Você foi e sempre será um verdadeiro mestre, que

consegue aglutinar conhecimentos e transmitir aos seus alunos e orientandos.

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A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e

Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial aos que

participaram deste projeto de aprendizado e na construção deste trabalho, o próprio

professor Eugênio Trivinho e Oscar Cesarotto e Lucrécia Ferrara.

À minha querida Cida Bueno, uma pessoa que sempre me acolheu com muito

carinho e zelo; sempre com as mãos estendidas para auxiliar no que fosse preciso.

Meu caminho ficou muito mais tranquilo com a sua presença. Você sempre será

especial.

A todos os colaboradores da PUC/SP que, direta ou indiretamente, me

proporcionaram momentos de aprendizado nessa casa.

Às professoras Ângela Pintor e Christine Mello, que participaram da minha

qualificação, sendo de fundamental importância para o meu crescimento e o

aprofundamento e fechamento deste trabalho.

Aos meus amigos Leandro, Marcelo, Rafael, Hugo, Maria Isabel e Júlio Valim,

que por diversas vezes fizeram parte dessa caminhada, sempre a meu lado nas

viagens intermináveis, congressos e eventos. Ao prof. Camilo, pela presteza na

correção gramatical.

Aos meus colegas da ABCiber - Associação Brasileira de Pesquisadores em

Cibercultura: Claúdio, Deusinrey, Érico, Janaína, Letícia, Marcos e à professora

Claudia.

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RESUMO

As ideias geradas em qualquer localidade logo acedem ao espaço virtual.

Disseminam-se e se concretizam em diferentes lugares, seja uma sala de empresa,

um chão de fábrica, um pátio de escola, um cômodo da casa ou, ainda, as ruas e

espaços públicos das cidades. Na virada do século, diversas manifestações

reivindicatórias de grandes proporções tomaram as ruas de centros urbanos em todo

o mundo e um elemento inédito pode ser percebido entre seus agentes: a

associação intensiva das redes de comunicação, cuja marca característica versa

sobre a abundância e aceleração da circulação de informações. Em meio a tantas

transformações e novidades, entretanto, as tecnologias de informação e

comunicação digitais permanecem, em certa medida, cercadas por incógnitas a

respeito de suas potencialidades, propriedades e funções no contexto da

democracia contemporânea; além das consequências culturais de sua aplicação,

motivo pelo qual se expressa a urgência da necessidade de refletir sobre sua

natureza e forma de participação nas dinâmicas coletivas, mobilizações políticas e

movimentos sociais. Esta pesquisa analisa o papel desempenhado pelas redes de

comunicação digitais nas manifestações ocorridas na cidade de São Paulo, em

junho de 2013, a fim de delinear, analisar e compreender algumas das

características desse modelo exitoso na difusão de informações, convencimento e

engajamento de manifestantes não vinculados diretamente a coletivos político-

culturais ou membros dos movimentos sociais. Em suma, propõe-se investigar como

e porque as TICs utilizadas em redes digitais de comunicação assumiram papel

preponderante nas disputas de junho e levantar interpretações acerca de sua

natureza e de questões comunicacionais da sociedade contemporânea. A

metodologia do trabalho assume formulação híbrida entre pesquisa bibliográfica,

análise documental e, consequentemente, articulação conceitual, a partir das quais

foram realizadas as análises.

Palavras-chave: ação comunicativa; TICs; dromocracia cibercultural; junho de 2013.

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ABSTRACT

The ideas generated in any locality soon accede the virtual space. They

spread and are concretized in different places, be it a business room, a factory floor,

a schoolyard, a family house or even in streets and public spaces. At the turn of the

century, several large-scale protest demonstrations took the streets of urban centers

around the world and an unprecedented element could be perceived among its

agents: the intensive association of protesters with communication networks, which

have as main characteristic the abundance and high-speed circulation of information.

However,in the midst of so many transformations and novelties, digital information

and communication technologies remain, to some extent, surrounded by unknowns

about their potentialities, properties and functions in the context of contemporary

democracy, as well as the cultural consequences of their application, reason which

expresses the urgency to reflect on its nature and form of participation in collective

dynamics, political mobilizations and social movements. This research analyzes the

role played by digital communication networks in protests occurred in the city of São

Paulo in June 2013, in order to delineate, analyze and understand some of the

characteristics of its successful way to disseminate information and its power to

persuade and engage citizens that were not previously linked to cultural-political

groups or social movements. In sum, it is proposed to investigate how and why the

ICTs used in digital communication networks have assumed a preponderant role in

June’s disputes and to raise interpretations about their nature and the issues

ofcommunicationin contemporary society. The methodology of the work assumes

hybrid formulation between bibliographic research, documentary analysis and,

consequently, conceptual articulation, from which the analyzes were carried out.

Key-words: communicative action; ICTs; cyberculturaldromocracy; June 2013.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Datena surpreendido na 1ª enquete ........................................................ 74

Figura 2 – Datena novamente surpreendido na 2ª enquete ..................................... 74

Figura 3 - PM quebra vidro da própria viatura .......................................................... 75

Figura 4 – Tag #MOBAjuda ...................................................................................... 77

Figura 5 – Capa da Folha do dia 14 ......................................................................... 78

Figura 6 – Destruição do totem promocional da Coca-Cola ..................................... 81

Figura 7 – Vídeo Anonymous Brasil – As cinco causas............................................ 83

Figura 8 – Entrevista de Bruno Teles à Mídia Ninja, exibida no Jornal Nacional ...... 85

Figura 9 – Matéria do The Guardian sobre a Mídia Ninja ......................................... 86

Figura 10 – Capa da Folha de São Paulo com fotografia da Mídia Ninja ................. 87

Figura 11 – Comparativo de engajamento Mídia Ninja X Mídias Tradicionais .......... 88

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Blog

Broadcast

Estadão

Folha

G1

GCM

Metrô

MP

MPL

PM

Post

SPTRANS

Streaming

TIC

TUMBLR

Twitcasting

Publicação eletrônica com características de diário

Método de envio simultâneo de mensagem a todos receptores

Jornal O Estado de São Paulo

Jornal Folha de São Paulo

Portal de notícias Globo

Guarda Civil Municipal

Companhia do Metropolitano de São Paulo

Ministério Público

Movimento Passe Livre

Polícia Militar do Estado de São Paulo

Publicação de texto e/ou imagem em website, blog e rede social

São Paulo Transporte S.A.

Transmissão contínua ou fluxo de mídia

Tecnologia da Informação e Comunicação

Plataforma de blogging

Transmissões de videostreaming ao vivo, por meio da rede social

Twitter ou plataforma semelhante

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 - A TECNOLOGIA DIGITAL COMO ARENA POLÍTICA ................... 18

1.1 Poder e ação digitalizados ..................................................................................... 20

1.2 A política das Tecnologias da Informação e Comunicação .............................. 23

1.3 A comunicação em rede na reconstrução da democracia ................................ 29

CAPÍTULO 2 - GLOCALIZAÇÃO E TRANSPOLÍTICA: DA UTOPIA À ATOPIA .... 33

2.1 Experiência glocal e bunkerização .......................................................................... 34

2.1.1O mal-estar além do desprazer ......................................................................... 37

2.2 Realidades forjadas: individualização e existência além do espaço ................. 42

2.3 Sujeitos glocais, democracias em dispersão ......................................................... 44

CAPÍTULO 3 - DEMOCRACIA, AÇÃO COMUNICATIVA E CIBERCULTURA ....... 51

3.1 Transformação da sociedade burguesa e inflexão da modernidade .............. 52

3.2 Verdade, consenso e ação .................................................................................... 54

3.3 Da ação comunicativa às redes de comum ação ............................................... 57

3.3.1 Movimento Passe Livre ...................................................................................... 58

3.3.2 Mídia N.I.N.J.A. ................................................................................................... 62

CAPÍTULO 4 - ATOS E VERSÕES: ANÁLISE DE UMA DISPUTA NARRATIVA .. 66

4.1 Narrativas de junho: confronto entre versões dos fatos....................................... 66

4.2 Faces da internet: mapeamento de público e características de utilização ..... 89

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 95

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INTRODUÇÃO

Entre 2009 e 2011, Tunísia, Egito, Líbia, Síria e Islândia foram palco de

insurgências políticas que surpreenderam o mundo. As manifestações de

semelhante natureza, desde então, proliferam-se, sendo registradas em várias

partes do planeta – não obstante as insurgências apresentassem diversos motivos,

diferentes graus de violência, inúmeras e confusas reivindicações. No entanto, pode-

se dizer que havia características comuns a todas elas? A começar pela formada

organização e velocidade no levante destes eventos, haveria fundamentadas

suspeitas de que a comunicação em rede, estabelecida em espaços virtuais, fora

elemento determinante para o sucesso das mobilizações, ao lado de tantos outros

fatos borbulhantes nos acontecimentos históricos.

Os precursores desses movimentos sociais mobilizados e difundidos em

redes de comunicação, a despeito de seus contextos culturais e institucionais

profundamente contrastantes, e ainda que sem a complexa dimensão obnubilada

pelo frescor das ações, talvez tenham esboçado nova configuração de atuação ao

transporem o debate organizado no ciberespaço para o espaço urbano, isto é, ao

conduzirem o assunto político à realização, com a ocupação de praças públicas

simbólicas como materialização tanto de debates quanto de protestos, da entoação

de slogans em Túnis à utilização de panelas e frigideiras ou tambores em Reykjavik.

A radicalidade desse deslocamento, contudo, talvez porte, para além do vislumbre

da novidade pontual de uma pequena revolução, a presença disseminada ou

generalizada de outra matriz de reflexão cuja formulação não dicotômica propõe o

desafio de lidar com o vivido, porém, inominável, enquanto fato histórico ainda em

curso e, por isso, pouco compreendido. Aprimorando o interesse investigativo

desenvolvido no decorrer da pesquisa, dessa forma, esquadrinha-se a seguinte

suposição: as metamorfoses dos comportamentos humanos no novo século

inspiram a tatear quais seriam as formas assumidas por uma comunicação não

fundamentada numa estrutura dual, de composição polarizada entre emissores e

receptores de informação, mas operada primordialmente na base de atuação

híbrida. Em outras palavras, se a dicotomia entre realidade e virtualidade pode saltar

à vista como elemento de destaque. No primeiro contato, todavia, trata-se aqui de

tema complementar à comunicação que se materializa em redes descentralizadas.

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Reconfigurando o espaço de atuação democrática, portanto, os atuais

agentes possivelmente tenham se orientado rumo a uma inédita maneira de pensar

as sociedades contemporâneas, cuja matriz dispensava as previstas estruturas

unilaterais de ação. Na passagem da esfera social uniforme para a pluralidade,

Um espaço público híbrido, constituído por redes sociais digitais e

por uma recém-criada comunidade urbana, estava no cerne do

movimento, tanto como ferramenta de autorreflexão quanto como

afirmação do poder do povo. A falta de poder transformou-se em

empoderamento. (CASTELLS, 2013, p. 44).

Dessa forma, supõe-se que ao movimento das transformações

comunicacionais experienciadas pela sociedade, em virtude da evolução

tecnológica, pertenciam igualmente uma disposição para renovados modos de

conexão, na medida em que comunidades virtuais interconectadas possibilitaram a

diferentes grupos e indivíduos associarem-se em fluídas matrizes de resistência,

ampliando vozes, discursos, reivindicações, palavras de ordem, deixando de

constituir massas silenciosas e oprimidas.

Para Hard e Negri (2005), esses acontecimentos evidenciariam o nascimento

de um novo proletariado, cuja crescente mobilidade o tornaria cada vez mais

globalizado, tal como o capital. Estes autores apontam a multidão como o novo

agente político que surge dentro do sistema globalizado e que seria o responsável

por uma revolução em curso. Nesse contexto, se a multidão seria a síntese da

potência criativa do indivíduo e o poder das massas desejantes, numa inédita forma

de oposição ao sistema capitalista vigente, estaria ela avançando em seu

desenvolvimento e se tornando poderosa à medida que munida de ferramentas

tecnológicas de informação e comunicação? Seria possível cogitar, a partir desse

empoderamento, a constituição de uma sociedade civil sem fronteiras, ou essa

compreensão, ao avançar pelo tempo, resultaria apenas em projeções ou previsões

precipitadas? E como ela se organizaria, isto é, quais seriam suas formas de

atuação?

Muito se especula sobre o tema e, embora seja ele foco de variados olhares e

reflexões, é ao mesmo tempo cenário que se modifica constantemente, mediante

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incontáveis novos eventos que ocorrem dia após dia, sobretudo, em grandes centros

urbanos. Contudo, se a investida sobre o acontecimento vivo e fugaz é prenhe de

incertezas, porta também a rara oportunidade da revelação ou descoberta, ainda

que igualmente provisória. Dessa forma, inserida na fluidez dos acontecimentos,

esta pesquisa se propõe justamente a percorrer as transformações comunicativas

instauradas pela revolução digital nas democracias contemporâneas, tendo como

objeto-alvo os levantes de junho de 2013, uma vez que, a exemplo do que ocorreu

em mais de 90 países, o Brasil também foi surpreendido com as multidões nas ruas,

bradando frases de ordem e gritos de indignação.

Em junho daquele ano, a partir da reivindicação do passe livre, iniciada na

cidade de São Paulo, milhões de brasileiros foram às ruas em mais de 350 cidades

do país, pleiteando o respeito à sua cidadania, uma vez que em seus protestos

deixavam claro que direitos valem muito mais que alguns centavos, em frases de

ordem como: “não é só pelos 20 centavos”. Assim, as reivindicações se estenderam

além da questão do transporte público: a ocasião trouxe à tona cobranças pela

qualidade dos serviços de educação, saúde, segurança, direitos humanos e, mesmo

na mobilização contra a realização da Copa do Mundo no país, para que os gastos

públicos fossem justos e transparentes. Entretanto, essas manifestações não eram

lideradas por grupos ou partidos políticos, embora estes compusessem parte dos

movimentos, e ainda assim preservavam alguma coerência de reivindicação e, o

mais curioso, uma organicidade. O primeiro questionamento que se apresenta versa

genericamente sobre como acontecimentos de tal natureza podem ocorrer, ou seja,

quais suas formas de articulação e processualidade. Um passo adiante nesse

interesse de investigação e chega-se, portanto, à proposta de engajamento à

orientação reflexiva sobre o junho de 2013 para suas dimensões comunicacionais,

ou os aspectos comunicativos das ações reivindicatórias do período, isto é, para a

força de atuação emergida da transformação contemporânea nas formas de se

comunicar. Nesse contexto, o desenvolvimento tecnológico alcançou importância

decisiva em relação aos desdobramentos dos lances jogados na sociedade em

processo de digitalização.

As tecnologias capazes de realizar interconexão global de pessoas,

instituições e nações possivelmente foram desenvolvidas, em larga medida, para

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atender interesses mercadológicos e necessidades burocrático-administrativas. No

entanto, outra face, não planejada, das transformações empreendidas nesse projeto

foi a diminuição das barreiras comunicativas – geográficas, econômicas e sociais –

que dificultavam a organização política livre de mediações, com seu consequente

desdobramento em ações concretas. As transformações observadas no jogo político

estabelecido pelo Estado de direito democrático e social, desencadeadas pela

revolução digital na comunicação e, dessa maneira, o contexto em relação ao qual

se articula uma emergente reflexão acerca do fenômeno recente dos levantes

sociais, tão significativos quanto instantâneos, protagonizados por indivíduos

comuns, munidos de telas, câmeras e uma rede de conexões. Entretanto, se um

componente das modificações resultadas do avanço da capacidade de traduzir o

mundo em bits foi a democracia reconfigurada, especula-se - não sem razão - que

esse cenário transformado procurava um agente páreo a suas incitações.

Parte da novidade que envolveu as grandiosas mobilizações sociais, portanto,

revelou-se na presença de um agente intimamente conectado às redes digitais de

comunicação. Nesse contexto, o caráter contestador e também reivindicatório dos

protestos, em relação a determinados modi operandi sistêmicos, revelou de maneira

ampliada o desejo de participação na vida pública, traduzido pelo fenômeno do uso

politizado das mídias interconectadas em redes, isto é, a apropriação das mídias

digitais para finalidades comunicativas, acessadas pela internet como meio de

organização e ação políticas praticadas democraticamente sem intermediação

institucional. Dessa forma, as redes digitais possivelmente assumiram enorme

potencial transformador em relação à vida pública, operando como catalizadoras da

organização e manifestação das demandas políticas encontradas nas sociedades

abafadas pela dominação do discurso burocrático e dos interesses mercadológicos.

Em contraposição à aparência de normalidade harmônica oficialmente

propagada, pode-se, dessa maneira, supor que a comunicação imediata entre

cidadãos catalisou o poder de estimular o caráter dinâmico e divergente da

convivência humana, contestando a hegemonia coercitiva das esferas estatal e

econômica exercida sobre as relações sociais, cuja colonização pretendia manter o

mundo da vida sob controle, em todas as dimensões – das relações domésticas às

comunitárias. Mas, se o cenário dessas reivindicações, que denotam profundas

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transformações nos parâmetros análise da sociedade contemporânea, por vezes

emerge como promessa de libertação ou ruptura com a opressão estatal, ao mesmo

tempo traz consigo a incerteza de que a comunicação digitalizada em redes de

contatos será suficiente para promover a liberdade necessária à manutenção da

convivência participativa, haja visto sua origem no seio do capitalismo avançado e

sua eficácia e controle.

Em relação ao tema, alguns conceitos centrais do pensamento de Jürgen

Habermas talvez ainda possam auxiliar na elaboração de uma perspectiva de

interpretação dos recentes acontecimentos: as reflexões habermasianas acerca da

mudança estrutural da esfera pública, acompanhada da expansão da racionalidade

técnica e da sua colonização do mundo da vida, na medida em que apresentam um

roteiro crítico da história de formação da esfera pública de produção e circulação de

ideias, em um momento antecedente à revolução digital, operavam como referencial

de norteamento das transformações conjunturais modernas, estabelecedoras de

outra forma de relação com o bem público, isto é, uma vivência política moderna.

Entretanto, seriam essas reflexões ainda integralmente válidas como parâmetro para

análise atual e proposição normativa para a sociedade digitalizada do século XXI?

As transformações atuais acontecem em grande velocidade e permitem que,

no mesmo passo, fenômenos significativos cresçam em curto espaço de tempo.

Assim, a despeito da rapidez com que vê despontar outros comportamentos, formas

de interagir, signos, simbologias e narrativas, a sociedade absorve as modificações

derivadas dessas transformações e exibe para olhos curiosos e cuidadosos novas

incógnitas sobre sua composição. Diversificadas abordagens intentam abarcar nas

novas atitudes proporcionadas pela comunicação digital os desdobramentos de

outro mundo a despontar junto ao milênio. Na esteira das tentativas de produzir

interpretações, significados e sentidos para a cultura, que a partir de fragmentos

analógicos tem tracejado sua composição digital, encontra-se esse trabalho de

percorrer diagnósticos, teorias e registros dos acontecimentos, a coletar pistas de

um quebra-cabeça e reordená-las na forma de uma interpretação para a sociedade

pautada na comunicação digital em rede, e uma perspectiva de compreensão para

os acontecimentos de junho de 2013.

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CAPÍTULO 1

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18

CAPÍTULO 1 - A TECNOLOGIA DIGITAL COMO ARENA POLÍTICA

A incidência cada vez mais pregnante das realidades

tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social,

e também os deslocamentos menos visíveis que ocorrem

na esfera intelectual obrigam-nos a reconhecer a técnica

como um dos mais importantes temas filosóficos e

políticos de nosso tempo. (LÉVY, 1993, p. 07).

O debate sobre o desenvolvimento das tecnologias no contexto das

sociedades humanas envolve ampla gama de temas, já que, quando se pensa nas

formas pelas quais as relações e comportamentos humanos têm se transformado ao

longo do tempo, as mais diversas elaborações técnicas sempre participaram e

contribuíram para a informação dos ambientes sociais entre multifacetados

panoramas históricos. Assim, ao introduzir o pensamento nesse debate, uma

pluralidade de formas da tecnologia como componentes sociais torna-se evidente,

desde aquelas que envolvem técnicas de manipulação material – que em sua

abstração última resultam nos conhecimentos da química, física, medicina, biologia,

entre outras – até aquelas que absorvem conhecimentos e estratagemas de

atividades humanas mais específicas, como a arte de comunicar. Neste trabalho, o

enfoque dado à tecnologia elege uma vertente específica da sua manifestação,

relacionada às tecnologias concernentes às atividades de comunicação e, entre

estas, as realizadas por meio de ferramentas digitais. Se, por um lado, portanto,

definem-se as tecnologias de comunicação digital como objeto de interesse desta

investigação, a perspectiva com que se realizará a aproximação ao objeto ainda

reserva múltiplas possibilidades de abordagem. Sobre tecnologias de comunicação

digital, pode-se avaliar, por exemplo, seu aspecto técnico, o impacto econômico, as

possibilidades educacionais, políticas públicas, big data, revolução comportamental

etc. Entretanto, ao se abordar as tecnologias da comunicação digitais, esta pesquisa

estabeleceu como horizonte de análise seu aspecto político.

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Definidos, desse modo, objeto e forma de abordagem, a questão inaugural

deste capítulo propõe investigação sobre o que vem a ser o aspecto político de uma

tecnologia, ou rigorosamente especificado, o aspecto político da tecnologia de

comunicação digital. As atividades desdobradas pretendem registrar e delinear uma

possível forma de observação dessas transformações das relações sociais que

configuram as democracias do período contemporâneo da história ocidental e

inauguram caminhos para outras formas de comunicação. Nesse contexto, portanto,

embora o pensamento grego ainda seja um marco de referência para os debates

sobre filosofia política, haja visto a densidade de suas reflexões e a contribuição que

ainda hoje oferecem à reflexão teórica, depois de séculos de desenvolvimento

técnico e do advento de tecnologias digitais, capazes de realizar atividades de

outrora com velocidade, precisão e eficiência jamais vistas, essas reflexões

demandam atualizações e reavaliações constantes, de modo que, em pleno século

XXI, o que seria isso que ainda se nomeia democracia? Como seria pensá-la nos

dias atuais de maneira pertinente e em relação à tradição do pensamento político

grego? É certo que quaisquer respostas a essas questões conduzem a inúmeras

outras indagações, tais como, em relação ao propósito aqui estabelecido: se as

tecnologias de comunicação digital inauguraram modos de atuação política

favoráveis à vida democrática, como o foram as manifestações de junho de 2013; e

se o ciberativismo pode ser interpretado como aperfeiçoamento, transição formal ou

algum outro movimento de atualização da democracia, como se observa nas ações

de coletivos jornalísticos e de cobertura dos eventos do período.

Os levantes recentemente ocorridos em todo território brasileiro inviabilizam,

em suma, a abordagem do conceito de democracia pura ou redutivamente, segundo

a matriz de sociedades cujas tecnologias se restringiam a técnicas analógicas e não

eletrônicas, uma vez que isso implicaria certo descarte de transformações sociais

consideráveis das quais as tecnologias são materialização. Se em seus aspectos

biológicos a evolução da espécie ocorre lentamente, por outro lado, o

comportamento e a convivência societal humanos se mostram bem mais suscetíveis

às transformações e interações que os artifícios tecnológicos promovem. Assim, a

proposta que se inaugura nesta etapa da argumentação da pesquisa é avaliar a

configuração dessa democracia, um formato de organização política em elaboração

desde a virada do século, num tempo em que o mundo só existe como uma grande

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metrópole, ou aldeia global, e a economia, a arte, o entretenimento etc, falam um

mesmo idioma graças às Tecnologias de Informação e Comunicação, TICs, à

aceleração dos processos sociais, à virtualização das relações humanas e a uma

improvável digitalização do pensamento.

1.1 Poder e ação digitalizados

Democracia, aristocracia, monarquia, plutocracia, tirania e tantas outras

formas de organização política têm em comum seu principal objeto de reflexão, o

poder. No entanto, embora seja ele uma rede de práticas e alianças inerentes a

qualquer governo, não se concretiza igualmente a todo momento: ao longo do tempo

histórico, pode-se notar suas transformações – no decorrer do século XX, com a

diluição de sua substancialidade hegemônica, o poder deixou de ser identificável,

localizável e conquistável, para se tornar “potencialidade, possibilidade que não

sabemos se vai realizar-se ou não” (RIBEIRO, 2001, p. 72). De alguma forma, nessa

transformação, o poder absorveu a fluidez dos novos tempos e se reconfigurou na

passagem de uma feição substantiva para uma dinâmica verbal, deixando, assim,

um pouco de lado sua significação política tradicional – deslocando-se do espectro

da forma política relacionada a grupos para a ação política individual. A

representação na política é um exemplo importante que revela essa transição da

compreensão de poder. Se na democracia antiga um cidadão iria à Ágora inúmeras

vezes ao ano e acumularia horas de participação nas deliberações da cidade, a

polis, o “dever cívico” do cidadão moderno resume-se a poucos cliques na urna

eletrônica, a cada quatro anos. Dessa maneira, o Estado de hoje, para os cidadãos

comuns, assemelha-se mais a um prestador de serviços, cuja moeda de pagamento,

os impostos, garantem direitos, ou apenas benefícios consumíveis, e a obediência

da lei reduz-se a requisito básico para a negociação. A relação com a coisa pública

reserva aos cidadãos atuais. Portanto, a participação social de um cliente e não

mais de agente, e “não acreditamos nem nas democracias, que o Estado somos

nós” (RIBEIRO, 2001, p. 14). Assim, já não se leva em consideração o poder de

determinação coletiva das relações e atividades públicas; apenas o poder de ação

individual no interior de sociedades fortemente marcadas pela lógica mercadológica

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– isto, ao menos, até o surgimento de outras formas de organização e participação,

talvez proporcionadas pelas TICs. Precipitado, portanto, seria concluir que a

dissolução do poder e sua decantação a um substrato individual, significaria o

consequente fim da política ou a completa alienação social. Mais sensata seria a

hipótese de que talvez as novas formas de participação política se confundam às

tradicionais, tornando a ação pública uma forma híbrida entre os interesses que o

cidadão individual persegue e os movimentos coletivos de confluência e divergência

atualizados à velocidade de curtidas e compartilhamentos virtuais.

A mudança de registro do exercimento do poder e de sua expressão, desse

modo, a despeito dos aspectos aparentemente desfavoráveis ou mesmo

ameaçadores do laço social, ao mesmo tempo aponta características de

comportamento e de vivência política trazidas pelo novo milênio. Ao contrário dos

movimentos de centralização vividos em épocas da história antiga, medieval e

moderna, e infelizmente ainda com frequência resgatados por regimes ditatoriais, os

estados atuais surgiram como rearranjo da coalisão das forças sociais

(transformadas pelo desenvolvimento do sistema capitalista e ascensão dos ideais

liberais) e formalização da fragmentação do poder, disseminado entre grupos civis

econômicos, científicos, religiosos, militares, entre outros. Se observada no escopo

desse mesmo movimento de pulverização do poder, essa transformação do grande

poder, condensado em instituições, no poder-ação, aponta possivelmente um inédito

fenômeno da atividade política e, junto a ela, uma outra possibilidade de análise,

mais alinhavada à fluidez dos tempos e à dinamicidade de cidadãos

tecnologicamente cercados e hiperconectados.

Assim se entende melhor que hoje o poder se converta numa rede,

na qual – em vez de um único e grande povo – se articulam

subpovos. Numa rede, ou num verbo, o mais importante são não

lugares, mas ligações, aquilo que com muita oportunidade os

internautas chamam de links. (RIBEIRO, 2001, p. 72).

Na medida em que permitem aos cidadãos comuns articularem-se em redes de

comunicação, dessa modo, as TICs parecem operar como ferramentas de

organização de uma forma de poder, inexistente ou subpresente nos paradigmas de

reflexão da política de outros tempos, de tal forma que atualmente, “A filosofia

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política não pode mais ignorar a ciência e a técnica”, uma vez que, ao se abordar o

tema, é cabível considerar que a técnica é “uma questão política, mas é ainda, e

como um todo, uma micropolítica em atos” (LÉVY, 1993, p. 09). As tecnologias de

comunicação em rede traduziriam, nesse sentido, a organização de um poder

independente das instituições – o poder do povo, ainda que prenhe de contradições,

ou poder de grupos internacionalizados – e resultam num elemento estrangeiro à

velha política, ainda indômito.

Se em relação aos usos coletivos as TICs poderiam representar uma

saudável ameaça, em prol da democracia, à hegemonia de determinação política do

Estado, ao mesmo tempo poderiam desempenhar um papel cada vez mais

preponderante à eficácia e subsistência das instituições públicas, uma vez que o

tamanho das populações e a possibilidade de integração entre elas intensificou a

particularização definidora de nichos e, ao mesmo tempo, elevou o fluxo

informacional necessário ao Estado, a fim de que este defina estratégias de ação

para as diversas esferas sociais em políticas públicas efetivas. Dessa maneira, a

capacidade das tecnologias atuais de difusão e de computação de informação

tornou-se obrigatória à administração pública, na medida em que restou como o

único recurso capaz de avaliar as exigências dos grandes públicos e respondê-las

em tempo hábil, dado a velocidade das transformações, as especificidades e

quantidade dos novos agentes sociais. Nesse contexto de desenvolvimento técnico,

os agentes individuais adquiriram potência de ação ao absorver a complexificação

tecnológica e tornar suas ideias, informações e atividades, fatos de conhecimento

público, facilmente intercambiável e disseminado pelos infinitos nós das conexões

virtuais: eis a gênese da fusão antitética de uma espécie de sentimento comum aos

anseios individuais, espelhada nas origens da comunicação digital.

Enquanto a TV fornecia uma espécie de espírito coletivo para toda a

gente, mas sem qualquer contribuição individual, os computadores

eram espíritos privados sem contribuições coletivas. A convergência

de ambos oferece uma possibilidade nova, sem precedentes: a de

ligar indivíduos com as suas necessidades pessoais a mentes

coletivas. Esta nova situação é profundamente criadora de novos

poderes; tem repercussões sociais, políticas e econômicas.

(KERCKHOVE, 2009, p. 71).

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Assim, os agentes políticos digitais, em certa medida ainda incompreendidos e

talvez por isso temidos, que compõem um cenário ainda pouco assimilado e, pelo

mesmo motivo, igualmente ameaçador, representam, nessa perspectiva, a mais

perfeita sincronia entre as transformações ocorridas no âmbito das TICs e no

universo das formas de vivência do espaço público, além de uma saudável

expressão da rearticulação de forças populares em contrabalanço aos poderes das

instituições sociais.

1.2 A política das Tecnologias da Informação e Comunicação

Na configuração da política atual não é possível negligenciar o papel

desempenhado pelas tecnologias informacionais e de comunicação. No entanto, em

relação ao tema, restam questões tão fundamentais quanto ainda vagas: como

pensar a formação de uma tecnologia no bojo das dinâmicas sociais e como,

estando voltada ao manejo e intercâmbio de informações, ela desempenha papel

político? Se a abordagem da proposta aqui desenhada pretende se aproximar do

debate sobre tecnologia, todavia, não se trata de uma explanação técnica com vistas

a mensurar a potência dessas ferramentas ou validá-las em sua capacidade de

arregimentação; tampouco, descobrir formas ou aspectos de politização imanente,

senão, que examinar os possíveis motivos delas operarem, no atual contexto, como

ferramentas que permitem grupos com pouco alcance discursivo ou baixa

disseminação pública abalarem as estruturas cristalizadas do poder político

institucional.

As menções feitas à tecnologia geralmente apelam para uma vaga ideia

daquilo que porventura a caracterizaria. Por exemplo, algo não natural ou um

conjunto de procedimentos que resultam num efeito ou, ainda, um instrumento e os

processos por ele permitidos – às gerações atuais recorrentemente associados a um

artifício eletrônico. O tema é, de fato, complexo e de difícil definição, de modo que

uma série de teóricos sobre ele se debruçaram sem jamais obter consenso. Como

elencado por Cupani (2017), se por um lado Carl Mitcham define tecnologia como

fabricação de artefatos, por outro, Henryk Skolimowski a entende como uma faceta

do conhecimento humano endereçada a criar uma realidade conforme nossos

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propósitos. Da mesma maneira, pode-se encontrar no pensamento de Ian Jarvie a

ideia da tecnologia como conhecimento que funciona, know-how; enquanto para

Frederick Ferré ela é uma implementação prática da inteligência e para Heidegger a

colocação da Natureza como um recurso à disposição do homem. Sob outro viés,

Mário Bunge a entende como o campo de conhecimento relativo à produção de

artefatos, compreendendo sua operação, ajustamento, manutenção e

monitoramento à luz de conhecimento científico. Jacques Ellul como a totalidade dos

métodos a que se chega racionalmente e que têm eficiência absoluta em todo

campo de atividade humana, num dado estágio do desenvolvimento. Numa

perspectiva culturalista, a tecnologia é ainda definida por Albert Borgmann como o

modo de vida próprio da Modernidade e por Andrew Feenberg como a estrutura

material da Modernidade.

Ante tal amplitude de abordagens e afirmações, ao passo que nenhuma delas

é enganosa, por certo também são insuficientes para definir completamente o

conceito, de tal modo que, para o propósito das reflexões, avante a tecnologia será

tratada como uma realidade multifacetada que compõe uma forma de mentalidade,

ou seja, como uma experiência da vida moderna que se concretiza ora como um

objeto, ora como conhecimento, ou um modo de apreensão da realidade, e ora

como uma forma específica de procedimento ou atividade, já que compõe o

dinâmico e complexo tecido social e o transforma, ao mesmo tempo que dele

resulta. Em complemento à essa perspectiva, como propõem Mitcham e Mackey

(1983), um outro aspecto relevante e paradoxalmente negligenciado da tecnologia,

resulta da volição ou projeção da vontade humana, pois a despeito da neutralidade

projetada sobre os artifícios tecnológicos,

As pretensas “necessidades técnicas” na maior parte do tempo são

apenas máscaras de projetos, de orientações deliberadas ou de

compromissos estabelecidos entre diversas forças antagonistas, das

quais a maior parte não tem nada de “técnica”. (LÉVY, 1993, p. 18).

Numa sintética perspectiva histórica, a Tese da complexidade da tecnologia e

de seu multifacetado escopo se tornaria evidente, ao observar que as infraestruturas

de comunicação e as tecnologias intelectuais sempre foram elementos fundamentais

da cultura, cujas evoluções resultavam inevitavelmente em distintas formas de

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organização econômicas e políticas. Dessa maneira, seria possível notar uma

relação direta entre o advento de tecnologias da comunicação e a reordenação dos

modos de organização sociais, onde ambos operam dialeticamente movimentos de

determinação e transformação. Como exemplo concreto dessa dinâmica, pode-se

observar a seguinte síntese apresentada por Pierre Lévy.

O nascimento da escrita está ligado aos primeiros Estados

burocráticos de hierarquia piramidal e às primeiras formas de

administração econômica centralizadas (imposto, gestão de grandes

domínios agrícolas etc.). O surgimento do alfabeto na Grécia antiga é

contemporâneo ao aparecimento da moeda, da cidade antiga e,

sobretudo, da invenção da democracia: tendo a prática da leitura se

difundido, todos podiam tomar conhecimento das leis e discuti-las. A

imprensa tornou possível uma ampla difusão de livros e a existência

de jornais, base da opinião pública. Sem ela, as democracias

modernas não teriam nascido. [...] A mídia audiovisual do século XX

[...] participou do surgimento de uma sociedade do espetáculo.

(LÉVY, 2011, p. 62).

Se essa relação entre tecnologia e sociedade for considerada como

expressão de uma faceta, ao mesmo tempo ela se apresentaria como inexorável,

pois pertencente ao âmbito da produção humana. Assim, embora houvesse a

construção de um discurso que pondera sobre o rigor lógico e necessário dos

procedimentos técnicos, a tecnologia resultante jamais estaria livre da

intencionalidade própria das atividades humanas. Entre elas, a capacidade de

virtualizar.

Algo peculiar ao comportamento humano é sua capacidade de agir de

maneira reflexiva. Desse procedimento que cria artes, filosofias e religiões, teria

origem também o virtual, ou os processos de virtualização, pois nesse registro o

virtual não seria algo ilusório ou imaginário, mas algo latente, isto é, algo que

reuniria condições de realização e confrontaria o estado atual da realidade: assim

como na linguagem há uma base material de veiculação, os sons e os signos

veiculados pelo ar e outros suportes (folha, madeira, pele, muro etc), no virtual isso

analogamente se repetiria, pois ele “não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e

atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes” (LÉVY, 1996, p. 15). Dessa

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forma, haveria todo um vasto universo de informações que circulariam pelo espaço

virtual e elas corresponderiam à produção semântica da linguagem, no entanto, com

origem e dependência da existência de coisas reais (físicas) como telas, cabos,

processadores, elétrons e, sobretudo, pessoas.

[...] o virtual, rigorosamente definido, tem somente uma pequena

afinidade com o falso, o ilusório ou o imaginário. Trata-se, ao

contrário, de um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo

processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido sob a

platitude da presença física imediata. (LÉVY, 1996, p. 11).

Essa proposição, uma vez que desmistificaria a condição etérea do virtual e

sua oposição a uma espécie de realidade restrita à concretude, confluiria para a

perspectiva de politização (ou repolitização) dos meios tecnológicos, pois buscaria

resgatar seu aspecto ferramental e, portanto, de uso humano em vista de alguma

finalidade – cuja natureza inevitavelmente abarca intencionalidades, interesses,

ideologias. Assim, a virtualização pensada à montante, ou seja, a partir do atual, ou

real, e seu processamento nessa espécie de abstração material, descortinaria um

panorama de análise instigante, de que as TICs, na transição do século passado ao

XXI, foram paulatinamente colonizadas e apropriadas majoritariamente pelos

interesses comerciais e, em certa medida pelo Estado, no trato de informações

populacionais e de fiscalização. Entretanto, esse movimento, que possivelmente

teve origem numa correspondente hegemonia concreta (não-virtual) da ordem

mercadológica e normativa das relações sociais, passou a sofrer a ameaça de sua

primazia, também virtual, na medida em que os movimentos sociais e grupos das

chamadas minorias estenderam sua atuação a esses domínios: a virtualização das

demandas sociais concretas teria inaugurado a disputa por espaços até então

instrumentalizados em certa harmonia, uma vez que a divulgação de atos públicos e

de notícias e informações extra oficiosas, por exemplo, atribuíam às TICs uma forma

de utilização ou possibilidade de uso – ou, mais precisamente, um significado –

danoso à ordem social vigente e prejudicial ao interesse de seus beneficiários.

O virtual, portanto, seria esse ato de operar no plano da comunicação (com o

outro ou consigo mesmo) as experiências apreendidas do real-atual e, isto feito,

sempre tendo em vista a transformação de algum aspecto desse mundo atual.

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Nesse sentido, por exemplo, a fala em seu aspecto semântico, ou propositivo, ou

especulativo, seria virtual, enquanto que em seu aspecto físico corresponderia à

realidade atual; os bits ordenados e interpretados por uma máquina computacional

seriam virtuais e reverberariam as apreensões culturais da realidade sobrepostas às

manifestações do aspecto eletrônico da natureza.

A serviço das estratégias variáveis que os opõem e os agrupam, os

seres humanos utilizam de todas as formas possíveis entidades e

forças não humanas, tais como animais, plantas, leveduras,

pigmentos, montanhas, rios, correntes marinhas, vento, carvão,

elétrons, máquinas etc. [...] a técnica é apenas a dimensão destas

estratégias que passam por atores não humanos. (LÉVY, 1993, p.

14).

Deste modo, o universo que envolve as comunicações digitais em todo seu

processo, embora crie, popule e explore uma camada virtual de comunicação,

composta desde mensagens curtas grafadas em dispositivos eletrônicos na forma

escrita a imagens em movimento full HD e cálculos de ordem estratosférica, esse

universo assentado na computação de informações figuraria como expressão

legítima do virtual, inclusas suas características de fisicalidade e vontade política, já

que “não há informática em geral, nem essência congelada do computador, mas sim

um campo de novas tecnologias intelectuais, aberto, conflituoso e parcialmente

indeterminado” (LÉVY, 1993, p. 09).

A proposição do caráter político da tecnologia, não por uma configuração

própria senão que pela utilidade e especialização que a ela se atribui, talvez soasse

a ouvidos pouco habituados como novidade e abordagem excêntrica. Contudo, isso

apenas revelaria e endossaria a forma da política que se realiza por meio das

tecnologias, pois “Os dirigentes das multinacionais, os administradores precavidos e

os engenheiros criativos sabem perfeitamente [...] que as estratégias vitoriosas

passam pelos mínimos detalhes ‘técnicos’” (LÉVY, 1993, p. 09), já que a relação

entre sucesso da empreitada e conhecimento profundo dos detalhes operacionais de

execução das tarefas adverte sobre a necessidade de domínio e atenção sobre

qualquer pormenor técnico porque “[...] são todos inseparavelmente políticos e

culturais, ao mesmo tempo em que são técnicos.” (LÉVY, 1993, p. 09). Na medida

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em que se torna óbvia a “política da tecnologia”, a democracia reconfigura-se no

reino das TICs como uma espécie de forma ampla de governo sociotécnico, que

encerra a efetiva construção da esfera pública e seleção de seus agentes a redutos

especializados:

[...] a instituição contemporânea do social se faz tanto nos

organismos científicos e nos departamentos de pesquisa e

desenvolvimento das grandes empresas, quanto no Parlamento ou

na rua. Ao lançar o catálogo eletrônico ou trabalhar nas

manipulações genéticas, contribui-se da mesma forma para forjar a

cidade do mundo quanto votando. (LÉVY, 1993, p. 198).

Assim, pesquisas científicas, projetos de implementação de tecnologias e produtos

criados pela indústria, dos bens primários aos intangíveis, resultam em definição e

modificação de comportamentos, modos de relação e capacidade de ação, e

revelam, por isso, sua natureza política. Portanto, propostas de pesquisa e

realização de novas tecnologias, ainda que sejam deliberadas nos gabinetes de

secretarias ou nas salas de gerência, têm a capacidade de transformar somente um

pequeno nicho ou grupo, mas, também, uma sociedade inteira – o que significa, em

tempos de hiperconexão, o mundo todo.

O fato da própria tecnologia possuir uma perspectiva política imanente, na

medida em que favorece indivíduos ou grupos, em maior ou menor escala e grau,

não garantiria a manutenção da perspectiva ideológica originariamente a ela

atribuída, o que em outras palavras significaria que, assim que detectada e

compreendida, ainda que parcialmente, se tornaria um campo de disputa intencional

e ideológica, cujo desfecho poderia resultar tanto na sua restrição de acesso e

funcionalidade, como, inclusive, eliminação. Dessa maneira, o impasse que se

desenharia seria o da longa contradição entre os ideais de emancipação e liberdade,

melhor absorvidos por regimes democráticos, e as práticas de controle e submissão,

historicamente recorrente entre as mais distintas civilizações, ambos materializados

na dominação da técnica, pois, se de fato as inovações técnicas “[...] abrem novos

campos de possibilidades que os atores sociais negligenciam ou apreendem sem

qualquer predeterminação mecânica” (LÉVY, 2011, p. 62), seria boa prática manter

ativa a observação crítica e comprometida com um horizonte de ações voltadas à

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convivência. Em resumo, Pierre Lévy adverte em seu comentário sobre a política

inerente aos meios tecnológicos, que anteriormente a um engajamento cego e

irreversível às tecnologias já produzidas, em desenvolvimento ou ainda em fase

proposição, “[...] urge imaginar, experimentar e promover, no novo espaço de

comunicação, estruturas de organização e estilos de decisão orientados para um

aprofundamento da democracia.”(LÉVY, 2011, p. 62).

1.3 A comunicação em rede na reconstrução da democracia

As mobilizações recentes possuem características muito próprias,

determinadas pelos contextos geográficos, econômicos, históricos, políticos, sociais

e culturais nas quais se formam e desenvolvem. Entretanto, o elemento comum a

todas é que elas “representam uma nova forma de política que surgiu ao longo das

últimas décadas: uma política baseada na disseminação viral de ideias e ideologias,

e em formas de ação política guiadas mais como franquias que como operações

partidárias tradicionais, minuciosas” (CHATFIELD, 2012, p. 139). Nesse sentido,

pode-se supor que esteja em processo de formação um outro modo de ação coletiva

pública, cuja concretização aponta, também, para a formação de uma nova forma de

conduta de seus partícipes, ambos talvez melhor adequados à realidade política do

mundo interconectado.

O cenário político em várias ocasiões é, para além de golpes de Estado,

também palco de manobras e atentados contra autoridades, como estratégia de

apropriação do cargo alvejado. Todavia, as mobilizações fermentadas, fomentadas e

propagadas pelas redes virtuais não apresentam a mesma disposição, pois no

contexto da politização cultivada no ciberespaço já não se trata de uma disputa por

posições consolidadas, senão que da abertura para uma nova maneira de convívio

social, como o defendido por Habermas na ação comunicativa, cuja atualização

remonta, a seu modo, ao lema revolucionário dos primeiros movimentos populares

que clamavam por ideais humanitários de liberdade, igualdade e fraternidade. Vem

de encontro a esta hipótese, a constatação de que

Está claro o movimento social e cultural que o ciberespaço propaga

[...] não converge sobre um conteúdo particular, mas sobre uma

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forma de comunicação não midiática, interativa, comunitária,

transversal, rizomática. Nem a interconexão generalizada, nem o

apetite das comunidades virtuais, nem tampouco a exaltação da

inteligência coletiva constituem os elementos de um programa

político ou cultural no sentido clássico do termo. E, ainda assim,

todos os três talvez sejam secretamente movidos por dois “valores”

essenciais: a autonomia e a abertura para a alteridade. (LÉVY, 1999,

p. 132).

Neste ponto, torna-se importante ressaltar que se a mobilização de ativistas

interconectados a redes digitais é motivada menos pelo comum engajamento em um

conteúdo específico, que pela forma como se envolvem nos debates reivindicatórios,

embora tal movimento, quando considerado como um todo, não deixa, por isso, de

apontar para um horizonte distante e, talvez, idealizado de uma ordenação pautada

pela justiça.

Se existe falta de clareza sobre como construir essa convivência social

idealizada num plano teórico, tomada como objetivo último da transformação

política, no entanto, não se pode censurar essas atividades promovidas e divulgadas

pelas redes digitais quanto à falta de um motivo, ou mesmo de um objetivo próximo.

Evidente que está em jogo a consolidação da democracia, mas uma democracia

liberal e efetiva, cuja condução dos processos deliberativos esteja, pelo menos

virtualmente, disponível à participação de todo cidadão. Talvez seja,

paradoxalmente, essa reivindicação à participação efetiva na condução dos

processos concernentes à vida pública a motivação do espanto gerado pela cultura

dos cidadãos digitais e da preocupação em absorvê-la no interior da estrutura

abalada de uma insustentável democracia, desenhada bem antes da revolução

elétrica e a altos custos imposta em tempos de revolução digital. Por isso, acima de

tudo,

Se quiséssemos identificar um objetivo unificador do movimento, ele

seria a transformação do processo político democrático. Imaginaram-

se muitas versões diferentes de democracia, assim como formas de

atingi-las... Essa era uma clara manifestação do caráter

autorreflexivo de um movimento que estava reinventando a política e

não cairia na tentação de se tornar outra força nessa área, ao

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mesmo tempo que recusava a marginalidade de uma voz crítica sem

influência na sociedade em geral. (CASTELLS, 2013, p. 114-115).

Assim, cultivada com base na horizontalidade necessária à consolidação da

vida pública democrática, a cultura digital concretizaria uma forma de convivência

estabelecida sob outra ordem de relações constituídas entre pares e entre sujeitos e

instituições, cuja violação atentaria, antes de tudo, à própria necessidade

comunicativa dos agentes sociais e, talvez, da condição humana: com uma clara

intenção participativa, sem, todavia, pretensão de exercer o controle hegemônico e

totalitário sobre a esfera pública. Os cidadãos comuns poderiam encontrar nos

meios digitais um espaço acolhedor de suas opiniões, recebidas sempre

criticamente, conforme critérios de razoabilidade esperados de uma proposição

política consistente e compartilhável. Todavia, ainda que os benefícios e esperanças

trazidos pelas possibilidades de comunicação, engajamento e expressão

proporcionados pelas TICs sejam tão diversos quanto inegáveis, por outro lado,

talvez cobrem da integridade humana e societária um preço alto, muitas vezes

intencionalmente ocultados a fim de que não sujem o brilho sedutor da novidade e

dos circuitos dourados dos milhões de microchips espalhados pelo globo.

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CAPÍTULO 2

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CAPÍTULO 2 - GLOCALIZAÇÃO E TRANSPOLÍTICA: DA UTOPIA À ATOPIA

É certamente esse presenteísmo que, de diversas

maneiras, permite compreender a transfiguração do

político, marca essencial da pós-modernidade. O

instante, a oportunidade, o momento vivido, representam

a alternativa absoluta à filosofia da história ou do

progresso lentamente elaborada ao longo da

modernidade. (MAFFESOLI, 1997, p.190).

Da manufatura de ferramentas rudimentares até os ultramodernos

smartphones, o desenvolvimento de diversificadas técnicas tem acompanhado os

processos de modificação de comportamentos e atribuído novas realidades à vida

humana em seus mais diferentes aspectos. Entretanto, as mudanças que a recente

evolução das tecnologias de informação e comunicação provocaram na cultura,

aparentemente ainda foram pouco assimiladas pelos indivíduos contemporâneos;

talvez pelo frescor das novidades. Se as características próprias de uma época,

caracterizada pela conectividade ilimitada, o acesso a um turbilhão de informações e

a impressão de livre circulação por múltiplas realidades são capazes de atualizar um

tempo histórico, em constante transformação, por outro lado, complementar, talvez

também apontariam mudanças que reconfiguram a própria noção de sujeito –

agente e experienciador de um novo tempo. Dessa maneira, dada a amplitude e

importância que esse debate assume hodiernamente, vislumbra-se a necessidade

emergente de articular ideias e forjar conceitos capazes de apreender esses

fenômenos. Nesse intento, glocalidade e transpolítica são os alicerces da reflexão

desdobrada a seguir, além do derivado processo de bunkerização, a fim de esboçar

um quadro de referência em relação ao qual seja possível delinear elementos

convergentes de subsídios para a avaliação crítica dos efeitos colaterais da

comunicação digital em rede – indesejáveis se referenciados à premissa da

liberdade – e sustentar uma possível interpretação da condição dos indivíduos

interconectados e seu modo de atuação em um tempo marcado pela hiper

exposição mediática.

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34

Uma análise consistente a respeito de qualquer fenômeno social da

atualidade provavelmente não deveria passar ao largo das profundas alterações

causadas pelo desenvolvimento da comunicação, uma vez que não é mais possível,

sem prejuízos, dissociar a lógica tecnocomunicacional – e a difusa violência de sua

realização – do cenário social-histórico contemporâneo. Assim, a abordagem

doravante delineada se pautará numa reflexão sobre os multifacetados aspectos que

as recentes transformações oriundas das possibilidades comunicativas provocam na

cultura, bem como seus desdobramentos, através da reformulação da experiência

tempo-espacial.

2.1 Experiência glocal e bunkerização

Na caminhada em direção ao cenário atual, palco dos acontecimentos e

mobilizações sociais, salta aos olhos, de pronto, a constatação de uma marca

peculiar e distintiva, hoje em dia, das relações humanas: a interconexão mundial –

numa superestimada palavra, a globalização. Todavia, uma particularidade desta

recente condição de hiperconectividade ultraespacial é a paradoxal condição glocal

dos seus agentes. Isto é a experiência de estar, ao mesmo tempo, em contato com

as ocorrências locais, próprias de um corpo físico, e aquelas desdobradas em

qualquer lugar do planeta, à medida que as tecnologias da comunicação elevaram

exponencialmente a capacidade humana de explorar e constituir diferentes domínios

da cultura, ainda que simulada ou virtualmente. Assim, a configuração glocal da

experiência da vida contemporânea torna-se inquestionável à quase totalidade da

população mundial, mas, somente enquanto experiência, pois, por outra parte, seu

modo de apropriação simbólica e suas consequências são necessariamente

delineados em conformidade a posicionamentos e interesses políticos. Essa

ambigüidade, própria ao conceito glocal, permite que se o compreenda, por isso, de

um ponto de vista corporativo e estatal, para o qual “(…) o glocal representa a

empiria do modelo de mundo realizado, seus interesses e sua ideologia objetivados

na infraestrutura tecnológica disponível, suas tendências e horizontes transnacionais

constatáveis em todos os setores”, tanto quanto, em contraponto crítico, no âmbito

das ciências humanas,

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[...] o glocal configura prisma conceitual para [...] realizar-se o

mapeamento e a dissecação da natureza, dos fundamentos e das

consequências desse mundo no âmbito social-histórico, bem como,

com base nisso, estabelecer-se os pontos de tensão teórica em

relação ao modus operandi da civilização contemporânea.

(TRIVINHO, 2007, p.283).

Portanto, a perspectiva aberta pela concepção prismática do termo, conquanto

opera como referencial crítico e permite avaliar os múltiplos aspectos da novidade

de uma época caracterizada pela experiência glocal, balizará a análise aqui

empreendida.

Essa perspectiva crítica de abordagem do fenômeno da glocalidade, embora

seja fundamental a qualquer reflexão cultural contemporânea é, ainda, por vezes

negligenciada. Motivo pelo qual o alerta de Virilio (1995) a respeito dos malefícios

que, por ventura, derivam de um engajamento ingênuo às maravilhas das redes de

informação amplamente desenvolvidas. Porém, talvez por sua magnitude, avessas

ao controle, sobretudo público – torna-se preponderante à reflexão atual, ao apontar

para o fato de que “não há nunca aquisição sem perda. A aquisição da informática

ou da telemática se traduzirá necessariamente por uma perda. Se nós não

testemunhamos a perda, a aquisição será sem valor” (VIRILIO, 1993, p. 19). A partir

dessa observação, levanta-se o enigma de qual seriam, então, as perdas adquiridas

com os avanços telecomunicacionais.

O novo cenário dinâmico, pelo qual transitam os cibernautas, a princípio,

causa uma transformação da experiência espacial e gera uma instabilidade ou

suspensão da noção clássica de lugar, extrapolando as barreiras da localidade ou

não localidade, criando uma forma de situação não referenciada no tempo-espaço.

Uma espécie de experiência do não lugar, de existência atópica: já não se pode

mais afirmar categoricamente o lócus de origem e fruição das informações

experimentadas e, por consequência, o ponto espacial onde se está situado – em

relação a orientação apreendida e vivida pela própria consciência. Essa suspensão

da experiência do espaço, contudo, se por um lado é tomada entusiasticamente

como a superação de uma limitação física permitida pelo avanço tecnológico, não

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deixa de gerar, por outra parte, um inédito modo de limitação, cujas consequências

talvez sejam desastrosas ao sujeito contemporâneo, uma vez que nesse processo

[...] sua verdade não é local (as imagens e as mensagens

transmitidas pela mídia põem qualquer pessoa em relação com o

mundo inteiro) mas seu sentido imediato (o tipo de relação que eles

permitem estabelecer) é mais individual do que coletivo. [...] Cada um

está ou acredita estar em relação com o conjunto do mundo.

Nenhuma retórica intermediária protege mais o indivíduo de uma

confrontação direta com o conjunto informal do Planeta ou, o que dá

no mesmo, com a imagem vertiginosa de sua solidão. (AUGÉ, 1997,

p.149).

Assim, a possibilidade de acesso a um turbilhão de informações e realidades

de toda sorte, a partir de um único ponto geográfico, constituída pelo avanço das

tecnologias instantâneas de comunicação, aparentemente criou um espaço de

empoderamento individual, em certa medida real, em uma sociedade há séculos

marcada pelo poder do conhecimento. Entretanto, se observados os efeitos

colaterais dessa mudança de fruição do tempo e do espaço, provocada pela

hiperexposição às mídias, sem dúvida a condição glocal dos agentes

contemporâneos também deu origem a novas formas de conduta e comportamento,

que potencializaram seu processo de isolamento, operando a partir de um

individualismo hedonista e imediatista, cujo efeito mais cruel é a adesão a uma

“espiral sígnica da visibilidade mediática” que leva ao enclausuramento consentido

em busca da auto realização, a qual se desdobra inevitavelmente numa “melancolia

do único” (TRIVINHO, 2011, p.121).

A configuração desse comportamento contemporâneo circunscreve, assim,

uma contraditória condição de um sujeito que busca a sua máxima individualização

por meio do consumo desenfreado da pluralidade de signos despejados

cotidianamente nas infovias e, excitado pela velocidade de seu desejo, perde-se dos

contatos reais, isolando-se em sua tela. Entretanto, se alçada a um plano histórico

de referência, essa contradição se mostra assustadoramente coerente à

movimentação de um século marcado por guerras reais ou virtuais – tal como a

Guerra Fria – e o enclausuramento gerado pelo medo dissipado e intensificado

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geração após geração, ante a impotência que a sofisticação das formas de

extermínio impôs aos indivíduos. A eles, restou como alternativa cômoda e segura,

proteger-se do conflito fadado à derrota atrás de uma boa conexão e exercer sua

vivência simulada. Por isso,

Se o século XX, em que se originou e se consolidou a civilização

mediática, foi, de ponta a ponta, assolado pelo flagelo e pelo

fantasma bélicos, o glocalciberespacial cumpre, nesse aspecto, a

mímesis cultural figurada (lisa, sem estrias) de seu próprio tempo.

Se, a rigor, o fenômeno glocal nem sempre se conformou,

fisicamente, como bunker (…), o bunker, por sua vez, se tornou a

imagem mais acabada (ou, ao menos, mais recentemente definida)

do fenômeno glocal. (TRIVINHO, 2007, p.308).

Ressalte-se, aqui, a precisão dessa imagem sintetizadora da condição de um

indivíduo que retrocede ante o conflito desigual com forças políticas inapreensíveis

e, voluntariamente, constroi seu próprio bunker, de maneira prazerosa e quase dócil,

como forma de exercer seu micro poder, mas, também, de sobreviver. Todavia, ela

provocaria, ao menos, assombro em qualquer pessoa acostumada a tempos de paz,

ou por eles desejosa, fato que talvez revela com surpresa as marcas indeléveis de

um passado recente belicoso; um presente aparentemente estagnado e um futuro

temeroso. O processo de bunkerização, portanto, traduz a potencialização do

indivíduo ante as possibilidades de experimentação de inumeráveis realidades, ao

mesmo tempo que sua factível condição de prisioneiro.

2.1.1 O mal-estar além do desprazer

A criação de inúmeras teorias e recíprocas técnicas de domínio da natureza,

inclusas as tecnológicas, pode ser pensada, num plano psicanalítico, como um

movimento correspondente de realização do ideal de onipotência e onisciência,

corporificados pelo humano na figura de seus deuses. Assim, o mal-estar causado

pela repressão imanente da civilização, ao mesmo tempo que impulsionou a

humanidade na busca pela satisfação do desejo interrompido, permitiu, por meio da

cultura, o desenvolvimento do homem em direção ao seu paraíso perdido e, dessa

forma, “O ser humano tornou-se, por assim dizer, uma espécie de deus protético”

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(FREUD, 2010, p.34). No entanto, não se pode perder de vista que o motivo da

continuação de sua caminhada persiste, pois, a despeito de todos seus feitos “[...] o

homem de hoje não se sente feliz com esta semelhança” (FREUD, 2010, p.34). Mas,

se a lógica da ideologia dominante afirma que essa condição seria o bastante, ainda

que insuficiente, para sustentar a felicidade individual, desejo primitivo comum, tal

como apontado por Freud, por que ela ainda não foi alcançada ou sentida? A fim de

delinear uma abordagem concisa sobre o escopo da felicidade inatingível, buscada

por diferentes meios, a clínica lacaniana fornece profundas reflexões a respeito das

relações entre a imagem do outro, a falta e o desejo.

A felicidade, ou a satisfação que proporciona um estado de felicidade, é

sempre uma experiência organizada por uma instância produtora de sentido,

comumente enunciada por sujeito. Assim, um momento central do pensamento

lacaniano consiste na análise desse objeto-sujeito que opera nessa categoria. Sua

formulação postula a presença de uma duplicidade da existência do eu, manifestada

na imagem de si denominada Eu e pertencente ao domínio do Imaginário, e no

núcleo verdadeiro do sujeito manifesto no Real. A gênese dessa formação é

sintetizada naquilo que Lacan chamou de estádio do espelho. O que o estádio do

espelho expressa, portanto, é a condição fragmentada de manifestação de si, por

um lado, e a busca da unidade na compreensão de si apreendida pela imagem do

outro presente no espelho, mas também nela projetada por intermédio do espelho.

Do outro lado do espelho, temos a imagem completa. A criança

antecipa, em frente do espelho, uma completude que ela não tem.

Obviamente, aqui se estabelece uma Gestalt, a partir dessa imagem

de um outro completo. A partir dessa imagem no espelho, a criança

pode ter uma imagem de si mesma como completa. (VIVIANI, 2000,

p.48).

Contudo, interessa notar que essa autoimagem é necessária como momento do

processo de individualização e inserção na trama sócio simbólica, pois é a partir da

simulação de si que se estabelece um núcleo produtor de sentido: a produção

imaginária resulta dessa guinada da experiência auto erótica de um ser

fragmentado, à nomeação totalizante de um corpo próprio experimentado na

imagem refletida no espelho ou na superfície do lago.

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A colocação da formação da identidade autônoma a partir do estádio do

espelho traz, ainda, um paradoxo fundamental, pois é no bojo da própria identidade

que se concretiza a alienação do sujeito. Em outras palavras, se o processo que

estabelece o Eu possibilita a sua inserção na trama de significantes produzidos no e

pelo Simbólico – o domínio do espelho –, realiza isso, no entanto, a partir da captura

de uma imagem que sufoca a expressão do sujeito pertencente à esfera do Real e,

assim, essa instância do Eu se torna lugar privilegiado de alienação. Pois se, por um

lado se acredita que o

[...] Eu é o centro de nossa autonomia e auto-identidade. No entanto,

[...] a verdadeira função do Eu não está ligada à síntese psíquica ou

à síntese das representações, mas ao desconhecimento de sua

própria gênese e à projeção de esquemas mentais no mundo”

(SAFATLE, 2010, p.30).

Portanto, em contraposição à ideia hegemônica elaborada por certa vertente

psicanalítica de que o reconhecimento do eu como entidade autônoma é

fundamental ao processo de formação da identidade e, consequente situação na

trama social, esse Eu irradiador de sentido – produto imaginário de significantes

culturais – sintetizado pela apreensão da imagem do outro torna-se, na verdade,

obstáculo do gozo, isto é, da imersão no Real; o que não implica, sumariamente, na

invalidação de toda e qualquer noção de sujeito, senão que aponta para a

necessidade de se buscar o núcleo desse agente composto por camadas de

identidades.

Mesmo portando um certo índice de indeterminação, esse sujeito existente no

Real pode ser pensado a partir daquilo que o constitui essencialmente, isto é, seu

desejo. Pois de certo que, embora não se possa definir de maneira empírica ou

conceitual sua natureza, também não se pode negligenciar a experiência que cada

um tem daquilo que faz de si e dos outros seres moventes. Assim, aquilo que habita

o cerne da ideia de sujeito e o mobiliza é o que Lacan chama de desejo. Entretanto,

o que caracteriza esse desejo é na verdade um elemento negativo, a saber, a falta;

mas

[...] esta falta não é falta de algum objeto específico, vinculada à

pressão de alguma necessidade vital, tanto que o consumo do objeto

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não leva à satisfação. A falta é aqui um modo de ser do sujeito, o que

levará Lacan a falar do desejo como uma “falta-a-ser”. Um modo de

ser que demonstra que essa indeterminação fundamental do sujeito

moderno, essa liberdade manifestada pela ausência de essência

positiva que faz com ele nunca tenha correlação natural com

atributos físicos, nunca seja completamente adequado às suas

representações, imagens e papéis sociais. (SAFATLE, 2010, p.33-

34).

Pode-se afirmar, por isso, que o desejo é essa manifestação de um princípio que

busca suprir-se, pois se fundamenta na falta de algo e tem como especificidade,

enquanto desejo puro, ou seja, a própria fonte do desejo, não se realizar em relação

a nenhum objeto, motivo pelo qual sempre se renova. Dessa maneira, é apenas no

reconhecimento do outro, como instância diferente de si e também portadora do

desejo faltante que o sujeito se desvencilha da imagem do espelho e encontra o

caminho para o conhecimento de si.

Por fim, compreende-se que há uma estrutura de autorreconhecimento e

formulação da experiência que se desenrola através da identificação de si na

imagem do outro e que, no entanto, a história desse reconhecimento não cria senão

um Eu que afasta o sujeito do conhecimento de seu desejo essencial. Desse modo,

a infelicidade não resultaria propriamente da impossibilidade de satisfação do

desejo, ou libido, pela falta do objeto, senão que pela própria natureza do desejo.

Nesse contexto, a única esperança de felicidade restaria na mais terrível das

possibilidades que seria a compreensão e realização do Real, o gozo, alcançado

somente através da libertação da imagem especular.

Pensar a sociedade do espetáculo em sua relação com a psicanálise é

transitar pelos efeitos da espetacularização das imagens e, logo, olhar para o

impacto da sua ação no campo do Imaginário. A lógica dessa relação resulta de que,

a partir da experiência do sujeito ante sua imagem no espelho, pode-se dizer que

“[...] do lado do corpo fragmentado, temos o Real. Do outro lado, temos o lugar da

imagem. Esse lugar da imagem é o campo do Imaginário” (VIVIANI, 2000, p.48).

Contudo, na medida em que a hiperexposição à imagem transforma a experiência

do mundo em uma experiência da imagem e não do vivido, já que “Tudo o que era

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diretamente vivido se esvai na fumaça da representação” (DEBORD, 2003, p.13), o

desvencilhamento da sedução da imagem narcísica operante na formação do Eu

torna-se mais complexo, pois tem, contra si, todo um aparato social de reforço

dessa sedução. Dessa maneira, na cultura do espetáculo, a tela opera como o

espelho totalitário de propagação de uma única imagem e da síntese unitária do

humano – enquanto cerne do desejo –, onde a possibilidade interrompida de

realização da felicidade ou satisfação do prazer, tributários da civilização, encontram

satisfação plena, mas simulada, no discurso estrangeiro corporificado pelas mídias:

Os pseudo-acontecimentos que se amontoam na dramatização

espetacular não foram vividos pelos que deles são informados e,

além disso, perdem-se na inflação da sua substituição precipitada a

cada pulsão da maquinaria espetacular. [...] Este vivido individual da

vida quotidiana separada permanece sem linguagem, sem conceito,

sem acesso crítico ao seu próprio passado, que não está consignado

em nenhum lado. Ele não se comunica. Está incompreendido e

esquecido em proveito da falsa memória espetacular do não-

memorável. (DEBORD, 2003, p.126-127).

Por isso, a estratégia de colonização do imaginário com imagens da sucesso

profissional, financeiro, afetivo e pessoal, no âmbito individual e no coletivo,

econômico, político, educacional, cultural, somada ao reforço do horizonte de

endeusamento do humano confirmam, na repetição e consumo exaustivo, a exitosa

tarefa de interromper o acesso ao Real pelo domínio do significante e a projeção do

imaginário forjado e imposto: na sociedade do espetáculo, a reiteração da imagem

não apenas revela o sequestro do espelho, como esconde que na sua obliteração

reside a ocultação de existências sufocadas, à beira da morte. Em atenção a essa

patologia cultural e, como consequência da clínica psicanalítica lacaniana, portanto,

talvez seja um primeiro passo para a efetivação de um processo de cura, resgatar a

tragicidade da condição humana, através da retomada da consciência de si como

portador de um desejo essencial que jamais se satisfará, nem nos pobres mortais

tampouco nas figuras artificialmente construídas, pois “todos compartilhamos da

suprema provação [...] não nos momentos brilhantes das grandes vitórias da tribo,

mas nos silêncios do nosso próprio desespero” (CAMPBELL, 2001). Entretanto, que

essa consciência da incompletude desesperadora, de um ser nem tão onipotente,

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preso a sua condição terrena e deveras frágil ante às forças colossais da natureza,

não assuma a forma de uma autoflagelação ou vitimização passiva, mas a da

aceitação da fluidez da existência e da abertura para as múltiplas possibilidades de

compreensão de si, ampliação do simbólico e libertação do real.

2.2 Realidades forjadas: individualização e existência além do espaço

Uma vez observadas as transformações comportamentais dos indivíduos

contemporâneos, cabe ainda indagar sobre as alterações sociais herdadas da

revolução telecomunicacional. Em outras palavras, uma perspectiva desdobrada de

uma das faces do processo de glocalização permite esboçar um quadro identificador

de algumas das suas consequências para as comunidades locais e mundiais,

causadas pela substituição da perspectiva do espaço real pela do tempo imediato e,

por consequência, o quanto essa mudança pode ser estratégica para a realização

de objetivos político-econômicos nos tempos atuais. Isto, pois, um operador central

dessa movimentação aponta para a constatação de que: “o estreitamento das

distâncias transformou-se numa realidade estratégica com consequências

econômicas e políticas incalculáveis, pois equivale a negação do espaço” (VIRILIO,

1996, p.123).

Desse modo, o efeito gerado a partir do encurtamento da distância foi o

contraposto balanço da separação dos sujeitos, uma vez que a apreensão do outro

ficou sujeita à simulação da sua presença, isto é, reduzida ao contato virtual. Em

outras palavras, a despeito de um ganho em comunicabilidade, o imperativo da

materialidade ainda perdura, fazendo valer a regra de que “Só há presença

verdadeira no mundo – no mundo que é próprio da experiência sensível – pela

intermediação do ego-centramento de um presente-vivo, ou seja, através da

existência de um corpo próprio vivendo aqui e agora” (VIRILIO, 1993, p.104).

Portanto, entre as perdas angariadas em troca dos benefícios da comunicação

imediata figura a transformação dos comunicadores em imagens simuladas de si,

cuja função de comunicação é cumprida, porém, sem se abster do peso da

ausência, que só se supera ante uma presença verdadeira; isto, porque

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[…] a partir do momento em que o extremo distanciamento espacial

dá lugar, subitamente, à extrema proximidade do tempo real das

trocas, instala-se simultaneamente uma separação irredutível.

Apesar da ausência de intervalo devido à inexistência do espaço real

do encontro, a interface de signo nulo das ondas eletromagnéticas

que permite a telecomunicação impede a confusão habitual do aqui e

agora, uma vez que a instantaneidade da interatividade não elimina

jamais a distinção entre o ato e o agir à distância. Dá-se o mesmo no

caso de uma tele-existência em comum, independentemente do grau

de proximidade dos tele-atores reunidos à distância. (VIRILIO, 1993,

p.104).

Embora o vácuo gerado por essa separação, isto é, a manutenção das

relações de comunicação livres do ônus da presença física, possa sugerir e, em

certa medida concretizar como benefício colateral dessa dura sentença de solidão,

proveniente do isolamento físico, a diminuição das cobranças, julgamentos e

expectativas próprios à tradicional convivência social, todavia, não despressuriza

completamente os seres humanos, na medida em que os oferece como recompensa

a possibilidade do exercício, ainda que virtual, de micro poderes, os quais conduz os

indivíduos à máxima realização de si, como projeto de sucesso, ainda e sempre,

socialmente constituído.

Esse movimento de isolamento e centralização do indivíduo sobre si mesmo,

no entanto, não poderia ser atribuído às tecnologia de comunicação, pois representa

um processo iniciado, desde séculos passados, com a formação da ideologia

burguesa: a marca particular da dromocracia cibercultural consiste, como em outros

âmbitos, na pura potencialização das ações humanas, aqui sintetizada pela

acentuação do individualismo despolitizado ante um tecido social viscoso e de difícil

apreensão, transformado paulatinamente pelo desenvolvimento da técnica. Dessa

forma, a conjunção das transformações sociais no contexto da cibercultura inaugura

uma aceleração do processo de individualização na configuração política de uma

sociedade dromocrática, para qual o hiperindividualismo torna-se característica

inerente à medida que

[…] coincide não apenas com a internalização do modelo do homo

oeconomicus que persegue a maximização de seus ganhos na

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maioria das esferas da vida (escola, sexualidade, procriação, religião,

política, sindicalismo), mas também com a desestruturação de

antigas formas de regulação social dos comportamentos, junto a uma

maré montante de patologias, distúrbios e excessos

comportamentais. (LYPOVESTSKY, 2004, p.56).

A constituição de um comportamento hiperindividualista, portanto, é ainda

perfeitamente ajustável à configuração da sociedade glocal, inaugurada pelos

avanços das tecnologias em geral e, nesse contexto, em especial, das tecnologias

de comunicação. Por se tratarem de técnicas criadas e manipuladas por pessoas, no

entanto, mantém sua propriedade intencional e, com isso, a contradição de, ao

mesmo tempo, engendrar consequências atrativas ao desenvolvimento de outros

modos de ordenação e estratégia políticas, abertas pela fragmentação social.

2.3 Sujeitos glocais, democracias em dispersão

Um primeiro passo em direção ao cenário atual, em que se desenvolvem as

movimentações sociais, possivelmente poderia caminhar direção à hipótese primeira

de que a marca peculiar das relações contemporâneas passa pela interconexão de

dispositivos em âmbito mundial. Todavia, uma particularidade desta configuração

globalizada, acerca de sua natureza comunicacional, aponta para a condição glocal

dos seus agentes, isto é, a experiência de estar, ao mesmo tempo, em contato com

as ocorrências locais, próprias de um corpo físico, e aquelas desdobradas em

qualquer lugar do planeta, à medida que as tecnologias da comunicação elevaram

exponencialmente a capacidade humana de explorar e constituir diferentes domínios

da cultura, ainda que simulada ou virtualmente. Dessa forma, a configuração glocal

da experiência da vida torna-se inquestionável à quase totalidade da população

mundial, mas somente enquanto experiência, pois, por outra parte, seu modo de

apropriação simbólica e suas consequências são necessariamente delineados em

conformidade a posicionamentos e interesses políticos. Assim, essa ambiguidade

própria ao conceito de glocal permite que se o compreenda de um ponto de vista

corporativo e estatal, para o qual “(…) o glocal representa a empiria do modelo de

mundo realizado, seus interesses e sua ideologia objetivados na infra-estrutura

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tecnológica disponível”, tanto quanto, em contraponto crítico, no âmbito das ciências

humanas,

[...] o glocal configura prisma conceitual para [...] realizar-se o

mapeamento e a dissecação da natureza, dos fundamentos e das

consequências desse mundo no âmbito social-histórico, bem como,

com base nisso, estabelecer-se os pontos de tensão teórica em

relação ao modus operandi da civilização contemporânea

(TRIVINHO, 2007, p. 283).

Portanto, na esteira da perspectiva aberta pela concepção prismática do

termo que se pode avaliar criticamente os múltiplos aspectos da novidade de uma

época caracterizada pela experiência glocal, em acordo a qual se desenvolve a

análise aqui empreendida.

As inesperadas consequências do projeto de dominação da natureza por

meio do desenvolvimento da técnica são, ao menos desde o começo do século XX,

objeto de pesquisa das ciências humanas. Importantes análises debruçaram-se

sobre o perigo da organização de sistemas políticos totalitários ante as promessas

que a intervenção técnica poderia proporcionar com suas formas de planejamento

social. Entretanto, para além desses alertas sobre o risco que a democracia sofre

quando submetida ao controle total mediante planejamento racionalizado de

conflitos, as estratégias de controle seguiram seu curso junto aos desdobramentos

da história. Sofisticaram-se e ampliaram-se, de modo a serem, hoje em dia,

dificilmente apreendidas em sua completude. Assim, potencializado pelo

aprimoramento das tecnologias de comunicação, o planejamento social deu forma a

uma inteligência dromocrática, a qual continua exercendo sua capacidade de

dominação, mas, agora, não mais como ações pontuais ou determinadas em relação

a projetos específicos, senão que

[...] como um assalto permanente ao mundo e através dele, como um

assalto à natureza do homem. O desaparecimento da fauna e da

flora, a anulação das economias naturais, são apenas a lenta

preparação de destruições mais brutais. Fazem parte de uma

economia mais vasta, a do bloqueio, do cerco, isto é, das estratégias

de inanição. (VIRILIO, 1996, p.69).

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Inanição perfeitamente adequada a um contexto de populações concentradas

em grandes cidades e, em números estratosféricos, que chegam a alcançar dezenas

de milhões, para as quais talvez não houvesse recursos físicos de controle, a

despeito do desastroso prejuízo que sua eliminação causaria aos próprios

beneficiários dessa dominação.

Uma característica de destaque da configuração política das sociedades

dromocráticas (TRIVINHO, 2007) – democracia das sociedades globalizadas e

comunicacionais – contudo, revela o curioso fato de que as práticas desse controle

não são identificáveis a nenhum agente individual, pois este se dissipa na imensidão

vazia da glocalidade, assim como aquelas se espalham por todos canais causando,

com sua onipresença, a impressão de estarem em lugar nenhum. Dessa maneira, a

violência política na sociedade dromocrática torna-se impalpável ou invisível, uma

vez que resulta da própria existência das tecnologias de informação e comunicação

que controlam os sujeitos, tendo como braço mais desenvolvido o ciberespaço. No

âmbito da transpolítica exercida no interior da cibercultura, portanto, o poder

exercido sobre o indivíduo

Trata-se de uma violência mais que sofisticada, porque light em sua

forma ultra-avançada de realização, agora capitaneada pelo virtual

[…] e (ainda, trata-se) de uma violência mais que legítima,

metalegítima, dir-se-ia melhor, porque transpolítica: ela não se

efetiva através da política institucionalizada ou do aparelho do

Estado, não passa por nenhuma forma de representação política ou

simbólica, nem precisa acompanhar-se de discurso legitimatório

estruturado. (TRIVINHO, 2007, p. 351-352).

Por isso, frente ao inevitável engrandecimento da tecnocultura, a antiga união

entre política e técnica atinge um grau de sofisticação e efetividade preocupantes, à

medida que escapa a qualquer forma de regulamentação coletiva e se constitui,

novamente, uma ameaça aos governos democráticos.

Nesse contexto de dromocracia cibercultural, as categorias tradicionais de

análise política tornam-se, assim, estéreis, pois seu objeto de pesquisa transpassa

as antigas instituições desenvolvidas desde o iluminismo e dá forma a um conjunto

complexo de movimentações que compõem um novo modo de ação, originando na

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sociedade tecnocomunicacional uma nova forma de operação, a transpolítica. Em

sínTese,

[…] o conceito de transpolítica abrange, a rigor, todos os

acontecimentos e fatos, situações e circunstâncias, fenômenos,

processos e tendências sociais, econômicos e/ou tecnológicos,

sejam duradouros, sejam transitórios, sempre de alcance

macroestrutural, cuja natureza, dinâmica e consequências escapam,

inteira ou parcialmente, à jurisdição das instituições políticas

consolidadas na trajetória de realização do iluminismo francês e do

liberalismo inglês nos últimos séculos. (TRIVINHO, 2007, p. 187-

188).

Enquanto forma inapreensível de controle, desse modo, a transpolítica se

exerce imbricada aos equipamentos tecnológicos, às redes de comunicação, aos

inumeráveis signos que percorrem as linhas de comunicação da sociedade tecno

aparelhada e se revigora, atualiza e fortalece a cada novo bit intercambiado entre os

sujeitos eletronicamente domesticados. Não obstante, sua perpetuação, enfim, ainda

dá sinais de longa vida

[...] porque os seus elementos estruturais – a saber, a amplitude

internacional, acontecimento fora de controle, erosão da força pública

do Estado e da política instituída, velocidade tecnológica, violência

objetiva (concreta ou simbólica) do arranjamentobsociotécnico,

conteúdo de terror, incerteza – constam [...] multiplamente

rearticulados e revigorados (TRIVINHO, 2007, p. 187).

Um último ponto a ser ressaltado, em relação a aspectos da configuração

transpolítica dos tempos atuais, aponta para algumas semelhanças existentes entre

os processos vividos pelos colonizados do passado, cujas características gerais

passavam pela “[…] experiência da aceleração da História, estreitamento do espaço

e da individualização dos destinos” (AUGÉ, 1997, p. 158), e a condição

experimentada pelos cidadãos da sociedade dromocrática cibercultural; isto, pois,

dificilmente se poderia aderir ingenuamente ao entusiasmo propagado acerca do

desenvolvimento tecnológico e seus derivados comunicacionais, ignorando seu

potencial estratégico, uma vez observado que também a era tecnocomunicacional.

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[...] é marcada por três excessos: um excesso de acontecimentos que

torna a História dificilmente pensável, um excesso de imagens e de

referências espaciais cujo efeito paradoxal é fechar em nós o espaço

do mundo, em excesso de referências individuais, entendendo por isto

a obrigação que os indivíduos têm de pensar por si mesmos sua

relação com a História e com o mundo diante do enfraquecimento do

que Durkheim chamava de “corpos intermediários” e da impotência

confirmada dos grandes sistemas de interpretação. (AUGÉ, 1997, p.

158-159).

Dessa maneira, a constatação de macro movimentos análogos aos ocorridos

em outros momentos da história revela que, se por um lado a disputa pela

emancipação dos sujeitos e a constituição de sociedades igualitárias ainda está em

curso, por outro, talvez também esteja longe de sua realização, dados os

desdobramentos que o imperativo da técnica é capaz de produzir no coração dos

tempos pós-modernos.

À guisa de conclusão, é de fundamental importância ressaltar que a história

sempre pertenceu à experiência localizada do tempo e do espaço, e isto é o que lhe

atribui toda riqueza que possui. Contudo, pela primeira vez, em virtude da

mundialização e da virtualização, tudo se passa sob a égide de um tempo único, o

imediato. Disso se deveria questionar se essa predominância de uma só experiência

do tempo, um tempo forçadamente universal (semelhante ao tempo neutro das

ciências exatas) e reduzido ao instante, não expressaria uma nova forma de tirania,

ao negar aos indivíduos a possibilidade de construção da história coletiva, e mesmo

se isso não é interessante como forma de controle social. Por outra parte, seria

demasiado simples atribuir toda a responsabilidade pelos atuais desdobramentos

políticos aos media, pois, isso não faria senão ocultar o dado fundamental de que os

sujeitos são ativos e participativos da construção de sua história, ainda que

passivamente. Essa constatação da centralidade da configuração política e dos

desdobramentos dos movimentos históricos nos indivíduos é ponto de partida de

qualquer mudança possível, pois

[...] os media não criam nada que já não tenha sido previamente

estruturado – mesmo em sua fase embrionária – por fatores múltiplos

do contexto social-histórico imediato e mediato – mediado ou não

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pela comunicação –, seja no âmbito das relações sociais, seja na

dimensão da interioridade psíquica das individualidades. (TRIVINHO,

2000, p.40).

Desse modo, se é evidente que o estado de dromocracia cibercultural

instaurado em âmbito global dá origem a uma forma de ação transpolítica, cuja

realização inaugura uma nova forma desterritorializada de colonização, por outra

parte também é claro que a possibilidade de transformação desse cenário passa,

necessariamente, pelo levante em direção à constituição da história, individual e

coletiva, cuja realização não poderia mais prescindir da potência que a

tecnocomunicação reserva àqueles que a dominarem.

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CAPÍTULO 3

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CAPÍTULO 3 - DEMOCRACIA, AÇÃO COMUNICATIVA E CIBERCULTURA

E quanto mais se prejudica a força socializadora do agir

comunicativo, sufocando a fagulha da liberdade

comunicativa nos domínios da vida privada, tanto mais

fácil se torna formar uma massa de atores isolados e

alienados entre si, fiscalizáveis e mobilizáveis

plebiscitariamente”. (HABERMAS, 1997, p. 101-102).

O desenvolvimento de tecnologias capazes de realizar a interconexão global

de pessoas, instituições e nações foi impulsionado, em larga medida, por interesses

mercadológicos e necessidades burocrático-administrativas. Ao depender de

interconexões mais velozes e, em maiores distâncias, para otimizar seus processos

de produção e circulação de valores, a face complementar desse projeto de

supressão de barreiras – geográficas, econômicas e sociais – teve como efeito

colateral, no entanto, a diminuição dos entrepostos que dificultavam a organização

política livre de mediações. Assim, se essa abertura de novos canais de

comunicação potencializou a vazão de informações, possibilitou ao mesmo tempo

que grupos e organizações ampliassem seu espectro de difusão e essa abertura

alimentou extraordinários ciclos de ações concretas e debates, a ocupar as ruas,

praças, sites e redes sociais do globo.

As transformações observadas no jogo político estabelecido pelo Estado de

direito democrático e social é, em síntese, o contexto em relação ao qual se articula

neste capítulo, uma reflexão acerca do fenômeno recente dos levantes sociais, tão

significativos quanto instantâneos, protagonizados por indivíduos comuns munidos

de telas, câmeras e uma rede de conexões. Para tanto, o pensamento

habermasiano acerca da mudança estrutural da esfera pública, acompanhada da

expansão da racionalidade técnica e sua colonização do mundo da vida, bem como

a aposta numa forma de racionalidade comunicativa em contraposição ao status quo

da modernidade, serão o arcabouço teórico norteador do exame doravante

desenvolvido. Se alguns conceitos centrais do pensamento de Jürgen Habermas

podem auxiliar a elaboração de uma perspectiva de interpretação dos recentes

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acontecimentos, todavia, poderiam incidir negativamente se isentos de crítica. Em

outras palavras, ressalte-se que as reflexões habermasianas acerca da mudança

estrutural da esfera pública, acompanhada da expansão da racionalidade técnica e

da sua colonização do mundo da vida, bem como a aposta numa forma de

racionalidade comunicativa em contraposição ao status quo da modernidade, são

um parâmetro possível de norteamento das transformações conjunturais modernas,

que estabeleceram uma outra forma de relação com o bem público, isto é, uma

vivência política moderna. Entretanto, talvez já não seriam integralmente válidas

como parâmetro de análise e proposição normativa para a sociedade digitalizada do

século XXI.

3.1 Transformação da sociedade burguesa e inflexão da modernidade

Inserido na tradição marxista cultivada pelo Instituto para Pesquisa Social de

Frankfurt, Habermas apresenta em seus textos a preocupação de construir um

posicionamento teórico crítico, fazendo frente às transformações sociais provocadas

pela crescente expansão das relações capitalistas em todos os âmbitos da vida e

contrapondo à barbarização das ações humanas o resgate do projeto de

emancipação inaugurado pelo movimento Iluminista francês, fundamentado na

autonomia da razão. Por isso, no bojo da sua crítica ao esvaziamento e

domesticação da vida pública, provocados pelo avanço da racionalidade técnica, ou

instrumental sobre a política e, na insistência quanto ao potencial libertador do

esclarecimento, é que se pode perceber, com maior acuidade, o alcance das ideias

expostas na sua Teoria do Agir Comunicativo.

O pano de fundo da análise habermasiana sobre o estado da ordenação

social vigente e o correspondente modo de conduta ante sua reconfiguração é a

transformação ocorrida na sociedade burguesa a partir das últimas décadas do

século XIX, em virtude do domínio da técnica e da violenta expansão mercantil.

Dessa abordagem histórica, destaca-se a mudança estrutural das esferas

componentes do jogo político e a consequente alteração qualitativa do projeto social

que, segundo o pensador, desviou-se do caráter emancipatório incutido no projeto

do esclarecimento.

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A análise habermasiana sobre a mudança estrutural da esfera pública

apresenta uma fundamental esquematização das relações de poder em operação

nas sociedades burguesas: a organização social burguesa, formulada a partir das

transformações histórico-políticas difundidas pelo movimento Iluminista, deu origem

a uma esfera política intermediária entre o Estado e a iniciativa privada, a saber, a

chamada esfera pública, cuja atividade autônoma exercia oposição ao controle

político hegemônico da sociedade, sobretudo pelo Estado, já que, teoricamente, o

mercado se configurava por uma certa condição igualitária de produção e trocas

entre todos indivíduos. Assim, a esfera pública, de caráter liberal, era um âmbito de

atividade social pautada pela autonomia de pensamento e livre circulação de ideias,

cultivada nos cafés e publicações/folhetins, composta por agentes privados, mas

que exercia, contudo, função pública, na medida em que pautava o debate em torno

dos interesses comunitários e organizava, ainda que de modo potencial e fugaz,

uma opinião pública consensual. Entretanto, o fino equilíbrio presente nesse arranjo

passou por um processo de decomposição ao longo do século XX, no qual a esfera

pública liberal foi se dissolvendo em meio à emergência de um contingente

populacional crescente e uma correlativa democracia organizada, implementada em

prol do planejamento e maior controle social, e do fortalecimento do discurso

econômico adotado na legitimação de deliberações hostis aos interesses coletivos.

Desse modo, em meio a essas transformações, o Estado, para além de instância de

asseguramento dos direitos individuais, tornou-se provedor de benefícios. Os

espaços de debates foram invadidos pela propaganda e pela publicidade; o público

produtor de reflexões sucumbiu ao consumo das ideias; a instituição do tempo livre

assaltou a atividade literária e, nesse movimento, a esfera pública sucumbiu ao

esvaziamento de sua força motriz, uma vez que a circulação de ideias em prol de

debates minguava no mesmo passo que as correntes de informação e negócios

prosperavam. Nessas circunstâncias, então, o “consenso estipulado no raciocínio

público dá lugar ao acordo não publicamente conquistado ou imposto” (HABERMAS,

1984, p. 273) e a vida pública reduz-se às atividades estatais e mercadológicas, ao

controle, produção e consumo.

Nesse novo cenário, o mundo da vida – em síntese, as manifestações

espontâneas inalienáveis e imediatamente exercidas pelos sujeitos viventes –

passou a ser tratado não mais em suas peculiaridades naturais, subjetivas e sociais,

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senão que se tornou, ante a racionalidade instrumental, sistema. Portanto, na

modernidade, a sociedade torna-se material de manipulação do Estado e da

Economia, com vistas à agremiação de poder e dinheiro e, ante este diagnóstico,

Habermas aposta na racionalidade comunicativa como forma de contraposição à

burocratização e economicização do mundo da vida, implementadas pela linguagem

técnica.

A análise sobre o movimento de formação da esfera pública e sua teorização

sobre o agir comunicativo, todavia, não poderia prever, à distância de ao menos três

décadas, a proliferação do modelo rizomático de convivência. Por isso, na intenção

de aproximar esses debates circunscritos antes da revolução digital à dinâmica dos

fenômenos atuais, especificamente os acontecimentos de junho de 2013, adiante

são desenvolvidas reflexões, hipóteses e especulações a respeito do modelo

analógico que fundamenta a teoria da comunicação habermasiana para, em

seguida, considerando a emergência de outro paradigma, retomar a análise da

formação da esfera pública, a fim de ponderar sobre as configurações que ela tem

assumido em meio às transformações que a comunicação em rede impulsionou.

3.2 Verdade, consenso e ação

O que fundamenta a aceitação e, talvez, adesão, a qualquer forma de

conduta pública é a compreensão da lógica mobilizadora dessas ações. Dito de

outro modo, o consentimento e participação em um propósito ou causa se realiza em

face à compreensão da sua verdade. Entretanto, se o problema da ação se inicia na

verdade de sua legitimação, ao menos outras três problemáticas derivam desse

escopo: as bases filosóficas de fundamentação do conceito verdade, o formato das

relações ou dos inter-relacionamentos produtores de uma compreensão fenomênica

compartilhada e os agentes de todas essas ações.

Para além da rígida dualidade postulada entre verdade ou falsidade do

discurso, Habermas complexifica o seu modo de apreciação da comunicação,

levando em conta a contextualização e transitoriedade, sem, contudo, abrir mão da

possibilidade de formulação de um conhecimento verdadeiro – ou melhor,

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temporariamente verdadeiro. Isto, pois, como ressalta Reese-Schäfer, no âmbito da

convivência democrática,

Comunicação é mais complexa do que execução direta. Ela pode

reconhecer o outro como participante da comunicação e, ainda

assim, reservar-se o direito de aceitar ou contestar suas

enunciações. Isso constitui sua superioridade em relação a outras

formas de ação. Ela é mais adequada à complexidade de relações

reais de vida do que qualquer intervenção direta. (REESE-

SCHÄFER, 2010, p. 47).

Desse modo, complexificando os esquemas de avaliação da verdade,

Habermas apresenta uma teoria da ação comunicativa estruturada em duas

dimensões, grosso modo, sintetizada na forma referencial discursiva e no seu

conteúdo semântico. Desviando-se de alguns modelos filosóficos clássicos da

verdade fundamentados na correspondência da ideia ao objeto, com a decorrente

capacidade humana de apreensão objetiva, neutralidade e universalidade, o filósofo

centraliza na ideia de consenso a análise da verdade e, assim conduz o debate ao

plano da veracidade de um discurso, ao invés de ater-se na fundamentação objetiva

da verdade, isto é, independente dos discursantes. Ao mesmo tempo, aponta para

as condições de produção e normatização que envolvem a elaboração

argumentativa, a despeito dos valores e ideologias difundidos por seu conteúdo.

Uma importante consequência dessa reformulação é que uma análise científica da

legitimidade das argumentações não se restringe jamais à lógica própria dos

discursos justificativos e/ou reivindicatórios, senão que será avalizada, ao largo das

disputas interpretativas, com base nos elementos fundamentais da produção do

discurso determinados pela comunidade discursiva, como formação sócio-histórica,

estrutura político-econômica, organização jurídico-administrativa e cultural, uma vez

que

“[...] para as ações serem coordenadas pela formação linguística de

um consenso, a prática comunicativa cotidiana precisa estar inserida

no contexto de um mundo da vida determinado por meio de tradições

culturais, de ordens institucionais e de competências. (HABERMAS,

2012, Vol. II, p. 477).

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Essa alteração, contudo, à medida que vincula a veracidade da fala a um

plano referencial coletivamente referendado, implica numa certa limitação do

conhecimento possível e, por conseguinte, das possibilidades de afirmação

verdadeira, pois se realiza em relação a estruturas condicionadas, isto é, temporais

e não-universais.

Essa perspectiva de análise, portanto, sofre em certa medida com uma

possível generalização da relatividade que envolve um discurso verdadeiro,

gerando, em última instância, a impossibilidade de determinação da verdade ou

falsidade de todo e qualquer discurso elaborado. De fato, há uma certa amenização

no rigor dual de certificação da veracidade, embora isto não se constitua

propriamente uma objeção, pois coerentemente com sua contraposição às

teorizações metafísicas e objetivistas de análise da verdade, Habermas encontra

nesse “afrouxamento” a falibilidade e possibilidade do erro necessárias à validade

das teorias científicas e à criticidade do agir comunicativo, libertando o discurso do

perigo da totalização pretensamente objetiva e o dispondo ao compartilhamento de

toda sociedade – estendendo-o, inclusive, à apreciação das gerações vindouras.

Dessa maneira, uma vez que o discurso verdadeiro tem origem na interação

comunicativa entre no mínimo dois sujeitos e não mais se pauta na verdade avaliada

por correspondência da ideia ao objeto, a qualidade da relação entre os

interlocutores demanda o reconhecimento mútuo da legitimidade das assertivas,

analisadas sempre em referência ao arcabouço do conhecimento produzido ao

longo da história do pensamento. Por isso, Habermas afirma que numa ação

comunicativa, os discursantes “referem-se não mais diretamente a algo no mundo

objetivo, social ou subjetivo, mas relativizam suas enunciações diante da

possibilidade de que a validade delas seja contestada por outros atores”

(HABERMAS, 2012, vol. I, p. 168). E, é justamente a prática da contestação que

reestabelece o rigor de avaliação da veracidade, pois se pauta em critérios de

verificação razoáveis solidificados ao longo da história do pensamento científico,

como a inteligibilidade, a correção (normativa) e a autenticidade.

Aquela relativização da verdade, portanto, encontra um certo limite,

estabelecido por um plano referencial menos rígido, porém, nem tão fluído, porque

elaborado coletivamente ao longo de toda a produção intelectual da humanidade.

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Esse esquema elimina a pretensão de controle fundamentada na apropriação do

objeto, ao mesmo tempo que coloca no centro das determinações verdadeiras a

interlocução, fundamentando na racionalidade comunicativa a única fonte legítima

de deliberação das ações sociais. É desse modo que a ação comunicativa

constituiria, para Habermas, forma de resistência à

[...] penetração de formas da racionalidade econômica e

administrativa em esferas de ações que resistem à transferência para

os meios “dinheiro” e “poder”, uma vez que se especializam na

tradição cultural, na integração e na educação social, ficando na

dependência do entendimento como mecanismo de coordenação da

ação”. (HABERMAS, 2012, v. II, p. 597).

Esse sistema de troca de informações e, mais amplamente considerado

sistema de vida, ou de hábitos de convivência, encontraria na ação comunicativa o

expediente de interlocução adequado para promoção da coesão social,

fundamentada no consenso.

3.3 Da ação comunicativa às redes de comum ação

A recolocação habermasiana da reflexão sobre a verdade no plano do

consenso, isto é, da produção humana de discursos considerados verdadeiros ao

invés da correspondência direta do discurso à realidade hipostasiada, apresenta ao

pensamento político contemporâneo uma outra base para pensar a articulação

social, engajada aos debates epistemológicos da virada do século (fenomenologia,

filosofia analítica, estruturalismo, perspectivismo etc). Todavia, sua teoria

comunicativa talvez se encaminhe à obsolescência, na medida em que não pôde

vislumbrar a revolução vindoura, tampouco a potência que a digitalização somou à

humanidade, sobretudo em seu aspecto comunicacional. Em outras palavras, após

toda a desconstrução e ressignificação operadas em relação ao conceito de verdade

(motor da ação), a possibilidade de sua produção coletiva, por meio do discurso,

tornou as informações circuladas na esfera pública foco central de produção da

realidade e, por conseqüência, disputa de poder. Ante essa configuração, Habermas

propõe um modelo bidirecional de comunicação, capaz de promover a harmonia

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política por meio do consenso, cujo funcionamento torna-se incompatível ou

inadequado aos procedimentos desencadeados pela revolução digital da

comunicação, que dissolveu o modelo tradicional emissor/receptor e instaurou redes

de informação fluidas, rizomáticas e efêmeras.

Nesse cenário emergente, agremiações independentes se organizam,

produzem e circulam informações a partir de outra lógica comunicativa,

fundamentada na estruturação complexa de esquemas não centralizados de difusão

de informações e conteúdos. Articulação aparentemente exitosa, dada a atuação

que tem alcançado nas disputas argumentativas envoltas às insurgências recentes.

A esse respeito, é tomada em consideração a ascensão das manifestações do

Movimento Passe Livre e o aumento de seu poder de influência e barganha quando

acompanhados da cobertura jornalística do coletivo Mídia Ninja.

3.3.1 Movimento Passe Livre

As manifestações que se iniciaram com reivindicações do MPL e se

desdobraram em gritos vagos contra a corrupção tiveram destaque pela enorme

proporção e reboliço alcançados no junho de 2013. Porém, denominados levantes

de junho de 2013, na tentativa de abarcar o conjunto dos acontecimentos do

período, o rótulo esconde a pluralidade de condutas, atitudes e comportamentos que

protagonizaram os conflitos e reposicionaram a comunicação em rede na dinâmica

da sociedade brasileira deste século. A fim de contextualizar a origem dessa batalha

digitalizada e construir uma interpretação fundamentada dos eventos, portanto,

resulta em importante contribuição a recuperação da origem dos protestos

relacionados ao transporte, liderados por coletivos e agremiações autônomos.

A retrospectiva dos acontecimentos encontraria um marco significativo uma

década antes do junho 2013: na cidade de Salvador, em agosto de 2003, quando

jovens organizados em torno de grêmios e entidades universitárias estudantis

paralisaram entre agosto e setembro, quase diariamente, as principais vias de

Salvador, a fim de reivindicar a redução da tarifa de ônibus, a meia-passagem aos

finais de semana e a criação de um Conselho Municipal de Transporte. Essas

mobilizações sobreviveram às duras repressões e, a propósito da visibilidade que

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tiveram, se disseminaram para outras capitais, eclodindo em 2004, em Florianópolis.

Na ocasião, o movimento saiu vitorioso após dias de confronto com as autoridades

locais, que se viram obrigadas a revogar reajuste de 15,6%.(FALCÓN; RIZÉRIO;

QUERINO, 2013).

No ano seguinte, 2005, a tentativa de aumento no preço da passagem trouxe

os manifestantes de volta às ruas de Florianópolis. Entretanto, havia uma

incrementação fundamental: após as revoltas recém passadas, coletivos e

agremiações militantes do direito ao transporte público organizaram Plenária

Nacional, na qual batizaram o Movimento Passe Livre e fortaleceram formas de

articulação do grupo. Nesse mesmo ano, significativa movimentação eclodiu

também em Vitória, no Espirito Santo. Já no período sequente, 2006, pessoas de

mais de 10 cidades brasileiras se encontraram na Escola Nacional Florestan

Fernandes, no Estado de São Paulo, para realizar o terceiro encontro do movimento.

Em todas essas ocasiões, a cobertura midiática dos protestos e pautas levantadas

foram contrárias aos manifestantes, dando voz reiteradamente apenas às

autoridades e brigadas militares locais (MPL-SP, 2013).

A despeito das dificuldades de difusão de seu posicionamento e inserção no

debate sobre as decisões concernentes ao transporte, o Movimento Social pelo

Passe Livre foi paulatinamente se organizando e descobrindo formas de chegar até

diferentes públicos, contrários ou simpatizantes a sua causa. Na cidade de São

Paulo, o MPL inaugurou atividades de rua em 2005, quando o Terminal Bandeira e

Lapa foram ocupados pelos membros do coletivo, em sua maioria estudantes. De lá,

até 2013, houve momentos em que o movimento esteve centrado em trabalhos de

base, como estudo de legislações e projetos de transporte, e na reestruturação

interna, em 2010, quando ainda aconteceram duas manifestações em virtude do

aumento do preço da passagem acima da inflação. Entretanto, talvez o momento

que descortinou a necessidade de ampliação de comunicação tenha transcorrido

nas mobilizações contra o aumento, no ano de 2011, ocasião em que ficou clara a

possibilidade e a necessidade da pauta do transporte aglutinar as mais diversas

lutas, uma vez que todos aqueles que vivem na cidade tinham suas vidas, direta ou

indiretamente, afetadas pelo aumento (LUCAS; TOLEDO, 2011).

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Um breve levantamento das manifestações sugere que, nos primeiros 10 dias

de protestos, o MPL tinha uma adesão relativamente constante às atividades de rua,

em torno de 5 mil pessoas – enquanto apresentava 10 mil curtidas em sua página na

rede social Facebook, e gozava de pouquíssimo espaço de divulgação de suas

pautas entre os veículos que realizavam a cobertura dos acontecimentos. Embora o

movimento, à época, tenha definido estratégias de articulação que ainda não

incorporavam a utilização de redes digitais, reconhecia por meio de um integrante

porta-voz os potenciais da ferramenta:

Acho que a internet é uma ferramenta; a gente tem em vista que a

internet, como qualquer meio de comunicação, como o jornal, como a

panfletagem, é uma ferramenta; sendo uma ferramenta, ela pode ter

características que auxiliam em algumas coisas ou não, mas ela

atende a interesses. Você instrumentaliza. A ferramenta é um

instrumento, algo que alguém utiliza, ou seja, o que você tem nisso, a

internet serve pra facilitar golpe de pauta? Serve. Ela serve pra evitar

golpe de pauta? Também. Ela serve pros interesses das pessoas.

Acho que ela ajuda a popularizar, ajuda a divulgar, mas ela não é a

única das coisas; tem manifestação com 5 mil pessoas antes de ter o

Facebook tão forte. (ESPÍRITO SANTO, 2014, p.113).

Ressalte-se, contudo, que em relação aos anos anteriores, o coletivo já

demonstrava maior capacidade de comunicação e articulação, e a situação

possivelmente tenha assumido nova configuração devido à utilização que passaram

a fazer, de redes de comunicação digitais, para divulgação de atividades e

conteúdos. Essa adesão de utilização de ferramentas digitais para tal finalidade

ocorreu em meio ao processo de mobilizações em curso, como revela Lucas:

[...] o Primeiro Ato, ele é constituído na prática; ele é construído a

partir das panfletagens dos alunos nas escolas deles, de alunos

falando assim: “É isso ai, é contra o aumento da passagem, a gente

vai fazer um ato agora; a gente vai fazer um ato semana que vem.” A

gente fala que beleza, a gente ajuda a organizar. (ESPÍRITO

SANTO, 2014, p.114).

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Portanto, a divulgação inicial, ainda que sob outra perspectiva, operava por

redes de comunicação que, no entanto, funcionavam de modo analógico, através de

contatos em grêmios estudantis, diretórios acadêmicos e panfletagem. A

incorporação de ferramentas digitais obviamente não criou ou levantou uma causa,

uma movimentação, tampouco uma manifestação do porte dos acontecimentos de

junho. Porém, aparentemente contribuiu muito para que as pautas do coletivo

fossem arrastadas a outro patamar de atuação.

[...] só pensando no Facebook, o número de acessos com a luta de

2013, a luta contra o aumento e a proporção que ela tomou e tudo

mais, tem um pulo de 10 mil curtidas no Facebook para 300 mil, 295

mil, atualmente. Então, tem um grande volume de acessos sim.

Agora, no pico, a gente tem atualmente a gente tem visualização de

290 mil pessoas; no pico da luta contra o aumento, no final dela, dia

19, a gente tinha, aproximadamente, 8 a 10 milhões. Teve um

crescimento muito grande. (ESPÍRITO SANTO, 2014, p.120).

O acesso a um público de tal magnitude dificilmente resultaria sem o

empenho e engajamentos dos membros do MPL. A questão que se desdobra,

portanto, não passa por investigações a respeito de legitimidade, validade ou

pertinência dos pontos debatidos e reivindicados pelo movimento e o consequente

potencial de persuasão que estes causariam. Senão, que pelo interesse em

compreender quais outros entre tantos atores daqueles acontecimentos

desempenharam ações que colaboraram preponderantemente para essa vertiginosa

ascensão. À luz desses pensamentos e especulações, a tão impressionante quanto

estrondosa difusão da revolta do MPL possivelmente demandaria um caminho de

análise capaz de fornecer interpretações para a capacidade exponencial de

estabelecimento de pontos de rotas e fluxos de informação, de onde nascem os nós

da comunicação em rede, a fim de esboçar uma conjectura plausível de como no

intervalo de duas semanas, o movimento social que acumulava 10 anos de ativismo

e angariava a média de 5 mil manifestantes em seus últimos protestos, levou para

as ruas de São Paulo pelo menos 200 mil cidadãos indignados com a falta de

diálogo público.

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3.3.2 Mídia N.I.N.J.A.

Como exemplo desse novo fenômeno e material de fundamentação das

ideias levantadas adiante, é possível acompanhar, então, as ações desse coletivo

jornalístico que desempenhou papel central nas manifestações de junho: o Mídia

NINJA – acrônimo de Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. Em site próprio,

o coletivo apresenta uma percepção, ao que tudo indica, concatenada à reflexão

sobre a atual configuração das análises em comunicação: “A Internet mudou o

jornalismo e nós fazemos parte dessa transformação. Vivemos uma cultura

peer­to­peer (P2P), que permite a troca de informações diretas entre as pessoas,

sem a presença dos velhos intermediários”(MIDIA NINJA, 2015). Note-se,

entretanto, em que pese a definição do termo, a cultura peer-to-peer, embora opere

com duas pontas de conexão, diferencia-se sobremaneira do tradicional paradigma

emissor/receptor, uma vez que sua dinamicidade – derivada da possibilidade digital

de reprodução quase infinita – permite que cada ponta dessa conexão seja, ao

mesmo tempo, ramal de outras conexões. E no bojo dessa transformação

tecnológica, o que faz o Mídia NINJA? De certo modo, apenas jornalismo tradicional:

levantamento de informações, materiais de pesquisa, fontes, entrevistas, checagem

de versões, publicação etc. À diferença, talvez, na forma de fazê-lo.

Em meio aos protestos de junho, a cobertura jornalística do Mídia NINJA

destacou-se como fonte de informação alternativa a algumas das vias da imprensa

tradicional, parcialmente bloqueadas por interesses extrínsecos à ação de informar e

promover debates públicos. Além disso, contudo, a força do coletivo parecia residir,

em sua adesão, aos acontecimentos não apenas como um olhar estrangeiro,

distanciado ou suspostamente imparcial, mas como agente desses acontecimentos,

revelando proximidade ao público manifestante – mais em relação aos

comportamentos que a uma concordância de pautas. Sintetizado por um dos

idealizadores do coletivo, Bruno Torturra, “A rede e a rua se fundiram”(BRESSANE,

2013). As equipes que realizaram a cobertura dos eventos por vezes se formaram e

dispersaram ao tempo de duração da bateria da câmera ou celular e, ainda que

precariamente organizadas, por participarem dos fatos e os contarem em tempo real

do ponto de vista daqueles que ocupavam as ruas, atraíram a atenção desse

mesmo público, mais habituado a se informar e consumir conteúdos por meio de

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streamings digitais. Portanto, além do jornalismo realizado na medida em que se

veiculavam as informações sobre os acontecimentos, o coletivo inventou uma outra

forma de fazê-lo, porquanto que equipado de dispositivos digitais hiperconectados e

fomentados pela lógica rizomática de comunicação. À diferença do tradicional

processo jornalístico, composto por longa cadeia de produção, que vai da apuração

dos fatos, levantamento de dados, produção de matérias e publicação, o Mídia

NINJA se amparou em um modelo de ação que os organiza como

Uma rede de comunicadores que produzem e distribuem informação

em movimento, agindo e comunicando. Apostamos na lógica

colaborativa de criação e compartilhamento de conteúdos,

característica da sociedade em rede, para realizar reportagens,

documentários e investigações no Brasil e no mundo. Nossa pauta

está onde a luta social e a articulação das transformações culturais,

políticas, econômicas e ambientais se expressam. (MIDIA NINJA,

2015).

O estabelecimento da comunicação em rede, por si só, talvez não resultasse

em atividade de impacto no debate público, já solidamente estabelecido e

gerenciado por grandes veículos de comunicação. Entretanto, associado a essa

outra forma de produzir narrativas no tempo mesmo do acontecimento e

antecipando a interpolação seguinte de um discurso interpretativo organizado sobre

os fatos, o coletivo também contava, desde sua origem, com renovada forma de

participação na criação narrativa, segundo a qual, mais por afinidade de inclinação

que por deliberação hierárquica e burocrática, incontáveis cidadãos passaram a

compor o quadro de jornalistas do coletivo, bastando estarem dispostos a registrar e

se inserirem ativamente nos protestos, pois, para o coletivo, “o cidadão que se vê

como um veículo ou faz parte de uma rede de midialivrismo, não está em um

protesto apenas para fazer o registro. Ele é um corpo da multidão e a comunicação

é uma das formas de mobilizar e organizar” (MIDIA NINJA, 2015).

Fazendo-se presente no local do acontecimento, o coletivo inseriu no universo

dos meios de comunicação digitais, dessa maneira, outra perspectiva de operação

para a veiculação de informação jornalística, a qual aparentemente passou a

integrar um quadro mais complexo de constituição de visões de mundo. Expressado

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em outras palavras, ao conectar as redes digitais preexistentes à redes analógicas

de articulação, ação e difusão de informações, o coletivo talvez tenha contribuído

para a ocupação politizada da capacidade narrativa das redes digitais de

comunicação. Dessa forma, pode-se dizer que o coletivo seguiu com sucesso as

diretrizes de seu próprio projeto, uma vez que “A Mídia NINJA surge em março de

2013, com o objetivo de realizar uma disputa de sentidos e imaginários na

comunicação brasileira” (MIDIA NINJA, 2015).

O êxito de tal propósito pode ser notado na mudança do discurso das

autoridades paulistas e do tom empregado nas coberturas jornalísticas de grandes

veículos. Mas, talvez tenha alcançado seu ápice na alteração da agenda

presidencial, que cancelou viagem diplomática ao Japão a fim de tratar dos assuntos

em pauta colocados pelos manifestantes e lidar com a explosão de protestos em

todo o território.

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CAPÍTULO 4

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CAPÍTULO 4 - ATOS E VERSÕES: ANÁLISE DE UMA DISPUTA NARRATIVA

Desde os primeiros atos organizados pelo Movimento Passe Livre na cidade

de São Paulo, ainda especificamente relacionados ao aumento do preço da

passagem de ônibus, houve intensa cobertura tanto dos grandes meios de

comunicação quanto de veículos independentes. Entretanto, a cronologia da

cobertura dos acontecimentos permite observar que, a despeito do inicial tom crítico

e censurador dos protestos, o viés narrativo propagado pelos grandes grupos de

comunicação sofreu paulatina transformação, à medida que se deparou com uma

inesperada coleção de informações e discursos produzidos por anônimos cidadãos

de alguma forma atuantes nos protestos. Adiante, portanto, estão organizados

documentos produzidos no período, de forma a observar a reorientação das versões

dos fatos elaborados e difundidos pelas corporações midiáticas, ante a articulação

de manifestantes e divulgação de seus pontos de vista por meio de blogs e redes

sociais. Como representantes dos veículos de grande alcance na cidade de São

Paulo foram selecionados, prioritariamente, conteúdos publicados pelo portal de

notícias G1, do grupo Globo, o grupo jornalístico Folha de São Paulo e o grupo

jornalístico Estado de São Paulo. Entretanto, outros meios expressivos constam

pontualmente em coberturas complementares. Por outra parte, dada a organização

incipiente da comunicação estabelecida via redes sociais e plataformas de streaming

de vídeo dos manifestantes, um mosaico de fontes foi rastreado e selecionado para

formação do panorama do debate que foi se articulando ao longo dos dias de

protesto. O acompanhamento feito a seguir se restringe à cobertura dispensada aos

protestos durante o mês de junho de 2013.

4.1 Narrativas de junho: confronto entre versões dos fatos

Os registros iniciais de protestos ocorridos em São Paulo, concernentes ao

preço da passagem, datam de 06 de junho de 2013, quando manifestantes

caminharam do centro da cidade até a Avenida Paulista, onde houve confronto entre

policiais e participantes do protesto. O portal G1 divulgou o acontecimento por meio

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da reportagem: “Manifestantes depredam estação de Metrô, banca e shopping na

Paulista” (MORENO, 2013),na qual se atribui ao protesto a responsabilidade por

deixar destruição e sujeira na localização e arredores, enfatizando ações do dia

como atos de vandalismo e não reportando nenhuma fala direta dos manifestantes,

apenas relatando que representantes do Movimento Passe Livre se diziam "não

responsáveis pelos atos de vandalismo". Somente veiculada em versão online, a

Folha de São Paulo seguiu a mesma linha e, na matéria jornalística intitulada

“Protesto contra aumento do ônibus termina em confronto no centro de SP”,

também não reportou nenhuma fala direta dos manifestantes; apenas

"Organizadores disseram que parte dos manifestantes pichou alguns

estabelecimentos e ruas durante o protesto, mas argumentou que não era possível

controlar toda a multidão. Segundo eles, cerca 6.000 participaram do protesto. Já a

PM aponta que eram cerca de 2.000 manifestantes" (FOLHA DE SÃO PAULO,

2013). No dia seguinte, o portal G1 publicou uma longa matéria sobre os danos

patrimoniais sofridos pelo Metrô e estabelecimentos após a manifestação

(DOMINGOS, 2013). Apesar de citar a crítica dos manifestantes à atitude da Polícia

Militar, como na fala de Altino de Melo Prazeres, presidente do Sindicato dos

Metroviários, detido na manifestação: “A polícia perdeu o controle de si mesma. Fui

perguntar para um policial se as pessoas poderiam sair do shopping e fui detido.

Isso é um absurdo. Em nenhum momento houve, por nossa parte, do sindicato,

alguma atitude que tenha depredado o sistema. Temos o interesse de defender o

patrimônio público”, disse o presidente do sindicato". A matéria foca mais nos

prejuízos materiais e a iminência de novos atos: "Os protestos de quinta-feira

deixaram um rastro de destruição e sujeira na Avenida Paulista. O vandalismo

atingiu as estações do Metrô, o Shopping Paulista, bases móveis da PM, bares e

bancas de jornais da região. O Movimento Passe Livre (MPL), que organizou a

manifestação, convocou para o fim da tarde desta sexta um novo ato, com

concentração no Largo da Batata, em Pinheiros, na Zona Oeste. O Metrô disse que

pretende processar os responsáveis pelos danos. Pelo levantamento da companhia,

R$ 68 mil serão gastos com a compra dos vidros das estações e R$ 5 mil com

lâmpadas danificadas durante o protesto." O Estado de São Paulo, em matéria

intitulada “Manifestação contra aumento da tarifa de ônibus fecha vias em São

Paulo” (SANTOS; DEIRO; CUDISCHEVITCH, 2013) também se focou, sobretudo,

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nos danos materiais causados, a despeito da motivação dos manifestantes:

"Estudantes disseram ao Estado, por telefone, que colocaram fogo em uma catraca

de ônibus no cruzamento da via com a Av. Vinte e Três de Maio." Embora o ato

deste dia havia sido anunciado pelo MPL, em nenhum momento algum integrante do

coletivo foi procurado para expor sua versão dos fatos e o coletivo se posicionou

oficialmente em seu blog (MPL-SP, 2013b), no qual reforçou que exerciam o legítimo

direito de se manifestar e que os atos violentos foram uma reação à brutalidade da

PM: "A população que já revoltada com o abusivo aumento das tarifas reagiu e

revidou a agressão dos policiais – que, vale a pena lembrar, são os policiais que

possuem armas e bombas. Ontem, a PM feriu dezenas de pessoas. As imagens

dessa repressão brutal podem ser vistas em toda a mídia e em vídeos nas redes

sociais. A truculência da PM é um fato conhecido até mesmo pela imprensa, que

diversas vezes tem seus cinegrafistas e repórteres vítimas dessa violência." A nota

emitida pelo MPL nota a presença de indivíduos que, ainda sem a força de um

movimento organizado, já começavam a registrar os protestos e a ação policial por

meio de seus celulares e redes sociais.

No dia seguinte, foi convocada uma passeata com origem no Largo da Batata

e caminhada em direção à marginal Pinheiros. Novamente houve confronto com

policiais e, nesse momento da história das manifestações, o foco da imprensa

parecia estar nas depredações e nas falas de policiais e órgãos do Estado. O portal

G1 enfatizou a ação da Polícia Militar, cedendo espaço para explicação das ações

da corporação na figura de dois coronéis. Um deles, "O coronel da PM Yeros

Aradzenka, responsável pela operação, explicou que as bombas de efeito moral

foram usadas em dois momentos, para evitar prejuízo ao fluxo de carros na Marginal

Pinheiros"; e o outro, O coronel Reynaldo Simões Rossi, responsável pela operação

na região da Paulista, por sua vez, disse que “permitiu, após uma longa negociação,

que o grupo entrasse na avenida para garantir o direito de manifestação, com a

ressalva de que não se repetissem os atos de vandalismo ocorridos no dia anterior.

Cerca de 350 policiais militares participaram da operação na região da Paulista,

segundo o coronel", na reportagem: “Após fechar Marginal Pinheiros, ato contra

tarifa volta à Avenida Paulista” (MORA, 2013a). O Movimento Passe Livre,

organizador da manifestação, assim como nenhum manifestante individualmente foi

ouvido nesta reportagem. Apenas instituições como o Metrô e a SPTrans,

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reforçando os danos causados pelos protestos: "O Metrô estima que o prejuízo

provocado pelos manifestantes seja de R$ 73 mil. Pelo levantamento da companhia,

R$ 68 mil serão gastos com a compra dos vidros das estações e R$ 5 mil com

lâmpadas danificadas durante o protesto. A SPTrans informou que 12 ônibus foram

depredados e outros 53 pichados durante o protesto na quinta-feira." A Folha de São

Paulo cedeu espaço de fala para o diretor de um colégio particular, no bairro de

Pinheiros, que dispensou seus alunos mais cedo: "Como não tínhamos segurança

da dimensão que isso poderia tomar, resolvemos garantir tranquilidade de pais e

alunos". E para a mãe de uma aluna: "A fonoaudióloga Ana Barion, 39, só

conseguiu buscar a filha de nove anos às 17h, pouco antes do protesto. "Fiquei

preocupada. Protestar é justo. Quebrar tudo, não.", através da matéria “Novo ato

contra tarifa faz até colégio fechar mais cedo” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013g).

Novamente não foram ouvidos nenhum manifestante ou representante do

Movimento Passe Livre. Em outra reportagem, “Protesto contra aumento das

passagens fecha a av. Faria Lima” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013h), o jornal

divulgou fala de um manifestante apenas em relação aos acontecimentos da

Avenida Paulista, do dia anterior: "Segundo Marcelo Hotmimsky, 19, um dos

organizadores da manifestação, os atos que ocorreram na Paulista foram

consequência da repressão policial. "A partir do momento que a polícia reprime, a

situação fica incontrolável. Os manifestantes foram atingidos por bombas e balas de

borracha. Eles apenas se defenderam". O Estadão não publicou nenhuma notícia

em seu portal de notícias sobre o ato do dia 07, apenas divulgando na madrugada

do dia seguinte uma pequena entrevista com o prefeito da cidade com o título

“Haddad vai pedir ajuda de Dilma para baixar passagem” (RODRIGUES, 2013b), na

qual ele expõe sua disposição em rever o preço da passagem: "Tirando aí os atos

de violência completamente injustificáveis, eu penso que esse fenômeno

relativamente novo tem um fundamento interessante, que dialoga com a questão da

mobilidade urbana, da emissão de carbono, com a questão social. Apesar de estar

dialogando com uma agenda importante, o movimento está defasado no que diz

respeito ao debate público, porque os prefeitos já estão fazendo uma proposta

concreta de subsídio à tarifa de ônibus a partir da municipalização da Cide, que é o

imposto sobre gasolina."

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A próxima ocasião em que os manifestantes tomaram as ruas da cidade foi na

terça-feira, dia 11 de junho. O G1 publicou um resumo dos dias anteriores e a

cobertura dos protestos do dia na reportagem: “Saiba mais sobre os protestos em

SP contra aumentos de ônibus e Metrô” (G1, 2013a), a qual contava apenas com

uma fala do governador do Estado, Geraldo Alckmin: "Para o governador de São

Paulo, Geraldo Alckmin, interromper o trânsito em vias importantes é “caso de

polícia”. A afirmação foi dada em entrevista à Rádio França Internacional (RFI), em

Paris. “Uma coisa é movimento, tem que ser respeitado, ouvido, dialogado. Isso é

normal e é nosso dever fazê-lo. Outra coisa é vandalismo; é você interromper

artérias importantes da cidade, tirar o direito de ir e vir das pessoas, depredar o

patrimônio público que é de todos. Isso não é possível, aí é caso de polícia e a

polícia tem o dever de garantir a segurança das pessoas." Em outra reportagem

divulgada ao final do dia, “Protesto contra tarifa tem confronto, depredações e

presos em SP”, o veículo enfatizou os confrontos ocorridos, cedendo novamente

espaço para uma curta fala de um coronel da Polícia Militar. "Acredito que foi o dia

mais violento, pela intensidade e pela animosidade dos manifestantes, o ânimo

deles, desde o início, de insultar os policiais", afirmou o tenente-coronel Marcelo

Pignatari, da PM. Segundo o oficial, os manifestantes atiraram fogos de artifício e

coquetéis molotov contra os policiais. "Pessoas que querem defender uma ideia

contra o aumento da tarifa não trazem esses acessórios", disse". Um pequeno

depoimento de um manifestante: "Um integrante do Movimento Passe Livre que se

identifica apenas como Marcelo disse que os ataques começaram após a repressão

policial contra os manifestantes no Parque Dom Pedro. "Antes disso, houve alguns

pequenos focos de conflito sem importância. Não teve nada disso antes de a polícia

iniciar a repressão", afirmou. De acordo com ele, o movimento se dividiu em vários

grupos e passou a atuar sem um comando central. Ele disse que O MPL não

assume a responsabilidade pelos ataques a ônibus e prédios públicos. "Com mais

de 15 mil pessoas, não dá para controlar", e voltou a citar a mesma argumentação

do governador de São Paulo sobre a diferenciação entre manifestação e

vandalismo. Apenas na noite posterior, dia 12, houve uma publicação no portal do

grupo Globo relatando agressão da PM em detenção do jornalista Pedro Nogueira, a

partir de vídeo independente divulgado na plataforma YouTube, na qual consta

posicionamento da PM, relato de fala de um familiar e afirmação da diretora da

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instituição onde o jornalista trabalhava (MORA, 2013b). O portal do grupo Folha, na

reportagem: “Em Paris, Alckmin, Haddad e Temer criticam destruição durante

protesto” (ROCHA, 2013) enfatizou apenas o posicionamento das autoridades

políticas, evidenciando em suas falas a pouca abertura para um diálogo com as

reivindicações que vinham sendo pleiteadas pelos manifestantes. Nessa publicação,

foi dado espaço para o argumento do prefeito de que: “A liberdade de expressão

está sendo garantida, mas as pessoas não estão fazendo uso adequado dessa

liberdade de expressão. Os métodos não são aprovados pela própria sociedade”. Na

mesma inclinação, foi selecionada uma fala do, na ocasião, vice-presidente Michel

Temer, segundo o qual “A liberdade que a Constituição garante é a liberdade de

expressão, não a de agressão”. Quanto ao governador, publicou-se uma fala mais

severa do governador Geraldo Alckmin, cujo texto dizia: “É intolerável a ação de

baderneiros e de vândalos destruindo o patrimônio público e devem pagar por isso.

É patrimônio coletivo. Destruir ônibus, que é exatamente para servir a população, é

inaceitável”. Na publicação “Manifestantes fecham pista da Paulista e voltam a entrar

em confronto” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013f), o jornal cede espaço para falas de

um motorista de ônibus. "Eu estava com 15 passageiros; o pessoal de capuz

ameaçou atear fogo. Pedi para o pessoal sair e aí eles destruíram todo o ônibus.

Meteram pedra de cima abaixo", disse o motorista de um veículo da linha 435, da

EMTU (Diadema-25 de Março)"; e para o tenente-coronel da operação de dispersão

da manifestação: "Enquanto eu negociava com dois que diziam ser líderes do

movimento, outro grupo começou a agredir os policiais. Eu mesmo levei uma

paulada na perna", disse o tenente-coronel Marcelo Pignatari, comandante da

operação." Ainda, em outra reportagem, “Repórter da Folha é detido durante

protesto na av. Paulista, em SP” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013j),o veículo divulga

apenas a detenção de um funcionário, reservando quase metade da publicação para

falas do repórter. O Estadão, por meio da reportagem: “Manifestantes entram em

confronto com a PM no 3º protesto contra a alta na tarifa de ônibus em SP” (TAU,

2013) cobriu uma sequência de acontecimentos do dia, reportando-os por intervalo

de minutos das 14 horas e 30 minutos até às 0 horas e 10 minutos do dia seguinte.

Por esses trechos, é possível notar que, até então, apesar da violência e caos

causados pelo enfrentamento entre manifestantes e policiais, a grande mídia

continuava focando suas pautas nas ações depredatórias atribuídas aos

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manifestantes e aos posicionamentos da polícia militar, prefeitura e governo do

Estado, além de instituições, dando pouco espaço para os manifestantes e suas

reinvindicações. Enquanto isso, cada vez mais pessoas filmavam e compartilhavam

os atos de protesto e as ações policiais na internet. A viralização desses vídeos foi

fundamental na divulgação dos novos atos, tanto quanto para atrair mais

participantes. Ante tal situação, o Ministério Público de São Paulo se posicionou e

convocou reunião com organizações civis contrárias ao aumento da tarifa do

transporte público e a presença do Secretário Municipal de Transportes, de

representantes da Secretaria Estadual de Transportes, além de membros do próprio

MP.

Na noite seguinte, 12 de junho, no Jornal da Globo, Arnaldo Jabor utiliza sua

coluna televisa para destacar atos de violência da parte dos manifestantes,

posicionar-se contrário às pautas reivindicadas em torno do transporte público e

criticar duramente as manifestações:

Mas afinal, o que provoca um ódio tão violento contra a cidade? Só

vimos isso quando a organização criminosa de São Paulo queimou

dezenas de ônibus. Não pode ser por causa de vinte centavos. A

grande maioria dos manifestantes são filhos de classe média, isso é

visível. Ali, não havia pobres que precisassem daqueles vinténs não.

Os mais pobres ali eram os policiais apedrejados, ameaçados com

coquetéis molotov, que ganham muito mal. No fundo, tudo é uma

imensa ignorância política; é burrice misturada a um rancor sem

rumo. Talvez seja influência da luta na Turquia, luta justa contra o

islamismo fanático, mas aqui se vingam de que? Justamente, a

causa deve ser a ausência de causas. Isso. Ninguém sabe mais

porque lutar, em um país paralisado por uma disputa eleitoral para

daqui há um ano e meio. O governo diz que está tudo bem, apesar

dos graves perigos no horizonte, como inflação, fuga de capitais,

juros e dólar em alta. Porque não lutam contra o projeto

constitucional 37, a PEC 37, por exemplo, que será votada dia 26 no

Congresso para impedir o Ministério Público de investigar? Talvez

eles nem saibam o que é a PEC 37, a lei da impunidade eterna.

Esses caras vivem no passado de uma ilusão. Eles são a caricatura

violenta da caricatura de um socialismo dos anos 50, que a velha

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esquerda ainda defende aqui. Realmente, esses revoltosos de classe

média não valem nem vinte centavos. (JABOR, 2013a).

O dia 13 de junho amanheceu com a manchete: "Governo de SP diz que será

mais duro contra vandalismo" (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013a) estampada na capa

da Folha de São Paulo. No editorial, o jornal se refere aos manifestantes como

"jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária, que

buscam tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar

em ônibus e trens superlotados" e que a reinvindicação da gratuidade no transporte

público seria uma fachada: "O irrealismo da bandeira já trai a intenção oculta de

vandalizar equipamentos públicos". Por fim, cobram do poder público um ponto final

nas manifestações: "No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a

força da lei. Cumpre investigar, identificar e processar os responsáveis. Como em

toda forma de criminalidade, aqui também a impunidade é o maior incentivo à

reincidência".

No mesmo dia 13, o portal G1 noticia o ato marcado para aquela mesma

tarde e as novas estratégias da polícia: “Estamos infiltrando policiais nos protestos e

rastreando a web para identificar os manifestantes que cometeram vandalismo”, diz

o delegado-assistente da seccional, Luis Francisco Segantin Jr., que também é

responsável pelo setor de inteligência da delegacia (TOMAZ, 2013a). De fato, os

protestos que aconteceram no final daquele dia, foram marcados por intensa

repressão policial. O jornal O Estado de São Paulo realizou cobertura minuto a

minuto, onde se pode notar a violência dos confrontos daquele dia de ato (TAU,

2013c). Jornalistas e manifestantes foram revistados. Muitos que portavam vinagre

foram detidos. Por volta das 19h, a polícia inicia ação planejada de dispersão dos

manifestantes usando bombas de gás e balas de borracha. Nos vídeos

compartilhados nas redes sociais, manifestantes afirmam que a agressão da polícia

começou sem motivo. Na ocasião uma repórter da Folha de São Paulo foi atingida

no olho por uma bala de borracha. Vários membros da imprensa relataram

agressões e prisões. As estimativas do dia 13 de junho chegaram a mais de 200

detidos e inúmeros feridos. Até aquele momento das manifestações, pela redução

da tarifa do transporte público, foi a repressão mais brutal da Polícia Militar. Durante

o ato, o apresentador do programa televisivo Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes,

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José Luiz Datena, apresentou uma enquete ao vivo e, ao perceber o apoio dos

internautas e telespectadores ao protesto, demonstrou constrangimento e

impaciência. Solicitou que a pergunta fosse reformulada e a enquete refeita,

suspeitando mal-entendido na colocação da questão. Entretanto, o resultado foi

semelhante e a pesquisa foi retirada da edição daquele programa.

Figura 1 – Datena surpreendido na 1ª enquete

Figura 2 – Datena novamente surpreendido na 2ª enquete

Fonte: YOUTUBE, 2013d.

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Na noite do mesmo dia, o então prefeito Fernando Haddad reitera para o

Estado de São Paulo que não há possibilidade de reverter o aumento da tarifa: "Não

pretendo rever o preço do transporte público, porque o esforço que foi feito ao longo

do ano para que o reajuste da tarifa fosse muito abaixo da inflação foi enorme. Ele

vai significar investir mais 600 milhões em subsídios" (RODRIGUES, 2013a). A

violência e a repressão brutal da polícia militar na noite de 13 de junho foram

amplamente registradas e compartilhadas nas redes sociais. Os vídeos destoavam

de versões contadas pela polícia e passaram a servir como denúncia dos abusos,

gerando crescente indignação. Uma publicação de grande impacto na credibilidade

do discurso de criminalização de manifestantes por atos de vandalismo foi a

postagem de um vídeo amador, registrado por smartphone, no qual é possível notar

um policial militar em serviço, quebrando um dos vidros da própria viatura numa

tentativa frustrada de gerar falsas provas da violência praticada pelos protestantes.

Essa publicação foi replicada em redes sociais e, somente na plataforma de

broadcast de vídeos YouTube, somou em uma das replicações mais de 100 mil

visualizações (TOMAZ, 2013b; YOUTUBE, 2013e).

Figura 3 - PM quebra vidro da própria viatura

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Fonte: G1, 2013.

Diante da repercussão cada vez maior que os conteúdos alternativos

passaram a gerar, em desconstrução das versões oficiais divulgadas nos grandes

veículos de comunicação, é possível observar a adesão à narrativa dos

manifestantes na medida em que suas narrativas, paulatinamente, recebem espaço

nos mesmos veículos.

Nesse contexto, outros sites foram criados para reunir essas denúncias, como

os Tumblr intitulados: O Que Não Sai Na TV, que reúne relatos de pessoas que

participaram ou passaram nos locais de manifestação pela redução da tarifa de

transportes em São Paulo, e o Feridos No Protesto, que além de expor os danos

físicos sofridos pelos manifestantes, em decorrência de ações da PM, ainda

organiza relatos de participantes dos protestos e divulga informações úteis. Dessa

forma, em prol da elaboração de uma rede de apoio mútuo, variados conteúdos

passaram a ser compartilhados na internet, a fim de garantir a integridade dos

manifestantes, como um mapa colaborativo do protesto, com sinalização de

unidades da polícia, locais seguros e pontos de atendimento de vítimas, assessoria

jurídica básica com disponibilização de advogados e modelo de habeas corpus, e

divulgação de tags para serem utilizadas como apoio durante os protestos.

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Figura 4 – Tag #MOBAjuda

Fonte: feridosnoprotestosp.tumblr.com

As manchetes do dia 14 de junho trazem estampados os conflitos e

confusões da noite anterior. A Folha de São Paulo, pela primeira vez, traz como

matéria principal de capa a reportagem: "Polícia reage com violência a protesto e SP

vive noite de caos". Nos cadernos internos e na internet constam ainda outras

matérias como: "Em protesto, sete repórteres da Folha são atingidos; 2 levam tiros

no rosto" e "PM usou gás lacrimogênio vencido para dispersar manifestação em SP".

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Figura 5 – Capa da Folha do dia 14

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 2013b.

Diferentemente do que vinha fazendo até então, o portal G1 publicou uma

matéria intitulada: "Veja relatos de participantes de protesto em SP – Multidão do ato

de quinta é diversa e não representa só um grupo", onde diferentes manifestantes

deram um pequeno depoimento sobre porque aderiram aos protestos: "Também

acompanhava o grupo a cineasta Caru Souza, de 33 anos. ‘Encontrei a Lia no metrô

Sumaré e combinamos de vir. Há uma mobilização intensa pela internet; não há

quem não saiba, quem não tem uma opinião sobre isso’, afirmou Caru." (MORENO;

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STOCHERO, 2013). Nessa publicação é possível observar que muitos dos

participantes tiveram nessa manifestação seu primeiro engajamento em protestos.

Dessa forma, o apoio à manifestação aumentou e, para tanto, também foi decisiva a

viralização dos vídeos da brutalidade policial da noite anterior. O Estado de São

Paulo noticia que "Atos são marcados em 27 cidades no exterior em apoio aos

protestos no Brasil", reforçando o poder das redes sociais e a Folha de São Paulo

diz que "Maioria da população é a favor dos protestos, mostra Datafolha". Ainda

assim, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ainda tenta manter seu

posicionamento; reforça que não irá recuar no aumento da passagem e que

"possíveis abusos serão investigados" (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013e).

No dia 15 de junho, a Folha de São Paulo noticia que "Após violência,

manifestantes de SP ganham apoio de instituições", onde relata que "O centro

acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do largo São Francisco, da USP,

promoveu encontro com estudantes da própria instituição, além de PUC, FGV e

Mackenzie, em que decidiram pela criação de um centro de apoio jurídico aos

detidos nos protestos." A ação reforça o impacto das denúncias sobre a conduta

policial feita principalmente via vídeos compartilhados em redes sociais.

Um novo ato é marcado para o dia 17 de junho e, nesse momento,

manifestações relativas ao transporte público, especificamente aos preços das

passagens, já se espalham por todo o país. Sob o impacto da brutalidade policial

dos dias anteriores e após reunião com os líderes do MPL, o secretário de

Segurança Pública proíbe a utilização de balas de borracha e a presença da Tropa

de Choque na manifestação. Uma das líderes das manifestações falou, em

entrevista ao Fantástico, sobre as motivações do movimento. “A gente propõe à

cidade a tarifa zero, que seria o transporte público gratuito e de qualidade e as

pessoas também terem mais controle politico sobre o que é sistema de transporte na

cidade. O sistema de transporte, como está colocado hoje, não serve para garantir o

direito do cidadão. Ele serve para garantir o lucro dos empresários que vivem disso”,

diz Mayara Vivian. Segundo o Datafolha, cerca de 65 mil pessoas foram as ruas de

São Paulo. O ato seguiu pacífico na maior parte do tempo e, de acordo com a Folha

de São Paulo, ao longo do percurso, manifestantes pediram para que bandeiras de

partidos políticos fossem guardadas (FOLHA DE SÃO PAULO, 2013c).

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Nesta noite, Arnaldo Jabor faz novo pronunciamento no Jornal da Globo, se

retratando e mostrando uma mudança de posicionamento em relação as

manifestações:

À primeira vista esse movimento parecia uma pequena provocação

inútil que muitos criticaram erradamente, inclusive eu. Nós temos

democracia desde 1985, mas democracia se aperfeiçoa, senão

decai. Entre nós, quase tudo acabava em pizza ou em paralisia

entre os três poderes. O Brasil parecia desabitado politicamente.

De repente, apareceu o povo. De repente, o Brasil virou um mar.

Uma juventude que estava calada desde 1992; uma juventude que

nascia quando Collor caía, acordou. Abriram os olhos e viram que

temos democracia. Mas, uma república inoperante. Os jovens

despertaram porque ninguém aguenta mais ver a República

paralisada por interesses partidários ou privados. Só há dois

perigos: a tentação da violência e o vazio. Se tudo virar batalhas

campais, a coisa se destrói. Se virar um movimento abstrato,

genérico demais, tudo se esvai. É preciso uma política nova, se

reinventando, mas com objetivos concretos. Como, por exemplo, a

luta contra o projeto de emenda constitucional 37, o PEC 37, que

será votada na semana que vem para limitar o Ministério Público,

que defende a sociedade. Se tudo correr bem, estamos vivendo um

momento histórico lindo e novo, os jovens terão nos dado uma

lição. Democracia já temos; agora temos que formar uma

República.” (JABOR, 2013b).

No dia seguinte, 18 de junho, o portal G1 publicou notícia sobre

pronunciamento da presidenta com o título: “Dilma defende protestos e diz que

governo ouve 'vozes pela mudança’” (MENDES, 2013), expressando abertura do

governo federal para diálogo com as manifestações reivindicatórias. Ainda no

mesmo dia, novo ato reúne cerca de 50 mil pessoas. De acordo com o Estado de

São Paulo, o protesto acabou com lojas saqueadas no centro da cidade, a prefeitura

e o Teatro Municipal depredados, além de 47 detidos. Quase no final do ato, um

grupo de manifestantes colocou fogo em um totem da Coca-Cola, localizado no

cruzamento entre a Av. Paulista e a Consolação. A ação, no contexto de execução,

assumiu forte carga simbólica e foi transmitida ao vivo pela Mídia Ninja.

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Figura 6 – Destruição do totem promocional da Coca-Cola

Fonte: MEDIUM, 2014

Durante a transmissão, o cinegrafista entrevista manifestantes, dá

informações sobre a repressão policial e noticia o que presencia. Em um momento

da transmissão é possível ouvir gritos que clamam "queima, queima!", vindos de

alguns manifestantes. Muitos se juntam e começam a destruir o totem da Coca-Cola.

Alguns outros manifestantes tentam apaziguar a situação. Gritos de "Foda-se o

sistema" são ouvidos e, na seqüência, podemos ver o totem sendo destruído com

mais veemência até ser ateado fogo. Durante toda a transmissão, a postura do

cinegrafista é de relatar os ocorridos, sem se unir aos gritos e a destruição, mas se

aproximando da ação para retratá-la (YOUTUBE, 2013b). Os eventos desse dia

foram transmitidos ao vivo pela conta de @Phillipex7, através do TwitCasting Live

(TWITCASTING LIVE, 2013), uma plataforma japonesa de twitcasting, e, ao todo,

alcançaram mais de 100 mil visualizações (MEDIUM, 2014).

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Nesta mesma noite, um outro vídeo tomou as redes sociais. Anonymous

Brasil, um grupo hacker, divulgou um vídeo chamado: "As cinco causas", em que

defendem motivos para que a população continue saindo às ruas. De máscara e voz

digitalmente alterada, dizem:

Seremos simples e diretos. As mídias de rádio e TV dizem que não

temos uma causa específica. Isso pode enfraquecer o movimento.

Só a diminuição do valor das passagens do transporte público não

nos satisfaz, mas realmente temos que saber por onde começar um

novo Brasil. Então, vamos levantar causas diretas e sem polêmicas

de cunho religioso e ideológico. Sem bandeiras partidárias ou

subjetividades. Vamos todos levantar causas de cunho moral que

são unanimemente aceitas. E vamos levantar poucas por hora para

que não se dispersem. Chamaremos elas de As Cinco Causas. As

cinco causas são: 1. Não a PEC 37; 2. Saída Imediata de Renan

Calheiros da Presidência do Congresso Nacional; 3. Imediata

investigação e punição de irregularidades nas obras da Copa, pela

Polícia Federal e Ministério Público Federal; 4. Queremos uma lei

que torne corrupção no Congresso crime hediondo; 5. Fim do Foro

Privilegiado, pois ele é um ultraje ao artigo 5 da nossa Constituição.

Repitam, alardem, gritem, retuítem, compartilhem. Baixem o vídeo e

postem em suas contas para que não seja retirado do ar. Verás que

um filho teu não foge à luta. (YOUTUBE, 2013a).

O vídeo rapidamente viralizou e atingiu 1 milhão e 800 mil visualizações. Muitos

manifestantes passaram a reproduzir as causas em suas reinvindicações nos

protestos.

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Figura 7 – VídeoAnonymous Brasil – As cinco causas

Fonte: YOUTUBE, 2013a.

Após intensificação dos protestos e danos provocados pelos conflitos

ocorridos nos atos, no dia 19 de junho, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito

Fernando Haddad anunciaram a revogação do aumento do preço das tarifas do

transporte público e redução para o valor anterior de R$ 3,00. Ante tal circunstância,

o Movimento Passe Livre decidiu ainda manter o ato marcado para o dia seguinte,

20 de junho, como forma de comemoração do sucesso dos protestos e êxito na

reivindicação principal: "Vamos manter o ato para comemorar e também em

solidariedade às outras cidades que ainda querem a revogação do reajuste", disse

um dos integrantes do movimento, o estudante Caio Martins, de 19 anos, ao Estado

de São Paulo (DUAILIBI; GALLO, 2013). Mesmo com as tarifas do transporte no

mesmo patamar dos anos anteriores, a população retornou às ruas, indicando que,

para além da questão daquelas reivindicações, havia uma série de outros temas de

preocupação da sociedade paulistana. Assim, no dia 20 de junho, cerca de 100 mil

pessoas se reúnem na Avenida Paulista com reinvindicações variadas: contra a

corrupção, cura gay, PEC 37, entre outros. Espalhados por todo o país, os

noticiários contabilizam mais de 1 milhão de manifestantes e, nesse momento,

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então, a reportagem publicada pelo Estadão, intitulada: “As faces de mais um dia de

protestos”, cede espaço para os variados motivos que faziam aqueles manifestantes

aderirem ao protesto (RIZZO et al, 2013). Diversos relatos de intolerância com a

queima de bandeiras de partidos políticos e movimentos sociais, como na matéria do

Estado de São Paulo, onde uma jovem chamada Marina se mostrava indignada:

“‘Vivemos em um país democrático e isso não deveria acontecer. Queimar uma

bandeira é queimar um ideal de uma pessoa’, disse a jovem, que aparentava ter 20

anos." (TAU, 2013b). Em nota no Facebook, o MPL afirmou que é "um movimento

social apartidário, mas não antipartidário" e repudiou os "atos de violência

direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje (quinta), da

mesma maneira que repudiamos a violência policial". No dia seguinte ao ato, o MPL

anunciou a suspensão de novas manifestações em São Paulo. A Folha de São

Paulo publicou, no dia 21 de junho, uma matéria em que cita o depoimento de um

dos membros do movimento: "A gente acha que grupos conservadores se infiltraram

nos últimos atos para defender propostas que não nos representam", disse Rafael

Siqueira, 38, professor de música e ativista do MPL desde 2006. De acordo com ele,

o recuo do movimento foi decidido no final da noite de ontem, por consenso, após os

incidentes na Paulista." Mesmo com a retirada do Movimento Passe Livre, as

manifestações continuaram, cada vez com focos mais variados.

A essa altura dos protestos, embora a pauta do transporte tivesse chegado

provisoriamente a um acordo, as ruas continuavam a refletir o fluxo de informações

e mobilizações instaurado nas redes sociais. Dessa forma, na noite do dia 21 de

junho, a presidenta Dilma Rousseff havia cancelado evento diplomático com o Japão

e foi à rede nacional realizar pronunciamento, com o objetivo de ressaltar que estava

atenta ao clamor das ruas e repudiava uma minoria violenta (TAU, 2013d). Como

contrapartida às manifestações que tomaram as ruas de inúmeras cidades no país,

a maior autoridade do Executivo federal se posicionou aberta ao diálogo e anunciou

um pacto pela melhoria nos serviços públicos.

Após o fim do período hoje conhecido como as jornadas de junho, a Mídia

Ninja continuou atuando na cobertura de manifestações, atos, eventos e debates de

diferentes naturezas. Em julho de 2013, um caso ficou emblemático. O Papa

chegava ao Brasil para uma visita e alguns membros da Mídia Ninja foram presos

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enquanto trabalhavam cobrindo as manifestações. Uma grande comoção popular

ocorreu na frente da delegacia para a soltura dos midiativistas, o que denota o

alcance que suas transmissões estavam tomando. Na mesma noite, o estudante

Bruno Teles é preso no Rio de Janeiro, acusado de portar explosivos em uma bolsa

que ele afirmava nunca ter carregado. Em depoimento à Mídia Ninja, ainda na

delegacia, Bruno pede para que os ativistas enviem imagens da manifestação que

comprovem sua inocência. Várias pessoas enviam suas imagens do dia em questão

e a Mídia Ninja consegue montar um vídeo que mostra com clareza que Bruno é

inocente e revela a infiltração de agentes da polícia como início da confusão na

manifestação. Bruno Teles, então detido no presídio de Bangu, é liberado. Naquela

noite, o Jornal Nacional, da Rede Globo se retrata: "Ao contrário do que tinha sido

divulgado em várias notas oficiais das Policias Militar e Civil, Bruno Ferreira Teles

não portava explosivos no momento da prisão” — William Bonner, no Jornal

Nacional. Além disso, pela primeira vez, imagens feitas pela Mídia Ninja estampam o

jornal mais assistido do país.

Figura 8 – Entrevista de Bruno Teles à Mídia Ninja exibida no Jornal Nacional

Fonte: BARREIRA, 2013.

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A partir dessa situação, a Mídia Ninja passa a tomar um espaço cada vez

maior como uma plataforma de comunicação, ganhando matérias na imprensa

tradicional, como a do dia 28 de julho de 2013, na Folha de São Paulo: "Grupo Mídia

Ninja se projeta ao cobrir protestos ao vivo" (SÁ, 2013). Na matéria, comentam a

situação emblemática da queima do totem da Coca-Cola: "Praticamente sem

concorrente, acompanhou de celular na mão os confrontos entre a Tropa de Choque

e os manifestantes na rua Augusta, perto da avenida Paulista. O fenômeno "ninja"

nasceu naquele momento, quando ele calcula ter alcançado 100 mil espectadores".

Em agosto de 2013 é a vez do jornal inglês The Guardian, com a manchete "Brazil’s

ninja reporters spread stories from the streets" (WATTS, 2013), em tradução livre

para o português, "Repórteres ninjas do Brasil espalham histórias das ruas", onde

discorrem sobre como o coletivo de jornalistas, munidos de celulares com câmeras

está dando voz aos descontentes com a política local.

Figura 9 – Matéria do The Guardian sobre a Mídia Ninja

Fonte: THE GUARDIAN, 2013.

Em agosto de 2013, os idealizadores do Mídia Ninja, Bruno Torturra e Pablo

Capilé, são convidados a uma noite de sabatina no programa Roda Viva, da TV

Cultura, para conversarem sobre sua atuação e esclarecerem tópicos concernentes

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ao que chamaram de "novo jornalismo", como evidente interesse de jornalistas e

comunicadores que já estavam estabelecidos nas mídias tradicionais e realizavam a

comunicação e debate à maneira tradicional, embora repleto de controvérsias. Além

disso, outro novo patamar de participação foi alcançado pelo coletivo, ao projetar

nacionalmente os registros realizados por jornalistas colaboradores da Mídia Ninja,

que, na ocasião, passaram a estampar capas de jornais da mídia tradicional.

Destaca-se, entre as publicações, o caso abaixo, da capa da Folha de São Paulo, do

dia 15 de dezembro de 2014,na qual se apresenta o registro de uma manifestação

do grupo Levante Popular da Juventude.

Figura 10 – Capa da Folha de São Paulo com fotografia da Mídia Ninja

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, 2014.

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A capacidade de comunicação e influência construída pelo coletivo

jornalístico, no decorrer dos meses pós manifestações, resultou em números talvez

inimagináveis até mesmo para os seus participantes. Em 2017, a Mídia Ninja atingiu

níveis de engajamento nas redes sociais maiores do que veículos tradicionais

alcançaram. Entre eles, as revistas Veja, IstoÉ, Época, os jornais a Folha de São

Paulo, o Estado de São Paulo, o Globo e os portais de internet UOL e BBC Brasil.

As métricas foram computadas pelo próprio coletivo e, de acordo com a Mídia Ninja,

o ranking foi elaborado com base nos números do engajamento, obtidos através da

"soma das curtidas, dos comentários e dos compartilhamentos de todos os usuários

que usufruem do conteúdo, mas, também, o constroem ativamente, a partir da

republicação e colaboração." (MEDIUM, 2017).

Figura 11 – Comparativo de engajamento Mídia Ninja X Mídias Tradicionais

Fonte: MEDIUM, 2017.

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4.2 Faces da internet: mapeamento de público e características de utilização

A partir de pesquisa realizada pelo IBOPE, no dia 20 de junho de 2013,

apontamentos sobre posicionamentos dos manifestantes permitem compreender

algumas características do perfil do público dos protestos (IBOPE, 2013). Note-se

que a data das entrevistas corresponde a data posterior ao anúncio de revogação do

aumento da passagem, momento em que a narrativa dos manifestantes sobre seus

motivos de protesto e formas de atuação conquistou espaço e adesão pública.

Dessa forma, 46% dos entrevistados nunca haviam participado de manifestações e,

entre a maioria deles, 66%,independente das circunstâncias do protesto,acreditavam

que as depredações de bens públicos e privados nunca são justificadas. Com

relação ao policiamento e ações de intervenção militar, 57% dos manifestantes

consideraram as abordagens muito violentas, enquanto 24% afirmaram que houve

violência, mas, sem exageros. Já a principal pauta das reivindicações, redução das

tarifas do transporte público, na data da entrevista, apresentava adesão de 46% dos

manifestantes para a resolução do governo arcar com os custos da mudança,

enquanto outros 29% acreditavam que os custos deveriam ser repassados

exclusivamente aos empresários e, ainda, 21% acreditavam que os gastos deveriam

ser divididos entre ambos. Todavia, a despeito das divergências, 94% dos

manifestantes acreditavam que os protestos iriam conseguir promover as mudanças

reivindicadas.

Em outro amplo mapeamentorealizado ainda com certa proximidade ao

período dos protestos de 2013, o relatório TIC de 2015, elaborado pelo Comitê

Gestor da Internet do Brasil, de recorte voltado à análise dos usos da internet,

divulgou resultados relevantes sobre hábitos dos usuários da rede. A pesquisa

revelou que 59% dos domicílios da região sudeste possuíam ao menos 01

computador (CGI, 2016, p. 307) - considerando-se computadores de mesa/desktop,

computadores portáteis/laptops e tablets –, sendo que 51% portadores de dispositivo

móvel (CGI, 2016, p. 311) e que 47% possuíam mais de um tipo de computador

(CGI, 2016, p. 309). Quanto ao acesso à internet, 60% dos entrevistados afirmaram

ter fácil acesso, havendo em 83% dos domicílios a possibilidade de uso por qualquer

morador a qualquer momento (CGI, 2016, p. 314). Quando questionados sobre a

frequência de uso, 86% dos usuários afirmaram acessar a rede todos os dias ou

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quase todos os dias, com baixíssima variação de porcentagem em relação à faixa

etária (CGI, 2016, p. 330).

Em relação aos usos da internet, os números mantêm semelhante alto

patamar na região sudeste. Entre os entrevistados, 86% enviaram mensagens por

WhatsApp, Skype ou chat do Facebook e 78% deles utilizaram redes sociais, como

Facebook, Instagram ou Snapchat. Em contraposição, pode-se notar que o meio

outrora hegemônico de correspondência pela internet, o e-mail, registrou utilização

de 64% dos entrevistados (CGI, 2016, p. 336). Ainda em relação às atividades

realizadas por intermédio da internet, 67% assistiram a vídeos, programas, filmes ou

séries on-line como no YouTube ou no Netflix (CGI, 2016, p. 339). 52% afirmaram

que leram jornais, revistas ou notícias on-line e 34% que acompanharam

transmissões de áudio ou vídeo em tempo real (CGI, 2016, p. 340). Especificamente

quanto aos conteúdos veiculados nas plataformas digitais, 38% dos entrevistados

utilizavam a Internet para postar textos, imagens ou vídeos que eles próprios

criavam e 67% deles utilizavam a internet para compartilhar conteúdo na Internet,

como textos, imagensou vídeos (CGI, 2016, p. 343).

Quanto às formas de utilização, 30% dos usuários de Internet utilizaram a

rede apenas pelo telefone celular e 60% usaram a rede tanto pelo computador

quanto pelo celular (CGI, 2016, p. 349). Entre aqueles que possuem celular próprio,

60% assistiram a vídeos pelo dispositivo, 61% compartilharam fotos, vídeos ou

textos pelo celular e 57% deles acessaram redes sociais, como Facebook,

Instagram ou Snapchat pelo aparelho móvel (CGI, 2016, p. 381), sendo que 72%

possuem conexão 3G ou 4G (CGI, 2016, p. 385). A medição da frequência de

acesso à internet via telefone celular, revelou, ainda, que 85% dos entrevistados

afirmaram fazê-lo todos os dias ou quase todos os dias (CGI, 2016, p. 387).

Dessa forma, os dados revelados pelo relatório do Comitê Gestor da Internet

reforçam, sobremaneira, a suposição de que a internet ocupou espaço definitivo nas

formas de comunicação dos cidadãos contemporâneos e se tornou um meio de

grande importância.Como tal, a rede tem sido deliberadamente utilizada para

consumo, divulgação e compartilhamento de conteúdos diversos, tendo sido

provavelmente também bastante utilizada como ferramenta de contato, localização e

organização entre os protestantes durante as manifestações de junho, assim como

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possivelmente passaram a compor o conjunto de hábitos adquiridos pelos mesmos e

incorporados em seu cotidiano.

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CONCLUSÃO

As manifestações que marcaram o mês de junho de 2013 ocuparam seu

espaço na história da política brasileira e, já nos anos subsequentes,sem grandes

esforços se pode notar a intensificação dos debates em torno de questões de

natureza coletiva, as quais se pluralizaram em temáticas e ocorrências desde o

período. As formas de participação social, nos dias atuais, desse modo,

aparentemente apresentam características inauditas atreladas à expansão e

realização de atividades coletivas em meios digitais, cuja relativa novidade talvez

ainda reserve pequenas margens para atuação livre de mediação institucional.

O desenvolvimento dos artifícios tecnológicos e a invenção de variadas

aplicações para eles têm supostamente forjado renovados espaços para trocas, nos

quais as pessoas não somente consomem informações, narrativas e simbologias,

mas, também, as produzem. Dessa forma, neste momento histórico onde

provavelmente pela primeira vez as redes digitais se encaminharam e se

conectaram às ruas, cidadãos-multimídias tornaram-se interlocutores com um peso

nunca por eles atingido enquanto cidadãos comuns, tendo capacidade de construir

ou reproduzir opinião e compartilhá-la na quantidade proporcional de seu círculo de

influência no ambiente virtual, ou na valorização que seus pares atribuem ao seu

post. Por isso, as redes digitais demonstram o enorme potencial transformador da

tecnologia em relação à vida pública, operando como catalizadoras da organização

e manifestação das demandas políticas encontradas nas sociedades, por vezes

abafadas pela dominação do discurso burocrático e dos interesses mercadológicos.

A respeito dessa discussão, pode-se observar a forma como transcorreu a

disputa narrativa dos eventos de junho, retratada nos noticiários e meios de

divulgação de conteúdos jornalísticos. Desde o início dos atos chamados pelo

Movimento Passe Livre, até o momento em que autoridades, agentes públicos,

grupos midiáticos e membros da sociedade civil, de maneira geral, passaram a ouvir

as reivindicações bradadas pelos manifestantes nas ruas da cidade de São Paulo,

houve ao menos duas semanas de intensos protestos nas quais nem os integrantes

do MPL, nem os próprios cidadãos que participavam das manifestações obtiveram

voluntariamente convite ou espaço para exposição de seus motivos reivindicatórios,

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para além dos questionamentos sobre os confrontos com policiais e ações de

violência decorrentes, ou versões sobre os acontecimentos conflituosos – e a

despeito dos oito anos de existência do movimento em São Paulo. Dessa forma,

pode-se supor que, nesse período, o discurso amplo e pluralizado sobre a pauta

estava aparentemente interditado e restrito à versão oficial daquilo que

representavam as mobilizações, reiteradas vezes divulgadas pelos grandes veículos

de comunicação, quando não reduzida a atos de vandalismo, apenas como

protestos de pessoas descontentes com o alto preço da passagem, que ignoravam

anos sem reajuste e o valor que fora somente corrigido em relação à inflação. Nesse

contexto, talvez não resulte em posicionamento desmedido inferir que um debate

socialmente necessário, porque relativo a pautas diretamente relacionadas à

totalidade da população de uma cidade, tal como o preço da passagem do

transporte público e, generalizando o tema, o deslocamento ou o acesso das

pessoas à cidade, dificilmente encontraria espaço em um cenário onde não havia

disposição voluntaria ao diálogo, nem de parte das autoridades locais, nem mesmo

da imprensa. Assim, a capacidade de arregimentar milhares – ou milhões, pós

protestos dos transportes – de manifestantes nas ruas foi, aparentemente, requisito

obrigatório para constranger agentes públicos ao diálogo com a sociedade. Nesse

contexto, as redes de comunicação digitais foram ferramentas fundamentais para

realizar uma espécie de “drible” nas vias consolidadas de disseminação de

informações, de organização de ações coordenadas e de gestão de debates de

interesse público. Valendo-se dessas ferramentas, os cidadãos do ainda jovem

século, ao que tudo indica, estabeleceram uma forma de comunicação alternativa e,

de certa forma, paralela aos modos convencionais de troca de informações, com

alcance suficiente para mobilizar parte significativa da população da cidade de São

Paulo – e enquanto comunicadores glocalizados, de diferentes partes do mundo.

Assim, em contraposição à aparente normalidade social harmônica

oficialmente propagada, a comunicação imediata entre cidadãos, supostamente

expõe o caráter dinâmico e divergente da convivência humana, e atribui poder aos

cidadãos comuns para reivindicar a participação efetiva na condução dos processos

concernentes à vida pública, contestando uma provável hegemonia coercitiva das

esferas estatal e econômica, exercida sobre as relações sociais, cuja colonização

manteria o mundo da vida sob controle, em todas as dimensões – das relações

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domésticas às comunitárias. Não obstante, a forma desse modo de organização

alternativo às relações institucionais, provavelmente indicaria a aposta numa outra

lógica de convivência, sustentada, haja visto sua própria natureza liberal, por

relações horizontais que exigem um movimento de reconhecimento das

argumentações alheias, anterior a sua verificação, à semelhança do ocorre no

âmbito da ação comunicativa. No entanto, para além da lógica analógica dual do

convívio, a relação rizomática estabelecida entre seres digitais comunicantes revela

um movimento contínuo de agremiação e dissolução de pessoas em movimentos

coletivos, pautados mais num imaginário ou expressão simbólica que num discurso

logicamente estruturado e cartesianamente comprovado. Ante esse cenário, resta

saber, talvez, até que ponto os espaços virtuais e a comunicação em redes

manterão essa fluidez e a liberdade necessárias à manutenção da convivência

participativa e se,nesses moldes, conseguirão levar adiante a forma democrática de

convivência ou o processo radical de reestabelecimento da democracia,

possivelmente assentados pelos tempos vindouros sobre a disposição para a

coletividade, a despeito da burocratização e do controle da participação social. Se

conduzidas de encontro a essas características, as transformações atuais

presumivelmente se colocariam na esteira de uma suposta retomada do projeto do

esclarecimento, pautado, contudo, não mais por uma razão funcionalista ou uma

racionalidade comunicativa, senão pela comunicação descentralizada, estabelecida

pelas redes híbridas e operando de acordo com parâmetros de relacionamento e

convivência balizadores da cultura digital.

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