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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COGEAE ESPECIALIZAÇÃO (PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU) EM DIREITO ADMINISTRATIVO INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PÚBLICA THIAGO REIS AUGUSTO RIGAMONTI SÃO PAULO - SP 2016

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1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

COGEAE

ESPECIALIZAÇÃO (PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU) EM

DIREITO ADMINISTRATIVO

INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PÚBLICA

THIAGO REIS AUGUSTO RIGAMONTI

SÃO PAULO - SP

2016

2

THIAGO REIS AUGUSTO RIGAMONTI

INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PÚBLICA

Monografia apresentada ao

curso de Especialização

(Pós-Graduação Lato Sensu)

em Direito Administrativo, da

Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo -

COGEAE, como requisito

para obtenção do título de

Especialista em Direito

Administrativo, orientada

pelo Professor Mestre

Mauricio Maia.

SÃO PAULO - SP

2016

3

AVALIAÇÃO: .....................................................................................

ASSINATURA DO ORIENTADOR: ....................................................

4

À minha família e amada, com seu apoio

incondicional.

Aos colegas de labor Dr. Jader Aparecido

Pereira Ferreira e Prof. Dr. Lucas André Netto

Cardoso, que com o auxílio e companheirismo

diários, em muito participaram na edificação

deste estudo e de minhas ideias.

Ao caro Prof. Mauricio Maia, que com sua

simplicidade e inteligência coordenou minhas

atividades.

5

Sumário

INTRODUÇÃO........................................................................................... 07

1. – DO REGIME CONSTITUCIONAL DAS CONTRATAÇÕES

ADMINISTRATIVAS E DOS PRINCÍPIOS QUE AS INFORMAM....... 11

1.1. Do Dever de Licitar................................................................ 29

1.2. Da Lei Geral de Licitações Públicas e dos Demais Princípios

que Informam seus Procedimentos................................................. 35

1.2.1. Das Modalidades Licitatórias da Concorrência Pública,

Tomada de Preços, Convite, Leilão, Concurso, Pregão e do

RDC...................................................................................... 42

1.2.2. Dos Tipos (Critérios) de Julgamento: Do Menor Preço; Da

Melhor Oferta; Da Melhor Técnica e Preço; Da Melhor

Técnica................................................................................. 45

2. – DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO............................................ 48

2.1. Da Distinção entre Inexigibilidade e Dispensa de

Licitação.......................................................................................... 51

2.2. Do Conteúdo do Caput do Art. 25 da Lei Federal n.° 8.666/93

– Da Inviabilidade de Competição como hipótese abstrata

autorizativa e do cunho exemplificativo dos Incisos do Art. 25....... 56

3. – DA HIPÓTESE DO INCISO I – DO FORNECEDOR

EXCLUSIVO......................................................................................... 60

6

3.1. Da Vedação à Preferência de Marca e do Atestado de

Fornecimento Exclusivo........................................................................ 67

4. – DA HIPÓTESE DO INCISO II – DO SERVIÇO TÉCNICO

SINGULAR........................................................................................... 75

4.1. Dos Serviços Previstos no Art. 13 da Lei n.° 8.666/93...........84

4.2. Da Contratação dos Serviços Advocatícios.......................... 87

5. – DA HIPÓTESE DO INCISO III – DO PROFISSIONAL DO SETOR

ARTÍSTICO........................................................................................... 97

5.1. Da Consagração pela Crítica Especializada ou pela Opinião

Pública e Da Contratação Direta ou por Intermédio de Empresário

Exclusivo............................................................................................. 101

CONCLUSÃO..................................................................................... 106

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................. 110

7

INTRODUÇÃO

O sistema jurídico normativo nacional, em interpretação sistêmica, é

capaz de, per si, conduzir o intérprete a conclusão da necessidade de que as

relações jurídicas celebradas pela Administração Pública – em especial aquelas

das quais resultarão acréscimos ou decréscimos patrimoniais – hão de ser

antecedidas de procedimento igualitário, a permitir, pois, a observância de que o

gestor administrativo valeu-se, quando do estabelecimento dos vínculos jurídicos

pela máquina gerida, de expediente respeitador da igualdade entre os

administrados, propiciador, concomitantemente, do atingimento da finalidade

administrativa mediante o bom uso (eficiente) do recurso estatal.

Esta é a única conclusão que se pode alcançar ao se deparar com o rol

de princípios e regras de alçada constitucional a embutir, no trato da res publica, a

obrigatoriedade de observância dos pressupostos explícitos da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que inauguram o Capítulo

VII da Constituição da República, intitulado “Da Administração Pública”, no caput

do artigo 37, a nortearem, pois, a interpretação dos dispositivos que lhes dão

sequência.

Se é de se esperar – e de se exigir - que a Administração Pública cumpra

os princípios constitucionais como os suprarrelacionados, bem como os que

destes decorrem e aqueles que se poderia dizer prostrarem-se implícitos, é

evidente a obrigatoriedade de expediente administrativo previamente

regulamentado - a guisa de instrumento de segurança jurídica, isonomia e

publicidade -, igualitário - sob normas que não estabeleçam distinções entre

iguais - e instrumental à obtenção da melhor relação jurídica, daí se afirmar dever

ser esta celebrada com aquele que esteja apto e sob condições favoráveis.

Por essas razões que a doutrina afirma, inclusive, a dispensabilidade do

trato expresso com que o constituinte estabeleceu o rito ordinário licitatório.

Todavia, considerando o contexto histórico e jurídico que vigorava à época da

promulgação da Carta Constitucional, mais facilmente apercebe-se a razão pela

qual, de forma expressa e poder-se-ia afirmar robusta, o constituinte originário

8

previu que, em regra, a Administração Pública deverá estabelecer “processo de

licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,

com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as

condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as

exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do

cumprimento das obrigações”, sempre que tiver de contratar obras, serviços,

compras e alienações (art. 37, XXI, CF).

Vê-se, com rigor, que o constituinte, em dispositivo de profundidade

relevante, previra inúmeros elementos a balizar as contratações administrativas,

dentre os quais, sob a égide constitucional, estampara-se a manutenção das

condições efetivas da proposta (acatando, pois, a teoria da imprevisão aos

contratos administrativos), de permissibilidade excepcional - no mínimo

indispensável - às exigências de qualificação técnica e econômica que objetivem

apenas e tão somente assegurar o cumprimento das obrigações, e, aqui de maior

valor ao objeto do estudo, previra que o procedimento de licitação pública é regra,

“ressalvados os casos especificados na legislação”.

Portanto, de solar evidência que a licitação é o procedimento ordinário,

contudo poderia - como pode - ser excetuada, nos termos da Lei.

O constituinte reconhecera, pois, que o procedimento da licitação pública

é instrumental à satisfação das necessidades estatais, em atendimento aos

princípios sob os quais estas se regem. Em sendo instrumento, não é, por via

lógica, um fim em si mesmo.

Situações existirão em que a licitação pública poderá se mostrar como

verdadeiro empecilho ao atingimento das legítimas necessidades de Estado ou,

de melhor forma, poderia se reconhecer que a licitação não se prostraria como o

melhor instrumento para satisfação de determinada necessidade, havendo meio

mais hábil a satisfazê-la.

De certo, existem hipóteses em que a licitação pública, enquanto

procedimento que se rege sob critérios objetivos, previamente estipulados e

igualitários, é instrumento que não se mostra como um bom meio para

atingimento do fim, de certo que a finalidade perseguida figura como interesse

9

público tão elevado quanto - quiçá superior - aqueles protegidos pelo expediente

licitatório.

Essas hipóteses, de inviabilidade de estabelecimento do certame

licitatório, seja por inviabilidade de competição ou pelo reconhecimento – pelo

Legislador – da existência de legítimo interesse público a ser satisfeito mediante

contratação de determinado sujeito, coisa ou em dado tempo, a Lei Geral de

Licitações e Contratos Administrativos reconheceu como circunstâncias

autorizadoras da inexigibilidade de licitação ou dispensa de licitação,

respectivamente, aquelas previstas nos arts. 25 e 24 do respectivo diploma

normativo.

A inexigibilidade de licitação, que neste trabalho merecerá maior

aprofundamento, configura-se como circunstância de reconhecida inviabilidade de

competição. Ou seja, diferentemente das hipóteses de dispensa de licitação - que

são taxativas e decorrem do reconhecimento estatal prévio de melhor

atendimento do interesse público mediante contratação daquele sujeito, naquele

local, daquela coisa ou em determinado tempo -, a inexigibilidade de licitação

deverá (note, deverá, e não poderá) ser reconhecida sempre que as condições da

contratação se mostrarem incompatíveis com o estabelecimento de uma

contratação sob o rito licitatório ordinário.

O próprio legislador previu, e aqui de forma exemplificativa, as típicas

circunstâncias a avocar a inexigibilidade de licitação, quais sejam, a rigor, a

aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos

por único sujeito, vedada a preferência de marca (art. 25, I, Lei Federal n.°

8.666/1993); contratação de serviços técnicos de natureza singular e com

profissionais de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de

publicidade e propaganda (art. 25, II); e contratação de profissionais do setor

artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrados

pela crítica especializada ou pela opinião pública (art. 25, III).

Não obstante, a inviabilidade de competição – a ensejar a declaração da

inexigibilidade de licitação – não ocorrerá, nos eventos fenomênicos, apenas

frente às três hipóteses expostas expressamente no diploma normativo e, não

bastasse, estas próprias hipóteses em si guardam um sem fim de combinações

10

casuísticas e de ocorrências que merecerão, para seu cotejo, um estudo muito

mais profundo do que o quanto percebido mediante a mera leitura dos

dispositivos legais.

11

1. DO REGIME CONSTITUCIONAL DAS CONTRATAÇÕES

ADMINISTRATIVAS E DOS PRINCÍPIOS QUE AS INFORMAM

A Constituição da República Brasileira, promulgada no ano de 1988,

possui em seu teor inúmeros dispositivos aplicáveis à realidade do Direito

Administrativo, aprofundando-se, é de se dizer, com relevante rigor no regime

jurídico concernente à Administração Estatal, normatizando, inclusive com riqueza

de regramento, elementos que poderiam sê-lo pelo legislador ordinário.

Credita-se, cediço, a expansão normativa constitucional ao momento

histórico que, à época, prostrava-se recentemente ultrapassado, não sem refletir

no constituinte o receio da concessão de ampla liberdade de produção legislativa

ao rito infraconstitucional.

Preliminarmente, e com o fito de bem situar a estrutura sistêmica a balizar

a compreensão do regime das contratações administrativas, temos como

imperioso se anotar que, no que atine a estas, não há norma que possua regime

hierárquico superior à Constituição da República1. Com rigor, a Lei Magna se

constitui na emanação normativa a condicionar as que lhe forem supervenientes,

inclusive aquelas decorrentes do próprio poder constituinte derivado, de certo

que, ao se considerar o regime jurídico incidente sobre o Direito Administrativo –

onde se incluem os institutos da licitação pública e do contrato administrativo -, o

teor constitucional há de estabelecer-se no espírito do intérprete, de molde a lhe

1 “Tomando a Constituição como o diploma normativo de grau hierárquico superior às demais

normas, sujeitando o Legislativo aos seus termos, delineia-se novo estágio do constitucionalismo,

que bem se resume na proposição Estado Constitucional de Direito. Nota-se que Estado de Direito

é aquele que é subordinado ao Direito. Agora, a palavra Constitucional vem à colação adjetivando

a palavra Direito. Então, Estado Constitucional de Direito é aquele em que o Estado é subordinado

ao Direito, mas só aquele que obedece à Constituição. O Legislativo, por ilação, já não cria o

Direito sem amarras, sem limites, porém em estrita observância á Constituição. Frisa-se, desta vez

de modo peremptório, o papel que cumpre a Constituição para a ordem jurídica, tornando-se o

ponto máximo e imperativo de convergência entre o processo político e o jurídico.” (NIEBUHR,

Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. 4° ed. rev. e ampl. Belo

Horizonte: Ed. Fórum, 2015, pág. 94).

12

propiciar a melhor compreensão do regime normativo2, inclusive ao fulminar, se

necessário for, o dispositivo de menor hierarquia que lhe seja conflitante3,

valendo, neste ínterim, transcrever trecho professado pelo Professor José Afonso

da Silva, em sua obra intitulada “Curso de Direito Constitucional Positivo”:

A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua

modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da

ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial consequência, o

princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira,

“é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do

moderno direito político”. Significa que a constituição se coloca no

vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos

os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça

e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado,

pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a

organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas

fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em

relação às demais normas jurídicas.4

2 “As normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da ‘pirâmide jurídica’, caracterizam-se

pela imperatividade de seus comandos, que obrigam – reiteramos – não só as pessoas físicas ou

jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado.

O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de

recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem

ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional, pelo administrador

público e pelo juiz. Afinal, são elas que protegem os cidadãos das eventuais arbitrariedades

estatais.

A Constituição, em resumo, fixa as diretrizes, implícitas e explícitas, a serem observadas por todos

(administrados e administradores, pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiros que aqui

residam ou mantenham negócios, membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário etc.),

sob pena de se tornarem sem efeito os atos praticados.

E o mais importante: as normas constitucionais devem receber a interpretação que maior

efetividade lhes empreste, não sendo dado ao aplicador usar de suas próprias idiossincrasias para

‘corrigir’ o que, a seu sentir, está posto de modo inadequado na Lei Maior.” (CARRAZZA, Roque

Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 30 ° edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2015.

Págs. 39-40).

3 Daí se compreender a assertiva proferida por Hans Kelsen, ao afirmar que “o fundamento de

validade de uma norma apenas pode ser a validade de outra norma”. (KELSEN, Hans. Teoria Pura

do Direito, 2° ed., vol. II, trad. De João Baptista Machado, Coimbra, Arménio Amado Editor,

Sucessor, 1962, pág. 02).

4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 36° edição, res. e atual., São

Paulo: Ed. Malheiros, 2013. Pág. 047.

13

Neste diapasão, Ronald Dworkin bem anota, em sua relevante obra

denominada “O Império do Direito”, ao tratar da faceta historicista da corrente

interpretativa constitucional:

O direito serve melhor sua comunidade quando é tão preciso e estável

quanto possível, e isso se aplica particularmente ao direito

fundamental, constitucional. Isso oferece uma razão geral para ligar

a interpretação das leis e de uma constituição a algum fato histórico

que seja, pelo menos em princípio, identificável e imune a convicções

e alianças efêmeras. O teste do autor histórico satisfaz essa condição

melhor que qualquer alternativa. Em sua versão mais forte, que não

permite nenhuma interpretação de um dispositivo constitucional não

extraída das intenções concretas dos autores históricos, confere ao

direito constitucional uma qualidade unilateral e, portanto, propicia a

maior estabilidade e previsibilidade possíveis. A Constituição não será

invocada para anular alguma decisão legislativa ou executiva, a menos

que o saber histórico tenha demonstrado que esse resultado era

pretendido de alguma forma concreta. Contudo, se essa restrição

unilateralista for considerara por demais restritiva, a forma mais frágil

oferecerá mais estabilidade do que qualquer estilo interpretativo que

menospreze as intenções históricas em sua totalidade. Nenhuma lei ou

decisão será anulada se se puder demonstrar, em bases históricas,

que os autores da Constituição esperavam que isso não acontecesse.

(destaque nosso).5

Aliás, cumpre bem anotar que o artigo 1° do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias - que possui status constitucional, embora transitório6

5 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, tradução Jeferson Luiz Camargo, rev. Gildo Sá Leitão

Rios, 3° Ed., São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2014. Pág. 438 6 “De fato, as disposições constitucionais transitórias perdem a eficácia em seu respectivo termo,

que pode dar-se tanto pelo decurso do prazo indicado pelo constituinte originário (fluência do

prazo prefixado de vigência) como pela realização total de seu objeto (adimplemento da condição

resolutiva).

14

- já bem fixa o compromisso das maiores autoridades estatais - dentre elas os

“membros do Congresso Nacional” - em “manter, defender e cumprir a

Constituição, no ato e na data de sua promulgação”.

Do teor da Constituição da República se destacam inúmeros dispositivos

que realçam, explícita e implicitamente, sua condição de superioridade

hierárquica e de condicionantes à validade das regras supervenientes, a saber os

artigos 1°, parágrafo único, 60, § 4° (que estabelece as cláusulas pétreas, cujos

valores por elas protegidos subordinam inclusive o poder constituinte derivado),

102, I, alínea “a”, III, alíneas “a”, “b”, “c”, § 1°, 103, dentre outros.

Posto isto, anotado que compete à Constituição da República a criação

originária do regime jurídico normativo, a condicionar a interpretação dos

diplomas hierarquicamente inferiores, expõe-se que o artigo 37, caput, da Lei

Magna, que inaugura o capítulo legislativo destinado à “Administração Pública”

fixa os princípios que nortearão a atividade estatal, dentre os quais,

explicitamente, determinou obrigatória obediência aos da “legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”7.

Nesta toada, é mister que bem se delineie o significado jurídico que se

reconhece ao signo “princípio”, almejando que estes princípios, adiante

pormenorizados, compreendam adequado realce.

Com rigor, não se olvida que parte da doutrina clássica, nos dizeres de

Robert Alexy8 - que estabeleceu o conceito de princípio como recorrentemente o

reconhecemos -, prega a distinção entre princípios e regras, estabelecendo-os

como espécies do gênero normas, em que os primeiros se reconhecem por sua

A existência das disposições constitucionais transitórias justifica-se plenamente, porquanto são

elas que estabelecem o elo entre o passado e o futuro – isto é, entre a ordem jurídica preexistente

e a inaugurada com a nova Constituição. Parafraseando Luís Roberto Barroso, servem para

‘aplainar a travessia entre o velho e o novo’.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Ob Cit., Pág. 41). 7 Constituição Federal. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) 8 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução de Virgílio Afonso da silva da 5°

edição alemã Theorie der Grundrechte, publicada pela Suhrkamp Verlag (2006), 2° edição, 2°

tiragem. São Paulo: Ed;. Malheiros, 2012. Pág. 90-91.

15

maior generalidade e possibilidade de ponderação em sua aplicabilidade

concreta, distintamente das regras, cujo grau de concretude é mais elevado e

sem permissibilidade ponderativa, em seus termos:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios

são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, e pelo

fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente

das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O

âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e

regras colidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não

satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo

que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto,

determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.

Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção

qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra

ou um princípio.

Alexy ainda anota que o conflito entre princípios provoca no exegeta a

necessária ponderação, em uma relação de precedência dum sobre outro, a

considerar as condições a lhes determinar o peso, distintamente das regras, cujos

conflitos hão de provocar o reconhecimento da invalidade de uma delas, sendo

incabível relativizar, em juízo de ponderação, os seus termos9.

9 “As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois

princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um

princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não

significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá

ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é de que um dos princípios

tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão

da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma

que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior

peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as

colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além

dessa dimensão, na dimensão do peso. (Alexy, Robert. Ob. Cit., Pág. 93-94).

16

Neste diapasão, reconhece-se, inclusive com o fito de conduzir os

conceitos doravante delineados, que os princípios jurídicos constitucionais devem

sê-lo, pois, mandamentos de otimização, normas a servir como finalidades do

sistema jurídico-normativo, a conduzir a produção científica do Direito10, em seus

caracteres legislativos e em sua aplicação pelo intérprete11.

Cumpre destacar, acerca deste tema, anotação feita pelo Prof. Ricardo

Marcondes Martins12, em relevante dissertação acerca das fases de conceituação

dos princípios jurídicos, ao afirmar que “A compreensão da natureza dos

10

“Concebendo-o como ponto de partida, prima principia (primeiro princípio), alicerce de alguma

coisa, irremediavelmente, o princípio será a pedra angular da noção de sistema. Compreenda-se

sistema como método de análise, lídima técnica para examinarmos, de maneira útil e didática, a

realidade circundante. Através dele, ordenamos, de modo analítico, uma dada esfera do saber,

compreendendo-a lógica e coerentemente. É o que o ‘caráter orgânico das realidades

componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o

homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade

científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da

composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta

composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema’ (Geraldo Ataliba,

Sistema Constitucional tributário brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1966 p. 4).

O direito positivo (corpo de normas vertidas na linguagem prescritiva do legislador) não é um

sistema, nem tampouco o é a ciência do direito (corpo de enunciados provenientes da linguagem

descritiva do estudioso). Ambos, porém, consignam realidades que podem ser estudadas

sistemicamente, facilitando-lhes o conhecimento e o manejo. (...)

Princípio constitucional é o enunciado lógico que serve de vetor para soluções interpretativas.

Quando examinado com visão de conjunto, confere coerência geral ao sistema, exercendo função

dinamizadora e prospectiva, refletindo a sua força sobre as normas constitucionais.

A violação de um princípio compromete a manifestação constituinte originária. Violá-lo é tão grave

quando transgredir uma norma qualquer.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada,

10° edição revista, atualizada e reformulada até a Emenda Constitucional n. 70/2012, São Paulo:

Ed. Saraiva, 2012., pág. 47). 11

“As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja,

reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por

ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou

entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou

abstenção em favor de outrem. Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os

sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], ‘núcleos de

condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais’. Mas, como disseram os

mesmos autores, ‘os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar

positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos

básicos da organização constitucional’”. (SILVA, José Afonso da. Ob. Cit. Págs. 93-94). 12

MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado.

São Paulo: Ed. Malheiros, 2010. Pág. 018.

17

princípios depende da percepção clara do seguinte: toda regra jurídica é a

concretização de um princípio jurídico.”13

Não obstante, em uma das maiores produções científicas sobre o tema,

Humberto Ávila com maestria leciona:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente

retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para

cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre

centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes

são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da

descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente

prospectivas e com pretensão de complementaridade e de

parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da

correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos

decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.14

Assim sendo, valendo-nos da brilhante e didática exemplificação

constante na obra de Antonio Roque Carrazza, que registra analogia professada

pelos Profs. Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello, os princípios são

como o alicerce e a estrutura bruta de um edifício, enquanto as regras, por assim

dizer, são suas paredes, portas, janelas e escadas. É evidente que tão mais

completa e eficiente será a construção edilícia em havendo bastantes e em boa

qualidade divisórias, paredes, portas e janelas. Todavia, essas últimas podem ser

13

“Princípios consistem na positivação de um valor. A dignidade da pessoa humana, por exemplo,

é considerada importante e é, nesse sentido, um valor. Enquanto valor possui caráter axiológico

(âmbito do bom). Quando positivado, o valor é introduzido no ordenamento por intermédio de um

princípio, passa do plano axiológico para o deôntico (âmbito do dever-ser). O princípio determina

que o valor por ele positivado seja concretizado da melhor maneira possível e essa ‘melhor forma

possível’ sempre dependerá do caso concreto, das circunstâncias. Diante destas, outros valores,

também positivados, ou seja, outros princípios podem incidir. Necessitar-se-á efetuar uma

ponderação e apurar, diante das circunstâncias, se e em que medida o valor protegido poderá ser

implementado.” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Ob Cit. Pág. 018.

14

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 10°

edição, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. Págs. 78-79.

18

modificadas, aliás, com o tempo deverão sê-lo, podendo mesmo serem excluídas

sem afetar os alicerces e a estruturação da obra. Os alicerces, estes não podem

ser excluídos - sequer substancialmente alterados -, sob risco de a construção

sucumbir. As paredes, os pisos, portas e janelas, portanto, dependem diretamente

da qualificação da estrutura predial (aqui reconhecidas como os princípios), e são

implementados conforme esta estrutura lhes permitir15.

Neste ínterim, o eminente publicista Prof. Celso Antonio Bandeira de

Mello ratifica seu raciocínio, expondo o conceito de princípio jurídico, assertiva

esta que adotamos integralmente e que consideraremos em todas as vindouras

oportunidades em que o signo princípio for citado, in verbis:

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema,

verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para

exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a

lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica

que lhe dá sentido harmônico. Eis porque violar um princípio é muito

mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio

implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório,

mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de

ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio

violado, porque representa insurgência contra todo o sistema,

subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu

arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.16

Neste diapasão, portanto, a considerar os princípios jurídicos enquanto

mandamentos nucleares de um sistema, temos que à Administração Pública

cumpre obrigatório atendimento, preliminarmente, aos princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que figuram, como já dito,

15

CARRAZZA, Roque Antonio. Ob Cit., Pág. 48-49.

16

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 31° edição. São Paulo:

Editora Malheiros, 2014. Pág. 54 (itálico nosso).

19

no caput do dispositivo inaugural do capítulo constitucional intitulado “Da

Administração Pública” (art. 37, caput).

Com rigor, coloca-se acima de qualquer dúvida que a Administração

Pública deverá se submeter a tais conceitos principiológicos, donde, inclusive e

com certo realce, inexoravelmente lhes deverá atendimento em seus

procedimentos de contratações administrativas e licitações públicas.

Vê-se, pois, que sobre a licitação pública - e seus expedientes de

exceção - incidem os princípios aplicáveis ao regime jurídico-administrativo, de

certo, aliás, que o dispositivo constitucional que expressamente fixa a licitação

como rito ordinário de contratação administrativa se encontra em um inciso do

artigo 37 (inciso XXI), cujo caput, como dito, fixa as bases principiológicas a

refletir no sistema normativo “Da Administração Pública”.

Isto posto, é de se frisar que o primeiro princípio exposto no referido

dispositivo normativo é o da legalidade. E a legalidade, realçada no trato da

Administração Pública, possui distinta conotação daquela aplicável às relações

jurídicas privadas, exatamente porque, em seara pública, ao administrador não se

aplica apenas a vedação às condutas defesas em lei, conforme previsto no art. 5°,

II, da Carta Magna, mas, ao revés, faz-se, na Administração Pública, apenas o

que for expressamente autorizado pelo legislador, no que a doutrina também

denomina como princípio da legalidade estrita17.

Celso Antonio Bandeira de Mello leciona:

17

“Pode-se dizer, do princípio da legalidade em relação ao Estado de Direito, que é ‘justamente

aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria’, pois ele representa a submissão do Estado

à lei.

(...)

O sentido princípio do princípio da legalidade comporta o entendimento segundo o qual é o

constituinte, depois o legislador, e, por último, o administrador - nesta ordem hierárquica - que

devem tomar decisões importantes para os destinos do Estado. As decisões fundamentais de uma

sociedade devem ter assento constitucional, e outras tantas, de natureza perene e de importância

e abstração reconhecidas, devem estar presentes em textos de lei e demais atos legislativos.”

(MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 7°

edição, Editora Saraiva, 2012. Págs. 892-893).

20

Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público

sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de

qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da

legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que

o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o

princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito

Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce

com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da

submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de

que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da

lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade

sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos

complementares à lei. 18

Neste ínterim, indispensável se trazer à baila a celebre assertiva de

Seabra Fagundes, ao afirmar que “administrar é executar a lei de ofício”19.

Subordina-se a Administração Pública, igualmente, ao princípio da

impessoalidade, que, inegavelmente, prostra-se, ao menos em parte,

“intimamente relacionado com o princípio da isonomia”20, ao tempo que veda o

tratamento desigual entre aqueles que não possuam desequiparação neles

mesmos, e, aí a sua faceta singular, referido princípio traduz impedimento à

valorização de interesse pessoais pelo servidor estatal, que deve, pois,

administrar de forma “neutra, objetivando exclusivamente a realização do

interesse de todos, jamais de uma pessoa ou um grupo em particular.”21

O Estado também deve atendimento, na execução de seus misteres, ao

princípio da moralidade, reconhecido, na lição de Celso Antonio Bandeira de

Mello, nos seus correlatos princípios da boa fé e lealdade, de certo que sua

18

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Págs. 102-103.

19 FAGUNDES, M. Seabra. Conceito de Mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito

Administrativo, Seleção Histórica. Rio de Janeiro: Renovar, 1979.Pág. 04-05.

20 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11° Ed., Editora Saraiva, 2013. Pág.

1.063.

21 TAVARES, André Ramos. Ob Cit. Idem.

21

irradiação provoca a que “a Administração haverá de proceder em relação aos

administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer

comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir,

dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.”22

Sobre o princípio da moralidade, ademais, de solar importância a citação

de obra de autoria do publicista Márcio Cammarosano, ao fincar, não sem robusto

estudo e elucidação prévios, que o princípio jurídico da moralidade não se

confunde com a Moral, mas, ao revés, reflete as normas morais juridicizadas, de

molde a que apenas o descumprimento das segundas - moral juridicizada - pode

levar à conclusão de infração ao princípio jurídico da moralidade, em seus

sublimes termos:

A moralidade administrativa não pode ser dissociada da legalidade;

pelo menos da legalidade em sentido amplo, entendida esta como a

qualidade do que está conforme ou compatível com a ordem jurídica, e

não apenas com a lei em sentido estrito.

Na fórmula ‘non omne quod licet honestum est’ – nem tudo que é lícito,

é honesto, isto é, nem tudo o que a lei permite é moralmente aceitável

– o Direito e a Moral podem ser representados por dois círculos

concêntricos, sendo maior o da Moral. A moralidade administrativa,

contudo, não constitui esse círculo maior que extrapola o mundo

jurídico, não expande o Direito de sorte a torná-lo compreensivo

também do que estava em princípio fora dele, para além dele.(...)

Nem todo ato ilegal é imoral. Mas não se pode reconhecer como

ofensivo à moralidade administrativa ato que não seja ilegal. Não

existe ato que seja legal e ofensivo à moralidade. Só é ofensivo à

moralidade administrativa porque ofende certos valores juridicizados. E

porque ofende valores juridicizados, é ilegal. Ofender certos valores

torna o ato especialmente viciado. Não será apenas qualificado como

ilegal, mas também ofensivo à moralidade administrativa.23

22

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 122-123.

23

CAMMAROSANO, Márcio. O Princípio Constitucional da Moralidade e o Exercício da Função

Administrativa. Ed. Fórum, 1° Ed., 2006, Págs. 102-103.

22

A imoralidade administrativa é, digamos, resultante de uma

qualificadora de ilegalidade. Sem o vício quanto à legalidade não há

que se cogitar da circunstância que a qualificaria especialmente.

Reconhece-se, igualmente, obrigatório o atendimento ao princípio da

publicidade, refletido no dever de transparência24 da atuação estatal, enquanto

permissivo de exercício democrático do poder de Estado. Com rigor, conforme

anota José Afonso da Silva, a publicidade “não é um requisito de forma do ato

administrativo, não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e

moralidade.”25.

No que atine às licitações públicas, aliás, é de se dizer que o princípio da

publicidade goza de especial observância, considerando que, cediço, a própria

eficiência do certame depende da efetiva e eficaz competição, sabidamente

apenas exercida se for comunicado - eficientemente - a todos os potenciais

concorrentes o desejo estatal de comprar, alienar, contratar, locar e etc.

Neste diapasão, ademais e com destaque, a Lei que estabelece normas

gerais em Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal n.° 8.666/1993) -

sobre a qual melhor se dirá -, expõe em inúmeros dispositivos requisitos

procedimentais a ensejar a correta publicidade a seus instrumentos, dentre os

quais podemos realçar os artigos 3°, § 3°, 16, caput, 21, 34, § 1°, 38, II, 40, VIII,

61, parágrafo único, e 63.

Não se deve ignorar, cediço, que embora o princípio da publicidade na

Administração Pública seja de contornos ampliadíssimos, a inspirar inclusive o

diploma normativo considerado paradigma do Estado de Direito contemporâneo -

Lei de Acesso a Informação (Lei Federal n.° 12.527/200126) -, nas licitações

24

“A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder

Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os

administrados tenham, a toda hora, conhecimento de que os administradores estão fazendo.”

(SILVA, José Afonso da. Ob. Cit. Pág. 673-674). 25

Ibidem. Pág. 674.

26

“Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5.°, no inciso II do § 3.° do art.

37 e no § 2.° do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de

23

públicas, tais como em seus procedimentos de exceção, a publicidade é efetivo

meio instrumental para atingimento da ampla competitividade, finalidade

notoriamente constituída como precípua da licitação pública (arts. 3°, caput, e §

1°, I, Lei Federal n.° 8.666/199327).

Quando ao princípio da competitividade, aliás, anota a doutrina de Joel de

Menezes Niebuhr:

Além da obrigatoriedade da licitação pública, da excepcionalidade da

contratação direta e da intangibilidade da equação econômica e

financeira, o inciso XXI do artigo ainda traz importante expressão do

princípio da competitividade ao consignar que o legislador, no

processo de licitação, “somente permitirá as exigências de qualificação

técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das

obrigações”.

Quer-se com isso ampliar a competitividade, impedindo que o

legislador erga barreiras à participação no certame de interessados

capazes de satisfazer com excelência ao interesse público, sob a

escusa de formalidades de fundo despropositadas. O constituinte,

portanto, limitou sensivelmente a capacidade de o legislador realizar

exigências em licitação pública, admitindo apenas, repita-se,

1990; revoga a Lei n.° 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de

janeiro de 1991; e dá outras providências.”

27 Art. 3.°: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a

seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento

nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios

básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da

probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos

que lhes são correlatos.

§ 1.°: É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que

comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de

sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da

sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para

o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5.° a 12 deste artigo e no art. 3.° da

Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;

24

exigências de qualificação técnica e econômica que sejam

indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.28

Em sequência, previu o Constituinte expressamente a subsunção da

Administração Pública - daí aplicar-se em todos os seus misteres - ao princípio da

Eficiência, a significar, portanto, a satisfação do interesse público mediante a

obtenção do fim através do melhor meio possível, menos oneroso, mais ágil e

satisfativo.

Trata-se de conceito principiológico que decorre mesmo do princípio da

Boa Administração29, também correlato, em anotação proferida pelo Prof. Carlos

Pinto Coelho Motta30, ao princípio da economicidade, refletido no teor do artigo 70

da Constituição Federal31.

Por conseguinte, cumpre ressaltar, afigura-se absolutamente enraizado

nos procedimentos licitatórios e de contratação administrativa - daí também se

enraizar nas modalidades de exceção, tal como a inexigibilidade, que

oportunamente destacamos - o princípio da igualdade, que nos permitimos

também reconhecê-lo sob o título de isonomia, de molde a que apliquemos a

ambas nomenclaturas mesmo significado jurídico. Também não ignoramos que

parte da doutrina não o distingue do princípio da impessoalidade32, embora nos

28

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 128-129.

29

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob. Cit., pág. 125. 30

“Outro princípio correlato à licitação, nem sempre objeto da devida análise, é o da

economicidade, constante do art. 70 da Constituição Federal e voltado para o controle da

eficiência do gasto público, no que diz respeito ao custo-benefício. Implica a aplicação de

mecanismos fidedignos de controle da eficiência na gestão financeira e na execução

orçamentária. Tal princípio ganha especial relevo com a introdução do princípio da eficiência no

caput do art. 37.” (MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos, 12 ed. Ver. E

atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. Pág. 122.) 31

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e

das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,

economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso

Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

32 “Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem

discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis.

Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação

25

permitimos ver naquele maior abrangência do que neste, donde afirmamos se

tratar de gênero e espécie, respectivamente.

Nestas razões, o princípio da igualdade se afigura como o núcleo

principiológico que inaugura o Capítulo II, Título II, da Constituição da República

de 1988, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, constituindo-se

no caput do art. 5°, cláusula pétrea do sistema jurídico normativo nacional (60, §

4°, IV, da Constituição Federal), a dizer que “todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade”.

Não é forçoso afirmar, pois, que o princípio da igualdade se afigura como

vetor do sistema jurídico normativo e da própria Carta Magna - já que

estabelecido no caput do dispositivo inaugural dos direitos individuais

fundamentais - e, pois, impõe à Administração Pública o seu cumprimento,

notadamente quando esta postula por conferir uma ampliação da esfera jurídica

de quaisquer interessados que cumpram minimamente condições pré-fixadas (art.

37, XXI, CF), outorgando-lhes a obrigação de execução do serviço público (lato

sensu) e a contrapartida remuneratória, com o seu lucro legítimo e consequente.

Acerca dele (princípio da igualdade), aliás, são vastas as disposições

doutrinárias que forçam a reflexão sobre seu conteúdo extremamente

abrangente33, que poder-se-ia afirmar fundamentar verdadeiras estruturas

administrativa e muito menos interesses sextários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O

princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado

explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como ‘todos são iguais

perante a lei’ (art. 5°, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração.” (MELLO, Celso

Antonio Bandeira de. Ob. Cit. Pág. 117).

33 “Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar à ‘lei’, num país onde a lei

absolutamente não exprime o consentimento “da maioria”, onde são as minorias, as oligarquias

mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que

mandam, e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, ‘não há lei”, não há,

moral, política ou juridicamente falando.

(...)

Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano, logo, não

será, em tais condições o papel da justiça! Maior que o da própria legislação. Porque, se dignos

são os juízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis, - em sendo justas, lhes

manterão êles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a

26

político-constitucionais, figurando essas últimas, não por poucas vezes, como

instrumentais à satisfação da igualdade entre os homens.

Cumpre transcrever, neste diapasão, trecho da obra intitulada “O

Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, de autoria do Prof. Celso Antonio

Bandeira de Mello, em que se destaca, em síntese, o núcleo do princípio da

igualdade a ser observado, no caso, pelo legislador, teoria esta também

observável pelo administrador, na execução de suas finalidades:

Afinal: há de ser nos próprios acontecimentos tomados em conta que

se buscarão diferenças justificadoras de direitos e de deveres distintos

e não em fatores alheios a eles que em nada lhes agregam

peculiaridades desuniformizadoras.

Em suma: é simplesmente ilógico, irracional, buscar em um elemento

estranho a uma dada situação, alheio a ela, o fator de sua

peculiarização. Se os fatores externos à sua fisionomia são diversos

(quais os vários instantes temporais) então, percebe-se, a todas as

luzes, que eles é que se distinguem e não as situações propriamente

ditas. Ora, o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas

igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde

não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se

encontram fatores desiguais.34

injustiça.” (BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Edição Nacional: Casa de Rui Barbosa, 1949. p.

55, 56, 58 e 59.).

“Dirigir-se a um juiz é dirigir-se à justiça, pois o juiz ideal é, por assim dizer, a justiça personificada.

E também os homens necessitam de um juiz para que este seja um elemento mediano, pelo que,

efetivamente, em alguns lugares, ele é chamado de mediador, pois pensam que se ele atinge a

mediania, atinge o que é justo. (...)

Ora, o juiz restaura a igualdade. Se representarmos a matéria por uma linha dividida em duas

partes desiguais, ele subtrai do segmento maior aquela porção pela qual é excedida uma metade

da linha inteira e a soma ao segmento menor. Quando o todo foi dividido em duas metades, as

pessoas costumam dizer que assim ‘têm o que lhes cabe’, tendo obtido o que é igual.

(ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. Bauru, SP:

EDIPRO, 3. ed., 1. reimp. 2013, p. 155).

34 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3° edição,

21° tiragem. Ed. Malheiros, 2012. Págs. 34-35.

27

Daí se dizer que o princípio da igualdade, consoante melhor se exporá

nos capítulos subsequentes, é aquele (não exclusivamente, mas especialmente),

que fundamenta a própria existência do instituto da licitação pública, e da grande

parte de seus expedientes, constituindo-se mesmo em gênero de uma série dos

elementos principiológicos das contratações administrativas e de seus ritos, tais

como, com destaque e anotando que merecerão melhor sublinhamento nos

capítulos que se seguirão, os princípios da vinculação ao instrumento

convocatório e da publicidade, limites à mutabilidade do contrato administrativo

(arts. 57 e 65, Lei n.° 8.666/93), vedação à contratação daquele que não obtenha

a melhor classificação (art. 50), julgamentos de fases habilitatórias e

classificatórias mediante critérios objetivos (arts. 44 e 45), dentre outros, hábeis à

conceder isonomia no expediente ordinário de contratação, aplicável, pois,

àqueles de exceção, no que couber.

Desta feita, adiante, temos como de precípua fonte constitucional e,

portanto, aplicável nos procedimentos administrativos, os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade.

O primeiro, eficientemente já proclamado como mandamento de

otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito

com outro35, costuma ser decomposto pela doutrina nos subprincípios da

35

“O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito

máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro (s), na medida do jurídico e

faticamente possível, tem um conteúdo que se reparte em três ‘princípios parciais’

(Teilgrundsätze): ‘princípio da proporcionalidade em sentido estrito’ ou ‘máxima do sopesamento’

(Abwägungsgebot), ‘princípio da adequação’ e ‘princípio da exigibilidade’ ou ‘máxima do meio mais

suave’ (Gebot des mildesten Mittels). O ‘princípio da proporcionalidade em sentido estrito’

determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma

disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso

significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” (Wesensgehalt) de direito

fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em

havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente

consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para

interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens. Os subprincípios da adequação e da

exigibilidade ou indispensabildiade (Erforderlichkeit), por seu turno, determinam que, dentro do

faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se,

assim, ‘adequado’. Além disso, esse meio deve se mostrar ‘exigível’, o que significa não haver

outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.” (GUERRA FILHO, Willis

Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS

Editora, 2007, p. 88 e 89).

28

adequação, a ensejar avaliação de possibilidade de atendimento do fim pelo meio

eleito, necessidade, enquanto balizador de inexistência de meio menos gravoso

tão eficaz quanto, e da proporcionalidade em sentido estrito, propiciadora da

ponderação se as mazelas provocadas pelo meio justificam sua adoção em

consentâneo aos fins obteníveis36.

A razoabilidade, a seu turno, é bem conceituada na doutrina de Humberto

Ávila37, cumprindo destacar:

Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se

destacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige

a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto,

quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer

indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas

especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a

razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação

das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja

reclamando a existência de suporte empírico e adequado a qualquer

ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida

adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é

utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas

grandezas.

Adiante, o doutrinador distingue os postulados da proporcionalidade e da

razoabilidade, anotando que o primeiro “faz referência a uma relação de

36 “Costuma-se decompor o princípio da proporcionalidade em três elementos a serem observados

nos casos concretos: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Conforme expressões de Canotilho, a adequação ‘impõe que a medida adotada para a realização

do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes’; o

princípio da necessidade ou menor ingerência possível coloca a tônica na ideia de que ‘o cidadão

tem direito à menor desvantagem possível’ e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito é

‘entendido como princípio da justa medida. Meios e fins são colocados em equação mediante um

juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado

em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar

um fim; pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.” (MELLO, Celso

Antonio Bandeira de. Ob Cit., Pág. 114). 37

ÁVILA, Humberto. Ob Cit. Pág. 154.

29

causalidade entre um meio e um fim”, distintamente da razoabilidade, que impõe

“uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a

dimensiona”, hipótese em que se exige “relação entre critério e medida, e não

entre meio e fim”. O autor, aliás, não deixa de anotar ser possível compreender a

razoabilidade alocada no subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito38,

tomando este último como abrangente ponderação a ensejar a vedação do

excesso39.

Isto posto, é indispensável que se reconheça, na interpretação da Lei

Geral de Licitações e Contratos Administrativos, notadamente nas margens

interpretativas de seus dispositivos em face das circunstâncias dos casos

concretos, o cabimento dos princípios retrocitados, todos, pode-se dizer, com

status constitucional.

1.1. Do Dever de Licitar

Nestas razões, a priori, expostos os princípios que informam a atuação

administrativa quando da celebração de suas contratações, tem-se que dizer que

o instituto jurídico que, em regra, presta-se como instrumento de saciamento da

necessidade estatal é o da licitação pública.

A licitação, neste ínterim, pode perceber o seguinte conceito, nos dizeres

do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello:

38

ÁVILA, Humberto. Ob Cit. Págs. 161-162.

39

“Como bem salienta Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra fala-se em princípio da

irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. (...) E esse teste da irrazoabilidade, conhecido

também como teste Wednesbury, implica tão somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente

irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: ‘se uma decisão [...] é de tal forma

irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir’. Percebe-se,

portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a regra

da proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis.”

(SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais 798 - 2012: 23-50.

P. 29).

30

Pode-se conceituar licitação da seguinte maneira: é o procedimento

administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo

alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar

concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem

público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca

interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que

se revele mais conveniente em função de parâmetros

antecipadamente estabelecidos e divulgados.40

O Prof. Marçal Justen Filho41, considerado um dos administrativistas com

obra mais profunda em matéria de Licitações e Contratos Administrativos, expõe

o seguinte conceito do procedimento de licitação pública:

Licitação é o procedimento administrativo destinado a selecionar,

segundo critérios objetivos predeterminados, a proposta de

contratação mais vantajosa para a Administração e a promover o

desenvolvimento nacional sustentável, assegurando-se a ampla

participação dos interessados e o seu tratamento isonômico, com

observância de todos os requisitos legais exigidos.42

40

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob. Cit., pág. 534. 41

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15° Ed.,

São Paulo: Ed. Dialética, 2012. Pág. 011. 42

“1) A licitação como procedimento

O dispositivo [art.4°, parágrafo único, Lei Federal n.° 8.666/93] acentua a natureza procedimental

da licitação. Ratifica que os atos da licitação não são independentes entre si nem podem ser

enfocados isoladamente. A licitação é uma série preordenada de atos. A Lei e o edital

estabelecem a ordenação a ser observada. O descumprimento das fases ou sequências

estabelecidas acarreta o vício do procedimento como um todo.

2) A licitação como processo

(...)

Já o vocábulo processo indica uma espécie de relação jurídica cujo conteúdo consiste no exercício

de poderes decisórios a propósito de interesses contrapostos. A composição processual de

interesses pressupõe o respeito ao contraditório, o que significa que a decisão final deverá ser

produzida por meio de participação (colaboração) de todos os interessados.

Seria possível existir um procedimento sem processo? A resposta é positiva. Nada impede que o

Direito subordine a validade de um ato unilateral à observância de uma certa ordenação

predeterminada, ainda que não haja qualquer conflito de interesses.” (JUSTEN FILHO, Marçal.

Ob. Cit. Pág. 106).

31

Ressaltando o caráter instrumental da licitação pública, Carlos Pinto

Coelho Motta anota que a “licitação constitui, portanto, o instrumento de que

dispõe o Poder Público para coligir, analisar e avaliar comparativamente as

ofertas, com a finalidade de julgá-las e decidir qual será a mais favorável”43. O

mesmo doutrinador não deixa de ressaltar, por conseguinte, que “Esse

instrumento é obrigatório, como mencionado em diversos dispositivos da Carta

Magna (art. 22, XXVII, com redação dada pela Emenda Constitucional 19/98; art.

37, XXI; art. 175).”44

É de salutar importância que, especialmente devido aos objetivos do

presente trabalho, bem se assevere que a licitação é a regra, donde não realizá-la

é absolutamente excepcional.

É lógico que para chegar a tal conclusão bastaria tomar o conteúdo

hermenêutico constitucional, com a clareza do inciso XXI do art. 37, ao

estabelecer que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de

licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os

concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,

mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente

permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à

garantia do cumprimento das obrigações”.

Não se ignore, ademais, o quanto dispõe o artigo 175 da Carta Magna,

que fixa que a prestação de serviços públicos, quando prestada sob regime de

concessão ou permissão, será “sempre através de licitação”.

Não obstante, e aqui se expõe com a devida ressalta, a Administração

Pública executa seus misteres com atendimento aos preceitos da igualdade,

isonomia, impessoalidade, publicidade e moralidade.

43

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Ob Cit., Pág. 02.

44

Idem. Pág. 02.

32

Com o relevo ao princípio da igualdade, temos que este se configura em

singular pressuposto do Estado Democrático de Direito, ao tempo em que a

satisfação das liberdades e direitos individuais - dentre os quais se presta o

tratamento igualitário aos cidadãos (art. 5°, caput, Constituição Federal) - é o que

motiva toda a conjuntura do sistema político constitucional, ao estabelecer o

regime democrático de Direito, a Separação dos Poderes Estatais, bem como a

fixação de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (art. 1°,

parágrafo único, Constituição Federal).

Neste contexto, em se prostrando a Administração Pública com

necessidade de tomar serviços, adquirir bens ou aliená-los, é de solar evidência

que estes vínculos jurídicos, que potencialmente poderão provocar benesse

econômica a administrados, haverão de ser antecedidos de expediente que

garanta referida “concessão” de maneira igualitária, impessoal e eficiente. Para

sê-lo, neste ínterim, logicamente deverá possuir ampla e eficaz publicidade, com

critérios de julgamento objetivos preestabelecidos.

Está posta, pois, de forma - inclusive afirmamos ser - explícita, no bojo da

Constituição, a obrigatoriedade do procedimento, intitulado por liberalidade

hermenêutica do Constituinte, de licitação.

Não é outro o raciocínio da melhor doutrina, donde destacamos aquele

professado por Joel Menezes Niebuhr:

De acordo com o explanado no primeiro capítulo, a licitação pública é

obrigatória em tributos aos princípios regentes da Administração

Pública, que visam a proteger o interesse público de atos imorais,

marcados pela pessoalidade e, com destaque, que imputem aos

membros da coletividade tratamento discriminatório apartado da

razoabilidade. Enfatizou-se que a causa mor da licitação pública é o

princípio da isonomia, uma vez que o contrato administrativo implica

benefício econômico ao contratado e, por isso, todos aqueles que

tiverem interesse em auferir o aludido benefício devem ser tratados de

modo igualitário por parte da Administração Pública, pelo que se impõe

a ela realizar procedimento administrativo, denominado licitação

33

pública. Como o caput do artigo 5° da Constituição Federal abriga o

princípio da isonomia, ele já fornece subsídio normativo suficiente para

que o cientista jurídico conclua pela obrigatoriedade da licitação

pública.

Além disso, o constituinte houve por bem, para não permitir espaço

para interpretações conservadoras, realçar que a licitação pública é

efetivamente obrigatória, inserindo, no capítulo referente à

Administração Pública, o inciso XXI do artigo 37. É como se o

constituinte reforçasse a dicção geral do princípio da isonomia contida

no caput do art. 5° da Constituição Federal, dando-lhe concreção

especial, repelindo interpretação conservadora e restritiva. Na

realidade, é um plus que se incorpora na formulação geral da

isonomia. Nesse talante, por força do caput do artigo 5°, todos

merecem tratamento igualitário e, em especial, desta vez com estribo

no inciso XXI do artigo 37, a Administração Pública deve dispensar o

mesmo tratamento a todos os interessados em com ela celebrar

contratos, procedendo, para tanto, à licitação pública.45

Neste sentido, em obra intitulada Dispensa e Inexigibilidade de Licitação,

Eduardo Martines Junior e Valdemar Latance Neto chegam a denominar de

Princípio a obrigatoriedade de licitação46, observando:

O princípio da licitação, igualmente, é desdobramento da

impessoalidade, sendo este, por sua vez, decorrente da isonomia e do

princípio republicano. (...)

A licitação, dada sua relevância, vem expressamente estabelecida no

inciso XXI do artigo 37 da Constituição, revelando a preocupação da

Carta de 1988 em mostrar que a regra é a realização de licitação

pública que assegura igualdade de condições a todos os concorrentes,

para todas as contratações da Administração Pública, podendo,

45

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 123-124.

46

MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Dispensa e Inexigibilidade de

Licitação: a responsabilidade civil e criminal de seus agentes. 1° Ed., São Paulo: Editora Verbatim,

2009. Pág. 34-35.

34

contudo, haver exceções, nos termos da lei, que deve dar execução e

estar adequada ao prescrito na norma superior.

O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello assevera que “deve-se entender

que o simples princípio da igualdade de todos perante a lei (art. 5° da CF) e, a

fortiori, perante a Administração - obrigada a agir com ‘impessoalidade’, nos

termos do art. 37, caput, da Lei Magna -, normalmente imporá licitação no caso

(...) de qualquer outro ato ampliativo que se destine a investir terceiros no desfrute

de situação jurídica especial a que mais de um poderia aspirar.”47

Ínterim em que cumpre trazer à baila precedente jurisprudencial do

Tribunal de Contas da União, que bem anota a excepcionalidade da

inexigibilidade (ou dispensa) do certame licitatório:

O procedimento licitatório legitima a presunção de que a proposta

selecionada no certam representa a proposta mais vantajosa que

poderia ser obtida pela Administração Pública. A ausência de

procedimento licitatório representa exposição da Administração ao

risco potencial de não escolher a proposta mais vantajosa, de agir de

modo antieconômico. O descumprimento da regra de licitar configura

não apenas prática de ato ilegal, mas também prática presumidamente

ilegítima ou antieconômica, exceto quando demonstrado

inequivocadamente que o procedimento não era cabível, nos termos

da lei.48

47

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob. Cit., pág. 534.

48TCU, Acórdão n.° 3.403/2010, Plenário, rel. Min. Weder de Oliveira.

35

Isto posto, deve-se compreender que se mostra estabelecida a licitação

como regra fundamental. A ausência de licitação somente se admite por

exceção49.

1.2. Da Lei Geral de Licitações Públicas e dos Demais Princípios que

Informam seus Procedimentos

Neste diapasão, e em cumprimento da competência legislativa estampada

no artigo 22, XXVII, da Constituição da República, com a redação dada pela

Emenda Constitucional n.° 19/199850, fora promulgada a Lei Federal n.°

8.666/1993 - que Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,

institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras

providências.

Não se ignora que, além do diploma normativo supracitado, ainda têm-se

as Leis Federais n.os 8.987/199551, 10.520/200252, 11.079/200453, 12.462/201154 e

49

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 045.

50 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as

administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de

economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº

19, de 1998).

51 “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto

no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.”

52 “Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37,

inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição

de bens e serviços comuns, e dá outras providências.”

53 “Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da

administração pública.”

54 “Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC; altera a Lei no 10.683, de 28

de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios,

a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de

Infraestrutura Aeroportuária (Infraero); cria a Secretaria de Aviação Civil, cargos de Ministro de

Estado, cargos em comissão e cargos de Controlador de Tráfego Aéreo; autoriza a contratação de

36

13.019/201455, que poderiam, cada qual, considerar-se “normas gerais de

licitação”, ao tempo em que as fixam nas modalidades em que regulamentam.

Não obstante, temos que, em que pese não seja a única, é inegável que

é a Lei Federal n.° 8.666/93 que se constitui no dito Estatuto das Licitações e

Contratos Administrativos, ao tempo em que expõe com amplitude os

procedimentos a que se sujeitam os certames licitatórios, suas fases, matrizes

principiológicas, bem como normatiza com profundidade - o quê não se constitui

em objeto precípuo dos demais diplomas normativos correlatos - o regime dos

contratos administrativos, chegando mesmo a abordar regramentos de processo

administrativo recursal e sancionatório, além de tipificar condutas infratoras

penais, em matéria de licitações e execução contratual.

Ademais, considerando o objeto sob estudo - inexigibilidade de licitação -,

é a Lei Federal n.° 8.666/93 que se constitui como diploma paradigma, ao tempo

em que os demais textos pouco dizem deste instituto, quando muito remetem-se

ao específico artigo 25 da Lei 8.666/93, valendo, pois, anotar o disposto nos

artigos 35 da Lei Federal n.° 12.462/201156 e 31 da Lei Federal n.° 13.019/201457,

controladores de tráfego aéreo temporários; altera as Leis nos 11.182, de 27 de setembro de

2005, 5.862, de 12 de dezembro de 1972, 8.399, de 7 de janeiro de 1992, 11.526, de 4 de outubro

de 2007, 11.458, de 19 de março de 2007, e 12.350, de 20 de dezembro de 2010, e a Medida

Provisória no 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; e revoga dispositivos da Lei no 9.649, de 27 de

maio de 1998.”

55 “Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da

sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse

público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos

em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos

de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com

organizações da sociedade civil; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23

de março de 1999.” (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015).

56 Art. 35. As hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação estabelecidas nos arts. 24 e 25

da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se, no que couber, às contratações realizadas

com base no RDC.

Parágrafo único. O processo de contratação por dispensa ou inexigibilidade de licitação deverá

seguir o procedimento previsto no art. 26 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

57 Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de

competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da

parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica,

especialmente quando: (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)

I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso

internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos; (Incluído pela Lei

nº 13.204, de 2015)

37

que, respectivamente, remetem as hipóteses de dispensa e inexigibilidade do

RDC àquelas previstas na Lei 8.666/93 e, quanto aos procedimentos de

chamamento público para celebração das parcerias com entidades do terceiro

setor, declaram a aplicabilidade da inexigibilidade às hipóteses de inviabilidade de

competição, denotando, pois, a incorporação da exegese da Lei 8.666/93

aplicável ao instituto em testilha, conforme adiante melhor se dirá.

Daí se dizer que a Lei 8.666/93, em matéria de licitações e contratos

administrativos, bem se intitula Lei de Regência, nomenclatura à qual por vezes

acudiremos.

Isto posto, vê-se que, a corroborar a regra de obrigatoriedade da licitação,

o artigo 2°, caput, de referido diploma bem assevera que “As obras, serviços,

inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e

locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão

necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas

nesta Lei.” Anota, ainda, que referido procedimento “destina-se a garantir a

observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais

vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional

sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os

princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade,

da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento

convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (art. 3°,

caput, Lei 8.666/93).

Evidente, portanto, que o legislador, reconhecendo o quê a interpretação

sistemática da Constituição da República já designa, ressaltou a

instrumentalidade da licitação pública ao asseguramento da isonomia, da

economicidade (seleção da proposta mais vantajosa) e, chegou a pontuar, da

promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada

em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar

da subvenção prevista no inciso I do § 3o do art. 12 da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964,

observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000.

(Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015).

38

Quanto a esta última finalidade - promoção do desenvolvimento

sustentável - considerando não se tratar de matéria precipuamente correlata ao

tema de licitações, embora não deixe de sê-lo ao cerne da Administração Pública

- bastando observância dos artigos 5°, LXXIII, 23, VI, 24, VI e VIII, 129, III, 170,

VI, 174, § 3°, 186, II e 225 -, cumpre destacar o que a doutrina anota sobre a

mesmo:

Há duas questões inconfundíveis, que são as finalidades da licitação e

as finalidades da contratação administrativa. Ora, a promoção do

desenvolvimento nacional sustentável não é uma finalidade da

licitação, mas da contratação administrativa. A licitação é um mero

procedimento seletivo de propostas - esse procedimento não é hábil a

promover ou a deixar de promover o desenvolvimento nacional

sustentável. O que o legislador pretendia era determinar que a

contratação pública fosse concebida como um instrumento interventivo

estatal para produzir resultados mais amplos do que o simples

aprovisionamento de bens e serviços necessários à satisfação das

necessidades dos entes estatais.

(...)

A proposta adotada no art. 3° é que a contratação administrativa

funcione como um incentivo ao desenvolvimento nacional sustentável.

Isso significa a existência de uma relação de causalidade, cuja

intensidade pode ser variada, entre a contratação administrativa e

objetivos relacionados ao desenvolvimento nacional.58

Da obra do saudoso Hely Lopes Meirelles se extrai o conceito da

finalidade da promoção do desenvolvimento nacional sustentável, ao se afirmar

que deve ser “entendida como a busca do desenvolvimento econômico e do

fortalecimento de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos, usando-se

para esse fim o poder de compra governamental, mediante novas normas que

asseguram ‘atuação privilegiada do setor público com vistas à instituição de

58

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Págs. 062-064.

39

incentivos à pesquisa e à inovação que, reconhecidamente, consubstanciam

poderoso efeito indutor ao desenvolvimento do País’”59.

Por conseguinte, vê-se que o transcrito artigo 3° da Lei de Regência

reitera os dispositivos principiológicos constitucionais da isonomia,

economicidade, eficiência, legalidade, impessoalidade, igualdade, moralidade,

publicidade, probidade administrativa, majorando-os aos pressupostos da

vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, bem como dos

que lhes forem correlatos.

Estes dois últimos extravasam aqueles que já foram devidamente

anotados nos capítulos acima, todavia é evidente que são seus reflexos. Ora, a

licitação se consubstancia em procedimento de seleção de particulares que

cumpram regras pré determinadas aptas a lhes evidenciar a aptidão a celebração

do contrato mais vantajoso para a Administração Pública. Evidente, pois, que

referido expediente seletivo, para que seja isonômico, igualitário e moral,

demandará vinculação de todos participantes ao regramento interno estabelecido

(instrumento convocatório) e critérios de julgamento objetivos.

Tão importantes são tais pressupostos que a doutrina os anota como

princípios da licitação pública, valendo destacar o quanto aplicável ao caráter

vinculativo do Edital Convocatório:

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório obriga a

Administração a respeitar estritamente as regras que haja previamente

estabelecido para disciplinar o certame, como, aliás, está consignado

no art. 41 da Lei 8.666.60

(...) a vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se

compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo

de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na

59

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 39° edição. São Paulo: Ed. Malheiros,

2013. Pág. 292.

60 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 548.

40

realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse

documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é

a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os

licitantes como a Administração que o expediu (art. 41).61

Natureza vinculativa do ato convocatório

O instrumento convocatório cristaliza a competência discricionária da

Administração, que se vincula a seus termos. Conjugando a regra do

art. 41 com aquela do art. 4.º, pode-se afirmar a estrita vinculação da

Administração ao edital, seja quanto a regras de fundo seja quanto

àquelas de procedimento sob um certo ângulo, o edital é o fundamento

de validade dos atos praticados no curso da licitação (...) Ao

descumprir normas constantes do edital, a Administração Pública

frustra a própria razão de ser da licitação. Viola os princípios

norteadores da atividade administrativa, tais como a legalidade, a

moralidade, a isonomia. O descumprimento a qualquer regra do edital

deverá ser reprimido, inclusive através dos instrumentos de controle

interno da Administração Pública. Nem mesmo o vício do edital justifica

pretensão de ignorar a disciplina por ele veiculada.62

O Supremo Tribunal Federal, aliás, neste sentido já deliberou:

1. A Administração, bem como os licitantes, estão vinculados aos

termos do edital (art. 37, XXI, da CF/88 e arts. 3°, 41 e 43, V, da Lei n.

8.666/93), sendo-lhes vedado ampliar o sentido de suas cláusulas, de

modo a exigir mais do que nelas previsto”.63

61

MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Pág. 298.

62 FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16ª edição.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. Págs. 764 e 765.

63 RMS - AgR n.° 24.555/DF, 1° T., rel. MIn. Eros Grau, j. em 21.02.2006, DJ de 31.03.2006.

41

Quanto ao critério objetivo de julgamento aplicável às fases64 da licitação

pública, que com veemência se reconhece como reflexo dos princípios da

isonomia e moralidade, é anotado por Carlos Pinto Coelho Motta, com rigor, como

a vedação a sua antítese, qual seja a valia de critério subjetivo de julgamento65,

daí destacar-se ser vedado o uso de critérios sigilosos, secretos, subjetivos ou

reservados (art. 44 e §§, Lei 8.666/93).

Neste diapasão, aliás, assevera-se em doutrina portuguesa a

aplicabilidade de conceitos principiológicos semelhantes aos retrocitados, donde

se denota refletirem do necessário princípio da isonomia, tais como os da

transparência, igualdade, concorrência, legalidade, prossecução do interesse

público, proporcionalidade, boa-fé, responsabilidade, imparcialidade, estabilidade,

eficiência, transparência, entre outros, valendo transcrever:

São identificados (...) como princípios gerais, o da legalidade, o da

prossecução do interesse público, o da proporcionalidade, o da boa-fé,

e o da responsabilidade, tendo-nos limitado a excluir desse elenco o

da responsabilidade por não considerarmos um princípio, mas antes

um instituto. Como princípios relacionados com os contratos com

prestações submetidas à concorrência, podem destacar-se a

transparência e publicidade, igualdade, concorrência, imparcialidade e

estabilidade.

64 “Esquema analítico das fases

90. Ante o exposto, e considerando-se a licitação desde o ato de abertura até o encerramento,

pode-se decompô-la nas seguintes fases, explicadas sinteticamente:

a) edital - ato pelo qual são convocadas os interessados e estabelecidas as condições que irão

reger o certame;

b) habilitação - ato pelo qual são admitidos os proponentes aptos;

c) julgamento com a classificação - ato pelo qual são ordenados as propostas admitidas;

d) homologação - ato pelo qual se examina a regularidade do desenvolvimento do procedimento

anterior;

e) adjudicação - ato pelo qual é selecionado o proponente que haja apresentado proposta havida

como satisfatória.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob Cit. p. 592-592).

65

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Ob Cit., Pág. 573.

42

Mário ESTEVES de OLIVEIRA e Rodrigo ESTEVES de OLIVEIRA,

destacam para além dos princípios constitucionais, ainda os princípios

da publicidade, da eficiência, do inquisitório e da informação, como

princípios gerais resultantes do CPA sem base constitucional, e

indicam como princípios qualificados da contratação pública os

princípios da transparência, igualdade e concorrência, afirmando ainda

que são princípios da contratação electrónica os princípios da

disponibilidade, do livre acesso, da interoperacionabilidade e da

intangibilidade.66

Desta feita, quando do cotejo das hipóteses de exceção de contratação

direta (sem licitação prévia), não se deve ignorar que também são cabíveis,

logicamente aqui será dentro das singulares circunstâncias - cuja

excepcionalidade inclusive justifica a fuga da regra da licitação -, os princípios

aplicáveis ao procedimento geral licitatório, que também informam, por conclusão,

os procedimentos a ensejar o reconhecimento da inexigibilidade de licitação.

1.2.1. Das modalidades licitatórias da Concorrência Pública, Tomada de

Preços, Convite, Leilão, Concurso, Pregão e do RDC

Por conseguinte, a Lei Geral de Licitações previu 05 (cinco) modalidades

de rito procedimental para se cumprir o ordinário estabelecimento da licitação

pública (art. 22, Lei 8.666/93), diferenciando-as quanto ao vulto econômico do

objeto licitado, sua complexidade ou critério de julgamento.

A modalidade mais simples do rito procedimental licitatório é a da Carta

Convite (art. 22, III), destinada aos “interessados do ramo pertinente ao seu

objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3

(três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do

instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na

66

FREITAS, Lourenço Vilhena de. Direito dos Contratos Públicos e Administrativos. AAFDL -

Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2014. Págs. 211-212.

43

correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência

de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.” (art. 22, § 3°).

O chamado Convite, simplificado e mais célere que as demais

modalidades, é cabível quando o objeto licitado for de pequeno vulto, assim

compreendidos os de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para serviços e coisas

comuns ou até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para obras e serviços

de engenharia.67

Após o convite, com rito mais complexo, se estabelece a modalidade da

Tomada de Preços “entre interessados devidamente cadastrados ou que

atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia

anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária

qualificação” (art. 22, § 2°), quando da licitação para objetos de vulto

intermediário, entendidos como de até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil

reais) para serviços e coisas comuns ou até R$ 1.500.000,00 (Hum milhão e

quinhentos mil reais) para obras ou serviços de engenharia.

Doravante, quando o objeto licitado ultrapassar os limiares de cabimento

do Convite ou da Tomada de Preços, ter-se-á apenas a modalidade licitatória da

Concorrência Pública “entre quaisquer interessados que, na fase inicial de

habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação

exigidos no edital para execução de seu objeto” (art. 22, § 1°).

67 “O convite (art. 22, § 3°) é a modalidade licitatória cabível perante relações que envolverão os

valores mais baixos, na qual a Administração convoca para a disputa pelo menos três pessoas

que operam no ramo pertinente ao objeto, cadastradas ou não, e afixa em local próprio cópia do

instrumento convocatório, estendendo o mesmo convite aos cadastrados do ramo pertinente ao

objeto que hajam manifestado seu interesse até 24 horas antes da apresentação das propostas.”

(MELLO, Celso Antonio Bandeira. Ob Cit. Pág. 572).

“Carta-convite: a carta-convite é o instrumento convocatório dos interessados na modalidade de

licitação denominada convite. É uma forma simplificada de edital que, por lei, dispensa a

publicidade deste, pois é enviado diretamente aos possíveis proponentes, escolhidos pela própria

repartição interessada.

À carta-convite aplicam-se, no que for cabível, as regras do edital, dentro da singeleza que

caracteriza o procedimento do convite. O essencial é que identifique o objeto da licitação,

expresse com clareza as condições estabelecidas pela Administração, fixe o critério de julgamento

e indique os recursos cabíveis, aplicando-se, no que couber, o que escrevemos acima sobre o

edital.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Págs. 319-320).

44

A Lei Geral ainda fixa as modalidades do Leilão e do Concurso,

reconhecidos o primeiro como procedimento que visa à venda de bens móveis

inservíveis ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou de bens

imóveis cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em

pagamento, entre os interessados que ofertem melhor lance (arts. 22, § 5°, e 19,

caput, da Lei 8.666/93), e o segundo como procedimento que “destina-se à

escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de

prêmios ou remuneração prefixada aos vencedores, através de critérios

constantes do edital.”68 Cumpre esclarecer, ademais, que o julgamento dessa

modalidade de licitação não está afeito às comissões normais de julgamento de

licitação, mas através de comissão integrada por especialistas nas áreas técnica,

científica ou artística objeto da licitação69.

Por conseguinte, não sendo forçoso destacar como a modalidade

licitatória mais frequente nos Diários Oficiais, estabelece-se o Pregão, aplicável

para compras e contratação de coisas e serviços conceituáveis como comuns70 e

com procedimento mais célere e simplificado, instituído pela Lei Federal n.°

10.520/2002, com prevalência da fase de classificação de propostas sobre a de

habilitação, aplicável esta última apenas ao proponente do menor preço,

invertendo-se as fases estampadas nos “tradicionais” ritos da Lei 8.666/9371.

Sobre essa modalidade se aplica, subsidiariamente, referida Lei 8.666/93 (art. 9°,

Lei Federal n.° 10.520/2002).

68 TOLOSA FILHO, Benedicto de. Licitações, contratos & Convênios: incluindo a modalidade de

pregão, o registro de preços e a contratação de publicidade. 2° edição. Curitiba: Ed. Juruá, 2014.

Pág. 149.

69 TOLOSA FILHO, Benedicto de. Ob Cit. Pág. 149.

70 “Para determinação do cabimento do pregão, apresentam relevância os objetos não comuns

e não singulares. São aqueles que apresentam características de individualização que os

tornam diferenciados e específicos, mas que não chegam ao ponto de infungibilidade. A

aquisição dos objetos não comuns e não singulares pode (e deve) fazer-se por meio de

licitação, mas o pregão não é a modalidade adequada.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob Cit. Pág.

35-36).

71 “Apresenta como característica distintiva em relação às modalidades da concorrência, tomada

de preços e convite, previstas na Lei 8.666 pelo menos duas muito salientes. Uma, a de que, ao contrário delas, em que o valor é determinante de suas variedades, o pregão é utilizável qualquer que seja o valor do bem ou serviço a ser adquirido; outra, a de que o exame da habilitação não é prévio ao exame das propostas, mas posterior a ele” (MELLO, Celso Antonio bandeira de. Ob Cit. Págs. 579-580).

45

Ao fim, cite-se o RDC - Regime Diferenciado de Contratações, aplicável

inicialmente às obras necessárias aos Jogos Olímpicos, Paraolímpicos e Copa

Mundial de Futebol, recentemente estendido a outras circunstâncias estratégias

(art. 1° e incisos da Lei Federal n.° 12.462/2011, complementados pelas Leis

Federais n.os 12.688/2012, 12.745/2012, 13.190/2015 e 13.243/2016).

Mesmo aos objetos licitáveis pelo RDC, não obstante, aplicam-se a

dispensa e a inexigibilidade de licitação nos termos da Lei de Regência (Lei

8.666/93), conforme art. 35 do diploma específico.

1.2.2. Dos tipos e Critérios de Julgamento: Do Menor Preço, Da Melhor

Técnica e Preço; Da Melhor Técnica.

Neste diapasão, e com o fito de bem delinear as hipóteses em que se

reconhece o descabimento do procedimento licitatório mediante as características

subjetivas (do sujeito) envoltas na contratação administrativa, cumpre destacar

que os elementos técnicos da proposta destinada à execução da necessidade

estatal não são olvidados pelos procedimentos licitatórios.

Além do critério de julgamento do menor preço ou da melhor oferta (art.

45, I e IV, Lei Federal n.° 8.666/93), donde será vencedor o proponente do preço

mais vantajoso ao órgão licitante, merecem destaques os critérios (também

denominados de “tipos”) de julgamento da melhor técnica e preço e melhor

técnica, estampados nos incisos II e III do art. 45 da Lei de Regência, aplicáveis

exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em

especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e

gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a

elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos72.

Desta feita, são tipos de julgamento que consideram as características

das propostas desenvoltas, aplicáveis, pois e exclusivamente, em objetos de

natureza intelectual. De sublime ponderação para bem situar as hipóteses

72

Artigo 46, caput. Lei Federal n.° 8.666/1993.

46

excepcionais da inexigibilidade da licitação - adiante melhor delineadas - vê-se,

com rigor, que os tipos da melhor técnica e preço e melhor técnica se distinguem

das situações de cabimento de inexigibilidade de licitação exatamante porque,

nos primeiros, ainda é absolutamente indispensável a fixação de critérios

objetivos de julgamento - característica esta que tem que ser considerada de

inviável fixação em reconhecimento da inexigibilidade de licitação -, consoante

anota a melhor doutrina:

O ato convocatório deverá estabelecer critérios adequados a eliminar o

subjetivismo no julgamento. Os critérios de julgamento deverão

permitir apreciação homogênea das diversas propostas. A seleção da

melhor técnica não pode se fazer por critérios aleatórios nem por

preferências pessoais. A Administração deverá recorrer aos postulados

da ciência ou da arte, acolhendo padrões de excelência para nortear o

julgamento. Exemplificativamente, podem ser arrolados alguns critérios

referentes à boa técnica, a que aludia a lei anterior.

Insista-se em destacar que não basta o edital eleger critérios de

julgamento. É necessário estabelecer parâmetros objetivos de

avaliação das propostas, de modo que o julgamento reflita uma

avaliação consistente sobre a vantajosidade das ofertas dos

particulares.73

Servem estas assertivas para bem delinear que mesmo quando se

pretende a contratação de objeto cuja natureza seja intelectual, em que, pois, não

basta apenas a seleção do menor preço para saciamento da necessidade estatal,

não se descartará o rito licitatório ordinário, pois existem tipos procedimentais

satisfativos à avaliação e classificação qualitativa da proposta.

As hipóteses de exceção, portanto, quando fundamentadas nas

características do sujeito e na singularidade do objeto, hão de ter delineações

rigorosamente específicas, a demandar - em razão de sua especificidade,

73

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob Cit., Págs. 725-726.

47

complexidade e/ou singularidade - inevitável subjetividade na escolha da melhor

opção à Administração, pois apenas este caractere (subjetividade) foge

inexoravelmente do estabelecimento de licitação pública74.

74

(...) o projeto básico não indica a variável e o critério de avaliação da qualidade dos serviços,

incluindo a escala de valoração e os valores mínimos aceitáveis que deverão ser utilizados na

aferição. Em consequência dessa falha, não há meios de realizar a avaliação, o que pode vir a

resultar na aceitação de serviços insatisfatórios. Portanto, é necessário que a (...) estabeleça

objetivamente a forma de avaliação de qualidade dos serviços, incluindo a definição da variável a

ser avaliada, os critérios de avaliação, a escala de valores e o patamar mínimo considerado

aceitável. Cabe ressaltar também que, como forma de fundamentação da avaliação, deve ser

previsto um campo específico na solicitação de serviço para preenchimento com as justificativas

do avaliador e a identificação desse servidor. (...) 84. Anote-se, em reforço, que a avaliação da

qualidade deve ser realizada com a utilização de variáveis objetivas, a exemplo do grau de

conformidade com as especificações inicialmente estabelecidas, o número de falhas detectadas

no produto obtido, etc.” (Acórdão n.° 2.171/2005, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti).

“(...) em vista do que dispõem os arts. 40, inciso VII, 43, inciso V, 44, caput e § 1°, 45 e 46, § 3°,

da Lei 8.666/1993, informe no edital, objetivamente, os critérios de pontuação, de modo que

possam ser conhecidas, por todas as potenciais licitantes, as notas que serão atribuídas conforme

as especificações técnicas das soluções adotadas pelas concorrentes, sopesando, para

estipulação de notas máximas, a complexidade de cada item” (Acórdão n.° 1.891/2006, Plenário,

Rel Min. Ubiratan Aguiar).

48

2. DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

A inexigibilidade de licitação se consubstancia em permissivo excepcional

de contratação direta das obras, serviços, compras e locações, pelo Poder

Público, em virtude de, em determinadas hipóteses, ser inviável se estabelecer

uma competição entre potenciais proponentes, por ausência de pluralidade de

competidores ou de critérios objetivos pertinentes e instrumentais à seleção

daquele hábil à satisfação do interesse administrativo posto sob cura, ou, de

forma genérica, quando “houver inviabilidade de competição”75.

Neste sentido, são desanuviadoras as palavras de Marçal Justen Filho:

É usual afirmar que a “supremacia do interesse público” fundamenta a

exigência, como regra geral, de licitação prévia para contratações da

Administração Pública, o que significa, em outras palavras, que a

licitação é um pressuposto do desempenho satisfatório pelo Estado

das funções administrativas por ele atribuídas. No entanto, existem

hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou frustraria a

realização adequada das funções estatais. O procedimento licitatório

normal conduziria ao sacrifício dos fins buscados pelo Estado e não

asseguraria a contratação mais vantajosa. Por isso, autoriza-se a

Administração a adotar um outro procedimento, em que formalidades

são suprimidas ou substituídas por outras.76

No mesmo sentido leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, em seus

termos:

75

BARROS, Wellington Pacheco. Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Ed. Atlas,

2009.

76

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob Cit., pág. 328.

49

É pressuposto jurídico o de que, em face do caso concreto, a licitação

possa se constituir em meio apto, ao menos em tese, para a

Administração acudir ao interesse que deve prover.

Posto que a função de tal instituto é servir - não desservir- o interesse

público, em casos que tais percebe-se que falece o pressuposto

jurídico para sua instauração. Com efeito: a licitação não é um fim em

si mesmo; é um meio para chegar utilmente a um dado resultado: o

travamento de uma certa relação jurídica. Quando nem mesmo em

tese pode cumprir tal função, seria descabido realizá-la. Embora fosse

logicamente possível realizá-la, seria ilógico fazê-lo em face do

interesse jurídico a que se tem que atender.77

Ademais, a Constituição da República, embora tenha bem estabelecido

que a regra é a realização de procedimento licitatório, não olvidou permitir ao

legislador - em sua competência a ser exercida de maneira excepcional - excetuar

as hipóteses em que tal expediente (licitação) seria cabido, fazendo-o através da

parte inicial do inciso XXI do art. 37, que, cristalinamente, fixou que “ressalvados

os casos especificados na legislação” as contratações administrativas dar-se-ão

por licitação pública.

Nesta seara, a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, objeto

central de estudo, fixa em seu artigo 25 e incisos78 que “é inexigível a licitação

77

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Págs. 551-552.

78Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

50

quando houver inviabilidade de competição”, em especial nas hipóteses de

ausência de pluralidade de fornecedores em decorrência de exclusividade no

fornecimento do material, equipamento ou gênero de que necessita a

Administração (inciso I), quando da contratação de serviços técnicos singulares a

se executar por profissionais de notória especialização (inciso II) e para valer-se

de profissional do setor artístico, desde que contratado diretamente ou mediante

empresário exclusivo (inciso III).

Sobre as hipóteses especiais destacadas pelo legislador, é de se dizer

que as mesmas merecerão detença específica, cumprindo anotar, por ora, que a

basilar norma a se decantar para compreensão da hipótese em que a licitação é

inexigível se compreende na inviabilidade de competição, conceito este de

obrigatória presença mesmo diante das ditas especiais circunstâncias expostas

nos incisos do supracitado art. 25.

Neste diapasão é que a doutrina professada por Maria Sylvia Zanella Di

Pietro afirma que a “inexigibilidade é decorrência da inviabilidade de competição

(...). Se a competição inexiste, não há que se falar em licitação”. A mesma autora

não se olvida de ressalvar que a “inviabilidade de competição deve ficar

adequadamente demonstrada”79.

Na obra do saudoso Hely Lopes Meirelles se depreende didática

exposição, que, após a abordagem das hipóteses destacadas nos incisos do art.

25 da Lei de Regência, bem assevera:

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

§ 1.° Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ 2.° Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

79 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27° edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2014.

Págs. 397-398.

51

Em todos esses casos a licitação é inexigível em razão da

impossibilidade jurídica de se instaurar competição entre eventuais

interessados, pois não se pode pretender melhor proposta quando

apenas um é proprietário do bem desejado pelo Poder Público ou

reconhecidamente capaz de atender às exigências da Administração

no que concerne à realização do objeto do contrato. Falta o

pressuposto da licitação, que é a competição.80

Neste ínterim, evidente, pois, que o pressuposto da inexigibilidade é a

antítese daquele que embasa a licitação pública, configurando-se, o primeiro, na

impossibilidade ou inviabilidade de competição.

2.1. Da Diferença entre Inexigibilidade e Dispensa de Licitação.

Por conseguinte, a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos

prevê basicamente dois institutos jurídicos permissivos à contratação direta, isto

é, alheios ao ordinário certame licitatório, sendo eles a dispensa de licitação, em

seu artigo 24, e a inexigibilidade de licitação, em seu artigo 25.

Ambos os institutos, embora sejam distintos em suas causas, sempre hão

de ser reconhecidos como hipótese de exceção e ,sob este prisma, não é de se

compreender que a parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal

concedeu ao legislador ordinário o permissivo para estampar hipótese de

ausência de dever de licitar que não seja reconhecida como suficiente a sufragar -

considerando os outros interesses estatais alcançáveis mediante a direta

contratação - o dever de estabelecer licitação pública81.

80

MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Pág. 310.

81 “O legislador, como já observamos, não escolheu aleatoriamente alguns casos em que, a seu

talante, julgou ser dispensável ou inexigível o certame licitatório. Se assim tivesse procedido,

52

Isto posto, de início, é de se dizer que as hipóteses de dispensa de

licitação e de inexigibilidade de licitação não se confundem e comportam em si,

pois, profundas distinções, sobre as quais leciona com propriedade Joel de M.

Niebuhr, após, como dito, ponderar que ao legislador ordinário não é dado

excepcionar a licitação sem causa proporcional que a justifique:

A rigor jurídico, sob a mira do desvio de poder legislativo, os casos de

dispensa é que merecem maiores atenções, porque determinados pelo

legislador. Como visto, a dispensa só é legítima nas hipóteses em que

a realização de licitação pública imporia prejuízos a valores

concernentes ao interesse público, conforme critério do legislador, por

corolário, dependente de expressa disposição legal. Para a dispensa é

que se dirige com ênfase o comando programático do constituinte, pois

nela o legislador é quem vai decidir o que se sujeita e o que não se

sujeita à licitação pública.

O problema não se põe com intensidade quanto à inexigibilidade,

porque ela ocorre nas hipóteses em que a competição é inviável, o que

impossibilita a licitação pública, independente da vontade do legislador.

Sempre que se verifica a inviabilidade de competição está-se diante de

inexigibilidade, queira o legislador ou não. Destarte, se a inexigibilidade

independe do legislador, no que tange a ela a norma programática,

que prescreve a tarefa de tratá-la como exceção, aplica-se com suave

amplitude, tornando remota a possibilidade de desvio de poder

legislativo.

A dispensa ocorre nas hipóteses em que a realização de licitação

pública imporia sacrifícios ou gravames de monta ao interesse público,

haveria manifesta ofensa aos princípios constitucionais que estribam a obrigatoriedade da

licitação. Além disso, esvaziar-se-ia a obrigação decorrente da Constituição de licitar, porquanto

de nada valeria o mandamento constitucional que determina a realização da competição se

pudesse o legislador ordinário criar livremente exceções a tal determinação. Haveria,

efetivamente, a possibilidade ilógica de a regra constitucional (obrigatoriedade) tornar-se exceção

por força da legislação infraconstitucional.

Disso se conclui que tanto as hipóteses de dispensa, como as de inexigibilidade de licitação

devem revestir-se de determinadas características que as tornem harmoniosas com os princípios

constitucionais dos quais decorre o dever de licitar. Em outras palavras, nesses casos específicos

(dispensa e inexigibilidade) não haverá licitação, mas isso não afrontará o princípio republicano,

nem o princípio da isonomia etc.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar.

Ob. Cit. Págs. 50-51).

53

que não poderiam, com arrimo na razoabilidade, ser suportados pela

coletividade. Verifica-se a ocorrência de tensão entre valores

prestigiados pelo ordenamento: de um lado, o princípio da isonomia,

que acarreta a obrigatoriedade de licitação pública, uma vez que se

deve propiciar o mesmo tratamento a todos os interessados nos

benefícios econômicos do contrato; e, de outro, valores de porte

diverso, porém importantes para o interesse público, tais como a

emergência, a segurança nacional, etc, que propugnam a dispensa de

licitação pública. O legislador está autorizado a criar hipóteses de

dispensa perante situações, mesmo ainda gerais e abstratadas, em

que esses outros valores fossem sacrificados ou agravados em larga

escala pela realização de licitação e em que os mesmos se

apresentassem com mais força do que o princípio da isonomia.82

Maria Sylvia Zanella Di Pietro corrobora o entendimento acima versado,

expondo com objetividade a principal distinção entre os institutos:

A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na

dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de

modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência

discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há

possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma

pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é,

portanto, inviável.83

Por conseguinte, Marçal Justen Filho, com a maestria que lhe é peculiar

no que atine ao tema de Licitações e Contratos Administrativos, bem assevera

que nas hipóteses de dispensa de licitação eventual instauração de certame

provocaria a obtenção de uma proposta inadequada, mas não haveria obstáculo à

percepção das propostas em si, embora submetê-las à competição sufragaria

outros interesses estatais, reconhecidos estes últimos pelo legislador como

82

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Págs. 134-135.

83 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. Cit. Pág. 395.

54

suficientes à dispensa do certame. A inexigibilidade, por sua vez, é uma

imposição da realidade extranormativa84, pois decorre do exame da viabilidade de

se estabelecer a competição85.

Celso Antonio Bandeira de Mello sintetiza a distinção entre a dispensa e a

inexigibilidade de licitação, ao afirmar:

Em tese, a dispensa contempla hipóteses em que a licitação seria

possível; entretanto, razões de tomo justificam que se deixe de efetuá-

la em nome de outros interesses públicos que merecem acolhida. Já a

inexigibilidade resultaria de inviabilidade de competição, dada a

singularidade do objeto ou do ofertante, ou mesmo - deve-se

acrescentar - por falta dos pressupostos jurídicos ou fáticos da licitação

não tomados em conta no arrolamento dos casos de licitação

dispensável.86

Por essas razões é que se afirma que as hipóteses de dispensa de

licitação são numerus clausus, a depender, para seu reconhecimento, da

84

“As diferenças entre inexigibilidade e dispensa de licitação são evidentes. Não se trata de

questão irrelevante ou meramente retórica, mas de alternativas distintas em sua própria natureza,

com regime jurídico diverso.

A inexigibilidade é um conceito logicamente anterior ao da dispensa. Naquela, a licitação não é

instaurada por inviabilidade de competição. Vale dizer, instaurar a licitação em caso de dispensa

significaria deixar de obter uma proposta ou obter proposta inadequada. Na dispensa, a

competição é viável e, teoricamente, a licitação poderia ser promovida. Não o é porque, diante das

circunstâncias, a Lei reputa que a licitação poderia conduzir à seleção de solução que não seria a

melhor tendo em vista as circunstâncias peculiares,

Em suma, inexigibilidade é uma imposição da realidade extranormativa, enquanto a dispensa é

uma criação legislativa. Como decorrência direta, o elenco de causas de inexigibilidade contido na

Lei tem cunho meramente exemplificativo. Já os casos de dispensa são exaustivos, o que não

significa afirmar que todos se encontram na Lei n.° 8.666. Outras leis existem, prevendo casos de

dispensa de licitação.

Como decorrência, a conclusão acerca da caracterização da inexigibilidade faz-se em momento logicamente anterior ao do reconhecimento da dispensa. Num primeiro momento, avalia-se se a competição é ou não viável. Se não o for, caracteriza-se a inexigibilidade. Se houver viabilidade de competição, passa-se à verificação da existência de alguma hipótese de dispensa.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 406).

85 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 406.

86 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Págs. 554-555.

55

expressa e induvidosa previsão legislativa. Conceito distinto, como adiante se

dirá, é reservado à inexigibilidade de licitação, a conter pressuposto

extranormativo.

Por estas razões também é possível se afirmar que a subsunção da

hipótese concreta à circunstância de licitação inexigível - por ser inviável a

competição - não concede ao administrador outra via que não a contratação

direta, isto de forma distinta do que se dá em face das hipóteses de dispensa do

rito licitatório, em que, em virtude da possível competição, socorre ao gestor a

discricionariedade ao declarar, ou não, a contratação direta.

Não se ignore, todavia, que embora também se diga licitação

dispensável87, exatamente em virtude da possibilidade de não a declarar, há

determinadas hipóteses previstas pelo legislador como de dispensabilidade de

licitação que, de fato, pela natureza das razões que motivam a ausência do

certame, tornam mesmo imperioso - obrigatório, pode-se dizer - declarar a

dispensa de licitação, visto que, embora se trate de circunstância reconhecida

pelo legislador como de licitação dispensável, é, inobstante, inegável sua

representatividade de verdadeira hipótese de inviabilidade de estabelecimento do

certame, notadamente naquelas em que não se licita em virtude da singularidade

do imóvel que se pretende locar - em decorrência de sua localização e

infraestrutura (art. 24, X88) - e por reflexo da urgência89 no atendimento da

necessidade estatal (art. 24, IV90).

87

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 555.

88 Art. 24. É dispensável a licitação:

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da

administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde

que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

89 “A decisão de não licitar decorre de uma valoração subjetiva da situação e do interesse social

envolvido. Quando a norma menciona prejuízo, este deve ser interpretado em sentido amplo. Não

me parece existir dúvida de que prejudicada fica a parcela da sociedade envolvida, direta ou

indiretamene, quando, por exemplo, uma obra pública não é posta à sua disposição no prazo

adequado. O conceito de prazo adequado comporta um certo grau de subjetividade e é

determinável em cada caso.

Não pretendo dizer que o juízo sobre a urgência seja arbitrário (...) e sim discricionário que a

Administração emite sobre o interesse social envolvido. (...).

56

2.2. Do Conteúdo do Caput do Art. 25 da Lei Federal n.° 8.666/93 – Da

Inviabilidade de Competição como hipótese abstrata autorizativa e do

cunho exemplificativo dos incisos do Art. 25.

Neste diapasão, cumpre reiterar que o dispositivo legal autorizativo da

inexigibilidade de licitação possui pressuposto fático e lógico, qual seja de, no

caso concreto, ser inviável o estabelecimento de competição.

Trata-se, distintamente do que ocorre com as hipóteses de dispensa de

licitação, de instituto que não demanda a expressa e prévia eleição das hipóteses

de proporcional sufragamento do dever de licitar - em prol de outros interesses

reconhecidos como suficientes para justificar a contratação direta91 -, pois que,

frise-se, repousa na observância de ocorrência a evidenciar uma inocuidade no

estabelecimento do certame licitatório92.

Configurados, pois, os pressupostos da não realização de licitação, que mencionei acima, a

Administração deve efetuar a contratação sem o prévio procedimento licitatório. É o interesse

social que exige a contratação sem licitação. Assim, a Administração está proibida de realizá-

la, pois se o fizesse estaria contrariando o interesse social tutelado pelo ordenamento jurídico.”

(AMARAL, Antonio Carlos Cintra do. Dispensa de Licitação por Emergência. Salvador: Instituto

Brasileiro de Direito Público, n.° 13, janeiro/fevereiro/março, 2008. Disponível na internet:

<www.direitodoestado.com.br/rede.asp> Acesso em 02/09/2016. Págs. 05-06, grifos do

original).

90

Art. 24. É dispensável a licitação:

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de

atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas,

obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens

necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e

serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e

ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos

respectivos contratos;

91 “As hipóteses descritas no artigo 24 da Lei n.° 8.666/93 são exaustivas e estão previstas em

função da economicidade, em função da pessoa, da ineficácia ou desnecessidade do próprio certame ou de acordo internacional, impondo a dispensa.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 52).

92 “Em suma: sempre que se possa detectar uma induvidosa e objetiva contradição entre o

atendimento a uma finalidade jurídica que incumba à Administração perseguir para bom

57

Por se tratar, desta forma, de meio de contratação direta que não se

esgota em alternativas fáticas previstas pelo legislador, torna-se logicamente

reconhecível que o caput do artigo 25 da Lei Geral de Licitações, ao estabelecer a

inexigibilidade de licitação “quando houver inviabilidade de competição”, “em

especial” nas hipóteses estampadas em seus incisos, preconizou regra abstrata

de reconhecimento da inexigibilidade, sendo as hipóteses de seus incisos,

portanto, tidas como “especiais”93, isto é, exemplificativas de circunstâncias

recorrentes ou induvidosamente representativas de inviabilidades de competição.

Neste sentido, leciona Joel de Menezes Niebuhr:

Então, sempre que inviável a competição, sucede inexigibilidade de

licitação pública, cabendo à comunidade jurídica sistematizar os casos

mais frequentes, sem pretender exauri-los, pois o enunciado está em

aberto. Isto é, por mais que seja conveniente inventariar os casos de

inexigibilidade, tal empreendimento provavelmente jamais se

completará, porque o caput do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 se refere

amplamente à inviabilidade de competição, abraçando hipóteses que o

comércio jurídico pode vir a configurar no futuro em vista de situações

sequer hoje supostas, bem à frente das que se delineiam na

atualidade. Por maiores que sejam os esforços para inventariar todos

os casos de inexigibilidade, podem surgir outros, que talvez até se

tornem bastante frequentes.94

cumprimento de seus misteres e a realização de certame licitatório, porque este frustraria o correto

alcance do bem jurídico posto sob sua cura, ter-se-á de concluir que está ausente o pressuposto

jurídico da licitação e, se esta não for dispensável com base em um dos incisos do artigo 24,

deverá ser havida como excluída com supedâneo no art. 25, caput.” (MELLO, Celso Antonio

Bandeira de. Estudos e pareceres de Direito Público, vol. 11. São Paulo: RT, 1991, p. 25).

93

“Ademais, da leitura do caput do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 deflui que o legislador, após ter

traçado a inexigibilidade sob o espectro da inviabilidade de competição, se preocupou em elucidar algumas hipóteses especiais dela, sem pretender, percebe-se à evidência, exauri-las. Tratou de dispor das hipóteses de inexigibilidade mais usuais, disciplinando critérios e o modo como o agente administrativo deve proceder em relação a elas. Nesse contexto, os três incisos do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 versam, respectivamente, (I) sobre a contratação de bens que só podem ser fornecidos ou prestados por produtor; (II) serviços técnicos de notória especialização de natureza singular; e (III) serviços artísticos em linha geral.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 144).

94

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 143.

58

O Tribunal de Contas da União reflete mesmo posicionamento, donde se

destaca o precedente:

As hipóteses de inexigibilidade relacionadas na Lei n.° 8.666/1993 não

são exaustivas, sendo possível a contratação com base no caput do

art. 25 sempre que houver comprovada inviabilidade de competição.95

Marçal Justen Filho, ao analisar o tema, denota referido raciocínio,

expondo que são variáveis as circunstâncias a provocar a inviabilidade de

competição e, por consequência, a inexigibilidade de licitação:

A inviabilidade de competição também se verificará nos casos em que

houver impossibilidade de seleção entre as diversas alternativas

segundo um critério objetivo ou quando o critério da vantajosidade for

incompatível com a natureza da necessidade a ser atendida. Ou, ainda

quando a realização da licitação inviabilizar a contratação de um

dentre os diversos sujeitos aptos a executar satisfatoriamente o

contrato visado pela Administração.96

Celso Antonio Bandeira de Mello é objetivo ao afirmar:

Cumpre salientar que a relação dos casos de inexigibilidade não é

exaustiva. Com efeito, o art. 25 refere que a licitação é inexigível

quando inviável a competição. E apenas destaca algumas hipóteses.97

95

TCU. Acórdão n.° 2.418/2006, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa.

96 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 436.

97 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 561.

59

Nestas circunstâncias, pois, a inexigibilidade de licitação afigura-se como

hipótese abstrata autorizadora de contratação direta, sendo os incisos do art. 25

circunstâncias excepcionais que preveem as mais comuns e “especiais” situações

que se reconhecem como, em tese, hábeis ao cotejo da inviabilidade de

competição, pressuposto do art. 25, caput, da Lei 8.666/93.

60

3. DA HIPÓTESE DO INCISO I – DO FORNECEDOR EXCLUSIVO

Previu o legislador como primeira hipótese a ensejar a inexigibilidade de

licitação a aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser

fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a

preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através

de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se

realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou

Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes (art. 25, I, Lei

8.666/93).

Trata-se de circunstância em que a competição é inviável em virtude da

inexistência de pluralidade de proponentes a acudir ao eventual certame

licitatório, daí se dizer inócuo - e, pois, inviável - o estabelecimento do

procedimento da licitação, lastreado como é no pressuposto da isonomia e

competitividade.

Joel de Menezes Niebuhr observa que o inciso I destaca hipótese de

precioso relevo à Administração Pública, considerando que o interesse público

deveras usualmente reclama esse tipo de contrato, retratado em “situações em

que uma única pessoa dispõe do que pretende a Administração Pública, por efeito

do que o contrato administrativo deve ser celebrado inevitavelmente com ela,

mediante inexigibilidade de licitação, já que inviável a competição”98.

Neste ínterim, encontra-se excelente assertiva sobre o tema na já citada

obra “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação”, subscrita por Eduardo Martines J. e

Valdemar Latance N. 99, que se vale de citação à obra do jurista Carlos Ary

Sundfeld100, em seus termos:

98

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 144.

99

MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 57.

100

SUNDFELD, Carlos Ary. Licitação e Contrato Administrativo de Acordo com as Leis 8.666/93 e

8.883/94. São Paulo: Ed. Malheiros, 1994, pág. 043.

61

A inviabilidade, portanto, decorre da unicidade do fornecedor; daí não

ser exigível a licitação. Cumpre, portanto, lembrar a lição de Carlos Ary

Sundfeld: “Questão fundamental, no atinente à inexigibilidade, é a

determinação do conteúdo ou do objeto da contratação. É quando

escolhe as características do objeto a ser contratado que a

Administração define a viabilidade ou não do certame. Tomando

exemplos: se, pretendendo adquirir computadores, fixa-se naqueles

com especificidades tais que só sejam atendidas pela marca X,

comercializada por uma única empresa, inviabiliza qualquer licitação;

se, ao contrário, admite espectro mais amplo de características,

presentes nos produtos de diversas marcas, torna-a possível. A

determinação do objeto requer cuidados especiais para evitar a burla

aos princípios da licitação, sobretudo ao da igualdade.”

Em vista disso, conclui o referido autor que a Administração Pública

pode exigir determinada característica no bem ou no serviço a ser

contratado apenas se sua ausência tornar aquele bem ou serviço

absolutamente imprestável ao interesse público que animou a

contratação.

Neste diapasão, Marçal Justen Filho bem elucida que o reconhecimento

da inviabilidade de competição com fulcro no inciso I do art. 25 reflete típica

“ausência de pluralidade de alternativas de contratação”, considerando a

“necessidade de contratação de objeto somente fornecível por determinado

empresário”101. Anota Justen Filho que tais hipóteses se afiguram quando há uma

única solução técnica hábil à satisfação da pretensão administrativa, que reflete

único proponente possível à Administração, unicidade esta provocada por

proteção do Direito ou por questão meramente fática:

Haverá hipóteses em que a única alternativa disponível está tutelada

por privilégio de exclusividade, segundo as regras de propriedade

imaterial (direitos autorais, direitos de propriedade industrial).

101

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 411.

62

Suponha-se a necessidade de adquirir um certo equipamento que está

tutelado por patente de investigação. É óbvio que o Estado não poderá

adquirir um produto equivalente, fornecido irregularmente por quem

não é titular de direitos de comercialização. Mas a ausência de direito

de exclusividade não elimina a inviabilidade de competição quando se

caracteriza a mera circunstância fática de ausência de outro sujeito em

condições de produzir objeto equivalente.102

Sob este raciocínio, a doutrina costuma sintetizar a hipótese de

inexigibilidade prevista no inciso I como circunstância de necessidade de objeto

singular103, ou, nas palavras do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, de bens

singulares104, em seus dizeres:

Os bens singulares, consoante se disse, não são licitáveis. Um bem

qualifica-se desta maneira quando possui individualidade tal que o

torna inassimilável a quaisquer outros.

Esta individualidade pode provir de o bem ser singular (a) em sentido

absoluto, (b) em razão de evento externo a ele ou (c) por força de sua

natureza íntima.

a) Singular em sentido absoluto é o bem de que só existe uma

unidade. Um selo do qual se emitiu apenas um exemplar ou, se

emitido vários, os demais foram destruídos, é objeto singular único em

sentido absoluto.

102

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 411.

103

“A inexigibilidade está diretamente relacionada com a singularidade. Nesta seara podemos

afirmar que, existem três causas que tornam inexigível a licitação: objeto singular, serviço singular e profissional singular: 1.° Objeto singular: a licitação é inexigível quando o objeto for único, isto é singular. Sendo assim, terá inexigibilidade a licitação que tiver como fundamento a aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes. Como exemplo, podemos citar uma invenção produzida apenas por uma empresa brasileira. Neste caso, não há concorrência e a licitação se torna inexigível.” (DALVI, Luciano. Manual das Licitações e Contratos Administrativos, 1° Ed. Campo Grande: Contemplar, 2012. Pág. 167).

104

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 562.

63

b) Singular em razão de evento externo é o bem a que se agregou

significado particular excepcional. Uma espada utilizada em

acontecimento histórico relevante é objeto que se tornou único por

força de fator externo que se incorporou nele. Poderão existir inúmeras

espadas do mesmo formato, fabricação, época e composição metálica;

sem embargo, àquela aderiu irremovivelmente uma qualidade que a

singularizou.

c) Singular em razão da natureza íntima do objeto é o bem em que se

substancia realização artística, técnica ou científica caracterizada pelo

estilo ou cunho pessoal de seu autor. Uma produção intelectual, como

um livro de crônica, uma obra de arte, um quadro, são singulares pela

natureza íntima do objeto.

Nestas circunstâncias se afirma que a inexigibilidade com fulcro no inciso I

do art. 25 da Lei de Regência há de pressupor não apenas a exclusividade - por

questões fáticas e/ou de Direito - no fornecimento da coisa ou do serviço105, mas

notadamente que o objeto pretendido em si comporte peculiaridade tal que

inviabilize o estabelecimento de competição em prol da obtenção de outros, a ele

assemelhado.

Daí se dizer da vedação à preferência de marca - sobre a qual melhor se

dirá adiante - e à fixação de características do objeto pretendido que sejam

despiciendas, isto é, que não atendam indispensavelmente às necessidades

hábeis à satisfação do interesse público.

Ocorre que, como dito, a regra matriz nas contratações administrativas se

consubstancia através da licitação pública - enquanto instrumento de atingimento

da isonomia e seleção da melhor proposta -, de forma que se evidencia que a

hipótese de inexigibilidade epigrafada depende, com rigor, da forma como for

descrita ou idealizada a necessidade estatal. Diga-se, se a Administração Pública

necessita de um determinado reagente químico para uso em laboratório, v.g.,

105

“O inc. I do art. 25 alude apenas a compras e somente ao caso do representante exclusivo. Isso

não significa, porém, excluir a possibilidade de contratação direta em contratos que envolvam serviços (ou obras). Aliás, a própria redação do inc. I induz essa amplitude, diante da referência final a ‘local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço’, admitindo implicitamente que também essas espécies de contratações comportam inexigibilidade.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 415-416).

64

descrevê-lo de molde a que diversos fabricantes o produzam no mercado e em

formato que todos atendam à necessidade estatal, extremamente possível - e

obrigatório - será o estabelecimento da licitação, com o fito de selecionar, dentre

aqueles disponíveis no mercado, aquele que contenha a melhor proposta à

Administração, promovida por proponente habilitado. Agora, se ao mesmo

reagente químico for imposto um caractere que o distinga dos demais, por suas

peculiaridades, a ponto de apenas poder ser atendido por único fabricante que

detém a exclusividade de seu fornecimento - não outorgando, portanto,

autorização de comercialização para pluralidade de fornecedores -, tem-se a

hipótese de inexigibilidade de licitação.

Nestas razões, é evidente que tão regular será a inexigibilidade de licitação

quanto for proporcional e motivada a descrição pormenorizada do objeto

pretendido pela Administração Pública, a ensejar reconhecimento de única

solução técnica para saciamento da necessidade que justifica a contratação. Se,

de fato, explorando o exemplo supracitado, em virtude das características do

laboratório houver um único reagente químico a elas compatível, é, a rigor, lícita a

inexigibilidade. Mas, noutravia, se forem inúmeros os produtos que atenderiam à

necessidade administrativa, o pressuposto da inviabilidade de competição terá

sido errôneo, lastreado em má dimensão da necessidade estatal e equivocado

reconhecimento do pressuposto da inexigibilidade de licitação.

Há de se ter em vista que a regra constitucional é a licitação, sendo a sua

inexigibilidade uma hipótese excepcional, de forma que, indubitavelmente, sempre

que for possível a licitação, está deve ser procedida, jamais denegada por arbítrio

do gestor que não seja harmônico à seleção do objeto tido como indispensável

para saciamento do interesse público sob cura.

Neste diapasão é que se expõe a específica lição doutrinária:

É frequente que os produtos ou serviços de qualquer empresa,

fabricante ou fornecedor tenham características especiais, que os

distinguem dos demais produtos ou serviços ofertados por seus

concorrentes. Sob esse contexto - enfocando a questão de modo

bastante débil -, qualquer produto ou serviço poderia ser reputado

65

como exclusivo, na medida em que possui características que os

diferenciam de seus concorrentes, e, por efeito disso, ensejar a

inexigibilidade de licitação pública. Esse argumento acabaria por

inverter a norma programática enlaçada na parte inicial do inciso XXI

do artigo 37 da Constituição Federal, segundo a qual a licitação pública

é a regra e a contratação direta, quer por inexigibilidade, quer por

dispensa, a exceção, uma vez que qualquer produto ou serviço poderia

ser considerado exclusivo e sua contratação realizada através de

inexigibilidade.

Por isso, é evidente que não cabe aos agentes administrativos

ressaltarem quaisquer características de produtos ou serviços,

chegando mesmo a reputá-las exclusivas, justamente com o intento de

declararem a inexigibilidade de licitação pública. Quer dizer que os

agentes administrativos não devem ressaltar as características que

bem ou mal entendam, mas devem ater-se só aquelas que são

determinantes para a satisfatória consecução do interesse público.

Isso tem a ver com a descrição do objeto do futuro contrato, que deve

ser realizada com toda a parcimônia, valendo-se a Administração

Pública de estudos técnicos sólidos, para definir, de maneira precisa, o

que realmente contempla o interesse público. Ora, é necessário que a

Administração saiba o que quer e, para tanto, não há outro caminho

afora procurar conhecer as possibilidades ofertadas no mercado,

consultando especialistas a respeito do objeto que se pretenda

contratar.106

Pela necessária motivação quando do estabelecimento do objeto

pretendido pela Administração Pública, notadamente quando sua descrição

provocar a inviabilidade de competição em virtude da existência de único sujeito

em condições de atendê-la, cumpre destacar precedente do Tribunal de Contas

da União, didático em tal ponderação:

(...) levando-se em conta que a empresa (...) é a detentora de direitos

autorais sobre os personagens SESInho e sua turma, conforme

106

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 149.

66

amplamente noticiado no relatório precedente, a realização de licitação

para o objeto em foco demandaria a troca dos mencionados

personagens, caso a (...) não se sagrasse vencedora do certame.

28. Como afirmado pelo responsável, tal solução não guardava

alinhamento aos objetivos estratégicos do SESI, que já contava com

uma publicação de qualidade que vem conseguindo, de modo

satisfatório, atingir o objetivo pretendido - difusão de ideias - junto ao

público-alvo, em especial, as crianças.

(...) 32. A notória especialização da (...) deriva da produção da revista

desde o ano de 1998 - SESI, Departamento de Santa Catarina -, com a

grande aceitação pelo público-alvo, que tem demandado, inclusive, a

criação de mais histórias, focando assuntos específicos (estudo da

Ideorama, pág. 120). A inferência acerca da plena satisfação do objeto

contratado é decorrente de a referida firma ser, como já dito,

possuidora de direitos autorais sobre os traços dos personagens.

33. Tais observações, levam-me a apontar que o afastamento da

licitação justificou-se em função de o interesse público a ser atendido

apresentar peculiaridade e anomalia que tornavam a licitação

contraproducente. A anomalia reside no fato de a contratada possuir

exclusividade no traço de personagens que vinham sendo utilizados de

longa data, com elevada aceitação, e a peculiaridade está na

constatação de que tais personagens vêm conseguindo difundir os

conceitos almejados pela publicação ao longo de vários anos, o que

demonstra alinhamento da contratação ao interesse público. (...)

(...). 37. Em linha de conclusão, a meu ver, ficou evidenciada nos autos

a inviabilidade de competição, condição sine qua non para o

afastamento da licitação.107

Nestas razões se evidencia que, em havendo produto que singularmente

atende às necessidades estatais e sendo o mesmo ofertável por único

proponente, será inviável a competição e, portanto, inexigível a licitação.

107

TCU. Acórdão n.° 197/2010, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa.

67

3.1. Da Vedação à Preferência de Marca e do Atestado de

Fornecimento Exclusivo;

A delimitação das características da coisa ou serviço pretendidos pela

Administração, como exposto, é de sublime valia quando da avaliação da

existência, ou não, de pluralidade de fornecedores em condições de atender à

necessidade estatal, pois que especifica o objeto cuja exclusividade de

comercialização dá ensejo à inexigibilidade de licitação.

Logo, a regularidade da contratação direta repousa, precipuamente (mas

não apenas nisto), na boa técnica manejada para se delimitar o objeto licitado,

especialmente se evitando que elementos dispensáveis para o atendimento da

função administrativa acabem por delimitar o universo de competidores a apenas

um fornecedor, em casos nos quais, com mais parcimônia, eventualmente fosse

possível estabelecer competição entre outros que igualmente - ou com razoável

proximidade - cumpririam os desígnios pretendidos108.

Neste sentido, seria mesmo despiciendo que o inciso I do art. 25 fixasse a

vedação à especificação de marca, de forma genérica, como causa para o

reconhecimento da inviabilidade de competição. Ocorre que, é de se dizer, em

108

“Repita-se que o critério administrativo redunda forçosamente em discricionariedade. Tudo

porque o objeto do contrato depende das peculiaridades e das necessidades de cada caso. Nesse talante, o critério administrativo gira em torno de uma zona de certeza negativa, uma zona de certeza positiva e outra zona de incerteza, onde se situa verdadeiramente a discricionariedade. E a questão é que essas zonas são sempre determinadas em razão dos casos concretos, a serem avaliados um a um consoante o aludido critério administrativo.

O critério administrativo é decisivo para a descrição do objeto do contrato, vale dizer que se trata de ato discricionário, dependente das circunstâncias de cada caso. Disso decorre que não há parâmetro absoluto e abstrato, posto de antemão, prestante a avaliar se a descrição do objeto levada a cabo pela Administração Pública é lícita ou ilícita. Na melhor das hipóteses, o que se pode oferecer são parâmetros a fim de orientar o critério administrativo. Nada mais do que isso.

O fim e ao cabo, o interesse público é a pedra de toque em relação à definição do objeto da futura contratação, bastante ou não a justificar a inexigibilidade de licitação.

Em apertada síntese:

A Administração Pública deve descrever o objeto com todas as características que definem o seu gênero. Trata-se das características principais ou essenciais do objeto, que definem a sua funcionalidade básica; das características que definem a própria natureza do objeto que se pretende contratar. Vai-se atentar às funções que se pretende do objeto e descrevê-lo de modo a assegurar o cumprimento delas. Sob essa perspectiva, todas as especificações que se fizerem necessárias são lícitas, mesmo que restrinjam o objeto a tal ponto de inviabilizar a competitividade e de justificar a inexigibilidade.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 153-154).

68

âmbito de licitações públicas, a especificidade de marca já é prática relativamente

vedada, por se mostrar forma abstrata de restrição à competição, conduta esta

contrária ao disposto no art. 3°, § 1°, I, da Lei de Regência109.

Isto posto, vê-se que os artigos 7°, § 5°110, e 15, § 7°, I111, da Lei Federal

n.° 8.666/93, já bem asseveram o descabimento, em regra, da indicação de

marca a ser fornecida para atendimento da necessidade administrativa. E isto se

justifica, é de se ressaltar, exatamente em virtude do necessário atendimento às

finalidades da licitação pública, quais sejam a concessão da isonomia,

competitividade, correlata seleção da proposta mais vantajosa e promoção do

desenvolvimento nacional sustentável, objetivos estes que seriam todos

sufragados se fosse facultado à Administração indicar a marca de sua

preferência, de forma dissociada do indispensável à obtenção de proposta que

atenda seus misteres, ceifando da competição potencial concorrente.

Noutravia, é de se dizer que também não se cogita de uma absoluta

vedação à indicação - tácita ou expressa - de uma marca que melhor atenda às

necessidades estatais, se, sob o aspecto técnico, esta for a única prestável à

109

Art. 3.° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a

seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1.° É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;

110 Art. 7.° As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao

disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:

(...) § 5.° É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.

111 Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

(...) § 7.° Nas compras deverão ser observadas, ainda:

I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;

69

função administrativa112. Logicamente, a licitação é um instrumento para servir - e

não desservir - o aparelhamento do Estado. Se tecnicamente não houver meio

comparavelmente apto ao serviço público, a especificidade do produto pretendido

- de forma a provocar a inviabilidade de competição - evidentemente provocará,

de forma declarada ou implicitamente, a oferta de apenas uma marca, visto que a

fixação de marca é a prática empresarial vigente.

Neste sentido a especializada doutrina de Joel de Menezes Niebuhr:

A propósito do assunto, impende destacar que o inciso I do artigo 25

da Lei n.° 8.666 veda literalmente a preferência de marca. Quer dizer

que, para preservar a competitividade, o agente administrativo não

pode indicar a marca do produto, uma vez que, agindo dessa forma,

frequentemente o singulariza, porquanto a disputa se torna restrita

àqueles que dela dispõem.

Apesar da clareza e da objetividade do dispositivo, a proibição de

indicar marca deve ser sopesada, com o fito de interpretar a Lei n.°

8.666/93 sistematicamente.

(...) Agregue-se que o inciso I do artigo 25 é um tanto contraditório ao

proibir a indicação de marca. E o é na medida em que ele se refere à

contratação de bem exclusivo, realizada junto à empresa, fabricante ou

fornecedor exclusivo. A prática empresarial é que as empresas deem

112

O silêncio da Lei n.° 8.666/1993 não pode ser interpretado como vedação à previsão editalícia

da aceitabilidade apenas de determinados produtos, que tiverem sido devidamente testados anteriormente, propiciando a convicção de sua satisfatoriedade. Mais ainda, deve admitir-se a possibilidade de rejeição de produtos cujo desempenho anterior tiver sido incompatível com as necessidades inerentes à natureza da contratação.

(...) Aplicam-se ao caso princípios constitucionais, entre os quais avultam o da proporcionalidade e da indisponibilidade do interesse público (ou seja, da supremacia dos direitos fundamentais, cuja realização deve obrigatoriamente ser promovida pelo Estado).

A Administração Pública não pode ser constrangida a adquirir produtos de qualidade inferior à necessária. Se houve experiência anterior comprobatória da ausência de adequação do produto, é dever da Administração Pública deixar de adquirir dito produto. Mais ainda e pelos motivos já expostos, a Administração tem de ponderar a natureza da prestação e as precauções a adotar. Não é possível impor à Administração o dever de adotar todas as cautelas para evitar a consumação de um dano e, concomitantemente, submetê-la ao dever de aceitar um produto de qualidade insuficientes ou duvidosa. Dito de outro modo, a imposição do dever de não falhar tem de ser acompanhada de poderes (funcionais) que permitam seu atendimento. (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 249).

70

uma marca aos seus produtos. Se só determinada empresa dispõe do

produto pretendido pela Administração, não há outro caminho afora

indicar a marca que fora posta no produto. Ou seja, se o produto é

exclusivo, a marca exclusiva, de uma ou outra maneira, vai ser

indicada.

A proibição de indicação de marca contida no inciso I do artigo 25 da

Lei n.° 8.666/93 é relativa, mesmo que pela letra do dispositivo não o

pareça. Ela é relativa em decorrência da visão sistêmica que deve ser

dada à Lei, e, talvez com mais força, porque produtos exclusivos

possuem marcas exclusivas, o que torna incontornável indicar a

marca, mesmo que seja implicitamente.113

No sentido das lições de Marçal Justen Filho, que assevera a inexistência

de absoluta vedação à indicação de marca, mas apenas a necessidade de que tal

hipótese seja antecedida de rigorosa ponderação técnica a indicar a

imprescindibilidade das características específicas do objeto escolhido114,

expõem-se os precedentes do Tribunal de Contas da União, em seus termos:

A indicação de marca na licitação deve ser precedida da apresentação

de justificativas técnicas que demonstrem, de forma clara e inafastável,

que a alternativa adotada é a mais vantajosa e a única que atende às

necessidades da Administração.115

(...) ressalto que farta jurisprudência do Tribunal de Contas da União

considera suficiente, na hipóteses de ofensa ao disposto no art. 25,

inc. I, do Estatuto das Licitações e considerando circunstâncias

específicas de cada processo, que seja determinado ao órgão ou

entidade que se abstenha de indicar a preferência de marca e que

comprove cabalmente a inviabilidade de competição em função de o

113

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 155-156. 114

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit., pág. 410.

115

Acórdão n.° 636/2006, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo.

71

objeto pretendido só poder ser fornecido por produtor, empresa ou

representante comercial exclusivo (Acórdãos 116/2008 e 2.099/2008

ambos da 1° Câmara e 3.645/2008, 5.053/2008 e 2.809/2008 da 2°

Câmara, entre muitos outros).116

Por conseguinte, vê-se que o inciso I do art. 25 da Lei de Licitações

prevê, ademais, que deve “a comprovação de exclusividade ser feita através de

atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se

realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou

Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.

Ocorre que, com rigor, os órgãos de registros de comércio local não

possuem competência para outorgar, com segurança jurídica, declaração de

exclusividade no fornecimento de determinado produto, tampouco o possuindo os

sindicatos patronais, que poderão, no máximo, conceder certidões das

informações constantes em seus bancos de dados, logicamentes limitadas

àqueles registrados ou submetidos à sua esfera de competência, excluídos,

portanto, fabricantes, empresários ou distribuidores que possuam registro

comercial distinto ou sejam signatários de diferente entidade sindical117.

Nestas razões, bem anotou o Superior Tribunal de Justiça, em precedente

didático, que melhor seria a emissão de referido atestado apenas por órgão de

registro de comércio que contenha abrangência nacional:

(...) o inciso I do art. 25 da Lei de Licitações, ao exigir que certificado

seja expedido pelo órgão de registro do comércio do local em que se

realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação

116

Acórdão n.° 1.975/2010, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler.

117 “Em regra, a conclusão é que as Juntas Comerciais, Sindicatos, Federações ou Confederações

Patronais, entidades referidas no inciso I do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93, não são hábeis para

atestar a exclusividade de dado objeto e de seu fornecedor. Logo, ainda que sejam emitidas

declarações nesse sentido, tais declarações não comprovam adequada e suficientemente a

exclusividade para efeitos de inexigibilidade de licitação pública. Os agentes administrativos

responsáveis pela contratação por inexigibilidade não devem contentar-se com tais declarações,

devem eles próprios pesquisar e investigar a pretensa exclusividade.” (NIEBUHR, Joel de

Menezes. Ob. Cit., Pág. 160).

72

ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes,

não veda que carta de exclusividade seja fornecida por órgão de

registro de comércio com abrangência a nível nacional, ao revés, induz

que esses órgãos é que são competentes para tanto.118

Neste diapasão Marçal Justen Filho também anota a impropriedade de se

delimitar competência de emissão de declaração de exclusividade aos órgãos

intitulados no inciso I do art. 25 da Lei de Regência, observando que a solução da

problemática repousa em obter tais informações através de instituição idônea

para tal desiderato, considerando a específica área de atuação em cotejo:

A interpretação formalista do inciso I tem conduzido a reputar

indispensável um atestado fornecido pelo órgão de Registro Público de

Empresas Mercantis ou por Sindicato, Federação ou Confederação

Patronal. Ora, o legislador incorreu em extrema infelicidade, ao adotar

a solução ora examinada. É que não incumbe ao Registro Público de

Empresas Mercantis controlar a existência de exclusividades de

representantes. Não há nem obrigatoriedade de arquivamento dos

instrumentos contratuais em face do Registro Público de Empresas

Mercantis. Por outro lado, essa questão não apresenta qualquer

pertinência aos órgãos sindicais. Logo, trata-se de formalidade

destituída de qualquer seriedade, inútil para a Administração Pública.

(...) De todo o modo, o inc. I refere-se a “entidades equivalentes”. Deve

interpretar-se o dispositivo como indicando instituições dotadas de

credibilidade e autonomia em relação ao mercado privado. A

inviabilidade de competição pode ser evidenciada através de

documentação emitida por instituição confiável e idônea, ainda que

não integrante no Registro Público de Empresas Mercantis e sem

natureza sindical.119

118

Apn n.° 214/SP, Corte Especial, rel. Min. Luiz Fux, j. em 07.05.2008, DJe de 1°.07.2008.

119

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Págs. 416-417.

73

Neste sentido, o artigo 10 da Instrução Normativa n.° 20/2013, do

Departamento de Registro Empresarial e Integração, órgão integrado à

Presidência da República, prevê:

A Junta Comercial não atestará comprovação de exclusividade, a que

se refere o inciso I, do art. 25, da Lei n.° 8.666, de 21 de Junho de

1993, limitando-se, tão somente, à expedição de certidão de inteiro

teor do ato arquivado, devendo constar da certificação que os termos

do ato são de exclusiva responsabilidade da empresa a que se referir.

O Tribunal de Contas da União, a seu turno, já possui entendimento

consolidado na Súmula 255:

Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor,

empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente

público responsável pela contratação a adoção das providências

necessárias para confirmar a veracidade da documentação

comprobatória da condição de exclusividade.

Neste sentido são as sugestões entabuladas por Joel de Menezes

Niebuhr, para que o administrador se valha, com o fito de diagnosticar a efetiva

exclusividade no fornecimento dos produtos, além de atestados eventualmente

fornecidos por órgãos de registros comerciais, associações ou sindicatos, também

de pareceres técnicos de especialistas, pesquisas de contratações pretéritas do

produto epigrafado por outras entidades administrativas - através de consultas a

antecedentes extratos de ratificações de inexigibilidade - e diligências no

mercado, aferindo, junto a outros fornecedores, se aquele que se declara

exclusivo de fato o é120.

120

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 161.

74

Desta feita, o esmero a avaliação do cabimento da inexigibilidade de

licitação em virtude da exclusividade no fornecimento de determinado produto ou

serviço há de exigir, por parte do gestor, não apenas a detença na confecção do

descritivo do objeto pretendido, mas notadamente a apuração se este possui, de

fato, exclusivo fornecedor, de molde a inviabilizar o estabelecimento de

competição e, por consequência, declarar-se inexigível a licitação.

75

4. – DA HIPÓTESE DO INCISO II – DO SERVIÇO TÉCNICO SINGULAR

Exposta a possibilidade de contratação direta em virtude da exclusividade

no fornecimento do objeto pretendido pela Administração, há de se expor a

segunda hipótese eleita pelo legislador como exemplificativa - por se mostrar

dentre as mais comuns - da inviabilidade de competição e, por consequência,

inexigibilidade de licitação.

Prevê, pois, o inciso II do art. 25 da Lei 8.666/93, que é inexigível a

licitação “para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta

Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória

especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e

divulgação”. O § 1° de referido dispositivo declara, ainda, que é de notória

especialização o proponente cujo conceito, no campo de sua especialidade,

permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais

adequado à plena satisfação do objeto do contrato121.

Trata-se de hipótese consubstanciada em típica circunstância de

inviabilidade de competição, mas aqui já não mais em decorrência da

exclusividade de direito ou fática no fornecimento do objeto pretendido - o que,

por via lógica, torna impossível ou inviável se estabelecer uma competição, pois

que único o proponente -, mas sim em virtude da inexistência de critérios

objetivos comparativos ou do risco do sacrifício dos interesses estatais na não

eleição subjetiva da melhor opção disponível no mercado122.

121

§ 1.° Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo

de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações,

organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas

atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à

plena satisfação do objeto do contrato.

122 “Quer-se dizer que o fundamento para a inexigibilidade de licitação albergada no inciso II do

artigo 25 da Lei n.° 8.666/93, referida como contratação de serviços técnicos profissionais

especializados de natureza singular, reside na indeclinável subjetividade para comparar tais

profissionais, que realizam seus préstimos com toque pessoal, de modo impregnado pela

subjetividade, fruto de experiência profissional própria. A natureza singular reside na pessoalidade

com que tais serviços são prestados, que impedem comparação objetiva, a única admissível em

76

Neste sentido professa Marçal Justen Filho:

A contratação de serviços, nos casos do inc. II do art. 25, visa a obter

não apenas uma utilidade material. É evidente que interessa à

Administração a produção de um certo resultado, mas a contratação

também é norteada pela concepção de que esse resultado somente

poderá ser alcançado se for possível contar com uma capacidade

intelectiva extraordinária. O que a Administração busca, então, é o

desempenho pessoal de ser humano dotado de capacidade especial

de aplicar o conhecimento teórico para a solução de problemas do

mundo real.

(...) No esforço de definir a regra legal, deve iniciar-se pela afirmação

de que a natureza singular não significa ausência de pluralidade de

sujeitos em condições de desempenhar o objeto. A ausência de

pluralidade de alternativas de contratação é objeto de disciplina no inc.

I do mesmo art. 25. Mais ainda, a existência de um único sujeito em

condições de ser contratado conduz à inviabilidade de competição

relativamente a qualquer serviço, mesmo quanto àqueles que não

forem técnicos profissionais especializados. Ou seja, a “natureza

singular” deve ser entendida como uma característica especial de

algumas contratações de serviços técnicos profissionais

especializados. Enfim e para concluir essa questão, singular é a

natureza do serviço, não o numero de pessoas capacitadas a executá-

lo.

licitação pública. Acrescenta-se que, em alguns casos, realmente, os profissionais que se procura

contratar nem sequer se disporiam a participar de licitação pública, o que força a Administração

Pública a contratá-los diretamente. Nada obstante essa situação possa vir a também justificar a

inexigibilidade, porque os profissionais que se pretende contratar não disputam entre si,

inviabilizando a competição, mesmo assim o seu derradeiro fundamento é a subjetividade na

prestação dos serviços, que impede o julgamento objetivo. Ora, mesmo se esses profissionais se

dispusessem a participar da licitação, ainda assim a competição permaneceria inviável, haja vista

a ausência de critérios objetivos para cotejá-los. Ademais, na maioria dos casos a especialidade

dos profissionais contratados é de natureza singular, mas o prestígio dos mesmos no mercado

não é de grau tão elevado, a ponto de fazê-los recusarem-se a participar de licitação pública. Tais

profissionais, embora não tão afamados, são especialistas de natureza singular, e, por

consequência, devem ser contratados diretamente, em obséquio à inexigibilidade de licitação

pública.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 170).

77

O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, a seu turno, bem sintetiza a

hipótese de inexigibilidade em comento:

Em suma: a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido

como singular quando nele tem de interferir, como requisito de

satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um

componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a

engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual,

artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são

precisamente os que a Administração reputa convenientes e necessita

para a satisfação do interesse público em causa.

Embora outros, talvez até muitos, pudessem desempenhar a mesma

atividade científica, técnica ou artística, cada qual o faria à sua moda,

de acordo com os próprios critérios, sensibilidade, juízos,

interpretações e conclusões, parciais ou finais, e tais fatores

individualizadores repercutirão necessariamente quanto à maior ou

menor satisfação do interesse público. Bem por isto não é indiferente

que sejam prestados pelo sujeito “A” ou pelos sujeitos “B” ou “C”, ainda

que todos estes fossem pessoas de excelente reputação.123

Trata-se de evidente hipótese de ausência de critérios objetivos de

julgamento124 por decorrência da singularidade do serviço de que o Estado

necessita, cuja contratação não se mostra viável de ser submetida aos típicos

tipos de julgamento estabelecidos nos ritos licitatórios, quais sejam os do menor

123

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 564.

124 “Não há como estabelecer padrões objetivos de avaliação dessas características, visando a

uma classificação entre os seres humanos. Até é possível afirmar que alguns não possuem

habilidade, mas é problemático estabelecer que alguém apresenta maior habilidade do que outrem

(especialmente quando se consideram prestações futuras de contornos indeterminados).

Por outro lado, os profissionais de grande êxito e qualificação superior não colocam seus serviços

no mercado. Não se dispõe a competir num certame aberto, mesmo pelos efeitos derivados de

uma eventual derrota. Serviços assim especializados conduzem a uma situação de privilégio para

o prestador, que assume posição de aguardar a procura por sua contratação antes do que de

participar em processos coletivos de disputa por um contrato”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit.

Págs. 421-422).

78

preço, melhor técnica e preço e melhor técnica, considerando que mesmo a

habilitação da proponente ou sua boa tecnicidade teórica em proposta não

garantem, de maneira razoavelmente certa, a satisfação da necessidade

administrativa125.

Neste diapasão se mostra oportuna menção à lição de Maria Sylvia

Zanela Di Pietro, em seus termos:

Quanto à menção, no dispositivo, à natureza singular do serviço, é

evidente que a lei quis acrescentar um requisito, para deixar claro que

não basta tratar-se de um dos serviços previstos no artigo 13; é

necessário que a complexidade, a relevância, os interesses públicos

em jogo tornem o serviço singular, de modo a exigir a contratação com

profissional notoriamente especializado; não é qualquer projeto,

qualquer perícia, qualquer parecer que torna inexigível a licitação.

É neste sentido que se pode afirmar que, para o reconhecimento da

inviabilidade de competição em virtude da singularidade do serviço, tem-se que

cumular os conceitos de serviço técnico singular126 a ser executado por

125

“A contratação direta desses serviços com profissionais ou empresas de notória especialização,

tal como a conceitua, agora, o § 1° do art. 25, enquadra-se, genericamente, no caput do mesmo

artigo, que declara inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. Essa

inviabilidade, no que concerne aos serviços técnicos profissionais especializados em geral,

decorre da impossibilidade lógica de a Administração pretender ‘o mais adequado à plena

satisfação do objeto do contrato’, pelo menor preço, ou que renomados especialistas se sujeitem a

disputar administrativamente a preferência por seus trabalhos.

Todavia, a lei apresenta um rol de serviços técnicos profissionais especializados que podem ser

contratados diretamente com profissionais ou empresas de notória especialização, sem maiores

indagações sobre a viabilidade ou não de competição, desde que comprovada a sua natureza

singular, como resulta do confronto dos arts. 13 e 25, II.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. Cit. Págs.

311-312).

126 “Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são

singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente - por equipe -,

sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em

características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade

administrativa a ser suprida. Neste quadro cabem os mais variados serviços: uma monografia

escrita por experiente jurista; uma intervenção cirúrgica realizada por qualificado cirurgião; uma

pesquisa sociológica empreendida por uma equipe de planejamento urbano; um ciclo de

79

profissional de notória especialização. Ora, em sendo o serviço caracterizado

como técnico-profissional, mas concorrendo a ele uma gama razoavelmente

grande de profissionais que poderiam induvidosamente fazê-lo em satisfatórias

condições, não será, de fato, singular o serviço127, o mesmo se dizendo quando

da contratação de profissional de notório saber para execução de um serviço

comum, hipótese em que terá sido despicienda128 - desproporcional, poderia se

dizer - tal contratação de renomado técnico, visto que poderia ser objeto da

ordinária e, em regra, exigível, competição. 129

conferências efetuado por professores; uma exibição de orquestra sinfônica; uma perícia técnica

sobre o estado de coisas ou das causas que o geraram.

(...) Evidentemente, o que entra em causa, para o tema da licitação, é a singularidade relevante,

ou seja: cumpre que os fatores singularizadores de um dado serviço apresentem realce para a

satisfação da necessidade administrativa. Em suma: que as diferenças advindas da singularidade

de cada qual repercutam de maneira a autorizar a presunção de que o serviço de um é mais

indicado do que o serviço de outro.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob Cit. Pág. 554).

127 “Não devem ser considerados de natureza singular, de modo a ensejar inexigibilidade, a

contratação de empresa para oferecer cursos de capacitação e aperfeiçoamento de professores.

Tais serviços podem ser prestados por diversas empresas, impondo-se, dessa maneira, a

realização de licitação (...) Abstenha-se de contratar cursos de capacitação e aperfeiçoamento

com inexigibilidade de licitação, por notória especialização, uma vez que tais serviços não

possuem natureza singular, podendo ser realizados por diversas empresas ou profissionais

capacitados para tal, observando o disposto no art. 25 da Lei n.° 8.666/1993, restringindo as

contratações por inexigibilidade de licitação estritamente aos casos em que seja inviável a

competição.” (Acórdão n.° 3.249/2006, 1° C., rel. Min. Marcos Bemquerer Costa).

Noutro sentido: “(...) as contratações de professores, conferencistas ou instrutores para ministrar

cursos de treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal, bem como a inscrição de servidores para

participação de cursos abertos a terceiros, enquadram-se na hipótese de inexigibilidade de

licitação prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art. 13 da Lei n.° 8.666/93”

(Decisão n.° 439/1998, Plenário, rel. MIn. Adhemar Paladini Ghisi).

128

“Os argumentos dos recorrentes também não podem ser aproveitados no tocante à contratação

direta de serviços relacionados à assessoria na área de licitações e acompanhamento de processos junto ao TCU, por meio de inexigibilidade pautada no art. 25, inc. II, da Lei n.° 8.666/93. Isso porque é assente nesta Corte o entendimento de que a qualidade do profissional a ser contratado não é parâmetro suficiente para caracterizar a singularidade do objeto.” (TCU, Acórdão n.° 520/2011, 2° C., rel. Min. Raimundo Carreiro).

129 “A identificação de um ‘caso anômalo’ depende da conjugação da natureza própria do objeto a

ser executado com as habilidades titularizadas por um profissional-padrão que atua no mercado.

Ou seja, não basta reconhecer que o objeto é diverso daquele usualmente executado pela própria

Administração. É necessário examinar se um profissional qualquer de qualificação média enfrenta

e resolve problemas dessa ordem, na atividade profissional comum.

Ou seja, a natureza singular resulta da conjugação de dois elementos, entre si relacionados. Um

deles é a excepcionalidade da necessidade a ser satisfeita. O outro é a ausência de viabilidade de

seu atendimento por parte de um profissional especializado padrão.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Ob.

Cit. Pág. 420).

80

Neste sentido, aliás, o Tribunal de Contas da União inclusive já exarou

verbete sumular:

A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos,

a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da

presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado,

entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do

serviço e notória especialização do contratado.130

Há de se tornar obrigatório - indissociável mesmo - que o objeto

pretendido pela Administração seja de singularidade tal que demande apenas um

ou pequeno rol de profissionais em condições de satisfazê-lo, profissionais estes

cuja seleção seja inviável, pois que ausentes critérios objetivos para tal, além de

que muito provavelmente eles sequer se submeteriam a uma competição

mediante “prova” de sua melhor técnica ou, pior, oferta do menor preço.

Exemplifica-se: suponham-se serviços de manutenção necessários em

bem de relevante valor histórico, como a Basílica de São Francisco de Assis, na

Itália, incluindo limpeza e pintura, e, depois, suponha-se a restauração dos

afrescos do teto de referido bem, mantendo suas características originais. Ambos

poderão ser tidos como técnicos profissionais, mas apenas ao segundo será

inviável contratar algum profissional que não um restaurador extremamente

experiente, renomado e com títulos131. Um curso para apresentação de

orquestras por alunos do ensino médio demandará técnico profissional, mas a

apresentação de uma orquestra sinfônica em inauguração de um relevante centro

cultural nacional não pode se submeter a uma competição ordinária, sendo, neste

último caso, inviável o certame, melhor se satisfazendo o interesse estatal

mediante a seleção de profissional de notória especialização, induvidosa perante

sua experiência e títulos.

Trata-se, com rigor, de hipótese de contratação que inexoravelmente

conterá subjetividade em seu proceder, donde haverá indissociável

130

TCU. Súmula n.° 252.

131

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 419.

81

discricionariedade do gestor ao selecionar o profissional dentre aqueles que

possuam notório saber (em existindo uma pluralidade), que lhe inspire maior

confiança. Neste sentido, aliás, cumpre destacar precedente do Supremo Tribunal

Federal, de relatoria do então Ministro Eros Grau:

Serviços técnicos profissionais especializados são serviços que a

Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado

de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela

própria, Administração, deposite na especialização desse contratado.

Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem

deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento

licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido,

entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível

com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo

confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e

indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do

contrato’ (cf. o § 1° do art. 25 da Lei 8.666/1993). O que a norma

extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao

elemento subjetivo da confiança.132

O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas da União exaram

raciocínios lógico-jurídicos equivalentes, conforme respectivos precedentes:

Assim, embora possam existir vários profissionais dotados de notória

especialização em determinada área do conhecimento, a circunstância

que inviabiliza a competição são as suas características individuais

que despertam a confiança do administrador, analisadas sob o

enfoque do objeto do contrato a ser executado, bem como do interesse

público que deve ser buscado em toda atuação da administração.133

132

AP n.° 348/SC, Plenário, Min. Eros Grau, j. em 15.12.2006, DJ de 03.08.2007 (negrito nosso).

133

Superior Tribunal de Justiça. HC n.° 228.759, 5° Turma. Rel Min. Jorge Mussi. Julg. 24/04/2012.

Publ. 03/05/2012.

82

(...) 8. Verifico, entretanto, que o requisito da singularidade de que trata

o inciso II do art. 25 da Lei n.° 8.666/1993 não se confunde com a ideia

de unicidade. Ou seja, o fato de haver mais de uma empresa atuando

em determinado segmento do mercado não é incompatível com a ideia

de singularidade do objeto a ser contratado.

9. Até porque, caso o conceito de singularidade significasse um único

sujeito possível de ser contratado, estar-se-ia diante de inviabilidade

de competição subsumível diretamente ao caput do art. 25 da Lei

8.666/1993. Não teriam, pois, qualquer aplicabilidade as disposições

do inciso II desse artigo, que exigem o atributo da singularidade para

as contratações diretas de serviços especializados com profissionais e

empresas de notória especialização.134

Joel de Menezes Niebuhr bem elucida a questão:

Na perspectiva dessa competência discricionária, observa-se elemento

de extrema relevância para visualizar a inviabilidade de competição,

qual seja o juízo de confiança do agente administrativo em

determinado especialista, que o leva a contratá-lo, preterindo outros

com similar capacitação.

É evidente que a confiança ou a desconfiança revelam avaliações

impregnadas pela discricionariedade, em tributo aos elementos

subjetivos a serem tomados pelo agente administrativo para apurá-la.

Cabe ponderar, como já se fez noutra passagem, que a

discricionariedade não é absoluta; antes disso, sempre limitada. Com

isso se quer dizer que o grau de confiabilidade, conquanto

determinado subjetivamente, depende de certos requisitos objetivos,

entre os quais avultam a experiência do especialista, a sua boa

reputação, o grau de satisfação obtido noutros contratos etc.135

134

TCU, Acórdão n.° 7.840/2013, 1° Câmara, Rel. MIn. Benjamim Zymler, julg. Em 05.11.2013.

135

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 167.

83

Daí se dizer que os critérios objetivos formam uma zona de certeza

negativa – relacionada à exclusão daqueles que não denotem consagração - e

positiva – concernente a profissionais cujo grau de experiência, êxitos

antecedentes e títulos, denotem notória especialização -, a partir das quais o

“grau de confiabilidade do agente administrativo no especialista é o fator

determinante da contratação”136.

Nesse sentido também se vislumbra a antiga Súmula n.° 039 do Tribunal

de Contas da União, que, embora sob a égide do Decreto-lei n.° 200/67, possui

excerto integralmente aplicável à atual legislação:

A dispensa de licitação para a contratação de serviços com

profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea

“d” do art. 126, § 2°, do Decreto-lei 200, de 25/02/67, só tem lugar

quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na

seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade,

insuscetível de ser medido pelos critérios de qualificação inerentes ao

processo de licitação.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não demonstra divergir do

entendimento doutrinário majoritário, anotando em seus precedentes:

Com efeito, para que a contratação direta por inexigibilidade de

licitação esteja justificada é necessário a demonstração da notória

especialização do contratado, conjugada com a singularidade do

objeto avençado, caso contrário, não haverá o binômio legal, requisitos

indissociáveis e indispensáveis para eficácia do ato.

Nessa trilha, Diógenes Gasparini, define que, “por natureza singular do

serviço há de se entender aquele que é portador de tal complexidade

executória que o individualiza, tornando-o diferente dos da mesma

136

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 168.

84

espécie, e que exige, para sua execução, um profissional ou empresa

de especial qualificação”.137

Isto posto, denota-se que se deve interpretar o disposto no inciso II e § 1°

do art. 25 à luz do caput do referido dispositivo, de molde a que a notória

especialização do proponente e a singularidade do serviço pretendido conduzam

ao reconhecimento, pela natureza do caso concreto, da inviabilidade de se

estabelecer uma competição sob os tipos ordinários de licitação (menor preço,

melhor técnica e preço ou melhor técnica), considerando que induvidosamente o

interesse público apenas poderá eficazmente ser satisfeito mediante a

contratação de notório especialista que, mesmo que não seja o único no mercado,

possa transmitir a confiabilidade de, por sua experiência, êxitos pretéritos e

títulos, induvidosamente bem atender à singular necessidade estatal.

4.1. Dos Serviços Previstos no Art. 13 da Lei n.° 8.666/93

Prevê o inciso II do art. 25 que será inexigível a licitação para contratação

dos profissionais de notória especialização quando da prestação dos singulares

serviços técnicos previstos no artigo 13 da Lei de Regência138.

137

TCESP. TC 2712/003/14, rel. Conselheira Cristiana de Castro Moraes, j. em 05/04/2016.

138

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os

trabalhos relativos a: I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; II - pareceres, perícias e avaliações em geral; III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras; III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico. VIII - (Vetado) § 1.° Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração. § 2.°: Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.

85

É induvidoso, e para tal conclusão basta a leitura do dispositivo

epigrafado, que os serviços elencados no artigo 13 são técnico-profissionais, que

ensejam, aliás, obrigatória formação acadêmica e/ou experiência profissional para

sua execução. Daí se dizer que, quando de sua contratação, se não se vislumbrar

hipótese de inexigibilidade de licitação, preferencial será a competição mediante a

modalidade licitatória do concurso139, ao invés daquelas submetidas aos

tradicionais critérios objetivos do menor preço, melhor técnica e preço ou melhor

técnica.

Já se afirmou que doutrina e jurisprudência das Cortes Judiciais e de

Contas reconhecem que para se depreender a inviabilidade de competição frente

ao disposto no inciso II do art. 25 se prostra necessária a cumulação da

singularidade do serviço e da notória especialização do profissional. Isto presente,

se vislumbra inviável a competição e, por consequência, será inexigível a

licitação.

Sob esta óptica, é de se afirmar que os serviços descritos no artigo 13 da

Lei de Regência hão de ser reconhecidos como aqueles em que há preferência

de fixação de modalidade licitatória distinta das mais comuns, prevalecendo-se o

concurso se incabível a inexigibilidade. O rol do inciso 13, pois, em sendo o

pressuposto da inexigibilidade de licitação a inviabilidade de competição - e não a

tecnicidade do serviço, pode-se dizer -, apenas pode ser reconhecido como

exemplificativo140.

§ 3.°: A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato. 139

Art. 13, § 1°, Lei 8.666/93.

140 “Antes de outras considerações, vem a lume precisar se somente os serviços enumerados nos

incisos do artigo 13 da Lei n.° 8.666/93 são capazes de ensejar a inexigibilidade de licitação

referida no inciso II do artigo 25 da mesma Lei ou não. Ora, o inciso II do artigo 25 dispõe que a

inexigibilidade nele prevista se destina à contratação dos serviços enumerados no artigo 13,

dando a impressão de que somente os serviços nele consignados é que permitem a

inexigibilidade.

Entretanto, recorda-se que a inexigibilidade resulta da inviabilidade de competição, dependente

não de disposição legislativa, mas de situação fática. Isto é, em todas as situações em que se

estiver diante da inviabilidade de competição, tem lugar inexigibilidade. Seguindo essa exegese,

se houver outros serviços que revelam natureza singular, afora os enunciados no artigo 13 da Lei

86

Neste sentido as lições de Marçal Justen Filho:

Por isso, o art. 13 não é obstáculo ao reconhecimento de outras

modalidades de serviços técnicos profissionais especializados.

Estando presentes os elementos integrantes do conceito, aplicam-se

as disposições legais pertinentes.

Anote-se, ademais, que a discussão não apresenta maior relevância

prática. A maior utilidade do elenco do art. 13 se relaciona com a

contratação direta por inexigibilidade de licitação. Como visto, o art. 25,

inc. II, da Lei n.° 8.66/1993 determina que se configura hipótese de

inviabilidade de competição nos casos de serviços técnicos

profissionais especializados referidos no art. 13. Oras, seria irrelevante

afirmar que o elenco do art.13 seria exaustivo, eis que o caput do art.

25 é exemplificativo. Dito em outras palavras, se um certo serviço

técnico profissional especializado não estiver referido no art. 13, isso

não impedirá a contratação direta – a qual se faria não com

fundamento no art. 25, inc. II, mas diretamente com base no caput do

dito artigo.141

Carlos Pinto Coelho Motta, a seu turno, já se vale do termo

exemplificativo ao anotar o rol dos serviços situados no artigo 13 do diploma em

apreço, consoante se depreende de sua assertiva:

Consagra o inciso II do art. 25 a inexigibilidade de licitação para

contratação de serviços técnicos especializados - exemplificativamente

enumerados no art. 13 da mesma LNL - de natureza singular, com

profissionais ou empresas de notória especialização.142

n.° 8.666/93, também eles não se encontram sujeitos à obrigatoriedade de licitação pública, visto

que inviável é a competição.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 163).

141 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 201.

142 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Ob Cit., Págs. 25-26.

87

Ademais, nesta seara, Justen Filho bem observa que também não será o

simples fato de o serviço caracterizar-se como técnico-profissional - visto que

descrito no artigo 13 da Lei 8.666/93 - para que se conclua pela inviabilidade de

competição ao ser contratado, sendo indispensável cotejar sua singularidade e,

pois, complexidade143. Assim sendo, conclui-se ser mesmo despicienda a

remissiva do inciso II do art. 25 ao elenco do art. 13, visto que, em sendo inviável

a competição - em decorrência da especificidade do serviço e da notória

especialização de seu mais confiável144 prestador -, poderá a inexigibilidade ser

procedida com amparo no caput do art. 25, se se compreender incabível

reconhecê-la com fulcro no inciso II145.

4.2. Da Contratação dos Serviços Advocatícios

Riquíssimo debate é promovido pela doutrina e jurisprudência nacional

quando do cotejo dos requisitos para se reconhecer inviável a competição quando

da contratação de serviços jurídicos, exclusivamente prestados por profissional

com registro na Ordem dos Advogados do Brasil146, com supedâneo no dito art.

25, caput e inciso II, não se olvidando do conteúdo do inciso V do art. 13 da Lei

n.° 8.666/1993.

Ocorre que os serviços jurídicos se mostram, com elevado grau de

percepção, como incompatíveis à seleção mediante critérios como os de menor

preço, até mesmo de melhor técnica ou através de concurso, visto que, quanto a

esses últimos, não se reconhece - para execução de um serviço jurídico

143

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 419.

144 “É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição do eventual contratado - a ser

obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria - recaia em

profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o

caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de

que produzirá a atividade mais adequada para o caso.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ob

Cit. Págs. 564-565).

145 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 435.

146 Artigo 1°, Lei Federal n.° 8.906/1994.

88

singular147 - uma boa contratação advocatícia como aquela em que o profissional

melhor se desenvolve apenas teoricamente sobre um tema.

Não bastasse, o Código de Ética e Disciplina da OAB148 veda a prática

mercantil da advocacia, estabelecendo em seu artigo 5° que o “exercício da

advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”.

Daí se dizer da incompatibilidade de declarada competição para

celebração de contrato advocatício, reconhecida, pelo Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil, como causa suficiente para se declarar cabível

a inexigibilidade de licitação quando da contratação de serviços jurídicos,

consoante verbete sumular fixado sob o n.° 04/2012, in verbis:

ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II

do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para

contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada

a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização

objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art.

89 (in totum) do referido diploma legal.

Na obra de Hely Lopes Meirelles se depreende seu raciocínio no sentido

da típica inviabilidade de competição para obtenção de serviços jurídicos:

Não só existe a impossibilidade jurídica de competição de preço ou de

técnica entre os serviços jurídicos, como também a instauração de

licitação contraria as normas do próprio Estatuto da Ordem dos

Advogados e respectivo Código de Ética (arts. 39 e 41 [art. 48, §6º

147

“Essas hipóteses, de casos excepcionais, denotam a singularidade do objeto do contrato e, por

isso, autorizam a contratação de profissional de notória especialização, o que, por sua vez, como

delineado no tópico antecedente, é realizado através da inexigibilidade de licitação pública.”

(NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 163).

148

Disponível em: <http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina>, acesso em

27/09/2016.

89

NCE] e Precedentes do Tribunal de Ética 1.062, no Processo E-1.355).

Assim, nem mesmo o concurso seria viável.149

Contudo, tem-se que também seria inapropriado declarar de maneira

abstrata, geral e incondicionada o não cabimento da licitação pública para

contratação de serviços jurídicos, já que, a rigor, não se diria que a mera

apresentação de uma proposta técnica e/ou de preço, quiçá a participação em um

concurso, faria do advogado um profissional em atuação mercantilizada150.

É indiscutível, inobstante, que a advocacia se compreende em prática

profissional em que se destaca a seleção do profissional mediante o critério

subjetivo da confiabilidade - daí se dizer de típica hipótese de inviabilidade de

competição -, de certo que, aliás, é mesmo remoto, tratando-se de um serviço

singular, dizer-se de eficiente seleção do melhor profissional mediante critérios

unicamente teóricos. Neste sentido é que leciona Marçal Justen Filho:

Havendo a necessidade de contratação de advogado autônomo, cabe

verificar se a licitação será obrigatória ou se caberá promover a

contratação direta por inviabilidade de competição. Por força do inc. II

do art. 25, a contratação direta somente é admitida quando se

configurar a existência de um serviço advocatício de natureza singular.

Se o serviço objeto da contratação não apresentar natureza singular,

será obrigatório o procedimento licitatório.

(...) A natureza singular do serviço advocatício envolve situações

bastante diversas entre si. Não cabe afirmar que a natureza singular

149

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros,

2002. Pág. 155. 150

Joel de Menezes Nieburh afirma que a Súmula n.° 04/12 do Conselho Federal da OAB é

equivocada “ao excluir de antemão qualquer possibilidade de licitar serviços jurídicos, por efeito de que sempre seriam contratados por meio de inexigibilidade. Nem todo serviço jurídico é singular. Por exemplo, o assessoramento jurídico de questões cotidianas de um órgão administrativo não se reveste de singularidade e, pois, se fosse para ser contratado com terceiro, teria que ser licitado. Ademais, exigida prova de qualificação e experiência dos advogados interessados em contratar com a Administração, é bem possível selecioná-los por meio de licitação, especialmente com julgamento do tipo técnica e preço. A cotação de preços por parte de escritórios e advogados não importa por si só aviltamento dos honorários, mesmo porque a tabela da própria Ordem dos Advogados do Brasil define apenas algumas balizas, conferindo margem de liberdade para que os advogados formulem seus preços.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 184).

90

configura-se apenas e exclusivamente em vista de uma determinada

circunstância. A natureza singular do serviço advocatício caracterizar-

se-á em virtude da presença de requisitos de diferente natureza: a

complexidade da questão, a especialidade da matéria, a sua

relevância econômica, o local em que se exercitará a atividade, o grau

de jurisdição e assim por diante. Nada impede que a singularidade

derive da complexidade do conjunto de atividades e tarefas:

individualmente, cada atuação poderia ser considerada como normal e

comum, mas existem centenas ou milhares de processos e a

singularidade decorre dessa circunstância quantitativa. É impossível

sumariar todas as características aptas a produzir no âmbito de um

órgão e não no de outro, tendo em vista a dimensão das atividades

usualmente desenvolvidas e a qualificação dos serviços jurídicos

existentes.151

O Supremo Tribunal Federal já bem delineou o cabimento da

inexigibilidade de licitação para contratação de serviços e patrocínios jurídicos,

em havendo, cumulativamente, a complexidade do tema e o relevante interesse

do órgão contratante que inviabiliza a atuação do seu corpo jurídico ordinário

(elementos formadores do conceito de serviço singular), bem como a notória

especialidade do proponente, consoante precedentes de relatoria dos Ministros

Roberto Barroso e Dias Toffoli, respectivamente:

IMPUTAÇÃO DE CRIME DE INEXIGÊNCIA INDEVIDA DE

LICITAÇÃO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA

POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

A contratação direta de escritório de advocacia, sem licitação, deve

observar os seguintes parâmetros: a) existência de procedimento

administrativo formal; b) notória especialização profissional; c)

natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da

prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança

de preço compatível com o praticado pelo mercado. Incontroversa a

especialidade do escritório de advocacia, deve ser considerado

151

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Págs. 427-428.

91

singular o serviço de retomada de concessão de saneamento básico

do Município de Joinville, diante das circunstâncias do caso concreto.

Atendimento dos demais pressupostos para a contratação direta.

Denúncia rejeitada por falta de justa causa. 152

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. PARLAMENTAR

FEDERAL. DENÚNCIA OFERECIDA. ARTIGO 89, CAPUT E

PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.666/93. ARTIGO 41 DO CPP. NÃO

CONFORMIDADE ENTRE OS FATOS DESCRITOS NA EXORDIAL

ACUSATÓRIA E O TIPO PREVISTO NO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93.

AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

(...)2. As imputações feitas aos dois primeiros denunciados na

denúncia, foram de, na condição de prefeita municipal e de procurador

geral do município, haverem declarado e homologado indevidamente a

inexigibilidade de procedimento licitatório para contratação de serviços

de consultoria em favor da Prefeitura Municipal de Arapiraca/AL. 3. O

que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização,

associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto,

requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual

não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os

profissionais contratados possuíam notória especialização,

comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da

Administração. Ilegalidade inexistente. Fato atípico. (...) 6. Acusação,

ademais, improcedente (Lei nº 8.038/90, art. 6º, caput).153

Em voto proferido pelo Ministro Relator Carlos Velloso, vislumbra-se

assertiva de relevante raciocínio lógico-jurídico154:

152

STF. Inq 3074, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193, Publ. Em 03/10/2014. 153

STF. Inq 3077, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188, publ. em 25/09/2012. 154

No julgamento da Ação Penal n.° 348-5, Santa Catarina, a Ministra Carmen Lúcia Antunes

prolatou voto destacado, ressaltando: “No caso de contratação de advogados, tal como justificado, motivado, ocorreria realmente a situação prevista de inexigibilidade de licitação, pois não há, como disse o Ministro Eros Grau, condições de objetivamente cumprir o artigo 3° da Lei n.° 8.666/93. Um dos princípios da licitação, postos no artigo 3°, é exatamente o do julgamento objetivo. Não há

92

Acrescenta-se que a contratação de advogado dispensa licitação, dado

que a matéria exige, inclusive, especialização, certo que se trata de

trabalho intelectual, impossível de ser aferido em termos preço mais

baixo. Nesta linha, o trabalho de um médico operador. Imagine-se a

abertura de licitação para realizar delicada cirurgia num servidor. Esse

absurdo somente seria admissível numa sociedade que não sabe

conceituar valores. O mesmo pode ser dito em relação ao advogado,

que tem por missão defender interesses do Estado, que tem por

missão a defesa pública.155

O Superior Tribunal de Justiça, a seu turno e em seus precedentes, bem

delineia ser obrigatório, para aferição de inviabilidade de competição, que os

serviços objeto da contratação jurídica sejam singulares, a demandar inequívoca

e notória especialização de seu prestador, sob pena de, não ocorrendo tais

quesitos, não se reconheça inviabilidade de competição hábil a ensejar a

contratação direta156, donde se destaca o julgado:

como dar julgamento objetivo entre dois ou mais advogados. De toda sorte, como verificar se um é melhor do que o outro? Cada pessoa advoga de um jeito. Não há como objetivar isso. Este é o típico caso, como mencionou o Ministro Eros Grau, de inexigibilidade de licitação - artigo 25 c/c artigo 13.” 155

Processual penal. Ação Penal: Trancamento. Advogado: Contratação. Dispensa de licitação. I -

Contratação de advogado para defesa de interesses do Estado nos Tribunais Superiores: dispensa de licitação, tendo em vista a natureza do trabalho a ser prestado. Inocorrência, no caso, de dolo de apropriação do patrimônio público. II - Concessão de habeas corpus de ofício para o fim de ser trancada a ação penal. (STF, 2° Turma. RHC n.° 72830, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 20.10.95, DJ de 16.02.96, p. 2.999).

156

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC.

INOCORRÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO SEM LICITAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. INVIABILIDADE. (...) 5. Quanto ao mérito, a questão cinge-se na contratação de advogado e contador por Câmara Municipal sem licitação, com fundamento no art. 25 da Lei n. 8.666/93 - que refere-se à inexigibilidade de licitação. 6. Conforme depreende-se do artigo citado acima, a contratação sem licitação, por inexigibilidade, deve estar vinculada à notória especialização do prestador de serviço, de forma a evidenciar que o seu trabalho é o mais adequado para a satisfação do objeto contratado e, sendo assim, inviável a competição entre outros profissionais. 7. No entanto, apesar do caso tratado nos autos não ser hipótese de dispensa de licitação, o pedido do recorrente de que o advogado efetue a devolução dos valores recebidos não pode prosperar. Este Tribunal entende que, se os serviços foram prestados, não há que se falar em devolução, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado. (...). (STJ. REsp 1238466/SP, Rel.

93

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA

SEM LICITAÇÃO. ATO ÍMPROBO POR ATENTADO AO PRINCÍPIO

DA LEGALIDADE, QUE REGE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE. CUMULAÇÃO DE

PENAS. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA DAS PENAS.

Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 14/09/2011). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SERVIÇO SINGULAR PRESTADO POR PROFISSIONAIS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. HISTÓRICO (...) 6. De acordo com o disposto nos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/1993, a regra é que o patrocínio ou a defesa de causas judiciais ou administrativas, que caracterizam serviço técnico profissional especializado, devem ser contratados mediante concurso, com estipulação prévia do prêmio ou remuneração. Em caráter excepcional, verificável quando a atividade for de natureza singular e o profissional ou empresa possuir notória especialização, não será exigida a licitação. 7. Como a inexigibilidade é medida de exceção, deve ser interpretada restritivamente. AUSÊNCIA DE SINGULARIDADE DO SERVIÇO CONTRATADO 8. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem julgou improcedente o pedido com base na seguinte premissa, estritamente jurídica: nas causas de grande repercussão econômica, a simples instauração de processo administrativo em que seja apurada a especialização do profissional contratado é suficiente para justificar a inexigibilidade da licitação. 9. A violação da legislação federal decorre da diminuta (para não dizer inexistente) importância atribuída ao critério verdadeiramente essencial que deve ser utilizado para justificar a inexigibilidade da licitação, isto é, a comprovacão da singularidade do serviço a ser contratado. (...) Friso uma vez mais: não há singularidade na contratação de escritório de advocacia com a finalidade de ajuizar Ação de Repetição de Indébito Tributário, apresentar defesa judicial ou administrativa destinada a excluir a cobrança de tributos, ou, ainda, prestar de forma generalizada assessoria jurídica. 14. É pouco crível que, na própria capital do Estado de Goiás, inexistam outros escritórios igualmente especializados na atuação acima referida. 15. O STJ possui entendimento de que viola o disposto no art. 25 da Lei 8.666/1993 a contratação de advogado quando não caracterizada a singularidade na prestação do serviço e a inviabilidade da competição. Precedentes: REsp 1.210.756/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 14/12/2010; REsp 436.869/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 01/02/2006, p. 477. (...). ART. 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 19. A conduta dos recorridos - de contratar diretamente serviços técnicos sem demonstrar a singularidade do objeto contratado e a notória especialização, e com cláusula de remuneração abusiva - fere o dever do administrador de agir na estrita legalidade e moralidade que norteiam a Administração Pública, amoldando-se ao ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade. (...) DISCIPLINA CONSTITUCIONAL 23. De acordo com o exposto, a contratação de escritórios profissionais de advocacia sem a demonstração concreta das hipóteses de inexigibilidade de licitação (singularidade do serviço e notória especialização do prestador), acrescida da inserção de cláusulas que transformam o prestador de serviço em sócio do Estado, negam aplicação ao art. 37, caput, e inciso XXI, da CF/1988. (...). (REsp 1377703/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 12/03/2014).

94

(...) 3. A contratação embasada na inexigibilidade de licitação por

notória especialização (art. 25, II, da Lei de Licitação) requer:

formalização de processo para demonstrar a singularidade do serviço

técnico a ser executado; e, ainda, que o trabalho do contratado seja

essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do

objeto do contrato.

4. O contrato para prestação de serviços técnicos no assessoramento

à Câmara Municipal de Raposos/MG nas áreas jurídica, administrativa

e parlamentar (fls. 45-46) não preenche os requisitos do art. 25, II e §

1º, da Lei de Licitação, não configurando situação de inexigibilidade de

licitação.

5. A conduta dos recorridos — de contratar serviços técnicos sem

prévio procedimento licitatório e de não formalizar processo para

justificar a inexigibilidade da licitação — fere o art. 26 da Lei de

Licitação e atenta contra o princípio da legalidade que rege a

Administração Pública, amoldando-se ao ato de improbidade

administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade

7. Verificada a prática do ato de improbidade administrativa previsto no

art. 11 da Lei 8.429/1992 (...)

10. Recurso Especial provido.157

O Tribunal de Contas da União revela interpretação mais restritiva acerca

do cabimento da inexigibilidade para contratação de serviços jurídicos158, sendo

pacífico o entendimento de obrigatória e indubitável singularidade, especificidade

e complexidade do serviço, bem como da notória especialização de seu

157 REsp 1038736/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em

04/05/2010, DJe 28/04/2011. 158

“(...) 7. Importa asseverar que a questão primordial analisada nestes autos diz respeito à

terceirização de serviços advocatícios, que o (...) insiste em manter mediante a contratação de

escritórios de advocacia para a prestação de serviços judiciais e extrajudiciais em geral, em vez de

contratar os referidos profissionais por meio de concurso público.

8. A matéria já tem entendimento firmado por este Tribunal no sentido de que contratações dessa espécie somente podem ser consideradas legais se efetivadas para serviços específicos, de natureza não continuada e com características singulares e complexas, que evidenciem a impossibilidade de serem prestados por profissionais do próprio quadro da Entidade.” (Acórdão n.° 852/2012, Plenário, rel. Min. Valmir Campelo).

95

contratado, conforme se evidencia de oportuno voto do Ministro Relator Augusto

Nardes:

Com efeito, esta Corte, regra geral, condena a contratação de

escritórios de advocacia sem a prévia realização de licitação, a não ser

em casos especiais em que os requisitos exigidos no art. 25 da Lei

8.666/1993, a saber, notória especialização do contrato e a

singularidade do objeto, estão manifesta e incontroversamente

presentes na situação circunstante à contratação. Aqui, o último dos

elementos autorizadores da contratação direta não se apresenta de

modo inconteste.159

Eduardo Martines e Valdemar Latance, em sua já citada obra “Dispensa e

Inexigibilidade de Licitação”, lecionam que as correntes interpretativas da

inexigibilidade de licitação para serviços jurídicos se dividem em corrente

subjetiva e objetiva. Enquanto a primeira assevera o sempre cabimento da

inexigibilidade de licitação para serviços jurídicos em virtude de seu caráter intuitu

personae e inviabilidade de competição entre advogados - dadas as

peculiaridades, inclusive éticas, da profissão -, a corrente objetiva - à qual os

autores se filiam - defende interpretação restritiva do requisito da singularidade do

objeto e notória especialização do profissional, como pressupostos da

inviabilidade de competição, independentemente da natureza jurídica do serviço

prestado160.

Nestas últimas razões é que se afirma que, já em conclusão, embora

serviços jurídicos sejam tipicamente incrementados de elementos subjetivos na

eleição do mais vantajoso prestador, não se deve ignorar que a advocacia pública

deve ser ordinariamente executada por membros da carreira (arts. 131 e 132 da

159

Acórdão n.° 1.774/2011, 2° Câmara, rel. MIn. Augusto Nardes.

160

“Quanto à corrente subjetiva, alguns de seus defensores vão ao extremo de afirmar que, sendo

ou não viável a competição entre interessados, não pode haver licitação entre advogados, porque estes teriam o dever ético de não aviltar sua profissão para captar clientes. (...) A corrente objetiva, à qual nos filiamos, defende uma exegese estrita das regras de inexigibilidade de licitação, haja vista que se trata de exceção ao relevante princípio constitucional da obrigatoriedade de licitação (artigo 37, inciso XXI, da Constituição)”. (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Págs. 88 e 105/106).

96

Constituição da República), advogados públicos detentores de cargos de

provimento efetivo mediante prévio concurso de provas e títulos (art. 37, II, CF) ou

de provimento em comissão se em exercício de funções de assessoria, chefia e

direção (art. 37, V, CF)161, razões pelas quais, quando do cotejo do cabimento da

inexigibilidade de licitação na hipótese, a singularidade do serviço deve ser

avaliada não apenas para fins de se vislumbrar inviabilidade de competição, mas

também inviabilidade de atuação pelo corpo jurídico ordinário do órgão

contratante (se existente), para que, ultrapassados ambos os pressupostos,

declare-se inexigível a licitação na espécie.

161

“Se há corpo jurídico próprio, somente é lícito contratar serviços jurídicos de terceiros em casos

excepcionais, verdadeiramente singulares, que fogem do padrão normal das causas e assuntos

tratados ordinariamente por seus procuradores. A contratação de novos advogados estranhos ao

corpo jurídico da entidade pressupõe o reconhecimento da incapacidade ou inadequação dos

presentes para aportar aos fins visados pela Administração Pública. (...) Advirta-se, por oportuno,

que a referida incapacidade ou inadequação não implica menoscabo aos advogados da entidade,

porque não há advogados que entendam com profundidade de todos os assuntos jurídicos, bem

como de questões complexas ou de alto envolvimento econômico, cujo alcance seja

singularmente relevante para a Administração Pública, merecendo atenção redobrada, que,

frequentemente, não pode ser dispensada pelos profissionais da Casa, haja vista o volume de

trabalho ordinário.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 177).

97

5. – DA HIPÓTESE DO INCISO III – DO PROFISSIONAL DO SETOR

ARTÍSTICO

Em continuidade, o legislador elegeu como terceira exemplificativa

hipótese de inviabilidade de competição aquela destinada a “contratação de

profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário

exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião

pública” (art. 25, III, Lei Federal n.° 8.666/93),

Trata-se, com solar evidência, de circunstância ensejadora da

inexigibilidade de licitação por motivos em muito semelhantes àqueles que

fundamentam a hipótese de inviabilidade competitiva estampada no inciso II,

notadamente em virtude da ausência de critérios objetivos de julgamento.

Todavia, destaque-se, a contratação de profissionais artísticos exige com

menor intensidade a aferição de singularidade do serviço pretendido, e isto

porque a emanação artística é singular em si mesma, nasce com este caractere,

forma pela qual a remissão da Lei à consagração pela crítica especializada almeja

mesmo exigir a motivação da escolha – coibindo desvios de finalidade -, já não

mais enquanto fundamento determinante do próprio cabimento da inexigibilidade

de licitação162.

Joel de Menezes Niebuhr, com sua notável detença, bem sintetiza a

inviabilidade de competição que magnetiza a contratação dos préstimos de

profissional artístico:

162

“Como bem esclarece Marçal Justen Filho, ‘a atividade artística consiste em uma emanação

direta da personalidade e da criatividade humana. Nesse medida é impossível verificar-se identidade de atuações’.

O critério aqui utilizado é, pois, meramente subjetivo. Em outras palavras, levam-se em conta os atributos particulares do artista a ser contratado pela Administração. A lei apenas exige, a fim de evitar fraudes, que tal artista seja consagrado ou pela crítica especializada ou pela opinião pública.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 58).

98

A inexigibilidade para contratação de serviços artísticos, por sua vez,

encontra fundamento na subjetividade que lhes é imanente. A arte não

é ciência, não segue métodos, não é objetiva. Antes disso, a arte é

expressão da alma, do espírito, da sentimentalidade, da criatividade,

por tudo e em tudo singular. Desta maneira - é imperativo ressaltar em

virtude de ser muito frequente a confusão -, a inexigibilidade para a

contratação de serviços artísticos não depende da inexistência de

outros artistas que também possam prestar o serviço. Aliás, pode e

costuma haver vários artistas capazes e habilitados, mas, mesmo

assim, inexigível é a licitação pública, em tributo à singularidade da

expressão artística.

Veja-se que também os serviços técnicos profissionais especializados

de natureza singular revelam inexigibilidade em razão da subjetividade,

porém em vista da experiência do profissional a ser contratado e do

grau de confiança depositado em seu desempenho pela Administração

Pública.163

O autor sintetiza adiante que, no que tange aos serviços técnicos

profissionais, a singularidade reside na aptidão do especialista a executar o

serviço específico que a exige, enquanto no tocante aos serviços artísticos a

singularidade reside na própria natureza do serviço, e isto porque todos os

artistas o prestam de modo subjetivo e singular, com percepção pessoal,

independente da tecnicidade de sua figura.164

A seleção do artista consagrado para execução de um mister público,

como a celebração de show musical em comemoração do Dia Nacional da

Consciência Negra, v.g., mediante evento de promoção do lazer e entretenimento

(artigos 6º, caput, 7º, IV, 217, § 3º, e 227 da Constituição da República),

evidentemente não deverá se dar mediante a seleção do melhor artista sob

critérios técnicos – como melhor voz ou percussão instrumental -, sob pena de ser

ineficiente aos fins propostos, mas, ao revés, deverá sê-lo mediante escolha

163

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 187.

164

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 187.

99

daquele com aptidão popular hábil a atração ou entretenimento do público, em

sendo esta última a finalidade administrativa envolta na despesa.

Trata-se, portanto, de típica contratação administrativa que não se sujeita

a critérios objetivos de competição, até porque, de maneira bastante peculiar,

sequer se almeja estabelecer rito apto a selecionar o melhor. A emanação

artística, na maioria das vezes, não se consagra sequer por ser a melhor sob o

ponto de vista técnico, mas apenas aquela que agrada seu público, não se

olvidando que por inúmeras vezes tal consagração é absolutamente

desacompanhada do rigor técnico165.

Se fosse o caso de escolha do profissional com maior capacidade

artística sob o aspecto técnico, poder-se-ia dizer da realização de um concurso,

mas, como já exposto, não é o rigor técnico o fundamento de escolha do

profissional, daí o revestimento da subjetividade que afasta o cabimento da

licitação, considerando ser, este último, um procedimento obrigatoriamente

norteado pela objetividade em seus procederes (arts. 3°, caput, 44 e 45 da Lei

Federal n.° 8.666/1993).

Neste sentido a lição de Marçal Justen Filho:

Quando houver interesse de premiação da melhor performance em

determinada área das artes, a Administração Pública deverá valer-se

do concurso disciplinado na Lei n.° 8.666. Assim, por exemplo, a

escolha de uma composição musical para símbolo de instituições

públicas poderá ser produzida através de um concurso com premiação

para a melhor obra.

Mas há casos em que a necessidade estatal relaciona-se com o

desempenho artístico propriamente dito. Não se tratará de selecionar o

melhor para atribuir-lhe um destaque, mas de obter os préstimos de

um artista para atender certa necessidade pública. Nesses casos,

torna-se inviável a seleção através de licitação, eis que não haverá

critério objetivo de julgamento. Será impossível identificar um ângulo

165 “O legislador foi sensível à circunstância não rara de que artistas absolutamente consagrados entre os especialistas na área não gozam da menor reputação entre a população e vice-versa.” (MARTINES JUNIOR, Eduardo; LATANCE NETO, Valdemar. Ob. Cit. Pág. 58).

100

único e determinado para diferenciar as performances artísticas. Daí a

caracterização da inviabilidade de competição.166

Neste diapasão já decidiu o Tribunal de Contas da União, com destaque

ao precedente de relatoria do Ministro Guilherme Palmeira, que bem distingue a

produção artística daqueles serviços ditos manufaturados:

No tocante à aquisição direta de objetos para presentes, o Tribunal,

acompanhando entendimento por mim manifestado na ocasião,

entendeu descaracterizada a irregularidade, ante a efetiva condição,

na hipótese, de inexigibilidade de licitação, quer pelas características

dos artigos adquiridos - peças de arte confeccionadas em prata e em

pedras brasileiras -, quer por sua destinação - cerimônias protocolares

de troca de presentes com autoridades estrangeiras, por ocasião de

visitas oficiais. (...) A Lei neste caso não estabelece, como faz crer a

Unidade Técnica, que devam ser apresentados documentos que

comprovem que se trata de único fornecedor, até porque a existência

de mais de um fornecedor pressupõe que os produtos adquiridos são

manufaturados, passíveis de comparação com outros de mesma

finalidade, circunstância inconcebível para objetos de arte.167

Por tais razões que a emanação artística se reveste de caracteres a

inviabilizar o estabelecimento do rito licitatório ordinário, compondo, em havendo

consagração ou renome hábil a motivar a escolha do profissional e em sendo

contratado diretamente ou mediante exclusivo empresário intermediário –

pressupostos dos quais melhor se dirá adiante -, compõe-se como típico serviço

que fundamenta a declaração de inexigibilidade de licitação.

166

JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. Cit. Pág. 435.

167

TCU. Acórdão n.° 210/2001, Plenário, Rel. Min. Guilherme Palmeira.

101

5.1. Da Consagração pela Crítica Especializada ou pela Opinião Pública e

Da Contratação Direta ou por Intermédio de Empresário Exclusivo

Previu o legislador que a inexigibilidade de licitação para contratação de

profissionais do setor artístico conteria como pressupostos a consagração do

artista pela crítica especializada ou pela opinião pública, devendo sê-la celebrada

diretamente – isto é, com o próprio profissional – ou através de empresário

exclusivo.

Exigir-se-á, portanto, a demonstração de consagração do profissional –

seja pela crítica ou pelos populares – para fins de contratação direta. A questão

que insurge é como proceder se o artista pretendido, embora comporte sua

peculiaridade artística, não for induvidosamente consagrado? Conclui-se, com

rigor, que a consagração requisitada pelo dispositivo normativo melhor se

compreende enquanto elemento motivador da contratação, evitando, pois, o

desvio de finalidade na contratação do profissional, e isto porque, frise-se, seja o

artista pretendido pela Administração muito consagrado ou praticamente

desconhecido no meio artístico, com idêntica forma não haverá critérios objetivos

de seleção para efetivar a contratação168.

Quer-se dizer que o pressuposto da inexigibilidade de licitação repousa na

inviabilidade de competição, e não na consagração do profissional, de certo que,

no setor artístico, sempre que se almejar a prestação por determinado profissional

em circunstância que não se confunde com a seleção do melhor (sob o aspecto

técnico), falecerá a possibilidade de estabelecimento de licitação sob critérios

objetivos. Neste sentido, e inclusive com curiosa ironia, depreende-se a assertiva,

em nota de rodapé, na obra de Joel de Menezes Nieburh:

168

“Destarte, do inciso III do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93 depreende que, na contratação de

artistas consagrados, a competição é inviável, por isso, a licitação pública é inexigível. Noutro lado, para o dispositivo, na contratação de artistas não consagrados a competição é viável, razão pela qual a licitação pública é obrigatória. Todavia, esse sistema padece de coerência lógica, porque, para determinar a viabilidade ou a inviabilidade de competição e, por ilação, a obrigatoriedade ou inexigibilidade de licitação pública, o que importa são os critérios a serem adotados para a escolha do contratante, se objetivos ou subjetivos. O ponto fulcral reside em que tanto a contratação de artistas consagrados, quanto de artistas não consagrados, depende de critério em tudo e por tudo subjetivo, que diz respeito à criatividade.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 191).

102

Ivan Barbosa Rigolin, com peculiar tom sarcástico, é esclarecedor e

incisivo: ‘De nada adianta, também aqui, pretender a lei revestir esta

inexigibilidade de licitação de condições ou requisitos, como o de o

artista ser consagrado pela opinião pública, ou a crítica especializada,

ou bobagem equivalente. Se o artista pretendido não for consagrado

nem por um nem por outro então a sua contratação precisará ser

licitada? Com que critério de julgamento, o de menor preço? Venceria

um calouro do apresentador Ratinho, de discutíveis pendores para a

arte de Caruso e para quem, em função disso, um sanduíche de

mortadela como cachê já terá valido a empreita; assim, não serve este

critério. O de melhor técnica de imitação de Cauby Peixoto? Nesse

caso, a imitação do artista quando ostentava bigode ensejaria talvez

maior atribuição de pontos que a imitação na fase atual, sem bigode?

Seria aconselhável quiçá o critério da técnica e preço, em que se

combinaria a melhor imitação, com bigode ou sem, a depender do

edital, com o maior parcelamento para pagamento, que o licitante

vencedor consignaria em sua proposta? Alguém consegue imaginar

algo mais ridículo?’169

A nota exposta pelo autor prossegue, sopesando que, ante a inviabilidade

de também se estabelecer competição para a contratação do artista não

consagrado, seria de se afirmar que a ausência de renome acabaria por impedir a

própria contratação do profissional, e não a declaração de inexigibilidade de

licitação, fato que seria ilógico170.

Não obstante, não se ignora que a jurisprudência da Corte de Contas

Paulista, tomando a consagração e renome do artista como elemento

precipuamente motivador da contratação direta ao invés do estabelecimento de

169

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 192. 170

“Ou, por outro lado, estaria pretendendo a lei que se o artista consagrado pode ser contratado

diretamente, e se não o for simplesmente não pode ser contratado, tendo-se em vista algo semelhante a uma contratação que ameace a segurança auditiva nacional? Então, aquele artista, ainda que não se possa afirmar ‘consagrado’ mas que é conhecido e estimado pela população do pequeno Município interiorano, cuja arte - seja de engolir espadas, seja de cuspir fogo pelas ventas, seja ainda a façanha de executar o scherzo-tarantella de Wieniawski em octobaixo - é significativamente estimada na localidade, esse, por não ser inquestionavelmente consagrado, estará impedido de ser contratado? Onde a lógica de tal ideia?” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 192).

103

um rito licitatório (que poderia ser o concurso), expõe em seus precedentes a

inequívoca obrigatoriedade de demonstração de tal atributo por parte do

diretamente contratado:

(...) 2.2. De fato, não restou demonstrada, nos autos, que as

contratações amoldam-se ao disposto no inciso III do artigo 25 da Lei

Federal n.° 8.666/93.

Referido dispositivo legal requer, para a inexigibilidade de licitação,

que o artista a ser contratado “seja consagrado pela crítica

especializada ou pela opinião pública”, o que não se comprovou nos

casos ora apreciados.

Necessário ressaltar, a propósito, que, por não se tratar de

profissionais notoriamente conhecidos pela população em geral, cabia

à Administração o ônus de demonstrar sua consagração, ao menos,

pela crítica especializada ou opinião pública regional ou local, mas

também isto não ocorreu.171

A jurisprudência do Tribunal de Contas Paulista também revela

acolhimento da doutrina de Jorge Ulisses Jacoby, expondo que basta a

demonstração de consagração ou renome em âmbito local, quando se tratar de

valor econômico sob dispêndio que, por seu menor vulto, amoldar-se-ia à licitação

na modalidade da Carta Convite, para qual basta a veiculação do instrumento

convocatório em veículo de publicidade local.172

171

TCESP. TC 15703/026/12, 1° Câmara, Cons. Rel. Dimas Eduardo Ramalho, em 10/07/2014.

172

“Feita esta consideração, afasto a crítica atinentes à falta de prova de consagração do artista.

Isto porque o inciso III do artigo 25 da Lei de Licitações não faz qualquer alusão à amplitude geográfica de tal aclamação, o que me leva a esposar a linha de raciocínio adotada por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes em sua obra sobre contratação direta: ‘ [...] parece que a amplitude geográfica da consagração não deve levar em conta propriamente a modalidade da licitação, mas o universo dos possíveis licitantes, estabelecido a partir do âmbito alcançado com a divulgação do ato convocatório, nos termos do art. 21 da Lei n.° 8.666/1993. Nesse sentido, para convite, que só precisa ser afixado no local da licitação, a consagração pode restringir-se ao âmbito local, da cidade ou do município licitante; no caso de editais que são publicados apenas em jornal local ou Diário oficial do Estado, a consagração pode ser Regional; mas, quando se tratar de serviços que exijam publicação mais ampla ou nacional, este será o âmbito em que se deverá avaliar a consagração pela crítica especializada ou opinião pública.’

104

Na obra atualizada de Hely Lopes Meirelles se depreende assertiva

contundente expondo, no que atine ao disposto no artigo 25, III, que o “essencial

para legitimar a dispensa do procedimento licitatório é que o artista seja

consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”173.

Tem-se, pois, que a consagração e renome do artista impõem-se como

elementos a motivar a contratação direta, de molde a, por sua peculiaridade -

inclusive em âmbito local - justificar a inviabilidade de estabelecimento de

competição. Embora não se ignore que a consagração não influi necessariamente

nos critérios de julgamento, não se deve ignorar que a absoluta ausência de

renome faz se questionar a razão pela qual se elegeu determinado profissional,

de molde a que, ausentes razões para a específica escolha, nada impediria,

mesmo, proceder-se ao concurso, pelo quê, de fato, é indispensável o renome -

mesmo que em menor nível de repercussão - do profissional a ensejar sua

contratação direta.

Por conseguinte, previu o legislador que referido profissional há de ser

contratado diretamente ou mediante empresário exclusivo. Com isto se quer dizer

que, se houver distintos empresários que possuem condições jurídicas a

representar o artista, nada impede que o Poder Público estabeleça uma

competição entre os mesmos, obtendo o menor preço reflexo de potencial

diminuição das taxas de comissão174.

Por tal razão, que guarda inquestionável lógica, deve a Administração

Pública, em elegendo o profissional que melhor satisfará a necessidade estatal,

promover sua contratação direta - isto é, firmando contrato com o próprio artista -

ou mediante empresário que detenha exclusividade (e, provavelmente, fixação de

remuneração fixa mediante contrato particular de representação), evitando que

empresários obtenham lucros desproporcionais sobre o artista representado.

Partindo dessa premissa, no caso em apreço, em que o valor contratado se amoldaria à licitação na modalidade convite, seria suficiente a indicação de artista consagrado no âmbito local (...)” (TC 002709/003/14, 2° Câmara, Relator Sr. Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo, 19/05/2015).

173

MEIRELLES, Hely Lopes. Ob Cit. Pág. 312.

174

NIEBUHR, Joel de Menezes. Ob. Cit., Pág. 188-189.

105

Neste sentido, também pacífica a jurisprudência da Corte de Contas do

Estado de São Paulo, que, aliás, bem observa que a exclusividade do empresário

contratado deve ser robustamente demonstrada, sequer sendo hábil para tal

desiderato a apresentação de declaração para data ou local específico, devendo

ser abrangente e genérica, a denotar, pois, efetiva exclusividade

representativa175, evitando-se burlas ou fraudes:

Com efeito, quer me parecer que, ao se referir a ‘empresário

exclusivo’, o comando legal pretendeu afastar a intervenção de

intermediário não necessário para a formalização do ajuste, partindo

do pressuposto de que a contratação direta com o próprio artista ou

com seu empresário exclusivo proporcionaria o menor preço

possível.176

Neste diapasão, pois, para o aperfeiçoamento da declaração de

inexigibilidade para contratação de profissionais do setor artístico, para objetos

que demandem tal específica expertise, prostra-se indispensável a demonstração

de consagração e/ou renome do proponente - aqui na medida que se prestar à

justificar a contratação direta e, por consequência, a inviabilidade de competição

por ausência de critérios objetivos de escolha -, bem como de exclusividade de

representação de seu empresário, caso não o seja contratado diretamente.

175

“Não como aceitar as justificativas encaminhadas pelo responsável, quanto à fundamentação

das inexigibilidades licitatórias no inciso III do artigo 25 da Lei n.° 8.666/93, haja vista que, para tal mister, necessário seria que os artistas fossem contratados diretamente ou por intermédio de empresário exclusivo.” (TCESP. TC 2708/003/14. 1° Câmara, Rel. Cons. Cristiana de Castro Moraes, j. em 13/09/2016). 176

TCESP. TC 002709/003/14, 2° Câmara, Conselheiro Rel. Sidney Estanislau Beraldo, j. em

19/05/2015.

106

CONCLUSÃO

1. O regime jurídico nacional submete a Administração Pública ao

cumprimento de princípios que, fixados na Constituição da República, norteiam

sua atuação, enquanto, nos dizeres de Celso Antonio Bandeira de Mello,

mandamentos nucleares do sistema jurídico fixado à atuação estatal.

Tais emanações principiológicas repercutem nas regras entabuladas ao

gestor público, dentre as quais, com rigor, destaca-se a de obrigatória promoção

da licitação pública, a anteceder a celebração de contratos de compra, prestação

de serviços, locação e alienação, pelo Poder Público, enquanto instrumento que

visa assegurar a legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, isonomia e

eficiência nos procederes da Administração, notadamente quando da convocação

dos particulares a celebrarem com si negócios jurídicos que lhes concedam - na

legítima exploração do mercado - oportunidades de obtenção de lucro.

Os princípios constitucionais a que se submete o Estado já guardariam

grau de concretude em si mesmos para se exigir o estabelecimento de um rito

hábil a promover isonômica condição de se angariar a oportunidade de celebrar o

contrato, seja qual for sua natureza, com o Poder Público. Os demais princípios e

regras lhes seriam mesmo subjacentes. Ora, a impessoalidade, a moralidade e a

publicidade, bem como os princípios licitatórios como vinculação ao instrumento

convocatório, vedação ao estabelecimento de cláusulas que firam a competição e

obrigatório julgamento objetivo de propostas, prestam-se, integralmente, a

instrumentalizar o atingimento da isonomia quando dos procedimentos de

licitação pública.

2. Daí se dizer, pois, que o regramento aplicável às licitações, donde se

destaca a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal n.°

8.666/1993), é instrumental - e como tal deve ser interpretado - à satisfação do

quanto exposto no inciso XXI do artigo 37 da Constituição da República, que,

além de fixar a obrigatoriedade da licitação pública - ressalvadas as hipóteses

previstas na lei -, também estabeleceu apenas o cabimento de exigências de

107

participação - de natureza técnica e econômico-financeira - que sejam

indispensáveis à demonstração de aptidão do licitante.

3. Neste ínterim, em sendo a licitação um instrumento de isonomia entre os

potenciais competidores e de seleção da proposta mais vantajosa, evidencia-se

que, na volátil atuação administrativa, haverá hipóteses em que falecem os

pressupostos da licitação pública, por existir maior saciamento do interesse

público mediante a eleição de específico contratado - assim reconhecido pelo

legislador (hipóteses de dispensa de licitação) - ou por ser inviável a fixação de

competição, em virtude de sua absoluta impossibilidade ou inviabilidade em

virtude da singularidade do objeto pretendido a demandar determinado prestador.

São as segundas hipóteses, denominadas de circunstâncias de

inexigibilidade de licitação, por não se prostrarem numerus clausus e, por tal,

serem mais interessantes (pode-se dizer), que provocam tantos e ferrenhos

debates jurídicos.

4. A inexigibilidade de licitação está prevista no artigo 25 da Lei n.° 8.666/93

e decorre, regra geral, do conceito de inviabilidade de competição (caput do

dispositivo). Seus três incisos guardam hipóteses exemplificativas que, por serem

mais comuns e quiçá complexas, foram especialmente fixadas pelo legislador,

cada qual com suas peculiaridades e especiais pressupostos. Todas as

hipotéticas circunstâncias dos incisos do art. 25, inobstante, sempre haverão de

perceber interpretação de molde a, por seu teor, refletir a inviabilidade de

competição, que, este último atributo, sempre será de percepção obrigatória para

se declarar inexigível o certame.

Por estas razões é que as especificidades dos incisos do art. 25 se

prestam à expor condições em que a contratação de referido objeto acabará por

se mostrar inviável de ser efetivada mediante o estabelecimento de rito licitatório,

notadamente diante dos princípios que informam este último procedimento, quais

sejam o do julgamento objetivo e mediante eleição do menor preço, melhor

técnica e preço ou melhor técnica, incompatíveis à melhor escolha para a

Administração Pública quando se prostrar em face de singulares necessidades.

108

5. São elas - singulares necessidades -, em primeiro lugar (art. 25, I), as de

aquisição ou contratação de produto ou serviço que, em denotando especificidade

que os vincule ao atendimento da necessidade estatal - observada, em regra, a

vedação à preferência de marca -, sendo fornecido ou executado por apenas um

fornecedor (exclusivo), cuja exclusividade seja atestada por órgão ou entidade

com atribuições e expertise suficiente para reconhecê-la e atestá-la, sem prejuízo

de diligência da Administração com o fito de evidenciar a inequívoca

exclusividade no fornecimento de tal objeto, de molde a, em inexistindo uma

pluralidade de potenciais concorrentes, reconhecer-se inviável o estabelecimento

do rito licitatório.

6. Em segundo, previu o legislador o cabimento da inexigibilidade de

licitação para contratação de serviços singulares técnico-profissionais, com

proponentes de notória especialização (art. 25, II). Cabível o reconhecimento da

inviabilidade de competição sempre que a necessidade estatal for singular,

específica e complexa, de forma a exigir, para seu cumprimento, profissional cujo

nível de capacitação permita aferir induvidosa possibilidade de saciamento da

necessidade estatal com elevado grau de confiança. Inviável, pois, que se

submeta tal serviço a uma competição sob o rito licitatório, e isto porque o nível

de notória especialização - títulos, experiências, renome e confiança - não se

valora sob critérios objetivos, muito menos pelo menor preço, o que poderia

sacrificar o atendimento do singular e técnico serviço pretendido pela

Administração Pública, como se depreende, v.g., em hipóteses de contratação de

especiais restaurações, conferências, patrocínio advocatício em demandas de

notória especificidade, e etc.

7. Por último, fixou-se como inviável a competição quando da contratação

de profissionais do setor artístico, desde que consagrados pela crítica

especializada ou pela opinião pública, e o seja contratado diretamente ou

mediante representação por empresário detentor de exclusividade (art. 25, III).

Sem se ignorar que a consagração ou não do profissional pouco influi no

reconhecimento da existência de critérios objetivos para eleição do contratado,

tem-se que tais atributos constam enquanto motivadores da escolha de

determinado profissional, em correlação lógica de seus atributos e da específica

109

necessidade estatal. Ausente necessidade de específico profissional, nada

impediria, diz-se, o estabelecimento de um concurso.

Mesma sorte acompanha a forma de contratação, direta ou através de

empresário exclusivo, que se afigura como indispensável para se aferir a

impossibilidade de se efetivar rito competitivo entre os potenciais representantes

do profissional, que poderiam cada qual propor menor taxa de comissão. Daí se

exigir a contratação direta ou mediante exclusivo representante, evitando a figura

do intermediário e o eventual e desproporcional aumento de seus lucros.

8. Isto posto, em sendo o instituto da inexigibilidade de licitação reconhecido

como exceção à regra de licitar, comportando, ainda, um sem número de

circunstâncias de cabimento - embora todas se submetam a aferição de seus

pressupostos -, reconhece-se como uma das figuras jurídicas de maior

complexidade no manejo da res publica, dando azo a razoáveis debates

interpretativos, na doutrina e jurisprudência nacional.

110

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