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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Administração Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL: um estudo de multicasos em empresas familiares longevas Belo Horizonte 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Administração

Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle

RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL:

um estudo de multicasos em empresas familiares longevas

Belo Horizonte

2014

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Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle

RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL:

um estudo de multicasos em empresas familiares longevas

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Doutor em Administração.

Linha de pesquisa: Estratégia e Inovação.

Orientadora: Profa. Dr

a. Ângela França

Versiani.

Belo Horizonte

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Doyle, Maria Luiza Fátima Costa Proença

D754r Renovação estratégica e aprendizagem organizacional: um estudo de

multicasos em empresas familiares longevas / Maria Luiza Fátima Costa

Proença Doyle. Belo Horizonte, 2014.

260f.: il.

Orientadora: Ângela França Versiani

Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Administração.

1. Empresas familiares - Inovações tecnológicas. Aprendizagem

organizacional. 2. Planejamento estratégico. 3. Longevidade. 4. Produtos

novos. 5. Reengenharia (Administração). I. Versiani, Ângela França. II.

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação

em Administração. III. Título.

CDU: 658.11

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Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle

RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM

ORGANIZACIONAL: um estudo de multicasos em empresas familiares longevas

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da

Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais e Fundação Dom Cabral,

como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Administração.

Área de concentração: Administração

_______________________________________________________________

Orientadora Profª. Dra. Ângela França Versiani (Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais)

____________________________________________________________

Profª. Dra. Liliane de Oliveira Guimarães (Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais)

__________________________________________________________

Prof ª. Dra. Denise de Castro Pereira (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)

__________________________________________________

Prof. Dr. Mário Henrique Ogasavara (Escola Superior de Propaganda e Marketing – SP)

_______________________________________________

Prof. Dr. Walter Bataglia (Universidade Plesbiteriana Mackenzie).

Belo Horizonte, 31 de julho de 2014

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Dedico este trabalho à Juliana, Flavia, Luisa, André e Guilherme. Vocês dão sentido à

minha vida, perpetuando os laços de uma família que me inspira e orgulha.

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AGRADECIMENTOS

O momento de escrever este agradecimento se transformou em oportunidade de rever o caminho

percorrido. O meu desejo pessoal e profissional de buscar o doutoramento foi naturalmente

despertado pela conclusão do mestrado, mas desde então muitas outras coisas foram acontecendo:

os cargos na gestão acadêmica da PUC, o casamento das filhas, a chegada dos netos, o divórcio, a

mudança de casa. Cada vez mais os planos da academia pareciam difíceis de se realizarem. Mas, o

sonho perseverava e surgiu no PPGA a oportunidade tão desejada. Ingressar no Programa

aconteceu também para fazer parte de uma nova maneira de enfrentar as mudanças da vida. A

escolha da Aprendizagem e da Renovação como tema de estudo, foi quase uma consequência. Ao

retornar à sala de aula, os jovens colegas e professores se tornaram parceiros e seguimos

aprendendo, pesquisando, superando antigos traumas, desvendando um mundo novo. Mais uma

vez era na PUC, com o apoio das minhas filhas, da família e dos amigos que eu me sentia feliz e

fortalecida para prosseguir, deixando para traz o que tinha ficado no meio do caminho. As longas

jornadas de estudo foram se compatibilizando com as atividades docentes, exigindo mais da vida

pessoal e familiar, mas desde o início o sentimento era de que fizera a melhor escolha. Para chegar

até aqui, muitos participaram da jornada e são merecedores do meu profundo agradecimento. Na

impossibilidade de me lembrar de cada um, nomeio aqueles que estiveram mais perto de mim, e

por meio deles retribuo com meu afeto a todos que torceram por mim.

Agradeço à minha orientadora professora Ângela que me conduziu com firmeza ,

sabedoria, dedicação e profunda amizade.

Aos dirigentes da HASA, Delp e PUR pela acolhida à proposta deste estudo, por

facilitarem o acesso a pessoas e materiais e por dividirem comigo a sua história, seus erros e

acertos na longa construção das suas empresas. Ao professor Rômulo Albertini e ao meu irmão

Rodrigo Costa por se empenharam para abrir as portas da HASA e da Delp. Ao professor Sérgio

Rezende por me acompanhar, orientar, encorajar, passar artigos, ajudar a definir caminhos. Aos

meus colegas Denise, Liliane, Lívia, Regina, Guilherme, Marcelo, Wanda, Heloisa e Hélvio pela

paciência de me ouvir, por compreender o meu distanciamento, pelo estímulo constante. À Taiane,

Janete e Ana Luisa por compartilharem comigo a certeza de que o caminho escolhido era o mais

prazeroso e gratificante na evolução da nossa escolha acadêmica. A todos os professores e colegas

do PPGA pelo estimulo. Um carinho especial à Jaqueline, Paola e Cris pela maneira sempre alegre

e leve de me acolher, facilitar informações e pela liberdade que me concediam no seu espaço de

trabalho tornando mais leve a tarefa de ser estudante.

Por fim, agradeço ao meu pai João de quem herdei o encantamento pelo mundo dos

empreendedores e a confiança para nunca desistir. E à minha mãe Eni que me encaminhou para

mundo do saber e do amor às pessoas. A coragem, determinação e sabedoria de vocês dois são os

maiores legados que eu, meus irmãos e irmãs recebemos e estamos cuidando de transmitir às

nossas descendências.

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“Para mim, veja, os artistas, os sábios, os filósofos, trabalham duramente polindo

lentes. Um dia essa lente será perfeita; nesse dia todos perceberemos com clareza a

assombrosa, a extraordinária beleza deste mundo”.

Henry Miller.

Paro momentaneamente esta tese, mas continuarei polindo lentes; do amor, do

saber, do fazer, do prazer.

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RESUMO

O presente trabalho apresenta uma pesquisa que teve por objetivo verificar como a

longevidade das empresas familiares está relacionada à aprendizagem organizacional. Ao

longo da trajetória do empreendimento familiar foi avaliado, como a renovação estratégica

e os tipos de aprendizado daí decorrentes relacionam-se com a longevidade desses

empreendimentos. Com base nesse objetivo, elaborou-se um referencial teórico que

associou a área dos estudos organizacionais e a da estratégia para a compreensão da

longevidade das empresas familiares. Ao relacionar esses dois referenciais pretendeu-se

preencher uma lacuna verificada na literatura, qual seja de relacionar a aprendizagem

organizacional com a renovação estratégica. Assim sendo, realizou-se uma pesquisa

qualitativa, descritiva e explicativa, investigando pelo método de múltiplos casos três

empresas familiares longevas do Setor de Fabricação de Máquinas e Equipamentos. O

foco de análise buscou identificar as explicações que respondam ao desafio de

longevidade enfrentado pelas empresas familiares. A Análise dos dados revelou que ao se

aliar a perspectiva das lentes da aprendizagem organizacional na construção da trajetória

das empresas, podem-se identificar dois padrões de renovação estratégica. Um primeiro

padrão de renovação cujas mudanças de atributos foram impulsionadas pelo ambiente

externo e um segundo padrão que foi marcado pela mudança endógena. Nos dois tipos de

trajetórias, identificaram-se mudanças organizacionais em que as dimensões estratégicas

se alinhavam com o single, se aproximavam do double ou se alinhavam com o double-

loop learning, caracterizando uma relação entre as trajetórias de renovação e os tipos de

aprendizagem associados. Os resultados empíricos confirmam a relação entre a

longevidade e o aprendizado das empresas familiares, porém concluiu-se que não há

apenas uma condição única e universal para esse fenômeno, pois o processo de renovação

foi impulsionado por causas tanto exploit como explore, realizando tanto o aprendizado

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single como o double e um terceiro tipo que se aproxima do double, e esses foram

determinando a trajetória das organizações.

Palavras-chave: Renovação Estratégica. Aprendizagem organizacional. Empresas

familiares. Exploitation. Exploration.

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ABSTRACT

This study aims to analyze how the longevity of family firms is related to organizational

learning. More specifically, we zoom on in how strategic renewal and the resulting types

of learning are related to the longevity of these types of firms, this relation being

examined along their trajectories. We built a novel theoretical framework in order to

bridge the extant literature on organizational studies and strategy. In doing so, we helped

to fill the literature gap that relates organizational learning to strategic renewal. We carried

out a descriptive and explanatory research by employing a qualitative multiple case

studies. Three long-lived family businesses from the machinery and equipment

manufacturing industry were selected. We analyzed primary data by placing particular

attention to the explanatory mechanisms that enable family firms to survive. Through the

lens of organizational learning, our results point to two patterns of strategic renewal: a

pattern in which changes in attributes are driven by the external environment, and a

pattern in which changes in attributes are endogenously triggered. In both types of

trajectories, we identify organizational changes whose strategic dimensions are in line

with single-loop learning, quasi-double-loop learning or double-loop learning, thus

pointing to a relation between the renewal trajectories and these types of learning. We

conclude by suggesting that our results lend support to the relation between longevity and

learning in the family business. However, we posit that there is no single and worldwide

condition underpinning this relation. This is because the renewal process is driven by both

exploiting and exploring, thus involving not only single, but also quasi-double and

double-loop learning. These three types of learning have shaped the trajectories of the

firms.

Keywords: Strategic Renewal. Organizational Learning. Family Businesses.

Exploitation. Exploration.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Framework conceitual da pesquisa sobre renovação estratégica em

empresas familiares...................................................................................

96

Figura 2 - 1ª fase da trajetória da HASA – 1933-1974............................................... 120

Figura 3 - 2ª fase da trajetória da HASA – 1974-1984............................................... 125

Figura 4 - 3ª fase da trajetória da HASA – 1985-2002............................................... 131

Figura 5 - 4ª fase da trajetória da HASA – 2000-2013 (atual).................................... 134

Figura 6 - 1ª fase da trajetória da Delp – 1965-1970.................................................. 147

Figura 7 - 2ª fase da trajetória da Delp – 1970-1977.................................................. 151

Figura 8 - 3ª fase da trajetória da Delp – 1977-1988.................................................. 154

Figura 9 - 4ª fase da trajetória da Delp – 1988-2003.................................................. 157

Figura 10 - 5ª fase da trajetória da Delp – 2003-2013................................................ 164

Figura 11 - 1ª fase da trajetória da PUR – 1968-1995................................................ 177

Figura 12 - 2ª fase da trajetória da PUR – 1995-2013................................................ 185

Figura 13 - Trajetórias de renovação e aprendizado associado.................................... 228

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Significado teórico e prático do refreshment de atributos.......................... 66

Tabela 2 - Tipos, aspectos relacionados e resultados associados ao processo de

renovação................................................................................... ................

77

Tabela 3 - Total de empresas mineiras por porte......................................................... 88

Tabela 4 - Setores da indústria mineira mais representativos quanto ao número de

empresas.....................................................................................................

89

Tabela 5 - Os seis níveis de informantes...................................................................... 94

Tabela 6 - Categorias de pesquisa deduzidas do framework conceitual...................... 99

Tabela 7 - Categorias de análise identificadas na análise indutiva dos dados............. 103

Tabela 8 - A participação da família na criação e desenvolvimento da Horácio

Albertini.....................................................................................................

114

Tabela 9 - Recorte das fases da trajetória da HASA................................................... 137

Tabela 10 - A participação da família Zica e dos profissionais na criação e

desenvolvimento da Delp Engenharia........................................................

145

Tabela 11 - Recorte das fases da trajetória da Delp..................................................... 167

Tabela 12 - A participação da família Augustin e dos profissionais na criação e

desenvolvimento da PUR...........................................................................

173

Tabela 13 - Recorte das fases da trajetória da PUR.................................................... 187

Tabela 14 - Cross case Display 1: mudança de atributos estratégicos........................ 189

Tabela 15 - Cross case display 2 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo

ambiente externo e aprendizagem single-looping learning.......................

193

Tabela 16 - Cross case display 3 – fase 2: das trajetórias movidas por estímulos

externos......................................................................................................

195

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Tabela 17 - Cross Case Display 4 – Fase 3: renovação estratégica impulsionada

pelo ambiente externo e aprendizagem single-looping learning...............

200

Tabela 18 - Associação entre o comportamento estratégico, o tipo de renovação e o

tipo de aprendizagem................................................................. ................

204

Tabela 19 - Cross case display 5 – Fase 4: renovação estratégica impulsionada

pelo ambiente externo e aprendizagem single-looping learning...............

206

Tabela 20 - Cross case display 6 – fase 5: renovação estratégica impulsionada pelo

ambiente externo e aprendizagem single-looping learning.......................

211

Tabela 21 - Cross case display 7 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo

ambiente interno e double-loop learning...................................................

216

Tabela 22 - Cross case display 8 – fase 2: renovação estratégica impulsionada pelo

ambiente interno e double-looping learning..............................................

220

Tabela 23 - Relacionamento entre a tensão exploit-explore e o familiness nos

mecanismos de renovação e tipos de aprendizado organizacional............

235

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ALBRÁS Alumínio Brasileiro S/A.

ALUMAR Consórcio de Alumínio do Maranhão

ALUNORTE Alumina do Norte do Brasil S.A

ANSY American Nacional Standards Institute

API Application Programming Interface

ASME American Society of Mechanical Engineers

BDMG Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior

CBA Companhia Brasileira de Alumínio

CBMM Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração

CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais

CENIBRA Celulose Nipo-Brasileira S/A.

CEO Chief executive officer

CIF Cost, Insurance and Freight

CINCO Centro Industrial de Contagem

CNC Máquina de controle numérico

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica

COMAU Consorzio Macchine Utensili

CPC Canada Post Corporations

CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais

CSN Companhia Siderúrgica Nacional

DELP Deus, Eliezer, Loureiro e Pimentel

DNA Ácido desoxirribonucleico

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ERP Sistema de gestão integrada

FD Fator desencadeador

FGTS Fundo de Garantia por tempo de Serviço

FIAT Fabbrica Italiana Automobili Torino

FIEMG Federação das Indústrias de Minas Gerais

FOSFÉRTIL Fertilizantes Fosfatados S/A.

GE General Electric

GEIA Grupo Executivo da Indústria Automobilística

HASA Horácio Albertini Comércio e Indústria Mecânica Ltda.

HP Hewlett-Packard

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBM International Business Machines

IMPSA Indústrias Metarlúgicas Pescarmona

INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial

IP Instruções de Procedimentos

ISO International Organization for Standardization

JK Juscelino Kubitschek

MINASLIGAS Companhia Ferroligas Minas Gerais

O&S Revista Organização e Sociedade

OHSAS Occupational Health and Safety Assessment Series

OS Ordem de serviço

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PDCA Plan, do, check, act

PETROBRÁS Petróleo Brasileiro S/A.

PIB Produto Interno Bruto

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PMQP Programa Mineiro de Excelência

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

RAC Revista de Administração Contemporânea

RAE Revista de Administração de Empresas

RAM Revista de Administração do Maquenzie

RAUSP Revista de Administração da USP

RBV Visão baseada em recursos

RDP Rotinas de desenvolvimento de produtos

RE Renovação estratégica

READ Revista de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul

REFIS Programa de Recuperação Fiscal

RH Recursos Humanos

RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte

RNC Relatório de Não Conformidade

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Microempresas

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SINDIMEC Sindicato da Indústria Mecânica em Minas Gerais

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats

USIMINAS Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais

VM Vallourec & Mannesmann

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SUMÁRIO1

1 Introdução................................................................................................................. 18

1.1 Propósito de pesquisa............................................................................................ 24

1.2 Organização da tese.............................................................................................. 26

2 A Renovação Estratégica das Empresas Familiares: um Olhar sob as Lentes

da Aprendizagem Organizacional.............................................................................

29

2.1 A pesquisa sobre estratégia nas empresas familiares........................................ 31

2.2 A renovação estratégica em diferentes abordagens teóricas............................. 35

2.2.1 As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontual na

compreensão da renovação estratégica.......................................................................

38

2.2.2 A perspectiva da aprendizagem na compreensão da renovação estratégica ..... 42

2.2.3 A perspectiva das capacidades dinâmicas na compreensão da renovação

estratégica.....................................................................................................................

52

3 Metodologia.............................................................................................................. 82

3.1 Abordagem de pesquisa........................................................................................ 82

3.1.1 Delimitação do objeto empírico.......................................................................... 87

3.2 Quadro analítico da empresa............................................................................... 94

3.2.1 Framework conceitual da pesquisa.................................................................... 95

3.2.2 Instrumentos de coleta dos dados....................................................................... 99

3.2.3 O processo de análise dos dados......................................................................... 101

1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico

assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no

Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a norma APA 2012.

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4 Descrição dos Casos................................................................................................. 107

4.1 Caracterização da empresa HASA...................................................................... 107

4.1.2 As gerações dos Albertini na HASA................................................................... 108

4.1.3 A trajetória da HASA.......................................................................................... 114

4.1.3.1 A primeira fase: de 1933 a 1974 – A criação e o apogeu do negócio.............. 115

4.1.3.2 A segunda fase: de 1974 a 1984 – a segunda geração decide os rumos da

empresa com a forjaria em Vespasiano-MG................................................................

120

4.1.3.3 A terceira fase: de 1985 a 2002 – a nova planta, a recuperação financeira e

a entrada da terceira geração......................................................................................

125

4.1.3.4 A quarta fase: de 2002 a 2013 (atual) – a inovação tecnológica no parque

industrial, as novas práticas de gestão e a participação da terceira e quarta

gerações........................................................................................................................

131

4.2 Caracterização da Delp Engenharia................................................................... 137

4.2.1 Os fundadores, as gerações da família Zica e os profissionais na Delp ........... 141

4.2.2 A trajetória da Delp............................................................................................. 146

4.2.2.1 A criação: a aquisição da empresa em Guarulhos-SP e a transferência para

a Vila dos Urubus - 1965-1970.....................................................................................

146

4.2.2.2 A segunda fase da trajetória da Delp: as primeiras expansões da planta,

novos produtos e clientes - 1970-1977.........................................................................

148

4.2.2.3 A terceira fase da trajetória da Delp: a diversificação e a entrada no

negócio de agropecuária e siderurgia - 1977-1988.....................................................

151

4.2.2.4 A quarta fase da trajetória da Delp: a cisão do grupo, a entrada da segunda

geração e os negócios no ramo do Petróleo - 1998-2003............................................

154

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4.2.2.5 A quinta fase da trajetória da Delp: a nova planta em Vespasiano, a

participação da segunda geração e a profissionalização da gestão - 2003 a 2013

(atual)............................................................................................................................

157

4.3 Caracterização da empresa PUR......................................................................... 168

4.3.1 As gerações dos Augustins e os profissionais na PUR...................................... 171

4.3.2 A trajetória da PUR............................................................................................. 174

4.3.2.1 A primeira fase: de 1968 a 1995 – a criação e a atual razão social................ 174

4.3.2.2 A segunda fase: 1995-2013 - a nova razão social, a entrada da segunda

geração e o afastamento do fundador...........................................................................

177

5 Análise Cruzada dos Casos..................................................................................... 188

5.1 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e aprendizagem

single-looping learning – HASA e Delp.....................................................................

191

5.1.1 A HASA e a Delp na fase 1................................................................................. 191

5.1.2 A HASA e a Delp na fase 2................................................................................. 195

5.1.3 A HASA e a Delp na fase 3................................................................................. 200

5.1.4 A HASA e a Delp na fase 4................................................................................. 206

5.1.5 A Delp na fase 5.................................................................................................. 211

5.2 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente interno e double-loop

learning: PUR..............................................................................................................

213

5.2.1 A PUR na fase 1.................................................................................................. 214

5.2.2 A PUR na fase 2.................................................................................................. 219

6 Considerações Finais................................................................................................ 224

6.1 Os propósitos, os resultados de pesquisa e suas implicações teóricas.............. 224

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6.2 Contribuições, limitações do estudo e sugestões para novas

investigações................................................................................................................

237

Referências.................................................................................................................... 240

Apêndice A................................................................................................................... 258

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18

1 Introdução

As empresas familiares têm peso extraordinário no capitalismo mundial e brasileiro.

Estima-se que entre 70 e 90% das empresas de Portugal, Reino Unido, Espanha e Suíça

sejam familiares. Esse percentual chega a 96% das empresas nos Estados Unidos e a 99%

na Itália (Campos, Bertucci & Pimentel, 2008). No Brasil, calcula-se que 95% das

empresas sejam controladas por famílias e que estas contribuam com mais de 50% do

Produto Interno Bruto (PIB), respondendo por mais de 3/4 dos empregos gerados (Garcia,

2001). Dados da Bain&Company (Blecher, 2005) complementam que no universo das 200

maiores corporações nacionais, 1/3 do faturamento total é produzido por 76 grupos

empresariais controlados por famílias.

Em que pese a significativa presença das empresas familiares e a sua relevância

econômica e social, a condição de sobrevivência das empresas familiares brasileiras não

tem sido muito confortável, confirmando a condição geral de uma vida mais curta que a

das empresas não familiares (Kets de Vries, 1997). O fato é que organizações de pequeno,

médio ou mesmo as empresas familiares de grande porte têm enfrentado a competição de

concorrentes não familiares no mercado interno e sido ameaçadas pelas empresas

originadas do mercado externo e que têm se mostrado atraídas em disputar espaços no

mercado brasileiro. Em consequência, observa-se um processo de desnacionalização do

controle de capital das empresas familiares, ameaçando a sua sobrevivência ou o status de

empresa familiar. De acordo com Birchal (2004), a partir da década de 1990, as empresas

de capital privado nacionais reduziram sua participação de 21 para apenas oito setores,

incluindo a construção pesada e civil, bebidas, confecções e têxteis, comércio varejista,

automotivo, eletroeletrônico, máquinas e equipamentos e alimentos.

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Birchal (2004) comenta que os setores de alimentos e o de comércio varejista foram

os que perderam, de forma mais expressiva, a participação do capital nacional. Entre as 10

maiores empresas do setor de alimentos, seis eram nacionais em 1990 e já em 1999 apenas

três apresentavam essa característica. O setor varejista sofreu, apenas em 1999, redução de

29% de participação do capital nacional. Nesse processo de desnacionalização, também o

destino de muitas das empresas familiares tem sido o desaparecimento ou as fusões e

aquisições, como as que ocorreram com as empresas familiares Metal Leve, Adler,

Mindlin, Brandalise, Vidigal e Vilares. A Granja Resende, em Uberlândia-MG, passou ao

controle da Sadia. A Perdigão, a Seara e o Frigorífico Chapecó seguiram o mesmo

caminho. Entre as empresas mineiras, apenas para citar algumas, a Aymoré e a Forno de

Minas, adquirida pela Pilsbury Companhy, sucedida pela General Mills, passaram ao

controle de capitais estrangeiros, confirmando a tendência. Ressalta-se que em junho de

2009 a Forno de Minas voltou às mãos da família originalmente criadora da marca.

Além de serem ameaçadas pelos processos de desnacionalização ou de fusões e

aquisições, as empresas familiares ainda enfrentam, em determinado ponto de sua

trajetória, o risco de desaparecer, vir a falir ou mesmo de serem vendidas a grupos ou

empresas mais aptas em garantir a continuidade do crescimento e adaptação estratégica.

Dados revelam que cerca de metade das empresas familiares fracassam, quebram ou são

vendidas, realizando uma expectativa de vida de apenas 25 anos, período em geral que

corresponde ao tempo em que é gerida pelos seus fundadores (Grzybovski, 2000). Esses

momentos de crise situam-se próximo, durante ou após o processo de sucessão, quando

ocorre a transferência do comando entre uma geração e a seguinte. Porém, estudos

demonstram que, apesar de toda sorte de adversidades, complicações decorrentes da

multiplicação do número de prováveis herdeiros e sucessores e a ação dos concorrentes,

em torno de 15%, para outros menos otimistas 10%, das empresas familiares conseguem

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sobreviver, permanecendo nas mãos da mesma família até a terceira geração (Kets de

Vries, 1997). Diante desse quadro de dificuldade de sobreviver e se tornar longeva e da

situação das que conseguem superá-lo, diversos estudos indagam quais seriam os

mecanismos e instrumentos gerenciais que possibilitam as empresas familiares superar a

reestruturação da ordem econômica ou as fases de transição de gerações, mantendo-se sob

a propriedade e/ou a gestão das famílias.

Pesquisadores interessados nesse grupo específico de organizações têm se dedicado a

compreender as estratégias adotadas pelas empresas familiares longevas, no sentido de

superar os momentos de transição e sobreviver, sugerindo que uma questão crucial que a

empresa familiar enfrenta consiste em estabelecer mecanismos que permitam sua

sobrevivência ao longo das sucessivas transições que ocorrem entre as várias gerações

(Gersick et al., 1997). Outros estudos se concentram na preocupação com a formação

gerencial dos dirigentes e sucessores, na análise das relações estratégia-estrutura e

estratégia-ambiente. Entre as explicações que abordam a longevidade da empresa familiar,

pode-se relacionar a capacidade das novas lideranças de saber enfrentar o contexto de

mudanças em que estão inseridas e a capacidade de renovar as estratégias do negócio.

Entre esses, Ward (2004) cita a orientação para o futuro como o fator mais decisivo para

que a empresa familiar sobreviva preparada para lidar com a crescente complexidade que

as relações familiares e dos negócios vão adquirindo ao longo das gerações. Resumindo, a

empresa familiar precisa buscar formas para sobreviver.

No âmbito da pesquisa nacional interessada em empresas familiares, o levantamento

feito neste estudo, em 2012, realizado no banco de teses da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES), compreendendo o período de

2006 a 2011, revelou a existência de nove teses. Os temas tratados nas pesquisas incluíram

o cruzamento das temáticas empresa familiar e empreendedorismo (três), empresa familiar

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e sucessão (duas), busca da compreensão do que seja a empresa familiar (duas), empresa

familiar e competências (uma), empresa familiar, governança e conflitos (uma).

O que se percebeu na análise das teses é que a discussão sobre renovação estratégica

tem sido considerada de forma implícita. Portanto, investigar a renovação estratégica

relacionada à sobrevivência e à longevidade das empresas familiares caracteriza-se como

uma oportunidade na qual se sustentou a presente pesquisa. Essa oportunidade torna-se

mais acentuada ao se contemplar o estágio de desenvolvimento da arte sobre renovação

estratégica, objeto próprio do campo da área de estratégia. Ainda que muitas referências

sobre mudanças estratégicas incluam a renovação como um dos seus tipos, a perspectiva da

renovação propriamente dita, sua função, dinâmica, significados operacionais e

mensurações têm recebido pouca consideração da pesquisa empírica sobre empresas

familiares (Jaana & Stahle, 2011). Entretanto, na literatura de estratégia a mudança

estratégica tem estado no centro de várias abordagens, com destaque específico na

abordagem das capacidades dinâmicas (Eisenhardt & Martin, 2000).

Ao adotar esse enfoque, os estudos buscam evidenciar como as firmas desenvolvem

competências específicas e se renovam para as mudanças na indústria (Baden-Fuller &

Volberda, 1997). Uma definição mais recente proposta por Agarwal & Helfat (2009) sobre

renovação estratégica parece trazer implícito esse enfoque. Segundo esses autores, a

renovação estratégica refere-se à substituição dos atributos de uma organização que possui

o potencial de lhe afetar substancialmente no longo prazo, incluindo o processo, o

conteúdo e os resultados da renovação. Ao assim definirem a renovação, observa-se que os

estudos tendem a considerá-la a partir de duas opções, muitas vezes tomadas como

excludentes. De um lado, a opção por adotar mecanismos que aproveitem (exploit) as

competências e o conhecimento existente (Barney, 1991); de outro, aquelas que explorem

(explore) novos conhecimentos.

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Raramente o que é denominado por March (1991) como a tensão da exploration e

exploitation, ou seja, o movimento em que se aproveitam os recursos existentes (visão da

estabilidade, exploit) e, ao mesmo tempo, modifica-os (visão da mudança, explore), é

contemplado teoricamente na pesquisa empírica sobre renovação estratégica (Burgelman,

1994; Crossan & Bedrow, 2003), embora seja considerado a chave dessa renovação

(Crossan, Lane & White, 2011).

Exceção a esse quadro são os trabalhos de McNamara & Baden-Fuller (1999) e, mais

recentemente, de Huang (2009), salvo maior engano. McNamara & Baden-Fuller (1999)

utilizaram as lentes da aprendizagem no dilema exploitation e exploration para avaliar a

renovação estratégica da Celltech, uma das maiores firmas de biotecnologia da Europa. E o

trabalho de Huang (2009) buscou desenvolver um entendimento dos efeitos das

capacidades dinâmicas, pela exploitation e exploration, na escolha entre os investimentos

de risco internos e os investimentos de risco externos.

Cabe destacar que, se na abordagem sobre renovação estratégica a tensão exploitation

e exploration é relativamente pouco explorada, nos estudos organizacionais essa mesma

tensão, denominada de oximoro da aprendizagem (Weick, 1991), tem sido mais

especificamente reconhecida pelas referências da aprendizagem organizacional. Portanto,

parece fazer sentido associar a área dos estudos organizacionais e a da estratégia para a

compreensão do fenômeno da renovação estratégica. Inclusive, essa é uma sugestão de

Crossan & Bedrow (2003), com a qual este trabalho se coaduna. Ao aqui se indagar,como

a renovação estratégica de empresas familiares está relacionada ao aprendizado

organizacional, busca-se teoricamente tratar tal questão, promovendo o diálogo entre as

referências da aprendizagem organizacional e daquelas relacionadas às capacidades

dinâmicas, constituindo o que está sendo denominado no referencial teórico de lente da

aprendizagem organizacional.

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Ao se associar temáticas distintas no entendimento de como ocorre a renovação

estratégica, não só se avança a pesquisa sobre renovação, como se vai ao encontro da

tendência dos estudos internacionais sobre aprendizagem organizacional (Bapuji &

Crossan, 2004), contribuindo para enriquecer o arsenal de pesquisas no Brasil.

No âmbito da academia brasileira, em outro levantamento também efetuado pela

autora desta pesquisa nas bases de dados do banco de teses da Capes, com vistas a definir o

estado da pesquisa em aprendizagem organizacional contemplando o período de 2006 a

2011, encontrou-se uma base empírica bastante reduzida, que veio a confirmar

levantamentos anteriores, tais como os de Loyola e Bastos (2003), Versiani (2006),

Antonello e Godoy (2009) e Takahashi e Fischer (2009). Na busca, encontraram-se oito

publicações nas quais a aprendizagem organizacional apresenta-se associada a várias

temáticas, tais como aprendizagem organizacional e internacionalização (Versiani, 2006);

aprendizagem organizacional e cultura organizacional (Ramos Filho, 2008); aprendizagem

organizacional e estratégias (Caldeira, 2008); aprendizagem organizacional e agir

organizacional (Munck, 2009); aprendizagem organizacional e desempenho (Brandão,

2009); aprendizagem organizacional e aprendizagem individual (Nodari, 2009);

aprendizagem organizacional e mudança (Closs, 2009); aprendizagem organizacional e

competências (Takahashi, 2007) e aprendizagem organizacional e improvisação (Flach,

2010).

Em outro levantamento das publicações nacionais no período de 2002 a 2011, nos

periódicos brasileiros de alto impacto (extratos A e B, do sistema Qualis2), excluindo-se os

artigos sobre organização da literatura, foram encontrados 14 artigos divididos em oito

trabalhos, que foram classificados como estudos sobre práticas de aprendizagem, e em seis

2 Revista de Administração do Maquenzie (RAM); Revista de Administração da USP (RAUSP); Revista de

Administração de Empresas (RAE); Revista de Administração Contemporânea (RAC); Revista de

Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (READ); e Revista Organização e Sociedade

(O&S).

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trabalhos, classificados como cruzamentos entre perspectivas diferentes. Os artigos com

foco de discussão em práticas de aprendizagem norteiam-se por uma importante lacuna no

campo relacionada à dificuldade de constatar empiricamente, por métodos diferentes,

quando e como o processo de aprendizagem organizacional ocorre (Versiani & Fischer,

2008; Takahashi & Fischer, 2009). Esse levantamento da literatura corrobora a afirmativa

de Crossan & Bedrow (2003) de que se deve aplicar a teoria da aprendizagem

organizacional à renovação estratégica.

O interesse de relacionar a aprendizagem organizacional à renovação estratégica

parece já ter sido despertado na área da aprendizagem, mas ainda encontra pouco apelo nos

estudos de estratégia. Segundo Crossan, Lane & White (2011, p. 449):

Enquanto os pesquisadores da aprendizagem organizacional, muitos treinados no

comportamento organizacional, com expertise em psicologia e sociologia, têm estado

interessados em estratégia, apenas poucos pesquisadores da estratégia têm mostrado

interesse na aprendizagem organizacional.

Para esses autores, existem a oportunidade e a necessidade de se buscar a conexão

entre aprendizagem e renovação. Nesse sentido, ao se propor nesta pesquisa o

enquadramento da renovação estratégica sob as lentes da aprendizagem organizacional

aproveita-se tal sugestão, ampliando os estudos empíricos sobre aprendizagem e renovação

estratégica.

1.1 Propósitos de pesquisa

Evidenciada a contribuição da pesquisa, é importante mostrar como foi conduzida a

discussão teórica que delimitou o framework de referência do tratamento empírico deste

estudo que teve como objetivo verificar ao longo da trajetória do empreendimento familiar

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como a sua longevidade decorrente da renovação estratégica está relacionada à

aprendizagem organizacional. Iniciou-se procurando na literatura convergências

conceituais nas abordagens da renovação estratégica, da aprendizagem organizacional e

das capacidades dinâmicas. Deparou-se com um conjunto de ideias coerentes entre si, entre

elas a tensão entre a exploration e exploitation, os tipos e mecanismos de aprendizagem e a

concepção das capacidades dinâmicas como rotinas, que por sua vez são impulsionadas

pelos mecanismos de aprendizagem. Esse conjunto em operação sugeriu a ideia de

renovação como um movimento circular de organizar e estrategizar, estando para além da

mera mudança de atributos em si das organizações, conforme tradicionalmente vem sendo

tratada. Mostrou-se que a renovação estratégica associa-se a tipos de aprendizagem que

somente puderam ser encontrados observando-se as trajetórias específicas das empresas

familiares longevas.

Assim, argumenta-se que, pelas lentes da aprendizagem organizacional, identificam-

se os meios da renovação estratégica, ao mesmo tempo em que esta implica vários tipos de

aprendizagem que explicam a longevidade do empreendimento familiar. Essa é uma

proposta nova e contribui para responder à lacuna teórica identificada de associar temáticas

distintas do campo dos estudos organizacionais e da estratégia no entendimento de como

ocorre a renovação estratégica, indo ao encontro de uma tendência dos estudos

internacionais sobre aprendizagem organizacional (Bapuji & Crossan, 2004). Para tal, o

propósito desta pesquisa foi buscar explicações que respondam ao desafio de longevidade

enfrentado pelas empresas familiares, avaliando como a renovação estratégica e os tipos de

aprendizado daí decorrentes relacionam-se com a longevidade desses empreendimentos.

Esse propósito foi traduzido na questão de pesquisa: como a renovação estratégica de

empresas familiares está relacionada ao aprendizado organizacional? O objetivo da

pesquisa foi verificar, ao longo da trajetória do empreendimento familiar, como a sua

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longevidade decorrente da renovação estratégica está relacionada à aprendizagem

organizacional

1.2 Organização da tese

O presente trabalho foi organizado em seis capítulos, além deste. O próximo capítulo,

denominado “A renovação estratégica das empresas familiares: um olhar sob as lentes da

aprendizagem organizacional”, teve por objetivo situar o estado da arte da pesquisa sobre

renovação estratégica, visando explicar a sobrevivência e longevidade da empresa familiar.

Buscou-se evidenciar uma discussão teórica sobre a associação entre os referenciais da

aprendizagem organizacional e das capacidades dinâmicas que constroem o que foi tratado

neste estudo como a lente aprendizagem organizacional, pensada como meio para se

alcançar a renovação estratégica.

Com esse propósito, o capítulo 2 foi organizado em duas seções. A primeira,

denominada “A pesquisa sobre estratégia nas empresas familiares”, apresenta uma revisão

do que tem sido discutido na literatura internacional e nacional sobre as empresas

familiares. Identificou-se que a noção de “familiness” apresenta-se como um caminho

profícuo na discussão sobre longevidade da empresa familiar, principalmente se atrelada à

noção de estratégia. A segunda seção, denominada “A renovação estratégica em diferentes

abordagens teóricas”, propõe que a discussão da longevidade das organizações familiares

se desloque do foco na dicotomia familiar ou não familiar em prol de uma visão processual

da estratégia. Nessa incursão adota-se a abordagem denominada renovação estratégica, que

se apresenta como uma lente teórica alternativa para a compreensão de como as

organizações familiares sobrevivem e se tornam longevas. Conceitua-se a renovação

estratégica, sua abrangência, escopo e características, procurando compreender como é

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tratada em diferentes abordagens teóricas. E finaliza-se o referencial teórico sustentando a

ideia de que o campo teórico da estratégia, ao apresentar complementaridade com os

estudos organizacionais que focam a aprendizagem organizacional, é profícuo para a

compreensão da longevidade das empresas familiares.

O terceiro capítulo apresenta a estrutura da investigação empírica organizada em

duas seções. A primeira seção, da metodologia, denominada de “Abordagem de pesquisa”,

justifica a opção pela pesquisa qualitativa, descreve o tipo de estudo realizado e apresenta a

seleção do objeto empírico pesquisado. Após essa apresentação, a segunda seção, intitulada

“Quadro analítico da pesquisa”, descreve o processo de coleta e análise de dados,

delineando o framework conceitual de pesquisa e todas as etapas e técnicas empregados na

apreciação dos dados.

O quarto capítulo, denominado “Descrição dos dados”, relata em três seções os casos

corporativos preparados com base nos dados colhidos sobre as empresas que representaram

as unidades de análise da pesquisa, a HASA, a Delp e a PUR. Cada caso inicia-se por uma

caracterização da empresa, seguida da descrição detalhada longitudinalmente e de forma

retrospectiva das trajetórias compreendidas entre o ano de início das atividades da empresa

e o momento da coleta de dados, realizada entre os meses de outubro de 2012 e fevereiro

de 2013. Internamente, as trajetórias foram organizadas em sequências cronológicas,

demarcadas pelas mudanças estratégicas que correspondiam a situações de renovação

estratégica, captadas indutivamente dos dados.

No quinto capítulo, “Análise cruzada dos dados” foi realizada a comparação dos

casos e a discussão teórica dos resultados, buscando explicações para os resultados obtidos

ao longo do desenvolvimento das trajetórias. A análise e discussão teórica foram

organizadas em duas seções que correspondiam aos tipos de renovação e aprendizagem

identificadas pela análise: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e

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aprendizagem single-loop learning – HASA e Delp; e renovação estratégica impulsionada

pelo ambiente interno e double-loop learning – PUR. Objetivou-se, numa abordagem

indutiva, identificar as relações de causalidade entre a renovação estratégica, a longevidade

do empreendimento familiar e a aprendizagem organizacional, seguida da discussão teórica

dos resultados, retornando à base teórica apresentada no referencial teórico.

O sexto capítulo finaliza as discussões e apresenta as reflexões e as considerações

finais sobre as descobertas desta pesquisa, suas contribuições e limitações, bem como

sugestões para novos estudos.

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2 A Renovação Estratégica das Empresas Familiares: um Olhar sob as Lentes da

Aprendizagem Organizacional

Este capítulo tem o objetivo de situar o estado da arte da pesquisa sobre renovação

estratégica, visando explicar a sobrevivência e longevidade da empresa familiar. Para a

consecução desse objetivo, teoricamente, tenta-se o diálogo entre os campos da estratégia e

dos estudos organizacionais, evidenciando uma associação entre os referenciais das

capacidades dinâmicas e da aprendizagem organizacional. Defende-se o ponto de vista de

que se pode pensar na aprendizagem e capacidades dinâmicas como meios para se alcançar

a renovação estratégica. Neste sentido, a aprendizagem e as capacidades dinâmicas

constroem a lente do que se toma como aprendizagem organizacional e com esse propósito

este referencial foi organizado em três seções.

A primeira seção, denominada “A Pesquisa sobre estratégia nas empresas

familiares”, apresenta uma revisão do que tem sido discutido na literatura internacional e

nacional sobre as empresas familiares. Ao discorrer sobre o estado da arte na pesquisa,

mostra-se que a discussão sobre longevidade das empresas familiares ainda necessita

avançar principalmente no que diz respeito à compreensão de suas causas. Identificou-se

que a noção de “familiness” mostra-se como um caminho profícuo na discussão sobre

longevidade, principalmente se atrelada à noção de estratégia.

Assim, na segunda seção, denominada “A renovação estratégica em diferentes

abordagens teóricas”, propõe-se que a discussão da longevidade das organizações

familiares se desloque do foco na dicotomia familiar ou não familiar em prol de uma visão

processual da estratégia. Nessa incursão adota-se a abordagem denominada renovação

estratégica, que é como uma lente teórica alternativa para a compreensão de como as

organizações familiares sobrevivem e se tornam longevas. Nessa segunda seção

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conceituam-se a renovação estratégica, sua abrangência, escopo e características, tentando

compreender como é tratada em diferentes abordagens teóricas.

As contribuições e influências de cada abordagem teórica são apresentadas em três

subseções. A primeira, “As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontual

na compreensão da renovação estratégica”, desenvolve as ideias de duas correntes de

pensamento identificadas como as principais no estudo da mudança estratégica. Tanto a

perspectiva do incrementalismo lógico como a do equilíbrio pontual, apesar de se

dividirem entre o dilema do voluntarismo e determinismo, adotam a visão da mudança com

foco no processo de mudança. Uma possibilidade de ponte conceitual é apresentada na

segunda subseção, “A perspectiva da aprendizagem na compreensão da renovação

estratégica”. Essa perspectiva adota uma concepção integrada da mudança com foco no

contexto-conteúdo-processo para os estudos sobre a renovação estratégica que podem ser

mais bem compreendidos na perpectiva da aprendizagem organizacional. Essa mesma

visão integrada do processo de mudança é desenvolvida na subseção seguinte, “A

perspectiva das capacidades dinâmicas na compreensão da renovação estratégica”, que

finaliza o referencial teórico procurando demonstrar que o processo de renovação requer

uma evolução regular de rotinas que, por sua vez, são impulsionadas por mecanismos de

aprendizagem.

Desse modo, finaliza-se o referencial teórico sustentando a ideia de que o campo

teórico da estratégia ao apresentar complementaridade com os estudos organizacionais que

focam a aprendizagem organizacional é profícuo para a compreensão da longevidade das

empresas familiares.

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2.1 A pesquisa sobre estratégia nas empresas familiares

Ao se avaliar a produção da pesquisa sobre empresas familiares, constata-se que até o

final da década de 1970 havia poucos interessados na temática. A partir dos anos 1980,

observa-se crescimento contínuo do interesse sobre o tema e mais sistematização da

pesquisa com a adoção de maior variedade dos métodos de investigação. A partir de

meados dos anos 1990, assiste-se a modificações no escopo dos estudos, que passaram a

incluir, além da temática da sucessão, temas como a dinâmica interpessoal, performance,

consultoria e questões de gênero e de etnias. Na última década, verifica-se que os esforços

da pesquisa têm se concentrado num aprofundamento mais acentuado da compreensão

sobre o que diferencia as empresas familiares das não familiares, com mais utilização da

análise sistemática baseada em dados e crescimento do número de autores oriundos de

disciplinas distintas. Quanto aos temas de pesquisa, permaneceram a sucessão,

performance, gênero e etnias, incluindo-se outros como governança, recursos, conflitos,

empreendedorismo, inovação, internacionalização e profissionalização (Wright &

Kellermanns, 2011).

Prosseguindo nessa análise retrospectiva, apura-se, ainda, que foi a partir do final dos

anos 1990 que o campo dos estudos da estratégia passou a incluir pesquisas sobre empresas

familiares com a proposição, por Sharma, Chrisman & Chua (1997), de um framework que

incluía na sua estrutura os subtemas objetivos e metas, formulação, conteúdo,

implementação e controle da estratégia, propriedade, gestão e performance organizacional,

inaugurando a perspectiva da gestão estratégica nos estudos sobre empresas familiares. De

fato, entre 1997 e 2003, um período de seis anos após a publicação do framework de

Sharma, Chrisman & Chua (1997), contabilizam-se 190 artigos explorando diferentes

tópicos relacionados à pesquisa sobre estratégia na empresa familiar. Além de confirmar

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uma expectativa de direcionamento dos estudos, esse número de publicações evidenciou

que o interesse em explorar e compreender o tema da estratégica na empresa familiar

permanecia viável, bem como revelava uma preferência por “duas perspectivas teóricas

que representam a confluência de insights do campo da gestão estratégica, finanças e

economia: a visão da firma baseada em recursos e a teoria da agência” (Chrisman, Chua &

Sharma, 2005, p. 5). A adoção das lentes da visão baseada em recursos (RBV) contribuiu

para elucidar de forma muito consistente várias questões de pesquisa sobre estratégia na

empresa familiar e direcionou o interesse em se desenvolver e testar uma teoria da firma

familiar, que assim como a teoria da firma proposta por Coase (1937) deveria explicar por

que a firma existe e o que determina o seu tamanho e escopo de atuação.

Uma significativa contribuição da RBV, confirmada pela abordagem das capacidades

dinâmicas para a pesquisa sobre a empresa familiar, é que a firma familiar existe pela

combinação recíproca de valores econômicos e não econômicos criados pela integração

dos sistemas família e negócios, cuja confluência é direcionada pelo familiness, uma

capacidade que pode ser traduzida como senso de família3. Familiness ou senso de família

corresponde “a um conjunto único de recursos que uma firma particular possui decorrente

da interação entre a família, seus membros individuais e o negócio” (Habbershon,

Thimothy & Williams, 1999, p. 11). De forma diferente da proposição desses autores, que

enfatiza o resultado da familiness, Chrisman, Chua & Sharma, 2005, tomando a

perspectiva da teoria da agência, também trabalharam o construto, porém focando a criação

da familiness que, segundo os autores, corresponde à influência de uma visão estabelecida

pela coalizão dominante dos stakeholders da família por meio de um processo político de

determinação de valores.

3 O termo senso de família representa uma tradução do termo original em inglês, familiness.

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Partindo da proposição do familiness e do seu significativo potencial explanatório

(Frank et al, 2010), a pesquisa sobre a empresa familiar tem se direcionado para reconhecer

e clarear as qualidades distintivas da organização familiar. Neste sentido, o construto

familiness parece conter as trilhas para responder a questões tais como se a empresa

familiar se distingue de outros tipos de organização não familiares, como o aspecto

contextual do fator familiness influencia na vantagem ou desvantagem competitiva, bem

como no sucesso da empresa familiar. Resultados dos estudos que almejaram compreender

a influência do familiness na performance revelam que, dada a influência da família, as

empresas familiares são direcionadas por valores, possuem outros objetivos que não apenas

objetivos financeiros, apoiam-se em redes e relacionamentos de longo prazo fomentados

com base na confiança e no altruísmo, alcançam sucesso mercadológico associando o

nome da família com a sua identidade de marca e, frequentemente, adotam uma

perspectiva de longo prazo (Astrachan, 2010). Essas características moldam a estratégia da

empresa familiar, diferenciando-a das não familiares, e sugerem que a estratégia como uma

rota para a performance toma o significado da última, de forma distinta para os dois

grupos, familiar e não familiar. Mas a pesquisa também evidencia esforços para superar a

dicotomia familiar e não familiar para concentrar-se na medida do efeito da influência do

familiness na firma e, neste sentido, para Astrachan (2010), o envolvimento dos

componentes família e poder, dos elementos atitudinais e experiência e a cultura

caracteriza a essência de uma abordagem que explica a influência do familiness na firma.

Outra distinção a ser considerada relaciona performance com longevidade e os

estudos disponíveis se apresentam com duas visões opostas: a de que a performance acima

da média resulta na longevidade e, uma segunda, de que outras variáveis justificariam a

longevidade das firmas familiares, mesmo em situações de baixa performance. Para

Astrachan (2010) existiria um pressuposto não testado de que uma performance financeira

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acima da média permitiria à firma sobreviver no longo prazo, explicando a sobrevivência e

longevidade. Entretanto, constatam-se exemplos de organizações com baixa performance

que também sobreviveram por longos períodos. Para casos como esses, De Tienne,

Shepherd & De Castro (2008) identificaram que variáveis como os custos irrecuperáveis de

pessoal, oportunidades pessoais, sucesso organizacional prévio, percepção coletiva de

eficácia, complexidade ambiental, dinamismo e munificência e, a mais significativa, o

nível de motivação extrínseca do proprietário afetaram a sua decisão de persistir com a

firma ainda que em situação de baixa performance, resultando na longevidade dos

empreendimentos.

A performance como um direcionador para a longevidade da firma familiar é uma

ideia central que tem direcionado a literatura, mas começam a surgir algumas exceções. De

Geus (1988) associa o conservadorismo financeiro do empreendedor, sensibilidade das

empresas pelo mundo que as rodeia, cuidados com a identidade e tolerância com as novas

ideias como variáveis que contribuem para a longevidade da firma familiar. Na sua visão,

as firmas são como os seres humanos, que necessitam se adaptar, possuem dimensões

morais e o desejo de sobreviver, apesar das mudanças inerentes ao seu ambiente. Na

mesma linha de raciocínio, Pieper (2007) relaciona o compromisso e coesão como

importantes direcionadores da longevidade, assim como a visão de longo prazo, adaptação

estratégica, profissionalização, uso do tempo e cultura estão entre as fontes de longevidade

(Astrachan, 2010). Mas, há evidências empíricas de que a influência da família em termos

de nepotismo, segregação e expropriação de acionistas minoritários também pode levar a

um desempenho inferior da firma (Miller, Le Breton-Miller, Lester, & Cannella Jr., 2007).

Conclui-se que são muitos os fatores que complicam o propósito de explicar a

longevidade. Para além da performance e vitalidade do negócio, “a pesquisa mostra que

valores familiares consistentes e uma síntese entre o negócio da família e os valores do

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negócio são cruciais para manter a propriedade da família no longo prazo” (Pieper apud

Astrachan, 2010, p. 7), confirmando a importância do familiness para a pesquisa sobre

longevidade em empresas familiares. Outro caminho para explicar a longevidade,

assumido nesta investigação, sugere que, além de confirmar a importância do familiness, se

desloque do foco na dicotomia familiar ou não familiar em prol de uma visão da estratégia.

Isso porque uma abordagem teórica do campo da estratégia, denominada renovação

estratégica, que salvo melhor engano não tem sido contemplada nos estudos sobre

estratégia na empresa familiar, apresenta-se como uma alternativa bastante forte para a

compreensão de como as organizações familiares sobrevivem e se tornam longevas.

A renovação estratégica é um processo dinâmico que envolve a decisão e

implementação da mudança de atributos estratégicos visando à sobrevivência e à

longevidade da firma. Na perspectiva da aprendizagem organizacional a renovação

estratégica é resultante do equilíbrio entre a busca do novo, exploration (ir para frente) e o

refreshment dos recursos existentes, exploitation. Para entender como ocorre a renovação

estratégica, faz-se necessário uma delimitação mais precisa sobre o que se compreende

como renovação estratégica e como é tratada por diferentes abordagens teóricas.

2.2 A renovação estratégica em diferentes abordagens teóricas

A análise da literatura incluindo estudos de Mintzberg & Westley (1992), Teece,

Pisano & Shuen, (1997), Burgelman (1994), Quinn & Voyer (2001), Agarwal & Helfat

(2009), O’Reilly & Tushman, (2004) e O’Reilly & Tushman (2008) indica que o conceito

de renovação estratégica não é de tão fácil apreensão, devido às suas nuanças. Um dos

aspectos que se observa é que o termo renovação estratégica tem sido mais utilizado para

referir-se a exemplos de mudança estratégica, observados pelo foco no processo de

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mudança (Teece, Pisano & Shuen, 1997). Mintzberg & Westley (1992), entre os autores

que estudam a mudança pelo foco do processo, tratam a renovação como as transformações

que ocorrem na direção da empresa e os eventos externos e/ou internos que levam as

organizações a modificarem suas estratégias.

Na mesma linha, Quinn & Voyer (2001) consideram a renovação um tipo de

mudança estratégica caracterizado por um processo fragmentado, evolucionário e intuitivo,

em que novas estratégias fluem à medida que decisões internas e eventos externos surgem

para criar um novo cenário. Contudo, uma abordagem distinta pode ser identificada na

proposta de Pettigrew (1987) e Pettigrew, A. M. & Ferlie, E. & McKee, L. (1992), ao

proporem que a mudança estratégica seja analisada por meio de três dimensões integradas,

tratando-a não apenas do ponto de vista do processo, mas, ainda, do contexto e do

conteúdo. A dimensão do processo diz respeito ao “como”, ao caráter dinâmico e temporal

da mudança estratégica. Na dimensão do panorama, o que se observa é o “porquê” da

mudança, buscando na identificação das forças e das fraquezas ambientais os aspectos que

restringem ou habilitam as mudanças estratégicas da organização. E a dimensão do

conteúdo refere-se ao “o que” da mudança, tratando das estratégias que são de fato

realizadas, relacionando-as ao equilíbrio das ações de explorar novas oportunidades e de

aproveitar as oportunidades existentes.

Ao propor a compreensão da mudança estratégica nessa perspectiva integradora,

Pettigrew (1987) fornece uma estrutura metodológica que permite guiar a pesquisa na área

e correlacionar diferentes variáveis pertencentes a cada uma das três dimensões. Essa

mesma estrutura de uma abordagem integrada para análise da mudança estratégica é

atualmente muito valorizada nos estudos organizacionais (Gohr & Santos, 2011) e

representa uma importante vertente teórica para a compreensão do que vem a ser a

renovação estratégica e que será explorada neste trabalho.

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O interesse pelo estudo da temática da renovação estratégica assumiu lugar de realce

no campo da estratégia, desde que se constatou que firmas líderes e que apresentavam

trajetórias consolidadas e bem-sucedidas foram obrigadas a passar por amplos processos de

transformação, até então inimagináveis. Observa-se, então, que a partir do final do anos

1990, teóricos oriundos de várias tradições de pesquisa dedicaram-se a reflexões teóricas e

pesquisas empíricas motivadas pelo interesse em compreender se o processo de renovação

estratégica verificado em empresas como a General Electric (GE), Sears ou International

Business Machines IBM deveria ser de fato doloroso e socialmente disruptivo ou, ao

contrário, poderia ter sido direcionado por esforços graduais e contínuos de mudança.

Um interesse no esclarecimento sobre como ocorre a renovação estratégica ganhou

destaque no campo da pesquisa sobre estratégia, dirigido por duas correntes teóricas

principais, definidas pela perspectiva do incrementalismo lógico e a perspectiva do

equilíbrio pontual. Tanto a primeira como a segunda adotam a visão da mudança com foco

no processo de mudança. Mais recentemente, e adotando a concepção integrada da

mudança com foco no contexto-conteúdo-processo (Pettigrew, 1987), os estudos sobre a

renovação estratégica tem sido voltado, no campo dos estudos organizacionais, para a

perspectiva teórica da aprendizagem organizacional; e no campo da estratégia, para a

perspectiva das capacidades dinâmicas. As quatro perspectivas - incrementalismo lógico,

equilíbrio pontual, aprendizagem organizacional e capacidades dinâmicas - são discutidas a

seguir quanto à sua orientação, contribuições e influência no campo da pesquisa sobre

renovação estratégia.

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2.2.1 As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontual na compreensão

da renovação estratégica

Nos estudos que adotam a perspectiva do incrementalismo lógico para a

compreensão da renovação estratégica, os autores adotam a mesma orientação gradualista

de Quinn (1978), que compreende a gestão estratégica e a mudança como processos

contínuos, incrementais e baseados na construção de consenso. Nessa visão gradualista, os

gerentes guiam proativamente as correntes de ações e eventos que ocorrem nos diversos

subsistemas das organizações, de forma incremental, na direção de estratégias conscientes.

Essa perspectiva denominada por Quinn (1978) de incrementalismo lógico oferece um

modelo perscritivo para se compreender e promover a renovação estratégica, definindo-a

como um processo com direção relativamente controlável e sem interrupções, mesmo em

face das turbulências do ambiente, resultando na construção de uma base de recursos tão

fortes e flexíveis que levariam a empresa a prosperar, ainda que diante dos eventos

ambientais mais devastadores.

Como, segundo Quinn, os gestores não podem prever quais eventos e forças

moldarão o futuro da organização, o que os mais competentes fazem é prever aquelas

forcas que mais provavelmente afetarão os negócios e os seus possíveis impactos e, em

função destas, construir uma base de recursos e posturas tão fortes em determinadas áreas

que a empresa pode sobreviver aos mais devastadores eventos. “Eles conscientemente

selecionam mercados/tecnologias/segmentos de produtos cujos conceitos podem dominar

em condição de recursos limitados” (Quinn, 1978, p. 18). Agindo assim, reduzem o risco e

aumentam a flexibilidades de opções futuras.

Para os adeptos do incrementalismo lógico, “a estratégia lida com o incognoscível,

não com a incerteza” (Quinn, 1978, p. 18), envolvendo a combinação de várias forças e

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ameaças que tornam impossível a previsão de eventos. Neste sentido, prevalece uma lógica

incremental de que a ação de mudança deve se proceder de forma flexível e experimental,

partindo de conceitos mais gerais, orientada por uma meta organizacional concebida de

forma ampla (Mintzberg, 1987). E em situações específicas deve-se retardar ao máximo as

decisões, para ir reduzindo as bandas de incerteza e caminhar beneficiando-se, ao longo do

processo, das informações que vão sendo disponibilizadas. Para Mintzberg (1987), tem-se

a impressão de que a mudança estratégica na perspectiva do incrementalismo lógico é feita

durante o caminho, à medida que este vai avançando.

Essa forma de tratar a renovação como um processo emergente de experimentação e

aprendizagem deu ao incrementalismo um papel proeminente na literatura de

administração estratégica (Collins & Porras, 1996; De Geus, 1988; Mintzberg, 1987;

Senge, 1990; Waterman, 1994), antecipando uma mudança nas abordagens da estratégia

para a incorporação da resource based view (RBV) e as capacidades dinâmicas. Além

disso, influenciou fortemente os estudos organizacionais que ainda apresentam uma

ideologia de gradualismo e na literatura gerencial está relacionada à teoria evolucionária

pela ênfase dada ao impacto da pequena mudança cumulativa e evolucionária típicas da

mudança incremental empregadas na compreensão da relação entre a inovação e a

competitividade (Leavy, 1997).

Entretanto, destarte a sua relevância, a adoção da perspectiva do gradualismo no

estudo do fenômeno da renovação estratégica não é universalmente compartilhada.

Observa-se que outra perspectiva, do equilibrio pontual, também influenciou o pensamento

sobre a renovação estratégica (Leavy, 1997). No mainstream gerencial, trabalhos na

perspectiva do equilíbrio pontuado (Greiner, 1972; Miller & Friesen, 1980; Mintzberg,

1987; Mintzbeeg & Westley, 1992; Pettigrew, 1987; Tushman & Newman & Romanelli,

1986) tomam a renovação estratégica como um processo de equilíbrio pontual,

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caracterizado por longas fases de mudança evolucionária, intercaladas por pequenas

rajadas afiadas e pertubadores de transformação revolucionárias. E assumem que forças

organizacionais atuando em favor da continuidade e da inércia tendem a resistir às

mudanças, até o ponto em que essa venha a se tornar inevitável (Leavy, 1997) e que a

organização possa superar a inércia pela mudança radical ou descontínua.

As explicações empíricas para o padrão de renovação estratégica pontual partem da

convicção de que renovações bem-sucedidas raramente ocorrem sem algum tipo de crise

que movimente a organização como um catalisador, uma vez que, ao atingirem posições de

liderança e inovação, as organizações tendem intuitivamente a adotar uma orientação

estratégica de manutenção da estabilidade a partir de refinamentos incrementais, no lugar

de adotarem mudanças tecnológicas radicais. Essa orientação dificilmente é quebrada sem

que haja algum senso de urgência. E pode implicar até mesmo a perda da liderança

tecnológica, declínio e desaparecimento da firma, fenômeno reconhecido como o paradoxo

do sucesso (Leavy, 1997). Pettigrew (1987) acrescenta que essa situação não é surpresa, na

medida em que em situações de não crise a maioria dos líderes não possui influência

suficiente para romper com o padrão de inércia. Em consequência, o processo de

renovação estratégica é pontual, não apenas porque somente se inicia diante da crise, mas

pela postura inercial que prevalece nas organizações.

Três elementos principais - estruturas profundas, estado de equilíbrio e períodos

revolucionários - atuam para o equilíbrio pontuado. As estruturas profundas são altamente

estáveis, em função da sua trajetória dependente e do inter-relacionamento com os demais

componentes organizacionais e o ambiente. E correspondem às escolhas que envolvem os

elementos estruturais e os padrões de atividades básicas que são estabelecidos desde a

criação da organização, incluindo os valores e crenças, estratégias, distribuição do poder,

estrutura organizacional e sistemas de controle. O estado de equilíbrio tende a prevalecer

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durante os períodos de mudança incremental e de convergência, quando a organização

alinha a estrutura às suas estratégias e reforça as estruturas profundas. Esse equilíbrio é

alterado por períodos revolucionários e de intensa reconstrução, decorrentes de situações

de mudança do ambiente institucional, de inovação tecnológica, sucessão de Chief

executive officer (CEO), maturação de ciclo de vida de produtos ou queda de desempenho

capaz de levar ao rompimento das forças inerciais. Diante destas situações, as estruturas

profundas são desmanteladas e tanto a estrutura como as estratégias são fundamentalmente

transformadas (Van de Vem & Poole, 1995).

As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontuado representam

uma posição antagônica entre o voluntarismo e o determinismo que tradicionalmente

polarizou os estudos da mudança nas organizações. Mas o campo dos estudos da renovação

estratégica parece encontrar nas teorias da aprendizagem uma alternativa que leve à

compreensão mais aprofundada de como as organizações se renovam e sobrevivem. De

fato, grande parte da literatura vê a renovação estratégica como uma dinâmica de

aprendizagem que integra processos de organizar e deseorganizar (Weick, 2004), tomando

o aprendizado do ponto de vista do processo, com foco no gerenciamento de mudanças

(Mintzberg, 1987). Logo, colocar a noção de aprendizagem no centro da pesquisa sobre

renovação estratégica apresenta vários benefícios potenciais, entre eles a noção de que a

aprendizagem é essencialmente dinâmica, favorecendo o desenvolvimento de teorias da

renovação estratégica em condições de não equilíbrio que caracterizam o contexto no qual

evoluem e sobrevivem as organizações. A próxima subseção discute a perspectiva da

aprendizagem organizacional e a renovação estratégica.

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2.2.2 A perspectiva da aprendizagem na compreensão da renovação estratégica

Na perspectiva da aprendizagem organizacional, a renovação estratégica é um

processo de aprendizagem de alto nível, cujo segredo requer a descoberta de como

institucionalizar o aprendizado nas diferentes configurações organizacionais (De Geus,

1988) ou decorre da geração de tensão criativa ou das crises de aspiração (Senge, 1990).

Entre os que defendem a ideia da renovação como um processo de aprendizagem de alto

nível, a compreensão do processo de renovação requer a adoção da perspectiva da firma

como um sistema auto-organizado (De Geus, 1988; Senge, 1990; Nonaka, I. & Takeuchi,

H., 1997), reconhecendo que a renovação estratégica é raramente um processo mecânico,

top-down. Ao contrário, em organizações de qualquer complexidade, a renovação é mais

tipicamente orgânica, de natureza emergente, com ideias e ímpetos originados de

diferentes fontes na organização, por meio das articulações do sistema como um todo. Essa

perspectiva do sistema auto-organizado é consistente com a perspectiva da aprendizagem

sobre a renovação que a compreende como sendo inerentemente dinâmica, não linear e

indeterminada.

A adoção da perspectiva da aprendizagem organizacional na pesquisa sobre

renovação estratégica é diretamente defendida por Crossan, Lane & White, (1999), ao

afirmarem que a mesma natureza dinâmica da aprendizagem organizacional está presente

na renovação estratégica. Os autores compreendem que a renovação, assim como a

aprendizagem, é um fenômeno organizacional que harmoniza continuidade e mudança. E,

ao assim fazerem, confirmam a proposta da existência de uma ponte conceitual entre a

perspectiva do gradualismo e do padrão pontual da renovação, contituindo-se a

aprendizagem no principal meio para se atingir a renovação estratégica. Essas escolhas

também partem do fato de que Crossan, Lane & White (1999) comungam do mesmo

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pressuposto de March (1991) de que a aprendizagem, assim como a renovação, requer que

a organização explore e aprenda novos caminhos (mudança) enquanto que,

simultaneamente, exploit o que já tenha aprendido (continuidade).

Para March (1991, p. 101), os processos adaptativos implicam o balanceamento da

relação entre o exploration, que “inclui coisas capturadas por termos como pesquisa,

variação, tomada de risco, experimentação, descoberta e inovação”, e o exploitation, que

“inclui coisas como refinamento, escolha, produção eficiência, seleção, implementação e

execução”. E esse trade off produz consequências no tempo e no espaço, afetando o

aprendizado das organizações. Argumenta March (1991) que esse mesmo desafio

exploit/explore crítico na renovação também já fundamentara os estudos no campo da

aprendizagem organizacional Levinthal & March (1981) e foi exibido nas distinções feitas

pelos autores que conceituaram exploit como o refinamento de uma tecnologia já existente

e o explore como a invenção de uma nova tecnologia. Acrescenta que reconhecer e

gerenciar essa tensão, encontrando um balanço apropriado entre exploitation e exploration,

é um desafio particularmente complexo, pois envolve os níveis individual, organizacional e

social de sistemas que se apresentam entrelaçados (March, 1991).

Outra evidência da relação entre renovação e aprendizagem baseada na mesma

tensão exploit/explore é discutida por Dogson (1993, p. 380). E este é ainda mais preciso

ao explicar que a aprendizagem ocorre não apenas na tensão explore/exploit, mas no

processo em si, pois a explore, além de gerar inovação, também desenvolve na firma a

habilidade de identificar e assimilar o conhecimento existente no ambiente, executando o

exploit e gerando aprendizagem. Dogson reforça a sua tese argumentando que o processo

de aprendizagem é complexo, pois sua natureza é conflituosa (explore/exploit).

Sustentando-se nas teorias da aprendizagem do campo da Psicologia, o autor afirma que o

conflito “é uma condição essencial para a aprendizagem”. E, para se justificar, mostra que

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ideia semelhante também teve ressonância nos estudos do campo gerencial e da inovação,

para os quais, na sua visão, “uma abordagem para resolver a contradição entre eficiência e

inovação está contida no conceito de aprendizagem, que ilumina a interação dinâmica entre

as duas dimensões”. Essa contradição, segundo o autor foi denominada de “dilema da

produtividade”, traduzida pelos economistas como tensão entre dinâmica e eficiência

alocativa e pelos teóricos organizacionais como a tensão exploitation e exploration

(Dogson, 1993).

Também as distinções da aprendizagem em tipos e/ou níveis indicam outras

evidências tanto da sua complexidade como da mesma tensão explore/exploit que

aproxima a renovação estratégica da aprendizagem. Por exemplo, os estudos da

aprendizagem no campo gerencial desenvolvidos por Senge (1990), apesar de não

mencionarem os mesmos termos, definem uma tipologia de aprendizagem generativa e

adaptativa. Na sua definição, a primeira, generativa, enfatiza a criatividade e corresponde à

aprendizagem exploration, enquanto a adaptativa ou de sobrevivência relaciona-se ao

exploitation. Na literatura dos estudos organizacionais, a tipologia de aprendizado mais

citada é de Argyris & Schon (1978), que descrevem que os tipos single-loop, double-loop e

deutero-learning também contêm, em sua essência, a mesma tensão explore/exploit.

Assumindo a aprendizagem organizacional como um processo de detecção e correção

do erro4, os autores explicam que a single-loop learning ocorre quando os erros são

detectados e corrigidos e as empresas continuam com suas políticas e objetivos atuais.

Admitem também que o single-loop learning pode ser igualado às atividades que se

adicionam ao conhecimento-base, às competências ou a rotinas, sem alterar a natureza

fundamental das atividades (Dogson, 1993). A aprendizagem do tipo double-loop learning

é entendida como aquela que ocorre quando as organizações aprendem a modificar as

4 Trial-and-error learning, no original em inglês.

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variáveis que governam os seus próprios comportamentos. Ela ocorre quando, além da

detecção e correção dos erros, a organização questiona e modifica suas normas,

procedimentos, políticas e objetivos. Envolve mudar a base de conhecimento da

organização, competências e rotinas (Argyris, 1976). Finalmente, no modelo de Argyris e

Schon (1978), quando a organização aprende como realizar o single e o double-loop, pode

ocorrer um terceiro tipo de aprendizado, o deutero-learning. Nessa situação, a organização

reconhece o que deve aprender e quais as circunstâncias e processos que necessitam ser

criados para que ocorra.

Uma terceira tipologia, da aprendizagem estratégica, é proposta por Kuwada (1998)

que relaciona o comportamento de decisão estratégica da firma, definido pelo autor como

design process, aos tipos de aprendizagem do negócio (business learning) e aprendizagem

estratégica. Ao longo do desenvolvimento da firma, observa o autor que há um processo de

formulação estratégica mal estruturado, afetado por aspectos cognitivos, sociais, políticos e

pelo conhecimento e informação adquiridos pela firma, em cada estágio do seu

desenvolvimento. Os conhecimentos são classificados pelo autor como de nível de negócio

e de nível corporativo que, adquiridos pela firma no longo prazo, incorporam-se nos

procedimentos e rotinas estabelecidos para lidar com a falta de estrutura e com os aspectos

sociais do comportamento do design estratégico da firma.

O conhecimento do nível de negócio inclui a tecnologia sobre produtos e processos

produtivos, conhecimento sobre os concorrentes e como se defender, conviver e prosperar

entre os rivais, crenças sobre os padrões e mudanças de comportamentos dos compradores

e o conhecimento sobre a aquisição de recursos fundamentais ao negócio. Já o

conhecimento de nível corporativo é constituído de rotinas, procedimentos e pressupostos

básicos subjacentes e que estruturam todos os comportamentos estratégicos. É

representado pelas rotinas empregadas para interpretar a informação que não é específica

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do negócio, pelas suposições sobre como a organização se relaciona com o seu ambiente,

sobre a natureza da realidade e da verdade, a natureza do ser humano, suas atividades e

relacionamentos (pressupostos básicos).

A aquisição de conhecimentos no nível do negócio, inserido num determinado

conjunto de pressupostos básicos, resulta na aprendizagem estratégica, aquela na qual as

organizações adquirem o conhecimento de nível corporativo e reconstroem as suas rotinas

estratégicas. A aprendizagem do negócio leva, diretamente, a mudanças no comportamento

estratégico. Por outro lado a aprendizagem estratégica leva a mudanças na orientação

estratégica da organização.

Com essas definições, Kuwada, (1998) caracteriza dois tipos distintos de

aprendizagem que podem ocorrer nas organizações. Um tipo de aprendizagem de primeira

ordem ou single loop (Argyris & Schon, 1978), denominada aprendizagem do negócio, que

acontece quando a organização adquire e acumula conhecimento do negócio, mas as

características do processo e a orientação estratégica não são alterados. Essa é a situação

mencionada por March (1981), que afeta a maioria das organizações. De forma distinta,

quando se verifica a aprendizagem estratégica, alguns dos pressupostos básicos são

modificados e a organização assume nova orientação estratégica. Ao adquirir um novo

conjunto de conhecimentos de nível corporativo, a firma assume um novo modo de

interpretação do ambiente, resultando na aprendizagem estratégica, de segunda ordem, ou

double learning (Argyris & Schon, 1978; Fiol & Lyles, 1985).

Relacionando os tipos de aprendizagem com a tensão explore/exploit a single-loop

learning, equivale ao propósito de exploitation que ocorre quando a organização aproveita

das oportunidades existentes realizando rotinas de refinamento, seleção, implementação e

execução. O tipo double-loop learning, que se detecta quando as organizações aprendem a

modificar as variáveis que governam os seus próprios comportamentos, normas, políticas e

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objetivos, alterando a base de conhecimento da organização, competências e rotinas,

corresponde a uma situação na qual a tensão entre a exploration e a exploitation encontra o

equilíbrio, atuando na dimensão estratégica da firma. De forma semelhante, a

aprendizagem do negócio associa-se ao exploit e à aprendizagem single-loop. A

aprendizagem estratégica, por sua vez, corresponde à aprendizagem double-loop.

Argyris & Shon (1978) demonstram, em seus trabalhos, que as empresas fazem

muito bem o aprendizado single-loop, mas têm muita dificuldade em avançar no

aprendizado double-loop. É raro encontrar algum exemplo de organização que aprenda

segundo a perspectiva do deutero-learning. Essa mesma dificuldade é encontrada na

discussão que Hedberg & Wolff (2001) propõem sobre os ciclos de aprendizagem

organizacional. Para os autores, a aprendizagem organizacional demanda,

simultaneamente, mudança e estabilidade no relacionamento entre a organização e o seu

ambiente que ocorrem segundo uma teoria de ação adotada na organização.

Nesse relacionamento, segundo os autores, verifica-se o tipo de aprendizagem single-

loop, quando ocorrem processos adaptativos no sistema de aprendizagem, sem alterações

na teoria de ação adotada. Já a ocorrência do tipo double-loop learning implica um modelo

de metaníveis no qual as regras que definem as situações, analisam estímulos e montam as

respostas e modificam os programas de ação. Contudo, esse metanível de aprendizagem

geralmente situa-se fora do alcance dos gerentes e dos tomadores de decisão nas

organizações complexas:

Esses atores não dispõem da linguagem na qual se expressar e mudar essas

metarregras, logo, não são capazes de implementar novos modelos de

comportamento em suas organizações. O resultado é que a mudança organizacional é

restrita, tipicamente dentro de modos de comportamento e teorias de ação (Hedberg

& Wolff, 2001, p. 538).

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Nesse sentido, para os autores o double-loop se caracteriza como um tipo raro, que

envolve a remodelagem radical ou respostas inovativas que ultrapassam o repertório de

comportamentos organizacionais existentes, portanto, um tipo de aprendizagem difícil de

se observar, tal qual ressaltam Argyris & Shon (1978).

Crossan, Lane & White (1999) também discutiram a mesma dificuldade das

organizações em avançarem na aprendizagem e ainda reconhecem essa como uma questão

central na renovação estratégica. Reconhecer e gerenciar a tensão entre as opções de

aprendizagem, alcançando o tipo double-loop e adotando um modelo que busque a

manutenção do equilíbrio entre o exploration e o exploitation, é, segundo os autores, um

fator primário para a sobrevivência das firmas.

Dixon, Meyer & Day (2007, p. 1497) vão além de se limitarem a reconhecer a

dificuldade das organizações de avançar nos tipos de aprendizagem e questionam a real

possibilidade de a organização vir a alcançar o equilíbrio entre as opções de exploration e

exploitation, alcançando deutero-learning. Para se justificarem, alegam que, apesar de um

grupo de autores (Benner e Tushman, He e Wong) admitir a possibilidade de um

balanceamento, posicionam-se mais identificados com a ideia de Burgelman de que “as

aprendizagens exploitation e exploration são temporariamente diferenciadas num processo

de equilíbrio pontuado”. Ao realizarem um estudo na indústria de petróleo russa, que

passou por adaptações às novas condições da economia de mercado, concluíram que “um

longo período de aprendizagem exploitation é acompanhado por explosões de

aprendizagem exploration”.

Num primeiro estágio da aprendizagem, quando as empresas tiveram que enfrentar as

novas condições da economia, a ênfase foi na exploitation. As indústrias se empenharam

em adquirir, assimilar e disseminar conhecimento por toda a organização e na

implementação intensiva de novas rotinas, envolvendo mudanças radicais. Uma

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observação importante é que, apesar de terem ocorrido mudanças radicais, o que poderia

sugerir uma associação com a aprendizagem exploration, os autores a classificaram como

exploitation, uma vez que “envolveu a aquisição e implementação de capacidades

operacionais já existentes em companhias ocidentais”. Somente na segunda fase, quando as

empresas amadureceram as mudanças no estilo gerencial, adotando um estilo de gestão

mais participativo e que encorajava a inovação, o risco e a participação na decisão, é que se

criou um clima favorável à aprendizagem exploration. A transição entre a primeira e a

segunda fase, da exploitation para a exploration, foi classificada por Dixon, Meyer & Day

(2007, p. 1516), assim como por Burgelman (1994), como um exemplo de equilíbrio

pontuado, confirmando que o sucesso do balanço positivo entre os dois tipos de

aprendizagem “é alcançado por uma alocação sequencial de atenção em vez de por uma

abordagem ambidestra”.

A dificuldade em avançar no aprendizado do tipo deutero-learning talvez possa ser

compreendida se associada aos tipos de mudança que desencadeiam o processo de

renovação estratégica. As situações de mudança descontínua no ambiente, que implicam

mudanças tecnológicas, de mercado ou da demanda, podem levar as empresas a

simplesmente corrigirem os erros, sem alterações na natureza fundamental das atividades.

Nessa situação, pode ocorrer o tipo de aprendizado single-loop, porém a mudança do

ambiente é incapaz de desencadear a renovação estratégica. Quando, além da detecção e

correção dos erros, a organização questiona e modifica normas, procedimentos, políticas e

objetivos resultando em mudanças nos seus atributos capazes de afetar o seu desempenho

no longo prazo, a mudança descontínua do ambiente implica a aprendizagem do tipo

double-loop e pode desencadear a renovação estratégica. Entretanto, por conta das

mudanças descontínuas no ambiente, muitos são os exemplos de organização que até

promoveram mudanças, mas não foram capazes de se renovar e mesmo sobreviver.

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Essa relação entre a mudança descontínua do ambiente e o tipo de aprendizagem

(single, double, deutero) foi explorada por Agarwal & Helfat (2009, p. 283), na

compreensão do caso da Kodak. Segundo os autores, mesmo que a empresa tenha

sobrevivido à revolução tecnológica causada pelo surgimento da câmara digital, como

retardou a sua decisão em aderir à nova tecnologia digital em substituição ao filme

fotográfico, teve de superar perdas significativas e recuperou apenas em parte a posição de

mercado que detinha antes da mudança tecnológica que ocorreu no seu ambiente de

negócios. Os autores observam, então, que mudanças descontínuas, como a que ocorreu

com a nova tecnologia da fotografia digital, podem promover o double-loop learning, mas

não necessariamente desencadear a renovação estratégica ou fazê-lo de forma não

sustentável. Assim, o avanço da aprendizagem do tipo deutero-learning e a consequente

renovação estratégica ocorreriam com mais probabilidade quando as organizações, ao

admitirem a impossibilidade de preverem a ocorrência das mudanças ambientais

descontínuas, adotassem postura proativa de promoção de mudanças contínuas,

incrementais, baseadas no reconhecimento do que devem aprender e quais circunstâncias e

processos necessitam ser criados. Nessa situação, as mudanças incrementais resultariam no

refreshment de atributos estratégicos ou renovação estratégica, baseada em processos de

aprendizagem do tipo deutero-learning e numa situação na qual a tensão entre a

exploration e a exploitation encontraria equilíbrio, atuando na dimensão estratégica.

Os conceitos de exploitation e exploration são abordados em frameworks, que

sustentam pesquisas sobre a renovação estratégica. Entre estes se destacam o framework

4Is de Crossan, Lane & White (1999) e o de Volberda, Baden-Fuller & Van Den Bosch

(2001), que em comum se assentam na tensão exploitation e exploration para explicar o

processo de renovação. Crossan, Lane & White (1999) descrevem o processo de

aprendizagem organizacional como quatro processos interligados – intuição, interpretação,

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integração e institucionalização - relacionados aos níveis do individuo, do grupo e da

organização. O modelo 4Is ilustra a tensão entre o exploitation e exploration e foi adotado

para explicar o processo de renovação estratégica, como no caso da Apple (Crossan, Lane

& White, 1999) e da Canada Post Corporations (CPC) (Crossan & Berdrow, 2003).

O framework proposto por Volberda et al. (2001) é focado em quatro atributos

principais da jornada de renovação: orientação externa versus interna, internacional versus

doméstica; orientação de exploitation versus exploration e objetivo de expansão versus

retração. Para Volberda et al. (2001), a renovação estratégica é um reflexo das decisões

estratégicas direcionadas tanto pelas forças externas do ambiente da indústria como pelas

forças internas com as quais a firma se compromete para alterar sua trajetória dependente.

Em função do comportamento ativo ou passivo adotado pela alta gerência, gerência de

frente e gerência intermediária, quatro tipos de renovação podem ser idealizadas: a)

renovação emergente quando o mercado decide, implicando comportamento passivo de

todos os níveis gerenciais; b) renovação dirigida, quando a alta gerência decide,

demonstrando comportamento ativo; c) renovação facilitada, quando a gerência de frente e

a intermediária decidem revelando comportamento passivo no topo e ativo na frente e

intermediária; d) renovação transformacional, quando a alta gerência, a gerência de frente e

a intermediária decidem em conjunto, manifestando comportamento ativo em todos os

níveis. Tanto o framework de Crossan, Lane & White (1999) como o de Volberda et al.

(2001) confirmam que a tensão entre a exploitation e a exploration (March, 1991) é central

para a pesquisa sobre renovação estratégica.

Além das pesquisas sobre renovação estratégica se sustentarem em frameworks que

exploram a tensão entre a exploitation e exploration, outras defendem que a mudança

estratégica depende de aprendizagem e este é um mecanismo pelo qual as firmas

desenvolvem novas capacidades que as habilitam a sobreviver e prosperar em contextos

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voláteis, melhorando as suas ações por meio de novos conhecimentos. De fato, já tem se

tornado bastante popular a ideia de que a mudança depende do aprendizado e este depende

do desenvolvimento das capacidades dinâmicas (Mintzberg, 1987). Na próxima subseção,

especial atenção é dedicada à perspectiva das capacidades dinâmicas, que neste trabalho é

tomada como uma abordagem que dialoga com a da aprendizagem organizacional, muito

embora originadas de campos distintos, formando a lente que se chama aprendizagem

organizacional e possibilita a compreensão da renovação estratégica.

2.2.3 A perspectiva das capacidades dinâmicas na compreensão da renovação estratégica

A perspectiva das capacidades dinâmicas é uma abordagem do campo da estratégia

que, tal como discutido na perspectiva da aprendizagem organizacional, também assume

que a renovação estratégica assegura a sobrevivência e prosperidade da firma, definindo-a

como um refreshment dos atributos estratégicos representados pelos objetivos, produtos ou

serviços. O que assegura o refreshment dos atributos são as capacidades dinâmicas,

entendidas como rotinas organizacionais e estratégicas realizadas pela firma e que são

modificadas pelo aprendizado adquirido. Para uma discussão de como a perspectiva das

capacidades dinâmicas pode auxiliar na compreensão da renovação estratégica, inicia-se

esta subseção com breve revisão sobre capacidades dinâmicas.

Definições iniciais sobre as capacidades dinâmicas podem ser encontradas em Teece

& Pisano (1994) e Teece, Pisano & Shuen (1997) como a capacidade de perceber e, em

seguida, aproveitar novas oportunidades para reconfigurar e proteger os ativos de

conhecimento, competências e ativos complementares com o objetivo de alcançar a

vantagem competitiva sustentável. Teece & Pisano (1994) apresentam as capacidades

dinâmicas pontuando as duas dimensões, ou seja, distinguindo o termo capacidades do

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termo dinâmicas. Enquanto as capacidades enfatizam o papel-chave do gerenciamento

estratégico em adaptar, integrar e reconfigurar habilidades internas e externas, recursos e

competências funcionais em direção à mudança do ambiente, dinâmicas referem-se ao

caráter de mudança do ambiente.

Os autores, inicialmente, propõem a seguinte definição: “capacidades dinâmicas

referem-se ao subconjunto de competências/capacidades que permitem à firma criar novos

produtos e processos e responder às circunstâncias de mudança do mercado” (Teece &

Pisano, 1994, p. 6). Tal definição se ratifica, por exemplo, quando Teece, Pisano & Shuen

(1997, p. 516) caracterizam as capacidades dinâmicas como “a habilidade de adaptar,

integrar, construir e reconfigurar as habilidades organizacionais internas e externas,

recursos e competências funcionais para tratar rapidamente os ambientes de mudança”,

representando “uma habilidade de encontrar novas formas de vantagem competitiva” (p.

515). Essa definição é consistente com a concepção desenvolvida por Helfat & Finkelstein

Mitchell & Peteraf & Singh & Teece & Winter (2007) e Augier & Teece (2009), que

compreendem a capacidade dinâmica como a competência da organização de

propositadamente estender, criar ou modificar sua base de recursos. As definições de Teece

& Pisano (1994), Helfat et al. (2007) e Augier & Teece (2009) são congruentes, na medida

em que associam capacidade dinâmica à expansão da base de recursos organizacionais,

concepção esta compartilhada por vários outros autores, tais como Kogut & Zander (1992)

e Amit & Schoemaker (1993).

Eisenhardt & Martin (2000) assumem de forma distinta da ideia adotada pela

Resource Based View (RBV)5 de que os recursos e capacidades são idiossincráticos e

5 Eisenhardt & Martin (2000, p. 1106), acompanhando outros autores que tentam estender a RBV a situações

de mercado dinâmico, atentam para o fato de que a RBV não consegue explicar adequadamente como e por

que certas firmas alcançam a vantagem competitiva em situações de mudança rápida e imprevista. E, apesar

de reconhecerem a relevância da RBV, concordam que essa teoria tem sido desafiada e até mesmo

reconhecida como “conceitualmente vaga, tautológica e desatenta aos mecanismos pelos quais os recursos de

fato contribuem para a vantagem competitiva”.

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específicos da firma, que as capacidades consistem de processos e estratégias

organizacionais que criam valor para a firma em situações de mercados dinâmicos,

manipulando os recursos para a criação de novas estratégias organizacionais. Na

abordagem das capacidades dinâmicas, estas se apresentam como pontos comuns entre

firmas eficazes, o que tem sido denominado de “melhores práticas”, e apresentam as

características de equifinalidade, homogeneidade e substitubilidade entre firmas,

resultando que seu valor não reside na capacidade em si, mas na combinação de recursos

que esta pode criar. Com essas distinções da RBV os autores tomam as capacidades como

embutidas nos processos, definindo-as como “[...] as rotinas organizacionais e estratégicas

por meio das quais as firmas atingem novas configurações de recursos [...]” (Eisenhardt &

Martin, 2000, p. 1106) enquanto o mercado dinamicamente evolui.

Dessa concepção de capacidades como rotinas organizacionais e estratégicas,

Eisenhardt & Martin (2000) observam que o papel das capacidades dinâmicas é integrar

recursos. Por exemplo, nas rotinas de desenvolvimento de produtos (RDP) é comum que os

gerentes combinem uma variedade de habilidades e experiências funcionais para gerar

novas receitas de produtos ou serviços. Nas rotinas de decisão estratégica (RDE), os

gerentes buscam nos vários negócios expertise funcional e pessoal para avaliar e escolher

novas estratégias. Mas o papel das capacidades também pode ser reconfigurar recursos

dentro da firma, como no caso das rotinas de replicação e intermediação de conhecimento

empregadas pelos gerentes para copiar, transferir e recombinar os recursos de

conhecimento dentro da firma. Esse é o caso, por exemplo, de empresas de criação e

design que utilizam vários projetos e design desenvolvidos previamente para criar novos

projetos de produtos.

Outro papel das capacidades relaciona-se ao aperfeiçoamento de recursos nas rotinas

de criação de conhecimento nas quais se constroem novas formas de pensar e novas bases

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de conhecimento, captando recursos externos para dentro da firma, como, por exemplo,

quando a firma realiza alianças estratégicas com outras empresas com o objetivo de

transferir conhecimento e tecnologia ou quando realiza sourcing de serviços ou de

produção.

Acompanhando as ideias de Eisenhardt & Martin (2000), Makadok (2001) esclarece

que, uma vez que estão embutidas na organização, as capacidades não podem ser

facilmente transferidas entre as organizações. O autor utiliza o exemplo da Intel para se

justificar: caso ocorresse a venda da propriedade da Intel, as patentes dos

microprocessadores, que representam um tipo de recurso, seriam repassadas aos novos

proprietários; entretanto, a habilidade de criar uma nova geração de microprocessadores

não poderia ser transferida com a mesma facilidade sem perder parte significativa de suas

características, senão todas. Em consequência, uma característica fundamental é que as

capacidades não podem ser facilmente adquiridas, elas devem ser construídas (Teece,

Pisano & Shuen, 1997; Makadok, 2001).

As capacidades distinguem-se dos recursos e o seu propósito é realçar a efetividade e

produtividade dos recursos da firma, atuando como ativos intangíveis (Makadok, 2001).

Dado então que as capacidades são ativos intangíveis construídos e que não podem ser

facilmente adquiridos (Makadok, 2001; Teece, Pisano & Shuen, 1997), várias dimensões

das firmas precisam ser trabalhadas para o seu desenvolvimento. Para Teece, Pisano &

Shuen (1997, p. 518), é possível associar essas dimensões a três categorias

interdependentes: os processos desenvolvidos pela firma em seu gerenciamento, as

posições assumidas em relação à posse de seus ativos; e os caminhos traçados em sua

evolução.

A primeira categoria, os processos realizados pela firma que resultam nas

capacidades dinâmicas são aqueles relativos à integração e à coordenação para a eficiência.

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Dizem respeito também à eficácia da distribuição dos recursos internos e externos da

empresa e à promoção da aprendizagem para que as tarefas sejam executadas de forma

melhor e mais rápida, promovendo contribuições conjuntas para a solução de problemas.

Finalmente, estão ligados aos papéis relativos à reconfiguração da estrutura de ativos da

empresa, por meio de transformações internas e externas. Todos os papéis desempenhados

pelos processos organizacionais representam habilidades organizacionais aprendidas que,

quanto mais frequentemente são executadas, mais pontualmente são examinados e

avaliados o ambiente, o mercado e os concorrentes e mais rapidamente são adequadas para

transformar os ativos antes dos competidores, mais facilmente são realizadas e resultam em

capacidades dinâmicas (Teece & Pisano, 1994; Teece, Pisano & Shuen, 1997).

Quanto à segunda categoria, as posições assumidas em relação à posse de seus ativos,

assume-se que a postura estratégica da firma não é determinada apenas pelo conteúdo dos

seus processos e pelas oportunidades que eles criam, mas também pela posição que seus

ativos internos – representados pelos ativos tecnológicos, ativos complementares (como,

por exemplo, a sua capacidade de comercialização), ativos financeiros, reputacionais,

estruturais – e os ativos externos – representados pelos ativos institucionais, ativos do

mercado e os ativos presentes nas fronteiras organizacionais (clientes, fornecedores,

complementadores) – assumem na determinação das vantagens da firma em determinados

momentos (Teece & Pisano, 1994). O desenvolvimento, a aquisição, a propriedade e as

formas adotadas para proteger, bem como as formas de utilização dos ativos, são

claramente meios de diferenciação entre as firmas, fontes de vantagem competitiva e de

desenvolvimento das capacidades dinâmicas.

O terceiro elemento que compõe as três categorias de fatores citados por Teece,

Pisano & Shuen (1997) como determinante das capacidades dinâmicas são os caminhos

evolucionários que a firma adotou ou herdou ao longo da sua trajetória. Aonde a firma

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pode ir é uma função das suas posições correntes, frequentemente determinadas pelos

caminhos já percorridos, em relação aos seus ativos tangíveis e intangíveis, e pelos

caminhos que escolher à frente no tempo. Essa noção de caminho ou trajetória dependente

reconhece que a história importa, pois os investimentos prévios da firma e o seu repertório

de rotinas limitam o seu comportamento futuro. Isso ocorre porque a aprendizagem tende a

ser local, ou seja, as oportunidades para aprendizagem estarão mais próximas das

atividades previamente realizadas e a experiência passada de uma empresa condiciona as

alternativas de aprendizagem que a gerência pode perceber. Na análise dos fatores que

determinam as capacidades dinâmicas, observa-se que sua essência reside nos processos

organizacionais moldados pelos ativos (posições) e pelos caminhos evolucionários. Nas

palavras de Teece, Pisano & Shuen (1997, p. 524), “o que a firma pode fazer e aonde pode

ir é determinado por suas posições e caminhos”.

A associação das capacidades dinâmicas a recursos, processos e rotinas

organizacionais e estratégicas também pode ser identificada no argumento de Teece &

Pisano, 1994 que, ao desenvolver estudos no campo da estratégia, propuseram que as

ideias de Nelson & Winter (1982) ajudariam na proposição de uma teoria da firma das

capacidades dinâmicas na qual as rotinas poderiam ser pensadas como as competências da

organização e a empresa como uma entidade com uma gama limitada de capacidades com

base em suas rotinas disponíveis, em outros ativos intangíveis e, claro, em seus ativos

tangíveis (Augier & Teece, 2009). Na definição de capacidades originada das ideias

evolucionárias de Nelson & Winter (1982), as capacidades dinâmicas são tomadas como as

habilidades organizacionais e a firma como uma variedade limitada de capacidades,

baseadas nas suas rotinas disponíveis e em seus ativos tangíveis e intangíveis. As

capacidades representam a forma como os gerentes alteram, integram e recombinam a sua

base de recursos, gerando novas estratégias de criação de valor (Eisenhardt & Martin,

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2000) e também se relacionam com padrões de ação que podem ser mudados por meio da

busca e dos mecanismos de aprendizado. Augier & Teece (2009) confirmam essa ideia de

busca e aprendizado, afirmando que a firma é uma entidade de busca de lucro, cujas

atividades primárias são construir e proceder ao exploit dos ativos valiosos do

conhecimento, por meio da aprendizagem organizacional.

Adotar a ideia de capacidades como rotinas também reforça o papel da trajetória

dependente na construção das rotinas que emergem de processos desenvolvidos nas

trajetórias específicas da firma (Eisenhardt & Martin, 2000). Entretanto, cabe destacar que,

se por um lado a noção de trajetória dependente enfatiza a interferência da história da firma

na criação das rotinas distintas, por outro, na visão evolucionária, trajetória ou caminhos

são mais acuradamente descritos em termos de mecanismos de aprendizagem, incluindo as

práticas repetidas, a codificação da experiência, os erros e o ritmo da experiência, os quais

guiam a evolução das capacidades dinâmicas. Nesse sentido, caminha-se para a ideia da

firma como uma entidade de criação de conhecimento e aprendizado (Augier & Teece,

2009; Spender, 1996) cujas capacidades dinâmicas manifestam-se nos processos, nas

rotinas e nos mecanismos de aprendizagem.

Essa mesma associação entre as capacidades dinâmicas, rotinas e aprendizagem é

citada por diversos autores, tais como Eisenhardt & Martin (2000), Amit & Schoemaker

(1993) e Kogut & Zander (1992), que em comum definem capacidades dinâmicas como as

rotinas pelas quais os gerentes alteram a base de recursos da firma, adquirindo,

transformando, integrando e recombinando-os para criar novas estratégias de ação.

Descrevem as capacidades dinâmicas como “rotinas para aprender rotinas” (Eisenhardt &

Martin, 2000), “rotinas para gerar conhecimento” (Kogut & Zander, 1992) e ainda como

“rotinas identificáveis e específicas” (Amit & Schoemaker, 1993), adotadas pelas

organizações para explicar o que elas fazem por meio de padrões estáveis de

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comportamento expressos na estrutura de valores veiculada por regras, procedimentos e

convenções codificados na memória organizacional (Huber, 1991; Nelson & Winter, 1982)

e que caracterizam as reações organizacionais a uma variedade de estímulos internos e

externos do ambiente.

Como memória, as rotinas codificam o conhecimento e as capacidades

organizacionais, configurando-se no locus de acumulação de conhecimento (Levitt &

March, 1988; Nelson & Winter, 1982) representando o componente-chave da

aprendizagem organizacional (Feldman & Pentland, 2003). Uma vez que memorizam e

permitem o acesso à memória de conhecimento da organização, as rotinas são persistentes

e estáveis. Mudar rotinas implica custos, porque existem comprometimentos (Nelson &

Winter, 1982) com vários aspectos organizacionais. Porém, fonte de inércia e

inflexibilidade, as rotinas são concomitantemente uma importante fonte de flexibilidade e

mudança, envolvendo desde a execução de um procedimento conhecido com o propósito

de gerar resultados de valor até as mudanças efetuadas com vistas a promover alterações

no conjunto atual de operações da empresa, com o propósito de gerar resultados futuros

(Feldman & Pentland, 2003).

Logo, Feldman & Pentland (2003), de forma distinta da concepção evolucionária de

Nelson e Winter, partem da ideia de que as rotinas mudam. Ao contrário de apenas

concebê-las como padrões reconhecidos e repetidos de ações interdependentes, esperando-

se que as firmas se comportem no futuro de acordo com as rotinas já empregadas no

passado dada a improbabilidade de adaptação extremamente flexível do comportamento

das firmas (Nelson & Winter, 1982), reconhecem que as rotinas representam ao mesmo

tempo fonte de inércia e de flexibilidade e de mudança organizacional. Para Feldman &

Pentland (2003, p. 613-4), as rotinas contribuem tanto para a estabilidade quanto para a

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adaptação, tendo em vista a necessidade de constante transformação dos objetivos das

organizações, pois:

[...] podemos ver as rotinas como um fenômeno enriquecedor. Rotinas são

desempenhadas por pessoas que pensam, sentem e cuidam. Suas reações estão

situadas no contexto institucional, organizacional e pessoal. Suas ações são

motivadas pelo futuro e pelas suas intenções. Elas criam, resistem, se engajam em

conflitos e cedem à dominação. Todas essas forças influenciam a promulgação de

rotinas organizacionais e criam nelas um tremendo potencial de mudança (tradução

nossa).

Desafiando a visão tradicional do entendimento da rotina como indutora da inércia

organizacional, Feldman & Pentland (2003) recomendam a necessidade de uma nova

ontologia construída a partir da ideia de que as rotinas, como outros fenômenos sociais,

contêm em si uma dualidade de estrutura e agência. Nessa visão, uma das partes, a

estrutura, é representada pela ideia abstrata do que é a rotina. A outra, a agência, é

representada por ações específicas, de pessoas específicas, em tempos específicos enquanto

eles estão engajados no fazer de uma rotina organizacional. Estrutura e agência são partes

necessárias de uma rotina, mas nenhuma das duas sozinha é capaz de explicar ou descrever

as rotinas organizacionais. A estrutura é denominada pelos autores de aspecto ostensivo da

rotina, que pode ser tomada como um procedimento operacional padrão, existir como uma

norma taken-for-granted ou possuir um significativo componente de conhecimento tácito

envolvido no procedimento. A agência, ou como denominado pelos autores de aspecto

performático da rotina, pode ser mais bem entendida como a improvisação inerente ao fato

de que qualquer rotina necessita ser ajustada, em graus que variam de pequenos ajustes à

sua total reinvenção, conforme as mudanças do contexto.

Essas improvisações, em geral, levam em consideração as ações tomadas por outros

atores relevantes e os detalhes específicos de cada situação que envolvem a rotina. Logo,

“o aspecto ostensivo é a ideia; o aspecto performático é a promulgação”. Outra relação que

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ajuda na compreensão dos dois aspectos é que a parte ostensiva é o “saber o que” (know

what) e a parte performática o “saber como” (know-how) (Feldman & Pentland, 2003, p.

102).

A consideração dos aspectos ostensivo e performático da rotina é necessária para a

compreensão do potencial de mudança e aprendizado da rotina. A inclusão do elemento

agência ou do aspecto performático no framework de Feldman & Pentland (2003) significa

que na performance de uma rotina o agente possui a capacidade de relembrar o passado,

imaginar o futuro e responder às circunstâncias do presente. Enquanto as rotinas

organizacionais são comumente percebidas como reedições de comportamentos passados

ou padrões repetidos, reconhecer o aspecto performático implica admitir a capacidade da

rotina de se adaptar a contextos idiossincráticos e mudanças em curso, com reflexos no

significado das ações organizacionais para as realidades futuras. Como resultado, o

movimento entre os aspectos ostensivo e performático torna as rotinas inerentemente

capazes de promover a mudança organizacional endógena. Enquanto as rotinas são

comumente reconhecidas como promotoras da eficiência cognitiva, na medida em que elas

consistem das suas performances e do entendimento dessas performances, elas não apenas

resultam em comportamentos autorreflexivos, como levam a mudanças de comportamento

dos outros membros da organização, resultando em aprendizado e mudança organizacional.

Outra característica das rotinas bastante relevante para o problema desta pesquisa é o

pressuposto de que rotinas são desencadeadas pelos mecanismos de aprendizagem e, assim

sendo, os mecanismos de aprendizagem representam uma variável utilizada para explicar

como as capacidades dinâmicas operam. Dito de outra forma, as capacidades dinâmicas

surgem dos mecanismos de aprendizagem que moldam de forma direta as rotinas

operacionais, guiando a evolução das capacidades dinâmicas (Zollo, 2002; Zollo & Winter,

2002).

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Entre os mecanismos de aprendizagem estão as práticas repetidas, que auxiliam as

pessoas na compreensão de como rotinas funcionam em dadas situações (Eisenhardt &

Martin, 2000). Pesquisas mostram a existência de associação positiva entre práticas

repetidas e o acúmulo de conhecimento tácito e explícito que resultam na evolução das

capacidades dinâmicas e no aprendizado organizacional (Zollo & Singh apud Eisenhardt &

Martin, 2000). Outro mecanismo de aprendizagem refere-se à codificação da experiência

acumulada pela formalização de procedimentos com o objetivo de facilitar a sua aplicação

e acelerar a execução de rotinas. Com efeito, o know-how da firma documentado é um

importante mecanismo de aprendizado que pode ser articulado, codificado, compartilhado

e internalizado dentro da organização (Kogut & Zander, 1992).

Se, por um lado, repetições e formalização desempenham importante papel no

desenvolvimento das capacidades dinâmicas e no aprendizado, por outro, mais do que os

acertos, os erros contribuem para a evolução das capacidades dinâmicas e do aprendizado

organizacional, porque questionam a adequação das rotinas tomadas como certas. Mais do

que os acertos, os erros podem promover mais atenção dos indivíduos àquilo que é

realizado, contribuindo para desencadear novas formas de fazer o trabalho (Eisenhardt &

Martin, 2000).

Para além destes, destaca-se, ainda, como mecanismo de aprendizagem, o ritmo no

qual as experiências são vivenciadas pelos gestores. Segundo Argote (1999), se as

experiências ocorrerem de forma muito rápida, podem sobrecarregar os gerentes, fazendo-

os descartar informações válidas. Ou seja, para consolidar a aprendizagem, são necessários

tempo e vivência. De maneira similar, se as experiências são muito irregulares e espaçadas

no tempo, corre-se o risco de que os gerentes esqueçam o que foi previamente aprendido,

resultando em baixo nível de aprendizado acumulado. O ritmo da experimentação gradual

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e regular, não muito rápida ou muito espaçada no tempo, é o que de fato se constitui um

importante e valioso mecanismo de aprendizado.

Uma outra maneira de explicar os mecanismos de aprendizagem é proposta por

Crossan, Lane & White (1999) em seu modelo 4I’s como um processo dinâmico que

envolve quatro (micro) processos associados, denominados intuição, interpretação,

integração e institucionalização, que ocorrem nos níveis da aprendizagem individual,

grupal e organizacional. Dado o quadro de instabilidade do ambiente, o desafio da

organização é “gerenciar a tensão entre a aprendizagem institucionalizada e os processos

de intuição, interpretação e integração” (Crossan & Berdrow, 2003, p. 1090).

A institucionalização assegura a rotinização das ações e clareza dos objetivos

organizacionais. Nesse tipo de aprendizagem, as ações específicas e os mecanismos

organizacionais se colocam no local correto para assegurar que certas ações ocorram

refletindo um processo de aprendizagem introjetada pelo feedback do que foi vivenciado

pelos indivíduos, grupos e nas instituições organizacionais, apresentando-se nos sistemas,

estruturas, procedimentos e estratégias das organizações. A institucionalização permite a

exploitation, “a produção eficiente dentro de partes do negócio e rotinas bem definidas”.

Os processos de intuição correspondem ao reconhecimento pré-consciente de um padrão

e/ou de possibilidades inerentes em um fluxo pessoal de experiências. A interpretação se

refere à capacidade de explicação de um insight ou de uma ideia própria para outros. E a

integração é um processo de desenvolvimento de entendimentos compartilhados entre

indivíduos e coordenação por meio de ajustamento mútuo permitem a exploration,

“processo igualmente importante, mas menos tangível e concreto” (p. 1090). Os autores

denominam o mecanismo de integração de feed-forward e o mecanismo de

institucionalização de feedback da aprendizagem dos indivíduos, grupos e organizações.

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Concluído o propósito de rever como a literatura trata as capacidades dinâmicas e o

desdobramento dessas em rotinas e mecanismos de aprendizagem, prossegue este

referencial teórico com a discussão de como essa perspectiva do campo da estratégia

possibilita a compreensão da renovação estratégica. Tal como já mencionado que o termo

renovação estratégica equipara-se à mudança estratégica (Mintzberg & Westley, 1992;

Quinn & Voyer, 2001; Teece, Pisano & Shuen, 1997), com distinções no foco de como é

tomada a mudança, da mesma forma se observa na perspectiva das capacidades dinâmicas

posturas diferentes para a compreensão da renovação estratégica.

Autores como Morecroft, Sanches & Heene (2001), ao tratarem da renovação, focam

no contexto, no “porquê”, preocupando-se com os aspectos que desencadeiam a renovação

estratégica, assumindo que a renovação estratégica é desencadeada tanto por processos

reativos como proativos, podendo estar relacionada às mudanças revolucionárias no

ambiente, como na perspectiva do equilíbrio pontual, ou aos ajustes incrementais,

assumindo a perspectiva do incrementalismo lógico. Outros, focando no processo, no

“como”, avaliam a renovação do ponto de vista do nível de participação no processo de

decisão, argumentando que envolve a alta gerência ou admite uma participação mais ampla

do corpo gerencial. Posição mais recente, defendida por Agarwal & Helfat (2009), assume

a visão integradora da mudança de Pettigrew para defenderem que a renovação estratégica

envolve os aspectos do conteúdo, do processo e ainda inclui o resultado. Partindo de um

framework das capacidades dinâmicas, Agarwal & Helfat (2009) propõem que a renovação

representa um tipo de mudança cujo objetivo é “fazer ou tornar algo como novo” por meio

de um refreshment ou replacement dos atributos que estão danificados, deteriorados,

velhos ou enfraquecidos.

É exatamente o refreshment ou replacement dos atributos (objetivos, produtos,

serviços, recursos e capacidades) que caracteriza o que os autores tomam como renovação

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estratégica. Eles explicam que podem significar, entre outros aspectos, que a organização

substituiu um tipo de atributo por outro tipo de atributo qualitativamente melhor, que não

restaurou ou reposicionou um atributo em sua forma original. Consideram que o

refreshment ou o replacement pode ser no total ou em parte, no tamanho ou no escopo de

aplicação de um atributo, pode ser em algo que serve no presente, mas que não servirá no

futuro. Por fim, afirmam que a renovação estratégica muitas vezes tem conotação dinâmica

e o refreshment ou o replacement pode ser o primeiro passo que provê uma base para o

crescimento futuro, levando a firma ao desenvolvimento de novas capacidades.

Os significados de refreshment ou replacement de atributos críticos foram

identificados por Agarwal & Helfat (2009) em vários estudos sobre renovação, entre

outros, como o desenvolvimento de capacidades para o reposicionamento do mercado foco

ou da identidade organizacional, como as mudanças repetidas no design de um produto

dominante, no papel da capacidade gerencial dinâmica no timing ou momento adequado de

entrada da firma em uma nova tecnologia que está surgindo para suplantar uma existente,

nas situações de integração e/ou aquisição entre empresas para preencher gaps de

capacidades na adaptação de novas tecnologias, nos investimentos de capital de risco para

melhoria da performance empresarial, na aquisição de novas capacidades no

desenvolvimento de produtos, nas mudanças na estrutura interna da organização para

adaptação às novas demandas do mercado e na recuperação de vantagens desgastadas pela

pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Também com o propósito de auxiliar a compreensão do que os autores definem como

refreshment de atributos, apresenta-se um exemplo de renovação estratégica. Admita-se

uma situação hipotética (criada apenas com o intuito de tornar mais claras as explicações

teóricas apresentadas por Agarwal & Helfat) de mudança de atributos promovida pela

Hewlett-Packard (HP) ao substituir o seu notebook de tela de 15’ e 1,5 kg de peso por

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outro que utiliza a mesma tecnologia, disponibilizando os mesmos recursos e funções,

porém menor, com tela de 11’, mais fino e mais leve, pesando 0,800 kg. Na Tabela 1, os

significados do refreshment são exemplificados para dar mais clareza ao termo.

Tabela 1

Significado teórico e prático do refreshment de atributos

Significado teórico do refreshment Exemplo de refreshment

Substituir um tipo de atributo por outro tipo

qualitativamente melhor.

O produto é o mesmo notebook, porém menor,

mais leve e mais adequado à demanda do mercado.

A organização não restaurou ou reposicionou um

atributo em sua forma original.

Ocorreu uma mudança que fez com que o produto

fosse apresentado como novo.

O refreshment ou replacement pode ser no total ou

em parte, pode ser no tamanho ou no escopo de

aplicação de um atributo, pode ser em algo que

serve no presente, mas que não servirá no futuro.

O notebook de tela de 11’ e 0,800 kg de peso

representa uma renovação que assegura vida útil

ao produto, porém não impede que venha a ser no

futuro substituído por outro produto, que utiliza uma nova tecnologia, diferente, como os tablets.

A renovação estratégica muitas vezes tem uma

conotação dinâmica e o refreshment ou replacement

pode ser o primeiro passo que provê uma base para

o crescimento futuro.

Com o surgimento dos tablets, a HP precisa avaliar

sua decisão quanto a continuar renovando o seu

notebook ou entrar no segmento de tablets.

Fonte: elaborado pela autora.

Além de explicar a renovação estratégica pelo aspecto do conteúdo (foco na mudança

de atributos), caracterizando-a como um tipo específico de mudança estratégica, Agarwal

& Helfat (2009) também o fazem explicando-a pelo aspecto do contexto. Assim, tomam

como pressuposto que a renovação estratégica está associada tanto às mudanças

descontínuas como à mudança incremental. Mudanças descontínuas são as decorrentes, por

exemplo, do declínio de determinadas tecnologias ou da alteração da demanda dos clientes.

Elas envolvem o reposicionamento de importantes partes da organização ou da sua

estratégia, afetam a organização no longo prazo e podem acarretar renovação estratégica.

Entretanto, segundo os autores, como poucas firmas são capazes de predizer quando e

como ocorrerão transformações em seu ambiente, como também algumas mudanças no

ambiente externo são difíceis de serem antecipadas ou, ainda, que pode ser difícil para as

organizações gerenciar eficientemente a adaptação porque esta conflita com as rotinas que

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asseguram a performance corrente e com os objetivos e metas anteriormente estabelecidos

(Nelson & Winter, 2005), uma variedade de exemplos mostra que mudanças descontínuas

no ambiente, no lugar de promover a renovação, levou ao desaparecimento de indústrias

inteiras.

Em outros casos, mesmo quando as empresas submetidas a essas pressões

conseguiram preservar uma base remanescente para continuar as suas operações, as

descontinuidades no ambiente lhes impuseram severos desafios, implicando mudanças

drásticas em várias dimensões, como, por exemplo, no modelo de negócios ou em sua

estrutura organizacional (Agarwal & Helfat, 2009). Diante desses fatos, as pesquisas sobre

renovação estratégica sugerem que, no lugar de reagir às mudanças descontínuas do

ambiente, as firmas podem optar por se renovar continuamente, pelo caminho da mudança

incremental, que as habilita a estarem prontas para as antecipações na forma como as

atividades são conduzidas (Floyd & Lane, 2000). Mas a mudança incremental realizada

proativamente requer uma base regular de processos, regras, rotinas e recursos subjacentes

associados às condições que propiciam a organização a modificar a sua base existente de

recursos.

Essas condições estão estritamente relacionadas à aprendizagem organizacional, uma

vez que implicam a tensão entre aproveitar os recursos existentes e ao mesmo tempo

modificá-los e, como já foi dito, essa ideia de exploitation e exploration é o desafio da

renovação estratégica (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011). Também

indica que no aspecto do seu conteúdo o refreshment dos atributos, exploitation, requer

uma postura de mudanças contínuas, impulsionada pela análise cuidadosa dos contextos

interno e externo que cercam a organização. E que o processo de decisão e implementação

da renovação deve visar à sobrevivência e longevidade da firma, resultantes do equilíbrio

entre a busca do novo, exploration e o refreshment dos recursos existentes, exploitation.

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Entretanto, as pesquisas sobre a renovação estratégica evidenciam que a tensão entre

a exploitation e exploration tem sido pouco explorada e isso talvez decorra do fato de que

o foco de análise é bastante diversificado, isto é, os estudiosos se dedicam a explicar

variados aspectos da renovação. Por exemplo, alguns pesquisadores dedicaram-se a

compreender a aplicação da renovação estratégica, verificando-a tanto nas firmas maduras

quanto nas inciantes (Burgelman, 1994). Outros identificaram que pode ser conduzida pela

gerência média ou a partir da alta gerência para a base gerencial (O’Reilly & Tushman,

2004). Outros verificaram sua abrangência, constatando-a em processos dentro da firma ou

entre firmas, como, por exemplo, no caso de alianças, joint ventures, parcerias e

licenciamentos para aquisição e/ou desenvolvimento de novas capacidades (O’Reilly &

Tushman, 2008). Os que analisaram a sua extensão ressaltaram que pode limitar-se à firma

ou ser muito ampla, atingindo toda a indústria pela difusão e imitação de novas

tecnologias, modificando o padrão da demanda, ou ocorrer dentro de uma rede de

empresas.

Ratificando a afirmação de que o escopo da renovação estratégica é muito

abrangente, podem ser mencionados alguns exemplos interessantes de estudos reunidos no

número especial do periódico Organization Science (2009). Por exemplo, o estudo de

Tripsas & Gavetti (2009) relaciona a renovação estratégica desencadeada pela mudança

tecnológica implementada em uma organização identificada inicialmente como uma

empresa de fotografia digital e que convergiu para se identificar como uma empresa de

desenvolvimento e fabricação de flash memory para o mercado fotografico. A autora partiu

do pressuposto de que a identidade organizacional desempenha papel de coordenação,

guiando o desenvolvimento de capacidades, a aquisição de conhecimento, a evolução das

rotinas e a proposição de questões sobre o que, como e quando mudar provendo um ponto

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focal tanto para os insiders como outsiders sobre quais são as ações legítimas a serem

tomadas pela organização.

Tomando que a mudança tecnológia pode desafiar a identidade organizacional, o

interesse da pesquisa de Tripsas & Gavetti (2009) era compreender o relacionamento entre

a identidade e a mudança tecnológica para captar quais os processos de feedback internos

e externos direcionavam a dinâmica da mudança tecnológica ao longo do tempo. As

autoras concluíram que, apesar das pesquisas já revelarem numerosas fontes de inércia em

firmas estabelecidas na exploração de novos domínios tecnológicos, a identidade é uma

peça fundamental do quebra-cabeças e, como essência da organização, direciona e

constrange as ações. As rotinas, procedimentos, filtros de informação, capacidades, base de

conhecimento e crenças refletem a identidade de uma organização. Logo, quando a

mudança de tecnologia desafia a identidade de uma organização ou quando esta pode

violar os credos sobre o que a firma representa, a organização poderá deparar com muitos

obstáculos para a sua adoção.

Melhor entendimento das condições sobre as quais a cognição gerencial, medida em

termos da atenção dada pelo CEO a determinado assunto, faz diferença na renovação

estratégica representada pela entrada de firmas já estabelecidas em um novo mercado foi

objeto de estudo de Eggers & Kaplan (2009). Os autores examinaram o grau no qual essa

cognição opera como uma capacidade gerencial dinâmica na interação com outros fatores

organizacionais. O estudo comparou as medidas da percepção, codificação, interpretação e

foco de tempo e esforço do CEO com as orientações adotadas pelos tomadores de decisão

no nível organizacional, incorporadas nas capacidades, ativos complementares e incentivos

atendidos, para captar o foco do esforço cognitivo do CEO. Foram observados os efeitos

esperados independentes da orientação organizacional e a atenção do CEO em três

dimensões: em direção a uma tecnologia emergente, em direção à tecnologia existente e

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em direção à indústria afetadada e também consideradas as interações esperadas entre a

atenção do CEO no timing de entrada e a orientação organizacional.

Usando uma medida da atenção do CEO derivada das correspondências da empresas

com os acionistas, Eggers & Kaplan (2009) concluíram que a cognição gerencial é de fato

associada às diferenças no timing de entrada em um novo mercado de produtos. Falar sobre

o explore e o exploit mostrou que os diferentes efeitos da cognição do CEO dependem do

foco da sua atenção: acelera a entrada quando a atenção é direcionada para uma tecnologia

emergente ou para a indústria afetada e reduz a resposta do timing de entrada quando a

atenção é direcionada para a tecnologia existente. Os resultados mostraram também que os

efeitos da atenção para as oportunidades geradas por uma tecnologia emergente são

também dependentes do nível da orientação organizacional (capacidades, ativos

complementares e incentivos recebidos) que a firma possui em direção à indústria afetada.

Quanto mais a firma possui melhores capacidades relacionadas à indústria, mais acelerado

o efeito da atenção do CEO às novas oportunidades, evidenciando que firmas com uma

mesma linha de orientação organizacional podem se mover em diferentes direções se a

atenção dos seus CEOs for diferente. “O efeito da cognição é específico em cada contexto”

(Eggers & Kaplan, 2009, p. 473).

Entre outro estudo publicado no mesmo periódico, Augier & Teece (2009)

apresentam uma discussão teórica sobre o papel que as capacidades dinâmicas

empreendedoras da alta gerência desempenham no processo de renovação estratégica,

essencial para a prosperidade e sobrevivência no longo prazo da firma. Adotando o

framework das capacidades dinâmicas, os autores defendem que a alta gerência possui um

papel distintivo, seja na seleção e/ou desenvolvimento de rotinas e nas escolhas sobre os

investimentos, como na coordenação dos ativos intangíveis para alcançar a eficiência e

retornos apropriados das inovações. Cabe ao gerente empreendedor amplo escopo de

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tarefas tais como articular objetivos, auxiliar na avaliação das oportunidades, definir a

cultura e construir a confiança, desempenhando um papel crítico nas decisões estratégicas

chave. O gerente empreendedor ainda desempenha papel-chave na realização da seleção de

ativos e na coordenação da atividade econômica, particularmente quando ativos

complementares devem ser desenvolvidos e disponibilizados. Nesse sentido, eles podem

negociar, barganhar, comprar, vender ou trocar investimentos ou ativos internos, realizar

transações com outros proprietários de ativos externos e desenhar e implementar novos

modelos de negócios que definem a arquitetura dos novos negócios (Augier & Teece,

2009, p. 418). Concluem que o papel do gerente empreendedor é introduzir inovações e

buscar novas combinações e o seu esforço promove e molda a aprendizagem

organizacional.

Todas essas funções representam a essência das capacidades dinâmicas e são críticas

na teoria da gestão estratégica ou nas abordagens da renovação estratégica. Augier &

Teece (2009, p. 418) sugerem, ainda, que também se tornem centrais na teorica econômica,

qua não as consideram com tal dimensão de importância. Finalizando, afirmam que o

framework das capacidades dinâmicas identifica insights para novas pesquisas em

aprendizagem e para o papel dos líderes e gerentes na performance empresarial,

fornecendo um guia para o entendimento das organizações complexas e das práticas

gerenciais contemporâneas em empresas de alta performance, na medida em que esse

paradigma vê as firmas como incubadoras e repositórios de ativos especializados difíceis

de serem replicados.

Outro estudo desenvolvido por Capron & Mitchell (2009) avaliou a habilidade de

selecionar novos modos de sourcing de capacidades como meio para atender aos gaps

identificados de capacidades. Partiram do argumento de que as firmas precisam conhecer

as condições sobre as quais o desenvolvimento interno ou o sourcing externo será o mais

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apropriado na busca por novas capacidades que assegurem a renovação estratégica. Os

estudiodos estão começando a compreeender que a renovação estratégica pode ser

alcançada pela implementação de mudanças ou, mais fundamentalmente, pela habilidade

da firma em realizar ao mesmo tempo os modos de mudança interna e externa. A mudança

interna permite à firma o exploit e proteção do seu conhecimento específico enquanto

também coordena o desenvolvimento das suas atividades. Em paralelo, o sourcing externo

de novas capacidades por meio de aquisições, alianças e compra de contratos preserva a

firma da obsolescência e resolve o problema da inércia organizacional (Capron & Mitchell,

2009). Para os autores, as firmas que levam em consideração restrições baseadas em suas

capacidades e o contexto social interno na escolha do modo de desenvolvimento de novas

capacidades (interno, sourcing) são mais efetivas no desenvolvimento de novas

capacidades e, em consequência, sobreviveriam mais que aquelas que não levam em

consideração tais restrições.

Esse argumento foi testado na indústria de telecomunicações, que no período de 2000

a 2005 enfrentou rápidas mudanças industriais, incluindo desregulamentação, competição

por preços, convergência tecnológica e globalização do cenário competitivo, apresentando-

se como adequado para avaliar as decisões sobre a solução adotada no gap de capacidades.

O modelo da pesquisa salienta que o uso de desenvolvimento interno versus sourcing

externo baseado no gap de capacidades foi medido pelo gap de capacidade técnica e gap

de capacidade de marketing. O uso de desenvolvimento interno versus sourcing externo

baseado nos atritos internos da firma foi medido pelas capacidades pretendidas pelos

sistemas internos e a aceitação social das capacidades pretendidas. Os resultados mostram

que as firmas escolhem o desenvolvimento interno quando os gaps de capacidade são

relativos às capacidades técnicas e de marketing.

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Uma hipótese parcialmente confirmada foi de que as firmas escolhem o

desenvolvimento interno quando elas esperam que as novas capacidades se encaixem nos

seus sistemas internos. Em oposição a essa situação, os dados enfatizaram que as firmas

que adotaram o desenvolvimento interno e que enfrentaram baixa aceitação social entre os

seus membros foram mais bem-sucedidas no desenvolvimento de novas capacidades que

as que usaram o desenvolvimento interno somente em projetos que não criavam conflitos

sociais. Ou seja, “dar muita atenção para evitar o conflito pode reduzir a habilidade da

firma em renovar as suas capacidades internas” (Capron & Mitchell, 2009, p. 306). Das

variáveis de controle que influenciaram a sobrevivência das firmas, os autores concluíram

que as firmas mais velhas, com altos níveis de investimentos em marketing e aquelas de

propriedade estatal são as que apresentam mais possibilidade de sobrevivência.

Salvato (2009), de forma contrária à interpretação prevalente das capacidades como

um construto coletivo ligado ao nível organizacional e diretamente relacionado à vantagem

competitiva da firma, propôs que o entendimento das habilidades da firma em

sistematicamente renovar suas estratégias e capacidades subjacentes ocorra no nível das

ações cotidianas dos indivíduos tomados como unidade de análise. O foco no indivíduo, no

seu entendimento, permite uma explicação mais fiel do que sejam as capacidades

dinâmicas e como evoluem e, em última análise, uma explicação das variações na

performance da firma. Coerente com essa proposta, o autor estudou os microprocessos de

adaptação das capacidades para desenvolvimento de novos produtos em uma firma italiana

de primeira classe em design de mobiliário doméstico. A Alessi evoluiu no período de

1988 a 2002 da condição de fabricante de objetos preciosos de aço inoxidável

desenvolvidos por um número limitado de arquitetos renomados e direcionados a um nicho

específico de mercado para o status de fabricante mundial de incontáveis produtos de

design projetados por mais de 200 designers em diferentes materiais, estilos, cores e

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tecnologias. O argumento do autor é que investigar as capacidades e as rotinas subjacentes

de acordo com a definição tradicional de rotinas de Nelson & Winter, (1982) como

sequências semiautônomas de ações individuais “oferece um ponto de vantagem detalhada

e fundamentada da compreensão da sua evolução e a origem das mutações pode ser

atribuída a agentes específicos, ações e conjunturas” (Salvato, 2009, p. 386).

De fato, os resultados que emergiram da pesquisa sugeriram que a rendição à visão

tradicional na literatura das capacidades no nível da organização pode ser

significativamente melhorada pela inclusão das ações cotidianas desempenhadas pelos

indivíduos e em torno da organização, revelando as fontes reais de renovação e de

vantagem competitiva. Os achados sugerem que as micro e ordinárias atividades

desempenhadas pelos indivíduos dentro e em torno da organização, em todos os níveis da

hierarquia organizacional, são centrais para determinar o conteúdo idiossincrático das

capacidades e a sua dinâmica de adaptação ao longo do tempo.

Observa-se que em todos os estudos reunidos pela Organization Science a renovação

estratégica foi tratada segundo o framework das capacidades dinâmicas e entendida, tal

como propõem Agarwal & Helfat, (2009, p. 282), como o “reposicionamento de atributos

de uma organização que possuem o potencial de afetá-la no longo prazo”, portanto,

diretamente associado à longevidade da organização. Vários outros aspectos explorados

nos estudos da OS interessam diretamente ao objeto de estudo desta pesquisa e são

destacados neste referencial. Os destaques identificam, entre outros, que:

a) Os autores tomam as capacidades dinâmicas como rotinas, que se modificam pelo

aprendizado;

b) confirmam a grande abrangência do escopo e conteúdo da renovação estratégica,

mostrando entre os aspectos que a desencadeiam a mudança tecnológia que pode

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levar à mudança da identidade organizacional contida em suas rotinas,

procedimentos e base de conhecimento;

c) quando a renovação toma o significado da adoção da estratégia de diversificação,

exemplicada nos estudos pela entrada em um novo mercado de produtos, um tipo

de movimento explore, o timing de entrada, é definido pela cognição gerencial

como a atenção dada pelo CEO ao tipo de tecnologia ou tipo de indústria afetados.

A cognição gerencial afetada por alto grau de atenção acelera a adoção de

tecnologias emergentes e, quando afetada por reduzido grau de atenção, retarda a

adaptação a uma tecnologia já existente. Quanto mais a firma possui melhores

capacidades relacionadas à indústria afetada, mais acelerado o efeito da atenção do

CEO às novas oportunidades. Na renovação estratégica, o efeito da cognição, ou

grau de atenção do CEO, é específico em cada contexto;.

d) os estudos revelam um papel distintivo da alta gerência na essência das

capacidades dinâmicas críticas para a renovação estratégica. Esse papel é

relacionado à seleção, desenvolvimento de rotinas, escolhas sobre os

investimentos, coordenação dos ativos intangíveis, articulação de objetivos,

avaliação das oportunidades, definição da cultura e construção da confiança;

e) os estudos também realçam que, além da habilidade de explorar as suas

capacidades internas, a habilidade da gerência em buscar no sourcing externo

novas capacidades por meio de aquisições, alianças e compra de contratos preserva

a firma da obsolescência, quebra a inércia organizacional e resulta na renovação

estratégica;

f) finalmente, os estudos descortinam para uma nova visão de que também as

capacidades dinâmicas tomadas como as atividades micro e ordinárias

desempenhadas pelos indivíduos são centrais para determinar o conteúdo

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idiossincrático das capacidades e a sua dinâmica de adaptação ao longo do tempo

das organizações.

Para ratificar as conclusões e análise dos estudos sobre a renovação estratégica

reunidos na OS, a Tabela 2 apresenta uma síntese dos tipos de renovação estratégica ou dos

fatores desencadeadores considerados em cada trabalho, os aspectos do processo de

renovação que foram objeto em cada estudo, com os principais resultados obtidos.

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Tabela 2

Tipos, aspectos relacionados e resultados associados ao processo de renovação - continua

Estudo Tipo de renovação

estratégica/fator

desencadeador

Aspectos relacionados à RE Resultados

Tripsas &

Gavetti

(2009)

Tipo de RE:

mudança de

identidade

organizacional.

FD: mudança

tecnológica.

Relacionamento entre a

identidade e a mudança

tecnológica.

Identificar quais os processos

de feedback internos e

externos direcionavam a

dinâmica da mudança

tecnológica ao longo do

tempo.

As rotinas, procedimentos, filtros de informação,

capacidades, base de conhecimento e crenças

refletem a identidade de uma organização.

A identidade é uma peça fundamental do quebra-

cabeças e como essência da organização direciona e

constrange as ações de mudança.

Quando a mudança de tecnologia desafia a

identidade de uma organização ou quando pode

violar os credos sobre o que a firma representa, a

organização poderá deparar com muitos obstáculos

para a sua adoção.

Eggers &

Kaplan

(2009)

Tipo de RE:

entrada de firmas

já estabelecidas

em um novo

mercado.

FD: avaliação do

timing de entrada

em um novo mercado.

Condições sob as quais a

cognição gerencial, medida

em termos da atenção dada

pelo CEO a um determinado

assunto, faz diferença na

renovação estratégica.

A cognição gerencial opera

como uma capacidade gerencial dinâmica na

interação com outros fatores

organizacionais.

O estudo comparou as

medidas da percepção,

codificação, interpretação e

foco de tempo e esforço do

CEO com as orientações

adotadas pelos tomadores de

decisão no nível

organizacional, incorporadas

nas capacidades, ativos

complementares e incentivos

atendidos, para captar o foco

do esforço cognitivo do CEO.

A cognição gerencial é de fato associada às

diferenças no timing de entrada em um novo

mercado de produtos.

Os diferentes efeitos da cognição do CEO

dependem do foco da sua atenção: aceleram a

entrada quando a atenção é direcionada para uma

tecnologia emergente ou a indústria afetada e

reduzem a resposta do timing de entrada quando a atenção é direcionada à tecnologia existente.

Os efeitos da atenção para as oportunidades geradas

por uma tecnologia emergente são também

dependentes do nível da orientação organizacional

(capacidades, ativos complementares e incentivos

recebidos) que a firma possui em direção à indústria

afetada. Quanto mais a firma possui melhores

capacidades relacionadas à indústria, mais acelerado

o efeito da atenção do CEO às novas oportunidades.

Firmas com uma mesma linha de orientação

organizacional podem se mover em diferentes

direções se a atenção dos seus CEOs for diferente.

“O efeito da cognição é específico em cada

contexto”.

Augier &

Teece

(2009

Tipo de RE: não

identifica um

tipo. A RE é

apenas indicada

como essencial

para a

prosperidade e

sobrevivência no

longo prazo da firma.

Papel que as capacidades

dinâmicas empreendedoras da

alta gerência desempenham

no processo de renovação

estratégica.

O papel do gerente empreendedor relaciona-se à

seleção e/ou desenvolvimento de rotinas, escolhas

sobre os investimentos, coordenação de ativos

intangíveis para alcançar a eficiência e retornos

apropriados das inovações. O papel do gerente

empreendedor é introduzir inovações e buscar novas

combinações e o seu esforço promove e molda a

aprendizagem organizacional. O framework das

capacidades dinâmicas sugere insights para novas pesquisas em aprendizagem e para o papel dos

líderes e gerentes na performance empresarial,

fornecendo um guia para o entendimento das

organizações complexas e das práticas gerenciais

contemporâneas em empresas de alta performance

na medida em que esse paradigma vê as firmas

como incubadoras e repositórios de ativos

especializados difíceis de serem replicados.

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Tabela 2

Tipos, aspectos relacionados e resultados associados ao processo de renovação - conclui

Estudo Tipo de renovação

estratégica/fator

desencadeador

Aspectos relacionados à RE Resultados

Capron &

Mitchell

(2009)

Tipo de RE:

desenvolvimento

de novas

capacidades.

FD: gaps de

capacidades.

Condições sob as quais o

desenvolvimento interno ou o

sourcing externo será o mais

apropriado na busca por

novas capacidades que

assegurem a renovação

estratégica.

Habilidade da firma de

realizar ao mesmo tempo os modos de mudança interna e

externa.

Firmas que conseguem

equilíbrio entre o

desenvolvimento interno e o

sourcing externo podem

renovar as suas capacidades

de modo mais efetivo e obter

ganhos de performance no

longo prazo.

As firmas escolhem o desenvolvimento interno

quando os gaps de capacidade são relativos às

capacidades técnicas e de marketing.

As firmas escolhem o desenvolvimento interno

quando elas esperam que as novas capacidades se

encaixem nos seus sistemas internos.

As firmas que adotaram o desenvolvimento interno

e que enfrentaram baixa aceitação social entre os

seus membros foram mais bem-sucedidas no desenvolvimento de novas capacidades do que as

que usaram o desenvolvimento interno somente em

projetos que não criavam conflitos sociais.

Dar muita atenção para evitar o conflito pode

reduzir a habilidade da firma em renovar as suas

capacidades internas.

As firmas mais velhas, com altos níveis de

investimentos em marketing e as de propriedade

estatal são as que apresentam mais possibilidade de

sobrevivência.

Salvato

(2009)

Tipo de RE:

adaptação das

capacidades para

desenvolvimento

de novos

produtos.

Investigar as capacidades e as

rotinas subjacentes de acordo

com a definição tradicional de

rotinas de Nelson & Winter,

(1982) como sequências

semiautônomas de ações

individuais oferece um ponto

de vantagem detalhada e

fundamentada da

compreensão da sua evolução

e a origem das mutações pode

ser atribuída a agentes

específicos, ações e

conjunturas.

A rendição à visão tradicional na literatura das

capacidades no nível da organização pode ser

significativamente melhorada pela inclusão das

ações cotidianas desempenhadas pelos indivíduos e

em torno da organização, revelando as fontes reais

de renovação e de vantagem competitiva.

As micro e ordinárias atividades desempenhadas

pelos indivíduos dentro e em torno da organização,

em todos os níveis da hierarquia organizacional são

centrais para determinar o conteúdo idiossincrático

das capacidades e a sua dinâmica de adaptação ao

longo do tempo.

RE: renovação estratégica; FD: fator desencadeador.

Fonte: elaboração da autora.

Um último aspecto a se destacar no conjunto dos estudos da Organization Science

diz respeito à concepção da renovação estratégica como um fenômeno ao qual o conteúdo

e o processo de estratégia estão fortemente relacionados, envolvendo múltiplas dimensões,

entre elas a competição, as capacidades, a estrutura organizacional e a tomada e

implementação da decisão estratégica. Reconhecendo essa complexidade, Crossan &

Berdrow (2003) são assertivos ao afirmarem que a renovação estratégica envolve todos os

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aspectos da cadeia de valor da empresa, caracterizando-se como um fenômeno complexo,

um tipo de mudança que envolve aspectos de conteúdo – o que mudar –, de processo –

como mudar – e de contexto – o porquê da mudança.

A partir desses elementos e para que se construa um entendimento sobre o que de

fato representa a renovação estratégica, Agarwal & Helfat (2009, p. 282) enumeram e

explicam as suas três características: a) atributos; b) processo, conteúdo e resultado; c)

objetivos. A primeira característica da renovação estratégica diz respeito a quais atributos

apresentam potencial de afetar estrategicamente a empresa no longo prazo. Apesar de se

reconhecer que os tipos de atributos que são relevantes dependem de situações específicas

em cada organização (Agarwal & Helfat, 2009), uma longa lista foi sugerida por Rumelt &

Schendel & Teece (1994), incluindo os objetivos, produtos e serviços, políticas, escopo e

diversificação do negócio, estrutura organizacional, sistemas administrativos e políticas de

coordenação do trabalho. Essa lista, mais recentemente, foi acrescida pelos então

denominados recursos críticos representados pelos ativos tangíveis e intangíveis,

capacidades, rotinas, processos e pessoas. A reputação é outro atributo incorporado à lista,

uma vez que as relações da empresa com clientes e fornecedores tanto podem criar

oportunidades como representarem ameaças que afetam as organizações para o sucesso

futuro.

A segunda característica da renovação estratégica mencionada por Agarwal & Helfat

(2009) diz respeito ao fato de que ela inclui o processo, o conteúdo e os resultados.

Exemplificando cada um desses elementos, pode-se pensar que:

a) O processo é definido como a decisão e o ato de renovar. Envolve quem toma a

decisão, o nível gerencial que decide, a abrangência da sua implementação e os

fatores desencadeadores da decisão de renovar. Nos estudos sobre renovação

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estratégica, verificou-se que o processo pode ser conduzido pela gerência média ou

a partir da alta gerência para a base gerencial. Aplica-se tanto às firmas maduras

quanto às inciantes. Verifica-se a sua ocorrência em processos dentro da firma ou

entre as firmas. Pode relacionar-se às mudanças descontínuas do ambiente ou

decorrrer das mudanças incrementais (Burgelman, 1994; O’Reilly & Tushman,

2004; O’Reilly & Tushman, 2008)

b) O conteúdo refere-se à mudança de qualidade dos atributos. Um exemplo de

mudança de qualidade dos atributos pode ser representado pela mudança na base de

conhecimento de uma organização, como, por exemplo, a que ocorreu na telefonia

móvel, que migrou da tecnologia analógica para a tecnologia digital.

c) E, finalmente, os resultados referem-se a algo que foi renovado. Por exemplo, a

sobrevivência de uma grande organização que se adaptou a uma mudança

tecnológica representaria o resultado da renovação estratégica. Pode-se pensar

também na conquista de uma vantagem competitiva sustentável, na longevidade de

um determinado tipo de organização, entre outros resultados.

Os autores explicam, enfim, que a terceira característica, o objetivo da renovação

estratégica, é a criação de uma base para o crescimento futuro ou desenvolvimento da

organização. Conclui-se, então, o entendimento do que vem a ser renovação estratégica

com a afirmação de Agarwal & Helfat (2009, p. 282): “inclui o processo, o conteúdo e os

resultados da renovação ou substituição dos atributos de uma organização que possuem o

potencial de lhe afetar substancialmente no longo prazo”. Nesse sentido, requer a

compreensão de que o conteúdo, os processos e os resultados operam de forma

concomitantemente.

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Com esta terceira subseção finaliza-se o referencial teórico, que buscou demonstrar o

argumento de que existe convergência entre as temáticas das capacidades dinâmicas, no

campo da estratégia organizacional, e da aprendizagem organizacional, no campo dos

estudos organizacionais, sendo essa convergência útil ao entendimento da renovação

estratégica. Constatou-se que existe relação direta entre as duas temáticas pela variável

rotinas, que, por sua vez, são impulsionadas pelos mecanismos de aprendizagem. Defende-

se também o argumento de que, para entender como ocorre a renovação estratégica, é

necessário considerá-la em suas características de processo, conteúdo e resultados, os quais

atuam de forma concomitante.

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3 Metodologia

O presente capítulo apresenta a estrutura da investigação empírica que abordou a

trajetória de empresas familiares, visando responder à questão: como a renovação

estratégica de empresas familiares está relacionada ao aprendizado organizacional?

Desse modo, detalha-se a metodologia empregada em duas seções. A primeira,

denominada de Abordagem de pesquisa, justifica a opção pela pesquisa qualitativa,

descreve o tipo de estudo realizado e apresenta a seleção do objeto empírico pesquisado.

Após essa apresentação, a segunda seção, intitulada Quadro analítico da pesquisa, relata

o processo de coleta e análise de dados, delineando o framework conceitual de pesquisa e

todas as etapas e técnicas empregadas na apreciação dos dados.

3.1 Abordagem de pesquisa

Ao longo da discussão apresentada no referencial teórico, constatou-se que a

renovação estratégica é um fenômeno complexo, envolvendo múltiplos e inter-

relacionados aspectos. Por essa razão, acreditou-se ser necessário abordar a trajetória das

empresas familiares, compreendendo a renovação estratégica a partir do contexto,

processo, conteúdo e resultados. Conforme relatado no referencial teórico, os aspectos do

âmbito da renovação estratégica são representados pelos elementos do ambiente externo,

que atuam na forma de oportunidade e/ou ameaças.

O processo envolve o nível gerencial que decide, podendo ser conduzido pela

gerência média ou a partir da alta gerência para a base gerencial, a abrangência, aplicando-

se tanto às firmas maduras quanto às inciantes, dentro da firma ou entre as firmas, e os

fatores desencadeadores relacionados tanto às mudanças descontínuas do ambiente ou no

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decorrrer das mudanças incrementais. O conteúdo refere-se à mudança de qualidade dos

atributos e os resultados referem-se a algo que foi renovado.

Explicou-se que processo e conteúdo atuam de forma concomitante e levam as

organizações a algum resultado, entre eles a longevidade das organizações. Defendeu-se o

argumento de que esse conjunto, ou seja, as relações entre contexto, processo, conteúdo e

resultados podem significar renovação estratégica. E esta, por seu turno, estar relacionada à

aprendizagem organizacional. Esse conjunto de situações formado por diversos elementos

distintos e inter-relacionados levou à escolha da abordagem metodológica de natureza

qualitativa. Isso porque os estudos qualitativos são capazes de aprofundar nos detalhes,

descrever minúcias e buscar explicações mais profundas e integradas das mudanças

estratégicas.

A renovação estratégica, se compreendida pela trajetória das organizações, como

proposto nesta pesquisa, traz à tona diferentes fatores que estão envolvidos na história das

empresas e que são responsáveis por mudanças que ocorreram ao longo da existência das

mesmas. Desse modo, preservar a cronologia dos fatos é imprescindível para compreender

com mais acurácia quais eventos, situações e pessoas levam a quais consequências. Neste

sentido, é mediante a metodologia qualitativa que se consegue revelar com mais riqueza

como diferentes aspectos da história se entrelaçam e se desenvolvem ao longo do tempo

(Miles & Huberman, 1994).

Conforme Godoy (1995), quatro aspectos são típicos dos estudos qualitativos. O

primeiro diz respeito ao locus da pesquisa, isto é onde é realizada a coleta de dados. O

ambiente natural das empresas se constituiu como fonte direta dos dados coletados e, assim

sendo, a coleta dos dados se deu em contato direto com os gestores das empresas

selecionadas como objeto de estudo. A sede de duas empresas, a HASA e a Delp, situa-se

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no município de Vespasiano-MG e a da terceira, a PUR, em Contagem-MG, onde foram

realizadas as entrevistas.

Além dessas, uma entrevista foi realizada na residência de um dos informantes, na

região centro-sul de Belo Horizonte. O segundo aspecto refere-se à natureza descritiva da

pesquisa. A pesquisa aqui realizada preenche esse critério, uma vez que foram

empreendidos esforços no sentido de recuperar a história das empresas estudadas a partir

do ponto de vista dos protagonistas que a vivenciaram. Assim, o terceiro aspecto, o qual

remete ao foco da análise, diz respeito a quanto o investigador dá atenção aos significados

que as pessoas atribuem às diversas situações vivenciadas.

Neste estudo, buscou-se apreender dos respondentes a sua percepção de como as

mudanças na trajetória das empresas foram ocorrendo, modificando e criando as condições

para a longevidade das mesmas. Nesse sentido, esteve presente o quarto aspecto, o qual

está relacionado ao enfoque indutivo no tratamento e análise dos dados, postura assumida

pela pesquisadora desta pesquisa na fase de tratamento e análise dos dados.

Cabe destacar que a pesquisa qualitativa é conduzida por meio de intensivo contato

com o campo e o papel do pesquisador é ganhar uma visão holística, sistêmica e integrada

do fenômeno que se quer compreender (Yin, 1981). Essas condições foram essenciais para

atender ao objetivo da pesquisa de estudar a longevidade das empresas familiares,

buscando a compreensão da orientação estratégica adotada e das escolhas efetuadas pelos

gestores das organizações familiares. Ao longo da descrição qualitativa procurou-se

identificar se a trajetória das organizações guardava possíveis relações com a

aprendizagem organizacional. Realizou-se um tipo de pesquisa que, além de envolver um

caráter descritivo, visou também identificar a existência de mecanismos causais

responsáveis pela longevidade das empresas. Desse modo, esta pesquisa também se

classifica como explicativa.

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A explicação científica se ocupa de uma faixa de definições bastante estreita,

relacionando-se em geral a sustentar uma reivindicação ou estabelecer uma relação entre

precedência e resultados. A explicação causal é uma descrição concatenada, colocando

fatos, situações e pessoas em relações umas com as outras. Explicar apresenta-se de forma

sempre aberta e dependente de certas condições; é parcial, aproximado, inconclusivo,

incerto e tipicamente limitado a cenários específicos (Miles & Huberman, 1994).

Apreende-se que a pesquisa explicativa pode assumir a forma de explicações intencionais,

ou seja, dependente de objetivos individuais, servindo a uma função, ou assumir a forma

de uma explicação histórica, na qual se dá sentido a uma série de eventos. Este último

formato foi aqui adotado pela estratégia de sumarizar a trajetória das empresas em fases

demarcadas pelos eventos de mudança, para os quais se intentou identificar os mecanismos

causais.

Em síntese, esta pesquisa classifica-se como descritiva e explicativa, abordando os

processos que contribuíram para a longevidade das empresas familiares, a partir da

identificação de relações de causalidade entre esses processos. Para tal, o método adotado

foi o estudo de casos múltiplos, mantendo a coerência da escolha de um método de

pesquisa tipicamente qualitativo, com a abordagem escolhida para a pesquisa.

A opção pelo estudo de casos múltiplos é bastante adequada quando os limites entre

o fenômeno e o seu panorama não estão claramente definidos (Yin, 1981), como, por

exemplo, os casos sobre empresas familiares as quais reúnem dois sistemas sociais: a

família e os negócios (Bruyne, P. & Herman, J. & Schoutheete, M, 1977). O método do

estudo de casos tem sido recomendado quando se pretende identificar fatores que

contribuem para a ocorrência de um específico fenômeno, como o propósito aqui

perseguido de descrever e explicar a renovação estratégica e suas relações com a

aprendizagem organizacional. Nos estudos de casos, a interação dos fatores é contemplada

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de tal maneira que o caso passa a ser visto como uma rede de inter-relações que apresenta

um padrão ou tema central que o caracteriza (Greenwood, 1973). A abordagem de casos

múltiplos é um meio no qual se almeja, sistematicamente, comparar os casos para testar os

achados, apresentando-se como opção mais rica pela possibilidade da análise cruzada dos

casos (Yin, 1981). E, ainda, pela ampla possibilidade de levar o pesquisador a refletir

criticamente sobre os procedimentos adotados, sobre os dados coletados e a sua análise,

contribuindo para tornar os resultados mais válidos (Godoy, 1995).

Ao se realizar estudos de múltiplos casos, necessariamente procede-se à análise

comparativa (Yin, 1981), cuja ideia geral é familiarizar-se inicialmente com cada caso

como uma entidade singular, trazendo à tona os padrões únicos de cada caso e, depois,

compará-lo com os demais casos. Concluída a análise interna, segue-se a análise cruzada

dos casos que têm como propósito aumentar a possibilidade de generalização dos

resultados, tornando mais claro se os eventos e processos que foram cuidadosamente

descritos em cada caso particular são ou não idiossincráticos. A análise cruzada possibilita,

ainda, a compreensão dos processos e resultados entre os vários casos, para entender como

eles são qualificados pelas condições locais, permitindo o aprofundamento do

entendimento dos fenômenos e da explanação dos mecanismos causais (Miles &

Huberman, 1994).

Nos estudos de caso múltiplos, a amostragem tem pouca importância, uma vez que o

objetivo é a saturação teórica ou a profundidade do conhecimento (Bonoma, 1985;

Eisenhardt, 1989). Ou seja, os estudos de caso não são realizados com o fim de

generalização estatística, mas de compreensão em profundidade de um fenômeno

específico, possibilitando uma descrição indutiva e rica (Halinen & Törnroos, 2005). O que

se tentou neste estudo foi a compreensão em profundidade da renovação estratégica das

organizações familiares.

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Como esta pesquisa se propôs a focar empresas familiares longevas, foi necessário

qualificar os casos que seriam objeto de estudo. Definiu-se que as empresas a serem

escolhidas deveriam possuir mais de 40 anos de existência. Esse tempo de existência, além

de representar uma condição de longevidade no ambiente empresarial6, também tomou por

base um tempo considerado mínimo para atender à opinião de diferentes autores (Davel,

Silva & Fischer, 2000; Davis, 2004; Donnelley, 1987; Lanzana & Constanzi, 1999;

Oliveira, 1999; Sharma, Christman & Chua, 1997) de que caracteriza o status de empresa

familiar o fato de que já tenha superado a transição de duas ou mais gerações de uma

mesma família.

Definido o critério de tempo de existência, foram realizadas consultas a vários

órgãos, entidades e bases de dados, confirmando-se uma situação já conhecida da

inexistência de dados secundários que permitiam identificar na região metropolitana de

Belo Horizonte (RMBH) esse tipo de empresa. Para sanar a ausência de informações,

partiu-se dos dados disponibilizados pela Federação das Indústrias de Minas Gerais

(FIEMG) sobre a indústria mineira, para chegar às empresas que atendiam aos critérios

definidos e à delimitação do objeto empírico, descritos a seguir.

3.1.1 Delimitação do objeto empírico

Para a seleção dos casos não é necessário que a escolha seja randômica, mas que não

seja improvisada. Nesse sentido, a escolha dos casos tomou como referência as

informações do Catálogo Industrial do ano de 2011, elaborado pela Federação das

Indústrias do Estado de Minas Gerais (2011), reunindo informações de 16.602 empresas,

6 Segundo Oliveira (1999), a vida média das empresas americanas não familiares é de 45 anos, enquanto a

das vidas familiares é de 24 anos. No Brasil, os dados mostram outra realidade, a vida média das empresas

não familiares é de 12 anos e das empresas familiares é de nove anos, sendo que somente 30% das empresas

familiares passam para a segunda geração e apenas 5% passam para a terceira geração.

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classificadas em 77 setores de atuação. Como se pretendia realizar uma análise

comparativa de casos, era desejável que fossem selecionadas empresas em um único setor

ou que pelo menos guardassem entre si aspectos que permitissem a comparação.

Inicialmente, procurou-se classificar as empresas de cada setor quanto ao porte e essa

classificação já estava disponível na base de dados FIEMG, segundo o critério de

classificação definido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Microempresas

(SEBRAE), por número de funcionários. Interessavam à pesquisa organizações de médio e

grande porte, grupo no qual se esperava encontrar empresas com mais longevidade, dada a

influência do tamanho na sua sobrevivência. Constatou-se que, do total das empresas

mineiras, apenas 651 (4%) são de porte médio e 138 (1%) de grande porte. Era então

esperado que o número de empresas que atenderiam aos critérios prévios quanto ao porte

seria reduzido. Ao analisar os 5% do total das empresas, entre as de grande e médio porte

incluíam-se empresas multinacionais, estatais e outras que fugiam à condição de terem

crescido, sobreviveram e se mantinham como empresas familiares (Tabela 3).

Tabela 3

Total de empresas mineiras por porte

Porte No. de empresas %

Micro 11.741 71%

Pequena 4.072 25%

Média 651 4%

Grande 138 1%

Total 16.602 100%

Fonte: Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (2011).

Em seguida, procedeu-se à identificação na base de dados FIEMG dos setores

econômicos com representativa participação no cenário industrial do estado de Minas

Gerais, definido como os setores que reunissem, em todo o estado, mais de 100 empresas.

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Chegou-se ao resultado de que 36 setores são mais representativos na indústria mineira,

com 15.950 empresas (Tabela 4).

Tabela 4

Setores da indústria mineira mais representativos quanto ao número de empresas

Ord. Setor de atividade N

o de

empresas

1 Fabricação de produtos alimentícios 2.132

2 Confecções 1.748

3 Reparação de veículos automotores e motocicletas 1.529

4 Impressão e reprodução gráfica 861

5 Fabricação de móveis 797

6 Serviços diversos 760

7 Fabricação de produtos minerais não metálicos 628

8 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados 613

9 Extração de minerais não metálicos 483

10 Atividades de serviços de TI 477

11 Reparação e manutenção de equipamentos de informática 406

12 Fabricação de produtos de borracha e material plástico 402

13 Fabricação de estruturas metálicas 397 14 Laticínios 397

15 Fabricação de artefatos de concreto 370

16 Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas 353

17 Fabricação de produtos químicos 317

18 Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos 307

19 Fabricação de produtos de madeira 296

20 Construção 294

21 Serviços especializados para a construção 294

22 Fabricação de bebidas 226

23 Fabricação de artigos de cutelaria, serralheria 214

24 Fabricação de máquinas e equipamentos 200

25 Fabricação de produtos têxteis 169

26 Fabricação de produtos automotores, reboques 149

27 Fabricação de equipamentos de informática 147

28 Fabricação de máquinas, equipamentos e materiais 143

29 Fabricação de celulose e papel 132

30 Fundição 125 31 Lapidação de gemas e fabricação de artefatos de artefatos de ourivesaria e joalheria 125

32 Obras de infraestrutura 117

33 Turismo 116

34 Torrefação e moagem de café 115

35 Fabricação de diversos 111

36 Totais 15.950

TI: tecnologia da informação.

Fonte: Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (2011).

Cuidadosa análise foi realizada em cada um dos 36 setores mais representativos em

número de indústrias, para conhecer as suas características, tipos de empresas e estabelecer

uma aproximação com o setor ou as empresas a serem escolhidas. A escolha do setor

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adotou o critério de eliminação. Na visão da pesquisadora, o setor econômico que atendeu

de forma mais próxima aos critérios para seleção dos casos foi o de fabricação de

máquinas e equipamentos. Este reúne o total de 200 empresas no estado de Minas Gerais,

sendo 174 de micro e pequenas empresas, 16 médias e duas de grande porte, confirmando

a situação geral da indústria quanto ao porte. Das 18 de médio e grande porte, apenas duas

não se localizam na RMBH e essa proximidade geográfica facilita a coleta de dados. Além

disso, esperava-se que a localização também contribuísse para a receptividade a ser obtida

nas instituições a serem pesquisadas. Também se verificou que 10 das 18 empresas de

médio e grande porte são exportadoras, revelando maior estágio de consolidação e mais

tempo de mercado das empresas do setor.

Até esse ponto conhecia-se o grupo de prováveis empresas que poderiam compor os

casos, mas ainda não se tinha conhecimento de quais delas seriam empresas familiares. A

partir daí, o trabalho consistiu em analisar os nomes das empresas, buscando identificar na

razão social indicativos de propriedade familiar7. Alguns dos nomes de empresas foram

submetidos a especialistas e empresários que mantêm negócios no setor de máquinas e

equipamentos que ajudaram na confirmação das que seriam organizações familiares e

longevas. As primeiras identificadas nessas condições foram a Horácio Albertini - HASA,

de médio porte, e a Delp Engenharia, de grande porte, que foram contatadas e

imediatamente autorizaram a realização do estudo. Procedeu-se a contatos telefônicos com

as demais empresas listadas e nestes identificou-se a PUR Equipamentos Industriais que,

além de familiar, superava a marca dos 40 anos de existência.

Dessa forma, para a escolha dos casos, o primeiro passo foi conhecer o universo das

empresas industriais mineiras e classificá-las quanto ao porte e setor de atuação. Em

seguida, no setor escolhido, fabricação de máquinas e equipamentos, as empresas foram

7 Esta técnica já havia sido empregada em outras pesquisas sobre empresas familiares (Grzybovski, 2000) e

foi recomendada à pesquisadora pela própria Profa. Dr

a. Denise Grzybovski, que a utilizou para a montagem

de um banco de dados de empresas familiares no estado do Rio Grande do Sul.

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contatadas para se confirmar o tempo de existência e as condições que as classificavam

como organizações familiares. Foram consideradas como tal aquelas que foram capazes de

superar a transição de uma geração de gestores, incluindo-se também as que já entraram,

estão em vias ou se preparam para entrar em uma nova geração de gestores. Consideraram-

se, ainda, aquelas de que a família possuía parcela significativa da propriedade do capital

ou que participasse significativamente na gestão da empresa.

Essas condições foram estabelecidas tomando por base diferentes autores que se

propuseram a esclarecer o conceito de empresa familiar. Destaca-se, por exemplo,

Donnelley (1987), que ressalta o fato de que as ligações familiares que influenciam as

diretrizes empresariais, interesses e objetivos da família, por duas ou mais gerações,

caracterizam o status de empresa familiar. Na visão de Sharma, Christman & Chua (1997)

e Lanzana e Constanzi (1999), mais do que a ligação familiar por duas gerações para

caracterizar uma empresa como familiar, pesam os fatos de que um ou mais membros da

família exercem importante controle administrativo sobre a empresa, além de a família

deter o controle da propriedade ou possuir significativa parcela da propriedade do capital.

Oliveira (1999) distingue a empresa familiar pelo processo de sucessão do poder

decisório de maneira hereditária a partir de uma ou mais famílias. O aspecto da sucessão

ou quando o atual executivo-proprietário tem a intenção de transmitir o controle da

empresa à geração seguinte também é o critério adotado por Davis (2004). Já Davel, Silva

e Fischer (2000) destacam as seguintes características atribuídas às empresas familiares: a)

a família deve possuir propriedades da empresa, seja parcial ou total; b) influenciar nas

diretrizes da gestão estratégica da empresa; c) ter seus valores identificados ou influenciar

os valores da empresa; d) e ter o controle sobre o processo sucessório da empresa.

Logo, a escolha das unidades de análise ocorreu entre as empresas familiares

previamente identificadas no setor de fabricação de máquinas e equipamentos e que

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atenderam às seguintes condições definidas pela pesquisa: empresas que foram capazes de

superar a transição de uma geração de gestores, incluindo-se também as empresas que já

entraram, estão em vias ou preparam-se para entrar em uma nova geração de gestores;

empresas de que a família possua significativa parcela da propriedade do capital e/ou a

família participe significativamente na gestão da empresa. Foi feita consulta ao site das

empresas (o endereço eletrônico e o número de telefone estão disponíveis nos dados do

cadastro industrial) e realizado contato por e-mail e por telefone para caracterizar o estágio

de desenvolvimento da organização, o nível de participação e as características da atuação

da família na sua gestão e na estrutura de propriedade. O resultado dessa etapa permitiu,

entre outros, caracterizar o grupo de interesse direto da problemática da pesquisa,

definindo-se que o estudo seria feito na HASA, Delp e PUR.

Para o passo seguinte, definir as unidades de observação, considerava-se necessário

que os informantes fossem cuidadosamente selecionados para incluir gestores que

desempenharam, e ainda desempenham, relevante papel na história e na estratégia da

empresa. Para tal, foi necessário conhecer a estrutura organizacional de cada empresa e

identificar quem seriam os entrevistados e o que foi feito no primeiro contato telefônico

com as empresas. Na HASA, apurou-se que a empresa adota estrutura funcional simples,

com um diretor superintendente, um diretor comercial e os gerentes administrativo

financeiro e de produção. Os quatro cargos são ocupados por membros da família, sendo,

respectivamente, o pai, o sobrinho e os filhos. Os dois primeiros (diretores) representam a

segunda geração e os dois últimos (irmãos) a terceira geração da família Albertini. A

entrevista foi agendada com os quatro, mas não foi possível realizá-la com o gerente de

produção, que se encontrava em viagem de estudos fora do Brasil e no período em que

esteve no país não teve como disponibilizar sua agenda. Os demais membros da família

atuantes na empresa e que representam a quarta geração são muito jovens e pouco

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conhecem da trajetória da empresa, considerando-se que não atenderiam aos critérios de

escolha dos informantes.

Já a estrutura da Delp foi totalmente profissionalizada, com a adoção de um modelo

de governança no qual a família ocupa assentos no conselho de administração. Foram

escolhidos como informantes o fundador e presidente do conselho, uma filha representante

da segunda geração da família Zica, com histórico de atuação em vários momentos e

cargos da empresa. Também, um dos diretores é profissional que participou da implantação

do modelo de governança, além de deter profundo conhecimento da empresa em função de

ter utilizado a própria Delp em pesquisa para a sua dissertação de mestrado. Outros dois

membros da família (filhos) atuam em outros negócios do grupo e, envolvidos com viagens

e outros compromissos, pediram para ser representados pela irmã. Na estrutura existem

ainda um diretor superintendente e um diretor industrial, com pouco tempo de empresa e

de conhecimento da sua trajetória, não justificando que fossem incluídos no grupo de

informantes.

Na PUR detectou-se uma estrutura funcional simples, com a participação da família

nos cargos executivos e gerentes profissionais. O fundador está afastado das suas funções

por problemas de saúde e possibilitou-nos apenas um contato rápido, porém discorreu

sobre alguns aspectos importantes da história da empresa. Indicou como informante o seu

filho, diretor administrativo, e dois gerentes, ambos com longo histórico na empresa. No

total existiram seis níveis de informantes, classificados na Tabela 5.

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Tabela 5

Os seis níveis de informantes

Cargo/Empresa Hasa Delp PUR Total

Fundador 1 1

Sócio e membro do CA 1 1

Diretor familiar 2 1 3

Diretor profissional 1 1

Gerente familiar 1 1

Gerente profissional 2 2

Total 3 3 3 9

Fonte: dados da pesquisa.

3.2 Quadro analítico da pesquisa

Os procedimentos de coleta de dados foram planejados e executados de acordo com a

abordagem da pesquisa e do método adotado e norteados pelos objetivos do estudo. Com

base no questionamento proposto, a pesquisa teve como objetivo geral verificar, ao longo

da trajetória do empreendimento familiar, como a sua longevidade decorrente da renovação

estratégica está relacionada à aprendizagem organizacional. Como objetivos específicos,

pretendeu-se:

a) Descrever como ocorreu a mudança de atributos estratégicos (refreshment de

atributos).

b) Identificar ao longo da trajetória os tipos e mecanismos de aprendizagem.

c) Relacionar a aprendizagem desenvolvida pelas firmas ao longo de sua trajetória com

a longevidade do empreendimento.

Na perspectiva de cumprir os objetivos delineados para a pesquisa, assim como de

nortear o processo de coleta, análise e interpretação dos dados, foi desenvolvido com base

no referencial teórico um framework preliminar, partindo da proposição de Asti Vera

(1980, p. 153) de que modelos (frameworks) são meios usados para explicar uma

determinada teoria, simplificar relações complexas com o intento de melhor compreendê-

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las; “[...] e constitui-se num instrumento intelectual que torna mais precisa e clara a

análise”. O framework guiou o olhar da pesquisadora na definição das categorias de

pesquisa, na elaboração dos instrumentos de coleta de dados e na busca de suas

explicações teóricas prévias, esclarecendo que já se antecipava que essas referências

poderiam ser confirmadas ou revistas na confrontação com os dados. Nas subseções

seguintes é apresentado e detalhado o framework do estudo, as categorias de pesquisa

definidas pelo modelo teórico, os instrumentos de coleta de dados e uma delimitação mais

detalhada do processo de análise dos dados.

3.2.1 Framework conceitual da pesquisa

O modelo ou framework conceitual criado para a pesquisa partiu das constatações

defendidas no referencial teórico de que as perspectivas da aprendizagem organizacional e

das capacidades dinâmicas fornecem bases teóricas seguras para uma investigação que

tenta compreender como as empresas familiares promovem a sua renovação estratégica,

que explicaria a longevidade dos empreendimentos. O modelo teórico que guiou o estudo

segue representado na Figura 1, com as explicações que pretendem torná-lo ainda mais

claro.

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PROCESSO CONTEÚDO

RESULTADO

AO e

CD

MECANISMOS DE APRENDIZAGEM

DECISÃO E IMPLEMENTAÇÀO

DA RE

Locus da decisão

Escopo da decisão

TIPOS

DE

APRENDIZAGEM

Rotinas

MUDANÇA

DE

ATRIBUTOS

LONGEVIDADE

TRAJETÓRIA

AMBIENTE

(Contexto)

Figura 1 - Framework conceitual da pesquisa sobre renovação estratégica em empresas familiares. Fonte: elaboração da autora.

O framework foi concebido em três blocos, sustentados por uma seta de duplo

sentido, que representa a trajetória das organizações, a ser descrita na pesquisa, desde o

momento da criação e início das atividades da empresa. A ideia básica é que a renovação

estratégica é um processo dinâmico que somente pode ser captado de forma retrospectiva e

longitudinal, caracterizando os eventos que foram determinando o comportamento

estratégico das empresas, promovendo aprendizagem e resultando nas condições que

asseguraram a longevidade das empresas.

O centro do framework representa o fenômeno objeto da investigação, que é a

renovação estratégica. Esta, por sua vez, adota a definição de Agarwal & Helfat (2009, p.

282) de que a renovação estratégica “inclui o processo, o conteúdo e os resultados da

renovação ou substituição dos atributos de uma organização que possuem o potencial de

lhe afetar substancialmente no longo prazo” e requer a compreensão de que o processo, o

conteúdo e os resultados operam de forma concomitante. O processo é a decisão, o ato de

renovar e envolve quem toma a decisão, a abrangência da sua implementação e os fatores

desencadeadores. Assume-se que pode ser conduzido pela gerência média ou a partir da

alta gerência para a base gerencial, aplicar-se tanto às firmas maduras quanto às inciantes,

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em processos dentro da firma ou entre as firmas, relacionar-se às mudanças descontínuas

do ambiente ou decorrrer das mudanças incrementais.

O conteúdo é a mudança de qualidade de um ou vários dos atributos estratégicos -

objetivos, produtos e serviços, políticas, escopo e diversificação do negócio, estrutura

organizacional, sistemas administrativos, políticas de coordenação do trabalho, ativos

tangíveis e intangíveis, capacidades, rotinas, processos e pessoas e reputação – que

possuem o potencial de afetar a organização no longo prazo. E, finalmente, os resultados

se referem a algo que foi renovado e que assegura a longevidade da organização.

O framework também pretende evidenciar que a renovação estratégica tem uma

conotação dinâmica. O refreshment ou replacement de atributos estratégicos provê uma

base para o crescimento futuro, levando a firma ao desenvolvimento de novas capacidades,

entendidas como rotinas (Amit & Schoemaker, 1993; Eisenhardt & Martin, 2000; Huber,

1991; Kogut & Zander, 1992; Nelson & Winter, 1982), e à sua longevidade. Essas

condições estão estritamente relacionadas à aprendizagem organizacional. Implica a tensão

entre aproveitar os recursos existentes e ao mesmo tempo modificá-los, conhecida como

tensão entre o exploitation e exploration (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane &

White, 2011; March, 1981). O processo e o conteúdo são desencadeados pelos

mecanismos de aprendizagem - práticas repetidas, codificação da experiência, erros e o

ritmo da experiência – ou padrões estáveis de comportamento expressos na estrutura de

valores veiculada por regras, procedimentos e convenções codificados na memória

organizacional que caracterizam as reações organizacionais a uma variedade de estímulos

internos e externos do ambiente.

O elemento à esquerda do centro do framework representa o ambiente que determina

o contexto de onde proveem os estímulos que levam às mudanças internas e reações da

organização, podendo apresentar oportunidades e ameaças. E, finalmente, o elemento à

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direita do modelo representa os tipos de aprendizagem – single, double e ou deutero-

learning (Argyris & Schon, 1978) – que determinam e/ou se relacionam com o processo de

renovação estratégica. Na lógica do framework, a aprendizagem do tipo single-loop

learning equivaleria ao propósito de exploitation – na mudança a organização aproveita

das oportunidades existentes realizando rotinas de refinamento, seleção, implementação e

execução. O tipo double-loop learning ocorre quando as organizações aprendem a

modificar as variáveis que governam os seus próprios comportamentos, normas, políticas e

objetivos, modificando a base de conhecimento da organização, competências e rotinas. E

quando a organização aprende como realizar o single e o double-loop, pode ocorrer um

terceiro tipo de aprendizado, o deutero-learning, caracterizando uma situação na qual a

organização reconhece o que deve aprender e quais circunstâncias e processos necessitam

ser criados para que ocorram. Os tipos double-loop learning e/ou deutero-learning se

associariam a uma situação na qual a tensão entre a exploration e a exploitation encontraria

equilíbrio, atuando na dimensão estratégica da firma.

Do framework derivaram as categorias de pesquisa empregadas na operacionalização

da coleta de dados. Da concepção do modelo foram definidas seis categorias de pesquisa,

como se segue, descritas na Tabela 6.

Tabela 6

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Categorias de pesquisa deduzidas do framework conceitual

Categorias de pesquisa Descrição

1. Locus da decisão Quem toma a decisão de mudança de atributos estratégicos.

2. Escopo da decisão

Abrangência da mudança de atributos estratégicos e os fatores desencadeadores.

3. Rotinas

Regras, padrões procedimentos e convenções que impactam objetivos,

produtos, serviços, recursos e capacidades específicas.

4. Mecanismos de aprendizagem Eventos internos que impulsionam a mudança de rotinas.

5. Longevidade

Tempo de sobrevivência no mercado preservando o empreendimento como

familiar ao longo do tempo.

Tipos de aprendizagem Tipos de mudanças organizacionais.

Fonte: elaboração da autora.

3.2.2 Instrumentos de coleta dos dados

Definidas as categorias de pesquisa, iniciou-se a fase de coletar os dados. Para Yin

(1981), as evidências para um estudo de caso derivam de fontes distintas, nomeadamente

documentos, registros em arquivo, entrevistas, observação direta, observação participante e

artefatos físicos. Considerando a premissa de que a natureza do problema de pesquisa, bem

como as condições de investigação, assume papel preponderante quando se trata de

escolher as técnicas de coleta de dados ou evidências (Laville & Dionne, 1999), fez-se a

opção pela entrevista e consulta às fontes documentais.

A entrevista é uma técnica para estabelecer ou descobrir que existem outras

perspectivas ou pontos de vista sobre os fatos, caracterizando-se como sendo um processo

de interação social (Goode & Hatt, 1973) em que se conserva o intento de compreender, de

modo detalhado, crenças, atitudes, valores e motivações em relação aos comportamentos

dos indivíduos em contextos sociais particulares ou específicos (Gaskell, 2008). Marconi e

Lakatos (2007) referem como uma das principais vantagens da entrevista o fato de que tal

técnica proporciona certa flexibilidade, pois o entrevistador pode esclarecer perguntas ou

especificar algum significado, além de avaliar atitudes e condutas pelo registro de reações

e gestos.

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Para as entrevistas, foi elaborado um roteiro semiestruturado (APÊNDICE A)

partindo do conjunto de categorias identificadas no framework conceitual da pesquisa. Esse

roteiro envolveu amplas questões sobre o processo e o conteúdo da renovação estratégica

em um conjunto de perguntas abertas, realizadas seguindo uma ordem prevista, admitindo

que fossem adicionadas novas indagações durante o processo para melhor esclarecimento

(Laville & Dionne, 1999). Os dados foram coletados em nove entrevistas, todas elas

gravadas digitalmente, e consumiram, em média, 81 minutos cada uma, variando entre 53 e

104 minutos, além do tempo gasto com os contatos para a identificação dos informantes, o

agendamento e os deslocamentos para o local de realização das entrevistas, nas sedes das

empresas. As entrevistas foram realizadas entre 2012 e 2013 e no total, geraram 373

paginas transcritas de suas gravações.

A pesquisa em fonte documentais resultou em dados primários e secundários obtidos

em relatórios, apresentações, consulta aos sites, documentos internos e um livro sobre o

Setor da Indústria Mecânica em Minas Gerais. Essas fontes contribuíram para uma visão

mais ampla das empresas e do seu ambiente interno e foram decisivas na caracterização

dos casos e no entendimento dos dados coletados nas entrevistas. Essa combinação das

entrevistas com as fontes documentais baseou-se no princípio sugerido por Yin (1981) de

utilizar fontes múltiplas de evidência, isto é, possibilitar a triangulação de dados, buscando

o desenvolvimento de linhas convergentes que facilitam o alcance dos propósitos da

investigação. Intentou-se obter dados que permitissem traçar os eventos que marcaram a

trajetória das empresas familiares estudadas, para identificar ações e interações que

contribuíram para a sua evolução em cada momento da trajetória e relacioná-los com o

desenvolvimento das outras variáveis pesquisadas. De posse dos dados, iniciou-se o

processo de análise dos mesmos, objeto de detalhamento na próxima subseção.

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3.2.3 O processo de análise dos dados

A análise de dados, isto é, o exame, a categorização ou a classificação das evidências

de caráter qualitativo ou mesmo quantitativo em um estudo de caso, pode caracterizar-se

como sendo a etapa mais difícil e complexa do processo de investigação (Eisenhardt, 1989;

Yin, 1981). Para Abramo (1979), o problema ou dificuldade na fase de análise e

interpretação dos dados em uma pesquisa consiste no fato de se ter que reconstituir, de

maneira sintética, o mundo verbalizado obtido analiticamente com a manipulação e

sistematização das informações colhidas pelas técnicas de coleta de evidências.

Nesta pesquisa os dados foram analisados em quatro fases. Na primeira, os dados

foram analisados utilizando-se técnicas qualitativas dedutivas (Eisenhardt, 1989),

inicialmente informadas pelo framework conceitual da pesquisa, com foco na trajetória das

empresas, enquanto permanecendo alerta para as ideias que emergiam dos dados. A

segunda fase da análise, denominada de indutiva, consistiu de várias leituras das

transcrições das entrevistas e do arquivo de dados para a identificação das atividades e

temas relacionados ao foco da pesquisa. Esses dados eram então sistemática e

progressivamente codificados usando-se o software NVivo 9, da QSR International.

Durante a codificação, cuidadosa atenção foi dada à forma como os respondentes

descreviam e davam sentido aos eventos que caracterizavam a evolução da história da

empresa, o contexto externo e as mudanças que foram se sucedendo, à medida que as

empresas se consolidavam, cresciam, enfrentavam crises e sobreviviam. Essa primeira

codificação foi muito detalhada e incluiu grande número de “nós”, termo adotado pelo

NVivo para caracterizar as categorias de análise codificadas.

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Nesta segunda fase, para melhor representar os dados dos “nós” codificados, eles

foram comparados num nível teórico e modificados num processo contínuo de

refinamento. Várias tentativas foram feitas para transformar o grupo inicial de “nós” em

categorias, cada uma representando um conceito abstrato de ordem superior. Esse processo

de análise dos dados foi semelhante ao utilizado por Paroutis & Pettigrew (2007) para o

estudo sobre as equipes de práticas estratégicas. No refinamento das categorias, a descrição

da codificação de todos os “nós” foi exaustivamente lida, procedendo-se a uma “limpeza”

do conteúdo do texto, uma vez que, seguindo o procedimento do NVivo, a codificação foi

realizada pelo texto ainda bruto das transcrições das entrevistas. Também uma volta às

referências da literatura ajudou a moldar e refinar os conceitos iniciais.

À medida que a codificação prosseguia, a análise focou o esforço de se produzir um

conjunto de categorias mais amplas, apresentadas e descritas na Tabela 7. No total, a partir

dessa análise iterativa dos dados, oito categorias de análise foram identificadas no processo

indutivo.

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Tabela 7

Categorias de análise identificadas na análise indutiva dos dados

Categoria Descrição

1. Ambiente de negócios Aspectos tecnológicos, econômicos, políticos ou sociais do

ambiente externo no país e/ou no mundo que impulsionaram

ou restringiram o desenvolvimento da empresa.

2. Características do fundador Características pessoais, profissionais, experiência, perfil de

liderança e de decisão do fundador.

3. Participação da família na criação e desenvolvimento da empresa

Forma de atuação dos membros da família na propriedade e gestão, ao longo da trajetória da empresa.

4. Marcos da trajetória Eventos que determinaram uma mudança de patamar nos

negócios ou que marcaram de forma expressiva o

desenvolvimento da empresa.

5. Mudanças ocorridas Alterações ou adaptações nos atributos estratégicos e/ou mudanças nas gerações de gestores.

6. Razões da longevidade Prováveis explicações para a longa sobrevivência da empresa.

7. Profissionalização da empresa Adoção de práticas administrativas mais racionais e menos personalizadas, integração de gestores profissionais ou

profissionalização dos gestores familiares.

8. Valores da empresa familiar Crenças e os conceitos básicos que caracterizam acultura,

expressos por meio da filosofia da organização, fornecendo o

senso de direção comum (Fleury, 1996).

Fonte: dados da pesquisa.

Este design abrangente proveu um rico conjunto de dados com base no qual foi

conduzida a terceira fase da análise. Três casos corporativos foram preparados e

organizados no capítulo “Descrição de dados” deste trabalho. A descrição detalhada dos

casos evidenciou, longitudinalmente e de forma retrospectiva, a trajetória das empresas

compreendida entre o ano de início das suas atividades e o momento da coleta de dados,

realizada entre os meses de outubro de 2012 a fevereiro de 2013. As três trajetórias foram

inicialmente organizadas em sequências cronológicas, demarcadas pelas situações de

mudança estratégica que correspondiam a situações de renovação estratégica, captadas

indutivamente. Com a análise interna concluída, procedeu-se à quarta e última fase da

análise apresentada no capítulo “Análise cruzada dos casos”. A comparação cruzada dos

casos utilizou o recurso da estratégia mista de análise cruzada, uma combinação da

estratégia orientada pelo caso com a estratégia orientada pelas variáveis, descritas por

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Miles & Huberman (1994), numa forma denominada pelos autores de “empilhamento de

casos comparáveis”8.

Para a análise cruzada, os eventos marcantes de cada fase das trajetórias das

empresas foram dispostos numa metamatriz para permitir a comparação dos casos e

discussão dos resultados com base na teoria desenvolvida no referencial teórico, buscando

explicações para os resultados obtidos ao longo do desenvolvimento das trajetórias. Os

dados consolidados na metamatriz revelaram, indutivamente, que o recorte das fases das

trajetórias ocorria não em função da sua cronologia, mas dos momentos, das situações de

mudança de atributos estratégicos e do tipo de aprendizagem ocorridos nas três empresas,

além de permitir a identificação da origem dos impulsionadores das mudanças

identificadas. Verificou-se que duas situações distinguiam os casos, pois tanto na HASA

como na Delp o mecanismo impulsionador da renovação estratégica foi o ambiente

externo. Já na PUR, de forma distinta das outras duas empresas, a renovação foi

impulsionada pelo ambiente interno. Mas também se averiguou que o tipo de

aprendizagem nos casos da HASA e Delp era o single-loop learning e na PUR do tipo

double-loop learning. Decidiu-se, então, apresentar os dados da análise cruzada dos casos

pela descrição de dois tipos: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e

aprendizagem single-looping learning – HASA e Delp – e renovação estratégica

impulsionada pelo ambiente interno e double-loop learning – PUR.

Nessa fase, a análise prosseguiu fundamentada nos dados, numa abordagem indutiva,

buscando identificar as relações de causalidade entre a renovação estratégica, a

longevidade do empreendimento familiar e a aprendizagem organizacional, seguida da

discussão teórica dos resultados, retornando à base teórica apresentada no referencial

8 Staking comparable cases, no original em inglês.

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teórico. Cabem aqui algumas considerações sobre a tarefa de explicar cientificamente,

recorrendo-se às considerações de Yin (1981) e Miles & Huberman (1994).

Quando se opta por estudo de casos, três caminhos podem ser adotados para a análise

de evidências: escrever narrativas, adotado na terceira fase da análise ao se escrever cada

um dos casos que compuseram esta pesquisa; tabular eventos significativos, e um último, o

caminho da construção de explicações, técnica relevante em situações como a presente, em

que se visou a explicar o fenômeno da longevidade das organizações familiares e que

representa uma importante variedade utilizada nos estudos de casos.

A técnica da explicação consiste de uma descrição acurada dos fatos do caso,

apresentação de considerações sobre as alternativas de explicações sobre esses fatos e

conclusões baseadas em uma única explicação, que se mostra mais congruente com os

fatos. É um tipo de processo de enquadramento em padrões que podem ser aplicados tanto

em casos únicos ou múltiplos, pois o padrão deve se encaixar nas múltiplas dimensões

derivadas de uma explicação da teoria (Yin, 1981). Tal como adotado neste estudo, a tarefa

de explicar envolve uma rede complexa de condições e fatos e o problema central foi

desenhar conclusões bem fundamentadas dessas múltiplas relações. Para tal, o esquema de

trabalho adotado envolveu alguns passos e a recomendação de Miles & Huberman (1994) é

de que o pesquisador se mantenha firme e fiel a esses passos durante o processo de análise,

iniciando-se pelo entendimento de cada caso em particular e evitando o erro da

superficialidade.

Deve-se evitar a análise pela sumarização de, por exemplo, diferenças e similaridades

ou por apenas algumas variáveis comuns de interesse, e assegurar que a rede de condições

– causas, efeitos, resultados e sequências temporais – presentes na configuração de cada

caso em particular - sejam preservadas. Os autores recomendam, ainda, que sejam

combinadas as estratégias de análise orientadas pelas variáveis do modelo teórico com o

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entendimento dos aspectos do caso que possam suscitar mudanças no modelo. Finalmente,

aprofundar, surpreender-se, repensar, expandir as ideias e revisar as teorias quando se

confrontar com casos que se desviam das explicações emergentes, não tomando esses

casos desviantes como erros ou exceções inaplicáveis, posturas que enriquecem a análise.

Observaram-se, ainda, algumas determinantes da relação de causalidade citadas por

Miles & Huberman (1994), entre elas: ênfase local, que se refere ao fato de que a

causalidade é, em última análise local, relacionada a eventos específicos próximos no

tempo; complexidade causal, que considera que as causas de um evento particular são

sempre múltiplas e conjunturais, combinam e afetam cada uma bem como seus efeitos,

sendo necessário que se pense em causas e efeitos como se estivessem arranjados em uma

rede; temporalidade, que acredita que os eventos humanos dependem do tempo; e,

retrospecção, que tem na causalidade essencialmente um problema de retrospectiva, não se

podendo relatar os efeitos de um evento antes que ocorra. Com essas orientações para a

definição das relações de causalidade, encerra-se o capítulo da metodologia, que antecede a

descrição dos dados, apresentando os casos corporativos da HASA, Delp e PUR.

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4 Descrição dos Casos

4.1 Caracterização da empresa HASA

A Horácio Albertini Comércio e Indústria Mecânica Ltda. (HASA) é uma empresa

familiar, de capital 100% nacional, focada em projeto, fabricação de equipamentos e

serviços de manutenção para os setores de siderurgia, mineração, metalurgia, cimento,

portuário, petroquímico e energético. A empresa foi criada em 1933, no bairro de Santa

Tereza, na cidade de Belo Horizonte, por Horácio Albertini e seus dois filhos mais velhos,

Rêmulo e Anunciata Albertini. Em 2013, completou 80 anos de existência e é considerada,

segundo critério adotado pelo SEBRAE9, uma empresa de médio porte. A HASA conta

com quadro de 100 funcionários atendendo a um vasto portfólio de clientes composto de

empresas nacionais e multinacionais, em sua grande maioria de grande porte. Entre as

empresas clientes mais renomadas estão a Alumínio Brasileiro S/A. (ALBRAS), Consórcio

de Alumínio do Maranhão (ALUMAR), Arcelor Mittal, Camargo Correa, Companhia

Energética de Minas Gerais (CEMIG), Celulose Nipo-Brasileira S/A. (CENIBRA), Cost,

Insurance and Freight (CIF), Consorzio Macchine Utensili (COMAU), Companhia

Siderúrgica Nacional (CSN), Fabbrica Italiana Automobili Torino (FIAT), Fertilizantes

Fosfatados S/A. (FOSFÉRTIL), Gerdau, Holcim, Kinross, Lafarge, Cimentos LIZ,

Petróleo do Brasil S/A. (PETROBRÁS), Samarco, Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais

(USIMINAS), Vale do Rio Doce e Vallourec & Mannesmann (VM).

9 Critério de classificação do porte das empresas por número de empregados do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), adotado pelo SEBRAE: Indústria: micro - com até 19 empregados; pequena

- 20 a 99 empregados; média - 100 a 499 empregados; grande - mais de 500 empregados. Comércio e

serviços: micro - até nove empregados; pequena - 10 a 49 empregados; média - de 50 a 99 empregados;

grande: mais de 100 empregados. Obs.: o presente critério não possui fundamentação legal; para fins legais,

vale o previsto na legislação do Simples (Lei 123 de 15 de dezembro de 2006) (Portal SEBRAE, 2014).

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108

A atividade principal da empresa, segundo seus gestores, sempre esteve relacionada à

indústria mecânica, considerada como paixão e foco do negócio. É evidente o

envolvimento da família Albertini com a declarada missão “de projetar, fabricar

equipamentos, peças e também prestar serviços para os clientes, provendo as soluções

demandadas por eles com qualidade, pontualidade e custo adequado para ambas as partes,

promovendo assim o desenvolvimento mútuo” (HASA, 2013). De acordo com os

entrevistados, “foi com a indústria mecânica que construímos a usina, as nossas vidas

particulares, de cada sócio, de cada filho” (entrevista n. 3).

Assim, completar 80 anos de existência é sinal de sucesso para seus gestores, os

quais reconhecem que “empresas sobreviventes no ramo por mais de 50 anos são raras”

(entrevista n. 2). Ao longo do tempo, a indústria mecânica passou por várias transições,

entre elas a de tecnologia, de produtos e do perfil dos clientes (entrevista n. 1). A HASA

acompanhou essas mudanças enfrentando a rivalidade de empresas que estão, segundo os

entrevistados, principalmente “sediadas no estado de São Paulo” (entrevista n. 1).

Entretanto, tal concorrência não abalou a estrutura tipicamente familiar da empresa.

Constata-se que a HASA mantém-se como uma empresa tipicamente familiar,

controlada e gerida por familiares. Da sua criação, em 1933, ao seu momento atual, em

2013, participaram e atuam no seu desenvolvimento quatro gerações da família Albertini.

4.1.2 As gerações dos Albertini na HASA

Primeira geração: o fundador Horácio e seus filhos Rêmulo e Anunciata

A HASA iniciou suas atividades com Horácio Albertini, filho dos imigrantes

italianos que herdou do pai a tradição de trabalhar em serviços de mecânica e serralheria na

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109

montagem e manutenção de equipamentos, em fazendas no interior de Minas Gerais. Antes

de abrir a empresa, em 1921, Horácio mudou-se para São Paulo-SP e iniciou um curso de

mecânica de automóveis. Concluído o curso, retornou ao estado de Minas Gerais e

instalou-se em Pium-í, uma cidade do interior do estado de Minas Gerais, para trabalhar

como responsável por uma oficina autorizada em manutenção de veículos da marca Ford.

No início dos anos de 1930, já casado com Antonieta e com cinco filhos, Horário

sentiu-se atraído pelo crescimento de Belo Horizonte (MG) e, vislumbrando o

desenvolvimento de um centro industrial, decidiu mudar-se para a cidade. Na capital, após

trabalhar com Victor Purri, considerado o “capitão da indústria mecânica” de Minas

Gerais, montou uma pequena oficina, até que em 1933 criou com os seus filhos mais

velhos, Rêmulo e Anunciata Albertini, a HASA.

Horácio Albertini é descrito como uma pessoa de valores muito arraigados, um

homem dedicado, criativo, focado principalmente no trabalho e na empresa. Segundo os

entrevistados:

Valores Rígidos. Não seriam arcaicos, seriam rígidos. Não bebia, era muito

determinado no que queria, era muito exigente com os funcionários, com as pessoas,

com os filhos, extremamente trabalhador (entrevista n. 2).

Muito dedicado, tinha uma boa visão e estava sempre pensando em máquinas e

equipamentos, não pensava em outro tipo de coisa, queria ter todo tipo de ferramenta.

Apesar de existirem os desenhistas, ele era o criador, juntamente com o Rêmulo,

também muito dedicado. Como consequência, nós sempre trabalhamos focados na

manutenção [...] Das atividades da indústria mecânica, Horácio tinha uma nítida

preferência pelas atividades de manutenção e se envolvia totalmente com a empresa,

uma vez que a considerava como o seu meio de sobrevivência (entrevista n. 1).

O fundador teve presença marcante na empresa por 39 anos até que, em 1972,

afastou-se da direção e, em 1975, faleceu.

Após o falecimento do seu Horácio e da sua esposa Antonieta, a propriedade da

HASA foi transferida aos seus filhos que já atuavam na empresa, Rêmulo, Anunciata e

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Luiz César, e aos seus outros quatro filhos (um filho falecido e três filhas), que não

participavam diretamente da administração da empresa. Essa situação levou praticamente à

cisão da Horácio Albertini. Então, a família procedeu a negociações, permanecendo como

sócios os três irmãos - Rêmulo, Anunciata e Luiz Cesar. Os outros herdeiros se desligaram

da sociedade e criaram uma outra empresa.

Rêmulo, o filho do fundador, iniciou com o pai e permaneceu na empresa por 60

anos até falecer, em 1993. Sua função na empresa sempre esteve ligada à área comercial,

responsável pelos orçamentos, apesar de também dar sua a contribuição na produção, dada

a grande experiência adquirida no negócio. Após a morte do Sr. Horácio, Rêmulo assumiu

a direção da empresa, sendo muito admirado e respeitado, especialmente pelo irmão mais

novo, Luiz César, que já estava atuando na empresa na época. Mesmo com perfis e estilos

diferentes, Rêmulo, mais voltado para o comercial, muito calmo, e Luiz Cesar, homem de

produção, de temperamento mais inquieto, prevalecia entre os irmãos respeito e hierarquia,

como relata a entrevistada n. 2:

O respeito entre os irmãos Rêmulo e Luiz Cesar sempre foi uma característica forte,

um valor forte da empresa. [...] Destaco o respeito entre as gerações. Cada um

respeitou muito a hierarquia e a decisão do outro, cada um na sua área. Apesar do

Rêmulo e o Luiz Cesar serem dois homens de produção, eram diferentes, porque o

seu Luiz Cesar era o homem de chão de fábrica. Apesar do seu Rêmulo também ir lá

e palpitar, ele também conhecia muito da mecânica lá dentro e fazia os orçamentos. E

o Luiz Cesar tinha por ele uma paixão e respeito de filho pela diferença de idade. [...]

Rêmulo era como um pai para o Luiz Cesar. São duas personalidades completamente

opostas, ele é o explosivo e o seu Rêmulo era a tranquilidade total, não tinha nada

que o abalasse. E, nesses anos todos que trabalharam juntos, eles nunca tiveram uma

discussão, nunca um foi para casa aborrecido com o outro.

Anunciata iniciou suas atividades em 1938 e afastou-se em 2004, atuando por 66

anos nas atividades administrativas da empresa. Sua entrada e participação na empresa é

um aspecto que marca um comportamento inovador de Horácio, o fundador, dada a

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raridade da presença de mulheres no ambiente empresarial na primeira metade do século

XX.

Os três, Horário Albertini e os seus dois filhos mais velhos, Rêmulo e Anunciata,

representam a primeira geração da família à frente dos negócios.

A segunda geração: Luiz Cesar e José Marcus

A segunda geração de proprietários da HASA é formada por membros de três

núcleos da família Albertini. O primeiro núcleo é representado pelos herdeiros de Rêmulo,

que receberam por herança 40% do capital social da empresa e mantiveram-se afastados da

gestão da empresa. O segundo núcleo é composto pelo único filho e herdeiro de Anunciata,

José Marcos Girardelli (57 anos), que recebeu por herança 20% do capital social e ocupa o

posto de diretor comercial. O terceiro núcleo é formado pelo filho mais novo de Horário,

Luiz César Albertini (73 anos), diretor superintendente da HASA. Desses, Luiz César e o

seu sobrinho, José Marcos, representam a segunda geração de proprietários e gestores da

HASA.

Luiz César Albertini possui cota no valor de 40% do capital social da empresa.

Iniciou suas atividades aos 17 anos, tendo compartilhado com o pai e os dois irmãos mais

velhos da consolidação e do crescimento da HASA. Foi na gestão de Luiz César Albertini

que ocorreram a diversificação da indústria mecânica com a entrada no segmento da

forjaria, a modernização do parque industrial com a introdução das máquinas de controle

numérico e a informatização da empresa. O outro representante da segunda geração é o

engenheiro e administrador José Marcos Girardelli, sócio com cota no valor de 20% do

capital, seu atual diretor comercial.

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A terceira geração: Maria Hermínia e Horácio Neto

A terceira geração de gestores da família é representada por dois dos filhos de Luiz

César Albertini que atuam na condição de profissionais familiares não sócios, Maria

Hermínia Monteiro Albertini e Horácio Albertini Neto.

Maria Hermínia é advogada, exerce a função de gerente administrativa financeira e

trouxe para a empresa a sua experiência na área tributária e fiscal, adquirida em escritórios

jurídicos especializados em recuperação de créditos e refinanciamento de dívidas. Essa sua

experiência foi fundamental na superação de uma crise financeira vivida pela empresa nos

anos 2000, além de contribuir na introdução de mais profissionalização na gestão

administrativa da empresa.

Horácio Albertini Neto tem formação em Engenharia Civil e Mecânica, Mestrado e

Doutorado em Engenharia Mecânica e exerce a função de gerente da fábrica. Desde a sua

entrada na empresa foi direcionado para a área de produção e, como gestor, foi responsável

pela informatização dos processos de negócio e pela introdução das máquinas de controle

numérico (CNC) no processo produtivo. Segundo os entrevistados, herdou do pai e do avô

a mesma paixão por máquinas e equipamentos, direcionando a sua formação e experiência

para o negócio da família.

A quarta geração: Raquel, Adriano e Catarina

Três membros da quarta geração da família também já integram o quadro da empresa

na condição de profissionais familiares não sócios. Na área comercial atuam Raquel, neta

de Rêmulo Albertini, e seu marido, Adriano, como chefe de vendas; e Catarina, filha de

José Marcos, atua na área comercial. Mantendo a tradição iniciada com o fundador de que

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não exista alguma restrição para o acesso de novos parentes interessados no negócio, há a

expectativa de que outros representantes da família, hoje na sua quarta geração, ainda

poderão vir a atuar na empresa. Observa-se que, como não existem restrições à entrada de

familiares, a presença de membros de várias gerações vem se consolidando ao longo da

história da empresa, convivendo hoje representantes da segunda, terceira e quarta gerações.

De fato, a participação da família na empresa se revela uma tradição, iniciada ainda no

tempo dos fundadores, permanecendo na quarta geração, conforme o gestor:

Sempre trabalhamos juntos. Eu trabalhei durante muitos anos com meu pai, comecei

aos 17 anos. E o Rêmulo muito mais ainda, pois era o mais velho. E Anunciata

começou a trabalhar com ele por volta de 1938, no escritório, e ficou por esse

período todo (entrevista n. 1).

A participação da família na empresa, dos fundadores à quarta geração, é sumarizada

na Tabela 8.

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114

Tabela 8

A participação da família na criação e desenvolvimento da Horácio Albertini

Ano/Período Evento Atores/tempo de empresa Papel na

trajetória

Função na empresa

% na propriedade

1933

Criação da

empresa

Horácio Albertini

(1933 a 1972) Fundadores

1ª. Geração

Sócios gestores

100% do capital

Rêmulo Albertini

(1933-1993)

Anunciata Albertini

(1938 -2004)

1956/atual

Crescimento

e

consolidação

da empresa

Visão de

negócio

Luis Cesar Albertini

(1956-atual)

2ª. Geração

Diretor superintendente 40%

do capital

Espólio de Rêmulo Albertini Sócios sem função na

empresa

40% do capital

José Marcos Girardelli (filho

de Anunciata)

(1976-atual)

Diretor comercial

20% do capital

2000/atual

Inovações na

gestão e no

processo

produtivo

Maria Hermínia

(2000-atual)

3ª. Geração

Gerente administrativa

Profissional

Horácio Neto

(2002-atual)

Gerente da fábrica

profissional

Período

atual

Participação

nas atividades

comerciais

Raquel

(Neta do Rêmulo)

4ª. Geração

Área comercial profissional

Adriano

(Marido de Raquel)

Chefe de vendas

profissional

Catarina

(filha do José Marcus)

Área comercial profissional

Fonte: dados da pesquisa.

Assim sendo, quatro gerações Albertini participaram da trajetória da HASA,

descrita a seguir.

4.1.3 A trajetória da HASA

A apresentação da trajetória da HASA foi organizada cronologicamente em quatro

fases. A primeira fase corresponde ao período que vai do ano de 1933 a 1974, registrando

em 41 anos a criação e o apogeu do negócio. A segunda fase, ocorrida entre 1974 e 1984,

tem como fato mais marcante a presença da segunda geração de gestores da família

decidindo os rumos da empresa, promovendo a diversificação do negócio. A terceira fase

durou 17 anos, entre 1985 e 2002, e demarca-se pela implantação da atual planta, a

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recuperação financeira da empresa e a entrada da terceira geração de gestores familiares. A

quarta e última fase, registrada entre os anos de 2002 e 2013, quando se realizou esta

pesquisa, é caracterizada pela inovação tecnológica do parque industrial, pela adoção de

novas práticas de gestão e a participação na gestão da terceira e quarta gerações de gestores

familiares. Nas seções seguintes descrevem-se os eventos marcantes de cada fase.

4.1.3.1 A primeira fase: de 1933 a 1974 – A criação e o apogeu do negócio

A trajetória da HASA iniciou-se em 1933, motivada pelo senso de oportunidade de

Horácio Albertini que, valendo-se da sua experiência profissional, abriu a HASA em uma

área de pouco mais de 2.000 metros, onde coexistiam a oficina mecânica e a sua moradia.

Cabe ressaltar que, diferentemente dos outros italianos, que construíam a casa na frente e

no fundo a oficina, Horácio deu à empresa destaque especial, colocando-a voltada para a

rua, de forma a chamar a atenção dos futuros possíveis clientes.

Nos primeiros 15 anos, até 1945, a HASA contava com as demandas de duas grandes

empresas, Companhia Siderúrgica Belgo Mineira e a antiga Companhia Força e Luz de

Minas Gerais, precursora da Cemig. Apesar dos poucos clientes iniciais, ao iniciar as suas

atividades a HASA já era praticamente líder no mercado. Segundo os entrevistados, “uma

referência” (entrevista n. 3).

Em 1945, os fundadores decidiram ampliar a empresa, mediante a construção de uma

nova planta e novos investimentos em ferramentas e equipamentos de trabalho. Em 1956,

quando a nova planta já estava em operação, Luiz Cesar, o filho mais novo de Horácio,

ingressou nos quadros da HASA. Segundo os entrevistados, a entrada de Luiz Cesar

representaria uma nova concepção de gestão para a empresa, marcada por duas

características. Uma gestão mais racionalizada e enfoque mercadológico. Imputam-se o

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crescimento e a evolução da empresa à entrada de Luiz Cesar, o qual, simultaneamente,

representou um novo valor de gestão, a profissionalização do negócio.

Em Santa Tereza, na rua Hermílio Alves, foi quando começamos a evoluir muito. Na

época, entrou na empresa o filho mais novo, Luiz Cesar, que representou realmente

um upgrade muito grande. Porque o meu avô e os meus tios achavam que trabalhar

era suficiente, mas não é só isso, você tem que trabalhar e tem que ter o algo mais.

Ele começou a selecionar clientes, dar aquele formato de negócio à empresa. Fomos

crescendo, evoluindo (entrevista n. 3).

Luiz Cesar, primeiro representante da segunda geração, introduziu na empresa uma

maneira de compreender o sentido do trabalho diferente da primeira geração. Na

visão da neta, para os fundadores, trabalhar significava sobreviver ou: “eles [os

fundadores] trabalhavam muito, mas não é esse tipo de trabalho que a gente faz hoje,

é um trabalho para sobrevivência, para ter dinheiro para pagar as contas. Então,

trabalhar era mesmo uma luta para viver” (entrevista n. 2).

Cabe ressaltar que nesses anos iniciais da existência da HASA a indústria no estado

de Minas Gerais era incipiente. Foi a criação do Fundo de Garantia por tempo de Serviço

(FGTS), em 1966, que reduziu o passivo trabalhista de várias empresas e trouxe

significativa melhoria no desenvolvimento econômico do país. Em consequência, a

inflação reduziu-se, a indústria automobilística cresceu e, juntamente com as hidrelétricas e

as construtoras, beneficiou o desenvolvimento da indústria mecânica, que cresceu

fornecendo produtos por encomenda em proporções cada vez maiores (Pereira & Faria,

2007). Nesse mesmo período, o programa de construção de rodovias, que já havia sido

iniciado com o governo de Juscelino Kubitschek – JK (1956-1961), trouxe nova demanda

para a HASA, com a fabricação de peças para os tratores da marca Caterpillar que eram

utilizados nos serviços de terraplanagem para a abertura das rodovias (Pereira & Faria,

2007). O advento da chegada ao país dos tratores Caterpillar, empregados nas obras

rodoviárias, fez surgir várias empresas no ramo da construção pesada, que, por sua vez,

passaram a demandar os serviços da HASA, levando-a a um novo patamar de negócios,

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possibilitando a transferência da fábrica para uma nova planta e investimentos em

ferramentas: “Vieram essas máquinas Caterpillar e com elas as grandes empresas de

terraplenagem e construtoras que existem até hoje: a Construtora Andrade Gutierrez,

Mendes Júnior, Barbosa Melo, Construtora Tratex” (entrevista n. 1).

Todas as construtoras mineiras que foram surgindo em decorrência do programa de

construção de rodovias se desenvolveram como clientes da HASA, pelo fato de que ela era

a única fornecedora de peças para os tratores Caterpillar. Nesse período, a HASA ampliou

a sua linha de produtos, expandiu-se para outras praças, ampliou e diversificou clientes.

Além de manter-se nos serviços de fabricação de peças por encomenda e na manutenção de

equipamentos, abastecendo o mercado de construtoras mineiras e dos estados de São Paulo

e do Rio de Janeiro, a HASA iniciou a fabricação de peças seriadas e começou a atender

também ao mercado de siderurgia. Com as grandes construtoras e as siderúrgicas, o rumo

dos negócios começou a ficar mais interessante.

Nessa época chegamos a ter uma linha de fabricação de peças para tratores

Caterpillar bastante grande, além dos itens de manutenção, que já fabricávamos

quase que em série para abastecer o mercado brasileiro. E logo após o advento das

estradas e dos tratores, começaram a surgir as grandes siderúrgicas como a Volta

Redonda e a Companhia Siderúrgica Nacional e, mais tarde, a Usiminas (entrevista n.

3).

O desenvolvimento do estado, e do país como um todo, no mesmo período de

crescimento da HASA, a partir dos anos 1960, foi impulsionado pelo governo JK, que

criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) (Santos & Buritis, 2014),

considerado um marco histórico porque viabilizou os esforços, os planos e as iniciativas

referentes ao parque automobilístico nacional. A nova indústria trouxe consigo o

desenvolvimento dos outros elos da cadeia produtiva, especificamente, o das retíficas de

motores. A consequência positiva para a HASA foi o surgimento de novos clientes.

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Entretanto, a nova indústria também trouxe consequências negativas decorrentes do

impacto que provocou no mercado de mão-de-obra. De acordo com os entrevistados, com

a chegada da indústria automobilística a retenção na empresa da sua mão-de-obra mais

qualificada e experiente tornou-se um problema, visto que tanto a indústria automobilística

como as retíficas de motores, em franco crescimento ofereciam melhores salários e

condições de trabalho, atraindo seus empregados.

A HASA começou a perder mão-de-obra treinada e experiente para as novas fábricas

e oficinas e naquele momento a empresa não se encontrava em condições de equiparar os

salários aos do mercado. Essa situação, acompanhada de perto pelo representante da

segunda geração, Luiz César, serviu de oportunidade para que o mesmo interviesse no

processo decisório e apresentasse uma solução para o problema, com a criação de prêmios

de produtividade que veio a se revelar um sucesso e demarcou a sua presença no processo

de gestão da empresa. Para equacionar a questão de retenção da mão-de-obra, criada pelo

advento da indústria automobilística, Luiz Cesar apresentou aos sócios a ideia de criarem

prêmios que ajudariam na retenção e valorização dos empregados, premiando a

antiguidade e experiência dos mesmos, como relata o entrevistado:

Refleti com o papai e o Rêmulo: não podíamos mais perder o pessoal. Chega de ser

escola dos outros. E não podemos tomar empréstimo. Tínhamos muitos funcionários

com mais de 10 e 15 anos de casa. Propus o seguinte: nós vamos dar uma geladeira

de presente para todo mundo que tiver mais de 10 anos de casa, uma máquina de

costura para os que tiverem mais de cinco anos de casa. Na época, todo mundo ficava

enlouquecido com uma geladeira, e era difícil comprar. Fui à Mesbla e fiz uma lista

com mais ou menos 40 brindes. O resultado? Os prêmios ficavam guardados, todo

mundo sabia, mas ninguém sabia para o que eram. A coisa ia vazando devagarzinho e

deu o maior resultado entre os empregados. No ano seguinte foi televisão e a coisa

foi evoluindo até acabar. O resultado sobre a produção foi espetacular, a

produtividade melhorou a olhos vistos. Começamos a ter um fluxo financeiro melhor

e pude fazer as correções que gostaria. E essa prática de dar esse brinde perdurou por

quase uns 10 anos. [...]

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[...] Resolvido o problema de reter a mão-de-obra, os negócios começaram a

melhorar também, porque a engenharia, de modo geral e, particularmente, a indústria

mecânica fortaleceram-se no país. E então, o crescimento da empresa apresentou

outro problema cuja solução evidenciou, novamente, a participação da segunda

geração para inovar nos métodos gerenciais, criando uma nova situação de sucesso.

A prática adotada na programação da produção seguia um fluxo direcionado pela

pressão exercida pelos clientes, que queriam ver os seus pedidos atendidos com prioridade.

A área comercial executava com competência o processo de venda, mas não se preocupava

com os prazos de entrega ou de como escalonar o atendimento aos pedidos. A regra, como

realça o entrevistado n. 1, era obedecer à pressão dos clientes: “quem chegava primeiro e

gritava mais, levava. E os clientes que não gritavam, por serem muito grandes e

complexos, ficavam abandonados”.

Muitos pedidos importantes eram postergados. Começava a ser difundida uma

imagem de que a empresa executava serviços de qualidade, mas não atendia aos prazos

contratados. Serviços foram perdidos e clientes deixavam de encaminhar novas

encomendas. Luiz Cesar, preocupado com a manutenção e satisfação dos clientes,

introduziu a ordem de produção, que definia a prioridade de execução das encomendas, ao

mesmo tempo em que possibilitava controlar o consumo dos insumos básicos e o custo de

produção. Segundo ele:

Decidi botar um pouco de ordem na coisa, criamos a ordem de serviço. Foi difícil

introduzir, porque perguntávamos por que você tá fazendo isso? Cadê a ordem de

serviço? Você não pode fazer, você tem que ter a ordem de serviço. Com a OS

implantada começamos a perceber o seguinte: existiam alguns ramos de negócio

mais rendosos do que o nosso. Isso é sempre normal, não adianta, sei que tem coisa

que é muito melhor do que a indústria mecânica. Então, dentro daquilo que existe,

vamos trabalhar, ser bom no que sabemos fazer.

Nessa fase, a HASA cresceu, expandiu e adquiriu uma imagem bastante forte no

mercado. O crescimento ocorreu devido à oportunidade de um panorama ambiental

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bastante favorável. O fundador, principal responsável pela decisão de investimentos,

baseava as suas decisões na experiência, conhecimento do ofício e relacionamentos

desenvolvidos no mercado de empresas da construção pesada, hidroelétricas e da indústria

automobilística. Nessa fase ocorreu a entrada da segunda geração de gestores da família,

interferindo no início da profissionalização da empresa e na construção de uma nova visão

do negócio. Uma síntese dessa primeira fase é apresentada na Figura 2.

Figura 2 - 1ª fase da trajetória da HASA – 1933-1974. Fonte: dados da pesquisa.

4.1.3.2 A segunda fase: de 1974 a 1984 – a segunda geração decide os rumos da empresa

com a forjaria em Vespasiano-MG

A segunda fase da trajetória da HASA coincide com um momento econômico

importante, quando o Brasil resolveu criar o 2º Plano de Expansão da Siderurgia, na

década de 1970. Essa ação resultou em expressivo aumento da demanda por aço entre os

forjadores, fornecido pela Mannesmann, Belgo Mineira e Villares. A grande concorrente

da HASA nessa época era a Açoforja, que já havia se associado à Mannesmann, numa

parceria que se baseava na participação acionária do então grupo alemão com a Açoforja, o

que assegurava a esta última o abastecimento da matéria-prima necessária. Os outros dois

fornecedores, a Belgo Mineira e a Villares, não tinham condição de fornecer, porque não

Experiência do

fundador

Criação da

empresa

Contexto

econômico

favorável Consolidação e

crescimento da

empresa Entrada da

2ª. geração

na empresa

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iriam tirar da sua própria produção para fornecer à HASA. Começavam aí os problemas

com os fornecedores de aço. Pressionada, a empresa partiu para uma grande expansão, com

o objetivo de obter o seu próprio aço.

Esse problema com o desabastecimento de aço foi o marco inicial da ação da

segunda geração, representada por Luiz Cesar, na direção dos rumos da empresa. Horácio,

o fundador, havia se afastado da direção em 1972 e Rêmulo compartilhava com Luiz Cesar

a direção da empresa, o primeiro atuando na área comercial e o segundo, na industrial.

Ante o quadro de desabastecimento do aço, Luiz Cesar tratou de encontrar uma solução

para os problemas decorrentes da falta de matéria-prima, enfrentando até mesmo a vontade

do pai, que durante todo o seu tempo à frente da direção da HASA sempre se opôs a atuar

no ramo da fundição. Segundo o entrevistado, “o seu Horácio nunca quis se envolver com

fundição, apesar de amar a forjaria não gostava da fundição porque tivera experiências

ruins no passado” (entrevista n. 1).

Luiz Cesar convenceu o irmão, Rêmulo, com quem dividia a direção da empresa, de

que não havia solução alternativa, planejou a construção de uma forjaria e fundição que

lhes supriria com os lingotes utilizados como matéria-prima, tornando-os autossuficientes

em aço e prontos para fazerem crescer a indústria mecânica. E assim:

Nós idealizamos a coisa da seguinte forma: vamos criar uma forjaria e fundição, para

depois expandirmos a indústria mecânica. E a coisa caminhou dessa forma. Nós

tínhamos que adotar a fundição porque a matéria-prima da forjaria é o lingote, o

fundido que eu não conseguia comprar (entrevista n. 1).

O projeto da forjaria começou em 1973, com a aquisição do terreno em Vespasiano-

MG. Em 1976, o projeto foi apresentado para análise econômica e de viabilidade pelo

Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e, no final de 1978, a construção da

planta estava concluída. O capital necessário em parte foi próprio e em parte obtido por

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meio de financiamento junto ao BDMG. Segundo o entrevistado, ele estava seguro de ter

tomado a decisão correta e, portanto, não poupou esforços para construir a usina e tornar a

HASA autossuficiente em aço.

A forjaria entrou em operação, iniciando o fornecimento para a indústria mecânica.

Entretanto, esse momento ocorreu, simultaneamente, com o início da famosa “década

perdida”, os anos 1980, marcados por perdas econômicas, aceleração da inflação, fraca

produção industrial, perda do poder de compra dos salários e nível de empregos, levando o

país, no fim dos anos 1980, à hiperinflação (Bahry & Porcile, 2004). Houve grande

retração do mercado e os clientes da HASA, praticamente, desapareceram. Não havendo

novos pedidos para a indústria mecânica, não se consumia matéria-prima ou o aço da

forjaria. A direção da HASA concluiu que teria que reduzir no limite e interromper a

produção de lingotes, pois o mercado estava em crise: “quando resolvemos o nosso

problema de abastecimento de matéria-prima, aconteceu um desastre: acabou o mercado.

Era o início dos anos 80, a famosa década perdida” (entrevista n. 1).

Foi um período extremamente difícil para a indústria, para o país. Concorriam com a

HASA a Villares, Açoforja, Nossa Senhora Aparecida, Eletro Metal e a Forjas Acesita,

mais tarde, Krupp. Em determinada situação, os empresários dessas empresas se reuniram

para avaliar a situação e chegaram à conclusão de que estavam todos na mesma situação,

sem demanda e que apenas a produção de uma empresa, no caso a Villares, seria suficiente

para abastecer o mercado brasileiro inteiro. A situação era tão crítica que gerou muitas

dúvidas sobre como lidar com a produção. Segundo o entrevistado n. 1:

Ficávamos muitas vezes arranjando desculpa para não ligar o forno elétrico arco

voltaico. Até surgiu um forno de indução, que fazia o mesmo em condições muito

mais baratas, fáceis e com um investimento inicial muito menor. Mas, ligar o forno

para quê? Para nada. Para forjar o quê? Forjar e estocar barra? Eixos, engrenagens,

essas coisas normais. Então, o melhor era não fazer nada.

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Durante a fase da construção e no início da operação da forjaria, a indústria mecânica

sustentava todo o negócio. Os sacrifícios eram grandes, mas essa era a única possibilidade

de garantir a sobrevivência da empresa. Comprava-se matéria-prima da usina a preços de

custo e, dessa forma, reduziam-se os custos de produção na indústria. A orientação era

“produzir para arcar com os compromissos e dívidas contraídas para o novo investimento”

(entrevista n. 1). Porém, a situação continuou a se estrangular, a empresa foi reduzindo as

suas atividades, se ajustando. Inicialmente, em comum acordo com o sindicato, a jornada

de trabalho foi reduzida para quatro dias semanais, com diminuição de salário, evitando-se

a demissão de pessoal. Apesar de todas essas medidas, a situação agravou-se, levando a

significativa demissão de pessoal.

A crise na empresa perdurou até 1984, quando surgiu uma oportunidade de venda da

forjaria para a empresa de produção de equipamentos agrícolas Semeato, de Passo Fundo-

RS, que justamente buscava uma planta para produzir o aço para o seu próprio negócio. A

venda foi consumada e os negócios da HASA foram concentrados novamente na indústria

mecânica.

O processo de diversificação da empresa, com a entrada no ramo da siderurgia e

construção da forjaria, representou um passo de grande ousadia, mas o seu desfecho

submeteu a empresa a momentos extremamente críticos. Na opinião dos entrevistados,

houve um erro de avaliação do ambiente externo, que os levou a não perceber que o

negócio do aço, depois de viver um momento de grande expansão no país, já apresentava

sinais de retração quando decidiram pela implantação da Usina. A decisão, embora tenha

gerado resultados desastrosos, é relatada como uma experiência proveitosa que permitiu

aos dirigentes se valer da atitude de buscar mais informações no ambiente externo no

sentido de subsidiar as decisões futuras. Segundo o entrevistado n. 1:

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A usina foi um acerto e um erro. Nós devíamos ter partido para outro tipo de

negócio. Mas aprendemos com a usina a não fazer isso mais, aprendemos muito, não

tem dúvida. Quer dizer, a gente não cometeu mais os erros que a gente cometeu

naquela época, mas infelizmente aconteceu. [...] Reagimos e enfrentamos a situação

sem chegar ao ponto de adoecer ou qualquer coisa. Isso não aconteceu, mas aquela

chama quase que apagou. [...] Tranquilamente, acho que uma maior sistematização

na tomada de decisão, maior preocupação em obter informação que temos hoje pode

ser resultado do que aprendemos com a experiência da usina (entrevista n. 1).

Apesar da decepção com o projeto da forjaria, lembrada com tristeza pelos seus

idealizadores, para os jovens da terceira geração que na época estavam entrando no

negócio, ela é um marco na história da empresa e motivo de grande orgulho. Esses

consideram que a decisão de buscar a autossuficiência em matéria-prima pode até ter sido

tomada sem considerar todas as variáveis do mercado ou terem sido cometidos erros de

avaliação quanto à viabilidade do empreendimento, mas foi algo que marcou a trajetória da

HASA, projetando-a no cenário da indústria mineira. Além desses aspectos, a usina

representa a capacidade de sonhar e ousar que caracteriza os Albertinis, como explica a

entrevistada n. 2:

A forjaria! Ele [o Luiz César Albertini] fala “ah, me consumiu muitos anos e tudo”,

mas são coisas que acontecem. Mas, de fato, isso foi um grande marco para o nome

da empresa e para o conhecimento do Luiz César Albertini. Talvez tenha faltado de

fato o mercado no momento certo ou, talvez, uma ajuda profissional, mas, enfim, são

coisas que acontecem em todo empreendimento, às vezes dá muito certo e às vezes

não. Mas a gente não pode falar que foi um fracasso total. Não, foi uma coisa muito

vitoriosa. Uma pessoa com a visão dele, sonhando eu quero construir uma indústria,

uma forjaria. De fato acho que isso foi um grande marco, um aprendizado para todos,

apesar de todas as dificuldades.

Com a venda da forjaria, a HASA permaneceu apenas no negócio da indústria

mecânica e, para se recuperarem da frustração, os gestores decidiram adquirir um terreno

em Vespasiano-MG para a construção da sua atual planta. Nessa 2ª fase da trajetória o

fundador se afastou da empresa e a segunda geração assumiu o comando da empresa,

levando a empresa à diversificação do negócio e à introdução de novas de rotinas de

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gerenciamento. A decisão dos gestores da segunda geração, de buscar na siderurgia a

autossuficiência em matéria-prima, foi baseada em circunstâncias do ambiente externo, que

devido à expansão do consumo de aço no país levou a uma crise de suprimento de matéria-

prima que afetou diretamente a empresa. Contudo, apesar de todos os cuidados e esforços

dos novos gestores, a decisão da diversificação resultou em erro, que foi revertido com a

decisão de venda da forjaria e o retorno do foco do negócio na indústria mecânica, com

investimento em uma nova planta em Vespasiano-MG.

Essa forma de lidar com o erro revela um novo estilo de decisão e aprendizagem

baseado no conhecimento adotado pela segunda geração, para a qual o erro não paralisa,

não é descartado, mas absorvido como componente da experiência e do conhecimento dos

gestores, usado na maneira de tomar decisão. A síntese dessa fase encontra-se na Figura 3.

Figura 3 - 2ª fase da trajetória da HASA – 1974-1984. Fonte: dados da pesquisa.

4.1.3.3 A terceira fase: de 1985 a 2002 – a nova planta, a recuperação financeira e a

entrada da terceira geração

A partir de 1985, a “década perdida” dava sinais de caminhar para os seus anos finais

e a empresa tomou medidas de ajustes para adequar-se a um ambiente externo em

recuperação, mas ainda desfavorável. Tendo se desfeito da forjaria, os gestores destinaram

Afastamento

do fundador

Nova visão do

dirigente da 2ª

geração

Retração do

mercado

Diversificação

do negócio

Sucessão

natural

Concentração

no negócio

original

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os recursos obtidos com a transação para a construção de uma nova planta, dando foco na

indústria mecânica, apostando na reputação e tradição do nome HASA. Ocorreram nessa

fase a transferência das operações da empresa para a sua planta atual em Vespasiano-MG,

alterações no portfólio de produtos com eliminação de itens que apresentavam baixas

margens de contribuição e, ainda, a entrada de gestores da terceira geração da família que

compartilharam com a segunda geração a decisão das primeiras ações de modernização do

parque industrial e criação e implantação de procedimentos administrativos, financeiras e

comerciais, adotando-se melhor sistematização das atividades. Iniciava-se a 3ª fase da

trajetória da empresa, que correspondeu ao período de 1985 a 2002.

Até 1985, as instalações industriais da HASA ainda estavam localizadas no bairro de

Santa Tereza, em Belo Horizonte, e não mais suportavam o porte da empresa. Além disso,

a operação de carga e descarga na área urbana estava se tornando praticamente inviável,

pois com o crescimento da cidade a localização de uma indústria mecânica na rua Hermílio

Alves tornara-se impraticável. Aproveitando a disponibilidade de recursos gerados na

transação de venda da forjaria, a direção decidiu transferir a sua unidade de mecânica do

bairro de Santa Teresa para uma nova área adquirida no município de Vespasiano, onde

foram construídas instalações especialmente planejadas e mais adequadas. A unidade

produtiva da nova planta ficou pronta entre os anos 1987 e 1988, e seis anos mais tarde

toda a empresa foi concentrada em Vespasiano.

Ao se instalar na nova planta, decidiram pela redução das atividades de caldeiraria, já

existente em Vespasiano, mantendo-a apenas para atender ao consumo interno e suporte

logístico. Com essa redução foram eliminadas do portfólio de produtos da empresa a

chaparia e a fabricação de estruturas. Essas medidas, segundo a entrevistada n. 2, tinham

como objetivo produzir uma alavancagem das atividades da indústria mecânica, que havia

se tornado novamente o foco das atividades da empresa.

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Focados na indústria mecânica e contando com a participação de profissionais

familiares pertencentes à terceira geração dos Albertinis, Maria Hermínia e Horácio Neto,

ocorreu uma série de procedimentos de modernização da gestão, contratação de pessoal

especializado, melhorias do parque produtivo, aquisição de novos equipamentos com a

incorporação de máquinas computadorizadas e edificações mais modernas, que

impactaram o padrão de qualidade da empresa. Como relata a entrevistada n. 2:

Em Vespasiano fizemos melhorias em termos de capital humano, equipamentos de

alta tecnologia, computadorizados, construímos várias edificações, melhoramos o

layout da empresa. Melhoramos a nossa qualidade. Sobre as mudanças de capital

humano, houve a contratação de gente mais especializada. [...] Embora os negócios

tenham melhorado, a HASA se viu obrigada a dedicar um tempo para conhecer a sua

real situação financeira e contábil e, para tal, os gestores decidiram usar o recurso de

contratar uma auditoria financeira e contábil. [...] Era um momento no país, entre

1999 e 2000, que de um modo geral as empresas ou estavam quebradas ou estavam

em débito com o [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] ICMS e os

tributos federais [Instituto Nacional de Seguridade Social] INSS, Programa de

Integração Social [PIS], [Contibuição para Financiamento da Seguridade Social]

COFINS. E da nossa parte, fizemos um levantamento financeiro da empresa para

saber onde estávamos e para onde iríamos. Foram contratadas duas empresas de

consultoria na área financeira e tributária. O que se pretendia era ter uma real visão

de quais eram as possibilidades de saldar as dívidas, definir prazos de pagamento,

enfim, ter um espelho real da empresa. Recebemos dos consultores diretrizes que

foram determinantes do que deveria ser feito e as consequências se não fizéssemos

(entrevista n. 1).

A consultoria foi preponderante, porque a empresa começou a enxergar aquilo que no

dia-a-dia você trabalhando e produzindo não vê. A conta tá chegando, você tá

pagando, produzindo... Então você se perde nessa rotina e percebe que daquela forma

que você está fazendo jamais vai sair daquele lugar. Então essa foi a grande virada. O

trabalho da auditoria foi sem dúvida um grande marco na história recente da empresa

(entrevista n. 2).

A contratação da consultoria externa é vista como uma decisão adequada, resultando

em uma situação de sucesso, conforme o entrevistado n. 2:

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Quando a gente olha pra trás e lembra de todo o trabalho que foi feito pelas

consultorias, daqueles dias difíceis, da situação de você sentar e ouvir falar “as coisas

não estão nada bem” e saber que a empresa conseguiu sanear as suas dívidas e ainda

assim conseguiu crescer com o parque industrial, se modernizar, se manter no

mercado [...] essa foi uma situação que eu lembro com muito carinho, com muita

satisfação de ter participado, ajudado, de estar aqui dentro e não ter deixado a peteca

cair pensando “tá difícil, mas a gente vai conseguir” (entrevista n. 2).

A primeira providência tomada com base na avaliação dos custos e nos resultados da

auditoria foi adotar uma estratégia de concentração ainda maior dos negócios na indústria

mecânica, com o encerramento das atividades da Comasa, um dos negócios da HASA

concorrente da Caterpillar para a fabricação de equipamentos e peças para tratores.

Outro fato que contribuiu para o saneamento das dívidas da empresa foi que no ano

de 2000 o governo federal instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS)10

que,

somado a outros programas de anistia criados pelo governo estadual, representou uma

grande oportunidade para as empresas se reorganizarem, colocando em ordem a vida

financeira. Essa intervenção dos governos federal e estadual nos anos de 1999 e 2000 foi

determinante, não apenas para a continuidade dos negócios da HASA, como para várias

outras empresas do setor. Assim, somada à oportunidade criada com o REFIS e as anistias

estaduais, o resultado do trabalho de auditoria interna teve implicações administrativas e

operacionais na empresa.

Na dimensão da gestão essas implicações incluem a obtenção da certificação ISO

9000, políticas de recrutamento e capacitação de pessoal, adoção de um estilo de decisão

por troca de informações rápidas e compartilhamento, foco no mercado e gestão

estruturada de processos. Ressaltam-se a certificação e a política de gestão de pessoas

voltadas para qualificação, as quais, segundo os entrevistados, impactaram diretamente os

resultados da empresa.

10

REFIS – A Lei 9.964, de 10 de abril de 2.000, instituiu o REFIS, destinado a promover a regularização dos

créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições da Receita

federal e do INSS.

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Há uns 15 anos, quando nós decidimos a implantar a ISO, decidimos realmente

implantar a ISO, não comprar certificado. Isso melhorou muito a gestão da empresa.

[...] Procuramos contratar funcionários qualificados, com alguma experiência e

também estagiários, jovens para aprender (entrevista n. 2).

O estilo de gerenciamento voltado para a solução de problemas pode ser observado

tanto nas decisões cotidianas como naquelas relativas aos rumos dos negócios. Por

exemplo, as decisões relativas ao atendimento de um pedido de cliente ocorrem de forma

padronizada, rápida, seguindo o fluxo estabelecido de trabalho. A troca de informações

ocorre em reuniões rápidas, sem burocracia, num estilo de administração no qual tudo é

compartilhado, face a face e diariamente. Da mesma forma, no comercial e na gerência

industrial ocorrem algumas pequenas reuniões por semana, para poder afinar o ritmo na

produção.

Você recebe uma consulta do cliente, responde com uma proposta, que pode ou não

resultar em um novo pedido. Quando se ganha o pedido, abre-se uma ordem de

serviço (OS) comercial e uma OS técnica. A área comercial fica com a primeira, que

tem os dados econômicos e financeiros, e a OS técnica vai para a fábrica para ser

produzida. [...] São decisões rápidas, uma área contata a outra “um telefona para o

outro, vai na sala, é tudo perto. Não tem rotina de reunião, é tudo decidido no dia-a-

dia” (entrevista n. 3).

O Superintendente despacha com todo mundo, talvez por conta da idade ou da

experiência (entrevista n. 1).

Surgiu uma questão, a gente senta e em 15 minutos está pronto, resolveu, definiu.

Sempre pequenas reuniões, duas ou três vezes ao dia, resolve e então cada um vai

cuidar do seu departamento. Essa é a nossa forma de administração compartilhada

(entrevista n. 2).

Já no que diz respeito às decisões que implicam investimentos mais altos ou relativas

a melhorias em produtos, processos ou serviços, pratica-se uma procura sistemática de

informações, principalmente nas fontes externas especializadas, sem, contudo,

desconsiderar a opinião da geração mais nova que atua como importante provedora de

ideias e informações. Outra fonte considerada são os “clientes amigos”, mais próximos.

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Entre as fontes externas são valorizados órgãos, entidades de classe e fornecedores. A

participação em feiras e as viagens também são vistas como espaços privilegiados para

aquisição de conhecimento.

Um pouco de intuição sempre é muito bom, mas as informações são melhores ainda.

Livros, revistas técnicas, a internet tem tudo. É através dessas fontes que a gente se

atualiza (entrevista n. 1).

Ele [o superintendente] diz “eu vou procurar tudo que eu quero lá na China, em

Taiwan, na Alemanha”. Mas isso também só é possível porque a geração nova vem e

mostra para ele “olha, isso aqui existe”. Então é uma troca de conhecimentos novos,

porque é novo mesmo, não aquele conhecimento da mecânica antiga, que pouca coisa

modificou (entrevista n. 2).

É através dessas fontes que a gente se atualiza. Outra fonte são as viagens, viajar, ir

para fora, buscar novidades (entrevista n. 1).

A assinatura de jornais e de jornais e as revistas técnicas. Isso tudo faz com que a

informação circule, que ela seja bem pensada e bem usada. E também somos

associados do Sindicato da Indústria Mecânica em Minas Gerais (SINDIMEC) e à

FIEMG. E tem o sindicato nosso em Vespasiano (entrevista n. 2).

Uns quatro ou cinco clientes, sem erro de cometer injustiça, foram clientes amigos,

foram até quase certo ponto conselheiros, que nos falavam as coisas de forma muito

interessante. Ajudaram na tomada de decisão (entrevista n. 1).

Ao longo dessa terceira fase, o ambiente externo desfavorável se modificou por meio

da intervenção pública na gestão financeira das empresas, com os mecanismos de

recuperação de créditos e anistia fiscal. A empresa transferiu sua operação para as novas

instalações industriais, promoveu a revisão do portfólio de produtos e se apropriou da

situação geral mais favorável para se reorganizar e inovar. Durante esse período, também

se registra a entrada da terceira geração de gestores da família que, em conjunto com a

segunda geração, introduziu novas rotinas de gestão e promoveu o reequilíbrio financeiro

do negócio, introduzindo a prática do diagnóstico e planejamento com a participação de

consultorias externas. A empresa alcançou novo patamar gerencial, com mais

profissionalização e organização, que explorou as novas competências em gestão,

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comercialização e produção dos membros da terceira geração. A gestão se profissionalizou

com a profissionalização dos novos gestores familiares. A Figura 4 apresenta uma síntese

dessa fase.

Figura 4 - 3ª fase da trajetória da HASA – 1985-2002. Fonte: dados da pesquisa.

4.1.3.4 A quarta fase: de 2002 a 2013 (atual) – a inovação tecnológica no parque

industrial, as novas práticas de gestão e a participação da terceira e quarta

gerações

A última década (2002-2013) representa a última fase na trajetória da HASA,

simultânea a um período bastante favorável na economia brasileira, de inflação controlada,

crescimento econômico e boa demanda de serviços. O marco inicial dessa fase foi a

introdução, em 2002, das máquinas computadorizadas - CNC, pelo novo gerente da

fábrica, o engenheiro Horácio Neto. Desde então, as maquinas mecânicas foram e ainda

estão sendo substituídas por máquinas de controle numérico - CNC -, modificando o

padrão de produção da indústria e trazendo novas expectativas. A informatização também

foi estendida às demais áreas da empresa, produzindo visíveis ganhos de eficiência e

eficácia, com redução de prazos, melhoria da qualidade dos produtos e processos e mais

satisfação dos clientes. Para a segunda geração, os ganhos da informatização foram

Investimentos

na nova planta

Entrada da

3ª geração

de gestores

Visão dos

dirigentes

Concentração

na indústria

mecânica

Tradição de

manter a

família na

empresa

Profissionalização

da gestão

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expressivos, apesar de ter tirado a poesia da mecânica. A informatização não só repercutiu

na visibilidade da empresa no mercado, como garantiu mais fidelização dos clientes.

Porque hoje a máquina faz aquilo que o homem fazia, e faz até melhor. Para uma

máquina CNC não interessa se você está fazendo plano ou circunferência, ela faz

aquilo que você programa. É muito interessante você ver uma máquina que foi feita

para fazer redondo, fazer quadrado. É uma coisa incrível (entrevista n. 1).

O impacto dessas mudanças aumentou a nossa visibilidade e o cliente cada vez mais

fidelizado (entrevista n. 3).

Com os membros da terceira geração assumindo postos de gestão, a estrutura

organizacional tornou-se mais profissionalizada. As funções de produção e administração

e finanças foram atribuídas aos profissionais familiares, Horácio Neto e Maria Hermínia,

respectivamente. Também se abriu espaço na estrutura para a inclusão de membros da

quarta geração, que estão sendo absorvidos na empresa por critérios de capacitação e

qualificação.

Observa-se, então, que está ocorrendo atualmente na empresa uma convivência de

membros da segunda, terceira e quarta gerações dos Albertinis e essa mescla da

experiência com a formação técnica parece trazer melhorias para a empresa e os seus

processos. Na avaliação dos entrevistados a combinação de experiência e competência

técnica tem melhorado a maneira de gerenciar a empresa, que atua com foco no mercado se

antecipando às novas exigências impostas pelos clientes, governo e sociedade.

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Hoje considero que estamos muito mais eficientes, não só na produção, na qualidade,

mas na maneira de gerenciar a empresa. Por exemplo, o Horácio é mecânico,

formado em Mecânica, trabalha na área de Mecânica e entende muito de mecânica,

talvez tanto quanto o Luiz Cesar, muito embora as soluções criativas ainda venham

dele. De uns 10 anos para cá, com exceção do José Marcos, que é mais antigo na

empresa, a terceira geração entrou e foi trabalhando devagarinho. A área comercial

muda a toda hora e você precisa ter um olhar mais atento com o que está

acontecendo, o que o cliente está demandando, o que o mercado deseja. O governo

quer que tudo esteja correndo muito bem no departamento pessoal, na área de meio

ambiente, na área tributária e você tem que estar atenta ao que está ocorrendo... O

mais difícil nessa área administrativo-financeira é você conseguir acompanhar e estar

atualizado (entrevista n. 2).

Predomina no modelo de gestão compartilhada pelas gerações um espírito de

participação e cumplicidade, constatada, por exemplo, quando se afirma que a cada decisão

tomada “todo mundo foi envolvido, todo mundo apoiou as ideias e viu que as medidas que

a gente adotou foram certeiras” (entrevista n. 1). O mesmo espírito se observa ao

descreverem a forma de reagir aos erros, de assumir a responsabilidade pelas

consequências de situações que fugiram ao controle e da importância do erro como

mecanismo de aprendizagem. Na HASA considera-se que existam dois tipos de erro: o erro

técnico, aquele que ocorreu no processo produtivo e que fugiu ao controle, e o erro

decorrente da falta de atenção a situações rotineiras. Para o primeiro, prevalecem a

tolerância e a compreensão; para o segundo, ainda que dosada de profissionalismo, segue-

se a advertência. Mas, em qualquer das duas situações, o erro é sempre compartilhado e

tomado como oportunidade de aprender, como se constata na fala dos entrevistados:

Quando tem algum erro que você vê que é um erro técnico, eu falo assim

“infelizmente, esse ninguém pegava”, tem que ter paciência. Agora, para as

bobaginhas do dia-a-dia, eu falo “pelo amor de Deus”. Mas sempre com espírito

profissional. [...] Nunca colocar o pessoal na frente, do tipo não faço, não quero e não

admito. Brigar apenas por conta do serviço, ofensa pessoal definitivamente não pode,

discriminação, nós nunca admitimos, e todos funcionam, quando não funciona, vai

embora (entrevista n. 1).

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Geralmente, quando acontece o erro, ele é compartilhado. O erro não é “ah, você

errou, esse trem aí deu errado por sua culpa”. Não. Nunca acontece falar assim “ah,

você...” [...] Às vezes um equipamento que você compra, pensando que vai te dar

uma produtividade, mas o mercado não tem demanda para ele que se torna um

prejuízo. E o que que a gente aprende com isso? Eu vou deixar de investir? Não. Não

vou deixar de investir, mas você aprende que às vezes você precisa ter um pouco

mais talvez de cautela para uma tomada de decisão. [...] Às vezes uma contratação

que foi malfeita, que gera uma demanda trabalhista ou um contrato que tinha que ter

sido olhado com um pouco mais de carinho e deságua num problema financeiro no

futuro. O erro nunca é... eu acho, pelo menos aqui a gente não trata “o erro é seu, só

seu, você que durma com ele”. Não. O erro é de todos: é de quem fez o contrato, é de

quem não revisou o contrato, é de quem não prestou atenção naquele contrato, é de

quem não conduziu aquele funcionário de forma que não desse aquele tipo de

problema. O que a gente faz aqui é isso, o erro é dividido, todo mundo carrega a sua

parcela do seu calvário e vai dormir com aquilo na cabeça. [...] Eu acho que o erro

tem um efeito positivo. A pessoa se torna mais responsável. E outra coisa: você

divide o fardo. Porque também não adianta você só culpar, porque no final das contas

a consequência é para todos, o erro de um vai refletir em todo mundo. Então não

adianta você jogar a pedra lá na Madalena, porque você tem que ajudar a Madalena

porque... tá ruim com a Madalena, pior sem Madalena (entrevista n. 3).

Nos últimos anos dessa última fase da trajetória da HASA o ambiente externo tem se

alternado em momentos de crescimento e retração, gerando incerteza quanto ao futuro do

negócio, mas os ganhos internos de produtividade e gestão mantêm a empresa. Ocorre

crescente participação dos membros da terceira geração na estrutura organizacional e no

processo decisório, mas a direção ainda é assumida pela segunda geração. A empresa está

desfrutando de excelente reputação e tradição no mercado e seus dirigentes se dizem

dispostos a inovar e prosseguir no negócio da indústria mecânica, avançando com a

profissionalização da gestão. A Figura 5 sumariza a 4ª fase da trajetória da HASA.

Figura 5 - 4ª fase da trajetória da HASA – 2000-2013 (atual). Fonte: dados da pesquisa.

Gestão

compartilhada

entre a 2ª e 3ª

gerações

Tradição de

manter a família

na empresa

Prossegue a

modernização

da gestão

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135

Em síntese, a descrição da trajetória da HASA, da sua criação até o período de

realização da pesquisa, em 2013, é marcada por quatro momentos ao longo dos 80 anos de

existência. A fase inicial se estendeu por 41 anos, de 1933 a 1974, período em que

ocorreram a expansão para uma nova planta, localizada no bairro de Santa Tereza, na rua

Hermílio Alves, a entrada da segunda geração e o afastamento de Horácio da direção da

empresa, em 1972. Foi um período em que o ambiente externo apresentava-se

extremamente positivo para o desenvolvimento da empresa e os gestores souberam

perceber e aproveitar todas as oportunidades que foram surgindo, adaptando-se e passando

a fornecer a mercados variados, consolidando uma imagem de competência e qualidade. O

processo decisório concentrava-se nas mãos dos fundadores, mas a entrada da segunda

geração, confirmando a tradição iniciada pelos fundadores de manter a família atuando na

gestão do negócio, possibilitou a convivência da primeira e segunda gerações. Isso resultou

na formação do novo membro da família e aquisição de experiência profissional, passada

do pai e irmão para o filho mais jovem. O afastamento do fundador Horácio, por

problemas de saúde, iniciou a transição do processo decisório para a segunda geração. Essa

fase se encerrou com a segunda geração assumindo a direção e definindo novos rumos para

a empresa, com a diversificação para o negócio de siderurgia e novas de rotinas de

gerenciamento.

A segunda fase da trajetória da HASA se estendeu por 10 anos, de 1974 a 1984.

Iniciou-se com uma crise de suprimento de matéria-prima, que afetou diretamente a

empresa. O fundador havia se afastado da empresa e a direção passou a ser compartilhada

entre a primeira e a segunda gerações. Para equacionar o problema de desabastecimento de

matéria-prima, a segunda geração assumiu os rumos do negócio e ocorreu a diversificação

da empresa, com a entrada no ramo da siderurgia. Essa decisão resultou em erro, que foi

revertido com a decisão de venda da forjaria, retorno do foco do negócio na indústria

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mecânica e o investimento em uma nova planta, em Vespasiano-MG. Essa forma de lidar

com o erro revela um novo estilo de decisão e aprendizagem baseada no conhecimento

adotado pela segunda geração para a qual o erro não paralisa, não é descartado, mas

absorvido como componente da experiência e do conhecimento dos gestores.

A terceira fase da trajetória se estendeu por 15 anos, entre 1985 e 2002, marcada

pelas novas instalações industriais, revisão do portfólio de produtos e entrada da terceira

geração, que promoveu mudanças de rotinas e reequilíbrio financeiro do negócio. O

ambiente externo inicialmente desfavorável se modificou por meio da intervenção pública

na gestão financeira das empresas. A direção da empresa passou a compartilhar o processo

decisório com a terceira geração, levando a empresa a um novo patamar gerencial e

profissionalização da empresa. Os últimos 11 anos marcaram a quarta fase da trajetória,

entre o início dos anos 2000 e 2013, com a introdução das novas tecnologias de produção e

de gestão, mais participação dos membros da terceira geração na estrutura organizacional e

no processo decisório, com a direção ainda assumida pela segunda geração. O ambiente

externo tem se alternado em momentos de crescimento e retração, gerando incerteza

quanto ao futuro do negócio, mas os ganhos internos de produtividade e gestão mantêm a

empresa. Iniciou-se o processo de formação e aprendizagem dos membros da quarta

geração. A Tabela 9 informa os recortes da trajetória da HASA e encerra esta subseção.

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137

Tabela 9

Recorte das fases da trajetória da HASA

Fases

recortes

1ª. 2ª. 3ª. 4ª.

Período 1933-1974 1974-1984 1985-2002 2002-2013

Tempo 41 anos 10 anos 17 anos 11 anos

Marco

inicial

Criação Diversificação do

negócio - entrada no ramo da siderurgia

Expansão da indústria

mecânica

Modernização da

indústria mecânica

Marco final

Entrada da 2ª geração Concentração no negócio inicial

Entrada da 3ª geração. Conclusão da pesquisa

Contexto

externo

Muitas oportunidades Oportunidades

seguidas de muitas

ameaças.

Ameaças seguidas de

recuperação e novas

oportunidades.

Muitas oportunidades

Eventos - Criação da empresa; - construção da 1ª

planta;

- investimento em

máquinas e

equipamentos;

- 2ª geração inicia o

processo de

aprendizagem do

ofício;

- início da

profissionalização da

gestão; - gestão racional e

enfoque

mercadológico;

- diversificação de pro-

dutos e mercados.

-Afastamento do fundador;

- 2ª geração assume o

processo decisório;

- novas rotinas de

gerenciamento;

- construção e operação

da usina;

- retração do mercado

comprador;

- crise estrutural

“década perdida”;

- concentração no negó-cio inicial.

- Transferência das ope-rações para a nova planta;

- revisão do portfólio de

produtos e

alavancagem da

indústria mecânica;

- 3ª geração assume

cargos de direção;

- início da modernização

da gestão, melhorias do

parque produtivo e do

capital humano;

- consultoria contábil e financeira;

- recuperação financeira e

saneamento das

dívidas;

- certificação ISO.

- 3ª geração define e assume cargos de

direção.

- profissionalização

da gestão.

ISO: International Organization for Standardization. Fonte: dados da pesquisa.

4.2 Caracterização da Delp Engenharia

A Delp Engenharia Mecânica S.A. foi fundada em Guarulhos-SP, em 1964, e tem por

objetivo a elaboração de projetos de engenharia, fabricação e o fornecimento de

equipamentos e sistemas, a execução de serviços de construção, montagem e assistência

técnica para os setores de infraestrutura e industrial, caracterizando-se como uma indústria

de fabricação de bens de capital. Sua operação é organizada em quatro unidades de

negócios: geração de energia, indústria, óleo e gás e serviços. A unidade energia oferece

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soluções completas para o fornecimento de hidromecânicos, incluindo engenharia básica e

detalhada e destaca-se pela fabricação de distribuidores, partes da ilha de geração, rotor de

turbinas, carcaças de turbinas e similares e reforma de turbinas Uhs e PCHs.

A unidade indústria é formada por uma equipe com grande experiência em

desenvolvimento e gerenciamento de projetos específicos, oferecendo opções de fabricação

de equipamentos sob encomenda para os segmentos ferroviário, mineração, siderurgia,

cimento, indústria do papel e celulose e indústria de base em geral.

O negócio de óleo e gás atua no segmento petroquímico nas etapas de exploração,

produção e refino de petróleo, com reconhecida capacidade de atender à demanda de

equipamentos de alta qualidade e tecnologia, suprindo os projetos nas fases down stream e

up stream. Destaca-se pela qualificação de seus profissionais especificamente em

engenharia e soldagem, com atendimento de todos os requisitos Application Programming

Interface (API), American Society of Mechanical Engineers (ASME), American Nacional

Standards Institute (ANSY) e outras normas internacionais. E, finalmente, a unidade

serviços fabrica, monta e coloca em operação máquinas, instalações completas, peças e

subconjuntos projetados por terceiros. Executa, ainda, serviços de construção metálica,

usinagem, recuperação de peças e subconjuntos para as indústrias siderúrgicas,

cimenteiras, mineração, entre outras.

A Delp atende a empresas de médio e grande porte, nacionais e internacionais com

operação no Brasil, destacando-se a Petrobrás, FMC Technologies do Brasil Ltda.,

SUBSEA 7, Wärtsilä Brasil, Technip Brasil, Andrade Gutierrez S.A., Camargo Correia

S.A., Odebrecht S.A., Alusa Engenharia e Mendes Júnior. Para atender e manter esse

seleto grupo de clientes, possui certificação ISO 9001 para as suas duas plantas, uma em

Contagem-MG e outra em Vespasiano-MG, e promove uma política que assegura

qualidade, competitividade nos custos, agilidade e atendimento diferenciado. A Delp está

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em processo de adoção de uma gestão integrada, buscando certificação nas normas ISO

14001 e Occupational Health and Safety Assessment Series (OHSAS) 18001.

No seu planejamento estratégico, a Delp destaca que a sua missão é “agregar valor

aos clientes e acionistas, fornecendo soluções industriais com classe mundial e construindo

relacionamentos duradouros”. Pretende ser reconhecida pelos clientes como opção

preferencial para o fornecimento de soluções industriais.

Com 50 anos de existência completados em 2014, o que os gestores atribuem para

explicar a longevidade da Delp é o trabalho, “a nossa longevidade eu explico pelo trabalho.

Se não tivesse muito trabalho, muito sacrifício, a gente não tinha chegado aonde nós

chegamos hoje”. De fato, o trabalho árduo é um valor que se destaca desde que a empresa

foi adquirida pelo primeiro grupo familiar, formado pelos sócios irmãos e, ainda hoje, é

mencionado pelos entrevistados como um valor essencial ao enfatizarem que “ainda

continuamos a trabalhar muito e isso é um fato constatado” (entrevista n. 3).

Outro aspecto relacionado à longa sobrevivência da empresa é o valor atribuído ao

negócio, que transcende, em muito, o seu valor patrimonial. “Os nossos valores são

imponderáveis. A meu ver, são. Tá na cabeça da gente. A gente fala assim ‘poxa, se

eu vender, eu vou ficar sem uma indústria, sem isso? E é nisso que está o orgulho da

gente: ter um patrimônio muito grande, mesmo sabendo que o fluxo de caixa é fraco.

Mas, a expectativa sempre é de melhorar. Isso é uma verdade’” (entrevista n. 3).

Na empresa familiar, os valores ocupam lugar importante para a preservação do

empreendimento, ainda que sejam percebidos de forma diferente entre as gerações, que

podem não apresentar a mesma disposição de manter o negócio, de trabalhar e zelar pela

sua perenidade:

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Os valores se perpetuam, com certeza. Eu não sei se os filhos têm a mesma

disposição, mesmo não ganhando, mas eu mantenho. Mas o que eu acho que é o

maior diferencial é que do mesmo jeito que estou falando que eu não tenho amor, eu

tenho amor ao negócio, eu quero continuar, quero fazer dar certo. Não a Delp, mas o

grupo, o nome do meu pai, o que ele já construiu (entrevista n. 1).

Somadas aos valores, também as decisões estratégicas e o senso de oportunidade

justificam a longevidade do negócio. Quando a empresa percebeu que o setor de bens de

capital é naturalmente instável e sujeito a crises e escolheu, deliberadamente, uma

estratégia de diversificação, criou, na percepção dos gestores, condições para que a

empresa reduzisse seus riscos e aumentasse as chances de se tornar longeva. Isso ocorreu

com a entrada no agronegócio e depois no setor de ligas, no começo dos anos 80. E foi

muito importante; “nas crises do setor de bens de capital tanto a Minasligas como a

Fazenda seguraram o negócio e diversificaram o risco” (entrevista n. 2).

Em outro momento, no final dos anos 90, a longevidade foi resultado de outra

virada estratégica nos rumos da empresa. A Delp, que até então tinha no seu ácido

desoxirribonucleico (DNA) a siderurgia e a mineração, reunindo competências e

experiência nessas áreas, percebeu que o mercado do petróleo seria um bom negócio. Em

consequência, hoje o petróleo responde por 70% dos negócios da Delp. E, mais

recentemente, já nos anos 2000, outro marco da longevidade da empresa foi a aquisição da

planta de Vespasiano.

Constata-se que a Delp é uma empresa de propriedade e controle familiar, gerida por

profissionais. Da sua criação, em 1964, ao momento atual da empresa, em 2013,

participaram e atuam no seu desenvolvimento duas gerações da família Zica e profissionais

familiares e não familiares.

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4.2.1 Os fundadores, as gerações da família Zica e os profissionais na Delp

Primeira geração: os fundadores e os sócios irmãos

Em Guarulhos, São Paulo, no ano de 1964, os quatro amigos, Deus, Eliezer, Loureiro

e Pimentel, fundaram a empresa e lhe deram o nome Delp, formado pelas suas respectivas

iniciais, para a fabricação de porcas e parafusos especiais e peças usinadas. Petrônio

Machado Zica, Administrador e atual presidente do conselho de administração da Delp,

naquela época trabalhavam como corretor de seguros em Belo Horizonte-MG e nos finais

de semana iam até Guarulhos para ajudar um dos fundadores da empresa, o seu cunhado

Pimentel, na organização da nova empresa.

Em 1965, Pimentel adquiriu as cotas dos seus três sócios e, posteriormente, propôs

ao Petrônio a compra do total da empresa. Ao fazer o negócio, Petrônio transferiu a Delp

para um galpão de 180 m2, na Vila dos Urubus, no bairro de Santa Efigênia, em Belo

Horizonte. Já operando em Belo Horizonte, Petrônio convidou o irmão José Rodrigo Zica

para associar-se ao empreendimento, iniciando-se aí a carreira da família na indústria

mecânica. Em seguida, juntou-se a eles o irmão mais novo, Tadeu, e anos mais tarde o

irmão mais velho, José Carlos. Consolidava-se dessa forma a primeira etapa da criação da

empresa Delp, sob a propriedade da família Zica. Os irmãos e sócios assumiram a gestão

da empresa, ficando cada um responsável por uma das áreas financeira, produção e

compras e Petrônio, a área comercial. Na empresa investiram todos os seus recursos

financeiros e, com o propósito de crescer e consolidar a empresa, reinvestiam, anualmente,

os lucros obtidos.

A partir do ano de 1980, dando continuidade à estratégia de diversificação, passou a

atuar em três ramos de negócio - indústria mecânica, agropecuária e siderurgia. Para tal, a

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estrutura de propriedade do grupo foi alterada com a entrada de outros dois sócios, sendo

um cunhado dos irmãos sócios da Delp, Paulo Cezar Fialho, e um profissional, o

engenheiro Joaquim Barros Cota, técnico e especialista em ferro-ligas.

A primeira geração de gestores - representada pelos irmãos Petrônio, José Rodrigo,

Tadeu e José Carlos, o cunhado Paulo Cezar e o profissional Joaquim - permaneceu à

frente da direção da empresa até que, em 1998, por desentendimentos entre os sócios,

decorrentes da falta de acordo quanto à entrada dos filhos de um sócio para atuar na

empresa, ocorreu uma cisão no grupo, como relata o entrevistado.

Na verdade, aconteceu a cisão talvez por voluntarismo, por um egoísmo de cada um

– meu e do Rodrigo, nós éramos os acionistas principais, de não querer fazer um

acordo, de não querer profissionalizar, ele queria pôr os filhos dele, que são mais

velhos que os meus, eu achava que não devia pôr, se ele pusesse eu também ia pôr

meus filhos, que eram mais novos, não tinham competência nenhuma, mas se ele

pusesse, eu ia pôr. Então ficava um mal-estar, então achamos melhor separar. E

fizemos a separação não litigiosa, consensual com divisão de patrimônio, cada um

ficou feliz de um lado, e nós dois não nos conversamos mais (entrevista n. 3).

Petrônio Zica permaneceu à frente da Delp Engenharia Mecânica Ltda. e de outros

empreendimentos, passando a atuar basicamente no mercado de mineração e siderurgia. Na

ausência dos irmãos que antes dirigiam a empresa, Petrônio assumiu a presidência, o seu

sobrinho Ari a superintendência geral e os seus filhos iniciaram as atividades na empresa

em funções de apoio e aprendizagem. José Rodrigo Machado Zica, Tadeu Machado Zica e

Paulo Cesar Fialho ficaram responsáveis pelas outras empresas do grupo, a Minasliga e a

Bemil, fazendas e outros empreendimentos.

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O fundador Petrônio se descreve como uma pessoa “fácil de lidar”, que mantém por

opção uma forte inserção em entidades de classe e associações ligadas à indústria

mecânica, pois considera que “participar de entidades de classe, associações ajuda

muito, principalmente para fazer um networking, conhecer as pessoas; e quando você

tem alguma dificuldade, ajuda”. Essas características o diferenciavam do seu irmão e

principal sócio José Rodrigo (falecido), de temperamento mais forte, mais rígido.

O Rodrigo era mais difícil. Mas ele era muito bem intencionado, muito honesto,

muito cumpridor do que acertou tá acertado “é do jeito antigo” (entrevista n. 3).

Outra característica forte do fundador, citada nas entrevistas, é a sua paixão pela

indústria de bens de capital, determinação na preservação do empreendimento e orgulho

pelo negócio que criou e fez crescer.

[...] é um alucinado com bens de capital. Você o alerta, “o negócio está dando

prejuízo”, mas ele quer investir, o olho brilha,e investe. É um entusiasta, acredita no

negócio. Coisas que racionalmente não fazem sentido, mas ele acredita e essa

característica o distingue até hoje, com certeza. Ele diz assim: “desde 1964 é o

mesmo [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica] CNPJ, ou seja, desde 1964 eu pago

todos os impostos, tenho certidão negativa de débito. Já teve crise, vários pacotes

econômicos, mas empresa está firme: isso aqui é consistente, é sólido, tem garantia

[...]”. [...] A reputação e a imagem explicam a longevidade da empresa e o grande

construtor disso é o Dr. Petrônio. Hoje a empresa se profissionalizou, mas a figura

marcante ainda é ele. [...] Ainda é uma pessoa muito forte dentro da empresa, os

profissionais vão ter que rebolar. E, como fundador, ele é muito interessante. Na

verdade é quem mais acredita e isso é um grande diferencial (entrevista n. 2).

No ano seguinte após a cisão e de ter assumido a direção da Delp, o fundador

Petrônio decidiu, em 1999, substituir o sobrinho Ari e contratar um novo superintendente,

que trazia em sua bagagem forte conhecimento do mercado de bens de capital. Iniciava-se

o processo de entrada de profissionais da empresa, caracterizado pela convivência da

direção familiar com a participação de um profissional não familiar. Nesse novo modelo de

gestão definiu-se uma nova estrutura organizacional e houve troca de gerentes. Contudo, as

mudanças introduzidas pelo novo superintendente não surtiram os efeitos esperados e, em

2006, Petrônio decidiu desligar o superintendente e promover a entrada dos seus filhos,

que até então estavam em processo de aprendizagem na gestão da empresa.

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Segunda geração: Mariana, Humberto e Adriana

A segunda geração da família de proprietários e gestores da Delp é formada pelos

três filhos do fundador - Mariana, Humberto e Adriana. Após um processo de preparação e

aprendizagem em convivência direta com os gerentes mais experientes, iniciada em 1999,

tal qual ocorreu no caso da HASA, a segunda geração assumiu, em 2006, as áreas de

recursos humanos, comercial e suprimentos. A direção da empresa passou, então, a ser

compartilhada entre a primeira e a segunda gerações da família, contando ainda com a

participação de profissionais não familiares, na superintendência e na área de finanças e

industrial.

No mesmo ano de 2006 houve nova mudança no modelo de gestão. Os filhos

envolveram-se mais fortemente, assumindo cargos de direção, provocando a

descentralização do poder do presidente para os novos diretores da empresa. Em 2008, um

novo diretor industrial não familiar foi indicado para gerir as duas fábricas, com o apoio de

toda a família.

E desde 2010 a Delp Engenharia assumiu a forma jurídica de sociedade por ações,

tornando-se uma sociedade anônima de capital fechado e ocorreu a profissionalização de

toda a gestão da empresa, com a contratação de dois novos diretores e o aprimoramento da

governança corporativa. Os diretores membros da família foram transferidos para o

conselho de administração do grupo, afastando-se das funções executivas. A família de

Petrônio Zica é hoje proprietária exclusiva das ações da empresa e a gestão está totalmente

profissionalizada.

A participação da família dos fundadores à segunda geração e dos profissionais é

sumarizada na Tabela 10.

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Tabela 10

A participação da família Zica e dos profissionais na criação e desenvolvimento da

Delp Engenharia

Ano/

Período

Evento Atores/tempo de

empresa

Papel na

trajetória

Função na empresa

1964

Criação da empresa

Deus

(1964 a 1965) Fundadores

Sócios gestores

100% do capital

Eliezer

(1964 a 1965)

Loureiro

(1964 a 1965)

1965

Aquisição da empresa

Entrada do segundo sócio

irmão

Petrônio Zica

(1965- 2013)

(atual)

1ª geração

Sócio

diretor comercial

José Rodrigo M. Zica

(1965-1998)

Sócio

diretor financeiro

1966

Entrada do terceiro sócio

irmão

Tadeu Machado Zica

(1966-1988)

Sócio

diretor de produção

1970

Mudança para a nova

planta em Contagem e

entrada do quarto sócio

irmão

José Carlos

(1970-1988)

Sócio

diretor de compras

1980 Diversificação do negócio

Entrada de novos sócios e

início da

profissionalização dos

sócios

Paulo Cezar Fialho

(1980-1988)

Sócio

membro da família

Eng. Joaquim Barros

Cota

(1980-1988)

Sócio

gestor profissional

1998 Cisão do grupo familiar

Nova composição das

cotas

Petrônio Zica Sócio 100% das cotas

presidente

Profissionalização do

cargo de superintendente

Ari Superintendente geral

Membro da família

1999 Contratação de um novo

superintendente não

familiar

Superintendente geral

profissional

Entrada da segunda

geração

Mariana Zica 2ª geração

Filhos, profissionais, não

sócios Humberto Zica

Adriana Zica

2006 Saída do superintendente

Segunda geração assume

os cargos de direção

xxx

Filhos Diretores de RH, comercial e suprimentos

2008 Profissionalização da

diretoria industrial

Marcelo Diretor industrial

profissional

2010 Mudança para SA, criação

do modelo de governança

família se afasta da gestão

Petrônio

Esposa e filhos Presidente do CA

Sócios e membros do CA

Marcelo Superintendente

Ricardo Diretor executivo

Marcelo Diretor industrial

RH: Recursos Humanos.

Fonte: dados da pesquisa.

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Assim sendo, duas gerações Zica participam da trajetória da Delp, descrita a seguir.

4.2.2 A trajetória da Delp

A apresentação da trajetória da Delp foi organizada cronologicamente em cinco

fases. A primeira corresponde ao período que vai do ano de 1965 a 1970, registrando a

aquisição da empresa em Guarulhos-SP e a transferência para Belo Horizonte com a

entrada dos sócios irmãos. Na segunda fase, ocorrida entre 1970 e 1977, ocorreram as

primeiras expansões da planta, fornecimento de novos produtos e a conquista de grandes

clientes. A terceira fase durou 11 anos, entre 1977 e 1998, e demarcou-se pela

diversificação do negócio com a entrada no agronegócio e siderurgia e constituição de um

grupo empresarial. A quarta fase, registrada entre os anos de 1998 e 2003, inicia-se pela

cisão do grupo, concentração da Delp no negócio de mineração e siderurgia, entrada da

segunda geração dos gestores da família Zica e os novos investimentos para atuar no

mercado de petróleo. A quinta e última fase, entre 2003 e 2013, quando se realizou esta

pesquisa, é caracterizada pela operação da nova planta em Vespasiano-MG, participação

da segunda geração e a profissionalização da gestão. Nas seções seguintes descrevem-se os

eventos marcantes de cada fase.

4.2.2.1 A criação: a aquisição da empresa em Guarulhos-SP e a transferência para a Vila

dos Urubus - 1965-1970

A trajetória da Delp iniciou-se em 1964, ano em que foi adquirida por Petrônio

Machado Zica e transferida de Guarulhos-SP para um galpão de 180 m2 na Vila dos

Urubus, no bairro de Santa Efigênia, em Belo Horizonte-MG. Na época associou-se ao

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empreendimento o seu irmão José Rodrigo Zica. Em seguida, juntou-se a eles o irmão mais

novo, Tadeu, e anos mais tarde o irmão mais velho, José Carlos. Consolidava-se, dessa

forma, a criação da empresa Delp, sob a propriedade da família Zica.

Em 1967, ocorreu a conquista do primeiro grande cliente, a Alcan, fabricante de

cabos de alumínio em Saramenha, próximo de Ouro Preto-MG. O fornecimento de

ferragens para carretéis de madeira utilizados no transporte de uma das maiores fabricantes

de cabos do país representou a primeira diversificação de produtos e deu uma nova

dimensão para Delp, que desde a sua criação somente fabricava porcas e parafuso. De fato,

“o contrato da Alcan ajudou a abrir portas e foi uma referência para o desenvolvimento da

empresa” (entrevista n. 3).

Em 1970, durante o “Milagre Econômico”, a economia brasileira atingiu o pleno

emprego e diversos investimentos em infraestrutura e novas indústrias foram fomentadas,

visando ampliar a capacidade produtiva do país (Pereira & Faria, 2007). Também em

Minas Gerais iniciava-se um período econômico promissor no processo de industrialização

e a Delp, aproveitando esse momento favorável, partiu para a sua primeira expansão,

instalando-se em uma área de 5.500 m2 em Contagem. Uma síntese dessa primeira fase é

apresentada na Figura 6.

Figura 6 - 1ª fase da trajetória da Delp – 1965-1970. Fonte: dados da pesquisa.

Crescimento e

consolidação da

empresa

Sociedade

entre irmãos

Relacionamentos

do fundador

Relacionamento

dos sócios com

o mercado

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4.2.2.2 A segunda fase da trajetória da Delp: as primeiras expansões da planta, novos

produtos e clientes - 1970-1977

Com o aumento da produção decorrente do fornecimento para a Alcan e o cenário

econômico favorável, em 1970 ocorreu a primeira expansão da empresa para um terreno

próprio de 5.500 m2, rapidamente ampliado para 11.000 m

2 e, posteriormente, para 26.000

m², com a aquisição de uma área contígua, na av. David Sarnoff, na Cidade Industrial. Nas

novas instalações a Delp iniciou uma segunda diversificação de portfólio, introduzindo a

fabricação de peças e conjuntos de caldeiraria média e estruturas metálicas para usinas

hidroelétricas, tendo a Construtora Mendes Júnior como a principal cliente.

O fornecimento para a Mendes Júnior, além de representar a possibilidade de atuação

em um novo segmento de mercado, foi também a primeira oportunidade para revelar a

capacidade de adaptação e flexibilidade dos novos empresários, que certamente marcou a

trajetória da empresa. Durante o fornecimento para a construção de hidrelétricas pela

construtora, ocorreram situações que forçaram os gestores a adotar uma maneira peculiar

de lidar com o erro, que acabaram sendo transformados de problema em momento de

consolidação de laços com o cliente. O entrevistado n. 3 relembra, com bom humor, que ao

receberem uma grande encomenda de peças para uma hidrelétrica, ocorreu o que considera

“o maior erro que eu acho que eu lembro, de eu ter assumido um compromisso e não ter

cumprido”, mas a situação foi conduzida de tal forma que “talvez por isso mesmo eles

tenham adquirido mais confiança, então encomendaram mais e tudo bem”. O ocorrido

descrito pelo entrevistado refere-se ao atendimento de uma encomenda específica, para a

qual a empresa ainda não dispunha dos equipamentos necessários e de como conseguiu

convencer o comprador e o seu próprio sócio de que havia uma solução, o que de fato

ocorreu:

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Recebemos uma grande encomenda e acertamos de fazer uma rosca, com

determinada característica técnica. E eu não consegui comprar a máquina específica e

executamos a rosca comum. O diretor [cliente] me avisou que entregamos errado e

perguntou o que faríamos. Eu olhei pra ele e falei assim ”quantos que encomendou?”,

“ah, era 5.000”, eu falei “então eu te dou a metade dessa encomenda com a

característica original que você encomendou e nós ficamos acertados?”, ele olhou pra

mim assim “mas você faz isso?”, eu falei: “faço”, “e você entrega no prazo?”, eu

falei: “entregamos”. Eu lembro que eu cheguei lá, falei com o Rodrigo “aconteceu

isso, nós vamos fazer assim”, o Rodrigo falou “ah, nós vamos quebrar, não sei o quê”

[riso]. E deu certo (entrevista n. 3).

Em 1972, a Delp consolidou mais uma etapa da diversificação de produtos com o

fornecimento seriado de peças para máquinas de terraplanagem para as novas instalações

da Terex, em Minas Gerais. Passou a fabricar produtos em série, novos conhecimentos

sobre processos logísticos, acompanhamento de estoques e gerenciamento do fluxo de

caixa foram necessários, resultando na aprendizagem prática de como planejar e gerenciar

a produção seriada, bastante distinta da fabricação por encomenda, até então realizada pela

empresa. Esse momento representou um novo desafio e proporcionou aos gestores:

“aprendizagem, na prática, a relação entre oferta e demanda, tempo de negociação, tempo

de produção, urgência de produção e os respectivos reflexos desses quesitos na margem e

preço final do produto para o cliente” (entrevista n. 2).

Os anos 1972 e 1974 representaram um período na economia brasileira

extremamente favorável à Delp. O governo federal instituiu o Plano Nacional de

Desenvolvimento (PND), com o objetivo estimular a demanda privada, diminuir os custos

da indústria nacional, diversificar as exportações e investir em educação e novas

tecnologias. O crédito ao setor privado foi facilitado, os custos da indústria nacional, com o

subsídio de insumos básicos, como aço e energia, reduziram-se, acelerando o crescimento

interno (Carvalho, 2012). Nesse cenário de incentivo, em 1974, surgiu para a Delp a

oportunidade de efetuar a reforma do forno elétrico de número sete para a produção de

ferroligas da Alcan, Saramenha, em Ouro Preto, e posteriormente de participar da

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concorrência aberta pela Alumina do Norte do Brasil S.A. (ALUNORTE) - Alcan Aratu,

Bahia, para a fabricação de 168 fornos de redução de alumínio (cubas eletrolíticas). A Delp

ganhou a concorrência e fabricou tais fornos em dois anos. Essa primeira encomenda da

Alcan foi um acontecimento que veio abrir as portas da empresa para uma nova futura

diversificação, quando mais tarde a empresa entrou no ramo da siderurgia. O tamanho do

pedido e o tempo de execução permitiram à empresa criar uma linha de montagem

específica só para os fornos.

Como resultado, a Delp avançou na fabricação de equipamentos, firmando-se como

produtora de bens de capital. Nessa época, em um dos contratos de equipamentos, a

Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) encomendou 600 peças de determinada válvula

grande e ainda sinalizaram à empresa que novas encomendas viriam, fazendo com que

fosse adquirida grande quantidade de matéria-prima e peças para a montagem das válvulas.

Entretanto, as encomendas foram interrompidas, ficando a Delp com grande estoque de

peças, que somente veio a ser escoado, em novo pedido do mesmo cliente, dois anos mais

tarde. Situações como essa, somadas a outras mencionadas pelo entrevistado como erro de

decisão, foram sendo absorvidas pelo empresário, que soube aguardar o momento de

recuperar-se das perdas e evidenciou capacidade de absorver os erros, o que foi marcando

o estilo de decisão do empreendedor:

Em 1975, ocorreu a implantação da segunda fase do PND, levando ao crescimento

das empresas estatais, que lideraram o processo de industrialização, bem como o subsídio

de financiamento a investimentos privados. O mercado de bens de capital se aqueceu

graças ao aumento da demanda de equipamentos, gerando novos negócios para a Delp.

Surgiram novos clientes e serviços, como a instalação completa de peneiramento e

classificação de carvão para a Cimetal Siderúrgica, fornos de tratamento térmico e silo para

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estocagem de almina para a Alcan e estruturas metálicas e equipamentos da usina-piloto de

fosfato da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) (Carvalho, 2012).

Todo esse cenário favorável de desenvolvimento levou os sócios a adquirirem uma

área de aproximadamente 51.000 m², no Centro Industrial de Contagem (CINCO). A

construção da fábrica do Cinco foi um marco bastante importante, pois levou a empresa a

um novo patamar de capacidade instalada e a oportunidade de alavancar o crescimento da

empresa. E, como a empresa fabrica bens de capital de grandes dimensões, quanto maior a

sua capacidade, mais produtos diferenciados pode fornecer. “Então, essas expansões foram

interessantes para o nosso negócio” (entrevista n. 1).

Em ritmo de crescimento, a Delp manteve-se no negócio da indústria mecânica, até

que em 1977 partiu para uma nova diversificação do negócio, agora atuando em novos

mercados. Iniciava-se uma nova fase na trajetória da empresa. Uma síntese dessa segunda

fase é apresentada na Figura 7.

Figura 7: 2ª fase da trajetória da Delp – 1970-1977. Fonte: dados da pesquisa.

4.2.2.3 A terceira fase da trajetória da Delp: a diversificação e a entrada no negócio de

agropecuária e siderurgia - 1977-1988

Em 1977, os sócios adquiriram a Fazenda Capão, com aproximadamente 5.000

hectares, que, além da criação de gado para corte, destinava-se também ao plantio de

Diversificação

de produtos

Crescimento

da empresa

Visão do

dirigente

1ª.

Diversificação

do negócio

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eucaliptos. Formava-se o Grupo Empresarial Delp, atuando agora nos ramos da indústria

mecânica e agropecuária.

A estratégia de diversificação prosseguiu e em 1978 os sócios compraram um projeto

para a instalação de uma fábrica de ferro-ligas de silício e manganês, em Pirapora-MG,

constituindo a Companhia Ferro-ligas Minas Gerais (MINASLIGAS), que entrou em

operação efetiva em meados do ano de 1980. O grupo passou a atuar em três ramos de

negócio - indústria mecânica, agropecuária e siderurgia. A diversificação demandou

reforços que foram supridos com uma nova estrutura de propriedade do grupo, alterada

com a entrada de dois outros sócios, Paulo Cézar Fialho, cunhado dos irmãos sócios da

Delp, e o profissional não familiar, especialista em ferro-ligas, engenheiro Joaquim Barros

Cota. De acordo com o entrevistado n. 2, essa diversificação de mercado reduziu os riscos

da instabilidade própria da indústria de bens de capital e representou a aquisição de novas

bases para a longevidade da empresa.

A diversificação tanto do agronegócio e depois no setor de ligas foi importante,

porque nas crises do setor de bens de capital, tanto a Minasligas como a Fazenda

seguraram o negócio e diversificou-se o risco. Esse é um dos pontos que foram importantes

para a longevidade do negócio Delp.

A ida para a região da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

(SUDENE), onde se instalou a Minasligas, também foi muito importante. Houve

crescimento muito acentuado até o começo dos anos 80 e com a crise dos anos 80 e 90,

recessão, muitos planos econômicos ficaram estagnados. Nessa época, a Minasligas passou

a ser o principal cliente e gerava recursos para a sobrevivência da Delp. Eu acredito que se

não tivesse a Minasligas a situação ia ser muito diferente.

O início dos anos 1980 foi marcado por uma grande crise mundial, o governo

brasileiro desvalorizou o câmbio, promoveu o aumento das exportações e desestimulou as

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importações. Vieram os sucessivos planos econômicos - Cruzado, Bresser, Verão e Collor

- com o objetivo de controlar a inflação e eliminar a indexação. Preços e salários foram

congelados e os anos 1990 iniciaram-se em um cenário de hiperinflação (Moreira, 2008).

Nesse período, a produção da Delp concentrou-se nos fornos de ferro-ligas para a

Minasligas e para outros clientes, como a Ferbasa e Italmagnésio.

No negócio de ligas, a Delp fez um acordo de fabricação de fornos de ferro-ligas e

transferência de tecnologia com a multinacional norueguesa Elkem, líder mundial na

produção de ligas e engenharia de equipamentos. Todos os equipamentos dessa nova firma

foram fabricados pela Delp, fazendo a produção da Delp ainda maior. Mas, mesmo assim,

a Minasligas tornou-se maior que a Delp e a atenção dos quotistas voltou-se, então, para a

consolidação do crescimento daquela firma, com investimentos em outros dois fornos.

Assim, a Delp ficou em segundo plano.

Com o Plano Real, em 1994, a economia se reaqueceu, possibilitando a retomada dos

negócios da Delp. Em 1998, a Delp fez uma parceria com a Indústrias Metarlúgicas

Pescarmona (IMPSA) para a fabricação de hidromecânicos, o que alavancou os seus

negócios. Porém, nesse mesmo período, ocorreu a cisão do grupo, por desentendimentos

entre os sócios que discordavam quanto à entrada dos filhos de um dos sócios para ocupar

cargos de gestão na empresa. Petrônio Zica permaneceu à frente da Delp Engenharia

Mecânica Ltda., passando a atuar basicamente no mercado de mineração e siderurgia,

retirando-se da empresa Minasligas. José Rodrigo Machado Zica, Tadeu Machado Zica e

Paulo Cesar Fialho ficaram responsáveis pela empresa de ligas. Iniciava-se uma nova fase

na trajetória da Delp. Na Figura 8 acompanha-se essa terceira fase.

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Figura 8 - 3ª fase da trajetória da Delp – 1977-1988. Fonte: dados da pesquisa.

4.2.2.4 A quarta fase da trajetória da Delp: a cisão do grupo, a entrada da segunda

geração e os negócios no ramo do Petróleo - 1998-2003

Concluída a negociação com os irmãos, Petrônio assumiu sozinho a direção da

Delp, sendo acompanhado por um sobrinho na Superintendência geral da empresa. Foi um

momento muito crítico, pois a situação geral da empresa ainda não estava totalmente

recuperada, existindo grande dependência do fornecimento para a Minasligas. E não

apenas a Delp, mas o grupo empresarial como um todo perdeu valor, pessoas deixaram a

empresa e a cisão afetou profundamente as relações familiares. Nesse momento de crise o

fundador mostrou toda a sua capacidade de superação e assumiu a empresa disposto a

fazê-la sobreviver. Ciente de que ali estava a sua principal fonte de recursos, praticamente

a reinventou e a fez sair da crise e crescer, como descrevem os entrevistados:

A cisão foi uma perda para um grupo que era muito forte e na separação dos irmãos

perdeu sua força. A Delp sofreu muito, porque teve muito gerente que se foi. Os

diretores eram muito fortes, os outros irmãos eram muito fortes, e ficou só com o Dr.

Petrônio. Esse foi um ponto que, vamos falar, balançou as estruturas (entrevista n. 2).

2ª. diversificação

do negócio

Visão dos

dirigentes

Conflito

familiar

Alteração da

estrutura de

propriedade

Cisão do

grupo

empresarial

Concentração

no negócio

original

Crescimento

da indústria

mecânica

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Aí o papai falou “bom, agora é o que eu tenho para me sustentar, então vamos ver o

que que a gente pode fazer com a Delp. Nessa época, em 1998, a Delp faturava de 6 a

8 milhões, hoje a gente fatura 180 milhões. Então a gente teve que se reinventar

(entrevista n. 1).

A maneira de “reinventar a empresa” adotada pelo fundador foi pela entrada no ramo

do petróleo, uma mudança de rumos para recolocar a empresa em crescimento sustentado.

Graças aos seus relacionamentos e pesquisa no mercado, conquistou um contrato de

fornecimento para a Petrobrás. Como a Delp era fornecedora, até então, dos mercados de

siderurgia e mineração, iniciou, a partir de 1998, uma busca de parceiros que possuíssem

tecnologia específica no desenvolvimento e fabricação de equipamentos para a indústria do

petróleo. Para o entrevistado n. 2, quando a empresa escolheu atuar como parceira da

Petrobrás, essa foi “uma decisão estratégica, pensada, deliberada a partir de uma leitura de

mercado”. A estratégia adotada, fruto da percepção de que o petróleo seria um bom

mercado, apresentando-se com grande perspectiva de crescimento foi bem-sucedida, mas

também foi uma decisão que exigiu dos gestores elevados investimentos na preparação e

aprendizagem para a entrada no setor. O processo de entrada ocorreu lentamente, “mas os

negócios da empresa no setor já representam atualmente 70% do faturamento da Delp”

(entrevistado n. 2).

Você fala assim: “ah, vou trabalhar com a Petrobrás”, mas você demora uns cinco

anos somente para você começar a aprender sobre esse negócio. Iniciou-se em 99,

conhecer o negócio de petróleo, fazer parcerias com empresas que já forneciam para

área de petróleo é um diferencial da empresa que colhe os frutos hoje (entrevista 3).

Em síntese, a superação da cisão do grupo, talvez o momento mais crítico ao longo

da trajetória da Delp, acabou por representar uma nova fase de crescimento para a empresa,

que buscou no mercado de petróleo uma alternativa para sobreviver e voltar a crescer.

Outro fato positivo da crise de cisão foi que, para atender à necessidade de prover os

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cargos de direção anteriormente ocupados pelos sócios irmãos, em 1999 iniciou-se o

processo de profissionalização da gestão e, em seguida, criou-se a oportunidade para a

entrada da segunda geração, representada pelos filhos do fundador. Foi contratado um

novo superintendente geral, que trazia em sua bagagem um forte conhecimento do

mercado de bens de capital. Ao assumir, redefiniu a estrutura organizacional e promoveu a

troca de gerentes. Nesse momento, Petrônio decidiu promover a entrada dos seus filhos na

empresa, preparando-os desde as atividades mais básicas para, no momento certo,

assumirem as funções de direção. De acordo com a entrevistada n. 1:

Humberto entrou primeiro, dois anos depois eu entrei e aí, uns quatro anos depois,

entrou a Adriana. O Humberto foi o responsável pelo comercial. Eu, pelo RH; e a

Adriana era responsável pela área de logística. Entramos rasgando papel, contando

prego no almoxarifado, a gente não entrou por cima não, foi aos pouquinhos.

Assim, a partir de 1999, a segunda geração da família começou a ser preparada para

participar da gestão, o que veio a ocorrer em 2006. O processo de preparação e

aprendizagem dos futuros diretores familiares envolveu a atuação de cada um em várias

funções e a convivência direta com os gerentes mais experientes, até que vieram a assumir

as áreas de RH, comercial e suprimentos. Essa fase se conclui com uma nova expansão da

empresa, decorrente da aquisição da planta de Vespasiano-MG. Uma síntese dessa quarta

fase é apresentada na Figura 9.

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Figura 9 - 4ª fase da trajetória da Delp – 1988–2003. Fonte: dados da pesquisa.

4.2.2.5 A quinta fase da trajetória da Delp: a nova planta em Vespasiano, a participação

da segunda geração e a profissionalização da gestão - 2003 a 2013 (atual)

Em 2003, a Delp Engenharia, em sociedade com a multinacional alemã SMS

DEMAG do Brasil Ltda., fundou a Delp Serviços Industriais Ltda., com a compra da

unidade fabril de Vespasiano da SMS DEMAG. A participação societária da Delp

Engenharia era, naquela época, de 85% e da SMS DEMAG de 15%. Essa aquisição gerou,

inicialmente, controvérsias entre os gestores, que agora tinham que administrar duas

firmas, a Delp Engenharia e a Delp Serviço, mas representa o fato mais marcante na

evolução da empresa desde que houve a separação do grupo e a empresa teve de se

reorganizar e voltar a crescer.

Com a aquisição, veio a posse de uma planta com grande capacidade e muitos

equipamentos que impulsionaram a empresa. Mas também exigiram investimentos em

retrofit, ampliação de áreas, compra de novos equipamentos e recursos para tratamento

térmico, cabine de jateamento de pintura, “um torno vertical muito grande, de 12 metros,

um dos maiores de Minas, talvez do Brasil” (entrevista n. 3). Na verdade, a nova planta foi

uma nova oportunidade para a Delp, que surgiu de forma totalmente inesperada, como

relatam:

Entrada no

negócio de

petróleo

Gestão familiar

compartilhada

com

profissionais

Profissionalização

da gestão

Diversificação

de mercado

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No meio da crise de 2004, o dólar a 4, Lula eleito, todo mundo achando que o mundo

ia acabar e, na verdade, caiu no colo essa fábrica, uma circunstância de mercado, eu

acredito que não foi nenhuma estratégia deliberada, aconteceu (entrevista n. 3).

Para a longevidade da Delp essa fábrica é absolutamente estratégica. Todos os

últimos investimentos, nos últimos dois, três anos, são feitos aqui, a expansão no

futuro da empresa vai ser aqui. Então, esse é outro fato marcante. Vamos falar, assim,

dos fatos recentes marcantes, considero a cisão da empresa, a entrada na área de

petróleo e, depois, a compra aqui dessa fábrica de Vespasiano (entrevista n. 2).

Ah, nossa!, foi um motivo de orgulho para nós.... pra família... Eu lembro direitinho:

eu, ele, o Humberto, o Ari, um familiar no final das contas. O Ari era ferrinho de

dentista e falava “Petrônio, vamos lá, essa oportunidade da SMS é boa pra gente”. Eu

acho que se fosse apenas pelo meu pai, eu não sei se o negócio teria saído.

Lembro-me que eu sentei na mesa com o papai e ele falou: “pois é, gente, então nós

decidimos que nós vamos comprar a SMS”. E quando eu passava por lá, olhava

aquela fábrica daquele tamanho e falava: como vamos dar conta desse negócio?

Vamos ficar aqui em Contagem mesmo, está ótimo, meu Deus do céu. Eu falava

gente, como é que eu vou dar conta de fazer admissão de todo mundo, do dia pra

noite?. Nunca tinha vivenciado uma situação como essa (entrevista n. 1).

Apesar do impacto que a decisão da compra da fábrica trouxe para a empresa, essa

não foi resultado de uma ação deliberada, com o objetivo de expansão e à primeira

vista não havia evidências de que se tratava de uma grande oportunidade. Não havia

uma estratégia deliberada do tipo “vamos crescer, vamos adquirir uma nova planta,

não, inclusive eles falam que a DEMAG foi oferecida para 10 outras empresas e

ninguém a quis” (entrevista n. 2).

Em 2006, houve a saída do superintendente contratado em 1999. Nessa oportunidade,

a segunda geração, já mais madura e preparada, envolveu-se mais fortemente com a gestão,

assumindo as funções de direção. Houve, então, a descentralização do processo decisório,

com mais envolvimento dos novos diretores familiares na empresa.

A partir de 2008, iniciou-se o processo de consolidação das duas firmas (Delp

Engenharia e Delp Serviços), quando um novo diretor industrial foi indicado para gerir as

duas fábricas. Esse gestor recebeu o apoio de toda a família e buscou aprimorar o modelo

de gestão fabril existente na Delp Serviços, replicando-o na Delp Engenharia.

Desde 2010, a Delp Engenharia assumiu a forma jurídica de sociedade por ações,

tornando-se uma sociedade anônima, e ocorreu a profissionalização de toda a gestão da

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empresa, com a contratação de dois novos diretores e o aprimoramento da governança

corporativa. Os antigos diretores, membros da família, foram transferidos para o conselho

de administração do grupo e a empresa hoje tem a família como proprietária exclusiva do

capital da empresa, porém com a gestão totalmente profissionalizada. Essa decisão de

profissionalização da empresa, de alguma forma, tem relação com a cisão que aconteceu

no passado e cuja experiência não se desejava repetir, mas também porque os proprietários

e os gestores avaliam que esse é o que deve existir em qualquer empresa.

Na verdade, aconteceu a cisão, talvez, por uma decisão de não se desejar

profissionalizar, ele queria pôr os filhos dele, eu achava que não devia pôr. Ficava

um mal-estar, então achamos melhor separar (entrevista n. 3).

Não é porque a empresa seja necessariamente familiar para que a profissionalização

aconteça. A gente vê nos casos de sucesso que as pessoas da família têm que ser

treinadas, nascendo já vai sendo treinada pra assumir. Mas mesmo assim a gente vê

os conflitos quando entram outras gerações. Então, essa questão de governança,

definições de poder, é difícil. É o que eu falo: a gente profissional já embaralha isso,

agora você imagina quem é do mesmo sangue (entrevista n. 2).

De fato, desde a cisão do grupo que iniciou o empreendimento, a profissionalização

já se instalara na Delp. Naquele momento, a segunda geração da família, os filhos do

Petrônio, ainda não estava preparada e não reunia as competências necessárias para

assumir todas as funções. Ao assumir a Delp sozinho, o empresário iniciou a

profissionalização pela contratação do superintendente geral, seguida do diretor industrial,

até o processo ser concluído com o modelo de governança adotado atualmente, como

descreve o entrevistado:

Primeiro, foi a profissionalização do diretor industrial. E foi assim até a gente achar

que tinha que profissionalizar tudo, também por causa de crise, por causa de aperto

financeiro. Então nós arranjamos um bom financeiro. E depois, em 2010, nós

resolvemos que a gente tinha que sair da execução e ir para o conselho. Aí nós

contratamos o Marcelo e ele tá tocando a empresa (entrevista n. 3).

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A profissionalização e o modelo de governança adotado abriram novas possibilidades

para os sócios se envolverem em outros empreendimentos e, de alguma forma, manteve a

família mais fortalecida, preservada nas suas relações pessoais. Com a profissionalização, a

empresa assumiu características gerenciais que não mais a distinguem das empresas não

familiares ou não se percebem mais vantagens ou desvantagens em ser ou não familiar.

Hoje, com a Delp profissionalizada, eu não consigo muito destoar vantagens e

desvantagens de ser ou não uma empresa familiar. Porque, num aspecto, a família

facilita e noutro aspecto dificulta. Facilita porque você tem mais intimidade para falar

as coisas, mais liberdade, você pode ser mais direto do que com um profissional. E

dificulta porque você pode magoar (entrevista n. 1).

Outra consequência da profissionalização foi a padronização de rotinas e do

planejamento. Criou-se uma área específica para gerenciar o sistema de garantia da

qualidade, responsável pela padronização. A Delp participa do Programa Mineiro de

Excelência (PMQP) do Instituto Mineiro da Qualidade e adaptou suas normas ao padrão

ISO. As instruções de trabalho definem as rotinas, que são formalizadas em IPs. O

processo de formalização é complexo, mas necessário, como declaram:

Temos uma rotina. Tudo no papel, tudo escrito, tudo formalizado. Acreditamos que

funciona. E sempre existem pontos para melhorar. Um parto com dor, você para

manter atualizado e todo mundo acha um problema, mas é difícil mesmo, porque é

muito burocrático (entrevista n. 1).

O processo decisório é baseado no planejamento, anual e quinquenal, orçamento,

indicadores de desempenho e limites de competência. A empresa emprega procedimentos

de brainstorming, análise Strengths (forças), Weaknesses (fraquezas), Opportunities

(oportunidades) e Threats (ameaças) (SWOT) e matriz de Ansoff para definir estratégias

de sobrevivência, crescimento e inovação, como evidenciam os relatos:

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A gente faz brainstorming, a SWOT tradicional nos ajuda a elencar, “olha, essa é a

estratégia de sobrevivência, de crescimento, de inovação”, em torno dessa visão.

Transforma-se isso em objetivos e classifica a importância, abrangência, duração, faz

um escalonamento. Isso depois vira objetivo estratégico, que é desdobrado em

indicadores para diversos objetivos. Tem uma sistemática para planejar. [...] Temos

BSC implantada, os indicadores anuais são revisados em função do planejamento

estratégico desdobrado por áreas e associado ao orçamento anual. Temos reuniões

mensais de acompanhamento de desvios. É um processo que começou há dois anos,

está em maturação, ainda não está 100%, mas já é uma grande evolução (entrevista n.

2).

Entretanto, a visão e o senso de oportunidade ainda ocupam lugar de destaque na

definição dos rumos do negócio, pois mesmo que exista um plano, ele é fruto das

oportunidades que vão emergindo das situações e conversas nas entidades nas quais

participam os gestores da empresa. Nos contatos do entrevistado n. 3, ele reporta:

Hoje eu posso estar conversando aqui com você, aí amanhã vem outro e conversa

comigo de uma oportunidade que até então eu não tinha enxergado, de uma nova

tecnologia na área de petróleo, que até então ninguém nos tinha oferecido. Então, eu

acho que você vai dançando um pouco conforme as oportunidades vão sendo

apresentadas e lógico que você tem um caminho que você sabe que quer seguir.

No atual modelo de gestão, o processo decisório que sempre foi centralizado na

diretoria hoje se define por limites de competência, que envolvem as decisões das

diretorias e as de competência do Conselho.

Eu acho que a alta administração sempre esteve envolvida com as decisões na

empresa. Você tem as figuras fortes, mas foi sempre a alta administração decidindo.

Os irmãos, no primeiro momento, decidiam em conjunto. No segundo momento,

quando saíram os irmãos, o Dr. Petrônio com o Ari, que é um sobrinho, e os filhos,

em conjunto. Na trajetória, as decisões sempre foram da alta administração. Hoje

uma diretoria profissional decide em conjunto com o conselho (entrevista n. 2).

A competência para decisões estratégicas, relativas a investimentos em equipamentos

e dos diretores profissionais obedecendo a limites predefinidos. Acima desses

somente o conselho de administração pode decidir. Existe um esquema formal de

reuniões de acompanhamento semanal para o nível das diretorias e mensal para o

conselho. “Temos um calendário anual de reuniões, as decisões são divulgadas. Tudo

formalizado e com acompanhamento e já implantado há dois anos” (entrevista n. 2).

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Destarte todo o esforço de padronização em curso, “também existe improvisação,

apesar das diretrizes sempre tem alguma coisa que não está escrita, que só é dita, e aí acaba

existindo a improvisação” (entrevista n. 2). E como a Delp produz sob encomenda, a

improvisação contribui para enfrentar os problemas que surgem no processo produtivo ou

para adaptar às especificidades nas demandas dos clientes.

Na Produção a improvisação é muito grande, porque como a gente não tem um

produto, então toda hora eles estão fazendo coisa nova. Mas acho que tem que ser

para os pequenos ajustes, pequenas eventualidades. Se for para coisa que tem

dimensão maior, acho que você tem que ser mais... não pode ir de qualquer jeito

(entrevista n. 1).

A meu ver, no comercial a improvisação é muito importante. Não é bem

improvisação, é adaptação. Por exemplo, entre 2010 e 2012, nós fabricamos quase

100 locomotivas para a GE. Foi uma encomenda muito boa, mas cortaram o contrato.

Aí veio a Caterpillar aqui para Minas Gerais, visitou as nossas fábricas e vendo a

gente fazer para a GE, falaram: “ah, vocês já estão formados com a GE, nós

queremos encomendar a vocês”. Mas nós tínhamos um acordo de fabricar só para a

GE. E a GE não estava encomendando mais. Fomos atrás da Caterpillar e dissemos,

então vamos fazer na outra fábrica [riso]. Isso foi uma improvisação. Na medida do

que aparece, você tem que fazer (entrevista n. 3).

Improvisação tem todo dia. Na área de produção a Petrobrás suspendeu dois

manifolds, uma expectativa de 4 mil horas de trabalho no mês. Se você for pensar, 4

mil horas, tem bastante gente dedicada. E se você corta isso de repente, então o

pessoal de lá tem que dar uns pulos, você tem que ter agilidade. Na produção pode

ser uma pequena ou uma grande improvisação. Não uma reinvenção, mas tem que

mudar. No financeiro a gente tá sempre fazendo melhorias, mas não é nenhuma

inovação. A improvisação dificulta demais, mas ela é fundamental. Se pudesse

acabar, ia ser a melhor coisa. Mas não é possível, é típico do negócio. Mas, na

verdade, gera retrabalho, paralisação, ociosidade do pessoal (entrevista n. 2).

Na percepção dos gestores, apesar da improvisação ser inerente ao tipo de produção

por encomenda, representando assim quase que uma necessidade, um dos seus efeitos

indesejados é o erro, causado, em parte, pela maneira como o próprio erro é tratado na

empresa. Na Delp, “a valorização do erro é achar o culpado, isso faz parte da nossa cultura.

Estamos tentando mudar a cabeça das pessoas” (entrevista n. 2). Essa forma de tratar o erro

repercute na maneira como o sistema de gestão de qualidade foi implantado na empresa,

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com uma supervalorização do erro, em consequência, a própria empresa se denuncia

perante os seus clientes. O caso do relatório de não conformidades é um exemplo dessa

situação, lembrado pela entrevista n. 1:

Adotamos o relatório de não conformidade, da ISO. De todos os fornecedores da

Petrobrás, eu acho que era a DELP é que mais fazia o RNC. Enquanto outra empresa

abria 20, nos abríamos 120. E isso é horrível porque a gente se denuncia em coisa

que não precisava se denunciar. A gente quer fazer tudo certinho demais. Eu acho

que você tem que penalizar aquele que deve ser penalizado, o que não deve, você tá

perdendo seu tempo com isso. Tem que ter o equilíbrio, o excesso é ruim, não tem

jeito e o erro eu acho que faz parte. Mas o erro recorrente, e o mesmo erro várias

vezes, não. E a maneira de reagir ao erro, de punir os culpados, é direta, pois a

percepção é que “o erro atrapalha. Às vezes a gente troca a pessoa. Ou, dá a primeira

chance, a segunda, não deu, manda embora” (entrevista n. 1).

Também se observam situações, por exemplo, erro de orçamento, em que o erro é

consequência do tipo de negócio, da produção por encomenda.

Tem erro de orçamento tem demais. Cada orçamento é feito de um jeito. Não foram

calculadas 100 horas de engenharia e gastou 1.200 horas. Talvez pela correria. Isso

atrapalha a gente. Só que a gente não pode ter esse tipo de erro sempre. E a gente

tem. Isso é ruim. Você tem que ir à raiz do problema para tentar descobrir onde está o

erro, se é problema da pessoa, se é um problema de quem supervisionou e não o fez

direito ou se o problema é do nosso negócio (entrevista n. 2).

Também existe a percepção de que os erros não estão associados ao improviso ou à

produção por encomenda, mas decorrem de causas variadas, como da maneira ainda

paternalista de gerir a empresa familiar, de uma situação de turnover elevado que sempre

se fez presente na empresa, dos momentos de crise, da própria instabilidade típica do

negócio ou do fato de que ainda não se aprendeu na empresa a não deixar que os mesmos

erros se repitam. Para o entrevistado n. 2:

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A postura para lidar com o erro é um dos problemas da empresa familiar, que é muito

paternalista, passa a mão, aceita muito o erro. Por um lado, é importante aceitar para

pessoa não se frustrar, mas tem hora que aceita demais. Aceitar o erro significa que a

situação continua sujeita a erro, acontece o mesmo erro, novamente. Todo erro é de

aprendizado, mas, por exemplo, esse ano a gente tá perdendo dinheiro com um

projeto específico. Ano passado eu perdi dinheiro com outro projeto específico. E a

gente tá perdendo agora alguns poucos milhões, mas importantíssimo, por erro que já

se repetiu, não é o primeiro, espero que seja o último. A gente está consciente “não

podemos entrar nessa mais”, mas a possibilidade de acontecer novamente existe. A

saída de pessoas da organização por mais que tenham procedimentos te faz ter essa

perda de aprendizado com os erros. Porque o aprendizado não é o que está escrito, é

o tácito. O que está escrito está disponível para todo mundo, é o explícito.

No momento de realização da pesquisa, constata-se que a empresa se mantém

disposta a prosseguir no mesmo negócio da indústria mecânica, mantendo o modelo de

gestão profissionalizada e buscando em parcerias o desenvolvimento de novas tecnologias

para acompanhar as novas perspectivas apresentadas pelos mercados em que atua. Essa

quinta fase é apresentada na Figura 10.

Figura 10 - 5ª fase da trajetória da Delp – 2003-2013. Fonte: dados da pesquisa.

2ª geração assume

os cargos de

direção gestores

Crescimento

da empresa

Consolidação do mercado de

petróleo

Afastamento

dos

profissionais

Contratação de

novos gestores

profissionais

Profissionalização

da empresa Afastamento da

família da

gestão

Modelo de

governança

profissional

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Em síntese, a descrição da trajetória da Delp, da sua criação até o período de

realização da pesquisa, em 2013, revela a essência do que é a empresa que completa 50

anos em 2014. A fase inicial que envolveu a criação, a aquisição pela família Zica,

instalação em Belo Horizonte e o desenvolvimento do mercado se estendeu por seis anos,

de 1964 a 1970. Nos primeiros anos desse período, a principal mudança foi sua

transferência para Belo Horizonte após a aquisição da empresa que funcionava em São

Paulo e a entrada na sociedade a convite de Petrônio e dos outros três sócios irmãos. O ano

de 1967 marcou o início do fornecimento para a Alcan, uma referência no

desenvolvimento da empresa que passou a fabricar, além das porcas e parafusos, também

ferragens para os carretéis de madeira. Essa fase se encerrou em 1970, com um cenário

externo bastante favorável provocado pelo milagre econômico, que foi explorado pela

empresa para a ampliação das suas instalações e mudança para uma nova planta em

Contagem-MG. Nessa primeira fase, o processo decisório se concentrava nas mãos dos

quatro sócios irmãos, que partilhavam a propriedade da empresa e assumiam a sua direção.

A segunda fase da trajetória da Delp se estendeu por sete anos, de 1970 a 1977. O

marco inicial foi a primeira, com a aquisição de uma área na av. David Sarnoff, na Cidade

Industrial. Nessas instalações iniciou-se a diversificação, com a fabricação de peças e

conjuntos de caldeiraria média e estruturas metálicas para usinas hidroelétricas, entrando

em novos mercados com diversificação de clientes e serviços. O fornecimento seriado de

peças para máquinas de terraplanagem resultou na aprendizagem de processos logísticos e

financeiros. Aproveitou um período na economia brasileira extremamente favorável para

entrar no mercado de fornos elétricos para a produção de ferro-ligas e avançar na

fabricação de equipamentos, firmando-se como produtora de bens de capital.

A terceira fase da trajetória durou 11 anos, entre 1977 e 1988. Ocorreram nesse

período novas diversificações com a entrada no agronegócio e, posteriormente, no setor de

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siderurgia, com a criação da Minasligas. O grupo passou a atuar em três ramos de negócio

– indústria mecânica, agropecuária e siderurgia –, reduzindo os riscos da instabilidade do

negócio original e adquirindo novas bases para a sua longevidade. Ocorreu, ainda, a

entrada de dois novos sócios, sendo um familiar e um profissional técnico e especialista em

ferro-ligas. A Minasligas tornou-se o negócio principal do grupo e a Delp, ficou em

segundo plano, como sua fornecedora. Iniciou-se a profissionalização do grupo com a

entrada do novo sócio não familiar, com especialização no negócio de ligas. Os negócios

cresceram muito, até que em 1998 houve a cisão do grupo, inaugurando uma nova fase

para a empresa.

A quarta fase da trajetória, de 1998 a 2003, portanto, cinco anos, iniciou-se pela cisão

do grupo, entrada da segunda geração da família Zica e os novos negócios no ramo de

petróleo. Petrônio manteve-se à frente da Delp e assumiu a direção com a ajuda de um

sobrinho na superintendência geral e os seus filhos, ainda em processo de formação e

aprendizagem. Levantar a empresa representou uma nova fase de superação e crescimento

com a oportunidade identificada e aproveitada de fornecer equipamentos para a Petrobrás.

Essa foi uma virada estratégica para recolocar a empresa em crescimento sustentado, uma

decisão deliberada, a partir de uma leitura de mercado. Houve uma primeira tentativa de

profissionalização na Delp com a contratação de um superintendente, que promoveu

mudanças de estrutura e funções. Como essas não corresponderam às expectativas, o

presidente optou por promover a entrada definitiva da segunda geração nos cargos de

direção, passando a compartilhar a decisão. Essa fase concluiu-se com uma nova expansão

da empresa pela aquisição da SMS Demag, em Vespasiano.

A quinta e última fase da empresa começou em 2003, com a compra da unidade

fabril em Vespasiano. Marcam essa fase a significativa participação da segunda geração, a

mudança para a forma jurídica de sociedade por ações e a implantação de uma nova

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governança, com profissionalização total das funções de gestão da empresa. Os antigos

diretores foram transferidos para o conselho de administração e a empresa hoje tem a

família como proprietária exclusiva das ações da empresa. A profissionalização resultou

em mudanças de rotinas, alto nível de formalização e aperfeiçoamento do processo

gerencial, apesar da visão e do senso de oportunidade dos empreendedores ainda ocuparem

lugar de destaque na definição dos rumos do negócio. A Tabela 11 ressalta os recortes da

trajetória da Delp e encerra esta subseção.

Tabela 11

Recorte das fases da trajetória da Delp

Fases

Recortes

1ª. 2ª. 3ª. 4ª. 5ª.

Período 1965-1970 1970-1977 1977-1998 1998-2003 2003-2013

Tempo 05 anos 07 anos 11 anos 05 anos 10 anos

Marco

inicial

Aquisição da

empresa e entrada

dos sócios irmãos

Expansão da

capacidade

produtiva e

Diversificação de

produtos

Diversificação do

negócio: formação

do grupo

empresarial

Concentração no

negócio da

indústria mecânica.

Início da

profissionalização.

Expansão da

capacidade produtiva.

Marco

final

1ª expansão para a

planta industrial

Diversificação do

negócio – entrada

no agronegócio

Cisão do grupo Entrada da segunda

geração.

Fim da pesquisa.

Contexto

externo

Muitas

oportunidades

Muitas

oportunidades

Oportunidades

seguidas de muitas

ameaças e de novas

oportunidades

Oportunidades. Ameaças seguidas de

oportunidades

Eventos - Implantação da 1ª

planta;

- conquista do 1º grande cliente;

- crescimento da

empresa.

- Expansão para a

planta industrial;

- diversificação de produtos;

- novos clientes;

- produção seriada;

- 1ª diversificação:

entrada no

agronegócio.

- Nova diversificação:

-entrada na siderurgia;

- formação do grupo empresarial;

- alteração da estru-

tura de

propriedade.

- profissionalização

da gestão;

- separação dos

sócios;

- concentração no

negócio original.

- Profissionalização

da gestão;

- início do forneci-mento para a

Petrobrás.

- Entrada e prepa-

ração da 2ª

geração.

- Expansão da em-

presa;

- consolidação do mercado de

petróleo;

- 2ª geração assume

cargos de direção;

- profissionalização;

- certificação;

- afastamento da

família da gestão;

- criação do modelo

de governança

profissional.

Fonte: dados da pesquisa.

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168

4.3 Caracterização da empresa PUR

A PUR Equipamentos Industriais Ltda. é uma empresa familiar, com capital 100%

nacional e tem como finalidade a fabricação de artefatos de poliuretanos sólidos e

microcelulados, para revestimentos de peças resistentes à abrasão para os setores mineral,

siderúrgico, fertilizantes, celulose e papel. A empresa foi criada em 1968 sob a razão social

Revesti Comércio e Representações Ltda., pelo imigrante austríaco Augustin, em

sociedade com o seu padrasto Lois, também imigrante de origem alemã, na Rua Alfa, 130,

no bairro Caiçara, em Belo Horizonte-MG. Em 1973, o Sr. Lois havia falecido e a empresa

foi reestruturada, passando a operar sob a razão social Revestoprene, então de propriedade

de Augustin, sua segunda esposa, Karin, e o advogado Laércio. A Revestoprene operou até

o ano de 1995, quando problemas fiscais levaram Augustin a um novo contrato, adotando a

razão social PUR Equipamentos Industriais Ltda. Na nova denominação, a empresa incluía

como sócios, além de Augustin, Karin e Laerte, Ricardo - filho do primeiro casamento de

Augustin, atual diretor administrativo da empresa, e sua filha do segundo casamento,

Nataly, atual diretora financeira.

A atividade inicial da empresa era a execução de serviços de revestimento de peças

de borracha. Em 1971, já com o reconhecimento do seu principal cliente, a Usiminas, em

Ipatinga-MG, a empresa foi transferida para a Rua Frei Orlando, no bairro Caiçara, em

Belo Horizonte. Em 1973, com a criação da Revestoprene, a empresa introduziu no Brasil

a tecnologia de fabricação de produtos à base de poliuretano e, em 1980, foi transferida

para a av. Portugal, 4.461, para uma área de 2.000 m2. Desde 1995 a empresa se

consolidou sob a razão social PUR Equipamentos Industriais Ltda. e, em 2010, foi

transferida para uma nova planta própria, construída em área de 20.000 m², especialmente

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planejada para a capacidade atual e futuras expansões, localizada na av. Geraldo Rocha,

1.300, Chácara Cotia, Contagem-MG.

Os principais produtos da PUR são lâmina base refil, raspadores para correias,

amortecedores, módulo peneira, revestimentos cerâmicos, roldanas, sistema articulável,

sistema linear, bombas, troca fácil, conector cônico, revestimento PURSINTER, sendo o

carro-chefe dos produtos um raspador para correia transportadora de minério. A empresa

também presta serviços de assistência técnica, montagem, reposicionamento, ajustes e

regulagens em equipamentos da marca PUR, empregando profissionais altamente

qualificados. De acordo com a classificação do SEBRAE, é uma empresa do setor

industrial, de porte médio, com 190 funcionários, incluindo o pessoal interno e os técnicos

que atuam como representantes e assistentes técnicos nos estados de Minas Gerais, Goiás,

Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia, Maranhão, Pará.

Um dos diferenciais da empresa é a adoção de tecnologia própria no

desenvolvimento dos produtos e dos processos de fabricação, sendo que os seus produtos

são praticamente todos patenteados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial

(INPI), assim como alguns dos processos de fabricação, condição que lhe assegura a

posição de fornecedora exclusiva de empresas como a Vale. Na mesma linha de negócio

não existem concorrentes da PUR no Brasil; e fora do país, concorre com produtos

semelhantes, mas sem possuir planta no país, a empresa norte-americana Mart.

Entre os seus clientes destacam-se empresas nacionais e internacionais de grande e

médio porte, em vários estados da federação, incluindo a Vale, Samarco, CSN, Usiminas,

Vallourec, Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), Mineração

Caraíba, Mineração Fazenda Brasileiro, Mineração Jacobina, Alunorte, Albrás, Mineração

Corumbaense, Ultrafértil, entre outras.

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A PUR adota um sistema de gestão ambiental fundamentado em quatro linhas que

norteiam suas ações ambientais: atendimento à legislação, ecoeficiência, busca da melhoria

contínua da gestão ambiental e educação e comunicação. Possui certificação ISO

9001:2008 com o propósito de aumentar a satisfação dos clientes internos e externos. Sua

estrutura organizacional é formalizada em quatro níveis: o diretor-presidente e a diretoria

de vendas e serviços, diretoria industrial, diretoria administrativa e diretoria financeira, no

segundo nível. O terceiro nível é representado pelas gerências e o quarto pelos

supervisores.

Desde os tempos da Revesti, entre 1968 e 1973, mudança para Revestoprene em

1973 e, posteriormente, em 1995, para PUR, foram três razões sociais distintas, porém a

essência da empresa é a mesma, pois “as três firmas fundaram-se sob as ideias do fundador

Augustin, refletidas na busca de inovação, nos produtos, na persistência e capacidade de

superação” (entrevistado 1), que levaram a empresa a completar 45 anos em 2013. Criada

inicialmente por dois parentes indiretos, padrasto e enteado, foi nos momentos

subsequentes transformada em empresa familiar e mantém-se como uma empresa de

propriedade e controle familiar e gestão híbrida, pois reúne nos cargos de direção

familiares diretos e indiretos, os filhos e genro do fundador e profissionais não sócios.

Para os gestores, a longevidade alcançada pela PUR é fruto da obstinação, da

inovação deliberadamente perseguida pelo fundador, do apoio dos empregados e,

sobretudo, dos clientes, sempre fieis à qualidade dos produtos e serviços da empresa, em

todos os seus momentos. Outra justificativa da longevidade é atribuída ao fato de que ao

longo do tempo foram sendo criados produtos diferenciados, que apresentavam relação

custo-beneficio muito favorável, fruto de pesquisa e visão de oportunidade do

empreendedor. E uma vez aceitos pelo mercado, os produtos foram sendo patenteados e

produzidos em série. “É o que manteve a empresa até hoje” (entrevista n. 2).

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Da sua criação, em 1968, ao momento atual da empresa, em 2013, participaram e

atuam no seu desenvolvimento duas gerações da família Augustin e profissionais não

sócios, como descrito na subseção seguinte.

4.3.1 As gerações dos Augustins e os profissionais na PUR

Primeira geração: O fundador Augustin

Em Belo Horizonte, nos fundos da residência da sua família, Augustin, ou “Seu

Gustavo”, como é tratado pelos empregados, criou a empresa Revesti. Iniciou com um

único, mas importante, cliente, que era a Usiminas. O fornecimento para a Usiminas, ainda

em condições tão iniciais da empresa, se deve à sua capacidade, inteligência, visão de

oportunidade, curiosidade e até mesmo ao fato de que, sendo descendente de austríacos,

teve várias oportunidades de conhecer e trazer para o país informações e tecnologia que

foram sendo transformadas em produtos, entregues de forma exclusiva. Para os

entrevistados, Augustin era dotado de inteligência, caráter, personalidade forte e

capacidades profissionais excepcionais, que lhe asseguraram, desde o início do negócio,

apoio financeiro da família na Alemanha e o acesso a várias empresas.

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É uma pessoa muito correta. Porque se não fosse também não estaria aqui até hoje,

como ele diz, não adianta querer fazer as coisas malfeitas ou falcatruas, porque o dia

que a casa cair, cai e acabou. [...] Ah, ele é um homem muito inteligente. A

inteligência dele é incrível, de tirar o chapéu. Até hoje, doente e afastado, já não

recebe mais ninguém, são os outros diretores que resolvem tudo, mas ele comanda.

[...] Ele ia muito à Alemanha, porque tinha muitos parentes lá e teve ajuda deles, tipo

ajuda financeira. O crescimento dele como empresário começou por ter boa

receptividade na Usiminas [...] Todas essas características contribuíram para que

criasse uma empresa da família, mas que valoriza e investe nas pessoas. Vários

funcionários que se juntaram a ele nos primeiros anos da Revestoprene ainda atuam

na empresa e o admiram profundamente. [...] O controle total é da família. Mas a

empresa te dá muita condição de trabalho. Ela abre para os funcionários oportunidade

de formação, sugere que ele faça determinado curso que ela subsidia em muitos casos

(entrevista n. 3).

Da primeira geração de proprietários da empresa permanecem como sócios Augustin,

afastado da direção da empresa desde 2010, sua esposa, Karin, que atualmente cuida do

controle dos investimentos privados da família, e Laércio, sócio não familiar, que atuou

desde a criação da Revestoprene como advogado da empresa. Os três permanecem como

sócios e não exercem atividade executiva na empresa. Dessa primeira geração permanece

atuante na empresa na condição de profissional não sócio o Sr. Olivério, diretor industrial,

que iniciou as suas atividades em 1984.

Segunda geração: Ricardo, Nataly e o profissional Flanklin

Quando a razão social Revestoprene foi alterada para PUR Equipamentos Industriais,

em 1995, a segunda geração iniciou as suas atividades na empresa, sendo representada

pelos filhos de Augustin, os meios-irmãos Ricardo e Nataly. Ricardo (40) é administrador

e iniciou suas atividades com 16 anos, como comprador, atuou como assistente de vendas,

auxiliar de produção e auxiliar de almoxarifado. Hoje é o diretor administrativo da PUR.

Nataly iniciou suas atividades ao lado da mãe, Karin, no financeiro, hoje é a diretora

financeira. Os dois assumiram as funções de diretores há pouco mais de três anos, em

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2010, em função do afastamento de Augustin, por motivo de doença. Ainda da segunda

geração de gestores, na condição de não sócios, em 2008, assumiu o Sr. Flanklin, marido

de Nataly, como diretor de vendas e assistência técnica. A participação das gerações da

família e dos profissionais está representada na Tabela 12.

Tabela 12

A participação da família Augustin e dos profissionais na criação e desenvolvimento

da PUR

Ano/

Período

Evento Atores/tempo de

empresa

Papel na

trajetória

Função na empresa

1968

Criação da empresa

Revesti

Augustin

(1968 a 2013) Atual Fundadores

Sócios gestores

100% do capital

Alois

(1968 a 1975)

1975

1ª mudança de razão social

Revestoprene

Entrada dos dois novos sócios

Augustin

(1968 a 2013) Atual 1ª. Geração

2ª. Geração

Diretor geral sócio

Karin

(1968 a 2013) Atual

Sócia gestora

Laerte

(1968 a 2013) Atual

Sócio advogado da PUR

1984 Profissionalização da

diretoria industrial

Olivério

(1984-2013)

Atual

Profissional

diretor industrial

1995 3ª alteração contratual

PUR equipamentos

industriais

Entrada da segunda geração

Augustin

(1968 a 2013) Atual

Sócio diretor geral

Karin

(1968 a 2013) Atual

Sócio gestor

Laerte

(1968 a 2013)

Atual

Sócio advogado da PUR

Ricardo

(1995-2013)

Sócio funcionário

Nataly

(1995-2013)

Sócia funcionária

2008 Profissionalização da

diretoria de vendas e

assistência técnica

Franklin

(2008-2013)

Profissional familiar

diretor de vendas e

assistência técnica

2010 A segunda geração assume

a direção

Ricardo Sócio diretor administrativo

Nataly Sócia diretora financeira

Fonte: dados da pesquisa.

Assim sendo, duas gerações dos Augustins participaram da trajetória da PUR,

descrita a seguir.

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4.3.2 A trajetória da PUR

A apresentação da trajetória da PUR foi organizada cronologicamente em duas fases.

A primeira corresponde ao período que vai do ano de 1968 a 1995, registrando-se a criação

da empresa Revesti e as alterações contratuais até a criação da atual razão social PUR. Na

segunda fase, ocorrida entre 1995 e 2013, houve a consolidação da PUR, a entrada da

segunda geração, o afastamento do fundador e a expansão e profissionalização da gestão.

Nas subseções seguintes descrevem-se os eventos marcantes de cada fase.

4.3.2.1 A primeira fase: de 1968 a 1995 – a criação e a atual razão social

A trajetória da PUR iniciou-se motivada por oportunidades identificadas em viagens

realizadas por Augustin à Alemanha. Nessas ocasiões, o empreendedor aproveitava para

conhecer produtos e as novidades em tecnologia de fundição de borracha. A partir dessas

experiências, iniciou-se em 1968, nos fundos da residência da sua família, na Rua Alfa, no.

130, no Bairro Caiçara - BH, a sua carreira de empresário, criando a empresa Revesti, que

executava serviços de revestimento de peças em borracha para o seu único cliente, a

Usiminas. Três anos mais tarde, percebendo suas possibilidades de expansão, a mãe cedeu-

lhe um prédio na Rua Frei Orlando, 147, também no bairro Caiçara. Na nova sede e com a

ajuda financeira dos parentes, adquiriu máquinas, equipamentos e conquistou novos

clientes, passando a fundir peças também para a Vale, Usiminas, Delp Engenharia, entre

outros. Na mesma época, começou, de forma ainda inédita no país, a fabricar pequenas

peças de reposição em poliuretano, material que conheceu e trouxe da Alemanha para o

Brasil. Tornava-se, assim, um pioneiro a trabalhar com o material importado que adquiria

em suas viagens.

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A Revesti foi criada em sociedade com o seu padrasto, Sr. Alois, com quem Augustin

aprendera os primeiros passos na fundição de borracha e que veio a falecer em 1973. Nesse

mesmo ano a empresa foi reestruturada e passou a operar com a razão social Revestoprene,

agora de propriedade de Augustin, sua segunda esposa, Karin, e o advogado Laércio.

Como Revestoprene, a empresa consolidou-se na fabricação de produtos à base de

poliuretano, abandonando a fabricação em plástico.

A Revestoprene foi se desenvolvendo e a cada produto novo Augustin realizava

testes, definia padrões e começou a registrar no INPI as patentes dos produtos, que lhe

garantiam a confiabilidade dos clientes e proteção no mercado de produtos à base de

polipropileno. Até o final dos anos 1970, chegou a registrar oito patentes de produtos. A

decisão de registrar patentes, além de preservar o conteúdo de inovação desenvolvido pela

empresa, deveu-se também ao fato de que ela proporciona à empresa reserva de mercado,

num horizonte bastante longo, que pode chegar, como afirma o entrevistado n. 2, até 15

anos.

O período de pesquisa demora em torno de cinco, seis, até sete anos, mas a patente

normalmente te dá uns 15 anos, no total. Ou seja, a partir do momento do registro,

levam uns cinco, seis anos para que ela saia. Mas nesse período, qualquer empresa

que tentar copiar seu produto você pode notificá-la, informando que já existe uma

patente. Depois de concedida, você tem mais 10 anos para usufruir da sua patente.

As patentes lhe trouxeram novos clientes, a empresa continuou a crescer e, em 1980,

foi transferida para o que viria a ser de fato a sua primeira planta, localizada na av.

Portugal, 4.461, em uma área de 2.000 m2. Entre os anos de 1980 e 1995 a Revestoprene

passou por fases de prosperidade, chegando a 120 funcionários, mas também por crises,

principalmente motivadas pelos sucessivos planos econômicos adotados no país que

afetavam o seu equilíbrio. Mas a empresa resistiu e sobreviveu, como destacam os

gestores.

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Era aquela época em que havia de mês em mês um pacote novo, Cruzeiro, sei lá o

quê. Depois a crise do Collor, o confisco do nosso dinheiro. A empresa quase que

não aguentou. Dos 120 funcionários chegamos a mais ou menos 26 funcionários. Só

para pagar os impostos é que não era problema. Você chegava lá com a guia e o

governo já debitava (entrevista n. 3).

Graças à credibilidade já conquistada pela empresa, os clientes nos momentos mais

críticos, mesmo reduzindo o volume de pedidos dado que a crise era estrutural no país,

mantiveram encomendas que davam certo fôlego ao negócio. Somada à redução da

produção, ocorreram atrasos no pagamento da folha, mas os empregados, muitos atuando

ainda hoje na empresa, cooperaram para que a empresa fosse superando a crise. Nesse

momento, também contribuiu a participação da família, que se adaptou rapidamente às

novas condições, determinando prioridades que criavam condições para a superação da

crise.

Saímos da crise Collor com muita dificuldade, lógico. E continuamos a trabalhar e

com a cooperação de todos aqueles que já trabalhavam na empresa na época, e

muitos estão aqui até hoje. A gente atrasava a folha, adiantava um pouquinho para os

funcionários. Era como se fosse uma crise familiar, cada um deu um pouquinho de si.

E depois passou e na época que liberou o dinheiro foi voltando ao normal (entrevista

n. 3).

Com o Plano Real, a partir de 1994, a situação se estabilizou e a empresa voltou a

investir em novos produtos. Tratou de ampliar a sua base de operação, adotando uma nova

estratégia de vendas, contratando representantes e vendedores para abrir novas

possibilidades de mercado. O foco dessa estratégia era a Vale, que já mantinha bom

relacionamento com a PUR, e os representantes passaram a atuar diretamente nos locais

onde a empresa mantinha operações, diretamente nas minerações, onde os produtos PUR

eram muito bem conhecidos e aceitos. Essa estratégia de vendas, descrita pelo gestor,

rendeu bons frutos e ampliou o volume de vendas de produtos e serviços.

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O Plano Real foi um choque na economia. E aí a empresa começou a investir em

novos produtos, colocou vendedores nas áreas com mais possibilidade, com mais

volume de venda, insistindo mais em cima da Vale, o nosso filé mignon. E os nossos

produtos sempre foram muito bem aceitos (entrevista n. 2).

Até 1995 transcorreu um período de estabilidade, “crescia um mês, no outro mês

descia” (entrevista n. 2), até que a empresa enfrentou uma nova crise, desta vez motivada

por problemas fiscais de tamanha magnitude que obrigaram o fundador Augustin a

encerrar as atividades da empresa. A Revestoprene foi encerrada e, numa transição que

durou aproximadamente quatro meses, o empresário passou a adotar a razão social PUR

Equipamentos Industriais Ltda., dando início à segunda fase na trajetória da empresa. Uma

síntese dessa primeira fase é apresentada na Figura 11.

Figura 11 - 1ª fase da trajetória da PUR – 1968-1995. Fonte: dados da pesquisa.

4.3.2.2 A segunda fase: 1995-2013 - a nova razão social, a entrada da segunda geração e

o afastamento do fundador

Com a criação da PUR, Augustin definiu um novo formato de empresa, que sob a

denominação PUR Equipamentos Industriais Ltda. incluía, além dos seus antigos sócios,

Karin e Laerte, Ricardo, seu filho do primeiro casamento, e sua filha do segundo

Problemas

com a área

contábil

Criação e

consolidação da

empresa Revesti

Experiência

do

fundador

Inovação com a

substituição da

borracha pelo

polipropileno

Alteração da

razão social

para

Revestoprene

Encerramento

da

Revestoprene

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casamento, Nataly. Ambos iniciaram muito jovens, aprendizes em processo de formação

profissional, atuando em vários postos na empresa.

A transição da Revestoprene para PUR foi muito rápida e contou com a participação

de várias pessoas que já atuavam na Revestoprene. Houve expressivo empenho da família

e dos empregados, que abriram mão das condições anteriores, inclusive de remuneração e

esquema de trabalho, adaptando-se à nova realidade da empresa. E também os clientes

colaboraram para que a empresa se restabelecesse.

Durante a transição tivemos que nos virar e contamos com a colaboração de pessoas

que já estavam há vários anos na empresa. A maioria dos empregados foi demitida e

começamos trabalhando em meio período. Era como se fôssemos da garagem de

novo. Mas, o bem maior, tanto de um país como da empresa, é o seu capital humano.

E como a gente já tinha esse know how, ficou mais fácil voltar. [...] O complicado é

na hora de você falar com o seu cliente, “olha, agora nós não somos mais

Revestoprene, agora é a PUR”. Mas a gente conseguiu, demorou um pouquinho – um

ano e meio, dois anos – para a gente começar a ter fôlego (entrevista n. 1).

Mas o aspecto mais determinante, o kwow how, que permitiu à empresa vencer

mais essa crise e se reerguer sem perder os clientes ou sua confiança, foram, mais uma vez,

as patentes. “O que colocou a PUR bastante em evidência, que deu bastante suporte à

empresa foi o registro de patentes” (entrevista n. 1). E essas foram, e continuam a ser,

conquistadas graças ao espírito inovador e empreendedor introduzido pelo fundador, que se

instalou de vez na empresa. O esforço de pesquisa e registro de patentes prosseguiu e

prosperou, se estendendo, além dos equipamentos, aos processos de produção, chegando a

um ponto em que, segundo os entrevistados, Augustin era, no estado de Minas Gerais,

quem mais registrava patentes, numa época em que essa preocupação não era muito

comum entre as pessoas e empresas. Em consequência, para os gestores, a posse de

patentes é um dos diferenciais atuais da empresa.

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O registro das patentes é muito importante, uma coisa bem forte aqui dentro da

empresa. Porque nós temos vários concorrentes, mas sérios somos nós só, a

americana, e o restante é tudo mais, vamos dizer assim, fundo de quintal, já

cresceram um pouquinho e tal, mas tão pegando a nossa rabeira, copiando produtos

da gente (entrevista n. 1).

Em 1995, ao iniciar as suas atividades, a PUR contava com apenas 10 pessoas. À

medida que foram sendo criados novos itens patenteados, a empresa assegurou uma

posição de exclusividade no mercado de equipamentos técnicos em polipropileno, que lhe

garantiu crescimento sustentado. Com a nova tecnologia efetivaram-se novos contratos e a

empresa recuperou o mercado perdido com o fechamento da Revestoprene. A produção

cresceu a um ponto que o espaço físico do galpão de 1.000 m2, ocupado na av. Portugal,

tornou-se um impeditivo do crescimento da empresa. De acordo com os gestores, chegou-

se a um ponto que “não tinha como expandir mais, não podíamos comprar nenhuma

máquina ou colocar mais um funcionário. Como diziam, se colocasse mais um,

praticamente, ia sentar em cima de alguém” (entrevista n. 1).

Então, em 2003, os sócios decidiram adquirir um terreno, desenvolveram um projeto

para uma grande planta, muito mais adequada, e iniciaram a construção. O ritmo de

crescimento da empresa se manteve nos anos seguintes até que a crise financeira de 2008,

que afetou particularmente o mercado de exportação de commodities brasileiras, incluindo

o minério de ferro, trouxe certo desequilíbrio nos negócios da empresa. “Mas esse

desequilíbrio foi rapidamente superado, porque grande parte dos contratos da empresa era

com a Vale, que manteve suas encomendas com a PUR” (entrevistado 3). A produção foi

reduzida, mas os gestores, apostando que a crise seria passageira, decidiram manter os

empregados, usando parte do tempo livre no treinamento e capacitação, assumindo com

recursos da própria família parte dos custos da folha de salários, até que a operação

voltasse à normalidade, como de fato ocorreu. Essa medida permitiu que a empresa

evitasse demissões e voltasse à normalidade, como se comprova:

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Nós tivemos um período aqui na empresa que o diretor não mandou ninguém

embora, metade do pessoal ia para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI) fazer um curso e a empresa, para não mandar ninguém embora, num

período de três meses arcou com parte dos salários e a outra parte o Gustavo. Depois

desse período, todos voltaram às suas rotinas normais. Balançou um pouco, mas

conseguimos suportar (entrevista n. 3)..

Em agosto de 2010, com todas as providências concluídas, a empresa veio a se

instalar na sua atual sede, em Contagem. A expansão da capacidade física permitiu que o

número de funcionários, em todos os setores, e o faturamento praticamente dobrassem,

contando a empresa atualmente com 170 empregados e faturamento mensal de 4 milhões, e

a perspectiva é de continuar crescendo, como se confirma:

Após 2011, os faturamentos dobraram. Até então se faturava 1,8 milhão por mês,

hoje fatura 3,7 milhões, 3,8 milhões, até 4 milhões de reais por mês já faturou aqui.

Cresceu o espaço físico, aumentou a capacidade da empresa. [...] Dobrou

praticamente o número de funcionários. Eu trabalhava na contabilidade com três

funcionários, incluindo o financeiro. Hoje eu tenho oito e o meu espaço físico é

muito maior. E vai continuar crescendo. Eu acho que não tem limite no crescimento

não. Depende do mercado, é lógico (entrevista n. 3).

Em 2008, assistiu-se à profissionalização das atividades comerciais, sendo criada a

diretoria de vendas e assistência técnica; e o genro de Augustin, Franklin, assumiu o cargo

de diretor. Em 2010, Augustin se afastou da empresa por problemas de saúde e a segunda

geração assumiu a direção. Definiu-se a nova estrutura organizacional, os filhos assumiram

a diretoria administrativa e a financeira. O genro permaneceu na diretoria de vendas e

assistência técnica e na diretoria industrial permaneceu o Sr. Olivério, profissional não

familiar.

O foco atual da empresa é na fabricação de itens seriados e patenteados. Essa decisão

favorece a PUR nas concorrências. Além disso, os seus produtos têm apresentado melhores

resultados nos testes realizados pelos compradores de durabilidade e funcionalidade dos

seus equipamentos, comprovando relação custo-benefício mais favorável, além de que

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“todos eles são fornecidos com a nossa garantia e total assistência técnica, o que é muito

importante hoje”.

O nosso maior cliente, a Vale, a cada renovação de contrato pede as patentes para

verificação, para que se coloque que esse item é exclusivo da PUR. Todos os itens

que nós fabricamos para a Vale e a Usiminas foram testados, aprovados e essas

comprovações realmente justificam pagar um pouco mais caro, pois se você avaliar

após 12 meses, você vai ver que não comprou tanto como comprava antes. Esse é o

sentido do trabalho da PUR (entrevista n. 2).

Como fornecedora de equipamentos para operar em situações de alto risco, os

gestores sempre se preocuparam com a confiabilidade dos clientes em relação aos seus

produtos. Buscaram aperfeiçoar, oferecer segurança e obter certificações para garantir

produtos com qualidade, durabilidade e eficiência. Para o gestor, “em todas as

oportunidades que nós tivemos ou que criamos, nós buscamos aperfeiçoar mais os

equipamentos, para que tenham durabilidade e eficiência” (entrevista n. 1). No decorrer

dos anos, a empresa foi se especializando e conquistou a credibilidade, o que a faz

sobreviver.

Então, é uma série de fatores: resistência, durabilidade, eficiência, principalmente ser bom,

você não pode vender um equipamento qualquer. Hoje nós temos uma série de certificações de que cada equipamento não vai causar um dano, um acidente, em virtude do processo de

fabricação que é confiável. [...] Essa foi uma escolha que estava sendo feita, por

exemplo, nós vamos concentrar mais em equipamentos que nós vamos desenvolver.

Sim. Isso foi determinante, sim, com certeza a razão de nossa evolução (entrevista n.

2).

A preocupação com a qualidade e com a segurança sempre foi valorizada nos setores

atendidos pela empresa. E desde os negócios iniciais da PUR, essa preocupação foi um

valor introduzido pelo seu fundador e que foi aperfeiçoado pela segunda geração e pelos

profissionais que se preocuparam em buscar padronização, criar rotinas e transformar a

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produção por encomenda em produtos seriados que carregam a marca PUR, reconhecida

pela sua confiabilidade e qualidade.

Tudo isso foi fundamental para uma empresa que, enquanto trabalhava por

encomenda, não saía do lugar. Às vezes nós ganhávamos um processo grande, em

que se trabalhava dois, três meses, satisfazia a empresa naquele período e depois ela

voltava à situação anterior, ela oscilava demais (entrevista n. 3).

A mudança da produção por encomenda para produção seriada mudou o rumo do

negócio, permitindo à empresa adotar uma estratégia de diferenciação que lhe assegurava a

preferência dos seus compradores, melhores condições de fornecimento e preços

diferenciados. Para os gestores:

A posse das patentes, na questão do preço, por exemplo, você consegue impor uma

condição melhor. É lógico que você, por ser exclusivo, você não vai pôr o preço que

achar melhor. Não, pelo contrário. A PUR, por trabalhar com poliuretano de baixa

performance, poliuretanos microcelulados, consegue fornecer com preços bastante

equilibrados e competitivos (entrevista n. 2).

Complementando a estratégia de diferenciação e produção em série, a empresa

empenhou-se na obtenção da certificação ISO e, desde então, as diretorias têm criado

procedimentos e rotinas formais, sem, contudo, perder a proximidade e a facilidade de

contato que existe entre os seus membros. A direção está empenhada em identificar um

modelo de gestão para a empresa que compatibilize profissionalização e flexibilidade.

Como ressalta o entrevistado n. 1:

Estamos num processo de renovação, de redescobrir como nós vamos proceder.

Estamos tentando criar uma rotina de decisão, com reuniões bimestrais com os

gerentes, para apresentar as metas, as melhorias contínuas e processos da ISO. Na

parte da diretoria, é quase meio que informal. Olho no olho. E sem discussão. É um

papo legal. Temos um estilo próprio de tomar decisão. [...] A partir do momento em

que entramos na ISO, já vínhamos nos organizando. Para os problemas internos foi

criado o PDCA, uma coisa nova que já está funcionando e é controlado pelo nosso

gerente de sistemas.

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A execução obedece à definição de atribuições funcional, mas a decisão estratégica é

colegiada, prevalecendo decisões flexíveis e marcadas pelo estilo da família, como

explicam:

Cada gerente é responsável pelo seu setor. E as nossas decisões são tomadas de

comum acordo em reuniões, conversas, vamos discutindo, qual a nossa meta, se há

algum problema, vamos sentar e resolver. É sentado na mesinha ali, um papo

tranquilo, um papo normal. Nada de cartinha pra lá e cá (entrevista n. 1).

Todas essas mudanças no processo de decisão também decorrem da necessidade de

atendimento aos mecanismos institucionais do mercado atendido pela empresa, por

exemplo, relacionados às exigências de regulação ambiental e de segurança do trabalho das

empresas mineradoras. Em consequência, além dos esforços para a certificação ISO e de

uma melhor definição da formalização da estrutura, observa-se também um

direcionamento de toda a empresa para a adoção do planejamento estratégico, de rotinas

operacionais formalizadas e de novos sistemas de gestão.

Estamos buscando uma administração mais profissional. Lógico, tropeçamos em

muitas coisas. Mas os dados que estamos recolhendo sobre as metas têm facilitado

para um futuro planejamento. Hoje na empresa planejar é para daqui a dois, três

meses, é quase que matando um leão todos os dias. Estamos realmente querendo

fazer um planejamento para um ano. A partir do ano que vem, vamos ter um

calendário da empresa para o ano inteiro e isso é o alicerce para a gente conseguir

fazer um planejamento estratégico da empresa (entrevista n. 1).

Nunca se jogou em aventuras. Tem as normas. Mas hoje tem também as normas

internas e estamos buscando pessoal qualificado. [...] O nosso Departamento de

Tecnologia e Informática desenvolve os programas, implantamos o PROTEUS da

TOTVS11

. É uma mudança total, começou do zero. E todo meio de comunicação

nosso aqui é por intermédio do e-mail. [...] Temos que acompanhar a legislação e as

normas. Virou rotina aqui na contabilidade. Mas como isso nunca tinha sido feito na

empresa, para os outros setores é coisa nova e eles têm que cumprir, tem que fazer

direitinho (entrevista n. 3).

11

O PROTEUS é um sistema de gestão integrada (ERP) da empresa TOTVS.

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Todas as evidências indicam que a ISO representou um marco no modelo de gestão

da empresa. Melhorou a comunicação interna, respaldou-se a ação em documentos do

Manual de Qualidade da PUR, que “nos fez aprender bem. A gente cresceu como empresa,

profissionalmente a gente cresceu” (entrevista n. 1).

Tudo é documentado, qualquer sugestão ou operação interna tem que ser por escrito,

temos formatos, documentação, desde um RH, uma sugestão, férias, uma solicitação,

tudo escrito. Tudo normatizado. Nada hoje pode ser “pega aí, depois eu passo aí e

pago”. Não. Esse costume nós estamos erradicando aqui na empresa. Tudo é feito via

portal, pelo sistema da TOTVS. [...] Hoje você tem que criar um processo, a diretoria

tem que autorizar abrir uma ordem de produção. Controle total de tudo que entra e sai

da empresa. É do jeito que o governo quer e nos controla, pela nota fiscal eletrônica.

[...] Hoje nós temos a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para todos

os equipamentos. Para cada fabricação você tem uma norma técnica. Vai extrair

minério, existe uma norma e você só pode extrair dessa forma. Então, para todos os

equipamentos no local onde ele vai trabalhar existem as normas, tanto de segurança

quanto de fabricação. [...] Criamos um controle de qualidade. Delegamos mais. E

como nós estamos em fase de organização, a coisa tá andando ainda (entrevista n. 3).

A gente precisou de alguma coisa pra ajudar a gente a crescer, porque os processos

estavam todos... não podia ficar da forma que estava. A ISO tem contribuído bastante

para isso (entrevista n. 1).

Porém, o esforço de planejar, organizar e padronizar ainda não fez desaparecer a

importância da improvisação na empresa. E essa “é muito grande. A gente não pode ficar

engessado. A gente ainda tem muita coisa para corrigir, apagar incêndio, então tem que ter

o improviso” (entrevista n. 1). Entre os gestores há clareza de que não se pode mais gerir a

empresa de forma improvisada, mas também que ela não vai desaparecer, e saber se

adaptar às situações também é uma maneira de gerir com qualidade e eficácia.

Eu acho que tem um limite, você não pode viver na improvisação, tem que ter um

direcionamento, mas tem hora que você precisa. Você recebe um pedido enorme, vai

ter que mexer em toda a sua produção (entrevista n. 1).

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Existe improvisação e ela resolve problemas. Nós inclusive deparamos com uma

improvisação agora, recentemente, um pedido fora da rotina normal. E existem

processos grandes, por exemplo, a Vale tem uma expansão, um pacote grande,

estamos entrando com raspador, roldana, cerâmica, revestimento de cerâmica, outros

equipamentos que dão um volume muito alto. E é um processo, não é de um contrato

de cinco anos não, é um processo para se entregar em dois, três meses. Então, nós

temos que criar uma força-tarefa na empresa e vamos fugir de todo o cotidiano. [...]

Nós temos condições plenas de organizar isso. Então vamos chamar de força-tarefa,

pegamos um pedido que seja aí de 5 milhões e entregar em dois meses, nós temos

que criar, rever a necessidade de tudo, talvez criar um turno só para isso, chamar

profissionais que ficam flutuando, que nós podemos contar com eles no momento.

[...] A improvisação existe não só para atender pedidos que chegam aleatoriamente,

mas também para uma situação de uma Vale ter uma parada de imediato (entrevista

n. 2).

No momento de realização da pesquisa, constata-se que a empresa se mantém

disposta a prosseguir no mesmo negócio, aperfeiçoando um modelo de gestão baseado na

participação direta da família, com os filhos e genro do fundador, e a participação de um

profissional não sócio nas diretorias. E busca acompanhar as novas perspectivas

apresentadas pelos mercados em que atua, com a adoção de ferramentas de gestão que a

tornem cada vez mais perene e profissional. Essa segunda fase é apresentada na Figura 12.

Figura 12 - 2ª fase da trajetória da PUR – 1995-2013. Fonte: dados da pesquisa.

Em síntese, a descrição da trajetória da PUR, da sua criação até o período de

realização da pesquisa, em 2013, revela a essência do que é a empresa, que completa 46

Entrada da 2ª geração de

gestores

Criação da

PUR

Superação da

crise e reinício

das atividades

Tradição de

trabalhar em

família

Visão dos

dirigentes

Profissionalizaçã

o da empresa

Crescimento

da empresa

Diversificação

de produtos

Afastamento do

fundador

Sucessão natural

e gestão híbrida

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anos em 2014. A fase inicial descreve o início da operação da Revesti, uma empresa que

surgiu “no fundo do quintal” e graças à credibilidade do fundador conquistou um cliente

importante, a Usiminas. A empresa passou por crises, mudou a razão social para

Revestoprene, acolhendo novos sócios. Ao adotar a razão social Revestoprene, a matéria-

prima borracha utilizada nos produtos de revestimentos foi substituída pelo polipropileno,

introduzido no Brasil de forma pioneira pelo fundador. Uma nova crise levou ao

encerramento das atividades da empresa, que renasceu transformada na atual PUR

Equipamentos Industriais, com a participação da segunda geração na qualidade se sócios

da nova empresa.

A segunda fase iniciou-se com a implantação da nova PUR, construída com o esforço

da família, o apoio dos funcionários mais antigos da Revestropene e a credibilidade

conquistada junto aos antigos clientes. Nesse esforço, favoreceram a empresa as patentes já

conquistadas e a persistência do fundador em desenvolver novos produtos, seriá-los e obter

novas patentes. A situação favorável do mercado da mineração no país assegurou o

crescimento da empresa ao ponto que decidiram pela sua expansão e construção de uma

nova e moderna planta. A segunda geração da família introduzida como sócios da PUR,

após um processo de formação e capacitação, com o afastamento repentino do fundador,

assumiu os cargos de direção, dando início ao processo de profissionalização da gestão que

vem se consolidando e acompanhando o crescimento sustentado do negócio. A Tabela 13

acompanha os recortes da trajetória da PUR e encerra o capítulo da descrição dos dados.

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187

Tabela 13

Recorte das fases da trajetória da PUR

Fases

Recortes

1ª. 2ª.

Período 1968-1995 1995-2013

Tempo 27 anos 18 anos

Marco inicial Criação da empresa Revesti Criação da nova empresa com a

participação da segunda geração

Marco final Operação sob nova razão social com a

entrada da 2ª geração

Fim da pesquisa

Contexto externo Muitas oportunidades Ameaças seguidas de muitas

oportunidades

Eventos - Implantação da 1ª planta;

- conquista do 1º grande cliente;

- crescimento da empresa;

- alteração da razão social para Revestoprene;

- substituição da matéria-prima base pelo

polipropileno.

- desenvolvimento de novos produtos;

- conquista das primeiras patentes;

- crise fiscal e encerramento das

atividades da Revestoprene.

- Reinício das atividades;

- concentração nos equipamentos de

prolipropileno;

- registro de patentes dos produtos e processos;

- expansão para a planta industrial;

- diversificação de produtos;

- produção seriada;

- profissionalização da empresa;

- certificação ISO;

- afastamento do fundador;

- 2ª geração assume a direção.

Fonte: dados da pesquisa.

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188

5 Análise Cruzada dos Casos

A análise cruzada de múltiplos casos tem como propósito aumentar a possibilidade

de generalização dos resultados, tornando mais claro se os eventos e processos que foram

cuidadosamente descritos em cada caso particular são ou não idiossincráticos. Possibilita,

ainda, a compreensão dos processos e resultados entre os vários casos para entender como

esses são qualificados pelas condições locais, permitindo um aprofundamento do

entendimento dos fenômenos e da explanação dos mecanismos causais (Miles &

Huberman, 1994).

Concluída a descrição das trajetórias da HASA, Delp e PUR, inicialmente

organizadas em sequências cronológicas demarcadas pela criação ou aquisição da empresa

e o momento da realização da pesquisa (2013), procedeu-se à comparação cruzada das

mesmas, utilizando o recurso da estratégia mista de análise cruzada. Esta análise é uma

combinação da estratégia orientada pelo caso com a estratégia orientada pelas variáveis,

descritas por Miles & Huberman (1994), numa forma denominada pelos autores de

“empilhamento de casos comparáveis”12

. Os eventos marcantes de cada fase das trajetórias

foram dispostos numa metamatriz, como mostra a Tabela 14.

12

Staking comparable cases, no original em inglês.

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189

Tabela 14

Cross case Display 1: mudança de atributos estratégicos

Fases

Empresa

1ª. 2ª. 3ª. 4ª. 5ª.

HASA

Criação e

consolidação

da empresa

Entrada da 2ª

geração, início da

profissionalização

e diversificação

do negócio

Concentração no

negócio original e

expansão da

capacidade

produtiva

3ª geração assume

cargos de direção

e incrementa a

profissionalização

da gestão

Delp

Aquisição da empresa,

sociedade entre

irmãos e

consolidação do

negócio

Expansão da capacidade física

com mudança para

a 1ª planta

industrial,

diversificação de

produtos e do

negócio

2ª diversificação do negócio,

formação do grupo

empresarial e

cisão da sociedade

entre irmãos

Concentração no negócio original,

início da

profissionalização

e entrada da 2ª

geração

.

Expansão da capacidade

produtiva e

profissionalização

da gestão, com o

afastamento da

família

PUR

Criação da

Revesti,

mudança para

Revestoprene

e operação sob

a razão social

PUR

Entrada da 2ª

geração,

afastamento do

fundador e

profissionalização

da gestão com a

participação de

familiares e

profissionais

Fonte: dados da pesquisa.

Os dados consolidados na metamatriz Display 1 informam, indutivamente, que o

recorte das fases das trajetórias ocorria não em função da sua cronologia, mas das situações

de mudança de atributos estratégicos e do tipo de aprendizagem ocorridos nas três

empresas, além de permitirem a identificação da origem dos impulsionadores das

mudanças identificadas. Uma constatação comum a todos os casos foi quanto à

participação das gerações nas situações de mudança de atributos. Ao longo das trajetórias,

observa-se que os valores da empresa familiar, representados pela tradição de manter a

família atuando na empresa, o respeito entre as gerações e o amor ao negócio,

determinaram a entrada de novos gestores. As gerações das famílias renovaram-se nas

empresas pela entrada de novos membros que foram sendo preparados e capacitados para

assumirem os postos de gestão na empresa. E, ao assumirem, os novos gestores foram

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190

responsáveis pela modernização de rotinas e pela profissionalização da gestão, tanto no

que diz respeito ao processo produtivo, quanto às funções de gestão.

Quanto aos mecanismos impulsionadores, verificou-se que duas situações

distinguiam os casos. Na HASA e na Delp, as situações que resultaram em mudanças dos

atributos estratégicos, tais como adoção da estratégia de diversificação de produtos ou do

negócio, expansão da capacidade física, modernização de rotinas e do processo produtivo,

tiveram como mecanismo impulsionador da renovação estratégica o ambiente externo. Os

gestores souberam identificar no ambiente externo as oportunidades ou crise e

aproveitaram para introduzir as mudanças nas organizações, reagindo para sobreviver e

crescer. Já na PUR, de forma distinta, a renovação foi impulsionada pelo ambiente interno.

A introdução de uma nova matéria-prima, o polipropileno em substituição à borracha, a

capacidade de superação da crise interna causada por questões fiscais e a pesquisa e

inovação com produtos seriados e patenteados foram impulsionados pela capacidade

criativa e de inovação do fundador.

Mas também se apurou que o tipo de aprendizagem mais tipicamente identificado

nos dois primeiros casos, HASA e Delp, era o single-looping learning, apesar de se

detectar alguma semelhança com o double-looping learning que veio a se confirmar na

última fase da trajetória da Delp. Já no caso PUR, o tipo de aprendizagem identificado foi

o double-loop learning, associado a uma elevada capacidade de mudança endógena,

incremental e inovação. Decidiu-se, então, apresentar os dados da análise cruzada dos

casos pela descrição de dois tipos: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

externo e aprendizagem single-loop learning – HASA e Delp; e renovação estratégica

impulsionada pelo ambiente interno e double-loop learning – PUR.

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191

5.1 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e aprendizagem

single-looping learning – HASA e Delp

As mudanças que foram observadas na HASA e na Delp, caracterizadas por situações

como a expansão da capacidade física, diversificação de produtos, diversificação de

negócio e concentração no negócio original, foram impulsionadas pelo ambiente externo.

Os gestores, reconhecendo as oportunidades ou crises no ambiente, reagiam adotando as

ações específicas a cada situação que implicaram em mudanças nos atributos estratégicos e

promoveram os momentos de renovação estratégica das organizações (Agarwal & Helfat,

2009). O que parece justificar a longevidade das mesmas. Portanto, as fases das trajetórias

devem ser exploradas e comparadas, detalhadamente, em cada um dos eventos e os seus

mecanismos causais.

5.1.1 A HASA e a Delp na fase 1

A criação da HASA, marco inicial da trajetória, deveu-se à experiência do seu

fundador, adquirida no trabalho com motores da marca Ford, somada ao seu senso de

oportunidade ao vislumbrar o surgimento, em Belo Horizonte, de um novo centro

industrial, onde poderia vir a se estabelecer e trabalhar na prestação de serviços de

mecânica. Acompanhando o mesmo destino de outros imigrantes italianos, usou da sua

experiência para a criação da própria empresa. A decisão de criação da HASA, portanto,

partiu do conhecimento inicial que o seu fundador detinha do ambiente e dos processos

industriais que a empresa poderia vir a utilizar para realizar as intenções profissionais do

fundador no ramo da indústria mecânica. E ao fundar a empresa, esse conhecimento foi

repassado aos demais membros da nova organização, seus dois filhos mais velhos,

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192

caracterizando um processo denominado de aprendizagem congênita, transferida pelo

fundador aos demais membros da organização nascente (Huber, 1991). Esse tipo de

aprendizagem, segundo Huber (1991), é bastante usual entre os modos informais de

aquisição de conhecimento pelas empresas e determinou, em grande medida, o que os

fundadores da HASA buscaram, as suas experiências e a maneira de reconhecer e

interpretar o ambiente, que prevaleceu ao longo de toda a primeira geração da HASA.

Já o marco inicial da trajetória da Delp, que envolveu a aquisição de uma empresa em

São Paulo, sua transferência para Belo Horizonte e a formação de uma sociedade entre

irmãos, deveu-se aos relacionamentos do fundador. Apesar deste não possuir experiência

no setor, deparou-se com a oportunidade de adquirir a empresa Delp graças a contatos

estabelecidos com um grupo de empresários em São Paulo.

A situação descrita na primeira fase das duas trajetórias relativa ao início das

atividades das duas empresas indica que, apesar de ambas as trajetórias serem direcionadas

por fatores do ambiente externo, o marco inicial partiu de mecanismos causais distintos:

experiência na HASA e relacionamentos na Delp. Entretanto, ambos são explicados pelo

familiness, que influenciou na criação e desenvolvimento das duas organizações. Pela

influência das famílias Albertini e Zica, as duas empresas cresceram direcionadas por

valores (tradição, relacionamentos de longo prazo, confiança, etc.), associando o nome da

família à sua identidade de marca e, frequentemente, buscaram a preservação do negócio

adotando nas decisões uma perspectiva de sobrevivência de longo prazo (Astrachan, 2010).

A Tabela 15 mostra os eventos dessa fase 1 com os respectivos mecanismos causais,

comentados em sequência.

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193

Tabela 15

Cross case display 2 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

externo e aprendizagem single-looping learning

Fase 1

HASA Delp

Evento Causa Evento Causa

Criação da empresa;

crescimento da empresa.

2ª geração entra na

empresa; processo de

aprendizagem da 2ª

geração; início da

profissionalização.

Experiência do

fundador.

Tradição de

trabalhar em

família.

Sociedade entre

irmãos.

Crescimento e

consolidação da

empresa.

Relacionamentos do fundador.

Relacionamentos dos sócios

com o mercado.

Fonte: dados da pesquisa.

Os mecanismos causais “experiência”, “tradição” e “relacionamentos” determinaram

os eventos de mudança que ocorreram na primeira fase das trajetórias das duas empresas.

Na HASA, após a criação e o crescimento da empresa, criou-se a tradição de manter a

família trabalhando unida, o que levou a empresa a introduzir no seu quadro gerencial um

representante da segunda geração. Este, por sua vez, estimulou com uma nova visão e

sentido do trabalho o início da profissionalização da gestão e adoção de um enfoque

mercadológico que fizeram a empresa sobreviver à fase por 41 anos (1933-1974),

consolidando-se e adquirindo prestígio no mercado. Na Delp o elemento relacionamentos

do fundador, ampliado pelo grupo de sócios irmãos e por seus contatos no mercado de

serviços prestados pela empresa, permaneceu como causador dos eventos dessa primeira

fase, que durou 10 anos (1974-1984).

Apesar de distintos, os mecanismos causais “tradição” e “relacionamento”

identificados nessa fase 1 das trajetórias correspondem ao que já foi definido como senso

de família ou familiness, “um conjunto único de recursos que uma firma particular possui

decorrente da interação entre a família, seus membros individuais e o negócio”.

(Habbershon, Thimothy & Williams, 1999, p. 11). O construto familiness parece

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194

relacionado às explicações da longevidade da empresa familiar. Por exemplo, as

abordagens que exploram esse construto (Astrachan, 2010; Chrisman, Chua & Sharma,

2005; Sharma, Christman & Chua, J.H., 1997; Frank, Lueger, Nose & Suchy, 2010,

Habbershon, Thimothy & Williams, 1999) adotam como pressuposto que as empresas

familiares são direcionadas por valores, como no caso da HASA a tradição; e apoiam-se

em redes de relacionamentos, como na Delp; e, frequentemente, lançam mão de uma

perspectiva de longo prazo (Astrachan, 2010). Em ambas, tradição ou relacionamento

moldou a estratégia das duas empresas familiares, tomando o significado de sobreviver.

Significa dizer que nas empresas familiares HASA e Delp o familiness (tradição e

relacionamentos) resultou nas escolhas estratégicas que as levariam à sua sobrevivência,

como se observou na fase inicial das duas organizações.

Outro aspecto verificado nessa primeira fase é a diferença entre o tempo de

consolidação das duas empresas, de 41 e 10 anos, respectivamente, HASA e Delp. Apesar

de não ter sido objeto de uma investigação mais aprofundada, essa diferença entre as duas

empresas certamente pode ser atribuída a fatores do ambiente externo. Até o início dos

anos 1960, coincidindo com o mesmo período de surgimento e crescimento da HASA,

apesar do cenário econômico favorável ao desenvolvimento da indústria mecânica, o

ambiente de negócios seguia um ritmo bastante estável.

De fato, dados da pesquisa revelam que a HASA permaneceu por muitos anos em

condição de líder no mercado, com pouca ou nenhuma concorrência e baixa necessidade de

adaptação, num contexto geral de muitas oportunidades. Já no período que coincide com a

consolidação da Delp, após os anos 1960 e 1970, o ambiente alterou-se de forma abrupta

por mudanças tecnológicas, econômicas e sociais. E ainda vivendo a sua primeira década

de existência, a Delp teve de adaptar-se e promover mudanças para acompanhar as novas

tendências, contingência não observada na primeira fase da trajetória da HASA, que se

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195

estabeleceu no ano de 1933 e a sua primeira mudança somente se concretizou 41 anos após

a sua criação.

5.1.2 A HASA e a Delp na fase 2

A fase 2 da trajetória da HASA é delimitada pelo afastamento do fundador,

provocando uma sucessão natural entre os seus herdeiros diretos. E como os demais

membros da primeira geração também já estavam em idade avançada, o representante da

segunda geração que já atuava na empresa assumiu o processo decisório. No caso da Delp,

o marco dessa segunda fase é o crescimento da empresa com a expansão da capacidade

física e implantação da primeira planta industrial, que trouxe a possibilidade de

diversificação de produtos, novos clientes e adoção da produção seriada. A Tabela 16

resume os eventos e causas dessa fase, comentados a seguir.

Tabela 16

Cross case display 3 – fase 2: das trajetórias movidas por estímulos externos

Fase

2

HASA Delp

Evento Causa Evento Causa

Sucessão natural

Diversificação do negócio

Concentração no negócio

inicial

Afastamento

do fundador

Visão do dirigente

Retração do mercado

comprador

Diversificação

de produtos

1ª diversificação do negócio

Crescimento

da empresa

Visão do dirigente

Fonte: dados da pesquisa.

Os mecanismos causais “Afastamento do fundador”, “visão do dirigente”, “retração

do mercado” e “crescimento da empresa” caracterizaram o desenvolvimento dos eventos

dessa segunda fase. Na HASA, ao assumir o processo decisório, a segunda geração

promoveu uma mudança estratégica, oportunizada por uma situação de crise no mercado

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196

de aço, que resultou na primeira diversificação do negócio, com a implantação de uma

nova unidade no ramo da siderurgia. O período inicial de operação da nova unidade

coincidiu com uma grande retração do mercado comprador, provocando uma situação de

crise na empresa que se endividara para a construção da usina. A solução adotada foi

reverter a estratégia de diversificação e a empresa voltou a se concentrar no seu negócio

original, a indústria mecânica.

Na Delp, o crescimento da empresa representado pela sua expansão física criou a

oportunidade para a diversificação de produtos e mercados e mudança de rotinas com a

introdução de produtos seriados. Com a empresa já operando num novo patamar, os

empreendedores decidiram investir na diversificação do negócio, levando-a a operar

também no agronegócio. Foi uma decisão estratégica planejada para reduzir o risco de se

manterem em um único negócio, que resultou bem-sucedida e impulsionou a empresa para

um novo salto de crescimento e estabilidade. Nessa segunda fase percebe-se que o

mecanismo causal “visão do dirigente” apresenta-se como elemento comum nas duas

trajetórias. Na HASA, foi responsável pela decisão estratégica de diversificação e, em

seguida, pela decisão de concentração no negócio original. Na Delp, resultou na decisão de

diversificação de produtos, seguida da diversificação do negócio.

Os comportamentos estratégicos nessa segunda fase impulsionados pela “visão dos

dirigentes” revelam uma combinação de escolhas exploration e exploitation. Em ambos os

casos, a visão dos dirigentes foi a causa da diversificação e entrada em novos negócios

(usina siderúrgica e agronegócios), que se classifica como exploration. E, em outro

momento, a decisão de reversão da diversificação com a concentração no negócio original

classifica-se como exploitation. Essa tensão exploration/exploitation (Crossan, Lane &

White, 1999; March, 1991) verificada na segunda fase das trajetórias confirma uma

renovação estratégica decorrente da mudança de atributos já registrada na primeira fase das

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197

trajetórias. Assim, argumenta-se inicialmente que o tipo de aprendizagem decorrente da

renovação estratégica que assegurou a sobrevivência das suas organizações nessa segunda

fase assemelha-se à aprendizagem organizacional estratégica, aprendizagem de alto nível

ou de segunda ordem, que ocorre quando em uma situação de mudança os pressupostos

básicos são alterados, a organização adquire nova orientação estratégica e um novo modo

de interpretação do ambiente. A aprendizagem estratégica nessa fase também equivaleria

ao tipo double-loop learning (Argyris & Schon, 1978; Fiol & Lyles, 1985; Kuwada, 1998).

Entretanto, o tipo double-loop learning representa uma situação que dificilmente é

alcançada pelas organizações (Argyris & Shon, 1978; Crossan, Lane & White, 1999;

Hedberg & Wolff, 2001), um tipo raro, pois implica o equilíbrio da tensão entre a

exploration e a exploitation, o que não se verificou nos dois casos, pois ocorreram apenas

escolhas estratégica que ora se revelaram explore, ora exploit. Não se aplicando, pois, as

tipologia de aprendizagem de single e double-loop de Argyris & Shon (1978) ou de

aprendizagem do negócio e aprendizagem estratégica de Kuwada (1998) para explicar o

que ocorreu nessa segunda fase das trajetórias da HASA e da Delp, recorre-se à

classificação proposta por Hedberg & Wolf (2001), de classificar os tipos de aprendizagem

segundo a percepção dos gestores e o tipo de resposta.

No caso da HASA, que buscou explorar o segmento de siderurgia para equacionar o

seu problema de suprimento da matéria-prima base do seu negócio, o aço, observa-se o

tipo II de aprendizagem: mesma percepção e resposta diferente (Hedberg & Wolff, 2001,

p. 546)13

, situação na qual novos segmentos de mercado são exploit com velhos produtos e

serviços. É uma situação de aprendizagem na qual as mudanças necessárias são

implementadas sem uma mudança prévia das molduras teóricas que definem a forma de

conduzir os negócios e, “portanto, essa situação pode ser caracterizada como uma

13

Type II Learning: same perception and different response, no original em inglês. Esse tipo de

aprendizagem ocorre quando a teoria do negócio permanece a mesma, mas novas respostas são necessárias

(Hedberg & Wolff, 2001)

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198

aprendizagem single-loop learning”. O que parece ter ocorrido na HASA é que era

necessário obter o aço que estava escasso no mercado e todos os esforços foram feitos para

a autossuficiência de matéria-prima. Mas de acordo com os dados das entrevistas, faltou

uma visão mais acurada sobre o mercado e não foi dada a devida atenção para o fato de

que o mercado comprador já se encontrava em recessão e os problemas de demanda seriam

previsíveis, como de fato ocorreu.

Na Delp, pode-se afirmar que o tipo de aprendizagem foi bastante semelhante ao que

ocorreu na HASA. A diversificação para o agronegócio foi decorrente da oportunidade de

investir, direcionando recursos para um setor que apresentava levados incentivos fiscais e

não foi decorrente de uma busca sistemática de novos conhecimentos. Portanto, também

foi uma mudança implementada sem alterações na forma de conduzir os negócios,

buscando apenas melhores condições de sustentabilidade financeira e redução de riscos.

Concluiu-se que na segunda fase das trajetórias a renovação estratégica assegurou a

sobrevivência das empresas e relacionou-se ao aprendizado do tipo single-loop learning.

Outro aspecto obtido nessa segunda fase refere-se ao fato de que o recorte temporal

foi bastante próximo para as duas empresas, 10 anos para a HASA e sete anos para a Delp,

diferentemente do que ocorreu na primeira fase, quando o intervalo de duração da primeira

fase da HASA, além de muito longo (41 anos), foi quatro vezes maior que o intervalo da

Delp. Como em ambas o início dessa fase nas trajetórias foi o ano de 1974, concluiu-se que

o ritmo das mudanças do ambiente externo deve ter impactado as duas firmas de forma

bastante semelhante e não representa algo que deva ser investigado com mais

aprofundamento. Porém, ratifica a ideia de que, como o âmbito externo impacta o processo

de renovação estratégica (Agarwal & Helfat, 2009), ambas as firmas foram impactadas de

forma semelhante. De fato, conforme os dados da pesquisa, nesse momento a HASA e a

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199

Delp disputavam o mesmo espaço competitivo e a primeira já não era a líder sozinha

operando na indústria mecânica no estado de Minas Gerais.

Ainda outro aspecto dessa fase é que a ela representa o momento em que as duas

empresas passaram a ser geridas por representantes de gerações distintas, o que aconteceu

em função da idade das duas empresas. Na HASA assumiu a segunda geração,

introduzindo uma nova visão no negócio. A Delp seguiu com a primeira geração e foram

as novas oportunidades de crescimento identificadas no mercado que levaram às novas

decisões estratégicas. O fato de ter havido mudança de geração apenas na HASA assinala,

a partir dessa segunda fase, diferenças entre as duas trajetórias. Enquanto o crescimento da

Delp permaneceu impulsionado pelo ambiente externo, na HASA foi a mudança interna de

geração que levou às próximas decisões de mudança. Ou seja, ao longo das duas trajetórias

a transição de gestores ocorreu primeiro na HASA, mas em todos os casos confirmou-se o

papel que as novas gerações podem representar no desenvolvimento da empresa familiar,

caso a sucessão ocorra sem traumas ou conflitos (Pieper, 2007).

Nas empresas familiares, a transmissão de cargos pela sucessão das gerações segue,

em geral, critérios patrilineares. E nas empresas que demonstram uma estrutura familiar

bem elaborada, com relacionamentos estáveis, como nos casos desta pesquisa, o processo

sucessório ocorre sem conflitos ou soluções de continuidade (Grzybovski, 2000). Inferiu-se

que os filhos, ou parentes próximos, representaram para os fundadores a segurança de que

o empreendimento teria continuidade guiado pelos mesmos fundamentos. Os valores

transmitidos da família para a empresa justificam que a entrada das novas gerações, que

foram introduzidas ainda em estágio de formação e capacitação, contribuíram como mais

um aspecto relacionado ao familiness e à sobrevivência das empresas familiares.

5.1.3 A HASA e a Delp na fase 3

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200

A fase 3 da trajetória da HASA é delimitada pela saída da empresa do ramo da

siderurgia, venda da usina e utilização dos recursos obtidos na alavancagem e concentração

no negócio original da indústria mecânica, com a construção de uma nova planta, expansão

do parque industrial e revisão do portfólio de produtos. No caso da Delp, o marco dessa

terceira fase é a segunda diversificação do negócio, entrada no ramo da siderurgia e criação

de uma nova empresa no negócio de ligas. A Tabela 17 resume os eventos e causas dessa

fase, comentados em sequência.

Tabela 17

Cross Case Display 4 – Fase 3: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

externo e aprendizagem single-looping learning

Fase 3

HASA Delp

Evento Causa Evento Causa

Investimento na nova

planta

Entrada da 3ª geração

Profissionalização

Concentração no negócio

original

Tradição de trabalhar em

família

Visão dos dirigentes

2ª diversificação do

negócio

Alteração da estrutura

de propriedade

Cisão do grupo empresarial

Crescimento da

indústria mecânica

Visão dos

dirigentes

Diversificação

Conflito familiar

Concentração no negócio original

Fonte: dados da pesquisa.

Os mecanismos causais “concentração no negócio original”, “tradição”, “visão dos

dirigentes”, “diversificação” e “conflito” caracterizaram o desenvolvimento dos eventos

dessa terceira fase. Na HASA, a tradição de trabalhar em família levou à entrada da

terceira geração, oxigenando a empresa com novas competências técnicas e gerenciais que,

somadas à experiência e determinação para enfrentar as crises da geração anterior,

impulsionaram novamente o processo de profissionalização da empresa. Foram

introduzidas as máquinas de controle numérico – CNC – na produção, informatização dos

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201

processos de suporte e de gestão, realizados investimentos na capacitação dos recursos

humanos, revisão de rotinas e obtenção da certificação ISO.

A visão estratégica dos novos dirigentes de que o negócio necessitava de um

diagnóstico e avaliação do desempenho econômico e financeiro motivou a contratação de

uma consultoria externa, que indicou os caminhos que levaram à recuperação financeira da

empresa. Apesar da influência que a primeira geração ainda exercia na empresa, criou-se

uma estrutura organizacional e de gestão pautada por valores empresariais tais como

produtividade, rentabilidade, qualidade e equilíbrio que, somados à formação e capacitação

dos novos dirigentes, permitem afirmar que a empresa encontrou na profissionalização

(Casillas, Sánchez & Fernández, 2007) o seu caminho rumo à sobrevivência e longevidade.

Dessa forma, pode-se atribuir à entrada da terceira geração a responsabilidade pelo novo

impulso da profissionalização, que explica a superação das dificuldades e sobrevivência da

HASA nessa fase.

Na Delp a fase inicia-se como de continuidade do crescimento da empresa. Uma

segunda diversificação veio acompanhada de novos sócios, com competências específicas

nos novos negócios e a adoção de um modelo de gestão híbrido, reunindo família e

profissionais na governança de um grupo empresarial. Conflitos em relação à participação

da segunda geração de um dos sócios na gestão da empresa levaram à dissolução da

sociedade entre irmãos e a Delp voltou à condição de empresa “solo”, sob a propriedade

exclusiva do seu fundador. E nesse momento, segundo os relatos, teve de ser

“reinventada”, concentrando-se no negócio original para sobreviver.

Nessa terceira fase enfatizaram-se dois mecanismos causais comuns nas duas

empresas - visão dos dirigentes e concentração no negócio original. Na HASA, o

mecanismo “visão dos dirigentes” resultou na profissionalização da empresa. Na Delp foi a

visão da oportunidade de atuar na siderurgia que resultou na decisão estratégica de

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202

promover a segunda diversificação do negócio (siderurgia no ramo de ligas),

impulsionando a empresa a um novo patamar de crescimento. Entretanto, o que

impulsionou a “visão” se distingue nos dois casos, apesar de em ambas o resultado ter sido

a sobrevivência das empresas.

Na HASA, a visão levou ao reconhecimento de necessidades internas (novas rotinas

e saneamento financeiro) da empresa. Na Delp, levou à identificação de oportunidades

externas de investirem em um novo negócio. Essa mesma variedade de condições

impulsionadoras da renovação também foi observada nos estudos de Burgelman (1994),

O’Reilly & Tushman (2004; 2008), Agarwal & Helfat (2009) e outros, que concluíram que

o processo de renovação pode ser conduzido top down ou impulsionado pela gerência

média e ocorre em processos intra ou entre as firmas. Na HASA, a contratação da

auditoria, que indicou os rumos para a recuperação financeira da empresa, foi uma

iniciativa da gerência média, acolhida pelos diretores. Já no caso da Delp, a decisão de

diversificação foi top down e o processo entre firmas. Ao entrar no ramo da siderurgia e

formado um grupo empresarial, foi criada a empresa Minasligas, abrindo espaço para a

Delp se tornar fornecedora dessa, retomando o seu ritmo de crescimento.

O segundo mecanismo causal comum nessa fase das trajetórias “concentração no

negócio original” também decorreu de uma mesma situação, uma crise. Na HASA, a

concentração foi em decorrência do fracasso da diversificação do negócio. Na Delp foi do

conflito entre os sócios. Nas duas situações a crise foi superada e resultou na retomada do

crescimento das empresas e num tipo de renovação exploit, motivada pelo familiness, ou

senso de familia, prevalecendo o espirito de preservação do negócio familiar por valores

que ultrapassam os motivos meramente financeiros (Astrachan, 2010).

Outros dois mecanismos causais foram verificados na terceira fase das trajetórias:

“tradição” na HASA e “conflito” na Delp. Ambos são mecanismos associados ao

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familiness, mas também atuaram de forma oposta. Na HASA, a tradição resultou na

entrada da terceira geração com uma nova visão e modernização da empresa. Na Delp, o

conflito levou ao fim da sociedade entre irmãos e concentração no negócio original. Em

ambos os casos ocorreu uma renovação estratégia que pode ser classificada como

exploitation. Passando a atuar concentrados no negócio original, percebe-se que a

renovação foi decorrente de um comportamento exploit de sobreviver no negócio original

(Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011). Em ambas as trajetórias

significou que os dirigentes aproveitaram o que já tinham aprendido para retomar as

atividades da indústria mecânica.

Os comportamentos estratégicos identificados nessa terceira fase realçam a

ocorrência de um novo ciclo de aprendizagem explicando a sobrevivência e longevidade

das duas empresas. Assim como na segunda fase, novamente se observou a ocorrência da

tensão exploration/exploitation, que se associa à tipologia de aprendizado single-loop e

double-loop (Argyris & Schon, 1978; Dogson, 1993). Também se identificaram

características da aprendizagem estratégica (Kuwada, 1998), pois se alteraram os

pressupostos básicos da gestão do negócio e as empresas adquiriram nova orientação

estratégica. A Tabela 18 registra a associação entre comportamento estratégico, renovação

e tipos de aprendizagem, inicialmente identificados.

Tabela 18

Associação entre o comportamento estratégico, o tipo de renovação e o tipo de

aprendizagem

Tipos de comportamento

estratégico na 3ª fase

Renovação

Estratégica

Tipo de aprendizagem

organizacional Tipo 1: concentração no negócio original/ profissionalização Exploitation Single-loop learning

Tipo 2: diversificação do negócio/ concentração no negócio

original

Exploration/

Exploitation

Single-loop learning e

Double-loop learning

Fonte: elaboração da autora.

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Na HASA, a concentração, em decorrência do fracasso da diversificação do negócio

e da decisão de se manter no negócio original, exemplifica uma renovação exploit e

aprendizagem single-loop learning. Na Delp, a fase inicia-se pela diversificação do

negócio, explore, e conclui com a concentração no negócio original, um tipo de renovação

exploit. Melhor explicando, ao retornar ao negócio original, o comportamento exploit

significou aproveitar o que já tinham aprendido para retomar a gestão da empresa na nova

situação “solo”, sem alterar a natureza fundamental das suas atividades (Dogson, 1993),

associado à aprendizagem do tipo single-loop learning. Apesar da “diversificação do

negócio” se classificar como uma renovação explore, não se verificou na Delp, de fato, um

tipo de aprendizagem double-loop learning, com o questionamento e modificação de

normas, procedimentos, objetivos ou mudança da base de conhecimento e rotinas (Argyris,

1976). O que ocorreu foi um movimento de resgate dos conhecimentos acumulados no

negócio da indústria mecânica, uma volta ao mesmo tipo de negócio anterior e de rotinas

para operar a empresa.

A associação entre a renovação estratégica e a aprendizagem organizacional já

identificada na segunda fase das trajetórias e confirmada nessa terceira fase evidencia que

a renovação estratégica é de fato um movimento circular de organizar e estratetizar,

estando para além da mera mudança de atributos em si das organizações, mas

determinando e sendo determinada por tipos de aprendizagem. Mas os resultados dessa

terceira fase também permitiram a confirmação da dificuldade que as empresas têm em

avançar nos tipos de aprendizagem, situação que se configura como crucial tanto na

aprendizagem, como na renovação que assegura a longevidade e sobrevivência das

organizações. A dificuldade é que na maioria dos casos as empresas são capazes de realizar

apenas a aprendizagem do tipo single-loop (Argyris & Schon, 1978; Crossan, Lane &

White, 1999). Nos dois casos, ambas realizaram o tipo single-loop e apenas a Delp foi

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capaz de se aproximar do que mais se assemelha à double-loop, na mesma fase da

trajetória. Mas, como a longevidade é uma realidade conquistada, ambas são longevas,

outros aspectos podem estar relacionados às escolhas estratégicas, ao tipo de aprendizagem

das empresas familiares e à sua sobrevivência.

Aprofundando em outras possíveis razões que justificam a longevidade, abstrai-se,

por exemplo, que a visão dos dirigentes promoveu decisões tanto exploit

(profissionalização) como explore (diversificação), enquanto o familiness, representado

pelos valores (tradição, conflito), levou somente a comportamentos exploit. Nas situações

em que a mudança foi impulsionada pela visão dos dirigentes, o que parece ter ocorrido foi

uma das modalidades de aprendizagem estratégica, discutida por Kuwada (1998).

Impulsionada pela visão dos dirigentes, a HASA investiu mais fortemente na

profissionalização da empresa, adquiriu e empregou novos conhecimentos técnicos sobre o

negócio e adequou-se à realidade do seu ambiente competitivo, acumulando novos

conhecimentos no nível do negócio, o que equivale a uma aprendizagem de primeiro nível

(Fiol & Lyles, 1985) ou aprendizagem do negócio (Kuwada, 1998), equivalente ao single-

loop (Argyris & Schon, 1978).

No caso da Delp, com a segunda diversificação do negócio, a visão dos dirigentes

resultou em nova orientação estratégica da empresa, que passou a se organizar como um

grupo empresarial, com nova disposição do poder e da propriedade e novas formas de lidar

e se engajar com a realidade. Nesse novo contexto, o seu comportamento estratégico

determinou uma situação de aprendizagem estratégica, que resulta, nas organizações bem-

sucedidas, na renovação organizacional como um processo de mudança nos mapas

cognitivos de primeira e segunda ordens (Barr, Stimperto & Huff, 1992).

Buscando cumprir o objetivo de analisar a trajetória do empreendimento familiar,

avaliando como a renovação estratégica e os tipos de aprendizagem relacionam-se com a

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206

longevidade desse tipo de empreendimento, caminha-se, então, para a análise das fases

finais das trajetórias.

5.1.4 A HASA e a Delp na fase 4

A fase 4 da trajetória da HASA representa o momento atual da trajetória da empresa

(2013), captado pelos dados da pesquisa. Na Delp, a quarta fase é delimitada pela

profissionalização da gestão. A Tabela 19 resume os eventos e causas dessa fase,

comentados em sequência.

Tabela 19

Cross case display 5 – Fase 4: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

externo e aprendizagem single-looping learning

Eventos

e

Causas

Fase

HASA Delp

Evento Causa Evento Causa

4ª. Gestão

compartilhada

entre a 2ª e 3ª gerações

Tradição da

família

Gestão familiar

compartilhada com

profissionais

Entrada no negócio de

petróleo - Petrobrás

Profissionalização da

gestão.

Diversificação de

mercado.

Fonte: dados da pesquisa.

Os mecanismos causais “tradição”, “profissionalização” e “diversificação”

caracterizaram o desenvolvimento dos eventos dessa quarta fase. Na HASA, a tradição de

trabalhar em família levou a terceira geração a definir e assumir cargos gerenciais na

estrutura da empresa, com a adoção de um modelo de gestão que se caracteriza por um

processo de decisão compartilhada entre a segunda e a terceira gerações. As novas

competências introduzidas pelos novos gestores e a percepção das necessidades internas

promoveram a profissionalização da gestão com revisão das rotinas, mudanças no perfil da

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mão-de-obra e aperfeiçoamento da estrutura organizacional e do processo produtivo que

caracterizam o momento atual (2013), captados pela pesquisa.

Concluiu-se que o mecanismo causal tradição, novamente, atuou na HASA para

preservar o empreendimento e assegurar a sua sobrevivência. Também se repete o tipo de

renovação exploit, pois a empresa dedica-se de forma ainda mais focada naquilo que

reconhece ser a sua vocação e paixão dos gestores. Apesar das modernizações introduzidas

pelas novas gerações, que resultam em novas rotinas de gerenciamento, produção e

capacitação de mão-de-obra, estas não se configuram como inovações de processo ou

tecnológicas, mas adaptações às mudanças ocorridas no setor e absorvidas pela empresa,

ratificando o tipo de aprendizagem single-loop das fases anteriores. Confirma-se, ainda,

que o familiness (tradição) atua na preservação do empreendimento num modelo de gestão

tipicamente familiar, no qual a família participa da propriedade; e todos os cargos de

direção e gerência média são ocupados por membros da família.

O que se verifica na HASA é que as mudanças ocorrem de forma semelhante ao que

acontece na maioria das organizações (Kuwada, 1998; March, 1981), porém o familiness a

diferencia na sua capacidade de sobrevivência. Melhor esclarecendo, a empresa responde

às mudanças na economia que afetam fortemente o seu negócio, uma vez que são

produtores de bens de capital e seus compradores são outras indústrias que dependem das

condições de crescimento, estabilidade ou recessão econômica do país. As novas

tecnologias de produção são introduzidas em acompanhamento ao que ocorre de oferta no

setor da indústria mecânica, com a progressiva substituição das máquinas mecânicas pelos

equipamentos de controle numérico e digital. Em decorrência, promovem-se mais

capacitação e especialização da mão-de-obra e a redução dos custos permite à empresa se

manter no mercado.

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Dessa forma, configuram-se os mesmos processos básicos estáveis pelos quais as

organizações agem, respondem ao ambiente e aprendem, citado por March (1981) e

Kuwada (1998). Essa situação corresponde à aprendizagem do negócio (Kuwada, 1998),

um tipo de aprendizagem de primeira ordem ou single-loop learning (Argyris & Schon,

1978) na qual a orientação estratégica da organização não se modifica. Mas a influência da

família no nome da empresa e na sua identidade, a perspectiva de longo prazo, os valores

da família refletidos na empresa pelo respeito às gerações, a confiança e a tradição de

preservar o empreendimento familiar (Astrachan, 2010) têm permitido à empresa

sobreviver, independentemente de não apresentar crescimento significativo ou perspectiva

de voltar a crescer.

Na Delp, a quarta fase inicia-se com a retomada da empresa pelo seu fundador. Ao

fazê-lo sem a companhia dos sócios irmãos que ocupavam as funções executivas no grupo,

iniciou a profissionalização da gestão com a participação de um sobrinho que o

acompanhou na separação das empresas. Em seguida, o fundador introduziu na empresa os

seus filhos para iniciarem o aprendizado no negócio. Num momento seguinte, a empresa

reuniu os recursos necessários para retomar o seu crescimento com a aquisição de uma

nova planta e habilitou-se como fornecedora da Petrobrás, promovendo uma nova

diversificação para esse novo mercado. Essa diversificação foi o mecanismo causal

responsável pelo novo impulso de crescimento da empresa, além de levá-la à aquisição e

desenvolvimento de novas tecnologias de produção, exigidas pelo novo mercado.

A quarta fase na Delp apresenta um movimento de renovação oposto ao ocorrido na

fase anterior (explore/exploit). Inicia-se exploit, pela profissionalização como alternativa

adotada pelo fundador para compatibilizar a necessidade de retomar o negócio após a cisão

e evolui explore pela diversificação com a entrada no mercado do petróleo. Esse

movimento exploit/explore faz supor que na fase tenha ocorrido os tipos de aprendizagem

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single e double-loop learning (Argyris & Schon 1978; Dogson, 1993). Na

profissionalização, a empresa teve a oportunidade de rever comportamentos e rotinas

anteriores e buscar um novo modelo de gestão. A diversificação demandou da empresa o

desenvolvimento de novas competências e tecnologias para o atendimento ao novo

mercado, caracterizando o desafio crítico que decorre da tensão exploration/exploitation

também presente na natureza dinâmica da aprendizagem organizacional single e double-

learning (Crossan, Lane & White, 1999; March, 1991).

Essa quarta fase também parece evidenciar que, de forma distinta da HASA, na Delp

esteja acontecendo um processo de aprendizagem estratégica. Além da aquisição e

aperfeiçoamento dos conhecimentos específicos do seu negócio, decorrentes das novas

relações com o mercado do petróleo, introdução de novas tecnologias produtivas e

mudanças nos processos de gestão, com a profissionalização de áreas estratégicas e de

apoio da organização, a empresa tem revisto os pressupostos básicos que fundamentam o

seu processo de decisão estratégica e reconstruído suas rotinas estratégicas. Com isso,

adquire um novo tipo de conhecimento de nível corporativo que, ao resultar em mudanças

no comportamento estratégico, resulta na aprendizagem estratégica (Kuwada, 1998).

Apesar de também se situar no negócio de bens de capital, extremamente dependente do

ritmo de crescimento econômico do país, a empresa, ao se direcionar como fornecedora do

negócio do petróleo, capacitou-se para um crescimento sustentado, assegurando a sua

sobrevivência.

Porém, o que se apura é que a Delp intentou atender a um novo segmento de mercado

(petróleo) com os mesmos produtos e serviços, caracterizando um tipo de aprendizagem de

primeira ordem ou single loop, já identificada na fase 2 da HASA. É um tipo no qual a

teoria do negócio permanece a mesma, mas novas respostas são necessárias, classificadas

como tipo II de aprendizagem: mesma percepção e resposta diferente (Hedberg & Wolff,

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2001, p. 546). Esse mesmo tipo de aprendizagem, adotado como forma bastante comum de

superar os concorrentes, significa que “os parâmetros básicos que regem o negócio não são

revertidos, mas as estratégias relacionadas são reavaliadas de forma a exploit a teoria

dominante do negócio ainda mais do que no passado”. A exploração de novos mercados

regionais com velhos produtos ou serviços “repaginados” para atender a novos segmentos

de clientes ou o desenvolvimento de novos produtos e serviços nas mesmas bases já

estabelecidas do negócio configura-se entre as estratégias adotadas quando os gestores

estabelecem essa forma de reagir e aprender. É o que esclarece a tipologia tipo II de

Hedberg & Wolf (2001). A Delp, ao longo da sua trajetória, em vários momentos já

descritos nesta análise reage e se renova de forma bastante aproximada do tipo de

aprendizagem de segunda ordem ou double-loop, mas o que se pode concluir é que a

trajetória ainda é de single-loop, confirmando-se novamente a mesma dificuldade das

organizações em avançar nos tipos de aprendizagem.

A quarta fase representa o recorte do momento atual da trajetória da HASA, porém

há ainda o recorte de uma quinta fase no caso da Delp, a ser analisado em seguida.

5.1.5 A Delp na fase 5

Na Delp a quinta fase é delimitada pelo crescimento da empresa. A Tabela 20 resume

os eventos e causas dessa fase, comentados a seguir.

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211

Tabela 20

Cross case display 6 – fase 5: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

externo e aprendizagem single-looping learning

Eventos

e

Causas

Fase Delp

Evento Causa

5ª.

Crescimento da empresa

2ª geração assume os cargos de direção

Profissionalização da empresa

Adoção de modelo de governança

profissional

Consolidação do mercado de petróleo

Afastamento dos profissionais

Contratação de novos gestores

profissionais

Afastamento da família

A fase 5 da trajetória da Delp representa o momento atual da empresa (2013) captado

pelos dados da pesquisa. Tendo promovido, na fase anterior, uma diversificação para o

mercado de petróleo, os gestores tomaram a decisão de adquirir uma nova planta e essa

expansão resultou na sua consolidação como fornecedora da Petrobrás. No aspecto

gerencial, a frustração com os resultados obtidos pelos gestores profissionais levou à saída

dos mesmos. Os filhos do fundador, já amadurecidos e qualificados, assumiram os cargos

de direção, sob a presidência do pai. O crescimento do porte da empresa, reflexo da

diversificação do mercado, demandou esforços extras de modernização, dando início a um

novo ciclo de profissionalização da gestão que resultou na entrada de novos gestores

profissionais, mudanças de rotinas e obtenção de certificação da empresa. Esse processo

perdurou até que, recentemente, a família decidiu promover mudanças na estrutura de

propriedade, a empresa foi transformada em uma sociedade por ações, os filhos passaram à

condição de sócios e toda a família foi transferida para o conselho de administração,

instalando-se um modelo de governança profissional.

Pelos dados da pesquisa concluiu-se que a adoção do modelo de governança

profissional ainda é um reflexo das experiências dolorosas vividas pelo fundador na cisão

da sociedade entre os irmãos. Na sua percepção, a cisão do grupo original familiar ocorreu

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pela insistência dos sócios em manter a governança familiar, erro que não desejava que se

repetisse. Para tal, assim que reuniu na Delp as condições necessárias, promoveu a saída da

família dos cargos executivos, contratou profissionais capacitados para gerir o negócio e os

familiares passaram a atuar na condição de sócios e controladores do negócio, preservando

as relações familiares e o equilíbrio da empresa. Ao promover uma renovação estratégica

com a adoção de um novo modelo de gestão profissional, por antecipação aos possíveis

conflitos inerentes ao empreendimento familiar, essa quinta fase na Delp revela um tipo de

aprendizagem resultante single-loop, mais uma vez aproximando-se do tipo double-loop

(Argyris & Schon, 1978).

Nas fases anteriores veio se confirmando a capacidade da Delp em realizar o single

loop learning, aproximando-se do double-loop ou do tipo de aprendizagem estratégica.

Tanto a decisão de mudar a orientação estratégica da empresa (diversificação para o

mercado do petróleo) - que impactou fortemente o crescimento da empresa e levou à

necessidade de aquisição de um novo conjunto de conhecimentos - como a adoção da

governança profissional - preservando a propriedade do negócio, mas neutralizando os

conflitos decorrentes do desgaste nas relações familiares, - revelam a capacidade dos

gestores em identificar as circunstâncias e os processos de aprendizagem que necessitaram

ser criados. Reconhecer de forma antecipada novas situações que poderão levar aos

mesmos erros do passado ou assumir um novo modo de interpretação do ambiente pode

promover um tipo de equilíbrio da tensão exploration e exploitation necessário para que se

concretize a aprendizagem double-loop learning, de acordo com a tipologia de Argyris &

Schon (1978) ou aprendizagem estratégica, segundo Kuwada (1998).

Essas situações também parecem caracterizar o aprendizado do tipo IV: diferente

percepção e diferente resposta14

, uma situação genuína de double-loop learning (Hedberg

14

Type IV Learning: different perception and different response, no original em inglês. Esse tipo de

aprendizagem ocorre quando tanto a teoria do negócio como o repertório de comportamentos são percebidos

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213

& Wolff, 2001), revelando que a Delp, no seu momento atual, está de fato caminhando

para mudar de patamar, de nível de aprendizagem. E os fatos comprovam essa situação. De

acordo com os dados da pesquisa, os gestores revelaram que desde que se consolidou como

fornecedora da Petrobrás a empresa está buscando parceiros para o desenvolvimento de

tecnologia e de novos equipamentos de prospecção e exploração de petróleo, ciente da

necessidade de inovação que o novo mercado representa e da sua importância para os

rumos presentes e futuro do negócio. Essa situação de avanço na aprendizagem parece

explicar a sobrevivência e longevidade da empresa, que segue envolvida em vários novos e

promissores projetos e confirma que a aprendizagem organizacional está diretamente

relacionada à sua renovação estratégica e longevidade do empreendimento familiar.

5.2 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente interno e double-loop learning:

PUR

Na PUR Equipamentos Industriais Ltda., diferentemente do que ocorreu na HASA e

na Delp, o elemento indutor das mudanças estratégicas ao longo da sua trajetória de 45

anos foi o ambiente interno. Mudanças ocorridas na estrutura de propriedade da empresa e

duas alterações na razão social, a primeira decorrente da mudança da matéria-prima básica

do negócio, ou seja, substituição da borracha pelo polipropileno, e a segunda por

problemas de fiscalização vivenciados pela empresa caracterizam o ciclo de criação,

desenvolvimento, crise e longevidade da empresa. Assim como nos outros dois casos da

HASA e da Delp, essas mudanças permitiram ao negócio reagir e sobreviver, pois da

mesma forma que nos casos anteriores, as mudanças observadas nas diferentes fases da

como obsoletos. A empresa necessita iniciar um processo radical de descobertas sobre as bases futuras para a

sua sobrevivência; e a busca intensiva de uma nova teoria do negócio e estratégias relacionadas é necessária

(Hedberg & Wolff, 2001, p. 546).

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trajetória da PUR também implicaram modificações nos atributos estratégicos,

caracterizando, portanto, momentos de renovação estratégica da organização que parecem

justificar a sua longevidade e devem ser explorados, detalhadamente, em cada uma das

suas fases.

5.2.1 A PUR na fase 1

A criação da Revesti Comércio e Representações Ltda., em 1968, marco inicial da

trajetória da PUR, deveu-se à experiência do seu fundador, Augustin, adquirida como

auxiliar do seu padrasto, Sr. Lois, que executava, de forma bastante artesanal e nos fundos

de casa, pequenos serviços de revestimento em borracha. Ao criarem a empresa, os dois

tornaram-se sócios, executando um tipo de serviço pioneiro. Como ambos eram

estrangeiros e viajavam constantemente para a Alemanha, traziam novidades em

tecnologia de fundição de borracha, foram conquistando clientes importantes, entre eles a

Usiminas, que permitiram à empresa ampliar as suas atividades e ir se consolidando. A

curiosidade pela pesquisa de materiais e processos produtivos e o interesse pelas novidades

observadas nas constantes viagens dos fundadores ao exterior marcaram fortemente o

desenvolvimento da empresa, evidenciando que, de forma distinta das outras trajetórias

(HASA e Delp), que foram direcionadas por fatores do ambiente externo, a PUR tem uma

trajetória impulsionada por estímulos internos.

Depreende-se, dos dados, que a criação da PUR, assim como da HASA, decorreu de

um processo de aprendizagem congênita, combinada com a aprendizagem vicária (Huber,

1991). Esse tipo de aprendizagem, bastante usual entre os modos informais de aquisição de

conhecimento, resultou da combinação entre o conhecimento herdado, adquirido antes do

início das atividades da empresa, no caso da experiência adquirida por Augustin como

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auxiliar do seu padrasto, e a aprendizagem vicária15

adquirida nas suas viagens, pela sua

curiosidade e espírito de investigação. que o manteve sempre atento aos materiais e

produtos que poderia trazer ao Brasil para empreender.

O fundador, ao buscar nas suas viagens a experiência necessária para conceber os

produtos e criar a empresa, determinou características do modo de interpretar o ambiente e

escolher estratégias (Huber, 1991) que prevaleceram ao longo de toda a trajetória da PUR.

Essa é a característica que mais diferenciou a trajetória da PUR impulsionada pelo

ambiente interno (capacidade de geração de inovação e criação de produtos) das trajetórias

impulsionadas pelo ambiente externo da HASA e Delp, já descritas e analisadas.

O fundador, como mostram os dados da pesquisa, é uma figura que se destaca pela

sua inteligência e capacidade de inovação. De forma proativa, desenvolvia novos processos

e produtos e os apresentava aos clientes como solução às suas necessidades, gerando novas

encomendas que faziam a empresa ir crescendo. A Tabela 21 resume os eventos e causas

dessa fase, comentados na sequência.

Tabela 21

Cross case display 7 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

interno e double-loop learning

Eventos

e

Causas

Fases

PUR

Evento Causa

1ª. Criação e consolidação da empresa

Alteração da razão social para Revestoprene

Encerramento das atividades da Revestoprene

Experiência do fundador

Inovação com a substituição da

borracha pelo polipropileno

Problemas com a área contábil

Fonte: dados da pesquisa.

15

Vicarious learning, no original em inglês. Um tipo de aprendizagem fruto da aquisição da experiência de

terceiros que ocorre quando a organização comumente tenta aprender sobre as estratégias administrativas e

práticas e, especialmente, tecnologias de outras organizações (Huber, 1991).

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216

Os mecanismos causais “experiência”, “inovação” e “problemas com a área contábil”

determinam os eventos dessa primeira fase da trajetória da PUR. A experiência adquirida

pelo fundador na fundição de peças em borracha levou-o a criar a empresa em sociedade

com o seu padrasto. Cinco anos mais tarde, em 1973, o Sr. Lois havia falecido e a empresa

foi reestruturada, com três grandes mudanças. Graças ao espírito inovador do fundador, foi

introduzida, de forma pioneira no Brasil, a matéria-prima polipropileno, em substituição à

borracha empregada nos revestimentos de peças para as indústrias.

Em decorrência do uso da nova matéria-prima, a empresa passou a operar sob a razão

social Revestoprene, agora sob uma nova estrutura de propriedade, contando, como sócios,

além de Augustin, com a sua segunda esposa, Karin, e o advogado Laércio. A empresa foi

se consolidando e a cada produto novo desenvolvido internamente, Augustin realizava

testes, definia padrões e registrava as patentes dos produtos, que lhe garantiam a

confiabilidade dos clientes e proteção no mercado de produtos à base de polipropileno,

chegando ao final dos anos 1970 com oito patentes registradas. A patente, além de

preservar o conteúdo de inovação desenvolvido pela empresa, proporcionava-lhe reserva

de mercado, num horizonte bastante longo, que pode atingir até 15 anos.

Graças à inovação constante em produtos e processos e a confiabilidade conquistada,

a empresa continuou a crescer, foi instalada na sua primeira planta industrial, passou por

várias crises e pelos sucessivos planos econômicos adotados no país e chegou ao final da

primeira fase da sua trajetória, em 1995, com 120 funcionários. Nesse ano, após um

período de estabilidade conquistado com o Plano Real, sofreu uma grande crise, motivada

por problemas contábeis e de fiscalização pela Fazenda Estadual, de tamanha magnitude

que obrigou o fundador Augustin a encerrar as atividades da empresa.

Os mecanismos causais “experiência” e “inovação” identificados nessa primeira fase

da trajetória da PUR revelam uma combinação de exploitation, decorrente da experiência

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do fundador utilizada para criar a nova empresa, com exploration, pela introdução do

polipropileno em substituição à borracha utilizada como matéria-prima, que assegurou a

consolidação da empresa e a sua sobrevivência pelo período de 27 anos, nessa primeira

fase. As mudanças ocorridas nesse período se alternaram, ora como alteração de estrutura

interna, com a mudança de propriedade decorrente do falecimento de um dos sócios

fundadores e da razão social de Revesti para Revestoprene, com a mudança de atributos

estratégicos pela introdução, de forma totalmente inovadora, de uma nova matéria-prima.

Tanto a mudança de estrutura como a de matéria-prima caracterizam uma situação de

renovação estratégica ou um refreshman ou replacement dos atributos (Agarwal & Helfat,

2009). Por exemplo, no caso da substituição da borracha, um atributo velho ou

enfraquecido foi substituído por outro qualitativamente melhor, o polipropileno.

Outro aspecto percebido é que a mudança da materia-prima borracha pelo

polipropileno representou um tipo de mudança que veio se consolidando aos poucos, de

forma incremental. A cada viagem o fundador trazia amostras dessa materia-prima, fazia

experimentos e testava resultados. A mudança foi desencadeada pela própria empresa que,

dessa forma, se antecipava aos concorrentes e assegurava a sua condição de

competitividade, configurando um tipo de renovação explore. Esse tipo de mudança

incremental habilita as organizações a estarem prontas para as antecipações na forma como

as sua atividades são conduzidas (Floyd & Lane, 2000), levando-as ao desenvolvimento de

novas rotinas e recursos e, no caso da PUR, a novos produtos, novos processos produtivos

e novos clientes que passaram a utilizar os seus equipamentos e se tornaram compradores

regulares, como aconteceu com a empresa do porte da Vale e de outras mineradoras no

país. Essas condições verificadas na empresa estão estritamente relacionadas à

aprendizagem organizacional (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011) e

promoveram a sua renovação estratégica. Também se pode afirmar que já nessa primeira

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fase da trajetória da PUR há a tensão exploitation/exploration associada à aprendizagem do

tipo double-loop learning (Crossan, Lane & White, 1999; March, 1991) e aprendizagem

estratégica (Kuwada, 1998), de alto nível ou de segunda ordem (Fiol & Lyles, 1985),

relacionada à renovação que assegurou a sobrevivência da empresa, até que outra condição

interna inesperada veio a afetar essa situação.

O tipo de aprendizagem registrado nessa fase da trajetória da PUR é o mesmo que

veio a ser alcançado pela Delp na última fase da sua trajetória, classificado por Hedberg &

Wolf (2001) como tipo IV: diferente percepção, diferente resposta, um tipo de

aprendizagem no qual criatividade, inovação e mudança são as palavras-chave

relacionadas à forma de aprender e se desenvolver. A inovação introduzida pelo uso do

polipropileno representou uma mudança nos pressupostos básicos (tipo de matéria-prima,

processos produtivos, diferenciação de produtos, patentes, exclusividade no

relacionamento com clientes) e uma nova orientação estratégica do negócio.

O terceiro mecanismo causal identificado nessa primeira fase foram os “problemas

com a área contábil”, que tiveram como consequência o interrompimento temporário das

atividades da empresa. Entretanto, graças às patentes, determinação do fundador, prestígio

já conquistado no mercado e fidelidade dos clientes, após um período de transição que

durou aproximadamente quatro meses, o empresário retomou as atividades e passou a

adotar a razão social PUR Equipamentos Industriais Ltda., dando início a uma segunda

fase na trajetória da empresa.

A capacidade de superação da crise pode ser explicada pelas características pessoais

do fundador, pelos valores do familiness de preservar a família e o negócio como meio de

subsistência principal, pelo envolvimento dos outros membros da família (Astrachan,

2010), pelas atitudes dos antigos empregados que prontamente se juntaram ao fundador,

pelo sucesso organizacional prévio, pela percepção coletiva de eficácia conquistada pela

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empresa e pelo nível de motivação extrínseca do proprietário que afetaram a sua decisão de

persistir com a firma (DeTienne, Shepherd & De Castro, 2008). Completaram essas

condições o patamar de aprendizagem já atingido pela empresa, que tinha no polipropileno

e nas patentes dos produtos as bases da sua sobrevivência, acrescido do modelo de negócio

e das estratégias relacionadas (Hedberg & Wolff, 2001) a produtos diferenciados e

contratos de exclusividade, que asseguram ao fundador as condições para restabelecer a

empresa.

5.2.2 A PUR na fase 2

Após a superação dos problemas internos de natureza contábil que levaram ao

encerramento das atividades da Revestoprene, a segunda fase da trajetória é delimitada

pelo restabelecimento do empreendimento, em 1995, operando com a sua razão social

atual, PUR Equipamentos Industriais Ltda. A Tabela 22 resume os eventos e causas dessa

fase, comentados posteriormente.

Tabela 22

Cross case display 8 – fase 2: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente

interno e double-looping learning

Eventos

e

Causas

Fase

PUR

Evento Causa

2ª. Criação da PUR

Entrada da 2ª geração

Profissionalização da empresa

Diversificação de produtos

Sucessão natural com gestão híbrida

Superação da crise e reinício das

atividades sob nova razão social

Tradição de trabalhar em família

Visão dos dirigentes

Crescimento da empresa.

Afastamento do fundador

Fonte: dados da pesquisa.

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A fase 2 representa o momento atual da empresa (2013) captado pelos dados da

pesquisa. Os mecanismos causais “superação da crise”, “tradição”, visão dos dirigentes”,

“crescimento” e “afastamento do fundador” determinam os eventos dessa segunda fase da

trajetória da PUR.

Após a decisão “forçada” de encerrar as atividades da Revestoprene, o fundador

buscou nos seus próprios recursos, na confiança de antigos funcionários e na credibilidade

conquistada junto aos seus fiéis clientes restabelecer a empresa, agora sob a denominação

de PUR Equipamentos Industriais Ltda. e com um novo formato. Manteve os sócios

anteriores com a inclusão dos seus dois filhos, ambos muito jovens, aprendizes em

processo de formação profissional, que passaram a atuar em vários postos na empresa.

Estava nesse momento preparando a segunda geração que viria substituí-lo, mantendo a

tradição da gestão familiar.

No rápido período de transição entre a Revestoprene e a PUR, mesmo estando fora

do mercado, o fundador manteve a pesquisa no desenvolvimento de novos equipamentos e

a prática de registrar patentes dos produtos. Foi esse kwow how que permitiu à empresa

vencer a crise e se reerguer sem perder os clientes ou sua confiança. Ao retomar as

atividades empresariais, o esforço de pesquisa e registro de patentes prosseguiu,

estendendo-se, então, além dos equipamentos, aos processos de produção, constituindo-se

hoje em um dos diferenciais da empresa, que produz praticamente todos os seus produtos

com tecnologia proprietária.

A orientação exploit, de buscar nas condições já estabelecidas anteriormente para

superar a crise, combinada com o explore, pela manutenção da pesquisa e obtenção de

novas patentes, corresponde ao mesmo movimento já identificado na fase anterior, que

permitiu à PUR nascer, crescer e se desenvolver. Manteve-se, ainda, a mudança

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incremental que habilitou a empresa a reorganizar as suas atividades e desenvolver novas

rotinas e recursos (Floyd & Lane, 2000). Restabelecida, os novos produtos e processos

produtivos levaram a empresa a um novo ciclo de crescimento. Clientes como a Vale

passaram a utilizar os equipamentos PUR e tornaram-se compradores regulares, assim

como outras mineradoras. Essas condições também estão estritamente relacionadas à

aprendizagem organizacional (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011) e

promoveram a renovação estratégica e a sobrevivência da empresa.

Nessa fase de crescimento acelerado, com expansão da capacidade física em nova

planta industrial, aumento do número de funcionários e tendo praticamente triplicado o

faturamento nos últimos 10 anos, a empresa decidiu, graças à visão dos dirigentes, do

fundador e dos novos sócios familiares, investir na profissionalização da gestão. Essa

decisão garantiu que o novo ciclo de crescimento da empresa ocorresse de forma

sustentada, de maneira que, ao serem surpreendidos pelo afastamento súbito do fundador,

por motivo de doença, a empresa não fosse prejudicada. Na sucessão foi criada uma nova

estrutura organizacional, com a definição de três diretorias assumidas pelos filhos e pelo

genro e a diretoria industrial permaneceu nas mãos de um profissional não familiar.

No aspecto produtivo, o foco atual é na fabricação de itens seriados e patenteados,

que garantem à empresa praticar uma estratégia de diferenciação (Barney, 1991),

oferecendo aos clientes, em contrapartida, produtos exclusivos, com garantia e total

assistência técnica. Para o mercado minerador, que opera em situações de alto risco e

elevada regulamentação ambiental, esse é um aspecto que favorece muito a escolha da

estratégia da PUR. A empresa também investiu em certificações para garantir fornecimento

com qualidade, durabilidade e eficiência, atendendo a todas as normas vigentes para o seu

setor, sendo reconhecida pela sua confiabilidade e qualidade.

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A empresa adota uma gestão híbrida - a família detém a propriedade total do negócio,

participa diretamente na gestão, ocupando três diretorias, e um profissional ocupa a área

industrial, além de ter um corpo técnico e operacional totalmente profissional. Um último

aspecto relacionado a essa profissionalização é que, ao criar procedimentos e rotinas

formais, a direção também está empenhada em identificar um modelo de gestão que

compatibilize a profissionalização com a flexibilidade, um valor preservado pela direção e

mantido pela proximidade entre os dirigentes familiares e profissionais, que asseguram, na

perspectiva dos gestores, a combinação de padronização, improvisação e capacidade de

inovação.

Essa concepção de um modelo de gestão assentado em rotinas, sem perder a

capacidade de adaptação e mudança, assemelha-se à proposta de autores como Eisenhardt

& Martin (2000), Amit & Schoemaker (1993) e Kogut & Zander (1992). Eles definem a

forma como os gerentes alteram a base de recursos da firma, adquirindo, transformando,

integrando e recombinando-os para criar novas estratégias de ação como as capacidades

dinâmicas da firma que se traduzem em rotinas. Essas rotinas são empregadas pelas

organizações para explicar o que elas fazem por meio de padrões estáveis de

comportamento expressos na estrutura de valores veiculada por regras, procedimentos e

convenções codificados na memória organizacional (Huber, 1991; Nelson & Winter,

1982).

São as rotinas, na concepção das capacidades dinâmicas, que caracterizam as formas

pelas quais as organizações respondem aos estímulos internos e externos do ambiente,

aprendendo, desenvolvendo-se e sobrevivendo. Essa é a situação verificada na empresa. Os

esforços de padronização expressos nos manuais de gestão e procedimentos PUR (padrões

estáveis de comportamento) e a preservação dos valores “familiness” e “inovação”

introduzidos e sedimentados pelo fundador (convenções codificadas na memória

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organizacional) fundamentam a sua capacidade de manter a flexibilidade necessária para se

antecipar e reagir às mudanças internas e externas, sendo estas o componente-chave da

aprendizagem organizacional na organização (Feldman & Pentland, 2003).

Essas condições favorecem a capacidade da empresa de relembrar o passado,

imaginar o futuro e responder às circunstâncias do presente (Feldman & Pentland, 2003), o

que a torna capaz de promover a mudança organizacional endógena, mudanças de

comportamento dos membros da organização, resultando na aprendizagem double-loop

learning. Explicam a renovação estratégica e longevidade da PUR, que de acordo com os

dados da pesquisa se mantém disposta a prosseguir no mesmo negócio, buscando

acompanhar as novas perspectivas de crescimento do mercado com a adoção de

ferramentas de gestão que tornem a empresa cada vez mais perene e profissional. A análise

final do caso, encerrando este capítulo, também mostra, de forma bastante clara, como o

mecanismo impulsionador “ambiente interno” de fato caracterizou uma trajetória bastante

distinta da PUR em relação aos outros casos analisados, da HASA e PUR, e evidenciou a

capacidade da empresa em avançar para um patamar de aprendizagem de segunda ordem,

estratégica, associada ao double-loop learning.

6 Considerações Finais

O presente capítulo finaliza este estudo refletindo sobre os resultados, seu alcance,

limitações e sugestões. Para tal, organizou-se uma primeira seção, na qual os propósitos da

pesquisa são revisitados, descrevem-se os resultados empíricos e as suas implicações

teóricas. Uma segunda seção se segue para relatar as contribuições que, espera-se, tenham

sido oferecidas ao campo da pesquisa em empresas familiares. Identificam-se as limitações

da pesquisa e caminhos são sugeridos para novos estudos.

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6.1 Os propósitos, os resultados de pesquisa e suas implicações teóricas

O contexto de dificuldade de sobreviver e se tornar longeva que caracteriza as

organizações familiares (Gersick et al., 1997; Kets de Vries, 1997) foi o ponto de partida

para as indagações que levaram à proposição deste trabalho científico. Ao iniciá-lo,

pretendia-se analisar e explicar quais seriam os mecanismos e instrumentos que

possibilitam a um pequeno grupo de empresas familiares superar suas adversidades

conjunturais e específicas, manterem sob a propriedade, o controle ou a gestão das famílias

e se tornarem longevas.

Entre as explicações sobre as estratégias adotadas pelas empresas familiares

longevas, identificou-se na proposta de que a empresa familiar precisa desenvolver a

capacidade de renovar o negócio e habilitar-se para lidar com a crescente complexidade

que as relações familiares e os negócios vão adquirindo ao longo das gerações (Ward,

2004) a linha com a qual esta pesquisa se identifica.

A opção pelo caminho da renovação como explicação para a longevidade das

empresas familiares encontrou na abordagem da renovação estratégica um objeto de estudo

do campo da estratégia, um caminho para a identificação das explicações da sobrevivência

e longevidade das empresas familiares. Buscou-se, a partir daí, definir o estágio de

desenvolvimento da arte sobre renovação estratégica. A proposta de Agarwal & Helfat

(2009), que por sua vez se afiniza com a visão de Pettigrew (1987) e Pettigrew et al.

(1992) de que a mudança estratégica deve ser tratada, não apenas do ponto de vista do

processo, mas também do contexto e do conteúdo como dimensões integradas, consolidou-

se como um dos marcos teóricos na concepção da pesquisa.

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A proposta Agarwal & Helfat (2009) é de que a renovação estratégica refere-se à

substituição dos atributos estratégicos que possuem o potencial de afetar uma organização

no longo prazo, incluindo o processo, o conteúdo e os resultados da renovação que, por sua

vez, relacionam-se à longevidade das organizações, entre outros. Os autores tomam, por

sua vez, duas opções de renovação, exploit e explore, que na maioria das vezes são

tomadas como opções excludentes. De fato, contatou-se nos estudos que raramente o que é

denominado por March (1991) de tensão da exploration e exploitation, ou seja, o

movimento em que se aproveitam os recursos existentes (visão da estabilidade, exploit) e,

ao mesmo tempo, modifica-os (visão da mudança, explore), é contemplado teoricamente

na pesquisa empírica sobre renovação estratégica (Burgelman, 1994; Crossan & Bedrow,

2003), embora essa tensão seja considerada a chave dessa renovação (Crossan, Lane &

White, 2011).

A associação da tensão exploration e exploitation (March, 1991) com a renovação

estratégia indicou uma importante lacuna teórica e remeteu à necessidade de se buscar em

outros campos teóricos um caminho para a investigação sobre a longevidade das empresas

familiares. Os trabalhos de McNamara & Baden-Fuller (1999) e Huang (2009) foram

inspiradores pelo fato de terem feito a utilização das lentes da aprendizagem no dilema

exploitation e exploration para explicar a renovação estratégica. Especificamente o

segundo estudo, de Huang (2009), ainda ensejou um possível diálogo entre os campos da

aprendizagem e das capacidades dinâmicas, também observadas pela abordagem

exploitation e exploration, em investigações sobre renovação estratégica, que formou o que

se denominou neste trabalho de lente da aprendizagem organizacional.

Cabe destacar que, se na abordagem da renovação estratégica a tensão exploitation e

exploration ou oximoro da aprendizagem (Weick, 1991) é relativamente pouco explorada,

nos estudos organizacionais essa mesma tensão tem sido mais especificamente reconhecida

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pelas referências da aprendizagem organizacional. Foi essa constatação teórica que definiu

o sentido de se associar a área dos estudos organizacionais e a da estratégia para a

compreensão da longevidade das empresas familiares. Encaminhar a proposta da pesquisa

por esse caminho atendia às recomendações de Crossan & Bedrow (2003), Bapuji &

Crossan, (2004) e Crossan, Lane e White (2011) de relacionar a aprendizagem

organizacional à renovação estratégica ainda com pouco apelo empírico nos estudos de

estratégia. Essa, então, se constituiu como a lacuna teórica explorada, justificando a

importância e a contribuição da pesquisa.

Definidos os caminhos da pesquisa, o passo seguinte foi desenvolver a sua base

teórica. E esta, ao ser revisitada, resultou na proposição de framework que trouxe em si a

ideia de que a renovação estratégica extrapola a mera mudança de atributos, conforme

tradicionalmente vem sendo tratada, para basear-se num conjunto de ideias coerentes entre

si, entre elas a tensão entre a exploration e exploitation, os mecanismos de aprendizagem e

as rotinas, que por sua vez são impulsionadas por tipos de aprendizagem. O framework

buscava sinalizar que a renovação estratégica, vista na perspectiva do processo, conteúdo e

resultados, que por sua vez são influenciados pelo contexto, associa-se a tipos de

aprendizagem. Tomou-se a aprendizagem organizacional como um processo de detecção e

correção do erro e o seu resultado é a incorporação de um novo conhecimento

organizacional, referindo-se à elaboração de um novo modelo mental. Este traduz as

necessidades da organização frente ao seu ambiente, bem como demonstra as rotinas que

consegue mudar e incorporar para satisfazer suas necessidades ao longo do tempo (Argyris

& Schon, 1978; Fiol & Lyles, 1985; Versiani, 2006). E dada a sua concepção integrada e

processual, somente poderia ser identificada e descrita observando-se as trajetórias

específicas das empresas familiares longevas.

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A ideia de trajetória é descrever como a organização se desenvolve ao longo do

tempo, incluindo as ações, interações e escolhas que contribuem para essa evolução

(Versiani, 2006). Abordar a trajetória significa abordar o processo de renovação estratégica

sob o enfoque temporal aliado à sua história biográfica, aproximando-se da natureza

longitudinal de pesquisa ainda tão carente nos estudos de aprendizagem (Loyola & Bastos,

2003).

Ao se aliar a perspectiva das lentes da aprendizagem organizacional na construção da

trajetória das empresas escolhidas para o estudo de casos, podem-se identificar dois

padrões de renovação estratégica. Isto é, obteve-se indutivamente que no comportamento

estratégico das empresas, tomado um recorte de tempo, as condições iniciais, a sequência

de ações e as condições finais eram similares para as duas primeiras empresas, HASA e

Delp, e distinta para a terceira empresa, PUR, que perfez um caminho distinto de

renovação e de aprendizagem.

O primeiro caminho, traçado pela HASA e Delp, foi impulsionado pelo ambiente

externo. As mudanças de atributos que ocorriam ao longo da trajetória e resultavam na

renovação das organizações decorriam da percepção dos gestores sobre as oportunidades

apresentadas pelo ambiente externo, em geral das relações estabelecidas entre as empresas-

foco e as empresas-clientes, geralmente firmas de grande porte e poder de mercado.

Situação distinta captou-se no traçado da trajetória da PUR, cujo caminho, desde os

primórdios da empresa, foi marcado pela mudança endógena, fruto da pesquisa e da

capacidade de inovação do empreendedor com a introdução de novos materiais e produtos.

Cabe destacar que esses dois padrões de trajetórias se associaram a três tipos de

aprendizagem. Em outras palavras, em ambos os tipos de trajetórias identificaram-se

mudanças organizacionais em que as dimensões estratégicas se alinhavam com o single, se

aproximavam do double ou se alinhavam com o double-loop learning, conforme ilustrado

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na Figura 13. Esta sintetiza o resultado da relação entre as trajetórias de renovação e os

tipos de aprendizagem associados.

Figura 13 - Trajetórias de renovação e aprendizado associado.

Fonte: dados da pesquisa.

Esse quadro empírico que emergiu da análise indutiva dos dados da pesquisa sugere

três tipos de resultados, que trazem importantes implicações teóricas:

O primeiro resultado relaciona-se ao tipo de renovação estratégica e os fatores

impulsionadores esperados com base na teoria e os identificados nos dados

Os estudos sobre renovação estratégica (Agarwal & Helfat, 2009; Crossan, Lane &

White, 1999) associam a renovação estratégica a dois tipos de mudança: a mudança

descontínua do ambiente, que decorre de mudanças tecnológicas, de mercado ou da

demanda, e as mudanças contínuas da organização realizadas de forma incremental e

proativa. Para os autores, a mudança descontínua no ambiente pode levar as empresas a

Aprendizagem organizacional

Impulsionada

pelo ambiente

interno

Impulsionada

pelo ambiente

externo

Tra

jetó

rias

de

ren

ovaçã

o

Single-loop

Single com

aproximações

de double

Double-

loop

HASA

Delp

PUR

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simplesmente corrigirem os erros, sem promoverem alterações na natureza fundamental

das suas atividades e sem resultar na renovação estratégica. Defendem que a renovação

estratégica ocorreria, com mais probabilidade, quando as organizações adotassem uma

postura proativa de promoção de mudanças contínuas e incrementais que resultariam no

refreshment de atributos estratégicos ou renovação estratégica.

A identificação na pesquisa empírica de dois tipos de renovação, impulsionada pelo

ambiente externo (HASA e Delp) e pelo ambiente interno (PUR), salienta uma

possibilidade de causas múltiplas moldando a renovação. Essa ideia difere das de Crossan,

Lane & White (1999) de que a renovação somente ocorreria em situações de mudança

contínua e incremental. Por outro lado, esse resultado é bastante coerente com os

frameworks propostos por Volberda et al. (2001) e Agarwal & Helfat (2009), de que, além

de uma orientação exploitation e exploration, a renovação pode partir de uma orientação

externa ou interna e por ser direcionada tanto pelas forças externas do ambiente da

indústria como pelas forças internas com as quais a firma se compromete, como se

verificou nos casos. Detectou-se que a renovação tanto decorreu de mudanças do ambiente,

de fora para dentro, como de mudanças internas, de dentro para fora.

Volberda et al. (2001) e Agarwal & Helfat (2009) também argumentam que a

renovação pode ter como objetivo a expansão ou a retração do negócio e decorrer do

comportamento ativo ou passivo adotado pela alta gerência, gerência de frente ou gerência

intermediária. Entre os mecanismos causais que explicam a renovação estratégica,

observaram-se, com muita frequência, tanto da diversificação de produtos, mercados e

negócio, como a concentração no negócio original, significando, respectivamente,

expansão e retração. Em todos os casos o processo de renovação foi decidido pela alta

gerência, no sentido top down.

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O segundo resultado relaciona-se aos tipos de aprendizado esperados e

identificados no processo de renovação

Ao relacionarem renovação, mudança e tipos de aprendizagem, os estudos de

renovação (Agarwal & Helfat, 2009; Crossan, Lane & White, 1999) consideram que as

situações de mudança descontínua do ambiente resultariam no tipo de aprendizagem

single-loop e somente implicariam a aprendizagem do tipo double-loop quando a

organização, além de detectar corrigir os erros, questionar, modificar normas,

procedimentos, políticas e objetivos. O avanço da aprendizagem do primeiro nível single

para o tipo double-loop learning e a consequente renovação estratégica reflete uma

situação na qual a tensão entre a exploration e a exploitation encontraria um equilíbrio,

atuando na dimensão estratégica, assegurando a longevidade da organização (Agarwal &

Helfat, 2009; Crossan, Lane & White, 1999). Reconhecer e gerenciar a tensão entre as

opções de aprendizagem, alcançando o tipo double-loop e adotando um modelo que

busque a manutenção do equilíbrio entre o exploration e o exploitation, é, segundo os

autores, um fator primário para a sobrevivência das firmas.

O quadro empírico proposto pela pesquisa confirma, em parte, esses resultados.

Considerando-se que as empresas objeto da pesquisa são de fato longevas, verifica-se que

mesmo que a renovação estratégica descrita ao longo das trajetórias impulsionadas pelo

ambiente externo, HASA e Delp, de fato não tenha sido relacionada à aprendizagem

double-loop, identificando-se mais com o tipo single-loop, esta pareceu suficiente para as

empresas promoverem as adaptações, sobreviver e se tornarem longevas.

Ao apresentarem um tipo de aprendizagem single-loop, confirmou-se a mesma

dificuldade que as organizações apresentam de avançar na aprendizagem (Crossan, Lane &

White, 1999; Hedberg & Wolff, 2001). Porém, das duas empresas que apresentaram o

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aprendizado de primeira ordem, em vários momentos a Delp se aproximou da

aprendizagem de segunda ordem, vindo de fato a caracterizá-la na última fase da sua

trajetória, o que explica uma diferenciação na sua performance em relação à HASA.

Em vários dos momentos de renovação e aprendizagem identificados na Delp, a

situação de mudança demandou uma alteração na sua base de conhecimento e nos

pressupostos gerenciais, particularmente quando promoveu a diversificação para o negócio

do petróleo e quando assumiu um modelo de governança profissional. Explica-se que o

novo mercado trouxe para a empresa a necessidade de adotar uma nova orientação

estratégica, com a formação de parcerias e de desenvolver ou absorver novas tecnologias

em produção de equipamentos para a indústria do petróleo. E o afastamento da família da

gestão executiva abriu espaços para a incorporação de novas competências profissionais

recrutadas no mercado e mais disponibilidade dos sócios proprietários para desenvolverem

uma nova maneira de gerir o negócio, mais pautada no planejamento e no controle. Essas

condições parecem ter favorecido o contínuo crescimento da empresa, caracterizando uma

situação diferente da HASA, que se apresenta em condição de estabilidade. Por outro lado,

evidencia a associação mais direta do aprendizado double-loop com a longevidade.

A situação da PUR, por outro lado, confirma a associação direta entre a renovação

estratégica e a aprendizagem do tipo double-loop learning, prevista na teoria, assim como

a afirmação de Crossan, Lane & White (1999) e Hedberg & Wolff, (2001) da relação entre

o tipo de mudança e a longevidade da empresa. As mudanças contínuas e incrementais

realizadas proativamente pela empresa, associadas ao perfil de inovação do empreendedor,

motivaram a criação da empresa, o seu desenvolvimento e a superação das crises. Os

valores do fundador seguem pautando a orientação estratégica da empresa. O modelo de

gestão atual é resultado da combinação entre a participação da família nos cargos

executivos de direção e a presença de profissionais nos cargos gerenciais. A orientação do

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negócio caracteriza-se pela busca de rotinas que assegurem a diferenciação dos produtos

para manter uma relação duradoura com os seus clientes. Os gestores mantêm a estratégia

de desenvolver e patentear patentes de produtos e processos e direcionar a produção para

os produtos seriados. Esse conjunto de ações parece explicar como a PUR se tornou

longeva e ainda prevê uma perspectiva de forte crescimento futuro.

O terceiro resultado relaciona-se à tensão exploitation e exploration e os tipos de

renovação e de aprendizado organizacional

A tensão exploitation exploration (March, 1991) foi tomada neste estudo como o

elemento comum que unia as abordagens da renovação estratégica e da aprendizagem pela

compreensão de que tanto a primeira como a segunda tomam os processos de renovar e

aprender como fenômenos organizacionais que harmonizam continuidade e mudança.

Autores como Crossan, Lane & White, (1999) comungam do pressuposto de que a

aprendizagem e renovação requerem que a organização explore e aprenda novos caminhos

(mudança), enquanto que, simultaneamente, exploit o que já tenha aprendido

(continuidade). Ambos são processos adaptativos (March, 1991) que implicam um trade

off que produz consequências no tempo e no espaço, afetando o aprendizado das

organizações.

Ancorada na relação entre renovar e aprender e no exploit e explore, constata-se da

teoria que a aprendizagem ocorre não apenas na tensão explore/exploit, mas no processo,

em si, pois a explore, além de gerar inovação, também desenvolve na firma a habilidade de

identificar e assimilar o conhecimento existente no ambiente, executando o exploit e

gerando aprendizagem (Dogson, 1993). E, da tipologia de aprendizagem de Argyris &

Schon (1978) e revisitada por Fiol & Lyles, (1985), apreende-se que a single-loop learning

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equivale ao propósito de exploitation que ocorre quando a organização aproveita as

oportunidades existentes. E que o tipo double-loop learning ocorre quando as organizações

aprendem a modificar as variáveis que governam os seus próprios comportamentos,

alterando a base de conhecimento.

O objetivo da pesquisa era estudar a longevidade das empresas familiares, tomada em

termos teóricos pela abordagem da renovação estratégica, buscando a compreensão da

orientação estratégica adotada e das escolhas efetuadas pelos gestores das organizações

familiares, para identificar se a trajetória de longevidade das organizações guardava

possíveis relações com a aprendizagem organizacional. A análise dos dados da pesquisa

revelou três tipos de situação na relação explore-exploit e os tipos de aprendizagem que

induzem a resultados empíricos e teóricos:

a) Renovação exploit-aprendizagem single, observada na HASA;

b) renovação exploit e explore-aprendizagem single e aproximada de double,

observada na Delp;

c) renovação exploit e explore/aprendizagem double, observada na PUR.

Essas três situações empíricas confirmam a relação entre a longevidade e o

aprendizado das empresas familiares. Porém, do ponto de vista da explicação baseada na

aprendizagem, sobre o que permite às empresas se tornarem longevas, concluiu-se que não

há apenas uma condição única e universal para esse fenômeno, pois o processo de

renovação foi impulsionado por causas tanto exploit como explore, realizando tanto o

aprendizado single como o double e um terceiro tipo que se aproxima do double, e esses

foram determinando a trajetória das organizações.

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Contatou-se, porém, que um outro elemento, o familiness (Astrachan, 2010,

Chrisman, Chua, & Sharma, 2005, Frank, Lueger, Nose & Suchy, D., 2010, Habbershon &

Williams, 1999), também influenciou na trajetória, fazendo-se presente desde o surgimento

dos negócios e sustentando a sobrevivência das firmas em vários momentos. Uma síntese

dos mecanismos causais associados à tensão exploit-explore, ao familiness e aos tipos de

aprendizagem resumem na Tabela 23 as explicações desse último resultado da pesquisa.

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235

Tabela 23

Relacionamento entre a tensão exploit-explore e o familiness nos mecanismos de

renovação e tipos de aprendizado organizacional

Fase Mecanismos causais/eventos Tipo/origem do mecanismo Tipo de

aprendizagem

Fase 1 Tradição/criação da empresa Familiness Single-loop

Relacionamentos/criação da empresa Familiness Single-loop

Experiência/criação da empresa Explore Single-loop

Inovação em matéria-prima/criação de nova

empresa

Exploit Explore Double

Problemas fiscais/encerramento da empresa Exploit Single-loop

Fase 2 Afastamento do fundador/sucessão familiar Familiness Single-loop

Visão do dirigente/diversificação Explore Single-loop

Retração do mercado/ concentração no

negócio original

Exploit Single-loop

Crescimento da empresa/diversificação de

produtos e mercados e mudança de rotinas

Exploit Explore Single-loop

Tradição/entrada da nova geração Familines Single-loop

Visão dos dirigentes/profissionalização Exploit Single-loop Afastamento do fundador/sucessão híbrida

(familiar e profissional)

Exploit Single-loop

Fase 3 Concentração no negócio original/ ampliação

da capacidade física

Exploit Single-loop

Tradição/entrada de uma nova geração Familiness Single-loop

Visão dos novos dirigentes/ profissionalização Exploit Single-loop

Crescimento da empresa/diversificação do negócio e profissionalização

Exploit Explore Single-loop

Conflito familiar/cisão da sociedade Familiness Single-loop

Concentração no negócio original/crescimento

da empresa

Exploit Single-loop

Fase 4 Tradição/gestão compartilhada entre gerações

Familiness Single-loop

Profissionalização/gestão híbrida (familiares e profissionais)

Exploit Explore Single-loop

Diversificação/entrada em novo mercado Explore Aproxima do

double-loop

Fase 5 Consolidação de um novo mercado/

crescimento da empresa

Exploit Explore Aproxima do

double-loop

Afastamento dos profissionais/nova geração

assume direção compartilhada com a primeira geração

Familiness Single-loop

Contratação de novos profissionais/

profissionalização

Exploit Single-loop

Afastamento da família/governança

profissional

Exploit Explore Double-loop

Fonte: dados da pesquisa.

Desse modo, os presentes resultados de pesquisa permitiram as seguintes conclusões:

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a) A renovação estratégica, quando desencadeada por mecanismos de exploit,

associou-se, nos casos, à concentração no negócio original, profissionalização, visão

dos dirigentes e sucessão híbrida e ao aprendizado do tipo single-loop.

b) A renovação estratégica, quando desencadeada por mecanismos de explore,

associou-se, nos casos, à visão dos novos dirigentes e diversificação e ao

aprendizado single, em algumas situações com aproximações do double.

c) A renovação estratégica, quando desencadeada por mecanismos de exploit e

explore, associou-se à diversificação com mudanças de rotinas, com

profissionalização, profissionalização com gestão híbrida e adoção de um modelo de

governança profissional e aos tipos de aprendizado single, aproximado de double e

double-loop.

d) A renovação estratégica, quando desencadeada pelo familiness, associou-se, nos

casos, à tradição de manter a família atuando na empresa, aos momentos de

sucessão de gerações e aos conflitos familiares e ao aprendizado do tipo single-loop.

Concluiu-se que causas que tornaram as empresas longevas operaram de várias

formas, associadas a vários tipos de aprendizagem. Entretanto, o comportamento exploit,

complementado pela influência do familiness e o aprendizado single-loop, foi aquele que

demonstra ser o responsável pela continuidade prolongada das empresas. Tendo em vista

essas conclusões, acredita-se ter cumprido o objetivo principal desta pesquisa, qual seja,

verificar ao longo da trajetória do empreendimento familiar como a sua longevidade está

relacionada à aprendizagem organizacional. E, ainda, foram atendidos os objetivos

específicos de descrever como ocorreu a mudança de atributos estratégicos (refreshment de

atributos); identificar ao longo da trajetória os tipos e mecanismos de aprendizagem; e

relacionar a aprendizagem desenvolvida pelas firmas ao longo de sua trajetória com a

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longevidade do empreendimento. Os casos analisados dão mostras de ter-se conseguido

responder na íntegra o problema de pesquisa, isto é, como a renovação estratégica de

empresas familiares está relacionada ao aprendizado organizacional.

6.2 Contribuições, limitações do estudo e sugestões para novas investigações

Caminha-se para concluir este trabalho acreditando que foi possível oferecer ao

campo de pesquisas sobre estratégia e aprendizagem organizacional em empresas

familiares pelo menos três contribuições. A primeira é de natureza teórica. Mostrou-se a

existência do diálogo entre a aprendizagem e as capacidades dinâmicas, numa associação

que foi tomada como as lentes da aprendizagem, para fundamentar os estudos sobre

estratégia em empresas familiares. Defendeu-se o ponto de vista de que se pode estudar a

renovação estratégica, observada na perspectiva do contexto, processo, conteúdo e

resultados sob as lentes da aprendizagem para explicar a longevidade do empreendimento

familiar.

A segunda contribuição é de natureza empírica. O estudo amplia o escopo das

investigações da empresa familiar, avançando nas pesquisas do campo da estratégia e dos

estudos organizacionais sobre esse tipo específico de organizações.

E, finalmente, a terceira contribuição deste trabalho científico é também de natureza

empírica. Identificou-se que a renovação estratégica das empresas familiares pode ocorrer

independentemente da sua associação aos tipos de aprendizagem de segunda ordem ou do

equilíbrio entre a tensão exploit/explore. Melhor explicando, a capacidade da empresa

familiar de construção de novas rotinas e de se tornar longeva pode ocorrer ainda que essas

organizações confirmem a mesma dificuldade de avançar nos tipos de aprendizado, para

alcançar o double-loop ou a aprendizagem estratégica.

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Mostrou-se, ainda, que concorre com a capacidade de aprender o senso de família, ou

familiness, uma capacidade que atua na empresa familiar, criando e preservando valores

que são transmitidos às novas gerações e atuam na capacidade de sobreviver e de se

tornarem longevas.

Em que pesem as contribuições deste trabalho, não se pode omitir as suas limitações

relacionadas à prática da investigação e à metodologia adotada. Em relação à primeira, a

dificuldade em identificar no universo das empresas da região metropolitana de Belo

Horizonte, e mesmo do restante do estado de Minas Gerais, as empresas familiares que

atendessem aos critérios da pesquisa, condição complementada pela quase inexistência de

empresas longevas, restringiu a amostra estudada. E, em cada caso selecionado, o número

de respondentes também ficou aquém do desejado. Mesmo em se tratando de empresas de

médio e grande porte, uma característica comum a todas é o fato de adotarem uma

estrutura organizacional bastante enxuta, com poucos níveis hierárquicos, corpo executivo

e gerencial bastante reduzido. E, como os respondentes também deveriam conhecer sobre a

trajetória e estratégia da empresa, o número de possíveis entrevistados mostrou-se bastante

limitado. Acredita-se que a profundidade das entrevistas e a qualidade das respostas

tenham contribuído para superar essa limitação. Contudo, sugere-se que as pesquisas

futuras investiguem empresas de outros segmentos, que não as da indústria de máquinas e

equipamentos, localizadas em outras regiões do estado e do país, para aumentar as chances

de se encontrarem novos casos de empresas familiares longevas e esclarecerem a mesma

questão de pesquisa.

A segunda limitação, de ordem da metodologia, refere-se à utilização exclusiva da

entrevista semiestruturada e o não aprofundamento em questões que poderiam evidenciar a

influência do familiness como uma categoria específica de análise. Outros instrumentos

poderiam ter sido combinados com a entrevista, incluindo, por exemplo, a participação em

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eventos da organização, um aprofundamento na descrição das rotinas, a oportunidade de

obtenção de feedback após a descrição das trajetórias e um aprofundamento em dados

setoriais secundários, que certamente aumentariam o nível de compreensão da evolução

das organizações e as causas da sua longevidade. Ficam essas como sugestões para novos

estudos.

O outro aspecto, e que também se constitui em sugestão para os novos estudos, é um

maior aprofundamento nas relações família e negócios, para explorar a importância do

familiness em todos os momentos da trajetória. Sugere-se identificar as características da

forma de atuação do senso de família em cada caso e o seu cruzamento entre os vários

casos, indicando os elementos comuns e idiossincráticos de como o familiness atua na

longevidade da empresa familiar.

Desse modo, com as sugestões propostas, finaliza-se o presente trabalho, acreditando

que a adoção das lentes da aprendizagem ofereceu uma compreensão maior do que apenas

tratar a renovação estratégica como mudança de atributos que resultam na sobrevivência

das organizações familiares, mas avançar para compreender como renovar e aprender são

condições que respondem ao desafio enfrentado pelas empresas familiares de se tornarem

longevas.

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Apêndice A

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Bloco 1: Trajetória da empresa

1. Como o(a) Sr.(a) explicaria o fato de uma empresa do setor de fabricação de produtos

de borracha e material plástico sobreviver por tantos anos?

2. Por favor, faça uma retrospectiva do ambiente de negócios no seu setor de atuação,

desde a fundação da empresa nos anos ......... até hoje (explorar a concorrência,

fornecedores, clientes, ambiente institucional).

3. Conte a história da empresa. Quais seriam os marcos da história da empresa em relação

aos momentos de crise e oportunidades de crescimento. Quando ocorreram? Por quê?

4. Os marcos da trajetória da empresa possuem algum tipo de relação com mudanças na

família ou na participação da família na empresa? (explorar os fatores dificultadores e

facilitadores da participação da família na empresa).

5. Houve antecipação da empresa em relação às mudanças do ambiente que favoreceram

as crises e oportunidades?

6. Como foi a orientação da empresa em cada momento de crise e oportunidade?

7. Como foi a orientação da família em cada momento de crise e oportunidade?

8. Considerando as mudanças que ocorreram ao longo da trajetória da empresa

(momentos de crises e oportunidades), que pessoas da empresa estiveram envolvidas na

decisão de realizar as mudanças?

9. Houve participação no processo de mudanças de outras empresas como clientes,

fornecedores, parceiros ou outros? Em que aspectos?

Bloco 2: Processo de renovação estratégica

2.1 Processo de RE - decisão e implementação da RE

10. Que aspectos da organização foram impactados pelas mudanças? (explorar a ocorrência

de mudança de rumos do negócio, da estratégia, da estrutura, de produtos, de direção,

de objetivos, de tecnologia, de mercado foco).

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11. Como a empresa busca informações para tomar as decisões de mudança? Não busca,

age mais intuitivamente? Como? Exemplifique.

12. Busca informações, age de forma mais sistemática? Como? Exemplifique.

13. A empresa participa de entidades de classe, órgão de representação ou exerce alguma

atividade que favoreça a busca de informações sobre o negócio? Como?

14. E no ambiente interno da empresa: como ocorre o processo de busca e

compartilhamento de informações sobre o negócio entre as diversas áreas?

2.2 Conteúdo da RE – mudança de atributos

15. No cotidiano da empresa, como acontecem as decisões que afetam as rotinas

estratégicas para a tomada de decisão? Considere por exemplos as decisões que afetam:

a. Os rumos do negócio;

b. a estratégia;

c. a estrutura;

d. os produtos;

e. a direção da empresa;

f. os objetivos maiores;

g. a tecnologia;

h. o mercado foco.

16. Existe uma formalização (rotinas explicitas) dos procedimentos para a tomada de

decisão?

17. A empresa possui um planejamento estratégico formalizado?

18. As decisões ocorrem de forma isolada?

19. Ou as decisões ocorrem em reuniões? Existe um modelo ou plano de reuniões? Quem

participa? Como funciona?

20. Qual a importância que a improvisação exerce nos procedimentos da empresa? Em que

situações ocorrem?

21. Você considera que as improvisações ocorrem para realizar pequenos ajustes ou podem

levar à total reinvenção dos procedimentos?

22. Diante das situações de erros, que tipo de postura é mais frequentemente adotada pela

organização?

23. Considere duas situações de sucesso na empresa: como a empresa reagiu?

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24. Considere duas situações de erro na empresa: como a empresa reagiu?

Bloco 3: Caracterização da empresa

25. Ramos de atividade

26. Número de empregados

27. Data da fundação

28. Estrutura organizacional

29. Planos e políticas formalmente declarados/ documentos formais.

Bloco 4: Caracterização do entrevistado

30. Posição na família

31. Tempo de atividade na empresa

32. Cargos/funções exercidas

33. Tempo de exercício no cargo/função atual

34. Formação escolar

35. Data: Local: