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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Fernanda Alves Ramos Cabral O DEBATE TRANSMIDIÁTICO DO PORTA DOS FUNDOS: humor e polêmica nas redes digitais Belo Horizonte 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Fernanda Alves Ramos Cabral

O DEBATE TRANSMIDIÁTICO DO PORTA DOS FUNDOS:

humor e polêmica nas redes digitais

Belo Horizonte

2017

Fernanda Alves Ramos Cabral

O DEBATE TRANSMIDIÁTICO DO PORTA DOS FUNDOS:

humor e polêmica nas redes digitais

Belo Horizonte

2017

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social, Interações

Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, como requisito parcial para a obten-

ção do título de mestre em Comunicação Social.

Linha de Pesquisa: Midiatização e Processos de

Interação

Orientador: Prof. Dr. Marcio de Vasconcellos Se-

relle

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Cabral, Fernanda Alves Ramos

C117d O debate transmidiático do porta dos fundos: humor e polêmica nas redes

digitais / Fernanda Alves Ramos Cabral. Belo Horizonte, 2016.

139 f. : il.

Orientador: Marcio de Vasconcellos Serelle

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Mediação. 2. Redes de relações sociais. 3. Youtube (Recurso eletrônico). 4.

Vídeo interativo. 5. Discussões e debates. 6. Mídia (Publicidade). I. Serelle,

Marcio de Vasconcellos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 659.3

Fernanda Alves Ramos Cabral

O DEBATE TRANSMIDIÁTICO DO PORTA DOS FUNDOS:

humor e polêmica nas redes digitais

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Marcio de Vasconcellos Serelle - PUC Minas (Orientador)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Vander Casaqui - ESPM (Banca Examinadora)

________________________________________________________________

Prof. Dr. Ercio do Carmo Sena Cardoso - PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 17 de fevereiro de 2017

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social, Interações

Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, como requisito parcial para a obten-

ção do título de mestre em Comunicação Social.

Linha de Pesquisa: Midiatização e Processos de

Interação

Ao meu Pai.

Obrigada por olhar por mim,

de onde quer que esteja.

Te amo.

AGRADECIMENTOS

À minha família. Mãe, obrigada por ser minha torcedora mais fiel. Rei, obrigada por

me aguentar nesses dois caóticos anos. Dercy (minha filha peluda), obrigada por estar comigo

em TODOS os momentos, fazendo com que o processo que escrita, normalmente muito soli-

tário, fosse cheio de ternura e companheirismo.

Ao Professor Marcio Serelle. Obrigada por compartilhar comigo sua grande sabedoria

e pelos momentos de “iluminação”.

Aos colegas do mestrado. Obrigada Juliano, Ana, Bruna e demais coleguinhas pela

nossa união. Formamos um laço especial que fará de nós Jedis mais fortes. Que a força esteja

sempre conosco.

À Glorinha (Glória Gomide). Obrigada por não me deixar desistir. Você é linda!

Ao Albino. Obrigada por ser a minha inspiração. Um passo mais perto para ser como

você quando eu crescer!

Obrigada a todos que, de alguma forma, fizeram parte comigo dessa jornada!

Reconhecer uma piada envolve trocar

julgamentos sobre o mundo e se definir

a favor ou contra algo

JENKINS, GREEN e FORD (2014)

Tenho certeza de que, se existe um Deus,

ele está dando risada disso tudo

FÁBIO PORCHAT.

RESUMO

A natureza de instantaneidade e multimídia da internet potencializa a apropriação e circulação

de textos em diálogo e a produção de sentidos, propiciando, muitas vezes, embates discursi-

vos. Nesse contexto, o fenômeno Porta dos Fundos, canal de humor do YouTube, tem criado,

desde seu surgimento em 2012, diversos campos polêmicos a partir de seus esquetes satíricos.

Busca-se, nesta pesquisa, a partir do estudo da circulação de textos entre diferentes mídias, em

ambiente digital, definir especificidades no que se refere à criação desses campos polêmicos

nas redes digitais (mas que se espraiam para além delas), considerando a formação de uma

“conversação em rede”, que chamaremos de debate transmidiático. A investigação se dará por

meio da análise de vídeos controversos do Porta dos Fundos e das reverberações deles em

mídias diversas, assim como das características da conversação engendrada entre textos de

mídias sociais e de outras plataformas digitais, envolvendo pessoas comuns, jornalistas, insti-

tuições, dentre outros. Ao ter-se em conta o caráter essencialmente satírico do Porta dos Fun-

dos, as estratégias humorísticas que usa e os temas que aborda nos vídeos, se faz necessária

uma reflexão sobre a sua natureza polêmica, bem como sobre o ambiente – digital – que pro-

porcionou seu surgimento e lhe permitiu maior liberdade de expressão, se comparada àquela

geralmente permitida em mídias tradicionais.

Palavras-chave: Mediação; Transmídia; Debate Transmidiático; YouTube; Porta dos Fundos.

ABSTRACT

The nature of instantaneity and multimedia of the internet potentiates the appropriation and

circulation of texts in dialogue and the production of meanings, providing, often, discursive

clashes. In this context, the phenomenon Porta dos Fundos, humor channel of YouTube, has

created, since its emergence in 2012, several controversial fields from its satirical skits. In this

research, the study of the circulation of texts between different media, in a digital environ-

ment, seeks to define specificities regarding the creation of these controversial fields in digital

networks, considering the formation of "network conversations", which we will call of trans-

midiatic debate. The investigation will be done through the analysis of controversial videos of

the Port of Funds and their reverberations in various media, as well as the characteristics of

the conversation engendered between social media texts and other digital platforms, involving

ordinary people, journalists, institutions, among others. others. Taking into account the essen-

tially satirical character of the Porta dos Fundos, the humorous strategies it uses and the

themes it addresses in the videos, it becomes necessary to reflect on its controversial nature,

as well as on the digital environment that it provided Its appearance and allowed it greater

freedom of expression, if compared to that generally allowed in traditional media.

Keywords: Mediation; Transmedia; Transmediatic Debate; YouTube; Porta dos Fundos.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Tweet de Marco Feliciano sobre o Vídeo “Oh Meu Deus”...................................14

FIGURA 2: Montagem de comentários na página do vídeo “Oh meu Deus” no YouTube que

reverberam o tweet de Marco Feliciano....................................................................................15

FIGURA 3: Homepage da plataforma YouTube .....................................................................41

FIGURA 4: Canal do YouTube de Camila Coelho .................................................................49

FIGURA 5: Canais 5incominutos e NãoFazSentido, respectivamente ....................................50

FIGURA 6: Logo do Canal Porta dos Fundos .........................................................................51

FIGURA 7: Gráfico de visualizações do canal Porta dos Fundos de Ago/2012 a Out/2014 ..52

FIGURA 8: Imagem do final do vídeo “Com quem será?” .....................................................53

FIGURA 9: Gráfico do acesso aos episódios publicados na primeira semana ........................53

FIGURA 10: Arte do Porta dos Fundos para divulgar o novo dia de upload ..........................54

FIGURA 11: Vídeo “Oh Meu Deus” .......................................................................................63

FIGURA 12: Vídeo “Delação” ................................................................................................64

FIGURA 13: Vídeo “Delação 2/ Reunião de Emergência 3” ..................................................65

FIGURA 14: Aparições de Jesus em lugares inesperados .......................................................68

FIGURA 15: Dados de visualização, curtidas e descurtidas do vídeo “Oh Meu Deus” .........69

FIGURA 16: Montagem com várias notícias que repercutiram o embate entre Marco Felicia-

no e o Porta dos Fundos sobre o vídeo “Oh Meu Deus” ..........................................................71

FIGURA 17: Enquete do UOL sobre o vídeo “Oh Meu Deus” ...............................................72

FIGURA 18: Comentário de Caio Fábio sobre a reverberação do vídeo “Oh Meu Deus” .....74

FIGURA 19: Imagem do vídeo do canal Portaria em que Fabio Porchat e Antônio Tabet fa-

lam sobre o vídeo “Oh Meu Deus” ..........................................................................................75

FIGURA 20: Amostra de comentários que demonstram o debate religioso ............................76

FIGURA 21: Amostra de comentários que atacam Marco Feliciano e seus seguidores .........77

FIGURA 22: Amostra de comentários que gostaram do vídeo ...............................................78

FIGURA 23: Amostra de comentários que não gostaram do vídeo ........................................78

FIGURA 24: Vídeo “Deputado” do Canal Porta dos Fundos ..................................................79

FIGURA 25: Reportagens noticiando a sátira com o vídeo “Deputado” ................................80

FIGURA 26: Dados de visualização, curtidas e descurtidas do vídeo “Delação” ...................85

FIGURA 27: Imagem de uma das chamadas da campanha #RIPPorta ...................................86

FIGURA 28: Montagem com comentários que usaram a #RIPPorta ......................................87

FIGURA 29: Vídeo de Nando Moura comentando o vídeo “Delação” ...................................88

FIGURA 30: Chamada da matéria sobre o vídeo “Delação” publicada pelo site Voltemos à

Direita ......................................................................................................................................89

FIGURA 31: Post de Antônio Tabet a respeito da campanha #RIPPorta ................................90

FIGURA 32: Montagem com várias notícias que repercutiram o embate entre o Porta dos

Fundos e a campanha #RIPPorta .............................................................................................91

FIGURA 33: Montagem com as chamadas das reportagens do O Globo e Brasil Post ..........92

FIGURA 34: Print da publicação de Gregório Duvivier em sua página do Facebook sobre o

boicote ......................................................................................................................................93

FIGURA 35: Amostra de comentários que não apoiaram a publicação ..................................94

FIGURA 36: Amostra de comentários de quem apoiou o vídeo .............................................94

FIGURA 37: Print da descrição do vídeo “Delação 2” ...........................................................95

FIGURA 38: Dados de visualização, curtidas e descurtidas do vídeo “Delação 2” ................95

FIGURA 39: Montagem com várias notícias que repercutiram a publicação do vídeo

“Delação 2” ..............................................................................................................................96

FIGURA 40: Postagem de Antônio Tabet em sua página do Facebook compartilhando o vídeo

“Delação 2” ..............................................................................................................................97

FIGURA 41: Vídeo de Nando Moura comentando o vídeo “Delação 2” ................................98

FIGURA 42: Amostra de comentários de quem apoiou a publicação do vídeo ......................99

FIGURA 43: Amostra de comentários de quem não apoiou a publicação do vídeo .............100

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................11

2 DEBATE TRANSMIDIÁTICO .........................................................................................14

2.1 Cultura da Convergência e da Conectividade ...............................................................18

2.2 Transmídia ........................................................................................................................23

2.3 Mediação e Circulação de Significados ..........................................................................26

2.3.1 Conversações em Rede ...................................................................................................33

3 YOUTUBE E PORTA DOS FUNDOS: O HUMOR COMO ESPAÇO POLÊMICO

NAS REDES SOCIAIS ..........................................................................................................39

3.1 YouTube: História e Tecnologia .....................................................................................40

3.1.1 Gêneros predominantes e emergentes no YouTube ........................................................47

3.2 Porta dos Fundos: História e relação com a sociedade .................................................50

3.3 O humor do Porta dos Fundos e a criação de um campo polêmico ............................55

4 ANÁLISE: CONFIGURANDO O DEBATE TRANSMIDIÁTICO ..............................61

4.1 Breves considerações metodológicas (corpus e técnicas) ..............................................61

4.2 Reverberações e debates acerca do vídeo “Oh Meu Deus” ..........................................68

4.2.1 Formas das interações – “Oh Meu Deus” .......................................................................81

4.3 Reverberações e debates acerca dos vídeos “Delação” e “Delação 2” ........................83

4.3.1 Formas das interações – “Delação” e “Delação 2” .......................................................100

4.4 Análise e comparação do debate transmidiático na formação do campo polêmico em

ambiente on-line ...................................................................................................................100

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................106

REFERÊNCIAS ..............................................................................................................109

ANEXO A – Print das reportagens que reverberaram os vídeos “Oh Meu Deus”,

“Deputado”, “Delação” e “Delação 2” ...............................................................................117

11

1 INTRODUÇÃO

O canal Porta dos Fundos começou como um coletivo criativo de humor audiovisual

de cinco rapazes que se diziam insatisfeitos com a falta de liberdade dos meios tradicionais,

principalmente da televisão, e encontraram na internet um ambiente propício para o tipo de

humor que praticam. A expansão e sucesso do canal, nos seus mais de quatro anos de existên-

cia, são marcados pelo crescimento da marca, com a proliferação dos seus produtos (livro,

Facebook, filme, programas de TV, camisetas, canecas etc.), dos inscritos no canal e, princi-

palmente, das interações e engajamentos dos consumidores com os vídeos.

O humor satírico do Porta dos Fundos aborda temas do cotidiano da nossa sociedade,

que vão desde uma discussão de um casal ou uma brincadeira de adivinhação entre amigos até

assuntos mais gerais como segurança pública, religião, sexualidade e política. Alguns dos

temas dos vídeos acabam por incomodar uma parcela maior da sociedade que os considera

como tabus que não devem ser explorados em esquetes de humor. Para essas pessoas, os ví-

deos deixam de ser engraçados e se tornam graves ofensas e falta de respeito com aquilo que

têm como convicção, crença. Esse tipo de humor crítico e polêmico do Porta dos Fundos, na

sociedade atual, em que as culturas se convergem, se misturam e se entrelaçam no convívio

cotidiano, pode causar uma gama maior de conflitos. Nesta pesquisa, selecionamos, como

objeto, alguns dos vídeos controversos do canal Porta dos Fundos a fim de estudar a formação

e constituição desses debates.

Devido à multimodalidade da internet, às características colaborativas das redes soci-

ais e à facilidade de acesso às informações, o debate gerado tende a espalhar-se rapidamente

por várias mídias, sociais ou não, e a sofrer ressignificações, na medida em que circula e entra

em contato com os diferentes contextos das pessoas (na pesquisa em rede, chamados de ato-

res) envolvidas. Sendo assim, cada parte que vai sendo formada sobre o debate, cada publica-

ção em uma mídia social diferente, por meio de podcast, texto, vídeo, fotos, GIFs, cada

hashtag gerada, funciona como um novo elemento que contribui para o todo desse debate. O

debate é formado, então, por peças (harmônicas e não harmônicas) construídas através das

diferentes mídias que, ao irem se contrapondo, formam a sua grande narrativa polêmica.

Chamamos o produto desse quebra-cabeça controverso, aqui nesta pesquisa, de “debate

transmidiático”. Investigou-se, portanto, por meio da análise de vídeos do canal humorístico

do YouTube Porta dos Fundos e das reverberações deles, a formação de debates transmidiáti-

cos, refletindo sobre a natureza controversa da sátira e as características dessa conversação

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engendrada entre textos de mídias sociais e de outras plataformas digitais, envolvendo pessoas

comuns, jornalistas, instituições, entre outros.

Para fundamentar o conceito do debate transmidiático, o primeiro capítulo traz os es-

tudos como os de Jenkins, Green e Ford (2014) e Van Djick (2013), sobre as novas estruturas

culturais e sua integração aos aspectos comunicacionais e à mídia. Para Raquel Recuero

(2014), desde o surgimento das mídias on-line, conformou-se, nas redes, um caráter fortemen-

te participativo, de troca de informações e experiências, que conecta pessoas. Os recursos

tecnológicos do ambiente interativo e a emergência das redes sociais já correspondentes a essa

cultura participativa favorecem a circulação de mensagens e o fluxo de conteúdo através das

mídias, reestruturando as relações de produção/consumo e apresentando um consumidor que

atua de forma mais engajada e colaborativa no sentido da produção de novas e diferentes sig-

nificações. Nessa pesquisa, o termo “consumidor” é tratado como nos estudos de Barbero

(2006), que incluem a cultura e o contexto social e ambiental na incorporação de mensagens.

Esse tipo de atuação é percebido nas diferentes formas de se receber um vídeo do Porta dos

Fundos, que são registradas, nas redes sociais, em textos que compõem o debate transmidiáti-

co.

O capítulo discute e descreve, também, como uma multiplicidade de sentidos e narra-

tivas produzidos através das diversas mídias, on-line ou off-line – apesar de a presente pesqui-

sa considerar apenas as narrativas em universo on-line para compor seu objeto –, vão se unin-

do em torno de um universo. Buscamos nos apropriar de aspectos da teoria transmídia, apre-

sentadas nos estudos de Jenkins (2009) e Scolari (2009), para o estudo da criação de um cam-

po polêmico nas redes digitais: as conversações entre mídias, compartilhamentos, apropria-

ções e multiplicidade de vozes em torno de um texto.

Finalmente, o primeiro capítulo relaciona a nova configuração cultural, em torno de

um pensamento colaborativo, multimídia e transmídia, à mediação midiática e ao processo de

ressignificação de conteúdos a partir dos diferentes contextos dos envolvidos. O conceito de

mediação, nesta dissertação, foi desenvolvido de acordo com os estudos de Silverstone (2002)

e Barbero (2006). A comunicação em rede e as plataformas digitais permitem uma maior faci-

lidade, velocidade e visibilidade nas conversações e conexões à distância, com o registro da

circulação de significados e do modo como os consumidores usam e se apropriam dos textos

midiáticos.

Os fundadores do Porta dos Fundos escolheram o YouTube como porto de partida pa-

ra a sua empresa. No segundo capítulo, foi feito um levantamento, a partir do estudo de Van

Djick (2013) e Montaño (2015), de aspectos estruturantes do YouTube, e de como a platafor-

13

ma faculta a visibilidade, circulação, apropriação e comentários de textos, tornando-se um

espaço propício para fomentar o tipo de debate proposto pelo canal. Contar a história do Porta

dos Fundos, como o grupo surgiu, quem são seus criadores e o conteúdo que publicam é fun-

damental para entender como a essência satírica do canal se faz estrategicamente – da escolha

de temas à construção da sátira, passando pelas formas de ocupação das redes digitais – pre-

sente na formação do campo polêmico e do debate transmidiático. O gênero da sátira, a que

pertence a maioria dos vídeos, apresenta-se como importante para o estudo pelo tom crítico

com que a sátira aborda seus objetos. Ainda mais quando aliada à ironia ou à paródia, pode

ser a responsável por diferentes significações e reações hostis àquilo que é representado. Es-

ses aspectos do humor, seguindo os estudos de Bergson (2007), Minois (2003) e Hutcheon

(1985), também são tratados no segundo capítulo.

O terceiro capítulo apresenta a metodologia desenvolvida para a análise desse tipo de

fenômeno. Ela conta com quatro categorias para identificação do debate e comparação entre

as duas amostragens, a saber: Elementos das textualidades midiáticas, Atores do discurso,

Análise da argumentação do debate e Formas das interações. O capítulo traz, também, a des-

crição e análise do corpus escolhido, que conta com o vídeo “Oh Meu Deus”, como primeira

amostra, e os vídeos “Delação” e “Delação 2”, como segunda, bem como a comparação entre

os elementos e categorias do debate transmidiático desenvolvido em cada amostra do corpus.

Por fim, a conclusão apresenta a tentativa de associar os resultados obtidos na análise aos

conceitos explorados ao longo da pesquisa, ressaltando os principais pontos descobertos, co-

mo a utilização do humor, mais especificamente da sátira, de modo estratégico para a ativação

do debate e que quanto mais atores se envolvem no debate, maior se torna o seu capital social

e o seu potencial de propagabilidade.

Com a presente pesquisa, buscamos desenvolver um trabalho consistente e relevante

no âmbito das investigações que envolvem a questão transmídia, de forma a contribuir para o

entendimento das mudanças no campo comunicacional com o enredamento cada vez maior

das mídias on-line na vida social. Além disso, pretendemos colaborar metodologicamente

para estudos da conversação em rede, na medida em que o desafio é o de apreensão e interpre-

tação de um debate transmidiático, que envolve interações, conversações entre mídias, com-

partilhamentos, apropriações e multiplicidade de vozes.

14

2 DEBATE TRANSMIDIÁTICO

“[...] Sempre vai ter alguém para ficar incomodado [com nossos vídeos]. A gente tam-

bém não pode parar de fazer o nosso trabalho com medo de alguém se magoar1”, disse João

Vicente Castro, membro fundador do canal de humor Porta dos Fundos, em entrevista ao por-

tal de notícias UOL, após a campanha iniciada pelo deputado federal Marco Feliciano (Parti-

do Social Cristão), também pastor evangélico, através da sua conta no Twitter, contra o vídeo

“Oh Meu Deus”. O vídeo traz uma mulher que foi fazer um exame ginecológico de rotina e o

médico, ao começar o exame, vê a imagem de Jesus em sua vagina. O médico, então, chama

vários funcionários que, juntos, passam a adorar a imagem, contar para os parentes via telefo-

ne e entoar cânticos de glória, sem deixar a paciente ir embora.

Figura 1: Tweet de Marco Feliciano sobre o Vídeo “Oh Meu Deus”2

Fonte: Revista Veja (2013).

Vários comentários favoráveis e contrários à forma satírica com que as práticas religi-

osas são abordadas no vídeo – que possui mais de 7 milhões de visualizações3 –, inclusive

menções e repercussões ao comentário de Marco Feliciano, estão na própria página do canal4,

em um debate que envolve mídias, argumentos e posicionamentos diversos.

1 UOL (2013a). 2 VEJA (2013). 3 Porta dos Fundos (2013b). 4 Porta dos Fundos (2013b).

15

Figura 2: Montagem de comentários na página do vídeo “Oh meu Deus” no YouTube

que reverberam o tweet de Marco Feliciano5.

Fonte: YouTube (2013).

As profundas mudanças experimentadas em diversos aspectos, pela inserção no cotidi-

ano e na cultura das novas tecnologias, foram particularmente sentidas nas formas e efeitos da

sociabilidade. Neste capítulo, trataremos a mediação e circulação desses aspectos influencia-

dores da cultura, tão presentes nas produções do Porta dos Fundos – canal com vídeos de te-

mas que, muitas vezes, são delicados pilares sociais como religião (o vídeo “Deus”, por

exemplo, fala que o Deus “correto” é o de uma tribo da Polinésia) e política (o vídeo “Ques-

tão de ordem” traz uma sessão deliberativa do plenário com dois deputados que buscam, na

fala um do outro, pontos para serem debatidos). Em outros momentos, há temas mais cotidia-

nos (o vídeo “Ciúmes”, que mostra, na conversa de um casal, o quanto um parceiro controla-

dor pode ser intimidador) e também nos comentários e reverberações dos mesmos. Segundo

5 Porta dos Fundos (2013b).

16

Recuero (2014), a comunicação mediada por computador proporciona fenômenos que estão

mudando profundamente a organização, identidade, conversação e mobilização social, fazen-

do, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-se, ampliar a capacidade de conexão, per-

mitindo que redes fossem criadas e expressas nesses ambientes virtuais. “Elas conectam não

apenas computadores, mas pessoas”. (RECUERO, 2014, p. 17)

O estudo da sociedade, a partir de um sistema de rede não é novo. Recuero (2014),

traz os estudos de Ludwig Von Bertalanffy (1975)6 para falar da “Teoria Geral dos Sistemas”,

que defendia uma perspectiva sistêmica para compreender os fenômenos na sua totalidade e

não mais como independentes uns dos outros. Outro estudo trazido pela autora, mais recente,

é o de um grupo de cientistas liderado por Lars Backstrom7, que estudou as conexões através

do Facebook e assinalou que entre um usuário e outro (desconhecido) na rede, havia cerca de

4 pessoas, em média, significando que entre você e qualquer outra pessoa no Facebook, há

cerca de 3 conexões. Esse estudo foi baseado, segundo Recuero, Bastos, Zago (2015), nas

pesquisas de Stanley Milgram, em 1967, que, investigando grupos off-line, concluiu que a

distância média de conexões entre os indivíduos no mundo seria de 6 graus. Ou seja, com as

redes sociais on-line, as pessoas estão cerca de 50% mais conectadas entre si.

Segundo Recuero, Bastos, Zago (2015), as redes sociais são metáforas para a estrutura

dos agrupamentos sociais constituindo-se em redes mais estáveis e, com isso, mais comple-

xas, maiores, que compreendem uma pluralidade de relações mais amplas que as das redes

sociais off-line e fornecem, também, registro, o que permite que conversações e interações

sejam mapeadas e estudadas em larga escala. “No espaço on-line, essas redes sociais são de-

marcadas não somente pelos rastros deixados pelos atores sociais e pelas suas produções, mas

também pelas suas representações”. (RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015, p. 23)

Investigar a constituição dessas “conversações em rede” (RECUERO, 2014) e a for-

mação do que chamaremos, neste projeto, de “debate transmidiático” é o objetivo central des-

ta pesquisa. A investigação se dará por meio da análise de vídeos controversos do canal hu-

morístico Porta dos Fundos e das reverberações deles em mídias diversas on-line – conside-

rando que, na internet, encontram-se diversas e diferentes mídias, tanto de produção instituci-

onal, como jornais on-line, tanto de produção pessoal como blogs e sites de redes sociais. Pre-

tendemos investigar as características da conversação engendrada entre textos de mídias soci-

ais e de outras plataformas digitais, envolvendo pessoas comuns, jornalistas, grupos e organi-

zações. Ao ter-se em conta o caráter essencialmente satírico do Porta dos Fundos, as estraté-

6 BERTALANFFY, L. V. Teoria Geral dos Sistemas. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1975. 7 Backstrom (2012).

17

gias humorísticas que usa e os temas que aborda nos vídeos, faz-se necessária uma reflexão

sobre a sua natureza polêmica, bem como sobre o ambiente – digital – que proporcionou seu

surgimento e lhe permitiu certa liberdade de expressão comparada às mídias tradicionais.

Entende-se por “debate transmidiático” os diferentes textos complementares ou oposi-

tores que irão circular e compor as discussões ativadas por um objeto determinado, sendo esse

um filme, uma foto, um áudio, um texto, um vídeo – como o caso da presente pesquisa – ou

qualquer outro tipo de representação a gerar novos significados e engajamento público a partir

de diferentes contextos de assimilação. Nesses casos, embora se trate de reverberações a partir

de um texto midiático – que de forma alguma pode ser visto como inaugural, pois, como é o

caso da sátira, ele também parte de outros “textos” sociais – entendemos que outros textos

midiáticos são gerados, compondo um campo polêmico e, a princípio, polissêmico de conver-

sação, que objetivamos estudar.

Faz-se necessário, portanto, para o desenvolvimento desta pesquisa, definir o que en-

tendemos por comunicação, mídia e consumidor. Barbero (2006) fala que a comunicação atu-

al deve ser pensada como um motor eficaz de desengate e inserção das culturas no espa-

ço/tempo social, do mercado e das tecnologias globais, representando um vínculo entre os

cidadãos. Sendo assim, a mídia, como apresenta Canclini (1997), passa a se mostrar como

uma grande mediadora social, ou seja, como uma substituta de outras interações coletivas

ultrapassando a ideia de transmissão, veículo ou apenas um intermediário de comunicação que

alguns autores ainda utilizam.

Considerando-se a apropriação da cultura pela comunicação e seus diferentes modos e

sentidos produzidos, o consumo também deve ser pensado dessa mesma forma. Segundo Bar-

bero (2006), o consumo não se restringe à posse dos objetos, mas sim, decisivamente, pelos

usos que lhe dão forma social, não se tratando apenas de medir a distância entre as mensa-

gens, mas sim seus efeitos, passando pela apropriação da cultura e da esfera social pelos pro-

dutos e constituindo uma análise integral do consumo. Portanto, nesta pesquisa, as referências

ao “consumidor” não são no sentido de alguém que recebe a mensagem, mas sim alguém que

incorpora a mensagem refletindo sobre o seu cotidiano, seu próprio corpo e sua consciência

de vida de forma a “inscreverem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas

competências culturais” (BARBERO, 2006, p. 292). Na mediação das mídias sociais, esse

consumidor torna-se também um produtor, que coloca em circulação textos que manifestam o

modo como interagiu com os produtos midiáticos, em nosso caso específico, os vídeos do

Porta dos Fundos e outros textos gerados a partir deles.

18

O debate transmidiático a ser tratado por esta pesquisa será mapeado apenas em ambi-

ente on-line – consideramos que a internet é um ambiente que abriga diversas mídias. A esco-

lha de deixar as mídias pré-internet, já institucionalizadas, de fora da pesquisa, apesar de elas

participarem do processo, se dá pela maior possibilidade de coleta de dados em ambiente on-

line. As interações on-line entre as pessoas, além de ficarem registradas na rede, têm aconte-

cido de forma mais fluida e intensa em função da facilidade e agilidade que essas mídias pro-

porcionam à comunicação. Dessa forma, as mídias envolvidas serão blogs, diversas platafor-

mas de redes sociais e jornais e noticiários on-line que se comunicam transmidiaticamente.

A natureza de instantaneidade, interatividade e multimídia da internet potencializa a

apropriação e circulação de textos em diálogo e a movimentação de sentidos – mediação –

que, segundo Silverstone (2002), implica o movimento de significado de um texto para o ou-

tro. “Um único computador conectado à rede mundial pode transmitir e receber mensagens

escritas, imagem fixa ou animada, música, consultar banco de dados” (MAIGRET, 2010. p.

405). Segundo Sibilia (2008), a internet foi usada, em um primeiro momento, com o objetivo

de “vender coisas”, mas com o fracasso das empresas pontocom – a dimensão meramente

comercial foi superada sendo combinada com modelos interativos –, a meta passou a ser a de

que pessoas criem e compartilhem ideias e informação. Os termos “social”, “participação” e

“colaboração” adquiriram um novo e peculiar sentido no contexto das mídias sociais, tendo

em vista plataformas interligadas, interativas e colaborativas e seus criadores de conteúdo

(produtores) que são ao mesmo tempo usuários e distribuidores (VAN DJICK, 2013). Neste

contexto colaborativo, inserem-se o YouTube, como plataforma, e o Porta dos Fundos, objeto

desse estudo, como canal, que, por meio do compartilhamento dos seus vídeos e da adesão

através de inscrições, tornou-se um fenômeno brasileiro, alcançando a marca de canal mais

acessado do YouTube no País8.

O grande desafio da pesquisa aqui proposta é a apreensão e interpretação de um debate

transmidiático nas redes digitais, que envolve interações, conversações entre mídias, compar-

tilhamentos, apropriações e multiplicidade de vozes em torno de um texto. Sendo, para isso,

preciso levantar e aprofundar conceitos embasadores do que formulamos como debate trans-

midiático, tais como: cultura da convergência e a emergência das redes sociais on-line, trans-

mídia, mediação e circulação de mensagens e a conversação em rede.

2.1 Cultura da Convergência e da Conectividade

8 Google (2014).

19

A internet, ao longo da sua existência, foi consolidando o seu aspecto de sociabilidade,

se alinhando à cultura e, segundo Van Djick (2013), conferindo o caráter participativo à soci-

edade de forma que seus usuários podem criar e trocar conteúdos, formando, assim, uma ca-

mada on-line de organização pessoal e social, que se integrou com as práticas cotidianas “off-

line”. Ou seja, esse caráter mais “social” inerente ao espírito participativo foi incorporado,

num movimento autopoiético, entre a internet e as suas diversas plataformas e a sociedade,

facilitando o aparecimento de uma cultura da conectividade. O YouTube, por exemplo, se-

gundo Van Djick (2013), é uma plataforma, primariamente falando, para geração de conteúdo

(conteúdo gerado pelos usuários, não pela plataforma), mas que pode ser considerado um site

de rede social pelas suas funcionalidades que permitem aos usuários aderirem a uma comuni-

dade específica (canais), compartilhar impressões e comentários sobre determinados conteú-

dos ou apropriarem-se de conteúdos nas suas páginas de perfis pessoais em outras platafor-

mas.

Segundo Jenkins, Green e Ford (2014), as indústrias de mídia compreendem que a cul-

tura está se tornando mais participativa, que as regras estão sendo reescritas e que os relacio-

namentos entre mídia e público estão em fluxo. O YouTube, por exemplo, segundo os auto-

res, é uma plataforma que facilita a inserção do seu conteúdo em outros locais, o que permite

sua rápida circulação por um leque de redes sociais. A circulação dos conteúdos entre plata-

formas diferentes – como o exemplo citado – também é uma característica de uma cultura da

conectividade que favorece a emergência de plataformas que se interconectam e uma infraes-

trutura para um ambiente de conexão entre as mídias – tanto tradicionais como TV, rádio e

jornais impressos, com as novas como blogs, jornais on-line e as redes sociais, quanto entre as

diversas plataformas on-line – impactando ainda mais na sociedade e fortalecendo a cultura da

conectividade. Os direitos de exibição dos vídeos do canal Porta dos Fundos, por exemplo,

foram comprados em 2014 pela emissora FOX de canais por assinatura. Ao passar para a TV,

o Porta dos Fundos selecionou os vídeos a serem veiculados e colocou um apresentador para

o programa e deixou de fora a parte final dos vídeos, que aparecia depois do fechamento do

esquete – dentre outras alterações – que fazem com que as pessoas busquem assistir tanto ao

programa da TV quanto ao vídeo transmitido pelo canal no YouTube – ressaltando, também,

um caráter transmidiático que será tratado mais à frente nesta pesquisa.

O crescente domínio do Google no mundo da sociabilidade em rede não só marca o

amadurecimento do YouTube; a plataforma também redefine irrevogavelmente as

próprias condições para a produção e o consumo audiovisual, arrastando a televisão

20

para o ecossistema de mídia da conectividade. Transmissões televisivas, em vez de

ser substituídas por sistemas de visualização on-line, estão rapidamente se tornando

parte da lógica de mídia social; a crescente interdependência entre a televisão e

plataformas de partilha de vídeo, e a troca sem atrito entre YouTube, Facebook, e

Twitter, simultaneamente refletem e constroem a cultura emergente de

conectividade9. (DJICK, 2013, p.111).

A integração entre as velhas e novas mídias, onde, segundo Jenkins (2009), os poderes

do produtor e do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis configuram a cultura da

convergência. No seu livro Cultura da Convergência, Jenkins fala que no mundo da conver-

gência toda história importante é contada, toda marca vendida e todo consumidor é cortejado

por diversas mídias, mas tendo a circulação de conteúdos dependendo fortemente da partici-

pação ativa desse consumidor, ou seja, a convergência ocorre dentro do cérebro de consumi-

dores individuais e em suas interações sociais com outros. (JENKINS, 2009).

Vale ressaltar que, ao falar da convergência, Jenkins (2009) faz referência ao fluxo de

conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, a cooperação entre múltiplos mercados

midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que fazem

de tudo para obter a experiência de entretenimento que desejam. “Convergência é uma pala-

vra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais,

dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando” (JENKINS, 2009, p. 29).

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A

convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados,

gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática

opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento.

Lembrem-se disto: a convergência refere-se a um processo, não a um ponto final

(JENKINS, 2009, p. 43).

Os mundos on-line e off-line estão, cada vez mais, transpondo-se mutuamente. A

emergência de sites de compartilhamento como o YouTube, que agrega e disponibiliza mate-

riais audiovisuais, ou como o Wikipédia, que funciona como uma enciclopédia livre em que

qualquer pessoa pode inserir ou modificar os conteúdos postados, são exemplos da incorpora-

ção social e cultural da lógica de mobilidade e co-construção de sentidos.

9 Google’s growing dominance in the world of network sociality not only put a stamp on YouTube’s maturing

identity; the plataform also irrevocably redefine the very conditions for audiovisual production and consuption,

dragging television prodution into the ecosystem of conective media. Broadcast television, rather than being

replaced by online viewing systems, are quickly becoming part of social media’s logic; the growing independ-

ence between television and vídeo sharing plataforms, and the frictionless exchangeability of YouTube, Face-

book, and twitter’s features, simultaneously reflect and construct the emergent culture of connectivity (DJICK,

2013, p.111)

21

A infraestrutura de conexão da internet proporciona às pessoas uma integração total da

sua vida cotidiana à rede. Segundo Van Djick (2013), muito dos hábitos que se tornaram re-

centemente permanentes pelas plataformas de redes sociais costumavam ser manifestações

efêmeras e informais da vida social como falar com os amigos, trocar confidências ou fofocas,

ver fotos das férias, vídeos dos vizinhos. “A maior mudança é que, através das mídias sociais,

essas falas ocasionais se transformaram em inscrições formalizadas que, uma vez incorpora-

das pela economia de públicos mais amplos, adquire um valor diferente10” (VAN DJICK,

2013, p.7).

Os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas e dos

diversos atores, são, segundo Recuero (2014), representados pela rede social. Os atores, se-

gundo Recuero (2014), são o primeiro elemento da rede social, representados pelos nós (ou

nodos), mas, nas redes sociais on-line, são constituídos por representações ou por construções

identitárias do ciberespaço, em função do distanciamento entre os envolvidos na interação

social – principal característica da comunicação mediada por computador. As representações

dos atores sociais são “espaços de interação, lugares de fala construídos pelos atores de forma

a expressar elementos de sua personalidade ou individualidade” (RECUERO, 2014, p. 26).

Assim, a apresentação de si ou a expressão pessoal ou personalizada na internet é o

que vai caracterizar o ator na rede social. A necessidade de exposição pessoal e as tendências

exibicionistas e performáticas alimentam, segundo Sibilia (2008), a procura do reconhecimen-

to dos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. “Cada vez mais é preciso

aparecer para ser” (SIBILIA, 2008, p. 111).

Pois tudo aquilo que permanecer oculto, fora do campo da visibilidade – seja dentro

de si, trancado no lar ou no interior do quarto próprio – corre o triste risco de não ser

interceptado por olho algum. E, de acordo com as premissas básicas da sociedade do

espetáculo e da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável

que essa coisa não exista. Como bem descobrira Guy Debord há quatro décadas, o

espetáculo se apresenta como uma enorme positividade indiscutível, pois seus meios

são ao mesmo tempo seus fins e sua justificativa é tautológica: “O que aparece é

bom, e o que é bom aparece11”. Nesse monopólio da aparência, tudo o que ficar do

lado de fora simplesmente não o é (SIBILIA, 2008, p. 111, 112).

Mais do que apenas ser visto, segundo Recuero (2014), talvez a visibilidade seja um

imperativo para a sociabilidade mediada por computador e que parte do processo de sociabili-

dade está nas impressões que atores sociais percebem e constroem quando iniciam sua intera-

10 Tradução nossa: “A major change is through social media, these casual speech acts have turned into formal-

ized inscriptions, which, once embedded in larger economy of wider publics, take on a diferent value” (VAN

DJICK, 2013, p.7). 11 DEBORD, G. op. Cit., teses 12 e 13. La sociedad del espetáculo. Buenos Aires: La Marca. 1995.

22

ção. Torna-se importante, portanto, ainda segundo Recuero (2014), entender como os atores

constroem esses espaços de expressão de impressões, ou seja, compreender como as conexões

são estabelecidas e os padrões de conexões gerados.

As conexões de uma rede social podem ser percebidas de diversas maneiras. Enquan-

to, segundo Recuero (2014), os atores representam os nós, as conexões são constituídas dos

laços sociais formados pela interação social entre os atores, percebidos graças à possibilidade

de manter rastros e registros das mesmas. “De certo modo, são as conexões o principal foco

do estudo das redes sociais, pois é sua variação que altera as estruturas desses grupos” (RE-

CUERO, 2014, p. 30). As conexões são formadas por interações que geram relações e que,

por sua vez, geram laços sociais. A interação, início da cadeia, constitui-se de um elemento de

orientação entre pessoas. Segundo Recuero (2014), na interação a ação de um vai depender da

reação do outro, orientando expectativas, formando-se parte das percepções, pelos atores, do

universo que os rodeia influenciadas pelas próprias interações e pelas motivações particulares

dos atores. É um processo sempre comunicacional sendo que, “a interação é, portanto, aquela

que tem um reflexo comunicativo entre o indivíduo e seus pares, como reflexo social” (RE-

CUERO, 2014, p. 31).

O engajamento cada vez maior das pessoas com as mídias, não só nas bases de intera-

ção, mas como criadores de conteúdo é uma das principais características da cultura da con-

vergência e conectividade. Segundo Jenkins, Green e Ford (2014), o material que surge a par-

tir do DIY (Do It Yourself – em português: faça você mesmo), como os vídeos que as pessoas

fazem e postam no YouTube, têm o objetivo de compartilhar alguma coisa com um público

maior, expandir a sua própria audiência e reputação, compartilhar suas opiniões particulares

com o mundo – opiniões que, muitas vezes, não são representadas pelas mídias de massa – e o

alcance desse material pode ser medido pelo número de seguidores, visualizações ou comen-

tários, tal como os executivos de televisão medem e valorizam o número de espectadores atra-

ídos por seus programas.

Quando os membros do público propagam esse conteúdo de uma comunidade para

outra é porque têm interesse na circulação dessas mensagens. Eles estão adotando

um material significativo para si em função de este ter um valor dentro de suas redes

sociais, além de facilitar as conversas que querem manter com seus amigos e

familiares. Portanto, devemos descrever esse trabalho do público como “engajado”,

em vez de “explorado” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p.92).

A estruturação de um cotidiano on-line faz com que as pessoas, segundo Jenkins

(2009), aprendam a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo so-

23

bre o fluxo da mídia e para interagir com outras pessoas. Na cultura da convergência – Jen-

kins (2009) usando a argumentação de Pierre Lévy –, as pessoas subordinam a sua expertise

individual a objetivos e fins comuns e que as comunidades virtuais conseguem alavancar ex-

pertises combinadas dos seus membros – inteligência coletiva. Os autores falam que a inteli-

gência coletiva altera, gradualmente, o modo como a cultura de massa opera e que essa cultu-

ra do conhecimento (organização de espectadores em comunidades de conhecimento) serve

como motor invisível e intangível para a circulação e a troca de produtos de massa (JEN-

KINS, 2009, p. 56).

Para tentar compreender melhor essa relação ativa entre os consumidores, a formação

de comunidades de conhecimento e a inerência com a cultura da convergência e da conectivi-

dade faz-se necessário compreender o modelo comunicacional que se relaciona com a socie-

dade através das várias mídias, muitas vezes de forma simultânea e/ou complementar, ou seja,

transmidiaticamente.

2.2 Transmídia

Como parte do termo aqui levantado – debate transmidiático – entender a transmidia-

lidade, o seu desenvolvimento a sua inserção na mídia e na cultura faz-se inerente ao presente

estudo, assim como entender como a transmidialidade propõe um novo modelo de narrativa

inspirado em diferentes mídias e linguagens (SCOLARI, 2009).

O entretenimento na era da cultura da convergência, segundo Jenkins (2009), é pensa-

do de forma a integrar múltiplos textos para criar uma narrativa tão ampla que não pode ser

contida em uma única mídia, caracterizando uma narrativa transmidiática. “Uma história

transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto

contribuindo de forma distinta e valiosa para o todo” (JENKINS, 2009, p138).

Scolari (2009) completa falando que as narrativas transmidiáticas são histórias conta-

das através de múltiplas mídias, ou seja, uma estrutura particular de narrativa que se expande

através de diferentes linguagens (verbal, icônica, etc.) e mídias (cinema, quadrinhos, TV,

etc.), em que essas diferentes mídias e linguagens participam e contribuem para a construção

do mundo da narrativa transmídia. São narrativas complexas e polissêmicas que contam com

diversos Elementos das textualidades midiáticas para a criação de um mundo ficcional.

A narrativa transmídia, segundo Jenkins (2007), representa um processo em que ele-

mentos da ficção, ou mundos ficcionais – geralmente complexos que podem sustentar múlti-

plos personagens inter-relacionados e suas histórias –, são dispersos em múltiplos canais de

24

distribuição com o propósito de criar uma experiência única e coordenada, permitindo expan-

dir o mercado potencial de uma marca, por exemplo, criando diferentes pontos de entrada

para diferentes segmentos de público. Através do Porta dos Fundos, podemos ver a constru-

ção desses “mundos” através de elementos ficcionais fornecidos pelos vídeos, mas correlacio-

nados e misturados a elementos reais. Isso ocorre, talvez, pela escolha do canal em trabalhar

temas muitos próximos ao cotidiano ou de grande relevância social. Por meio da sátira, ques-

tão que será discutida no próximo capítulo, a construção transmidiática promovida pelo Porta

acontece, em muitos casos, de modo não harmônico, formando uma narrativa não-linear, con-

troversa, de embates, ou seja, o que chamamos de debates transmidiáticos.

A narrativa transmídia, ainda segundo Jenkins (2007), simplesmente não dispersa in-

formação, ela fornece aos participantes acesso à expertise de outros ao trabalharem juntos e a

possibilidade, através de um conjunto de papéis e objetivos a serem alcançados, de encenar

aspectos da história proposta em meio à sua vida cotidiana – engajamento do objeto com o

público –, sendo, também, incentivados a preencher lacunas da história elaborando narrativas

próprias – fan fictions. Na narrativa transmídia, as partes que formam o todo são dadas através

de diferentes mídias. Segundo Jenkins (2011), a transmidialidade configura-se como uma ló-

gica para pensar sobre o fluxo de conteúdo através das mídias e sobre a convergência como

prática social.

A estrutura da narrativa transmídia, segundo Scolari (2009), constitui um complexo

dispositivo semiótico gerando múltiplos consumidores transmidiáticos que se relacionam com

a narrativa em diferentes níveis. Pensando em famosas narrativas transmídia da atualidade

como Harry Poter, Jogos Vorazes, Matrix e Star Wars, percebemos as diferentes camadas de

consumo que vão dos que apenas assistem aos filmes aos que participam de comunidades

sobre as narrativas e criam seus próprios universos baseados nas mesmas. Scolari (2009), fala

que esse processo se assemelha às camadas das bonecas russas (matryoshka) que, à medida

que se aprofunda, descobre-se algo novo, sendo útil para criar diferentes pontos de entrada ao

universo da narrativa baseado nas capacidades de cada consumidor. “A complexa estrutura

textual facilita a criação de um amplo espectro de segmentos de audiência” (SCOLARI, 2009,

p 15).

O papel ativo do consumidor em contato com a narrativa transmídia são fundamentais

para o fortalecimento do universo simbólico dotado de significados construídos pela narrativa.

Segundo Figueiredo (2015), a transmídia se apoia em uma tríade: a convergência dos meios

de comunicação por meio dos fluxos de conteúdo e cooperação entre diferentes plataformas e

o comportamento migratório de seus consumidores; a cultura participativa que conta com um

25

consumidor agente que pode até mesmo criar seu próprio conteúdo midiático; e a inteligência

coletiva, conforme mencionada anteriormente nesta pesquisa, que conta com a constituição de

comunidades de compartilhamento e união de informações.

Segundo Jenkins (2007)12, uma narrativa transmídia tem como elementos constituintes

o uso de múltiplos canais com o propósito de criar uma experiência única e coordenada de

entretenimento, mundos ficcionais complexos que podem sustentar múltiplos personagens

inter-relacionados e suas histórias, e a formação de uma inteligência coletiva em que os parti-

cipantes acumulam informações e trocam expertises. Ainda segundo o autor, a narrativa

transmídia reflete a consolidação da economia das mídias ou o que a indústria midiática cha-

ma de sinergia. Companhias de mídia modernas são horizontalmente integradas. Um conglo-

merado de mídia é incentivado a espalhar a sua marca ou expandir as suas franquias através

de quantas plataformas midiáticas for possível possibilitando expandir o mercado potencial de

uma propriedade (empresa, conteúdo, marca) criando diferentes pontos de entrada para dife-

rentes segmentos de público.

As narrativas transmidiáticas representam o tipo de “ativadores culturais” que, segun-

do Jenkins, Green e Ford (2014), dão ao público o que fazer, ou seja, em uma cultura da con-

vergência e da conectividade em que temos consumidores engajados e cocriadores, os conteú-

dos promocionais e os conteúdos criados pelos fãs sobre uma determinada narrativa – fan

fictions – passam a ser propagados em círculos mais amplos favorecendo a troca de interpre-

tações. Os autores falam que o conteúdo transmídia age como “pistas” que elucidam enigmas

essenciais em que os fãs podem reunir para revelar um padrão mais complexo ou como inqué-

ritos que suscitam debate entre esses fãs. “O modelo de engajamento sugere que ter alguma

coisa para fazer também dá aos fãs algo sobre o que falar e os incentiva a propagar conteúdo

para outros membros potenciais do público” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 175).

Não há uma fórmula transmídia. Transmídia se refere a uma gama de decisões sobre

a melhor abordagem para contar uma história em particular para uma audiência em

particular em um contexto em particular, dependendo de recursos específicos e

produtores específicos (JENKINS, 201113).

Mas o debate transmidiático que estamos propondo nesta pesquisa não surge de uma

planejada ação comercial que une as mídias de forma harmoniosa, mas sim de uma possível

12 JENKINS, Henry (2007). 13 “There is no transmedia formula. Transmedia refers to a set of choices made about the best approach to tell a

particular story to a particular audience in a particular context depending on the particular resources available

to particular producers”. JENKINS, Henry (2011).

26

ação estratégica que se utiliza de um tema social polêmico para criar histórias, que se desen-

volvem nas diversas mídias – nesta pesquisa serão abordadas apenas as mídias on-line, mas se

desenvolvem também em mídias off-line. Esse mundo, que transita entre ficção e realidade,

vai sendo formado por histórias que se contrapõem e apresentam a construção de significados

diferentes através de contextos diferentes. O canal Porta dos Fundos, por exemplo, pode ser

caracterizado como transmídia pelos diversos produtos que dispõem como livros, filmes, pá-

ginas em redes sociais, mas as reverberações, conversações e apropriações dos seus vídeos,

principalmente os mais polêmicos, que circulam nas diversas mídias da internet por exemplo,

vão gerar tanto apoiadores quanto opositores cada qual contribuindo do seu modo para a cons-

trução de um universo – característico Porta dos Fundos – polêmico e de um debate transmi-

diático. Sendo assim, o mundo do debate transmidiático não é harmonioso, mas sim comple-

xo, contraditório e polarizado, embora possamos inferir que, no caso do canal, ele também

possa ser ativado estrategicamente.

No entanto, o debate é fundado na mediação (conceito que veremos nos próximos

segmentos), que engendra um processo transformativo e às vezes abusivo, na apropriação dos

significados colocados em circulação. Para entender como essas narrativas transmídia circu-

lam entre os consumidores, e os significados que produzem no contato com os diferentes ato-

res, faz-se necessário compreender o papel da mídia no processo de mediação.

2.3 Mediação e Circulação de Significados

A cultura participativa trata uma variedade de grupos que funcionam na produção e

distribuição de mídia para atender a interesses coletivos e, segundo Jenkins, Green e Ford

(2014), faz com que os públicos ajustem ativamente os fluxos de mídia. Os autores falam que

a cultura da conexão parte de um modelo híbrido emergente de circulação em que um mix de

forças, de cima para baixo e de baixo para cima, determina como um material é compartilhado

de uma maneira mais participativa e desorganizada e que remodela, a partir das decisões do

que é ou não passado adiante o próprio cenário da mídia.

A mudança de distribuição para circulação, segundo Jenkins, Green e Ford (2014), si-

naliza o fortalecimento da cultura participativa, da convergência e conectividade em que o

público não é visto mais como um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas

como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos

de mídia, de maneiras nunca antes imaginadas, como integrantes de comunidades amplas e de

redes que permitem propagar conteúdos muito além das suas vizinhanças geográficas. Hall

27

(2003) fala que o processo comunicativo se articula de modo a formar um circuito em que a

audiência, ou a sociedade, é ao mesmo tempo fonte e receptor de uma mensagem. A circula-

ção de significados que envolve os produtores e consumidores de mídia em uma atividade

mais ou menos contínua de engajamento e desengajamento de significados que Silverstone

(2002) chama de mediação.

A mediação implica o movimento de significado de um texto para o outro, de um

discurso para o outro, de um evento para o outro. Implica a constante transformação

de significados, em grande e pequena escala, importante e desimportante, à medida

que textos da mídia e textos sobre a mídia circulam em forma escrita, oral e

audiovisual, e à medida que nós, individual e coletivamente, direta ou indiretamente,

colaboramos para a sua produção (SILVERSTONE, 2002, p33).

Em função desse movimento de significados, Silverstone (2002) fala que a mediação

se assemelha à tradução por nunca ser completa, ser sempre transformativa e nunca, talvez,

completamente satisfatória. O tradutor busca o que é valioso no texto, apropria-se desse signi-

ficado e transmite o que é entendido, fazendo, talvez, acréscimos neste processo. Sendo as-

sim, nenhuma tradução é perfeita, assim como a mediação. A mediação, segundo Silverstone

(2002) é mais e menos que a tradução. Mais por romper os limites do textual e oferecer des-

crições da realidade e menos pelo fato de o mediador não estar ligado diretamente ao seu ob-

jeto assim como o tradutor se liga ao texto. A tradução é um ato de amor e fidelidade entre

tradutor e texto, a mediação, entretanto, pode ser desrespeitosa e abusiva. Portanto, compre-

ender o processo de tradução, investigar as suas instabilidades, o seu fluxo de significados,

suas transformações e suas políticas de fixação, fornece o modelo para entender a mediação

(SILVERSTONE, 2002).

Silverstone (2002) considera que a mídia deve ser pensada como um processo de me-

diação que possui suas próprias lógicas e imposições. Para o autor, a mídia está envolvida na

circulação de símbolos na sociedade.

A mediação é dialética, pois, enquanto é perfeitamente possível considerar os meios

de comunicação de massa como definidores e até determinantes de significados

sociais, tal prerrogativa faz perder a noção de engajamento contínuo, e muitas vezes

criativo, que ouvintes e telespectadores têm com os produtos dos meios de

comunicação de massa14 (SILVERSTONE, 2002, p. 762).

14 Mediation is dialectical because while it is perfectly possible to privilege those mass media as defining and

perhaps even determining social meanings, such privileging would miss the continuous and often creative en-

gagement that listeners and viewers have with the products of mass communication. SILVERSTONE, 2002,

p.762.

28

O que chamamos de debate transmidiático constitui-se a partir dessa mediação social

que implica no engajamento contínuo de usuários e outros produtores midiáticos a partir dos

vídeos do Porta dos Fundos. Cada um dos consumidores do Porta recebem os vídeos produzi-

dos de forma a interagirem ou não com eles, dependendo do contexto social em que está inse-

rido, decodificando e recodificando a mensagem à sua maneira, dando um significado próprio

a ela que poderá ser repassado por esse usuário.

Essa circulação de significados foi materializada pela ação da mídia e em especial por

plataformas como as redes sociais, energizando um novo cenário comunicacional, social e

cultural em que, segundo Maigret (2010), compreender não só a linguagem, mas a sua relação

com seus usuários, os discursos e os contextos a que pertencem torna-se fundamental. Os pro-

cessos midiáticos vão tendo seu funcionamento e sua lógica cada vez mais desvendados e

integrados à sociedade, seus atores humanos, suas subjetividades, identidades e relações soci-

ais. O entendimento da linguagem em termos de códigos, signos e sua co-construção indivi-

dual e socialmente num processo comunicacional não linear ganha visibilidade e legitimação.

Uma mensagem, segundo Hall (2003), para ter um efeito ou ser apropriada como um

discurso significativo, deve ser, primeiramente, decodificada e vai verter-se em práticas soci-

ais ordenadas por essa decodificação. No vídeo “Oh Meu Deus” do Canal Porta dos Fundos

que cito no início dessa pesquisa, por exemplo, o pastor Marco Feliciano e seus seguidores

entenderam a mensagem como uma ofensa a Deus e aos religiosos em geral, enquanto outras

pessoas, até mesmo religiosas, entenderam como uma brincadeira. “Esse conjunto de signifi-

cados decodificados que “tem efeito”, influencia, entretém, instrui ou persuade, com conse-

quências perceptivas, cognitivas, emocionais, ideológicas ou comportamentais, muito com-

plexas” (HALL, 2003, p. 390).

A emissão e recepção de mensagens passam a ser vistas como intrínsecas. Braga

(2012), apropriando-se de um conceito usado por Fausto Neto (2010), considera que a percep-

ção de que os receptores são ativos faz com que a circulação passe a ser vista como o espaço

do reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação. Nos vídeos do Porta dos Fun-

dos que serão analisados, por exemplo, os temas ironizados e satirizados, muitas vezes, não

recebem a leitura caricatural e humorística que o canal prega. São vistos por algumas pessoas

ou grupos como um desrespeito e um menosprezo a um determinado grupo social – referido

geralmente pelos vídeos – gerando reverberações e polêmicas acerca do tema tratado.

As interações sociais, segundo Braga (2006), vão se tornando cada vez mais diferidas

e difusas deslocando, muitas vezes, os processos tecnológicos para fora da ação prevista e

funcionando como um processo gerador de tecnologia, não só um processo decorrente da tec-

29

nologia. Assim, a demanda por novos processos, técnicas e mecanismos vai se adequando e

gerando a crescente “tecnologização” da sociedade em um sistema cíclico e autopoiético.

Braga (2006) denomina essa lógica social flexível de informações como “Sistema de Respos-

ta Social” em que os sentidos midiaticamente produzidos chegam à sociedade e passam a

circular nesta, entre pessoas, grupos e instituições, impregnando e parcialmente direcionando

a cultura. “Nesse tipo de circulação que nos interessa é que vamos encontrar o que a socieda-

de faz com sua mídia: é, portanto, uma resposta” (BRAGA, 2006, p 29).

Podemos observar aí os desenvolvimentos sobre a relação produção/recepção. A

partir dessas percepções sucessivas no entendimento de “circulação”, mais um passo

deve ser proposto: indo além das relações diretas entre produtor e receptor, importa

o fato de que este último faz seguir adiante as reações ao que recebe. Isso decorre

não apenas da presença de novos meios, mas também de que os produtos circulantes

da “mídia de massa” são retomados em outros ambientes, que ultrapassam a situação

de recepção (o espectador diante da tela) (BRAGA, 2012, p. 39).

Sendo assim, a sociedade se organiza para tratar a própria mídia desenvolvendo, se-

gundo Braga (2006), “dispositivos sociais com diferentes graus de institucionalização que dão

consistência, perfil e continuidade a determinados modos de tratamento, fazendo-os circular

no contexto social15”. O autor reforça essa noção com o conceito de mediação de Jesús Mar-

tin-Barbero (2006), “segundo o qual o espectador traz para a interação com a mídia suas vi-

vências e bases culturais socialmente elaboradas”16. Maria Immacolata Lopes (2014), também

retomando o conceito de Barbero (2006), afirma “que a mediação pode ser pensada como uma

espécie de estrutura incrustada nas práticas sociais e na vida cotidiana das pessoas que, ao

realizar-se através dessas práticas, traduz-se em múltiplas mediações” (LOPES, 2014, p 68).

O fluxo comunicacional adquire uma característica de continuidade, se deslocando do

modelo conversacional (ida e volta). Segundo Braga (2012), nessas circunstâncias, não é tão

simples distinguir “pontos iniciais” e “pontos de chegada”, produção e recepção como instân-

cias separadas, assim como deixar de considerar contextos significativos, as lógicas interacio-

nais e os papéis dos participantes no processo comunicativo. “A própria interação com o pro-

duto – midiático – circula, faz rever, gera processos interpretativos” (BRAGA, 2006, p 36) –

como veremos com o Porta dos Fundos, reverberações e vídeos que alimentam o campo po-

lêmico.

Podemos, então, considerar que todos somos mediadores e os significados que criamos

são, eles próprios, nômades e poderosos, já que transpõem fronteiras (midiáticas) tão logo

15 BRAGA, 2006, p. 36. 16 BRAGA, 2006, p. 36.

30

programas são transmitidos, websites construídos ou e-mails enviados até que as palavras e

imagens geradas ou simuladas desapareçam da visão (SILVERSTONE, 2002). Jenkins (2009)

recorre, mais uma vez, aos pensamentos de Pierre Levy para falar que houve uma dissolução

da distinção entre autores e leitores, produtores e espectadores, criadores e intérpretes, for-

mando uma espécie de “circuito” de expressão em que os participantes trabalham juntos no

desenvolvimento do conteúdo.

Esse “circuito” é viabilizado e fortalecido pela dinâmica da cultura da convergência e

da conectividade que, segundo Jenkins Green e Ford (2014), em sua lógica social e práticas

culturais, explica porque compartilhar se tornou uma atividade tão comum, e não apenas co-

mo isso se deu. Essa lógica de circuito foi absorvida e estrategicamente aderida às mídias.

“(...) se algo não se propaga, está morto” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).

Aos recursos técnicos que tornam mais fácil a circulação de algum tipo de conteúdo

em comparação a outro, às estruturas econômicas que sustentam ou restringem a circulação,

aos atributos de um texto de mídia que podem despertar a motivação de uma comunidade em

compartilhar material e às redes sociais que ligam as pessoas por meio de trocas, Jenkins,

Green e Ford (2014) nomearam de “propagabilidade”. Os autores falam que algo propagável é

algo em torno do qual se pode criar uma conversa, como uma postagem no Wikipédia, um

vídeo no YouTube, uma foto numa rede social, etc. “A mentalidade propagável enfoca a cria-

ção de textos que vários públicos possam espalhar por diferentes motivos, convidando as pes-

soas a moldar o contexto do material conforme o compartilham no âmbito de suas redes soci-

ais” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 29).

As práticas conversacionais não são vazias e, segundo Recuero (2014), as trocas que

constroem valores como intimidade, confiança e proximidade entre os atores, têm um impor-

tante papel na sedimentação da estrutura social e vão caracterizar a presença de laços sociais

mais fortes ou fracos que, por sua vez, são determinados pelos valores que eles contêm. Recu-

ero (2014) traz os conceitos de Wellman (2001) para falar dos valores que são construídos e

circulam em uma rede social:

Ora, em uma dada sociedade ou grupo social, são as trocas conversacionais que

constroem os elementos da estrutura social, os valores coletivamente compartilhados

e mesmo as características normativas desses grupos. Assim, a conversação é

construída das interações entre os atores e é capaz de construir também um valor

social, denominado capital social (RECUERO, 2014, p.135).

O capital social é pensado como constituído de recursos coletivamente construídos re-

lacionados ao pertencimento da rede e que podem ser individualmente apropriados, o que

31

torna fazer parte da rede social relevante para um determinado ator que vai ter acesso a recur-

sos construídos pelo grupo. Esses recursos são construídos através de laços sociais e de práti-

cas conversacionais fazendo do capital social um valor coletivo que os atores podem se apro-

priar a transformar (RECUERO, 2014).

Valores como popularidade e fama podem ser construídos através de recursos de capi-

tal social. A internet, as redes sociais on-line sociais trouxeram uma oportunidade de visibili-

dade para a população “ordinária”17 devido às suas características marcantes de instantaneida-

de e fragmentação na circulação de informações e esse potencial de mobilização de capital

social. Turner (2010) chama esse “fenômeno” de Virada Demótica, “que se refere às pessoas

comuns, ordinárias, do povo, que passaram a protagonizar narrativas na cultura midiática glo-

bal numa relação em que os comuns parecem ser reproduzidos segundo o autor, de forma

mais direta” (SERELLE, 2014, p. 50).

Talvez pela facilidade em se criar e manter uma rede social no ciberespaço comparado

a redes sociais off-line – tendo a transposição de fronteiras como fator-chave – há, segundo

Recuero (2014), um custo menor na geração de capital social, o que pode ter sido fundamental

para a Virada Demótica de Turner (2010). Sendo assim, a conversação em rede gera visibili-

dade, reputação e popularidade – quanto mais um vídeo do Porta dos Fundos é citado, quanto

mais referências e pessoas que falam sobre ele, maior a sua visibilidade.

A visibilidade, segundo Recuero (2014), está relacionada com a presença ou a narrati-

va da presença que, em rede, vai reordenar os modos de conversar. Para participar da conver-

sação, o ator não só precisa ser visível, mas também é preciso que a conversação seja visível –

relação público/privado que será explorada nas próximas páginas desta pesquisa – permitindo

a diferentes grupos participar da conversa.

A visibilidade do comum é algo sedutor, na medida em que constitui um valor

específico da nossa era, uma forma de capitalizar um dos grandes valores da

contemporaneidade, a atenção (Lahan, 2006), mas também tem um custo que está

sobre a publicização do privado. Há uma relação de investimento e custo, que agrega

ou não capital social aos sujeitos da visibilidade (RECUERO, 2014, p. 152).

O capital social emerge como necessário para o acontecimento da conversação, confi-

gurando-se como objeto de negociação de grupos e indivíduos. A circulação e o espalhamento

das trocas entre atores trazem novos valores aos participantes capazes de conectar redes hete-

17 Termo usado por Turner (2010) para diferenciar os detentores de poder simbólico, os “media people” das

pessoas comuns, “ordinary people”.

32

rogêneas ou indivíduos de diversos backgrounds culturais e sociais, proporcionando acesso a

ideias, pontos de vista e opiniões diferentes (RECUERO, 2014).

As mídias sociais têm um papel crucial para a circulação e propagação de materiais,

principalmente nas plataformas on-line. Segundo Jenkins, Green e Ford (2014), a propagabi-

lidade reconhece a importância das conexões sociais entre os indivíduos – cada vez mais am-

plificadas e visíveis pelas redes sociais – e dos formatos de fácil compartilhamento, por

exemplo, os códigos embedded do YouTube, que facilitam difundir vídeos pela internet, enco-

rajando pontos de acesso ao conteúdo numa variedade de lugares. O vídeo “Pra mim chega”

do canal de humor Porta dos Fundos foi o segundo vídeo mais assistido do YouTube no Bra-

sil, em 2014 com mais de 13 milhões de visualizações18, sem contar o compartilhamento e

inserções em outras plataformas. O canal é o mais popular com mais de 10 milhões de assi-

nantes e mais de 2 bilhões de visualizações no total19. “O YouTube é um espaço em que o

sucesso frequentemente incentiva a repetição” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 33).

Os sites de redes sociais eram estruturados, segundo Recuero, Bastos e Zago (2015),

com foco nos perfis dos usuários – as pessoas que utilizavam as redes e como se descreviam,

seus hobbies, dentre outros aspectos: foco em quem fala e no que fala, não como essa pessoa

interage com o mundo –, mas, atualmente, esse foco recai sobre os fluxos de conteúdo ou na

mídia, o que faz com que sites de redes sociais sejam, principalmente, uma plataforma de co-

municação com destaque para o compartilhamento de conteúdo geralmente consumido atra-

vés de streaming20 (ELLISON; BOYD, 2013). Recuero, Bastos e Zago (2015) recorrem às

ideias das autoras para marcar a diferença entre os sites de rede social e as mídias tradicionais

(rádio, TV), sendo que, na rede, o que o usuário experiência e o que é exposto varia para cada

usuário conforme a rede é construída e os conteúdos compartilhados. De acordo com o que o

usuário consome, as pessoas a que ele se conecta, os perfis que visita, as postagens que curte,

os sites de redes sociais direcionam publicações, através do uso de um algoritmo que entende

as preferências desse usuário – o Facebook, o YouTube e o Twitter funcionam assim, por

exemplo. Quanto mais pessoas consomem um determinado conteúdo, maior visibilidade ele

terá na rede.

Assim, o que é visto por cada usuário é, de certo modo, determinado pelas ações de

centenas de milhares de nós da rede que viram / reproduziram ou não reproduziram

18 TecMundo (2014). 19 Porta dos Fundos (2016b). 20 Pode-se entender stream ou streaming como uma transmissão de conteúdo, um compartilhamento de conteúdo

que, através de um algoritmo da rede social, faz com que conteúdos mais pertinentes aos seus gostos ou interes-

ses fiquem mais visíveis para o usuário.

33

essas informações antes dele. É esse complexo ecossistema (...) que constitui a

chamada “mídia social” (RECUERO, BASTOS, ZAGO, 2015, p. 28).

As conexões sociais construídas nos sites de rede social, o espaço construído pelas

tecnologias e o coletivo que emerge da apropriação desse espaço podem ser definidos como

públicos estruturados em rede. Dentre as características dessas públicos, Recuero, Bastos e

Zago, (2015) destacam: 1- a permanência das interações, ou seja, o fato de que as interações

tentem a ficar inscritas na rede e ali permanecerem; 2 – a “buscabilidade” de interações que

são recuperáveis; 3 – a replicabilidade dessas interações; 4 – o potencial de alcance e multi-

plicação desses registros21.

A ação dos atores em propagar, replicar, dar visibilidade para determinada

informação e não outra é que faz com que a mídia social emerja. É a reprodução e a

contestação de discursos, o conflito das conversações e a sua ampliação que vão dar

a essas ferramentas a característica de mídia (RECUERO; BASTOS; ZAGO; 2015,

p. 32).

O modelo de engajamento que tem pessoas ativas como produtoras, receptoras, cocri-

adoras e propagadoras de conteúdo sugere, segundo Jenkins, Green e Ford (2014), que ter

algo sobre o que falar os incentiva a propagar conteúdo e os diversos usos de cada um dos

propagadores, pode acontecer em diversas e diferentes plataformas como pistas que elucidam

enigmas essenciais ou peças de um quebra-cabeça que comunidades podem reunir para reve-

lar um padrão mais complexo de ativadores culturais.

2.3.1 Conversações em Rede

A comunicação inerente à cultura da convergência e conectividade que compartilha-

mos socialmente, na atualidade, conta com diversos recursos – redes sociais, blogs, narrativas

transmídia e multimídia, etc. – que propiciam práticas conversacionais demarcadas pela troca

entre os atores sociais. Segundo Recuero (2014), a conversação é a porta através da qual inte-

rações sociais acontecem, e relações e lações sociais se estabelecem.

As conversações mediadas por computador têm, segundo Recuero (2014), característi-

cas e limitações específicas que serão apropriadas, subvertidas e amplificadas pela conversa-

ção. São processos organizados que necessitam que os participantes compreendam e legiti-

mem os enunciados uns dos outros, alternando-se na fala, negociando o contexto no processo

e estabelecendo rituais culturais. “Há rituais para a troca de falantes, para a linguagem e o

21 RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015, p. 31

34

formato da fala, e todos dependem do contexto onde a conversação está inserida” (RECUE-

RO, 2014, p.31).

Suas interações operam sobre bases de linguagem predominantemente textual, mas

com características da linguagem oral. Recuero (2014) fala de uma linguagem “escrita orali-

zada” por contar com elementos essenciais para a “tradução” da mensagem – elementos que

dão dimensão prosódica à fala como gestos e expressões – e que completam o entendimento

da mesma como imagens, sons e recursos visuais – emoticons – além de contar com verbos

típicos da conversação oral como “falei”, “disse” e “ouvi” ao invés de “digitei” ou “escrevi”.

Dessa forma, representar sentimentos ou uma figura de estilo como o sarcasmo, por exemplo,

que na fala oral pode ser entendido por uma mudança no tom de voz, expressão facial ou ges-

tos corporais.

(...) Há evidências cada vez maiores de que a conversação no ciberespaço possui

elementos típicos da conversação oral e que, portanto, é e deve ser compreendida

como conversação e não como simulação ou metáforas. (...) Observamos, deste

modo, que essa similaridade – escrita oralizada – vem, em parte, da incorporação

dessas ferramentas ao cotidiano das pessoas, construída pela ressignificação de suas

potencialidades diante dos interesses e motivações de grupos sociais (RECUERO,

2014, p.32, 33).

Para a conversação no ciberespaço, foram desenvolvidas características conversacio-

nais únicas, capazes de suplantar os limites técnicos e atingir a dimensão simbólica e as cons-

truções de sentido objetivadas. Segundo Recuero (2014), é uma conversação em rede, múlti-

pla, espalhada, com a participação de muitos, e que permanece gerando novas apropriações –

técnicas e simbólicas – migrando entre as diversas ferramentas.

A conversação, com os adventos das novas tecnologias e das redes sociais, estabele-

ceu-se em estruturas e padrões que criaram novos e poderosos impactos e comportamentos,

espalhando-se pelas conexões estabelecidas nas ferramentas on-line, sendo amplificadas, es-

palhadas, migradas por grupos e sistemas diferentes. Isso, segundo Recuero (2014), é a con-

versação em rede e constitui-se em conversações coletivas, públicas e permanentes – possibi-

lita recuperação do conteúdo ou boa parte dele. São mais complexas por serem divididas por

dezenas, centenas ou milhares de indivíduos, principalmente nas redes sociais. “São, funda-

mentalmente, conversações amplificadas, emergentes e complexas, nascidas da interconexão

entre os atores” (RECUERO, 2014, p. 122).

O objeto tratado nesta pesquisa, bem como a fomentação conceitual do debate trans-

midiático proposto, abrangem a conversação em rede, fazendo-se necessário o entendimento

sobre a sua estruturação e funcionamento, mas não se esgotam nela. Ambos são mais comple-

35

xos envolvendo não só a conversação e o debate dos consumidores dos vídeos acerca dos

mesmos, mas também informações e intervenções oficiais da própria mídia através de notí-

cias, entrevistas e notas de jornais on-line.

Segundo Recuero (2014), as conversações em rede se diferenciam das demais conver-

sações por se constituírem dentro das redes sociais on-line e serem capazes de “navegar” pe-

las conexões e espalharem-se por outros grupos sociais e por outros espaços, recebendo inter-

ferência de atores que nem sequer estavam conectados aos participantes iniciais do diálogo.

São conversações públicas que migram dentro das diversas redes e que, deste modo,

interferem nas redes sociais que utilizam as ferramentas. Assim, uma conversação

em rede nasce de conversações entre pequenos grupos que vão sendo amplificadas

pelas conexões dos atores, adquirindo novos contornos e, por vezes, novos contextos

(RECUERO, 2014, p. 123).

Os vídeos do Canal Porta dos Fundos que serão analisados nessa pesquisa, em função

da sua temática polêmica, forneceram elementos que suscitaram uma conversação em rede

sendo que muitas das pessoas que comentaram sobre a existência dos vídeos não possuíam

relação com o Canal ou uma com as outras. A migração das conversas através das redes soci-

ais passa por diversos grupos que, segundo Recuero (2014), acabam por introduzir indivíduos

que não se conheciam e que não estavam diretamente conectados, mas que podem decidir

fazê-lo.

Um bom exemplo é acompanhar uma conversação a respeito de um evento no

Twitter. Através do uso de hashtag, que provê o contexto, é possível acompanhar

centenas de pessoas falando umas com as outras, em uma conversação que parece

caótica e complexa. A conversação em rede, assim, é passível de ser contextualizada

e recuperada e, por isso, consegue espalhar-se e amplificar-se dentro das redes

sociais (RECUERO, 2014, p. 126).

A conversação em rede, segundo Recuero (2014), possui o efeito de publicizar as rela-

ções entre os atores, fortalecendo o contexto social para interpretação dos grupos e das rela-

ções dos mesmos, também de observar os contextos e os sentidos construídos pelas conexões

e atores nas redes sociais que, pelo caráter público das conversações, podem ser diferentemen-

te criados pelos grupos envolvidos. “Como não há, em princípio, fronteiras, essa conversação

tem o potencial de extrapolar vários grupos” (RECUERO, 2014, p. 126).

O contexto configura-se como um elemento altamente complexo e de extrema impor-

tância para a compreensão das conversações e suas apropriações. Segundo Recuero (2014),

são os contextos que precisam ser negociados, construídos, reconstruídos e reinscritos na me-

diação, contendo, portanto, a chave da conversação, pois dá o espaço, as regras e os elementos

36

que serão utilizados pelos atores para trocar informações e proporciona, finalmente, o surgi-

mento da conversação em rede. “Sua construção coletiva, negociada e apropriada pelos atores

no ciberespaço é o que proporciona a emergência dessas conversações” (RECUERO, 2014, p.

120).

No caso das conversações em redes sociais, por exemplo, o contexto pode ser dado

através de links que formam uma unidade entre diversas reverberações. Na maioria das vezes

que um vídeo do Porta dos Fundos é citado, há junto o link para acesso daquele mesmo vídeo.

Isso acontece quando falam a favor ou contra, ambas buscando lugar e aceitação para as suas

colocações. Fato é que, a favor ou contra, as duas formas de conversação induzem o consumo

do vídeo e, por conseguinte, da marca do Canal. Os autores vão conectar textos, imagens,

áudios, comentários e outros elementos comunicativos de modo a referenciar os elementos

contextuais que são relevantes para a interação, formando práticas conversacionais, intertex-

tuais e coletivas de criação de contextos que favorecem a emergência da conversação (RE-

CUERO, 2014).

O contexto representa, talvez, o maior problema para a conversação em rede.

Justamente porque as redes sociais são multimodais, negociadas e construídas como

espaços conversacionais apropriados pelos grupos, definir e negociar o contexto é

uma necessidade para a conversação em rede (RECUERO, 2014, p. 146).

Ainda segunda a autora, a mediação implica uma compreensão apenas parcial do inter-

locutor com quem se fala, trazendo uma percepção de audiência que, com a interconexão das

redes sociais on-line, ficam mais amplas, ocasionando problemas de contextos diferentes.

Talvez os contextos diferentes, quando se unem para conversar sobre um mesmo elemento,

usando as diversas plataformas proporcionadas pelo ciberespaço, sejam o gatilho para a for-

mação do debate transmidiático.

Os diferentes contextos têm se encontrado nas diferentes plataformas das redes sociais

on-line. Conversas que eram tratadas, antes, de forma restrita, hoje estão expostas na rede e

vulneráveis à participação de diferentes atores. Segundo Recuero (2014), as fronteiras entre o

público e o privado no ambiente mediado por computador são permeáveis e móveis, fazendo,

muitas vezes, a conversação transitar entre os dois modos – uma conversa pode começar no

comentário de alguma postagem que todos têm acesso e terminar, por exemplo, no “Inbox” do

Facebook que é um ambiente reservado e que se controla quem participa –, tornando-se um

desafio para a compreensão da mesma e para a percepção do seu impacto na rede e nos grupos

37

sociais. Muitas vezes, como nem todos os envolvidos têm acesso a todas as partes de uma

conversa, o contexto fica perdido.

A permanência das interações na “memória” das redes sociais on-line também influ-

encia no desenvolvimento de uma conversação mesmo com a ausência dos demais participan-

tes. A interação de audiências desconectadas – participam da conversa de tempos em tempos

em função da sua disponibilidade para ficar on-line – resulta na perda de parte do contexto e

nem sempre os atores conseguem delimitar o que está sendo dito e em qual circunstância

(RECUERO, 2014).

Com o crescimento das ferramentas, o aparecimento de indivíduos com quem

normalmente as pessoas não estariam conectadas em ambientes mais sociais passa a

constituir um problema no sentido de forçar os atores a negociar suas falas dentro de

contextos e audiências diferentes (RECUERO, 2014, p. 147).

Os clusters22 que estruturam as redes sociais vão se aderindo e adicionando atores a

cada momento tornando difícil a tarefa de negociar os contextos, já que nem todos os atores

participantes da conversação se conhecem. Algo sarcástico, como exemplifica Recuero

(2014), pode ser compreendido literalmente, causando desentendimento, suscitando debates e,

muitas vezes, lados polarizados que vão apoiar ou divergir determinada fala.

Os vídeos do Porta dos fundos ativam essa colisão de contextos. Como são publicados

em redes públicas (lançados no YouTube e circulando em diversas plataformas de rede soci-

al), nem sempre somente pessoas que estão ligadas ao contexto de brincadeira e crítica social

consomem esses vídeos, o que gera desentendimentos e mal-estar dos consumidores com o

canal e entre eles os próprios – consumidores dos vídeos. Os diferentes backgrounds dos di-

versos usuários envolvidos entram em negociação com o contexto proposto pelo canal. Os

lados polarizados formados por essas negociações, juntamente com o material fornecido por

blogs e jornais on-line que ajudam na fomentação da reverberação dos vídeos, constituem a

estrutura social que irá compor o debate transmidiático proposto por essa pesquisa.

A multimodalidade e a migração entre os sites de redes sociais também podem causar

interações desarmoniosas e oferecer dificuldades na estruturação do contexto para as conver-

sações. As conversações em rede, segundo Recuero (2014), geralmente ocorrem em diversas

plataformas, de maneira, muitas vezes, simultânea entre os vários atores. “Isso, porque as re-

des sociais também são multimodais e são representadas em várias plataformas que, apesar de

22 Termo usado por Porter (1999) em administração para falar de “um agrupamento geograficamente concentra-

do de empresas inter-relacionadas e instituições correlatas numa determinada área vinculada por elementos co-

muns e complementares” (Porter, 1999, p. 211). Na internet, esse agrupamento não é geográfico e não só de

empresas, mas sim por endereços online e de pessoas físicas, corporativas, ordinárias ou celebridades.

38

independentes, refletem uma estrutura social que perpassa todos esses espaços” (RECUERO,

2014, p. 156).

Essas construções apresentam alguns indícios de que cada ferramenta é apropriada

de forma compartimentada, apresentando um espaço de fala com determinada parte

da rede social. Grupos diferentes podem usar ferramentas diferentes para conversar

de forma diferente (RECUERO, 2014, p. 156).

As conversações em rede são coletivas e constituem contextos mais amplos que, ao

migrar entre as plataformas de redes sociais, podem criar microcontextos, diferentes apropria-

ções e novos espaços de informação que, segundo Recuero (2014), terminam por refletir e

influenciar em retorno as conversações, os atores e as redes. Muitas vezes as interações vão

influenciar a conversação e reformular o contexto que, sendo multimodal, pode acontecer de

forma simultânea causando divergência entre os atores ou incompatibilidade de ideias.

Se as conversações ocorrem em diferentes plataformas, elas desenvolvem fragmentos

diferentes que, em si, são uma unidade completa, mas participam de um todo que engloba as

diversas conversações nas diversas plataformas sobre um mesmo elemento. Cada fragmento

tem os seus atores, os seus contextos e os seguimentos da conversa, mas vão compor um uni-

verso que corresponde às diversas vertentes sobre um determinado elemento. Sendo assim,

podemos dizer que as conversações em rede possuem um caráter transmidiático em que as

diversas narrativas travadas em diferentes plataformas vão compor, juntamente com as insti-

tuições midiáticas (blogs, portais de notícias, jornais on-line) um “mundo” sobre determinado

elemento. E os conflitos gerados pelos diferentes microcontextos em conversações de diferen-

tes plataformas sobre um mesmo elemento, são pertencentes ao debate transmidiático.

39

3 YOUTUBE E PORTA DOS FUNDOS: O HUMOR COMO ESPAÇO POLÊMICO

NAS REDES SOCIAIS

As mudanças nos padrões de produção e consumo, os novos fluxos de circulação de

mensagens e as novas características dos produtos comunicacionais dão uma certa autonomia

para os usuários criarem e socializarem seus próprios conteúdos de forma desvinculada dos

grandes conglomerados midiáticos. O YouTube é palco para esse fenômeno e seus conteúdos

começam a ganhar um significado social mais amplo, interferindo e ajudando a compor os

novos modelos comunicacionais. A participação do usuário na construção da informação é

cada vez mais contundente e das mais variadas formas. Vlogs, tutoriais, campanhas, videocli-

pes e canais de humor formam a lista dos mais acessados do YouTube, sendo que a última

categoria citada – tanto de esquetes quanto de animações –, ocupa 3 entre os 5 canais mais

acessados da plataforma no Brasil.

O humor, desde a antiguidade, é usado como um artifício de forte apelo e aderência

para circulação de informações. Bergson (2007) diz que a potencialização da difusão do hu-

mor está no fato do cômico não poder ser desfrutado de forma isolada e por ser essencialmen-

te livre de rigidez. Dessa forma, a internet e, principalmente, as redes sociais e plataformas de

compartilhamento de conteúdo, onde notadamente destaca-se o YouTube, aparecem como

ambiente favorável à prática do humor. Primeiro porque, em princípio, o ambiente não é to-

lhido por classificações e censuras que vigoram em outras mídias, como TV e rádio, por

exemplo. Segundo pelo fato de as mídias sociais apresentarem um potencial essencialmente

relacional. Essas características são importantes para a conformação de programas/canais de

humor – como o canal do YouTube, Porta dos Fundos que nasceram na internet. Esses canais

demandam investigação, principalmente, quanto ao grau de compartilhamento, apropriação e

ressignificação, replicação e disseminação de textos humorísticos em formas de debate social.

Sendo assim, o capítulo que se segue tratará do YouTube e dos gêneros e recursos humorísti-

cos levantados pelo canal Porta dos Fundos, bem como a relação do humor com as novas mí-

dias.

Cada vez mais integrada às mídias tradicionais, a internet avança no desenvolvimento

de plataformas, programas e canais que permitam e favoreçam a interatividade e ampliem o

alcance dos textos midiáticos, assim como a transmidialidade desses textos. A emergência de

sites de compartilhamento como o YouTube, que agrega e disponibiliza materiais audiovisu-

ais, ou como o Wikipédia, que funciona como uma enciclopédia livre em que qualquer pessoa

pode inserir ou modificar os conteúdos postados, são exemplos da incorporação social e cultu-

40

ral da lógica de ressignificação e co-construção de sentidos. Assim também são as estratégias

de filmes que lançam seus trailers na internet, fazem jogos e aplicativos que complementam

e/ou despertam interesse sobre sua história.

Dadas as transformações sociais, culturais e aquelas referentes a aspectos tecnológicos

(mas que também possuem implicações culturais), como convergência e conectividade, a dis-

solução das barreiras entre emissor e receptor; o caráter transmidiático que a comunicação

tem assumido; a emergência de redes sociais on-line; e a maior intensidade com que as intera-

ções e debates têm ocorrido nas redes, conforme tratado no capítulo anterior, faz-se necessá-

rio, além das considerações sobre o humor, tratar neste capítulo de forma aprofundada sobre o

funcionamento do YouTube e suas implicações sociais e culturais, bem como sobre o canal

Porta dos Fundos.

3.1 YouTube: História e Tecnologia

YouTube é um site que agrega e disponibiliza materiais audiovisuais, mas, até o pre-

sente momento, não produz nenhum desses conteúdos. Foi concebido em 2005, segundo Van

Djick (2013), como uma plataforma de compartilhamento de vídeos pessoais amadores e co-

locou-se como uma alternativa à televisão. Nos anos seguintes, o YouTube foi amadurecendo

e alterando o seu negócio e, apesar de não apresentar uma tecnologia tão inovadora quanto foi

a da TV nos anos 1950, a velocidade de propagação e impulsionamento foi considerada sem

precedentes e prometia revolucionar a experiência de interação e engajamento do consumidor

com o conteúdo (VAN DJICK, 2013).

Figura 3: Homepage da plataforma YouTube

Fonte: YouTube (2016)

41

A criação do YouTube, segundo Burgess e Green (2009), se encaixa no mito dos em-

preendedores de garagem do Vale do Silício, no qual a inovação tecnológica brota de jovens

visionários trabalhando em cômodos das suas próprias casas. Com interface simples e didáti-

ca, era uma plataforma que não exigia conhecimentos técnicos muito avançados para sua uti-

lização. Fundamentalmente, os usuários podiam fazer upload de vídeos, assisti-los sem a ne-

cessidade de baixar o arquivo e também publicá-los em outros sites e redes sociais através de

URLS e códigos HTML gerados pelo próprio YouTube. Apesar de não ter inovado em bases

tecnológicas, a introdução do streaming content (conteúdo fluido), segundo Van Djick (2013),

causou um grande impacto no tradicional modelo de transmissão.

O conteúdo ser transmitido por streaming significa que o usuário não é o dono da in-

formação, mas que o YouTube garante o seu acesso a ela. Nesse caso, a plataforma funciona

como um depositório de arquivos (audiovisuais) que podem ser acessados no momento em

que o usuário desejar. Outras plataformas como o Netflix, por exemplo, funcionam dessa

mesma maneira que configura um novo sistema de distribuição de conteúdo. A diferença en-

tre eles, YouTube e Netflix, especificamente, é que o primeiro tem seu conteúdo gerado pelos

próprios usuários e pela indústria do entretenimento, e o segundo, apenas pela indústria do

entretenimento.

O sucesso chegou com pouco mais de um ano da sua criação. O Google interessou-se

pela plataforma e, em 2006, pagou cerca de 1,65 bilhão de dólares pela empresa. Fato é que o

único serviço do Google que não leva o nome da empresa é o YouTube, provando a sua fun-

cionalidade e aceitação junto aos usuários. No começo de 2008, de acordo com serviços de

medições de tráfego na web23, a plataforma já estava entre os dez sites mais visitados do

mundo e abrigava cerca de 85 milhões de vídeos – dez vezes mais que no ano anterior – tor-

nando-se um dos principais sites de compartilhamento. Segundo Montaño (2015), setenta por

cento dos computadores com internet acessam a plataforma, sendo três bilhões de visualiza-

ções por dia e cada usuário assiste, em média, 86 vídeos por mês.

A partir de 2008, já com Google no negócio, o YouTube se mostrou mais colaborativo

com tecnologias como a da TV, fazendo adequações na sua plataforma. Buscando inspiração

na TV, criou “canais” – território do usuário –, como forma de disponibilização de material na

plataforma. O usuário tem, então, que se cadastrar para realizar a postagem. A estratégia mais

importante, talvez, seja a de categorização do conteúdo disponibilizado na plataforma. Os

23 Dados obtidos em BURGUESS, J; GREEN, J. YouTube e a Revolução Digital: Como o maior fenômeno da

cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

42

canais, como o Porta dos Fundos, por exemplo, são criados pelos próprios usuários e permi-

tem um agrupamento dos vídeos postados. O usuário pode ter vários canais com temas dife-

rentes ou um canal em que possui vídeos com vários temas. Segundo a própria plataforma

“sem um canal, você não tem presença pública no YouTube24”, ou seja, você não se configura

como um gerador de conteúdo, apesar de poder usufruir do conteúdo disponibilizado por ou-

tros usuários.

Poderíamos dizer que o YouTube é um site de compartilhamento de vídeo no qual,

por meio de um login ou cadastro, nos tornamos usuários. (...) O vídeo é construído

também como negócio ou fonte de renda para o usuário que fornece conteúdo e se

transforma, assim, em parceiro (MONTAÑO, 2015, p.94).

Em 2011, na medida em que seu formato foi se parecendo cada vez mais com o da

TV, o YouTube atraiu os olhares da indústria do entretenimento que passou a aderir também à

lógica da plataforma. O Google, então, anunciou a união oficial entre YouTube e mídias tra-

dicionais.

No curto tempo de 8 anos, depois de sucessivos anos de luta, conciliação, namoro e

carícias, os antigos antagonistas YouTube e Televisão finalmente se uniram, apesar

de reações descontentes de alguns usuários "alternativos". Como se pode ler no blog

oficial do Google, a mais recente revisão da interface transforma o YouTube na

"porta de entrada para um vasto universo de entretenimento" da TV. Longe de sua

concepção original, o YouTube não é mais uma alternativa para a televisão, mas um

verdadeiro jogador na indústria do entretenimento de mídia25 (VAN DJICK, 2013,

p. 127).

O YouTube conseguiu integrar as experiências extraídas das mídias tradicionais com

as novas mídias e a nova cultura da convergência e da conectividade. Segundo Montaño

(2015), nos programas de parceria do YouTube há mais de mil cadastrados, incluindo redes

de TV, gravadoras e produtoras de cinema. Sendo assim, a plataforma “não representa uma

colisão e sim uma coevolução aliada a uma coexistência desconfortável entre “antigas” e “no-

vas” aplicações, formas e práticas de mídia” (BURGESS; GREEN, 2009, p. 33).

Mas se a TV cria (tele)espectadores com uma programação pré-definida que, segundo

Montaño (2015), tinha na vida doméstica seu ambiente principal, as atuais plataformas de

vídeo on-line são programadas para criar um consumidor em trânsito. Ainda segundo a autora,

24 Google (2016a). 25 In a short time span of eight years, after successive years of fighting, conciliation, courtship and heavy petting,

the former antagonists YouTube and Television finally got married, despite disgruntled reactions by some "al-

ternative" users. As we can read on the official Google blog, the latest interface overhaul transformed YouTube

into "your gateway to a vast entertainment universe". A far cry from its original design, YouTube is no longer an

alternative to television, but a full fledget player in the media entertainment industry. (VAN DJICK, 2013, p.

127)

43

no ambiente das plataformas audiovisuais on-line, é impossível assistir a um vídeo isolada-

mente sem que o mesmo se transforme automaticamente em um quadro de estatísticas e dados

ou numa “mesa de intervenções”. Existem mecanismos que controlam e rastreiam nossos mo-

vimentos dentro da plataforma gerando um banco de dados das nossas preferências e de coi-

sas relacionadas que podem nos interessar.

Damos um play em um vídeo hospedado em uma plataforma de compartilhamento e

necessariamente seguimos percursos como o de ver outros vídeos do mesmo autor,

acionando uma das suas listas de exibição, conhecer o seu perfil, saber quantos

vídeos ele já assistiu no YouTube, ver outros vídeos relacionados com aquele,

participar de comunidades, engajar-se em campanhas, produzir vídeo-respostas,

gerar bate-papos audiovisuais ou através de um chat (MONTAÑO, 2015, p. 71).

Essa plataforma ilustra, segundo Burgess e Green (2009), as relações cada vez mais

complexas entre produtores e consumidores na criação de significado, valor e atuação das

partes, deixando claro que o consumo não é mais visto como, necessariamente, o ponto final

da cadeia de produção, mas sim como um espaço dinâmico de inovação e crescimento – re-

presentados, por exemplo, pelas práticas das comunidades fãs que estão sendo cada vez mais

incorporadas à lógica da indústria midiática.

O YouTube funciona, então, segundo Burgess e Green (2009), como um esquema de

mão dupla que distribui os conteúdos a partir de um sistema midiático em que eles serão as-

similados culturalmente – top-down26 –, mas também como um esquema de criatividade ver-

nacular – bottom-up27 – podendo popularizar muitos produtos que a mídia de massa está acos-

tumada a disseminar, mas também apresentar conteúdos criados por usuários que aparecem

como um desafio à cultura comercial – que, por sua vez, podem ser assimilados e explorados

pela indústria midiática.

Cada um dos participantes chega ao YouTube com seus propósitos e objetivos e os

modela coletivamente como um sistema cultural dinâmico que integra aquele participante à

sociedade – cultura participativa, da convergência e conectividade. A integração do partici-

pante é cuidadosamente guiada, de forma, muitas vezes, imperceptível, por códigos e algorit-

mos que identificam as suas preferências.

26 Termo que os autores usam para falar de um conteúdo massivo que é assimilado de formas diferentes, por

públicos diferentes, gerando outros conteúdos com outros significados. No caso, vídeos que são disponibilizados

pela indústria do entretenimento e que são compartilhados, disseminados e até parodiados por usuários para

diversos fins. 27 Termo que os autores usam para falar das diversas “peças” que vão se agrupando e formando sistemas maiores

e complexos de informações. No caso, os vídeos que são postados no YouTube por pessoas diferentes, mas que

se assemelham e se ligam a outros de temas similares – através do algoritmo da plataforma.

44

Fazer um login no YouTube significa, afinal, iniciar coleções de vídeos ou de

comentários ou de amigos, processos todos mediados por vídeo. Significa também

acionar uma geração espontânea de séries de vídeos como resposta a uma

determinada busca e pensar o mundo através de palavras-chave ou etiquetas

(MONTAÑO, 2015, p. 71).

Segundo Burgess e Green (2009), Jarwed Karim, o terceiro cofundador do YouTube,

falou que o sucesso da plataforma se deve à implementação de alguns recursos essenciais:

recomendação dos vídeos (lista de vídeos relacionados que aparece ao final da visualização do

vídeo pretendido, por exemplo); comentários, curtidas e compartilhamentos (dentre outras

funcionalidades inerentes a redes sociais); e a possibilidade de ser incorporado em outras pla-

taformas da internet como o Facebook, por exemplo.

Não só as funcionalidades e modelos tecnológicos que foram alterados ao longo dos

anos pelo YouTube/Google. A forma de a plataforma se apresentar também passou de “Your

Digital Video Repository” (Seu Repositório de Vídeos Digitais) para o atual “Broadcast Your-

self” (Transmita-se). Segundo Burgess e Green (2009), essa mudança conceitual do site de

armazenagem pessoal de conteúdos em vídeo para uma plataforma destinada à expressão pes-

soal foi profundamente influenciada pelos modos de uso dos consumidores e pelas práticas

corporativas.

Apesar da insistência de que o serviço se destinava ao compartilhamento de vídeos

pessoais entre redes sociais existentes (...), foi a combinação da popularidade em

grande escala de determinados vídeos criados por usuários e o emprego do YouTube

como meio de distribuição do conteúdo das empresas de mídia que agradou ao

público (BURGESS; GREEN, 2009, p.21).

A mudança na linguagem e na apresentação do YouTube está completamente ligada

ao fenômeno de “popularização” das celebridades, em que ser visto torna-se possível e aces-

sível. Segundo Sibilia (2008), é preciso aparecer para ser, pois o que está fora do campo da

visibilidade corre o triste risco de não ser interceptado por olho nenhum e, por isso, a necessi-

dade social de “transmitir-se”. Driessens (2012) fala que a existência das celebridades se tor-

nou uma característica definidora da nossa sociedade mediatizada.

Alinhado com outros sufixos “zação” como globalização, criminalização e coloniza-

ção, a celebrização28, segundo Driessens (2012), implica mudanças sociais e culturais uma

vez que, ao se tornar celebridade, uma pessoa adquire um poder discursivo e sua voz passa a

não poder ser ignorada. Ainda segundo o autor, uma pessoa não precisa realizar algo ou pos-

28 Driessens (2012), difere celebrização de celebrificação, sendo o primeiro referente às mudanças sociais e cul-

turais provocadas pelas celebridades e o segundo o processo individual de confirmação de alguém como celebri-

dade.

45

suir algum talento especial para se tornar famoso, basta aparecer na mídia, o que, com a che-

gada de plataformas como o YouTube, o Facebook ou o Twitter, tornou-se cada vez mais

acessível. O processo de celebrização da sociedade, portanto, deve ser entendido não só como

um fenômeno em expansão, mas sim como um metaprocesso que aponta para certas mudan-

ças na natureza das celebridades e a sua incorporação social e cultural (DRIESSENS, 2012).

O YouTube propicia um ambiente para o surgimento de celebridades, pelas facilidades

que oferece para a distribuição e acesso de um conteúdo produzido, fazendo com que as pes-

soas exibam cada vez mais de si e com mais frequência.

O fascínio da imagem atinge o seu ápice quando nós somos a própria mensagem.

Talvez por isso o YouTube seja um irresistível local dessa ágora virtual que,

independentemente de seus problemas e formatos, permite a cada um ser a própria

mídia, celebridades do nosso cotidiano (BURGESS; GREEN, 2009, p. 9).

Plataformas como o YouTube, segundo Burgess e Green (2009), podem gerar possibi-

lidades para a comercialização de conteúdo amador e, em alguns casos, transformar os produ-

tores desses conteúdos em celebridades, mas o sinalizador de sucesso é medido paradoxal-

mente não apenas por sua popularidade on-line, mas por sua habilidade subsequente em atra-

vessar os mecanismos de contenção das mídias tradicionais. O canal Porta dos Fundos repre-

senta bem a transgressão desses mecanismos de contenção através do seu enorme sucesso que

transcendeu a plataforma e as demais redes sociais, gerando inúmeros produtos transmidiáti-

cos no mercado. Também pela disseminação do seu estilo humorístico visto que seu formato,

alguns de seus roteiristas e vários membros de sua equipe foram incorporados por redes tele-

visivas nos seus programas de humor.

A falta de um produtor central de conteúdo no YouTube, segundo Van Djick (2013),

faz com que o consumidor-cocriador exponha-se mais facilmente e tenha a sensação de em-

poderamento e de que a plataforma não tem controle sobre o que é produzido, o que, segundo

ela, é um profundo erro de leitura do seu funcionamento. Os mecanismos de controle, ran-

kings de audiência e índices de popularidade são extremamente eficazes. Segundo Montaño

(2015), o princípio de plataformas como o YouTube é de que as coisas se tornam melhores

quanto mais usadas, o que explica o funcionamento dos mecanismos de controle, seus códigos

e algoritmos que mapeiam a navegação dos usuários, mas também, explica uma série de práti-

cas desses usuários que passam a agir de determinadas formas para guiar, em alguns momen-

tos, esses mecanismos e tornarem-se cada vez mais populares.

46

Emerge, assim, não só uma plataforma que une rede social à distribuição de conteúdo,

mas um novo modelo de negócio que consegue, por meio dos algoritmos que mapeiam os

usos e preferências dos consumidores, maximizar a distribuição de forma aparentemente per-

sonalizada para uma audiência massiva. Segundo Burgess e Green (2009), essa é uma nova

categoria de negócio que aumenta o valor da informação desenvolvida em outro lugar e poste-

riormente beneficia os criadores originais dessa produção.

A publicidade também se faz presente nessa plataforma como parte do negócio –

aquela que gera ativos financeiros. Existem vários formatos publicitários disponíveis: anún-

cios gráficos (banners), que aparecem em várias páginas, exceto a principal, à direita do vídeo

e acima da lista de sugestões; anúncios de sobreposição em vídeo se assemelham a um banner

horizontal com efeito de transparência e se localizam na parte inferior do vídeo; in-stream

padrão, que são conteúdos audiovisuais colocados antes, durante ou depois do vídeo principal;

in-stream são semelhantes ao último, mas podem ser “ignorados” após cinco segundos de

exibição. Geralmente, os anúncios audiovisuais aparecem antes de vídeos com muitas visuali-

zações e/ou produções feitas por canais com muitas pessoas inscritas. Diversos vídeos do Por-

ta dos Fundos contam com esses recursos publicitários. De acordo com o próprio YouTube29,

a seleção é feita pelo sistema que considera fatores contextuais relacionados ao vídeo do usuá-

rio ativo que faz upload de conteúdos na plataforma. O valor da publicidade varia de acordo

com os acessos e se altera diariamente.

Outra forma de fazer publicidade na rede é o formato de merchandising, muito utiliza-

do nas novelas, por exemplo. No YouTube, esse formato vai desde o patrocínio de YouTu-

bers30 nas suas produções com roupas, calçados, alimentos, produtos de maquiagem, locais

que frequentam, dentre outros, à compra de produções de canais especialmente para uma mar-

ca ou produto. Esse último é o caso do Porta dos Fundos, que já apresentou vários esquetes

publicitárias, mas que mantinham a essência humorística e gozadora do canal. O esquete

“Cartomante” mostra uma vidente lendo as cartas e descobrindo o futuro da sua cliente que

estava usando um colar cervical como se tivesse sofrido um acidente ou passado por um

trauma na coluna. A vidente, então, “vê” nas cartas que a cliente está com dor e recomenda,

dentre outras “mandingas”, um Dorflex, remédio para a dor que patrocinou o esquete.

Algumas pesquisas como a de Weber (2014) e Silva (2014) trabalham a publicidade

na internet através do canal Porta dos Fundos, observando a utilização do humor na constru-

29 Google (2016b). 30 Celebridades do YouTube. Pessoas que produzem vídeos e possuem muitas visualizações, comentários e com-

partilhamentos arrecadando seguidores, fama e visibilidade.

47

ção e potencialização da mesma. Weber (2014) investiga comparativamente a construção do

humor nos filmes publicitários e “não publicitários” do Porta dos Fundos. Dessa forma, per-

cebeu que o humor dos vídeos publicitários segue o já praticado pelo canal e que as marcas

anunciantes têm a intenção de aliar-se ao Porta não só pelo número de visualizações que po-

dem proporcionar, mas pelo seu sucesso e por uma maior facilidade na conquista da simpatia

do consumidor. A autora percebeu, também, que a entrada do YouTube no mercado publicitá-

rio reforça a ideia da fusão do entretenimento com a publicidade. Silva (2014) também analisa

os vídeos publicitários do Porta dos Fundos, mas buscando uma ruptura nos padrões atuais de

produção de comerciais. O autor analisa o humor e as suas implicações com relação à publici-

dade e percebe que, com a complexidade da comunicação atual, torna-se necessário uma rein-

venção dos padrões comerciais e de publicidade. E isso acontece através dos vídeos publicitá-

rios do Porta.

3.1.1 Gêneros predominantes e emergentes no YouTube

O YouTube, segundo Burgess e Green (2009), configura-se como o maior aglutinador

de mídia de massa da internet, sendo uma cocriação de diferentes atores (tecnologia, mídia,

entretenimento, comunidade de fãs, educadores) que, pela própria natureza da internet, se

confundem, entram em choque de interesses e se agrupam, formando um dos maiores exem-

plos de negócio bem-sucedido da cultura participativa do mundo. Ainda segundo os autores, o

YouTube é um fenômeno que já provou ter mudado para sempre a nossa relação com a pro-

priedade intelectual, o entretenimento e o conteúdo audiovisual.

Um dos usos frequentes do YouTube, segundo Montaño (2015), são os modos como

usuários e plataforma participam da construção da notícia e do acontecimento que, de alguma

forma, são pautados por um conjunto de atores (mídias, jornais, redes sociais). Além dos ca-

nais de videoclipes de artistas, de filmes, séries e outros segmentos do gênero, encontramos

um grupo de canais que produzem esquetes e animações de humor. Esse grupo, em que o Por-

ta dos Fundos se enquadra, tem forte apelo no YouTube e consegue inúmeras visualizações e

seguidores fiéis.

Um gênero que ganha muito espaço são as campanhas com temas, memes ou brinca-

deiras do momento. Por exemplo, uma propaganda veiculada na TV de uma empresa do mer-

cado imobiliário de João Pessoa mostrava, ao final, toda a família reunida, menos Luísa (uma

das filhas da família que estava em intercâmbio), “que estava no Canadá”. Vários vídeos fo-

ram produzidos seguindo o clima da brincadeira, pedindo, inclusive, a volta de Luiza para a

48

alegria da família. Nesses casos, é comum a participação não só de pessoas ordinárias, mas

também de celebridades. É um gênero que acaba se espalhando por toda a internet alcançando

redes sociais diversas.

Outro exemplo de brincadeira de momento foi o vídeo da travesti Luiza Marilac que,

usando trajes de banho numa piscina de uma casa elegante, fala que “houve boatos que estava

na pior”. Várias reproduções desse vídeo circularam na internet, inclusive numa divulgação

do filme brasileiro “Vai que cola”, produto que dá seguimento a uma série de humor do canal

de TV Multishow. O vídeo foi reproduzido com o personagem Ferdinando31 no papel da tra-

vesti Marilac e alcançou mais de 350 mil visualizações32.

Os tutoriais também são um gênero que ganhou muito espaço no YouTube. Montaño

(2015) fala que chamamos de tutorial todos aqueles vídeos que correspondem ao “como fa-

zer”, ou seja, ou o vídeo é feito por uma pessoa na frente da câmera que ensina a fazer alguma

coisa, seguindo uma espécie de passo a passo, demonstrando na prática, ou trata-se de um

tutorial relacionado a um software em que o passo a passo pode ser a tela do computador ou

uma animação. “Chama a atenção a presença massiva desses vídeos no YouTube, e acredito

que eles tenham a ver com uma certa apropriação da técnica: de uma técnica qualquer que se

dá a ver na técnica audiovisual” (MONTAÑO, 2015, p. 187).

Os vídeos de tutoriais são de simples produção, o que pode ter ajudado na sua imple-

mentação na plataforma. Segundo Montaño (2015), o gênero pode ter buscado inspiração nas

páginas wikis e nos sites de busca que treinam usuários a procurar qualquer tipo de informa-

ção na rede, bem como nas instituições de ensino a distância que reinventaram os significados

de aprender e ensinar sem limites geográficos. Em 2015, o YouTube revelou uma lista dos

tutoriais mais acessados33 e vários temas inusitados entraram na lista, incluindo o do mais

acessado “como beijar”. Esse gênero ajudou na ascensão de inúmeras celebridades do You-

Tube como Camila Coelho34 que começou com um tutorial de maquiagem e hoje ganha as

maquiagens e roupas, mostrando não só como fazer “makes estilosas”, como também o seu

estilo de vida.

31 Ferdinando é um personagem da série e do filme “Vai que cola” interpretado pelo ator Marcus Majella. 32 Majella (2015). 33 Techtudo (2016). 34 Coelho (2016).

49

Figura 4: Canal do YouTube de Camila Coelho

Fonte: YouTube (2016)

Outro gênero muito acessado no YouTube é o Videolog35 ou Vlog. Possui uma dinâ-

mica muito simples que envolve apenas uma pessoa na frente da câmera com algo a dizer.

Segundo Montaño (2015), os Vlogs são monólogos cujo conteúdo versa, em geral, sobre o

cotidiano e tendem a ter um enquadramento fixo na pessoa que fala, fazendo com que várias

se tornem Vloggers. Um dos Vlogs mais acessados do Brasil no YouTube36 é o

5incominutos37 da Vlogger Kéfera que fala de uma forma engraçada e despojada sobre vesti-

bular, TPM, namoros, dentre outros, e possui mais de 8 milhões de assinantes. Outro Vlog de

sucesso da plataforma é o “Não Faz Sentido38”, de Felipe Neto, que, com mais de 5 milhões

de assinantes, fala sobre assuntos desde religião a filmes em cartaz nos cinemas. Tanto Kéfera

quanto Felipe também se tornaram subcelebridades, proporcionando visibilidade, inclusive,

em outras mídias. Kéfera, por exemplo lançou um livro com a sua biografia que é muito lido

entre os adolescentes.

As personas tendem a fazer uma performance na frente da webcam, uma encenação

como “opinadores”, destacando, mais do que a opinião (...). Mistura de ator e

comentarista, o vlogger nada tem a ver com a ideia de diário de registro das próprias

subjetividades (MONTAÑO, 2015, p. 189, 190).

Nos vlogs, chama a atenção, também, a forma como as falas são formadas. Montaño

(2015) observa que as falas não são construídas da forma tradicional em que a argumentação

35 O nome do gênero pode ser derivado de um portal de compartilhamentos de vídeos do Brasil criado em 2006.

Wikipédia (2016). 36 TecMundo (2014). 37 Pereira (2016). 38 Vieira (2016).

50

passa do universal para o particular, mas sim como se fossem hiperlinks em que de um tema

vai surgindo outro, aproveitando palavras chave para a mudança de assunto. Tem afirmações

categóricas e que provocam, muitas vezes, reações categóricas. Existem muitos vídeo-

resposta a postagens de vloggers, reunindo, além de seguidores, muita rejeição e, se asseme-

lhando, nesse ponto, a canais como o Porta dos Fundos, por exemplo.

Figura 5: Canais 5incominutos e NãoFazSentido, respectivamente

Fonte: YouTube (2016)

O objeto central dessa pesquisa faz parte do ranking dos canais mais acessados do

YouTube, sendo preciso um levantamento da sua história e das estratégias de visibilidade que

desenvolveram para entender o grande alcance das suas produções, inclusive transmidiatica-

mente. Passaremos então a uma investigação mais atenta sobre o canal Porta dos Fundos.

3.2 Porta dos Fundos: História e relação com a sociedade

O canal do YouTube Porta dos Fundos, segundo seu próprio site39, define-se como

“um coletivo criativo que produz conteúdo audiovisual voltado para a web com qualidade de

TV e liberdade editorial de internet”40. O canal foi idealizado por Antônio Tabet, Fábio Por-

chat, Gregório Duvivier, Ian SBF e João Vicente de Castro que “eram 5 amigos insatisfeitos

com a falta de liberdade criativa da TV brasileira, decidiram montar um canal de esquetes de

humor no YouTube”41. Iniciou seus trabalhos com o primeiro vídeo em agosto de 2012 e,

ainda segundo o site do Porta, em 3 anos de existência alcançou 2 bilhões de visualizações e

mais de 11 milhões de assinantes em seu canal, tornando-se um fenômeno da internet brasilei-

ra e um dos maiores canais do mundo. Lança, hoje, três esquetes semanais no YouTube, todas

as segundas, quintas e sábados, às 11h.

39 O site do Porta dos Fundos é o “guardião” dos produtos Porta dos Fundos (vídeos do canal no YouTube, in-

formações sobre o programa da GNT, games e aplicativos, loja virtual, etc.). É onde se conseguem informações

sobre quase todas as ramificações do Porta, bem como possui informações institucionais sobre a empresa. 40 PORTA DOS FUNDOS (2012a) 41 PORTA DOS FUNDOS (2012a)

51

Figura 6: Logo do canal Porta dos Fundos

Fonte: Porta dos Fundos (2012a).

O Porta dos Fundos começou como um canal no YouTube, que logo se espalhou para

outras plataformas da rede. Virou também site, programa de TV no canal FOX e livro com o

mesmo nome do canal, programa de entrevista com o Fabio Porchat no GNT, chamado “Porta

a Fora”; peça de teatro intitulada “Portátil”; um outro canal do YouTube chamado “Portaria”

que comenta os vídeos postados na semana; diversos games referentes a vídeos do canal (Go-

rilão da Bola Azul, Bala de Borracha etc.); um filme com o nome de “Contrato Vitalício”;

uma série para o canal de TV FOX chamada “O Grande Gonzáles”. Possuem também uma

loja virtual para venda dos produtos como camisetas, canecas e outros acessórios, além do

livro. Cada mídia possui uma linguagem específica e com características de completude uma

em relação à outra. A empresa cresceu, trocando de sede, contratando funcionários e assu-

mindo uma estrutura organizacional mais encorpada - com o sucesso, aumentaram o escritório

saindo de uma sala para um casarão de 4 andares. Contratou, também, uma produtora de ci-

nema como CEO.

Uma abordagem que une aspectos do dia a dia ao humor, crítica e profissionalismo

pode ser a fórmula do sucesso desse canal. Segundo o site do Porta dos Fundos, entre as mui-

tas conquistas, e em menos de um ano de existência, o canal tornou-se o mais rápido, no Bra-

sil, a atingir a marca de 1 milhão de inscritos e venceu o prêmio da APCA (Associação Pau-

lista dos Críticos de Arte) de “Melhor Programa de Humor Para TV”.

52

Em um estudo de caso feito pelo site ThinkWithGoogle42, foram levantadas algumas

metas pretendidas pelo Porta dos Fundos que, analisando o número de inscritos, visualizações

e patrocinadores do canal, foram cumpridas pelo canal: produzir conteúdo independente e

livre de censura; tornar-se referência em humor no Brasil; transformar uma iniciativa amadora

em um negócio rentável. A média de 60 milhões de visualizações por mês e os 125 milhões

de minutos assistidos43, em média, em cada mês, reforçam o cumprimento das metas.

O site ThinkWithGoogle também mapeou a metodologia empregada pelo canal para ter

êxito e cumprir as metas pretendidas. São elas: formato e conteúdo feitos para web. Os vídeos

são pílulas (curtos – duram em média 2’11”44) de humor escrachado e politicamente incorreto;

Figura 7: Gráfico de visualizações do canal Porta dos Fundos de Ago/2012 a Out/2014

Fonte: ThinkWithGoogle (2016)

vídeos instigantes do começo ao fim. Os vídeos curtos sempre guardam alguma piada

ou surpresa para o fim (retenção média de 70% de audiência até o fim). A última cena tam-

bém serve como end-card em que aparecem anotações e indicações que levam a audiência a

outros vídeos e incentivar a inscrição;

42 ThinkWithGoogle (2016). 43 ThinkWithGoogle (2016). 44 ThinkWithGoogle (2016).

53

Figura 8: Imagem do final do vídeo “Com quem será?”

Fonte: YouTube (2012)

divulgação dos primeiros episódios através de sites e blogs. Na primeira semana, as pessoas

descobriram e assistiram aos episódios fora do YouTube do que na página do canal;

Figura 9: Gráfico do acesso aos episódios publicados na primeira semana

Fonte: ThinkWithGoogle (2016)

consistência do cronograma de publicações. O canal se programou para publicar mais de um

vídeo por semana e no primeiro vídeo já tinha uma chamada para o próximo. A regularidade é

um elemento crucial começando com 2 vídeos por semana e, em 2014, aumentou para 3 ví-

deos por semana. Vlogs como o de Kéfera e de Felipe Neto, como comentamos anteriormen-

te, também respeitam essa periodicidade na postagem dos seus vídeos;

54

Figura 10: Arte do Porta dos Fundos para divulgar o novo dia de upload

Fonte: YouTube (2016).

O canal trata o humor como negócio sério e que, se explorado da maneira correta, po-

de ser muito lucrativo. À medida que o canal se tornou conhecido foi diversificando suas ati-

vidades como trabalhar com anunciantes, por exemplo. Além disso, lançou vídeos com ma-

king of das gravações, lançou produtos com a marca e atraiu investidores como o apresentador

da Rede Globo de Televisão, Luciano Huck. Ao combinar boas táticas de divulgação com a

boa qualidade do produto apresentado, o Porta dos Fundos abriu caminho tanto dentro do

YouTube quanto nas mídias tradicionais alavancando e fidelizando consumidores.

A despreocupação e a liberdade nas temáticas utilizadas pelo canal desencadeiam tan-

to uma forte atração do público bem como vigorosas represálias a alguns dos vídeos apresen-

tados. Os vídeos mais polêmicos trazem a abordagem satírica de temáticas que são tratados de

forma séria na maior parte do tempo pela sociedade, causando repercussão, debate e reverbe-

rações polêmicas com discursos a favor e contra aspectos dos vídeos. Segundo Antônio Tabet

e Ian SBF45, vídeos sobre religião e homossexualidade incomodam o público e geram comen-

tários agressivos na internet. Ainda segundo os integrantes do Porta dos Fundos46, eles não se

incomodam com os comentários, mas tentam não postar vídeos religiosos, por exemplo, se-

guidamente de forma a banalizar o tema.

A criação e produção dos vídeos varia de acordo com vários fatores. Em entrevista à

“Mundo Estranho47”, Antônio Tabet e Gregório Duvivier falaram que muito dos quadros que

escrevem não são aprovados pela equipe de produção e não são sequer filmados, mas entre os

roteiros aprovados, alguns demoram poucos dias, outros meses, dependendo dos recursos de

produção e pós-produção. “Log Out, por exemplo, levou uns dois meses porque foi filmado

45 Depoimentos obtidos em entrevista ao programa de TV Roda Viva que virou matéria no site UOL. UOL.

(2013c). 46 Depoimentos obtidos em entrevista ao programa de TV Roda Viva que virou matéria no site UOL. UOL.

(2013c). 47 Revista Mundo Estranho (2013).

55

em mil partes. “Nome do Bebê” é um plano-sequência que foi ao ar poucos dias depois da

filmagem” (NADALE, 2014).

Além de pesquisas que estudam a relação entre o Porta dos Fundos e a Publicidade,

também encontramos trabalhos que analisam temas polêmicos através de vídeos do canal.

Gonçalves (2014) aborda a construção das identidades homossexuais no Brasil analisando o

vídeo “Armário” do canal e seus comentários. O autor percebeu que há uma maior aceitação

social dos homossexuais e que o caráter humorístico do vídeo não foi usado como forma de

insultá-los. Menezes (2016) aborda a religião e os conflitos que são estabelecidos entre os

atores portadores de diferentes quadros de sentido como, por exemplo, cristãos e ateus, atra-

vés da análise de vídeos de temática religiosa no canal Porta dos Fundos. O autor observou

que ambos os grupos – cristãos e ateus – se utilizam dos vídeos para a manutenção e a defesa

da sua posição e que quando, há questionamentos e debates públicos entre os grupos, a ten-

dência é prevalecer o enrijecimento das opiniões de cada um. O canal Porta dos Fundos tam-

bém foi objeto de pesquisas sobre marketing viral, interpretação e construção do ator, a pro-

dução híbrida de sentidos na pós-modernidade, dentre outros.

3.3 O humor do Porta dos Fundos e a criação de um campo polêmico

Grande parte do conteúdo mais acessado no YouTube, no Brasil, adota a linguagem do

humor. Em um levantamento, realizado pelo próprio YouTube48, dos 5 canais mais acessados

no Brasil, três são de humor, sendo o primeiro lugar ocupado pelo canal Porta dos Fundos, o

segundo lugar pelo Parafernalha e o quarto pelo Galo Frito. Todos os canais de humor citados

trabalham com vídeos que trazem esquetes com atores, animações ou montagens que tratam

de forma cômica cenários, situações e personagens do cotidiano ou dos pilares que envolvem

a sociedade (política ou religião, por exemplo). Faz-se necessário, portanto, compreender a

relação do humor com plataformas e redes sociais on-line assim como alguns dos conceitos e

gêneros mais abordados, principalmente pelo canal Porta dos Fundos.

Não foi por acaso que canais de humor se tornaram tão populares no YouTube. O riso

e o humor se fazem presentes na comunicação humana, ao longo do tempo, de variadas for-

mas e encontrou nas redes sociais e na internet uma condição potencializadora. Segundo Mi-

nois (2003), o interesse geral pelo humor não deve surpreender, ainda mais na atualidade,

período em que – de acordo com o autor – vivenciamos uma “sociedade humorística”, como

48 Levantamento atualizado pelo Blog oficial do YouTube. Google (2014).

56

coloca Gilles Lipovetsky em A era do Vazio, 1983. Trata-se de uma sociedade que se propõe

mais “cool” e “fun”, em que a mídia transmite modelos descontraídos de heróis cheios de hu-

mor e o riso se torna cada vez mais presente em peças publicitárias, programas televisivos,

jornais e internet. Minois salienta a fascinação pelo mistério do humor e pela sua característi-

ca ambígua, ambivalente e multiforme, que instiga tanto os pesquisadores, podendo expressar

tanto alegria pura quanto o triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia (2003, p.16).

A primeira qualidade do humor é precisamente escapar a todas as definições, ser

inapreensível, como um espírito que passa. O conteúdo pode ser variável: há uma

multiplicidade de humor, em todos os tempos e em todos os lugares, desde o

momento em que, na mais remota pré-história, o homem tomou consciência dele

mesmo, de ser aquele e ao mesmo tempo de não o ser e achou isso muito estranho e

divertido (MINOIS, 2003, p. 79).

O riso, segundo Macedo (2000), revela valores, comportamentos e padrões sociais,

apresentando-se de diferentes maneiras de acordo com o grupo em que está inserido. Em uma

sociedade globalizada, como a que vivemos atualmente, em que as culturas se misturam e se

convergem, o risível torna-se instável, podendo causar uma gama maior de conflitos gerando

debates, confrontos e grupos polarizados. As temáticas dos vídeos do canal Porta dos Fundos,

por exemplo, trazem assuntos cotidianos que, muitas vezes, são compreendidos de formas

diferentes por grupos de usuários, com significados sociais diferentes. “O riso deve corres-

ponder a certas exigências da vida comum (...), deve ter uma significação social” (BERG-

SON, 2007).

Talvez o grande alcance que o humor proporciona à sociedade esteja na definição, se-

gundo Bergson (2007), de configurar-se como uma brincadeira que imita a vida, mais ainda,

como algo propriamente humano. Essa abordagem de aspectos do dia a dia, mesclada ao hu-

mor, configura os vídeos do canal Porta dos Fundos. Gregório Duvivier, um dos fundadores

do Porta, em entrevista à Gazeta On-line49, fala que a inspiração para os vídeos vem do coti-

diano e se reflete em esquetes que abordam temas corriqueiros, como briga entre casais ou a

relação chefe-funcionário, vendedor-cliente, por exemplo, mas também fatos que estão em

evidência como vídeos que falavam de futebol no período da copa do mundo, ou que falam de

política refletindo algum fato marcante, ou que ironizem a celebridade “do momento”.

No vídeo “Vida Privada”, por exemplo, a câmera é colocada como se estivesse dentro

do vaso sanitário e começa com um homem levantando a tampa do mesmo e sendo surpreen-

dido pelas fezes da esposa que não tinha dado descarga ao usar o banheiro mais cedo. Essa

49 Oakes (2012).

57

situação gera uma discussão entre os dois sobre diversos aspectos do cotidiano deles que vari-

am desde o tamanho das fezes da esposa até preferências sexuais do casal. Ou o vídeo “Pei-

do”, que traz um casal deitado na cama discutindo sobre as flatulências de ambos. Em entre-

vista à TVI de Portugal50, Antônio Tabet fala que o sucesso do Porta dos Fundos está relacio-

nado ao uso de uma linguagem bem próxima do cotidiano.

A cultura de massa é cada vez mais individualizada pelas pessoas que, segundo Mon-

taño (2015), alteram desde objetos utilitários até planejamentos urbanos e rituais, leis e lin-

guagens de forma a se apropriar dela, sendo um erro pensar que o consumo cotidiano de idei-

as, valores e produtos são práticas passivas, uniformes e feitas de puro conformismo às impo-

sições do mercado. São sim, muitas vezes, formas de resistência às imposições sociais. “No

consumo de bens culturais e materiais, existem sempre apropriações e ressignificações impre-

visíveis, incontroláveis, modificadoras de pretensões previstas na origem, no planejamento e

na idealização das coisas” (MONTAÑO, 2015, p. 167).

O material disponibilizado pelo canal é viralizado de modo as pessoas assumirem o

discurso para si e utilizá-lo como forma de identificação, de produção de novas significações,

e de relacionamento, gerando embates e concordâncias, com postagens nos seus perfis em

redes de sociabilidade como Facebook, MySpace, Orkut, dentre outros. Assim, as críticas

sociais, culturais, religiosas, históricas e políticas, que são feitas pelo canal através do humor,

são legitimadas ou refutadas pela própria sociedade que as proporciona.

Entre as formas de humor do canal, a sátira é a predominante do Porta dos Fundos. A

essência satírica é percebida através das críticas relacionadas ao teor ácido de seus vídeos. A

sátira desabrocha o verdadeiro riso com a forma de crítica social sendo seus alvos, ao mesmo

tempo, morais, sociais e políticos, e possui um espírito conservador que, apesar de fazer parte

da sua essência, não a define (MINOIS, 2003). Segundo Hutcheon (1985), a sátira implica

uma distanciação crítica, de julgamentos de valor, para fazer uma afirmação negativa acerca

daquilo que é satirizado.

A sátira tem origem latina e, segundo Minois (2003), o humor latino surge com uma

disposição para rir de tudo sob a máscara do sério. A sátira é bastante variada na sua forma:

moralizante, familiar, jovial, ofensiva, insolente, agressiva. Em geral, ataca os grupos domi-

nantes, aqueles que impõem a sua vontade e controlam valores, exteriorizando desgastes e

frustrações. A sátira faz uso do escárnio, zombaria, grotesco e ridicularização para apontar

50 Público.PT (2015).

58

tudo o que está fora de um padrão. Segundo Minois (2003), ela se preocupa em proteger a

ordem social.

O humor do canal Porta dos Fundos utiliza, essencialmente, o recurso de rir sob a

máscara do sério. Seus seguidores, na sua maioria, conseguem entender que os esquetes do

canal tendem a brincar com situações cotidianas, mas muitas das pessoas que assistem aos

vídeos, não conseguem assumir essa distância crítica e separar o humor da realidade. Segundo

Minois (2003), essas pessoas imergem nesse mundo material ou espiritual, real ou imaginário,

sem conseguirem desprender-se, agarrando-se à sua representação de mundo sem perceber

que se trata apenas de uma representação.

O humor é um sexto sentido que não é menos útil que os outros. Há aqueles que são

dotados desse sentido e aqueles que não o têm – essa enfermidade os priva de um

ponto de vista essencial sobre o mundo: eles o veem, o escutam, o tocam, o

desfrutam, mas não se dão conta de que ele não existe (MINOIS, 2003, p.79)

Muitas vezes, as sátiras são associadas pelo Porta dos Fundos com a paródia, princi-

palmente em referências religiosas. Tanto a paródia quanto a sátira versam sua perspectiva

sobre o comportamento humano, como julgamento, através, essencialmente, da ironia – prin-

cipal mecanismo retórico para despertar a consciência e sentido – mas diferem naquilo que é

transformado em alvo, sendo que a paródia não é extramural ao seu objetivo; a sátira o é

(HUTCHEON, 1985). Recorrendo ao trabalho de Ziva Bem-Porat (1979), Hutcheon (1985)

distingue a paródia da sátira, alegando que a primeira seria a representação cômica de uma

realidade já modelada – obras de arte, filmes ou romances literários, por exemplo – e a segun-

da seria uma representação crítica, cômica e muitas vezes caricatural de uma realidade não

modelada, de objetos reais – o cotidiano, instituições de poder, empresas, por exemplo.

Dessa forma, a paródia demanda mais empenho na sua decodificação e compreensão,

exigindo um entendimento das referências para percepção da ironia. Para Hutcheon (1985), a

compreensão da paródia gera alguma reação, certa cumplicidade, para que a crítica atinja seu

objetivo. Assim, caso se desconheça o texto parodiado ou os elementos que fazem dessa pa-

ródia repetição e também diferença, o sentido proposto não se cumpre. Os vídeos em que o

Porta dos Fundos fazem referências a passagens bíblicas, por exemplo, requerem um conhe-

cimento da obra para o entendimento completo da piada.

59

Um dos estudos acadêmicos que tratam o canal Porta dos Fundos como objeto, con-

forme já mencionado nesta pesquisa, é a de Bruno Menezes Guimarães51 da UFMG que pes-

quisou como o canal trabalha a religião através do seu humor crítico, questionando determi-

nados significados da fé religiosa, principalmente a cristã. O autor levanta em sua pesquisa,

dentre outros vídeos religiosos, o vídeo “Especial de Natal” que contém, nos seus 16 minutos,

vários esquetes curtos que satirizam momentos da vida de Jesus desconstruindo uma série de

aspectos tidos como dogmas para a igreja cristã. O vídeo52 possui, atualmente, mais de 7 mi-

lhões de visualizações e mais de 30 mil marcações de “não gostei”, sendo um dos conteúdos

de maior rejeição do canal.

O texto cômico, segundo Minois (2003), nem sempre expressa diretamente o que o au-

tor pensa, no sentido em que o acontecimento narrado não deve ser tomado literalmente, mas

por meio de deslocamentos críticos. Sendo assim, outra associação do humor satírico do canal

Porta dos Fundos é com a ironia. Ainda segundo o autor, a ironia pode ser uma proteção, uma

forma de evitar a parcialidade, mas, se elevada a um valor social, pode produzir decadência. O

Porta posta vídeos diferentes que, às vezes, versam sobre várias vertentes de um mesmo as-

sunto, atacando ou defendendo uma pessoa, classe ou gênero ou às vezes, em um mesmo ví-

deo, apresentam pontos de vista controversos. A estratégia do canal de usar a ironia e de, às

vezes, ironizar a ironia é uma das suas marcas. Segundo Minois (2003), “a ironia sistemática

não destrói apenas o sério da existência, mas também a coerência do pensamento discursivo,

pulverizado em uma multidão de situações independentes” (MINOIS, 2003, p. 436).

O humor encontrou na internet um forte veículo de propagação, talvez devido à liber-

dade oferecida pela rede. A essência complementar da relação da internet com os outros veí-

culos, em especial a TV e o rádio, fez com que diversos programas migrassem desses veículos

para a internet como forma de aumentar seu alcance, seu público, fortalecer sua audiência, até

mesmo sua marca. Os programas de humor, que surgiram e fazem sucesso na rede, têm sido

adaptados para o conteúdo televisivo e de outros veículos. Fábio Porchat53 considera que o

sucesso do Porta dos Fundos se dá, principalmente, pela insatisfação das pessoas perante as

limitações que a TV impõe. "Na internet tudo pode, na TV não. Palavrões, nome próprio e

marcas são assuntos que são tratados com muita cautela na TV aberta" (OAKES, 2012).

51 MENEZES, Bruno. O Riso Bate à Porta: o humor de "Porta dos Fundos" e a crítica à religiosidade cristã

contemporânea. Belo Horizonte: UFMG, 2016. 52 Porta dos Fundos (2013a).

Oakes (2012).

60

O ambiente on-line e, principalmente, as redes sociais, em que o YouTube se destaca,

configuram-se como um espaço fortemente interativo, em que as pessoas têm a possibilidade

de compartilhar materiais e opiniões que podem ser favoráveis ou adversas, ou seja, um espa-

ço possibilitador de polêmicas. O canal Porta dos Fundos – que assumiu uma característica

transmidiática enquanto empresa – se utiliza do humor de uma forma estratégica para gerar

polêmicas, reverberações e repercussões que adquirem a característica transmidiática do canal

por irem de blogs e jornais a páginas pessoais em redes sociais. O conteúdo produzido pelo

canal Porta dos Fundos é, portanto, um potencial originador de debates transmidiáticos, sendo

necessária a análise de alguns dos seus vídeos e das suas reverberações.

61

4 ANÁLISE: CONFIGURANDO O DEBATE TRANSMIDIÁTICO

4.1 Breves considerações metodológicas (corpus e técnicas)

A partir dos conceitos tratados nos capítulos iniciais desta pesquisa, o debate transmi-

diático é entendido como o confronto entre diferentes textos complementares ou opositores,

que irão circular e compor um campo polêmico ativado por um objeto determinado que, no

caso da presente pesquisa, são vídeos controversos do canal Porta dos Fundos. O debate, por-

tanto, é formado através das mídias (transmidiaticamente), sendo composto por textos de

blogs, jornais on-line, redes sociais, dentre outros que se agrupam em uma unidade temática,

desdobrando-se argumentativamente.

A circulação dos vídeos vai afetar diversos atores em diferentes contextos de assimila-

ção, produzindo diferentes significados, sendo todo esse movimento, como dissemos, poten-

cializado pela lógica comunicativa do YouTube. Isso se deve à capacidade de integração do

YouTube a outras mídias, permitindo que os conteúdos postados na sua plataforma sejam

apropriados e visualizados em outras redes sociais. A potência do YouTube em relação à ade-

rência e integração com outras mídias – não só mídias on-line, mas também as mídias pré-

internet que, apesar de não serem abordadas por esse estudo, ao se aliarem ao YouTube, o

fortificam e induzem o seu uso – facilita a circulação dos textos e propicia a formação do de-

bate transmidiático.

Retomando a ideia da internet como ambiente menos restritivo ao humor, alguns dos

temas abordados pelo Porta dos Fundos alcançam repercussão e geram polêmica em determi-

nados âmbitos da sociedade. Cada vídeo com seu “raio de ação”. Conforme dissemos, foram

escolhidos, para análise, dois campos polêmicos de debate transmidiático. O primeiro deles

foi produzido pelo vídeo “Oh meu Deus54”, publicado em 19 de agosto de 2013, com a temá-

tica religião; e o segundo, gerado pelo par de vídeos “Delação55”, publicado em 2 de abril de

2016, e “Reunião de Emergência 3/Delação 256”, publicado em 11 de abril de 2016, ambos

com a temática política. O primeiro vídeo foi escolhido em função da polêmica gerada ao seu

redor ter promovido o primeiro processo judicial sofrido pelo canal Porta dos Fundos, já os

outros dois vídeos, por resgatarem e retratarem problemas atuais do cenário político brasileiro

polarizado, que, por si só, já geram polêmicas, disputas, coalizões e agressões.

54 Porta dos Fundos (2013b). 55 Porta dos Fundos (2013b). 56 Porta dos Fundos (2013b). O nome duplo do vídeo se deve à continuação do vídeo “Delação”, mas também

fazendo referência aos vídeos “Reunião de Emergência” e “Reunião de Emergência 2” em que, por causa de

polêmicas ou quando tinham que chegar a uma conclusão sobre o canal, os integrantes do Porta dos Fundos

encenavam reuniões entre eles em que deliberavam sobre o assunto da época.

62

Os vídeos abordam, de forma satírica, temas que a sociedade trata de forma séria, cau-

sando divergência de entendimentos, repercussão, debate e reverberações polêmicas e contro-

vérsias. Os diferentes atores que entraram em contato com os vídeos, como é característica

dos processos de mediação, produziram diversos entendimentos que, em ambiente on-line,

adquirem características próprias. Nesse ambiente, a interação é caracterizada pela distância

dos atores e um possível anonimato, o que pode vir a facilitar a exposição de pontos de vista

ou mesmo de emoções exaltadas no momento em que cada ator colocar o seu ponto de vista

sobre o do outro. Assim, grupos de significações afins são formados de forma a se impor so-

bre outras significações. Sobre esse conflito de significações, Windisch (1986) fala que “cada

discurso não procura simplesmente propor a sua análise da realidade. Está em conflito aberto

com o discurso adverso que rejeita, refuta ou ridiculariza. Cada discurso procura vencer o

outro e se impor como único discurso legítimo” (WINDISCH, 1986, p.124). De certo modo,

esse embate com vistas a aniquilar o outro tem sido a tônica de muitas polêmicas nas mídias

sociais. Segue uma breve descrição dos vídeos satíricos a serem estudados em seu campo po-

lêmico, de debate transmidiático.

O vídeo “Oh Meu Deus” apresenta uma mulher que foi fazer um exame ginecológico

de rotina e o médico, ao começar o exame, vê a imagem de Jesus Cristo em sua vagina. O

médico, então, chama Neide, sua secretária, que começa a gritar que Jesus, “o Salvador”, ti-

nha voltado. Ouvindo a gritaria, um outro funcionário da clínica chega e também reconhece a

imagem. Ele começa a entoar o cântico da Ave Maria. Mais uma funcionária da clínica chega

e todos começam então a tirar fotos, ligar para os parentes para contar a novidade, pedir bên-

ção para a imagem de Jesus na vagina da paciente. Passa-se o dia e a paciente continua deita-

da na maca de exames e os funcionários fazem uma novena em honra da imagem de Jesus,

ignorando os apelos da paciente, que queria jantar em casa. A cena após os créditos mostra os

funcionários entoando cânticos de glória à imagem da vagina.

63

Figura 11: Vídeo “Oh Meu Deus”

Fonte: Porta dos Fundos (2013b).

O vídeo “Delação” recria um interrogatório feito por um membro da polícia federal a

um deputado que está delatando atos inconstitucionais e de roubo ao tesouro nacional de ou-

tros políticos. O deputado delator fala de diversas infrações de políticos do PSDB, mas o poli-

cial federal parece não se interessar. Quando o deputado fala de um jantar de vários políticos

do PSDB e do PMDB em Paris, pago com dinheiro público, o policial pergunta qual foi o

cardápio servido. O deputado responde, dentre outras coisas, o prato arroz de lula. Nesse mo-

mento, o policial federal fala para seus colegas que podem emitir um mandado de segurança,

pois tinham pegado o Lula, referindo-se ao político do PT. No final do esquete, após os crédi-

tos, o policial federal fica fazendo trocadilhos de palavras com o deputado interrogado. Quan-

do o deputado fala que precisava “de uma panela”, o policial finge que entende “Dilma” e

pede um mandado para Dilma Rousseff, falando que pegou a comparsa de Lula.

64

Figura 12: Vídeo “Delação”

Fonte: Porta dos Fundos (2016a).

O vídeo “Delação” repercutiu nas redes sociais e em outras mídias com algumas ver-

tentes acusando o canal Porta dos Fundos, em função do cenário político em que o Brasil se

encontrava no momento do lançamento do vídeo, de ser aliado do PT e de ter recebido dinhei-

ro para postar aquele vídeo. Fizeram, então, uma campanha para “boicotar” o canal pedindo

para que as pessoas retirassem sua inscrição do Porta de forma a diminuir a audiência do

mesmo.

Dessa forma, o canal postou o vídeo “Reunião de Emergência 3/Delação2”, que traz

alguns membros do Porta, vestidos com camisas vermelhas do PT, em uma reunião em que

parecem comemorar e bradar o partido, o comunismo, Che Guevara, tomando champanhe e

comendo caviar (referência a um grupo da população que possui alto padrão aquisitivo, mas

apoia partidos de esquerda e que praticam políticas sociais – a “esquerda caviar”). O ator An-

tônio Tabet entra na sala falando que foram descobertos, em seu “esquema” com o PT, pelos

inteligentes comentaristas de política do YouTube e que perderam mais de 27 milhões de se-

guidores e o número aumentava a cada momento. Eles se fazem de desesperados, falam que

vão pegar o dinheiro que foi dado por Lula (um dos líderes do PT) e que iriam se esconder em

algum dos apartamentos dados pelo partido. Começam a discutir, fazendo acusações uns aos

outros de terem facilitado para que as pessoas descobrissem. Falam, contudo, que fizeram

direitinho, pois publicaram muitos vídeos falando mal do governo e que o único que publica-

ram em favor fez com que fossem desmascarados. Após algumas discussões, os integrantes do

65

Porta se perguntam como farão para manterem-se apoiando o governo corrupto sem serem

punidos e, então, aparece o motorista da presidenta Dilma Rousseff, o Messias.

Figura 13: Vídeo “Delação 2/ Reunião de Emergência 3”

Fonte: Porta dos Fundos (2016)

Esses vídeos reverberaram e ativaram o debate transmidiático, em ambiente digital,

que esta pesquisa objetiva analisar, partindo do levantamento de jornais eletrônicos, blogs,

páginas pessoais dos membros do Porta em diferentes redes sociais, comentários no YouTube

e nas redes sociais na página oficial do Porta dos Fundos, que trazem algum tipo de repercus-

são dos vídeos como complemento do estudo.

Segundo Recuero, Bastos e Zago (2015), para se fazer uma análise das redes sociais

(ARS) é preciso compreender as estruturas sociais e seu papel, buscando identificar as rela-

ções entre os atores dos grupos e, diferentemente da estatística convencional, buscando dados

relacionais ao invés de atributos individuais. Os autores ainda citam o trabalho de Jacob Mo-

reno (1934) sobre a sociometria57, uma das correntes que originaram a ARS, enfatizando que

ele já abordava os quatro elementos que definem a análise das redes sociais contemporâneas:

i) dados baseados nas escolhas dos laços sociais (quem está conectado a quem); ii) a observa-

ção dos padrões de conexão entre os indivíduos; iii) os tipos de conexões; iv) e os papéis so-

ciais que os indivíduos representam.

57 Segundo Recuero, Zago e Bastos (2015), o trabalho de Moreno sobre a sociometria baseava-se em uma teoria

da sociedade em que os indivíduos formariam redes de conexões interpessoais, na qual ele não apenas fala em

redes, mas nos efeitos produzidos nos indivíduos.

66

A rede, segundo Recuero, Zago e Bastos (2015), é composta por nós e suas conexões,

sendo que um ator, em ARS, refere-se ao indivíduo ou coletivo de indivíduos considerados

como nós na rede. “O nó da rede, assim, é uma representação dos atores da rede social esco-

lhida” (RECUERO, ZAGO, BASTOS, 2015, p.54). Ou seja, são os perfis, os nicknames, os

posts que representam o ator. Já as conexões, segundo os autores, podem ser classificadas por

redes associativas – que dependem de uma relação de associação como, por exemplo, adicio-

nar um amigo no Facebook – ou por redes emergentes – e são construídas por meio de intera-

ções como, comentários em um post no Facebook. Há também o fator de “força” da conexão

com laços mais fortes ou mais fracos a serem considerados na ARS.

Considerando esses conceitos, será construído um padrão para a análise das reverbera-

ções dos vídeos selecionados. Para a coleta dessas reverberações, será adotado o período de

duas a quatro semanas a partir da data da publicação do vídeo. Esse período foi estabelecido

em função da “validade” da polêmica que, como um produto, ao se esgotar, tem que ser subs-

tituída por novas polêmicas. O Porta dos Fundos, conforme já mencionado, tenta postar ví-

deos que consideram mais controversos com um espaçamento de tempo, garantindo, assim, o

abastecimento constante de polêmicas.

As reverberações coletadas pertencem a várias vertentes do ambiente on-line. São tex-

tos de comentários do YouTube na própria página de exibição dos vídeos, comentários do

Facebook da página oficial do Porta dos Fundos em postagens dos vídeos escolhidos, textos

de jornais on-line e os comentários feitos na própria página da notícia, textos de mídias soci-

ais diversas de pessoas e instituições implicadas mais diretamente com o tema dos vídeos.

Com essa diversidade de textos, pretende-se abranger uma pluralidade de sentidos que são

produzidos e circulam em diferentes comunidades que possuem posicionamentos distintos e,

ao conflitarem-se, produzem um debate.

As diferentes comunidades e os diferentes contextos dos atores envolvidos também in-

fluenciam o papel que irão desempenhar na reverberação e no debate transmidiático. A ideia,

portanto, é observar a interferência das diferentes falas no debate – não só a partir de sua situ-

ação de contexto, mas também pelo seu potencial de ação e construção sobre esse contexto,

ou seja, o lugar que o discurso constrói, o ângulo que a fala estruturalmente propõe para “ver”

a realidade. Braga (2000) fala que toda fala obrigatoriamente faz sentido ao se inserir em um

contexto e situação concretos específicos – por mais que possam determinadas vezes, parecer

contraditórias. Dessa forma, ao olhar para a fala de maneira não generalizada, tentando enten-

der suas peculiaridades, busca-se o lugar onde a mesma produz sentidos. Ela obedece, então, a

uma lógica própria, na qual esse “lugar de sentido” não existe antes ou desconectado à fala,

67

mas “na trama entre a situação concreta com que a fala se relaciona, a intertextualidade dis-

ponível, e a própria fala como dinâmica selecionadora e atualizadora de ângulos disponíveis e

construtora da situação interpretada” (BRAGA, 2000).

Essa lógica, enquanto articulação entre a fala, relação com outros textos e cenários e

situações específicas é denominada por Braga (2000) como lugar de fala. Dessa forma sua

aplicação metodológica implica em observar que lógica é essa, ou seja, em que lugar a fala se

mostra “coerente” e faz sentido, a que elementos contextuais ela se conecta, e como – através

da enunciação – a fala revela os “modos de ver” que se utiliza para construir sua realidade.

Ressaltando que a coerência mencionada não obedece a ordens estruturais sem contradição,

mas sim a uma coerência dentro dos limites estipulados pela fala.

Os textos de reverberação serão analisados considerando-se as seguintes categorias

que ajudarão a fazer a comparação entre eles e nos mostrarão quais as questões afins e rele-

vantes na construção desse campo polêmico e nas estratégias empregadas para a propagação

desse tipo de mensagem:

a) Elementos das textualidades midiáticas: levantamento dos aspectos das textualidades

midiáticas envolvidas no debate de forma a evidenciar o modo multimodal como os

usuários constroem seus argumentos (textos, imagens, vídeos, GIFs, memes, emoti-

cons, dentre outros);

b) Atores do discurso: identificação dos atores participantes do debate e de seus lugares

de fala (BRAGA, 2000); se são anônimos (perfis falsos), usuários comuns, represen-

tantes de classes e instituições, celebridades (do campo político, religioso etc.) e jorna-

listas, verificando como se apresentam e se expõem, que segmentos dizem representar

e como isso pode interferir na modalidade e no tom do discurso. Essa identificação

permitirá refletir sobre a formação dos argumentos de modo a perceber se a multipli-

cidade de atores resulta em uma multiplicidade de perspectivas e pontos de vista ou se

resultam em um ambiente polarizado;

c) Análise da argumentação do debate: identificação e exame dos tópicos centrais do

discurso (contra ou a favor), o seu tom (se, por exemplo, são atravessados por uma

afetividade ou se são mais objetivos e racionais) e se reconhecem o gênero do humor e

a ironia presente nos vídeos, que é a marca do canal;

d) Formas das interações: verificação das formas de interação e diálogo entre os textos,

entre os textos e o canal Porta dos Fundos e entre os textos de diferentes mídias (ênfa-

se transmidiática).

68

A partir do formato aqui estabelecido, conseguiremos partir para os próximos passos

da análise.

4.2 Reverberações e debates acerca do vídeo “Oh Meu Deus”

O vídeo “Oh Meus Deus” é descrito pelo próprio canal como “Um vídeo sobre fé e

como ela costuma aparecer nos lugares mais imprevisíveis, quentes e úmidos da nossa gineco-

logia58”. Essa descrição faz referência a supostas aparições de figuras religiosas nos mais dife-

rentes e inesperados lugares, como o caso do norte-americano Jim Lawry, que publicou a foto

das fezes de um pássaro no para-brisa do seu carro, dizendo que formava a imagem de Jesus,

ou os donos da pizzaria Posh, em Brisbane – Austrália, que afirmaram que a face de Cristo

apareceu por milagre em uma das pizzas de 3 queijos59. São tantas as supostas aparições e em

lugares tão inesperados, que encontramos na internet reportagens que relatam, algumas delas

com ironia, as aparições mais estranhas, como a do portal R7, que reúne 42 lugares estranhos

noticiados com o rosto de Jesus60 ou o site Gospel+, que agrupou 12 casos só no ano de

201461.

Figura 14: Aparições de Jesus em lugares inesperados

Fonte: Gadoo (2016)

“Oh Meu Deus” obteve, até agosto de 2016, mais de 7,8 milhões de visualizações, 145

mil “curtidas” (likes) e 37 mil “descurtidas” (dislikes). Segundo o site oqassistir.com, “Oh

58 Porta dos Fundos (2013b). 59 GOSPEL+ (2014). 60 Gadoo (2016). 61 GOSPEL+ (2014).

69

Meu Deus” foi o vídeo mais polêmico do canal ficando entre os “10 vídeos mais odiados do

Porta dos Fundos62” e sendo o responsável pelo primeiro processo jurídico do Porta, movido

pelo pastor e Deputado Federal Marco Feliciano. No entanto, o processo acabou sendo arqui-

vado.

Figura 15: Dados de visualização, curtidas e descurtidas do vídeo “Oh Meu Deus”

Fonte: YouTube (2016)

A reverberação do vídeo ultrapassou a página de comentários do canal do YouTube e

demais mídias que a empresa utiliza quando Marco Feliciano postou no Twitter que conside-

rava o vídeo “podre”. O pastor começou uma campanha para que as pessoas denunciassem o

conteúdo e que o vídeo fosse retirado do ar. Segundo as diretrizes do YouTube63, são conside-

rados desrespeitosos e abusivos conteúdos de nudez ou sexualmente explícitos, violentos ou

de incitação ao ódio, prejudiciais ou intimidativos, ou que violem direitos autorais. Quando

denunciado, um vídeo pode ser retirado do ar caso tenha infringido alguma dessas diretrizes.

No Twitter de Marco Feliciano, o comentário das suas impressões sobre o vídeo foi

acompanhado do link incitando a denúncia do vídeo ao YouTube. O link, nesse caso, funciona

como uma marcação de uma identidade virtual que recebe um recado na sua página pessoal,

levando-a ao local onde foi marcada. A intensão do deputado era fazer com que as várias

marcações dos seus seguidores fosses suficientes para chamar a atenção do YouTube para o

quanto o conteúdo estava desagradando seus usuários e, dessa forma, fazer com que o conteú-

do fosse tirado do ar. A combinação entre o elemento textual do Twitter, que constitui frases

com menos de 140 caracteres, com a marcação da identidade virtual do YouTube, fazendo

referência a um determinado vídeo de outra plataforma, revela a multimodalidade dos Ele-

mentos das textualidades midiáticas na construção do argumento do Pastor/Deputado e dos

adeptos à sua campanha contra o canal Porta dos Fundos.

Marco Feliciano é pastor do Ministério Templo de Avivamento (de ordem evangélica),

apresentador de um programa de televisão do mesmo ministério e foi eleito, em 2009, deputa-

62 OQASSISTIR [2016?] 63 YouTube (2016a).

70

do federal por São Paulo, com mais de 200 mil votos, e reeleito em 2014, com mais de 400

mil. Sua conta do Twitter, que possui, atualmente, mais de 460 mil seguidores, é bastante mo-

vimentada com vários posts por dia, com recados religiosos, trechos da bíblia, bênçãos aos

seguidores, eventos que participou e comentários do pastor sobre os mais diversos temas. A

popularidade de Marco Feliciano no meio evangélico e político e o amplo conhecimento da

sua imagem fazem dele uma celebridade. A influência que ele exerce sobre os seguidores,

bem como a forma com que se coloca na mídia causou grande repercussão sobre o debate

transmidiático e o fez circular com maior potência. Sua posição como Ator do discurso é pri-

vilegiada.

A forma como o pastor se coloca discursivamente no post também contribui para fo-

mentar o debate. A utilização da expressão “podre”, para caracterizar o vídeo, denota senti-

mentos de aversão, raiva, repulsa ou desprezo. Esses sentimentos, ao serem expostos no Twit-

ter aos seguidores de Feliciano acabam sendo repassados e ressignificados de forma a reforçar

a posição religiosa do pastor contrária ao vídeo. Os seguidores que admiram mais o “lado

pastor” de Feliciano, são os principais agentes de circulação desses sentimentos, talvez por

compartilharem valores religiosos que tocam o tema da sátira do vídeo e considera-lo, portan-

to, desrespeitoso. Os atores do debate como Feliciano e a maioria dos seus seguidores não

reconhecem, no vídeo, o gênero do humor ou, se reconhecem, não acreditam na liberdade

plena desse humor censurando o uso da religião como seu objeto. Esse é o cerne da argumen-

tação desses opositores.

O embate entre o Deputado e o Canal Porta dos Fundos foi amplamente noticiado por

jornais on-line como UOL Entretenimento64, o Tempo65, Site Gospel +66, o Globo67, dentre

outros. Essas quatro notícias foram escolhidas dentre as demais por serem de veículos com

representatividade na imprensa ou, no caso do o site Gospel +, por representar uma vertente

de cunho religioso dentre as mídias. Também, por servirem de referência a outras mídias para

a construção das suas notícias, sendo, inclusive, citados por outros sites.

64 UOL (2013b). 65 O TEMPO (2013). 66 GOSPEL+ (2013). 67 Portal G1 (2013).

71

Figura 16: Montagem com várias notícias que repercutiram o embate entre Marco Feli-

ciano e o Porta dos Fundos sobre o vídeo “Oh Meu Deus”.

Fonte: Recorte feito pela autora.

As notícias pesquisadas entre os diversos jornais on-line, principalmente as 4 notícias

escolhidas como representativas, foram escritas, em sua grande maioria, de maneira a expres-

sar um tom imparcial, buscando trazer depoimentos de ambas as partes. Além do aspecto tex-

tual, os quatro jornais on-line escolhidos se utilizam de imagens para compor suas notícias. O

G1 e o Jornal “O Tempo” trazem fotos tanto do tweet de Feliciano quanto da “capa” do vídeo

“Oh Meu Deus”. O site Gospel + mostra apenas a foto da capa do vídeo enquanto o tweet de

Feliciano é retratado textualmente, o UOL apresenta fotos de diversos vídeos já publicados

pelo Porta dos Fundos, mas não do tweet, nem do vídeo “Oh Meu Deus”. O UOL e o site

Gospel + trazem um link para o vídeo “Oh Meu Deus”, mas o Gospel + convida seus leitores

a assistir a “o vídeo que motivou a polêmica68” mas avisa: “O conteúdo abaixo pode ser con-

siderado ofensivo” (MARTINS, 2016). A frase marca de forma determinante o lugar de fala

(BRAGA, 2000) do Jornal Gospel + e dos seus leitores. Apesar de a notícia tentar ser escrita

de uma forma imparcial, no momento em que o jornal adverte seus leitores sobre o conteúdo

do vídeo, ele demonstra uma preocupação com a questão do uso da religião na sátira, já que

muitos dos seus leitores não aceitarão o vídeo como uma brincadeira, mas sim como um des-

respeito por parte do Porta dos Fundos.

O Portal G1 traz um link para a página de diretrizes do YouTube, em que estão as

normas sobre o que deve ou não deve ser apresentado nos vídeos publicados na plataforma. Já

as outras notícias que mencionam essa diretriz, o fazem de forma textual. O UOL colocou

uma enquete para saber a opinião dos leitores sobre o vídeo ser ou não polêmico, sendo que

até setembro de 2016 mais de 36 mil votos tinham sido computados, e a maioria dos votantes

diz que o humor deve ter liberdade e não pode ser considerado ofensivo. Vê-se aqui uma lei-

68 GOSPEL+ (2013).

72

tura e um direcionamento do debate por parte do site UOL que coloca as duas questões mais

citadas nas entrevistas, tweets, comentários e demais reverberações a favor e contra o vídeo: a

liberdade de expressão em contraponto ao uso da religião como tema para o humor. É possí-

vel considerar a enquete como um Elemento da textualidade midiática, que transcende a ques-

tão textual e insere um elemento interativo à notícia, mas também como uma Análise da ar-

gumentação do debate em função da identificação desses dois fortes e recorrentes argumen-

tos, que são operados em uma forma reduzida e direcionada de medir opinião. A enquete não

busca conhecer ou identificar opiniões diversas sobre o vídeo, mas sim oferecer dois polos

onde as pessoas podem concentrar-se, mostrando-se – SIM – favoráveis ao vídeo e à liberdade

de expressão ou – NÃO – contra o mesmo e contra o uso de crenças religiosas por peças hu-

morísticas. Sim ou não, um ou outro, como votações em reality shows que buscam induzir

comportamentos, pensamentos ou situações aos participantes e seus espectadores.

Figura 17: Enquete do UOL sobre o vídeo “Oh Meu Deus”

Fonte: UOL (2013).

As notícias dos jornais selecionados também trazem comentários dos envolvidos na

polêmica, como entrevistas dos integrantes do Porta dos Fundos. Geralmente, os integrantes

que dão entrevistas são os fundadores ou membros mais antigos do canal, formando um dis-

curso mais institucional das questões que envolvem o Porta dos Fundos. Nesse caso, eles

73

afirmaram que a atitude do pastor/deputado produziu, de forma involuntária, uma grande jo-

gada de marketing para o canal, dando muito mais visibilidade ao vídeo e despertando a curi-

osidade das pessoas a respeito da narrativa. As críticas de Feliciano também chamaram a

atenção de figuras midiáticas para o vídeo. Algumas delas comentaram o assunto para os jor-

nais em depoimento ou expuseram suas opiniões nas redes sociais, noticiado pelo site Gospel

+. O deputado Federal e ex-BBB Jean Wyllys, por exemplo, ingressa no debate como ator

discursivo e chama as críticas de Feliciano ao vídeo de fundamentalismo religioso que ameaça

as artes e a diversidade cultural.

Apesar do tom utilizado pelos jornais ser informativo, o site Gospel + mostrou uma

preocupação em não causar desconforto aos seus leitores, como já mencionado, e o jornal O

Tempo expôs um tom um pouco mais diferenciado, apresentando-se, em sua argumentação, de

forma mais acusatória que os demais. A começar pelo versal, que classifica o assunto da notí-

cia como “censura”. Isso já aponta para um julgamento do jornal e um possível posicionamen-

to contra a atitude de Feliciano. Ao falar do pastor, o jornal também ressalta as declarações

homofóbicas e racistas feitas por ele, em outras ocasiões, por meio da sua conta no Twitter.

Apesar de apresentar um certo “ataque” ao pastor e deputado Marco Feliciano, o site O Tem-

po não defende abertamente ou elogia o canal Porta dos Fundos.

Alguns canais do próprio YouTube também postaram suas críticas e comentários so-

bre o caso, como o escritor, psicanalista e pastor Caio Fábio69, líder do movimento evangélico

Caminho da Graça, que retoma a história da igreja para questionar os comentários “nojentos”,

como ele mesmo classifica, de Marco Feliciano. Fábio se coloca como pastor e contra a cen-

sura de qualquer espécie. Caio Fábio questiona, também, o poder da igreja cristã – que ele

chama de Talibã – por ter que se fazer valer de censura para manter a sua dominação. O psi-

canalista também fala das tantas imagens de Jesus que aparecem ao longo do tempo, em dife-

rentes partes do mundo, e ganha adoradores, dizendo que o vídeo “Oh Meu Deus” deve ser

encarado como uma denúncia à banalização do nome e da imagem de Jesus. Nos minutos

finais do seu vídeo, Caio Fábio se refere especificamente à figura de Marco Feliciano com

agressividade questionando as suas atitudes e a sua moral para julgar ou classificar o trabalho

do canal Porta dos Fundos. Seu vídeo possui até setembro de 2016 mais de 140 mil visualiza-

ções.

69 Fábio (2013).

74

Figura 18: Comentário de Caio Fábio sobre a reverberação do vídeo “Oh Meu Deus”.

Fonte: Fábio (2013).

O próprio Porta dos Fundos, de forma institucional, através do seu outro canal Portaria

– canal em que uma vez por semana (domingos), integrantes do Porta gravam vídeos comen-

tando as postagens da semana, lendo comentários de seguidores e opinando sobre polêmicas

causadas. No Portaria, foi postado um vídeo70 em 25 de agosto de 2013, em que Fábio Por-

chat e Antônio Tabet falaram sobre o “Oh Meu Deus”. A forma com que o Porta dos Fundos

se utilizou para comentar toda a reverberação e a polêmica gerada com o vídeo “Oh Meu

Deus” foi também através de um novo vídeo. Eles poderiam ter respondido os comentários no

próprio local onde os comentários são postados, mas um vídeo do Portaria poderia ser uma

forma mais abrangente de fazer isso. A multimodalidade entre as mídias e a mescla do gênero

textual com recursos audiovisuais são evidenciadas por essa prática.

Nesse vídeo do Portaria Porchat e Tabet comentaram que o vídeo “Oh Meu Deus” foi

alvo de polêmica e disseram que “algumas pessoas” falaram do vídeo na imprensa – em ne-

nhum momento, os integrantes do Porta dos Fundos mencionam Marco Feliciano diretamente.

No vídeo do Portaria foram lidos comentários da página do Facebook, sendo alguns brincando

sobre o fato de eles usarem a religião como tema para o humor. Alguns desses comentários

70 Porta dos Fundos (2013c).

75

dizem que eles vão juntos para o inferno; outros criticam a uso da religião argumentando que

é algo sagrado e que não deve ser alvo de brincadeiras. Fábio Porchat e Antônio Tabet fala-

ram suas impressões sobre os comentários, sobre suas crenças pessoais, e defenderam a liber-

dade de expressão e criticaram qualquer tentativa de censura, sempre usando recursos humo-

rísticos nas suas falas.

Figura 19: Imagem do vídeo do canal Portaria em que Fabio Porchat e Antônio Tabet

falam sobre o vídeo “Oh Meu Deus”

Fonte: Porta dos Fundos (2013).

Através da fala de Fábio Porchat e Antônio Tabet aliada à compreensão das diferentes

reverberações geradas pelo vídeo “Oh Meu Deus” podemos partir para a análise dos comentá-

rios da página do YouTube e do Facebook. Os comentários contam com a escrita oralizada

(RECUERO, 2014) já conceituada no primeiro capítulo, mas contam com recursos que lem-

bram gestos ou sons (“rs” ou “kkkkk” que representam as risadas) e também com emoticons.

Nos comentários do vídeo “Oh Meu Deus”, contamos com os seguidores do canal, que

participam de muitos dos vídeos postados pelo Porta dos Fundos, mas também com pessoas

que não gostam do canal; contamos também, pelo vídeo tratar do tema religião, com pessoas

que frequentam a igreja e que possuem premissas religiosas fortes, mas também com pessoas

avessas à religião; contamos com seguidores e opositores pessoais de Marco Feliciano que

vão reverberar a declaração do pastor; e contamos com pessoas que analisam o vídeo pelo seu

conteúdo humorístico. Os Atores do discurso envolvidos neste debate transmidiático tendem a

assumir no seu discurso um desses lugares de fala (BRAGA, 2000).

76

Os comentários das postagens do vídeo “Oh Meu Deus”, tanto na página do YouTube

quanto no Facebook, são fundamentais para exemplificarmos e consolidarmos os lugares de

fala (BRAGA, 2000) mencionados e fazermos a Análise da argumentação do debate. Pude-

mos observar diante desses diferentes lugares de fala (BRAGA, 2000) que os que têm um tom

religioso (a favor e contra) tendem ao embate. Esses atores não estão preocupados com a pro-

posta humorística do vídeo, com a brincadeira em si, mas com o respeito ou desrespeito às

crenças. Quem é contra o uso da religião no humor tende a falar que os integrantes do Porta e

seus seguidores “vão para o inferno” ou outras coisas parecidas, enquanto outro grupo se pre-

ocupa em atacá-los e desmerecer suas crenças. Frases como “com Deus não se brinca”, apon-

tam que, para essas pessoas, o humor tem um limite e que o Porta dos Fundos o ultrapassa.

Enquanto isso, os Atores do discurso que se apresentam contrários a esses comentários religi-

osos se utilizam, algumas vezes, de recursos humorísticos para se envolverem no debate, co-

mo na frase herética em: “Deus que se foda”. Frases como “se Deus não gosta que eu brinque,

então renuncio a Deus. Pronto! Agora me deixe voltar a rir” exemplificam a fala de Minois

(2003) de que o humor aparece como um sexto sentido e há pessoas que o alcançam e outras

não. Essa última frase representa o entendimento do vídeo como uma peça representativa de

humor, de brincadeira e que as pessoas que a compreendem como tal, perdem a paciência com

as pessoas que a levam a sério, culminando em mais provocações.

Figura 20: Amostra de comentários que demonstram o debate religioso.

Fonte: YouTube (2013).

77

Há uma parte dos comentários que fazem referência ao Pastor e Deputado Marco Feli-

ciano. Alguns ironizam a sua tentativa de ele tirar o vídeo do ar e os comentários que ele fez.

Outros se aproveitam da situação para atacá-lo pessoalmente. Comentários que se utilizam de

palavrões e acusatórios a Feliciano (homofóbico, ladrão, racista, dentre outros) são encontra-

dos nesse grupo. Esses Atores do discurso se aproveitam do envolvimento do deputado com o

vídeo para revelarem lugares de fala ancorados em um contexto de conflitos políticos e

econômicos, de forma a chamar a atenção para assuntos ligados à atuação de Feliciano en-

quanto deputado que se apresenta contrário, principalmente, à comunidade gay e a outras co-

munidades e causas relacionadas.

Figura 21: Amostra de comentários que atacam Marco Feliciano e seus seguidores

Fonte: YouTube (2013)

Outro lugar de fala (BRAGA, 2000) dos comentários são os que gostam e desgostam

do vídeo, do canal e da brincadeira em si. Os que gostam do vídeo exaltam a criatividade do

Porta, mencionam trechos favoritos, usam de recursos gráficos que remetem ao som de risada

(“kkkk”, “rsrs”, “hehehe”) enquanto os que não gostam variam entre ofensas e explicações do

seu ponto de vista contrário, sendo que alguns deixam claro que irão descurtir o vídeo. Co-

mentários como “eu sei separar humor de religião” demonstram a habilidade apontada por

Minois (2003) de se entender o acontecimento humorístico narrado no vídeo não de forma

literal, mas por meio de deslocamentos críticos.

78

Figura 22: Amostra de comentários que gostaram do vídeo

Fonte: YouTube (2013)

Figura 23: Amostra de comentários que não gostaram do vídeo

Fonte: YouTube (2013)

De forma a aproveitar a repercussão e a polêmica obtidas, principalmente no que en-

volvia as declarações do pastor deputado Marco Feliciano, o canal Porta dos Fundos não res-

pondeu a nenhum dos comentários deixados em sua página, mas utilizou a sua melhor arma

como resposta: fez um vídeo, postado na semana seguinte (26 ago. 2016), intitulado “Deputa-

do” com o objetivo de satirizar de forma velada Feliciano.

79

O vídeo mostra um deputado (em nenhum momento o nome de Marco Feliciano é ci-

tado) que quer aumentar a sua visibilidade a qualquer custo e reúne seus assessores para des-

cobrir qual assunto ele pode criticar de forma a criar uma polêmica e, assim, aparecer na mí-

dia. Mesmo não envolvendo o nome do pastor, o vídeo tenta recriar todas as críticas que fo-

ram feitas a Feliciano por ter comentado negativamente o vídeo do Porta dos Fundos, mas

também críticas já publicadas na imprensa em outras ocasiões. Falas como “eu gosto é de

furdunço, de confusão” ou “aquele cheiro de Sônia Abrão71 que a gente gosta” demonstram

um tom debochado com que o canal descreve o deputado do vídeo e como eles falar de Marco

Feliciano. O uso de expressões como “endemoniada” ou “mensagem de satanás” remetem ao

lado pastor de Marco Feliciano de forma a aumentar a sua ligação com o deputado retratado

no vídeo. Vários elementos são usados no vídeo não só como forma de deboche, mas para

atingir pessoalmente o pastor e seus seguidores como a própria descrição do vídeo, feita pelo

canal na sua página, fala que um deputado incomoda muita gente, mas quando o deputado faz

chapinha, depila a sobrancelha e dorme de lingerie ouvindo George Michael baixinho, antes

de colocar uma melancia pendurada no pescoço para ir trabalhar, incomoda muito mais. Fina-

lizam a descrição com a seguinte provocação aos seguidores e eleitores de Marco Feliciano:

“sorte que ninguém que preze a moral e os bons costumes votaria num sujeito assim, né?”.

Figura 24: Vídeo “Deputado” do Canal Porta dos Fundos.

Fonte: Porta dos Fundos (2013).

71 Sônia Abrão é jornalista e apresentadora do programa “A Tarde é sua” que fala dos bastidores da televisão e

conta ao público indiscrições sobre celebridades.

80

Com mais de 4 milhões de visualizações, os inúmeros comentários deixam claro que a

relação entre o vídeo e Marco Feliciano foi entendida. Vários jornais on-line também noticia-

ram essa investida do canal, como Caras72, UOL Entretenimento73, dentre outras, também

deixando claro o entendimento da relação entre o deputado do vídeo e Marco Feliciano.

Figura 25: Reportagens noticiando a sátira com o vídeo “Deputado”

Fonte: Recorte da autora (2016).

As reportagens se utilizam, além dos recursos textuais, links para o vídeo “Deputado”,

links para outras matérias como a que fala sobre Fábio Porchat (link acionado pelo nome do

integrante do Porta dos Fundos ao ser citado durante a reportagem), ou a matéria do site UOL

que falava da crítica de Feliciano ao vídeo “Oh Meu Deus”, e o uso de imagens tanto do vídeo

“Deputado” quanto de outros vídeos do canal. Caras On-line faz referência, também, ao tweet

de Feliciano e às declarações de Fábio Porchat e Antônio Tabet no vídeo do canal Portaria.

Além da descrição do vídeo e das referências com as outras reverberações da polêmica

gerada pela postagem do vídeo anterior, “Oh Meu Deus”, o site UOL trouxe para a reporta-

gem uma entrevista com João Vicente Castro, um dos fundadores e sócios do canal, dizendo

72 Revista Caras (2013). 73 UOL (2013a)

81

que o vídeo “Deputado” não é uma resposta ao Marco Feliciano nem uma tentativa de entrar

em algum tipo de polêmica, mas sim, apenas humor. Esse posicionamento aparentemente

despretensioso dos integrantes do canal também aparece no tom usado por Fábio Porchat e

Antônio Tabet no vídeo do Portaria em que comentam o vídeo “Oh Meu Deus”, pregando

liberdade de expressão, não à censura e o humor sem fronteiras ou limites. Essa ideologia

retoma a narrativa do canal em que cinco amigos estavam insatisfeitos com a liberdade criati-

va da TV brasileira e que, por isso, investiram na internet. O fato de publicarem vídeos com

temas polêmicos com espaçamento aparentemente calculado de tempo e a publicação do ví-

deo “Deputado” após toda a reverberação que houve, indica que a polêmica é uma das estra-

tégias comunicativas do canal.

A publicação do vídeo “Oh Meu Deus” e todas as suas reverberações das diferentes

mídias, que interagem umas com as outras, citam-se mutuamente; citam e ressoam seus atores

e suas falas, de maneira em que cada uma dessas peças vai sendo envolvida de forma a consti-

tuir um verdadeiro universo que conta a história dessa polêmica, ou seja, um campo polêmico.

As peças que compõem essa narrativa não são harmoniosas, mas sim conflituosas, possuem

atributos de propagabilidade (JENKINS; GREEN; FORD, 2014), se constituem de forma

múltipla, espalhada, migratória, recursiva e complexa – características da conversação em

rede (RECUERO, 2014), contando com micro e macro contextos e sendo estruturadas através

das mídias – transmidiaticamente – de forma a se enfrentarem, criticarem e embaterem-se.

4.2.1 Formas das interações – “Oh Meu Deus”

Os textos de reverberação aqui analisados fazem parte de um universo maior, mas fo-

ram selecionados pela relevância junto à presente pesquisa, pela visibilidade dos seus atores e

pelo contexto que pertencem e trazem para a constituição do debate transmidiático. Os Ele-

mentos das textualidades midiáticas percebidos na análise do vídeo “Oh Meus Deus” passam,

principalmente, pela combinação da linguagem escrita com linguagem audiovisual (vídeo “Oh

Meu Deus”, vídeo “Deputado”, vídeo do Pastor Caio Fábio e vídeo do Portaria) e imagens

(print screen do tweet de Feliciano e imagem de vídeos do Porta dos Fundos, principalmente

na construção das notícias dos jornais on-line). A linguagem escrita – principalmente nas

áreas destinadas a comentários, seja do vídeo, nas páginas do Facebook e Twitter, na página

do Twitter de Marco Feliciano, do vídeo do Portaria e das páginas de notícias dos jornais on-

line – é repleta de falas oralizadas e de onomatopeia.

82

Quanto mais elementos vão sendo aderidos ao debate, o caráter transmidiático vai

sendo potencializado e forma um universo composto por diferentes peças. O debate transmi-

diático do vídeo “Oh Meu Deus” se inicia, evidentemente, com um elemento audiovisual e, no

desenrolar do debate, outros vídeos vão sendo aderidos, mas não quer dizer que o elemento

“vídeo” seja o mais importante do debate. Neste caso, o elemento analisado como mais im-

portante e ativador fundamental do campo polêmico foi o tweet de Marco Feliciano, que ofe-

receu um contraponto que, pode não ter sido o primeiro, mas foi o de maior visibilidade, à

sátira do Porta dos Fundos. A seleção do tweet de Marco Feliciano como o elemento principal

do debate transmidiático envolve a questão do ator, do contexto a que pertence e o fato de

estar em rede e atingir um alto grau de visibilidade.

Vimos que o Canal Porta dos Fundos prioriza a sua participação no debate através de

vídeos, que são a sua forma oficial de comunicação com o mundo ou através de declarações

aos jornais on-line em que os membros fundadores ou mais antigos, que já possuem um “espí-

rito Porta dos Fundos”, representam o canal. Em nenhum momento os integrantes negam ou

mostram desconhecimento sobre o que vem sendo comentado sobre o vídeo e, principalmen-

te, o que vem sendo comentado nas suas páginas oficiais, mas não respondem os mesmos di-

retamente, as respostas sempre são através de veículos oficiais. Talvez seja uma forma de não

entrar em um embate específico e tentar responder as críticas como um todo, não de forma

pessoal e também, de manter o “universo Porta dos Fundos” sempre presente nas suas partici-

pações visto que as respostas são dadas sempre com humor e descontração.

O debate transmidiático é aberto a todos, sem distinção. Mas o caso estudado indica

que a participação de determinados Atores do discurso pode torná-lo mais visível, mais aces-

sível e mais potente. No caso do vídeo “Oh Meu Deus”, a oposição primeira aconteceu vinda

de um ator célebre, que deu visibilidade e disparou uma cobertura jornalística, provocando,

assim, outros atores inseridos no contexto de Feliciano a participar – Jean Wyllys, deputado

opositor a Feliciano, e o pastor Caio Fábio, que tem uma linha ideológica diferente da de Feli-

ciano, por exemplo. Não se sabe se a polêmica aconteceria com tal força se Marco Feliciano

não tivesse se envolvido. Ainda que a controvérsia já estivesse na essência do vídeo, ela to-

mou uma dimensão maior quando o pastor a reconheceu e a conflitou.

O Canal Porta dos Fundos, como forma de resposta às declarações de Feliciano e tam-

bém como um novo ativador do debate, retorna tanto com uma espécie de defesa para a sátira

do vídeo como também para confrontar Marco Feliciano – vídeo “Deputado”. Os jornais on-

line participam cobrindo a polêmica, mas também a constituindo por dar voz a outros atores

do debate, através das entrevistas e as pessoas comuns/ordinárias compõem a multiplicidade

83

de vozes combinadas, dados os contextos a que pertencem, em grupos “a favor” e “contra” a

sátira do vídeo.

A Análise da argumentação do debate mostra que os grupos formados – a favor e

contra – não se atêm aos elementos de linguagem cômicos do vídeo. Os grupos foram forma-

dos de modo a defender a liberdade de expressão, criatividade artística livre e a não existência

de barreiras e limites para o humor em contraponto com o direito de grupos religiosos mante-

rem a sua fé longe de abusos e desrespeitos por parte dos que não compartilham essas mesmas

crenças. Essa argumentação polarizada está presente entre os diversos atores participantes do

debate: célebres, ordinários e veículos institucionalizados.

O vídeo “Oh Meu Deus” é lançado na página do YouTube do canal Porta dos Fundos

e, no mesmo dia, o pastor e deputado Marco Feliciano tuita sobre ele de forma agressiva e

contrária, mas colocando um link para o vídeo. Essa reação de Feliciano, por ser uma “pessoa

midiática”, obteve cobertura de diversos jornais on-line, gerando mais visibilidade sobre o

vídeo, e comentários que ligavam o vídeo ao tweet de Feliciano. O canal Porta dos Fundos

alimenta as notícias dos jornais on-line com entrevistas apontando seu ponto de vista, lançam

comentários sobre o vídeo “Oh Meu Deus” através do seu outro canal, o Portaria, e, logo de-

pois, lança um vídeo satirizando a figura de um deputado que quer aparecer a qualquer custo.

A sátira também é coberta pelos jornais on-line gerando mais comentários e alimentando a

polêmica. Esse foi o caminho em que as Formas das interações foram sendo constituídas e o

debate transmidiático estabelecido no campo polêmico criado.

4.3 Reverberações e debates acerca dos vídeos “Delação” e “Delação 2”

O vídeo “Delação” exibido pelo canal Porta dos Fundos é acompanhado por um texto

que é uma versão apropriada e alterada de um ditado popular74: “em terra de delator, quem

tem boca fala o que sabe. Mas quem escuta faz o que quer75”. O vídeo e a sua descrição fazem

referência aos acontecimentos no cenário político da época, que trazia um processo de impe-

achment contra a então presidenta Dilma Rousseff, em meio a uma série de acusações e dela-

ções de ex-partidários e opositores contra Dilma e o partido que ela representa, o PT. Foram

feitas inúmeras acusações de corrupção, principalmente contra a presidenta, no intuito de tirá-

la do poder e contra o seu principal aliado e predecessor no cargo de presidente do Brasil,

Luiz Inácio Lula da Silva, mas poucas foram as acusações realmente comprovadas.

74 Refere-se ao ditado popular: Em terra de cego, quem tem um olho é rei. 75 Porta dos Fundos (2016a).

84

O título do vídeo relaciona-se com o processo de “delação premiada”76, que é uma

“troca de favores” (como, por exemplo, atenuação da pena) entre o juiz e o réu desde que o

último forneça informações importantes sobre outros criminosos. O vídeo se associa com as

delações da chamada Operação “Lava-Jato”, promovida pela Polícia Federal Brasileira, | para

investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro no alto escalão da política brasileira. Es-

sa operação começou a ser desenvolvida em março de 2014 como forma de investigar o uso

de uma rede de combustíveis e lava a jato para desviar dinheiro da Petrobrás. Vários políticos

dos mais altos cargos, de diferentes partidos, estão sendo investigados, incluindo Dilma Rous-

seff e Lula, e também grandes empreiteiras que, organizadas em cartel, segundo o Ministério

Público Federal, pagavam propina a diretores e gerentes da Petrobrás.

Nessa operação, já foram presos e processados diversos políticos, funcionários da Pe-

trobrás, donos e funcionários das empreiteiras, mas, até então, não se tem nenhuma acusação

concreta ou provas contra Dilma e Lula que possibilitasse a prisão de ambos. O “Delação” do

Porta dos Fundos faz menção às inúmeras tentativas de incriminar tanto Lula quanto Dilma,

às vezes com fatos irrelevantes, enquanto outros políticos, de partidos contrários ao PT, en-

volvidos em casos de corrupção muito mais explícitos e que eram citados nas delações, não

eram tão investigados.

“Delação” foi lançado no dia 2 de abril de 2016 e obteve até novembro do mesmo ano

mais de 7 milhões de visualizações. O que chama atenção para esse vídeo são os números de

reprovação sendo que as descurtidas, mais de 573 mil, superaram as curtidas em mais de 100

mil cliques. Segundo matéria publicada pelo jornal on-line “Diário de Notícias”, o vídeo “De-

lação” foi o primeiro vídeo do Porta dos Fundos a ter mais descurtidas que curtidas, além de

entrar para a estatística do YouTube como um dos 30 vídeos mais rejeitados de todos os tem-

pos77.

76 Delação premiada é o termo jurídico que descreve um benefício legal, previsto na constituição brasileira, con-

cedido a um réu que aceite colaborar na investigação ou entregar seus companheiros. Wikipédia (2016). 77 DN.PT (2016).

85

Figura 26: Dados de visualização, curtidas e descurtidas do vídeo “Delação”

Fonte: YouTube (2013)

Logo depois de postado, o vídeo já começou a receber rejeições, pois muitas pessoas

que apoiavam o processo de impeachment. Elas viram o vídeo como uma crítica ao trabalho

da Polícia Federal e geraram uma campanha nas redes sociais, que teve seu início atribuído

por muitos jornais on-line a grupos políticos opositores ao governo Dilma, com a hashtag

RIPPorta (#RIPPorta). A sigla RIP representa a expressão “Rest in Peace” (tradução: descan-

se em paz) usada em sepultamentos, que, no caso da campanha RIPPorta, quer decretar a mor-

te do canal Porta dos Fundos. A campanha contou com mensagens de texto e audiovisual, em

diversas redes sociais como YouTube, Facebook e Twitter, que incentivava as pessoas a reti-

rarem a sua inscrição no canal Porta dos Fundos. Alguns dos vídeos postados pela campanha

#RIPPorta mostravam o número de inscritos do canal baixando e com a contabilidade total do

número de inscrições perdidas.

O uso das hashtags permite marcar a publicação de forma a uni-la virtualmente a ou-

tras com a mesma hashtag, a vídeos e imagens, além das mensagens textuais espalhadas, re-

plicadas e interconectadas por diversas redes sociais, e revela o caráter multimodal dos Ele-

mentos das textualidades midiáticas. O uso da hashtag aproxima mensagens afins, dá força à

mensagem pela multiplicidade de vozes que reúne em torno de um mesmo assunto, cria agru-

pamentos/comunidades/tribos que estão dispostas a falar sobre aquele tema e facilita a busca

pelas informações postadas por qualquer ator no universo da internet que utilize esse recurso.

Segundo Drubscky (2015)78, as hashtags são como palavras-chave que marcam o tema do

conteúdo que está sendo publicado ou compartilhado e formam, ainda, um hiperlink que dire-

ciona a pesquisa para todas as pessoas que também marcaram seu conteúdo com aquela

hashtag específica, configurando-se como uma maneira prática de agrupar diversos conteúdos

sobre determinado tema.

78 MARKETINGDECONTEÚDO (2015).

86

As hashtags surgiram em 2009 por um desenvolvedor do Twitter79 que começou a

“hiperlinkar” palavras com o uso do símbolo hashtag #. Em 2010, o Twitter criou os trending

topics que ranqueavam as 10 hashtags que estavam sendo mais utilizadas naquele momento.

Hashtags são usadas como uma espécie de síntese ou “espírito” do post, sendo útil para eco-

nomizar caracteres. As hashtags não ficaram só no Twitter e logo se espalharam por outras

redes sociais.

Figura 27: Imagem de uma das chamadas da campanha #RIPPorta

Fonte: YouTube (2013).

A campanha #RIPPorta não era só um pedido para que as pessoas retirassem as suas

inscrições do canal Porta dos Fundos, mas as postagens, em grande parte, vinham acompa-

nhadas de acusações de conluio do canal com o governo, com o partido dos trabalhadores, de

recebimento de favorecimentos financeiros em troca da publicação do vídeo usando o termo

“vendidos”, além de muitos xingamentos ao canal como um todo e de forma pessoal aos seus

integrantes, principalmente Fabio Porchat e Gregório Duvivier que atuam no vídeo “Dela-

ção”, sendo que Duvivier é declaradamente apoiador do Partido dos trabalhadores – PT – e do

ex-presidente Lula.

Os grupos que lançaram a campanha #RIPPorta foram criados e são administrados por

pessoas ordinárias – pelo menos aparentemente, funcionam assim – que têm valores e objeti-

vos políticos contrários ao do governo de Dilma Rousseff. Mas mesmo que os idealizadores

de grupos assim não sejam celebridades, o tema que atuam, devido ao cenário econômico,

social e político atual, mobiliza muitas pessoas e consegue angariar muitos seguidores. Dessa

79 Gazeta do Povo (2014).

87

forma, esses Atores do discurso assumem um papel altamente relevante para o debate forma-

do.

As acusações de recebimento de incentivos financeiros por parte do governo se deram

em virtude da captação de R$7,5 milhões de reais via ANCINE (Agência Nacional do Cine-

ma) para a produção e lançamento do primeiro filme do canal para os cinemas: “Contrato Vi-

talício”. O Filme teve a maior parte do orçamento (cerca de R$ 5,5 milhões) oriunda da Lei de

Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Conforme publicado pelo UOL Entretenimento, em uma

reportagem sobre o lançamento do filme80, os longas-metragens buscam incentivos financei-

ros através de instituições específicas (ANCINE, por exemplo) que fiscalizam e regulam se a

produção pretendida se enquadra nas normas e quesitos exigidos. Sendo este o processo por

que passou o filme “Contrato Vitalício” para a obtenção do financiamento.

Figura 28: Montagem com comentários que usaram a #RIPPorta

Fonte: Recorte da Autora (2016)

Um dos mais famosos Vloggers do YouTube, que publica vídeos apoiando os partidos

e os políticos de direita, é Nando Moura. No mesmo dia da publicação do vídeo “Delação”,

Nando Moura publicou um vídeo81 fazendo comentários ao “Delação” e pedindo aos seus

seguidores que “descurtissem” o vídeo e, caso fossem inscritos do canal, retirassem a inscri-

ção. Nando Moura também acusa o canal de vender-se para o governo como forma de obter

80 UOL (2016c). 81 Moura (2016a).

88

incentivos fiscais da lei Rouanet para fazer o filme “Contrato Vitalício”. Nando Moura tem

mais de 940 mil inscritos no seu canal do YouTube e o vídeo, em que ele comenta “Delação”

do Porta dos Fundos, obteve, até novembro de 2016, mais de 678 mil visualizações, com 76

mil curtidas e 24 mil descurtidas. Nando Moura é um dos Atores do discurso envolvidos nesse

debate pelo seu número de seguidores e pelo seu poder de mobilização fazendo com que o

debate ganhe força e circulação. Mais uma vez, temos a ação de uma celebridade – ou subce-

lebridade como classifica Rojek (2008), no caso de Nando Moura – ativando o debate e fo-

mentando a polêmica devido à sua visibilidade.

Figura 29: Vídeo de Nando Moura comentando o vídeo “Delação”.

Fonte: Moura (2016a).

O embate chegou a ser publicado em um dos sites que são contra o governo (conside-

rado de esquerda) e apoiam a volta ao poder por partidos de direita. O site “Voltemos à direi-

ta” fez uma matéria sobre o vídeo pregando o boicote ao canal. Na matéria, antes do link para

o vídeo “Delação”, encontra-se a frase: “Sugiro aos nossos leitores que tomem um Engov e

vejam o vídeo abaixo82”. O restante da matéria contém acusações e agressões ao canal Porta

dos Fundos em meio a um discurso antipetista. O boicote ao Porta dos Fundos foi amplamente

apoiado pelo site Voltemos à Direita. "Da nossa parte, sugerimos um boicote ao canal. Somos

maioria e devemos convencer nossos amigos e conhecidos de que o Porta dos Fundos não

82 Miranda (2016).

89

passa de um canal deletério para o humor e a inteligência” (MIRANDA, 2016). Ao se pensar

uma Análise da argumentação do debate, percebe-se que o tom de agressividade desses gru-

pos contra o governo se volta imediatamente contra o Porta dos Fundos que, por causa da pu-

blicação do vídeo, passa a ser visto como um aliado do governo.

Figura 30: Chamada da matéria sobre o vídeo “Delação” publicada pelo site Voltemos à

Direita.

Fonte: Voltemos à Direita (2016).

Logo após o início da campanha de boicote ao canal Porta dos Fundos, Antônio Tabet,

um dos seus fundadores, publicou um texto na sua página pessoal do Facebook defendendo a

liberdade de expressão e a liberdade para fazer humor83. Mais uma vez, a defesa do Porta dos

Fundos contra as polêmicas referentes aos seus vídeos gira em torno da liberdade de expres-

são e liberdade do humor. Nesse texto, Tabet coloca que, mesmo com a sua posição contrária

ao governo e a favor do impeachment, todos do grupo – Porta dos Fundos – devem ter voz e

liberdade criativa para apresentarem o que acreditam. Ele lembra que o Porta dos Fundos já

havia feito vídeos que criticavam o governo e que a não censura deve sempre prevalecer em

uma sociedade democrática, sem demonstrações de ódio e intolerância. “Enfim, era isso que

eu queria mostrar: meu apreço pela liberdade, pela democracia, pelo trabalho, pela justiça,

pelo amor e pelo humor” (TABET, 2016).

Antônio Tabet, como um dos fundadores do Porta dos Fundos, apresenta-se como um

Ator do Discurso relevante. Mas a sua posição política, que também é contrária ao governo,

torna a sua defesa do vídeo e do canal ainda mais determinante na Análise da argumentação

do debate. Tabet é assumidamente a favor do impeachment de Dilma Rousseff e mostra-se

sempre favorável ao trabalho da Polícia Federal, bem como de Sérgio Moro, juiz que atua na

83 Tabet (2016).

90

Operação “Lava Jato” e que foi criticado inúmeras vezes por defensores dos aliados do PT.

Em seu texto no Facebook, o integrante do Porta dos Fundos enfatiza essa posição política

usando também como Elemento das textualidades midiáticas uma hashtag – #TeamMoro –

que é usada por quem defende o trabalho do juiz Sérgio Moro e de investigação dos casos de

corrupção no governo. Mas, apesar da sua posição contrária ao governo, Tabet defende a li-

berdade de expressão e a democracia dentro do grupo Porta dos Fundos em detrimento da sua

posição política pessoal.

Figura 31: Post de Antônio Tabet a respeito da campanha #RIPPorta

Fonte: Tabet (2016).

Vários jornais on-line noticiaram a publicação do vídeo, a grande rejeição imediata

que o vídeo sofreu bem como a campanha de boicote ao canal, mas também a resposta de

Antônio Tabet junto a depoimentos de outros integrantes do canal como Gregório Duvivier.

As reportagens dos jornais on-line UOL Folha de São Paulo84, Veja São Paulo85, UOL TV e

Famosos86 e Diário de Pernambuco87 noticiam o embate entre o canal Porta dos Fundos e

opositores ao governo Dilma.

84 Folha de São Paulo (2016). 85 VEJA (2016a). 86 UOL (2016b). 87 Diário de Pernambuco (2016).

91

Figura 32: Montagem com várias notícias que repercutiram o embate entre o Porta dos

Fundos e a campanha #RIPPorta

Fonte: Recorte da autora (2016).

As notícias pesquisadas nos quatro jornais on-line buscam expressar um tom imparcial

na narrativa dos acontecimentos e apontam os motivos de descontentamento que geraram a

campanha contra e a posição de defesa dos integrantes do Porta dos Fundos. Como aspecto

textual, a maioria dos quatro jornais traz trechos do roteiro do vídeo, entrevistas com integran-

tes do Porta dos Fundos e texto publicado por Antônio Tabet na sua página pessoal – A Veja

São Paulo coloca o texto na íntegra ao final da matéria. Outros Elementos das textualidades

midiáticas são links para o vídeo “Delação”, imagens de cenas do vídeo e foto de Antônio

Tabet. Podemos considerar os títulos das matérias como um elemento da Análise da Argu-

mentação e do Debate por já apontarem para o embate entre a liberdade de expressão e a de-

mocracia – UOL TV e Famosos e Diário de Pernambuco utilizam, inclusive, esse último ter-

mo –, e uma suposta tomada de partido, no cenário político, pelo Porta dos Fundos com o

vídeo.

Após 48 horas da publicação do vídeo, com a campanha #RIPPorta em funcionamen-

to, o canal Porta dos Fundos perdeu cerca de 38 mil assinantes, mas um outro “fenômeno”

começou a acontecer. De forma silenciosa, sem que fosse feita uma campanha com hashtags,

vídeos e comentários, o número de inscritos foi voltando a subir. Segundo o jornalista Lauro

Jardim do jornal O Globo, o número de novos inscritos do canal superava os 40 mil88. O Jor-

nal on-line Brasil Post, da Editora Abril, também noticiou o resultado do boicote89 colocando

uma publicação de Gregório Duvivier feita na sua página pessoal do Facebook em que ele

marca os colegas de Porta dos Fundos Fábio Porchat, Antônio Tabet, Ian Fernandes e João

Vicente Castro comemorando a vitória do amor.

88 O Globo (2016). 89 Huffpost Brasil (2016).

92

Figura 33: Montagem com as chamadas das reportagens do O Globo e Brasil Post.

Fonte: Recorte da autora (2016).

Mesmo não tendo uma campanha explícita ao seu favor – com o uso de hashtags, por

exemplo, ou vídeos e imagens – podemos considerar como Análise da argumentação e do

debate que a campanha #RIPPorta induziu as pessoas que gostaram do vídeo “Delação” e não

concordavam com a #RIPPorta a se manifestar de forma contrária à campanha. Esse movi-

mento de reação – contra #RIPPorta e a favor do canal – fez com que o número de curtidas na

página do Porta dos Fundos voltasse a subir. Na publicação de Gregório Duvivier em sua pá-

gina pessoal do Facebook, o integrante do Porta dos Fundos fez uso, como Elementos das

textualidades midiáticas, um print da matéria escrita por Lauro Jardim do Jornal O Globo e

marcou os colegas de canal para que seu post pudesse ser visualizado não só pelos seus ami-

gos (pessoas que curtem a sua página) como também pelos amigos dos outros integrantes do

Porta dos Fundos (pessoas que curtem as páginas deles). O jornalista Lauro Jardim aparece

como Ator do Debate assumindo um papel de validador das informações postadas e os outros

integrantes do Porta dos Fundos como disseminadores da informação. Podemos pensar a ex-

pressão “o amor venceu”, usada por Duvivier em seu post, como um elemento de Análise da

Argumentação e do Debate que mostra a posição do canal de repúdio a todos que foram into-

lerantes com a liberdade de expressão pregada por eles.

93

Figura 34: Print da publicação de Gregório Duvivier em sua página do Facebook sobre

o boicote.

Fonte: Recorte da autora (2016).

Os comentários na página oficial do Porta dos Fundos no YouTube respondem ao em-

bate proposto. São comentários de cunho político que, de um lado, defendem o canal, o go-

verno e questionam a honestidade da Operação “Lava-Jato” e, de outro, acusam o Porta dos

Fundos de terem se vendido ao governo, considerado corrupto. Nando Moura é um dos perso-

nagens citados nos comentários, sendo xingado ou apoiado, dependendo do posicionamento

de quem fez o post. Fica claro, através dos comentários, que a posição do canal Porta dos

Fundos de defesa da liberdade de expressão, da luta pela não censura e pelo humor livre não é

o foco central da discussão feita por eles acerca do vídeo. A posição dos outros Atores do dis-

curso envolvidos é política, a favor ou contra o atual governo. Sendo assim, a Análise da ar-

gumentação do debate acerca dos comentários se faz através do posicionamento político de

cada lugar de fala (BRAGA, 2000): esquerda ou direita.

94

Figura 35: Amostra de comentários que não apoiaram a publicação.

Fonte: YouTube (2016).

Figura 36: Amostra de comentários de quem apoiou a publicação do vídeo

Fonte: YouTube (2016).

Como de outras vezes em que o Porta dos Fundos se envolveu em polêmicas, no dia

09 de abril de 2016, sete dias após a publicação do vídeo “Delação”, foi publicado um vídeo

em resposta às acusações, à campanha de boicote e a xingamentos sofridos pelo canal ao lon-

go daquela semana. O vídeo teve como título “Delação 2” por se corresponder de forma ex-

plícita com o primeiro vídeo, mas também foi chamado de “Reunião de Emergência 3”, em

referência a outras vezes que os integrantes tiveram que debater sobre movimentos contrários

95

ao canal. O texto de descrição do vídeo faz alusão a diversos boatos, alguns mais incríveis que

outros, surgidos, ao longo dos anos, sobre celebridades e sendo facilitados pela incorporação

da internet na vida das pessoas.

Figura 37: Print da descrição do vídeo “Delação 2”

Fonte: YouTube (2016).

Com quase 5 milhões de visualizações até novembro de 2016, o vídeo “Delação 2”

não obteve a mesma rejeição que o seu predecessor, sendo que as mais de 339 mil curtidas

superaram em muito as 84 mil descurtidas. “Delação 2” satiriza, através de uma atuação pro-

positadamente forçada e com a inclusão de falas que permeiam o absurdo, as acusações feitas

ao canal em função do vídeo anterior e seus detratores.

Figura 38: Dados de visualização, curtidas e descurtidas do vídeo “Delação 2”

Fonte: YouTube (2016).

Jornais e revistas on-line noticiaram a resposta do canal às acusações que haviam sido

feitas, dentre eles, os Jornais Veja São Paulo90, UOL TV e Famosos91, que já tinham noticiado

as polêmicas envolvendo o vídeo “Delação”. O Estadão Cultura92 e o site da Central dos

Trabalhadores do Brasil93 – CTB –, assumidamente esquerdista, também colocaram o movi-

mento do Porta dos Fundos dentre as suas notícias.

90 VEJA (2016b). 91 UOL (2016a). 92 Estadão (2016). 93 CTB (2016).

96

Figura 39: Montagem com várias notícias que repercutiram a publicação do vídeo “De-

lação 2”.

Fonte: Recorte da autora (2016).

Os Elementos das textualidades midiáticas envolvidos contam com os links para o ví-

deo “Delação 2”, sendo que o site da CTB colocou o link para o vídeo “Delação” também,

com imagens e com elementos textuais que buscam traçar o caminho da polêmica, com refe-

rência ao lançamento do primeiro vídeo, à campanha contra e o seu resultado, das publicações

de Antônio Tabet e Gregório Duvivier em suas páginas pessoais e de um novo post de Tabet,

com ares de desabafo, na sua página do Facebook quando compartilhou o vídeo “Delação 2”.

Apesar de não citar o nome de ninguém, Tabet faz menção a Vloggers com orientação política

de direita, como Nando Moura, de forma pejorativa, tratando-os como “reacinhas de merda”,

deixando clara a sua insatisfação.

97

Figura 40: Postagem de Antônio Tabet em sua página do Facebook compartilhando o

vídeo “Delação 2”.

Fonte: Tabet (2016).

Nando Moura, três dias após a publicação do “Delação 2”, fez uma publicação comen-

tando o vídeo do Porta dos Fundos94. No vídeo de Nando Moura, ele critica o uso do exagero

como um recurso para encobrir as acusações de conluio com o governo e o chama de “mentira

por hipérbole”. Nesse vídeo, Nando Moura continua acusando e denegrindo a imagem do Por-

ta dos Fundos e pedindo para as pessoas que ainda estão inscritas retirarem a inscrição.

94 Moura (2016b).

98

Figura 41: Vídeo de Nando Moura comentando o vídeo “Delação2”.

Fonte: Moura (2016b).

Os comentários na página oficial do vídeo “delação 2” do Porta dos Fundos apresen-

tam os lugares de fala (BRAGA, 2000) de quem se manifesta “contra” o vídeo, que são muito

semelhantes ao do “Delação”, ou seja, que ataca o Porta dos Fundos com alegações relaciona-

das à política. Mas o lugar de fala (BRAGA, 2000) de quem está “a favor” do vídeo mudou de

um forte posicionamento político esquerdista para a defesa do humor. A forma irônica e satí-

rica com que o texto foi escrito, usando diversas acusações passadas já sofridas pelo canal,

bem como a atuação exagerada, ficaram explícitos para o entendimento do esquete humorísti-

co proposto.

99

Figura 42: Amostra de comentários de quem apoiou a publicação do vídeo

Fonte: YouTube (2016).

Os comentários favoráveis fazem referência às falas satíricas e ao humor, exaltando as

partes mais divertidas, segundo os usuários. Os comentários contrários ao canal apresentam a

mesma carga de ódio do primeiro vídeo e também o mesmo lugar de fala (BRAGA, 2000) de

intolerância política. Nando Moura continua a ser exaltado e apontado como referência.

Segundo Espinoza (2008), a intolerância promove o ataque, opressão e destruição de

algo ou alguém buscando o engrandecimento próprio em cima desse ato, fazendo com que a

sua alegria seja a tristeza do outro. Cada vez mais jornais estão produzindo matérias95 para

noticiar reações violentas das pessoas, principalmente nas redes sociais, a alguém, algum

evento, ideia, publicação, fato, acontecimento ou mesmo hipóteses. Os movimentos e frases

de intolerância trazem, na maioria das vezes, alguma referência à morte ou algum tipo de

agressão (por doenças, espancamento, uso de armas de fogo), uso de palavrões e insultos.

Podemos ver isso claramente nos comentários destacados abaixo.

95 Exemplo de matéria sobre intolerância. Jornal NH (2015).

100

Figura 43: Amostra de comentários de quem não apoiou a publicação do vídeo

Fonte: YouTube (2016).

4.3.1 Formas das interações – “Delação” e “Delação 2”

Os textos de reverberação de ambos os vídeos aqui analisados fazem parte de um uni-

verso maior, mas foram selecionados pela relevância junto à presente pesquisa, pela visibili-

dade dos seus atores e pelo contexto que pertencem e trazem para a constituição do debate

transmidiático. Os Elementos das textualidades midiáticas percebidos na análise dos vídeos

“Delação” e “Delação 2” passam, principalmente, pela combinação da linguagem escrita com

a linguagem audiovisual (ambos os vídeos do Porta dos Fundos, vídeos da campanha #RIP-

Porta, vídeos de Nando Moura) e imagens (print screen das declarações de Antônio Tabet e

imagem de vídeos do Porta dos Fundos, principalmente na construção das notícias dos jornais

on-line). A linguagem escrita – principalmente nas áreas destinadas a comentários, seja do

vídeo, nas páginas do Facebook e Twitter, na página do Twitter de Marco Feliciano, do vídeo

do Portaria e das páginas de notícias dos jornais on-line – continua, assim como no primeiro

vídeo analisado, repleta de falas oralizadas e de onomatopeia.

As peças que compõem e ativam o debate transmidiático formado em torno dos vídeos

“Delação” e “Delação 2” têm como uma hashtag o seu elemento principal. A hashtag #RIP-

Porta ofereceu um contraponto fundamental ao vídeo para a formação do debate. Esse contra-

ponto pode não ter sido o primeiro a ser feito, nem ter sido criado por uma celebridade, mas

tem a força de um grupo, a força de representar uma multiplicidade de vozes. A seleção do

recurso #RIPPorta como o elemento principal desse debate transmidiático se deu pela sua

101

rápida e fácil circulação e adesão, atingindo um alto grau de visibilidade, além de incentivar o

uso de outras hashtags ao longo do debate como a usada por Antônio Tabet #TeamMoro.

A hashtag propicia maior participação de pessoas no debate, mas a participação de

Atores do discurso, como Nando Moura, também pode torná-lo mais visível e potente. Nando

Moura não é tão célebre quanto Marco Feliciano, principal ativador da polêmica do vídeo “Oh

Meu Deus”, mas com os mais de 900 mil inscritos em seu canal do YouTube, também é con-

siderado um influenciador digital. Prova disso são os inúmeros comentários na página do

YouTube e Facebook do canal Porta dos Fundos que, de alguma forma, cita Nando Moura.

O canal Porta dos Fundos que, na polêmica do vídeo “Oh Meu Deus”, manteve a sua

participação no debate apenas com vídeos e declarações à mídia (declarações oficiais), teve,

neste caso, uma participação mais ativa e pessoal dos seus membros através das suas contas

em redes sociais. Antônio Tabet e Gregório Duvivier foram os integrantes mais ativos na

construção do debate ao interagirem nas suas páginas pessoais do Facebook, causando ainda

mais comoção entre seus seguidores e opositores. O vídeo “Delação 2” funciona como uma

resposta do canal às reverberações causadas pelo vídeo “Delação”, sendo colocado no debate

transmidiático de forma explícita, conforme indica a referência do título dos vídeos. O que se

diferencia da primeira análise, em que a ligação do vídeo “Deputado” com o vídeo “Oh Meu

Deus” se dá de forma menos explícita.

A Análise da argumentação do debate mostra que os grupos formados – a favor e con-

tra – não se atêm aos elementos de linguagem cômicos do vídeo. Os grupos foram formados

de modo a defender ou se opor ao governo de Dilma Rousseff. Aqueles que são a favor do

governo tendem a defender o vídeo e os que são contra o governo a se opor ao vídeo. Essa

argumentação polarizada (a favor ou contra o governo) está presente entre os diversos atores

participantes do debate: célebres, ordinários e veículos institucionalizados.

Os membros do Porta dos Fundos entram no debate com um ponto de vista diferente.

Não são a favor nem contra o governo, mas defendem a liberdade de expressão e de fazer

humor, independentemente da posição política de alguém. Desse modo, é significativo e estra-

tégico que Tabet e Duvivier, que se declaram estar em diferentes ou mesmo opostos campos

ideológicos, sejam os membros do Porta dos Fundos a responder pelo grupo. Acredita-se que

o contexto político que o Brasil estava vivendo no momento da publicação de ambos os ví-

deos fosse tão potente que tenha se sobressaído à questão do humor para a grande maioria das

pessoas que interagiram com o vídeo, mas não para os membros do Porta dos Fundos que

possuem os ideais de liberdade de expressão como essência motriz do canal.

102

O vídeo “Delação” é lançado na página do YouTube do canal Porta dos Fundos e, no

mesmo dia, começa uma campanha com a #RIPPorta contra o vídeo, repleta de acusações de

associação do canal com o governo e de corrupção e pedindo que as pessoas retirassem a sua

inscrição do canal. Em seguida, Nando Moura publica um vídeo contra o Porta dos Fundos e

apoia a campanha de retirada da inscrição. O número de inscritos no Porta dos Fundos come-

ça realmente a cair, o que faz fomentar ainda mais a polêmica, gerando cobertura dos jornais

on-line e a reação de alguns membros do Porta dos Fundos. A visibilidade do vídeo vai au-

mentando e começa, então, uma reação contrária, fazendo com que os números de inscritos do

canal volte a aumentar, ultrapassando o número de inscritos do dia da postagem do vídeo

“Delação”. O Porta dos Fundos lança um segundo vídeo, “Delação 2”, como uma forma de

resposta a todas as acusações feitas em decorrência do primeiro vídeo. A resposta satírica do

canal também foi noticiada por jornais on-line ativando a polêmica e fazendo-a circular. Esse

foi o caminho em que as Formas das interações foram sendo constituídas e o debate transmi-

diático estabelecido no campo polêmico criado.

4.4 Análise e comparação do debate transmidiático na formação do campo polêmico em

ambiente on-line

O canal Porta dos Fundos foi criado, segundo seus integrantes, com o objetivo de fugir

das restrições televisivas e das outras mídias chamadas “tradicionais” impostas ao humor.

Após as análises realizadas, podemos dizer que, no debate transmidiático, a liberdade do hu-

mor e de expressão se configura como a principal bandeira defendida pelo Porta dos Fundos.

O canal recusa rótulos ideológicos, afirmando que seu compromisso é com o humor, com a

qualidade dos seus esquetes, roteiros, filmagens e atuações. Apesar de evitarem sátiras mais

pesadas com as chamadas “minorias” em termos de representação (gays, travestis, transexu-

ais, negros, dentre outros), estas ainda assim são usados como tema para o humor.

Quando a brincadeira com essas “minorias” não repercute da maneira que eles espe-

ram, visto que a mediação é imprevisível e pode provocar a produção dos mais diversos senti-

dos, o canal pede desculpas. Um caso como esse aconteceu com o vídeo “Travesti”, postado

em julho de 2015, que mostra um homem e uma mulher chegando a um quarto, se acarician-

do, quando ele “descobre” que a mulher é realmente uma mulher e não um travesti como ele

pensava anteriormente. O homem fica frustrado e fala que se deslocou da Barra da Tijuca à

Lapa pensando que sua companheira era um travesti, já que tinha um buço grosso, cheiro de

suor masculino e pés de jogador de futebol. Acusa, então, a mulher de tê-lo enganado. A mu-

103

lher se defende dizendo que não tem a obrigação de sair dizendo qual a natureza do seu órgão

genital para as outras pessoas. A dupla troca algumas outras ofensas irônicas e, quando o ho-

mem ameaça ir embora, a mulher o chama e apresenta um pênis de borracha para que “o cli-

ma não fique ruim”. Eles, então, voltam ao ato sexual. Após os créditos, o homem aparente-

mente arrependido da noite, se desculpa com a mulher por ter gostado da transa e ter tido uma

boa performance, apesar de mulheres não serem a sua preferência sexual. Após algumas ma-

nifestações de insatisfação com o vídeo, Gregório Duvivier, pediu desculpas em sua página

pessoal do Facebook, dizendo que iria tirá-lo da sua página por admitir o teor ofensivo do

vídeo, mas que o manteria no ar no canal Porta dos Fundos, por envolver o trabalho de muitas

outras pessoas.

A internet oferece um lugar de liberdade e quebra de padrões para o humor do Porta

dos Fundos, mas também oferece liberdade aos que desejarem interagir com aquela publica-

ção. É um lugar de exposição, ataque e defesa e cada uma dessas ações vai depender do con-

texto do seu articulador e dos sentidos que produz a partir da mediação. As inúmeras pessoas

que se envolveram nos debates dos vídeos assumiram uma postura diante do assunto tratado

pelos mesmos colocando-se a favor ou contra tal assunto. Enquanto isso, o Porta dos Fundos

sempre comentou seus vídeos do ponto de vista da liberdade de expressão, respeitando a sua

essência. Dessa forma, enquanto o debate acontecia em torno de um tema, discutindo um as-

sunto, o Porta dos Fundos discutia o humor.

Na primeira análise, tivemos Marco Feliciano como principal ativador. Na segunda

análise, tivemos a participação de Nando Moura como uma importante peça do debate. Esses

atores engendram no debate os sentidos produzidos pelo contexto e disseminam esses sentidos

dentre as pessoas que os compartilham com uma rapidez muito maior do que as pessoas ordi-

nárias. Trazem tanto pessoas favoráveis às suas ideias quanto contrárias. Fato é que o capital

social e de visibilidade que ambos os atores articulam (Feliciano mais que Nando Moura)

podem ser considerados ativadores e fortalecedores do debate, sendo peças fundamentais para

o aumento do alcance do campo polêmico formado pelos vídeos.

Os discursos que compõem o debate defendem seu ponto de vista apaixonada e vigo-

rosamente, mostrando-se agressivos, até. Esses discursos passionais não buscam referências

teóricas, numéricas ou analíticas para embasarem-se, mas sim crenças e convicções. Acabam

por formar um debate polarizado, em que um lado defende o vídeo e outro o ataca. O Porta

dos Fundos, estrategicamente, apresenta-se sempre no debate de forma bem-humorada e mo-

derada. Enquanto a imprensa, em sua maioria, adota uma postura imparcial e noticiosa, típica

desse tipo de comunicação. A imprensa busca expor todos os “lados” do debate, entrevistar

104

todos os principais envolvidos, relatar os acontecimentos, sem tomar partido. A busca por

essa postura imparcial é entendida como uma busca pela “verdade”, pelo relato dos fatos, dei-

xando a tomada de opiniões para o seu leitor.

Os vídeos da segunda análise contam com o recurso das hashtags como elemento ati-

vador do debate. Talvez pelo vídeo da primeira análise ter sido postado em 2013 e o recurso

da hashtag ainda não estar tão consolidado e disseminado, ele não tenha entrado como um

elemento para esse debate. No segundo vídeo, contudo, a ela configura-se como elemento

agregador e fomentador. As hashtags em debates transmidiáticos respondem, em geral, à ca-

racterística passional dos seus atores e apresentam também um caráter de agressividade – as-

sim como a #RIPPorta que demanda a morte do canal. A hashtag é tão forte pelo seu poder de

agrupamento e representatividade e, em muitos debates, pode ser usada em uma “guerra de

hashtags” mostrando que o “lado mais forte” é o que tem a hashtag que é mais utilizada.

O caráter transmidiático também se faz fundamental para a fomentação do debate. Ca-

da peça das diferentes mídias, que vai se ligando no desenrolar da narrativa formada no deba-

te, leva contextos, atores, expertises, papeis e sentidos diferentes que vão se engendrando e

criando, segundo Scolari (2009), um amplo espectro de segmentos de audiência. Apesar das

diferentes narrativas e dos diferentes contextos, os debates acabam se dividindo e sendo ade-

ridos por vertentes mais fortes e polarizadas.

O Porta dos Fundos, mais do que um canal do YouTube, é uma empresa e seus só-

cios/funcionários atuam em favor do humor e do negócio. O sucesso do Porta dos Fundos tem

a ver com a qualidade do material que fazem, dos roteiros que escrevem, do ambiente de cria-

tividade e liberdade que constituíram, mas também pelo entendimento de um contexto em que

polêmica e controvérsia são essenciais, numa lógica de interatividade que demanda a partici-

pação do público. É uma lógica interativa, em que o debate, a polarização e a controvérsia são

respostas demandadas pela estratégia. Nesse sentido, o humor na rede conta com o usuário

como colaborador, em uma narrativa não necessariamente incluída no esquete, mas que é ati-

vada por meio dele, por meio do campo polêmico.

Um contexto cultural em que se tem liberdade de expressão ainda não está totalmente

em pauta e, por isso, a transgressão possa ser valorizada. O contexto contemporâneo nos mos-

tra que alguns grupos considerados minoritários vão ampliando o seu espaço e participação na

sociedade conseguindo, muitas vezes, direitos constitucionais assegurados (negros, gays, tran-

sexuais, dentre outros), mas, ao mesmo tempo o conservadorismo político, social e cultural

105

está em progressão (vitória de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos96, inaugu-

ração da escola de princesas97 no Brasil, dentre outros). O Porta dos Fundos se utilizam de

polêmicas como recursos que reavivam e alimentam o interesse das pessoas pelo canal, ati-

vando essas polêmicas de forma assertiva e possibilitando a consolidação da sua essência: a

liberdade de fazer rir.

96 Donald Trump, candidato republicano, venceu Hilary Clinton, democrata, contrariando as previsões. Hilary

era vista como a continuidade do governo, enquanto Trump era a oposição. Trump defende o fechamento dos

EUA para os imigrantes e é considerado machista por algumas das suas declarações e pela sua conduta com

mulheres. 97 A Escolas de Princesas, como o próprio site diz, é um projeto criado para levar ao coração das meninas, o

resgate de valores e princípios morais e sociais para construir um caráter sólido e incorruptível. Escola de Prin-

cesas (2016).

106

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Porta dos Fundos, mais que um canal de YouTube, é uma empresa com diversos

produtos multimídia que criam um universo próprio constituído, não só por cada um desses

produtos, mas também por suas narrativas e reverberações. Seus vídeos polêmicos, de humor

satírico e que se querem livres de censura, ativam debates transmidiáticos marcados pela con-

trovérsia.

O universo de disputa por significados que envolve o Porta dos Fundos é gerado pelo

embate de ideias, resultante dos temas de alguns dos vídeos. Conforme já dissemos nesta pes-

quisa, o debate transmidiático, que se dá a partir desses vídeos, é entendido como o conjunto

de diferentes textos “a favor” ou “contra”, espraiados em mídias diversas, que irão circular e

compor as discussões, seja em outros vídeos do canal Porta dos Fundos, seja em reportagens

de jornais on-line, comentários nas redes sociais do Porta dos Fundos e nas páginas ou em

outros canais pessoais, de anônimos e célebres.

Esta pesquisa indica que, possivelmente, a formação do campo polêmico através do

debate transmidiático se dá, no caso do Porta dos Fundos, de forma inicialmente estratégica,

mas o seu desenrolar não pode ser controlado. Tratamos aqui, de um processo de mediação

que, segundo Silverstone (2002), implica o movimento de significado de um texto a outro, de

forma que o contexto de engajamento com o texto vai influenciar na forma como os significa-

dos são produzidos por cada um dos atores participantes do debate. O campo polêmico resul-

tante do debate pode, então, ser considerado um elemento integrante do próprio fenômeno que

o produz, isto é, o fenômeno Porta dos Fundos implica não somente os vídeos satíricos, mas a

mediação deles, no debate transmidiático, que acaba por gerar novos vídeos e novas estraté-

gias.

O grupo Porta dos Fundos afirma ter procurado a internet pela liberdade oferecida por

esse ambiente e, assim, fugir das limitações impostas pelas mídias mais “tradicionais”, nota-

damente a televisão aberta. Mas a internet também oferece a liberdade de resposta e, dessa

forma, cria-se o debate em torno de assuntos polêmicos, por meio de textos, como vimos, ca-

racterizados pela polarização e pelo discurso virulento. Esses desdobramentos em relação aos

atores envolvidos, na rede, com o canal e com a polêmica acaba por alimentar o debate e for-

talecer o universo Porta dos Fundos.

Quanto mais atores participam do debate, mais conexões sociais são feitas e mais elas

são visíveis (capital social e de visibilidade alto), maior torna-se o seu potencial de propagabi-

lidade. Debates potentes possuem agentes geradores de valor contínuo e renovável que pro-

107

longam o engajamento dos atores com a narrativa debatida. Marco Feliciano, no primeiro caso

estudado, e Nando Moura, no segundo caso, são atores com alto capital social participantes do

debate. A cobertura jornalística do debate também gera visibilidade para os vídeos e para a

controvérsia, por consequência, torna-os mais potentes.

A multiplicidade e polissemia favorecidos pelo ambiente on-line permitem que o de-

bate transmidiático se desenvolva e consolide, encontrando, nas formas harmônicas e não

harmônicas de relacionamento entre atores, as suas formas de interação. A multimodalidade

das conversações em rede – conversações que se dão através de diferentes plataformas on-line

–, se dão através da cooperação entre múltiplos mercados midiáticos alterando a lógica de

funcionamento da indústria midiática e de circulação e processamento de uma informação

(JENKINS, 2009). É a era da comunicação transmidiática, do “Do it Yourself”, dos bloggers

e Vloggers, dos memes e GIFs. Uma sinergia entre “velhas mídias” e “novas mídias”.

O uso da hashtag – possibilidade de marcação e agrupamento das informações – mar-

ca os novos padrões nas relações de produção e recepção em que os atores atuam como cocri-

adores daquela narrativa. Esses novos padrões, implicados no movimento de significações e

na circulação de sentidos, geram novas posições e novas estratégias comunicacionais.

A relação colaborativa do YouTube com as outras plataformas de redes sociais on-line

– possibilidade de transferência de conteúdo entre as diferentes plataformas – favorecem a

visão do consumo como um espaço dinâmico e processual. As pessoas puderam se apropriar,

curtir, compartilhar os conteúdos dos vídeos e das reverberações nas suas páginas pessoais.

Tendo isso em mente, podem ser traçadas estratégias que facilitam a participação das pessoas

no debate, tornando-o mais visível e propagável.

Os debates transmidiáticos possuem uma carga passional. A cultura da convergência e

da conectividade representa não só uma mudança no comportamento das pessoas, mas tam-

bém na forma de pensar e, mais ainda, na forma de pensar a comunicação e efetivamente co-

municar-se. Os atores defendem o seu ponto de vista de forma emotiva, apaixonada e, muitas

vezes, agressiva. Talvez pela ilusão do distanciamento e do anonimato que o ambiente on-line

proporciona, as pessoas tendem a expressar-se de forma mais eloquente. Os discursos, no de-

bate transmidiático, no entanto, ao contrário do que poderia se esperar de uma rede como po-

tencial para a pluralidade, não representam uma multiplicidade de vozes. São discursos pola-

rizados, “a favor” ou “contra” a temática central do debate que vão sendo somados e multipli-

cados de acordo com o contexto e com as transformações de sentido de cada um dos atores

participantes. O Porta dos Fundos, no entanto, não se posiciona em nenhum dos lados do de-

bate, mas sim, a favor da liberdade de expressão e liberdade de fazer humor.

108

O humor se apresenta como um ativador do debate transmidiático pois, segundo Jen-

kins, Green e Ford (2014), é uma forma através da qual as pessoas articulam e validam seus

relacionamentos. O gênero de humor que prevalece, no caso do Porta dos Fundos, é a sátira,

forma de fazer referência aos elementos da sociedade de uma forma sempre crítica e que se

aproveita, principalmente, de elementos circunstanciais – acontecimentos atuais ou que são

tratados na atualidade. Há outros fenômenos, como o Porta dos Fundos na internet, que tratam

o humor como forma de crítica social e de, estrategicamente, criar um campo polêmico para

obter visibilidade e sucesso como: Dilma Bolada98, Sensacionalista99, Morri de Sunga Bran-

ca100, Kibe Loco101, dentre outros. Esses são fenômenos bem diferentes entre si, mas que

compartilham a sátira como gênero e certo grau de visibilidade nas redes sociais, embora ne-

nhum deles tenha conseguido o sucesso do Porta dos Fundos.

O universo polêmico do Porta dos Fundos, como pudemos ver nos casos aqui estuda-

dos, é construído estrategicamente a cada vídeo lançado. A cada debate formado, mais visibi-

lidade é gerada para o canal que volta a alimentar o debate com novos vídeos. Vimos, nos

casos estudados, que, após a polêmica do vídeo “Oh Meu Deus”, foi lançado o vídeo “Depu-

tado”, que, de certa forma, resulta, em um processo de mediação, do embate com Marco Feli-

ciano. Após o vídeo “Delação”, foi lançado o vídeo “Delação 2”, que se refere de forma ex-

plícita à primeira narrativa. Os novos vídeos são postados como uma resposta mais pontual

acerca do debate e, possivelmente, postados já com novos debates em mente. Sendo assim,

podemos falar que a formação do campo polêmico integra a lógica produtiva do Porta dos

Fundos.

O fato de que o debate transmidiático possa ser entendido como estratégia não anula a potên-

cia de sua mediação social. Ele é também um lugar em que podemos observar e analisar for-

mas de expressão, gregárias, que reforçam relacionamentos, e que afirmam a importância das

diferenças; e, em outras situações, agressivas, combativas e intolerantes. O debate, a partir da

liberdade criativa do humor, é o reconhecimento da existência de outras perspectivas que

compõem comunidades que, evidentemente, não são apenas virtuais e com as quais podemos

desenvolver empatia ou não; mas, mesmo nos conflitos, essas comunidades são sempre reve-

ladoras de nossa vida social.

98 Dilma Bolada [2016?]. 99 Sensacionalista [2016?]. 100 Morri de Sunga Branca [2016?]. 101 Kibe Loco [2016?].

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117

ANEXO A – Print das reportagens que reverberaram os vídeos “Oh Meu Deus”, “Depu-

tado”, “Delação” e “Delação 2”

Fonte: Portal G1 (2013).

118

Fonte: UOL (2013b)

121

123

126

Fonte: Diário de Pernambuco (2016).

127

128

Fonte: Folha de São Paulo (2016).

129

131

134

135

Fonte: UOL (2016a).

136

137

Fonte: Estadão (2016).

138