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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Janaina Sarah Pedrotti JORNALISMO EM PROCESSO: DINÂMICAS DA COBERTURA SOCIOAMBIENTAL NA IMPRENSA BRASILEIRA DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Janaina Sarah Pedrotti

JORNALISMO EM PROCESSO:

DINÂMICAS DA COBERTURA SOCIOAMBIENTAL NA IMPRENSA BRASILEIRA

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

PROGRAMA DE COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Janaina Sarah Pedrotti

Jornalismo em Processo:

Dinâmicas da Cobertura Socioambiental na Imprensa Brasileira

Doutorado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2016

Tese de doutorado apresentada ao Programa de

Comunicação e Semiótica da Pontifícia

Universidade Católica como requisito para a

obtenção do título de Doutor em Comunicação

e Semiótica na Área de concentração Signo e

Significação nas Mídias, sob a orientação da

Prof.ª Dra. Cecília Almeida Salles.

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Ficha Catalográfica

Pedrotti, Janaina Sarah.

Jornalismo em Processo: Dinâmicas da Cobertura Socioambiental na Imprensa

Brasileira/ Janaina Sarah Pedrotti-2016.

287p.

Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo- PUCSP. São Paulo, SP.

Orientadora: Prof.ª Dra. Cecília Almeida Salles- 2016.

1. Jornalismo; 2. Crítica de Processo; 3. Critérios de Cobertura.

CDU

______________________________________________________________________

Janaina Sarah Pedrotti

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Jornalismo em Processo:

Dinâmicas da Cobertura Socioambiental na Imprensa Brasileira

Aprovada em_______ de ______________de 2017.

BANCA EXAMINADORA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de

Comunicação e Semiótica da Pontifícia

Universidade Católica como requisito para a

obtenção do título de Doutor em Comunicação

e Semiótica na Área de concentração Signo e

Significação nas Mídias, sob a orientação da

Prof.ª Dra. Cecília Almeida Salles.

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Dedicatória

Aos meus pais, Iris e José Pedrotti, pela dedicação e

exemplo de honestidade e cuidado com a coletividade.

Ao meu Renato Neder, companheiro de todas as horas,

que, com seu amor, suaviza o meu caminhar sempre.

Em especial a nossa filha, fruto do nosso amor e herdeira

dos nossos sonhos.

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Agradeço ao CNPq e a FUNDASP pela bolsa de estudos nacional para o desenvolvimento

desta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica, em nome dos

funcionários e docentes, pela oportunidade dada e contribuição na realização de um sonho.

Aos Docentes do Programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica

pelas contribuições em todo meu processo de doutoramento.

A minha Orientadora Prof.ª Dra. Cecília Almeida Salles, pela convivência e respeito

dialógico. Suas orientações e exemplos marcaram a minha vida.

Aos docentes da Banca de Qualificação e Defesa pelos diálogos construtivos a respeito a

minha pesquisa.

Especialmente as minhas fontes de pesquisa, jornalistas de diversos meios de comunicação,

por compartilhar saberes a esta bela construção.

Aos meus sogros Renato e Maria Lucia Neder pelo amor e apoio incondicional sempre.

As minhas irmãs Raquel, Débora, Desire e Luciana pelo cuidado amoroso, aos cunhados

Marcelo, Gibson, Valdeque e Jansen, pelos mimos sempre, em especial aos meus sobrinhos,

que alegram o meu viver e me fazem lutar por um mundo melhor: Julia, João Eduardo, Yago,

Marcus Winicius e Marcus William.

Aos colegas do Programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica

pela fraterna convivência.

Ao povo do Araguaia por me fazer refletir sobre as mazelas sociais que assolam o povo mato-

grossense e pelo extraordinário exemplo de luta pela justiça socioambiental.

Aos meus alunos do Curso de Bacharelado em Jornalismo pela partilha da energia necessária

para o recomeço da profissão sempre.

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A paz inquieta

Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta

Que denuncia a PAZ dos cemitérios

E a PAZ dos lucros fartos.

Dá-nos a PAZ que luta pela PAZ!

A PAZ que nos sacode

Com a urgência do Reino.

A PAZ que nos invade,

Com o vento do Espírito,

A rotina e o medo,

O sossego das praias

E a oração de refúgio.

A PAZ das armas rotas

Na derrota das armas.

A PAZ do pão da fome de justiça,

A PAZ da liberdade conquistada,

A PAZ que se faz “nossa”

Sem cercas nem fronteiras,

Que é tanto “Shalom” como “Salam”,

Perdão, retorno, abraço...

Dá-nos a tua PAZ,

Essa PAZ marginal que soletra em Belém

E agoniza na Cruz

E triunfa na Páscoa.

Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta,

Que não nos deixa em PAZ!

Dom Pedro Casaldáliga

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RESUMO

Pensar jornalismo enquanto processo é olhar pelos percursos complexos e difusos de sua

prática para, desta forma, ampliar a compreensão teórica do campo. A tese discute o tema

pelo viés do trabalho da imprensa comercial com suas características organizacionais,

estruturais e as relações singulares oriundas da rede acionada pelos sujeitos envoltos nessas

dinâmicas. O corpus centra-se no enredamento do fazer jornalístico, em torno da cobertura da

imprensa, na área sócio ambiental, explorando seu processo de elaboração, produção e edição.

Também considera que estes processos têm impregnado, no seu amago, a dinâmica da

produção coletiva, embora se desenvolva em aparente e contraditória atividade individual. A

perspectiva adotada insere-se na discussão sobre processos de criação como redes

comunicativas em diferentes entradas, de forma a considerar esse enredamento da dinâmica

de criação no jornalismo, à luz dos estudos processuais de Cecília Salles. Tessitura que levou

à concepção da interação do fazer jornalístico que a tese traz pelo olhar nas dinâmicas de

cobertura dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Folha do Estado (MT), e seus

respectivos sites, com ênfase no acompanhamento do processo de desintrusão em

Marãiwatsédé (MT), em 2012 e 2013 e, posteriormente, na cobertura jornalística do

rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco em Bento Rodrigues, distrito de

Mariana (MG), em 2015. O corpo teórico é formado por um quadro multidisciplinar de dois

eixos centrais interligados. O primeiro é sustentado por uma abordagem teórico-

metodológica, pautada na semiótica, subsidiada pelas formulações de C. S. Peirce, pelo

complexus de E. Morin e pela perspectiva processual de C. A. Sales, o que permitiu

compreender nuances e questões antes não tão perceptíveis a outras abordagens. O segundo

eixo recorre às discussões no campo do jornalismo, acionando-se teóricos como M. Chaparro,

R. Alsina e Medina em diálogos conceituais com jornalistas de campo que são referência na

atividade. Esse pano de fundo ofereceu sustentação para a articulação meta-teórica em torno

das conexões na cobertura jornalística trazidas pelas dimensões: Interação do fazer

jornalístico; Deslocamentos na cobertura jornalística- do local ao global; Mobilidade da

equipe; Fontes de informação e Conflito e catástrofe em catarse.

Palavras-chave: Jornalismo; Crítica de Processo; Critérios de Cobertura.

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ABSTRACT

To think about journalism as a process, you have to look at the complex and diffuse paths of

its practice to broaden the theoretical understanding of the scientific field. This thesis

discusses the theme through the bias of the practice of commercial press with its

organizational and structural characteristics and the singular relations. The corpus focuses on

the entanglement of the journalistic practice around the press coverage in the socio-

environmental area. The process of, production and edition is explored, considering also that

these processes have impregnated the collective production dynamics, while it

develops in apparent and contradictory individual activity. The adopted perspective is inserted

in the discussion about the creation of communication networks processes in different

entrances, in order to consider this entanglement of the process of creation in journalism,

considering the procedural studies of Cecilia Salles. Texture that led to the expansion of the

conception of the journalism making that this thesis brings, by looking at the coverage

dynamics of the Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Folha do Estado (MT) newspapers

and their respective websites with emphasis on the monitoring of the withdraw process

in Marãiwetesédé in 2012 and 2013. And later in the journalistic coverage of the rupture of

the tailings dam of the mining company Samarco in Bento Rodrigues, district of Mariana

(MG) in 2015. The theoretical body is formed by a multidisciplinary framework of two

interconnected central axes. The first is supported by a theoretical-methodological approach

based on semiotics, subsidized in the formulations of C. Peirce, the complexus of E. Morin

and the procedural perspective of C. A. Sales, which allowed us to understand nuances and

questions that were not so comprehensible to other approaches. The second axis focuses on

the discussions in the field of journalism under guardianship of theoretical such as M.

Chaparro, R. Alsina and Medina in conceptual dialogues with the field. This background

provided support for the meta-theoretical articulation around the connections in journalistic

coverage brought by the dimensions: Expansion of journalistic making; shifts in journalistic

coverage - from local to global; mobility of the team; sources of information and conflict and

catastrophe in catharsis.

Keywords: Journalism; Process Criticism; Coverage Criteria.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 21

1 ABORDAGEM PROCESSUAL NO JORNALISMO ................................ 31

1.1 CRÍTICA DE PROCESSO ................................................................................................. 36

1.2 CRIAÇÃO NA PERSPECTIVA SEMIÓTICA .................................................................. 38

1.3 CONCEITO DE REDE NO PENSAMENTO COMPLEXO ............................................. 40

1.4 A TERRA SAGRADA ....................................................................................................... 45

1.5 MAR DE LAMA ................................................................................................................ 50

1.6 RUMOS TOMADOS PELA PESQUISA .......................................................................... 56

2 JORNALISMO EM REDE ........................................................................... 59

2.1 PAUTA E CONTEÚDO DINÂMICO ............................................................................... 60

2.2 SUJEITOS NO FAZER JORNALÍSTICO DA EQUIPE ................................................... 63

2.3 FRAGMENTAÇÃO NÃO LINEAR NO PROCESSO JORNALÍSTICO ......................... 68

2.4 PRODUÇÃO NO ÂMBITO COLETIVO .......................................................................... 72

2.5 JORNALISTA MEDIADOR .............................................................................................. 76

3 EM BUSCA DE CONEXÕES NA COBERTURA JORNALISTICA ...... 80

3.1 COBERTURA JORNALÍSTICA E INTERAÇÕES NO FAZER ..................................... 80

3.2 DESLOCAMENTOS NA COBERTURA DO LOCAL AO GLOBAL ............................. 86

3.3 MOBILIDADE DA EQUIPE ............................................................................................. 94

3.4 FONTES DE INFORMAÇÃO ......................................................................................... 100

3.5 CONFLITO E CATÁSTROFE EM CATARSE .............................................................. 105

CONCLUSÃO - DO FAZER JORNALISTICO AO PROCESSO ............ 118

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 123

APÊNDICES .................................................................................................... 130

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTAS .................................................................. 131

APÊNDICE B - ENTREVISTA : JORNAL O ESTADO DE S. PAULO ............................. 133

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APÊNDICE C- ENTREVISTA: JORNAL FOLHA DE S. PAULO ..................................... 142

APÊNDICE D- ENTREVISTA: JORNAL O ESTADO DE S. PAULO .............................. 155

APÊNDICE E- ENTREVISTA: JORNAL FOLHA DO ESTADO (MT) ............................. 163

APÊNDICE F- ENTREVISTA: JORNAL FOLHA DE S. PAULO. .................................... 216

ANEXOS .......................................................................................................... 237

ANEXO A- MATÉRIAS DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO. .................................. 238

ANEXO B- MATÉRIAS DO JORNAL FOLHA DE S. PAULO. ........................................ 244

ANEXO C- MATÉRIAS DO JORNAL FOLHA DO ESTADO (MT). ................................ 255

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21 INTRODUÇÃO

A inquietação que despertou o interesse investigativo sobre o jornalismo nesta

pesquisa eclode do olhar introspectivo sob o trabalho nas redações dos jornais impressos.

Além disso, foi pela via da prática que surgiu o interesse que levou às análises teóricas no

jornalismo desenvolvidas neste estudo, tendo em vista, sempre, a relação encontrada entre a

teoria e prática.

Esta inquietude se intensificou a partir do trabalho da pesquisadora na imprensa

diária. Inicialmente, em editorias setorizadas, nos cadernos de Economia e em Política.

Depois, em uma visão mais geral, a partir da atuação como adjunta da editoria geral de um

jornal impresso no Estado de Mato Grosso. A possibilidade de acompanhar diferentes

coberturas, em áreas específicas, fomentou ainda mais a busca e a vontade em adentrar nestes

percursos complexos e difusos de ação para, desta forma, pensar teoricamente o campo.

Assim, o presente estudo partiu do olhar da jornalista inserido no processo de

produção, com sua rotina diária de cobertura, elaboração textual, diagramação e edição.

Enfim, estruturas operacionais fixas, de um jornalismo com as marcas do positivismo,

impessoal, direto e sob a tutela “idealista” da objetividade. A pesquisadora atuou na imprensa

diária por 14 anos, como repórter setorista, editora adjunta e editora.

Elaborações que além da padronização industrial do jornalismo, têm marcas

composicionais individuais do autor, das redes formadas no processo de apuração da notícia e

da vivência social dos atores envolvidos.

A experiência enquanto professora no curso de Jornalismo na Universidade Federal

de Mato Grosso, nos últimos quatro anos, ampliou o campo de interesse sobre o foco da

pesquisa, agora não apenas em um olhar técnico imerso no jornalismo diário, mas envolto no

campo epistemológico do jornalismo, por meio da discussão acadêmica sobre a teoria e

prática dessa atividade, suas características e contradições.

Embora seja uma área em compulsório caminho de mudanças, seu ritmo frenético

dificulta uma reflexão teórica sobre sua prática. Trata-se de um cenário de transformações no

jornalismo que advém de contornos difusos: alguns estruturados pelo viés formal das

empresas; outros introduzidos na rotina individual do trabalho dos jornalistas, que assumem

um percurso generalizante; ou mesmo mudanças por uma exigência do mercado.

Essas tendências de alterações na área estão inseridas em um movimento com

dimensões imprevisíveis. Neste contexto de oscilação, está o processo jornalístico, tema desta

investigação. O que instiga a pensar e repensar a área.

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A atividade jornalística é por natureza mutável, talvez por retratar uma sociedade em

constante transformação. Mudanças que podem ser percebidas, por exemplo, na passagem do

texto opaco do jornal impresso para a luminescência do monitor, do redigir solitário do autor

para o interativo do interlocutor, da reprodução limitada da prensa para a infinitude da

internet. São possibilidades que trazem consigo uma linguagem diferenciada acoplada a

inúmeras potencialidades. Um cenário dinâmico que suscita pesquisas que acompanhem sua

evolução.

Embora a proposta da pesquisa não seja a de refletir diretamente sobre essas

alterações, faz-se obrigatório considerar que o processo de produção no jornalismo

desenvolve-se engendrado a este contexto de evolução técnica, tecnológica e de consumo.

Deste modo, não é prudente investigar a sua cobertura, sem também considerar o cenário

híbrido que dinamiza a área.

O corpo investigativo deste estudo está centrado no enredamento do fazer, pela

abordagem em torno da cobertura da imprensa e na complexidade inerente a esta dinâmica, no

qual se explora o processo de elaboração, produção e edição. Considera-se, também, que esse

processo tem marcas subjetivas, advindas da perspectiva da produção coletiva.

Desta forma, a linha teórica adotada insere-se na discussão sobre processos de

criação como redes comunicativas, de forma a considerar este enredamento coletivo que

envolve o processo de criação no jornalismo.

Este estudo integra o processo de reflexão teórico metodológica do grupo de estudos

em processos de criação do Programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia

Universidade Católica (PUC-SP).

Olhar a cobertura jornalística não como produto fechado, mas pela perspectiva

processual pode permitir aos pesquisadores da comunicação compreender nuances e questões,

antes não tão perceptíveis a outras abordagens de pesquisa. Desta forma, buscou-se no tema

socioambiental, mais especificamente no jornalismo de conflito socioambiental, o objeto de

pesquisa. O enfoque definido como recorte da análise centrou-se no processo de produção

jornalística socioambiental nas dimensões referentes aos critérios de cobertura utilizados e na

produção dos conteúdos veiculados.

A pesquisa focaliza inicialmente a cobertura da imprensa sobre uma área que ganha

relevância estratégica e suscita polêmica no cenário político brasileiro: A demarcação de

reservas indígenas. Um tema socioambiental, por isso a referência a este termo, embora a

veiculação do conteúdo, se considerar as editorias onde são publicados os materiais

jornalísticos, variem predominantemente entre as de Nacional, Meio Ambiente e Poder.

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Vale ressaltar que o Brasil é um dos poucos países da América Latina, incluindo a

Colômbia e Panamá, que ainda está remanejando terras.

A escolha pela área socioambiental deve-se também pela dimensão estratégica e

política do tema, em especial, em Mato Grosso, espaço de inserção da pesquisadora no

contexto jornalístico.

O território mato-grossense tem expressiva sóciodiversidade. Mapeado por Silva

(2011), é o único no Brasil a reunir três biomas do País: Amazônia, Cerrado e Pantanal.

Mantém significativas reservas naturais, sendo nelas inseridas 78 terras indígenas em

diferentes fases de regularização, habitadas por 47 diferentes etnias indígenas; 69

comunidades quilombolas, certificadas pela Fundação Palmares. Conta também com povos

ciganos, pantaneiros, retireiros do Araguaia, morroquianos, ribeirinhos, pescadores

profissionais/artesanais, agricultores familiares, acampados, assentados, seringueiros,

extrativistas, artesãos, além de uma miríade de articuladores e movimentos empenhados em

diversas lutas.

Ao lado desse complexo processo de ocupação, há também intensa atividade

extrativista em território mato-grossense. Na safra 2015/2016, por exemplo, o Estado

respondeu pela maior produção de grãos do País, sendo também o maior produtor de soja

entre os estados brasileiros, na safra 2015/20161.

As Unidades de Conservação (UC), excluindo a categoria de Área de Proteção

Ambiental² (APA) cobrem, aproximadamente, 36 mil quilômetros quadrados em Mato

Grosso, o que corresponde a 4% da superfície do Estado. Dessa área, apenas 4% estão

desmatadas, e a maior parte dessa devastação ambiental ocorreu antes de sua criação, segundo

relatório técnico do Instituto Centro de Vida (ICV, 2009).

Mas, se for considerado apenas a Amazônia Legal, Mato Grosso é o Estado que

apresenta menor proporção de sua área total protegida por Unidades de Conservação.

Enquanto Pará, Rondônia e Acre possuem 26 a 33% de suas áreas em UC, Mato Grosso tem

apenas 4%. Do total de sua extensão territorial de 903.358 quilômetros km², 35.730 deles são

de áreas de Unidade de Conservação. São territórios de ainda incontável biodiversidade,

representação social e com vistoso potencial agrícola a ser explorado. Segue tabela com dados

1 Segundo dados da Empresa Brasileira de Pecuária e Abastecimento (Embrapa) referente à safra 2015/2016.

Com consumo interno de grãos (CONAB): 42,500 milhões de toneladas. Exportação de Grão (Agrostat): 54,3

milhões de toneladas - U$ 21,0 bilhões.Exportação de farelo (Agrostat): 14,8 milhões de toneladas - U$ 5,8

bilhões. Exportação de óleo (Agrostat): 1,7 milhões de toneladas - U$ 1,2 bilhões. Total exportado (Agrostat):

U$ 28,0 bilhões

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24 estratificados por biomas, mas somadas as áreas de Unidades de Conservação federais,

estaduais e municipais.

Quadro 1- Quantidade de Unidades de Conservação por Biomas no Mato Grosso.

Biomas do Estado

de Mato Grosso

Área dos Biomas no

Estado (ha)

Relação entre as áreas

dos biomas e do Estado

(%)

Relação entre as áreas

das UCs por dos Biomas

(%)

Amazônia 49.053.882,81 54,10 5,57

Cerrado 36.326.680,81 40,06 6,68

Pantanal 4.938.865,40 5,45 9,88

Total do Estado 90.680.600,00 100,00

Fonte: SEMA-MT (2015).

Neste contexto, em que também há diferentes interesses e interpretações em torno do

uso dessas áreas, a dimensão estratégica e política do tema, também no tratamento midiático,

tem preponderância. Uma área que envolve interesses econômicos, políticos e de governo e

que, por vezes extrapolam esferas aparentemente distintas.

O corpo investigado, inicialmente, para acompanhamento e análise da cobertura da

imprensa está ligado ao desenrolar do conflito na área considerada pela Justiça Federal como

sendo a terra indígena xavante Marãiwatsédé, no Centro-Oeste brasileiro, estado de Mato

Grosso, na divisa territorial com o estado do Tocantins e do Pará, ao norte do País.

Uma disputa judicial sobre a posse da área, entre posseiros e índios tramitou por

mais de 10 anos no Supremo Tribunal Federal (STF) e teve como desfecho o conflituoso

processo de desintrusão2 de não índios da área, ocorrida em dezembro de 2013.

A escolha do objeto deve-se pela complexidade socioambiental e econômica em que

as produções jornalísticas necessariamente estão inseridas. A região na qual se deu a

cobertura jornalística, foco inicial deste estudo, apresenta múltiplas fronteiras sendo estas:

geográficas, econômicas, ecológicas e de linguagens, uma vez que reúne distintas etnias

indígenas, grupos sociais e grupos econômicos. Isto exige que o jornalista atue não apenas em

uma região, que, em tese, é diferente de seu campo rotineiro de ação, mas enfrente barreiras

inesperadas, como por exemplo, o fato de viajaram milhares de quilômetros para fazer a

cobertura e não conseguir acessar a reserva ambiental, já que a Força Nacional bloqueou o

local para evitar confrontos.

2 Sf. Termo jurídico, usado no processo do Supremo Tribunal Federal (STF) em Marãiwatsédé (MT) e do

Ministério Público Federal (MPF), referente a ato ou efeito de retirar de imóvel que dele se apossou sem

autorização do proprietário, segundo dicionário Aulete.

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25

Sem cobertura telefônica e alcance restrito de internet, o contato de alguns

profissionais da imprensa com os índios precisou ser improvisado. Enquanto alguns tinham

fontes alternativas identificadas e já trabalhadas em coberturas anteriores, outros

simplesmente produziram suas matérias apenas com a versão dos produtores e da Força

Nacional, sem conseguir ouvir a comunidade indígena.

Outra motivação para a definição do corpus é que o processo de cobertura foi

acompanhado pela pesquisadora, como profissional da imprensa e já com as inquietações

suscitadas pelo contexto acadêmico, onde atuava como professora e pesquisadora.

Voltando ao cenário que abrange culturas diversas, tecidas a partir de múltiplos e

contraditórios paradigmas, buscou-se analisar a cobertura jornalística pela crítica de processo,

pois a mesma procura por desmistificar produções jornalísticas, como elaborações que não

sobrevêm apenas sob a égide do jornalismo como técnica, em que todos os textos seriam

iguais e só mudariam na forma de apresentação. Trata-se de uma busca para observar como se

processam as interações das redes da produção jornalística, mais especificamente, sob o ponto

de vista da cobertura, também no âmbito das restrições do projeto editorial dos veículos em

questão.

A escolha pela abordagem do jornalismo, a partir de seu processo de produção,

justifica-se, também, pela vasta bibliografia com enfoque no discurso jornalístico

propriamente dito. A proposta da pesquisa é de oferecer uma reflexão crítica sobre o fazer

jornalístico a partir de sua produção.

É necessário também apontar que a participação da imprensa internacional nesta

cobertura aponta para o interesse geopolítico e estratégico do tema. Durante a pesquisa,

identificou-se que agências internacionais mantêm correspondentes em áreas de conflito

brasileiras. Embora essas agências não estivessem no recorte estabelecido para

acompanhamento do processo jornalístico, o trabalho e conteúdo produzido por essas equipes

interferem na cobertura local, uma vez que esses empreendimentos jornalísticos também

nutrem veículos brasileiros com sua produção.

As atuações dessas agências internacionais de notícias estão de certa maneira,

ajudando a pautar os critérios de cobertura utilizados na imprensa nacional. Essa dinâmica de

abordagem suscitou, ao longo da pesquisa, um dos questionamentos que nortearam o estudo:

Quais são os critérios jornalísticos empregados na cobertura socioambiental? Qual perspectiva

de imprensa está sendo praticada?

Constatou-se a formação de um pool de jornalistas no local de apuração dos

acontecimentos. Uma rede de profissionais não só do Brasil, mas do mundo, como a agência

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26 de notícias Reuters e ainda organismos autônomos de imprensa, financiados por Organizações

Não Governamentais (como Repórter Brasil, Agência Pública, Greenpeace).

A acuidade sobre estas elaborações jornalísticas e o olhar sobre o processo de

produção permitem capturar, da materialidade dos documentos e significações elaboradas no

caminho, trechos da construção social que guardam. As acepções elaboradas, a partir das

produções jornalísticas, atuam na sedimentação do real. Enne e Tavares (2004, p. 5), apontam

esse aspecto como fundamental no jornalismo da sociedade contemporânea, em que esse “se

apresenta como um formador de opinião, como um cristalizador de visões acerca do real”.

Outro elemento de expansão do olhar no campo do fazer e que se somou à pesquisa

está atrelado à tendência relacional de seu processo. Ao buscar aprofundamento sobre

determinada cobertura jornalística nesta área socioambiental, evidencia-se a sua relação com

outros trabalhos da imprensa, em especial a temas próximos, como é o caso do vazamento de

dejetos da Mineradora Samarco no Rio Doce em Minas Gerais.

Esses encadeamentos surgem no contexto das redações, uma vez que os jornalistas,

tanto editores como repórteres, fazem referência direta sobre outros trabalhos desenvolvidos,

sejam atuais, anteriores ou mesmo referentes a temas em evidência, ao falarem sobre o seu

processo de produção.

Neste sentido, há uma evidente vinculação de uma cobertura jornalística com outros

acompanhamentos da imprensa. Uma simbiose inerente ao fazer da área, estritamente conexo

à práxis diária.

Por esta razão, no aprofundamento sobre o processo jornalístico inicialmente

estudado, há referência direta à cobertura sobre o rompimento da barragem em Mariana

(MG), também por essa recorrência, a dinâmica desta cobertura também passa a ser abordada

neste estudo.

Além do acompanhamento da pesquisadora sobre a dinâmica da imprensa, foi feita a

escolha por aprofundar nas análises sobre o processo jornalístico diretamente com os

profissionais envolvidos no trabalho de cobertura por meio da realização de entrevistas em

profundidade.

Os veículos acompanhados neste procedimento foram os periódicos nacionais: Folha

de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e um veículo diário de abrangência estadual, o jornal

Folha do Estado (MT). As entrevistas realizadas foram desenvolvidas, inicialmente, tanto

com os editores dos cadernos que publicaram a cobertura, como com seus respectivos

repórteres que foram a campo ou atuaram da redação no acompanhamento do tema.

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No desenvolvimento deste estudo foi imprescindível uma reflexão que permitisse

olhar e, por conseguinte, analisar esse movimento de produção e significação intrínseco à

dinâmica de produção da imprensa.

Do ponto de vista metodológico, este estudo busca desenvolver uma abordagem

processual no jornalismo, apresentando sua base conceitual no capítulo 1, denominado

Abordagem Processual no Jornalismo. Sua sustentação teórica está inserida em uma

perspectiva semiótica, em meio a um “[...] percurso sensível e intelectual de produção de

objetos artísticos, científicos e midiáticos" (SALLES, 2011, p. 214).

A busca pela rede em constituição do jornalismo tem por base o conceito de semiose

desenvolvido por Charles Sanders Peirce. Ao dialogar sobre criação como processo sígnico,

ou semiose, necessariamente o compreendemos como uma rede em construção, discussão

apresentada no item 1.2 nomeada Criação na perspectiva semiótica.

O capítulo 1 aborda também o conceito de rede, no âmbito do pensamento da

complexidade de Morin. Desta forma, o estudo parte de uma perspectiva que compreende o

fazer jornalístico enquanto rede, onde se rejeitam visões binárias e dicotômicas. Trabalhar

com a complexidade exige um desafio teórico a que se quer enfrentar. Para tanto, é preciso

um esforço para se superar a hegemonia positivista na ciência, que em muitos momentos

impõe-se dominante.

No campo das comunicações, essa tarefa nem sempre é fácil, ou mesmo automática,

até pelos conceitos que teoricamente balizam a área, que também têm predominância de

ideias positivistas, como a concepção de objetividade, imparcialidade ou mesmo os

direcionadores que resultaram na linguagem jornalística ensinada na academia e praticada no

mundo do trabalho da área.

Marcadamente dual e dicotômica, a linguagem utilizada no jornalismo é constituída

por conceitos e separações nem sempre alcançáveis como: opinião e informação, sujeito e

objeto, notícia e reportagem, dados e interpretação. Estudar a complexidade inserida na

Comunicação significa superar esse caráter dual enraizado desde a sua conceituação.

Daí, a preocupação em se refletir sobre o processo de produção jornalística no

contexto da complexidade, para assim romper esse isolamento das partes integrantes do

processo, entre o autor e suas escrituras, por exemplo. Trata-se de uma tentativa de impedir

descontextualizações, “[...] ativar as relações que os mantém como sistemas complexos”

(SALLES, 2008, p. 27). A pretensão foi a de se discutir a respeito da produção jornalística de

maneira a se considerar a ampla dinâmica de produção na área.

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O conceito de rede não está restrito a um vocábulo indicativo para expressar uma

circunstância, ou uma imagem atraente. Pelo contrário, o termo foi conceitualmente

determinado já que o processo de criação no jornalismo pode ser pensado no âmbito da

complexidade de redes.

A busca por um instrumental teórico que possibilitasse considerar esse cenário

tornou-se uma exigência, ao passo que a crítica de processo, como expansão da crítica

genética, possibilitou imprescindível apoio teórico nesta tarefa. Apresenta-se este percurso da

pesquisa no item 1.1 que trata da Crítica de Processo.

O capítulo 1 também traz brevemente, e de forma mais específica, um detalhamento

do caminho percorrido para investigar a cobertura jornalística, em ‘Rumos tomados pela

pesquisa’. Também nesta etapa do estudo há uma sucinta apresentação do contexto de

produção das coberturas jornalísticas aprofundadas na Tese. Momento em que, também, se

retoma o contexto sócio-histórico envolvendo os fatos acompanhados pela imprensa em

Mãraiwetesedé (MT) e Mariana (MG).

Do ponto de vista teórico, o desenvolvimento desta pesquisa colabora com a

ampliação dos diálogos acerca da crítica de processo uma vez que no decorrer de sua

construção não foi localizada nenhuma referência específica que utilizava as escolhas desta

tese, em conjunto ou separadas, para trabalhar com coberturas jornalísticas.

A presente pesquisa contribui, também, com a ampliação das discussões no contexto

do jornalismo por ter possibilitado pensar teoricamente seu campo. Esse percurso foi

realizado não apenas pela análise a partir de sua prática, mas também por um levantamento no

campo teórico da área. Uma tarefa realizada em permanente diálogo com jornalistas que são

referência no meio.

No capítulo 2 da Tese, dialoga-se pela ambiência do Jornalismo em Rede, há um

desenvolvimento deste tema e das questões advindas dessa rede complexa intuída em meio a

seu processo a partir das dimensões 'Pauta e conteúdo dinâmicos’ e 'Sujeitos do fazer

jornalístico’. Esta análise foi realizada a partir de diálogos conceituais sobre crítica de

processo e jornalistas que são referência no campo prático da atividade.

A produção jornalística já não pode ser pensada, mesmo nos denominados meios

tradicionais, pela dinâmica do emissor e receptor, mas sim, dos interlocutores do processo.

Assim, deu-se continuidade a esse olhar do jornalismo em rede, em que seus partícipes traçam

caminhos e produzem significações que não seguem uma escala fixa. Trajetória que não está

propriamente inserida em uma direção linear; com começo, meio e fim. Especifica-se em

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29 torno desta tessitura pelas dimensões ‘Fragmentação não linear no processo jornalístico’,

‘Produção no âmbito do coletivo’ e ‘Jornalista Mediador’.

A intenção foi a de trazer um olhar aprofundado no processo de cobertura da

imprensa em relação à tessitura da rede, em que se evidencia a complexidade do enredamento

jornalístico. Desenvolve-se em torno da concepção do enredamento jornalístico um

entendimento que o percebe como parte de um conjunto em que uma das características é o

fazer coletivo.

É preciso destacar ao que Grego (2000, p. 41) identifica como a singularidade da

natureza do fazer jornalístico: “[...] ele é um processo coletivo, o que o torna mais complexo”.

Isso significa caminhar por um percurso onde a ação está sujeita também ao outrem, às

interações e às concepções individuais dos sujeitos envolvidos, que, por sua vez, recebem

influência externa, não só da linha editorial da empresa, mas também do contexto sócio-

político e dos leitores.

A visão processual da cobertura jornalística desencadeou uma série de elementos e

conexões que expandiram ainda mais o olhar da pesquisa. Assim, esse movimento, tanto no

contexto do repórter como do editor envolvido, trouxe diferentes dimensões que orbitam neste

campo de produção.

O eixo condutor desta reflexão foi estruturado a partir de elementos que despontaram

em meio a suas dinâmicas de produção, tais como: diálogos com os jornalistas, documentos

de processo, estrutura organizacional de produção das empresas de comunicação, de seus

profissionais e contexto de apuração dos acontecimentos.

No que diz respeito à análise da cobertura jornalística propriamente dita, o percurso

de investigação deflagrou uma série de conexões, não apenas no campo teórico da

comunicação, mas também em outras produções jornalísticas.

Uma vez evidenciada a vinculação de uma cobertura jornalística com outros

trabalhos de acompanhamento da imprensa, novas conexões surgiram, considerando que os

jornalistas, tanto editores como repórteres, fazem inferências diretas sobre outros trabalhos

desenvolvidos, sejam estes atuais ou anteriores.

Salles (2008, p. 169) aponta para a tendência relacional do processo de criação ao

propor pensar este universo a partir das redes de criação em continuidade e inacabamento.

Trazendo essa compreensão para o jornalismo, o fazer jornalístico se expande em meio a essa

rede de associações.

Corroborando essa compreensão, vimos a expansão que sofreu essa pesquisa que,

em sua fase de projeto, se propunha analisar especificamente a cobertura jornalística sobre a

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30 desintrusão dos posseiros em Mãraiwatsédé. Porém, no decorrer da caminhada e a partir do

aprofundamento sobre esta cobertura jornalística e dos diálogos e análises em torno do fazer

na atividade, abriram-se infinitos labirintos analíticos, nos quais se tornava possível tecer uma

rede de conexões que traduziam as investidas principais dessa investigação.

Por causa deste deslocamento expansivo desenvolveu-se uma discussão em torno dos

princípios direcionadores que emergem ao longo do percurso intrínseco ao processo

jornalístico, em uma reflexão teórica, sobre a prática da atividade, no campo da produção

jornalística, em que a associação entre o tema socioambiental inicialmente estudado se amplia

incluindo posteriormente a cobertura do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora

Samarco em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG)3 em 2015.

A alusão aos critérios de coberturas do rompimento da barragem foi apontada pelos

editores como referência, ao detalharem a escala de decisões, a organização da equipe, a

definição de pauta e a dinâmica de funcionamento do trabalho de cobertura jornalística diária

em temas socioambientais. Característica que ampliou o estudo sobre o processo de cobertura

jornalística também em relação a suas articulações com outros trabalhos da imprensa.

São encadeamentos que, embora nem sempre perceptíveis de maneira direta no

conteúdo veiculado, estão intrínsecos à dinâmica do jornalismo. Característica que

impossibilita olhar o processo de maneira isolada. De modo que determinado

acompanhamento, embora tenha sua especificidade espaço-temporal, não está desconexo de

outra produção da imprensa. Essa tendência processual na cobertura jornalística é apresentada

no capítulo 3.

O cerne desta investigação está no desenvolvimento dos eixos de análise do processo

jornalístico, a partir da identificação dos direcionamentos que são propelidos ao longo da ação

jornalística, oferecendo, assim, sustentação para a articulação conceitual em torno das

conexões na cobertura jornalística trazidas pela análise em torno dos seguintes itens:

Interações no fazer jornalístico, Deslocamentos na cobertura jornalística- do local ao global;

Mobilidade da equipe; Fontes de informação e Conflito e catástrofe em catarse.

3 Rompimento da barragem no dia 5 de novembro matou 19 pessoas. Considerado por especialistas e pelo

governo federal como a “maior tragédia ambiental da história do Brasil’, estima-se que cerca de 40 milhões de

litros de lama foram derramados com rejeitos da mineradora Samarco, controlada por duas gigantes brasileiras a

Vale do Rio Doce e anglo-australiana BHP Biliton. O acidente atingiu 1.469 hectares de terra, incluindo Áreas

de Preservação Permanente e reservas indígenas.

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31 1 ABORDAGEM PROCESSUAL NO JORNALISMO

As reflexões acerca do jornalismo desenvolvidas no presente estudo estão alicerçadas

em uma análise crítica que focaliza o fazer neste campo do conhecimento. Enfoca a cobertura

da área com olhar investigativo sobre seus meandros de produção e de significações.

A comunicação de massa como campo de conhecimento, tendo como especificidade

os estudos em jornalismo, tem uma trajetória ampla de teorias e correntes científicas.

Algumas estão centradas nos efeitos de longo prazo que os meios de comunicação propiciam,

como a hipótese do agenda-setting4

. Outras são direcionadas à emissão, voltadas

essencialmente para os produtores das notícias, a exemplo da teoria gatekeeper5 newsmaking,

com enfoque nos editores. Há, ainda, outras correntes de pensamento de influência filosófica

e sociológica.

Embora essas interpretações sejam caminhos para estudar a comunicação, buscou-se

nesta pesquisa uma perspectiva que possibilitasse pensar a produção jornalística,

propriamente dita, por uma abordagem mais centrada no campo do fazer. Isto implica que se

atente a auscultar não só a dinâmica interna de produção dos veículos de comunicação de

massa, mas também as diferentes vozes e sentidos (que ocorrem por vezes de forma coletiva e

em outras em escala individual) produzidos além das estruturas dos veículos de comunicação.

Para a escolha dessa abordagem, foi necessária uma visitação a percursos anteriores

que tinham essa base de compreensão para suas pesquisas.

Em uma tentativa, portanto, de projetar os caminhos da crítica de processo, retoma-

se, de forma sintética, um pouco da trajetória das pesquisas por essa abordagem no campo da

comunicação.

A crítica de processo é uma expansão das pesquisas na crítica genética, em que se

passa da centralidade de estudar a criação em objetos fixos (obras acabadas), para debruçar

esforços sobre obras em um contínuo modificação.

4 Esta hipótese defende que “em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de

informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos

cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que

os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que

esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos

acontecimentos, aos problemas, às pessoas” (SHAW, 1979, p. 96). 5O conceito de gatekeeper (seleccionador) foi elaborado por Kurt Lewin, num estudo de 1947 sobre as dinâmicas

que agem no interior dos grupos sociais, em especial no que se refere aos problemas ligados à modificação dos

hábitos alimentares. Identificando os «canais» por onde flui a sequência de comportamentos relativos a um

determinado tema, Lewin nota que existem neles zonas que podem funcionar como «cancela», como «porteiro»:

“[...] o conjunto das forças, antes e depois da zona filtro, é decididamente diferente de tal forma que a passagem,

ou o bloqueio, da unidade através de todo o canal, depende, em grande medida, do que acontece na zona filtro.

Isso sucede não só com os canais de alimentação, mas também com a sequência de uma informação, dada

através dos canais comunicativos, num grupo” (LEWIN, 1947, p. 145).

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A crítica genética tem sua raiz formativa instituída em território francês, no Centro

Nacional de Pesquisa Científica ITEM/CNRS6 (Paris). Este núcleo de estudos resulta da

iniciativa de Louis Hay, em 1968, que visava atender certas exigências metodológicas

colocadas pela análise de manuscritos. No Brasil, Philippe Willemart é responsável por

introduzir os estudos geneticistas na literatura (WILLEMART ,1985).

Ao resgatar a trajetória de investigações neste campo, Salles (2011) lembra que a

metodologia foi assim nomeada ao longo de quase duas décadas, tendo como objeto de

pesquisa a criação de textos literários. Ao ser trazida em diálogo para outras áreas do

conhecimento, originou pesquisas de mestrado e doutorado sobre o processo de produção

jornalística, produção artística, publicitária, entre outras áreas, em uma evidente expansão no

objeto estudado.

Caminhos de experiências e estudos que levam a uma teoria geral do ato criador, que

Salles conceitua como morfologia da criação: “Por necessidade científica, mais recentemente,

alguns pesquisadores vêm avançando em direção a uma generalização sobre o processo de

criação, levando a princípios que norteiam uma possível morfologia da criação”, (SALLES,

2002, p. 64).

Definimos como morfologia da criação percursos de singularidades, em que se

buscam generalizações sobre o ato criador, não no sentido de verdades absolutas, mas com o

olhar sobre a complexidade de cada processo, no sentido de auscultar os caminhos da criação

e do pensamento. São análises de processos em diversas formas de expressão: publicitários,

jornalistas, cientistas. Repetições, acasos e bifurcações que dão sustentação ao

estabelecimento de generalizações sobre o ato criador, em uma análise sobre o fazer em

determinada área específica de conhecimento. São vestígios de processo que alteraram rumos,

proporcionaram desfechos inesperados e que possibilitam uma discussão ampla sobre

determinada área de expressão.

Podemos falar, portanto, do processo de elaboração de matérias jornalísticas que, por

sua vez, embora possa ser produzido individualmente, recebe a influência de uma rede

complexa constituída na atividade jornalística. É sobre isto que nos propusemos a refletir

neste estudo, uma vez que, mesmo em escala individual, como na produção de um blog

jornalístico, há a presença do outrem, seja pelas entrevistas realizadas, pelas análises já lidas

sobre determinado fato, ou mesmo, pelo histórico de vida e experiência de cada um.

6 Institutdes Texteset Manuscrits Modernes/ Centre National de Recherche Scientifique

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Buscou-se produzir análises na perspectiva da semiótica trazida por Colapietro

(1989), que fala do sujeito como um ser histórico e concreto, culturalmente sobre

determinado, inserido em uma rede de relações. Essa dinâmica, que faz parte da própria

natureza da crítica genética, abre a possibilidade de se estudar manuscritos de toda e qualquer

forma de expressão artística.

Ao discorrer a respeito da importância da semiótica na dilatação de fronteiras, Salles

aponta como algo novo que surgiu com a atuação de “[...] pesquisadores com formações as

mais diversas, pessoas que se interessavam e atuavam nas áreas de literatura, cinema, artes

plásticas, arquitetura, jornalismo e publicidade. Assim, os manuscritos de diferentes

linguagens passaram a exigir reconhecimento” (SALLES, 2002, p. 13).

Essa tendência é observada por Ferrer (2000, p. 23), ao identificar que o

desenvolvimento dos estudos genéticos se sustenta nos esforços de alguns pesquisadores. O

pesquisador vê nos estudos desenvolvidos no Centro de Estudos de Crítica Genética do

Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP a responsabilidade

pela ampliação significativa dos limites da crítica genética.

Normalmente, esses estudos partem da matéria jornalística e dos esboços elaborados

para a sua produção, como nos estudos mencionados acima, no campo da crítica genética.

Considera-se também o percurso traçado no levantamento bibliográfico sobre os estudos no

jornalismo, também pouco focados na prática da área. Assim, as discussões tradicionalmente

estão direcionadas às matérias publicadas, seus efeitos e sentidos produzidos.

Para investigar essa área, com ênfase sobre o seu campo do fazer, levanta-se a

necessidade de olhar sob a perspectiva de processo como uma possibilidade de trazer à tona

essas marcas do fazer jornalístico, gerando assim uma reflexão crítica sobre esse fazer, diante

desse momento contemporâneo.

Busca-se uma perspectiva que, ao abrir diálogo com outros campos do

conhecimento, ganha uma evidente expansão não apenas no objeto estudado, mas em sua

abordagem, uma vez que se muda o foco. De objetos estáticos, passa-se à mobilidade, já que

se está tratando de elaborações dinâmicas, em que seus objetos são ressignificados, em uma

mobilidade contínua, a obra em construção.

A referência ao termo 'obra em construção' carrega as marcas singulares dos

princípios direcionadores ou projeto poético que a direciona. Segundo Salles (2010), o projeto

de cada artista insere-se na frisa do tempo da arte, da ciência e da sociedade, em geral. É o

diálogo de uma obra com a tradição, com o presente e com o futuro. O aspecto comunicativo

do processo de criação envolve não só relações culturais, mas também uma grande

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34 diversidade de diálogos de natureza inter e intrapessoais: do artista com ele mesmo, com a

obra em processo, com futuros receptores, com a crítica.

São procedimentos que têm a marca do inacabamento, visto que estão em

performances. Essa expansão conceitual do estudo da obra em processo é avaliada por Salles

e Cardoso (2007, p. 47) em artigo publicado na revista Ciência e Cultura. Observam que a

teorização da crítica de processo possibilita uma discussão profunda dessas obras processuais,

uma vez que “[...] o crítico necessita, como foi dito, de ferramentas que falem de movimento.

Muitas dessas obras se dão no estabelecimento de relações, ou seja, na rede em permanente

construção que fala de um processo, não mais particular e íntimo”.

Neste contexto disposto estão, por exemplo, as pesquisas de Lins (2000) sobre a

produção de telejornais e de Fávaro (2009) sobre fotojornalismo. Fávaro faz um estudo sobre

o processo criativo do fotojornalista Evandro Teixeira, durante o regime militar. E em sua

pesquisa de doutorado, se aprofunda na edição em fotojornalismo no contexto da

convergência de mídia. Estudos em que o que está em jogo é o trabalho nas redações, a partir

de arquivos de material bruto.

Esses arquivos são esboços que, ao abordarem teoricamente o trabalho nas redações

dos jornais, proporcionam uma reflexão sobre a área e suscitam conteúdo para refletir em

torno deste campo científico. Como nas publicações de Henn (1996) que enfoca e reflete

sobre notícia na imprensa brasileira e de Moura (2007) sobre os documentos de processo de

Caco Barcellos produzidos ao longo da escritura de seu livro Rota 66, onde propicia uma

discussão sobre as especificidades de diferentes formas de jornalismo, no caso o jornalismo

denominado investigativo.

Em meio a essa discussão, são produzidas pesquisas que se voltam a considerar a

mobilidade no campo do jornalismo. Carla Miranda de Freitas faz um intrigante estudo sobre

este tema em sua dissertação “Do impresso ao digital: o texto jornalístico em mutação”. A

pesquisa analisa as mudanças dos textos dos jornais impressos após o surgimento do chamado

ciberjornalismo e também mostra o processo de evolução dos textos redigidos exclusivamente

para a web, mas ainda a partir de análise sobre os conteúdos publicados.

Essa é uma perspectiva desafiadora, quando se pretende discutir o jornalismo,

notadamente o produzido nas últimas décadas, que de modo especial parece necessitar de um

olhar que seja capaz de abarcar o movimento, uma vez que leituras de objetos estáticos não se

mostram satisfatórias ou eficientes. Sobre esse desafio, Salles (2011, p. 4) aponta que “há

questões que se mostram urgentes. Parece ser indispensável repensar, de maneira bastante

radical, muitas das certezas ou dogmas que teóricos e/ou jornalistas mantiveram por décadas”.

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Momento em que se repensam práticas sedimentadas na área e que agora passam por

alteração em meio à produção jornalística no contexto das tecnologias móveis. Dessa forma, a

busca por um instrumental teórico que possibilitasse considerar esse cenário mutável tornou-

se uma exigência.

Identificamos na crítica de processo, como expansão da crítica genética, um apoio

teórico imprescindível para o desenvolvimento de nossos estudos. Assim, a escolha foi

natural, para não dizer inevitável. Ao reconhecer o jornalismo como processo em construção,

a necessidade de olhar pela perspectiva do processo como uma possibilidade também no

campo metodológico de modo a possibilitar estudar a área também pela abordagem sobre a

sua dinâmica.

No campo dos estudos processuais na comunicação, a presente pesquisa enfoca uma

área ainda não explorada e que está no direcionamento da cobertura jornalística. O lugar da

crítica de processo, que dá sustentação à escolha metodológica, está na possibilidade do

aprofundamento sobre a dinâmica da cobertura jornalística e suas significações, mudanças de

rotas, acasos e bifurcações ao longo do processo de produção jornalística.

Dessa forma, a cobertura jornalística é pensada e investigada na pesquisa como um

processo que não está acabado em si, restrito apenas à matéria que é veiculada, mas sim

repleto de sentidos em seu processo de produção, na medida em que cada reportagem tem

especificidades próprias, não apenas em termos técnicos da plataforma de mídia a que é

veiculada ou de conteúdo e significação, mas também impulsionadas pelos envolvidos no

processo jornalístico, que denominamos como interlocutores7.

Em uma visão geral, indaga-se como as articulações advindas do processo

jornalístico interferem na atividade e ainda como uma mesma temática é trabalhada em

distintos veículos de comunicação, sendo seu conteúdo semelhante ou não. O enfoque está,

portanto, no processo de cobertura e não apenas centrado na comparação das matérias

produzidas, em termos da forma e da estrutura em que são apresentadas na imprensa.

De forma específica, pretende-se discutir os princípios direcionadores que emergem

ao longo do percurso intrínseco ao processo jornalístico e as implicações expandidas a partir

desse fazer. A partir da prática da atividade, sobre o campo gravitacional da produção

7 A ideia de quem é interlocutor na contemporaneidade, discutida por Possari (2012), refere-se às dinâmicas

comunicacionais contemporâneas que ao potencializaram a interação (produção de sentidos conjunta) e

interatividade (interferência e modificação), possibilitam um dinâmica em que o clássico tripé emissão-

mensagem-recepção, determinado por Jakobson tem sua lógica alterada. O receptor passa a ser emissor, ou vice-

versa.

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36 jornalística, busca-se uma reflexão em torno de seu processo de produção ali identificado e

dos direcionamentos que emergem deste campo.

As tendências do percurso podem ser observadas como atratores. Salles (2008)

observa que estes funcionam como uma espécie de campo gravitacional e indicam a

possibilidade de ocorrência de determinados eventos. Nesse espaço de tendências vagas,

encontra-se o projeto poético do artista que são princípios direcionadores, de natureza estética

e ética presentes nas práticas criadoras, relacionados à produção de uma obra específica. E

que atuam na obra daquele criador, como um todo. São princípios relativos à singularidade do

artista. São planos de valores, formas de representar o mundo, gostos e crenças que regem o

seu modo de ação. Portanto, um projeto pessoal e singular inserido no espaço e no tempo da

criação que inevitavelmente afetam o artista. A busca, como processo contínuo, é sempre

incompleta. O próprio projeto que, de algum modo, direciona a produção das obras pode

mudar ao longo do tempo (SALLES, s/d). Neste estudo, denominamos essa análise sobre os

princípios direcionadores do percurso na produção jornalística como ‘nós da rede’. Mas, por

opção de organização textual, essa discussão será desenvolvida posteriormente.

No percurso da pesquisa, foi imprescindível uma reflexão que permitisse olhar e, por

conseguinte, considerar esse movimento de produção e significação intrínseco à dinâmica de

produção da imprensa.

A escolha por essa forma de pensar foi definida uma vez que o olhar processual

possibilita refletir sobre algumas questões da comunicação a partir de seu processo de

produção, ou seja, da dinâmica das redações, das coberturas jornalísticas desenvolvidas e

abarcando as consequentes modificações na área na contemporaneidade. São questões que

aparecerão de modo sistemático ao longo do estudo, mas que são aqui expostas em uma

espécie de imersão conceitual.

A opção por essa abordagem deve-se também pela necessidade de estudos sobre a

imprensa que reflitam teoricamente sobre o seu próprio processo. Desta forma, a investigação

da cobertura da mídia não está centralizada na formação de juízo valorativo (de certo ou

errado), mas no sentido de pensar criticamente a área a partir de sua prática.

1.1 CRÍTICA DE PROCESSO

A crítica de processo é uma abordagem que possibilita acompanhar o processo de

criação em diferentes áreas, tendo o olhar direcionado ao movimento de significações

intrínseco ao percurso de criação e que não se dá apenas em escala individual.

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37

O olhar investigativo nesta perspectiva não é estanque, no sentido de perceber a obra

acabada como algo concluído, mas atento à rede formada em meio ao processo de criação em

permanente construção (SALLES, 2006). Trazendo para o jornalismo, temos um instrumental

teórico que possibilita olhar a produção da área não como algo estático, mas atento ao

percurso de sua produção em busca de “[...] compreender as redes de interações em

continuidade e inacabamento, ou seja, o processo de criação como uma rede complexa em

permanente construção” (SALLES, 2006, p. 169).

Salles e Cardoso (2007, p. 47) observam que a teorização da crítica de processo

possibilita uma discussão aprofundada de obras processuais, uma vez que “[...] o crítico

necessita, como foi dito, de ferramentas que falem de movimento. Muitas dessas obras se dão

no estabelecimento de relações, ou seja, na rede em permanente construção que fala de um

processo, não mais particular e íntimo”.

A definição, por essa forma de pensar, faz uma escolha consciente sobre o processo,

um estudo não mais balizado apenas na obra fixa, mas em seu movimento em diferentes

processos de produção.

Ao reconhecer o jornalismo como processo em construção, a escolha pela crítica de

processo fornece instrumental teórico nesta busca, na medida em que possibilita o estudo

sobre esse movimento de produção e de retroalimentação na imprensa, de mudanças de

percurso ou mesmo continuidade. Uma cobertura jornalística pode ganhar direcionamentos

diferentes, de acordo com o desenrolar do trabalho da imprensa. Uma determinada matéria

jornalística, por exemplo, pela repercussão que estabelece na sociedade, ou mesmo durante

uma entrevista para a sua realização, ou pelo envio de comentários na internet com

informações antes desconhecidas, ganha desdobramentos que podem alterar, ou não, novas

reportagens.

Em meio à discussão da crítica de processo, é imprescindível localizar a significação

remetida ao termo criação, concebido como o tecer de uma rede. Faz-se necessário precisar,

portanto, sobre o conceito de criação que está sendo aqui apresentado. O termo criação vigora

como pensamento em rede no campo da complexidade.

No intuito de desenvolver esse conceito, que sustenta a crítica de processo,

estabelecemos diálogos com pensadores da filosofia, da comunicação e com os próprios

jornalistas.

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38 1.2 CRIAÇÃO NA PERSPECTIVA SEMIÓTICA

A criação compreendida como rede em construção vigora na dinâmica da produção

coletiva, embora seja ativada também em escala individual. Dessa forma, refletimos sobre um

movimento no campo da incerteza com variáveis imprevistas e que ao ser investigado é

desmistificado, pensado e colocado sobre reflexão.

A referência ao termo desmistificar deve-se a uma compreensão de criação que não

vigora no campo divinatório, mas como um processo contínuo, sem demarcações de origem e

fim precisos. Embora não se possa prever o seu desfecho, já que a incerteza é uma de suas

características, o contexto da criação está no mundo terreno.

Esse processo de criação pode ser descrito, em uma perspectiva semiótica, como

movimento falível com tendências, sustentado pela lógica da incerteza, englobando a

intervenção do acaso e abrindo espaço para a introdução de ideias novas. Salles (s/d) entende

a criação como um trajeto contínuo sem um ponto inicial, nem final. Um percurso de

construção inserido no tempo e no espaço da criação e que, inevitavelmente, afetam o artista.

Salles (2011, p. 8) observa que ao dialogar sobre criação como processo sígnico, ou

semiose, necessariamente o compreendemos como uma rede em construção. Então, do ponto

de vista semiótico, estamos em meio a um “[...] percurso sensível e intelectual de produção de

objetos artísticos, científicos e midiáticos”. A busca pela rede em constituição está, então,

inserida no conceito de semiose.

Peirce (1995) denominou a ação do signo como semiose, referindo-se a um processo

de ação de um signo, onde toda nossa vida e pensamento são signos. Para o autor, qualquer

outra coisa que qualquer coisa possa ser, também se constitui em signo. "Para aquém do

limiar logocêntrico e mesmo do limiar antropocêntrico, a generalidade do conceito de semiose

vai até a afirmação de que o universo inteiro está permeado de signos, se é que não seja

composto exclusivamente de signos” (SANTAELLA; NOTH, 2004, p. 159). Em uma ação

tríade (objeto-signo-interpretante), a semiose está em permanente devir, uma vez que a

significação de um signo é um outro signo e assim por diante.

[…] a semiose é, antes de tudo, um processo de interpretação, pois a ação

do signo é a ação de ser interpretado em um outro signo. Por isso mesmo, o

significado de um signo é um outro signo e assim por diante, processo através do

qual a semiose está em permanente devir (SANTAELLA; NOTH, 2004, p. 161).

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O jornalismo, por estar imerso no campo da linguagem, revela sua vocação para

gerar signos. Ele mesmo é um signo que produz outros signos, entre eles, o da notícia.

(HENN, 1996).

A jornalista Aline Grego (2000, p. 40) assinala para essa vocação do jornalismo em

gerar signos. “O jornalismo, imerso no campo da linguagem, revela, quotidianamente, sua

vocação para gerar signos” (GREGO, 2000, p. 40). Signos que emergem da tela do

computador, das páginas dos semanários ou diários, das sonoras televisivas. Assim, a

semiótica peirceana nos fornece conceituação para a compreensão dos processos de produção

jornalística que têm centralidade na ação do signo.

A teorização semiótica desenvolvida pelo matemático, cientista e filósofo Charles

Peirce não é uma ciência especial, mas, como observa Santaella (2002), compõem ampla

arquitetura filosófica concebida como ciência com um ‘caráter extremamente geral e

abstrato’.

Como sinônimo de lógica, a semiótica tem três ramos, conforme síntese de Santaella

(2002). O primeiro, denominado como gramática especulativa, é o que estuda os mais

variados tipos de signos. O segundo ramo, a lógica crítica, tem como base os diferentes tipos

de signos, modos de condução do pensamento, estuda os tipos de inferência, raciocínios ou

argumentos. O terceiro, e o mais vivo ramo, segundo Santaella (2002) é chamado de retórica

especulativa ou metodêutica, tem como função analisar os métodos a que cada um dos tipos

de raciocínio dá origem. A referência às diferentes dimensões trabalhadas por Peirce tem o

intuito de revelar o sentido profundo e ‘multidimensional’ dessa abordagem.

A semiótica funciona como um mapa lógico que traça as linhas sobre os diferentes

aspectos através dos quais uma análise deve ser conduzida (SANTAELLA, 2002). De modo

mais específico, enfocamos a gramática especulativa como grande ‘inventário de tipos de

signos e de misturas sígnicas’ para pensar tais movimentos de elaborações e significações no

contexto do jornalismo.

Falamos de signos que adquirem mecanismo propulsor pelo processo de criação que,

por sua vez, desenvolvem-se como rede em construção. Uma rede contínua, que embora não

seja possível precisar o seu início ou fim, como discutido no início do subcapítulo, é uma

rede:

[...] que pode ser descrita como um processo contínuo de interconexões

instáveis, gerando nós de interação, cuja variabilidade obedece a alguns princípios

direcionadores. Essas interconexões envolvem a relação do artista com seu espaço e

seu tempo, questões relativas à memória, à percepção, recursos criativos, assim

como, os diferentes modos como se organizam as tramas do pensamento em criação.

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O artista deixa rastros deste percurso nos diferentes documentos do processo

criativo” (SALLES, 2015).

Dessa forma, podemos dizer que o processo de criação se desenvolve pelas

interconexões, em que são descritas suas variabilidades pelos princípios direcionadores da

rede, que resultam nas tramas de pensamento em criação inseridos na discussão das redes de

criação.

Peirce (1995) denominou a ação do signo como semiose, que, por sua vez,

desenvolve-se em um caminho ad infinitum de interpretação. Entende-se a ideia de semiose

como indispensável para abranger os processos de criação no jornalismo.

1.3 CONCEITO DE REDE NO PENSAMENTO COMPLEXO

A menção à rede neste estudo não está restrita a um vocábulo indicativo para

expressar uma circunstância, uma imagem atraente. Pelo contrário, o termo foi

conceitualmente determinado já que o processo de criação no jornalismo pode ser pensado no

âmbito da complexidade de redes. Mas antes de nos profundarmos sobre essa discussão no

campo do jornalismo, convém trazer alguns teóricos com os quais dialogamos em torno do

uso desta analogia da rede.

Recorreremos a Musso (2013, p. 36) para refletir sobre o processo de criação como

rede, como um veículo que “nos transmuda em ‘passantes’, sempre mergulhados nos fluxos

(de informação, de imagem, de sons, de dados...). Ao estudar a evolução conceitual dessa

expressão no livro 'A filosofia da rede’, o autor observa que apesar da polissemia da noção de

rede explicar o seu sucesso também lança dúvidas sobre a coerência de seu conceito. Uma vez

que o termo se torna um 'receptor epistêmico', visto que tomou o lugar de noções antes

dominantes, como sistema ou estrutura.

Musso retoma o histórico do conceito de rede na sociedade para apontar que embora

o seu excesso de usos metafóricos possa parecer o vazio em compreensão, por outro, é a

prova de seu poder e de sua complexidade. A explosão conceitual do termo rede parece ser

um novo paradigma ligado a um pensamento das relações. Ao que o autor mesmo aponta:

A rede parece, nos dias atuais, indicar o significado, não mais de verticalidade da

torre da catedral esticada em direção ao supranatural, mas o da interconexão e de

ligação, sem limite. A rede é comparável a uma catedral cuja torre indicaria não

mais o além, mas o futuro terrestre prometido (MUSSO, 2013, p. 36).

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A interconexão como cerne da rede leva a ideia de “passantes” sempre “mergulhados

nos fluxos”. É a este processo de interconexão que nos embasamos como referência à rede.

Os passantes estão imersos em movimento contínuo e de desfecho imprevisível. Com

circulação não isolada, visto que interage no circuito.

Dessa forma, podemos assumir o conceito de rede trazido por Salles (2006, p. 27), a

partir de Musso, em que se supera a dicotomia ao abranger a simultaneidade de ações, a

ausência de hierarquia e o intenso estabelecimento de nexos. Rede que cria, recria em

infindáveis elaborações e retroalimentação.

O conceito de rede a que se faz referência está, portanto, muito mais relacionado à

associação. Trazendo para o jornalismo, o processo de criação como um fazer em rede

desencadeia-se em percurso não- linear. Visto que um cenário de relações, no contexto das

redes, constitui-se de acordo com os nós, interconexões e caminhos, não sendo possível

especificar seu começo ou fim, visto que está em permanente devir. A imprevisibilidade de

novas agregações, alteração e mesmo interconexões é característica da não linearidade da rede

a que propomos pensar no contexto do jornalismo mais adiante.

Para Salles (2008), ao adotar o paradigma das redes estamos pensando, então, neste

ambiente das interações, dos laços, da interconectividade, dos nexos e das relações. A autora

observa que ao refletir nesta dimensão estamos em plena tentativa de lidar com a

complexidade e as consequências de enfrentar esse desafio. Dessa forma, o pensamento em

rede, na dimensão das relações e significações geradas ao se olhar o processo, está no campo

da complexidade.

Para refletir sobre as implicações do pensamento complexo, dialogamos com em

Edgar Morin, que discute sobre a eminência e obrigatoriedade do pensamento complexo para

se pensar a pós-modernidade. Ao discorrer sobre o complexus, Morin dá as linhas gerais para

uma estrutura do pensamento que reflita o todo indivisível.

O francês, em sua obra ‘A Inteligência da complexidade’, direciona para o

entendimento de que o conhecimento para ser pertinente deve enfrentar a complexidade.

Complexus, segundo ele, significa tecido junto, em um primeiro momento. Essa estrutura de

pensamento reflete o todo indivisível. O todo nessa perspectiva é mais que a soma das partes.

“Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações,

interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”,

(MORIN, 2006, p. 13).

Ao propor o olhar sobre o conjunto não se ambiciona a sua organização, pelo

contrário, quer-se considerar as imprecisões, choques e novos trajetos, mesmo que em

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42 caminhos já trilhados. Em consonância com o que preconiza. Morin (2002, p. 199), “[...]

longe de substituir a ideia de desordem, por aquela de ordem, visa em colocar em dialógica a

da ordem, a desordem e a organização”.

Ao perceber o mundo de uma forma complexa, Salles (2011) observa que o processo

de conhecimento da realidade é contínuo, para tanto é preciso compreender a incompletude, a

incerteza do processo e as múltiplas relações entre os diferentes elementos envolvidos.

Especificamente no processo jornalístico essas múltiplas relações, que se dão entre as

diferentes vozes envolvidas e alicerçados pelo paradigma da complexidade, ganham potência

na sociedade midiatizada.

A complexidade no jornalismo pode ser percebida a partir de diferentes angulações.

Uma delas está atrelada à dinamicidade de interpretação e produção gerada tanto por parte dos

leitores, como dos produtores da informação e dos que retroalimentam o sistema

comunicativo. Características que são maximizadas quando desempenhada em meio à

tecnologia e conectividade global.

Sobre esse cenário de maximização de significações e de leitores dispersos

aleatoriamente, Jenkins (2009) aponta como característica o caminho da ‘convergência’ no

sentido de transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais. Sobre este

contexto o autor cita: “Bem-vindo à cultura da convergência, onde as velhas e as novas mídias

colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de

mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (JENKINS, 2009, p.

27).

Por convergência, o autor refere-se ao fluxo de conteúdos através de múltiplas

plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento

migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca

das experiências de entretenimento.

A convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores

são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos

midiáticos dispersos em que a cultura participativa estabelece significativa presença.

Embora o foco desta pesquisa não seja o de pensar o jornalismo no contexto da

convergência, remetemos a este panorama contemporâneo para contextualizar a ambiência em

que a atividade jornalística desenvolve-se. De forma específica, dimensionamos nossa

referência à complexidade em meio à convergência das mídias.

Outra questão que eclode, quando se propõe pensar pelo complexus no jornalismo,

refere-se à influência conceitual na comunicação por correntes do pensamento que

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43 imprimiram características e formas de interpretação que imperam na área, seja na linguagem,

na estruturação dos produtos, forma de organização da imprensa, seja também pelo modo

como se interpreta a própria atividade, como a crença na dita objetividade jornalística,

imparcialidade e outros cânones do jornalismo. Ao passo de estar na trajetória nitidamente

assinalada pela modernidade, o jornalismo foi constituindo sua linguagem e conceito pelos

postulados da racionalidade de influência positiva funcionalista.

Essa tendência é apontada pela jornalista Medina (2008, p. 11) ao analisar, por

exemplo, a linguagem jornalística onde identifica a influência dessa visão de mundo na

atividade na figura do repórter frio, distante dos fatos:

A linguagem jornalística, enquanto discurso da atualidade plenamente

legitimado pela sociedade, defronta-se hoje com os impasses da crise de paradigmas.

Estruturada pelos princípios positivo-funcionalistas, esta codificação (linguagem

jornalística) propõe-se uma forma eficiente de comunicação coletiva, mas vive a

contradição de um discurso muito pouco interativo.

A clássica divisão do jornalismo brasileiro em opinião e informação traz

intrinsecamente a influência dessa forma de interpretar o mundo. Segundo essa compreensão,

é possível atingir, por vias da objetividade e da precisão, um discurso puro, livre de

interpretação subjetiva. Nessa perspectiva, que sustenta ainda hoje muitos estudos e o

discurso de redações jornalísticas, seria possível então produzir sem levar em conta a

inevitável mediação.

Em suas análises sobre a influência da modernidade e da forma de pensar que pautou

esse período, Medina (2008, p. 24) observa que se Auguste Comte vocalizou as linhas mestras

do cientificismo no século XIX, o jornalismo que se estruturava como o discurso da

atualidade não ficou imune aos princípios doutrinários deste pensamento. A autora identifica

a influência deste pensamento sobre a atividade como um dispositivo natural em que:

Sempre que o jornalista está diante do desafio de produzir notícia,

reportagem e largas coberturas dos acontecimentos sociais, os princípios ou

comandos mentais que conduzem a operação simbólica espelham a força da

concepção do mundo positivista (MEDINA, 2008, p. 25).

Uma dinâmica que não se restringe a atividade apenas em como é praticada no

mercado, mas em sua composição acadêmica também, conforme análise de Medina (2008, p.

25):

Das ordens imediatas nas editorias dos meios de comunicação social às

disciplinas acadêmicas do jornalismo, reproduzem em práticas profissionais os

dogmas propostos por Auguste Comte: a aposta na objetividade da informação, seu

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realismo positivo, a afirmação de dados concretos de determinado fenômeno, a

precisão da linguagem.

Entretanto, ao se estudar a produção jornalística pelo viés da complexidade, exige-se

uma forma de pensar que supere esses conceitos que, por vezes, restringem a área em uma

visão tecnicista. A perspectiva da complexidade no jornalismo está além de interpretações

dicotômicas como a descrita, não sendo possível essa visão no âmbito das segmentações,

linearidade, ordem e objetividade. Ela oferece um interessante campo de reflexão sobre a

construção de notícias, edição e mediação, no permanente embate com a dita objetividade

jornalística.

Embora a perspectiva da complexidade acenda possibilidades de se refletir sobre o

jornalismo considerando a complexidade social a que se insere, isto é uma tarefa desafiadora.

Edgar Morin, ao refletir sobre o desafio de lidar com a complexidade, questiona-se sobre por

que estamos desarmados em sua presença? Pergunta a que Morin (2002, p.11) mesmo

responde:

[...] porque nossa educação nos ensinou a separar e isolar as coisas.

Separamos seus objetos de seus contextos, separamos a realidade em disciplinas

compartimentadas uma das outras. A realidade, no entanto, é feita de laços e

interações, e nosso conhecimento é incapaz de perceber o complexus, aquilo que é

tecido em conjunto.

O que está em jogo nessa discussão é o jornalismo nesta perspectiva, já que ao

acolher essa forma de pensar, enfrentamos o emaranhado de laços e interações em buscas de

suas significações e redirecionamentos, em direta oposição à fragmentação. Um desafio, já

que o principal instrumento da área, a linguagem jornalística, tem seu alicerce nesses

conceitos positivo-funcionalistas.

Para superar uma visão compartimentada na área, faz-se necessário, então, assumir

as implicações de se pensar de forma complexa. Temos diferentes dimensões ao se estudar o

jornalismo na complexidade, mas, para melhor visualização, propomos refletir por essa forma

de pensar a partir da rede complexa de ações e significação dos membros da equipe

jornalística, de seus leitores, entrevistados e dos que retroalimentam o sistema.

A referência à rede complexa na produção jornalística não está atrelada apenas à sua

estrutura de produção, mas a sua dinâmica, por entendê-la como produtora de sentidos,

rupturas e acasos, seja durante a produção da matéria, na edição, na realização das entrevistas

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45 de campo, no contato com os envolvidos, ou mesmo no caminho de retroalimentação, de

repercussão das matérias, envio de novas informações, enfim, nas ramificações da rede.

O trabalho enfoca, de modo mais específico, as coberturas jornalísticas em torno do

processo de desintrusão em Marãiwatsédé (MT) e da eclosão da barragem em Mariana

(MG). Nesta parte da tese, há uma síntese sobre o contexto em que os fatos referenciados

ocorreram.

Em uma tentativa de elucidar o contexto em que as coberturas jornalísticas

aprofundadas na tese também estavam inseridas, referenciadas nos itens 1.4- A Terra Sagrada

e 1.5- Mar de Lama, há uma breve elucidação sobre a dinâmica metodológica adotada para

aprofundar a discussão processual do jornalismo percorrido na pesquisa, em 1.6 Caminhar

metodológico.

1.4 A TERRA SAGRADA

“De longe, toda montanha é azul.

De perto, toda pessoa é humana” 8

Os fatos jornalísticos referenciados para o acompanhamento inicial da investigação

estão inseridos na região do Araguaia, no centro-oeste brasileiro. O território foi marcado, ao

longo de seu processo histórico, por períodos de exclusão e de enfrentamento social. No fim

da década de 60 e de 70 se constitui um movimento guerrilheiro que aspirava à revolução

socialista. A Guerrilha do Araguaia começou a ser revelada na ocasião da redemocratização

do país e, como lembra Brandão,

[...] foi quando ficamos sabendo que, mais do que a própria guerrilha,

sem minimizar a sua importância, outras lutas cotidianas eram travadas pelo povo da

região, com o apoio da jurisdição católica, chamada Prelazia do Araguaia, fundada

em 1970, sob a condução do combativo bispo Pedro Casaldáliga (BRANDÃO,

2007, apud SCALOPPE, 2012, p. 11)

8 Dom Pedro Casaldáliga (1979). Bispo emérito, natural da Catalunha, o religioso foi o primeiro bispo da Prelazia de

São Félix do Araguaia (cidade a 1.159 km de Cuiabá), ofício que ocupou até 2005, e ficou conhecido pelo trabalho

pastoral ligado a causas como a defesa de direitos dos povos indígenas e contra a violência dos conflitos agrários, bem

como por suas posições políticas. Engajamento que o projetou como como referência, mas também já lhe colocou em

risco de morte na região do Araguaia, leste de Mato Grosso. Exemplos são dois dos últimos episódios em que ele se

envolveu: em 2013, recusou dar seu nome para um prêmio de jornalismo por se opor à nomeação da então secretária

estadual de Cultura, Janete Riva pelo fato da gestora responder a processo por trabalho escravo; em 2012, recebeu

ameaças de morte devido ao apoio prestado aos índios xavantes, reinseridos na terra indígena Marãiwatsédé após anos

de embate judicial contra latifundiários e produtores rurais.

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Também em função do contexto socioeconômico, constituído por latifúndios e

desestrutura social, que a população, desprovida da presença do estado como provedor,

aglutinou forças em torno da atuação das parcas instituições que por ali insistiam em

permanecer. A igreja, por oferecer alguma ajuda de resistência, acabou por tornar-se

referência. A localização da conjuntura sócio-histórica da região justifica-se para

contextualizar o cenário antagônico e adverso a que as elaborações jornalísticas irão referir-

se.

Assim, o histórico de formação da região é composto por momentos de

enfrentamento social, ora em favor de populações excluídas na região (índios e remanescentes

retirados de suas terras para a formação de latifúndios ou que enfrentaram o gradativo

desmantelamento de sua cultura), ora de posseiros (em sua maioria constituída por população

paupérrima deslocada de outros estados em busca de terras e melhores condições de vida).

A maioria dos posseiros que por ali habitava veio atraída por falsas promessas de

políticos e latifundiários locais, que precisavam garantir o povoamento da reserva por não-

índios para, assim, legitimar sua presença em suntuosas fazendas na área. Essa área é cenário

não só de rupturas, mas campo produtivo para a formação de organizações que auxiliaram no

enfrentamento da população local contra a posse de suas terras e bens imateriais, a exemplo

da prelazia de São Félix do Araguaia9.

É nesse contexto em que se desdobra uma das mais longas disputas de terras

protagonizadas judicialmente no Supremo Tribunal Federal (STF) por mais de uma década.

Esses são alguns elementos que ajudam a entender a intricada formação social e econômica

local.

Outra característica singular está na particularidade paradoxal que permeia o

ambiente. Seja pelo sistema de produção, da cultura nômade de produção agrícola, típica da

população indígena que povoa o local, contrastada pela monocultura intensiva e tecnológica

do sistema de produção agrário brasileiro, voltado para exportação e que também é praticada

nos latifúndios da região. O que dizer então de culturas díspares que coabitam o ambiente; do

consumo desenfreado característico da sociedade capitalista, aos costumes e as culturas

9A Prelazia de são Félix do Araguaia foi criada aos 13 de maio de 1969 pela Bula Quo Commodius do Papa

Paulo VI. Foi confiada pela Santa Sé aos cuidados da Congregação do Missionários Filhos do Imaculado

Coração de Maria (Claretianos). Administrador Apostólico: Pe. Pedro Casaldáliga Pla CMF (1970-1971).

1º. Bispo Prelado: Dom Pedro Casaldáliga Plá (1971-2005).

2º. Bispo Prelado: Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM (2005-2011).

Administrador Apostólico: Dom Eugène Lambert A. Rixem (2011-2012).

3º. Bispo Prelado: Dom Adriano CioccaVasino (2012...).

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47 indígenas- que têm na natureza o centro de sua crença. Do meio ambiente a serviço do ser

humano, e do ser humano a serviço do meio ambiente.

Contrastes não só da cultura, língua, mas também de estrutura econômica e social.

Paradoxos que resultam em afirmações significativas ao visitar o local. Com fauna e flora que

mantém rica biodiversidade, a terra considerada sagrada na cultura indígena lembra o paraíso,

nas peles avermelhadas e despidas da população local. Espécies de animais já extintas em

outros territórios, mas que por ali não precisam ser procuradas, já que se pode vê-las

facilmente.

Na visão de alguns, a paisagem natural contrasta com a imagem do atraso, quando

transmutado no sentido do que se considera como progresso civilizatório. O progresso, como

denomina a população local, não chegou por lá, pelo menos não pela representação de

estradas pavimentadas, telefonia celular abrangente e acesso à rede mundial de computadores.

Há na cidade, portanto, uma atmosfera ímpar; do santo ao profano, em apenas um ambiente.

Um exemplo dessa discrepância talvez possa ser representado pela significação dual

referida ao bispo emérito da prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga. O

religioso espanhol chegou à região em 1968. Conhecido como bispo dos pobres, já

denunciava a expulsão dos índios na sua primeira carta pastoral escrita em 1971, logo quando

foi ordenado bispo do município de São Félix do Araguaia (CASALDÁLIGA, 2005). De

certa forma, o bispo corporifica a luta secular da população nativa, contra a expropriação de

suas terras e cultura.

Ao mesmo tempo em que essa atuação lhe rende a imagem de guardião não só do

meio ambiente, mas daquela população milenar, também há os que interpretam a sua atuação

na região como representativa do atraso a que estruturalmente está sujeita a população local.

Um desses atrasos se expressa nas estradas de terra. Para se percorrer 1,2 mil quilômetros, até

a capital do estado, por exemplo, se gasta 24 horas, em uma das poucas linhas de transporte

coletivo intermunicipal. Representações antagônicas e que coabitam o mesmo espaço.

Casaldáliga remete também à resistência cultural, à garantia da terra e da biodiversidade.

Sem vias de fácil acesso, o progresso característico dos centros urbanos não chega à

população do vilarejo e nas aldeias indígenas das redondezas. Cenário que também divide a

opinião de moradores. É este cenário antagônico e singular que os jornalistas se reportaram

para produzir seus materiais jornalísticos.

Corriqueiro ver um índio ao celular falar em aquém, língua do tronco linguístico

macro-jê. A etnia indígena envolvida é a Xavante, que vivia na área batizada como

Marãiwatsédé, que significa “mata fechada”. Eles foram removidos de seu território em

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48 aviões da Força Aérea Brasileira durante o regime militar em 1966, com objetivo de

incentivar a colonização da região nordeste de Mato Grosso, entre as bacias do Xingu e do

Araguaia, segundo registro da reportagem de Andreia Fanzeres e Daniel Santini, em Repórter

Brasil.

Na ocasião, o governo federal retirou os indígenas a os levou para a Missão

Salesiana São Marcos, a cerca de 400 quilômetros de seu território, onde enfrentaram uma

epidemia de sarampo que dizimou dois terços do grupo, segundo registro da referida

reportagem documental. No período, o interesse do governo brasileiro era o de povoar a área

para a produção agrícola.

Somente no começo da década de 1980 teve início o processo de reorganização dos

remanescentes e das novas gerações de Marãiwatsédé com o objetivo de retornar à terra de

origem, conforme registra a Carta de Apoio ao Povo Xavante da Terra Indígena de

Marãiwatsédé – Mato Grosso Brasil. O documento apócrifo é resultado de uma campanha

nacional e internacional para que as autoridades brasileiras julgassem o caso. Nesse período,

os Xavantes já tentavam retornar a sua área, que, por sua vez, foi vendida para o Grupo

Ometto, tornando-se a Fazenda Suiá Missu, que chegou a ser considerada como o maior

latifúndio do mundo, com 800 mil hectares.

Nos anos 80, a fazenda foi vendida para a empresa italiana AGIP Petroli, que, no

final da década, sofreu pressões de grupos ambientalistas na própria Itália sobre a não

legitimidade da posse. A mobilização culminou na pressão pública ao grupo empresarial na

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992, a Eco

92, realizada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Na ocasião, o presidente da

corporação, Gabriel Cagliari confirmou publicamente a devolução da área a etnia Xavante.

Embora a decisão tenha sido favorável à resolução do conflito, há registros de uma

reunião entre políticos locais contrários ao retorno dos indígenas com a população local.

Iniciativa que, segundo o Ministério Público Federal, reorganizou a ocupação da área e

mobilização para que as populações circunvizinhas passassem a ocupar a área da região. Em

vez da desocupação, foi organizada a invasão de parte da área na localidade conhecida como

Posto da Mata, episódio amplamente divulgado nos meios de comunicação. O fato consta

também no documento referido Carta da Terra.

Entre o final dos estudos e a homologação da Terra Indígena, porém,

ocorreu a invasão do território identificado por pequenos posseiros estimulados que

foram por grileiros e fazendeiros, respaldados por políticos influentes da região, bem

como por funcionários pertencentes aos altos extratos do poder público. Existem

relatos de que anúncios foram feitos em várias regiões do estado de Mato Grosso e

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de Goiás objetivando recrutar indivíduos, normalmente pessoas simples e “sem-

terra”, para ocupar a área identificada como indígena. Não é difícil imaginar o

impacto que este apelo teve em uma região historicamente marcada por graves

conflitos fundiários provocados, sobretudo, pela concentração absurda de terras nas

mãos de poucos “privilegiados” (CARTA DA TERRA, 2010, p. 6).

Esse percurso demonstra o viés político e econômico do tema, em que há

sobreposição de interesses que, teoricamente, deveriam estar dissociados, uma vez que o

gestor público é o agente responsável por atuar em disputas no sentido de buscar o bem

comum e não apenas atuar por uma das forças sociais e econômicas ou interesse específico

em questão.

A Fundação Nacional do Índio tem o seu início em 1992, um pouco antes dessa

movimentação referida. Realizou os estudos para identificação do território Xavante,

homologado em 1998, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Em maio de 1995,

sai primeira decisão da Justiça determinando a desintrusão. No entanto, apenas em 2004, após

ficarem acampados por 10 meses à beira da Rodovia BR-158, um grupo de Xavante de

Marãiwatsédé conseguiu, com respaldo em uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),

retomar uma parte diminuta de seu território, onde permanecem até o momento da

desintrusão, somente em 2013. Em 2010, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1)

julgou por unanimidade que os ocupantes não- indígenas agiram de má-fé e não teriam,

portanto, direito à indenização.

Em 2011, em uma iniciativa dos deputados estaduais, José Geraldo Riva e Adalto de

Freitas, foi aprovada uma lei na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, chancelada pelo

então governador Silval Barbosa, colocando à disposição a terra denominada como Parque

Estadual do Araguaia. A proposta era que está área fosse dada como permuta à Terra Indígena

Marãiwatsédé, segundo lembra reportagem de Fanzeres e Santini (2012). Em resposta à

movimentação política dos parlamentares de Mato Grosso, três dias depois, o desembargador

do TRF-1, Fagundes de Deus, considerou que havia possibilidade de acordo e suspendeu por

liminar a decisão que autorizava a desintrusão. Esta liminar foi derrubada somente em maio

de 2012 pelo desembargador Souza Prudente.

Foi novamente durante outra edição da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento Rio +20, em 2012, sob pressão dos índios xavantes, que a

FUNAI apresentou o plano de desintrusão. Entretanto, uma nova decisão judicial em

setembro do mesmo ano, do vice-presidente do TRF-1, Daniel Dias, voltou a suspender o

processo por força de recursos interpostos pelos fazendeiros. A disputa chegou a Supremo

Tribunal Federal (STF), quando seu então presidente, ministro Carlos Ayres Britto, derrubou

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50 a liminar, autorizando a continuidade do processo de desintrusão. Logo em seguida,

começaram as notificações para retirada dos invasores e a partir dessa data as famílias e os

invasores começaram a ser gradualmente retirados pela Força Nacional. Extravasar

A população que foi retirada pelo processo de desintrusão era constituída por

pessoas que passaram a habitar a região, formaram famílias, criaram raízes e estabeleceram

relações com o local.

É nesse contexto de fronteiras e antagonismo em que as produções jornalísticas

foram elaboradas e significadas e que são retomadas neste momento também para

contextualizar as discussões referenciadas pelos profissionais da imprensa mais adiante.

Outra dimensão significativa neste percurso de investigação em torno desta cobertura

inicial e do recorte estabelecido é que, ao aprofundar a investigação, houve uma percepção

eminente: intensas ramificações e expansões. Trajetória que, até pela sua reincidência,

identifica-se como uma tendência no processo de produção da área. Mas, para detalhar o

percurso percorrido até chegar a essa percepção, apresenta-se alguns elementos que a

consolidaram.

Embora seja aparentemente uma questão geograficamente restrita ao local e às

comunidades envolvidas no processo de reconhecimento ou não de reservas indígenas, a

abordagem dada pela imprensa sobre o fato estabelece uma maximização da situação e

consequente interesse global pelo assunto.

1.5 MAR DE LAMA

“O sertão vai virar mar É o mar virando lama Gosto amargo do Rio Doce De

Regência a Mariana ... Quantas pessoas sem rumo como canoas sem remos Ou

pescadores sem linha e sem anzóis? Quantas pessoas sem sorte, quantas pessoas

com fome? Quantas pessoas sem nome, quantas pessoas sem voz? … Morreu

debaixo da lama, morreu debaixo do trem? Ele era filho de alguém, e tinha filho e

mulher? Isso ninguém quer saber, com isso ninguém se importa Parece que essas

pessoas já nascem mortas ... Quem olha acima, do alto, ou na TV em segundos Às

vezes vê todo mundo, mas não enxerga ninguém E não enxerga a nobreza de quem

tem pouco, mas ama De quem defende o que ama e valoriza o que tem”10

Escalada de imagens impactantes que ao serem veiculadas atingem significância

global, um movimento também presente na cobertura sobre o rompimento da barragem dos

rejeitos de Mariana (MG). A ação da imprensa em relação a este acontecimento é

aprofundada na tese pela própria articulação típica ao processo jornalístico.

10

Cacimba de Mágoa. Falamansa e Gabriel Pensador.

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51

Embora estudos técnicos e estatísticas oficiais apontem o ocorrido em Mariana como

a maior tragédia ambiental da história brasileira, os danos ambientais causados ainda não

conhecidos em sua totalidade. Ao mesmo tempo em que há perdas e consequências já

mensuradas e identificadas.

O rompimento da barragem de Fundão, localizada no Complexo Industrial de

Germano, no Município de Mariana/MG, aproximadamente às 15:30 hora, em 05 de

novembro de 2015, lança o extravasamento imediato de aproximadamente 40 milhões de

metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e sílica, entre demais particulados, e outros 16

milhões de metros cúbicos continuam escoando lentamente11

.

Esse material liberado logo formou uma grande onda de rejeitos, atingindo a

barragem de Santarém, localizada rio a baixo, erodindo parcialmente a região superior do

maciço dessa estrutura e galgando o seu dique, após incorporar volumes de água e rejeitos não

estimados que ali se encontravam acumulados.

Em sua rota de destruição, à semelhança de um tsunami devastadora de lama, com

alta velocidade e energia, a onda de rejeitos, formada pelo rompimento da barragem de

Fundão, atingiu o Córrego de Fundão e o Córrego Santarém, destruindo suas calhas e seus

cursos naturais. Em seguida, soterrou grande parte do Subdistrito de Bento Rodrigues,

localizado a aproximadamente 6 km da barragem de Santarém, dizimando vidas e desalojando

pessoas. Já na calha do rio Gualaxo do Norte, a avalanche de rejeitos percorreu 55 km até

desaguar no rio do Carmo, atingindo diretamente várias localidades rurais, como as

comunidades de Paracatu de Baixo, Camargos, Águas Claras, Pedras, Ponte do Gama,

Gesteira, além dos Municípios de Barra Longa/MG, Rio Doce/MG e Santa Cruz do

Escalvado/MG.

Com 317 anos, o distrito de Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana, tinha

uma história que remonta a época da monarquia. O vilarejo de 600 habitantes, retoma

Guterrez (2016), fez parte da rota da Estrada Real no século XVII e abrigava igrejas e

11

As informações sobre o extravasamento imediato e quantificação são do Ministério Público Federal por meio

de força-tarefa que investiga o desastre socioambiental causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em

Mariana (MG). O órgão denunciou à Justiça 21 pessoas por homicídio qualificado com dolo eventual - quando

se assume o risco de cometer o crime - pela morte de 19 pessoas ocorridas na tragédia. Foram 21 acusados por

homicídio doloso e outros três tipos previstos no Código Penal, além dos mesmos crimes ambientais atribuídos

às empresas Samarco, Vale e BHP Billiton; já VOGBR e engenheiro da empresa são acusados de emissão de

laudo ambiental enganoso. Os dados em torno da tragédia apresentam diferença entre diferentes órgão, também

por mudança de parâmetro e imprecisão direta sobre a quantificação emitida na eclosão e sucessão da tragédia. O

Governo Federal aponta, por exemplo, que o rompimento da barragem provocou a liberação de 62 milhões de

metros cúbicos de rejeitos e a formação de uma onda de lama de aproximadamente 10 metros de altura.

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52 monumentos de relevância cultural. Em 5 de novembro, em apenas onze minutos, um tsunami

de lama aniquilou Bento Rodrigues.

Os efeitos imediatos dessa tragédia, ainda em desenvolvimento, puderam ser

observados desde a jusante da barragem destruída, em Minas Gerais, até a foz do rio Doce, no

mar do Espírito Santo.

Lopes (2016) retoma que já no primeiro dia do desastre houve a completa

aniquilação dos anfíbios, mamíferos e animais de pequeno porte, cujos habitats estabelecidos

às margens dos rios foram soterrados pelos resíduos. No que concerne aos danos causados à

ictiofauna12

identificou-se ao longo do trajeto do rio Doce elevado índice de mortandade de

peixes. Devido ao alto nível de turbidez da água, ocasionado pelos sedimentos que compõem

os rejeitos, houve o “colabamento” [fechamento] das brânquias dos peixes que morreram por

asfixia.

Embora os efeitos imediatos tenham sido devastadores e também diretamente

visíveis, houve cautela por parte da imprensa ao cobrir o primeiro dia do desastre. Porcello

aponta para essa tendência, ao avaliar o início da cobertura do Jornal Nacional, da Rede

Globo de Televisão, sobre o caso. Em análise sobre o primeiro dia em que foi noticiado o

fato, mesmo sabendo que, em breve, a Samarco teria que a explicar sua responsabilidade

sobre o ocorrido, Porcello (2016, p. 10) aponta que a emissora acabou por aceitar e divulgar

sem contestação uma nota da mineradora que pareceu ter se valido de uma conveniente

estratégia, segundo a qual, naqueles momentos iniciais, era publicamente aceitável eximir-se

de tentar esclarecer os motivos do desastre.

Passados 15 dias da ruptura da barragem, o telejornal, na análise de Porcello, estava

ciente da dimensão dos acontecimentos e procurava deixar essa gravidade clara para o público

ao utilizar linguagens apontadas pelos moradores, como “bateu o desespero” e “deu

confusão”. De autoria de Marcos Losekann, a segunda reportagem do mesmo dia sobre o

caso, embora tenha a intencionalidade de mostrar o avanço da destruição, usa o termo

tragédia, o que remete a um acontecimento catastrófico, uma adversidade que pode ser

interpretada como má sorte, infortúnio e não como resultado de uma política de gestão na

área, ou a inoperância da mesma.

A referida reportagem mostra a chegada da lama ao município de Linhares (ES) e o

seu avanço em direção ao oceano, localizado 50 km à frente. Diversas tomadas aéreas expõem

o impacto do problema nas lavouras situadas às margens do rio e exibem bóias colocadas

12

Conjunto de espécies de peixes que habitam determinada região hidrográfica.

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53 junto à foz do Rio Doce, em Regência (ES), para mitigar os efeitos da vinda dos resíduos. Em

sua passagem, gravada dentro de um helicóptero, o repórter usa o termo “tragédia”.

O comprometimento sócio cultural acarretado na região com o ocorrido é desastroso

para a população, considerando que a contaminação da bacia hidrográfica do Rio Doce,

inviabilizada pelos rejeitos, elevou consideravelmente os níveis de turbidez da água,

tornando-a imprópria tanto para o consumo humano como para a agropecuária. O mesmo

motivo fez com que a população de peixes fosse praticamente aniquilada de todos os cursos

d’água que foram atingidos pela lama. Com os danos à ictiofauna, os pescadores perderam

seu principal meio de subsistência. Diversas localidades que dependiam do turismo também

contabilizaram amargos prejuízos.

Embora com significativa abrangência destrutiva, levou dias para que a maior

emissora de televisão do País conseguisse viabilizar uma cobertura que retratasse a

grandiosidade devastadora da situação e também a dimensão política do tema. Porcello aponta

possíveis causas para este contexto. Uma delas é o fato do rompimento da barragem ter

ocorrido à tarde, que pode ter dificultado a logística de produção de reportagem. Outra

possível causa para a letargia inicial da cobertura é “ [...] que o caso envolve grandes

corporações, cujos interesses econômicos frequentemente se coadunam com os da mídia

hegemônica (formada, aliás, por grandes corporações) ”, avalia PORCELLO (2016, p. 14), ao

apontar que, “nas duas edições analisadas, as proprietárias da Samarco – Vale e BHP Billiton-

sequer são citadas, com exceção de uma referência positiva na matéria de Mário Bonella”.

A gestão da barragem de Fundão em Mariana (MG) estava sob a responsabilidade da

pessoa jurídica Samarco Mineração, cujos acionistas majoritários são a Companhia Vale do

Rio Doce e a anglo-australiana BHP Billinton. A represa foi especificamente construída para

servir de depósito dos resíduos gerados durante o processo de mineração de ferro mineradora

Samarco S/A. As barragens de Fundão e Santarém estavam localizadas num complexo que,

contraditoriamente à tragédia anunciada, chamava-se “Alegria”.

Estudos preliminares apontam que, somente na barragem de Fundão, havia

aproximadamente 50 milhões de m³ de resíduos, classificados, segundo a NBR 10.004, como

sólidos, não perigosos e não inertes, como o ferro e o manganês, ou seja, sua composição era

formada basicamente por areia e metais (BRASIL, 2015).

Segundo Gonçalves, Vespa e Fusco (2015), as barragens do complexo operavam

através de um método utilizado em todo mundo: o aterro hidráulico. Nesse sistema, os

resíduos separados do ferro durante o processo de mineração são escoados até as bacias

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54 (barragens) por força da ação gravitacional. Já a filtragem da água é realizada pela areia,

localizada estrategicamente na parte frontal dessas bacias.

A despeito do sistema de aterro hidráulico ser o mais utilizado em todo mundo,

Lopes (2016) adverte que atualmente existem técnicas mais modernas que permitem a

drenagem mais segura dos resíduos da mineração através de filtros. Mas esse outro sistema,

eleva em até seis vezes os custos de produção, o que tem inviabilizado sua utilização pela

maioria das empresas. Desta forma, esclarece Edilson Pissato, professor de geologia de

engenharia da Universidade de São Paulo (USP), as mineradoras preferem assumir os riscos

advindos da utilização de sistemas mais tradicionais e menos onerosos (GONÇALVES;

VESPA; FUSCO, 2015).

O rompimento da barragem em Mariana não foi o primeiro desastre ambiental em

terras mineiras. O estado de Minas Gerais tem 220 barragens de rejeitos minerais classificadas

dentro da Política Nacional de Segurança de Barragens. Em outras cidades, problemas

similares também consumiram o ecossistema e a biodiversidade regional – como o

rompimento de uma barragem “da mineradora Rio Pomba-Cataguases, na cidade de Miraí, em

2007, e ainda a barragem rompida em Cataguases, no ano de 2003, que derramou mais de um

bilhão de litros de um licor negro no Rio Pomba e atingiu o mar” (MEIGRE, 2016, p. 47).

Em Cataguases se represava rejeitos gerados na produção de celulose (chamados de

lixívia negra) e fora construída na década de 1980, de acordo com informações do Sistema

Estadual de Meio Ambiente (SISEMA) de Minas Gerais, pela Indústria Matarazzo de Papéis,

depois adquirida pela Indústria Cataguases de Papel e pela Florestal Cataguases, pertencentes

ao Grupo Iberpar.

Segundo registros do SISEMA, Indústria Matarazzo de Papéis operou sempre

irregularmente, de 1978 até seu fechamento, em 1993. A empresa se mantinha em atividade

“celebrando vários acordos com a Comissão de Política Ambiental (COPAM), com o objetivo

de solucionar as irregularidades ambientais, porém nenhum dos acordos foi cumprido”.

Levantamento da Agência Pública de Notícias retoma que a Indústria Cataguases que

adquiriu a planta em 1993, mas só requereu Licença de Operação em 1997. Até 2003, ano do

rompimento, a indústria protocolou quatro processos de licenciamento ambiental. “Todos

indeferidos por estarem tecnicamente inadequados”, informou o SISEMA. Durante 14 anos a

empresa operou sem licença, obtida apenas em 2007.

Mota (2016) relembra que o procurador da república Eduardo Santos de Oliveira,

que à época estava lotado na Procuradoria da República em Campos dos Goytacazes, foi o

responsável pelas ações do Ministério Público Federal no caso da Cataguases. A jornalista

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55 aponta que essa experiência foi um dos fatores para que ele integrasse a força-tarefa de

procuradores no caso do rompimento da barragem da Samarco em Mariana. Já que, segundo

ele, um acidente dessa proporção jamais ocorre por conta dessa ou daquela causa. Como

regra, é uma soma de omissões ou decisões equivocadas. A repórter cita como exemplo que

na época da construção da barragem de Cataguases, já havia soluções melhores para gerenciar

os dejetos da atividade industrial. Mas, segundo o procurador, a barragem seria uma opção

economicamente mais barata.

A ação da força-tarefa, no caso da investigação em torno do desastre socioambiental

causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG) resultou na denúncia,

em 20 de outro de 2016, de 26 pela tragédia. Foram 21 pessoas denunciadas à Justiça por

homicídio qualificado com dolo eventual - quando se assume o risco de cometer o crime -

pela morte de 19 pessoas ocorridas na tragédia. Dentre os denunciados, estão o presidente

afastado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão; o diretor de Operações e Infraestrutura,

Kleber Luiz de Mendonça Terra; três gerentes operacionais da empresa; 11 integrantes do

Conselho de Administração da Samarco e cinco representantes das empresas Vale e BHP

Billiton na Governança da Samarco.

Juntos, terão que responder por nove tipos de crimes contra o meio ambiente, que

envolvem crimes contra a fauna, a flora, crime de poluição, contra o ordenamento urbano e

patrimônio cultural em que a Samarco, Vale e BHP Billiton terão que responder. Samarco e

Vale ainda são acusadas de três crimes contra a administração ambiental.

Em nota pública, as empresas Vale, a Samarco e a PHP Billinton rejeitaram os

argumentos da denúncia. A primeira disse repudiar a denúncia da Procuradoria, alegando que

os procuradores optaram por “desprezar as inúmeras provas apresentadas” durante a

investigação.

A Samarco, por sua vez, respondeu que “refuta a denúncia” e replicou os argumentos

da Vale. A companhia alega que toda e qualquer medida sugerida e implantada no que diz

respeito à gestão da estrutura seguia as melhores práticas de engenharia e segurança.

Temas ligados à dimensão ambiental, apesar de inseridos em um contexto local onde

o fato ocorre, ganham dimensão global, na passagem do espetáculo ao simulacro, em que

Chauí (2006, p. 16), descreve como a “nulificação do real e dos símbolos pelas imagens e

pelos sons enviados” em um simulacro de acompanhamento global. Escalada de imagens,

anseios, culturas, conceitos e acontecimentos que passam do virtual para o real. Temas que

mesmo transmitidos em fragmentos suprimem distâncias espaciais e despertam interesse

global sobre o assunto veiculado.

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56 1.6 RUMOS TOMADOS PELA PESQUISA

O enfoque deste acompanhamento centrou-se, inicialmente, na cobertura em torno do

desenrolar do conflito na área considerada pela Justiça Federal como sendo a terra indígena

xavante Marãiwatsédé, no Centro-Oeste brasileiro, estado de Mato Grosso, na divisa

territorial com o estado do Tocantins e do Pará, ao norte do País. Em que uma disputa judicial

sobre a posse da área, entre posseiros e índios tramitou por mais de 10 anos no Supremo

Tribunal Federal (STF) e teve como desfecho o conflituoso processo de desintrusão13

de não

índios da área, ocorrida em dezembro de 2013.

A proposta de perscrutar por esta cobertura jornalística foi a de realizar um

acompanhamento direto. A partir deste movimento de investigação aprofundada, é que o

caminhar expansivo da investigação se desenrola. Antes, porém de mostrar o

desenvolvimento em torno desta trajetória, faz-se necessário apresentar o percurso percorrido

para a investigação. Como recorte para acompanhar a dinâmica de ação da imprensa definiu-

se por um veículo de abrangência estadual e dois de circulação nacional. Todas as mídias

citadas encaminharam correspondentes e possuíam sites de notícias, que também foram objeto

de investigação. Os veículos observados para analisar o problema da pesquisa foram os

periódicos nacionais: Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. E um periódico de

abrangência estadual, o jornal Folha do Estado (MT). Apenas o jornal O Estado de S. Paulo

manteve seu correspondente em Cuiabá. Então, embora tenha feito a cobertura no Estado, não

chegou a ter um jornalista exatamente no local do conflito.

O recorte tempo-espacial inicial da pesquisa está na cobertura midiática sobre o ápice

do conflito de terras entre posseiros e comunidades indígenas na região do Araguaia, entre os

anos 2012 e 2013. A polêmica na região ganhou contorno nacional, após décadas de

questionamento sobre o processo de desintrusão que resultou na retirada de todos os não-

índios do local, conhecido inicialmente como fazenda Suiá Missú14

. A referida área foi

13

Sf. Termo jurídico referente a ato ou efeito de retirar de imóvel que dele se apossou sem autorização do

proprietário, segundo dicionário Aulete. 14

Fazenda Suiá Missú tornou se um povoado com pessoa inserido no espaço geográfico em disputa no Supremo

Tribunal Federal (STF). Distrito Estrela do Araguaia (Posto da Mata) que, até dezembro de 2012, abrigava

escolas, 98 comércios, 6 igrejas e 2,4 mil casas e que passado o processo de desintrusão, em a Força Nacional

retirou as famílias e comércio do ambiente, tronou-se espaço vazio em termos de povoado urbano. Relatos

publicados na imprensa, como o retirado do site de notícias RD News referiam de que a impressão de adentrar ao

local é estar em uma cidade fantasma que antes fazia parte do perímetro urbano de dois municípios: Alto Boa

Vista e São Félix do Araguaia (MT). (Fonte: http://www.rdnews.com.br/materias-especiais/destrocos-de-suia-

missu/suia-missu-se-torna-cidade-fantasma-igrejas-sao-demolidas-e-sobra-o-cristo/53002)

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57 demarcada como terra xavante em 1998, após longa disputa no Supremo Tribunal Federal

(STF), mas que só resultou no retorno da comunidade indígena área no início de 2013. A

referência à situação justifica-se já que o ocorrido maximizou as fronteiras e contradições de

uma população, que há décadas convivia na região, com a presença de nativos e imigrantes e

atraiu a atenção da mídia brasileira que encaminhou equipes para a cobertura do

acontecimento.

A escolha por esse recorte temporal também se deve ao fato de que os jornais

enviaram correspondentes para a cobertura do conflito, no mês específico de retirada das

famílias, possibilitando assim que as apurações jornalísticas ocorressem no contexto local de

interações. Essas produções são formuladas em meio a um cenário complexo e, em alguns

momentos antagônicos, seja pelo interesse econômico, que é marcadamente díspar entre as

populações envolvidas, seja pela formação de culturas diferentes, em uma realidade em que

até a língua praticada tem constituição diferente, com raízes de formação e gênese distintas.

A entrevista em profundidade foi a opção escolhida para esse contato por se “[...] um

recurso metodológico que busca, com bases em teorias e pressupostos definidos pelo

investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte selecionada por

deter informações que se deseja conhecer” (DUARTE, 2009, p. 62).

Somado ao acompanhamento do processo de cobertura jornalística, outra opção foi

realizar diálogos aprofundados com os jornalistas que participaram da cobertura jornalística,

com a realização de entrevista em profundidade. Por ser uma técnica dinâmica e flexível, a

entrevista em profundidade é útil para a apreensão de uma realidade tanto para “tratar de

questões relacionadas ao íntimo do entrevistado, como para a descrição de processos

complexos nos quais está ou esteve envolvido”, concebida como uma pseudo conversa

desenvolvida a partir de um quadro conceitual previamente caracterizado, que guarda

similaridades, mas também diferenças, com a entrevista jornalística (DUARTE, 2009, p. 64).

O percurso de interlocução com os profissionais foi pautado por uma abordagem

qualitativa desde a concepção do instrumento de pesquisa, que se configurou na entrevista

semiaberta, modelo-roteiro com abordagem em profundidade e resposta indeterminadas

(TRIVIÑOS, 1990, p. 146).

Outro recurso de investigação utilizado foi que no momento de diálogo com os

jornalistas, este sempre foi encerrado com a apresentação comentada pelo entrevistado sobre

todo o material publicado em torno do tema em discussão no jornal a que o profissional

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58 integrava. Assim, o profissional refere-se não estritamente sobre o seu processo de produção,

mas amplia o olhar e comenta em torno de toda a equipe e cobertura do veículo de

comunicação em questão.

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59 2 JORNALISMO EM REDE

Com a proposta de estudar o processo de produção jornalístico no contexto da crítica

de processo, adotou-se o conceito de criação como rede, que envolve a discussão das tomadas

de decisão, do acaso, das restrições, quer sejam determinadas por questões financeiras,

políticas ou editoriais, ou pessoais em meio à equipe.

A rede, sob o ponto de vista dos membros da equipe é mencionada pelos

profissionais da área quando os mesmos refletem sobre o fazer da atividade. Marcelo Godoy,

chefe de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, remete-se a essa questão, ao falar sobre

o processo da produção de uma reportagem”. “O trabalho que você vê no jornal no dia

seguinte é um trabalho feito por dezenas de pessoas e não por mini- gênios que resolvem tudo

sozinhos” (GODOY, 2011).

Na dinâmica de ação da cobertura jornalística, percurso que arregimenta diferentes

profissionais e processos, não se pode prever ou determinar as ramificações estabelecidas,

visto que a cada trabalho há uma rede singular acionada. Desenvolve-se neste momento em

torno da ambiência do fazer jornalístico a partir da percepção da rede complexa que é

arregimentada na atividade e das questões que surgem por esse viés de percepção.

Uma característica inerente ao contexto das redes é seu permanente estado de

crescimento contínuo. Ligações que são acionadas sem uma ordem determinada e em

momentos diferentes, portanto, uma rede em inacabamento. Justamente por isso, a cobertura

jornalística é estudada na pesquisa pela conexão da rede em construção15

, para assim refletir

sobre a tessitura complexa da atividade.

A jornalista colaborada do jornal O Estado de S. Paulo, Fátima Lessa, assinala para a

ideia de uma rede em constituição, em que necessariamente não é recomendável precisar o

seu começo, ou mesmo seu desfecho. Ao falar sobre a definição da pauta para a sua cobertura

no cotidiano de produção para o veículo referenciado, a profissional não só aponta uma

variação e até indefinição neste procedimento, no sentido de que não há uma regra fixa por

quem faz a pauta. Outra característica chamativa é que Lessa revela o fato de que, às vezes,

nem chega a haver esse dispositivo, apontado por muitos como o início do processo

jornalístico.

15

Salles (2015), observa que as interconexões da rede em construção envolvem a relação do artista com seu

espaço, seu tampo, questões relativas à memória, à percepção, recursos criativos, assim como, os diferentes

modos como se organizam as tramas do pensamento em criação.

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60

Eles sugerem pautas ou eu posso sugerir, porque às vezes eles recebem

informações primeiro do que eu, que estou aqui e as vezes eu encontro assuntos

interessantes e mando para eles. Muitos casos estão pipocando no estado que eles

não têm nem noção. Quase sempre mando as matérias, ao invés de pautas

(Informação verbal16

).

Dessa forma, há a ideia de continuidade inserida nesta rede em construção do fazer

jornalístico. Para Salles (2008, p. 78), a ideia de continuidade é intrínseca ao conceito de

inacabado ou à perspectiva processual que olha para todos “[...] os objetos de nosso interesse -

seja um romance, uma peça publicitária, uma escultura, um artigo científico ou jornalístico –

como uma possível versão daquilo que pode vir a ser ainda modificado”.

Há uma relativização da noção de conclusão, na medida em que qualquer momento

do processo é simultaneamente gerado e gerador. Os ditos “pontos iniciais e finais” das obras

são em rede, ou seja, referem-se a diferentes momentos interconectados. Assim, a produção

jornalística é observada pela perspectiva da continuidade, no sentido de não termos etapas

iniciais ou finais, mas momentos relacionados.

Esse solo teórico de diálogo e aprofundamento sobre o fazer da imprensa, pela

análise da rede em constituição, deu sustentação para a identificação das pegadas do processo

jornalístico em meio a essa dinâmica. Desenvolve-se essa abordagem pela articulação em

torno das dimensões ‘Pauta e conteúdo dinâmico’, ‘Sujeitos do fazer jornalístico”,

‘Fragmentação não linear no processo jornalístico”, ‘Produção individual conexa ao coletivo’,

‘Mediação e ‘Interação em rede’.

Embora cada plataforma de comunicação tenha sua particularidade, esboça-se em

torno de tais questões pelo olhar analítico sobre o trabalho da imprensa, na confluência de

ações, significações, acasos e bifurcações advindos dessa rede complexa de sua produção.

2.1 PAUTA E CONTEÚDO DINÂMICO

Na dinâmica de produção da pauta, que ocorre antes mesmo dos profissionais

entrarem em campo para apuração de seu material, é possível identificar essa rede em

construção e as características próprias desse contexto.

Uma pauta que emergiu sobre determinada perspectiva, por exemplo, pode ganhar

outro direcionamento ainda durante o trabalho de apuração na redação, dependendo de

16

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A

desta Tese.

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61 critérios jornalísticos. É o que aponta o jornalista colaborador do jornal Folha de S. Paulo,

Rodrigo Vargas, ao explicitar sobre uma matéria que, além de inicialmente na etapa da pauta

não ter sido pensada para ganhar tamanho destaque, também acabou por adquirir uma outra

dimensão em termos de conteúdo e direcionamento do material:

Exemplo é uma matéria obre desmatamento que eu fiz, me mandaram pra

Alta Floresta e eu entrei em contato dizendo que de carro não seria possível e eles

arranjaram uma hora de avião pra tirar fotos e filmar pra matéria, ai entrei em

contato com o pessoal do ICV (Instituto Centro de Vida) para descobrir onde teria

possíveis pontos de desmatamento e voamos até lá pra e tinha um trator derrubando

as árvores, saiu como manchete no outro dia, “Desmatadores desafiam Governo”, ai

sim eles pediram pra que ficássemos acompanhando de perto o que estava

acontecendo, aí ficamos mais duas semanas escrevendo matérias (Informação

verbal17

).

Nem o momento de elaboração da pauta é concebido de forma isolada. Ao contrário,

esta etapa recebe diferentes influências a partir dos jornalistas que atuam no mesmo processo.

Neste cenário descrito, temos novamente a ação da rede em construção. “A produção da pauta

é uma produção coletiva e é uma dinâmica completamente diferente da época do “pauteiro”,

observa o diretor da Associação de Jornalismo de Investigativo Marcelo Bereba (2011, p. 1),

ao analisar o atual contexto de produção do jornalismo em escala industrial.

Mesmo que a pauta jornalística seja elaborada por apenas um profissional, há

diferentes camadas decisórias que orbitam neste sistema e atuam de forma não linear para a

sua produção. A jornalista Ana Estela de Sousa Pinto, no livro em que reúne o que denomina

como “conhecimento coletivo”, resultante do Programa de Treinamento do jornal Folha de S.

Paulo, aponta para pelo menos quatro componentes deste processo: “descobrir o que é

notícia, hierarquizar informação, prever etapas de apuração, antecipar a apuração do material”

(PINTO, 2009, p. 59).

Embora sejam diferentes “capacidades básicas do jornalismo” (PINTO, 2009), elas

atuam ora em simultaneidade, ora em cadência sequencial e também em ordem imprevista. O

exercício de prever a edição do material pode, por exemplo, inverter a ordem em que se

hierarquizou as informações. São componentes que vigoram, portanto, na produção

jornalística pela rede em construção que vai sendo intuída.

Tendência que, não necessariamente, represente apenas algo positivo, no sentido de

que essas várias camadas decisórias (PINTO, 2009, p. 59) também incluem a linha editorial

17

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese.

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62 do jornal, a identificação do editor sobre a importância ou representatividade do tema. O que

também influencia no processo, análise que remete à discussão sobre concepção de notícia na

contemporaneidade.

Essa preocupação e dificuldade são evidenciadas na fala do colaborador da Folha de

S. Paulo, Rodrigo Vargas ao contar que “No caso do editor, ele está em São Paulo a mil por

hora, recebendo várias ligações de correspondentes, isso dificulta um pouco no

dimensionamento de fatos e até de distâncias, afinal esse é um estado (Mato Grosso)

periférico”, descreve Vargas (Informação verbal18

), ao mencionar a demanda expressiva de

trabalho do editor e a preocupação inicial se o assunto está na ascensão de interesse social e

mesmo em torno da compreensão e opinião do profissional sobre a importância do tema:

São ótimos jornalistas que, após decidirem pela sua pauta, buscam saber

sobre os fatos apurados, se sua fonte pode comprovar, se tudo está bem escrito e

bem feito, antes da pauta é difícil, eles ficam sempre apreensivos se vai acontecer o

fato, se isso vale ser noticiado. No caso de Marãiwatsédé eles não compreenderam

que uma cidade dentro de uma área indígena ia ter que ser riscada do mapa, só

quando chegaram que se deram conta da magnitude do que estava acontecendo, por

esse lado a cobertura podia ter sido melhor, mas são muitas coisas ao mesmo tempo

e a prioridade é o Sul e o Sudeste, as pautas que emplacam são as que trazem o

inusitado, pitoresco (Informação verbal19

).

Este mesmo conteúdo da pauta jornalística também pode ser ressiginificado, quando

no estágio de análise das informações captadas, ganhando outra abordagem ou adquirindo

maior projeção, em função, por exemplo, de novas informações enviadas por internautas,

fontes de notícia. É justamente esta dinâmica que projeta contornos, desvios, rupturas e

pontes. Temos, neste caso, a atuação da rede articulada pelo fazer jornalístico estabelecendo

contornos na cobertura da área.

Uma reportagem que surgiu de uma pauta isolada pode desencadear uma série de

coberturas, tendo a constituição de uma rede singular em sua tessitura, embora esse mesmo

material também possa sofrer alteração no enfoque do assunto inicialmente previsto. São

diferentes possibilidades, variações do sistema, outra característica da rede.

Embora essas variações de rotas, sejam imprevistas, não são alterações aleatórias. Na

medida em que há diferentes elementos que influenciam nesta etapa: como imposição técnica

18

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 19

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese.

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63 (por ausência de imagem ou espaço), temporal ou ainda outro impedimento, por determinação

e interesse editorial, financeiro ou de outra ordem.

2.2 SUJEITOS NO FAZER JORNALÍSTICO DA EQUIPE

Outra possibilidade de refletir sobre a rede em constituição no fazer jornalístico

refere-se à dinâmica da atividade que conecta diversos sujeitos nas etapas de produção do

material em fluxos de interações.

A própria estruturação dos profissionais da imprensa, em termos de divisão de

trabalho, também remete à produção em rede, em torno da especialização de função -

repórter, redator, editor, chefe de reportagem.

O repórter Jardel Arruda do jornal Folha do Estado (MT), ao mesmo tempo que

aponta para essa especialização de função e reconhece a identificação de determinado

profissional por uma área ou uma pauta, também revela que a produção em rede as vezes leva

justamente o jornalista a realizar tarefas em funções diferentes. “A gente cobria, trocava

coisas, mas alguns casos ficavam mais específicos com uma pessoa”, lembra Jardel, ao

observar que também havia momentos em que “aos finais de semana, todo mundo fazia tudo.

Era revezado e quem estava de plantão, fazia (Informação verbal20

). Percebe-se, então,

sujeitos do fazer jornalístico que assumem diferentes funções em meio ao processo, uma

marca processual da cobertura jornalística.

Há especificidade de função equivalente à plataforma de mídia a que se refere e,

também, de acordo a com estrutura financeira do veículo de comunicação. Independente

destas variações, o que se tem são diferentes momentos da produção e um conjunto de

profissionais inseridos neste processo. Embora a equipe de jornalistas necessariamente não

dialogue entre si para o desempenho específico de sua atividade, todos atuam na formação da

rede, em ações individuais com um projeto comum.

A jornalista Passarinho (1984, p. 85) descreve bem essa característica do coletivo ao

advertir que não existe o ‘eu’ no telejornalismo, “[...] o repórter sozinho não faz nada, a

reportagem para dar certo precisa de equipe, ela tem que ser a mais entrosada possível”.

20

O profissional Jardel Arruda Patrício atuou na cobertura em Mãraiwatsédé como repórter do Jornal Folha do

Estado (MT), sendo enviado especial para o local, no período considerado auge do conflito. Foi o jornalista que

ficou mais tempo no local, considerando apenas os profissionais de veículos de comunicação diário e que não

eram da localidade. Atualmente, Patrício é repórter no site de notícias Olhar Direto.

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64

Embora a referência de Passarinho seja a uma mídia específica, a televisiva, essa

relação pode ser transposta para o impresso, para a internet, ou mesmo, em plataformas

híbridas, como pelo web-rádio. Já que a produção jornalística, em um contexto da indústria

cultural, tem na atuação coletiva de produção, uma de suas características organizativas.

Assim, a cobertura jornalística, quando pensada pela perspectiva processual,

evidencia a dinâmica de atuação de diferentes sujeitos em seu processo de produção. Da

reunião de pauta matinal, às entrevistas em campo, ou na edição da reportagem, percursos de

interação, em meio ao processo contínuo dos jornalistas.

Essa tendência é pulsante não apenas entre a equipe de profissionais que atuam em

determinada cobertura, mas onipresente no processo jornalístico, seja no contato com as

fontes da notícia, na relação junto ao contexto onde os fatos retratados ocorrem, seja na

vivência individual do profissional. Não é possível limitar os momentos de interação dos

sujeitos envolvidos neste percurso.

Há tendência à influência mútua no contexto do jornalismo, embora adquira mais

possibilidades com o avanço da tecnologia. É, portanto, um elemento constitutivo da

atividade. Podemos esboçar essa relação inseparável da comunicação no contexto social e,

consequente, mecanismo de interação, na discussão já elaborada por Bordenave (1982, p. 17)

em que “[...] a comunicação não existe por si mesma, como algo separado da vida em

sociedade. Sociedade e comunicação é uma coisa só. Não pode existir sociedade sem

comunicação”.

O teórico da comunicação evidencia a inerente relação da comunicação e sociedade,

que assume, na possibilidade de interação, sua prática constitutiva. Estamos falando de um

percurso singular de produção cuja variabilidade assume nesses nós de interação um de seus

princípios direcionadores em meio ao processo contínuo da imprensa.

Mesmo no conceito de mensagem jornalística como informação, está implícita a

ideia de interação, em uma espécie de interação processada de forma global, para assim

atender a necessidade da sociedade urbana que já não podia sozinha, interagir com a

comunidade de forma a abranger sua totalidade. “Para o homem que se afasta do núcleo

primitivo de uma sociedade tradicional e transita no espaço extenso e complexo do núcleo

urbano entrelaçado com muitos outros núcleos urbanos, os problemas de informação se

avolumam” (MEDINA, 1998, p. 15).

Max Milikan observa que a imagem que o homem faz de seu ambiente é moldada

por sua experiência.

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65

Esta experiência até um tempo, para a grande maioria da humanidade,

esteve restrita a contatos diretos com reduzido número de outros seres humanos,

com os quais cada pessoa vivia em sociedade em uma diminuta área geográfica,

circunscrita a uma distância que poderia percorrer a pé em um dia (Milliham, apud

Lerner, 1973, p. 17).

A essa análise, Daniel Lerner, traz duas variáveis (tempo/espaço) que somaram para

que a informação jornalística, como um instrumento de interação social, tivesse seu alicerce

na sociedade urbana e industrial. “As alternativas que esse homem poderia ter estiveram

limitadas por sua experiência imediata do passado, em sua comunidade, e pelo que lhe foi

transmitido oralmente por seus antepassados” (LERNER, 1973, p. 17).

Embora nossa atenção não esteja na discussão conceitual em torno da informação

jornalística, trazemos essa reflexão sobre este tema com intuito de apontar a ideia implícita da

interação como produto da comunicação coletiva ainda em sua constituição.

Muito mais nos interessa pensar nessas relações dos sujeitos no campo do fazer

jornalístico. São caminhos de influências mútuas, mesmo inconscientes, mas que estabelecem

conexões e retroalimentam o percurso de produção, gerando a transição de uma rede simples

para uma mais complexa. Relações que somam para a alteração de rota ou bifurcações no

percurso de elaboração.

Salles (2008, p. 58), ao desenvolver uma discussão sobre a criação como um

pensamento em rede, aponta para as interconexões como responsáveis pelos “picos ou nós da

rede que são elementos de interação ligados entre si e estabelecem complexidade.

A construção de uma rede, ou seja, sua transição de uma rede simples a outra mais complexa,

são consubstanciais a sua definição”.

Tendo em mente o mapeamento não linear no jornalismo, associado à produção no

contexto coletivo, temos evidenciada a tendência de interação, que incide não apenas nas

relações entre os profissionais envoltos na dinâmica de produção, mas nas multiplicidades de

relações estabelecidas a partir da rede em construção constituída no processo jornalístico.

Essa interação se observa nas relações com as fontes de informação, no contato com dossiês e

monitoramentos, na relação com os leitores e formadores de opinião e nas relações sociais dos

envolvidos no processo, que são maximizadas no contexto tecnológico.

Outra dimensão na discussão acerca da interação como um princípio e que tem

significância na produção jornalística é a sua imprevisibilidade. Não sendo recomendável, por

exemplo, determinar exatamente os desdobramentos de determinado processo jornalístico. Os

caminhos podem ser reprogramados a partir da interação da rede em construção no contexto

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66 da produção jornalística. Uma vez que uma característica essencial da rede é a interação, o

que a torna imprevisível.

Morin (2002, p.72) descreve interações, em outra conjuntura, como ações recíprocas

que modificam o comportamento ou a natureza dos elementos envolvidos; supõe condições de

encontro, agitação, turbulência e comunicações, dentre outros, que dão origem a fenômenos

de organização.

Salles (2007) retoma a conceituação de Morin sobre o jogo de interações, cujas

regras podem parecem como as leis da natureza. A autora observa que “Há algo nas

propriedades associadas à interatividade, em ambas as definições, que nos parece ser

importante de se destacar para compreendermos as conexões da rede de criação: influência

mútua, algo agindo sobre outra coisa e algo sendo afetado por outros elementos.

Colapietro (1989), ao pensar a abordagem peirceana do sujeito, lembra que sobre a

ponto de vista semiótico “estamos sempre já no meio de outros indivíduos, assim como de

significados. Outridade e significado são dados juntos em nossa experiência como seres

incrustrados ou inseridos em uma rede de relações – rede semiótica”.

Trazendo a discussão para o campo do jornalismo, a tendência de interação embora

já inerente ao trabalho da imprensa, é potencializada com os avanços tecnológicos. No

contexto de produção noticiosa, por exemplo, há expansão dos interlocutores, na medida em

que temos um leitor que também produz notícia. Ele tem a possibilidade de “produzir, junto

com a redação formal do veículo que ele acompanha, um conteúdo mais adequado às suas

necessidades de obter- e compartilhar- informação” (MUSSOI, 2010, p. 57).

Aceitar a contribuição das pessoas no contexto do jornalismo não é um fenômeno

novo, algumas das fotos e vídeos mais célebres da história recente foram feitos por amadores,

a exemplo das imagens do choque do avião na segunda torre do World Trade Center nos

Estados Unidos (EUA), em 11 de setembro de 2001. Contudo, as elaborações jornalísticas no

contexto tecnológico têm potencializado seu mecanismo interativo.

Em vários momentos, altera-se até mesmo a lógica de produção. Podemos

desenvolver esse pensamento voltando ao exemplo em torno da notícia. O jornalista já não

define isoladamente o que será noticiado, ou mesmo, em alguns momentos precisa recuar em

determinadas escolhas, neste campo. Tenhamos como exemplo a repercussão sobre as

manifestações contra o reajuste das tarifas de serviços públicos que contaminaram o Brasil,

em maio de 2013.

A mídia comercial introduziu o assunto a partir de uma cobertura tímida e sem

destaque. Somada ao desastroso comentário de Arnaldo Jabor minimizando e ridicularizando

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67 a animosidade de parte da sociedade em relação ao tema. O que se viu em desdobramento a

essa dinâmica foi uma avalanche de protestos, munidos de intensa produção de conteúdo

virtual e viral que, por sua vez, encontra eco nas ruas do País. O tema ganhou espaço não

apenas nos meios de comunicação de massa, mas no Congresso Nacional, gabinete

presidencial, nas mídias alternativas e residências do País.

Castells (2003), na obra ‘Por uma outra comunicação. Mídia, Mundialização, Cultura

e Poder’, reconhece a rede mundial de computadores como além de uma mera tecnologia, mas

como meio de comunicação, de interação e de organização social. A interatividade é apontada

pelo autor como elemento formador e expansivo da rede.

As denominadas mídias tradicionais sempre tiveram algum tipo de interação, como

nas seções de cartas de jornais e TVs, nos telefonemas para programas de rádio (talk radio)

ou na própria varredura social dos jornalistas. Palacios (1999) observa que as características

do Jornalismo na Web aparecem, majoritariamente, como continuidades e potencializações e

não, necessariamente, como rupturas com relação ao jornalismo praticado em suportes

anteriores. Mas no contexto contemporâneo de comunicação interligada, a interação ganha

protagonismo.

Outra dimensão da rede de sujeitos do fazer jornalístico refere-se a uma lógica mais

participativa dessa rede em construção. A interação da rede de criação no jornalismo é que

leva a uma lógica mais participativa da sociedade também na definição e escolha dos temas a

serem abordados nas matérias jornalísticas. Arlindo Machado (1997) ressalta que a

interatividade ocorre também no âmbito da própria notícia, ou seja, a navegação pelo

hipertexto também pode ser classificada como uma situação interativa.

Na prática, a lógica estabelecida pela plataforma digital amplia os horizontes do

trabalho jornalístico. Lemos (1997) apresenta a passagem do modelo “um todos” para o

modelo “todos todos”. No jornalismo online, a interatividade existe do âmbito de uma série de

processos. O internauta estabelece várias relações de interação no ambiente online: com a

máquina; com o produto; com outros utilizadores.

Essa não é lógica restrita apenas ao jornalismo produzido e veiculado em plataformas

digitais, mas altera a dinâmica da atividade de forma global, uma vez que diferentes

plataformas de mídias, digitais ou não, tendem a agregar o que se denomina como

potencialidades21

do jornalismo on-line. Também pela tendência de convergência, os

21

Estudos em torno do webjornalismo identificam algumas características do jornalismo neste contexto e que

passam a significar também para outras plataformas de mídia. Luciana Mielniczuk, Marcos Palacios e José

Meira da Rocha desenvolvem em torno de seis características identificadas neste contexto: perenidade

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68 interlocutores do processo jornalístico estão inseridos neste cenário tanto no contexto do

consumo, como da produção informacional. Dessa forma, os sujeitos deste processo

reconfiguram a lógica do jornalismo contemporâneo e os movimentos de interação são

potencializados.

Há um encadeamento de interação, relações acionadas no campo de ação da área e

que, ao serem processadas, estabelecem significações.

Desenvolveu-se em torno deste tema, pela metáfora da rede complexa, um solo

teórico de reflexão para instrumentalizar a análise do processo jornalístico, em termos das

‘conexões na cobertura jornalística’.

Dessa forma, aprofunda-se na identificação dos princípios direcionadores que

emergem ao longo do percurso intrínseco ao processo jornalístico, em uma reflexão teórica, a

partir da prática da atividade, sobre o campo gravitacional da produção jornalística, no sentido

de pensar em torno de seu processo de produção e dos direcionamentos que emergem deste.

Isso posto temos, então, uma rede singular constituída a cada produção. Na prática,

isso é transmutado em uma mesma matéria; onde há fontes ouvidas aleatoriamente, outras

definidas pela identificação do jornalista, ou mesmo pela disponibilidade de tempo.

Pensar a cobertura jornalística também pelas relações acionadas em sua produção,

acoplada à ideia de complexidade inerente ao processo, permite identificar as significações

que brotam desta forma de pensar.

Com essa compreensão, identificamos algumas questões que emergem no fazer

prático da área, quando consideramos a perspectiva das redes do pensamento em criação, e

que expomos a seguir.

2.3 FRAGMENTAÇÃO NÃO LINEAR NO PROCESSO JORNALÍSTICO

Ainda que a dinâmica de cobertura da imprensa seja fixada por etapas sequências de

produção (pauta, apuração, edição e revisão) e que até podem remeter a uma cadência linear,

a ação dos profissionais da área dá-se em conexões, fluxos e contra fluxos descontínuos.

Desse modo, do conceito linear de início, meio e fim de um trabalho, alçamos à dinâmica das

inter-relações. A etapa final de uma edição pode, por exemplo, alterar o início de uma

reportagem, em uma dinâmica fragmentada.

(memória); multimidialidade (convergência); hipertextualidade; personalização de conteúdo; instantaneidade e

interatividade.

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69

A tendência não linear pode ser pensada por uma análise sobre a peça mais

importante da prática jornalista: a notícia (ERBOLATO, 2008, p. 56). Não se pretende

adentrar em torno das diferentes classificações teóricas do tema22

, mas sobre a dinâmica

acionada em sua produção.

Da identificação do acontecimento- entendido como fenômeno de percepção do

sistema- para a geração do sistema e consequente produção da notícia (ALSINA, 2009)

perpassam camadas acionadas em uma ordem multidirecional a que se propõe refletir.

Mouillaud desenvolve esse pensamento sobre a não linearidade do fazer jornalístico

pela analogia a um jogo de futebol em que nenhum espectador viu “uma” partida

considerando que ninguém seria de fato capaz de captar a ‘totalidade’ de um jogo da cadeira

de espectador no estádio, do sofá do telespectador, do posto do comentarista ou mesmo do

banco de reserva. Uma vez que para a disputa ser captada, em sua plenitude, seria necessário

fisgar, de uma só vez, “uma grande quantidade de relações fugindo de uma multiplicidade de

focos” (MOUILLAUD, 2002, p. 62). O que se tem, são perspectivas fragmentadas, alçadas ao

patamar de notícia, em uma ordem, que necessariamente linear.

O foco do jogador que está com a bola, ofuscaria a atenção sobre os demais atletas

em outros pontos do campo. Ou o apito do juiz se isolaria diante de outros fatos simultâneos,

situações tensas no decorrer da partida escapariam porque a atenção pode ter sido tomada pela

gesticulação de um técnico irritado. A partida em sua totalidade, só será possível se

fragmentada em cenas parciais. Essa seleção sobre a complexidade de um acontecimento,

para atingir ao estágio de notícia, desenvolve-se através de diferentes articulações, em fluxo

descontínuo.

Ao ter seus fragmentos reunidos “em uma dada ordem, ganha sentido. Que seria

outro, se a ordenação dos fragmentos fosse diferente” (COSTA PEREIRA, 2010, p. 25). A

disposição desses fragmentos, ou seja, seleção das informações a serem processadas, não é

22

O estudo tradicional da notícia limita o papel da mídia a simples transmissores de mensagens. Em que sua

atividade se reduz, então, à procura pelas notícias e à utilização de uma tecnologia para a sua difusão. Em sua

definição tradicional, a notícia é um fato verdadeiro, inédito ou atual, de interesse geral que é comunicado a um

público. Melo (1985) define a notícia como um [...] relato integral de um fato que já eclodiu no organismo

social”. Sodré e Ferrari (1986) enfatizam que à notícia cabe a função de assinalar os acontecimentos, tornar

público um fato. Na teorização sobre o termo notícia estão presentes os três elementos: fato, informação, público.

Podemos resumir as definições de notícia em torno de dois grandes grupos. Em um deles, estão os que defendem

o conceito de notícia como espelho da realidade (COLE; GREY, 1972). Partimos do ponto de vista da

objetividade como sendo a chave da atividade jornalística. Por outra vertente, a notícia seria concebida como

construção social da realidade (TUCHMAN, 1983). Alsina (2009) conjectura por essa vertente, mas, apressa-se a

frisar a sua especificidade, pois ela não é a única instância onde se produz a construção social da realidade.

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70 apreendida por sua sequência linear, mas por um percurso sem hierarquias e que varia de

acordo com as interconexões da rede formada em seu processo de elaboração.

Costa Pereira observa que o acontecimento jornalístico por excelência é uma versão

do que se tornou padrão. Na medida em que aquilo que se considera como o real, começa a

virar “fato” ao ser “enquadrado” por certas convenções e procedimentos. “Para acontecer a

realidade tem que ser embalada, codificada, alvo de decisões e exclusões [...] o acontecimento

jornalístico por excelência é uma versão do que se tornou padrão. Apreendemos não tudo,

mas o que está disponível” (COSTA PEREIRA, 2010, p. 25).

Ao abordar sobre a totalidade como a soma fragmentada em cenas parciais,

Mouillaud (2002), apreende o acontecimento, na esfera jornalística, como produto de

estratégia. No sentido de serem escolhas fragmentadas em dinâmicas de apreensões, e não

como pertencente à esfera da experiência. O autor entende que a ideia de “fato-padrão” não

chega a contaminar a confiança que temos em algo palpável, material, a que denominamos

como realidade, na medida em que prevalece esse conjunto sensorial feitos de consensos e

índices que julgamos universais e com os quais julgamos nossas certezas diante do mundo.

O percurso de produção da notícia assume dimensão não linear na medida em que

depende das relações dos fatos, dos acontecimentos, dos contextos. Dinâmica que ganha

sequência a partir da dimensão dada a determinada fato, cena, contexto, de cada produção

jornalística.

Ao partir da análise de Alsina (1989, p. 81) sobre a percepção da realidade como

matriz da notícia, Costa Pereira (2010) analisa três dimensões para a definição em torno do

acontecimento jornalístico: 1) fenômenos externos; 2) ... que recebem atenção, o que exclui

outros fenômenos; 3) ... e sofrem um processo intertextual: a brutal relação de um fato com

outros, anteriormente isolados uns dos outros.

O que nos interessa é refletir sobre as implicações resultantes das diferentes

dimensões do acontecimento jornalístico. Para Costa Pereira, o mais significativo incide na

imagem de que o ato de noticiar é uma forma de propor um mundo entre aspas, alterado antes

mesmo da intenção deliberada de distorcer. Ainda segundo o autor:

Entre o acontecimento e o público, muitas camadas se intrometem. Os

sentidos, o repertório do sujeito e sua vivência atuam no ato de captação das

informações, que não é feito no vazio. Há também um saber prático, acumulado pela

comunidade profissional [...] um certo jeito de olhar a realidade, próprio do campo

jornalístico, organiza o que é relevante sobre o mundo (2010, p. 27).

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71

Esse percurso não sobrevém em escala linear, necessariamente, já que temos

dimensões que são interconectadas, sem ordem pré-determinada, mas que variam a cada

cobertura jornalística. Embora não denomine diretamente sobre o aspecto não linear na

composição da notícia, Costa Pereira (2010, p. 27) identifica essas múltiplas dimensões ao

reconhecê-las na relação acontecimento-público.

A segunda consequência, apontada por Costa Pereira (2006, p. 28), remete aos

efeitos da fragmentação informativa, ao que aponta como “processo intertextual”,

característica também identificada por Alsina (2009, p. 237), já que a totalidade do fenômeno

só é possível através de cenas parciais ou pelo sistemático isolamento de outros

enquadramentos e incidentes. “[...] a fragmentação informativa promove a descontinuidade da

percepção e, com ela, a necessidade de novas conexões entre os eventos”.

Essa produção intertextual exige um pensamento e ação livre de hierarquias e nexos

pré-determinados. Sua dinâmica é acionada por dispositivos interconectados a cada produção

jornalística.

O jornalista colaborador da Folha de S. Paulo em Mato Grosso, Rodrigo Vargas,

aponta para esta tendência de fragmentação na produção jornalística e também sobre as

implicações disso;

[...] e acaba sendo mais difícil emplacar uma cobertura que permita contar

uma história do começo ao fim, contextualizar tudo que veio antes e tudo o que veio

depois. Para mim o futuro do jornal gira em torno disso, falar do amanhã, noticiar o

que ainda não aconteceu, o que vai acontecer, e dar uma dimensão sobre um

processo (como da desintrusão) que na cabeça das pessoas era menor do que

realmente é (Informação verbal23

).

Salles (2006), identifica a não linearidade como uma das características dos

processos de produção que, associada às múltiplas interações ou nexos e a não hierarquia, nos

levam ao conceito de rede.

A dinâmica não-linear de produção na imprensa ganha potência em meio à

tecnologia e conectividade global. A expansão e experimentação, em especial no jornalismo

on-line, não apenas proporciona diversas possibilidades nesta plataforma, mas reconfigura

práticas na área, como um todo, na medida em que não apenas os leitores assumem as

potencialidades trazidas pelas tecnologias móveis, mas os próprios profissionais se veem em

meio a essa reconfiguração que soma à sua dinâmica de trabalho.

23

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese.

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72

Dessa forma, a produção da notícia passa a vigorar neste contexto, em que mais

interlocutores atuam na produção ou retroalimentação desse sistema. Movimento que

estabelece interconexões à rede em movimento multidirecional. Sobre essa tendência, Paulo

Mussoi (2010, p. 56), diretor de interatividade e blogs de O Globo de 2002 a 2010, afirma

que:

[...] se torna quase imprescindível ao jornalista do século XXI aceitar que

ele não é mais o único responsável por decidir o que é notícia. Esse poder está, cada

vez mais, inexoravelmente, nas mãos dos leitores também. Há várias formas de se

observar isso. A mais evidente talvez seja logo ali, nas seções de comentários de

notícias dos sites dos grandes veículos de comunicação.

Sob esse ponto de vista, a produção jornalística já não pode ser pensada, mesmo nos

denominados meios tradicionais, pela dinâmica do emissor e receptor, mas sim, dos

interlocutores do processo. Uma rede em criação onde seus partícipes indicam caminhos.

2.4 PRODUÇÃO NO ÂMBITO COLETIVO

No enredamento circunspecto à cobertura jornalística, outro direcionador que influi

em sua dinâmica é a produção no âmbito do coletivo. Uma vez que a ação do jornalista,

mesmo quando realizada em escala individual, dá-se no fluxo da trama, em suas relações.

A Jornalista Aline Grego ao abordar a natureza coletiva da atividade já a remete ao

emaranhado de personagens envolvidos. Grego (2000, p. 41) identifica, ao que denomina

como a singularidade da natureza do fazer jornalístico, sua característica formativa de ser

“[...] um processo coletivo, o que o torna mais complexo”.

Isso significa caminhar por um percurso onde a ação está sujeita também ao outrem,

às interações e às concepções dos sujeitos envolvidos. Estes, por sua vez, recebem influência

externa; seja da linha editorial da empresa, do contexto sócio-político, dos leitores.

Desse modo, a referência à rede no universo das elaborações jornalística é

desenvolvida neste estudo em diálogos conceituais da crítica de processo no contexto das

criações coletivas que se desenvolvem a partir de ramificações ao longo do processo

jornalístico.

Diferentes questões surgem ao pensar na escala do coletivo. Trago Edgar Morin para

pensar as implicações das tomadas de decisões em processos coletivos, uma vez que este nos

oferece subsídios que possibilitam ponderar sobre este tema para além da particularidade do

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73 jornalismo. Ao propor uma sociologia da ciência, o autor observa que muito do que acontece

no universo acadêmico é mais geral do que se quer acreditar:

Como sabemos, o grande problema de toda organização viva – e,

sobretudo, da sociedade humana – é que ela funciona com muita desordem, muitas

aleatoriedades e muitos conflitos e, como diz Montesquieu, referindo-se a Roma, os

conflitos, as desordens e as lutas que marcaram Roma não foram apenas a causa de

sua decadência, mas também de sua grandeza e existência. Quero dizer que o

conflito, a desordem e o jogo [...] não são resíduos a reabsorver, mas constituintes-

chaves de toda existência social (2010, p. 111).

Ao refletir sobre os conflitos nas produções em equipe, Morin lança luz sobre o

protagonismo dessas relações, no sentido de que são repletas de sentidos.

Em abordagem teórica sobre processos coletivos, Salles (2011) retoma a analogia

que Eisenstein (1987, p. 101) faz da produção cinematográfica com a construção de pontes e

o trabalho do músico pela análise de que “[...] nunca toquei numa orquestra, mas acredito que

uma estranha ocupação leva as pessoas ora a se envolverem, ora se divorciarem do traçado tão

especial da ação coletiva [...] é o coletivismo do trabalho, quase uma dança marcada

coletivamente, que une o movimento de dezenas de pessoas numa única sinfonia”.

A autora traz a analogia de Eisenstein para fundamentar que, embora o

entrelaçamento de atos individuais com a ação geral possa parecer óbvio a primeira vista, essa

relação estabelece relevância nos processos em equipe, “[...] mas, sob a perspectiva dos

estudos sobre processo, tem desdobramentos instigantes para refletir sobre o modo de ação do

coletivo: são indivíduos ou sujeitos que viabilizam as produções em equipe” (2011, p.3).

São duas reflexões sobre o coletivo que trazemos para o campo do jornalismo.

Assim, como já observara Salles, parece ser fundamental levar em conta tanto a colaboração e

a competição que levam a conflitos (descrito por Morin), como o entrelaçamento de ações

com hierarquias e funções diferenciadas (atraente para Eisenstein). Trago essas referências,

tendo como embasamento a discussão já desenvolvida por Salles, de que os estudos sobre

processos são instigantes, na escala do coletivo, para se desenvolver pensamentos sobre tais

questões.

Ao estabelecer esse diálogo sobre a criação em processos coletivos, Salles produz a

base para a conceituação sobre autoria em um contexto de colaboração coletiva e, ao mesmo

tempo, individual.

Os acompanhamentos de diferentes percursos da criação, que venho

fazendo ao longo de minha pesquisa, associados às reflexões de Colapietro, geram

um conceito de autoria nesse espaço de interações múltiplas. É uma autoria

distinguível, porém não separável dos diálogos com o outro; não se trata de uma

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74

autoria fechada em um sujeito, mas não deixa de haver espaço de distinção para seu

modo específico de ação. A autoria se estabelece nas relações, ou seja, nas

interações que sustentam a rede que vai se construindo ao longo do processo de

criação (SALLES, 2011, p. 3).

Uma autoria que é sedimentada em processos coletivos que, por sua vez, desenvolve-

se na interação dos indivíduos (sujeitos em rede de interações múltiplas), em meio a

colaborações, comandos e hierarquias. Daí a complexidade da rede, responsável pelos

processos coletivos.

A reflexão sobre autoria a que nos remetemos emerge em um cenário do sujeito

fazendo escolhas. Mesmo a ação em escala individual, dá-se em meio ao coletivo. Em uma

autoria distinguível, mas inseparável dos diálogos com o outro.

Essa relação da produção individual, mas conexa ao coletivo ganha visibilidade na

fala do jornalista colaborador da Folha de S. Paulo, Rodrigo Vargas. Embora até possa

remeter, em um primeiro momento, que o trabalho nesta modalidade de atuação seja mais

isolado, até pelo cuidado da empresa para evitar um vínculo legal trabalhista com sua carteira

de jornalistas nesta categoria, ao explicitar sobre o seu dia a dia de trabalho, o profissional

transparece que contato com a equipe é intenso.

O jornalista primeiramente explica que Agência Folha é uma editoria à parte,

centrada nos correspondentes. “Essa editoria conversa com os correspondentes, pega os textos

e faz a revisão e é o representante da Agência Folha que vai à reunião de pauta, para mostrar

os assuntos dos correspondentes” (Informação verbal24

). Sobre a sua vinculação com os

profissionais da equipe, Vargas revela que o contato não apenas é permanente, como acontece

não apenas via editor do caderno, mas com demais membros da equipe.

Vargas observa que embora seja o jornalista Luis Eblak o coordenador da editoria e,

portanto, quem faz o contato com os correspondentes e define as pautas e coberturas, seu

contato também se dá intensamente com demais membros da equipe, mesmo com a distância

geográfica:

[...] o Luiz Eblak, chefe de reportagem, coordenador geral e é ele ou outro

membro da equipe (que fazem parte da coordenação da Agência Folha) que fazem o

primeiro contato, fazem sugestão de assunto, pedem alguma matéria e levam o

resultado para reunião de pauta. No dia a dia eu converso muito com a Raquel

Botelho (coordenadora adjunta) e a Denise Chiarato (Informação verbal25

).

24

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 25

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese.

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75

Paralelo ao contato com a equipe de jornalísticas, há, ainda, a influência da conexão

com o coletivo no que diz respeito a sujeitos e instituições a que o comunicador estabelece

contato no processo de captação do conteúdo a ser informado (bancos de dados, documentos

oficiais, documentos secretos entre outras possibilidades de obtenção e dados) e que, por

vezes, dão novos direcionamentos à cobertura jornalística. Há também as fontes às quais os

jornalistas recorrem para obtenção de entrevistas, checagem de dados, enfim, a busca por

diferentes versões e análises em torno de um mesmo tema.

O jornalista Rodrigo Vargas, colaborador do jornal Folha de S. Paulo cita um

episódio, desencadeado a partir dessa adição de sujeitos ao longo de seu trabalho, que

significou muito em sua cobertura jornalística. O profissional faz referência a um relatório do

Ministério Público Federal sobre a área em disputa em Marãiwatsédé. O documento revelou

que um terço das terras em disputa na localidade estava na mão de vinte e duas pessoas, entre

elas, um grande grileiro da região que “ficou milionário com essas invasões, tanto que depois

acabou sendo preso na operação Pluma da Polícia Federal”, lembra Vargas (Informação

verbal26

). Embora os membros do MPF não tenham atuado diretamente na cobertura

jornalística, fica evidente que ação deles somou à trajetória do fazer jornalístico, esta, por sua

vez, poderia ter sido outra, na possiblidade de inexistência deste material.

Esse relatório foi a primeira vez que os reais interesses por trás daquilo ali

foram revelados, até porque um jornalista pode ir ali e se comover com as histórias e

pessoas, e se comover de um modo que começa a defender aquela situação, por isso

se corre o risco de se deixar levar por isso, não necessariamente se você visitar o

local você encontrara a realidade, afinal você pode se deixar levar e escrever algo

que não represente o que realmente está por trás daquilo e acabar sendo um

instrumento não para ajudar, mas sim quem levou as pessoas a aquela situação,

quem promoveu a situação como um todo. Afinal quem entrou no primeiro

momento sabia o que estava acontecendo, a construção do Posto da Mata ao redor

daquele posto de gasolina, foi orquestrada, tiveram reuniões para definir aquilo

(Informação verbal27

).

Essas fontes são autoridades, especialistas no assunto ou na área referida, pessoas

ligadas ao fato retratado. Fontes que adquirem diferentes dimensões, que podem ser alteradas

26

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 27

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese.

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76 de acordo com o fundamento, interesse e localização do sujeito entrevistado, a partir do

contexto de onde se fala (LAGE, 2001) 28

.

Há também os sujeitos que atuam no interstício da produção jornalística e que podem

ter interferência em sua dinâmica, sendo esses os administradores do empreendimento,

investidores, homens de negócio, fontes financiadoras- que podem ser representadas pela

figura de empresas, governos, autarquias. Outro elo do encadeamento jornalístico.

Em meio a esta cadeia sígnica envolta na produção jornalística, não se pode deixar

de mencionar, claro, o primeiro e último de toda a tessitura da atividade: o leitor. Personagem

que ganha potência quando nos referimos ao jornalismo no contexto de evolução tecnológica,

onde a interatividade maximiza a participação, produção e retroalimentação de conteúdo e

consumo.

2.5 JORNALISTA MEDIADOR

A imersão na dinâmica jornalística evidencia o mecanismo da mediação como

partícipe do processo, no sentido de vigorar como uma espécie de campo gravitacional da

atuação jornalística. Tendência identificada como um modo de ação que persiste pela

dinâmica de trabalho da imprensa e cuja variabilidade atua como direcionadora, no sentido de

reger um modo de ação na área.

Ao falar sobre entrevista jornalística, como diálogo interativo entre os sujeitos e que

gera de fato comunicação, Künsch (2000) aponta para a presença do jornalista-mediador,

neste contexto.

Tendência que opera não apenas em uma produção jornalística isolada, mas atua em

todo o processo de criação do jornalista. O alcance das significações e sentidos gerados a cada

reportagem é destacado por Eliane Brum. A autora não apenas evidência essa dimensão,

como algo intrínseco à rede de sujeitos envoltos no processo de produção em equipe de uma

reportagem, como também a baliza como responsável por sua transformação como

profissional e pessoa. “Se um dia eu voltar a mesma de uma viagem para o Amapá ou para a

28

Lage (2001, p. 62-71) ao teorizar a natureza das fontes jornalísticas propõem uma classificação de acordo com

o que denomina como natureza das fontes. O autor descreve a natureza das fontes sendo mais ou menos

confiáveis, pessoais, institucionais ou documentais. Classifica como “oficiais”, instituições que preservam algum

poder de Estado; “oficiosas”, as que não estão autorizadas a falar em nome de uma organização ou personalidade

e “independentes”, as organizações não governamentais. Ele aponta as fontes “primárias” e “secundárias” na

perspectiva da sua relação direta e indireta com os fatos, respectivamente. Ainda indica as “testemunhas”, que

presenciam os fatos e os “experts”, especialistas em determinados assuntos e que interpretam os eventos. O autor

não relaciona entre as fontes, as organizações em geral, não oficiais, nem as suas ações.

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77 periferia de São Paulo, abandono a profissão”, conta Brum (2013, p. 9) ao lembrar que

renasce e se recria a cada reportagem. Temos, então, evidenciada a ideia da inevitável

mediação.

Discutir o jornalismo em processo implica observar os meandros da atividade em

busca dessas articulações e significações que levaram a determinados desfechos. Isso, em um

contexto de apuração em que a referência à mediação não é apenas material, em termos de

significações produzidas no contato com pessoas recorridas para obtenção de dados, mas

imaterial no tocante às relações culturais, econômicas, estruturais, entre outras, envolvidas

neste contexto de elaborações.

Significações e descobertas que nem sempre estão estampadas em falas aspadas, mas

nas entrelinhas e na composição orquestrada de uma reportagem:

É preciso calar para ser capaz de escutar o silêncio. Olhar significa sentir

o cheiro, tocar as diferentes texturas perceber os gestos, as hesitações, os detalhes,

apreender as outras expressões do que somos. Metade (talvez menos) de uma

reportagem é o dito, a outra metade o percebido. Olhar é um ato de silêncio (BRUM,

2013, p. 191).

Aqui podemos trazer a discussão de que tratamos de um conceito de criação no

contexto da mediação em que temos as marcas da subjetividade, no permanente embate com a

dita objetividade jornalística.

A jornalista colaboradora do jornal O Estado de S. Paulo, Fátima Lessa aponta para a

ideia de objetividade jornalística como um lábaro ambicionado em sua cobertura ao explicar

que “Quando eu escrevo tento não trazer apenas o olhar do dominante, para que daqui a

algum tempo alguém olhe para essa desintrusão de Marãiwatsédé e veja todos os lados”,

observa (Informação verbal29

).

Essa visão de influência positivista no jornalismo é apontada por Medina (2008)

como preponderante na defesa pelo distanciamento do jornalismo ao conceito de autoria ou

mesmo para a negação da presença do repórter no conteúdo elaborado. A autora articula a

ideia de que o positivismo é um princípio recorrente na ciência e também no jornalismo.

Essa ponderação remete à preocupação de que o olhar sobre o processo jornalístico

não pode ficar, portanto, restrito apenas ao produto final resultante na matéria jornalística.

Isso porque até mesmo a linguagem jornalística é constituída de forma que essas significações

29

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A

desta tese.

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78 não sejam perceptíveis. Para investigar a complexidade em que os produtos midiáticos são

elaborados faz-se obrigatório passar pela singularidade da atividade, que também é tecida por

cheiros, hesitações, detalhes e mesmo ausências que só serão notadas, se forem percebidas.

Ao compasso do que revela a jornalista Eliane Brum, em ‘O olho da rua. Uma

repórter em busca da literatura da vida real’ ao destrinchar parte do meandro de suas

reportagens, a jornalista deixa explícito a presença do jornalista mediador no contexto de

produção da área. A obra é uma seleção de dez reportagens suas publicadas na revista Época

acopladas a notas e comentários da autora sobre suas reportagens.

Em uma análise sobre a dinâmica de uma de suas matérias ‘Floresta das Parteiras’,

Brum descreve o que designa como reportagem por cesariana. A jornalista revela não apenas

o contexto de apuração para a realização de referido material, sobre as parteiras no Amapá,

mas também menciona sua recém-inserção na empresa jornalística e a dinâmica de pauta do

veículo. Dessa foram, de maneira indireta, demonstra como esses elementos também são

constitutivos na atividade.

Cometi o mesmo erro dos médicos. Não esperei o tempo do parto. Era

minha primeira reportagem na Época. [...] partimos para o Amapá para fazer a

reportagem em quatro dias. Na sequência, faríamos uma entrevista com Roseana

Sarney, na sua casa, em São Luiz (BRUM, 2013, p. 36).

Ao apontar que toda reportagem tem seu tempo, a hora de acontecer, Brum dá

indícios de que esse tempo adquire configurações específicas também de acordo ao contexto

em que os fatos correm. “Quatro dias na Amazônia não são nada. As distâncias são enormes,

difíceis, a natureza impõe respeito. E o tempo da cidade ou o deadline da redação são uma

sandice que eles nem compreendem ” (BRUM, 2013, p. 36).

O relato traz uma conjunção de fatores que adquirem relevância no jornalismo em

processo. É justamente esse movimento que envolve entre muitas outras características o

acaso, o inacabamento intrínseco à continuidade e que ganha protagonismo no contexto da

mediação. Os recortes de dados, acontecimentos dispersos, fontes que podem ser captadas de

forma aleatória, adquirem significado singular no contexto de produção individual do

jornalista pela mediação.

Caminho de mediações que podem levar a desfechos diferenciados na cobertura

jornalística; tendência apontada pela Jornalista Fátima Lessa, ao explicar que decide por

aceitar determinada cobertura, por entender que o desfecho do trabalho a ser realizado por

outro profissional, poderia ser outro:

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79

As vezes a visão de quem vai fazer a matéria é o lado da terra produtiva e

fica com dó dos fazendeiros, mas não leva em consideração a invasão da terra

indígena. Isso é um discurso repetitivo sim, é um discurso repetitivo, porque o

invasor é o branco que entrou lá e usou de poder político e envolvimento com juízes,

isso as pessoas não veem. Aí eu faço questão de cobrir com todo sacrifício para não

deixar passar isso, porque eu ouvi todos os lados (Informação verbal30

).

30

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A

desta tese.

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80 3 EM BUSCA DE CONEXÕES NA COBERTURA JORNALISTICA

A imersão pelo fazer jornalístico, tanto no contexto do repórter envolvido, como do

editor responsável pela cobertura em questão, deflagra diferentes dimensões que orbitam

neste campo da ação. O eixo condutor dessa reflexão foram os critérios de cobertura da área.

Elementos que apareceram ao perscrutar seu processo, seja a partir dos diálogos com os

jornalistas em relação a sua própria dinâmica de produção, seja pelos documentos de

processo, ou pela estrutura organizacional de produção das empresas de comunicação e de

seus profissionais e até mesmo pelo contexto de apuração dos acontecimentos.

O que se evidenciou neste estudo foram os princípios do jornalismo com vistas em

seu processo de produção31

. Uma vez que se buscou refletir sobre os procedimentos que

tornam essa construção possível (índices de pensamento em processo) pelo qual se propôs

modos de leitura (SALLES, 2006).

Assim, adentra-se na discussão processual do jornalismo tendo como eixos de análise

os direcionamentos que propulsam ao longo da ação da imprensa, identificados a partir do

olhar envolto aos critérios de cobertura que atuam neste contexto. São redes de inferências do

processo jornalístico ligados à multiplicidade das relações que a mantém (SALLES, 2008, p.

119). Apresenta-se esta reflexão pela identificação e desenvolvimento dos eixos: Expansão do

fazer jornalístico; Deslocamentos na cobertura jornalística- do local ao global; Mobilidade da

equipe; Fontes de informação e Conflito e catástrofe em catarse.

3.1 COBERTURA JORNALÍSTICA E INTERAÇÕES NO FAZER

As entrevistas sobre a atuação dos jornalistas envolvidos na cobertura estudada em

profundidade nesta tese e o olhar sobre seu o processo deflagraram uma série de conexões não

apenas no campo teórico da comunicação, mas a outras produções jornalísticas. Associações

que, embora não tenham surgido de forma intencional, ampliaram o escopo do estudo não

apenas sobre um acompanhamento específico da imprensa, mas sobre o processo de cobertura

jornalística, em especial no tema socioambiental.

Dessa forma, há uma evidente vinculação de uma cobertura jornalística com outros

trabalhos de acompanhamento da imprensa. Em especial nos trabalhos que envolvem assuntos

31

O termo produção é relacionado neste estudo à concepção do elaborar algo, de produzir conteúdo no contexto

do processo comunicativo da imprensa industrial. Embora marcada pelo procedimento de produção em escala,

logo que visa à reprodução, seu processo de produção também passa necessariamente pela singularidade dos

sujeitos envolvidos para a sua elaboração.

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81 que tenham proximidade de tema. Essas conexões surgem no contexto das redações, uma vez

que os jornalistas, tanto editores como repórteres, fazem essa relação direta sobre outros

trabalhos desenvolvidos, sejam atuais, anteriores ou mesmo referentes a temas em evidência

ao falarem sobre o seu processo de produção.

Assim, o fazer jornalístico é articulado em meio a essa rede de associações. Salles

(2008, p.169) identifica e reflete sobre o processo de criação e sua tendência relacional ao

propor pensar as redes de criação em continuidade e inacabamento como uma rede complexa

em permanente devir. “A obra se dá no estabelecimento de relações, ou seja, na rede em

permanente construção, que fala de um processo, não mais particular e íntimo” (SALLES,

2008, p. 170).

A interconexão na dinâmica jornalística funciona como um catalisador de

experiência e conhecimento para outras produções e critérios comuns. A cobertura sobre o

processo de desintrusão em Mãraiwatsédé, entre 2012 e 201332

, por exemplo, não é

especificada sem antes o editor do Caderno Nacional do jornal O Estado de São Paulo,

Milton Rocha, retomar outros trabalhos já produzidos e ligados ao mesmo tema, mas em

regiões e espaços temporais diferentes

Nós fizemos várias coberturas sobre esse assunto tanto no Mato Grosso

quanto no Mato Grosso do Sul, que passava pela mesma situação, a invasão das

áreas da fazenda do Moacyr de Moraes, que o INCRA comprou, mas não soube

distribuir e aquilo se tornou uma verdadeira favela. [...] Isso que aconteceu em Mato

e Mato Grosso do Sul também aconteceu no Amazonas. No Amazonas os índios

foram acusados de matar um policial e o motivo é a falta de acompanhamento e

chega uma hora que eclode, nós mandamos pessoas para lá (José Maria Tomasella),

para ver que as pessoas de lá estavam querendo matar os índios, e isso acontece

muito (Informação verbal33

)

São equipes e situações distintas, com atuação em cidades e estados diferentes, mas

que alçam esferas relacionais quando pensadas pela dinâmica da cobertura da produção

jornalística desenvolvida na mesma editoria. Apesar de não estarem em contato direto, suas

dinâmicas de apuração, critérios de cobertura e captação de dados estão conexos.

O editor de Nacional do jornal Folha de São Paulo, Luis Eblak também aponta para

outra cobertura da imprensa ao explicitar a sua dinâmica de trabalhos de acompanhamento na

área socioambiental:

32

Processo de retirada de não índios de área .... 33

Entrevista concedida por ROCHA, Milton. Entrevista III. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C

desta tese.

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82

É um exemplo de um assunto que está até hoje na pauta. No primeiro dia,

no dia que aconteceu a tragédia, a gente deslocou o correspondente de Minas Gerais

para Mariana. A gente foi o primeiro veículo a chegar em Mariana. Primeiro grande

veículo a chegar em Mariana. Mas, assim, essa cobertura teve vários braços, não

ficou só com José Marques, que é o correspondente em BH. Ele foi deslocado para

Mariana, a gente contou com freelancer. É Teve alguns dias que o José Marques

estava lá. A gente contou com mais freelas para fazer. Diferentes assuntos estavam

acontecendo ao mesmo tempo no mesmo lugar, a gente precisava de mais gente. A

gente deslocou não só gente daqui para ir para lá, gente do caderno cotidiano foi

fazer outro tipo de pauta. Enquanto a gente estava lá, no factual, o cotidiano

percorreu a área onde estava se deslocando a lama do rio Doce. Então assim, foi

uma cobertura que a gente usou muitos profissionais, de diferentes áreas.

Eventualmente... Tinha assunto... A lama ainda não tinha chegado no Espírito Santo,

eu já tinha acionado o colaborador do Espírito Santo. Quando a lama chegou, a

gente mandou repórter daqui para Espírito Santo, então... É uma das maiores

tragédias ambientais não só no Brasil. É um assunto que continua na pauta. Até hoje

tem assunto na pauta sobre isso e vai continuar. Tem muitos pontos ainda não

esclarecidos. Então, é um exemplo de uma cobertura continuada (Informação

verbal34

).

O editor do caderno de Nacional do jornal O Estado de S. Paulo, Milton Rocha,

sinaliza essa tendência de interação no fazer da cobertura jornalística. Ele também utiliza

como referência o rompimento da Barragem em Mariana (MG), de forma a explicitar sua

dinâmica de trabalho na direção do caderno35

ao referir sobre o trabalho em Mãraiwatsédé:

[...] tem o caso de Mariana, onde pensamos nas igrejas e lugares

históricos, tem uma postura muito religiosa, aí acontece uma desgraça dessa, onde

uma barragem racha e acaba com um distrito da cidade, e tem outras barragens que

também estão assustando, por estarem sendo reparadas. Então, nós mantivemos

gente em Mariana e em Minas Gerais, em Belo Horizonte, porque ele descobriu que

vai ter um substitutivo de mineração da assembleia, levado pelo governador atual

por causa do que aconteceu lá (Informação verbal36

).

Desta forma, a associação entre o tema socioambiental inicialmente estudado, sobre

o processo de cobertura jornalística da desintrusão em Marãiwetesédé, com a cobertura do

rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco em Bento Rodrigues, distrito de

34

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese. 35

A editoria de Nacional do Jornal Estadão, do grupo Estado, é formada por dois editores. O sistema de

repórteres é composto por jornalistas colaboradores e os que integram a equipe de repórteres do jornal e que

embora atuem em outras editorias do Diário, também cobrem pautas deste caderno. Embora esses profissionais

não sejam fixos apenas nesta segmentação, eles são enviados ou fazem da própria redação reportagens especiais

pelo Brasil e países vizinhos para o caderno de Nacional. O quadro de correspondentes/colaboradores contava

com cerca de 30 jornalistas ativos, em março de 2015. 36

Entrevista concedida por ROCHA, Milton. Entrevista III. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C

desta monografia.

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83 Mariana (MG)

37 em 2015, surge de maneira espontânea na fala dos jornalistas e também por

isso torna-se referência na pesquisa.

A alusão aos critérios de coberturas do rompimento da barragem foi apontada pelos

editores como exemplo, ao detalhar a escala de decisões, organização da equipe, definição de

pauta e dinâmica de funcionamento do trabalho de cobertura jornalística diária em temas

desta área. Característica que ampliou o estudo sobre o processo de cobertura jornalística

também em relação a suas articulações com outros trabalhos da imprensa. Aqui surgiu, então,

um aspecto significativo na perspectiva processual da cobertura jornalística, que é a interação

do fazer nesta área.

São encadeamentos que, embora nem sempre perceptíveis de maneira direta no

conteúdo veiculado, estão intrínsecos à dinâmica do jornalismo. Característica que

impossibilita olhar o processo de maneira isolada. De modo que determinado

acompanhamento, embora tenha sua especificidade espaço-temporal, não está desconexo de

outra produção da imprensa.

Esta tendência de interação do fazer jornalístico permeia a dinâmica da área e

manifesta-se em diferentes momentos, seja na pauta, no campo de apuração, ou mesmo na

edição do material produzido. Não que surja como algo mágico, mas calcado na prática.

Muito embora, a rotina de segmentação da cobertura jornalística e o formato de contratação

dos profissionais na grande mídia, por vezes, possa até mesmo dificultar essa tendência. O

jornalista Rodrigo Vargas38

, que atuou como correspondente da Folha de S. Paulo em Mato

Grosso do Sul e Mato Grosso e atualmente consta como colaborador do periódico, comenta

esse aspecto:

É difícil, exemplo é a questão política onde muitas vezes somos levados

por uma impressão, se você não está o dia inteiro na cobertura, você não conhece

quem é a pessoa. Às vezes alguém fala que essa pessoa diz uma coisa numa matéria

e depois muda, esse conhecimento de bastidores para o correspondente, que tem que

tratar de vários temas, fica prejudicado, já que as fontes às vezes não são específicas,

já um repórter de política está todo dia atrás de informação. Exemplo dessa

dificuldade é o estouro da barragem de Mariana, o correspondente de Minas não está

vendo nada, não está indo à assembleia legislativa, não está falando com fonte sobre

nenhum assunto, é um cara que está o dia inteiro em Mariana cobrindo só aquela

37

Rompimento da barragem no dia 5 de novembro matou 19 pessoas.Considerado por especialistas e pelo

governo federal como a “maior tragédia ambiental da história do Brasil’, estima-se que cerca de 40 milhões de

lama foram derramados com rejeitos da mineradora Samarco, controlada por duas gigantes: brasileira Vale e

anglo-australiana BHP Biliton. O acidente atingiu 1.469 hectares de terra, incluindo Áreas de Preservação

Permanente e reservas indígenas. 38

Jornalista Rodrigo Vargas atuou como correspondente do jornal Folha de S. Paulo em Mato Grosso do Sul por

dois anos de meio, a partir de2007. Depois desse período, continuou como correspondente do periódico em Mato

Grosso, até o ano de 2011. Atualmente atua como colaborador do jornal.

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84

questão e está tendo que aprender sobre barragens e o setor de mineração

(Informação verbal39

).

Assim, em oposição à tendência de interação no fazer jornalístico, esse cenário

referenciado por Vargas nas empresas, também dificulta ou mesmo interfere no desempenho

do repórter. Uma vez que o profissional acaba por ter que atuar de forma aleatória, em pautas

em que não têm histórico de cobertura. Embora esse contexto não seja diretamente explícito

no material jornalístico publicado, fica a reflexão disso na produção da área, conforme,

identifica Vargas e que pode resultar em um conteúdo sem densidade. Afinal, o desafio de ter

que aprender é imediato, pois, o deadline não espera o tempo da reportagem para a

identificação aprofundada do contexto, ou informações de bastidores.

Outra característica atrelada à tendência de interação no jornalismo é que essa

dimensão se evidência tanto na relação com outras coberturas, como no contexto de produção

de um mesmo acompanhamento. Eblak, ao comentar sobre as matérias veiculadas sobre

Marãiwatsédé, descreve a dilatação do fazer jornalístico, em que uma pauta transcende a de

outro repórter e, por sua vez, assume proporção imprevista, no sentido de entrelaçar temas e

profissionais dispersos em um mesmo trabalho de cobertura. Embora separados

geograficamente e, teoricamente, com pautas distintas, os repórteres tiveram uma mesma

matéria veiculada.

Então aqui, ó, o que o jornal fez; mandou o correspondente. O Aguirre

acho que na época estava em Belém, não sei dizer ao certo, eu não estava aqui. O

jornal mandou alguém para acompanhar o fato e o Daniel fazia daqui (São Paulo). O

Daniel era da equipe dos repórteres de São Paulo. Posteriormente o Daniel foi para...

Ele O Estado de S. Paulo se tornou correspondente no Recife e aí, então, que ele se

transferiu para o Estadão. O Aguirre está em Brasília, está na sucursal de Brasília

(Informação verbal40

).

O material jornalístico em questão refere-se a um levantamento sobre o aumento do

número de conflitos territoriais envolvendo índios nos últimos seis anos e a redução de

homologações de terras indígenas no Brasil.

Em síntese, a reportagem41

reúne dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),

opinião de especialistas em São Paulo e de lideranças de povos indígenas e o contexto sobre

39

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 40

Id. 2016, p. 69. 41

Na reportagem jornalística a pauta, o enfoque da apuração e o texto têm papel central para a definição deste

gênero. A reportagem jornalística é definida por teóricos na área também por sua diferenciação em relação à

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85 esses conflitos em evidência no Brasil, a partir de informações de jornalistas que estão

acompanhando nesses locais. Entre os enfrentamentos descritos e contextualizados na

reportagem está justamente o acompanhado pelo jornalista Aguirre Talento. O repórter na

época fora o enviado ao conflito em Altamira (PA) sendo um dos autores do referido material.

O conteúdo jornalístico também foi assinado pelo jornalista Daniel Carvalho, da sucursal da

Folha de S. Paulo. O material também aponta o conflito em Marãiwetesédé, mas não como

eixo central do conteúdo jornalístico em questão. Conforme figura 1.

Figura 1 - Conflito territorial envolvendo indígenas

Fonte: Talento e Carvalho (2012).

A reportagem apresentada na figura traz a interação do fazer jornalístico quando

considerado as relações entre coberturas. Embora o referido conteúdo conste no rol de

publicações sobre Marãiwetesédé (obtida por meio do controle serviço de busca do jornal), o

tema central noticiado também está vinculado a outras coberturas jornalísticas relacionadas a

conflitos territoriais e homologações de terras indígenas no Brasil.

O aprofundamento sobre o processo implica em adentrar por essas coberturas da

imprensa, não apenas por escala temporal, temática, restritas às reportagens veiculadas ou

notícia, caso de Juarez Bahia e José Marques de Melo. Ao caracterizar a reportagem como uma notícia ampliada,

Bahia (1990) define que reportagem é notícia, porém o inverso não. Desta forma, para o autor, a notícia não

muda de natureza, mas muda de caráter ao evoluir para a categoria de reportagem. Sendo a reportagem um tipo

de notícia com regras próprias e que, por isso, adquire um valor especial. A reportagem é concebida também

como gênero autônomo, independente da notícia, Lage (1993, p. 61) identifica que a reportagem faz um

levantamento de um assunto, conforme ângulo estabelecido. O autor define a reportagem como um gênero

jornalístico que consiste no levantamento de assuntos para contar uma história verdadeira, expor uma situação ou

interpretar fatos. Outro elemento formador da reportagem, identificado por Lage, está em seu ponto de origem.

Para o autor, a notícia e a reportagem distanciam-se a partir do projeto de texto – pauta.

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86 qualquer outra medida rígida, mas pela complexidade inerente ao fazer jornalístico. E

considerando as associações típicas do processo de produção da área, apresentadas neste

estudo pela reflexão em torno da interação do fazer jornalístico.

3.2 DESLOCAMENTOS NA COBERTURA DO LOCAL AO GLOBAL

Do species42

quotidiano ao seu simulacro43

, dá-se a expansão de um acontecimento

alçado à categoria de notícia. Pautas e fatos particulares ganham dimensão global, não

exclusivamente por serem noticiados e, consequente, acessados por um público maior. Mas,

também, pela dinâmica de processamento organizacional da mídia, em uma simbiose de

temas locais que estabelecem efeitos expansivos com outras pautas, de forma direta ou

indireta. Como o rompimento da barragem em Mariana, no qual a imprensa passa a focar o

tema barragem, trazendo não só regiões antes desconhecidas, mas abordagens intocadas

anteriormente.

Há um deslocamento não só de interesse, mas daquela realidade específica que ganha

um efeito expansivo e passa a ser acompanhada diariamente pela mídia. São extraídas pautas

da mesma temática, como no ocorrido com o rompimento em Minas Gerais que acabaram

sendo direcionadas para outras barragens em locais dispersos do País. Outra dimensão de

cobertura neste contexto, refere-se a desdobramentos do mesmo acontecimento que são

investigados no local ou mesmo se o acontecimento específico gera reflexos em outras

regiões,

É como teve essa grande tragédia no ano passado, passou a ser um

assunto muito importante. Você até teve alguns acidentes menores em outros

períodos, mas não tiveram essa proporção. Esse acidente chamou atenção “peraí,

isso é importante, isso precisa ser olhado, precisaria ter fiscalização, precisaria ter

um trabalho que talvez não foi feito”. E o trabalho da Imprensa é tentar responder

isso (Informação verbal 44

).

Deslocamentos esses que estão vinculados ao fazer na área, em sua prática cotidiana.

Nos quais o jornalista busca vincular temas já em evidência e que eclodiram em um espaço

determinado, mas que deslocam esta temática e realidade para outros ambientes.

42

Forma visível do real, sua essência ou sua verdade. Spectabilis é o visível; spetaculum, a festa pública,

spetaculare é ver com os olhos do espírito. Espetáculo pertence ao campo da visão. 43

Marilena Chaui (2006) analisa a produção da mídia com o efeito do ao vivo, em que há o espetáculo midiático

orquestrado para a sua transmissão planetária. A reflexão da autora não está calcada no espetáculo, mas ao que

sucede a isso, quando capturado, produzido e enviado pelos meios de comunicação. O que foi assistido não é o

que aconteceu, em tua totalidade, mas o seu fantasma, seu simulacro. 44

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese.

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87

Há também a dinâmica de relacionar pautas específicas de uma região com as de

outras localidades, o acontecimento referido no conteúdo jornalístico pode ser até paradoxal,

mas em todos esses movimentos descritos, há deslocamentos do local ao global em que a

noção restrita de espaço é maximizada.

O editor do caderno Nacional do O Estado de S. Paulo, Milton Rocha, revela essa

tendência de deslocamentos em um contexto de associações de coberturas em sua dinâmica de

trabalho. Ele cita como exemplo coberturas jornalísticas desenvolvidas em espaço temporal

concomitante, mas por grupos de profissionais distintos e em diferentes localizações do País.

O trabalho das equipes foi coordenado concomitante para que assim fossem veiculadas no

periódico em um mesmo momento,

[...] no Piauí, eu peguei um repórter, em Terezina, para fazer a matéria

sobre a influência da seca na criação de bovinos e etc, e eu sei que ele vai fazer bem.

Eu peguei no Sul que vai fazer sobre os prejuízos da chuva. Essas matérias vão sair

juntas com o material de economia, então, teremos o sul e o nordeste, o pior de

ambas as partes, já que as chuvas destruíram muita coisa no Sul e no nordeste, o

Piauí. A gente reclama da chuva aqui em São Paulo, mas vai lá sofrer o que eles

sofrem. Eu falo que estamos fazendo uma matéria no Sul e eu quero uma parecida aí

no nordeste, explica a morte do gado pela seca, destruição de plantações

(Informação verbal45

).

Também pela dinâmica de processamento da mídia, em uma simbiose de temas

locais que estabelecem efeitos expansivos com outras pautas, há o deslocamento de

acontecimentos locais que ganham dimensão nacional. Não que essa relação, já não fosse

existente, mas é exatamente por atingir a esse deslocamento que a cobertura jornalística ganha

maior espaço no veículo de comunicação e visibilidade, conforme revela o colaborador do

jornal Folha de S. Paulo, Rodrigo Vargas:

Assim no período que eu tive contratado eu emplaquei muita matéria,

tenho oitocentas e de tudo quanto é assunto, mas eu sentia que a Folha quer ser um

jornal nacional, logo não tem espaço para todo mundo e as vezes o que eu achava

que merecia atenção, saia como uma nota ou noticia compactada. Exemplo é uma

matéria sobre desmatamento que eu fiz. Me mandaram pra Alta Floresta e eu entrei

em contato dizendo que de carro não seria possível e eles arranjaram uma hora de

avião pra tirar fotos e filmar para matéria, ai entrei em contato com o pessoal do

ICV pra descobrir onde teria possíveis pontos de desmatamento e voamos até lá e

tinha um trator derrubando as árvores, saiu como manchete no outro dia,

“Desmatadores desafiam Governo”, aí sim eles pediram pra que ficássemos

45

Entrevista concedida por ROCHA, Milton. Entrevista III. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C

desta tese.

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88

acompanhando de perto o que estava acontecendo aí ficamos mais duas semanas

escrevendo matérias ( Informação verbal46

).

A matéria sobre um desmatamento na região de Alta Floresta, município no extremo

norte de Mato Grosso, a 830 km da capital do estado, não só ganhou destaque, como foi a

manchete do jornal Folha de S. Paulo. Isso em um jornal que privilegia uma cobertura

nacional, conforme relato de Vargas. Ao relacionar, diretamente, o desmatamento no extremo

norte do País como um enfrentamento ao Governo Federal, o jornalista alça o deslocamento

do acontecimento reportado, de uma escala local à nacional e de interesse global por tratar de

meio ambiente.

Ao identificar essa tendência de deslocamento da cobertura jornalística, o repórter

detalha que passou a articular suas matérias de forma a inserir essa dinâmica em sua atuação

diária ao rastrear pauta e também em seu trabalho de apuração e produção da reportagem.

Vargas explicita que uma matéria relevante em Mato Grosso pode não ser para alguém que

more em Caxias do Sul, então é necessário buscar ‘brechas’ para poder colocar seu material.

[...] por isso você tem que estar ligado, às vezes acontece de uma discussão nacional ter um

exemplo na sua região. Em minha opinião o correspondente precisa saber disso, como as

questões locais se inserem na discussão nacional sem forçar a barra (Informação verbal47

).

A relação, tensão, hibridação do local e global não é uma discussão recente. Pires

(2014, p. 70) lembra que em múltiplos campos das ciências sociais aplicadas, como na

educação, nas ciências da informação, na publicidade, jornalismo entre outras, as tensões já

estabelecidas e reconhecidas entre os âmbitos local e global são vistas agora como ainda mais

aguçadas, com o processo de globalização.

Moraes (1998), em sua tese de doutorado, analisa que na sociedade global foram

alteradas as mediações em que se inserem o todo e as partes, em que o universal, o particular

e o local passam a ser também global.

46

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 47

Id. 2015, p. 74.

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89

A resistência, a oposição se demarcam no próprio limite de afirmação da

situação ao qual se contrapõem. Suas fronteiras se entrelaçam, se ligam pela

condição mesma de suas existências: lados opostos de uma mesma moeda. [...] Vale

destacar que o global e o local implicam- -se reciprocamente, em articulações

sincrônicas e diacrônicas diversas, desde convergentes e antagônicas. São

totalidades bastante articuladas, cada uma a seu modo, mas reciprocamente

referidas. As identidades do local e do global embaralham-se, multiplicam-se e

(re)territorializam-se em outros espaços, com outros significados (MORAES, 1998,

s/p).

Embora os termos remetam inicialmente a pressupostos contraditórios, paradoxais e

dialéticos estão cada vez mais próximos, aponta Rocha (2014, p. 155). Uma vez que “local e

global estão interligados pelas mesmas configurações que os separam no processo social,

onde a internet parece ser o expoente que melhor configuraria esse estágio. Santos (2006, p.

218) sustenta que “a localidade se opõe à globalização, mas também se confunde com ela. O

mundo, todavia, é nosso estranho”.

Peruzzo (2005) aponta para a retomada da questão e indagações em torno do local e

dos meios de comunicação nos anos recentes por estudiosos da comunicação. Também faz

uma reflexão sobre porque há um revigoramento da mídia local no contexto da globalização e

sobre o que seria o local, nesta discussão as fronteiras entre esses tantos conceitos. Para a

autora, uma das respostas está justamente no campo das relações que envolvem “global-local,

local-regional-nacional, local-comunitário e local-global que envolvem os meios de

comunicação (PERUZZO, 2005, p. 73). Discussão que leva a questão das fronteiras, e, ao

mesmo tempo, a quebra de fronteiras (PERRUZO, 2013).

Mas a reflexão em torno da tendência de ‘deslocamentos na cobertura jornalística

não ambiciona especificamente uma discussão conceitual sobre a compreensão do termo local

e global, mas objetiva pensar sobre como essa tendência atua no fazer jornalístico.

São movimentos que não são automáticos, considerando que a notícia, ao ser

elaborada, perpassa pelas técnicas jornalísticas de captação de dados e produção de conteúdo,

portanto, são resultado de um conjunto de fatores estruturais e humanos e de decisões

editoriais, políticas e econômicas. Um fato ou acontecimento local não ganha dimensão global

apenas por ser noticiado, também o contrário não é verdadeiro: um acontecimento local não é

imediatamente noticiado, ou atinge à dinâmica de deslocamento da notícia apenas por ser um

assunto em evidência no cenário atual.

Sobre essa relação complexa, indiretamente Eblak aponta para a ideia de

deslocamento como uma tendência na cobertura jornalística, ao falar sobre assuntos em

evidência no cenário nacional que recebem atenção quando oferecidos por seus colaborados.

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90 Entretanto, o jornalista lembra que a decisão de cobertura e de espaço para o material no

veículo de comunicação também dependem de uma série de outros fatores:

[...] colaborador oferece um assunto desse, vai me chamar mais atenção,

mas isso não é regra também. O Grande desafio de ser jornalista é um pouco isso,

né, você é chamado por diferentes fontes, seja da sua equipe, seja externa e você

precisa saber diferenciar se isso realmente é uma grande notícia ou não. Às vezes,

um sujeito, às vezes, um leitor manda um e-mail para um jornal e chega e a gente

“ninguém vai dar bola para isso”, mas se o assunto for importante (Informação

verba48

).

Embora tenha significância, o fato da temática ligada ao acontecimento em questão

estar em evidência, a sua simples publicação não significa que a notícia atingirá um espaço

maior.

Um outro modo de se refletir a respeito dos deslocamentos na cobertura jornalística

está na discussão trazida por teóricos em uma análise crítica sobre a produção da imprensa no

contexto da comunicação de massa. Não em uma discussão centrada em tipificar a

comunicação de massa, ou mesmo variações com o avanço da internet e canais fechados de

televisão, mas interessada em pensar como esses trabalhos da imprensa, ao serem processados

em escala planetária, atingem os deslocamentos da cobertura jornalística. Ao se produzir

vigorosamente sobre determinado acontecimento, essa multiplicação de matérias por

diferentes ângulos e abordagem sobre um mesmo acontecimento produz o efeito de ‘estar’ no

fato por acompanhá-lo em detalhes. Todavia, “o desastre que viram não é exatamente o que

aconteceu, mas o fantasma dele” (CHAUI, 2006, p. 15).

O público passa a acompanhar diariamente um assunto, que, de tão perto e direto,

proporciona a sensação de realidade irrestrita e de que se acompanha tudo o que está

acontecendo naquele contexto, em um deslocamento na cobertura. Mesmo que o fato

noticiado tenha ocorrido do outro lado do globo, fica a sensação de que, pelo

acompanhamento ao vivo, a tragédia transmitida é exatamente o que está ocorrendo. Um

espetáculo de acompanhamento planetário.

O editor da Folha de S. Paulo, Luis Eblak remete a esse trabalho ininterrupto da

imprensa sobre um acontecimento trágico, em uma escalada de imagens. Essa tendência é a

de deslocamento referida. Assim como um fato isolado, fora do interesse dos meios de

48

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese.

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91 comunicação, também possa alçar a esse deslocamento, mesmo que o assunto em foco não

esteja em proeminência.

Eblak aponta esse contexto decisório como o desafio da profissão. “Isso aqui é

importante, ninguém está falando disso, mas eu acho que seja o caso de falar desse assunto.

Então por isso que é muito complexo esse trabalho, é muito difícil” (informação verbal49

). Há

um percurso sensível a ser percorrido pelos profissionais envolvidos neste contexto de decisão

e que pode ser falível. O editor relata essa tendência na escala de decisões de cobertura como

complexa, sendo que a sua simples publicação não é sinônimo de acerto.

O jornalista que falar que não erra, está mentindo. Mas é preciso levar em

conta que é muito complexo. É muito complexo você, num universo enorme, você

saber; não, isso aqui é importante, eu preciso destacar isso daqui isso daqui precisa

estar na minha edição do dia seguinte ou daqui uma semana. Não sei, isso é muito

complicado (Informação verbal50

).

É um exemplo de um assunto que está até hoje na pauta. No primeiro dia,

no dia que aconteceu a tragédia, a gente deslocou o correspondente de Minas Gerais

para Mariana. A gente foi o primeiro veículo a chegar em Mariana. Primeiro grande

veículo a chegar em Mariana. Mas, assim, essa cobertura teve vários braços, não

ficou só com José Marques, que é o correspondente em BH. Ele foi deslocado para

Mariana, a gente contou com freelas. Teve alguns dias que o José Marques estava lá.

A gente contou com mais freelas para fazer. Diferentes assuntos estavam

acontecendo ao mesmo tempo no mesmo lugar, a gente precisava de mais gente. A

gente deslocou não só gente daqui para ir para lá, gente do caderno cotidiano foi

fazer outro tipo de pauta. Enquanto a gente estava lá, no factual, o cotidiano

percorreu a área onde estava se deslocando a lama do rio Doce (Informação

verbal51

).

Ao refletir sobre o contexto da produção massiva, em especial, a televisiva e o efeito

do ao vivo como se fosse um acompanhamento global da realidade, Marilena Chauí não

centraliza a sua discussão no espetáculo, pelo contrário. Lembra que a dimensão do

espetáculo não é algo criado pela comunicação de massa, nem que o espetáculo, enquanto tal,

seja um malefício para a cultura. “[...] pois é próprio da obra de pensamento e da obra de arte

oferecerem-se e exporem-se ao pensamento, à sensibilidade e à emoção de outrem para que

lhes confira sentido e as prossiga” (2006, p. 14). Para a autora, a questão não se "coloca

diretamente sobre o espetáculo, mas ao que sucede ao espetáculo quando capturado,

produzido e enviado pelos meios de comunicação de massa" (CHAUI, 2006, p. 14).

49

Id. 2016, p. 76. 50

Id. 2016, p. 76. 51

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese.

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92

Discussão que leva à ideia de simulacro na mídia, Chaui (1996) desenvolve essa

concepção ao retomar a transmissão televisiva do casamento da princesa Diana e do príncipe

Charles.

O vestido da noiva não foi feito para ser visto de frente, de lado, ou por

trás, mas foi concebido para ser visto de cima, onde as câmeras se localizavam. [...]

em outras palavras, o espetáculo não se relacionava ao acontecimento e sim à

encenação do acontecimento, ao seu simulacro (CHAUI, 1996, p. 17).

As imagens exercem relevância na medida em que ocorre a “nulificação do real e dos

símbolos pelas imagens e pelos sons enviados” (CHAUI, 2006, p.16), uma vez que o

casamento transmitido não foi o que aconteceu, mas o “fantasma” dele. Na celebração

transmitida, ninguém- nem os fiéis ou os sacerdotes- possuíam um olhar que permitia estar

em toda a parte de maneira imediata, contemplar o altar do alto, do centro, pelos lados, estar

ora no lugar do padre ou voltado para os fiéis, ou no lugar destes. A onipresença das câmeras

produziu uma celebração inexistente e esta foi o objeto transmitido. “É este, cremos, o ponto

que merece atenção, isto é, a passagem do espetáculo ao simulacro.

O jornalista Jardel Arruda52

remete-se a essa discussão ao comentar sobre uma

imagem que ficou notória na cobertura sobre o processo de desintrusão em Marãiwatsédé, nos

dias em que a Força Nacional estava no local para executar a retirada de não índios, em

dezembro de 2012. A representação emblemática foi replicada por sites e jornais que

acompanhavam o caso por mostrar a resistência de moradores aparentemente desarmados,

frente a um corpo de policiais da Força Nacional armados para a guerra.

52

O profissional Jardel Arruda Patrício atuou na cobertura em Mãraiwatsédé como repórter do Jornal Folha do

Estado (MT), sendo enviado especial para o local, no período considerado auge do conflito. Foi o jornalista que

ficou mais tempo no local, considerando apenas os profissionais de veículos de comunicação diário e que não

eram da localidade. Atualmente, Patrício é repórter no site de notícias Olhar Direto.

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93

Figura 2 - Confronto em Suiá-Missu

Fonte: Folha do Estado (MT), 12 de dezembro de 2012.

O repórter, que também é autor da fotografia, retoma o momento da cobertura e

comenta o contexto do momento, informações que não estão explícitas na imagem, nem no

texto da reportagem. Embora esses dados não estejam no simulacro tecido sobre o confronto

em Suiá-Missú, foram species pelo jornalista em campo. “Esse cara aqui (homem na

motocicleta), ele nem tem fazenda, ele era peão lá. E era ele que estava indo para cima do

policial. Você acha que o alemão (proprietário da fazenda, Antônio Mamed Jordão) estava

aqui? Não” (informação verbal53

). Uma imagem que implicava em simbologia de resistência,

mesmo frente à força do Estado. A própria vestimenta do senhor que reagiu aos homens da

força armada, representada o homem do campo, mas sua real representatividade, ou origem

no conflito, não tem tamanho valor, frente à significação que gerou.

São acontecimentos que ao passarem do “fenômeno de percepção do sistema-para a

geração do sistema e consequente produção da notícia” assumem deslocamentos (ALSINA,

2009). Ao serem veiculados pela imprensa, também o são reinterpretados a partir do conteúdo

selecionado e a forma como foi produzido e editado. Embora reporte ao real, o que foi

53

Entrevista concedida por ARRUDA, Jardel Patrício. Entrevista IV. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora:

Janaína Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 4 arquivos mp3 (27 01:35:22 - 28 00:24:54 - 29 00:04:54 - 30 00:11:59).

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta tese.

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94 capturado é um recorte, momentos do fato, mas que por remeterem ao ocorrido provocam a

sensação de serem a realidade em si, enquanto o são o seu simulacro.

3.3 MOBILIDADE DA EQUIPE

O aprofundamento sobre o processo jornalístico evidência uma dimensão por vezes

pouco discutida na área: as pessoas que atuam em seu fazer. Não apenas como especialistas

que por usarem de técnicas jornalísticas estariam, então, levados a produzir o mesmo

conteúdo ou mesmo que a troca das pessoas envolvidas não faria qualquer diferença junto ao

conteúdo final. Mas também considerando as subjetividades envolvidas nesses percursos.

Neste sentido, o enfoque desta discussão está na equipe envolvida, em que há

profissionais identificados como sujeitos nestes processos, com trajetórias particulares e que

com diferentes interpretações de mundo. Tendência que acrescenta complexidade ao fazer

jornalístico, na medida em que também adiciona à determinada cobertura a singularidade dos

sujeitos envolvidos no processo.

Embora as reportagens jornalísticas estudadas possam remeter à ideia de

continuidade até pelo aspecto cronológico, o que impera neste contexto é a tendência móvel

no quesito equipe envolvida. Desenvolve-se esta reflexão sobre os sujeitos da produção

jornalística pelo eixo ‘mobilidade de equipe’ e se avança em torno desta questão por

diferentes abordagens. Outra significativa percepção é que a mobilidade vigora como uma

tendência em meio à cobertura jornalística.

A complexidade inerente ao seu fazer da área precisa ser considerada em meio a esta

reflexão. O olhar por esta perspectiva pode até parecer, em um primeiro momento,

contraditório, já que se propõe pensar não exclusivamente no todo, mas nas partes, choques e

até ausências (MORIN, 2006, p. 13). Uma vez que se têm colocadas direções contraditórias

em um mesmo contexto.

Trazendo para o jornalismo, significa propor um olhar que considere a amplitude de

uma cobertura jornalística (o todo), ao mesmo tempo em que pondere também por sua

fragmentação: seja por analisar as especificidades da equipe envolvida, seja mesmo por

considerar diferentes editorias de um único veículo de comunicação que publicaram um

mesmo acontecimento, mas por abordagens específicas de cada caderno; ou mesmo um jornal

que veicula matérias referente a uma mesma notícia, mas assinadas tanto por sua equipe de

profissionais como também veicula as produzidas por outras agências de notícias.

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95

Discutir pelo viés da complexidade requer, então, a possibilidade de pensar uma

cobertura continuada, mas considerando essas rupturas, acasos e até ausências, pensadas neste

momento pelo viés da mobilidade de equipe. Significa, até mesmo, considerar a matéria que

não saiu ou o correspondente que não chegou a cobrir o acontecimento do local onde os

acontecimentos emergiam, entre outros.

Como descreve Morin, ao mesmo tempo em que o pensamento complexo reflete

sobre o todo indivisível, em um segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido

de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o

mundo fenomênico.

A ideia de continuidade e homogeneidade de equipe nas coberturas jornalísticas é

fortalecida pela unificação da linguagem e estruturação do conteúdo das reportagens. Afinal,

há uma padronização obtida com uso de verbos eminentemente na voz ativa, ausência de

adjetivação, uso da terceira pessoa, na forma de estruturação do texto com a predominância da

pirâmide invertida54

e mesmo a referência ao tempo no texto55

.

Embora a forma de apresentação e concatenação de diferentes reportagens sobre um

único assunto, quando veiculadas em um mesmo momento, possam imprimir a imagem de

continuidade e harmonia de equipe, há em meio ao processo jornalístico uma tendência para a

sua mobilidade e ramificação.

Uma das vertentes dessa característica está na dinamicidade em torno da estruturação

das equipes em especial nas grandes reportagens. Isso porque há uma tendência à mobilidade

em sua forma de organização; seja pela alternância de repórteres que atuam em uma mesma

cobertura, mas por cadernos díspares e também pelo uso de recurso de trabalho freelancer ou

de colaboradores.

Assim, o jornal acaba por veicular um material resultante de um trabalho ramificado

de profissionais (de áreas díspares) em torno de um mesmo acontecimento. Há casos de

jornalistas freelancer que nunca tinham escrito para o veículo e só foram contratados para

54

O uso da pirâmide invertida é predominante no texto jornalístico brasileiro, também denominado de lide

noticiosos factual consiste na técnica de construir o texto a partir a importância das informações; do mais

relevante e termina com o menos importante. A ideia é que se o leitor não quiser, ou não puder ler até o fim, terá

obtido o fundamental no início. (Pinto, 2012, p. 200) 55

Sodré e Ferrari (1986, p. 95) apontam a técnica da dosagem do tempo na narrativa como aspecto importante

para que uma história (reportagem) mantenha as características de tensão e consequentemente o interesse do

leitor. Lembram que há também o tempo da história. Esses pressupõem uma sucessão de fatos, um desenrolar de

ações dos personagens, enquanto situados em um determinado momento: manhã, tarde ou noite; verão ou

inverno; passado, presente ou futuro. O tempo da história está ligado às referências temporais que estão

presentes no texto. Em que há também uma retomada sobre o tempo ao longo do processo histórico envolvendo

o tema abordado, o que também imprime a ideia de que a equipe envolvida na produção no conteúdo passou um

espaço de tempo considerável produzindo o conteúdo de forma homogenia.

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96 escrever sobre determinado acontecimento por estarem no local e ter a disponibilidade que o

veículo necessitava naquele momento.

O editor Luis Eblak revela as nuances dessa estruturação complexa por envolver

diferentes editorias e profissionais na cobertura em torno de um mesmo acontecimento. Ao

enfatizar que o jornal Folha de S. Paulo foi o primeiro veículo impresso a chegar ao local

para a cobertura jornalística envolvendo o rompimento da barragem em Mariana (MG),

Eblak, responsável pela editoria de Nacional do periódico, detalha também sobre a

mobilidade da equipe envolvida naquele caso.

A gente foi o primeiro veículo a chegar em Mariana. Primeiro grande

veículo a chegar em Mariana. Mas, assim, essa cobertura teve vários braços, não

ficou só com José Marques, que é o correspondente em BH. Então assim, foi uma

cobertura que a gente usou muitos profissionais, de diferentes áreas. Eventualmente

[...]. Tinha assunto... A lama ainda não tinha chegado no Espírito Santo, eu já tinha

acionado o colaborador do Espírito Santo. Quando a lama chegou, a gente mandou

repórter daqui para Espírito Santo, então [...]. É uma das maiores tragédias

ambientais não só no Brasil. É um assunto que continua na pauta. Até hoje tem

assunto na pauta sobre isso e vai continuar. Tem muitos pontos ainda não

esclarecidos. Então, é um exemplo de uma cobertura continuada (Informação

verbal56

).

Repórteres de editorias díspares, freelas e os da redação em São Paulo foram

enviados até o local para trabalhar na mesma cobertura. Deste conjunto, parte atuou de forma

orquestrada pelo controle do editor de área, mas outros estavam em contato com editores

diferentes e conectados à especificidade de seu caderno. Já os freelas, alguns deles foram

acionados apenas para aquela ocasião, outros atuam de forma mais reincidente, mas em seus

estados e cobrem todos os tipos de matéria; de economia à esportes.

Em uma visão focada no controle editorial global de conteúdo a ser veiculado, há

uma estruturação de reuniões do referido jornal entre editorias de área e editoria geral 57

encaminhamento que também garante essa influência. Não há pretensão de ignorar esse

acompanhamento de conteúdo, mas ao se pensar sobre a produção individual dos

profissionais, evidencia-se essa mobilidade e ramificação de equipe. Característica essa que

integra o processo jornalístico e também acaba por influenciar em pautas com angulações e

56

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese. 57

No jornal Folha de S. Paulo os editores responsáveis por cadernos participam diariamente de pelo menos duas

reuniões com toda a equipe editorial do veículo: uma reunião pela manhã, quando são discutidas as previsões de

pauta do dia e outro encontro à tarde para avaliar o encaminhamento a que chegaram as matérias previstas, o que

surgiu de novo, enfim, nesta ocasião é possível vislumbrar o que há de impactante e ter uma ideia geral de

produção do dia.

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97 fontes inesperadas uma das outras. Ao considerar essas inter-relações na cobertura fica

eminente a mobilidade de equipe em termos de sua ramificação.

O encadeamento transitório de profissionais em atuação sobre determinada

cobertura, em especial, as de maior visibilidade, também é relatado pelo editor do jornal O

Estado de S. Paulo, Milton Rocha. O jornalista retoma os trabalhos em torno do rompimento

da barragem em Mariana (MG) para explicitar a questão.

Sobre a editoria, quem manda já é a editoria especifica eu não mando

ninguém. Como no caso de Mariana, Cidades manda de forma específica

(correspondente e pautas), mas eu continuo cobrindo com o meu correspondente, aí

mesmo a minha cobertura vai para o caderno de Cidade, eles também podem me

pedir uma pauta, querem que eu fale sobre alguma coisa ou determinado assunto, aí

peço para os freelas fazerem, eles editam o material e eles fazem a edição. Mas os

freelas continuam pois têm fonte, mas eles que editam. Como no caso dessa matéria

sobre o substitutivo de lei que o governador está mandando, eles também podem me

pedir uma pauta, eu só faço a produção com os freelas e eles editam (Informação

verbal58

).

Ao mesmo tempo em que há um trabalho específico de área, jornalistas

correspondentes de outra editoria também estão em campo, acompanhando o mesmo tema,

com busca de pautas, apurando material específico, em ação concomitante.

Nem mesmo a concepção de profissionais em uma mesma editoria está descolada da

tendência de mobilidade de equipe. Neste caso, há uma mobilidade literal com a reincidente

alteração dos profissionais ligados a determinado caderno e que passam a atuar em outros

veículos de comunicação e por estarem imersos em determinada cobertura, com a mudança,

outros jornalistas passam a acompanhar o tema em questão.

O repórter do jornal Folha do Estado (MT), Jardel Arruda, ao se aprofundar sobre seu

processo de produção revela como passou a ser especialista na cobertura sobre o conflito entre

posseiros em indígenas em Marãiwetesédé, ao passo em que, ao comentar sobre as matérias

publicadas pelo referido jornal em relação ao tema, indica a veiculação de reportagens

assinadas por também outros jornalistas. Além desta tendência de ramificação na cobertura,

Arruda, no auge do trabalho jornalístico em questão, quando estava como enviado especial do

jornal Folha do Estado para a região do Araguaia (MT), migrou para outro veículo de

comunicação. Dessa foram, outro jornalista assumiu a sua função na empresa de comunicação

em que o profissional estava trabalhando e passou a acompanhar o caso. “Eu fiz o

levantamento, o jornal publica o tema, mas ele aparece com vários repórteres fazendo, no

58

Entrevista concedida por ROCHA, Milton. Entrevista III. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C

desta tese.

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98 começo [...]” (Informação verbal

59). O jornalista retoma sobre como começou a cobrir este

assunto

Na verdade, foi o seguinte, o Orlando Morais que foi meu editor a época,

o editor do caderno de Cidades (Jornal Folha do Estado), ele já conhecia o caso do

Diário de Cuiabá. O Rodrigo Vargas fazia cobertura. E quando nós saímos do Diário

e fomos para a Folha do Estado, depois de alguns meses, ele lembrou do caso e

falou “olha, Jardel, tem esse caso aqui, o Rodrigo fazia cobertura. Da uma olhada,

vê as coisas que saíram, vê o que tem de novo, começa a procurar sobre isso”. E, a

partir de então, sim, eu fui único que trabalhei lá na Folha do Estado com esse caso.

Eu comecei a procurar todos os processos na justiça [...]. Eu não conhecia nada

sobre o caso, para falar verdade, antes (Informação verbal60

).

Mobilidade próxima desencadeou-se no jornal Folha de S. Paulo. O jornalista

colaborador do periódico em Mato Grosso, local onde ocorreu o acontecimento referido e

acompanhava anteriormente o tema, Rodrigo Vargas, estava em uma viagem para a China e o

jornal optou por acionar um profissional da redação em São Paulo, o Daniel Carvalho.

Inicialmente, a cobertura foi realizada da redação e no auge do conflito, Carvalho foi enviado

para o local, no extremo norte de Mato Grosso. Depois deste período, Carvalho também

migra para o jornal O Estado de S. Paulo, onde atua atualmente na sucursal em Brasília.

Outra dimensão da mobilidade de equipe envolvendo o jornal Folha de S. Paulo

nesta mesma cobertura está na semiose de apuração. Em uma mesma reportagem, Daniel

Carvalho, de São Paulo, assina o conteúdo com o correspondente Aguirre Talento, enviado

especial a Antamira (PE), ‘Conflito territorial envolvendo indígenas cresce e causa revoltas’,

em material veiculado no dia 29 de julho de 2012. Os jornalistas uniram o levantamento de

dados envolvendo conflito por terra e demora em homologações de áreas indígenas de

diferentes regiões, com enfoque sobre as duas pautas em apuração atual, em um mesmo

material.

O editor Luis Eblak, da Folha de S. Paulo, também fala indiretamente sobre essa

ramificação da equipe e lembra que essa dinâmica de apuração foi sendo alterada ao longo da

cobertura em Marãiwetesédé (MT).

Então aqui, ó, o que o jornal fez, mandou o correspondente. O Aguirre

acho que na época estava em Belém, não sei dizer ao certo, eu não estava aqui. O

jornal mandou alguém para acompanhar o fato e o Daniel fazia daqui. O Daniel era

da equipe dos repórteres de São Paulo. Posteriormente o Daniel foi pra [...]. Ele se

tornou correspondente no Recife e aí, então que ele se transferiu para o Estadão. O

59

Entrevista concedida por ARRUDA, Jardel Patrício. Entrevista IV. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora:

Janaína Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 4 arquivos mp3 (27 01:35:22 - 28 00:24:54 - 29 00:04:54 - 30 00:11:59).

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta tese. 60

Id. 2016, p 83.

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99

Aguirre está em Brasília, está na sucursal de Brasília. Então, assim, é caso a caso.

Dependendo do assunto, quando é um lugar que a gente não tem correspondente [...]

(Informação verbal61

).

Há ainda a tendência à mobilidade pela reflexão em torno do uso de Agências de

Notícias62

. Os veículos assinam serviços para cobertura noticiosa nacional, internacional ou

específica, de determinada região do globo. Há ainda a possibilidade de contratar o conteúdo

noticioso de um veículo de mídia especializado, como o produzido pelo Financial Times ou

similar.

Ao publicarem essas produções de outras agências, os veículos de comunicação

potencializam essa mobilidade de equipe, uma vez que o material produzido por determinada

agência internacional e por seus jornalistas, como a Reuters, passa a integrar a cobertura do

meio de comunicação que a veiculou.

O repórter Jardel Arruda aponta para reportagens que ganharam destaque na capa do

periódico, mas que foram produzidas pela equipe de jornalistas de outros veículos, ao analisar

sobre o material publicado pelo jornal Folha do Estado (MT) no processo de desintrusão de

não índios da reserva em Marãiwetesédé. Foram matérias assinadas pela agência de notícia do

grupo Folha, a Folhapress, outras reportagens produzidas pela Agência Brasil e a

internacional Reuters. “ [...] essa matéria aqui, saiu na capa. Você vê o jornal deu destaque,

mas era uma matéria nacional, da Folhapress” (Informação verbal63

). Em outro material

veiculado e que também ganhou destaque na capa do jornal, Arruda indica que o material

estaria no caderno Mundo por ter seu conteúdo assinado por uma agência internacional.

Semelhante mobilidade na equipe jornalística ocorre no veículo de comunicação

Folha de S Paulo. Em matéria no site do grupo64

sobre Marãiwetesédé (MT), em 12 de abril

de 2013, postada às 12h, o conteúdo é assinado por Caroline Stauffer, da agência de notícia

Reuters. Destaca-se a mobilidade da equipe em relação a este tema, uma vez que o conteúdo

61

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese. 62

Moraes (2004, p. 195) aponta para o boom dos sofisticados sistemas em tempo real de agências de noticiosas

transnacionais, como a Bloomberg e Reuters, que coletam, seleciona, e fornecem a peso de ouro, um volume

ininterrupto de dados específicos. O perfil da Reuters, fundada em Lonfres em 1851, é impressionante. Ao

consultar o site corporativo (http://about.reuters.com/brazil/sobre_nos) para saber que seus escritórios em 220

cidades de 97 países distribuem eletronicamente, a 53 mil clientes, informações financeiras atualizadas mais de

oito mil vezes por segundo. Ao todo, são 30 mil manchetes e 8 milhões de palavras diariamente em 26 idiomas.

A Reuters armazena e atualiza três bilhões de dados e registros. O sistema on line é acessado, em média, por 151

mil usuários profissionais. 63

Entrevista concedida por ARRUDA, Jardel Patrício. Entrevista IV. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora:

Janaína Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 4 arquivos mp3 (27 01:35:22 - 28 00:24:54 - 29 00:04:54 - 30 00:11:59).

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta tese. 64

Site do jornal Folha de S. Paulo, http://www.folha.uol.com.br/

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100 veiculado sobre o assunto é resultado de trabalhos de equipes profissionais, em espaços

físicos, formação de equipe e linha editorial independentes. Stauffer assina o material em

Marãiwatsédé, já o conteúdo do jornal Folha de S. Paulo só é assinado diretamente do local,

quando no momento ápice do conflito, entre 14 a 16 de dezembro de 2012.

O conteúdo em questão, refere-se a minuciosa reportagem jornalística em que há um

histórico sobre a região de Marãiwetesédé (MT) e as populações ancestrais da região e ao ser

veiculado também na Folha de S. Paulo passa integrar seu processo de cobertura jornalística

sobre o tema.

3.4 FONTES DE INFORMAÇÃO

As fontes no jornalismo estão relacionadas à procedência de informação. Poucas

matérias originam-se integralmente da observação direta (LAGE, 2011, p. 49). Inicialmente,

as fontes não eram treinadas para fornecer dados. Dessa forma, os profissionais da

comunicação buscavam funcionários públicos em geral, políticos, viajantes. Lage (2011)

retoma que até meados do século XX repórteres eram colocados nos postos, aeroportos e

estações ferroviárias para entrevistar os passageiros que vinham da Europa, América do

Norte, de países vizinhos ou mesmo de outras regiões brasileiras.

A profissionalização das assessorias de imprensa, após a Segunda Guerra Mundial,

contribui para a profissionalização do setor da informação pública explica e logo com o

treinamento das fontes e melhor processamento dos dados dessas instituições (LAGE, 2011).

Muito embora, como também retoma Lage (2011), as assessorias de imprensa também

tenham sido recebidas com desconfiança nesses órgãos. Temia-se que a sua existência poderia

limitar o movimento dos jornalistas e os submetia a uma espécie de censura da informação na

fonte, já que antes de entrevistar determinado funcionário de um órgão público, o jornalista

apresentava a sua demanda para a assessoria. O avanço destes profissionais é tão significativo

no contexto comunicativo que “[...] a guerra da informação é hoje, em várias aulas, uma

guerra de assessorias, na qual se contrapõem habilidades profissionais de empresas e

entidades empresariais, de um lado, e sindicatos de trabalhadores e organizações sociais, de

outro” (LAGE, 2011, p. 51).

Teóricos da área classificam e analisam a natureza das fontes por diversos aspectos e

dimensões. Para Nilson Lage, quanto à natureza as fontes podem ser oficiais, oficiosas ou

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101 independentes

65, também são classificadas em primárias e secundárias

66 há também a

categorização em fontes testemunhas e expert67

. Erbolato (2006), descreve as fontes como

fixas ou fora de rotina68

. O autor faz também uma definição quanto ao envolvimento das

fontes com o fato: em diretas; indiretas e adicionais69

. Para Erbolato, as fontes ainda podem

ser divididas, de acordo com a maneira que aparecem na notícia, em ostensivas e

indeterminadas.

Há também a interpretação das fontes segundo a atitude face ao jornalista

identificadas em fontes “activas (espontâneas, ávidas) ou passivas (abertas, resistentes)”

(CAMINOS , 1997).

Alsina identifica as fontes como estratégicas no processo produtivo da notícia e no

estudo do profissionalismo jornalístico. “O elo entre acontecimento-fonte-notícia é básico

para a construção da realidade jornalística” (ALSINA, 2009, p. 162). Neste contexto de

análise, as fontes estão no lastro do processo produtivo da notícia.

Chaparro (2009), também sinaliza para a potência das fontes na produção da notícia

e, consequentemente, na atividade jornalística. O autor analisa a dinâmica moderna de

elaboração do conteúdo jornalístico e estabelece as bases para o que concebe como a

“revolução das fontes”, em um mecanismo de inversão; ao invés de serem procuradas e

responderem ao questionamento da imprensa, as fontes passam a produzir conteúdo e pauta-

la. Neste contexto de profissionalização das instituições e organizações que cada vez mais

encaminham material noticioso para a imprensa produzido por seus departamentos de

comunicação, as fontes (via assessorias de imprensa) passam a agendar temas na mídia.

65

Fontes oficiais são mantidas pelo Estado; por instituições que preservam algum poder do Estado, como as

juntas comerciais; e por empresas e organizações, como sindicatos, fundações; fontes oficiosas são aquelas que

ligadas a uma entidade ou individuo, não estão, porém, autorizadas a falar em nome dela ou dele. As

independentes são aquelas desvinculadas de uma relação de poder ou interesse específico em cada caso. 66

Fontes primárias são aquelas em que o jornalista se baseia para obter o essencial de uma matéria; fornecem

fatos, versões e números. Fontes secundárias são consultadas para a preparação de uma pauta ou construção das

premissas genéricas ou contextos ambientais. 67

Ao falar sobre fontes testemunhais, Lage (2011, p. 67) analisa que o testemunho é normalmente colorido pela

emotividade e modificado pela perspectiva: pode-se testemunhar uma guerra sem presenciar uma batalha,

assistindo a um pedaço de uma (dificilmente se terá acesso ao todo) ou vendo várias; do lado do vencedor ou do

lado do vencido; identificando-se com vítimas ou com os agressores. Haverá diferenças cruciais entre o relato de

conflitos na Palestina feito por um judeu ortodoxo e por militante muçulmano, por mais honestos que ambos

sejam. Amaral (2010, p. 11) também aborda sobre o lugar do testemunho nas reportagens, ao contrário das

fontes oficiais, oficiosas ou experts, as fontes testemunhais exercem funções peculiares no jornalismo não

focadas nas explicações cognitivas dos fatos. As fontes experts são geralmente fontes secundárias, que se

procuram em busca de versões ou interpretações de eventos. 68

As fixas são aquelas as quais se recorre para o noticiário diário. As fora de rotina seriam aquelas procuradas

excepcionalmente, quando um esclarecimento se faz necessário. 69

Fontes diretas na interpretação de Erbolato (2006) estão envolvidas diretamente com o acontecimento e

também os comunicados e notas oficiais a respeito. Já as fontes indiretas são as pessoas que, por dever

profissional, sabem de um fato circunstancialmente. Fontes adicionais fornecem informações suplementares ou

ampliam a dimensão da história

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Além de exercerem importância estratégica na elaboração da notícia, as fontes

também estabelecem determinadas narrativas ao conteúdo jornalístico. Ao selecionar as

fontes a serem utilizadas em sua apuração, o profissional estabelece determinada narrativa à

sua reportagem, que poderia ser outra, se suas escolhas fossem diferentes. Mesquita (2008) e

Lage (2011) em suas interpretações sobre o tema apontam que a escolha das fontes expressa

mais do que explicitamente revela, ela também traz indício do contexto no qual foi produzida.

O repórter do jornal Folha do Estado (MT), Jardel Arruda aponta para este contexto

de seleção das fontes ao falar de sua apuração, escolhas e produção de conteúdo que têm

influência na cobertura em Marãiwetesédé. Arruda lembra que inicialmente, acompanhando a

situação da capital em Cuiabá (distância), o contato era por documentação ou via telefone.

“No começo era muito telefonema, e-mail e processo judicial. Telefonema para pessoal da

PROSUM que era a Associação dos Produtores de Suiá Missú [...] (Informação verbal70

).

Contatos que estabeleceram uma rede de fontes que, de certa forma, somaram significância a

seu material. Por outro lado, além de interferiram em seu conteúdo, de certa forma, também

dificultaram o contato com fontes que eram antagônicas, naquele contexto de apuração.

De uma forma ou outra foi uma ocupação organizada (de não indígenas

na área em disputa). É um caso muito complexo na minha opinião. Como eu tive lá

e fiquei muito tempo lá e tive contato mais com um lado do que com outro,

inclusive, e hoje eu quero corrigir isso no meu TCC, tentando ter mais contato com

os indígenas. Naquela época a OPAM fechou eles muito, não deixou ninguém

chegar lá. Nem o Flavio, daqui de Cuiabá, fotógrafo, que tem toda uma

proximidade, não teve autorização para entrevistá-los (Informação verbal71

).

O jornalista explica que ao chegar próximo ao local do conflito, ficou restrito a um

espaço denominado como Posto da Mata, uma espécie de cidade edificada por não índios em

local considerado como território da população indígena xavante, após longa disputa judicial.

Portanto, nem todos os jornalistas conseguiram acessar à reserva indígena e ter contato com o

que seria o outro lado da referida disputa, conforme relato:

Então, eu não consegui contato com os indígenas. Quem mais conseguiu,

na verdade, contato com o outro lado foi o Rodrigo Vargas (jornalista de outro

veículo de comunicação) e não foi com os indígenas, foi com o pessoal da

prelazia(?), de São Felix do Araguaia. Mas isso, na minha opinião, é diferente de

conversar com os indígenas e saber mesmo o que está acontecendo do lado deles.

Acho que ninguém na época teve essa chance. A gente teve a chance só de ver o

70

Entrevista concedida por ARRUDA, Jardel Patrício. Entrevista IV. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora:

Janaína Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 4 arquivos mp3 (27 01:35:22 - 28 00:24:54 - 29 00:04:54 - 30 00:11:59).

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta tese. 71

Id. 2016, p 87.

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processo, ver o que a FUNAI colocava, o que o MPF colocava (Informação

verbal72

).

A colaborada do jornal O Estado de S. Paulo, jornalista Fátima Lessa também relata

sobre a articulação de fontes e como a construção desta rede possibilita o contato e estabelece

diferentes dimensões à cobertura jornalística. Lessa não chegou a ir em Marãiwetesédé, mas

efetivou contato com os indígenas. [...] fiz a cobertura ligando para colegas que estavam lá no

local, amigos da questão indígena e agricultores. Além disso, acompanhei muito pelas redes

sociais... (Informação verbal). Ao ser questionado sobre o acompanhamento por rede on-line,

Lessa justifica:

Eu tinha uma colega, no sindicato dos professores que eu dava assessoria,

que era dessa região e ela ficava no facebook, falando mal dos indígenas, ela tinha

muitos amigos que estavam ocupando as terras (posseiros) e eu acompanhava o que

eles diziam. Procurava ouvir essas pessoas para ter noção de como estava, afinal,

tudo o que ela falava era o discurso que vigora entre eles, era tudo muito forte

(Informação verbal73

).

Outro aspecto expressivo no jornalismo em processo pela tendência das fontes de

informação está na relação que o jornalista estabelece nestes contatos e nos procedimentos

para identificar interesses e, assim, garantir a fidelidade das informações obtidas. Experiência

adquirida e que é somada ao longo de diferentes coberturas, típicas do jornalismo expansivo.

Lessa ressalva sobre a vantagem de cobrir um conflito desse, considerando que tem a

comoção em cima de cobrir movimento de índio e de terra em que o “[...] jornalista pega meio

a mania de polícia, pela voz pelo jeito de falar, você já sabe que é exagero, se o cara fala que

tem quinhentos você sabe que pode colocar cinquenta por cento, então é a questão de

experiência, acho que isso facilita correspondentes do mundo todo” (Informação Verbal74

).

O colaborador do jornal Folha de S. Paulo, jornalista Rodrigo Vargas, apontado por

Arruda como um dos únicos que conseguiu informações e entrevistas com a prelazia em

Araguaia, conta que seus contatos anteriores com as fontes de informação contribuíram para a

sua cobertura. Além disso, o repórter aponta que ter ido ao local antes da eclosão da tragédia e

que a possibilidade de dialogar com fontes antagônicas, acabou por somar em sua cobertura,

72

Entrevista concedida por ARRUDA, Jardel Patrício. Entrevista IV. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora:

Janaína Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 4 arquivos mp3 (27 01:35:22 - 28 00:24:54 - 29 00:04:54 - 30 00:11:59).

A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice D desta tese. 73

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A

desta monografia. 74

Id. 2015, p. 87.

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104 no sentido de ter possibilitado uma visão sobre o acontecimento que ainda não possuía

anteriormente.

A primeira vez que estive em Marãiwatsédé foi em 1999 e eu fui várias

vezes a São Felix e fiz muitas matérias com Dom Pedro, sempre cobrindo a questão

indígena, então era um tema que volte e meia eu tratava. Em 2005 teve um bloqueio

na rodovia feito pelos índios e eu que fiz a matéria. Teve uma vez que os

fazendeiros queimaram a ponte que dava acesso para São Felix, fiz a aposentadoria

de Dom Pedro (que ao fazer 75 anos teve de renunciar). Eu já tinha as fontes para a

matéria, conhecia o antropólogo que tinha feito as demarcações então não era difícil

essa matéria. Ter ido antes era importante porque aquele era o momento do fim,

todas aquelas pessoas tanto índios quanto os poceiros estavam vivendo aquela

tensão e toda aquela história passada estava chegando a uma conclusão, então foi

importante ouvir, por exemplo, um cara que comprou um silo de grãos um ano antes

por um milhão de reais, fico imaginando a pessoas que vendeu para ele. Você

claramente via que os poceiros acham que a desintrusão não ia acontecer, chegava a

ser comovente. Então a ida até lá me deu essa perspectiva, afinal por telefone não

conseguiria ver por outra ótica (Informação Verbal75

).

Outra questão identificada na dinâmica da cobertura em relação aos contatos dos

jornalistas com seus entrevistados é a tendência que fontes específicas de um repórter passem

a ser procuradas e referenciadas na cobertura jornalística de veículos concorrentes, em um

efeito de interação em rede, conceito trazido nesta tese no capítulo quatro, quando é realizada

a análise sobre a tessitura da rede no processo jornalístico.

O editor do caderno de Nacional da Folha de S. Paulo, Luis Eblak fala dessa

influência da escolha e localização da fonte de informação no processo jornalístico. O

jornalista lembra que no caso Samarco, relativo ao rompimento da barragem em Mariana

(MG), por várias vezes a equipe falou com um engenheiro, um dos responsáveis pela

barragem de Fundão. Eblak lembra que foram o primeiro veículo de comunicação a chegar a

esse profissional, um repórter de seu caderno contatou esta fonte que, por sua vez, revelou

como a Samarco supostamente sabia de eventuais problemas que podem ter levado ao

rompimento:

Depois virou fonte de todos os veículos (engenheiro). Então, assim,

quando você faz um investimento jornalístico é natural que os outros te sigam. Se

você falar com a equipe de Lava jato, a gente (Caderno Nacional) está um pouco

também na equipe de repórteres da Lava jato, eles vão ter também inúmeros casos.

A Folha deu muitos furos aí nessa área (Informação Verbal76

).

75

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 76

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese.

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São encadeamento que revelam como a escolha das fontes pode ser vista como uma

estratégia no processo de construção da notícia (MIRANDA, 2012, p. 38) e como esses

contatos tem efeito em outras coberturas da área.

3.5 CONFLITO E CATÁSTROFE EM CATARSE

A iminência do conflito é imperativa na produção jornalística. Não restrita

exclusivamente ao acontecimento que origina a notícia, mas em diferentes dimensões deste

fazer. A própria estruturação da mensagem jornalística é impregnada dessa atmosfera

conflituosa.

Seja pelo texto que prima pelo uso da pirâmide invertida, ao destacar o choque da

novidade, ou na linguagem utilizada, direta, impactante, concisa. Ou ainda pelo uso de

imagens fortes, que falam por si, entre tantas outras características. Recursos que acionam

emoções ao serem processados. E até mesmo na relação entre a própria equipe de

profissionais envolvidos na produção do material noticioso. Sempre ladeada pela pressão do

tempo, do espaço disponível para publicação do material, acontecimentos imprevistos e que

serão acompanhados, estrutura operacional intrincada do veículo de comunicação, entre

outros, o conflito é propelido.

Chagas (2002), aponta para uma atmosfera que se refere como dominação do caos,

ao descrever o começo de um trabalho desenvolvido por ele, na direção da sucursal da TV

Manchete, em Brasília, a revista do grupo e, ao mesmo tempo, apresentar o noticiário político

da emissora.

Foi um pandemônio e um sofrimento conhecer e entender o mínimo

daquela parafernália eletrônica que emergia da minha frente. As posturas, as formas,

o fundo – tudo parecia diferente, em termos de tratar e divulgar a notícia. Porque ela

dura 24 horas nos jornais, na televisão, não dura mais do que alguns minutos. Logo

vem outra, acrescendo, completando, até modificando, numa sucessão interminável

que faz dar razão a outro Sérgio Porto, o Stanislau/ STANISLAUW Ponte Preta,

para quem a televisão era uma máquina de fazer doidos (2002, p. 337).

Embora o jornalista referira-se a duas plataformas de mídia específicas, a televisão e

a revista impressa, o contexto de permanente conflito é mencionado por diferentes

profissionais da área também em outras plataformas de mídia. Apontamentos referidos tanto

em termos de relação complexa dos profissionais envolvidos, estrutura específica de

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106 linguagem e organização do veículo quanto às pressões externas atreladas à produção

noticiosa,

A tensão do conflito também vigora no âmbito do conteúdo produzido. A dor, o

êxtase, o temor, a sensibilidade e a imaginação são emoções, entre tantas outras, pelas quais

se percebe o mundo e que também são provocadas pela imagem do conflito. O jornalismo

também utiliza dessas vias de sensações como instrumento de consumo e identificação de sua

produção, ao também produzir conteúdo inserindo, mesmo que indiretamente, elementos que

despertem emoções. Na medida em que ao experimentar sensações, o público é envolvido no

conteúdo veiculado.

Rocha (2013) identifica que a dimensão "estética" do jornalismo está imbricada a sua

capacidade de "fazer sentir", e não exclusivamente informar, interpretar ou explicar. "Estética

e jornalismo estariam assim fundidos com o objetivo de tornar a produção e fazer jornalísticos

mais humanizados e sensíveis ao outro" atuando também no campo das emoções (ROCHA,

2013, p. 125). Assim, o relato jornalístico se torna parte do acontecimento, na medida em que

a construção da notícia significa um processo que termina no discurso jornalístico, em seus

diversos gêneros e espécies. Esse é o universo do fazer (CHAPARRO, 1994).

Mas para ‘produzir o sentir’, o jornalista precisa identificar o que pretende significar.

A busca do comunicador por detectar as sensações, emoções presentes no fato que pretende

comunicar, surge na fala dos jornalistas vinculada à tensão, à identificação do conflito.

Experiência relatada pela correspondente Fátima Lessa. “Além disso, acompanhei muito pelas

redes sociais para sentir a tensão que estava lá” (Informação verbal77

).

Da identificação à produção do sentido, a tensão, a emoção da atmosfera conflituosa

no processo jornalístico mostra-se presente tanto na apuração no campo dos acontecimentos,

como no conteúdo produzido. Vargas transparece essa dimensão ao contar sobre seu processo

de apuração e a interface no conteúdo produzido.

Então se eu não tivesse ido, talvez teria escrito uma matéria por telefone e

não fosse chegar à conclusão que eu cheguei. Então foi fundamental pisar no chão

que você vai cobrir, sentir a situação. Eu lembro que o vento me chamou muita

atenção, estava com muita poeira, você quase não enxergava, lembrava um clima de

faroeste, e eu acabei usando isso no texto, alguém me disse que era o vento de

agosto ou “vento do cachorro louco”, “mês do cachorro louco”, já que aquele seria o

mês onde seria anunciado o desgosto e estavam todos esperando esse desgosto

chegar, o dono do mercado, manicure, todo mundo vendo tudo se acabar, pra mim

esse era o ponto do Posto da Mata, não a questão de o que seria feito com ele

(mesmo isso sendo muito importante), mas eles chegaram ali por culpa de alguém e

77

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A

desta monografia.

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107

por necessidade de um grupo grande que não é pobre que não era bobo, e as pessoas

acabaram sendo enganadas. Logo essas pessoas deveriam ter recebido o tratamento

mais humano possível e não foi isso que aconteceu (Informação verbal 78

).

A capacidade de expor o conflito na narrativa jornalística também é referenciada

como feeling do profissional, característica capaz de dar visibilidade à reportagem, pela

capacidade de produzir o ‘sentir’. Em relação a essa característica, Lessa retoma uma

cobertura jornalística em torno do que inicialmente era apresentado como sumiço de um índio

em que a sua opção por expor as nuances conflituosas da situação, a partir da experiência das

pessoas que vivenciaram o fato, imprimiu importância à matéria.

O material mencionado por Lessa era relativo a uma a ação da Polícia Federal (PF)

denominada Operação Eldorado para combater a extração ilegal de ouro em terras indígenas

dos caiabis e mundurucus no norte de Mato Grosso, em novembro de 2012. A jornalista conta

que optou por produzir sua narrativa em torno das pessoas que vivenciaram o fato e

descreveram a situação conflituosa. Isso porque a investigação sobre o ocorrido ainda iria

começar, portanto, provas sobre a culpabilidade em relação ao que logo foi confirmado como

a morte do indígena só seriam válidas depois e apenas uma matéria pela linguagem técnica

jornalística via fontes oficiais, não imprimiriam emoção e nem dariam conta do contexto

complexo do acontecimento,

[...] mas tem muito também do feeling, tipo o conflito de Alta Floresta

(MT) que a Polícia Federal matou um indígena e eu fiquei pensando em como fazer

o gancho da matéria. Neste caso, a PF matou ou o índio que saiu? Daí eu pensei:

deve ter alguma coisa errada, aí não lembro se ouvi na rádio ou vi um vídeo. Na

verdade, uma amiga minha que é indígena e é do Maranhão, mas mora aqui e me

disse: -Fátima eu conheço alguém que estava lá na hora. Então, eu peguei o telefone

dessa pessoa e conversei com ele, além de tudo o índio falava muito mal o

português, e pelo o que ele descreveu eu consegui contextualizar por telefone o

clima lá na hora, se você ler a matéria parece que eu estava no local. (Informação

verbal79

)

É possível pensar a questão do conflito no contexto jornalístico por diferentes pontos

de vista. Mas, antes da discussão conceitual do termo conflito e de suas especificidades no

jornalismo, apresenta-se esta questão por uma perspectiva geral sobre a compreensão em

torno da natureza da área.

78

Entrevista concedida por VARGAS, Rodrigo. Entrevista II. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (02:02:48). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice B desta tese. 79

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice A

desta monografia.

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108

Em um olhar reflexivo sobre a atividade e sua dimensão social, é necessário localizar

que o jornalismo pertence ao campo dos valores. "Já que integra o universo da cultura, como

espaço público dos discursos sociais conflitantes. É objeto abstrato, inserido no cenário

humano da complexa construção do presente" (CHAPARRO, 2014, p. 26). Em que sua

razoabilidade está diretamente vinculada à confiabilidade, visto que não tem valor, se não

sedimentar-se na credibilidade.

Há nesta discussão de Chaparro a superação de uma visão romântica do jornalismo,

como mero contador de histórias nem sempre críveis, para os desafios do jornalismo atual, no

contexto da complexidade. Em um espaço de intervenções pensadas e executadas para lógicas

de conflito e efeitos imediatos na vida das pessoas. Isso, em um processo dinamizado por

fontes jornalísticas tão interessadas quanto organizadas80

.

Trata-se de um processo de alta complexidade, carregado de contradições

e complicações, numa tal “imbricação de ações, interações, retroações, que nem o

espírito humano nem um computador extremamente potente poderiam medir, ou

mesmo discernir, os elementos e os processos desta teiaemaranhada” – como diria

Edgar Morin, mestre da complexidade" (CHAPARRO, 2014, p. 49).

Atrelada ao seu obrigatório compromisso com a verdade, está a âncora ética do

jornalismo e da qual deriva a responsabilidade de cada jornalista pelo seu fazer, “ é o direito

individual e universal de investigar, receber e difundir informações e opiniões”, aponta

Chaparro (1994, p. 22), citando o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

para qual todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião de expressão; este direito inclui o

de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de investigar e receber informações e

opiniões e o de difundi-las sem limitação de fronteiras.

Trata-se, então, de um espaço de interesse público composto por direitos e interesses

individuais e coletivos. “Está aí, delimitado, o território do interesse público próprio do

jornalismo. É um território de conflitos, pois o direito declarado, na sua definição de

universalidade pessoal (“Todo indivíduo tem direito...”) estabelece de imediato que esse

direito deve ser assegurado aos que não podem exercer (CHAPARRO, 1994, p. 22).

Chaparro propõem refletir sobre o significado do que seja o jornalismo a partir da

primeira página de qualquer periódico diário importante. Neste caso, temos novamente o

80

Manuel Chaparro analisa o papel das fontes especializadas no jornalismo, como sendo a “revolução das

fontes”. Nesta teoria, o autor discute a presença cada vez maior e especializada de jornalistas que atuam como

assessores de imprensa. Profissionais que passam a produzir conteúdo, com linguagem jornalística, mas que têm

origem não em veículos de comunicação, mas de entidades, empresas e órgãos governamentais. A atuação destes

profissionais passa, cada vez mais, a pautas veículos de comunicação, mesmo concorrentes, em torno dos

conteúdos produzidos por essas fontes.

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109 conflito em espaço central. "Aí estará, em síntese, o noticiário de um mundo complicado,

movido a interesses conflitantes, que se manifesta em falas e acontecimentos para serem

divulgados" (CHAPARRO, 2014, p. 48).

Pensar o jornalismo pela leitura dos jornais significa observar uma profissão que

exige talento, liberdade e idealismo de quem a exerce, transformou-se em linguagem e

ambiente que a sociedade organizada utiliza para expressar e socializar discursos interessados.

"Jornalismo tornou-se, portanto, linguagem e espaço público dos conflitos que interessam a

sociedade" (CHAPARRO, 2014, p. 49).

Sobre os desafios da área na atualidade, ao descrever a evolução de um jornalismo

romântico, em que histórias impressionantes dominavam as narrativas da área, quase

desfocando da realidade, Chaparro observa que cada vez mais, a imprensa sedimenta sua ação

por interesses conflitantes.

Nas democracias, o jornalismo, objeto abstrato, tornou-se o espaço

público dos confrontos discursivos que interessam à cultura e aos processos sociais,

na construção do presente. Ao sucesso de tais conflitos, e por causa do seu próprio

sucesso, a linguagem jornalística oferece a regra da confiabilidade, o distanciamento

criativo da independência e o balizamento das razões éticas (2014, p. 12).

Nesta discussão, a confiabilidade vigora como pressuposto do jornalismo, sem a qual

fracassará. O jornalismo perde seu contrato fiduciário81

com a sociedade quando não lhe é

conferida a confiança. Logo, deixar de ser jornalismo. O impulso vital da área é estar atrelado

à vida social, suas transformações e, logo, seus conflitos.

Isso, se considerarmos que no mundo em elaboração pelas ações e

interações humanas, nenhuma transformação se materializa sem o conflito. Quer o

conflito seja patologia social (assim o entenderam Comte, Spencer e Durkheim) ou

se constitua (na visão de Marx, Sorel, Simmel e Touraine) a lógica vital do caminhar

humano, sempre na busca de novos equilíbrios e harmonias, que só pelo conflito

surgem (CHAPARRO, 2014, p.14)

Já o conflito pela perspectiva social está relacionado a contradições, desequilíbrio e

ruptura. Gadotti observa que “uma sociedade entra em conflito quando as contradições

existentes em seu interior rompem os laços orgânicos que as mantinham em equilíbrio”

(GADOTTI, 2003, p. 86).

81

Alsina (2009, p. 10) resume que “[...] a efetividade do discurso jornalístico está em fazer chegar a informação,

embora sem deixar de lado que também pode fazer crer (persuadir), fazer (manipular) e fazer sentir (emocionar).

De qualquer forma, podemos afirmar que o que conforma o discurso jornalístico informativo é a proposta de um

contrato pragmático fiduciário”. Refere-se ao contrato de comunicação que se estabelece com o público à

consciência ética que está subentendida a prática jornalística, em que o veículo oferece uma informação

verdadeira, por sua vez, o público acredita neste conteúdo.

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Conforme Machado e Santos (2015, p. 9), o conflito mostra “a existência de

perspectivas, visões de mundo, interesses, valores diferentes em torno de problemas concretos

nos quais, aqueles que se manifestam, estão a mostrar, a lutar e a resistir".

Para Dahrendorf (1992), o conflito faz parte das sociedades históricas, assim como

os confrontos são elementos indispensáveis da ordem democrática. Está, portanto, nelas a

vocação como produtora de antagonismos. Ao trazer essa discussão para a lógica jornalística,

Chaparro (2014, p. 11) observa que "[...] dos antagonismos brotam os acontecimentos que o

relato jornalístico transforma em discursos pragmáticos, de intervenção na realidade, em

estratégias e táticas de conflito".

Não há propriamente uma teoria dos conflitos ou apenas uma interpretação uníssona

sobre o tema, nem é este o objetivo desta reflexão, apenas apresenta-se uma discussão em

torno do tema para demonstrar seu enraizamento social de forma a identificar sua relação

intrínseca com a questão social e, com ela, a prática jornalística.

Héctor e Soto (2013, p. 42) indicam o conflito como uma forma de interação entre os

indivíduos, grupos, comunidades e classes sociais que, por sua própria natureza, são

antagônicos. Mas, nem toda forma de interação social é conflito, a cooperação, por exemplo,

também pode ser uma delas. Os autores classificam os conflitos em dois grandes grupos: um

deles considera que a sociedades formam um harmônico e equilibrado, do qual são

representantes autores como Comte, Spencer, Durkheim, Pareto, Parsons. Neste

entendimento, os conflitos são negativos e devem ser evitados ou reprimidos porque atentam

contra a harmonia e o equilíbrio da sociedade, já que é percebido como uma “patologia

social”.

No segundo grupo, estão John Stuart Mill, Marx, Sorel, Simmel, Dahrendorf e

Touraine, que com as devidas diferenças, esses autores consideram que os conflitos (sociais e

políticos) fazem parte da natureza de toda sociedade e que “exerceriam um efeito benéfico,

porque incentivam as mudanças” (HÉCTOR; SOTO, 2013, p. 44). Entretanto, os próprios

autores, alertam que a simplificação dessa classificação dicotômica, uma vez que não só deixa

de fora importantes nomes, como pouco esclarece sobre o lugar dos conflitos na teoria dos

autores de ambos os grupos.

Ao falar mais especificamente sobre conflito socioambiental, na literatura recente,

Héctor e Soto (2013, p. 45) apontam que mais do que a Marx, os autores recorrem a Georg

Simmel ao tratar deste tema, “que efetivamente tem uma sociologia dos conflitos”. Embora

sejam perspectivas diferentes, percebe-se nestas discussões a ideia de que o conflito vigora no

amago do seio social. Em consonância ao que retoma Chaparro (2014, p. 11).

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111

No mundo em elaboração pelas ações e interações humanas, nenhuma

transformação se materializa sem o conflito. Quer o conflito seja patologia social

(assim o entenderam Comte, Spencer e Durkheim) ou se constitua (na visão de

Marx, Sorel, Simmel e Touraine) a lógica vital do caminhar humano, sempre na

busca de novos equilíbrios e harmonias, que só pelo conflito surgem.

No campo da comunicação, há pesquisadores que atuam por diferentes perspectivas,

mas que desenvolvem acerca do conflito e sua centralidade para o jornalismo. Assim como já

colocara Kientz (1973), há quatro décadas, o conflito está no âmago das notícias, entre os

autores contemporâneos, o português Manoel Carlos Chaparro faz uma discussão conceitual

sobre o tema e sua ligação umbilical com a prática jornalística. Já Luiz Gonzaga Motta

investiga a narrativa jornalística e, ao optar por uma análise fenomenológica, propõe como

um dos movimentos a serem percorridos na análise da narrativa jornalística, o de identificação

dos conflitos e do que denomina como a funcionalidade dos episódios. “O conflito é o

elemento estruturador de qualquer narrativa, particularmente da narrativa jornalística”

(MOTTA, 2008, p. 64).

Há também estudos centrados nos conflitos ambientais e urbanos ligados a grupo de

pesquisadores que, por sua vez, estudam a questão no campo da geografia, antropologia,

economia política, educação, jornalismo, em diferentes áreas do conhecimento, unidos por

esse enfoque em comum. Neste campo, foram de apoio para a reflexão aqui desenvolvida, os

estudos do Observatório dos Conflitos no Extremo Sul do Brasil, ligado à Rede Brasileira de

Justiça Ambiental, como também o Observatório de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro e

Observatório de Mineração do Uruguai.

Na arena da prática jornalística, o conflito vigora de forma transversal e desponta

circunscrito na fala dos jornalistas quando os mesmos submergem por suas dinâmicas de

trabalho. Potência conflituosa que ora surge de forma direta, outras de maneira implícita na

fala dos profissionais.

A potência do conflito como fator decisório para a cobertura jornalística é apontada

pelos profissionais em distintos veículos e dentro das dimensões específicas de cada trabalho

da imprensa. Porém, nas afirmações percebe-se a especificidade do conflito no contexto do

jornalismo como intrínseca ao valor notícia de um acontecimento.

O editor do Caderno Nacional da Folha de S. Paulo, Luiz Eblak refere-se ao conflito

no contexto de sua cobertura diária na coordenação do trabalho dos correspondentes e

colaboradores do periódico, e o localiza como um critério de noticialidade82

.

82

Mário Erbolato (1991,p. 60-65), ao destacar a dificuldade na definição de notícia, ressalta que os jornais

adotam critérios para selecionar assuntos que possam atrair leitores. Discussão que embasa a definição do que

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112

Conflito é um dos critérios de noticialidade. Quando você tem o processo

de conflito você quebra o normal. Porque tem o andamento normal que a vida segue,

a comunidade atua de uma determinada maneira. Quando você tem um conflito de

diferentes grupos é um critério de noticialidade (Informação verbal83

).

Ao prosseguir no tema, Eblak lembra a complexidade inerente à atividade, ao

lembrar que não apenas o conflito isolado é sinônimo de notícia. “No caso, conflito indígena,

exatamente por isso, então, é um dos critérios. Agora é caso e caso. Isoladamente isso não vai

fazer ser notícia, depende de outros e tal” (Informação verbal84

).

O jornalista responsável pela produção do conteúdo nacional do jornal O Estado de

S. Paulo, Milton Rocha é contundente ao apontar a relevância do conflito na prática

jornalística. O editor fala da relação de pautas locais que ganham dimensão nacional, ou o

inverso, mas aponta para a eminência do conflito como fator decisório para a sua cobertura.

Matérias que surgem pelo conflito na área e também as vezes as matérias

saem porque houve a eclosão de um conflito. E também quando não acontece, não

eclode, a gente faz eclodir. Quando a gente descobre algo, percebe que é um filão,

que valha, a gente identifica e faz. Como quando descobrimos que tem algo que vale

fazer a matéria, até mesmo política, por exemplo, nos descobrimos que o PT esta

perdendo prefeitos no interior de São Paulo, que é uma área rica para o PT, então

colocamos o Jose Thomaz Ella pra fazer, ele fez uma matéria legal (Informação

verbal85

).

Ao explicitar sobre o espaço disponível para a sua cobertura no jornal, o repórter do

diário Folha do Estado (MT), Jardel Patrício Arruda, é direto ao apontar que sua reportagem

seriam os critérios de noticialidade, o valor notícia, que Traquina (2005, p.63) resume como o conjunto de

critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como

notícia. De modo geral, poderiam ser publicadas quando respeitados os seguintes critérios de noticialidade que,

embora não sejam unânimes, chegam a motivar o público. São eles, na definição de Erbolato (1991):

proximidade; impacto; proeminência (ou celebridade); aventura e conflito; conseqüências; humor; raridade;

progresso; interesse pessoal;interesse humano; importância; rivalidade; utilidade; política editorial do jornal;

oportunidade; dinheiro; originalidade; culto de heróis; descobertas e invenções; repercussão; confidências. Para

Nilson Lage,os critérios de avaliação da notícia também tem elementos de identificação do leitor com o assunto.

O autor aponta a importância da proximidade, atualidade, identificação social, intensidade, ineditismo e

identificação humana. O autor lembra que esses fatores influem na realidade das empresas jornalísticas segundo

a ordem de interesses da classe ou grupo dominante; secundariamente, operam ainda gostos individuais de

pessoas que dispõem momentaneamente de algum poder, ou estratégias fundadas em avaliações prévias quanto a

efeitos, conseqüências ou desdobramentos de um fato noticiado. Muniz Sodré aponta que o anuncio de um fato

está ligado ao interesse que ele possa vir a despertar. Outro fator determinante para a circulação de uma notícia,

segundo o autor, é o tempo. Deve ser recente e o anúncio do fato imediato. 83

Entrevista concedida por EBLAK, Luis Carlos. Entrevista V. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína

Sarah Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice

E desta tese. 84

Id. 2016, p. 97. 85

Entrevista concedida por ROCHA, Milton. Entrevista III. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C

desta tese.

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113 ganhou destaque, em termos de maior espaço de publicação, com a eclosão do conflito em

Marãiwetesédé.

Confronto, quando estava tendo desocupação no auge da tensão. Talvez,

nessa época, teve o espaço que mereceria ter tido antes, bem antes, para as pessoas

entenderem um pouco mais o que estava acontecendo e a importância disso. Por

que, não sei, quem sabe no futuro vire jurisprudência para outras terras indígenas

(Informação verbal86

).

A potência do conflito também se revela na dinâmica da jornalista, Fátima Lessa,

que atua na mesma editora de nacional do jornal O Estado de S. Paulo, mas como colaborada,

em Mato Grosso. A repórter fala sobre o ápice da publicação de suas matérias na cobertura

em Marãiwetesédé:

[...] as que eu mandei (reportagens) todas saíram, só não saíram as de

antes do conflito, mas todas que eu mandava elas saiam e da mesma forma que eu

mandei, eles não cortaram nenhuma matéria, sempre perguntavam antes de mexer

ou acrescentar algo, mas sem mudar o que eu escrevi. Após o início dos conflitos,

todas as matérias foram publicadas sem tirar nada, eles mandavam o print para mim

dizendo que a matéria tinha saído e avisado se tinha sido capa. A capa serve só para

os outros verem, acaba te dando uma moral (Informação oral87

).

A eminência do conflito desponta como catalisadora da ação jornalística. Uma vez

que, para acessar à geração desse sistema, que desembocará na notícia, há uma articulação de

cobertura que fluirá para a produção do conteúdo a ser informado e neste percurso o conflito

vigora como princípio direcionador desse projeto em construção. A jornalista, Marisa Batalha,

editora geral do jornal Folha do Estado (MT), relata que a cobertura sobre o processo de

desintrusão em Marãiwetesédé, por exemplo, teve início muito antes da eclosão do ato, ao

justificar a atenção sobre o tema por ser uma ‘luta’, uma ‘guerra anunciada, tem-se neste

contexto, a eminência do conflito como mobilizadora.

Marãiwetesédé, na verdade, ela nos chamou a atenção porque essa era

uma luta, uma guerra anunciada, porque era uma luta de muitos anos. Essa era uma

terra Xavante invadida e invadida estimulada por políticos, por pessoas públicas, por

autoridades e que nós víamos isso acontecer. As pessoas construíram uma cidade

onde não poderia ter sido construída, sabiam de antemão e há muitos anos que

aquilo era terra de Xavante e quando, numa decisão inédita [inaudível], quando ser

86

Entrevista concedida por ARRUDA, Jardel. Entrevista IV. [Fevereiro de 2016] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2016. 1 arquivo mp3 (59:44). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice E

desta tese. 87

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 2 arquivos mp3 (51:58 e 49:50). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice A desta monografia

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114

trata de questão indígena no País essa é uma questão inédita mesmo. E aí a gente

trabalha com Dilma também, numa história mais à esquerda (Informação verbal88

).

Outra dimensão exposta na relação conflito e jornalismo está atrelada ao trágico, à

ideia de calamidade. O conflito também vigora na mídia pelo trágico, pela eclosão do

problema, da catástrofe. O desastre é apontado como catalisador de interesse, como meio de

acesso para o jornalismo, em especial na área ambiental. Uma vez que a partir do que é

representado como uma tragédia, passa a ser acompanhado pela imprensa.

A tragédia como parte do conflito e direcionadora da ação jornalística é apontada por

Marcia Franz Amaral. Ao abordar sobre o interesse da mídia em relação ao meio ambiente,

Amaral (Informação verbal89

) identifica que a tragédia funciona como “ponto de acesso do

meio ambiente no jornalismo”. Amaral observa que, ao longo de suas pesquisas em torno das

especificidades do discurso sobre as catástrofes ambientais nas revistas semanais brasileiras:

das fontes jornalísticas à construção dos sentidos, entre outras questões que discute, está esta

percepção da tragédia como uma espécie de campo gravitacional da ação jornalística para a

área ambiental.

O autor espanhol Carlos Lozano Ascêncio (2004, p. 33) também já apontava para

esta tendência em que “la principal puerta de acceso a los médios de comunicación para el

médio ambiente siguesiendo el desastre, lacru da imagen que garantisse el impacto del

público”.

Ascêncio (2004) afirma que as catástrofes do passado tinham características bem

diferentes das de agora, por serem irremediáveis, pois o homem vivia sob seus desígnios, ao

terem o contato direto e presencial com o acontecimento. Mas agora há uma representação

diferenciada que tende a submeter as catástrofes aos desígnios do ser humano. Para ele, a

sociedade não é capaz de fazer uma representação em que não seja afetada diretamente. “[...]

uma catástrofe só existe se destrói. O mais importante nela não é o que existe ou se sucede,

mas o que transtorna e como os transtornos são percebidos, valorados e relatados

publicamente” (ASCÊNCIO, 2004, p. 86).

Neste sentido, a caracterização emocional do acontecimento catastrófico é ainda

mais representativa no jornalismo. Assim, elementos que representem o estrago, a

quantificação da tragédia, narrativa de sofrimento, ou desdobramentos de atingidos pela

88

Entrevista concedida por BATALHA, Marisa Martins. EntrevistaVI. [] Entrevistadora Janaína Sarah Pedrotti.

Cuiabá, 2016. 89

AMARAL, Márcia Franz. O Jornalismo diante do conflito. Mesa Redonda, Jornadas Pesquisa em

Comunicação e Formação do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (PPGCOM/UFRGS), 16 de junho de 2016.

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115 catástrofe exercem influência na dinâmica da imprensa. Ao serem representadas como um

fenômeno discursivo e cultural, Amaral (2013, p. 76) observa que sua cobertura está presidida

pela tendência ao catastrofismo, ao sensacionalismo e pela preponderância da imagem sobre a

análise.

A encenação da tragédia na mídia é discutida por Bill (2010) como catarse midiática.

Em que há o retrato das tragédias da vida real na mídia, próxima a uma maneira ficcional

desses acontecimentos de destaque. Embora pautados na realidade, há uma carga emotiva

apelativa, em que “o público consome o trágico na TV de maneira a se sentir aliviado de seu

próprio cotidiano e redimido de seus próprios conflitos” (BILL, 2010, p. 4).

A ficcionalização destes acontecimentos de destaque, por meio da

espetacularização das imagens e da dramaticidade com que são narradas, atrai a

atenção dos telespectadores que supervalorizam estas histórias e os dramas

apresentados por elas de maneira semelhante ao que acontece na ficção, com a

apreciação estética do trágico. Assim, provocam a catarse midiática no público,

apelam para a emoção que causa purificação (2010, p. 5).

Amaral também aponta para a dramaticidade na cobertura da mídia ao analisar a

exclusividade na carga emotiva em uma reportagem sobre o rompimento da barragem em

Mariana (MG) (Informação verbal90

). Em entrevista veiculada pela TV Globo91

, o pai de uma

das vítimas fatais do rompimento da barragem em Mariana tem sua entrevista editada, indo ao

ar apenas as afirmações emocionadas sobre a eclosão do desastre, quando descreve ter visto o

corpo da filha sobre a lama e dentro dela, repetidas vezes. Entretanto, não vão ao ar as falas

do referido pai sobre a tragédia ser algo eminente para a comunidade. Essas afirmações não

são ditas no calor da emoção, mas ao contextualizar sobre uma preocupação do grupo local

em relação à barragem e a cobrança sobre falta de acesso de informações da empresa para a

população, cobrança anterior à tragédia.

Por meio da espetacularização das imagens e da dramaticidade com que são

narradas, as matérias jornalísticas atraiam a atenção dos telespectadores que supervalorizam

estas histórias e os dramas apresentados por elas de maneira muito semelhante ao que

acontece na ficção, a partir da apreciação estética do trágico. A reportagem tende a emocionar

a quem assiste. Enfoca-se neste contexto, os valores estéticos de sedução imperam em

coberturas envolvendo tragédias (BILL, 2010).

90

Colocar dados da reportagem. In. AMARAL, Márcia Franz. O Jornalismo diante do conflito. Mesa Redonda,

Jornadas Pesquisa em Comunicação e Formação do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (PPGCOM/UFRGS), 16 de junho de 2016 91

Parte da entrevista está hospedada no site You Tube.

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116

A repórter Fátima Lessa aborda indiretamente essa tendência pela dramaticidade na

cobertura jornalística envolvendo o conflito. Ao falar da dificuldade em não ter pauta quando

em uma cobertura jornalística em que há uma situação de indefinição e também pelo próprio

distanciamento não apenas geográfico, mas de realidade, entre o seu editor em São Paulo e a

sua pauta em Marãiwatsédé, no cerrado brasileiro, próximo à Amazônia brasileira e a cerca

de 375 quilômetros a noroeste de Brasília.

Não, eles só diziam: acompanham o que tiver aí e vai mandando para

gente, manda flash, manda o que está acontecendo no dia a dia. Sem pauta definida,

as vezes pediam para eu tentar ouvir alguma história dramática. História dramática

de índio é difícil, até entender o que eles dizem é complicado (Informação Verbal92

).

A repórter não apenas sabe da preferência pela dramaticidade, como usa do recurso,

para garantir espaço de cobertura “[...] já ficava direto no conflito, a polícia vai subir, vai ter

morte, aí eu exagerava né, para subir pauta, - vai ter morte, - como você sabe? - Índio, a

polícia e o povo não querem sair de lá, então, falavam para eu acompanhar e ver no que ia

dar” (Informação verbal93

).

Ao falar sobre sua dinâmica e pautas e a relação com os demais cadernos, o editor do

jornal o Estado de S. Paulo, Milton Rocha observa que o trágico altera a dinâmica de

cobertura, no sentido de mobilizar mais de uma equipe, mesmo em editorias diferentes.

Depende dos acontecimentos, nós ficamos muitos dias agora por conta de

Mariana, nós demos uma, duas, até três páginas para isso, então, depende das

notícias. Do ineditismo mesmo e os leitores procuram isso, principalmente porque

agora tem o portal também e ele precisa ser abastecido, nem que seja com uma

previa da matéria. Sobre a editoria, quem manda já é a editoria especifica eu não

mando ninguém. Como no caso de Mariana, Cidades mandam de forma específica

(correspondente e pautas), mas eu continuo cobrindo com o meu correspondente, aí

mesmo a minha cobertura vai para o caderno de Cidade, eles também podem me

pedir uma pauta, querem que eu fale sobre alguma coisa ou determinado assunto, aí

peço para os frelancers fazerem, passo para a editoria e eles editam o material

(Informação verbal94

).

A tragédia surge então, na observação de Rocha, também como uma das entradas do

tema sócio ambiental na pauta do jornalismo diário. Ao falar sobre o que discute como

92

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 2 arquivos mp3 (51:58 e 49:50). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice A desta monografia 93

Entrevista concedida por LESSA, Fátima. Entrevista I. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 2 arquivos mp3 (51:58 e 49:50). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no

Apêndice A desta monografia 94

Entrevista concedida por ROCHA, Milton. Entrevista III. [Novembro de 2015] Entrevistadora: Janaína Sarah

Pedrotti. Cuiabá, 2015. 1 arquivo mp3 (51:58). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Apêndice C

desta tese.

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117 ‘cegueira ambiental contemporânea’, Rivaldo Menegat

95 (informação verbal) aponta que, na

mídia, essa cegueira social se revela como tragédia ambiental.

O pesquisador observa que as estruturas formadas com a constituição das cidades

modernas representam uma das problemáticas ambientais na atualidade, uma vez que tomam

o lugar da natureza, ao transformarem-se em estruturas complexas e difíceis de controlar.

Embora seja algo evidente, o descontrole ambiental a partir do crescimento descontrolado,

não há uma percepção social geral em torno desta problemática. No campo da comunicação, o

autor reflete sobre essa característica, essa falta de percepção pelo conceito de cegueira

ambiental. Neste contexto de cegueira ambiental, quando os problemas eclodem são

retratados como tragédia ambiental.

Para Menegat (2016), toda cidade tem a sua cegueira ambiental, em uma espécie de

antagonismo óbvio; embora tenha surgido inserida em determinado ambiente, é predadora

voraz desse mesmo contexto. Algo que, embora notório, não se quer ver enquanto sociedade.

Para ele, a cegueira da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, por exemplo, é o lago

Guaíba. Também conhecido como Rio Guaíba, embora a cidade Porto Alegre esteja histórica

e culturalmente ligada ao local, desde a chegada dos primeiros casais açorianos até o atual

desenvolvimento econômico da região, o lago está cada dia está mais devastado embora

pouco se fale sobre isso. A cegueira ambiental se revela na mídia como catástrofe ambiental.

95

MENEGAT, Rivaldo. As especificidades do conflito ambiental - distúrbios morfológicos, geométricos,

metabólicos e culturais na era das grandes cidades. Mesa Redonda, Jornadas do Programa de Pós-graduação em

Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, 16 de junho de

2016.

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118 CONCLUSÃO - DO FAZER JORNALISTICO AO PROCESSO

Um trabalho jornalístico seja verbal ou não verbal, concreto ou abstrato, positivista

ou complexo, televisivo ou digital, tem na ausência de fronteiras talvez uma de suas principais

características. Na medida em que não há início e fim estabelecidos, o que significa a junção

de diversos outros textos, técnicas, tecnologias, conceitos, contextos e mediações.

Apesar da complexidade inerente à produção jornalística, há pegadas em seu

percurso que permitem a um observador atento definir paradigmas, dimensões e marcos

conceituais que atuam em sua dinâmica. Desta forma, o olhar processual sobre a cobertura

jornalística permite arranhar um pouco além de sua superfície, admite, nesse implexo de

pegadas, observar caminhos, estabelecer relações e compreender nuances imperceptíveis a

algumas outras formas de pesquisa social, o que consentiu a essa pesquisa trazer algumas

questões importantes.

A centralidade desta Tese está na investigação da cobertura jornalística a partir de

um olhar processual na prática, auscultando a rede acionada em sua dinâmica. Pela qual se

delineou um mapeamento destes procedimentos no sentido de identificar as marcas de seu

fazer.

Direcionamo-nos para as análises e apontamentos obtidos com a investigação do

processo de cobertura jornalística no contexto da complexidade, pela abordagem da crítica de

processo, realizando uma tessitura entre a metodologia, teorias, os dados obtidos e os

caminhos identificados.

Há que se apontar que entre as dificuldades trabalhadas no estudo está a escassez de

conteúdo teórico específico que pense o jornalismo considerando a sua prática não como algo

ideal, mas no campo dos acontecimentos onde a área é vivenciada e entreposta a um cenário

de mudança.

Como possíveis contribuições metodológicas, percebe-se a crítica de processo como

um caminho possível de ser seguido por pesquisadores da comunicação, uma vez que as

análises apontam que os caminhos escolhidos possibilitaram um outro olhar sobre a cobertura

jornalística. Não mais como algo acabado em si e restrito a técnicas e muito menos apenas

como uma iluminação criativa, mas sim como pratica social da produção coletiva que tem nas

marcas da subjetividade e da rede acionada em sua constituição suas principais características.

No campo prático, a possibilidade de se refletir a respeito do contexto teórico da

cobertura jornalística também por sua dinâmica se distingue como uma contribuição deste

estudo, uma vez que pela vertente adotada há uma inversão, não usual em pesquisa no

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119 jornalismo, em que, se por um aspecto não se parte estritamente da academia para pesquisar a

área, por outro, nem tampouco o olhar investigativo está centrado isoladamente no resultado

apenas ao que é veiculado pela imprensa. Os pontos de diálogos e atravessamento

estabelecidos nas coberturas jornalísticas propriamente ditas são igualmente importantes.

Como contribuições teóricas, a tese dialoga com diferentes dimensões do processo

jornalístico, em uma reflexão teórico-prática em torno da identificação do seu campo de sua

produção. O adensamento e a estratificação nas coberturas estudadas forneceram um

instrumental que serviu para a consolidação de um pano de fundo teórico lastreado pelas

seguintes dimensões: interação do fazer jornalístico; deslocamentos da cobertura jornalística-

do local ao global; mobilidade de equipe; fontes de informação; e conflito e catástrofe em

catarse.

A percepção sobre a tendência de conexão em torno da dinâmica da atuação da

imprensa nas coberturas jornalísticas produz a ideia de que os estudos na área não devem

desconsiderar essa dinâmica. Em que as ‘interações do fazer jornalístico’ exercem

significância neste processo, podendo interferir mesmo na cobertura em questão.

As análises remetem à compreensão de que as coberturas jornalísticas têm essa

interconexão no campo do fazer, mecanismo que funciona como um catalisador de

experiência e conhecimento para outras produções e critérios comuns e também na própria

cobertura em questão.

Outra percepção, em meio a esta discussão, é a identificação de uma significativa

marca processual neste caminho de interação do fazer jornalístico: o ter que aprender, uma

vez que o jornalista se vê em um contexto em que uma produção leva a outro trabalho da

imprensa. Não há uma ruptura, em termos de experiência e articulação em meio ao processo.

Cabe também uma reflexão, neste contexto de interação no fazer jornalístico para a

vinculação e a permanente necessidade de aprendizado, quando o profissional vê-se inserido

em determinada pauta, sem um histórico de atuação no assunto. Isto pode ter influência tanto

na relação desses profissionais com suas fontes de informação como no conteúdo produzido.

Essa é uma das características reconhecidas pelos próprios jornalistas, quando

apontam sobre a dificuldade de tratar um assunto que não dominam, o histórico dos

acontecimentos e fontes ligadas a determinado tema. Embora este contexto não estampe de

forma direta a cobertura jornalística, pode influenciá-la como por um conteúdo sem tamanha

densidade como seria possível a um profissional que tenha oportunidade de estar

acompanhando o tema de forma específica.

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120

Em relação à dimensão ‘deslocamentos da cobertura jornalística: do local ao global’

e das questões pujantes que sobrevêm nesta análise aponta-se um deslocamento não só de

interesse, mas daquela realidade específica que ganha um efeito expansivo e passa a ser

acompanhada diariamente pela mídia. Discussão que também remete à ideia de ampliação da

noticialidade, no sentido de que um assunto inicialmente restrito a determinado espaço

geográfico, acaba por ganhar proporção na cobertura mundial, via essa mobilidade.

Assim, ao pensar sobre a óptica do processo, o jornalista pode potencializar sua visão

sobre o “fato jornalístico”, o que permitirá a inserção de múltiplos olhares e variáveis sobre

sua narrativa.

Ao se dimensionar os profissionais envolvidos em determinado trabalho de

acompanhamento da imprensa, a ideia de ‘mobilidade de equipe’ está intrínseca e ganha

expressividade por diferentes angulações: seja pela troca de profissionais envolvidos em uma

mesma cobertura ao longo do tempo, seja pelo recurso de correspondentes em diferentes

lugares do País, mas focados em um mesmo trabalho. É comum editoras diferentes, mas

unidas pelo mesmo fato jornalístico, acompanhando o tema, publicar não apenas os conteúdos

produzidos por sua equipe, mas republicar matérias de agências de notícia.

Há nesta discussão uma marca expressiva do processo de cobertura que está

relacionada à ideia de semiose de apuração. Os jornalistas apontam essa tendência ao

explicitar sobre conteúdos que embora tenham sido publicados em apenas uma matéria, sejam

resultados da apuração de diferentes profissionais, mesmo que separados fisicamente.

Percurso que também leva a ampliação da referência a que o material jornalístico

remete, uma vez que reúne percepções e conteúdos de diferentes profissionais, advindos de

campos de apuração diferenciados.

Outra dimensão sobre a tendência de mobilidade de equipe remete a matérias

produzidas por profissionais distantes geograficamente de onde o fato ocorreu, uma vez que

há conteúdos produzidos por jornalistas que apuraram o fato ocorrido há mais de mil

quilômetros de distância. Exemplo disso diz respeito ao episódio de acionar o repórter para

apurar e escrever o material sobre o rompimento da barragem em Mariana (MG), direto da

redação em SP. Fica a discussão sobre o reflexo disso na constituição da rede do fazer

jornalístico, referenciada neste estudo.

Essa discussão também nos remete à dimensão trazida pelas ‘fontes de informação’,

em que os profissionais envolvidos, nas coberturas jornalísticas acompanhadas, relatam o

contato com fontes de informação de natureza diversa, mas que trazem conteúdo e narrativa a

sua produção. Fica nítido que ao acionar determinadas fontes, o profissional estabelece um

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121 encaminhamento a seu material, que poderia ter sido outro, se suas escolhas fossem

diferentes. Essa possibilidade é revelada por reincidentes situações apontadas pelos próprios

profissionais no contexto das coberturas acompanhadas.

Há que se destacar a referência desses jornalistas sobre a identificação e produção de

uma reportagem em função de se acessar um determinado relatório de investigação. Um

exemplo disso é o fato do profissional ter identificado um engenheiro que trouxe outro olhar

sobre o rompimento e risco eminente da barragem Mariana (MG) ou até mesmo no

acionamento de relações anteriores estabelecidas pelo jornalista com suas fontes de

informações, o que garantiu o acesso a uma fonte exclusiva.

Ambiência que leva à discussão sobre os jornalistas que não conseguiram acessar,

por exemplo, no caso de Mãraiwtesédé, a reserva indígena envolvida na disputa. Aos

profissionais que não tinham um histórico de envolvimento com essas fontes, restou apenas o

contato com a população local de não índios, autoridades locais e Força Nacional. Além de

exercerem importância estratégica na elaboração da notícia, as fontes também estabelecem

determinadas narrativas ao conteúdo jornalístico, o que resultou, nesse caso, na restrição do

olhar sobre os envolvidos naquele contexto.

Dessa forma, a relação com as fontes de informação vigora como uma marca

processual preponderante na cobertura jornalística. Nas dinâmicas acompanhadas neste

estudo, por exemplo, identifica-se que alguns profissionais não conseguiram contato com

todas as fontes de informação, chegando a apontar, que, em uma próxima produção,

gostariam de ouvir os índios, no caso da cobertura em Marãiwatsédé (MT). A cobertura em

questão, poderia ter tido outro desdobramento, se as fontes ouvidas fossem outras.

Essa discussão nos leva a outro elemento de conexão na cobertura jornalística, a

mediação do jornalista em meio a seu processo de cobertura. Tendência em que há as marcas

da subjetividade, no permanente embate com a dita objetividade jornalística.

Essas relações nos remetem à discussão sobre as consequências de se pensar o

jornalismo também pelo seu processo de produção e que buscamos acentuar no percurso e nas

dimensões trazidas na Tese, demonstrando que essas tendências ainda não imperam no estudo

do jornalismo no contexto acadêmico e nas redações brasileiras.

Faz se então necessário refletir sobre o papel da academia em formar profissionais

não apenas aptos em atuar no contexto do jornalismo brasileiro e que, portanto, dominem a

linguagem impessoal, com frases diretas, regidas pela tutela “idealista” da objetividade e

imparcialidade, mas que compreendam que o processo jornalístico tem na densidade da sua

rede de produção significativa influência na cobertura produzida. Em que a singularidade de

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122 cada processo, não só remete à identificação da rede instituída em sua produção, mas na

responsabilidade ética e social de seus partícipes.

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APÊNDICES

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131 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTAS

ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM JORNALISTAS QUE ATUARAM NA

COBERTURA EM MARÃIWATSÉDÉ

Nome do profissional:

Veículo de Comunicação:

Período em que trabalha na empresa:

Fazer um apanhado sobre o processo de cobertura no veículo em que trabalha de

forma geral:

Fazer um apanhado sobre o processo de cobertura com os especiais e correspondentes

o Quantificar

o Pautas

o Dinâmica diária

o Coberturas continuadas

o Sistema de contratação- muda algo?

Fazer um apanhado sobre o processo de cobertura no veículo em que trabalha de

forma específica, no processo de desintrusão em Marãiwarsédé.

Retomar sobre como foi cobertura (apanhado espaço temporal e reportagens).

A partir das reportagens veiculadas no espaço de tempo pesquisado dialogar com o

profissional sobre este trabalho.

Questões estruturais e editorais que possam ter impedido ou alterado a produção de

determinado material

Abordar sobre a atuação da concorrência e a influência sobre o material do veículo em

que atua.

As opiniões, comentários e informações na plataforma on-line do veículo

influenciaram de alguma forma na cobertura desse material.

No diálogo já com o primeiro jornalista surgiu a relação/ referência à do rompimento

da barragem em Mariana (MG). Há relação nestas dinâmicas de cobertura, deixar que

os jornalistas falem sobre isso ao longo da entrevista e também pontualmente.

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Conversar individualmente sobre as reportagens selecionadas na pesquisa. Buscar

identificar questões que embora não apareçam diretamente no texto, influenciaram ou

ocorrem no transcorrer do trabalho.

Vocês publicam matérias de agências internacionais sobre coberturas locais. No caso

de Marãiwarsédé a Reuters mandou correspondentes....

Grata!

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133 APÊNDICE B- ENTREVISTA : JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO

Entrevista I

Entrevista com a jornalista Fátima Lessa

Especial do O Estado de São Paulo em Mato Grosso

Dia: 22/10/2015, Cuiabá, Mato Grosso

Pesquisadora: Como funciona o sistema de correspondência com o Estadão?

Fátima Lessa: Eles sugerem pautas ou eu posso sugerir, porque as vezes eles recebem

informações primeiro do que eu que estou aqui e as vezes eu encontro assuntos interessantes e

mando para eles. Muitos casos estão pipocando no estado que eles não têm nem noção. Quase

sempre mando as matérias, ao invés de pautas.

Pesquisadora: Eles te pagam só se usarem a matéria?

Fátima Lessa: Eles me pagam usando ou não, mesmo que eles não tenham sugerido, se eu

quiser a matéria e eles aceitaram, a publicação depois depende dos fatos, espaço e momento.

Muitas vezes eles ficam me cobrando a matéria e ela acaba nem sendo publicada, porque

acaba aparecendo um assunto do tipo congresso e planalto de Brasília.

Pesquisadora: Você cobre todas as áreas?

Fátima: Sim, todas as áreas, só não cobri a área de variedades (teatro, espetáculos), mesmo

tendo muita vontade, fiz a cobertura da copa, política, economia e o dia a dia.

Pesquisadora: Você está lá desde quando?

Fátima Lessa: Desde 2008, desde que o Nelson (o correspondente anterior) faleceu.

Pesquisadora: Quais são as matérias que mais saem? Política e Agronegócio?

Fátima Lessa: Na verdade o esporte, por causa da copa, economia (por causa do agronegócio)

e política.

Pesquisadora: A cobertura sobre Marãiwatsédé, não entra no agronegócio, aonde ela se

encaixa?

Fátima Lessa: No dia a dia.

Pesquisadora: Vamos falar da cobertura de Marãiwatsédé, quando começou?

Fátima Lessa: Começou em 2010, essa questão da data posso te confirmar depois.

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134 Pesquisadora: O processo de desintrusão, mesmo, começou no final de 2012.

Fátima Lessa: Exatamente, final de 2012 e início de 2013, onde comecei a cobrir direito, foi a

primeira vez que eu sugeri a pauta para o Estadão, acho que eles não tinham dimensão do que

era Marãiwatsédé quando eu mandei as primeiras sugestões antes de janeiro, mas eles ainda

não tinham percebido a dimensão do conflito, ainda estava no processo da polícia chegar e de

sair então fui esperando (Resumido).

Pesquisadora: Eles só se interessaram mesmo quando começou o conflito?

Fátima Lessa: Sim, porque a tensão que já estava no local e depois vimos em imagens e fotos.

Pesquisadora: Você não foi ao local?

Fatima Lessa: Não, fiz a cobertura ligando para colegas que estavam lá no local, amigos da

questão indígena e agricultores. Além disso, acompanhei muito pelas redes sociais para sentir

a tensão que estava lá.

Pesquisadora: Mas como assim?

Fátima Lessa: Eu tinha uma colega, no sindicato dos professores que eu dava assessoria,

queera dessa região e ela ficava no facebook, falando mal dos indígenas, ela tinha muitos

amigos que estavam ocupando as terras (posseiros) e eu acompanhava o que eles diziam.

Procurava ouvir essas pessoas para ter noção de como estava, afinal, tudo o que ela falava era

o discurso que vigora entre eles, era tudo muito forte.

Pesquisadora: E não era difícil para confirmar essas informações?

Fátima Lessa: Não, porque você liga para o pessoal das prefeituras locais, para polícia,

porque você está em uma desintrusão e quando essa pessoa vai para lá, tem toda uma

assessoria, tipo a polícia; os meninos daqui estavam ligados direto com lá, tanto a polícia

militar como a federal, as prefeituras, o pessoal das causas indígenas e um pessoal dos

agricultores. Se precisasse falar com alguém, você ia ao lado dos produtores e pedia para

algum se podia entrevistar para entender o que estava acontecendo, foi quando soube que eles

estavam sendo ameaçados pelos mais poderosos para não saírem.

Pesquisadora: Como você ficou sabendo?

Fatima Lessa: Os indígenas sabiam quem eras os pequenos agricultores que estavam sendo

ameaçados para não sair, para mexer na área, para criar essa tensão. E com essa pessoa eu

conseguia falar por telefone, depois eles realmente confirmaram.

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135 Pesquisadora: Eu pergunto isso porque a Folha (jornal Folha do Estado- MT) acabou

mandando o Jardel (enviado especial para ao cobrir o conflito) como correspondente e ele não

conseguiu passar do bloqueio dos produtores rurais e eu sentia que ele tinha dificuldade em

pegar informação. Então muita coisa que eles falavam não que fosse mentira, mas eles

exageravam, maximizavam.

Fátima Lessa: Mas sabe qual a vantagem de cobrir um conflito desse, porque eu tenho toda a

comoção em cima de cobrir movimento de índio e de terra, jornalista já pega meio a mania de

polícia, pela voz pelo jeito de falar, você já sabe que é exagero, se o cara fala que tem

quinhentos você sabe que pode colocar cinquenta por cento, então é a questão de experiência,

acho que isso facilita correspondentes do mundo todo, essa experiência.

Pesquisadora: Mesmo conseguindo cobrir longe?

Fátima Lessa: Por exemplo, eu cobri Belo Monte e tive algumas matérias que ganharam capa

no jornal, porque eu conversava com tudo mundo, dava um jeito, virava a noite conversando

com o pessoal do sindicato, com o pessoal da empresa.

Pesquisadora: Conseguia visualizar o que não era verdade, que a população poderia estar

maximizando, que ela não era ingênua.

Fátima Lessa: Porque a gente sabe que a população não é ingênua, tanto de um lado como de

outro, experiência né?

Pesquisadora: De saber o contexto?

Fatima Lessa: Exatamente, eu pegava uma televisão daquelas imagens violentíssimas, cada

cena que a gente viu, parecia uma guerra, depois foi muito bom o ministério publico que

soltou um dossiê sobre quem era esse povo que estava incentivando a violência e fazendo

pressão. Quando eu conversei com umas pessoas que moravam no local, não as identificava

por medo, né, porque sabe quem iria ler. Eles só falavam porque confiavam na pessoa, para eu

pedir informação de um cara que é envolvido na causa indígena eu preciso conhecer ele, não

só por telefone. Então, eu ligo e pergunto se tem alguém de confiança lá para me passar

informação, confiança assim para não inventar, para inventar e acrescentar muito, tem índio

sendo morto quando na verdade só teve porrada e briga, mas exagerado do jeito que eles são.

Teve o dossiê do Ministério Público que foi dado em uma coletiva e nos pegamos vários

documentos.

Pesquisadora: Quem era responsável?

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136 Fátima Lessa: Do ministério Público federal? Uma promotora, nova ela, só trabalha com a

questão indígena. Muitas pessoas foram identificadas pelo Ministério Público e pela polícia

federal, eram pistoleiros, que ficavam lá ameaçando. O que a gente descobriu depois, falando

com Miltinho (editor de Nacional em SP) do Estadão, teve uma pessoa lá dentro, essa pessoa

estava presa e de repente ela aparece lá dentro do conflito, aí eu fui descobrir que ele

conseguiu uma liminar para ser solto e essa liminar foi dada por um desembargador que é um

dos maiores poderosos que tinham área lá dentro. Então, fiz essa ligação, dizendo que o que a

polícia estava falando era verdade que existe uma relação “umbilical” desembargador que

tinha terra e pistoleiro, que apareceu livre por meio de uma liminar que saiu no dia que ele

estava de plantão. Fiz até uma matéria chegando a falar sobre pessoas que foram investigadas

e descobriram a ligação.

Pesquisadora: Essa matéria chegou a sair no Estadão?

Fatima Lessa: Não lembro, mas as que eu mandei todas saíram, só não saíram as de antes do

conflito, mas todas que eu mandava elas saiam e da mesma forma que eu mandei, eles não

cortaram nenhuma matéria, sempre perguntavam antes de mexer ou acrescentar algo, mas sem

mudar o que eu escrevi. Após o início dos conflitos, todas as matérias foram publicadas sem

tirar nada, eles mandavam o print para mim dizendo que a matéria tinha saído e avisado se

tinha sido capa. A capa serve só para os outros verem, acaba te dando uma moral, mas tem

muito também do feeling, tipo o conflito de Alta Floresta (MT) que a Polícia Federal matou

um indígena e eu fiquei pensando em como fazer o gancho da matéria. Neste caso, a PF

matou ou o índio que saiu? Daí eu pensei: deve ter alguma coisa errada, aí não lembro se ouvi

no rádio ou vi um vídeo. Na verdade, uma amiga minha que é indígena e é do Maranhão, mas

mora aqui e me disse: - Fátima eu conheço alguém que estava lá na hora. Então, eu peguei o

telefone dessa pessoa e conversei com ele, além de tudo o índio falava muito mal o português,

e pelo o que ele descreveu eu consegui contextualizar por telefone o clima lá na hora, se você

ler a matéria parece que eu estava no local.

Pesquisadora: Você tem que fazer uma matéria “imaginativa”? Uma imagem do que a pessoa

vivenciou, quando o leitor visualiza a cena fica implícito o crime, né?

Fatima Lessa: É, o delegado matou mesmo o índio por maldade. A polícia federal hoje se

acha a justiceira e se achando tudo eles jamais vão aceitar que um índio jogue água neles ou

alguma coisa nele, foi mais ou menos por aí que o delegado achou que estava mexendo com

ele e então puxou a pistola, tentou negar né.

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137 Pesquisadora: Mas é difícil colocar uma afirmação dessa na matéria?

Fátima Lessa: Aí eu tive que usar minhas fontes, para dizer que além do delegado e do índio

tinha essa fonte. Mas Marãiwatsédé foi isso, depois deu uma esfriada, aí teve outro conflito

quando colocaram os pistoleros. Lembro da cena dos caras chegando em cima de uma

camionete dando tiro para cima desafiando a policia, nessa hora você percebe que a policia

também está com medo, porque os pistoleiros não tinham o que perder.

Pesquisadora: Você chegou a cobrir a história do Dom Pedro Casaldáliga?

Fatima Lessa: Não, Dom Pedro eu acompanhei a história dele foi lá na Folha (jornal Folha do

Estado - MT), que aquele pistoleiro que depois foi prefeito, um cangaceiro, ele foi ser julgado

e o advogado esculhambou com Dom Pedro. Uma falta de respeito, fiquei até brava com um

amigo meu, eu disse para ele: -“Como que vocês deixaram falar de dom Pedro? Deviam ter

invadido o fórum”. Mas eu acho que eu entrevistei dom Pedro para o Estadão mesmo, para

umas matérias que eu precisava.

Pesquisadora: Em Marãiwatsédé ele chegou a ser retirado, né? Por isso que eu te pergunto,

mas como você não e estava no local é difícil, né?

Fátima Lessa: Mas eu ligava, ele tinha uma secretaria, o Dom Pedro. Entrevistei umas 4

vezes Dom Pedro, mas sobre esse conflito não.

Pesquisadora: Durante esse conflito ele quase não falou, pelas notas que eu vi, talvez uma

estratégia de segurança. Mas alguns veículos publicaram que ele estava sendo ameaçado,

então a polícia o retirou.

Fátima Lessa: Eu conversei com Dom Pedro ainda na Folha, mas não me recordo o assunto e

depois com o assessor.

Pesquisadora: No caso de Marãiwatsédé você recebia pauta?

Fátima Lessa: Não, já ficava direto no conflito, a polícia vai subir, vai ter morte, aí eu

exagerava né, para subir pauta, - vai ter morte, - como você sabe? - índio, a polícia e o povo

não quer sair de lá, então, falavam para eu acompanhar e ver no que ia dar. Mas também tem

aquela máxima: a história estourou na Globo no jornal do Meio Dia. Perguntaram-me se dava

para cobrir e eu disse com certeza, eu fico preocupada é sobre que profissional vai fazer a

cobertura. As vezes a visão de quem vai fazer a matéria é o lado da terra produtiva e fica com

dó dos fazendeiros, mas não leva em consideração a invasão da terra indígena. Isso é um

discurso repetitivo sim, é um discurso repetitivo, porque o invasor é o branco que entrou lá e

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138 usou de poder político e envolvimento com juízes, isso as pessoas não vêem. Aí faço questão

de cobrir com todo sacrifício para não deixar passar isso, porque eu ouvi todos os lados.

Pesquisadora: Você sentia que eles tinham essa visão lá (na redação em SP), sentia que

acabou mudando um pouco a visão deles ou até mesmo a pauta mudava?

Fatima Lessa: Não, eles só diziam: acompanham o que tiver aí e vai mandando para gente,

manda flash, manda o que está acontecendo no dia a dia. Sem pauta definida, as vezes pediam

para eu tentar ouvir alguma história dramática. História dramática de índio é difícil, até

entender o que eles dizem é complicado.

Pesquisadora: É difícil até mesmo para humanizar o índio, já que a comunicação é difícil.

Fátima Lessa: Sim, você precisa usar outros agentes para poder passar esse lado, mas acredito

que essa experiência profissional foi muito boa, já acompanhei conflitos de terra no

Maranhão, no meu primeiro ano fui convidada para ver uma desocupação de sem terras pela

Polícia Militar. Saímos de madrugada e quando chegamos todos os barracos pegando fogo, só

tinham cinzas, aquilo não existe. A partir desse conflito, todos que eu fui em diante, as

características são as mesmas: os mais fracos acabam sofrendo mais, aí você acaba pegando

essa experiência, (A historia se repete, só mudam os atores e agentes). A gente estava falando

nisso eu e o ........... a lei dos pobres, na de política social, na política publica, (você é pobre

porque você quer) até hoje esse discurso se repete, desde 1300.

Fátima Lessa: Eu não gosto de falar que apenas o índio tem razão, mesmo eu achando que o

índio tem setenta por cento de razão. Quando eu escrevo tento não trazer apenas o olhar do

dominante, para que daqui a algum tempo alguém olhe para essa desintrusão de

Marãiwatsédé e veja todos os lados. O jornal é o maior fã da historia, afinal a historia é

escrita pelo vencedor e esse vencedor seriam os proprietários de terra.

Pesquisadora: Você teve alguma surpresa nesse processo de cobertura? Você passou a ter

mais espaço no jornal depois disso, no seu texto ou na sua cobertura?

Fátima Lessa: Acho que somente o envolvimento do desembargador, eu achei um absurdo.

Não, continuou a mesma coisa.

Pesquisadora: Teve alguma questão estrutural ou editorial que possa ter alterado sua

produção?

Fátima Lessa: Não tinha censura, mas as vezes a falta de espaço atrapalhou, mandava as

matérias e elas não eram publicadas, outras vezes também eles pediam para que eu desse uma

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139 esquentada na matéria, perguntavam se tinha novidade no assunto ou se alguém já deu a

matéria. Se a matéria não saísse era por não ser tão forte, mas, algumas outras eu cheguei a

mandar 20:00, 21:00 e eles ainda publicavam na primeira edição (Estadão tem 2 edições: a

primeira versão é nacional e a 2ª tem distribuição só em SP).

Pesquisadora: Eu vi que você utilizou muitas fotos do Medeiros e do Jardel, eles não

quiserem contratar um fotografo?

Fátima Lessa: Não, eles cobram de lá e negociam direto, o máximo que eu fazia era o

contato.

Pesquisadora: Geralmente você cobre os assuntos aqui de Cuiabá? Eles já te mandaram para

outros lugares? Porque eles não te pediram para ir pra Marãiwatsédé?

Fátima: Sim, aqui de Cuiabá, se não tem que pagar viagens e diárias, mas já me mandaram

pra Campo Grande, Campo Verde, municípios aqui perto que é possível de ir de táxi. Acho

que eles ficam com medo, perguntaram se eu conseguia cobrir de Cuiabá mesmo e eu disse

que sim, estar lá seria muito bom, ao final do dia você está nos bastidores, sentando para

comer, conversar.

Pesquisadora: Você disse que eles (redação em SP) não sabiam a dimensão, você acha que

eles não te mandaram para lá por esse motivo ou alguma outra questão?

Fátima Lessa: Acredito que por essa questão e também pela questão econômica, acabaram as

sucursais primeiro, depois correspondentes, então quem sobrou é PJ ou Freela. Eu sou Freela.

Mas muito se deu pelo Miltinho (editor do Estadão em SP, responsável pelo Nacional), ele

disse que eu daria conta, afinal se fosse para mandar alguém eles escolheriam de Brasília, já é

da casa. O Miltinho confia no meu trabalho, sabe que sou responsável, uma vez me ligou na

sexta à noite pra cobrir uma cidade no norte e eu fui descobrindo telefones e ligando e deu

certo. A reportagem de Alta Floresta foi diferente quando eu acabei de escrever eu olhei e

pensei será que fui eu mesmo que escrevi? Acredito em Deus e em anjo da guarda e o meu era

jornalista, falei com o rapaz de noite e ele muito nervoso, foi bem legal essa matéria (resumo

44h00min).

Pesquisadora: A concorrência influência no material produzido, dentro do Estadão?

(cobrança, pedido da mudança do foco e até influencia sobre a cobertura)

Fátima Lessa: Não, por exemplo, a Folha de S. Paulo deu a retirada de Dom Pedro e o

Estadão não, na hora eu acabo me cobrando, mas passa (se não deu, paciência). O próprio

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140 jornal não cobra muito isso, a não ser que seja algo forte, exemplo: uma morte no local não

noticiada, aí eles pegam um pouco. O Estadão tem todas as agências como a Folha tem e ate

mesmo na internet para pegar as noticias. Eles não cobram tanto o furo, eles dão as matérias,

mas não acredito que uma pauta sobre política deixou de ser escrita para que se noticiasse

Marãiwatsédé. A questão indígena não tem tanto destaque, por exemplo, Belo Monte já me

pediram uma matéria especial, mesmo estando longe a questão indígena mais o governo

federal, transformam a noticia em noticia boa.

Pesquisadora: Você acompanhou as plataformas online mais em nível de fonte e para

dimensionamento do ambiente e do que esta se passando

Fátima Lessa: Muitas pessoas entram em contato comigo, por email e ate contato que é

passado no jornal. Assim, acabo recebendo e-mails e comentários, principalmente na questão

de terra, uma cara vivia me procurando atrás de informação e ate conversar mesmo, já que eu

tinha uma cobertura boa. No conflito de Marãiwatsédé recebi telefonemas e e-mails

questionando o porquê do ocorrido após tanto tempo. Na questão de conflito de terras e índios

recebo muitos contatos, mas em relação a matérias de política e Copa, nunca recebi nenhum

contato. Conflito de terra e índio não é notícia nesse país.

Pesquisadora: Eu participarei de uma mesa redonda de debate em Alto Araguaia sobre

História, Política e Jornalismo e pensei em trabalhar sobre política e imprensa, mas não

apenas partidária, mas em desafiá-los a olhar a dimensão política dos acontecimentos. Como

sobre essa questão em Marãiwatsédé. Se você analisar a história deles é repleta de interesses

de poder, eminentemente política, o exército retirou a população indígena de lá, décadas

depois a história se repete com a Assembleia de MT aprovando aquela lei que permitia a

permuta da área de reserva indígena por outro local, mesmo após a decisão do STF. Afinal,

isso é política e a história também é contada pelos jornais, mas as vezes o veículo não dá

importância ou prefere escolher a decisão da CPMF e a história fica “parcial” por ser

pequena. Esses emails que você recebeu te ajudaram no caso de Marãiwatsédé?

Fátima Lessa: Não, era apenas para sanar curiosidades além da matéria.

Pesquisadora: Essa curiosidade te ajudou nos próximos textos? Nas suas matérias que vão pra

internet, você lê a seção de comentários?

Fátima Lessa: Também, ajudou na colocação de informações nas matérias que vieram após.

Algumas coisas eu acabo lendo, mas na grande maioria conversando com pessoas e colegas

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141 mesmo, essas colegas de redação ajudam muito (colegas que trabalham com o Miltinho na

secção nacional, sendo correspondentes nacionais e internacionais).

Pesquisadora: Começa a mostrar as matérias publicadas pelo Estadão.

13 de Dezembro de 2012 H5

Fátima Lessa: Matéria pequena, já tinha mandado várias pautas, essa saiu porque eles

sentiram que já ia começar a pegar fogo.

11 de Dezembro de 2012 H4

Fátima Lessa: Esse levantamento faz parte do dossiê apresentado pela Polícia Federal e o

Ministério Público, a PF fez o levantamento e passou para o MP. Ela diz que desconhecia o

confronto (abre parêntese com o garimpo para explicar esse desconhecimento). No garimpo

vai ter que desocupar, mas as coisas acontecem assim, o Ministério Público manda a polícia

fazer a retirada, mas não fica acompanhando como nós, que somos jornalistas e

acompanhamos o desenrolar da briga de forma mais direta, no local.

20 de Dezembro de 2012 Nacional

Essa é apenas uma nota. Eles fizeram um especial sobre a Rio +20. Anuncia mesa de debate

sem grandes comentários, mas é bem legal o espeço em um caderno especial.

06 de Dezembro de 2012

Fátima Lessa: Área de Mato Grosso será devolvida hoje a índios Xavantes, hoje que não

aconteceu.

05 de janeiro de 2013 Nacional

Fátima Lessa: Agricultores deixam área indígena no Mato Grosso.

1h 28 minutos .................... Eu não consegui entender muito bem,

Pesquisadora: Áreas protegidas em parques têm mais desmate. É de Geovania Girardi.

Fátima Lessa: Não sei quem é. Não conheço.

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142 APÊNDICE C- ENTREVISTA: JORNAL FOLHA DE S. PAULO

Entrevista II

Entrevista com jornalista Rodrigo Vargas, jornal Folha de S. Paulo.

Responsável por matérias especiais de Mato Grosso.

Data: 12/11/2015.

Local: Cuiabá, Mato Grosso

Rodrigo Vargas: No modelo de correspondente do jornal Folha de S. Paulo o trabalho é

assim uma loucura, você tem que estar acompanhando todos os temas, você não tem editoria

especifica, em geral se cobre mais do que um estado, no meu caso Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul e às vezes Rondônia e você tem que acompanhar os bastidores da política,

operações da polícia federal, obras públicas, esporte, turismo, questão indígena, questão

agrária. Então você tem que se manter minimamente informado, claro que todo jornalista tem

que fazer isso, mas alguém que ta na editoria de economia é informado dos bastidores da

política, mas não tanto assim. Então existe esse desafio de se acompanhar tudo ao mesmo

tempo e não tomar furo, não da mídia local, mas de outro correspondente ou até mesmo de

alguém de São Paulo que consegue levantar a matéria de lá, afinal isso acontece porque a

gente não é super homem, não consegue o tempo todo sabendo de tudo.

Pesquisadora: Há quanto tempo você trabalha na Folha?

Rodrigo Vargas: Fixo quatro anos como correspondente, dois anos e meio em Campo Grande

e um ano e meio em Cuiabá, e desde então (2011) como colaborador, um freela fixo você vai

fazendo matérias quando eles têm necessidade ou você tem alguma sugestão.

Pesquisadora: O sistema continua o mesmo? Desse texto que você me deu?

Rodrigo Vargas: Não, o colaborador não tem obrigação de não tomar furo, afinal eu não sou

contrato, então eles não têm direito de exigir nada de mim além daquilo que a gente

combinou, eles acabam pedindo se posso fazer algum trabalho exemplo a vinda do Aécio,

coisas que eles ligam, mas também as vezes eu ligo como foi o caso do garimpo de Pontes e

Lacerda, semana passada eles me ligaram para falar do Mirante de Chapada, eu fiz e a matéria

saiu ontem. A reação é bem mais leve.

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143 Pesquisadora: Vocês já definem se vai veicular ou não antes de produzir?

Rodrigo Vargas: Não, eles definem se interessa ou não, se interessa eles vão me bancar e me

pagar mesmo se a matéria não sair. Claro que se eu trouxer um trabalho muito ruim eles vão

reclamar, às vezes acontece de a matéria não sair o que você espera que ia acontecer acaba

acontecendo antes da publicação da matéria ai acaba não saindo, no caso do Mirante a matéria

deveria ter saído no sábado, mas no sábado estourou a barragem de Mariana, como o jornal

não tinha espaço pra mais nada, ai na segunda-feira a polícia acabou fechando o Mirante, ai

eles só mudaram um parágrafo e publicaram a matéria. Geralmente o que não vai para o

impresso vai para o online, já que tem mais espaço, mas indo para o online o pagamento é

menor.

Pesquisadora: Se você acerta uma cobertura longa como funciona o sistema?

Rodrigo Vargas: Desde que eu saia a única cobertura longa que eu fiz para ele foi da Copa,

durou um mês e quinze dias eu fiquei à disposição, era como se eu tivesse contratado,

fecharam um valor fixo para o mês todo e aí era todo dia, mas isso só ocorreu durante a copa.

Pesquisadora: E o processo de desintrusão em Marãiwatsédé?

Rodrigo Vargas: Então, ali já tem diferença, Marãiwatsédé eu cobri principalmente para o

Diário, porque a principio a questão ainda estava muito nebulosa para que as pessoas de São

Paulo entendessem e quando eles decidiram fazer a cobertura um repórter de lá foi designado,

isso acaba acontecendo, às vezes ele sugere ou consegue convencer para mandar. Dentro da

estrutura da Folha a Agência Folha é uma editoria a parte, ela é uma editoria dos

correspondentes, ela que conversa com os correspondentes, pega os textos e fazem a revisão,

e é o representante da Agência Folha que vai à reunião de pauta, para mostrar os assuntos dos

correspondentes.

Pesquisadora: Quem é o Representante?

Rodrigo Vargas: É o Luiz Eblak, chefe de reportagem, coordenador geral e é ele ou outra

equipe (que fazem parte da coordenação da Agência Folha) que fazem o primeiro contato,

fazem sugestão de assunto, pedem alguma matéria e levam o resultado para reunião de pauta.

No dia a dia eu converso muito com a Raquel Botelho (coordenadora adjunta) e a Denise

Chiarato.

Pesquisadora: Essa forma de cobertura (por região, sem ser especializada) dificulta o

trabalho?

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144 Rodrigo Vargas: É difícil, exemplo é a questão política onde muitas vezes somos levados por

uma impressão se você não está o dia inteiro na cobertura, você não conhece quem é a pessoa.

Às vezes alguém fala que essa pessoa diz uma coisa numa matéria e depois muda, esse

conhecimento de bastidores para o correspondente, que tem que tratar de vários temas, fica

prejudicado, já que as fontes as vezes não são especificas, já que um repórter de política está

todo dia atrás de informação. Exemplo dessa dificuldade é o estouro da barragem de Mariana,

o correspondente de Minas não está vendo nada, não está indo a assembleia legislativa, não

está falando com fonte sobre nenhum assunto, é um cara que está o dia inteiro em Mariana

comendo só aquela questão e está tendo que aprender sobre barragens e o setor de mineração.

O fato de trabalhar na Folha de S. Paulo ajuda, você chega lá e diz que é do Diário de Cuiabá

o tratamento é um, você chega dizendo que é da Folha o tratamento é outro, a fonte já fica

mais aberta, é mais fácil ter acesso a autoridades, fonte, assessor te ajudar, o fato de ser um

veículo nacional acaba amenizando a dificuldade e auxiliando nessa cobertura, também ajuda

muito você estar ligado, no meu caso de manhã já abria o navegador, minha página inicial

eram trinta páginas de Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e interior do Pará, eu

passava os primeiros cinquenta minutos do meu dia lendo tudo que saia nessas páginas, pra

pelo menos me situar se acontecesse alguma coisa, saber quem procurar, nem sempre era

possível, mas pra mim funcionava.

Pesquisadora: Você ainda faz isso?

Rodrigo Vargas: Não, mas creio que vou voltar porque ando fazendo freela mais

constantemente, passei um período bem focado no site, aí avisei para eles, tanto que ficou um

rapaz no meu lugar o Nelson França, aí agora estou querendo voltar.

Pesquisadora: Você enfocou um pouco essa mudança na forma de contratação da Folha de S.

Paulo.

Rodrigo Vargas: Bom falar de contratação que eu não sou contratado, tenho vinculo nenhum,

é um relacionamento econômico, um serviço, a Folha não tem isso, mas a revista, antes de eu

receber o pagamento, ela me faz assinar um papel abrindo mão dos direitos autorais.

Pesquisadora: Como é a relação com o editor e essa relação atrapalha no desenvolvimento do

trabalho?

Rodrigo Vargas: No caso do editor, ele está em São Paulo a mil por hora, recebendo várias

ligações de correspondentes, isso dificulta um pouco no dimensionamento de fatos e até de

distâncias, afinal esse é um estado periférico. Essa compreensão ultrapassa a pauta e vai para

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145 o lado físico mesmo, afinal é muita informação para um ritmo muito acelerado. São ótimos

jornalistas que, após decidirem pela sua pauta, buscam saber sobre os fatos apurados, se sua

fonte pode comprovar, se tudo está bem escrito e bem feito, antes da pauta é difícil, eles ficam

sempre apreensivos se vai acontecer o fato, se isso vale ser noticiado. No caso de

Marãiwatsédé eles não compreenderam que uma cidade dentro de uma área indígena ia ter

que ser riscada do mapa, só quando chegaram que se deram conta da magnitude do que estava

acontecendo, por esse lado a cobertura podia ter sido melhor, mas são muitas coisas ao

mesmo tempo e a prioridade é o Sul e o Sudeste, as pautas que emplacam são as que trazem o

inusitado, pitoresco e acaba sendo mais difícil emplacar uma cobertura que permita contar

uma história do começo ao fim, contextualizar tudo que veio antes e tudo o que veio depois.

Para mim o futuro do jornal gira em torno disso, falar do amanhã, noticiar o que ainda não

aconteceu, o que vai acontecer, e dar uma dimensão sobre um processo (como da desintrusão)

que na cabeça das pessoas era menor do que realmente é, sendo assim o correspondente

precisa desempenhar esse papel de tentar dizer e dimensionar o fato para um contexto

nacional, as vezes a matéria convence o editor, mas na hora da reunião de pauta ninguém se

interessa.

Pesquisadora: Tem alguns temas que são mais complicados? Você vende mais o pitoresco do

que a notícia mesmo, ou do que um jornalismo interpretativo? Às vezes é mais fácil levar essa

questão ambiental e indígena do que um assunto mais “sério”?

Rodrigo Vargas: Assim no período que eu tive contratado eu emplaquei muita matéria, tenho

oitocentas e de tudo quanto é assunto, mas eu sentia que a Folha de S. Paulo quer ser um

jornal nacional, logo não tem espaço para todo mundo e as vezes o que eu achava que merecia

atenção, saia como uma nota ou noticia compactada. Exemplo é uma matéria obre

desmatamento que eu fiz, me mandaram pra Alta Floresta e eu entrei em contato dizendo que

de carro não seria possível e eles arranjaram uma hora de avião pra tirar fotos e filmar pra

matéria, ai entrei em contato com o pessoal do ICV (Instituto Centro de Vida) para descobrir

onde teria possíveis pontos de desmatamento e voamos até lá pra e tinha um trator derrubando

as árvores, saiu como manchete no outro dia, “Desmatadores desafiam Governo”, ai sim eles

pediram pra que ficássemos acompanhando de perto o que tava acontecendo aí ficamos mais

duas semanas escrevendo matérias.

Pesquisadora: Tinha o gancho nacional antes de a matéria sair?

Rodrigo Vargas: Sim, até porque uma matéria que é relevante aqui, pode não ser tanto para

alguém que more em Caxias do Sul, então você tem que estar sempre buscando brechas para

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146 poder colocar seu material, por isso você tem que estar ligado, às vezes acontece de uma

discussão nacional ter um exemplo na sua região. Em minha opinião o correspondente precisa

saber disso, como que as questões locais se inserem na discussão nacional sem forçar a barra.

Pesquisadora: Então existe a questão do material e da investigação sobre o conteúdo e se ele

vai valer a pena e também a parte econômica, você acha que isso interferiu em

Marãiwatsédé? E depois que você se tornou freelancer algumas matérias que você fazia

passou para as mãos de outro?

Rodrigo Vargas: No caso de Marãiwatsédé eu já era freelancer então não tenho muito o que

dizer. E sim quando eu era fixo, eles queriam que eu produzisse, mas ao me tornar

colaborador eles querem o algo a mais, também esperam que o fixo de São Paulo entre em

contato e fala com os colaboradores daqui.

Pesquisadora: Alguma matéria já saiu assim?

Rodrigo Vargas: Tem, mas as que ganham importância eles acabam sempre mandando

alguém, mesmo que isso venha se reduzindo em quase todos os veículos. A própria extinção

do escritório de Cuiabá foi um corte de custo, todos os jornais estão passando por uma crise

terrível, o modelo estrutural de negócio que existia não existe mais, o público que pagava por

jornais e revistas não quer pagar mais, quer ver na internet de graça.

Pesquisadora: O que me chamou atenção é que a pessoa que mora no local sempre acaba

tendo mais contatos e não precisa passar por essa fase de adaptação, então a Folha adotou esse

sistema. Quem foi o enviado pra Marãiwatsédé?

Rodrigo Vargas: Naquele momento eu não insisti muito eu estava numa outra correria e

cobrindo muitas matérias para o Diário, Copa do Mundo, então eu não posso afirmar que seria

diferente afinal eu não era mais fixo da Folha de S. Paulo e eles não tinham ninguém fixo

aqui, mas eu acho que para se fazer uma cobertura dessas é bem mais difícil do que já foi no

passado, até porque a verba pra freela é cada vez mais curta e enquanto a matéria não

estourou, eles preferem segurar. Foi o Daniel Carvalho, que mora em Brasília.

Pesquisadora: A cobertura de Marãiwatsédé você foi pelo Diário?

Rodrigo Vargas: Eu cheguei antes da desintrusão, para eu conversar com as pessoas e

entender o que estava acontecendo, porque no momento da desintrusão a polícia está ali,

então a cobertura fica factual a o que está acontecendo ali na hora e para essa cobertura eu

achava importante conhecer e saber quem são aquelas pessoas ali, ficamos uma semana no

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147 local, eu passei um dia e meio com os Xavantes (ouvindo histórias e tirando fotos) e três dias

com a população que vivia ali. Os índios estavam sobre muita tensão e como era uma parte

pequena não tinha a necessidade de passar mais tempo, o Posto da Mata foi um símbolo do

que estava acontecendo ali, pessoas foram levadas para lá, para criar esse efeito de que era

uma cidade e que essas pessoas não deveriam ser retiradas. Muitas dessas pessoas foram

sabendo que aquilo era área indígena, mas que foram levadas por interesses maiores, essas

pessoas eram divididas em camadas: os bem pobres (muitas vezes tinham comprado a terra de

boa fé e não sabiam da área indígena e outros que sabiam, mas se baseavam nos mais ricos

pra se manterem na área), uma camada de gente que se beneficiou da ocupação e se aliou aos

ricos pra organizar a ocupação e os grandes e ricos que lucraram muito e a desintrusão não foi

tão prejudicial. Consegui entrar nessas camadas é um trabalho mais longo e eu não queria

fazer uma coisa maniqueísta (os bons contra os maus), fizemos um “caderno” pra quem fosse

ler tivesse um panorama do que acontecia ali quem eram as pessoas, o que cada um diz o que

o Ministério Público diz e o que está na história, tem coisas que são inegáveis, a demarcação

da terra indígena é um fato, o processo foi todo concluído e de acordo com a constituição,

então não tem como reverter esse processo constitucionalmente, existe polemica em relação

existir as áreas indígenas em si, mas como existem e aquilo é demarcado como uma não há

discussão. Outra matéria importante pra entender o que aconteceu em Marãiwatsédé é um

levantamento do Ministério Público sobre os donos de área, um terço das áreas está nas mãos

de gente muito “grande”, esse levantamento ia ser encaminhado pra Polícia Federal eu acabei

conseguindo acesso, próximo ao momento de desintrusão, esse documento serviu pra quebrar

o paradigma de que eram coitados que estavam ali, onde na verdade esses coitados só serviam

como âncora emocional pra que não acontecesse a desintrusão, mas isso não era culpa dos

índios, nem de quem demarcou a terra e sim de quem se beneficiou com tudo aquilo. A

desintrusão ocorreu tranquilamente afinal ninguém plantou soja e nem nada que fosse difícil

de carregar, todos criaram gado, que era só por no caminhão e levaram embora, mas o tempo

que aquele pasto foi usado de graça já bastou para pagar essa “perda”. Aquilo foi uma ação de

grilagem comandada por gente muito forte politicamente e economicamente e que se valeu de

gente humilde para se perpetuar. Quando eu cheguei a associação estava fornecendo tijolos e

cimentos para quem tivesse casa de madeira construísse casa de alvenaria e isso com a

desintrusão próxima de acontecer. Todo mundo que eu entrevistava era funcionário das

fazendas, não tinha nenhum grande fazendeiro, era gente humilde mesmo.

Pesquisadora: E os fazendeiros não moravam lá?

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148 Rodrigo Vargas: Muitos não, o próprio Renato que era presidente da associação era de

Goiânia. Associação dos produtores de Suiá Missu. Celular de Goiânia. Tanto é que depois da

operação que prenderam alguns integrantes dessa associação por grilagem e tudo que foi feito

ali, muitas pessoas foram presas em Goiânia.

Pesquisadora: Essas questões você percebeu estando lá? Esse tempo a mais passado lá,

ajudou em algum aspecto?

Rodrigo Vargas: A primeira vez que estive em Marãiwatsédé foi em 1999 e eu fui várias

vezes a São Felix e fiz muitas matérias com Dom Pedro, sempre cobrindo a questão indígena,

então era um tema que volte e meia eu tratava. Em 2005 teve um bloqueio na rodovia feito

pelos índios e eu que fiz a matéria. Teve uma vez que os fazendeiros queimaram a ponte que

dava acesso para São Felix, fiz a aposentadoria de Dom Pedro (que ao fazer 75 anos teve de

renunciar). Eu já tinha as fontes para matéria, conhecia o antropólogo que tinha feito as

demarcações então não era difícil essa matéria. Ter ido antes era importante porque aquele era

o momento do fim, todas aquelas pessoas tanto índios quanto os poceiros estavam vivendo

aquela tensão e toda aquela história passada estava chegando a uma conclusão, então foi

importante ouvir, por exemplo, um cara que comprou um silo de grãos um ano antes por um

milhão de reais, fico imaginando a pessoas que vendeu para ele. Você claramente via que os

poceiros acham que a desintrusão não ia acontecer, chegava a ser comovente. Então a ida até

lá me deu essa perspectiva, afinal por telefone não conseguiria ver por outra ótica.

Pesquisadora: Essa outra ótica interfere na criação do seu texto?

Rodrigo Vargas: Eu não preciso concordar com a pessoa, mas você tem que buscar entender

ela como ser humano e que ela está ali, porque em algum momento ela tomou uma decisão,

mesmo não sendo uma decisão acertada, mas que ela tinha motivos pra isso e que na maioria

dos casos não era por mal, não eram criminosos, ou você percebe que a pessoas tem o

conhecimento, e isso você só percebe conversando com a pessoa, pela forma como ela se

expressa, pela expressão corporal, como ela te recebe, tudo isso interfere no seu trabalho e no

seu modo de ver as coisas. Então se eu não tivesse ido, talvez teria escrito uma matéria por

telefone e não fosse chegar a conclusão que eu cheguei, então foi fundamental pisar no chão

que você vai cobrir, sentir a situação. Eu lembro que o vento me chamou muita atenção,

estava com muita poeira, você quase não enxergava, lembrava um clima de faroeste, e eu

acabei usando isso no texto, alguém me disse que era o vento de agosto, já que aquele seria o

mês onde seria anunciado o desgosto e estavam todos esperando esse desgosto chegar, o dono

do mercado, manicure, todo mundo vendo tudo se acabar, pra mim esse era o ponto do Posto

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149 da Mata, não a questão de o que seria feito com ele (mesmo isso sendo muito importante),

mas eles chegaram ali por culpa de alguém e por necessidade de um grupo grande que não é

pobre que não era bobo, e as pessoas acabaram sendo enganadas. Logo essas pessoas

deveriam ter recebido o tratamento mais humano possível e não foi isso que aconteceu.

Pesquisadora: Esse clima de tensão que você já falou sobre eu também senti conversando

com a Fátima Lessa (Correspondente do Estadão) que cobriu Marãiwatsédé, mas aqui de

Cuiabá e ela me contou uma história de um desembargador que mandou soltar um dos

pistoleiros da região e mesmo não conseguindo confirmar história ela passou a informação

para o editor.

Rodrigo Vargas: Em relação à desintrusão eu gostaria de ter coberto mais de perto, mas ela

foi arrastada até dezembro e eu tinha uma viagem pessoal pra fazer, mas revendo a

desintrusão seria bacana como fato mesmo, mas se eu fico feliz de ter pego esse momento

anterior, onde não tinha polícia, não tinha ninguém, pra interferir na entrevista das pessoas,

afinal uma entrevista na frente da Força Nacional é diferente de outra com ele me recebendo

na casa dele com um cafezinho pra conversar comigo, então no ponto de vista do que eu

queria em relação a aquela história essa parte foi muito satisfatória, onde o fato não ocorreu

ainda.

Pesquisadora: Essa experiência antes citada você acredita que ajudou na apuração dos fatos?

Rodrigo Vargas: Acho que pode ajudar e atrapalhar pode atrapalhar se você já tinha ideias

pré-concebidas e isso acabar direcionando o seu trabalho de apuração, mas ela ajuda no

sentido de que algumas coisas que você escuta não são novas e já sabe o que é interessante de

se escrever sobre, algumas discussões que não vão mudar como a desmarcação das áreas

indígenas, isso nunca aconteceu e nem vai. Agora descobrir quem se beneficiou com aquilo é

interessante de se apurar, não para colocar o pessoal do Posto da Mata como vilão, mas sim

como vítima, que aquilo era muito maior que eles. Além do fato de já conhecer algumas

fontes, facilita acesso (como eu conhecia o pessoal para acessar a área indígena). Em minha

opinião a apuração tem que ser honesta então você não pode apurar os fatos a seu favor, afinal

a matéria é a opinião de cada um e isso é importante, mas a apuração dos fatos tem que ser

sincera, acho que a imparcialidade não existe mesmo, por isso o jornalista precisa buscar

demonstrar o máximo possível do que está acontecendo, independente se a verdade contradiz

a sua pauta inicial ou que você achava que era certo e até na sua escolha de fonte. Quando fui

falar com os Xavantes pedi para uma pessoa conhecida por eles para me levar e fazer a ponte

e mesmo assim teve um momento de tensão, os Xavantes me cercarão e começaram a falar na

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150 língua deles, então o rapaz que já os conhecia conversou com eles, só aí que eles sentaram e

conversaram conosco.

Pesquisadora: O rapaz que cobriu para Folha do Estado (MT), chegou em cima da hora e

ficou na zona da mata, as matérias que chegavam mostravam que ele realmente tinha falado

mais com os produtores, isso era perceptível até nas palavras usadas por ele, por outro lado

ele não conseguiu fazer a apuração direito, não conseguia passar da Zona da Mata para falar

com os indígenas.

Rodrigo Vargas: O que me chama atenção é que em toda área indígena que você pergunta pra

quem mora nos arreadores, nunca teve índio, então as coisas se repetem em todos os lugares,

utilização de gente pobre pra justificar a estadia, eles usam a política do caso consumado,

como foi o caso de Jarudode, essa área foi demarcada em 1940 e reconhecida por Marechal

Rondon para os Bororos e foi sendo invadida (e os governos locais colocando estruturas

públicas por interesse) e agora já se tornou uma cidade, área que devia ser dos Bororos, hoje

você pergunta e eles dizem que nunca teve Bororo lá. Esse caso de Jarudode o processo já

caminha e tem muitas decisões favoráveis para a desintrusão. Então esse discurso se repete o

que muda apenas é o endereço, então se você se deixasse a levar por esse discurso você repete

esse erro.

Pesquisadora: Você acha que a vivencia do repórter faz diferença na cobertura (não apenas

de vida, mas de vivencia de fontes e conhecer a história)

Rodrigo Vargas: Faz toda a diferença, mas eu acho que você tem que ter conhecimento a

respeito do tema do que você vai tratar não necessariamente ser um especialista, mas antes de

chegar no local já ter uma quantidade de informações do que está acontecendo ali, ao chegar

no local você vai reconhecer aquilo que está acontecendo ali e ir para a segunda fase, onde o

aprofundamento do assunto é maior.

Pesquisadora: A cobertura da concorrência e o material que eles lançavam, fazia diferença

para sua coberta e para o seu material?

Rodrigo Vargas: Eu acredito que não me encaixo nesse meio porque eu não estava na

desintrusão, então não tinha ninguém cobrindo na época, depois continuei cobrindo por

telefone então acredito que sim, no sentido de você não se aproximar o bastante da associação

dos produtores e o repórter tem uma proximidade maior, ai saia antes em outro veículo, até

porque depois da matéria falando dos grandes que se beneficiaram com Marãiwatsédé

algumas portas se fecharam e isso foi mal visto pela associação, mas a gente tem que correr

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151 atrás e mesmo assim às vezes o concorrente dava antes. Eles tinham de avaliação era que a

cobertura do Diário era pró índio (A associação). Eu procuro não olhar tanto, ler, mas sem

tentar comparar, afinal isso interfere tanto no meu jeito normal de olhar as coisas.

Pesquisadora: Essa cobertura de Cuiabá foi mais complicada?

Rodrigo Vargas: Sempre é, afinal você tem que descrever algo que você não viu, exemplo,

passam a informação que fecharam a rua com duas mil pessoas, será que tinham duas mil?

Será que fecharam mesmo¿ Então tem esse lado difícil, mas a distância é grande, como que

você vai deixara alguém dois três meses lá¿ Mesmo eu conseguindo falar com todos por

telefone, até mesmo os índios, já que tinha um orelhão na aldeia e Cacique Damião tinha

celular, também tinha a Prelazia, que era um ponto de contato, afinal os índios confiavam na

instituição. Ao longo dos períodos mais difíceis eles tiveram o apoio da Prelazia.

Pesquisadora: Você disse que era difícil de confirmar algumas informações, a Prelazia

ajudava nesse aspecto?

Rodrigo Vargas: Na verdade confirmar era difícil, por exemplo, eu não confio nas

informações da polícia, às vezes a polícia militar diz algo e isso nem se aproxima da

realidade, isso acaba acontecendo porque a polícia está sobre pressão de um coronel local e as

vezes até trabalhando para ele. Então eu tinha como fonte oficial a polícia, mas tentava ouvir

ao máximo fontes extras oficiais que tinha ali. Como fonte de cunho oficial a polícia ali era a

mais confiável e acima de todas a PRF que não sofria tanta influência local. Um exemplo

dessa dificuldade de confirmar informações, os índios diziam que alguém tinha colocado fogo

no pasto deles e quem estava no posto da mata dizia que os próprios índios que tinham

colocado fogo.

Pesquisadora: Você falou de algumas questões que surgiram durante a cobertura (ter ido

antes da desintrusão, relatório do Ministério Público)?

Rodrigo Vargas: Bom esse relatório foi a primeira vez que os reais interesses por trás daquilo

ali foram revelados, até porque um jornalista pode ir ali e se comover com as histórias e

pessoas, e se comover de um modo que começa a defender aquela situação, por isso se corre o

risco de se deixar levar por isso, não necessariamente se você visitar o local você encontrara a

realidade, afinal você pode se deixar levar e escrever algo que não represente o que realmente

está por trás daquilo e acabar sendo um instrumento não para ajudar, mas sim quem levou as

pessoas a aquela situação, quem promoveu a situação como um todo. Afinal quem entrou no

primeiro momento sabia o que estava acontecendo, a construção do Posto da Mata ao redor

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152 daquele posto de gasolina, foi orquestrada, tiveram reuniões para definir aquilo. Esse relatório

trouxe que um terço das terras estava na mão de vinte e duas pessoa, dentro dessas um grande

grileiro da região que ficou milionário com essas invasões, tanto que depois acabou sendo

preso na operação pluma da Polícia Federal, ele até dá uma entrevista no documentário de

Marãiwatsédé, onde ele dizia ser pacífico e tinha um segurança atrás dele, esse grileiro foi

quem arquitetou tudo, ele é um especialista em grilagem de terra naquela região, fazer esse

processo de grilagem, que consiste em incentivar o “pequeno” a entrar, dando as áreas piores

e com isso colocando gente “grande” pra explorar as melhores áreas e criar um problema

social pro governo caso queiram tirar todo mundo.

Pesquisadora: Quais questões foram alterando a sua cobertura?

Rodrigo Vargas: Relatos de perseguição a índios na estrada, pistoleiros vindos de vários

lugares, boatos de que haveria resistência, armada inclusive, a desintrusão. Não sei até que

ponto essa ideia do barril de pólvora era construída para justificar a não desintrusão, também

perceber que esse grupo mais “forte” estava financiando sim, nos protestos as faixas não era

aquelas feitas em casa, eram todas bonitas, a construção de casas após tanto tempo que já

estavam no local, esse é o tipo de coisa que você só percebe estando lá. E uma coisa que eu

queria fazer nessa cobertura antecipada era uma entrevista com o cara da Prosub, ele não quis

fazer, não sei por que ele não quis falar, ele me disse que aquele era o momento de seguir

orientação e mandou o advogado para eu entrevistar, até falei com o advogado, mas não ia

fazer uma matéria completa em cima disso, depois consegui o número de mais alguns

membros da associação e eu sempre ligando, principalmente no momento que chegou a

polícia. E o que eu sentia acima de tudo, tanto dos índios, quanto das pessoas era aquela

dúvida sobre o que o juiz ia decidir, eu me sentia um porta voz, tanto quanto os índios quanto

os posseiros, eu nunca prometi nada(situação vai melhorar e tal), sempre disse que faria uma

reportagem e eventualmente alguma autoridade poderia ler e fazer alguma coisa, mas eu que

estava ali só pra escrever e isso eu faço pra conseguir ser alguém que está ali pra tentar

entender essa situação das pessoas e não alguém que vai lá pra resolver todos os problemas.

Sempre busquei me colocar na condição de não ser visto nem como amigo e nem como

inimigo. A área indígena não aceita nenhum tipo de posse, até mesmo anterior a demarcação

da área não é aceita porque aquela é uma área imemorial, anterior a qualquer ocupação. Na lei

de hoje se você está numa área indígena demarcada você não tem direito nenhum sobre a

terra, então as pessoas de Marãiwatsédé que receberam alguma coisa de volta era quem não

tinha condições nenhuma e foram ajudadas mais por uma questão social.

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153 Pesquisadora: Vamos analisar as matérias da Folha.

Justiça da prazo para que os fazendeiros saiam de terra indígena- São Paulo- Não assinada

2012

Rodrigo Vargas: Às vezes essa reportagem foi feita por pessoas da própria agencia, porque

são fáceis de confirmar por telefone e não tem muito espaço. Essa não foi uma das que me

pediram alguma coisa, mas não me lembro de fazer algo para Folha de S. Paulo.

Pesquisadora: Artigos de opinião têm muitos sobre Marãiwatsédé, porque não é um conflito

que a mídia costuma ter, não teve mortes e nem nada, mas como tudo que sai no jornal

interfere na cobertura eu acho importante. Você conhece o Juca Varela?

Rodrigo Vargas: Com o Juca nunca trabalhei e ele não foi embora ficou lá fotografando,

porque eles assinam juntos, quando a cobertura é mais complicada. Quem conviveu muito

com eles, foi o pessoal do Olhar Direito, o Lucas e o Jardel Arruda.

Pesquisadora: O Jardel foi pela Folha do Estado (MT) e depois pelo site, ele que ficou preso

e não conseguiu entrar, nós queríamos outra versão, mas ele não conseguiu entra.

Matéria da Folha do Estado (MT) onde ele só cita Reinaldo.

Rodrigo Vargas: Daniel estava em São Paulo já. Isso foi antes de ele ir para lá. Aguirre era o

corresponde de Belém, hoje se não me engano ele está em Brasília, mas naquela época era

Belém com certeza.

São Paulo 2013- Daniel

Campinas-2013-

Rodrigo Vargas: Essa matéria foi escrita no domingo na hora do Plantão e aí é quem está de

plantão, esse plantão você tem que ficar ligado o dia todo caso chegue uma matéria, agora

como freela não tem tanto isso, as vezes como foi no caso dessa visita do PSDB aqui em

Cuiabá eu passei a tarde toda com o pessoal que estava de plantão no fim de semana. Mas era

uma vez por mês, eu tinha que ficar de plantão sábado e domingo e ligado em tudo, as vezes

ligava para alguém lá de Manaus e com o prefixo 65, aí dizia que era para a Folha de S. Paulo

e eles ficavam em dúvida.

Artigo- Katia.

Artigo de Professor da USP

Nota da internet - remetendo a uma matéria maior que saiu.

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154 Pesquisadora: Porque a maioria delas saiu em poder e não em nacional?

Rodrigo Vargas: O poder é o primeiro caderno que é aberto na Folha, é basicamente o

caderno mais importante, então temas que possam ser nacionais, mas que possam ter uma

repercussão jurídica, política e social maior acabam sendo puxados para o caderno de Poder,

ainda mais se for um tempo que não tem muita coisa, desmatamento já saiu em poder, no

começo saiu em Ciências e depois que ganhou visibilidade foi para o poder, depende do que

vai impactar mais. Nesse ponto deve ter sido considerado, conflito, impacto social, conflito

indígena, algo que envolve uma política nacional do tratamento dessas questões, então é nesse

sentido que eles entenderam que seria uma matéria com repercussão maior.

Entrevistadora: É interessante porque eles reconheceram o fato de ter uma dimensão maior,

mas em cima da hora.

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155 APÊNDICE D- ENTREVISTA: JORNAL ESTADÃO (SP)

Entrevista III

Entrevista com jornalista Milton Rocha do Jornal Estadão.

Editor do caderno de Nacional.

Dia: 18/11/2015, São Paulo (SP).

Milton Rocha: Já trabalhei no jornal Globo como chefe de redação do estado de São Paulo, no

Jornal do Brasil também onde cheguei a ser chefe de redação, sempre ligado a

correspondentes. Quando estava no Globo trabalhei com os estados do Paraná, Acre,

Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul era toda minha. O Globo dava importância

nacional, por exemplo no Nordeste teve vários correspondentes, Ceará, Bahia e Pernambuco

sempre tiveram correspondentes, para dar uma visão que o jornal não se importava somente

com o Rio de Janeiro e São Paulo. O Estadão também busca essa cobertura nacional, dar

importância ao país todo. Um exemplo disso é esse caso de Mariana, que está a tendo uma

grande cobertura, cobertura que deslocou muita gente.

Pesquisadora: Entendo que você é especialista nessa articulação da cobertura nacional, é

você que cuida de tudo isso?

Milton Rocha: Não, por exemplo, em alguns lugares o Estadão tem correspondentes próprios,

aí esses correspondentes vão direto para as editorias próprias, as vezes as editorias até pedem

matérias, por exemplo Brasília, pedem sobre Política, mas fazem outras coisas também.

Então, algumas matérias não passam por aqui, afinal somos uma sucursal (Brasília), assim

como o Rio de Janeiro.

Pesquisadora: Quantos correspondentes vocês têm? E quando você fala correspondente é, por

exemplo, a Fátima Lessa? Você consegue mensurar quantas pessoas estão mandando matérias

mesmo? (Ele me mostrou uma pasta com mais de 200 nomes)

Milton Rocha: Acredito que umas 30 pessoas, por exemplo tem um correspondente no estado

de São Paulo que vale por mil, que é o José Maria Thomaz Elo, que fica em Sorocaba e tem

fontes em tudo quanto é lugar, como eu também tenho no norte do estado em Ribeirão Preto o

Rene Moreira, que pega a área de São Carlos, Ribeirão Preto e o sul de Minas, que ele domina

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156 aquela área e as pessoas, como sabem que ele é correspondente, elas já ligam para ele,

sugerem pautas.

Pesquisadora: Eu já fui editora de Política, então eu vejo as coberturas mais por área, eu

tenho dificuldade em ver de outra maneira e conversando contigo vejo que você vê a

cobertura mais por área geográfica e não por pauta, então, quando tem algum tema específico

tem algo do perfil do seu repórter que você seleciona?

Milton Rocha: Seleciono, por exemplo tem coisas que não dá para um repórter que faz um

determinado assunto fazer, por exemplo, uma matéria de política tem que pensar em quem vai

fazer, assim como economia, até porque as vezes o tema da matéria não é um tema que

qualquer um saiba. Por exemplo, no Piauí, eu peguei um repórter em Terezina para fazer a

matéria sobre a influência da seca na criação de bovinos e etc., e eu sei que ele vai fazer bem.

Eu peguei no Sul que vai fazer sobre os prejuízos da chuva. Essas matérias vão sair juntas

com o material de economia, então, teremos o sul e o nordeste, o pior de ambas as partes, já

que as chuvas destruíram muita coisa no sul. E no Nordeste o Piauí. A gente reclama da

chuva aqui em SP, mas vai lá sofrer o que eles sofrem. Eu falo que estamos fazendo uma

matéria no Sul e eu quero uma parecida aí no Nordeste, explica a morte do gado pela seca,

destruição de plantações.

Pesquisadora: Pelo que eu entendi, então você está fazendo uma cobertura casada, com a

economia e com repórteres diferentes?

Milton Rocha: Eles não sabem, mas eu falo que estamos fazendo no Sul e isso e também no

Nordeste, mas abordagens diferentes sobre o mesmo tema.

Pesquisadora: Tem algumas pautas regionais que viram nacionais pelo contexto nacional, por

exemplo a chuva, ter esse dispositivo nacional acaba mostrando uma cidade de menor

importância acaba sendo vista nacionalmente?

Milton Rocha: Exatamente, tem o caso de Mariana, onde pensamos nas igrejas e lugares

históricos, tem uma postura muito religiosa, aí acontece uma desgraça dessa, onde uma

barragem racha e acaba com um distrito da cidade, e tem outras barragens que também estão

assustando, por estarem sendo reparadas. Então, nós mantivemos gente em Mariana,

mantemos gente novamente em Minas Gerais, em Belo Horizonte, porque ele descobriu que

vai ter um substitutivo de mineração da assembleia, levado pelo governador atual por causa

do que aconteceu lá. Matérias que surgem pelo conflito na área e também as vezes as matérias

saem porque houve a eclosão de um conflito. E também quando não acontece, não eclode, a

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157 gente faz eclodir. Quando a gente descobre algo, percebe que é um filão, que valha, a gente

identifica e faz. Como quando descobrimos que tem algo que vale fazer a matéria, até mesmo

política, por exemplo, nos descobrimos que o PT esta perdendo prefeitos no interior de São

Paulo, que é uma área rica para o PT, então colocamos o Jose Thomaz Ella para fazer, ele fez

uma matéria legal.

Pesquisadora: A pauta nacional é muito ampla, você já me deu o exemplo de economia e

política, existe alguma área vinculada ao dia a dia que surge sempre?

Milton Rocha: Depende, as vezes surgem, mas cabe a nós sugerirmos. A gente pede pra quem

trabalha para nós como freela nos enviar sugestões, porque como ele está no lugar, ele

consegue ver coisas que nos não conseguimos, então, temos que estar aptos a saber ouvir e eu

trabalho isso vendo muitas coisas, lendo muito, conversando com o meu pessoal, Claudia

Sthephani Muller, Cilene Souza Farias, somos em três, já fomos quatro, mas eu to pedindo

uma quarta pessoa novamente, trabalhamos também com o pessoal da área internacional, que

são uma equipe de tradutores de alto nível, traduções do NY Times, Economist, também um

correspondente da França que é critico agora. Então, cuidamos dessa parte internacional, mais

como tradução porque o jornal já assina agências internacionais, é uma equipe de três

tradutores. Mas um deles está doente, então, estamos buscando mais um, que é uma moça que

vem para cá e um quarto que faz a tradução só do Economist, que as vezes são uma página

exclusiva para o estadão, afinal nos já temos contrato. Precisamos desses tradutores porque

temos alguns termos e palavras, como de economia, que são diferentes aqui e lá. Esse

episódio que ocorreu na França, se não fossem os tradutores não teríamos um material tão

vasto, a Terezinha fala francês, alemão.

Pesquisadora: Nós estávamos falando um pouco das áreas na editoria, tem alguma área que

acaba cobrindo mais? Quando vocês estão cobrindo e vêem que vocês precisam mandar

alguém para o local, ele sai da sua editoria e ele vai para específica?

Milton Rocha: Depende dos acontecimentos, nós ficamos muitos dias agora por conta de

Mariana, nós demos umas duas até três páginas para isso, então, depende das notícias. Do

ineditismo mesmo e os leitores procuram isso, principalmente porque agora tem o portal

também e ele precisa ser abastecido, nem que seja com uma previa da matéria. Sobre a

editoria, quem manda já é a editoria especifica eu não mando ninguém. Como no caso de

Mariana, Cidades manda de forma específica (correspondente e pautas), mas eu continuo

cobrindo com o meu correspondente, aí mesmo a minha cobertura vai para o caderno de

Cidade, eles também podem me pedir uma pauta, querem que eu fale sobre alguma coisa ou

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158 determinado assunto, aí peço para os freelas fazerem, eles editam o material e eles fazem a

edição. Mas os freelas continuam pois têm fonte, mas eles que editam. Como no caso dessa

matéria sobre o substitutivo de lei que o governador está mandando, eles também podem me

pedir uma pauta, eu só faço a produção com os freelas e eles editam.

Pesquisadora: Como funciona a questão do texto, como é a edição? E o perfil do repórter.

Milton Rocha: O texto é aquele texto de jornal, que primeiro, tem um lide e um sub lide, que

te dá noção do que você vai ler, que chame pro leitor a atenção de ler o resto, tem muita gente

que sabe fazer isso, que chame atenção. Isso você tem que fazer em cinco linhas, não mais

que isso. Esse Leonardo de Belo Horizonte escreve muito bem, na verdade Minas tem

jornalistas muito bons. O perfil é ser sério e escrever bem.

Pesquisadora: Tem algum estilo que você tem que retrabalhar?

Milton Rocha: Não, porque quando o repórter escreve uma matéria especial, ou do dia a dia,

ele sabe o que a gente quer, precisa ter clareza, ate porque ele precisa passar aquilo para

outras pessoas e não somente para ele. Então, isso é uma realidade.

Pesquisadora: Eu queria falar agora um pouco sobre Marãiwatsédé e eu queria saber se você

se lembra quando a Fátima te ofereceu essa matéria e quando você percebeu que era uma

matéria de âmbito nacional, que eu vi o material e vocês veicularam bastante coisa.

Milton Rocha: Me recorda alguma coisa sobre isso...

Pesquisadora: Resumo. Agora isso é um contexto longe da realidade de vocês.

Milton Rocha: Nós fizemos várias coberturas sobre esse assunto tanto no Mato Grosso quanto

no Mato Grosso do Sul, que passava pela mesma situação, a invasão das áreas da fazenda do

Moacyr de Moraes, que o INCRA comprou, mas não soube distribuir e aquilo se tornou uma

verdadeira favela, nós chegamos a fazer matéria sobre isso, onde as pessoas que receberam a

terra não obtiveram assistência e todos esses processos que houve a invasão e tomaram conta,

precisaria ter alguém pra acompanhar o que pode fazer e ajudar. Todos esses processos que

houve invasão, que tomaram conta, foi complicado. Foram destruídas áreas de plantio de soja,

que seria bom para eles, tinha espaço em outra área para montagem de casas, mas não tinha

ninguém para acompanhar e ajudar nessa gestão, e o que falta são escolas e etc.. Não adianta

o Incra pegar e dar terras e não ajudar. Não tem critério do estado, de acompanhamento para

isso e são as pessoas pobres que sofrem por causa disso e a culpa não é deles, são dos

maiores. Em São Paulo, também; eles falam vamos dar casas, constroem e fica ali, daí as

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159 pessoas invadem, e as pessoas pobres que sofrem por essa falta de atenção. Isso que

aconteceu em Mato e Mato Grosso do Sul também aconteceu no Amazonas. No Amazonas os

índios foram acusados de matar um policial e o motivo é a falta de acompanhamento e chega

uma hora que eclode, nós mandamos pessoas para lá (José Maria Tomasella), para ver que as

pessoas de lá estavam querendo matar os índios, e isso acontece muito. No Mato Grosso do

Sul nós mandamos o Pablo Pereira (ele voltou agora da Colômbia, vai ser publicado agora um

material dele, desmilirização, ele foi cobrir a matéria sobre as minas que a FARC tinha

colocado na Colômbia, está começando um início de um processo de paz. Mas ele não

pertence a nossa área, é um repórter especial do jornal.) porque tinha que fazer matéria, o

pessoal ameaçava matar os índios, houve uma ameaça de guerra entre fazendeiros e os índios.

Os índios dizendo que os fazendeiros invadiram as terras deles, então, a Polícia Federal fez

uma intervenção, mas não foi solucionado ainda. Daí explode, eles falam que foi uma

mortidade. O jornalista acaba trabalhando com a questão da notícia, de cobrir a eclosão, que o

leitor queira acompanhar.

Pesquisadora: No caso de Marãiwatsédé como funcionou a cobertura? Você falou que muitas

vezes eles vão mandando a pauta e no caso essa cobertura especifica.

Milton Rocha: A gente pegava porque sentia a gravidade, pedíamos as vezes a matéria bem

dramática e já era dramática por si só, não precisamos ir longe para ver algo dessa magnitude,

quando as favelas são desocupadas é um deus nos acuda e quem paga o pato são crianças e

mulheres que precisam tirar os filhos e o tratamento dos índios no Brasil é muito chato de

norte a sul e até no Nordeste, eles ficam protelando e protelando e só tomam atitude quando

explode né.

Pesquisadora: Eu vi que esse tema é recorrente, no sentido de não sair só no nacional.

Milton Rocha: Às vezes ele sai em Política e até mesmo na área de Policia, no caso de

Marãiwatsédé apareceu no caderno de política que é o nacional.

Pesquisadora: Na Folha de S. Paulo essa matéria saiu em Política e no jornal o Estado de S.

Paulo em nacional, porque?

Milton Rocha: Nacional porque entra na área de política, a parte de nacional é bem política

mesmo. Depende muito de uma decisão do governo então acaba sendo uma discussão

política, e acaba sendo uma decisão do governo estadual ou federal, porque é uma reserva

indígena.

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160 Pesquisadora: Teve alguma matéria que a Fátima propôs a pauta e ela teve outra repercussão

quando chegou aqui?

Milton Rocha: Quando tem uma matéria assim a gente acaba tendo que acompanhar mesmo,

tem muita leitura, sendo em qual estado for.

Pesquisadora: Como tem muita leitura, nessa matéria específica você deu mais

prosseguimento, você percebeu que as pessoas tinham interesse? Teve alguma pauta que

vocês dimensionaram com um tamanho e ela tomou outra proporção?

Milton Rocha: Sim, um exemplo é essa cobertura das barragens, como que você deixa a

cobertura pelo meio? Porque as pessoas vão continuar querendo saber o que aconteceu ao

final. É uma cobertura do dia a dia mesmo, bem factual. Agora esse tipo de matéria, sobre

desmatamento, por exemplo (Caderno Especial que mostrei) o desastre ambiental ele atinge a

todos, não só o social, ele atinge a vida das pessoas, por isso acaba indo para outras editorias.

Teve uma da Raposa Serra do Sol (outra matéria que menciona sobre Marãiwatsédé mostrada

pela Pesquisadora) que era de criadores de gado lá em Roraima, o governo desocupou toda

área, retornou para os índios. O que os índios fizeram? Os índios cercaram, uma área de

preservação ambiental e abriram um parque que está aberto para visitação

Pesquisadora: Então, esse pode ser apontado como um exemplo de quando você pega alguma

problematização que ganhou destaque nacional e repercute nas regiões, como no caso dessa

matéria em que saiu sobre a Raposa Serra do Sol e sobre o caso em MT. É bem o trabalho do

editor.

Milton Rocha: É isso mesmo. A gente foi onde tinham os problemas. Eu me lembro que os

agricultores de arroz, ameaçavam os índios de morte, mas então o governo teve de intervir e

deixaram a terra para os índios. Daí na mesma página foi publicada a matéria: 'Agricultores

deixam terra indígena em Mato Grosso'.

Pesquisadora: Daí essa matéria que vocês publicaram (mostro a matéria/ reportagem

especial), é um pouco do que você já mencionou: trata de um tema específico que vai para

outra editoria. Fronteira do Agronegócio.

Milton Rocha: Isso mesmo, daí no caso foi publicado na editoria de Economia, mesmo sendo

um tema Nacional.

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161 Pesquisadora: Na sua editoria, as áreas que você mais cobre é economia, política? Vocês têm

a Agência Estado e depois da Agência Estado ele vai para todo o país? Você percebe

diferença quando a agência pega as matérias?

Milton Rocha: Esportes também porque cobrimos o campeonato nacional. Tem jogo em Santa

Catarina, nós cobrimos com os correspondentes. Por exemplo o Estadão aqui não trabalha

para a Agência Estado, ela tem as fontes dela e uma equipe do outro lado de lá, que é do

tamanho do jornal e eles têm acesso ao nosso material. As vezes eles reduzem a matéria, mas

quando o assunto é importante eles não mexem não, só assinam e mandam, então ela manda

pros jornais nacionais e pros internacionais também, sei que eles atendem países da língua

espanhola, casteliano (derivação do espanhol) e também pra França e eles compram as

matérias assim como nós compramos as deles, mas nossas matérias vão mais pra Europa,

afinal os Estados Unidos nós que usamos o material dele, ainda mais o The Economist, O NY

Times e da Inglaterra o Financial, que é o principal do país.

Pesquisadora: Para falarmos um pouco mais sobre a cobertura (mostro as matérias que foram

veiculadas), primeiro um lado socioambiental desse tema é bem claro pra você, mas eu não

sei como funciona isso quando você diz que vende a matéria para toda a equipe, direção,

porque é um lado totalmente diferente.

Milton Rocha: Mas você sabe que o pessoal do Estadão, do antigo jornal da tarde e da

Agência é uma preocupação ambiental muito grande, isso é uma coisa que deve ser feita

sempre, pois, entendemos que isso é o futuro, do país e de todos nós, porque se não cuidar do

meio ambiente, teremos problemas na agricultura, como a falta de alimentos, fome. Então, o

meio ambiente é um assunto muito importante e básico, tanto que temos especialistas

escrevendo sobre isso (artigos de opinião), tem pessoas que ficam brincando e dizendo que

esse lance do meio ambiente não tem nada e nós temos vários exemplos que tem sim, o rio

Tiete é um grande exemplo disso, onde o dinheiro que era pra ser usado na limpeza do rio foi

desviado, então tudo isso ta interligado, intercalado. Eu acho que a obrigação do jornalista

hoje é explicar isso paras pessoas que não sabem, os leitores de jornais de hoje estão mais

atentos a isso, afinal, as notícias do jornal acabam se propagando, até mesmo para televisão,

ela é replicada. Digo isso por ter um filho que trabalha na televisão e eles usam pautas para

escreverem matérias, nesse caso de Mariana, nós sempre estivemos na frente e a televisão vai

atrás. A gente não perde nesta área e isso é importante.

Pesquisadora: Falando sobre a concorrência, o material que outra empresa jornalística veicula

faz diferença na sua cobertura? Tem alguma interferência?

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162 Milton Rocha: Tem sim, a cobrança acima de tudo, caso deixemos de trabalhar algum ângulo,

então, interfere no caso de ter que mudar alguma coisa, não acaba sendo uma cobrança tão

dolorida, afinal, um dia é da caça e o outro do caçador. Então, é importante que haja essa

concorrência.

Pesquisadora: Sobre a plataforma online, a Fatima comentou comigo sobre alguns emails que

traziam comentários sobre as matérias, e eu queria saber como funciona essa plataforma

online, vocês têm essa interação, como que funciona tudo isso?

Milton Rocha: Quando se fecha a matéria para a plataforma online e para o portal, a gente tem

que dar isso rápido, então precisa ser um flash, chega a noticia e ela já é encaminhada para o

site, é uma obrigação. Tem-se ate uma cobrança sobre isso, quando se demora muito e quando

tem e não levanta, a gente cobra também. Os leitores também mandam comentários, por

meios de cartas e tem uma pessoa que cuida disso, e isso acaba chegando pra mim, quando é

algo mais serio alguém acaba vindo cobrar. Além de vermos isso nos jornais e na internet né,

na Globo.com e todos eles.

Pesquisadora: Na cobertura em Marãiwatsédé, a Fátima ela ficou em Cuiabá, foi uma

decisão de questão estrutural ou algo assim? Sei que é longe, cerca de mil quilômetros de

Cuiabá, mas a Folha de S. Paulo mandou, mas somente no auge do conflito.

Milton Rocha: Foi uma decisão de aqui mesmo, pensaram que o conflito não ia ser grande,

entendeu. Infelizmente nós não fomos, mas seria bom nós termos ido, eu concordo que seria

bom.

Pesquisadora: O jornalista Manoel Chaparro, um português, ele fala muito sobre o jornalismo

e diz que o jornalismo é isso, é a linguagem do conflito, então se o conflito ainda não tinha

eclodido fica difícil de ver de convencer, né? Teve essa interferência

Milton Rocha: Isso tem muito a ver, porque não temos como ter certeza que algo vai ocorrer.

Eles perguntaram, quando pensamos em enviar alguém; -mas como vocês sabem que vai ter

conflito? Mas lá no Amazonas nós fomos com dois porque a gente viu que o negócio seria

muito estranho, porque teve morte, os índios mataram três pessoas e sumiram com os corpos,

tocaram fogo nos carros. Após algum tempo acharam os corpos e agora os índios estão

liberados. Mas você sabe que foi muito importante a Polícia Federal lá, a presença do

jornalista ajuda muito, acaba ajudando a salvar vidas, já que as pessoas não querem se expor.

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163 APÊNDICE E- ENTREVISTA: JORNAL FOLHA DO ESTADO (MT)

Entrevista IV

Entrevista com jornalista Jardel Arruda, jornal Folha do Estado (MT).

Repórter da editoria de Cidades do Jornal Folha do Estado no ano de 1012. Atualmente atua

como repórter no site de notícias Olhar Direto.

Data: 16/02/2016.

Local: Cuiabá, Mato Grosso, Brasil.

(Áudio: Nova gravação (27 01:35:22) + (28 00:24:54) + (29 00:04:54) + (30 00:11:59)

Pesquisadora: Jardel Arruda, Jornalista, cobriu pelo Olhar Direto. Jardel, então só me explica

novamente.

Jardel Arruda: Na época eu era jornalista da Folha do Estado e enquanto eu estava lá em

Maratsuati eu também acertei para fazer matérias para o RDN News. Hoje eu sou jornalista

do olhar direto.

Pesquisadora: Aí quando você estava lá que você começou a cobrir para o site, certo?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Então vamos fazer o seguinte, conversar um pouquinho, começar, de você

falando sobre sua dinâmica de cobertura na Folha do Estado. Quando surgir a questão do site,

você só faz referência para mim. Você se recorda o período que você trabalhou na Folha do

Estado (MT)?

Jardel Arruda: De jul/12 a dez /12. Meados de 2012 até fim de 2012.

Pesquisadora: Você ficou só seis meses lá?

Jardel: Sim.

Pesquisadora: Então você não pegou o final do processo lá em Marãiwatsédé, da retirada das

famílias.

Jardel Arruda: Peguei, mas pelo site. Não mandava mais para a Folha.

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164 Pesquisadora: Me explica como você começou a trabalhar nesse tema em específico. Era só

você que trabalhava nesse tema lá na Folha?

Jardel Arruda: Na Folha do Estado (MT), era. Na verdade, foi o seguinte, o Orlando Morais

que foi meu editor a época, o editor do caderno de cidades, ele já conhecia o caso do Diário

de Cuiabá. O Rodrigo Vargas fazia cobertura. E quando nós saímos do Diário e fomos para a

Folha do Estado (MT), depois de alguns meses, ele lembrou do caso e falou “olha, Jardel, tem

esse caso aqui, o Rodrigo fazia cobertura. Da uma olhada, vê as coisas que saíram, vê o que

tem de novo, começa a procurar sobre isso”. E, a partir de então, sim, eu fui único que

trabalhei lá na Folha do Estado com esse caso. Eu comecei a procurar todos os processos na

justiça... Eu não conhecia nada sobre o caso, para falar verdade, antes. Foi a partir de então

que eu comecei a conhecer. Comecei a ler todo o processo judicial e vi que estava em pé de

acontecer uma coisa muito grande, que era a desintrusão. Não uma simples desintrusão, de

tirar duzentas, quinhentas pessoas de um lugar. Tinham milhares de pessoas lá. Os posseiros

falam em oito mil pessoas, mas, pelas estatísticas mais prováveis, de outros jornalistas que

estávamos lá e meio que fizemos o levantamento de quantas casas e fazendas tinham lá, a

gente acha que fossem quatro mil pessoas, no máximo. Mas quatro mil pessoas, de qualquer

forma, quatro mil pessoas sendo removida de uma área é uma coisa muito grande e uma

decisão inédita, tirar esse número de pessoas. Tantas fazendas tão grandes para uma

população indígena que não estava mais lá, que já havia sido retirada daquele lugar há muito

tempo, estavam em outras terras. Até que no começo dos anos 2000 eles voltaram para lá,

ficaram num trecho muito pequeno... Então, era um fato muito importante.

Pesquisadora: Como era a dinâmica de trabalho com a equipe?

Jardel Arruda: Éramos eu, o Orlando, tinha o editor adjunto junto com o Orlando (ele nem

sempre estava com o adjunto), mas ficou a Pesquisadora Cajueiro? Muito tempo, aí tinha mais

a Evelin, mais uma jornalista, o Willian. Nós éramos quatro jornalistas, um editor adjunto e

um editor.

Pesquisadora: E cada um cobria uma área, ou era por tema de reportagem, ou era aleatório?

Jardel Arruda: O Willian cobria polícia. Os outros assuntos de cidades eram mais divididos.

A gente cobria, trocava coisas, mas alguns casos ficavam mais específicos com uma pessoa.

Eu não lembro o nome dela, hoje ela é assessora do município, da secretaria de educação,

esqueci o nome dela. Mas justamente por que ela já havia sido assessora da secretaria de

educação e entendia bastante do assunto, matérias que envolviam escolas, geralmente ela

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165 fazia. Eu na época tive sorte, tive a liberdade de fazer algumas matérias diferentes, de ter

tempo para escolher algumas matérias, como? Que tinha casas em condições irregulares,

percorrer ocupações de terras urbanas aqui em Cuiabá e o caso de Suimaissú. Aos finais de

semana, todo mundo fazia tudo. Era revezado e quem estava de plantão, fazia.

Pesquisadora: Então, pelo que você me falou, essa separação era de acordo com a

especialidade, digamos assim...

Jardel Arruda: De acordo com a afinidade do jornalista com o tema.

Pesquisadora: E também, no caso de Marãiwatsédé, foi pela importância do tema ou pela sua

afinidade?

Jardel Arruda: Pelo meu interesse no tema e pela importância do tema. Então eu acabei

ficando com aquelas notícias.

Pesquisadora: Então vamos fazer um apanhado sobre seu trabalho lá. Como que era a

cobertura em si?

Jardel Arruda: No começo era muito telefonema, e-mail e processo judicial. Telefonema para

o pessoal da PROSUM que era a Associação dos Produtores de Suiamissú. Suiamissú era

como eles chamavam, o nome da antiga fazenda. Tive muito contato por telefone com eles, e-

mail com a FUNAI e com a OPAM (Operação Amazônia Nativa) – eles têm um trabalho com

os Xavantes?

Pesquisadora: É uma das mais antigas do Brasil

Jardel Arruda: Exato. E muito processo judicial, muita leitura de processo judicial.

Frequentei muito a justiça federal naquela época. Conheci o pessoal de lá, eu chegava e eles já

sabiam que processo eu queria, me entregavam, eu ficava a tarde inteira lá, lendo.

Pesquisadora: Você não conhecia e passou a conhecer quando começou a apurar esse caso?

Jardel Arruda: Eu não conhecia. Na verdade, eu não tinha acesso à justiça federal antes. A

primeira vez que eu fui ao fórum da Justiça Federal no MT foi por causa desse caso. Eu

consegui o número do processo, não lembro agora como, e fui lá e pedir para olhar o processo

e comecei a ir lá diariamente e ter contato por telefone com o pessoal da vara e já desenvolvi

uma afinidade com eles, eles me ligavam quando tinha uma movimentação do processo.

Pesquisadora: Então você conseguia acessar o processo e tinha as decisões daqui.

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166 Jardel Arruda: Tinha muito material no processo, muito material, muito documento. Era um

processo muito antigo, corria há muito tempo na justiça, mais de dez anos. Eram três volumes

no processo, salvo o engano, todos calhamaços cheios de documentação fartas de todos os

lados. Laudos da FUNAI, mapas dos posseiros, muita coisa. Muita história, muitas matérias

antigas anexadas. Aquilo foi minha maior fonte de conhecimento.

Pesquisadora: Até matéria serviu de prova?

Jardel Arruda: Muita matéria. E áudios também, de matéria de rádio inclusive, foram muito

importantes para o desenrolar do processo. Por exemplo, áudios de prefeitos, políticos em

geral, falando sobre ocupar aquela região, que foram chave na decisão judicial.

Pesquisadora: É, né... Que o MP para mostrar que não foi uma ocupação natural, que foi uma

ocupação...

Jardel Arruda: Uma ocupação organizada. De uma forma ou outra foi uma ocupação

organizada (de não indígenas na área em disputa). É um caso muito complexo na minha

opinião. Como eu tive lá e fiquei muito tempo lá e tive contato mais com um lado do que com

outro, inclusive, e hoje eu quero corrigir isso no meu TCC, tentando ter mais contato com os

indígenas. Naquela época a OPAM fechou eles muito, não deixou ninguém chegar lá. Nem o

Flavio, daqui de Cuiabá, fotógrafo, que tem toda uma proximidade, não teve autorização para

entrevistá-los.

Pesquisadora: Os indígenas?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Qual Flávio? Você sabe o sobrenome dele?

Jardel Arruda: Para não te passar errado, eu te passo depois, te mando o contato dele, que eu

tenho tudo. Então, eu não consegui contato com os indígenas. Quem mais conseguiu, na

verdade, contato com o outro lado foi o Rodrigo Vargas e não foi com os indígenas, foi com o

pessoal da prelazia de São Felix do Araguaia. Mas isso, na minha opinião, é diferente de

conversar com os indígenas e saber mesmo o que está acontecendo do lado deles. Acho que

ninguém na época teve essa chance. A gente teve a chance só de ver o processo, ver o que a

FUNAI colocava, o que o MPF colocava.

Pesquisadora: Depois eu vou conversar com o jornalista da Folha de S. Paulo. Eu já conversei

com o Rodrigo. Só que na semana o Rodrigo viajou pra China, lembra? Então quem foi o

menino e acho que ele também não teve acesso.

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167 Jardel Arruda: Não. Eu me lembro dele lá. Ele ficou dois dias lá. Eu lembro.

Pesquisadora: Então, ele foi embora no dia da desocupação.

Jardel Arruda: Ele foi embora antes. Na verdade, os jornalistas de fora foram embora antes

da desocupação final. Eu fui o último que não era do Araguaia a sair de lá. Quando eu saí de

lá, tinham muitas fazendas ocupadas, mas a vila estrela do Araguaia mesmo, ainda não havia

sido desocupada. Isso acabou acontecendo em fevereiro, bem depois, dois meses depois que

eles conseguiram terminar a desocupação. Processo longo, a desocupação.

Pesquisadora: Quando você saiu estava como?

Jardel Arruda: A maioria das fazendas desocupadas, mas a vila não. A vila é o posto da mata,

divina estrela.

Pesquisadora: Você foi embora que dia?

Jardel Arruda: Foi antes do ano novo. Acho que 28/12.

Pesquisadora: Voltando quando você me falou, suas primeiras fontes que você me falou, eram

aqui em Cuiabá mesmo.

Jardel Arruda: Sim. Era o processo judicial, o advogado da Prosum e e-mails para entrar em

contato com a FUNAI e a OPAM.

Pesquisadora: Contato com o pessoal lá só aconteceu quando você foi?

Jardel Arruda: Só quando eu fui para lá. Antes eu conversei com o Sebastião, que era o então

presidente da Prosum, algumas vezes por telefone. Mas eles mesmo não gostavam de falar,

ele preferia que o advogado falasse. Então era pouquíssimo contato com as pessoas de lá

mesmo.

Pesquisadora: E como que funcionava a questão das pautas? Seu editor te passava? Como era

essa dinâmica?

Jardel Arruda: Sobre Marãiwatsédé? Não tinha pauta diária. Sobre várias outras coisas ele

me pautou. Ele me pautou a primeira vez, né? Ele me falou “olha, tem esse caso. Você quer

dar uma olhada? Vai dar uma olhada”, mas depois ele não me pautava mais sobre isso. Eu que

vinha com as coisas novas sobre isso e falava “ olha, acho que tem isso, acho que podemos

fazer uma matéria”. Conversava com ele, ouvia a opinião dele. Ele sempre foi muito

ponderado. Ele tinha uma linha bem definida dele e daí a gente encaixava a matéria na linha e

era assim. Mas era sempre eu que estava atento ao processo e encaixava as coisas novas.

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168 Pesquisadora: E como era a questão do espaço? Você disse que você que sugeria, então se

você que sugeria, isso era aceito não era aceito?

Jardel Arruda: Depende. Teve vezes que eu tive oportunidade de ter uma boa página inteira,

com bastante espaço. Assim como teve momentos em que não tive muito espaço. Não pude

escrever como eu gostaria. Às vezes o que era uma matéria foi dividida em três, que eu acho

que desvalorizava texto, a matéria, a informação em si. Ficava separado, desagregado. Às

vezes dava certo, nem sempre.

Pesquisadora: E me explica uma coisa, qual era esse critério? Ele te falava, dava para

perceber?

Jardel Arruda: O critério era variável. A importância de outras matérias que tinham para sair

no dia. Isso contava. Então se tinha uma matéria que ele julgava mais importante para sair no

dia ela ganhava mais destaque. Aí eu tinha que me conformar com um espaço menor e tudo

mais. Eu acho que esse era o principal critério: espaço no jornal. E, às vezes, também vontade

de ter material guardado para outras ocasiões “ah, Jardel, isso aqui não é muito importante

hoje, a gente pode segurar e usar outro dia”.

Pesquisadora: Por que isso não é muito importante hoje?

Jardel Arruda: Um material que não era factual, por exemplo. Por exemplo, eu pegar e

resgatar uma coisa que estava lá atrás no processo judicial. Eu lembro que teve isso quando eu

falei sobre o laudo da FUNAI e também teve isso quando eu falei de um mapa alternativo que

os posseiros ofereciam. Eles falavam que aquele mapa que era o certo e não o mapa da

FUNAI. Me lembro claramente dessas duas ocasiões. Sei que teve mais vezes, mas não me

lembro claramente em quais ocasiões.

Pesquisadora: Mas então, você falou assim, na questão do factual. Então quando era factual e

tinha algo assim...

Jardel Arruda: Por exemplo, saiu uma decisão nova hoje. Ia sair, não tinha o espaço

adequado, saia no espaço menor, mas saia.

Pesquisadora: E quando que ganhava espaço? Quando tinha espaço, pelo que você me falou, e

tinha alguma outra vez que ganhava espaço?

Jardel Arruda: Claro! Uma coisa muito clara também eram as preferências do Orlando (então

editor do caderno de Cidades/Jornal Folha do Estado). Como qualquer pessoa ele também

tinha preferência, ponto de vista. E, por ter uma visão bem conservadora, que admira a mais

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169 valia, então quando tinha algumas coisas favoráveis aos posseiros, ele dava, talvez, um pouco

mais espaço do que quando era favorável aos indígenas. Mas é por que, eu também julgo, que

a gente tinha mais facilidade de ter acesso à informação desse lado.

Pesquisadora: Mas você estava falando agora do acompanhamento da cobertura. E quando

teve o auge do conflito, você acha que teve mais espaço, que não teve?

Jardel Arruda: Acho que teve sim. Foi manchete no jornal inclusive, quando teve o confronto

entre os posseiros e a PRF, teve bastante espaço. Eu estava lá e enquanto estava acontecendo,

de fato, alguma coisa, houve espaço. Houve.

Pesquisadora: Acontecendo alguma coisa você está falando...

Jardel Arruda: Confronto, quando estava tendo desocupação no auge da tensão. Talvez, nessa

época, teve o espaço que mereceria ter tido antes, bem antes, para as pessoas entenderem um

pouco mais o que estava acontecendo e a importância disso. Por que, não sei, quem sabe no

futuro vire jurisprudência para outras terras indígenas.

Pesquisadora: Pois é, eu pesquisei. Você não vê nada de outro processo de desintrusão no

Brasil.

Jardel Arruda: Mas é no futuro, quem sabe? Por exemplo, os índios há décadas atrás eles

foram retirados de lá, durante a ditadura militar e foram espalhados por várias missões

católicas. E eles pleitearam o direito de voltar para terra original deles. Quantos povos

indígenas foram retirados de sua porção de terra original e foram levados para o Xingu? Eles

não estão nas terras originais dele. E se um dia eles resolverem fazer isso também

Pesquisadora: Alegar jurisprudência...

Jardel Arruda: E isso é muito interessante, na minha opinião. Eu acho que aquilo deu um tom

do que pode acontecer no futuro sobre nossa política indigenista, sobre o rumo do Brasil com

esse tipo de coisa. Eu acho que isso é muito importante. E eu acho que isso talvez nunca

aconteça de novo. Talvez não, talvez sim.

Pesquisadora: Você falando assim, você dá a dimensão da coisa. A dimensão histórica

também, em termos não só de MT, mas do BR. E você mencionou aqui para mim algumas

coisas que interferiram na sua cobertura, nas suas matérias, que é um pouco a questão do

espaço a própria definição do editor. Você acha que isto pode ter impedido, alterado o seu

material? Qualidade, quantidade, abrangência?

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170 Jardel Arruda: Eu acho que sim, em algumas ocasiões. Até porque, além de tudo, ainda havia

uma divergência clara de linha editorial entre o próprio Orlando e a Marisa. A Marisa era

editora geral. Ela é bem mais voltada as questões indigenistas, e ele mais ligado aos colonos.

Colonos é um eufemismo bem legal.

Pesquisadora: Quando eu fiz o projeto, eu ia escrever “não índios”. É muito estranho. É o

jeito mais fácil de chamá-los, por que você vai chamá-los de que?

Jardel Arruda: Eu usei muito “não índios”.

Pesquisadora: É o jeito mais fácil a Folha também usa assim, a Folha de S. Paulo. Por que

chamar de branco não serve, eles não se consideram invasores...

Jardel Arruda: Não se consideram invasores. Eu usei muito não índios. Eles são o que? Eles

não são donos legítimos legalmente falando da terra, eles não se consideram invasores, eles

não são brancos. Eles não são índios. Ponto.

Pesquisadora: Ao mesmo tempo, eles não são nativos. Então você vai chamar de que? Mas

vamos voltar lá, você estava falando, explicando se alterou sua produção material.

Jardel Arruda: Sim. Eu sabia que eu tinha uma linha editorial a seguir e, ao mesmo tempo, eu

sabia que as vezes a questão de espaço atrapalhava muito. Às vezes tinha cosas que você tinha

que explicar de uma forma muito melhor, mas você não tinha como. Você tinha um anúncio

gigante ali do lado da matéria ou então tinha outras matérias importantes que ocuparam

espaços mais nobres. Você tinha que se adaptar, tentar condensar aquilo. E quase sempre fica

faltando alguma coisa. Mas o maior problema de edição de matéria minha foi quando eu

estava lá. Eu mandava matérias e às vezes ela passava por uma edição e eu não lia, não

recebia de volta. Até que um dia isso me irritou profundamente, uma matéria especifica e eu

pedi demissão.

Pesquisadora: Que matéria?

Jardel Arruda: Era uma matéria que eu estava lá e de lá eu tive contato com o pessoal da

prelazia. E daí eu ouvi o pessoal da prelazia, ouvi o pessoal da associação, era um final de

semana isso. Não era nem o Orlando editando, era outra pessoa. Não lembro agora. E aí não

tinha espaço suficiente e o que eles fizeram cortaram o lado da associação, deixaram só o lado

da prelazia. Aí eu acordei domingo, achando que não ia ter nada. Aí de repente fecharam uns

20 caras assim, em volta de mim, eles tinham lido o jornal e começaram a falar sobre a

reportagem, que eu só tinha dado ouvidos para outro lado, que eu não ouvi eles.

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171 Pesquisadora: Foi a primeira vez que você conseguiu falar com o pessoal da prelazia?

Jardel Arruda: Sim, foi a primeira vez que eu tive resposta.

Pesquisadora: Foi a primeira vez que saiu alguma coisa da prelazia, em si?

Jardel Arruda: Sim, foi.

Pesquisadora: Quando foi isso?

Jardel Arruda: Meados de dez, dia 20/12 por aí.

Pesquisadora: Agora não lembro se era o pessoal da prelazia ou da OPAM, foi a resposta de

um dos dois que eu obtive por e-mail e fiz a matéria. Tenho até que achar essa matéria, é

importante.

Jardel Arruda: Vamos ver se está aqui.

Pesquisadora: Vamos ver.

Jardel Arruda: E, naquele momento, eu fiquei assustado.

Pesquisadora: Eles foram no seu hotel?

Jardel Arruda: Não, eu tinha saído. Eu estava andando na rua, eu estava indo tomar café da

manhã. Chegando no posto, que chama posto da mata e eles me cercaram tipo “como assim, o

que você está fazendo, cara? Você está aqui com a gente...”. Aí eu tive sorte que outros

jornalistas estavam passando por lá.

Pesquisadora: O Zé Medeiros ficou também naquele lado de cá?

Jardel Arruda: Sim, todo mundo ficou no posto da mata. Não tinha outro lugar par ficar se

você queria cobrir alguma coisa por que a tribo estava fechada. Então era ali que a gente

podia ficar. Se você quisesse acompanhar alguma ação, era dali. Aí chegou todo mundo e

todo mundo acalmou o pessoal. Aí eu falei “calma! Deixa eu ver o que aconteceu, eu nem li a

matéria ainda, deixa eu ler, ver o que aconteceu, por que eu ouvi vocês”. E aí já tinham

acontecido outros cortes de matérias assim, eu fiquei irritado e pedi demissão. Mas esse foi o

pior de todos, por que retiraram totalmente um lado da matéria. Nas outras condensavam,

estava lá, por mais que omitissem uma informação ou outra, não era algo que tinha me

causado tanto problema, como aquele dia.

Pesquisadora: Você falou de “uma informação ou outra”. Tipo o que?

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172 Jardel Arruda: Alguma informação importante, alguma fala de alguma autoridade que eu

julgasse importante. Talvez até não fosse, se eu tivesse conversado com alguém e a gente

tivesse encontrado outra saída, como a fala de um policial da forca nacional, a fala de alguém

da associação, a fala de algum fazendeiro, a fala de alguém do INCRA. Teve uma vez que não

saiu uma fala. Tinha um postinho do INCRA lá em boa vista tentando fazer o cadastro das

pessoas que estavam sendo retiradas de lá para colocar eles no programa de reforma agrária.

Mas só os pequenos, né? Mas por mais que tivesse essa tentativa de inclusão, ninguém queria

sair da sua terrinha para ir para o programa de reforma agrária. É complicado isso. Então, às

vezes, acabava sendo omitida alguma coisa ou outra que eu achava importante, que talvez

pudesse ter outra solução, tirar alguma outra cosia do texto e manter aqui.

Pesquisadora: Mais talvez por não conseguir conversar...

Jardel Arruda: É, às vezes, pela dificuldade de contato, tudo mais. Mas o que realmente me

causou muito chateamento foi o que aconteceu esse dia, por que tiraram totalmente um lado.

Eu me senti “Pô, cara, sou eu que estuo aqui, é o meu que está na reta! Como que vocês

fazem isso, tirar totalmente um lado? ”.

Pesquisadora: Pelo que você está falando, então, essa tensão, que era tensão do processo de

intrusão no ápice da matéria, tinha também essa tensão da cobrança também. Por que as

pessoas estavam ali ao seu lado. Por que ao mesmo tempo foi a primeira vez que você tinha

ouvido a prelazia, então teoricamente não era para essa matéria ter causado tamanha... Pelo

que nós acompanhamos todos os dias no jornalismo. Essa tensão do jornalista, essa pressão,

não aparece nas matérias.

Jardel Arruda: Sim, eu acho que qualquer pessoa que cobre uma área de conflito deve

entender bem isso, guardadas as devidas proporções, por que Suiamissú foi muito tranquilo,

na minha opinião. Só teve um confronto, fato. Teve muita tensão, muitos nervos a flor da

pele? Teve a todo o momento. Sempre tinha alguém querendo fazer besteira, mas também

tinha muita gente falando “calma, gente, não é bem assim”. Mas grenha aquela tensão, aquele

nervo a flor da pele. Era um conflito de duas partes.

Pesquisadora: Você sentiu essa tensão?

Jardel Arruda: Claro, a gente sentia diariamente isso, nos diálogos com as pessoas com os

fazendeiros. Assim, era um conflito de dois lados e você, para ficar perto do que está

acontecendo, você fica hospedado no meio das casas de um dos lados.

Pesquisadora: Isso dificultava?

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173 Jardel Arruda: Claro! Com certeza isso é um problema. Mas, como eu estava falando,

guardadas as devidas proporções, um jornalista q cobre conflito armado em algum lugar,

normalmente ele está de um lado ou de outro e as coisas que ele fala, ele pode até falar do

outro lado, mas ele tem que escutar esse aqui. E é sempre! Se ele não tiver escutando sempre

esse, ele está no meio do fogo cruzado. Enfim, todos nós que estávamos lá sofremos esse tipo

de pressão. Inclusive o cara da Folha de S. Paulo ficou dois dias lá. Ele sabia que não podia

ficar mais, por causa da matéria que ele escreveu.

Pesquisadora: Qual matéria?

Jardel Arruda: Todos nós sabíamos que as pessoas lá tinham armas, que eles estavam

preparados para um conflito e por algum descuido poderia ter um conflito, num dia que eles

estivessem muito exaltados. E a gente não escrevia isso nas matérias, que eles estavam

armados de fato, quer a gente viu as armas, por que eles não queriam. E se a GENTE

escrevesse isso a gente teria que sair de lá. E o cara de SP escreveu isso e foi embora. Se ele

ficasse depois dessa matéria iam fazer o que fizeram comigo, só que muito pior. Ele tinha que

ir embora. Agora, se você quisesse continuar lá, tinha coisas que você só poderia falar depois

de sair de lá.

Pesquisadora: Vocês viam as armas?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Por que, eles mostraram?

Jardel Arruda: Não havia demonstração deliberada. Mas você via numa casa, eles colocando

na caminhonete.

Pesquisadora: A correspondente do Estadão, Fátima Lessa, me falou o seguinte, ela cobriu o

processo daqui. Eu perguntei por que o estadão não mandou ela para lá, ela falou que tinha

dois filhos e tinha também a questão financeira. E quando o estadão manda, geralmente

manda o correspondente. E como ela faz matéria especial, não é carteira assinada, eles

preferem mandar... Então tem isso aí, o editor que também preferiu, por que ela já

acompanhava o caso, era mais fácil a apuração. E ela falou que no meio do processo surgiu a

denúncia, por que um dos proprietários de terra era desembargador. E ela fala assim que até

aparece uma matéria dela, mas ela não coloca ipse liter, mas ela coloca para gente que um

pistoleiro foi solto na época, por decisão dele, que poderia causar um conflito ali. Enfim,

verdade ou não, isso foi espalhado, chegou até ela, como que para causar medo, ou para

causar, realmente, como você falou, estava na iminência de ter algum problema, eles estavam

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174 armados. Isso chegou para vocês? Por que, por exemplo, o medo. Ele publicou a matéria e foi

embora. Você percebe que tinha o medo ali naquele processo e, pelo que você está me

falando, interferia na produção de vocês. Circulavam histórias assim?

Jardel Arruda: Essa não, essa não fiquei sabendo, não. Mas, não sei, eu não me

surpreenderia. Mas eu acho que o desembargador não estava preocupado com isso. Para a

maioria das pessoas que tinha grandes fazendas lá, aquelas fazendas eram nada. Teve uma

noite, que foi inclusive a noite que o cara da folha de SP escreveu a matéria no dia seguinte.

No dia seguinte do conflito, o pessoal saiu de novo atrás da forca nacional. Se eles

encontrassem teria tido alguma coisa de novo.

Pesquisadora: Pessoal que você fala?

Jardel Arruda: Os não índios. Eles entraram nas caminhonetes de novo, subiram, ouviram

falar que eles estavam em tal ponto fazendo desintrusão de fazenda e eles foram para lá, atrás

deles. Foi todo mundo para lá e esse dia, por algum motivo, eu perdi. Aí, eu vi uns outros

caras lá, conversando, eles iam desmontar uma fazenda por que eles achavam que eles iam

chegar lá amanhã ou depois e a eles teriam que tirar tudo que tinha lá. Eles conversaram com

o dono da fazenda e se conseguissem tirar tudo lá, parte das coisas seriam deles. Eu pedi para

ir junto e eles deixaram. E aí, nós fomos para aquela fazenda. A fazenda tinha a sede, tinha

aquelas placas de energia solar, tinha dois tratores, um gerador de energia. E assim, era um

lugar que você podia ver que era um lugar de passeio, só de passeio. Eu perguntei se o cara ia

sempre lá, responderam que só duas vezes, mas que ele queria que desmontasse a fazenda lá

depois que ele ficou sabendo da desinstrusão. Eu acompanhei eles desmontando tudo que eles

podiam desmontar, tirando quase tudo que podiam levar, colocando em cima do caminhão,

tirando o trator de lá. Ficamos quase uma noite inteira lá.

Pesquisadora: Eles tiraram móveis, eletrodomésticos...

Jardel Arruda: Não. Eles se preocuparam com coisas caras. Gerador de energia, um trator.

São coisas que valem muito, né?! Foi uma das matérias mais legais que eu escrevi, inclusive,

é essa. Foi para o RD já. Uma coisa, as crianças de lá, eles foram minha melhor companhia

quando todo mundo foi embora. Estava o mundo caindo, as cosias acontecendo e as crianças

lá, se divertindo, brincando, aproveitando os dias lá, ainda.

Pesquisadora: Mas, então, o jornalista deu... Foi uma sacada, por que as crianças eram a

grande coisa do local, que dava aquela naturalidade para uma coisa que não é natural.

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175 Jardel Arruda: E tinha um bocado de criança lá. Essa aqui era a antiga delegacia que tinha lá,

que num outro protesto, há muito tempo atrás, os colonos tacaram fogo na delegacia. Então é

aquela coisa, muito dos grandes produtores não iam lá. Eles tinham aquela terra por que eles

compraram a um preço barato e enfim... Quem sabe um dia eles revendessem. Agora, os

médios produtores (para os padrões de lá), que para mim eram grandes produtores, por que

tinham por volta de 30 mil há. Não eram os maiores, mas eles eram os que ativamente

estavam lá, os maiores interessados em continuar lá, por que eles produziam lá, tiravam grana

de lá. Eles eram os membros da Aprosum. E ao mesmo tempo que eles eram minoria, eles

usaram como escudo por muito tempo os pequenos produtores de lá. A maioria absoluta lá era

pequeno produtor, 30, 40 ha, quebrados. Era a maioria das pessoas, mas tinha a minoria de

terra. E eram pessoas que dava dó. Por exemplo, eles falavam que tinham documentos que

provavam a propriedade das terras, mas eram documentos furados.

Pesquisadora: É um documento que ele mesmo declara que é proprietário?

Jardel Arruda: Basicamente. Na verdade, chegou um cara lá falando, “vamos regularizar essa

área. Você vai assinar isso aqui, me paga tanto e você vai ter esse documento”. O cara ganhou

dinheiro em cima dele.

Pesquisadora: Lookingfarm do Brasil. Da onde é essa Lookingfarm?

Jardel Arruda: É a JIP. Que a Suiamissu depois de um tempo passou a ser da JIP.

Pesquisadora: Ah, mas fala que ele não pagou nada. Ele fala que não pagou?

Jardel Arruda: Não, ele fala que ele pagou e tudo mais. Ele mal sabe ler, alguém ganhou

dinheiro em cima dele, por que ele não sabe nada.

Pesquisadora: Ele assinou com o dedo, né, Jardel? De 2003 é o documento.

Jardel Arruda: Sim. Tinha muita gente assim lá. Coitados, esses caras não tinham onde

recomeçar, não tinham para onde ir, o que fazer.

Pesquisadora: E eles não queriam receber as terras do governo no processo de reforma e

assentamento?

Jardel Arruda: Mas que terra? Eles iam entrar numa fila para receber terra. Olha como é a fila

da reforma agrária.

Pesquisadora: Mas eu acho que essas pessoas foram reencaminhadas.

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176 Jardel Arruda: Algumas foram reencaminhadas. Inclusive, as que foram reencaminhadas

reclamaram muito por que elas foram encaminhadas para um areal, não dava para produzir

nada.

Pesquisadora: A sua reportagem, o seu documentário, você pode ir à reserva e pode procurá-

los. Procurar esse casal, enfim, pode procurar o desembargador também.

Jardel Arruda: E políticos não faltavam. Indo lá dar falsa esperança para eles.

Pesquisadora: Mas é legal você procurar os índios, esse casal, outras pessoas, mas procurar os

grandes também, onde que eles estão.

Jardel Arruda: Os grandes onde estão? Eles estão bem. Eles tinham como recomeçar. Eles

venderam as cabeças de gado que eles tinham e estavam lá tentando segurar a terra. Se desse,

beleza, eles voltavam a colocar coisa lá dentro. Se não, eles tinham como recomeçar.

Pesquisadora: A maioria dos grandes já sabia que não tinha direito?

Jardel Arruda: É... Eles lutavam. Alguns tinham ligação sentimental com a terra, era a

herança do pai, toda uma história. Os outros, simplesmente, era uma ligação econômica, eles

alegavam que se perdessem ali não tinham mais como ganhar dinheiro, que todo o dinheiro

era de lá. Mas, vendendo o gado, o maquinário, eles teriam como recomeçar. Não digo que do

mesmo jeito, mas eles têm um recomeço. O problema é o coitado que tem 30 ha, planta o

milho para a subsistência, tem galinha, porco, o cachorro dele e só. Esse cara está ferrado.

Pesquisadora: Vamos voltar, você começou a contar essa história do desmonte da fazenda.

Jardel Arruda: Aqui. Uma pequenina árvore caída no meio da estrada.

Pesquisadora: Aqui que vocês caíram? Foi Antes de passar pela árvore?

Jardel Arruda: Isso. Ainda bem que não teve nenhum arranhão.

Pesquisadora: A legal! Se você puder me mandar essas fotos. Ah, Jardel, eu fui lá de

caminhonete, medo que me deu, por que chegamos de madruga e muito longe. Então ônibus

passa, carro passa, sobe aquela poeira, você não vê nada, se passar um carro na outra pista

você não vê. Imagina vocês, seus doidos.

Jardel Arruda: Estava lá, à noite, indo...

Pesquisadora: Caramba, não devia estar passando tantos carros...

Jardel Arruda: Não. Estava caindo um pé d’água

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177 Pesquisadora: E aí, me explica, daí você falou... A gente começou a falar que você falou “ó,

daí eles foram e eu perdi essa pauta”, mas você ia me falar dessa pauta. Você ia falar dessa

matéria que ele fez, não lembro bem o que era

Jardel Arruda: Seguinte, eles tiveram o primeiro confronto, tiveram um único confronto na

verdade, que foi justamente quando os caras iriam fazer a desintrusão na fazenda de um cara

lá que era muito popular. Um grande fazendeiro que era muito popular. Um cara todo

invocado... O Alemão. Ele ajudava todo mundo, sabe? Coronelzão... Era carismático. E ele

conseguiu organizar as pessoas para defenderem a fazenda dele. Ele falou “gente, vamos lá.

Se não vão pegar minha fazenda e vão usar minha fazenda como base e vão montar uma base

na minha fazenda e de lá eles vão tirar tudo aqui e não vai ter como ninguém se salvar. E aí

todo mundo foi. E eles tiveram o primeiro confronto. Neste caso, que a PRF (Polícia

Rodoviária Federal) foi sensacional. Exímia atuação deles. E a PRF daí desistiram de fazer a

desintrusão nessa fazenda. Ele eles saíram então com o moral elevado “porque a gente

evitou”. Saíram tudo machucado, levaram tiro de bala de borracha, tiro de taser também.

Pesquisadora: E eles não revidaram? Os fazendeiros...

Jardel Arruda: Claro que revidaram. Com pedra, saiu policial machucado.

Pesquisadora: Mas não com tiro?

Jardel Arruda: Não com tiro. Só que aí eles saíram com a moral alto de lá. E eles falavam

“não. Vamos evitar agora, vamos resistir”. Aí no próximo dia que eles tiveram informação de

onde eles iam estar. Veio um cara e falou “eles passaram por tal lugar, estão indo para tal

lugar”. E eles foram todos! Nesse dia eles levaram armas, coquetel molotov, que eles

pensaram “agora a gente vai dar um pau neles”. E aí o cara da Folha de S. Paulo escreveu

isso, que eles estavam com armas, coquetel molotov, com as coisas. Eles foram com tudo, só

que alguém convenceu eles de não fazer aquela besteira. Eles não fizeram. Mas o cara da

Folha de S. Paulo escreveu que eles estavam com isso. E eles estavam.

Pesquisadora: Acho que tenho a matéria vou te mostrar, emboscada a noite, algo assim.

Jardel Arruda: Isso...eles sabiam por onde a polícia passaria provavelmente. Eles montaram

lá e ficaram na espreita. E o rapaz da Folha de S. Paulo foi junto. E ele escreveu tudo isso e aí

foi embora, por que ele não poderia ficar lá.

Pesquisadora: Ele colocou que eles desistiram?

Jardel Arruda: Eu acho que sim, não me lembro desse detalhe.

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178 Pesquisadora: A matéria saiu só depois que ele foi embora?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: E aí no dia seguinte, estava todo mundo atrás desse cara! Cadê esse repórter?

Repórter indigenista!

Jardel Arruda: E eles perguntaram para você?

Pesquisadora: Sim, para todo mundo.

Jardel Arruda: Eles identificavam de qual veículo ele era?

Pesquisadora: Sim. Eles sabiam cada um, de onde era, certinho.

Jardel Arruda: E aí publicou essa matéria, mas foi embora.

Pesquisadora: Foi embora. Se ele ficasse lá, imagina, qual seria a reação dos caras. Iam fazer

igual fizeram comigo, iam partir para cima dele.

Jardel Arruda: E ele falou para vocês que ia embora?

Pesquisadora: Não, nem falou nada. A gente só não viu mais ele.

Jardel Arruda: Eu não conversei com ele, mas a informação que eu tenho é que ele ficou com

medo.

Pesquisadora: Sim, imagino que sim. E ele estava certo. Foi a escolha que ele fez. Agora ele

está no Estadão em Brasília.

Pesquisadora: Vamos falar disso que a gente não falou. Você falou para mim assim “quando

eu peguei essa pauta nunca tinha feito. Aí, fui ler, entender; entendi que tinha mais de 10 anos

todo o processo. Que era um processo histórico”. Então me conta um pouquinho como foi

para você resolver para ir para lá e como pra você quando você chegou lá.

Jardel Arruda: Para eu resolver ir para lá foi eu querer. Eu queria muito ir eu achava que era

indispensável alguém ir. O meu editor falou se você quiser aio a gente te manda. Vamos ver

com o pessoal de cima. Mas não queriam que eu fosse. Eu falei não eu vou, eu quero ir, eu

estou cobrindo isso, e agora vai acontecer alguma coisa, é uma coisa muito grande, nunca

aconteceu isso no Brasil, nunca teve uma desintrusão tão grande; a palavra desintrusão nem

era usada antes disso, eu acho.

Pesquisadora: E ainda não é. Eu apresento meu projeto os professores pedem “retirar esse

termo, ou fica uma dúvida sobre o seu uso”

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179 Jardel Arruda: Pois é, mas está no processo inteiro e é um termo jurídico.

Pesquisadora: Eu procurei no dicionário e não tem.

Jardel Arruda: Não tem. Nem tudo tem no dicionário. A língua vai se transformando. O

Português vem da vulgata latina. Latim falado pela plebe. E é uma mistura ainda hoje. Isso é

um termo juridiquês e eu sinceramente nem acho o termo mais adequado. Reintregação de

posse?

Pesquisadora: Pois é... Desintrusão me parecia perfeito.

Jardel Arruda: Não é a mesma coisa que uma reintegração de posse, enfim. Não queriam que

eu fosse não queriam bancar minha ida eu falei “eu pago minha ida. Eu paguei minha ida, aí

para ter suporte lá eu entrei com o jornalista da cidade. Calixto. Ele morreu ano passado

provavelmente com um tiro acidental do irmão dele, caçando uma onça. Ele foi uma mão na

roda para mim lá, me ajudou achar hotel barato para ficar em alto boa vista. Por que primeiro

eu fiquei na cidade, rodei a cidade, entrevistei o prefeito, conversei com as pessoas.

Pesquisadora: Ele trabalhava em qual veículo lá?

Jardel Arruda: Ele não tinha jornal fixo. Ele tinha o jornalzinho dele, a Folha do Araguaia,

algo assim o nome, e fazia entrada em rádios, etc. jornalista autônomo.

Pesquisadora: Então, por que eu tenho dificuldade, eu queria fazer com aquele site repórter

Araguaia. Tem um site que chama repórter Araguaia, que pelo que eu vejo eles não produzem

matéria, eles pagam matéria.

Jardel Arruda: Salvo engano, eu vi um artigo dele publicado no Água Boa News. Assinado

por Calixto alguma coisa, o repórter do Araguaia.

Pesquisadora: Acho que era esse site então.

Jardel Arruda: Aí eu liguei para o site eles falaram “não, eles não trabalham para a gente não,

só publica artigo aqui”. Aí eu liguei para ele falou “pode vir para cá, te dou uma força”. Ele

ficou surpreso que eu era novo. Ele era mais velho, um violeiro supertalentoso.

Pesquisadora: Tem um outro jornalista lá que você tenha identificado? Que tenha veículo lá,

que trabalhava por lá?

Jardel Arruda: Tem o pessoal das rádios lá, que podem ser úteis, mas eu não tenho o contato

deles. Eu não ficava em contato com eles. Tem o pessoal de água boa que foi para lá,

inculusive, a Camila Nalevaico.

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180 Pesquisadora: Ela trabalhava no site?

Jardel Arruda: Trabalhava no site de lá e também numa TV. Posso te passar o contato dela

depois também. E ela talvez possa te passar o contato de reportes de alto boa vista mesmo,

que ela é de lá.

Pesquisadora: Vou anotando aqui para te lembrar. Que tem outra coisa que você ia me passar

que eu não lembro. Você lembra? Um nome completo.

Jardel Arruda: Ah, do Flávio? Camila Nalevaico...

Pesquisadora: Aí você decidiu ir, mas por conta sua.

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Você estava na filha só, no site ainda não?

Jardel Arruda: Isso.

Pesquisadora: Aí você foi.

Jardel Arruda: Aí eu fui. Comprei uns mantimentos baratos, para não precisar ficar

comprando comida lá. Por que tudo era muito caro lá. E não chegavam mais coisa lá também.

E só aumentava o preço das coisas lá. A comida, depois de um tempo, como a gente ficou

muito tempo lá, eu comecei a comer junto com eles. Eles faziam um sopão comunal a noite e

aí eu jantava com eles já. Durante a época eu estava fumando, e 10 reais o maço de cigarros,

na época era muito caro, hoje é o preço normal. E era cigarro ruim, do Paraguai, sem selo da

ANVISA nem nada.

Pesquisadora: Você ficou quantos dias lá?

Jardel Arruda: Vinte e quatro dias.

Pesquisadora: É, as pessoas tinham razão para falar par você voltar, né?! Caramba, E aí você

chegou lá deve ter sido uma surpresa por que o único pessoal que você tinha contato era o

pessoal da associação e esse jornalista. Que você mais se identificava era o jornalista?

Jardel Arruda: Era o jornalista. Nossa! Ele foi uma mão na roda para mim, ele me ajudou

muito, me lavando em alguns lugares, foi ele que deu carona da cidade para o posto da mata.

Pesquisadora: Por que não tinha como ir?

Jardel Arruda: Tinha como pegar ônibus, mas ele evitou que eu tivesse esse gasto. E ele me

levou pra falar com pessoas “ah, Jardel, tem um cara lá muito antigo, mora lá há muitos anos,

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181 vou levar você pra falar com ele”, “ah, a Clarissa ouviu falar do João da guarda, você conhece

ele?” Claro que eu conheço”. Então fez umas coisas assim para mim que não seria possível

sozinho. Ele me ajudou nesse ponto. Ele tinha interesse de ir acompanhando, ele tinha uma

terrinha lá dentro, inclusive, então ele estava indo toda hora para lá. Ele estava indo e

voltando e foi uma fonte de contato para mim, ele falava “esse aqui é o Jardel, é jornalista,

pode falar com ele”. Por que eles tinham uma resistência a jornalista, que jornalista é

indigenistas, de esquerda, que adorava o Che Guevara e estava lá para acabar com a terra

deles. E aí eu chego lá de cabelo cumprido e barba ainda por cima.

Pesquisadora: Você tinha que falar, “mas a linha do meu editor” por que acho que isso

contribuiu para não querer mandar.

Jardel Arruda: Imagino. Mas assim, eles acabaram se acostumando comigo, e eu com eles. E

eu sempre ouvi muito eles, nunca deixei de ouvi-los. Então eu conseguir viver lá por um

tempo. Sobrevivi vinte e quatro dias lá.

Pesquisadora: É bastante, o cara da Folha de S. Paulo ficou lá dois dias.

Jardel Arruda: É ele ficou dois dias. O pessoal da Globo ficou lá por uma semana. Era o

Jonas que estava lá. O Jonas foi outro parceiro lá também.

Pesquisadora: E essa pressão tinha com todo mundo?

Jardel Arruda: Tudo mundo, inclusive com o pessoal da Globo. Eles dormiam no carro da

equipe para não ficar em hotel na região e o pessoal ficar cobrando eles de alguma coisa. Eles

ficaram até uns dias depois do confronto e depois eles voltaram embora. Mas ficaram uma

semana lá, fizeram uma cobertura legal.

Pesquisadora: Você sentia que isso interferia na produção de todo mundo.

Jardel Arruda: Claro. Você estava no meio daquelas pessoas e sei lá umas quatro mil pessoas.

Imagina, uma delas surtar e querer fazer uma coisa contra você.

Pesquisadora: Então, é bastante tempo para TV.

Jardel Arruda: Sim, eu achei. Fizeram bem o papel deles, o que eles se propuseram a fazer.

Pesquisadora: Você foi o primeiro a chegar.

Jardel Arruda: Fui o primeiro a chegar e o último a sair. Não lembro os dias de chegada e

saída, depois eu resgato par você.

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182 Pesquisadora: Ok. Ai quando você viu que os correspondentes chegaram, quando o pessoal

chegou, você lembra a data?

Jardel Arruda: Não.

Pesquisadora: Mas você lembra o que estava acontecendo.

Jardel Arruda: Eu lembro. Eu estava em muito contato com o Lucas que era meu amigo.

Então ele sempre ficava me perguntando sobre a situação lá. Lucas Bólico, editor do site

Olhar Direto.

Pesquisadora: Ele usava suas informações na matéria?

Jardel Arruda: Não. A GENTE mantinha contato por que na verdade ele queria saber quando

ele tinha que ir, por que ele não queria perder nada. Por que aí ele saiu correndo de Cuiabá

quando eu falei para ele “o exército e a forca nacional chegaram” tinha a data aproximada pra

eles chegarem e eu cheguei antes deles. Eu fiquei uns três dias lá e aí chegou o exército,

ficaram numa escola técnica que tinha lá. E em seguida a forca nacional junto com a PRF e

eles se instaram com o exército. Ai no que eles chegaram, o pessoal veio. Foi a chegada do

exército e da força nacional que levou todos para lá. Por que tinha o prazo da decisão judicial

e ele estava em cima de ser cumprido. Por isso eu fui. Falei “vai acontecer, deixa eu ir”. Mas

eu cheguei antes do exército chegar lá. O exército fez uns serviços de recapeamento na

cidade, um serviço de saúde bucal, eles fizeram um serviço social lá.

Pesquisadora: Então foi no auge mesmo, na iminência do conflito que os jornalistas

chegaram.

Jardel Arruda: O jornalista da Folha de S. Paulo chegou, mas os outros já estavam lá.

Pesquisadora: Por que já estava na data da retirada?

Jardel Arruda: Isso. Na verdade, estourou várias vezes o prazo de retirada, extrapolou a data.

Eles não tiveram como forçar. Eles foram muito inteligentes, minaram a força. Depois do

primeiro confronto eles fugiram de todos os outros e foram comendo pelas beiradas e

cercando o pessoal. Não chegava mais nada de comida, nada de suprimentos, e o moral do

pessoal foi baixando e até que em fevereiro a gente soube que eles tiraram todos de lá, sem

nenhum conflito sem nenhum problema.

Pesquisadora: Foi dois meses depois?

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183 Jardel Arruda: Dois meses depois. Foi em dezembro e foi em fevereiro que teve a retirada

total. Eles venceram pelo cansaço. Foi muito inteligente.

Pesquisadora: Mas isso não dá o auge do conflito, digamos assim, para matéria jornalística.

Jardel Arruda: Não. Foi por isso que eu fui embora. Eu queria ficar mais por que eu achava

que eles poderiam tentar fazer uma desintrusão forcada, mas aí passou uma semana do

conflito, não teve mais anda e eles se afastaram o máximo possível do posto da Mata. Eles

foram só fechando aos arredores. Aí eu falei, “ah, não tai ter, estou muito tempo aqui, fiquei

cansado, vou embora”

Pesquisadora: Vocês conversavam com eles?

Jardel Arruda: A gente conversava com o pessoal da Força Nacional e da PRF quando eles

estiveram próximos. Teve uma vez que... tinha o posto da mata e daí eles fecharam uma BR e

uma MT que davam acesso. E até próximo do dia do conflito a PRF chegou muito próximo,

eles ficaram a duzentos metros do bloqueio. Aí, nesse dia, fomos lá, falamos com eles e eles

falaram “a gente quer evitar confronto”.

Pesquisadora: Mas depois disso você não ficou mantendo contato.

Jardel Arruda: Não, por que a gente ficava em posto da mata, não tinha como.

Pesquisadora: Nem por telefone?

Jardel Arruda: Não.

Pesquisadora: E me fala mais uma coisa. A impressão que você teve quando você chegou lá.

Você me falou “olha, estava bloqueado, eu não consegui entrar pelo lado dos índios”. V c

tinha já essa ideia de que ia ser desse jeito? Por exemplo, quando eu fui la a primeira vez eu

tive uma impressão. Qual que foi sua impressão?

Jardel Arruda: A primeiríssima impressão foi “está tudo normal. Cheguei muito cedo”. Mas

aí eu descobri que a aldeia dos índios já estava fechada, a Força Nacional já estava lá.

Segundo eles, para fazer a segurança dos índios. Para evitar que algum tentasse fazer algo

contra os índios.

Pesquisadora: Então você chegou tarde?

Jardel Arruda: Nesse ponto, eu cheguei tarde. E aí eu fui para o posto da mata.

Pesquisadora: Você tentou contato para ir e não foi possível? Nem com a prelazia?

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184 Jardel Arruda: Não, eles estavam fechados. E a prelazia nem tinha mais esse contato com os

índios, eles tinham mais contato com o pessoal de assentamento de reforma agrária. Quem

tem mais contato com eles era a OPAM. E aí eu fui para posto da mata, alguns dias depois de

ter chegado na cidade. Chegando lá, eu comecei a sentir mais o clima de “é está complicado,

o pessoal não quer ir embora e eles sabem que estão chegando”. É estranho, sabe? Você via

um misto de esperança no rosto das pessoas e outras pessoas já não. E você conversa com um

casal alí e eles perguntam “vão torar a Gente mesmo? Será? ” E é uma coisa muito engraçada,

por que não chega informação para eles. Eles estão lá e a informação que chega é do rádio

local, que fala o que é interessante para quem é dali. Não vem informação correta, o que está

acontecendo no processo judicial. Não vem ninguém do MPF para explicar para eles. Por que

eles eram representados pela associação dos produtores, mas a associação dos produtores

atendia a interesse de meia dúzia lá, não de todos. E era engraçado que parecia que você

estava numa cidade do velho oeste. Todo mundo te olha onde você vai, quase não tem

movimento, conseguir qualquer coisa é difícil. Sinal de celular era um sacrifício, tinha um

lugar certo para pegar.

Pesquisadora: E internet?

Jardel Arruda: Internet tinha na associação dos produtores e tinha uma loja de materiais

agrícolas lá, estava fechada já, mas a internet dela funcionava sabe-se lá por que. E aí a gente

ia lá, ficava sentado na frente daquela loja lá para escrever alguma coisa e enviar, para

conseguir falar com alguém. Ou então a gente ia na associação dos produtores.

Pesquisadora: Eu queria saber agora sobre o que você lia, eu não sei como funcionava a folha

na época. Tinha alguns comentários não sei se tinha muitos, se você acompanhava a reação

nas plataformas on-line. Me explica só antes de falar da folha, vamos voltar. Você falou para

mim “eu fui para lá trabalhando na Folha do Estado” e lá você começou a escrever para o RD

News. Como foi isso?

Jardel Arruda: O Jaques trabalhava na Folha do Estado (MT) e no RD News e ele estava

acompanhando o caso e tudo mais e achou que era interessante para o RD News acompanhar

o caso. Então ele entrou em contato comigo. Conversamos e nos acertamos. Aí eu perguntei

para o Orlando se tinha algum problema. Ele falou que não, então ok.

Pesquisadora: E como funcionava a dinâmica com eles? Eles passavam a pauta, você que

escolhia a pauta?

Jardel Arruda: Na verdade, a pauta era muito “o que está acontecendo aí? ” Era muito factual.

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185 Pesquisadora: E a apuração era também meio que a mesma, a que você fazia pra Folha do

Estado e para eles.

Jardel Arruda: Era parecido, mas eu sempre escrevia matérias diferentes. Quando eu comecei

a escrever para o RD News eu tinha a oportunidade de escrever mais até porque tinha mais

espaço. Então, terminava o dia, eu escrevia matéria para a Folha do Estado (MT) e depois

escrevia várias matérias para o RD News. E, no outro dia, eles iam soltando gradativamente

as matérias, durante o dia. E se acontecia alguma coisa muito urgente eu passava para o RD

News por que era um site e tinha chance de soltar na hora. Mas era muito parecida a

dinâmica.

Pesquisadora: E a linha editorial era a mesma?

Jardel Arruda: Era mais livre. Eu tive chance de escrever mais livremente lá.

Pesquisadora: O que quer dizer mais livre para você?

Jardel Arruda: Principalmente a questão de espaço conta muito. Então acho que eu poderia

expor mais as ideias, de vários pontos de vista diferentes. Acho que consegui explicar

algumas coisas melhor por lá. Algumas coisas, outras não.

Pesquisadora: Bom, quem sabe pelo RD News ou pela Folha do Estado (MT), você

acompanhava o que acontecia na plataforma online. E, de alguma forma, influenciava na sua

cobertura ou não?

Jardel Arruda: Não.

Pesquisadora: Você acompanhava os comentários?

Jardel Arruda: Sim. Mas olha só. No RD News principalmente tinha mais comentários.

Primeiro que eu lia bem depois. E coimo eu já tinha trabalhado em site antes, na ocasião, o

primeiro veículo que eu trabalhei foi no olhar direto, até voltei para lá depois. Inclusive ter

implantado comentário lá foi uma coisa que eu e Arlindo Marques pedimos quando eles

estavam mudando o site “ó, está na hora de ter isso, internet é interação”. E quando a gente

começou a ler os comentários a gente pensou “nossa! Que trash os comentários”. Acho que se

você ficar se guiando pelos comentários de uma matéria você vai ficar louco, por que é muito

ódio, quase sempre. Acho incrível como as pessoas tem uma facilidade de liberar todo o ódio

que elas sentem ali, na plataforma online. Às vezes elas se sentem protegidas pelo anonimato,

não sei, se sentem seguras para falar o que entender e não ter consequências. Então acho

muito comum nas plataformas online ter comentários bipolares ou de extremo ódio ou de

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186 extremo amor. Acho que nenhum dos tão fazendo sentido. Inclusive, hoje a gente brinca que

quando o cara tão falando mal da gente nos comentários, a gente fez nosso trabalho ok. E é

bem assim, quem está comentando? Eu não sei qual é o perfil de quem está comentando. Eu

acho que é importante a interação, é ótimo, mas se você for guiar seus textos sempre pelos

comentários você não vai trabalhar, você vai simplesmente atender a expectativa de alguém,

falar o que ele quer ouvir. Nada além disso.

Jardel Arruda: Até por causa desse histórico desses comentários, de bipolaridade, você não

considerava muito.

Jardel: Isso.

Pesquisadora: Vamos só falar mais uma coisa, antes de a gente pegar as reportagens,

especificamente. A concorrência, o que a concorrência divulgava? Você acompanhava isso?

Jardel Arruda: Então, todo dia de manhã eu procurava ler o que os outros jornais falavam

sobre o assunto. No caso eu ficava tranquilo com os jornais por que como eu estava lá a

GENTE sempre estava dando mais que os outros.

Pesquisadora: Os outros não mandaram correspondentes?

Jardel Arruda: Não. A gazeta ensaiou, mas não mandou. E o Diário o Rodrigo não foi. Não

sei por que. Ele foi antes, antes de tudo.

Pesquisadora: Parabéns, você foi o único jornalista de jornal impresso que foi para lá.

Jardel Arruda: Você vê como a imprensa de MT cobre a questão...

Pesquisadora: Não se interessa. Dois jornais nacionais... se bem que o estadão não mandou.

Jardel Arruda: O Estadão não mandou, estava aqui. Só a Folha de S. Paulo mandou, na

verdade, mas por pouco tempo. Eu acho que era importante todo veículo que pudesse...

Pesquisadora: Não mandou, mas pagou, né?! Ele pagava pelas matérias, né? O Estadão, pelo

menos.

Jardel Arruda: Eu acho importantíssimo ter alguém lá, ver o que estava acontecendo, sentir,

conversar com as pessoas, por que um processo é muito frio, tem muita coisa. Judicialmente

falando, não vejo como não falar que aquela terra é indígena. Agora, estando lá, você vê tanta

gente, tantas histórias diferentes. Na verdade, isso é um problema que nosso governo criou.

Foi o governo da ditadura? Foi, mas foi o nosso governo. Eles chegaram, venderam a terra a

preço de banana para alguém, o local foi ocupado, criou-se uma grande fazenda lá e tinha

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187 gente que estava desde a época daquela fazenda lá. E não era uma ou duas pessoas, eram mais

pessoas que estavam há muito tempo lá. E, de repente, chegam para essa pessoa “olha, essa

terra não é sua, foi mal, tchau, vai embora daqui”. O cara viveu a vida inteira lá e agora vai ter

que ir embora.

Pesquisadora: A maior parte estava quando a fazenda foi vendida, né? Foi devolvida, na

verdade.

Jardel Arruda: Na verdade a fazenda passou por vários donos, até ser devolvida para o

estado. Foi a JIP(?) que devolveu daí. Os proprietários. Mas antes disso os gerentes dela

venderam terra para outras pessoas. Foi grilo, mas eles vêm deram. Eles não poderiam, mas

venderam. Mas tinha gente lá dentro, e gente que chegou e comprou. E essas pessoas foram

enganadas mesmo. Os pequenos, eu tinha a nítida impressão que eles eram massa de

manobra, que foi enganada a vida inteira lá. As pessoas que estavam lá há muito tempo não

sabiam o que estava acontecendo. Tinham um processo rodando, a prossum estava cuidando,

mas a prossum falava “fica tranquilo, vai dar certo, essa terra aqui é nossa”. O cara não tinha

a 4ª série, não sabia ler. Os caras não sabiam de nada, sabiam o que falavam para ele lá. Tinha

muita gente assim. Muita gente chegou lá na década de 80, 90... é verdade, totalmente

impulsionada por políticos e tinha um histórico para isso. Aquela terra estava na mãos e

fazendeiros a muito tempo. Essas pessoas acreditavam que ia continuar na mão de

fazendeiros. Sabe, eu não vejo problema de você chegar e tirar o grande produtor de lá, por

que ele vai se virar, ele tem como. O problema é o pequeno, que tinha muito. Mas o que fazer

com eles também? Por que tem os índios e eles tem direito legítimo sobre aquela terra. E aí,

quem tem mais direito, o índio o cara que está ali há não sei quantos anos construindo a vida

dele ali? E tem mais...A fazenda era enorme. Parte da fazenda virou assentamento da reforma

agrária, e esses assentamentos não poderiam mais ser desocupados. Mas, por exemplo, todos

os cemitérios indígenas estavam nos assentamentos, não nessas terras que foram desocupadas

por último. É muito complexa a situação. O grande culpado de tudo é o estado.

Pesquisadora: Pois é, mas os índios estavam lá antes.

Jardel Arruda: Antes. Bem antes! Eu pesquisei, historicamente, os índios ocuparam aquilo

lá... teve um indígena no Pará e os índios vieram fugindo de lá, para não morrer. E isso foi lá

pela década de 20. Então, eles estão há 30 anos antes dos caras. Além disso, não sei se tinha

outras etnias. Mas os xavantes estavam 30 anos antes já. Depois eles foram retirados de lá.

Olha só, o governo chega, tira os índios de lá e fala “essa terra é de vocês”. Aí a galera

começa a se assentar lá e depois os índios são trazidos de volta.

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188 Pesquisadora: Na verdade tiveram várias invasões lá. Tinha a da JIP, depois a JIP devolve.

Depois tem uma reinvasão, que foi quando o MP grava, e você vê que foi toda uma

manipulação em cima daquilo ali, não foi uma invasão natural.

Jardel Arruda: É uma coisa bem complexa.

Pesquisadora: Vamos voltar aqui só. Você falou que o que saía você não se preocupava muito

a maior parte você estava lá. Mas influenciava o que saia?

Jardel Arruda: O Diário de Cuiabá, principalmente, me influenciava. Por que o Rodrigo ele

tinha o contato com o pessoal da prelazia. Eu ficava puto de raiva com isso, que eu não

conseguia falar com eles. Lá de Cuiabá ele fala com eles e eu daqui não consigo. Ele me

incentivou a falar com esse pessoal, embora eu não tenha tido muito sucesso. Mas acho que

no máximo. O pessoal do Olhar Direto estava lá. Eu tinha minhas pautas, eles, as pautas deles

e as pautas comuns, que todo mundo íamos e cada um tinha uma visão diferente da coisa. A

gente era parceiro. Todos os jornalistas que estavam lá, tinha pessoal de TV e site do

Araguaia, o pessoal do Araguaia cobriu. Aqui em Cuiabá não teve muito. Por que afetava

muito a vida deles lá, economicamente falando. Então a GENTE se reunia muitas vezes, um

olhava o material do outro. Quantas vezes a GENTE trocava material, editava, corrigia.

Pesquisadora: Mas depois do que saía o que te influenciava era o diário.

Jardel Arruda: Sim. E a concorrência com os meninos do olhar direito. Eu não queria perder

para eles. Tinha parceria, mas tinha concorrência também. A gente trocava texto, um olhava

texto do outro, ajudava. Por que as vezes ficava muito cansado, era muita correria, muitos

quilômetros percorridos por dia. A gente estava exausto quando ia escrever. Aí um ajudava o

outro a corrigir para que quando mandasse para o veículo tivesse o mínimo possível de

correção. Era num ambiente que a gente era presa, era minoria ali, a gente ficava muito unido.

Pesquisadora: Tá, vamos olhar suas reportagens?

Jardel Arruda: Vamos.

Pesquisadora: Depois eu queria que você avaliasse, dos jornalistas que estavam, algum

veículo local, que você viu que fez uma cobertura mesmo.

Jardel Arruda: Veículo local?

Pesquisadora: Sim. Por que eu peguei o pessoal Estadão (o Estado de S. Paulo), a Folha de S.

Paulo nacional só que local eu não consegui ainda. Olha que incrível, né, Jardel, eu pra mim

que eu selecionei um desse que te acompanhou, que é o repórter do Araguaia.

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189 Jardel Arruda: Talvez seja ele.

Pesquisadora: Eu não sei, mas era esse que eu me lembro. Aqui, na verdade, se não me

engano, eu separei quase dois anos. Será que eu peguei só 2012? Só 2012. Está, eu peguei a

capa. Outubro de 2012. Eu pegava a capa e a matéria interna. Qual que era a matéria aqui?

Não está na capa, mas eu separei a capa para lembrar que não saiu na capa. Quer ver? 18 de

outubro, mas não é. Por algum motivo eu peguei essa daqui eu não lembro, eu vou ter que ver.

Essa é do dia 01/10/2012.

Jardel Arruda: Essa era da Folhapress.

Pesquisadora: Então, isso que eu queria conversar com você. É engraçado, quando a gente vai

pensar nos critérios de cobertura da imprensa regional, nacional, eu vi que entra matéria

internacional, das agências internacionais, na Folha de S. Paulo, sobre Marãiwatsédé aí a

gente pega a imprensa local e sai matéria da Folhapress.

Jardel Arruda: Acho que deve ter sido por isso então, que a o Orlando pediu para eu dar uma

olhada. Por que ele viu o assunto e saiu uma matéria.

Pesquisadora: Ah, pode ser! Aí é, era essa. Aí, aqui, foi, deixa eu ver, dia primeiro de outubro,

que é dessa, essa matéria aqui, saiu na capa. Você vê o jornal deu destaque, mas era uma

matéria nacional, da Folhapress. Pode ser por isso que ele pede para você começar a fazer.

Essa é sua, dia 2 de outubro.

Jardel Arruda: Essa aqui é outra reserva: Urubu Branco. Nossa! Eu tinha até esquecido dessa

daqui.

Pesquisadora: É, você cobriu essa. Você já tinha começado a cobrir Marauatsété?

Jardel: Não lembro agora. Mas acho que já tinha.

Pesquisadora: Essa pauta ele que te passou?

Jardel Arruda: Acho que ele passou essa aqui, aí eu fui procurar.

Pesquisadora: É em que estado?

Jardel Arruda: MT, em Confreza.

Pesquisadora: “A determinação da saída dos não índios do território demarcado como terra

indígena Urubu Branco”. Você vê que MT tem muito. E você acompanha ainda esse caso?

Jardel Arruda: Não. Vou até acompanhar, olha só.

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190 Pesquisadora: Tá, essa é a capa também?

Jardel Arruda: Não. Acho que não saiu na capa.

Pesquisadora: Acho que não saiu também.

Jardel Arruda: FAMATO, FUNAI.

Pesquisadora: “Acusa a FUNAI de criar novas reservas indígenas arbitrariamente”. Que dia

que é? Quarta feira, 03 de outubro.

Jardel Arruda: Queria dar uma relembrada que MT tem várias terras indígenas e tudo o mais.

Pesquisadora: Eu fiz o levantamento, o jornal publica o tema, mas ele aparece com vários

repórteres fazendo, no começo. Tá, esse daqui, vamos ver a capa se saiu alguma coisa... Acho

que não também. “Procuradoria recorre para tentar expulsar não índios de Suiamissu”. Aí já é

você, no dia 11/10, que é quando você fala que você começa a ir para o MP.

Jardel Arruda: Isso, que aí eu falo com o advogado da prosum.

Pesquisadora: Ah, foi quando chegou no STF. Essa informação você obteve como?

Jardel Arruda: Nossa! Não lembro.

Pesquisadora: “procuradoria geral da república...”.

Jardel Arruda: Mas eu acho que, como já tinha saído aquelas matérias ali, acho que o orlando

falou “Jardel, teve aquele caso que o Rodrigo Vargas ta vendo, no Diário de Cuiabá”. Acho

que foi isso mesmo. Ele me mostrou aquelas matérias, eu já tinha feito a do Urubu Branco, ele

falou “tem esse outro caso, Jardel, fica atendo nisso”. Aí que eu fui procurar e tive contato

com o advogado da prossum.

Pesquisadora: Isso não saiu na capa?

Jardel Arruda: Não.

[Áudio 28]

Pesquisadora: Jardel Arruda. A gente está conversando agora sobre as matérias que ele

publicou na Folha do Estado (MT).

Jardel Arruda: Ah, tinha a Raquel de estagiária, a Rosane Brandão que eu falei que ela tinha

acesso à educação.

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191 Pesquisadora: “Crianças recebem mais cuidados nas aldeias, afirma pesquisadora”. Foi em

cima de uma matéria da educação mesmo. Você vê que o assunto ele vai indo em várias áreas.

Acho que também não saiu na capa.

Jardel Arruda: Acho que não. Cadê a matéria? Ah! Vai estar em mundo, vai ser uma matéria

de fora.

Pesquisadora: Nacional, será?

Jardel Arruda: Não?

Pesquisadora: “Cortes federais expedem liminares contraditórias sobre Suiamissu”. Aí é

sua... legal. Aí você já estava acompanhado. Você vê que já e acompanhamento mesmo.

Jardel Arruda: Sim, eu já estava acompanhando o processo. Aí, de novo, falando com o

advogado do...

Pesquisadora: Ah é... Você devia ter feito contato com a OPAM (?) antes de ir para lá, né?!

Jardel Arruda: Eu tentei fazer contato com o OPAM (?) antes de ir pra La. Eles falaram que

não dava, que estava fechado. Hoje eu entendo...

Pesquisadora: E não foi ninguém da OPAM pra La?

Jardel Arruda: Não. O pessoal da OPAM estava na tribo, eu imagino.

Pesquisadora: Devia ter gente na cidade. Geralmente eles têm, para fazer contato. A não ser

que tribo tivesse sinal.

Jardel Arruda: Em alto da boa vista, talvez. Não no posto da mata. Em boa vista, ok.

Pesquisadora: “Índios de suiamissu estão a um passo de resgatar terras. ” Cai liminar. Aí ó,

acompanhamento, né?! E aqui, Jardel. Jardel Patrício. Senador pede que STF reconsidere

decisão sobre desintrusão. Aí ó, os políticos de MT. Engraçado isso, né?

Jardel Arruda: É por que dos votos, né.

Pesquisadora: É que eu lembro uma entrevista que eu vi do Silval. Ele tentando fazer aquela

lei que dava uma outra área.

Jardel Arruda: Isso, no parque do Araguaia.

Pesquisadora: É engraçado, por que geralmente o Governador toma uma decisão de

neutralidade para tentar acompanhar o conflito, né?!

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192 Jardel Arruda: No caso dele não, ele tentou mesmo ajudar. Eleitor, né?! Quantos votos

tinham na tribo indigna e quantos votos ele tinha do pessoal que morava lá.

Pesquisadora: Aqui, ó, apesar do apelo... Advogada. Aí você conversou com a advogada Tb?

Está. Aí aqui é... Não saiu na capa também, não.

Jardel Arruda: Acho que não.

Pesquisadora: Processo sobre Suiamissu será apreciado após julgamento do mensalão.

Jardel Arruda: Caraca, eu entrei em contato com o pessoal do STF.

Pesquisadora: Você fez muita matéria. Você vê que você ficou alguns meses e esse caso você

fez muita matéria sobre esse caso. Não, eu acho, vamos olhar, né? Mas acho que foi você

quem fez. Também não saiu na capa. Ih... já estava o Beto lá? Foi a depressão da folha, né?

Vara do trabalho condena... ah, saiu só essa aqui, né. EMPEF (?) pede de novo despejo de

não índios. Jardel. Acompanhamento.

Jardel Arruda: É eu peguei o caso no ?.

Pesquisadora: Mas é que para Mato Grosso tem que ir acompanhando. Acho que não saiu

também. Ah, aqui, ó, quando o exército estava indo, em 29/10. Carolina. Era adjunta. Ah não,

essa é da Agência Brasil.

Jardel Arruda: Era uma segunda feira e a matéria era do fim de semana, por isso não fui eu

que escrevi. Ah sim, por que o exército primeiro montou um pequeno posto. Depois que eles

levaram todo mundo para lá e montaram um postão.

Pesquisadora: Você fez aqui, ó, com advogado da associação. “Advogado diz que espera uma

nova decisão”. Vocês pegaram uma matéria da agencia e colocaram só o... “Exército está

pronto pra retirar moradores da reserva Marãiwatsédé”. Vocês devem ter ido no outro dia

conversar sobre isso. 29/10. Foi destaque na capa. Da agência Brasil. Aí essa já é nossa:

Presidente do STF mantém a decisão. Que você fez. Que deve ser essa, a capa. É, saiu na capa

essa. Então, outra nacional, mas não é sobre Marãiwatsédé, mas é sobre a questão indígena.

Jardel Arruda: É. E a mesma Carolina que escreveu.

Pesquisadora: Como SP e MT, e ela cita MT. É mesmo, Jardel, a mesma repórter. E saiu um

nacional. Vamos ver se teve chamada na capa? Acho que não, não saiu na capa. Moradores de

Posto da Mata realizam protestos em Brasília. Você que fez?

Jardel Arruda: Sim... eles levaram um ônibus pra La.

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193 Pesquisadora: Eles foram de ônibus e te avisam que iam?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Tem até foto, da Agência Brasil.

Jardel Arruda: Gente, essa mulher aqui é uma atriz de primeira.

Pesquisadora: Sério? Ela é atriz? Sério? Ela fazia um auê?

Jardel Arruda: Nossa, e como! No confronto que teve, ela caiu lá no meio, desmaiou...

Pesquisadora: Também tem disso, né, tem os excessos, performance. Acho que não saiu... ah,

está aqui! Aqui a sua atriz, com foto né.

Jardel Arruda: A do protesto, né?

Pesquisadora: “Governo Federal promete estudar melhor conflito em Suiamissu”. Isso aqui o

que foi? O ministério da justiça criou uma comissão...

Jardel Arruda: Eles criaram uma comissão para ver se tinha outra solução. Eles entenderam

que era um caso complexo e daí “vamos estudar, vamos estudar melhor”. Mas a comissão foi

só pra inglês ver

Pesquisadora: Por quê?

Jardel Arruda: Por que eles mantiveram tudo. Mas foi muito político da parte deles falar

“vamos criar uma comissão e vamos tentar pensar em outra solução”. Mas não tinha outra

solução.

Pesquisadora: Esse cara é o advogado da associação? “Emitiram parecer sobre conjunto de

provas entregue pelo advogado Luiz Alfredo Farezin”

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Ainda deram uma resposta para a associação. Essa deve ser a capa dessa daqui.

Isso aí, né?

Jardel Arruda: Não, está aqui, ó.

Pesquisadora: Sim... Ah, aquilo que você estava falando, né?! Que depois você teve noção de

que era uma... “Decisão sobre Suiamissu pode servir de modelo para o Brasil”. Legal mesmo,

heim?! Isso foi uma capa?

Jardel Arruda: Não, acho que não.

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194 Pesquisadora: Aí essa, ó, é no dia 12/11 já: “conflito de terras se intensifica e abre versões de

grupos em disputa”.

Jardel Arruda: O que aconteceu?

Pesquisadora: “Últimos embates cobertos pela mídia fizeram o assunto ganhar debate da

população sobre impasse judicial que envolve indígenas, pecuaristas e PF”. “Possível suicídio

coletivo do povo guarani-kaiua na disputa entre xavantes.

Jardel Arruda: É, mais um levantamento sobre um monte de coisas.

Pesquisadora: Aí você vê, conselheiro indígena diz que ...

Jardel Arruda: É por causa da PEC.

Pesquisadora: Você fez um especial, né? Um folhão.

Jardel Arruda: É. Isso aqui é por causa da PEC que diz que para serem aprovadas novas terras

indígenas tem que ser aprovadas pelo congresso. Significa que nunca mais vai ser criada uma

terra indígena. Basicamente isso.

Pesquisadora: E foi aprovada?

Jardel Arruda: Eu acho que ela está caminhando para ser.

Pesquisadora: Pois é, e a gente fica ali nas redes sociais discutindo se o apartamento é do Lula

ou não e está... tão fazendo o que querem. Acho que não saiu na capa, vamos ver o que é.

Jardel Arruda: Acho que não.

Pesquisadora: Moradores são notificados... que é você também, ó.

Jardel Arruda: Ah! Daí por isso que eu fui naquela data, por que eles tinham até o dia 09/12

para sair, de acordo com aquela notificação.

Pesquisadora: 09/12. E aí você vai no dia...

Jardel Arruda: Não lembro o dia exato, mas foi antes do dia 09/12, que a minha ideia era

chegar antes para ver como é que estava, se tinha povo saindo. Cheguei, o povo não, não

estava saindo.

Pesquisadora: Ninguém tinha saindo, Jardel?

Jardel Arruda: Não, ninguém, Começaram a sair depois que a força nacional chegou. Eles

acreditavam que não iam precisar sair, que ia ter uma nova decisão, que ia ter alguma coisa,

que eles iam ganhar.

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195 Pesquisadora: Eles acreditavam? Só estava vendo se saiu aqui, mas não saiu. Engraçado, né?

Eu pensei e você pensou também que pelo menos alguns poderiam sair.

Jardel Arruda: Eu achei que alguns sairiam antes, mas não, eles esperaram começar.

Pesquisadora: Ah, aqui ó, índio ferido em confronto com PF sai de hospital.

Jardel Arruda: Mas é outro caso, não é lá de Suiamissu isso aqui. Olha, cara! Eu falei com o

cacique lá, nem me lembrava disso. Como que eu consegui o telefone desse cacique?

Pesquisadora: É... A nora do cacique da aldeia. Mas isso você se lembra por que saiu? Por que

vocês estavam acompanhando a questão indígena?

Jardel Arruda: Eu estava acompanhando a questão indígena, então começou a chegar mais

casos indígenas para mim, começou a chegar informação. Por que quando você fica

acompanhando uma coisa especifica, você acaba criando uma fonte ou outra e o pessoal sabe

“ah, aquele cara escreve sobre isso”. Aí chega informação. E olha, no caso, foi algum

indígena que me procurou nisso aí.

Pesquisadora: Ó, viu, mesmo seu editor mais crítico já tendo fontes.

Jardel Arruda: Mas ele também nunca me impediu de ouvir ninguém.

Pesquisadora: Não sei por que eu separei isso aqui. Deve ter saído alguma nota sobre

Suiamissu. Não sei, tem que olhar com calma.

Jardel Arruda: Não sei. Talvez uma notinha aí.

Pesquisadora: Aqui, ó, a chamada. Saiu na capa. Que é o conflito. Matérias assim tinham mais

força, né? _?_. “Política da Funai leva fome às aldeias”. Como você ficou sabendo dessa

matéria?

Jardel Arruda: Ah, eu falei com o pessoal da FUNAI daí, para ter o outro lado.

Pesquisadora: Analista de assuntos imobiliários indigenista da FAMATO.

Jardel Arruda: Foi algum evento deles, que eles iam falar sobre alguma coisa, daí eu fiquei

sabendo e fui lá para ouvir.

Pesquisadora: Não saiu na capa, não. Área para remanejo de famílias em reserva. Era em

maruatsété?

Jardel Arruda: Sim. Estavam levantando para onde eles poderiam levar as famílias.

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196 Pesquisadora: Então você já estava com o INCRA conversando, que saiu na capa, INCRA...

“Entidades são contra deputados intervirem em conflitos de terra”. Que era aquela lei, eu

acho, né?! Que eles estavam tentando... Ó, foto da forca nacional, será que você estava lá?

22/11.

Jardel Arruda: Não, não, não estava lá, não.

Pesquisadora: Para as entidades essas reuniões seriam na verdade_?_ para incentivar a

violência e a desobediência as decisões do STF.

Jardel Arruda: Aí o Wellington, rebatendo as entidades.

Pesquisadora: Sim... vamos ver se saiu na capa?

Jardel Arruda: Não... Agora a gente já olhou um monte, mas seria interessante a gente olhar

matérias favoráveis aos posseiros e favoráveis aos indígenas, qual saiu mais na capa?

Pesquisadora: É, verdade. “Despejo continua e força nacional fica por mais tempo”. Que dia?

23/11.

Jardel Arruda: Ah, eles já estavam indo para lá, então.

Pesquisadora: Eu acho. “AGU afirma ser legal permuta de terra indígena na por área em

parque”.

Jardel Arruda: Que era aquela ideia. Eu me lembro de quando teve isso. Eu fiquei com raiva

que eu não pude ir para lá. Teve um evento lá, alguns políticos foram, foi o representante da

AGU, da Funai. E eles fizeram um evento lá em Posto da Mata, para a conversa com a

população, falar que eles tinham que sair de lá. Mas não estava tendo a desocupação em si

ainda.

Pesquisadora: É. Eles estavam falando que era legal fazer a permuta, né?! Quer dizer, meio

favorável para eles também. Vamos ver se saiu na capa?

Jardel Arruda: Não, parece que não.

Pesquisadora: É. Ah, daí você não foi para lá ainda?

Jardel Arruda: Não.

Pesquisadora: “Situação de etnia é catastrófica”. Reinaldo.

Jardel Arruda: Sobre os guarani-kaioa.

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197 Pesquisadora: Deixa eu olhar se saiu... saiu. Essa é sua: “xavantes comemoram, mas ainda

estão apreensivos que a desintrusão seja suspensa pela interferência política”.

Jardel Arruda: Meu, eu estou surpreso, está mais equilibrado do que eu imaginava.

Pesquisadora: Por que, você imaginava o que?

Jardel Arruda: Aqui, outra.

Pesquisadora: Aqui, boa! Essa aqui foi especial, então. “Contagem regressiva para

desocupação: desintrusão é determinada pela justiça, para que transforme na terra indígena

mãraiwtsédé”. “Assentamento de glebas próximas à área também temem despejo”. Leia mais

na próxima página. Próxima página é essa: “xavantes comemoram, mas ainda estão

apreensivos”. Foi um especial que você fez. Acho que você estava para ir para lá. Com quem

você conversou dos xavantes?

Jardel Arruda: O _?_. Eu consegui falar com ele por telefone algumas vezes. Ele era lá de

Posto da Mata. Algumas vezes eu consegui falar com ele por telefone, sim, eu me lembro

disso. Aí, depois, quando estava na eminência de acontecer as coisas, eu não conseguia mais

falar com ele de jeito algum.

Pesquisadora: Ele deve ter ido para a aldeia, né? O telefone não funcionava? Manchete.

Legal, heim! Manchetaram, matéria especial. Que dia que é? Segunda feira.

Jardel Arruda: Deu uma saudadezinha até, heim.

Pesquisadora: É, né... “Maquinas pesadas do exército chegam à região de conflito no MT”.

Jardel Arruda: É quando chegaram os tratores deles, essas coisas.

Pesquisadora: Enviado especial. Aqui você já é enviado especial, dia 4/12.

Jardel Arruda: Então eu já estava lá, que eu queria chegar antes do dia 9.

Pesquisadora: Enviado especial. Você já estava lá.

Jardel Arruda: Eu já estava lá, então.

Pesquisadora: Vamos voltar? Acho que esse é o primeiro dia.

Jardel Arruda: Dia 3, eu acho.

Pesquisadora: Aqui era sua, Jardel? Não do menino...

Jardel Arruda: É, acho que eu estava indo para lá, acho que aquela lá foi a primeira mesmo.

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198 Pesquisadora: Vamos só olhar a anterior? Reportagem local. Então aqui você já estava lá.

Jardel Arruda: Sim, dia 3/12 eu estava lá.

Pesquisadora: Você falou como índio lá, eu acho.

Jardel Arruda: Acho que consegui contato com ele por telefone.

Pesquisadora: Aí aqui, você fala com o índio. Vamos ver o que você vai falar. _?_ ao

sentimento. Em recente passagem a Cuiabá, durante uma manifestação...

Jardel Arruda: Ah, eu falei com ele antes de ir.

Pesquisadora: Eu tenho que te lembrar de tudo, né, Jardel?

Jardel Arruda: Eu falei com ele antes de ir. Eu até lembro aonde. Eles fizeram uma

manifestação lá no antigo monumento ao Ulisses Guimarães, a águia que tinha.

Pesquisadora: Ah! Aí você foi lá? Você sabia que estava tendo?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Aí você foi lá para fazer a matéria com eles sobre Marauatsété. Legal. Aí você

guardou?

Jardel Arruda: É. E usei depois. Mas tinha sido poucos dias antes. Pouquíssimos dias antes.

Pesquisadora: E aqui o advogado da associação falando. Essa foi manchete?

Jardel Arruda: Foi.

Pesquisadora: Legal. “Máquinas pesadas do exército”...

Jardel Arruda: Quando chegaram. Quando eu estava lá e vi chegarem as coisas. Eu vi chegar.

À noite, passou o comboio.

Pesquisadora: Moradores de Suiamissu tentam a sorte na fila da reforma agrária. Você achou

que ia ser bem pior, você falou. Por quê?

Jardel Arruda: Eu acho que tinha uma lembrança de que era pior, de que tinha menos espaço

para os índios.

Pesquisadora: Ah, você viu como tem? Achei que teve bastante, comparando.

Jardel Arruda: Eu me preocupava um bocado com isso, sério. Hoje eu tenho raiva de não ter

conseguido ir para a aldeia em si.

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199 Pesquisadora: Imagino. Saiu na capa. Vamos ver que matéria que é. “Produtores prometem

fechar a BR”. Aí, aqui, é eles te passando todo dia, né?!

Jardel Arruda: Calixto Guimarães, o nome do jornalista que me...

Pesquisadora: Ah! Calixto Guimarães, foto dele. População de branco seria de 3,3 mil. Que é

o cálculo que você falou que é o que você acha o mais confiável.

Jardel: Exato! Acho que era mais ou menos isso. Mas, 3300 pessoas...

Pesquisadora: Que é você começa acompanhando a rotina ali, mas você só conseguia com

eles, as informações. MT... É... Acho que... saiu na capa?

Jardel Arruda: Não aparece.

Pesquisadora: Lembra quando deu essa rusga?

Jardel Arruda: Nossa, eu me lembro disso aí. Aí eles fecharam a rodovia.

Pesquisadora: “Produtores prometem resistência pacifica e moradores prometem resistir e

morrer na terra se for preciso”.

Jardel Arruda: Eu comecei a acompanhar o cotidiano deles, o dia-a-dia deles lá.

Pesquisadora: “Moradores devem resistir hoje a desintrusão”. Manchete. E é essa né?

“Confiscados. E Juiz Federal diz não haver mais recursos”. Ah, essa é da Agência Brasil, ó. E

essa é sua, que eles vão resistir, né?! E eles resistiram, mais ou menos.

Jardel Arruda: Resistiram enquanto conseguiram, mas a polícia foi muito inteligente.

Pesquisadora: “Secretário diz sofrer ameaça de morte”. Quem que é?

Jardel Arruda: Essa aqui foi o Orlando que escreveu.

[Áudio 28]

Pesquisadora: Jardel Arruda. A gente está conversando agora sobre as matérias que ele

publicou na Folha do Estado (MT).

Jardel Arruda: Ah, tinha a Raquel de estagiária, a Rosane Brandão que eu falei que ela tinha

acesso à educação.

Pesquisadora: “Crianças recebem mais cuidados nas aldeias, afirma pesquisadora”. Foi em

cima de uma matéria da educação mesmo. Você vê que o assunto ele vai indo em várias áreas.

Acho que também não saiu na capa.

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200 Jardel Arruda: Acho que não. Cadê a matéria? Ah! Vai estar em mundo, vai ser uma matéria

de fora.

Pesquisadora: Nacional, será?

Jardel Arruda: Não.. _?_

Pesquisadora: “Cortes federais expedem liminares contraditórias sobre Suiamissu”. Aí é sua...

Legal. Aí você já tava acompanhado. Você vê que já e acompanhamento mesmo.

Jardel Arruda: Sim, eu já tava acompanhando o processo. Aí, de novo, falando com o

advogado do...

Pesquisadora: Ah é... Você devia ter feito contato com a OPAM (?) antes de ir para lá, né?!

Jardel Arruda Eu tentei fazer contato com o OPAM (?) antes de ir pra La. Eles falaram que

não dava, que estava fechado. Hoje eu entendo...

Pesquisadora: E não foi ninguém da OPAM pra La?

Jardel Arruda: Não. O pessoal da OPAM estava na tribo, eu imagino.

Pesquisadora: Devia ter gente na cidade. Geralmente eles têm, pra fazer contato. A não ser

que tribo tivesse sinal.

Jardel Arruda: Em alto da boa vista, talvez. Não no posto da mata. Em boa vista, ok.

Pesquisadora: “Índios de suiamissu estão a um passo de resgatar terras ” Cai liminar. Aí ó,

acompanhamento, né?! E aqui, Jardel. Jardel Patrício. Senador pede que STF reconsidere

decisão sobre desintrusão. Aí ó, os políticos de MT. Engraçado isso, né?

Jardel Arruda: É por que da votos, né.

Pesquisadora: É que eu lembro uma entrevista que eu vi do Silval. Ele tentando fazer aquela

lei que dava uma outra área.

Jardel Arruda: Isso, no parque do Araguaia.

Pesquisadora: É engraçado, por que geralmente o Governador toma uma decisão de

neutralidade para tentar acompanhar o conflito, né?!

Jardel Arruda: No caso dele não, ele tentou mesmo ajudar. Eleitor, né?! Quantos votos

tinham na tribo indigna e quantos votos ele tinha do pessoal que morava lá.

Pesquisadora: Aqui, ó, apesar do apelo de _?_... Advogada. Aí você conversou com a

advogada Tb? Está. Aí aqui é... Não saiu na capa também, não.

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201 Jardel Arruda: Acho que não.

Pesquisadora: Processo sobre Suiamissu será apreciado após julgamento do mensalão.

Jardel Arruda: Caraca, eu entrei em contato com o pessoal do STF.

Pesquisadora: Você fez muita matéria. Você vê que você ficou alguns meses e esse caso você

fez muita matéria sobre esse caso. Não, eu acho, vamos olhar, né? Mas acho que foi você

quem fez. Também não saiu na capa. Já estava o Beto lá? Foi a depressão da folha, né? Vara

do trabalho condena... Ah, saiu só essa aqui, né.. EMPEF (?) pede de novo despejo de não

índios. Jardel. Acompanhamento.

Jardel Arruda: É eu peguei o caso no ?.

Pesquisadora: Mas é que para Mato Grosso tem que ir acompanhando. Acho que não saiu

também. Ah, aqui, ó, quando o exército estava indo, em 29/10. Carolina. Era adjunta. Ah não,

essa é da Agência Brasil.

Jardel Arruda: Era uma segunda feira e a matéria era do fim de semana, por isso não fui eu

que escrevi. Ah sim, por que o exército primeiro montou um pequeno posto. Depois que eles

levaram todo mundo para lá e montaram um postão.

Pesquisadora: Você fez aqui, ó, com advogado da associação. “Advogado diz que espera uma

nova decisão”. Vocês pegaram uma matéria da agencia e colocaram só o... “Exército está

pronto para retirar moradores da reserva Marãiwatsédé”. Vocês devem ter ido no outro dia

conversar sobre isso. 29/10. Foi destaque na capa. Da agência Brasil. Aí essa já é nossa:

Presidente do STF mantém a decisão. Que você fez. Que deve ser essa, a capa. É, saiu na capa

essa. Então, outra nacional, mas não é sobre Marãiwatsédé, mas é sobre a questão indígena.

Jardel Arruda: É. E a mesma Carolina que escreveu.

Pesquisadora: Como SP e MT, e ela cita MT. É mesmo, Jardel, a mesma repórter. E saiu um

nacional. Vamos ver se teve chamada na capa? Acho que não, não saiu na capa. Moradores de

Posto da Mata realizam protestos em Brasília. Você que fez?

Jardel Arruda: Sim... eles levaram um ônibus pra La.

Pesquisadora: Eles foram de ônibus e te avisam que iam?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Tem até foto, da Agência Brasil.

Jardel Arruda: Gente, essa mulher aqui é uma atriz de primeira.

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202 Pesquisadora: Sério? Ela é atriz? Sério? Ela fazia um auê?

Jardel Arruda: Nossa, e como! No confronto que teve, ela caiu lá no meio, desmaiou...

Pesquisadora: Também tem disso, né, tem os excessos, performance. Acho que não saiu... Ah,

tá aqui! Aqui a sua atriz, com foto né.

Jardel Arruda: A do protesto, né?

Pesquisadora: “Governo Federal promete estudar melhor conflito em Suiamissu”. Isso aqui o

que foi? O ministério da justiça criou uma comissão...

Jardel Arruda: Eles criaram uma comissão para ver se tinha outra solução. Eles entenderam

que era um caso complexo e daí “vamos estudar, vamos estudar melhor”. Mas a comissão foi

só pra inglês ver

Pesquisadora: Por quê?

Jardel Arruda: Por que eles mantiveram tudo. Mas foi muito político da parte deles falar

“vamos criar uma comissão e vamos tentar pensar em outra solução”. Mas não tinha outra

solução.

Pesquisadora: Esse cara é o advogado da associação? “Emitiram parecer sobre conjunto de

provas entregue pelo advogado Luiz Alfredo Farezin”

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Ainda deram uma resposta para a associação. Essa deve ser a capa dessa daqui.

Isso aí, né?

Jardel Arruda: Não, está aqui, ó.

Pesquisadora: Sim... ah, aquilo que você estava falando, né?! Que depois você teve noção de

que era uma... “Decisão sobre Suiamissu pode servir de modelo para o Brasil”. Legal mesmo,

heim?! Isso foi uma capa?

Jardel Arruda: Não, acho que não.

Pesquisadora: Aí essa, ó, é no dia 12/11 já: “conflito de terras se intensifica e abre versões de

grupos em disputa”.

Jardel Arruda: O que aconteceu?

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203 Pesquisadora: “Últimos embates cobertos pela mídia fizeram o assunto ganhar debate da

população sobre impasse judicial que envolve indígenas, pecuaristas e PF”. “Possível suicídio

coletivo do povo guarani-kaiua na disputa entre xavantes ?

Jardel Arruda: É, mais um levantadão sobre um monte de coisas.

Pesquisadora: Aí você vê, conselheiro indígena diz que?

Jardel Arruda: É por causa da PEC.

Pesquisadora: Você fez um especial, né? Um folhão.

Jardel Arruda: É. Isso aqui é por causa da PEC que diz que para serem aprovadas novas

terras indígenas tem que ser aprovadas pelo congresso. Significa que nunca mais vai ser

criada uma terra indígena. Basicamente isso.

Pesquisadora: E foi aprovada?

Jardel Arruda: Eu acho que ela ta caminhando para ser.

Pesquisadora: Pois é, e a gente fica ali nas redes sociais discutindo se o apartamento é do Lula

ou não e está... tão fazendo o que querem. Acho que não saiu na capa, vamos ver o que é.

Jardel Arruda: Acho que não.

Pesquisadora: Moradores são notificados... Que é você também, ó.

Jardel Arruda: Ah! Daí por isso que eu fui naquela data, por que eles tinham até o dia 09/12

para sair, de acordo com aquela notificação.

Pesquisadora: 09/12. E aí você vai no dia...

Jardel Arruda: Não lembro o dia exato, mas foi antes do dia 09/12, que a minha ideia era

chegar antes para ver como é que estava, se tinha povo saindo. Cheguei, o povo não, não

estava saindo.

Pesquisadora: Ninguém tinha saindo, Jardel?

Jardel Arruda: Não, ninguém, começaram a sair depois que a força nacional chegou. Eles

acreditavam que não iam precisar sair, que ia ter uma nova decisão, que ia ter alguma coisa,

que eles iam ganhar.

Pesquisadora: Eles acreditavam? Só trava vendo se saiu aqui, mas não saiu. Engraçado, né?

Eu pensei e você pensou também que pelo menos alguns poderiam sair.

Jardel Arruda: Eu achei que alguns sairiam antes, mas não, eles esperaram começar.

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204 Pesquisadora: Ah, aqui ó, índio ferido em confronto com PF sai de hospital.

Jardel Arruda: Mas é outro caso, não é lá de Suiamissu isso aqui. Olha, cara! Eu falei com o

cacique lá, nem me lembrava disso. Como que eu consegui o telefone desse cacique?

Pesquisadora: É... A nora do cacique da aldeia. Mas isso você se lembra por que saiu? Por que

vocês estavam acompanhando a questão indigna?

Jardel Arruda: Eu estava acompanhando a questão indígena, então começou a chegar mais

casos indígenas para mim, começou a chegar informação. Por que quando você fica

acompanhando uma coisa especifica, você acaba criando uma fonte ou outra e o pessoal sabe

“ah, aquele cara escreve sobre isso”. Aí chega informação. E olha, no caso, foi algum

indígena que me procurou nisso aí.

Pesquisadora: Ó, viu, mesmo seu editor mais crítico já tendo fontes.

Jardel Arruda: Mas ele também nunca me impediu de ouvir ninguém.

Pesquisadora: Não sei por que eu separei isso aqui. Deve ter saído alguma nota sobre

Suiamissu. Não sei, tem que olhar com calma.

Jardel Arruda: Não sei. Talvez uma notinha aí.

Pesquisadora: Aqui, ó, a chamada. Saiu na capa. Que é o conflito. Matérias assim tinham mais

força, né? “Política da Funai leva fome às aldeias”. Como você ficou sabendo dessa matéria?

Jardel Arruda: Ah, eu falei com o pessoal da FUNAI daí, para ter o outro lado.

Pesquisadora: Analista de assuntos imobiliários indigenista da FAMATO.

Jardel Arruda: Foi algum evento deles, que eles iam falar sobre alguma coisa, daí eu fiquei

sabendo e fui lá para ouvir.

Pesquisadora: Não saiu na capa, não. Área para remanejo de famílias em reserva. Era em

maruatséti?

Jardel Arruda: Sim. Estavam levantando para onde eles poderiam levar as famílias.

Pesquisadora: Então você já estava com o INCRA conversando, que saiu na capa, INCRA...

“Entidades são contra deputados intervirem em conflitos de terra”. Que era aquela lei, eu

acho, né?! Que eles estavam tentando... Ó, foto da forca nacional, será que você estava lá?

22/11.

Jardel Arruda: Não, não, não estava lá, não.

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205 Pesquisadora: Para as entidades essas reuniões seriam na verdade_?_ para incentivar a

violência e a desobediência as decisões do STF.

Jardel Arruda: Aí o Wellington, rebatendo as entidades.

Pesquisadora: Sim... Vamos ver se saiu na capa?

Jardel Arruda: Não... Agora a gente já olhou um monte, mas seria interessante a gente olhar

matérias favoráveis aos posseiros e favoráveis aos indígenas, qual saiu mais na capa?

Pesquisadora: É, verdade. “Despejo continua e força nacional fica por mais tempo”. Que dia?

23/11.

Jardel Arruda: Ah, eles já estavam indo para lá, então.

Pesquisadora: Eu acho. “AGU afirma ser legal permuta de terra indígena na por área em

parque”.

Jardel Arruda: Que era aquela ideia. Eu me lembro de quando teve isso. Eu fiquei com raiva

que eu não pude ir para lá. Teve um evento lá, alguns políticos foram, foi o representante da

AGU, da Funai. E eles fizeram um evento lá em Posto da Mata, para a conversa com a

população, falar que eles tinham que sair de lá. Mas não estava tendo a desocupação em si

ainda.

Jardel Arruda: É. Eles estavam falando que era legal fazer a permuta, né?! Quer dizer, meio

favorável para eles também. Vamos ver se saiu na capa?

Jardel Arruda: Não, parece que não.

Pesquisadora: É. Ah, daí você não foi para lá ainda?

Jardel Arruda: Não.

Pesquisadora: “Situação de etnia é catastrófica”. Reinaldo.

Jardel Arruda: Sobre os guarani-kaioa.

Pesquisadora: Deixa eu olhar se saiu... Saiu. Essa é sua: “xavantes comemoram, mas ainda

estão apreensivos que a desintrusão seja suspensa pela interferência política”.

Jardel Arruda: Meu, eu estou surpreso, está mais equilibrado do que eu imaginava.

Pesquisadora: Por que, você imaginava o que?

Jardel Arruda: Aqui, outra.

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206 Pesquisadora: Aqui, boa! Essa aqui foi especial, então. “Contagem regressiva para

desocupação: desintrusão é determinada pela justiça, para que transforme na terra indígena

mãraiwatsédé”. “Assentamento de glebas próximas à área também temem despejo”. Leia

mais na próxima página. Próxima página é essa: “xavantes comemoram, mas ainda estão

apreensivos”. Foi um especial que você fez. Acho que você estava para ir para lá. Com quem

você conversou dos xavantes?

Jardel Arruda: Eu consegui falar com ele por telefone algumas vezes. Ele era lá de Posto da

Mata. Algumas vezes eu consegui falar com ele por telefone, sim, eu me lembro disso. Aí,

depois, quando estava na eminência de acontecer as coisas, eu não conseguia mais falar com

ele de jeito algum.

Pesquisadora: Ele deve ter ido para a aldeia, né? O telefone não funcionava? Manchete.

Legal, heim! Manchetaram, matéria especial. Que dia que é? Segunda feira.

Jardel Arruda: Deu uma saudadezinha até, heim.

Pesquisadora: É, né... “Maquinas pesadas do exército chegam à região de conflito no MT”.

Jardel Arruda: É quando chegaram os tratores deles, essas coisas.

Pesquisadora: Enviado especial. Aqui você já é enviado especial, dia 4/12.

Jardel Arruda: Então eu já estava lá, que eu queria chegar antes do dia 9.

Pesquisadora: Enviado especial. Você já estava lá.

Jardel Arruda: Eu já estava lá, então.

Pesquisadora: Vamos voltar? Acho que esse é o primeiro dia.

Jardel Arruda: Dia 3, eu acho.

Pesquisadora: Aqui era sua, Jardel? Não do menino...

Jardel Arruda: É, acho que eu estava indo para lá, acho que aquela lá foi a primeira mesmo.

Pesquisadora: Vamos só olhar a anterior? Reportagem local. Então aqui você já estava lá.

Jardel Arruda: Sim, dia 3/12 eu estava lá.

Pesquisadora: Você falou como índio lá, eu acho.

Jardel Arruda: Acho que consegui contato com ele por telefone.

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207 Pesquisadora: Aí aqui, você fala com o índio. Vamos ver o que você vai falar. _?_ ao

sentimento. Em recente passagem a Cuiabá, durante uma manifestação...

Jardel Arruda: Ah, eu falei com ele antes de ir.

Pesquisadora: Eu tenho que te lembrar de tudo, né, Jardel?

Jardel Arruda: Eu falei com ele antes de ir. Eu até lembro aonde. Eles fizeram uma

manifestação lá no antigo monumento ao Ulisses Guimarães, a águia que tinha.

Pesquisadora: Ah! Aí você foi lá? Você sabia que estava tendo?

Jardel Arruda: Sim.

Pesquisadora: Aí você foi lá para fazer a matéria com eles sobre Marauatsété. Legal. Aí você

guardou?

Jardel Arruda: É. E usei depois. Mas tinha sido poucos dias antes. Pouquíssimos dias antes.

Pesquisadora: E aqui o advogado da associação falando. Essa foi manchete?

Jardel Arruda: Foi.

Pesquisadora: Legal. “Máquinas pesadas do exército”...

Jardel Arruda: Quando chegaram. Quando eu estava lá e vi chegarem as coisas. Eu vi chegar.

À noite, passou o comboio.

Pesquisadora: Moradores de Suiamissu tentam a sorte na fila da reforma agrária. Você achou

que ia ser bem pior, você falou. Por quê?

Jardel Arruda: Eu acho que tinha uma lembrança de que era pior, de que tinha menos espaço

para os índios.

Pesquisadora: Ah, você viu como tem? Achei que teve bastante, comparando.

Jardel Arruda: Eu me preocupava um bocado com isso, sério. Hoje eu tenho raiva de não ter

conseguido ir para a aldeia em si.

Pesquisadora: Imagino. Saiu na capa. Vamos ver que matéria que é. “Produtores prometem

fechar a BR”. Aí, aqui, é eles te passando todo dia, né?!

Jardel Arruda: Calixto Guimarães, o nome do jornalista que me...

Pesquisadora: Ah! Calixto Guimarães, foto dele. População de branco seria de 3,3 mil. Que é

o cálculo que você falou que é o que você acha o mais confiável.

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208 Jardel Arruda: Exato! Acho que era mais ou menos isso. Mas, 3300 pessoas...

Pesquisadora: Que é você começa acompanhando a rotina ali, mas você só conseguia com

eles, as informações. MT... É... Acho que... saiu na capa?

Jardel Arruda: Não aparece.

Pesquisadora: Lembra quando deu essa rusga?

Jardel Arruda: Nossa, eu me lembro disso aí. Aí eles fecharam a rodovia.

Pesquisadora: “Produtores prometem resistência pacifica e moradores prometem resistir e

morrer na terra se for preciso”.

Jardel Arruda: Eu comecei a acompanhar o cotidiano deles, o dia-a-dia deles lá.

Pesquisadora: “Moradores devem resistir hoje a desintrusão”. Manchete. E é essa né?

“Confiscados. E Juiz Federal diz não haver mais recursos”. Ah, essa é da Agência Brasil, ó. E

essa é sua, que eles vão resistir, né?! E eles resistiram, mais ou menos.

Jardel Arruda: Resistiram enquanto conseguiram, mas a polícia foi muito inteligente.

Pesquisadora: “Secretário diz sofrer ameaça de morte”. Quem que é?

Jardel Arruda: Essa aqui foi o Orlando que escreveu.

[Áudio: Jardel Arruda 29]

Pesquisadora: Pode ser que saiu alguma coisa na imprensa nacional e ele regionalizou.

Jardel Arruda: Sim, sim, provavelmente.

Pesquisadora: Aí foi manchete: secretário de Dilma é ameaçado de morte em Marauatsété.

Ele foi para lá?

Jardel Arruda: Não.

Pesquisadora: É por que tinham pessoas, digamos assim, poderosos.

Jardel Arruda: É que o pessoal de Marãiwatsédé e os produtores maiores iam pra Brasília.

Pesquisadora: E você ficava sabendo dessa história que...

Jardel Arruda: Depois. Alguma coisa sabia, quando conversava com...

Pesquisadora: “Mulheres de Suiamisu vão a Brasília”. Que eram viúvas de Suiamisu. Essa é

você, né? “Moradores duvidam de secretário...” Ah, você repercutiu a matéria, a manchete.

“Ameaçado, bispo está sobre proteção da PF”, com agência F. Olha lá, agência internacional.

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209 Incrível isso, né? Aí sua matéria que “menores moradores montaram resistência com

acampamento bloqueio”. É incrível uma matéria dessas com agência internacional, né? Essa

você ficou sabendo lá?

Jardel Arruda: Fiquei sabendo quando vi no jornal só. Nossa! Me lembro do pessoal lá puto

com isso, lembro muito bem do Tião falando para mim “você tá me vendo aqui todo dia.

Como que eu ia ter ameaçado esse bispo? Se alguém quisesse matar ele, já tinha ido lá e

matado ele. A gente sabe onde ele está”.

Pesquisadora: Você foi lá falar com ele?

Jardel Arruda: Com o bispo? Não por que ele ficava em São Felix, que era mais 400 km. Era

longe. Eu até tinha a ideia de ir, mas faltava recurso, faltava... enfim.

Pesquisadora: Eu fui, é... Eu passei, por que quando eu passei no posto da mata não tinha mais

nada, né?! Aquela estrada que eu falei para você que era muito ruim é para ir para lá. “Bispo é

ameaçado e deixa Suiamissu escoltado pela PF”. Manchete. Foi manchete então da agência

internacional com matéria sua falando do outro lado. Aí aqui... Ah, essa já é “confronto deixa

sete feridos”.

Jardel Arruda: Dia 11/12.

Pesquisadora: Essa foi você quem mandou?

Jardel Arruda: Foi.

Pesquisadora: PF filma incitadores e prova material pode se transformar em prisões daqueles

mais resistentes.

Jardel Arruda: Não, esse da PF não é meu. Esse daqui alguém entrou em contato com a PF e

passou para eles.

Pesquisadora: Você passou para eles ou eles ficaram sabendo?

Jardel Arruda: Eu acho que eu recomendei “olha, alguém tem que falar com a PF”. Acho que

foi isso.

Pesquisadora: É, está “da redação e Jardel Arruda”.

Jardel Arruda: Essa aqui foi alguém daqui mesmo.

Pesquisadora: Essa foto é forte, né? O cara sem arma indo para cima dos...

Jardel Arruda: É muito peitudo, ele machucou a mão. Eu adoro essa foto.

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210 Pesquisadora: Essa foto é sua?

Jardel Arruda: Aham.

Pesquisadora: O que ele está segurando?

Jardel Arruda: Um boné só. Só que, olha essa caminhonete. E daí ali na frente... Isso diz

muito do moral deles: “vamos lá, vamos defende”.

Pesquisadora: E eles estavam indo confrontar com os policiais? Ficou lega, né?!

Jardel Arruda: Exato!

Pesquisadora: Essa aqui foi a fazenda do cara que você me falou, que era um alemãozão lá,

coronel?

Jardel Arruda: O alemão lá. Ele era muito carismático, sabe? Vivia dando cesta básica para a

galera, uma coisa aqui, uma coisa li, ajuda com um dinheiro ali... Ele tinha muita grana, um

dos mais ricos de lá, tinha uma fazenda muito grande. E aí ele convenceu todo mundo, por

que a galera queria fazer desintrusão na fazenda dele para montar uma base lá, por que

fazendo base lá seria fácil tomar o resto. E todo mundo entrou nessa ideia e falou “não, não

vamos deixar, vamos proteger sua fazenda”. E protegeram a fazenda dele.

Pesquisadora: E é legal que você foi identificando.

Jardel Arruda: E esse cara aqui ele nem tem fazenda, ele era peão lá. E era ele que estava

indo para cima do policial. Você acha que o alemão estava aqui? Não.

Pesquisadora: Não... Mas daí você vê, Jardel, que é massa de manobra.

Jardel Arruda: É massa de manobra.

Pesquisadora: Você vai falar que vai manter? Vai ter que dar outra área.

Jardel Arruda: Tem que dar outra área, mas só que você não pode só dar outra área, tem que

dar uma área com o mínimo de estrutura.

Pesquisadora: Tem que dar uma área produtiva, né?! Por que dar a área que era, aí não. O que

vai fazer com uma área dessas? Nem quem tem muito dinheiro consegue produzir numa área

dessas. Imagina quem não tem nada.

[Áudio 30]

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211 Pesquisadora: Jardel Arruda, vamos continuar... Só.... Essa era lá também, né?! Que é o

acompanhamento, que foi quando você falou que a moral subiu pra caramba.

Jardel Arruda: A moral subiu! A gente falou “nossa! A gente vai resistir, a gente vai impedir

os caras de tirar a gente daqui. ”, e a moral ficou alta por um tempo depois.

Pesquisadora: Produtores (?) prometem resistir, e a outra? Aprosoja protestam contra

desintrusão (?). E você achou que era possível?

Jardel Arruda: Eles resistirem? Não, de forma alguma. Eu achei que eles poderiam prorrogar

isso.

Pesquisadora: Ó isso da manchete: moradores de Suiamissu preparam nova resistência. Por

que podia ter... Por que é conflito, né?! Para Jornalismo eminência do conflito.

Jardel Arruda: Eminência do conflito! Nossa! Eu achava e não só eu como os outros

jornalistas que estavam lá achava que se acontecesse deles encontrarem a polícia, eles iriam

partir para cima. Eles estavam com o moral muito elevado. Tipo: ó, a gente conseguiu. E é

engraçado, por que nós, jornalistas, a gente pensava assim “nossa! Eles não conseguiram

nada! O que eles acham que eles conseguiram? Conseguiram sobrevida, eles protegeram uma

fazenda só, e saíram machucados, todos machucados”. Um policial saiu machucado, quantos

deles saíram? Mas ficou a sensação de que são eles tinham defendido a fazenda, eles estavam

com o moral elevadíssimo. Eles eram muito religiosos. Nunca vi tanta concentração de igreja

quanto eu vi lá. Muito templo evangélico, principalmente. E todo dia à noite eles tinham o

culto deles e eles “Ah! Deus está conosco! Nós vamos conseguir! ”

Pesquisadora: É engraçado né? Por isso que você ouve isso, você pensa às vezes, um pouco,

essa história aí que Deus é criação humana que você usa pra... não sei, né?! Pode não ser,

mas que usa...

Jardel Arruda: Particularmente, eu sou ateu. Acho que a religião é um instrumento político

muito eficaz.

Pesquisadora: Que acaba usando, acaba usando, né?!

Jardel Arruda: Ó essa Adriana escreveu...

Pesquisadora: É, que tenta mostrar o lado um pouco dos xavantes. Xavantes estão isolados,

comida já é escassa. Ah! E tem a da Suiamissu ó: repórter Brasil, o sonho de uma agência

nacional, né?! Ah, não, pensei que podia ser alguma, mas não era. Isolamento em _?_ e

comida de índio está no fim. Por que eles ficaram isolados, né?

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212 Jardel Arruda: É... Na verdade, a força nacional estava fazendo segurança para eles. Acho

exagero falar que eles estavam isolados, tinha a força nacional lá. Quem impedia a força

nacional de levar comida para eles.

Pesquisadora: Mas acho que não passava, né, pela rodovia. Vamos ver?

Jardel Arruda: Não, mas, o bloqueio do..

Pesquisadora: Um pouco mais de 1000 índios estão confinados numa aldeia com área de 10%

do total da terra indígena.

Jardel Arruda: Isso é. Eles estavam numa área ridiculamente pequena.

Pesquisadora: Segundo o representante do fórum dos direitos humanos, se a sociedade olha

somente o lado _?_ fica a impressão de que _?_. _?_. Diz que são pouco mais que 1000, a

maioria de idosos e crianças. Ainda assim, estão em um tamanho de área inapropriado. É

complicado, por que onde vocês estavam era de acesso difícil, né? E eles tentaram resistir

também por causa da questão da saúde, contato com o homem branco.

Jardel Arruda: Eu não sei. Os xavantes têm contato com o homem branco há bastante tempo

já. Acho que essa questão de doença... Inclusive eles sofreram muito antes. Eles tiveram um

surto de cólera que matou muitos indígenas.

Pesquisadora: É, mas, quando eles foram retirados também.

Jardel Arruda: Isso foi nessa época, um pouco depois, eles foram retirados, foram levados

para três terras indígenas diferentes, que eram missões salesianas. São Marcos... Não lembro

o nome das outras, me lembro que uma era São Marcos. E duas dessas tiveram epidemia de

sarampo ou cólera, não lembro agora; matou vários deles, matou boa parte da população

indígena deles.

Pesquisadora: É por que geralmente alguns sofrem _?_ começam a ter imunidade.

Jardel Arruda: É, demora a ter imunidade.

Pesquisadora: Tá, aí foi manchete “isolados em _?_ comida de índios está no fim”. Que dia

que é?

Jardel Arruda: Dia 13, eu acho. Essa aqui é dia 14.

Pesquisadora: “Índios _?_ pedem que todos os povos apoiem os xavantes”, que também é da

Adriana Nascimento. Então começou a cobrir _?_ garantia de direitos... Ah, tá! Também é

dela. Aqui não está seu nome... Aí vai tem investigação da PF sobre quem cita protestos (?).

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213 Adriana Nascimento. Entidade diz estar triste e com pesar. _?_ a FAMATO para ouvir vice

presidente...

Jardel Arruda: É, que era uma matéria _?_ daqui.

Pesquisadora: Assembleia cobra uma ação do decreto, mas ministro não recua. Débora

Siqueira

Jardel Arruda: Será que eu já tinha saído da Folha?

Pesquisadora: Qual foi sua última matéria? Sua, saiu mais matéria sobre os índios mesmo, né?

Essa sua aqui foi do dia 12/12.

Jardel Arruda: Ruralistas queimam bandeira... É eu já tinha saído. Por que essa aqui não fui

eu que escrevi, e eu estava lá. Então, eu não tinha saído.

Pesquisadora: Então qual que foi a matéria, Jardel?

Jardel Arruda: Acho que foi a da ameaça ao Dom Pedro, que aí eu falei com um monte de

gente lá e não saiu. E aí, no outro dia, saiu um trechinho ainda.

Pesquisadora: Vamos olhar?

Jardel Arruda: Eu acho que é... Essa daqui ainda é minha.

Pesquisadora: Produtores prometem resistir; novos confrontos podem acontecer; aprosoja

protesta contra desincrusão (?); é tudo eles falando, né? Educação lúdica, confronto em

Suiamissu acaba com sete feridos, que aí é ele falando também.

Jardel Arruda: Eu acho que é a do bispo mesmo, que me deixou puto.

Pesquisadora: Bispo é ameaçado e deixa Suiamisu escoltado pela PF. Vamos olhar. Mas não

foi você que escreveu...

Jardel Arruda: Não fui eu que escrevi. Eu acho que tiraram... Eu acho que eu tinha escrito

alguma coisa sobre isso. Eu lembrei: me avisaram sobre isso, eu escrevi uma matéria sobre

isso, ouvindo todo mundo lá e não usaram minha matéria. E foi num domingo, que é no final

de semana. A matéria saiu na segunda. Eu escrevi a matéria, não usaram minha matéria. Eu

fiquei puto com isso. E eles lá vieram para cima de mim por que viram meu nome aqui e

acharam que era tudo meu, ainda por cima.

Pesquisadora: É, por que não tiraram nada da sua matéria, na verdade, não a publicaram.

Jardel Arruda: Não usaram.

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214 Pesquisadora: E saiu mais uma matéria sua ainda.

Jardel Arruda: Ainda saiu, por que eu não pedi demissão imediatamente. Eu fui conversando

com o Orlando, falei que ia pedir demissão, aí dois dias depois que eu saí de vez. É, foi isso.

Pesquisadora: Essa aqui é o que? Moradores montam resistência.

Jardel Arruda: Cadê aquele trecho que é... Confronto... É, que tinha uma que era eu

repercutindo isso aí.

Pesquisadora: Ah, não, é que foi assim, ó, é que eu vi essa matéria e aí depois eu vim aqui e

vi “bispo ameaçado deixa suiamissu” eu achei que era a repercussão sua, mas não era.

Jardel Arruda: Mas tem um trecho, que é do Renato Teodoro.

Pesquisadora: Era isso mesmo, eu falei “ah! Você repercutiu depois”, mas não é que a

manchete fica depois, né?! Que a gente viu que essa quem tinha escrito era a agência...

Jardel Arruda: Foi isso: eu peguei, escrevi a matéria e não usaram a matéria. Isso foi num

domingo, que aí o jornal na segunda. Foi isso aqui, mas eu continuei até dia 28.

Pesquisadora: Então, não é que eles cortaram, é que não publicaram a matéria e publicaram

outra. Devia ser box essa matéria. Ou devia ser seu abre e aí publicaram só seu abre e não

publicaram seu box. A de sete feridos, essa foi você quem fez, que foi o auge.

Jardel: Isso.

Pesquisadora: Confronto em Suiamisso acaba com sete feridos... você. Essa, não sei, acho

que é. Aí, essa ainda é você, “moradores prometem resistir e novos confrontos podem

acontecer”, “aprosoja protesta contra inclusão” (?).

Jardel Arruda: E acaba aí.

Pesquisadora: Aham, que aí já começa a Adriana, com xavantes e tal. _?_ investigação. Aí

essa é o ministério público investigando quem _?_. Adriana...

Jardel Arruda: É, aí eu e o Orlando tínhamos saído.

Pesquisadora: “Revoltados, posseiros queimam bandeira”. Ah, foi quando eles demitiram um

monte de gente. O Orlando saiu nessa época.

Jardel Arruda: Antes. Eu e ele saímos juntos.

Pesquisadora: Quando começaram a falar que iam tirar e tal.

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215 Jardel Arruda: Aí eu falei que ia pedir demissão ele falou “ah, então também vou sair,

Jardel”.

Pesquisadora: É, por que estava aquela coisa que ia te corte. Então, já que vai ter corte...

Jardel Arruda: Vamos sair.

Pesquisadora: Não, você não. Você estava lá fazendo sua matéria. Ele, no caso. Vocês

estavam prevendo uma coisa que ia acontecer drasticamente. Você já pensou aquela redação?

Você tem foto da época de aniversário? As fotos são lotadas, é muita gente, não caberia...

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216 APÊNDICE F- ENTREVISTA: JORNAL FOLHA DE S. PAULO.

Entrevista V

Entrevista com jornalista Luís Carlos Eblak de Araújo do Jornal Folha de S. Paul.o

Editor de Nacional.

Dia: 25 de fevereiro de 2016, São Paulo (SP).

Pesquisadora: Na verdade é assim: como eu trabalhava com impresso...aqui acho que vocês

também sofreram isso, mas nos Estados isso foi mais forte ainda o corte de pessoal. Então,

assim, a gente começou a parar de fazer matéria especial. Fazia, mas você não tinha....

Começou a cortar repórter especial e eu era editora, eu ficava muito nessa função de ter que

administrar o corte, é penoso, né? Então meio que para mim foi meio que alívio nesse sentido,

aí não sofre mais com isso. Não sei como é aqui, mas no Mato Grosso assim foi bem forte

isso. Eu vou gravar só porque depois eu transcrevo é para não perder o que você falar.

Primeiro, queria que você só colocasse seu nome certinho, veículo que você trabalha e desde

quando você está trabalhando aqui?

Luís Eblak: Meu nome é Luís Carlos Eblak de Araújo, eu trabalho na Folha de S. Paulo, dois

períodos... Duas passagens uma passagem de 94 A 2003 E agora voltei em 2010 nos últimos

anos eu estou na Agência Folha, que é a editoria que cobre. Que é a responsável pela

cobertura nacional do jornal.

Pesquisadora: de 94 a 2003 você trabalhou em que área?

Luís Eblak: Trabalhei em Ribeirão Preto, trabalhei em Campinas, trabalhei em São José do

Rio Preto; e na editoria de mundo e na editoria de regionais, que era quem coordenava a... do

interior. Então de 94 a 2003 foi isso.

Pesquisadora: Aí agora quando você volta?

Luís Eblak: Voltei para a agência, que é essa editoria que eu te falei que faz a cobertura

nacional.

Pesquisadora: Me explica então, a agência que você fala é Folhapress?

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217 Luís Eblak: Não, não. São duas coisas diferentes. Folhapress é uma agência de Notícias. A

“agência” é uma editoria do jornal Folha de S. Paulo que faz a cobertura Nacional. São duas

coisas diferentes.

Pesquisadora: Então “agência” que você fala é o nacional de vocês.

Luís Eblak: É, que faz a cobertura nacional. A gente não tem uma produção de fechamento.

A gente produz para todas as editorias do jornal. São assuntos nacionais (menos Rio, São

Paulo e Brasília), geralmente são cobertos pela nossa equipe.

Pesquisadora: Então, todo assunto Nacional, independente da área... Pode ser Cultura?

Geralmente não, né?

Luís Eblak: Em tese, sim, em tese, sim. Mas a gente cobre mais política, economia e cidades;

são as editorias mais... Para as quais a gente mais trabalha, que é poder mercado e cotidiano.

Pesquisadora: E esse trabalho é separado da agência de vocês, da agência de notícia...

Luís Eblak: Da Folhapress...

Pesquisadora: Da Folhapress.

Luís Eblak: É. No passado, tinha mesmo nome, inclusive, “agência”, os dois setores. Há

alguns anos atrás, mudou de nome justamente para evitar essa confusão. Não sei se para evitar

essa confusão. Passou a agência que fornece, que vende notícias, para os outros veículos

chama-se Folhapress. A gente, não, a gente faz um trabalho para fora de São Paulo, dentro da

redação da Folha de S. Paulo.

Pesquisadora: Está. Para eu entender, algumas matérias de vocês especiais ou alguma

cobertura muito importante, elas vão para o Folhapress também ou não?

Luís Eblak: Também, assim como toda matéria do jornal. Toda reportagem do Jornal.

Pesquisadora: Entendi. Está bom, mas vocês cobrem essa parte do Nacional mesmo, do país.

Luís Eblak: Isso.

Pesquisadora: Então me explica um pouquinho, primeiro, como que vai funcionar. Até antes

de a gente falar do processo de cobertura, como que funciona a sua equipe?

Luís Eblak: Bom, a gente tem um grupo de correspondente, hoje a gente tem correspondente,

são seis correspondentes, são dois do interior de São Paulo e cinco pelo país, a gente tem uma

equipe aqui em São Paulo de repórteres que fazem apuração de São Paulo por telefone e

eventualmente também pode viajar também para matérias especiais e a gente tem um grupo

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218 de freelas, a gente tem freelas nas principais cidades do país e que eventualmente a gente

pode procurá-los ou eles mesmos podem oferecer as matérias.

Pesquisadora: Esse pessoal que fica aqui, que você pode mandar para fora ou não, para

fazer...

Luís Eblak: Tem uma equipe aqui em São Paulo que faz...

Pesquisadora: Qual que é sua equipe aqui? Só para eu ter uma ideia do que é o seu principal.

Luís Eblak: Como assim?

Pesquisadora: De quanto de número?

Luís Eblak: Ah, tá. São três repórteres.

Pesquisadora: Três repórteres. Aí, o restante, você trabalha com especial?

Luís Eblak: Como assim?

Pesquisadora: Pessoas que me mandam matérias para você de forma especial. Então?

Luís Eblak: Ah, sim. É os colaboradores?

Pesquisadora: Os colaboradores, é.

Luís Eblak: Os colaboradores eles podem oferecer a matéria para a gente ou agente pode

pautá-los. Eventualmente tem algum assunto num lugar que a gente não tem correspondente a

gente pode pautá-los.

Pesquisadora: Para eu ter uma ideia, quantos correspondentes que você tem que são

especiais, que são os colaboradores, né... A denominação... quantos você tem, assim, uma

média... eu sei que tem uns que às vezes não mandam, mas que mais?

Luís Eblak: A gente tem contatos em todas as capitais mais algumas cidades importantes.

Nunca contei, depois posso até ver para você.

Pesquisadora: Compreendo.

Luís Eblak: Te passo.

Pesquisadora: É que eu só quero entender a sua dinâmica e a sua dinâmica vai influenciar

nisso daí...

Luís Eblak: São todas as capitais mais, sei lá, dezenas de cidades...

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219 Pesquisadora: Nas capitais, você tem, geralmente, um colaborador ou tem capital que você

tem mais?

Luís Eblak: Não, tem mais. O ideal é até ter mais, porque se o sujeito é colaborador nem

sempre ele vai está disponível para um trabalho que a gente necessite de última hora, por

exemplo. O sujeito trabalha em outros veículos locais lá, então nem sempre ele está esperando

pela Folha de S. Paulo para fazer uma matéria, então é legal a gente ter mais de um.

Pesquisadora: Ah, tá. Então uma coisa que você faz para evitar, então, esse problema é você

ter mais de um?

Luís Eblak: Sim.

Pesquisadora: Você consegue ter mais de um em todas as capitais?

Luís Eblak: Tem cidade que não, mas é raro. Na maioria das capitais, sim, a gente consegue

ter mais de um contato, nem sempre esses colaboradores são ativos.

Pesquisadora: Às vezes você tem que acionar para algo específico. Quando você fala ativo é

isso?

Luís Eblak: É, quando a gente procura... Tem algum factual lá, tal, a gente aciona, mas acho

que na maioria das capitais, tem, sim, mais de um.

Pesquisadora: Me explica um pouquinho então já que eu já visualizei um pouquinho como é

a sua equipe, como que funciona a sua dinâmica de trabalho?

Luís Eblak: Como assim?

Pesquisadora: Digamos assim, como você faz, você faz esse contato todo dia, não, não é um

contato todo dia, tem um certo horário para você receber sugestão ou não, essa dinâmica. Não

sei você coloca uma dinâmica para eles ou não?

Luís Eblak: Para os colaboradores, não. A gente tem uma dinâmica rotineira com os

correspondentes e a nossa equipe aqui. Então diariamente a gente fala com ele

Pesquisadora: Os seis correspondentes mais a equipe aqui, que você falou que são...

Desculpa... três.

Luís Eblak: São Paulo são três e os correspondentes que são seis, né, que eu falei?

Pesquisadora: É.

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220 Luís Eblak: Então, com esses profissionais a gente tem um contato mais do que diário até, a

gente fala mais de uma vez por dia, dependendo se algum assunto está mais quente na área da

pessoa a gente fala frequentemente. Então a rotina é essa, a gente fala com frequência e a

gente tem uma rotina de todo profissional deixar uma pré-pauta para o dia seguinte, então

quase todos fazem isso diariamente. E, eventualmente, se o sujeito está fazendo uma pauta

especial, ele está um pouco livre dessa função, mas os repórteres que trabalham como a gente

tem esse costume, esse hábito de fazer uma pré-posta. E aí, no dia a dia, a gente se divide um

pouco. Tem uma equipe de coordenadores, eu sou um deles, a gente faz a coordenação desse

trabalho. Então tem material especial e tem o material do dia. Então se o correspondente no

dia está produzindo uma matéria para o dia, eu vou falar muito mais com ele, não só eu como

os coordenadores, para ser novidades, ter retornos para atualizar a matéria. E hoje. Bom

lembrar, a gente tem a internet que quebrou essa rotina do jornal diário. Quer dizer, antes, dez

anos atrás, no jornalismo feito em redações, a gente pensava só, no caso do impresso, só no

dia seguinte. Hoje, não. Hoje a gente produz matéria para publicar já, então além dessa rotina

voltada para o impresso, a gente tem os assuntos que devem ir para o online, então a gente

também faz uma edição para publicar o texto imediatamente. É mais ou menos assim.

Pesquisadora: Entendi, sim. Eu entendi, então, que a sua equipe faz aquela pré-pauta e aí no

outro dia vai de acordo com a rotina do dia, também acompanhando a internet. Com os

colaboradores como que funciona isso daí?

Luís Eblak: Com os colaboradores é eventual. Só se a gente necessitar de uma pauta

específica, aí a gente trata por pauta; seja se ele ofereceu e aí a gente compra a pauta, a gente

compra por pauta, ou se a gente necessita de um trabalho factual xis e aí a gente fala só

quando tiver casos... Quando eles estiverem produzindo pra gente. Fora isso...

Pesquisadora: E geralmente isso surge, é algo natural, digamos assim, a questão da pauta?

Porque começou nacional eu vou acabar tendo que falar muito que eu acredito que os

colaboradores te ajudam também a essa identificação. Não sei é uma suspeita minha, de

repente, não. Não sei você trabalha mais com seu pessoal que é fixo aqui. Eu queria ter uma

ideia de como funciona essa cobertura.

Luís Eblak: Então, é como eu falei. Os colaboradores ou a gente pauta, por que hoje está tudo

na internet, a gente faz uma ronda diária aí pelo G1 que tem todo estado tem uma produção,

então a gente está companhia produção do jornal por esses sites. A partir daí a gente pode

pautar um colaborador de um lugar que a gente necessitar, então essa é uma maneira. A outra

maneira é o próprio colaborador falar “olha está acontecendo isso aqui. Será que interessa

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221 para a Folha de S. Paulo? ” Aí a gente avalia, interessando entra na pauta. Então, tem as duas

coisas: a gente pauta, a gente procura o colaborador para fazer uma cobertura específica ou

ele pode oferecer.

Pesquisadora: Por essa varredura... Ou ele te influencia no dia. No dia-a-dia, essas duas

vertentes que aparecem bem forte pra você identificar, tem alguma que sobressaia mais ou

não? Quer dizer...

Luís Eblak: Se a gente procura mais ou se eles oferecem mais?

Pesquisadora: É, se eles oferecem mais...

Luís Eblak: Depende do colaborador tem colaboradores que são mais ativos, que oferecem

muito. Talvez, sei lá, deve ter uma dezena de colaboradores que oferecem mais para a gente

do que a gente procura. Então, assim, é caso a caso, depende do profissional.

Pesquisadora: Deixa eu entender. Entendi isso, a dinâmica de pauta, eu entendi. Vamos só

passar um pouquinho para essa... Eu queria falar um pouquinho sobre essa questão das

coberturas continuadas, um tema que você acompanha. Geralmente quando você tem esse tipo

de cobertura você faz isso com colaborador ou você manda sua equipe? Por que você tem

uma equipe boa, né?! Não é pequena.

Luís Eblak: Depende do assunto. Eu posso tanto ter o colaborador, vamos supor que aconteça

alguma coisa importante num lugar que eu não tenho correspondente, eu posso tanto contar só

com colaborador como eu posso mandar um repórter meu e contar com colaborador...

Dependendo do peso do assunto eu posso ter os dois, eu posso ter até mais gente. Já teve

casos em que a gente usou até mais um freela do lugar. Depende muito do assunto, tudo é

caso a caso e a gente avalia uma série de fatores para definir como que vai ser.

Pesquisadora: Você lembra de algum caso recente?

Luís Eblak: Caso grande? Eleições, dia de eleição, dia dos protestos. Vamos falar de um

factual mais recente, assim, dia dos protestos. Dependendo do protesto, se é um protesto que

vai ser grande, tem toda uma expectativa, né?! Teve um dos protestos acho que contra o

governo federal que foi um protesto grande. Não me lembro agora o mês, mas a gente

contratou freela em todas as capitais e mais algumas cidades. Então, dependendo do assunto,

a gente se antecipa, faz um planejamento nesse sentido. Um factual, não me lembro de um

grande assunto recentemente, mas teve uma explosão agora... Foi o quê? Acho que foi já

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222 neste ano ou no final do ano passado. Guarujá. Houve uma explosão e foi um factual. Naquele

dia foi bastante importante, a gente chegou a contratar três freelas para fazer isso.

Pesquisadora: Para acompanhar...

Luís Eblak: Por que a gente não tinha ninguém lá, iria demorar até a gente chegar lá e a gente

só precisava fazer uma cobertura para o site, então a gente acabou contratando três freelas.

Agora, se o assunto continua, mesma coisa, a gente pode precisar de freela no dia seguinte e,

nesse caso, foi uma notícia mais ali, concentrada no dia do fato. Depois foi resolvido e não

houve necessidade, mas se houvesse a gente poderia manter pelo menos um freela e mandar

alguém, até por que é perto, né, daria para gente chegar lá tranquilamente. É... Eleições é

outro exemplo. No dia da eleição a gente contrata bastante freelas em lugares onde a gente

não vai estar, né, para acompanhar a eleição. É... Eu não estou lembrando, talvez o que você

queira é aquele assunto que continua fica vários dias na pauta. Não estou me lembrando de

um assunto que eu tenha feito a cobertura, mas isso acontece também, e amanhã o que a gente

vai fazer? O repórter nosso já foi para o local, dependendo do local, muito longe e tal, mas a

gente vai continuar com o freela lá para ter mais gente, para fazer uma divisão na apuração.

Então, assim, depende muito do assunto.

Pesquisadora: Mas eu queria só entender quando que vocês fazem toda uma estrutura para

fazer esse acompanhamento. Você me citou dois casos que é caso de...Mais de eclosão de

uma situação, com exceção da eleição que é algo previsto...

Luís Eblak: Qual o tema do seu trabalho?

Pesquisadora: É sobre... Que até agora eu queria falar com você sobre isso... É o processo de

desintrusão de uma terra indígena chamada Marãiwatsédé, que é bem no norte de Mato

Grosso, pega na reserva, ali. E estava mais de 15 anos no STF discutindo a legalidade, se iria

tirar os indígenas de lá ou não. Na verdade, eles foram retirados na época da ditadura militar e

levados para outra área, mas eles não aceitaram por que eles consideram aquela área lá é.…

Como que fala? Tem toda uma questão de cultura indígena, de ancestral, de considerar aquela

área... É santa para eles. Então a FUNAI foi e fez todo um levantamento, levou anos. Eu sei

que aí definiu-se que ali era uma reserva indígena. E aí a decisão foi para o STF. Quando,

depois de quinze anos, que eles definiram que tinha que colocar os indígenas ali, já tinha uma

cidade morando lá dentro, né, que era lá em Posto da Mata. Descobriram, colocaram várias

matérias, depois vou te mostrar. Enfim, imagina, uma cidade toda lá tinha desembargador,

tinha juiz, tinha muita gente que tinha área de fazenda, né?! E aí realmente foi feita a

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223 desintrusão. Eu acompanho esse processo. E aí acontece acaba que você discutiu o processo

de cobertura jornalística, como que funciona. Eu queria lembrar como você e aí... Eu vi... É

uma questão. Eu vi que vocês publicaram? Essas matérias, você acompanhou essas

coberturas?

Luís Eblak: Que período que foi?

Pesquisadora: Foi no final de 2012 para 2013. Vocês publicaram muitas matérias no final de

2012 e bastante no ano de 2012 e 2013 no ES ?

Luís Eblak: É, eu não estava aqui. Eu voltei para Folha em 2010, na agência Folha, e aí eu

assumir a sucursal de Ribeirão entre 2012 e 2013, então é justamente nesse período. Eu não

me lembro da cobertura, assim, porque eu não estava aqui.

Pesquisadora: Quer que pegue para você dar uma olhada?

Luís Eblak: Sim.

Pesquisadora: Acho que eu deixei em ordem cronológica. Uma das matérias é “conflito

territorial que envolve indígena cresce e causa revolta”. Aí, todas eu acompanhei. Foi o

Daniel que escreveu, que, agora, me disseram que ele está lá no Estadão em Brasília, né?! Até

depois eu queria ver se você tivesse o contato dele. Vai me facilitar, por que eu queria

conversar com ele também.

Luís Eblak: Eu tenho, ele é meu amigo no Facebook, posso mandar uma mensagem. Então

aqui, ó, o que o jornal fez, mandou o correspondente. O Aguirre acho que na época estava em

Belém, não sei dizer ao certo, eu não estava aqui. O jornal mandou alguém para acompanhar

o fato e o Daniel fazia daqui. O Daniel era da equipe dos repórteres de São Paulo.

Posteriormente o Daniel foi pra... Ele se tornou correspondente no Recife e aí, então, que ele

se transferiu para o Estadão. O Aguirre está em Brasília, está na sucursal de Brasília. Então,

assim, é caso a caso. Dependendo do assunto, quando é um lugar que a gente não tem

correspondente...

Pesquisadora: Mas, o Aguirre, naquela época, ele estava aonde, será?

Luís Eblak: Eu acho que ele era correspondente em Belém, não tenho certeza, é outra pessoa

com quem você pode falar. Te passo o contato, pelo menos o e-mail, você fala com ele. Não

tenho contato com ele mais tenho o e-mail.

Pesquisadora: Ele não estava mais?

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224 Luís Eblak: Ele estava na sucursal de Brasília da Folha, agora ele tá no jornal. Alguém que

pode te ajudar especificamente no caso, eu não acompanhei essa cobertura.

Pesquisadora: Os dois estão em Brasília, então?

Luís Eblak: Os dois estão em Brasília. O Arguirre pela Folha de S. Paulo e o Daniel pelo

Estadão.

Pesquisadora: Aqui, assim, isso aqui foi em julho de 2012, vocês só começam a publicar

muita matéria mesmo em dezembro. Essa é em agosto, que é o acompanhamento... Deixa eu

ver a matéria aqui... Cadê a matéria aqui? “Justiça dá prazo para que fazendeiro saia de terra

indígena”. É bem pequena a matéria, meio que um acompanhamento só do prazo, que o

prazo, na verdade, dura o ano inteiro. O braço né essa também ainda é de outubro que é

também é pequenininha que é sobre monitoramento “fogo ameaça plantações em terras

indígenas”. Eles jogaram fogo para uma forma de pressão, na época. Vocês foram

acompanhar?

Luís Eblak: É, o Reinaldo também foi da equipe aqui na agência provavelmente ele fazia o

acompanhamento daqui de São Paulo.

Pesquisadora: Ah, entendi.

Luís Eblak: Então a nossa equipe daqui ela fica em São Paulo justamente para fazer uma

cobertura importante de área de onde a gente não está fisicamente o mesmo caso do Daniel o

Reinaldo também foi da equipe

Pesquisadora: Me chamou atenção porque vocês tinham lá o colaborador Rodrigo Vargas eu

falei, mas ele não escreveu quase.

Luís Eblak: Por isso que eu falei a relação com o colaborador O Luís Enlace foi da nossa

equipe não me lembro até quando ele ficou no jornal ele era o correspondente de Cuiabá é

então ele foi da nossa equipe quando ele foi da nossa equipe a gente tinha essa relação diária

frequente quando ele saiu do jornal posteriormente ele retornou colaborador nosso com o

colaborador a gente não tem uma relação de área rotineira vai mudar o Rodrigo durante um

tempo ele estava no Jornal Local E não tinha muito tempo para fazer matérias pra gente então

essa relação Depende de algumas variantes.

Pesquisadora: E ele falou “eu viajei para a China na época da desintrusão” a relação com

colaborador é mais prática, é mais esporádica...?

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225 Luís Eblak: Porque depende do profissional depende porque algum motivo a gente não

procurou por que a gente conseguiu fazer daqui então não tem necessidade agora lógico muita

cobertura necessita da presença do repórter por isso que aí sim o colaborador.

Pesquisadora: Aí vocês mandaram?

Luís Eblak: A gente vai ou faz o colaborador contato com um colaborador.

Pesquisadora: essa daqui novamente o Daniel faz daqui de São Paulo mesmo “Justiça

expulsa posseiros de área indígena”, 25 de novembro. Aqui já estava bem no auge da eclosão,

mas mesmo assim vocês não mandaram, fizeram daqui mesmo. E esse contato com o

colaborador, às vezes você está falando que ele é esporádico, depende do perfil do

colaborador, tem colaborador que vocês têm mais... Por que eu estou achando diferente da

cobertura com o Estadão, você vai ver que tem alguns colaboradores que eles fazem esse

contato mais. Não sei se é por causa do tamanho da equipe também.

Luís Eblak: E tem colaborador fixo também. A gente não tem colaborador fixo. Não sei no

Estadão é assim, mas alguns nomes de colaboradores pelo país aparecem muito mais no

Estadão, isso é fato. Agora eu não sei qual que é a relação que ele tem com o colaborador. Às

vezes pode fazer um contrato com o profissional, periódico para nós, “você vai entregar tantas

matérias para mim”, a gente não faz algo similar. Então por isso que o nosso contato é mais

esporádico. Depende muito se o colaborador está disponível ou não. Às vezes ele está a

disponível, mas ele oferece a matéria, mas por algum motivo a gente não compra a matéria.

Enfim, depende dos dois lados.

Pesquisadora: Qual o seu critério para avaliar se você vai comprar a matéria ou não?

Luís Eblak: Enorme, né, variam de caso a caso. Mais ou menos aquela...

Pesquisadora: Depende do dia...

Luís Eblak: Depende do dia, depende do seu cardápio. Tem uma definição, um americano

falando sobre o assunto que não tem nada a ver o que a gente está tratando, mas é um pouco a

definição de notícia, né. Um americano falando sobre pornografia: “eu não sei definir

pornografia, mas eu sei o que é quando eu vejo”. A notícia é um pouco assim, né, obviamente

depende do dia depende, do contexto, bem complexo. Eu estudei isso, teorias do jornalismo,

você tem vários critérios de noticiabilidade.

Pesquisadora: quando que você como editor consegue uma matéria e você sabe que essa

matéria é muito boa? Vamos pensar nos seus colaboradores, porque o pessoal que está aqui é

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226 mais fácil você identificar, por que sua equipe de conhece já está acostumada à dinâmica

mesmo da sua cobertura, mas por seus correspondentes, quando eles oferecem, você sabe que

aquilo é... Você nem fala “eu vou ver, manda aí que eu vou dar uma olhada”, mas você já

sabe se é boa.

Luís Eblak: Então, geralmente, pegar exemplos de matérias que foram publicadas. Tem

matéria que você recebe e você fala assim “pô! Essa matéria aí é muito boa e ponto”, foi

publicada. Não me lembro assim de cabeça, mas é o que eu estou te falando, sempre depende

caso a caso. Você tem o que está acontecendo no dia, às vezes um assunto específico está na

pauta do dia, então são muitos fatores que determinam isso. Agora, por exemplo, qualquer

assunto relacionado à lava-jato tem interesse. Agora ao mesmo tempo que é o assunto mais

comentado do momento, também é mais difícil você, o colaborador, por exemplo, conseguir

uma história exclusiva. Geralmente quem está na cobertura tem condição de conseguir algo

inédito. Então assim é caso a caso.

Pesquisadora: Como que você considera pra... O que você considera para avaliar isso? Por

exemplo, você falou “isso é o assunto mais discutido do momento”. Qual parâmetro que você

usa pra...

Luís Eblak: Notícia é o que é novo, né. Se o colaborador, o correspondente, o repórter

oferece uma matéria que é o assunto do dia, o assunto do momento e ninguém está falando

desse assunto, da palta ser a falta específica, é novidade. Aí de repente se a notícia tem

impacto, se ela não tem impacto. É muito pontual, é difícil teorizar.

Pesquisadora: É porque é subjetivo...?

Luís Eblak: Não é subjetivo, você tem os critérios. São vários critérios.

Pesquisadora: Mesmo assim é subjetivo, por que o espaço...?

Luís Eblak: É subjetivo porque você tem vários critérios, um influencia o outro. Nesse sentido

Pesquisadora: Não é algo concreto. Aqui é outra que vocês ficaram no dia 10 dezembro.

Cortou, mas é posseiros fazendo um processo de enfim... Eles estavam fazendo uma

manifestação lá de enterrar alguém. Então, mas aí, novamente vocês colocam e, se eu não me

engano, é o Daniel. E essa próxima vai ser e também. Aqui, Daniel Carvalho 14 de

Dezembro. E aqui, Luís, ele vai para lá. “Decisão sobre área indígena leva ruralistas às

estradas”. Vai o Daniel e o Juca Varella que é o fotógrafo. Então aí vocês optam por mandar

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227 ele. Quando vocês mandam um correspondente, vocês optam por mandar o pessoal da sua

equipe ou às vezes você manda um colaborador?

Luís Eblak: Depende. O colaborador é mais raro, mas a gente faz eventualmente. Nesse caso

foi o repórter de São Paulo, foi uma equipe de São Paulo. Os dois de São Paulo que foram

para o local.

Pesquisadora: Pelo que você falou, a sua editoria sai matéria nas outras editorias. Está aqui,

ela foi organizada, digamos assim, de forma de edição, pela editoria de nacional...

Luís Eblak: Sim. O que a gente faz? A gente acompanha todo o processo de apuração, desde

pauta até a conclusão da apuração, a gente faz uma primeira edição e envia para a editoria. A

editoria que vai colocar na página. A editoria de poder que faz a edição final do...

Pesquisadora: Ah, entendi, mas é você que você acompanha isso?

Luís Eblak: É, uma equipe nossa que faz o acompanhamento. Eu, por exemplo, faço o horário

da pauta, então eu acompanho produção do início do processo. E têm minhas colegas, minhas

duas outras colegas na coordenação, elas fazem o fechamento desse processo, então eu iniciei

o processo e elas concluem.

Pesquisadora: Elas finalizam. Entendi. E aí elas mandam para a editoria específica.

Luís Eblak: Isso.

Pesquisadora: E vocês já fazem esse contato, daí, com a editoria que vocês estão preparando

material.

Luís Eblak: Isso. Justamente por ter uma pré pauta, na noite anterior a gente já está pensando

na edição seguinte. Então hoje, por exemplo, a tarde a gente vai começar a pensar, hoje é

quinta-feira, a gente já vai começar a pensar na edição de sábado. Então a gente tem um

planejamento oferecer para as editorias. Talvez ainda hoje a gente ofereça algo para a edição

de sábado. E assim ocorre diariamente. Então desde dois dias antes da publicação, a gente está

em contrato com as editorias. O normal é no dia anterior você falar com as editorias, por isso

que o jornal tem uma reunião das nove que é a reunião de produção, que é reunião de pauta, e

tem uma reunião de fechamento que mais tarde, às quatro da tarde. Então nessa reunião das

quatro da tarde você já está meio que vai definindo o que vai ser o jornal do dia seguinte. Na

reunião da manhã você está pensando o que pode ser o jornal do dia seguinte. Agora,

obviamente, jornalismo é muito dinâmico, a vida é muito dinâmica; e o jornalismo

acompanha isso. Tem muita coisa que você oferece de manhã, que na reunião da manhã, sai

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228 dessa reunião com grande destaque só que pode chegar no final do dia e não sobreviver, né, se

os outros aparecerem como grandes novidades.

Pesquisadora: isso não é difícil com os colaboradores? Por que às vezes você encomenda

uma matéria que depois, no final do dia, você tem algo muito importante, digamos assim.

Luís Eblak: É, mas se a gente encomendou uma matéria, ela está encomendada. Isso pode

acontecer. Às vezes você tem uma matéria que num dia normal, vamos dizer assim, ela pode

ter um destaque X, pode ser chamada na primeira e tal. Se começa a acontecer muita coisa

importante, essa matéria vai perder o peso. Aí a gente tem duas opções: a gente segura essa

matéria se for possível ou a gente acaba soltando no site. Então a nossa equipe, na verdade,

tem também essa função, administrar essas matérias que acabaram não entrando no dia. Tem

matéria que não tem o que fazer, matéria factual tem que sair aquele dia, a gente solta no site.

A gente publica só no site e acaba não saindo na edição impressa. Então faz parte da rotina de

qualquer veículo, isso pode acontecer.

Pesquisadora: As matérias... Eu vi que você faz essa preparação, acho que principalmente pro

final de semana, essa relação do pessoal que está no campo, às vezes você planejou uma

matéria muda muito ou não?

Luís Eblak: Muda. A vida é dinâmica e a gente tem que acompanhar um pouco isso. É o que

eu estava te falando pode ser uma grande matéria, uma matéria de página inteira, mas depois

as circunstâncias podem mudar e acaba não tendo esse destaque. Quer dizer, no caso do

impresso, assim como no caso da televisão, televisão é o tempo, né, televisão e o rádio é o

tempo que a matéria vai ocupar no veículo. No impresso você tem a limitação do espaço.

Todos os dias você tem em números xis de páginas vão entrar as matérias? O nosso desafio é

sempre escolher as melhores matérias para aquele espaço. Porque que existe o jornal? A gente

meio que organiza o que o leitor vai ler, “isso é importante. Você precisa ler isso” Esse é o

grande desafio. Agora isso não é uma tarefa simples.

Pesquisadora: Ainda mais agora com tanta opção, né...?

Luís Eblak: Quando você não tinha internet, basicamente o que os editores definiam quais

eram os principais assuntos. Era aquilo e acabou. Você não tinha muita opção, o leitor não

tinha como questionar ou não. Hoje não, hoje você tem internet, então a nossa

responsabilidade aumenta muito mais, por que você vai escolher 90 assuntos disponíveis para

poder... Por dia, 90 ou mais.

Pesquisadora: É, e você tem isso no país inteiro, de todos os assuntos?

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229 Luís Eblak: E você faz uma seleção, “isso aqui é mais importante para você ler”. E isso é

difícil, é muito complexo.

Pesquisadora: Eu imagino. Acho que você entrou numa questão interessante, que você falou

“é muito difícil ainda mais na era da internet”. Então como que funciona sua relação com a

internet? Eu entendi que você faz varredura em site jornalístico, você acompanha a produção

de jornalística instantânea da internet. Você tem alguma outra ferramenta para fazer isso?

Luís Eblak: Em redes sociais. Eu, particularmente, não sou tão consumidor de redes sociais,

recentemente só entrei no Facebook. Então, no meu caso pessoal, é o Facebook. Meus amigos

comentam assuntos e algumas vezes eu fico sabendo de coisas pelo Facebook. Mas hoje você

tem... Como que chama lá...

Pesquisadora: WhatsApp?

Luís Eblak: Whatsapp é outra, né, mas eu estou falando... tem o Instagram... O Twitter.

Twitter é outra. Eu não tenho Twitter mas já vi repórter falar “soube pelo Twitter”. Então

assim você tem muito mais opções de chegar a uma notícia. Você tem lá no Google, você tem

como programar para o Google te avisar sobre notícias de alguma coisa. Então se você é um

repórter especializado numa cobertura xis, você coloca lá, faz de uma maneira botando as

palavras chaves, você vai ser avisado toda vez que aparecer uma notícia sobre o tema xis.

Pesquisadora: Você usa esse recurso?

Luís Eblak: Eu não uso. Eu não sou consumidor assim. Eu não consigo lidar com tanta

tecnologia assim, mas tem colegas que usam e é muito útil.

Pesquisadora: E entra para a equipe, né, acaba ajudando. A questão do leitor, do comentário,

vocês fazem algum feedback, tem isso daí ou não?

Luís Eblak: É um recurso a mais que a gente tem para saber ali qual que é a recepção, né.

Pesquisadora: ocês têm alguma filtragem de comentário?

Luís Eblak: Não sei te dizer qual, mas tem. Todo veículo tem alguma filtragem, mas a gente

acompanha. Quando publica alguma matéria que rende mais comentários a gente acompanha.

Às vezes sem comentários que despertam a gente para o lado da notícia que a gente não está

vendo. Às vezes não. Na maioria das vezes tem muita paixão, dependendo do assunto, se for

política. Às vezes é mais uma reação simples do leitor que a gente tem que saber lidar

também, mas eventualmente pode ter dica de pauta, enfim, é mais um canal para a gente ficar

de olho.

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230 Pesquisadora: Essa foi a principal matéria que ele fez?! Foi no dia que ele viu uma equipe de

Produtores Rurais indo atrás da força natural nacional. E aí estava com arma, armamentos e

essa foi a principal?

Luís Eblak: Essa é a vantagem de você tem alguém no lugar, que você pode flagrar situações

que se transformam... Parece que foi página inteira, né?!

Pesquisadora: Foi.

Luís Eblak: Quer dizer você tem a equipe, o repórter e o fotógrafo; Juca Varella excelente

fotógrafo, Daniel excelente Repórter. Você estando presente você pode fazer o que

obviamente não faz por telefone. É a vantagem de você ter alguém no local.

Pesquisadora: Eu conversei com o outro jornalista estava trabalhando, ele falou que ninguém

tinha divulgado que eles estavam com arma, por que todo mundo estava com muito medo. O

carro da Globo... Eles estavam dormindo no carro porque o único hotel era do pessoal. E aí

ele publicou e foi embora. Mas então a matéria, realmente o que você falou, é a vantagem, né.

E realmente a matéria gerou um burburinho na localidade. Enfim está bem produzida, né, ok.

Então... Por que vocês foram comunico jornal nacional que mandou correspondente no local.

O único jornal, porque o Estadão não mandou. Ele tinha a colaboradora, mas ela ficou em

Cuiabá, que é capital, então bem longe da região. Você acha que isso faz diferença para

cobertura?

Luís Eblak: Sempre faz. O que eu falei, quando você tem gente no local, você tem bons

profissionais no local, a possibilidade de você ter diferenciais aumenta. Não quer dizer que é

automático, não é só porque você tem gente lá que você vai nadar de braçada na cobertura.

Não é automático, mas aumenta muito a chance de você fazer isso. Agora tem também que se

levar em conta que você deslocar equipes e tal é caro, então por isso a gente também... É

nossa responsabilidade também avaliar se realmente vale a pena mandar gente pro local.

Então é por isso que é difícil definir, assim, porque que eu mando porque é que eu não

mando. Porque é caso a caso. Você tem que avaliar “pô! Eu vou conseguir uma grande notícia

lá, conseguir uma grande matéria? Isso vai fazer diferença para nossa cobertura? ” Então é

caso a caso. Agora a gente também tem que levar em consideração isso, que tem custo você

mandar gente para o interior do Brasil.

Pesquisadora: Pois é. Isso que eu ia perguntar, casos assim, que é bem no interior do país, é

um tema que está longe da cidade, o que você mensuraria para mandar um correspondente ali,

naquela situação?

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231 Luís Eblak: Eu acho que é legal você falar como quem estava ali na época. Agora, sem

dúvida, conflitos indígenas é um dos assuntos graves do Brasil e ele é pouco falado

justamente porque está fora das capitais. Mas quase que diariamente você tem algum relato de

conflito indígena, seja porque a terra deles, a terra dos índios, foram invadidas, seja porque

tem madeireiro se apropriando de madeiras em terras indígenas, enfim, você tem vários

motivos. E a gente procura fazer essa cobertura... Tem feito, tem publicado reportagem sobre

o assunto periodicamente. Acho que a última matéria que a gente fez foi sobre infanticídio

indígena, uma lei que está sendo avaliada no Congresso que muda a legislação e

responsabiliza as autoridades que hoje não tem obrigação legal de denunciar, por exemplo,

quando ocorre um infanticídio numa tribo. Então se essa lei foi aprovada, se ela se tornar lei,

não é lei ainda, a FUNAI, por exemplo, vai ter que apontar que está acontecendo infanticídio

na aldeia. Isso é supercomplexo, porque primeiro, índios vivem em comunidades que muitas

vezes não tem parâmetros com a nossa sociedade urbanizada, então você tem situações ali,

culturais, que muita gente acha errada você um dar lei nesse sentido. Então essa foi uma

matéria que a gente fez recentemente, fazendo essa discussão. Muito complexo. A partir de

agora não pode, ponto. Mas tem gente que acha que está errado, tem gente que acha que está

certo, mas a lei serviria para todo mundo. Enfim o assunto índio, comunidade indígena, é um

assunto importante é um assunto que a gente faz a cobertura.

Pesquisadora: eu vi que você além de produzir material jornalístico, mandar correspondente,

vocês publicaram muito artigo de opinião. Me chamou atenção porque é um tema que está

fora do Eixo Rio-São Paulo, mesmo assim vocês... Ó, saiu “Dois pesos Duas Medidas”, esse

artigo era da Kátia Abreu, ela não era ministra na época, ela era representante dos ruralistas.

Aqui saiu só uma matéria pequena que é de Recife, eu acho, que era aquele menino que você

falou que deve ter feito. Não está assinada, mas acredito que foi ele, que era correspondente

de lá. Depois tem mais um outro artigo que vocês publicaram aqui ó “Em dia a dia de índio”

também fala sobre Marãiwatsédé, os dois falam exatamente sobre o Marãiwatsédé. Me

chamou a atenção, o espaço. Uma coisa, na conversa com o Milton Rocha do Estadão, quando

ele começou a falar da cobertura de Marãiwatsédé, ele acompanhou a cobertura de

Marãiwatsédé, então acaba aqui ele detalha um pouco mais. Ele me fala muito sobre a

cobertura de Mariana, ele fez muita relação.

Luís Eblak: É um exemplo de um assunto que está até hoje na pauta. No primeiro dia, no dia

que aconteceu a tragédia, a gente deslocou o correspondente de Minas Gerais para Mariana. A

gente foi o primeiro veículo a chegar em Mariana. Primeiro grande veículo a chegar em

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232 Mariana. Mas, assim, essa cobertura teve vários braços, não ficou só com José Marques, que é

o correspondente em BH. Ele foi deslocado para Mariana, a gente contou com freelas. Teve

alguns dias que o José Marques estava lá. A gente contou com mais freelas para fazer.

Diferentes assuntos estavam acontecendo ao mesmo tempo no mesmo lugar, a gente precisava

de mais gente. A gente deslocou não só gente daqui para ir para lá, gente do caderno cotidiano

foi fazer outro tipo de pauta. Enquanto a gente estava lá, no factual, o cotidiano percorreu a

área onde estava se deslocando a lama do rio Doce. Então assim, foi uma cobertura que a

gente usou muitos profissionais, de diferentes áreas. Eventualmente... Tinha assunto... A lama

ainda não tinha chegado no Espírito Santo, eu já tinha acionado o colaborador do Espírito

Santo. Quando a lama chegou, a gente mandou repórter daqui para Espírito Santo, então... É

uma das maiores tragédias ambientais não só no Brasil. É um assunto que continua na pauta.

Até hoje tem assunto na pauta sobre isso e vai continuar. Tem muitos pontos ainda não

esclarecidos. Então, é um exemplo de uma cobertura continuada.

Pesquisadora: Que você começou a falar no começo para mim, que as vezes você mandava

mais correspondentes... Você conversou com o editor de cotidiano também sobre essa

cobertura?

Luís Eblak: É esse assunto sai em cotidiano. Ambientais saem no caderno do cotidiano.

Assim como assunto índios, poder, pelos critérios aqui internos do jornal. Índios sai em

poder, meio ambiente sai em cotidiano, que é assuntos mais relacionados ao dia-a-dia do

cidadão, tem uma relação mais direta com caderno de cidades, que se fala aí nos jargões.

Então a nossa ponte é com cotidiano.

Pesquisadora: Entendi. Você falando, me lembrou, dando esse exemplo de Mariana e falando

de Marãiwatsédé, vendo que vocês mandaram correspondentes no dia mesmo que teve,

digamos assim, o conflito, quase aconteceu, o conflito armado. O Manuel Chaparro é um

português que dá aula aqui na USP. Ele fez um livro, agora não sei se você já viu “Jornalismo

a Linguagem dos Conflitos” e ele vai falar que jornalismo é a linguagem do conflito que

realmente... E aí quando a gente vê o processo de cobertura, a gente vê a questão do conflito

eclodindo. Quando que você manda lá pra Marãiwatsédé? Quando tem eminência. E aí

Mariana me remeteu a isso. Não sei como você vê isso, se isso entra no critério seu...?

Luís Eblak: Conflito?

Pesquisadora: É.

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233 Luís Eblak: Conflito é um dos critérios de noticiabilidade. Quando você tem o processo de

conflito você quebra o que é normal. Porque tem o andamento normal que a vida segue, a

comunidade atua de uma determinada maneira. Quando você tem um conflito de diferentes

grupos é um critério de noticiabilidade. No caso, conflito indígena. Exatamente por isso,

então, é um dos critérios. Agora, é caso é caso. Isoladamente isso não vai fazer ser notícia.

Depende de outros e tal.

Pesquisadora: Me explica uma coisa, vamos voltar só no caso de Mariana, vocês ainda estão

acompanhando?

Luís Eblak: Sim.

Pesquisadora: Mas você não está mais com correspondente lá?

Luís Eblak: O correspondente de BH acompanha mais de perto e a gente tem um repórter aqui

que se tornou uma espécie de especialista no caso Mariana, então a gente tem dois repórteres

que estão no caso.

Pesquisadora: Na época da eclosão mesmo você ficou com quantas pessoas?

Luís Eblak: No mesmo momento, sei lá, a gente chegou a ter cinco, seis, incluindo o

fotógrafo, e até mais. Você teve diferentes momentos. Eu lembro de uma época que a gente

estava em Mariana e o repórter de cotidiano estava indo para o Espírito Santo, depois se

inverteu, o repórter de cotidiano foi para Mariana e a gente foi para o Espírito Santo. Então

pelo menos quatro a gente tinha, dois numa ponta dois na outra ponta. Dependendo do

assunto, isso é feito.

Pesquisadora: Outra questão, você falando, você vê a quantidade de jornalistas que ficaram

no caso, aí eu não sei se você tem essa avaliação também, é uma coisa que sempre aconteceu,

mas chama a atenção quando o? Me falou, você mensurar que ainda acontece de os jornais

pautarem na TV. Ele falou assim “olha eu vejo que muita matéria que a gente faz a gente

pauta... Ainda falta” porque agora como a internet nós mesmos fazendo a varredura pela

internet, mas mesmo assim você percebe pelas suas matérias pela sua cobertura que vocês

Ainda pautam a TV?

Luís Eblak: Sim. No caso Samarco a gente pautou muito a TV. É natural quando você faz um

investimento jornalístico, é natural os resultados aparecerem. E um resultado bom para

qualquer jornalista é quando seu trabalho repercute, quando a equipe de um jornal, de um

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234 veículo, publica uma matéria e essa matéria faz com que todos os outros veículos vão atrás

dessa matéria, isso aí é um ponto positivo.

Pesquisadora: Você se lembra se alguma matéria de vocês que vocês fizeram... ?

Luís Eblak: No caso Samarco, várias vezes, por exemplo, a gente falou com um engenheiro

que é um dos responsáveis pela barragem de Fundão. Foi um repórter nosso que chegou a ele

e ele revelou como a Samarco supostamente sabia de eventuais problemas que podem ter

levado ao rompimento, então a gente foi o primeiro a chegar a esse Engenheiro. Depois virou

fonte de todos os veículos. Então, assim, quando você faz um investimento jornalístico é

natural que os outros te sigam. Se você falar com a equipe de lava jato, a gente está um pouco

também na equipe de repórteres da lava jato, eles vão ter também inúmeros casos. A Folha de

S. Paulo deu muitos furos aí nessa área. Então quando você faz investimento, você tem uma

equipe ali que se dedica ao assunto é natural você tenha resultados.

Pesquisadora: Geralmente, quando você faz esse tipo de investimento, se a gente pegar esse

exemplo ainda, essas grandes pautas, elas surgem na apuração de campo ou elas surgem aqui

ou elas urgente com você na pré pauta?

Luís Eblak: Depende. Pode surgir aqui, pode surgir na rua.

Pesquisadora: Se a gente for pensar nesse caso específico?

Luís Eblak: Da Samarco?

Pesquisadora: Sim.

Luís Eblak: No local, com certeza, a gente fez boas matérias presentes no local, mas daqui

também.

Pesquisadora: nesse alinhavar seu com toda sua equipe também saiu muita coisa

interessante?

Luís Eblak: Sim. Por que pode sair lá, o sujeito está ao vivo lá, como pode sair daqui. Você

tem uma questão muito técnica, você tem as licenças ambientais para as mineradoras, você

tem os documentos que podem ser analisados de qualquer lugar, você não precisa estar no

lugar, você consegue documento pela internet, enfim, lei de acesso, você pode conseguir

notícia de qualquer frente. Deixa eu só te pedir uma coisa, está começando a estourar meu

horário aqui se...

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235 Pesquisadora: Você já falou um pouquinho, você falou que, por exemplo, “a lava jato está em

evidência, então quem me mandar a matéria de lava jato, eu tenho mais chance de colocar”.

Você faz... Então... Eu vejo assim, assuntos que são nacionais, quando acontecem nos

Estados, mas está em evidência Nacional, ele tem mais força para ser publicado? Você usa

isso com seus correspondentes como critério?

Luís Eblak: Seja um repórter correspondente, colaborador oferece um assunto desse, vai me

chamar mais atenção, mas isso não é regra também. O Grande desafio de ser jornalista é um

pouco isso, né, você é chamado por diferentes fontes, seja da sua equipe, seja externa e você

precisa saber diferenciar se isso realmente é uma grande notícia ou não. Às vezes, um sujeito,

às vezes, um leitor manda um e-mail para um jornal e chega e a gente “ninguém vai dar bola

para isso”, mas se o assunto for importante... O desafio da profissão é essa “pera aí! Isso aqui

é importante, ninguém está falando disso, mas eu acho que seja o caso de falar desse assunto”.

Então por isso que é muito complexo esse trabalho, é muito difícil. Aí você vai perguntar

“vocês erram? ”. Sim, a gente erra, isso é normal. O jornalista que falar que não erra, está

mentindo. Mas é preciso levar em conta que é muito complexo. É muito complexo você, num

universo enorme, você saber “não, isso aqui é importante, eu preciso destacar isso daqui isso

daqui precisa estar na minha edição do dia seguinte ou daqui uma semana”. Não sei, isso é

muito complicado.

Pesquisadora: Pinçar aquilo que é importante. E eu pergunto porque como o seu é nacional,

então? Me falou, por exemplo, falta da água. Acaba que a gente está com problema de falta

d'água em São Paulo, o Brasil tem mobilizado, então uma matéria relativa a isso eu vou

querer, tem mais chance de... Por que está em evidência. Por isso que eu te pergunto, esse

sistema de interesse acaba favorecendo. Por exemplo, agora se a gente tiver problema como a

barragem lá você tem mais chance de...

Luís Eblak: É como teve essa grande tragédia no ano passado, passou a ser um assunto muito

importante. Você até teve alguns acidentes menores em outros períodos, mas não tiveram essa

proporção. Esse acidente chamou atenção “peraí, isso é importante, isso precisa ser olhado,

precisaria ter fiscalização, precisaria ter um trabalho que talvez não foi feito”. E o trabalho da

Imprensa é tentar responder isso.

Pesquisadora: só mais uma coisa, o que sai na concorrência interfere na sua produção?

Luís Eblak: Sim. O jornalismo sempre foi assim, um veículo olha o outro. E diariamente a

gente faz esse exercício. Assim como a gente avalia internamente o que a gente vai produzir,

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236 se a gente vai escolher essa pauta ou aquela, a gente também no dia que sai, no caso do jornal

impresso, na manhã que chega, a gente chega e uma das primeiras funções da equipe da

manhã e ver os jornais concorrentes. Não só os jornais impressos, mas também estar de olho

na internet e na TV. Eu venho para cá ouvindo rádio, então eu estou atento para o que eles

estão destacando. Então esse é o exercício que a gente faz. Vai ter dia que a gente vai “puta

esse jornal foi bem, eu preciso fazer essa matéria, esse assunto é importante”, mas faz parte

também da nossa avaliação, “mas será que esse assunto realmente é importante? ” A gente faz

essa avaliação. Então interfere sim, sem dúvida.

Pesquisadora: Ótimo.

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ANEXOS

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238 ANEXO A- MATÉRIAS DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO.

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244 ANEXO B- MATÉRIAS DO JORNAL FOLHA DE S. PAULO.

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255 ANEXO C- MATÉRIAS DO JORNAL FOLHA DO ESTADO (MT).

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